prestaçao de serviços a comunidade
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Jovem Aprendiz Caixa Econômica FederalTRANSCRIPT
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE EDUCAO
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO
Maz Ramos Junqueira
PRESTAO DE SERVIOS COMUNIDADE:
impacto e (in)visibilidade no cumprimento
da pena/medida alternativa
Porto Alegre
2010
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Maz Ramos Junqueira
PRESTAO DE SERVIOS COMUNIDADE:
impacto e (in)visibilidade no cumprimento
da pena/medida alternativa
Dissertao apresentada ao Pr ograma de Ps-Graduao em Educao da Faculdade de Educao da Universidade Federal do Rio Grande do Sul como requisito para obteno do ttulo de Mestre em Educao. Orientadora: Profa. Dra. Carmem Maria Craidy Linha de Pesquisa: Polticas e Gesto de Processos Educacionais.
Porto Alegre
2010
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DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAO NA PUBLICAO (CIP) __________________________________________________________________________ J995p Junqueira, Maz Ramos
Prestao de servios comunidade: impacto e (in)visibilidade no cumprimento da pena/medida alternativa / Maz Ramos Junqueira; orientadora: Carmem Maria Craidy. Porto Alegre, 2010.
218 f. + Apndices + Anexos.
Dissertao (mestrado) Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Faculdade de Educao. Programa de Ps-Graduao em Educao, 2010, Porto Alegre, BR-RS.
1. Penas e medidas alternativas. 2. Prestao de servios comunidade.
3. Responsabilidade. 4. Reinsero social. 5. Educao. I. Craidy, Carmem Maria. III. Ttulo.
CDU 37.017.4-053.6
___________________________________________________________________ Bibliotecria Neliana Schirmer Antunes Menezes CRB 10/939 [email protected]
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Maz Ramos Junqueira
PRESTAO DE SERVIOS COMUNIDADE:
impacto e (in)visibilidade no cumprimento
da pena/medida alternativa
Dissertao apresentada ao Pr ograma de Ps-Graduao em Educao da Faculdade de Educao da Universidade Federal do Rio Grande do Sul como requisito para obteno do ttulo de Mestre em Educao.
Aprovada em 19 nov. 2010. ___________________________________________________________________ Profa. Dra. Carmem Maria Craidy Orientadora ___________________________________________________________________ Profa. Dra. Maria Stephanou UFRGS ___________________________________________________________________ Prof. Dr. Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo PUCRS ___________________________________________________________________ Profa. Dra. Rosangela Barbiani UNISINOS ___________________________________________________________________
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Para Carlos, meu amor, que esteve ao meu lado desde o incio dessa trajetria. Seu companheiris mo, pacincia e generosidade foram fundamentai s nessa passagem de minha vida.
Tambm ao Guilher me e a Maria Luiza, nossos filhos, que mesmo antes de nasc erem j s o to amados e proporcionam grandes aprendizagens.
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AGRADECIMENTOS
... minha orientadora, Pr ofa. Dra. Carmem Mari a Craidy, pela acolhida,
carinho e imenso aprendizado;
... Profa. Dra. Mari a Stephanou e ao Prof. Dr. R odrigo G hiringhelli de
Azevedo, pelos caminhos apontados na discusso do projeto de pesquisa;
... aos Juzes da Comarca de Guaba na poca da realizao da pesquisa,
Dra. Marialice Camar go Bianchi, Dr. Gilber to Schfer, Dra. Tatiana Eliz abeth Michel
Scalabrin Di Lorenzo e Dr. Ricardo Zem, pelo apoio recebido;
... ao Juiz da Vara de Ex ecuo das Pe nas e Medidas Alternativas (VEPMA)
da Comarca de Porto Alegre, Dr. Clademir Jos Ceolin Missaggia, pela aprovao
do estudo;
... equipe tcnica da VEPMA, especialmente Cedile Maria Frare Greggiani e
Cleonice Salomo Cougo, pelo acolhimento caloroso e pelas permanentes trocas.
Sem vocs, o estudo no s eria poss vel. Esper o que nossos laos, tanto
profissionais quanto de amizade, perdurem por muito tempo;
... s entidades conveniadas, parceir as na ex ecuo da prestao de
servios comunidade, com as quais temos muito a aprender;
... direo, funcionrios e mor adores da Associao de Cegos Louis Braille
(ACELB), que abriram carinhosamente suas portas para a realizao da pesquisa. O
aprendizado que tive na convivncia com vocs foi importante no s para fins de
estudo, mas para minha vida pessoal;
... colega Ivi Olivieri, que, alm das tr ocas cotidianas no trabalho, contribuiu
diretamente na coleta de dados;
... a Lou Zanetti pela disponibilidade e atenta reviso da escrita;
... e aos prestadores de servios que participaram da pesquisa. Desejo qu e
este trabalho seja seguido de outras iniciat ivas para dar visibilidade a esses sujeitos
que tm muito a dizer sobre a prestao de servios comunidade.
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[...] convenci-me de que o velho chavo sociolgico os dois Brasis bem mais qu e um bord o de sgastado, ent oado pel o b aixo clero acadmi co e pelos p orta-vozes caricatos de i deologias pe remptas. H, d e f ato, doi s Brasis, bem debaixo d e nosso s n arizes, viven do em dim enses ou universos inteiramente di stintos, nem semp re intercomunicveis. A maior diferena entre eles q ue a legalid ade democrtica s tem ple na validade para os que habitam o mundo privilegiado das classes superiores. O m aior indicador do abism o que separa a ci dade pa rtida so o compo rtamento policial e a s rea es d a mdia b rutalidade policial. Os d e b aixo s o frequentemente invisveis para os de cima, salvo quando lhes metem medo, produzem incmodo ou passam a representar alguma ameaa, imaginria ou real. (SOARES, 2000, p. 41).
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RESUMO
Nesta dissertao apresenta-se a pesquisa realizada junto a Vara de Exec uo das Penas e Medidas Alternativa s (VEPM A) da Comarca de Porto Alegre/RS, responsvel pela execuo da prestao de servios comunidade. Discute-se o impacto dessa pena/medida alternativa na vida dos seus destinatrios, buscando-se privilegiar o seu pont o de vist a. O estudo qualitativo e os dados foram coletados com a combinao de diferentes fontes: observao participante junto equipe tcnica da VEPMA, anlise de documentos in stitucionais, que stionrio a plicado s entidades conveniadas ao Poder Judicir io e estudo de caso de uma dessas entidades, que reuniu observa o participante e entrevistas com dirigentes e prestadores de servios. Os dados so analis ados e interpretados mediante leitura abrangente do real, composta por elementos histricos, sociais, jurdicos, econmicos, polticos e culturais, que perpassam e configuram o c omplexo fenmeno da prestao de ser vios co munidade. O olhar lanado sobre essa realidade, contudo, no procede a uma leitura totalizante, mas procura recuperar a dimenso do sujeito, permitindo identificar os sentidos atribudos, as possibilidades e os limites dessa pena/medida alternativa como forma de educao, responsabilizao e (re)insero social. A pesquis a revela a importncia das entidades conveniadas como contextos pr ivilegiados, nos quais a prestao de servios comunidade ocorre, mediante as mltiplas interaes entre os diversos atores envolvidos, favorecendo a socializao e a vivncia de processos educativos. Nesse am biente, os prestadores tm a possibilidade de estabelecer vnculos, sentirem-se teis, aceitos e integr ados, superando a noo de estigma que carregam os sujeitos que cumprem pena/m edida. O estudo aponta os desafios da (re)insero social e da responsabilizao dos cumpridores, procurando lanar luzes ao aperfeioamento do trabalho. Conc lui-se que a prestao de s ervios comunidade se revela um profcuo campo de possibilidades de transformao dos sujeitos, podendo contribuir para o des envolvimento humano e sua felicidade, objetivos fundamentais da educao. Palavras-chave: Penas e medidas alternati vas. Prestao de servios
comunidade. Responsabilidade. Reinsero social. Educao.
__________________________________________________________________________________ JUNQUEIRA, Maz Ram os. Presta o de Ser vios Comuni dade: impa cto e (in)vi sibilidade n o cumprimento da pen a/medida alte rnativa. Po rto Alegre, 20 10. 218 f. + Apndi ces + Anexos. Dissertao (Mestrado em Educao) Pro grama de Ps-Graduao em Educao, Faculdade de Educao, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2010.
