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PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO REGIONAL E INFORMAÇÃO TÉCNICO-CIENTÍFICA EM SAÚDE SUPLEMENTAR PARA A REGIÃO SUL DO BRASIL REDE DE CENTROS COLABORADORES EM SAÚDE SUPLEMENTAR NÚCLEO SUL AGOSTO, 2007

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  • PRODUO DE CONHECIMENTO REGIONAL E

    INFORMAO TCNICO-CIENTFICA EM SADE

    SUPLEMENTAR PARA A REGIO SUL DO BRASIL

    REDE DE CENTROS COLABORADORES EM SADE SUPLEMENTAR

    NCLEO SUL

    AGOSTO, 2007

  • 1

    REDE CIENTFICA SUL: 14 Instituies de Ensino Superior

    04 pblico-federais :

    UFPR, UFSC, UCS e UFRGS

    10 comunitrias :

    UEM, Uniplac, UPF, Uniju, Univates, Unisc, IPA, Urcamp, UFPel e UCpel

  • 2

    CONDUO GERAL E

    ARTICULAO NUCLEAR:

    UFRGS EducaSade

    Ncleo de Educao,

    Avaliao e Produo

    Pedaggica em Sade

    UCS Nepesc

    Ncleo de Educao e

    Pesquisas em Sade Coletiva

    reas Envolvidas:

    Educao em Sade Coletiva

    Estudos sobre a Formao e Desenvolvimento de Profissionais de Sade

    Pesquisa Avaliativa em Sade

  • 3

    EDITOR

    Ricardo Burg Ceccim

    COMISSO EDITORIAL

    Lcia Ins Schaedler

    Luiz Fernando Silva Bilibio

    Maurcio Moraes

    Raphael Maciel da Silva Caballero

    Teresa Borgert Armani

    REDE CIENTFICA SUL

    Centro Universitrio Metodista Instituto Porto Alegre IPA

    Centro Universitrio Vale do Taquari de Educao Superior Univates

    Universidade Catlica de Pelotas UCPel

    Universidade de Caxias do Sul UCS

    Universidade de Passo Fundo UPF

    Universidade de Santa Cruz do Sul Unisc

    Universidade do Planalto Catarinense Uniplac

    Universidade Estadual de Maring UEM

    Universidade Federal de Pelotas UFPel

    Universidade Federal de Santa Catarina Ufsc

    Universidade Federal do Paran UFPR

    Universidade Federal do Rio Grande do Sul Ufrgs

    Universidade Regional da Campanha Urcamp

    Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul Uniju

    AUTORES

    Aida Maris Peres enfermeira, especialista em didtica no ensino superior e em

    enfermagem de urgncias, mestre em administrao, doutora em enfermagem pela

    USP, professora da Universidade Federal do Paran.

    Alcindo Antnio Ferla mdico sanitarista, doutor em educao pela Ufrgs,

  • 4

    professor da Universidade de Caxias do Sul.

    lvaro Fraga Moreira Benevenuto Jr. jornalista, mestre em comunicao social,

    doutor em cincias da comunicao pela Unisinos, professor da Universidade de

    Caxias do Sul.

    Ana Jlia Poersch estudante de pedagogia na Ufrgs, bolsista de iniciao cientfica

    junto ao EducaSade/Ufrgs.

    Ana Lusa Poersch estudante de psicologia na Ufrgs, bolsista de iniciao cientfica

    junto ao EducaSade/Ufrgs.

    Ananyr Porto Fajardo odontloga, mestre em odontologia, doutoranda em educao

    na Ufrgs, preceptora de residncia multiprofissional no Grupo Hospitalar Conceio.

    Antnio Fernando Boing odontlogo, mestre em epidemiologia, doutorando em

    odontologia na USP, professor da Universidade Federal de Santa Catarina.

    Arlete Regina Roman enfermeira, mestre em enfermagem, professora da

    Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

    Bruna Ballarotti estudante de medicina na Ufsc, bolsista de iniciao cientfica

    junto ao EducaSade/Ufrgs.

    Carla Daiane Silva Rodrigues estudante de enfermagem na Ufrgs, bolsista de

    iniciao cientfica junto ao EducaSade/Ufrgs.

    Cssia Regina Gotler Medeiros enfermeira, mestre em enfermagem pela Ufrgs,

    professora do Centro Universitrio Vale do Taquari de Ensino Superior.

    Cntia Galdmez estudante de psicologia na UFPR, bolsista de iniciao cientfica

    junto ao EducaSade/Ufrgs.

    Denise Elvira Pires de Pires enfermeira, mestre em sociologia poltica, doutora em

    cincias sociais, ps-doutora em cincias da sade pela University of Amsterdam,

    professora da Universidade Federal de Santa Catarina.

    Dora Lcia Leidens Corra de Oliveira enfermeira, mestre em educao, doutora

    em educao em sade pela University of London, professora da Universidade

    Federal do Rio Grande do Sul, coordenadora do Grupo de Estudos em Promoo da

    Sade PPGEnf/Ufrgs.

    Douglas Deckert enfermeiro, msico, especialista em enfermagem de terapia

    intensiva.

  • 5

    Eleonor Minho Conill mdica, mestre em sade comunitria e doutora em

    desenvolvimento econmico e social pela Universit de Paris (Sorbonne), professora

    da Universidade Federal de Santa Catarina.

    Ellen Regina Pedroso enfermeira, pesquisadora do Nepesc/UCS.

    Fernanda de Oliveira Florentino dos Santos estudante de enfermagem na UFPR,

    bolsista de iniciao cientfica junto ao EducaSade/Ufrgs.

    Fernanda Erlo Ribeiro estudante de medicina na UCS

    Fernanda Hampe (Pires) psicloga, mestranda em educao na Ufrgs.

    Fernanda Peixoto Crdova enfermeira, mestranda em enfermagem na Ufrgs.

    Fernando Jos Medeiros Fossati odontlogo, especialista em periodontia pela

    Ufrgs, especialista em gesto em sade pela Ufrgs, odontlogo judicirio no Tribunal

    de Justia do Estado do Rio Grande do Sul.

    Fernando Schuster Battaglin estudante de medicina na UFPR, bolsista de iniciao

    cientfica junto ao EducaSade/Ufrgs.

    Flvia Raquel Rossi enfermeira, mestre em enfermagem, professora da

    Universidade de Caxias do Sul.

    Francielle Limberger Lenz estudante de psicologia na Unisc, bolsista de iniciao

    cientfica junto ao EducaSade/Ufrgs.

    Francyne Werner estudante de psicologia na Ufsc, bolsista de iniciao cientfica

    junto ao EducaSade/Ufrgs.

    Gabriel Trevizan Corra estudante de odontologia na Ufrgs, bolsista de iniciao

    cientfica junto ao EducaSade/Ufrgs.

    Gilnara da Costa Corra de Oliveira fisioterapeuta, doutoranda em educao na

    Ufrgs, professora da Universidade Regional da Campanha.

    Hosanna Pattrig Fertonani enfermeira, mestre em enfermagem, doutoranda em

    enfermagem na Ufsc, professora da Universidade Estadual de Maring.

    Janice Dornelles de Castro economista, mestre em economia da sade pela London

    School of Economics, doutora em sade coletiva pela Unicamp, professora visitante

    da Fundao Oswaldo Cruz/Braslia.

    Joo Paulo Mello da Silveira estudante de medicina na Ufsc, bolsista de iniciao

    cientfica junto ao EducaSade/Ufrgs.

  • 6

    Karin Noga estudante de odontologia na UFPR, bolsista de iniciao cientfica

    junto ao EducaSade/Ufrgs.

    Liane Beatriz Righi enfermeira, doutora em sade coletiva pela Unicamp,

    professora da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

    Lillian Daisy Gonalves Wolff enfermeira, mestre em enfermagem, doutora em

    polticas, planejamento e gesto em sade pela Ufsc, professora da Universidade

    Federal do Paran.

    Lcia Ins Schaedler pedagoga, mestre em educao na sade, doutoranda em

    educao na Ufrgs.

    Luiz Fernando Silva Bilibio educador fsico, mestre em educao, doutorando em

    educao na Ufrgs.

    Lutiane de Lara psicloga, mestranda em psicologia na PUC/RS.

    Marcos Breunig estudante de medicina na Ufrgs, bolsista de iniciao cientfica

    junto ao EducaSade/Ufrgs.

    Marcus Vincius Bianchi estudante de medicina na UCS.

    Margareth Lcia Paese Capra assistente social, especialista em sade coletiva,

    mestranda em educao na Ufrgs.

    Maria Conceio de Oliveira mdica, mestre em antropologia, doutora em cincias

    humanas pela Ufsc e Universit Provence (Aix-Marseille I), professora da

    Universidade do Planalto Catarinense.

    Maria Cristina Carvalho da Silva psicloga, mestranda em educao na Ufrgs.

    Maria Lecticia Machry de Pelegrini enfermeira, mestre em sade coletiva,

    professora do Centro Universitrio Metodista Instituto Porto Alegre.

    Mariana Bertol Leal administradora de sistemas e servios de sade, mestranda em

    sade coletiva na Uerj.

    Marina Helena Capra estudante de medicina na UCS.

    Maristela Chitto Sisson mdica, mestre em sade pblica e administrao sanitria

    pela Escuela Andaluza de Salud Pblica/Universidade de Granada/Espanha; doutora

    em cincias pela USP, preceptora e pesquisadora no Hospital Universitrio da Ufsc.

    Marta Vaccari Batista enfermeira, mestre em epidemiologia pela Ufrgs, professora

    da Universidade de Caxias do Sul.

  • 7

    Maurcio Moraes Mdico, especialista em medicina preventiva e social, mestrando

    em educao na Ufrgs, professor da Universidade Catlica de Pelotas e preceptor de

    Residncia Mdica da Universidade Federal de Pelotas.

    Naiane Melissa Dartora Santos mdica, especialista em medicina de famlia e

    comunidade, mestranda em educao na Ufrgs, professora da Universidade de Caxias

    do Sul, preceptora de Residncia Mdica da UCS.

    Olinda Maria de Ftima Lechmann Saldanha psicloga, mestre em psicologia pela

    Ufrgs, professora do Centro Universitrio Vale do Taquari de Ensino Superior.

    Raphael Maciel da Silva Caballero fisioterapeuta, mestrando em educao na

    Ufrgs, orientador de residncia multiprofissional no Grupo Hospitalar Conceio.

    Ricardo Burg Ceccim enfermeiro sanitarista, mestre em educao, doutor em

    psicologia clnica pela PUC/SP, professor da Universidade Federal do Rio Grande do

    Sul, coordenador do EducaSade/Ufrgs.