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ABSTRACT
This paper presents the research carried out at the Court for the Exec ution of Penalties and Alternative Writ s (VEPMA) of the County of Porto Alegre - RS that is responsible for the execution of the serv ices to be rendered to the community. The discussion approaches the impact of this penalty/alternative measure on the life of their addressees taking their point of view in to consideration. It is a qualitativ e study and the data were collected through the combination of different sources: participative observation close to the VEPMA technical sta ff, analysis of institutional documents, questionnaire applie d to the entities covenant with the Judic iary Power and case s tudy of one of t hese entities that gathered part icipative observation and interviews with the c ontrollers and subjec ts that render services. The data are analyzed and interpreted by means of a broad reading of the real scenario, composed by historic al, social, legal, economi c, political and cultural elements that permeate and configure the complex phe nomenon of rendering services to the community. Nevertheless, the glance launc hed into this reality does not proceed a whole reading but it searches to recover the dimensio n of the subject, that allows identifying the attributed se nses, the possibilities and t he limits of this penalty/alternative measure as a way of educ ation, taking over responsibility and social (re)insertion. The research reveals the importance of the covenant entities as privileged contexts where rendering of services to the community occurs by means of multiple interactions among the several invo lved actors, by favoring the socializatio n and the experience of educative processes. Within this environment, the subjects who render the services hav e the possi bility of establishing bonds, feeling themselves useful, accepted and integrated, overcoming t he stigma notion that they carry upon serving penalty/measure. The st udy point s out the challenges of the social (re)insertion and responsibility charge of the servers in the search of launching lights to the work improvemen t. The conclusion drawn is t hat rendering services to the community reveals itself as a rich field of possibilities for the transformation of the subjects being able to contribute for the human development and joy, the fundamental objectives of education. Keywords: Educational measures. Com munity service. Responsibility . Socia l
reinsertion. Education. __________________________________________________________________________________ JUNQUEIRA, Maz Ram os. Prestao de Ser vios Comuni dade: impa cto e (in)vi sibilidade n o cumprimento da pen a/medida alte rnativa. Po rto Alegre, 20 10. 218 f. + Apndi ces + Anexos. Dissertao (Mestrado em Educao) Pro grama de Ps-Graduao em Educao, Faculdade de Educao, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2010.
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LISTA DE QUADROS
Quadro 1 Avaliaes Disponibilizadas ................................................................... 82
Quadro 2 Perfil da Instituio ................................................................................. 93
Quadro 3 rea de Atuao ..................................................................................... 94
Quadro 4 Vagas Para Prestadores ........................................................................ 95
Quadro 5 Atividades Desenvolvidas Pelos Prestadores ........................................ 96
Quadro 6 Atividades Desenvolvidas no Acompanhamento da PSC .................... 100
Quadro 7 Responsvel pelo Acompanhamento do Prestador.............................. 103
Quadro 8 Restrio aos Prestadores ................................................................... 118
Quadro 9 Oferta de Formao aos Prestadores Pelas Entidades ........................ 119
Quadro 10 Tipo de Formao Oferecida Pelas Entidades ................................... 120
Quadro 11 Oferta de Benefcios aos Prestadores ................................................ 121
Quadro 12 Benefcios Oferecidos aos Prestadores ............................................. 121
Quadro 13 Encaminhamentos dos Prestadores Para Servios da Rede ............. 121
Quadro 14 Predominncia de reas de Encaminhamentos dos prestadores Para
Servios da Rede .................................................................................................... 122
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SUMRIO
1 SITUANDO A PESQUISA primeiras palavras ........................................ .........13
2 DIALTICA ASCENDENTE: organizando o quadro terico de referncia ....... 21
2.1 CONTEXTUALIZAO DO FENMENO: a violncia na sociedade brasileira . 21
2.2 PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE: o fracasso de um modelo de punio . 33
2.3 PROPOSTA DE UM NOVO MODELO: penas e medidas alternativas .............. 40
2.4 FINALIDADES DAS PENAS E MEDIDAS ALTERNATIVAS .............................. 45
2.5 PRESTAO DE SERVIOS COMUNIDADE ............................................... 49
2.6 A EXPERINCI A DO PROGRAMA DE PRESTAO DE SERVIOS
COMUNIDADE NA COMARCA DE PORTO ALEGRE/RS........................ ...............53
3 DIALTICA DESCENDENTE: caminhos metodolgicos .................................. 58
3.1 APROXIMAES COM O OBJETO: a construo do projeto de pesquisa ...... 59
3.2 A CO NSTRUO DA CO RRESPONSABILIDADE ENTRE AS ENTIDADES
CONVENIADAS E O PODER JUDICIRI O NA EXE CUO DA PRE STAO DE
SERVIOS COMUNIDADE .................................................................................. 60
3.3 IMPASSES E DESAFIOS DO PROGRAMA DE PRESTAO DE SERVIOS
COMUNIDADE ......................................................................................................... 68
3.4 CONSTRUINDO ALTERNA TIVAS: F rum Rede Social de Penas e Medida s
Alternativas de Porto Alegre ..................................................................................... 71
3.5 CONSIDERAES SOBRE AS APROXIMAES COM O OBJETO .............. 74
3.6 RETOMANDO O OBJETO: NOVAS EXPLORAES NO CAMPO .................. 76
3.6.1 Limites, Possibilidades e Desafios, na Concretizao da Pesquisa......... 78
3.6.2 Anlise e Interpretao dos Dados .............................................................. 88
4 O IMPACTO DA PRESTAO DE SERVIOS COMUNIDADE ...................... 91
4.1 ENTIDADES CONVENIADAS: cont extos da prestao de servios
comunidade .............................................................................................................. 91
4.2 (IN)VISIBILIDA DE DOS P RESTADORES NOS DOCUMENTOS
INSTITUCIONAIS ................................................................................................. 126
4.2.1 Acolhimento, Inte grao e No-discriminao condies essenciais para os prestadores ............................................................................................. 128
4.2.2 Convivendo com uma Realidade Diferente o despertar de valores, sentimento de utilidade e engajamento ............................................................. 132
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4.2.3 Aprendizagens Profissionais socializao e descoberta d e novas possibilidades ...................................................................................................... 138
4.2.4 Os Desafios da (re)Insero Social............................................................ 141
4.2.5 Pagar e Refletir sobre o Delito Cometido p ossibilidades de responsabilizao ................................................................................................ 143
4.2.6 O Sentimento de Injustia .......................................................................... 145
4.2.7 Orientao, Apoio e Limites o trabalho da equipe tcnica da VEPMA ............................................................................................................................... 147
4.2.8 A Liberdade como Valor Fundamental ...................................................... 151
4.3. UM ESTUDO DE CASO o dilogo com os prestadores ............................ 152 4.3.1 Situando a ACELB ....................................................................................... 153
4.3.2 A Insero no Campo .................................................................................. 154
4.3.3 Histrias da Prestao de Servios Co munidade na Memria dos
Dirigentes .............................................................................................................. 159
4.3.4 O Olhar dos Dirigentes Lanad o sobre a Prestao de Se rvios
Comunidade .......................................................................................................... 162
4.3.5 Itinerrios da Prestao de Servios Comunidade ............................... 168
4.3.6 O Dilogo com os Prestadores como Desafio .......................................... 173
4.3.7 O Contexto das Entrevistas ........................................................................ 180
4.3.8 A Voz dos Prestadores ............................................................................... 184
5 CONCLUSES ................................................................................................... 204
REFERNCIAS ....................................................................................................... 212
APNDICES ........................................................................................................... 219
APNDICE A - Prestao de Servios Comunidade na Comarc a de Porto Alegre
RS. Corresponsabilidade com as Entidades Conveniadas .....................................220
APNDICE B - Segurana com Cidadania na Execuo de Penas e Medidas
Alternativas ..............................................................................................................235
APNDICE C - Questionrio ...................................................................................255
ANEXOS ................................................................................................................. 260
ANEXO A - XXII E ncontro da Prestao de Servi os Comunidade em Porto
Alegre/RS ............................................................................................................... 261
ANEXO B - Modelo de Avaliao da PSC da VEPMA ............................................266
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1 SITUANDO A PESQUISA PRIMEIRAS PALAVRAS
Conhecer construir pontes entre o sonho, estrela distante, e o lugar onde me encontro. Rubem Alves
A presente dissertao de mestrado tem co mo eixo central a exec uo da
pena/medida alternat iva de pres tao de servios com unidade. Trata-se de um
tema de relevnc ia social por estar relacionado a grandes preocupaes da
contemporaneidade: a violnci a, a criminalidade e as respostas dadas pela
sociedade a esses fenmenos.
No contexto nacional, vive-se um mom ento significativo da s penas e medidas
alternativas. Estatsticas recentes revelam que o nmero de pess oas em
cumprimento de alternativas penais j super ou o da pr ivao da liberdade, inserindo
importantes desafios nesse campo. Segundo informaes divulgadas pelo Ministrio
da Justia, no ano de 20 09, 671.068 pessoas c umpriram penas e medidas
alternativas, contra 473 mil presas1.
O impactante aumento das alternativ as penais no pas demanda a reflexo
crtica sobre a sua aplic ao e, principa lmente, sua execuo. A prod uo de
conhecimentos torna-se fundamental ness e momento histrico, podendo contribuir
para fortalecer e consolidar um sistema penal alt ernativo (GOMES, 2000) em
contraponto ao modelo hist oricamente preponderant e, que tem a pena de priso
como centralidade.
A realidade das penas e medidas alte rnativas ainda pouco conhec ida no
Brasil, sendo raros os estudos nessa rea. As pesquisas desenvolv idas at o
1 Informaes disponveis no site www.mj.gov.br (acesso em 19/05/2010).
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momento so anlis es mais gerais sobre a sua aplic ao e execu o2, no
proporcionando uma leitur a que contemple, de maneira mais aprofundada, a viso
dos sujeitos, especialmente a dos seus cumpridores.
Os desafios colocados no panorama nacional incidem diretamente na atividade
que se desenvolve, desde 2002, no cargo de a ssistente social do Poder Judicirio
do Rio Grande do Sul. No exerccio profissional junto Vara de Execues Criminais
da Comar ca de Guaba 3, trabalha-se na execuo da prestao de s ervios
comunidade. A prtic a cotidiana, ao revelar importantes limitaes, possibilidades e
desafios da realidade das penas e medidas alternat ivas, tambm suscita
questionamentos e inquietaes.