    Rita Maria Heck enfermeira, mestre em extenso rural, doutora em enfermagem

    pela Ufsc, professora da Universidade Federal de Pelotas.

    Roger dos Santos Rosa mdico, mestre em administrao, doutor em epidemiologia

    pela Ufrgs, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, coordenador do

    curso de especializao em sade pblica da Ufrgs.

    Silvana Rodrigues dos Santos enfermeira, pesquisadora na Univates.

    Suely Grosseman mdica, mestre em sade materno- infantil pelo Institute of Child

    Health (London University), doutora em ergonomia pela Ufsc, professora da

    Universidade Federal de Santa Catarina.

    Suzete Marchetto Claus enfermeira, mestre em educao, doutora em sade

    coletiva pela Unicamp, professora da Universidade de Caxias do Sul.

    Teresa Borgert Armani pedagoga, mestre em educao, doutora em educao pela

    Ufrgs, pesquisadora do EducaSade/Ufrgs.

    Teresinha Eduardes Klafke psicloga, mestre em psicologia pela PUCCamp,

    professora da Universidade de Santa Cruz do Sul.

    Zuleica Maria Patrcio (Karnopp) enferme ira, mestre em enfermagem, doutora em

    enfermagem pela Ufsc, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

  • 8

    SUMRIO

    1. APRESENTAO Ricardo Burg Ceccim

    2. CONCEITUALIZAO DA EDUCAO EM SADE SUPLEMENTAR E O SUPORTE DA ANLISE ECONMICA EM SADE

    2.1. Educao em sade suplementar: abertura de eixo reflexivo na Educao em Cincias da Sade

    Ricardo Burg Ceccim Alcindo Antnio Ferla

    2.2. Economia da sade: reflexes acerca de suas contribuies para o ensino e formao em sade

    Janice Dornelles de Castro Maria Lecticia Machry de Pelegrini Ricardo Burg Ceccim

    2.2.1. Literatura tcnico-cientfica em Economia da Sade: seleo indicativa para estudo, com resumos

    Janice Dornelles de Castro Maria Lecticia Machry de Pelegrini

    3. CONCEITOS OPERADORES DE APOIO A UMA EDUCAO EM SADE SUPLEMENTAR: ensaio para um dicionrio de especialidade

    Ricardo Burg Ceccim (Coordenador) Fernanda Hampe Fernanda Peixoto Cordova Gilnara da Costa Correa de Oliveira Margareth Lcia Paese Capra Maria Conceio de Oliveira Naiane Melissa Dartora Santos Olinda Maria de Ftima Lechmann Saldanha Raphael Maciel da Silva Caballero

  • 9

    Rita Maria Heck Teresinha Eduardes Klafke

    4. PERSPECTIVAS ANLISE DO PBLICO E DO PRIVADO NA SADE

    4. 1. Imaginrios sobre a perspectiva pblica e privada do exerccio profissional e a educao da sade

    Ricardo Burg Ceccim Luiz Fernando Silva Bilibio

    4.2. Itinerrios teraputicos e o mix pblico-privado na utilizao dos servios de sade

    Denise Elvira Pires de Pires Eleonor Minho Conill Maristela Chitto Sisson Maria Conceio de Oliveira Antnio Fernando Boing Hosanna Pattrig Fertonani Ricardo Burg Ceccim

    4.3. Cenrios da realidade: atores sociais da sade suplementar e observaes da mdia

    Alcindo Antnio Ferla lvaro Benevenuto Jr. Flvia Raquel Rossi Marta Vaccari Batista Suzete Marchetto Claus

    5. PRODUES DA EDUCAO EM SADE SUPLEMENTAR NA EDUCAO EM CINCIAS DA SADE

    5.1. Conhecimento dos responsveis pela contratao de planos/seguros de assistncia privada sade relativamente regulamentao do setor (Ufrgs)

    Fernando Jos Ferrari Fossati Roger Santos Rosa

    5.2. Itinerrios teraputicos da mulher com cncer de mama na regio noroeste do Rio Grande do Sul: percursos pblico-privados e a busca por integralidade na

  • 10

    ateno sade (Uniju)

    Douglas Deckert Liane Beatriz Righi Arlete Regina Roman

    5.3. O itinerrio teraputico da mulher em busca da assistncia no ciclo gravdico-puerperal (Univates)

    Silvana Rodrigues dos Santos Cssia Regina Gotler Medeiros Ricardo Burg Ceccim

    5.4. A opo e utilizao de planos privados de sade por profissionais de sade atuantes com o paradigma da integralidade na ateno bsica sade (UCS)

    Ellen Regina Pedroso Alcindo Antnio Ferla Marta Vaccari Batista

    5.5. Formao de trabalhadores para o SUS: da realidade aos desafios da mudana na graduao (Uergs)

    Mariana Bertol Leal Ricardo Burg Ceccim

    6. CONHECIMENTO, FORMAO E TRABALHO EM SADE: resenhas crticas sobre sistema de sade no Brasil, trabalho e exerccio profissional

    Ricardo Burg Ceccim (Coordenador)

    6.1. Compreendendo as relaes pblico e privadas, individuais e coletivas a partir de uma histria das polticas de sade no Brasil

    Alcindo Antnio Ferla Fernanda Erlo Ribeiro Marcus Vincius Bianchi

    6.2. A categorizao da universalizao excludente: uma formulao desde a economia da sade

    Ananyr Porto Fajardo Gabriel Trevizan Corra Ricardo Burg Ceccim

  • 11

    6.3. Educao e a prtica mdica: os imaginrios e a vida real

    Bruna Ballarotti Joo Paulo Mello da Silveira Suely Grosseman Zuleica Maria Patrcio

    6.4. Mercado de trabalho e formao: construindo perspectivas de atuao profissional com o estudante de medicina

    Alcindo Antnio Ferla Marina Helena Capra

    7. CONFORMAO DO SETOR DA SADE NO BRASIL: literatura contextual de base - resenhas

    Ricardo Burg Ceccim (Coordenador) Aida Maris Peres Ananyr Porto Fajardo Dora Lcia Leidens Corra de Oliveira Fernanda Hampe Fernanda Peixoto Crdova Lillian Daisy Gonalves Wolff Lcia Ins Schaedler Luiz Fernando Silva Bilibio Lutiane de Lara Marcos Breunig Maria Cristina Carvalho da Silva Mariana Bertol Leal

    7.1. O dilema preventivista: contribuio para a compreenso e crtica da medicina preventiva Srgio Arouca. (1975)

    7.2. As instituies mdicas no Brasil: instituio e estratgia de hegemonia Madel Luz. (1979)

    7.3. O capitalismo e a sade pblica: a emergncia das prticas sanitrias no Estado de So Paulo Emerson Elias Merhy. (1985)

    7.4. Os mdicos e a poltica de sade : entre a estatizao e o empresariamento a defesa da prtica liberal da medicina Gasto Wagner de Sousa Campos. (1988)

    7.5. Planejamento sem normas Everardo Duarte Nunes; Gasto Wagner de Souza Campos e Emerson Elias Merhy. (1989)

  • 12

    7.6. Inventando a mudana na sade Luiz Carlos de Oliveira Ceclio. (1994)

    7.7. Sade: a cartografia do trabalho vivo Emerson Elias Merhy. (2002)

    7.8. Biomedicina, saber e cincia: uma abordagem crtica Kenneth Rochel de Camargo Jr. (2003)

    7.9. Planos de sade no Brasil: origens e trajetrias Ligia Bahia, Ludmila Rodrigues Antunes, Thereza Cristina Alves da Cunha e William de Souza Nunes Martins . (2005)

    7.10. Duas faces da mesma moeda: microrregulao e modelos assistenciais na sade suplementar ANS. (2005)

    7.11. A sade no Brasil: cartografias do pblico e do privado Giovanni Gurgel Aciole. (2006)

    7.12. Ensinar sade: a integralidade e o SUS nos cursos de graduao da rea da sade Roseni Pinheiro, Ricardo Burg Ceccim e Ruben Araujo de Mattos. (2006)

    8. INFORMAO BIBLIOGRFICA PARA O ENSINO E FORMAO EM SADE SUPLEMENTAR

    Maurcio Moraes (Coordenador) Ana Jlia Poersch Ana Lusa Poersch Carla Rodrigues Cntia Galdmez Fernanda de Oliveira Florentino dos Santos Fernando Schuster Battaglin Francielle Limberger Lenz Francyne Werner Karin Noga Ricardo Burg Ceccim Teresa Borgert Armani

    8.1. Literatura tcnico-cientfica com resumos

    8.1.1. Artigos em peridicos

    8.1.2. Dissertaes e Teses

    8.1.3. Livros e Captulos de Livro

    8.1.4. Trabalhos e Relatrios Tcnicos

  • 13

    8.2. Lista de endereos e bibliotecas virtuais

    EXPEDIENTE

    Produo Visual: AbreuDesign

    Reviso: xxx

    Grfica: xxx

    CD Rom e Software: Midiatag

    Editora da Universidade/Ufrgs

  • 7

    1. APRESENTAO

    Ricardo Burg Ceccim

    Este livro nasceu do objetivo de oferecer informao bibliogrfica (seleo de

    literatura temtica com carter tcnico-cientfico, indicao de bib liografia focada ou

    configuradora do campo analtico, comentrio especializado da bibliografia especfica e

    indicao do acesso informao com eixo em descritores delimitados, entre outros

    aspectos da busca e uso de informao tcnico-cientfica relativa a um tema, foco ou

    especialidade do conhecimento) que desse subsdio formao acadmica e pesquisa

    integrada ao ensino e extenso universitria no mbito da Sade Suplementar.

    Inicialmente designado como Bibliografia Comentada, o trabalho desencadeado por

    docentes e estudantes ligados ao Ncleo de Educao, Avaliao e Produo Pedaggica

    em Sade (EducaSade), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, levou

    identificao de uma subrea na Educao dos Profissionais de Sade, uma especificidade a

    descoberto no ensino e formao em sade: Educao em Sade Suplementar. A

    especificidade somente ganhava evidncia no interior da pesquisa de stricto sensu em

    Sade Coletiva ou projetos de anlise e investigao em Poltica, Administrao, Direito e

    Economia da Sade. O levantamento que os docentes e estudantes de graduao e de ps-

    graduao faziam decorria de desejo de legitimar a regulao pblica do subsetor

    suplementar no setor da sade no Brasil. Surgiu, ento uma importante interrogao: como

    sustentar critrios pblicos de regulao de um setor cuja operao e legitimao social no

    est presente na formao bsica dos atores profissionais que nele exercero a atividade- fim

    que lhe d existncia? Se o subsetor existe com base no trabalho de atores profissionais no

    exerccio de sua ocupao nuclear, ou seja, com base no atendimento profissional sade

    de indivduos e suas famlias, como estes profissionais no percorrem uma formao que

    inclua dimensionar esse subsetor, constituir referncias sobre o trabalho no mesmo? Outra

    questo detectada foi de que vigente um imaginrio idealizado sobre o trabalho no

    subsetor suplementar e h ausncia de um ensino consistente sobre o mesmo.

  • 8

    O livro, ento, de uma Bibliografia Comentada, Informao Bibliogr fica para o

    Ensino e a Pesquisa em Sade Suplementar no mbito do Sistema nico de Sade, passou

    a literatura de apoio Educao em Sade Suplementar. De certo modo, alm das reas ou

    subreas de conhecimento antes referidas Sade Coletiva, Poltica, Administrao,

    Direito e Economia da Sade surga-nos uma nova rea ou subrea, a Educao. Nesta,

    podemos indicar a Educao dos Profissionais de Sade, mais pontualmente a Educao em

    Sade Suplementar, um tpico especial na Educao ou tema especfico em Sade

    Coletiva, contribuindo para o entendimento da regulao como capacidade de interao nos

    processos de prestao de servios, orientando a sua execuo, e de integrao s polticas

    pblicas de construo de um sistema nacional para o setor da sade no pas.

    O estudo se apoiou inicialmente em uma reviso sobre o tema, discutindo em rede

    cientfica os aspectos conceituais e as ferramentas utilizadas no processo regulatrio em

    sade, seus alcances e limites, at a construo de um referencial de sugestes para a leitura

    aprofundada, pesquisa individual em linhas de investigao, construo de bibliografia em

    disciplinas acadmicas ou cursos da rea da sade, formao de professores e renovao

    das abordagens entabuladas nos planos de ensino da rea de Sade Coletiva e de Educao

    em Sade.

    O estudo se seguiu por meio de rede cientifica, uma espcie de comunidade

    ampliada de pesquisa ou relaes em rede para a troca de informaes acadmicas,

    envolvendo docentes e estudantes de 13 Instituies de Educao Superior dos trs estados

    da regio sul do Brasil, elevando-se o debate sobre as conexes com o ensinar e o pesquisar

    em Sade Suplementar. O trabalho em Rede Cientfica permitiu detectar lacunas e escolher

    caminhos por maior qualidade. Foi necessrio um enorme redimensionamento no projeto

    original, resultando na formulao da Educao em Sade Suplementar.

    O produto em livro ganhou, ento, 8 blocos de abordagem. Alm da apresentao

    (bloco 1), a conceitualizao da Educao em Sade Suplementar e o suporte da Anlise

    Econmica em Sade (bloco 2). Em seguida (bloco 3), conceitos operadores de apoio a

    uma Educao em Sade Suplementar, numa espcie de ensaio para um dicionrio para

    uma especialidade do conhecimento. Na seqncia (bloco 4), a ampliao das perspectivas

  • 9

    de anlise sobre o pblico e o privado na sade, com a abordagem de 03 eixos: imaginrios

    presentes na formao universitria em sade, itinerrios teraputicos na utilizao dos

    servios de sade e cenrios onde atuam os atores na sade suplementar, inclusive a mdia

    da sade suplementar. De certo modo, apresentamos a evidncia de um mix entre o pblico

    e o privado na sade que nos exigiriam perceber a emergncia do conceito de pblico para

    alm do conceito de estatal. Neste bloco, escolhemos trs eixos com a pretenso de colocar

    s claras que o subsetor suplementar no tem lugar irrelevante formao, interfere na

    produo de sentidos profissionalizao, est presente nos percursos que usurios das

    aes e servios de sade estabelecem em busca da integralidade da ateno, sejam ou no

    beneficirios de planos e seguros privados de sade, e ao trabalho em suas vrias inseres

    e relaes de produo. A seguir (bloco 5), reunimos um conjunto de produes originais e

    inditas entre docentes e estudantes das instituies componentes da Rede Cientfica Sul. A

    escolha desses trabalhos se deu pela busca da defesa recente de monografias que

    atendessem aos descritores da Educao em Sade Suplementar e no se enquadrassem no

    mbito do stricto sensu, a inteno foi demonstrar a possibilidade de ensinar com essa

    temtica. O bloco seguinte (bloco 6) foi a escolha de resenhas crticas relativas aos mesmos

    descritores e que pudessem enriquecer o ensino com o foco em estudo, novamente,

    entretanto, a demonstrao do ensino da sade e suas potncias temticas. No esforo de

    uma reviso de sentidos, foi montado um bloco de estudos (bloco 7) apresentando uma

    literatura contextual de base compreenso do sistema de sade do Brasil, no em seus

    aspectos formais ou legais, mas de sentido: questes epistemolgicas, organizacionais,

    sociopolticas, de modelo assistencial e de educao dos profissionais de sade.

    Caminhando para o fechamento (bloco 8), apresentamos um consolidado de informao

    bibliogrfica e uma lista de endereos e bibliotecas virtuais de interesse ao tema para seu

    prolongamento entre docentes, estudantes e pesquisadores. Este ltimo bloco foi composto

    pela literatura de artigos em peridicos, pelas dissertaes e teses brasileiras originrias da

    ps-graduao stricto sensu e pelos livros e captulos de livros publicados no Brasil,

    pertencentes ou fortemente aproximadas da temtica. Todas estas referncias esto

    apresentadas com resumos. O perodo abrangido para a reviso da literatura foi de abril de

    2000 (ano de criao da Agncia Nacional de Sade Suplementar ANS) a abril de 2007

  • 10

    (ms em que foi apresentado ANS, pela Rede Cientfica Sul, o referencial para a

    nomeao da Educao em Sade Suplementar como temtica de conhecimento).

    O componente Bibliografia Comentada, integrante do bloco 8 desta obra, se insere

    no Programa de Qualificao da Sade Suplementar: Nova Perspectiva no Processo de

    Regulao, da Agncia Nacional de Sade Suplementar, lanado originalmente pelo senhor

    ministro da sade em 12 de dezembro de 2004 e editado como parte da Poltica de

    Qualificao da Sade Suplementar por meio da Resoluo Normativa n 139, 24 de

    novembro de 2006, que instituiu, na ANS, o Programa de Qualificao da Sade

    Suplementar. Resultou de atividade desencadeada por Carta Acordo relativa ao

    Conhecimento Regional e Produo de Informao Tcnico-Cientfica em Sade

    Suplementar para a Regio Sul do Brasil no interior do projeto de Rede de Centros

    Colaboradores em Sade Suplementar, lanado pela ANS em cooperao e com a

    assistncia tcnica da Organizao Mundial da Sade, por meio do Escritrio Regional

    Pan-Americano, a Organizao Pan-Americana da Sade, em 2005.

    No formato em CD Rom deste livro, ensaiamos a produo de um livro eletrnico

    onde fosse possvel a pesquisa da reviso de literatura por descritores, ttulos e autores.

  • 11

    2. CONCEITUALIZAO DA EDUCAO EM SADE SUPLEMENTAR E O

    SUPORTE DA ANLISE ECONMICA EM SADE

    2.1. Educao em sade suplementar: abertura de um eixo reflexivo na Educao em

    Cincias da Sade

    Ricardo Burg Ceccim

    Alcindo Antnio Ferla

    A potncia de indicar a existncia de um segmento na Educao em Cincias da

    Sade que se organiza com os aspectos de relevncia sade suplementar, designado como

    Educao em Sade Suplementar, est na oportunidade de organizar uma reflexo que

    envolva a formao para o trabalho em sade, segundo as implicaes que o trabalho

    educativo com o conhecimento da sade suplementar possa aportar qualificao desse

    subsetor no mbito do Sistema nico de Sade.

    Para entender: existe uma Educao em Cincias da Sade?

    A Educao em Cincias da Sade uma designao ampla que remete tanto aos

    processos educativos que visam formao e ao desenvolvimento para o trabalho em sade

    como educao nas profisses da sade, configurando ncleo temtico de saberes e de

    prticas s grandes reas de conhecimento da Educao e da Sade. Como ncleo temtico,

    surgiu com a reforma do ensino mdico nos Estados Unidos da Amrica no incio do sculo

    XX. Essa reforma foi resultado de um processo de avaliao do ensino e da poltica

    educacional coordenado por Abraham Flexner. O rigor disciplinar de Flexner representou

    um eficiente trabalho de consolidao das opinies veiculadas pelos estudos sob sua

    liderana, nos anos de 1910 e 1920, terminando por sustentar que haveria um ideal

    cientfico de educao a ser perseguido pelas instituies de educao mdica e, por

  • 12

    extenso, por todo o ensino nas reas identificadas com o estatuto de conhecimento

    cientfico-profissional da sade (cincias biomdicas). Por todo o mundo, a modernidade

    impunha os hospitais como o lugar da doena e da cura (biopoltica) e lugar melhor

    indicado para a formao em medicina e em enfermagem, o que corroborou as teses

    educacionais de Flexner e despotencializou outras recomendaes (Feuerwerker, 2002;

    Luz, 2004; Ceccim e Capozollo, 2004; Ceccim e Carvalho, 2006).

    interessante registrar que em 1920, na Inglaterra, o mdico real Lorde Bertrand

    Dawson, por meio do Relatrio Dawson, documento histrico para a gesto e planejamento

    de sistemas de sade, propunha uma educao da sade em crescente e ntima integrao

    com o sistema de sade e a no-exclusividade dos hospitais para o ensino e como campo de

    habilitao profissional. O que caracterizava esse relatrio, ao contrrio do Relatrio

    Flexner, era a nfase na incorporao das prticas de ateno bsica e no a centralidade na

    ateno especializada, usando a rede regular de servios como escola e no hospitais

    universitrios. O Relatrio Dawson justificava e defendia o Estado como gestor e regulador

    das polticas pblicas de sade, mediante uma organizao regionalizada e hierarquizada

    dos servios, com nfase na integrao entre atividades preventivas e curativas, na

    utilizao do mdico generalista e um mbito considerado como primeiro nvel de ateno.

    Suas recomendaes se depararam com a farta contrariedade dos mdicos pela

    restrio/limitao prtica liberal-privatista e pela regulao das prticas profissionais.