Os questionamentos advindos da prt ica junto execuo da prestao de
servios comunidade convergem para a necessidade de reflexo sobre o impacto
desta pena/medida na vida dos seus destinatrios . Para alm dos discursos
inflamados em defes a de qua lquer proposta que s upere as deg radantes condies
da privao da liberdade, e das finalidades declaradas das alternativas penais de
educao e ressocializao dos seus destinatr ios, preciso que se reflita sobre o
seu efetiv o significado, mediante a anlise do real com a ajuda de c ontextos
tericos. Conforme ressalta Faleiros (2001), essas penas surgem como uma espcie
de luz no fim do tnel do sistema crim inal, dadas as condies degradantes em
que a priv ao da liberdade se encontra. Essa luz, entretant o, pode parecer uma
panaceia, devendo ser mais bem co nhecida par a que possam ser criados
referenciais analticos que permitam a comp reenso de suas rea is possibilidades e
limites (FALEIROS, 2001). 2 Em nvel nacional, me rece de staque o L evantamento na cional sob re a execu o das penas
alternativas (2006) realizado pelo Instituto Latino-Americano das Naes Unidas para a Preveno do Delito e Tratamento do Delin qente (ILANUD) em nove capitai s brasileira s (Bel m, Belo Horizonte, Campo Grande, Curitiba, Fortaleza, Porto Alegre, Re cife, Salvador e S o Paulo) e no Distrito F ederal. Re centemente foi de senvolvido u m estud o pel o Prog rama das Naes Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) em p arceria com o Ministrio da Justia, resultando no Relatrio de Pesquisa Penas e medidas alternativas no Distrito Federal, Pernambuco, Minas Gerais e S o Paulo (2008). Embora restrita ao Distrito Federal, a pesquisa coordenada por Faleiros (2001) sobre a execu o das p enas a lternativas ta mbm merece desta que. Difere nte do s demai s e studos citados, que apresentaram um panorama m ais geral, este lt imo possibilit ou uma l eitura m ais aprofundada sobre o a ssunto, buscando contemplar a viso do s diferentes atores envolvidos nas penas e medidas alternativas (familiares, cumpridores, organizaes sociais, operadores do direito, tcnicos e representantes do Conselho da Comunidade).
3 Com lotao na Comarca de Guaba, desde 2005, a pesquisadora responde, tambm, pelo trabalho tcnico de assessoria aos Magistrados, atuando em diferentes Varas Judiciais.
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Como parte do cotidiano prof issional que s e vive, na qualidade de assistente
social judiciria, o objeto desta pr oposta de pesquisa configura-se algo familiar. Tal
proximidade na rela o suje ito-objeto, assunto ampl amente debatido nas Cinc ias
Sociais, discutida por Velho (1978) que relativ iza as noes distncia e
objetividade, reconhecendo a presena da dimenso subjetiva em qualquer estudo.
O familiar necessariamente no o conhecido, salienta Velho (1978). A
realidade da prestao de servios comunidade, embora faa parte da experinc ia
profissional da mestranda, no s e constitui automaticamente em obj eto de reflexo.
Necessria a construo de um novo olhar , que rompa com o imediatis mo e as
urgncias do cotidiano.
Ao se bus car uma aproxima o com o paradigma reflexivo (PERRENOUD,
2002)4, a pesquis a parte da experinc ia, na perspectiva de conciliar a razo
cientfica com a prtica da reflexo na e sobre a ao, relacionando saberes tericos
gerais com as situaes singulares. Mediante o distanciame nto e a anlis e do
cotidiano de trabalho, a prtica reflexiva visa c onstruo da capac idade de
aprender com a ao e de transform-la.
A construo do objeto de pesquisa, po rtanto, partiu de uma indaga o
subjetiva e prtica, elaborada a partir da ins ero profissional da mestranda.
Conforme ensina Marre (1991), o delinea mento desse objeto demanda a ruptura
com o saber imediato, oriundo da ex perincia concreta, transformando os
questionamentos suscitados pela prtic a em um problema cientfico a ser
investigado. necessria a elabora o de um quadro terico de referncia,
elevando a indagao inic ial a uma dimens o terica. Mediante o dilogo com a
bibliografia, a questo cercad a com a produo cientfica, processo denominado
pelo autor de dialtica ascendente.
4 Perre noud (200 2) a borda a profi ssionalizao d os p rofessores, e specialmente no s aspectos
relacionados sua form ao, em bora sua s id eias p ossam ser utili zadas p or outras profisses humanistas, como o se rvio soci al. Partindo-se da teoria d e Don ald Sch n, a respeito d o profissional reflexivo, o autor prope a reabilitao da razo prtica, a aprendi zagem por m eio da experincia, a utilizao da intuio e da reflexo na e sobre a ao. Tais pressupostos, aplicados ao ofcio do profe ssor, demandam a incorporao de u m conj unto de com petncias ti cas e metodolgicas, sendo a pesquisa uma das suas estratgias. A pesquisa, portanto, vista de maneira isolada, n o pod e ser confundi da com a p rtica reflexiva, ma s constitui-se em u m el emento significativo para a sua co nstruo, caso os proble mas estudados partam da p rtica e retornem a ela, enriquecendo-a.
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Elevada a indagao inicial a um nvel terico, busca-se a operacionalizao
do estudo. Esse processo , nomeado por Marre (1991) de dialtica desc endente,
pretende o dilogo com a realidade, tr ansformando o problema formulado em uma
sequncia de atos operacionais, viabilizando a dimenso emprica da investigao.
Os processos a dialtica asc endente e a dialtica descendente - no so
separados, nem definitivos, es tando sujeit os a um permanent e processo de
construo. Ambas as dialtic as s o combinadas e devem ser continuamente
pensadas e aprofundadas pelo pesquisador, revelando a dimenso provisria e
relativa dos conhecimentos produzidos.
Na construo da proposta de pesquisa, definiu-se a Vara de Execuo das
Penas e Medidas Alternativa s (VEPM A) da Comarca de Porto Ale gre como
experincia a ser estudada. Justifica-se esta escolha pelo pioneirismo e pela
qualidade desse trabalho, reconhecido em mbito nacional. A equipe da VEPMA, h
aproximadamente duas dcadas, desenvolve o Programa de Prestao de Servios
Comunidade, considerado o mais bem es truturado pelo Poder Judicirio do Rio
Grande do Sul e modelo para os profissionais que atuam nas demais Comarcas.
O processo de elaborao do projeto de pesquisa ocorreu nas interaes com
a equipe t cnica da VEPMA. Iniciou-se o c ontato com a equipe ainda no primeiro
semestre de 2008, m ediante reunies c om a coordenadora. O ac olhimento positivo
do estudo, por parte da VEPMA, com am plo apoio para insero no campo,
expressou-se, desde o incio, na facilitao ao acesso a docume ntos, a pessoas,
participao na rotina e em eventos signifi cativos que aconteceram no decorrer da
construo da proposta de pesquisa.
A aceitao imediata deste estudo e o acesso privilegiado ao material de
pesquisa que se obteve relacionam-se a al gumas caractersti cas da equipe da
VEPMA. Alm da busca pela construo de relaes democrticas, observada
especialmente no trabalho com as ent idades conveniadas, a equipe atribui
importante valor produo de conhecimentos, o que se expressa na publicao de
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textos e artigos5.
A partir de setembro de 2008, passou-se a interagir com os demais membros
da equipe e com representantes das entidades c onveniadas, proporcionando
excelente troca de experincias e o am adurecimento do problema de pesquisa.
Entendendo-se que a interao no cam po j se constitua no prprio
desenvolvimento do estudo, inic iou-se, ento, o registro das atividades em um dirio
de campo, importante fonte de dados para a pesquisa.
Na aproximao com a equipe tcnica da VEPMA surgiram contornos
metodolgicos no-pr evistos inic ialmente na proposta de pesquisa. A abertura da
equipe possibilitou a adoo da observao participante, mediante o envolvimento e
a interveno da pes quisadora no cotidiano do trabalho para alm da coleta de
informaes. Em consonncia com o modelo artesanal de Cincia, proposto por
Becker (1997), produziu-se mtodos necess rios ao prprio desenvolv imento da
atividade de pesquisa, haven do uma m argem de improvisao de solues e
adaptados princpios gerais s situaes especficas.
A propost a de pes quisa que resultou nes ta diss ertao foi elaborada na
interao com o movimento de permane nte construo do prprio trabalho d a
VEPMA. Esse processo obteve resultados concretos importantes que ser o
abordados de maneira mais aprofundada no item Aproxima es com o objeto de
pesquisa:
a participao da pesquisadora do XXII Encontro de Entidades Conveniadas 6, realizado em 22 de out ubro de 2008, na qualidade de palestrante, como
forma de estabelecimento de vnculo com as instituies, troca de
experincias e retorno parcial do estudo;
a produo de um artigo em conjunto com a equipe tcnica 7, possib ilitando
5 Alm de vrios documentos, a equipe da VEPMA publicou artigos no Relatrio Azul da A ssemblia
Legislativa d o Ri o Grande do Sul (2000), na Revista Se rvio Social e So ciedade (200 2) e na Revista da Ajuris (2007).
6 Ver relatrio do evento produzido pela equipe tcnica anexo Dissertao - Anexo A. 7 O artigo produzido em parceria com a equipe tcnica da VEPMA se intitula Prestao de Servios
Comunidade na Comarca de Porto Alegre/RS: corresponsabilidade com as entidades conveniadas
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tanto a sistematizao de resultados parciais da pesquisa quanto a reflex o
sobre o trabalho desenvolv ido na execuo da pr estao de servios
comunidade;
a participao da mestranda, a conv ite da equip e da VEPMA, n o Seminrio Segurana com Cidadania na Execuo de Pe nas e Medidas Alternativas,
ocorrido no ms de novembro de 2008, na cidade de Vit ria/ES8. O evento foi
promovido pelo Departamento Penitencirio Nacional do Ministrio da Justia,
em parceria com o Programa das Naes Unidas para o Des envolvimento
(PNUD), sendo discutidos os objetivos estratgicos para a construo de uma
poltica pblica orientada produo de segurana com cidadania;
o acompanhamento da criao do Frum Rede Soc ial de Penas e Medidas Alternativas de Porto Alegre, sendo iniciada a sua discusso no XXII Encontro
e fortalecida no Seminrio ocorrido em Vitria.
Participar das atividades supracitadas, alm da interao mais rotineira com a
equipe da VEPMA, foi fundamental para a construo da pesquisa. Essas atividades
favoreceram a articulao do s aber acadmico com a realida de da exec uo da
prestao de servios comunidade na Comarca de Porto Alegre, c om a sua
experincia cotidiana e seus diferentes atores, num movimento de busc a pela
articulao terico-prtica. O evento r ealizado em Vit ria proporcionou um a leitura
da discusso sobre as penas e medidas alter nativas em nvel nacional, bem como a
participao da pesquisadora na construo dessa poltica pblica.
No duplo movimento de imerso na r ealidade e aprofundamento terico, e
entendendo que o conhecimento se constri at ravs de sucessivas aproximaes, a
pesquisa objetivou conhecer o impacto da prestao de servios comunidade
executada pela VEPMA na vida dos seus destinatrios . Este estudo buscou a
produo de nov os saber es, fundament almente o aprimoramento dessa
pena/medida alternativa, vi sando contribuir tanto para a construo de respostas
no somente punitivas, mas educativas, de responsabilizao e (re)insero social
dos seus cumpridores quanto para o enfr etamento do contexto de v iolncia e
e se encontra no prelo para publicao no nmero 22 da Revista do Conselho Nacional de Poltica Criminal e Penitenciria (Apndice A).
8 As discusses foram registradas pela pesquisadora em Relatrio (Apndice B).
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criminalidade em que se vive.
O estudo procurou contemplar os princi pais atores envolvidos na exec uo da
prestao de servios comunidade na Co marca de Porto Alegre: a equipe tcnica
da VEPMA, as entidades conveniadas e os prestadores. Estes ltimos, entretanto,
foram privilegiados na pesqu isa, pela sua situao de invisibilidade constatada no
processo de aproxim aes co m o objeto. O desafio de dar voz aos cumpridores
permeou toda a inv estigao, revelando a necessidade da criao de novas
iniciativas nesse sentido.
A estrutura da dissertao compe-se de cinco captulos. No segundo,
denominado Dialtica Ascendente: organizando o quadro terico de referncia ,
apresenta-se a construo do quadro terico em que se insere a prestao de
servios comunidade, t endo-se a anlise da violnc ia como ponto de partida. Por
se tratar de um fenmeno complexo, a vi olncia s ituada na trama de uma srie
de relaes, envolvendo questes histricas, econmicas, sociais, polticas, culturais
e aspectos relacionados dim enso do suje ito. Em seguida, reflete-se sobre o
fracasso do modelo de puni o baseado na priso, cenr io e m que as penas e
medidas alternativas sur gem como nova proposta, not adamente a prest ao d e
servios comunidade.
O terceiro captulo Dialtica Descendente: caminhos metodolgicos aborda
os meios e instrumentos utiliza dos na pesquisa a partir do quadro te rico de
referncia construdo. Relata-se o processo de aproximaes com o objeto de
pesquisa mediante as interaes da pesquisadora co m a equipe da VEPMA. Dess e
processo resultou a reflexo sobre a r ealidade da prestao de servios
comunidade na Comarca de Porto Alegre, s ervindo de guia para as demais etapas
do estudo. A invisibilidade dos prestadores emergiu como questo relevante,
influenciando, de maneira decisiva, o design da investigao.
Os resultados obtidos atravs da pesquisa so apresentados no quarto
captulo, intitulado O Impacto da Prestao de Servios Comunidade . Analisam-se
os contextos privilegiados da pena/medida alternativa as entidades conveniadas
buscando-se a construo de uma viso panormica dessas instituies na
Comarca de Porto Alegr e. Proc ura-se dar visibilidade aos pres tadores mediante a
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anlise de documentos instituc ionais e a realiza o do um estudo de cas o de uma
entidade, combinando observao participante e entrevistas.
Por fim, nas concluses incluem-se algumas reflexes e desafios, em
detrimento de respostas pretensament e definitivas. Reflete-se sobre o im pacto da
prestao de servios com unidade na v ida dos seus destinatrios , especialmente
sob o ponto de vista dos prprios suje itos. Semelhante a outros estudos
(FALEIROS, 2001, GIRARDI, 2007, GOMES, 2008, dentre outros), afirma-se a
legitimidade das penas e medidas altern ativas, sendo indicados aspectos para
serem repensados, visando a contribuir para a concretizao de suas finalidades de
educao, responsabilizao e (re)insero social dos seus cumpridores.
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2 DIALTICA ASCENDENTE: ORGANIZANDO O QUADRO TERICO DE
REFERNCIA
Digo: o real no est na sada e nem na chegada:
ele se dispe para a gente no meio da travessia.
Guimares Rosa
2.1 CONTEXTUALIZAO DO FENMENO: A VIOLNCIA NA SOCIEDADE
BRASILEIRA
A construo de um quadro terico de refer ncia requer a contextualiza o da
prestao de servios comunidade. Ainda que no se configure objeto es pecfico
deste estudo, a violncia ponto de partida, pois, a aplic ao das penas e
medidas alternativas signific a, em term os genricos, uma resposta da sociedade a
esse fenmeno.
A violnc ia, resultado de mltiplas determinaes, um fenmeno complexo,
com contornos imprecisos, mveis, de difcil definio. Devido a sua natureza plural
e contraditria, configura- se uma rea de convergncia de diversas disciplinas, no
sendo possvel a construo de um conceito geral e definitivo.
Arendt (1994) oferece uma conceituao da violncia partindo da perspec tiva
interpretativa da filosofia. A reflexo da autora situa-se no campo da poltica,
contrapondo a violncia ao conceito de poder, o qual definido, em sntese, como a
capacidade humana de agir em conjunto . A afirmao absoluta de um significa a
ausncia do outro, sendo a violnc ia ensejada pela desintegrao do poder. A
violncia, portanto, repr esenta a ausncia da democracia, da alterid ade, da
tolerncia, do respeito e do dilogo.
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Ao buscar uma interpretao sociolgic a da violncia, Tavares ( 2009) dec lara
que o fenmeno adquire novos contornos na contemporaneid ade, passando a se
disseminar por toda a sociedade. Suas mltiplas formas violnc ia poltica,
costumeira, violncia de gner o, violnc ia se xual, racista, ecolgic a, simblic a e
violncia na escola configuram o que o autor denomina proc esso de cidadania
dilacerada9. Baseado em Foucault, o autor busca a c ompreenso da v iolncia a
partir do c onceito de microfsica do poder , ou seja, da existncia de uma rede de
poderes que permeia as rela es soc iais, marcando interaes entre grupos e
classes sociais. (p. 24). Nessa perspecti va, a violncia com preendida como a
relao social, caracterizada pelo us o real ou v irtual da for a ou coero que
impede o r econhecimento do outro pessoa, classe, gnero ou raa provocan do
algum tipo de dano, configurando o oposto das possibilidades da sociedade
democrtica. (p. 16).
Tavares (2009) salienta, ainda, o parado xo da soc iedade bras ileira, porque,
embora tenha adotado um regime poltico democrtico, tem o autoritarismo presente
na sua vida social. A sociedade brasileir a, diz o autor, por conseguinte, parece
aceitar a violncia, ou pelo menos se resign ar com ela, incorporando-a como prtica
social e poltica, demonstrada nas situaes rotineiras de violncia nas cidades, nos
campos e florestas brasileiras.
A anlise histrica, sem desconsiderar a importncia que a violncia assume no
contexto atual, revela que no se trata de um fenmeno recente. Como diz Gomes
(2008), tambm no se trata de algo que possa ser eliminado do corpo social, mas
apenas diminudo a nveis tolerveis.
Em virtude da esc assez de fontes, os estudos sobr e as soc iedades antigas
tornam-se praticamente inviveis, conhec endo-se pouco sobre a violncia ness e
perodo. Mas, na Idade Mdia, a violncia j era uma preocupao social, agudizada
no perodo da Idade Moderna (BURKE, 2002).
9 Tavares (2009) conceitua cidadania dilacerada como o re sultado da tecnologia de poder que se
exerce pelo suplcio do corpo e se expande por causa das dificuldades de consolidao do contrato social na sociedade b rasileira. (p. 13 6). A p ossibilidade de e rradicao d as diversas formas de violncia, para ele, est associada criao de prticas sociais capazes de instaurarem contratos sociais de n ovo tipo, sendo o inve rso da cid adania dil acerada a s lutas soci ais, ca mpo de possibilidade de construo da cidadania concreta, mediante a constituio de espaos sociais que asseguram o direito vida e o respeito difere na, na luta por um processo civilizador ainda inacabado.