    Em virtude das fortes resistncia s apresentadas, as recomendaes no foram adotadas, mas

    influenciaram a constituio do sistema nacional de sade da Inglaterra no final dos anos

    1940, com a universalizao da ateno primria sade e com a construo do conceito de

    mdico generalista (Marsiglia, 1995; Ceccim e Carvalho, 2006).

    No Brasil, mantido o modelo curativo individual no ensino da sade e uma

    formao orientada pela cincia das doenas, na qual o corpo deveria ser entendido apenas

    como o territrio onde evoluem adoecimentos e a clnica como o mtodo experimental de

    restaurao de uma normalidade suposta na sade dos rgos, um esforo de ascenso da

    educao superior brasileira identificou o ensino da sade com a pesquisa experimental

    emergente e aprofundou o paradigma biologicista. Na dcada de 1940, foi a flexnerizao

    que marcou a presena da cincia na qualificao e expanso da educao superior nas

  • 13

    profisses de sade, justificando a construo, a reforma e a ampliao de laboratrios;

    definindo a construo, reforma e ampliao dos hospitais universitrios (hospitais prprios

    como hospitais-escola), registrando um movimento que grassou isolado at o final dos anos

    1960 com eixo na prtica individual, no modelo curativista das doenas, hegemonia da

    ateno hospitalar e segundo as especialidades e a mais alta tecnicalidade possvel (Ceccim

    e Carvalho, 2006a e 2006b).

    Nas dcadas de 1950 e 1960, uma corrente terica orientada pelos sistemas de sade

    se organiza no mundo como movimento de pensamento, o Movimento Preventivista. A

    ruptura com a prtica liberal clssica em sade anunciada em nome da sade como

    projeto de populao. Sade qualidade de vida! Ao final dos anos 1940, a Organizao

    Mundial da Sade cunhou a definio de sade como qualidade de vida do ponto de vista

    fsico, psquico e social (bem-estar biopsicossocial). O Movimento Preventivista apontou a

    formao como estratgia para a transformao das prticas de sade e destacou a

    necessidade de repensar quais seriam os objetivos finais de um curso de graduao na rea

    da sade (qual trabalho deve ser esperado dos profissionais ao obterem uma habilitao

    profissional e no qua is diplomas de graduao devem ser expedidos). Para o Movimento

    Preventivista, as necessidades de sade da populao (o impacto das profisses de sade no

    padro epidemiolgico e a qualidade da resposta dos servios de sade busca por

    assistncia e proteo individual e coletiva) so apresentadas como o mote para a

    transformao da educao dos profissionais de sade.

    O movimento preventivista ampliou a visibilidade para os problemas da sade da

    populao e nos anos 1960 houve um boom, nos cursos da rea da sade, notadamente, nos

    cursos de medicina, enfermagem e odontologia, dos departamentos de sade pblica ou

    sade preventiva, seguido, nos anos 1970, por projetos de aprendizagem em sade

    comunitria. Entretanto, como bem demonstrado por Srgio Arouca, no Brasil, com a tese

    O Dilema Preventivista (1975), o iderio preventivista no superaria a necessidade de

    assistncia nos termos conhecidos para o tratamento das doenas, uma vez que o processo

    sade-doena resulta de determinaes e condicionamentos sobre os quais no se justifica

    absoluto controle, alm de expressar os modos de andar a vida com fortes componentes

    sociais, polticos e de expresso da subjetividade. Surge a noo de processo sade-doena

  • 14

    em lugar da oposio sade e doena. Na Organizao Mundial da Sade, por exemplo,

    traduziu-se na consigna Sade no ausncia de doena.

    Nos anos 1980, experincias para a integrao ensino-servio que extrapolassem a

    aprendizagem em hospitais foram desencadeadas pela rea de ensino da sade pblica

    (sade preventiva e social, sade comunitria, sade coletiva) seguida das reas de pediatria

    e puericultura e de ginecologia, planejamento familiar e pr-natal. Nos anos 1990, a

    representao popular incorporada aos projetos de integrao ensino-servio como nova

    iniciativa na formao de profissionais de sade: a integrao com a comunidade, mas

    tambm nos anos de 1990 que surgem os desafios de uma formao coerente com o

    processo de mudanas ocorrido no sistema brasileiro de sade. Entre 1986 (VIII

    Conferncia Nacional de Sade) e 1992 (IX Conferncia Nacional de Sade) ocorre a

    construo do Sistema nico de Sade, sua aprovao constitucional, a definio de seus

    princpios e diretrizes, sua regulamentao em lei e o incio dos processos de

    municipalizao.

    Na medicina, a Avaliao do Ensino Mdico (Comisso Interinstitucional Nacional

    de Avaliao do Ensino Mdico - Cinaem) e, na enfermagem, o Movimento pela Educao

    em Enfermagem (Seminrio Nacional de Diretrizes para Educao em Enfermagem)

    propem, na medicina, que preciso desflexnerizar a profisso mdica, orientando o

    trabalho mdico pelo trabalho em sade (equipe) e pelas necessidades em sade (no pelas

    doenas) e, na enfermagem, que preciso a substituio do paradigma da assistncia pelo

    paradigma do cuidado humano e que as prticas deveriam estar voltadas para as demandas

    de sade da populao e no das instituies hospitalares. Ocorrem a incluso dos

    estudantes e dos gestores das polticas setoriais na avaliao do ensino e na construo das

    metas curriculares. Surge, em 1992, o conceito de Sade como Defesa da Vida: somente a

    integralidade poderia desfazer a polaridade assistencialismopreventivismo; formao e

    sistema de sade deveriam caminhar juntos renovando e reinventado as prticas em sade e

    a participao da populao deveria justificar a construo do sistema, das prticas e da

    formao (Ceccim e Feuerwerker, 2004).

    Pode-se falar, portanto, de uma histria dos movimentos de mudana na Educao

  • 15

    em Cincias da Sade, reafirmando-se a existncia desse segmento entre as cincias da

    Educao ou no interior da rea da Sade Coletiva, uma vez que pode ser estudado como

    desafio construo da formao e desenvolvimento dos profissionais e do prprio trabalho

    no setor da sade, como afirmao do maior acolhimento aos problemas de sade vividos

    pela populao e como maior engajamento na construo de um sistema de sade orientado

    pela integralidade no cuidado individual ou coletivo e na gesto de sistemas poltico-

    sanitrios e servios assistenciais.

    Nos ltimos anos, ampliaram-se significativamente as formulaes, debates e

    reunies cientficas em torno da Educao em Cincias da Sade devido formulao das

    Diretrizes Curriculares Nacionais pelo Conselho Nacional de Educao, que gerou uma

    ampla mobilizao das carreiras, notadamente, as de medicina, enfermagem, nutrio,

    farmcia, odontologia, fisioterapia, terapia ocupacional e fonoaudiologia em substituio ao

    conceito de currculo mnimo, entre 1997 e 2004, e pela aprovao, pelo Conselho Nacional

    de Sade, da Poltica Nacional de Gesto do Trabalho e da Educao na Sade, proposta

    pelo Ministrio da Sade em 2003. O Conselho Nacional de Sade aprovou, como poltica

    pblica, o documento Poltica de Formao e Desenvolvimento para o SUS: Caminhos para

    a Educao Permanente em Sade (Resoluo CNS n 335, de 25 de novembro de 2003).

    Esse documento foi o marco para a definio do campo de saberes e prticas da Educao e

    Ensino da Sade, envolvendo 11 aes estratgicas (Ceccim, 2007), entre elas a Educao

    Permanente em Sade (Plos interinstitucionais e locorregionais); a mudana na formao

    de graduao (AprenderSUS); o projeto de Vivncias e Estgios na Realidade do SUS para

    estudantes de graduao (VER-SUS); a reviso da poltica de especializaes em servio e

    residncias mdicas (Residncias Integradas em Sade), a Educao Popular em Sade

    (que gerou a Articulao Naciona l de Movimentos e Prticas de Educao Popular em

    Sade Aneps) e a Pesquisa sobre o ensino da integralidade em sade (EnsinaSUS).

    Tambm h um aumento recente nas publicaes de livros e principalmente

    coletneas sobre ensino em sade (Batista e Batista, 2004; Batista; Batista e Abdala, 2005;

    Pinheiro, Ceccim e Mattos, 2006). Os programas de ps-graduao em educao, em sade

    coletiva e de desenvolvimento do ensino superior, no Brasil, tm sido os espaos

    privilegiados de produo de conhecimento da Educao em Cincias da Sade.

  • 16

    Porque a Educao em Sade Suplementar

    A Educao em Cincias da Sade multifacetada e abarca vrios subtemas e

    objetos de produo de conhecimento: gesto da educao na sade ; formao docente;

    currculos e reformas curriculares; diretrizes curriculares nacionais; educao dos

    profissionais e insero no mercado de trabalho ; integrao ensino-servio/docente-

    assistencial; integrao formao-ateno-gesto-participao ; currculos integrados;

    metodologias de ensino e de avaliao; polticas de desenvolvimento de pessoal da sade;

    coletivos organizados de produo da sade; educao permanente em sade, residncia

    mdica e em rea profissional da sade; residncia integrada em sade; escuta pedaggica

    da clnica e dos servios; educao a distncia e a educao nas reas especializadas das

    polticas pblicas de sade, donde se faz possvel falar de uma educao em sade coletiva

    e, por que no, de uma educao em sade suplementar, entre outras.

    A existncia de uma Educao em Sade Suplementar como segmento da Educao

    em Cincias da Sade configura uma construo/formulao (saberes) e um perfil de

    execuo/implementao (prticas) para o ensino e a pesquisa- interveno em educao. A

    relevncia de depararmo-nos com esse segmento est na oportunidade de organizar uma

    reflexo que envolva a formao e suas implicaes para o trabalho em sade, uma vez que

    ocorre o privilgio da dade gesto-ateno (presente em qualquer debate setorial) e ocorre

    a secundarizao dos efeitos de subjetivao que a educao produz, aceitando-se (por falta

    de priorizao) que a educao seja igual a transferir informao e treinar habilidades. Nada

    mais comum que supor a educao como secundria e decorrente dos processos de gesto

    do trabalho e da poltica social, quando a educao , ela prpria, a montagem de

    sociabilidades e subjetividades, o disparo de devires, a apreenso e compreenso de saberes

    e a construo do conhecimento e de sentidos. A educao no conseqncia, ela

    inveno, convocao, seduo.

    Entendemos que um objeto subjacente ao assinalamento de uma Educao em

    Sade Suplementar apreenso de legitimidade a um processo de regulao pblica que

    extrapole o controle de Estado sobre o mercado de prestao de servios de sade

  • 17

    (observao e normatizao entre demanda e oferta + vigilncia da capacidade de honrar

    compromissos com o cliente) e inclua a interferncia ativa na produo da sade que ocorre

    no subsetor (a capacidade de promover sade e autonomia dos usurios no andar da sua

    sade nos modos de operar modelos assistenciais e linhas de cuidado). Malta et al. (2004, p.