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importante salientar que a afir mao de que a v iolncia perpassa a histria
da humanidade no s ignifica a sua explic ao por um vis biolg ico, ou seja, parte
da natureza humana. Trata-se de um fenmeno histrico e cultural, sendo a vida
em sociedade o seu espao de criao e desenvolvimento.
A anlis e do processo de formao sci o-histrica do Brasil revela as
especificidades da violnc ia em nossa soci edade. A histria do pas fortemente
marcada pelas c aractersticas dependnc ia externa e ec onomia estruturada no
latifndio, na monocultura e no trabalho escravo. Dessa ltima caracterstica herdou-
se a discriminao, a excluso social e a desvalorizao cultural do trabalho manual.
Desde o perodo colonial poss vel vislumbrar uma espcie de cultura da violncia,
sendo os segmentos mais vulnerveis os seus principais destinatrios. Os escravos,
por exemplo, eram considerados no- humanos na s ociedade da poca, sofrendo
diferentes tipos de violncia, sendo a fsica a mais visvel.
Em uma leitura sociolgica, Cano (2002) considera a Amrica Latina uma das
regies mais violent as do mundo, apr esentando altas taxas de homicdio e
criminalidade10 violent a. Dentre as caus as desse fenmeno, o autor cita a
urbanizao acelerada, a cons equente destruio das redes soc iais tradicionais, as
estruturas socioeconmicas desiguais, a disponibilidade de armas de fogo e o alto
grau de impunidade.
Ao se analisar a violncia necessrio considerar a sua relao com a questo
social11, especialmente no contexto brasileiro. Embora o fenmeno no possa ser
explicado exclus ivamente por esse as pecto, inegvel a importncia da
desigualdade, das condies precrias de trabalho, do des emprego, da pobreza, da
10 A defini o de criminalidade, e mbora diretamente relacionada violncia, a presenta
especificidades. O ato criminoso est disposto na Lei Penal, necessitando ser tipificado. Como toda legislao, a Lei Penal con struda pela so ciedade, refletindo , pelo meno s em parte, os seu s costumes e comportamentos considerados aceitveis naquele momento histrico.
11 Confo rme Iamamoto (2007), a questo soci al ex pressa de sigualdades e conmicas, polticas e
culturais das classes sociais, mediatizadas por disparidades nas relaes de gnero, caractersticas tnico-raciais e formaes regionais, colocando em causa amplos segmentos da sociedade civil no acesso aos bens da civilizao. Dispondo de uma di menso estrutural, ela atinge visceralmente a vida dos sujeitos numa luta aberta e surda pela cidadania (IANNI, 1992), no embate pelo respeito aos direitos civ is, s ociais e p olticos e a os direitos h umanos. Esse processo denso d e conformismos e rebeldias, expressando a conscincia e a luta pel o reconhecimento dos direitos de cada um e de todos os indivduos sociais. (p. 160).
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degradao das c ondies de vida e das relaes entre os sujeitos para sua
compreenso.
Conforme enfatiza Iamamoto (2007), a re flexo sobre a questo social pas sa
necessariamente pelo processo de mundializao do capital sob a hegemonia
financeira e suas repercusses no cenr io nacional. A expanso do capital
internacional, mediante a amplia o dos mercados e a desregulamentao da
relao c apital-trabalho, resulta em flex ibilizao ou perda de direitos sociais
conquistados e polticas pblic as corre spondentes. Nesse movimento, a reforma
do Estado assume centralidade, sendo perseguida a sua reduo nos gastos sociais
que visariam satisfao das necessidades das grandes maiorias, pois a prioridade
do fundo pblico alimentar o mercado financeiro. Nesse cenrio, os investimentos
especulativos so favorecidos em detrimento da produo, o que se encontra na raiz
da reduo dos nveis de emprego, do agravamento da questo social e da
regresso das polticas sociais pblicas. (IAMAMOTO, 2007, p. 143).
Para a autora,
[...] vale reiterar que o projeto neoliber al subordina os di reitos sociais lgica oramentria, a pol tica social poltica econmica, em e special s dotaes orament rias. Observa -se uma invers o e uma su bverso: ao invs d o di reito con stitucional imp or e orient ar a distribuio da s verba s oramentrias, o dever le gal passa a ser submetido dispo nibilidade d e recursos. So defini es ora mentrias vistas como um dado n o passvel de questio namento que se torn am parm etros para a implementao dos di reitos sociais implicados na seguridade, justificando as prioridades governamentais. (IAMAMOTO, 2007, p. 149).
A diminuio do Estado Social tem sido acompanhada pelo aumento do Estado
Penal como estratgia para a conteno das desordens geradas pelo contexto de
desemprego, condies precrias de tr abalho e r etrao da proteo social
(WACQUANT, 2001). No caso brasileiro, tal quadro as sume maior gravidade diant e
das j citadas desigualdades e da falta de tradio democrtica das instituies.
Nessas condies, de acordo com Wacquant (2001 ), o aumento da interven o
policial e judiciria acaba por estabelecer uma verdadeira ditadura sobre os pobres.
Na mesma perspectiva, Iamamoto (2007) afirma que, no cenrio atual, a
questo s ocial pass a a ser objeto de viole nto processo de criminaliz ao que
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atinge as classes subalternas. A questo social, que tende a ser naturalizada, tem
suas manifestaes transformadas em programas focalizados de combate pobreza
ou em expresses da violncia dos pobres, oferecidas como respostas segurana
e repres so oficial, tendncia que, par a a autora, evoca o passado, quando (a
questo social) era concebida como caso de polcia, ao invs de ser objeto de ao
sistemtica do Estado no atendimento s necessidades bsicas da classe operria e
outros segmentos trabalhadores. (p. 163).
Faria (2001) analisa os efeitos da reestruturao do c apitalismo e reordenao
da riquez a no Poder Judic irio brasileiro. Dentre as consequncias s ociais da
globalizao econmica, o autor destaca que os excludos do sistema ec onmico
perdem progressivamente as condies materiais para o exerccio dos seus direitos,
no sendo dispensados, entre tanto, de s uas obrigaes e deveres legalmente
estabelecidos, inclusive os de natureza penal . Com suas prescries normativas, o
Estado os integra ao sistema jurdico basic amente em suas feie s marginais isto
, como devedores, invasores, rus, tr ansgressores de toda natureza, condenados,
etc. Nesse cenrio de amplia o das desigualdades, o P oder Judicirio tem suas
funes punitivo-repressivas cada vez mais alargadas, diferente do que oc orre em
outras reas12. (FARIA, 2001).
importante esclarecer que trazer t ona a questo social na discusso sobre
a violnc ia no significa relacionar de forma simplista a pobreza com a
criminalidade. As autoras Peralva ( 2000) e Zaluar (2002 e 2004), ainda que
reconheam as fortes desigualdades brasile iras, incluem outros aspectos na an lise
do fenmeno. Sob a tica de Peralva (2000), por exem plo, o crescimento sem
precedentes nos ndic es de violncia ocorrido nas ltimas dcad as, especialmente
na transio democrtica (a partir dos anos 1980), est associado a um processo de
mutao igualitria que significou a redefinio dos termos do conflito social no
Brasil.
12 Conforme o autor, enquanto no mbito do direito econmico e trabalhista vive-se hoje um perodo
de refluxo, fl exibilizao e desregulao, no dire ito penal e i sto fica ba stante claro na A mrica Latina , tem -se a situao inversa: u ma veloz e intensa definio de novos tipos penais, muitas vezes justificados em nome do combate ao n arcotrfico, ao crime organizado e s operaes de branqueamento de dinheiro ilcito; uma crescente jurisdio e criminali zao de v rias ati vidades em inmeros setores na vida social; o enfraquecimento dos princpios da legalidade e da tipicidade, por meio do recurso a normas com textura aberta; a ampliao do rigor de penas j cominadas e da severidade das sanes; a a plicao quase irrestrita da p ena de priso; e o estreitamento das fases de investigao criminal e instruo processual. (p. 14).
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Embora admita que o Brasil tenha enfrentado importantes crises econmicas,
gerando a manuten o das histricas desigua ldades de renda, Peralv a (2000)
salienta que ocorreu maior acesso ao consumo, educao, melhorias de
infraestrutura e maior participa o cultural nas ltim as dcadas. A elevao geral
das condies de vida da populao produz iu um processo denominado pela autora
individualismo de massa , contribuindo para a generaliza o de um sentimento de
igualdade. Esse sentimento, entretanto, confront ado com o preconceito e a
discriminao, resultando em experincia s cotidia nas dramticas, especialmente
para os jovens negros e moradores da periferia.
O paradoxal crescimento da crimi nalidade que ac ompanhou o retorno
democracia tambm est associado, entre outros fatores, a questes de ordem
institucional. De acordo com Peralva (2000) , a transio democrtica ocorreu sob a
forma de uma ruptura progressiva com a ex perincia autoritria, sendo deixadas de
lado importantes demandas relacionadas reconstruo das instituies
responsveis pela or dem pblic a, abrindo possibilidades para que a violncia se
desenvolvesse.
Peralva (2000) discute, ainda, o sent imento dos jovens, especialmente dos
moradores de favelas, de viver em situao de extremo risco . Esse sentimento
suscita condutas de risco como resposta, de modo que antecipar o risco torna-se
uma maneira de reagir a ele. (p. 87).
Os riscos ligados violnc ia inegavelmente so vivenciados de modo des igual
entre os diferentes estratos da popula o, que possuem possibilidades de escolhas
estruturais e recursos diferenciados par a enfrent-los. Mas a experincia da
violncia s e generaliz ou por toda a popula o, em nveis que extrapolam o que
poderia ser considerado tolervel em uma sociedade (PERALVA, 2000).
Por sua vez, Zaluar ( 2002 e 2004) di scute a violnc ia urbana c ontempornea
associada ao trfico de drogas. A dimenso ilegal desse amplo comrcio, de carter
mundial e com caractersticas empresar iais, constitui relaes extremament e
violentas, abrindo es pao para o trfico de armas de fogo, cuja difuso gerou uma
espcie de estado de guerra nas grandes me trpoles brasileiras, sendo os jovens,
especialmente os oriundos das favelas, as suas principais vtimas.
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Mesmo reconhecendo a maior vulnerabilidade dos jovens das camad as
populares, a autora questiona a correlao imediata que pos sa se estabelecer entre
pobreza e criminalidade. Essa correlao, diz a autora , al m de no explicar o
problema, contribui para o aumento dos pr econceitos e discriminaes em relao
aos pobres. Para alm das condies ma teriais da populao, necessria a
anlise de fatores, por exemplo, os mecanism os institucionais e societais do crime
organizado, que atravessam classes sociai s, tm organiza o empresarial e no
sobrevivem sem o apoio de agncias estatais incumbidas formalmente de combat-
los (ZALUAR, 2002 e 2004).
Zaluar (2002 e 2004), semelhante a outros autores (PERALVA, 2 000,
SOARES, 2000, 2004 e 2005, e ADORNO, 2002, dentre outros) destaca o aumento
do envolvimento dos jovens na violncia e na criminalidade nas ltimas dcadas. Em
relao s mortes violentas e homicdios no pas, por exemplo, a juventude13 tornou-
se a principal vtima e o principal agente do aumento dessas taxas (ZALUAR, 2002 e
2004). A autora explica esse significativo envolv imento dos jovens com o crime
mediante a busca desenfreada pelo prazer e pelo poder, que produz o fascnio pel a
posse da arma e a adeso a agrup amentos que desempenham atividades
criminosas. O denominado etos da m asculinidade, relacionado ao uso da arma de
fogo, ao dinheiro no bolso, conquista de mulheres, ao enfrentamento da morte e
concepo de um indivduo completamente autnomo representa, assim, a desejada
visibilidade para os jovens.
A relao entre a violnc ia e a possibilidade de visibilidade para os jov ens
tambm discutida por S oares (2000, 2004 e 2005). S egundo o autor, o trfico
13 importante salientar que a juventude tem sido discutida por diversos autores das Cincias Sociais
no sentido da ampliao dos seus critrios de definio para alm da dimenso etria (CARRANO, 2000, FEIXA, 2003, MARGULIS e URRESTI, 2000, dentre outros). No contexto de uma sociedade complexa, so relativiza das as f ronteiras rgi das e ntre as ge raes, em relao a descronologizao do s marcos que delimitam a j uventude. Co mo uma g erao imprecisa, c om limites no-rigorosos, essa categoria condicionada por uma multiplicidade de aspectos etrios, materiais, s ociais, hist ricos e, p rincipalmente, como uma experincia cul tural, revel ando-se heterognea. Ainda que o critrio legal defina uma id ade para o ingresso na vida adulta (18 anos), acarretando consequncias objetivas como a imputabilidade penal, nesta dissertao adota-se um olhar sociolgico para os jovens, entendendo-se a transio para a vida adulta como um processo mais ab rangente, sem d efinies rgid as. Re ssalta-se qu e tais modificaes no entendim ento d a juventude j repercutem n o cam po ju rdico, e stando em debate um proj eto d e lei que p retende instituir o Estatuto da Juventude, garantindo di reitos especficos para a populao ent re 15 e 2 9 anos.
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armado de drogas nas favelas pode s ignificar a oferta de recursos simblicos
compensadores invisibilidade social , especialmente o uso da arma de fogo. Mais
do que a escassez de recursos materiais para a sobrevivncia fsica, a escassez de
recursos simblicos para a construo positiva das identidades t ende a lev -los ao
engajamento em atividades criminosas:
A fome que l eva ao crime a fome d e algum ser visto, reco nhecido e respeitado, e no a fo me prop riamente dita. Em o utras palav ras, mai s grave que a misria a excluso social. A fome fsica po de conduzir ao desespero e at a ato s extremos, m as difi cilmente leva um a pessoa imerso no mundo do crime (quan do este no se ap resenta como u m modo alterna tivo de vida, mas um m odo de lanar-se morte preco ce e violenta), a n o ser com a mediao d a revolta, qu e, associada falta de perspectivas de identificao positiva, transforma-se em dio duplo, contra si prprio (vazio de valo r) e contra o m undo (no qu al no h e spao para uma integrao que valorize positivamente o portador do dio). (SOARES, 2000, p. 158).
O Projeto Juventude (2004) revela dados que permitem conhecer as condi es
em que vivem grandes parcelas dos jovens no Brasil. Em sntese, o documento
indica aum ento do desemprego, precaried ade da oc upao profi ssional e dficit
educacional nessa faixa etr ia. Tambm destaca o envolviment o acentuado dos
jovens em situaes de violncia nos grandes centros urbanos, tanto na qualidade
de vtimas quanto de autores. Diante dos problemas enfrentados pelos jovens
relacionados sua insero social, profiss ional e educaci onal, o Projeto Juventude
(2004) ressalta as especificidades de viver a condio juvenil14 no pas:
Os p rocessos con stitutivos d a condio j uvenil se fa zem de mod o diferenciado segundo as desigualdades de classe, renda familiar, regio do pas, condi o de mo radia rural ou u rbana, no centro ou na periferia, de etnia, gnero, etc. Em funo d essas diferenas, os recursos disponveis resultam em chan ces mu ito distinta s de de senvolvimento e insero. (p. 12).
14 Condio juvenil significa a experi ncia comum de viver a juvent ude, compartilhada por todos os
jovens, ind ependente de sua etnia, g nero, situa o social e eco nmica. Confo rme Margulis e Urresti (2 000), em discusso conceitual so bre as g eraes, esse s ele mentos com uns so identificados como facticidad, ou seja, fenmeno s de o rdem biolgica e cultural rela cionados especificamente idade. Para esses autores, cada generacin puede ser considerada, hasta cierto punto, como pertenciente a una cultura diferente, en la medida en que incorpora en su socializacin nuevos cdigos y destrezas, lenguagens y formas de percibir, de apreciar, clasificar y distinguir. (p. 18). O que o Projeto Juventude permite observar so os diferentes contextos sociais e econmicos em que a juventude brasileira experimenta a condio juvenil.
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Krauskopf (2005), por sua vez, destaca o tecido social marcado pela pobreza e
pelas desigualdades de renda e gnero no c enrio latino-americano e caribenho. A
autora apresenta o conceito de risco estrutural , que resulta nos comportamentos
arriscados assumidos pelos jovens. Ess a condio ocorre em locais de extrema
pobreza, blicos, criminaliz antes, desprotegi dos, com falta de acesso a s ervios e
escassa ou nula cobertura institucional.
Nos espa os onde se vive o risco estrutural , conforme Krauskopf (2005), a
identidade coletiva positiva negada, e os jovens sofrem o esti gma de viverem
nessas comunidades . No h espaos de ex presso e participao legitimada da
juventude, o que contribui para o ingresso em atividades relacionadas violncia:
Quando no h oportunidades de participao construtiva, o ano nimato pior que o reconhecimento que eles obtm com a identidade negativa que lhes i mpingida. A visibilidade at errorizante se torna opo de emancipao e as g ratificaes inten sas so mai s impo rtantes que a preservao da vida. (p. 156).
Abramovay et al (2002) relacionam a violncia sofrida e prat icada pelos jovens
latino-americanos situao de vulnerabilidade s ocial15 em que se enc ontram.
Analisando dados produzidos por difere ntes organizaes internacionais 16, os
autores alertam para a insegurana, incert eza e exposio a riscos relacionados s
condies de pobreza, concentrao de ren da e dificuldades de acesso a direitos educao, trabalho, sade e lazer.
Diversos autores tm discutido o envolvimento de jovens em atividades
criminosas no somente como busca de renda, mas, principalmente, de visibilidade
e reconhecimento. Na impossibilidade de conquistar em o direit o participao e,
consequentemente, a chance de serem vist os, ouvidos e reconhecidos na condio
15 Vulnerabilidade so cial definid a p elos autores como o resultado n egativo da rela o entre a
disponibilidade dos recursos materiais ou simblicos dos atores, sejam eles indivduos ou grupos, e o acesso e strutura de o portunidades sociais, econmicas, culturais que p rovm do Esta do, do mercado e da so ciedade. Esse re sultado se traduz em debi lidades ou desvantagens pa ra o desempenho e mobilidade social dos atores. (p. 29). O conceito de vulnerabilidade social, portanto, busca uma explicao para o envolvimento dos jovens com o fenmeno da violncia, contemplando uma m ultiplicidade de fat ores relacionados precar iedade da s co ndies d e vida, d os servios pblicos, falta de opo rtunidades de educao, emprego e la zer e s restritas possibilidades de mobilidade social.