    436) acentuam que h um dficit de conhecimento e de ferramentas que possibilitem essa

    nova perspectiva de interveno e que uma regulao de Estado nesse mbito dever ser

    precedida por um processo de apreenso dessa dimenso, o que incluiria compreender

    como os mecanismos assistenciais ocorrem no cotidiano e como linhas de cuidado se

    tornam analisadores do modelo assistencial (Ceccim e Ferla, 2006).

    Surgem, ento, como relevantes a apreenso e compreenso da cultura dos usurios,

    os itinerrios teraputicos que selecionam, respeitam, valorizam ou esto constrangidos a

    percorrer; a apreenso e compreenso dos sistemas profissionais de cuidado e cura, as

    racionalidades e as lgicas que os profissionais selecionam, respeitam, valorizam ou a que

    esto coagidos por protocolos, glosas e auditorias e ainda a apreenso e compreenso dos

    interesses dos usurios (segmentos sociais de idade, gnero, vivncia ou convivncia com

    patologias etc), expressos como patrimnio do consumidor (cidado portador de direitos)

    ou como direito consumerista (proteo legal). Alm das duas grandes sesses,

    reconhecidas na dade gestoateno de que falam variados analistas de sistemas de sade

    (a formulao de polticas, conduo gerencial, sistemas de informao e avaliao de

    resultados e impactos + a integralidade segundo redes relacionais, prticas cuidadoras,

    desfragmantao da clnica e superao das diretrizes biologicistas), reconhecemos uma

    terceira, introduzida pelo debate na esfera do direito com a presena dos rgos de defesa

    do consumidor1, mas queremos introduzir uma quarta relevncia: a apreenso e

    compreenso da educao que empreendemos junto aos trabalhadores em formao ou em

    servio, os imaginrios presentes no ensino e subjetivao educacional, os cenrios de

    vivncia e experimentao, os fatores de exposio pedaggica ao saberes da sade e ao

    saber-se em atos de sade. 1 Para a professora Cludia Lima Marques, da Faculdade de Direito, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, a situao de vulnerabilidade dos consumidores diante do sistema econmico capitalista indica a necessidade de o direito reequilibrar as relaes de consumo, reforando, quando possvel, a posio do consumidor ou proibindo e limitando certas prticas do mercado. A relao entre consumidor e prestador no comercial ou civil, consumerista. O consumidor o ente mais vulnervel nas relaes capitalistas e a ele que o direito deve se voltar (Marques, 1999).

  • 18

    Por exemplo, o questionamento sobre a cobertura de todas as patologias, a

    autonomia na solicitao de exames e procedimentos, a garantia de medicamentos ou

    planos de assistncia farmacutica, a complementaridade de abordagens, a necessidade de

    uma ao educativa continuada etc. feita desde o reconhecimento da ampliao de

    autonomia dos usurios no andar da sua sade ou segundo os valores de centralidade na

    abordagem mdica, de padro biomdico e de autonomia liberal (as doenas, mas no os

    adoecimentos como objeto de ateno sade; os procedimentos tcnicos, mas no as

    prticas cuidadoras como objeto de interveno nos adoecimentos)? Por que se desejaria

    uma integralidade da ateno: pelo mximo acesso ao mximo de recursos e tecnologias

    ou pela maior escuta e melhor correspondncia s necessidades em sade? Precisaramos,

    ao longo da formao, alm de uma suficiente exposio s aprendizagens por

    sensibilidade, um suficiente debate (apreenso e compreenso) quanto s distines

    pblico-privadas nos modelos de ateno, nas linhas de cuidado, nas ofertas de equipe de

    sade, na constituio de redes sociais, na medicalizao-desmedicalizao, na promoo

    de sade conectada com processos do viver, na conexo de prticas teraputicas com

    vivncias singulares e na responsabilizao com os usurios. necessrio apreender e

    compreender que a desconexo e desarticulao de atos assistenciais correspondem

    inefetividade dos mesmos e induzem a um oneroso consumo de procedimentos e

    medicamentos de baixa resolubilidade ao evento realmente vivido. O que se idealiza como

    promessa no privado ou se denuncia como ausncia no pblico dificilmente resulta de uma

    adequada apreenso e compreenso sobre eficcia e efetividade das interpretaes

    diagnsticas e condutas prescritas, tendo em vista as pessoas, com seus componentes

    afetivos, sociais e culturais.

    O percurso que os usurios empreendem pelos vrios sistemas de ateno

    (profissionais, informais e populares) no podem ser contidos por planos, programas e

    protocolos; o baixo vnculo e responsabilizao dos profissionais (inclusive por falta do

    conceito/prtica em equipe), entretanto, incentivam percursos acrticos e aleatrios (pela

    baixa confiana, no pela construo das conjugaes profissional- informal-popular); a

    ausncia de linhas de cuidado induz ao consumo de exames, procedimentos e

    medicamentos em condutas paliativas de baixa resolubilidade presentes em diversos pontos

    dos sistemas profissionais, informais e populares, ou seja a ausncia de regulao do

  • 19

    modelo assistencial se mostra temerria sade pblica e irresponsvel com o direito

    integralidade da ateno sade na existncia constitucional do Sistema nico de Sade.

    Malta et al. (2004, p. 435) mostram-nos o quanto o processo de regulao ainda

    incipiente, argindo que isto expe necessidade do enfrentamento de temas mais

    complexos e estruturantes pela presena da desafiadora necessidade de entender a

    natureza dessa regulao (...), a dimenso da organizao do subsetor, o financiamento da

    oferta de servios, as modalidades assistenciais, suas redes e a complexidade dessas

    relaes.

    Com bastante tranqilidade afirmamos que no exerccio da sade , mesmo que o

    trabalho vivo seja capturado pela ao programtica, pela protocolizao da assistncia ou

    pela gesto autoritria ou restritiva, no possvel a supresso da margem de liberdade

    existente nas relaes cuidadoras propriamente ditas, isto , na interao profissional-

    usurio, uma vez que sempre instituinte (aqui-e-agora, in actu, criativa). Entretanto,

    justamente essa autoria e liberdade que esto suprimidas quando um processo educativo

    orientado pela fragmentao, desconexo e tecnicalidade biologicista preencheu a

    subjetividade (modos de pensar-sentir-querer) do trabalhador em formao. Um pensar-

    sentir-querer fala de uma vontade de realidade, de um movimento ativo e inconsciente de

    montar mundos, pessoas e entornos. Portanto, ao falarmos do enfrentamento de temas

    complexos, da instituio de processos inovadores e da transformao de sistemas de

    pensamento ou da legitimao de transformaes, a educao no pode de maneira

    nenhuma ser preterida.

    Distino da Educao em relao dade GestoAteno e ao analisador

    Participao

    A Sade Suplementar um campo novo, no qual a produo do conhecimento

    ainda incipiente. Para muitos militantes do Sistema nico de Sade soa como traio

    estudar e compreender a sade suplementar, uma vez que entendem a regulao como a

    defesa das relaes de mercado e como aceitao da sade como mercadoria. H uma

  • 20

    trajetria paradoxal no amadurecimento do Sistema nico de Sade no que se refere ao

    princpio da universalizao, diretriz da integralidade e ao objetivo da eqidade. Soa

    confuso e contraditrio qualificar a Sade Suplementar e defender o Sistema nico de

    Sade, donde apreender e compreender com propriedade o campo regulatrio

    contribuiria, tanto ao maior rigor no cumprimento do objetivo de eqidade do SUS para o

    conjunto da populao (em um sistema econmico que no temos o poder de mudar sem

    um processo histrico), quanto ao maior rigor no cumprimento da finalidade institucional

    da Agncia Nacional de Sade Suplementar (criada no interior do Sistema nico de Sade

    para promover a defesa do interesse pblico na assistncia suplementar sade). Agncia

    Nacional de Sade Suplementar compete a fiscalizao dos aspectos concernentes s

    coberturas, mas tambm o cumprimento da legislao em sade no tocante aos aspectos

    sanitrios e epidemiolgicos e o zelo para com a qualidade dos servios de assistncia

    sade.

    A Agncia foi criada apenas em janeiro de 2000 e a inveno de uma Educao em

    Sade Suplementar poder produzir na base da educao dos profissionais de sade

    mais que importante subsdio sua misso regulatria, a apreenso e compreenso dos

    sentidos (o para qu) da regulao. A Cmara de Sade Suplementar integrada pelos

    Conselhos Federais de Medicina, Odontologia e Enfermagem, a maior cobertura dos planos

    e seguros privados de sade a da assistncia mdica e odontolgica, alm de hospitais,

    laboratrios e servios de apo io diagnstico e teraputico. Deve haver atendimento aos

    portadores de transtornos mentais e acesso fisioterapia sempre que recomendada pelo

    mdico. Incluem-se nas coberturas de terapias e atendimentos ambulatoriais os

    atendimentos de psicologia, fisioterapia, fonoaudiologia e terapia ocupacional. Pelo menos

    sete carreiras curriculares de educao superior na sade, portanto, esto envolvidas com o

    trabalho e as normatizaes em sade suplementar. Estudam alguma coisa a esse respeito?

    Uma Educao em Sade Suplementar subsidia a misso regulatria da ANS no

    tocante compreenso dos elementos que constituem a regula o e, no interior da

    formao, problematiza o perfil dos trabalhadores da sade, introduzindo a regulao na

    composio do ser trabalhador da sade. De maneira imbricada, fortalece as bases para o

    exerccio da microrregulao na sade suplementar como desdobramento da defesa de uma

  • 21

    cidadania de interesse social.

    Num processo de educao, o que ocorre o disparo de subjetivaes. Pode-se

    entender a subjetivao como a construo do sujeito identitrio , a transformao de um

    indivduo em uma identidade de ser, comportar-se e intervir ou como a construo de um

    sujeito em processo de criao, assumindo para si e tambm publicamente quadros de

    valores em mutao. A educao menos um processo onde as verdades so apresentadas e

    mais uma vivncia-experimentao de ser e estar em coletivos de produo, aceitando a

    ativao de mudanas, acolhendo devires, no necessariamente de maneira consciente, mas

    de maneira viva. A educao opera produes de cotidiano, aposta em novas relaes (por

    interao), tentando construir a aceitao da mudana, a inveno, como ato criativo do

    estar junto, do encontrar-se com o outro, do desapegar-se de regras que no implicam

    aprender a cuidar e, assim, cuidar do aprender.