16 UNESCO, UNAIDS, CEPAL, CELADE, OMS, OPS, entre outros.
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de sujeitos, alguns jovens adotam a violnci a como estratgia, configurand o o que
Sales (2007) denomina (in) visibilidade perversa.
Alm do envolviment o real dos jovens com o crime, o cenrio estigmatizante
vivido por eles requer alternativas que ro mpam com esse ciclo vicios o. A viso
negativa dessa juventude uma important e adversidade enfrentada na construo
de suas identidades, contribuindo para o quadro de violncia e criminalidade em que
se vive.
No debate sobre a violncia, Zaluar (2002 e 2004) considera, ainda, as
limitaes do funcionam ento do sistema criminal 17. Alm da aus ncia de c ontrole
dos agentes mais prximos da p opulao (polic iais civis e militares) 18, geradora de
altos nveis de corrupo e de condutas violentas , a autora aponta o carter
discriminatrio desse sist ema, que s identifica co mo criminoso o delinquent e
oriundo das classes populares19. (2004, p. 22).
A brutalidade e a transgresso s leis por parte da polcia brasileira abordada
por Soares (2000) 20, Filho, Gall (2002), e Rolim (2006). Chacinas, formao de
grupos de extermnio, torturas e espancam entos fazem parte da rotina de muitos
agentes dessas instituies, representando graves violaes aos direitos humanos
fundamentais.
Ainda que no e xistam dado s estatsti cos nacio nais q ue possib ilitem a
17 Sistema Criminal entendido como o conju nto de in stituies diretamente rela cionado s
atividades d e segu rana pbli ca e d a Justi a Criminal (Polcia Civil, Polcia Militar, Mi nistrio Pblico, Poder Judicirio e Sistema Carcerrio).
18 Em pesqui sa realizada em cinco esta dos (Rio de Janeiro, So Paulo, Rio G rande do Sul , Minas Gerais e Par), Lem gruber, Musume ci e Ca no (2003) di scutem o co ntrole ex terno da Pol cia n o Brasil. Os problemas das ouvidorias so apontados no estudo, especialmente no que diz respeito sua frgil institucionalizao e resistncia histrica das polticas (militar e civil) a qualquer forma de controle externo de sua atuao.
19 Vale ressaltar o estudo de Lima (2004) que chama a ateno para outros aspectos que incidem no funcionamento desigual do sistema criminal, como atributos raciais e d e gnero. Nesse sentido, o estudo reali zado p elo autor sobre o f uncionamento da s in stituies do sistema criminal de S o Paulo constatou tratamento diferenado a mulher es e homens, brancos e ne gros, especialmente em relao aos ltimos, para os quais dispensado tratamento mais severo.
20 Soares (2000), ao relatar sua experincia como Subsecretrio da Segurana Pblica no Governo de Anthony Garotinho no Rio de Jane iro, entre n ovembro de 19 98 a maro de 2000, denuncia a ineficincia, a corrupo e a violncia policial no combate ao crime e as dificuldad es de se romper com e sse modelo . O autor ap resenta a prop osta de um novo sistema d e seg urana pblica , baseado na compatibilizao entre eficincia policial e respeito aos direitos humanos, aos direitos civis e s leis.
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avaliao efetiva do sistem a criminal br asileiro na inibio da violnc ia e da
criminalidade, possvel afirmar a sua inef iccia nesse sentido. Mesmo nos Estados
Unidos, Inglaterra e no Pas de Ga les, as chamadas taxas de atrito 21 so altas, o
que faz com que se imagine que no Bras il esses valores sejam muito significativos,
consideradas as limit aes das suas in stituies (LEMGRUBER, 2002, e ROLIM,
2006)22.
Tavares (2009), por s ua vez, chama a at eno para a dimens o mundial da
crise da segurana pblica, notadamente no que se refere situao das polcias.
Para o autor, a questo polic ial est inserida em um contexto marcado pela
ineficcia e ineficincia frente ao crescimento do fenmeno da violncia difusa e dos
novos traos que caracterizam a criminalidade violenta.
No que diz respeito s demandas da so ciedade quanto s respostas para o
contexto de violncia descrito, o aumento do Estado Penal tem se expres sado na
ideologia da tolerncia zero (WACQUANT, 2001), ocupando cada vez mais espa o
no Brasil. Originada nos Estados Unidos e tendo Nova Iorque como experincia d e
maior visibilidade, essa abordagem prope o endurecimento penal como estratgia
fundamental de enfrentamento da violncia e da cr iminalidade. Nessa perspectiva, a
represso deve ser ostensiva e genera lizada, inclusive a delitos de pequena
gravidade, sendo o encarceramento a forma privilegiada de punio.
A ideologia da toler ncia zero tem recebido merecidas crtic as em todas as
partes do mundo. Wacquant (2001), ao analis ar o caso norte-americano e europeu,
caracteriza essa abordagem como forma de gesto policial e judiciria da pobreza
que incom oda, porque seus destinatrios privilegiados so os pobres e os
imigrantes. No Brasil, os autores Lemgr uber (2002), Soares ( 2002) e Rolim (2006)
tm se encarregado de tecer as crticas nec essrias, conforme as espec ificidades
nacionais.
21 As taxas de atrito signifi cam a proporo de perdas que ocorrem em cada instncia do sistema de
justia criminal desde o cometimento de um delito at a responsabilizao do infrator. 22 Rolim (2006 ) cita e studos realizados na Inglaterra e no Pas d e Gales no a no 2000, quando as
taxas de at rito demon stravam que um em ca da d ez crim es re sultava em alguma sa no. Se inclussem, n essa anlise, as pesquisas de vitimizao (ra ramente reali zadas no Brasil), que revelam os crimes no comunicados polcia, a proporo se elevava para trs a cada 100 crimes cometidos.
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Considerando-se a complexidade do fenmeno da v iolncia e da criminalidade,
composto por um conjunto de elementos e relaes, a dimenso individual no pode
ser negligenciada na sua anlise. Os autor es Lahire (2004) e Charlot (1996 e 2000),
crticos das teorias da reproduo 23, resgatam a dimenso do sujeito nos seus
estudos, contribuindo para a compreenso da construo singular dos indivduos,
superando, portanto, leituras generalizantes.
Embora as teorias de Lahire (2004) e Charlot (1996 e 2000) sejam direcionadas
ao mbito escolar, possvel traar um paralelo com a discusso sobre a violncia e
a criminalidade. Ambos se debr uam sobre situaes de sucesso escolar nos meios
populares, contrariando as anlis es es tatsticas que correlacionam o fracasso
escolar e a origem social. Poder-se-ia perguntar, por exemplo, por que a maioria dos
jovens oriundos das camadas populares de baixa renda, apes ar de todas as
limitaes e dificuldades, no se envolve m com a prtica de delitos, construindo
outras trajetrias de vida24?
Os autores supracitados, ao recuperarem a dimenso do suje ito, contudo, no
o situam como um ser autnomo e isolado, mas inserido no mundo, em relao com
outros seres humanos, que tambm so sujeitos um ser social que age na e sobre a realidade, construi ndo sua biografia no espao do pos svel, traado pela
sociedade do qual parte. O su jeito, portanto, singular , inscrevendo-se no espao
social (CHARLOT, 2000).
A perspectiva terica de Lahire e Charlo t, na qual o sujeito constitui e se
constitui por mltiplas relaes, possibi lita uma leitura no de oposio, mas de
articulao entre o indivduo e a sociedade. Lahire afirma:
23 As teo rias da reprodu o foram d esenvolvidas especialmente no s a nos 1960 e 1 970, sen do
Bourdieu o seu prin cipal representante na rea da educao. Um dos co nceitos fundamentais de Bourdieu, cri ticado por Lahire e Charlot, o de habitus que, em snte se, signifi ca a s marca s determinantes da origem social nas prticas individuais.
24 Ventura (1 994), ao convi ver com a F avela de Vig rio Geral, no Rio de Janeiro, observou restrito envolvimento da pop ulao com o cri me, rep resentando me nos de 1%. O a utor relata ai nda a s diferentes trajetria s d e trs jove ns prat icamente da me sma idad e e advindos da mesm a comunidade, questionando: o que levou Djalma a ser otrio, se u irmo a ser bandi do e o amigo Caio a ser socilogo? O soci al no era suficie nte para e xplicar a quelas vocaes. ( p. 107). Otrio, no contexto d o livro, era a f orma como os joven s d enominavam os tra balhadores d a comunidade, em geral inseridos em atividades de pouco reconhecimento e baixa remunerao.
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Se as e struturas m entais de um ser social se co nstituem atravs d as formas de relaes sociais e a s e struturas objetivas so u ma medida particular dessa realidade intersubjetiva, desse tecido de interdependncias sociais, com preendemos realme nte, ento, que no se trata de du as realidades diferentes, sen do um a (as estruturas m entais) o pro duto d a interiorizao da outra (estruturas objetivas), mas duas apreenses de uma mesma realidade. (2004, p. 354).
A violncia e a criminalidade, por fi m, no podem ser compreendidas em si
mesmas, mas em um context o de rela es complexas que envolvem questes
histricas, econmic as, sociais, poltica s, culturais e aspectos relacionados
dimenso do sujeito. As respostas so ciais a esse fenmeno, ou seja, os
mecanismos punitivos, incluindo a presta o de servios comunidad e, se inserem
na trama dessas relaes.