    A educao no ocorre sobre o nada, por isso fala-se tanto da correspondncia entre

    educao e mudana. Mecanismos de sujeio e subjetivao das pessoas esto presentes

    no funcionamento histrico dos va lores e das instituies (razo moral) e vrias tcnicas

    que se aplicam sobre os sujeitos na construo de sua moral (o que cada um vai

    aceitar/tolerar e o que no vai). Uma iluso de liberdade cerca os mecanismos de sujeio.

    Uma vez que um indivduo no possa estar em autopoiese, ele refm da moral (Varela e

    Maturana, 1995).

    Os mecanismos de regulao normativa se aplicam muito facilmente sobre a gesto,

    que deles no pode prescindir, uma vez que a partir deles constri sua natureza, e sobre a

    ateno, uma vez que pode ser protocolizada, pactuada, avaliada e mesmo auditada (sobre a

    qual se aplicam treinamentos e capacitaes). A abertura aos usurios, mediante mltiplas

    formas convencionais de escuta (pesquisa de opinio e satisfao, ouvidoria, valorizao de

    denncias e respeito aos valores informados pelos mecanismos de defesa do consumidor)

    deveria ser elevada, entretanto, ao entendimento da escuta como analisador de processos

    cuidadores (pesquisa de itinerrios teraputicos, ampliao e valorizao dos rudos em

    linhas de cuidado, traduo das necessidades em sade em demandas de ateno). A

    distino da educao vai surgir ao perguntarmos qual seu papel na transmisso de saberes?

  • 22

    Nas relaes de poder? Na constituio de um sujeito? Sob quais regras embasa seu

    funcionamento? Podemos compreender a formao como um eficiente instrumento capaz

    de articular poderes e subjetividades, distingui- la serve para que sua introduo se preste

    aos mecanismos de enfrentamento daquilo que nos afasta da produo de sade centrada

    nos usurios e suas necessidades, estabelecendo um contraponto s formas esgotadas para

    produzir sade que seguem arraigadas nos sistemas de pensamento profissional e

    institucional (Ceccim, 2005). Uma formao no disciplinar (mecanismo de operar uma

    modulao identitria), mas que no a exclui e sim a integra, prope, aponta, faz surgir

    coisas novas. A experincia coletiva, quando de educao no disciplinar, gera motivao e

    responsabilidade para indivduos e instituies.

    A educao no o que centraliza a informao; a informao est em inmeros

    bancos de dados, nos peridicos, em livros, trocada em eventos e acessada em endereos

    eletrnicos por todo o mundo. Interessa educao que os indivduos sejam levados a falar

    sobre si mesmos, a educao est diretamente relacionada s experincias que um sujeito

    faz de si mesmo. Prticas como as de auto-avaliao e da escrita sobre questes-poblema

    para si, aportam reflexes sobre si prprio e formulao da subjetividade individual. A

    educao trata de um conjunto vivo de significaes, no qual tudo est em contato com

    tudo. Uma pedagogia por fatores de exposio que traz tona a intimidade, corporificando

    e impondo relaes sociais.

    Conhecimentos e prticas para uma Educao em Sade Supleme ntar

    O imaginrio liberal-privatista atravessa o que se ensina sobre sade desde a

    educao infantil at a ps-graduao das reas clnicas em sade, uma concepo marcada

    pela prtica de consultrio, pelo atendimento individual embasado na dade diagnstico-

    prescrio, tendo a doena como referncia e o curativismo biologicista como paradigma.

    Esse imaginrio no tem sido colocado em questo mediante aproximaes concretas ao

    mercado de trabalho em sade, regulao do subsetor privado-suplementar e aos

    itinerrios teraputicos efetuados por usurios e profissionais em busca da resolutividade

    dos problemas de sade identificados, alm de suas implicaes cidadania e promoo

  • 23

    da sade como responsabilidade setorial e profissional.

    Ao preservarmos, como sociedade do conhecimento, um ensino de sade, em todos

    os nveis de escolarizao, que privilegia a perspectiva liberal-privatista e no coloca em

    anlise as relaes entre pblico e privado no ordenamento do Sistema nico de Sade, no

    contribumos para a real compreenso e apropriao da cidadania, para a eqidade e

    solidariedade entre as classes sociais no direito sade como dever do Estado para com

    toda a populao e para uma cincia com relevncia pblica associada ao mrito

    acadmico.

    A construo de referncias e sentidos educao e pesquisa configuram o

    primeiro passo na identificao do que e como ensinar e pesquisar na academia

    relativamente sade suplementar, escapando do iderio liberal-privatista para uma anlise

    de sociedade e sade, trabalho e mercado em sade, educao em sade para a cidadania

    plena de todas as classes sociais, problemas e dificuldades na implementao do SUS e

    regulao pblica no interesse da coletividade.

    Um campo de interesse educao em sade suplementar rene a familiarizao

    com os cenrios da sade suplementar no Brasil: inventrio e anlise de situao da

    regulao, cobertura assistencial e dinmica de atores com atuao subsetorial; a relao

    pblico-privado e os arranjos tecnoassistenciais na utilizao de servios de sade como

    estudo de itinerrios teraputicos e rudos em linhas de cuidado e os imaginrios sobre a

    perspectiva pblica e privada do trabalho em sade, estudando os cursos de graduao das

    profisses representadas no campo.

    A realidade do ensino apresenta-se como um cenrio onde carente a identificao

    de referncias e sentidos ao ensino e pesquisa da sade suplementar na conduo regular

    dos cursos de graduao em sade, no se compondo currculos que minimamente dem

    conta do conhecimento relativo regulao do subsetor privado-suplementar de sade

    como um fator de cidadania coletiva ou de base populacional que perpasse trabalhadores de

    sade autnomos ou empregados, gestores pblicos dos sistemas de sade e gestores

    privados das aes e servios de sade, usurios individuais e coletivos de servios

    pblicos e de servios privados de sade e docentes e estudantes dos diversos cursos da

  • 24

    rea da sade, em seus diversos nveis educacionais.

    A perspectiva de um ensino que, com naturalidade, aborde a operao de um

    sistema de sade que seja nico quanto aos interesses da populao, ainda que executado

    por um subsetor estatal e outro privado-suplementar, tornar nico o debate da qualidade e

    dos acessos s aes e servios de sade, no mais se podendo conviver, diante da

    educao e da produo de conhecimento acadmico, com a dicotomia, tal como hoje

    existente, no pensamento, na gesto, na avaliao e nas perspectivas de trabalho entre um

    subsetor muitas vezes designado como desqualificado e destinado aos pobres (uma oferta

    pobre para uma populao pobre no imaginrio profissional) e um subsistema designado

    como qualificado e destinado aos que podem pagar (uma oferta nobre para uma populao

    nobre no imaginrio profissional). De qualquer modo, desde um ponto de vista da cincia

    na profisso, h um imaginrio da autonomia profissional e privativizao da teraputica

    que suprime de subjetividade, de alteridade e de singularidades nos modos de andar a

    vida o outro da clnica, constrangendo-o pura natureza (biologia, anatomia,

    fisiopatologia) ou poder econmico (que plano/seguro pode pagar), onde sade-doena

    sinnimo de sinistralidade. O subsetor estatal e o subsetor suplementar no so os

    segmentos pblico e privado do setor da sade, co-existem no interior do Sistema nico de

    Sade, ambos preenchem o espao pblico representado pelo cuidado e proteo sade. O

    setor da sade de relevncia pblica e sua natureza estatal ou da iniciativa privada no so

    garantia da presena ou ausncia de razes pblicas. J o contole da sociedade na

    deliberao ou regulao so garantias de novos espaos pblicos.

    Referncias

    AROUCA, Srgio. O dilema preventivista: contribuio para a compreenso e crtica da medicina preventiva. So Paulo-Rio de Janeiro: Unesp-Fiocruz, 2003 [1975].

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  • 27

    2.2. Economia da sade: reflexes acerca de suas contribuies para o ensino e

    formao em sade

    Janice Dornelles de Castro

    Maria Lectcia Machry Pelegrini

    Ricardo Burg Ceccim

    Introduo: o que a Economia da Sade

    Uma das principais caractersticas da cincia econmica a diversidade de

    possibilidades de explicao sobre os fatos da realidade, sendo sempre possvel o

    questionamento. No se trata de uma cincia feita de verdades absolutas. Santos (2005) diz

    que sob a denominao de economia poltica no apenas encontramos diferentes

    abordagens, como no raras vezes abordagens incompatveis das questes econmicas.

    Ainda assim, existem algumas unanimidades como, por exemplo, a definio de seu objeto

    de estudo: a economia a cincia que se ocupa de estudar o melhor uso dos escassos

    recursos disponveis na sociedade. J sobre qual o melhor uso ou como fazer a distribuio

    destes recursos o que existe so divergncias e no a unanimidade. A Economia se

    desenvolve com base em muitas polmicas, no havendo uma linha reta na cincia

    econmica. Se os recursos so escassos, por que o so? H escassez ou concentrao? H

    m distribuio ou h apropriao por parcelas ou segmentos de cidados?

    Considerando a unanimidade, qual o melhor uso para os escassos recursos

    disponveis na sociedade? Desta questo, decorrem todos os estudos relacionados com a

    produo, distribuio e consumo de mercadorias. a sade uma mercadoria? Se no fo r,

    existiria uma Economia da Sade? possvel comprar ou vender sade? A sade possui

    valor de uso, mas no valor de troca. Sabemos que existe um processo de trabalho,

    concretizado e explicitado pelo conjunto das aes de sade que afetam positiva ou

    negativamente a condio de sade das pessoas. So essas aes de sade que podem ser

    compradas e vendidas no mercado. Essas aes so uma mercadoria e afetam diretamente a

    condio de sade das pessoas, no entanto, o estado de sade das pessoas sempre uma

  • 28

    incgnita, no possvel prever quando ou quanto ou qual a ao que deve ser consumida.

    Esta condio imprevisibilidade uma caracterstica prpria da prestao de servios de

    sade. Foi a partir desta discusso que Kenneth Arrow, em 1963, tornou-se o precursor de

    uma nova rea da economia, a Economia da Sade, discutindo a incerteza e o acesso aos

    cuidados mdicos.

    Esta rea tem assumido importncia crescente nas discusses econmicas desde

    ento, tambm pela dinamicidade e capacidade produtiva do setor. O diagrama de Williams

    (abaixo), apresentado pela primeira vez em 1987, procura mostrar como se estabelecem as

    relaes que existem no setor da sade e quais as reas de influncia da Economia da

    Sade.

    Diagrama de Williams (Adaptado de Barros, 2005)*

    * O Diagrama de Williams encontra-se na obra do portugus Pedro Pita Barros, da Faculdade de Economia, da Universidade Nova de Lisboa (Barros, 2005).

  • 29

    Como podemos observar no diagrama, existe uma teia de relaes que se

    estabelecem entre os diferentes blocos analticos. Cada um dos blocos procura sintetizar as

    complexas relaes que se do na realidade. No primeiro bloco, o autor coloca a questo

    fundamental que definir todas as outras: o que influencia a sade? Esta pergunta est

    relacionada com o conceito de sade que cada sociedade assume, entre esses, que sade o

    conjunto de condies que levam ao bem estar do indivduo . Assim, praticamente todas as

    variveis analisadas numa realidade social poderiam afetar o nvel ou o estado de sade de

    um cidado. Como atribuir um valor vida? Quais os ndices que podem medir um estado

    de sade? Muitas vezes se estabelecem limites para este conceito por meio da definio de

    padres ideais de consumo de aes de sade. Por exemplo, qual a interferncia do

    comportamento do mdico no uso dos servios de sade e quais os estudos de demanda

    disponveis? Foram consideradas todas as barreiras de acesso? Esses fatores/limites

    remetem discusso do conceito de necessidade em sade.

    Considera-se tambm nos estudos econmicos a avaliao de custos dos servios e

    da efetividade em todas as suas formas; a discusso de planejamento, oramento e

    avaliao dos sistemas de sade; as listas de espera e os critrios de eqidade. Todas essas

    discusses esto afetas Economia da Sade e, hoje, so fundamentais para a anlise do

    setor. Percebe-se, assim, que no existe uma nica abordagem para a questo da Economia

    da Sade, esta a razo pela qual procuramos apresentar neste trabalho algumas das

    diferentes abordagens que contribuem para a construo dessa rea de conhecimento, tendo

    em vista facilitar a familiaridade com seus termos para professores e estudantes da rea da

    sade.

    Um pequeno passeio pelo pensamento econmico

    Um dos principais pensadores da economia foi Adam Smith, que publicou a obra

    intitulada A riqueza das Naes, em 1776. O livro foi escrito a partir da experincia da

    revoluo industrial inglesa. Para os clssicos, o liberalismo e o individualismo eram

    vinculados ao bem comum e, ao maximizar a satisfao com o mnimo de esforo, os

    homens estariam contribuindo para alcan- lo. O fator de harmonizao, conforme Adam

  • 30

    Smith, era feito pela mo invisvel. O pensamento clssico fundamenta-se, segundo Souza

    (2001, p.45) no individualismo, na liberdade e no comportamento racional dos agentes

    econmicos, com mnima presena do Estado. O Estado teria como funes precpuas,

    nesse pensamento, a defesa, a justia e a manuteno de certas obras pblicas.

    A obra de Smith, ao discutir as questes das liberdades naturais, da mo invisvel e

    dos interesses privados, serve de modelo para diversas teorias posteriores de explicao da

    realidade, inclusive as que defendem a no interferncia do Estado nas questes

    econmicas, como, por exemplo, os que apiam a privatizao dos servios pblicos em

    especial os de sade.

    Jean Baptiste Say (1768-1832), que estabeleceu a lei de Say, diz que a oferta cria a

    sua prpria demanda, ou seja, o aumento da produo transformar-se-ia em renda dos

    trabalhadores e empresrios, que seria gasta na compra de outras mercadorias e servios

    (Vasconcelos e Garcia, 2001, p. 17). Esta idia bastante difundida e, com embasamento

    nesta premissa, acredita-se que basta criar a oferta e haver demanda para os servios de

    sade. Sem dvida uma importante questo a ser respondida no momento de planejar a

    necessidade de servios, seu financiamento ou, ainda, o montante de recursos necessrios

    para o financiamento dos sistemas de sade ou para a manuteno da higidez da populao.

    Qual o nosso objetivo, afinal?

    muito difcil resumir em poucas linhas a contribuio e o impacto do pensamento

    de Marx para o pensamento econmico. O enfoque marxista apresenta caractersticas

    bastante diferentes das teorias econmicas mais conhecidas, mas podemos dizer que a

    questo que fundamenta seu pensamento e a mais importante a teoria da explorao ou da

    mais-valia. Para Marx, o trabalho humano produz valor, mas o capitalista no paga ao

    trabalhador por todo o valor produzido, apropriando-se de parcela deste valor: a maisvalia.

    Aqui, aparece a idia da produo de excedente por meio do trabalho humano. Para a

    economia expandir-se necessria a transformao de sua estrutura produtiva ou a criao

    de novos mtodos de produo que vo aumentar a produtividade do trabalho e,

    conseqentemente, da maisvalia. A questo da introduo do progresso tecnolgico se

    apresenta como uma sada para as crises do capitalismo. Fica como contribuio do

  • 31

    pensamento marxista a possibilidade de discutir o setor da sade como produtor de mais-

    valia e o papel do desenvolvimento de novas tecnologias.

    No pensamento da escola Marginalista, o valor depende da utilidade marginal.

    Deste modo, quanto mais raro e til for um produto, tanto mais ele ser demandado e

    valorizado, aumentando, assim, o seu preo. Desse modo, os fatores tm o preo definido

    por sua utilidade e escassez, enquanto na Escola Clssica o valor era determinado pela

    quantidade de trabalho incorporado nos bens (Souza, 2000).

    Alfred Marschall (1842-1924), no livro Princpios de economia, de 1890, props

    a sntese neoclssica, buscando conciliar o pensamento clssico e marginalista. Para o

    autor, o valor, as quantidades demandadas e os preos dos bens so determinados no

    mercado pela utilidade marginal de cada um, enquanto o equilbrio parcial de um bem se d

    pela interao da oferta e da demanda no mercado.

    Uma das principais reaes ao liberalismo econmico foi representada por Vilfredo

    Pareto (1884-1923) que criticou a teoria vigente por afirmar que o bem-estar social

    alcanado pela maximizao das funes de utilidade e lucro individual. Estabeleceu o

    timo de Pareto, onde o ponto de equilbrio alcanado quando possvel aumentar o

    bem-estar de um sem diminuir o bem-estar de outro.

    Alm de Pareto, Arthur Pigou (1877-1959) em sua obra A economia do bem-estar

    criticou a idia liberal de que o bem-estar social resultado da somatria do bem-estar de

    cada um, este somatrio pode levar, em economia de livre mercado, a um ponto de

    equilbrio geral abaixo do ponto timo potencial. Introduziu, ento, os conceitos de

    economia e deseconomia externas: quando o Custo Marginal Social menor que o Custo

    Marginal Privado.

    A grande depresso dos anos 1930, com a falncia de inmeras empresas e o

    aumento do desemprego foi um dos principais fatores que impulsionou as crticas ao

    liberalismo e a aceitao com mais facilidade da interveno do Estado na economia. O

    Estado deve intervir para garantir o direito de propriedade e tambm a liberdade de

    mercado, com um maior nvel de emprego.

  • 32

    John Maynard Keynes (1883-1946) na sua obra principal, a Teoria geral do

    emprego, do juro e da moeda, procurou apontar solues para a crise do mundo capitalista.

    Mostrou que a economia pode ser representada pelo fluxo circular de produto e renda, onde

    o valor dos bens e servios produzidos (produto) tem como contrapartida os salrios, juros,

    aluguis e lucros (renda). Este fluxo no funciona de forma automtica, pois existem

    vazamentos, ou seja, parte da renda no volta para a economia, ou para o fluxo circular, em

    funo da poupana, das importaes e do pagamento de impostos, estas so rendas

    retiradas da economia. Desta forma, cabe ao Estado assegurar o investimento para

    compensar os vazamentos, ou ainda, o Maior fluxo de renda estimular a demanda

    agregada, retomando o caminho da prosperidade (Souza, 2000, p. 57).

    Nesta poca surgiu o que foi chamado por Welfare State ou Estado de BemEstar

    Social. Esta uma forma de poltica social, cujo conceito de cidadania considera que alguns

    direitos so indissociveis da existncia das pessoas. Esses direitos devem ser garantidos e

    fornecidos pelo Estado direta ou indiretamente. Seriam, por exemplo, a sade, a educao,

    a renda mnima, os recursos adicionais para a sustentao dos filhos etc.. Muitos dos

    sistemas de sade e previdncia, especialmente dos pases europeus, foram criados neste

    perodo.

    A segunda sntese neoclssica ou dos Neoclssicos liberais aceita alguma

    participao do Estado na economia, uma vez que, para os neoclssicos liberais a

    concorrncia no existe na sua forma pura e a liberdade irrestrita de mercado gera muita

    instabilidade, portanto, so aceitas algumas medidas de polticas monetrias e fiscais.

    Paul Samuelson (1887-1975), autor do livro Fundamento da anlise econmica

    realizou a sntese do pensamento neoclssico com o pensamento Keynesiano, iniciando-se,

    assim, a escola neoclssica liberal, onde

    (..) havendo pleno emprego, utiliza-se integralmente as proposies tericas neoclssicas, desde que o mercado funcione segundo os postulados neoclssicos para alocar recursos e distribuir renda. Entretanto, isso s possvel com o governo adotando polticas fiscais e monetrias, regulando oligoplios e atuando na produo de bens pblicos. No caso de desemprego, a recomendao pela adoo das polticas keynesianas. (Souza , 2000, p.58).

  • 33

    Os Neoclssicos conservadores so representados por Milton Friedman (1912-

    2006), da Escola de Chicago, Ludwig Von Mises (1881-1973) e Friedrich Hayek (1899-

    1992), da Escola Austraca. Esses autores defendem uma economia emprica, com a

    excluso de qualquer juzo de valor. Para esses formuladores, a grande depresso foi

    resultado de falhas do governo e no do mercado, foram as polticas econmicas

    equivocadas que desviaram a economia do crescimento equilibrado. Acreditam na lei de

    Say, ou seja, que o crescimento da produo gera novas rendas e demanda equivalente. No

    acreditam na existncia de externalidades, portanto, no justificam a interveno do Estado,

    devendo a mesma ser reduzida ao mnimo para que a mo invisvel do mercado funcione.

    Sob a influncia destes pensadores foram realizados muitos processos de

    privatizao, especialmente na Amrica Latina na dcada de 1990. Desestruturando alguns

    sistemas pblicos de sade ou, ainda, impedindo a construo de outros. Os Estruturalistas

    surgem como reao s teorias neoclssicas liberais e conservadoras no combate inflao.

    Estes afirmam que a inflao tem causas bsicas (que so as limitaes e a rigidez do

    sistema econmico) e causas circunstanciais (como o aumento do preo das importaes e

    dos gastos pblicos), assim, o aumento de preos provocado por causas reais exige maiores

    volumes de moeda em circulao.

    As novas teorias de crescimento acreditam que o capital e o trabalho no so os

    nicos fatores relevantes, consideram tambm o capital humano e as novas tecnologias.

    Souza (2001, p.61) interpreta que o produto da economia cresce em funo da acumulao

    de capital fsico, do emprego de mais trabalhadores e do aumento do estoque de

    conhecimentos. Essas teorias tm trazido discusso do desenvolvimento econmico

    aspectos fundamentais para a vida em sociedade. No podemos mais apenas crescer,

    necessrio que este crescimento tenha reflexo nos indicadores de qualidade de vida das

    pessoas.

    O uso dos instrumentais da economia para a compreenso e a anlise da sade

  • 34

    Economia e polticas sociais

    Hfling (2001) cita Gobert e Mller, que propem como conceito de polticas

    pblicas o Estado em Ao, ou seja, o Estado governo, por meio de programas e aes

    voltadas para setores especficos da sociedade. Guareschi et al. (2004, p.180) definem como

    o conjunto de aes coletivas voltadas para a garantia dos direitos sociais, configurando

    um compromisso pblico. Esse compromisso pblico visaria dar conta de determinadas

    necessidades sociais, afetas a diversas reas. Uma poltica pblica expressaria a

    transformao daquilo que do mbito privado em aes coletivas no espao pblico.

    As polticas sociais tm suas razes nos movimentos populares do sculo XIX, so

    criadas para mediar os conflitos surgidos entre capital e trabalho durante a primeira

    revoluo industrial. O Estado interfere visando a manuteno das relaes sociais de uma

    determinada formao social e, por isso, essas polticas assumem feies diferentes,

    gerando diferentes projetos de interveno conforme o projeto poltico da sociedade.

    Para Offe (1991), o Estado atua como regulador das relaes sociais a servio da

    manuteno das relaes capitalistas em seu conjunto e no especificamente a servio dos

    interesses do capital a despeito de reconhecer a dominao deste nas relaes de classe.

    Segundo Offe e Lenhardt (1984, p. 15), a poltica social a forma pela qual o Estado tenta

    resolver o problema da transformao duradoura de trabalho no assalariado em trabalho

    assalariado. O Estado capitalista moderno cuidaria no s de qualificar permanentemente a

    mo-de-obra para o mercado, como, tambm, por meio de tal poltica e de programas

    sociais procuraria manter sob controle parcelas da populao no inseridas no processo

    produtivo.

    O Estado capitalista no institui e no concede a propriedade privada, portanto, no

    tem poder para interferir nela, apenas tem a funo de arbitrar e no de regular conflitos

    que possam surgir na sociedade civil, onde proprietrios e trabalhadores estabelecem

    relaes de classe, realizam contratos, disputam interesses etc.. Desta maneira, as polticas

    sociais so reduzidas legitimao do poder, tendo um papel compensatrio das misrias

    sociais.

  • 35

    Os neoliberais acreditam que as polticas sociais so um dos maiores entraves ao

    desenvolvimento e so responsveis, em grande medida, pela crise econmica que

    atravessa a sociedade. A interveno do Estado constituiria uma ameaa aos interesses e

    liberdades individuais, inibindo a livre iniciativa, a concorrncia privada, podendo bloquear

    os mecanismos que o prprio mercado capaz de gerar para restabelecer o seu equilbrio.

    Uma vez mais, o livre mercado apontado pelos neoliberais como o grande harmonizador

    das relaes entre os indivduos e das oportunidades na estrutura ocupacional da sociedade.

    As polticas pblicas, como responsabilidade de Estado, quanto a sua

    implementao e manuteno, por meio dos diferentes rgos pblicos e diferentes

    organismos da sociedade, referem-se s aes que determinam o padro de proteo social,

    voltadas para a redistribuio dos benefcios e visando reduo das desigualdades

    estruturais produzidas pelo modelo de desenvolvimento econmico; no podem ser

    reduzidas apenas burocracia pblica ou s polticas estatais. Assim, podemos classificar

    estas polticas de diferentes formas:

    a) Polticas distributivas: so caracterizadas por um baixo grau de conflito, pois

    parecem distribuir apenas vantagens e no acarretar custos, ?pelo menos

    diretamente perceptveis, para outros grupos. Essas policy arenas so

    caracterizadas por consenso e indiferena amigvel. Em geral, beneficiam um

    grande nmero de destinatrios, todavia em escala relativamente pequena. Os

    potenciais opositores costumam ser includos na distribuio de servios e

    benefcios.

    b) Polticas redistributivas: so orientadas pela existncia de conflito social, seu

    objetivo o desvio, o deslocamento consciente de recursos financeiros, direitos ou

    outros valores entre camadas sociais e grupos da sociedade, portanto o processo

    poltico que visa a uma redistribuio costuma ser polarizado e repleto de

    conflitos.

    c) Polticas regulatrias: pressupe que custos e benefcios podem ser distribudos

    de forma igual e equilibrados entre os grupos e setores da sociedade, do mesmo

    modo como as polticas tambm podem atender a interesses particulares e restritos.

  • 36

    Os processos de conflito, de consenso e de coalizo podem se modificar conforme

    a configurao especfica das polticas. Baseiam-se em ordens e proibies,

    decretos e portarias, mais ou menos negociados com a sociedade, na medida do

    processo democrtico e participativo existente.

    d) Polticas constitutivas ou polticas estruturadoras: determinam as regras do

    jogo, e com isso, a estrutura dos processos e conflitos polticos, isto , as

    condies gerais sob as quais vm sendo negociadas as polticas distributivas,

    redistributivas e regulatrias. Dizem respeito criao e modelao de novas

    instituies, modificao do sistema de governo ou do sistema eleitoral,

    determinao e configurao dos processos de negociao, de cooperao e de

    consulta entre os atores polticos.

    A distino entre poltica estruturadora e scio-regulatria particularmente

    importante em relao aos seus efeitos nos processos de conflito e de consenso. Enquanto

    polticas scio-regulatrias versam sobre questes morais e vm sendo discutidas de forma

    bastante controversa dentro da sociedade, as estruturadoras ou constitutivas so

    habitualmente discutidas apenas dentro do sistema poltico-administrativo (Frey, 2000, p.

    223-225) e tm conseqncias importantes para o processo poltico.

    Desta forma, ressalta Hfling (2001), evidente que o processo de definio de

    polticas pblicas reflete o grau de organizao ou desorganizao social, os conflitos de

    interesses, os arranjos feitos nas esferas de poder que no perpassam apenas as instituies

    do Estado, mas toda a sociedade. necessrio estar atento aos fatores culturais, ou seja,

    queles que historicamente vo construindo processos diferenciados de representao, de

    aceitao, de rejeio, de incorporao das conquistas sociais, pois onde est a explicao

    para o sucesso ou fracasso de uma poltica ou programa ou, ainda, s diferentes solues e

    padres adotados para aes pblicas de interveno. A relao entre sociedade e Estado, o

    grau de distanciamento, as formas de utilizao de canais de comunicao entre os

    diferentes grupos da sociedade e os rgos pblicos, estabelece contornos prprios para as

    polticas pensadas para uma sociedade. Indiscutivelmente, as formas de organizao, o

    poder de presso e articulao de diferentes grupos sociais no processo de estabelecimento

  • 37

    e reivindicao de demandas so fatores fundamentais na conquista de novos e mais amplos

    direitos sociais, incorporados ao exerccio da cidadania.

    No Estado de inspirao neoliberal as aes e estratgias sociais governamentais

    incidem essencialmente em polticas compensatrias, em programas focalizados, voltados

    queles que, em funo de sua suposta capacidade e supostas escolhas individuais, no

    usufruem do progresso social. Tais aes no tm o poder e freqentemente no se

    propem a alterar as relaes estabelecidas na sociedade.

    Funes econmicas e setor pblico

    O objetivo do setor pblico deve ser o de implementar as aes que o mercado no

    absorve, seja porque no so rentveis, seja por razes de Estado. As principais funes

    econmicas do setor pblico so:

    a) Funo alocativa: o governo fornece o que no adequadamente ofertado pelo

    mercado. o caso dos bens pblicos cuja principal caracterstica a no excluso

    do consumo. Depois de definido o volume de produo, o fato de algum no

    utilizar o bem ou servio ofertado no significa que possa haver a reduo fsica da

    oferta deste bem para os demais. Um exemplo a segurana pblica. importante

    salientar que existe diferena entre os bens de consumo coletivo e os bens pblicos,

    os bens de consumo coletivo apenas sero considerados bens pblicos quando o seu

    consumo no estiver saturado, como por exemplo, uma praia lotada, quando um

    indivduo sai, beneficia os demais, neste caso dizemos que no um bem pblico

    puro. Temos ainda os bens semi-pblicos ou meritrios, so aqueles que mesmo

    satisfazendo o princpio da excluso, so produzidos pelo Estado. Por exemplo, a

    oferta de servios de sade.

    b) Funo distributiva: o governo atua, atravs da tributao, como um

    redistribuidor de rendas, retirando recursos dos grupos ou regies mais ricas e

    transferindo para os menos favorecidos. Esta tarefa deixada nas mos do mercado

    teria como resultado, a influncia da dotao inicial do patrimnio de cada um, na

    sua produtividade individual. O mercado no consegue fazer uma justa distribuio

  • 38

    de renda.

    c) Funo estabilizadora: o pleno emprego e a estabilidade de preos no ocorrem

    de forma automtica, ento o Estado atua por meio de instrumentos de poltica

    fiscal, monetria, cambial, comercial e de rendas para garantir a estabilidade. O

    mercado no consegue se auto-regular em relao a produo e ao crescimento dos

    preos.

    d) Funo de crescimento econmico: o Estado atua na implantao de polticas

    com o objetivo de aumentar a formao de capital ou os investimentos pblicos

    (infra-estrutura) e os financiamentos para os investimentos privados. Para alguns

    autores, esta funo se confunde com a funo alocativa.

    Tributao

    Para o Estado cumprir as suas funes necessita de recursos que so arrecadados na

    sociedade e que compem a sua receita fiscal, os chamados tributos. Estes podem incidir

    sobre a renda ou sobre os usos (impostos sobre consumo). A tributao segue alguns

    princpios:

    a)