2.2 PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE: O FRACASSO DE UM MODELO DE
PUNIO
Semelhantes violncia e criminalid ade, as res postas sociais a es ses
fenmenos as penas - possuem carte r histrico e social. Acompanham, por
conseguinte, as transformaes econmica s, polticas e culturais, angariand o
finalidades diferentes no decorrer do tempo.
As penas privativas de lib erdade assumem especial importncia na anlis e do
sistema punitivo, cons iderando-se a sua cent ralidade histrica na poltica penal nos
ltimos sculos. As alternativas penais, dentre elas a prestao de ser vios
comunidade, resultam de um movimento internacional vo ltado para a construo de
novas pos sibilidades de puni o di ante do fracasso do m odelo bas eado no
encarceramento.
Os estudos de Fouc ault constit uem-se em uma referncia fundamental na
anlise das formas histricas de punio, notadamente o seu livro Vigiar e Punir
(2001). Nessa obra, o autor aborda a genealogia do poder, contemplando a histria
da legislao penal e dos meios punitivos a dotados pelo poder pblico na represso
dos crimes, desvelando o processo de construo das penas privativas de liberdade.
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Analisa o modo com que a sociedade e o Estado enfrentar am a questo da
criminalidade nos ltimos sculos, desde a utiliza o da violnc ia fsica (suplcio do
corpo) at a constituio das instituies penitencirias modernas. O autor discute a
construo histrica da sociedade disc iplinar, problematizando a puni o como
mecanismo desta sociedade.
A priso, segundo Foucault (2001), passa a se constituir na resposta penal por
excelncia a partir do sculo XVIII. At ento, o sistema penal ancorava-se no
arbtrio e na crueldade que se c oncretizavam no espetculo do suplcio do corpo,
objetivando, mais do que a puni o ou a recuperao do criminoso, a demonstrao
do poder monrquic o. Com a pris o, o objeto da ao punitiva se desloca do corpo
para a alma, objetivando o cont role da vontade, das dispos ies, do cor ao e do
intelecto. A disciplina, por tanto, passa a se constitu ir na centralidade da punio,
configurando o que o autor denomina poder disciplinar.
As mudanas nas penalidades, segundo Foucault ( 2001), ocorrem em um
momento histrico europeu com significativa s transformaes cientficas, polticas,
econmicas e sociais . A punio, nessa perspectiva, no deve ser compreendida
somente nos seus as pectos repressivos, mas como uma funo social complexa,
relacionada a processos mais amplos das relaes de poder.
As transformaes oc orridas no Est ado e na economia, com destaque par a a
formao do sistema capitalis ta entre os sculos XVI e XIX, co ntriburam
significativamente para a c onfigurao das novas formas de punir. O
encarceramento passou a representar a privao de um bem universal e
quantificvel no tempo a liber dade, des empenhando o papel de transformar os
indivduos mediante o isolamento e a imposio da moral do salrio como condio
de sua existncia. (FOUCAULT, 2001, p. 204). Tambm importante destacar o
papel dos Reformadores do sculo XVIII par a o processo de transformao do
sistema punitivo, especialmente Beccaria 25, com a obra Dos delitos e das penas
(1764). O Iluminismo, tendo o referido pens ador como um dos seus principais
representantes, combateu a pena de morte e as penas corporais, introduzindo o
25 Alm de Beccaria, Bitencourt (2004) salienta as contribuies de John Howard e Jeremy Bentham
para a reforma do sistema punitivo.
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princpio da legalidade, anterioridade da lei penal , proporcionalidade e
impessoalidade (GOMES, 2008).
O Iluminis mo e a Revoluo Francesa pro duziram as leg islaes liberais, de
modo que, paulatinamente, as penas corpor ais foram substitudas pela pena
privativa de liberdade. A priso passou, ento, a cons tituir o eixo central do sistema
punitivo estatal (GOMES, 2000).
Foucault (2001), contudo, salienta o frac asso da priso como mtodo punitiv o
desde os seus primrdios. Segundo o auto r, desde as primeiras experincias a
priso no diminuiu a crim inalidade, provocando a re incidncia e fabricando
delinquentes, mediante as s uas precr ias condies e o favorecimento da
organizao dos seus internos. Alm disso , o encarceramento tem efeitos negativos
sobre o grupo familiar do det ento que, ao cair na misria, tende a cometer novos
delitos (FOUCAULT, 2001).
Embora a priso tenha sofr ido s everas crticas desde a sua gnese, pouc as
foram as modificaes que nela se oper aram no decorrer do tempo, situao que
levou Foucault a questionar os seus objetivos como instituio punitiva:
O si stema carcerrio j unta numa m esma figura discursos e a rquitetos, regulamentos coercitivos e proposies cientficas, efeitos sociais e utopias invencveis, prog ramas para corrigir a delinq ncia e mecani smos qu e solidificam a delinq ncia. O pret enso fracasso no fa ria parte do funcionamento da priso? N o deve ria ser i nscrito na queles efeitos do poder que a disciplina e a tecnologia conexa do encarceramento induziram no a parelho de ju stia, d e um a m aneira m ais ge ral na sociedade e que podemos agrupar sob o nome d e si stema ca rcerrio? Se a in stituio-priso resistiu tanto tempo, e em tal imobilidade, se o princpio da deteno penal n unca foi seriam ente que stionado, sem dvida porque e sse sistema carcer rio se e nraizava em profu ndidade e exe rcia fun es precisas. (2001, p. 225).
Apesar dos reconhecidos problemas hi stricos da priso, ainda hoje ela
entendida como um mal neces srio, ou, nos termos de Bitencourt (2004), uma
exigncia amarga, ma s imprescindvel, sendo privilegiada c omo forma de punio.
Conforme diz Foucault (2001), parece ser a detestvel soluo, de que no se pode
abrir mo. A priso, port anto, que na perspectiva Il uminista representava a
humanizao das penas, nunca cumpriu suas promessas. O mal-estar provocado
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pela pena de morte e castigos corporais na Idade Mdia ho je sentido em relao
ao encarceramento um sistema perverso e violador dos direitos humanos.
Goffman (2003) aborda os efeitos das instituies totais 26 sobre os indivduos ,
considerando as prises exemplos par adigmticos dos malefcios que estas
instituies podem causar aos seres humanos. O processo de mortificao do eu ,
ocasionado pela segregao, inicia-se no ingresso do internado, ocorrendo a
desaculturao (espcie de destreinamento para a vida social) em casos de maior
permanncia. Como afirma Bitencourt (2004),
[...] ningum, em s conscincia, ignora que no h nada mais distante da ressocializao do qu e a priso. Bast a desta car o s novo s hbi tos que o recluso deve adquirir ao ingressar na priso, tais como vestimenta, horrios para tod as a s atividade s pesso ais, formas dete rminadas de an dar pe los ptios, a observao do cdigo do preso: em resumo, a assimilao de uma nova cultura, a cultura prisional. (p. 140).
A priso, como instituio total, constitui-se em um mundo parte, com regras
e padres de comportamento prprios. O livro Estao Carandiru (VARELLA, 1999),
retrato das condies degradantes de uma penitenciria de So Paulo que chegou a
abrigar nove mil apenados 27, relata o c ontrole da instit uio pelos prprios internos,
que, mediante hierarquia rigorosa, poss uem poder de deciso sobre a vida e a
morte28, violando os princpios mais fundamentais dos direitos humanos.
A desaculturao promovida pelo sistema ca rcerrio acompanhada pelo
estigma (GOFFMAN, 1988) que carregam os s eus egressos. O estigma tende a
reduzir a pessoa a uma caracterstica que gera descrdito, considerada um defeito,
26 Sob a tica de Goffman (2003), uma instituio total pode ser definida como um local de residncia
e trabalho onde um grande nmero de indivduos com situao semelhante, separado da sociedade mais am pla e por co nsidervel pe rodo de te mpo, leva uma vida fechada e formalment e administrada. (p. 11).
27 Esta penitenciria, que chegou a ser a maior da Amrica Latina, foi desativada na dcada de 1990, sendo de molidos al guns de seus pavilhes. O processo de d esativao foi desencade ado pelo massacre de 111 presos, no ano de 1992, retratado com detalhes no livro de Varella (1999).
28 Vale destacar um tre cho do livro no q ual o autor re produz a fala de um deten to sobre o se u poder dentro da in stituio. Bolach a, encarregad o da fa xina do pavi lho qu e ocupava, ap resentava sintomas de estresse diante das suas grande s responsabilidades na resoluo do s conflitos da penitenciria, expressando: No silncio da noite, a mente trabalha solitria porque a deciso final minha e dela depende a sorte de um ser humano. Sou o j uiz do pavilho. S que o j uiz da rua trabalha aquelas ho rinhas dele e vai pra ca sa com o motorista; eu 24 por 48. Ele s tem que julgar se o acusado vai preso; no mximo, dar uma pena mais longa. Eu assino pena de morte. (p. 104).
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fraqueza ou desvantagem. Os egressos da priso so percebidos como se
carregassem uma marca, reduzidos condi o de infratores, gerando dificuldades
muitas vezes intransponveis para a rea lizao de atividades lcitas quando se
encontram em liberdade.
No caso brasileiro, os problemas inerentes privao da liberdade so
agravados pelas caractersticas de nossa sociedade, notadamente as desigualdades
sociais e a parca presena do Estado nas polticas pblicas, inclusiv e na rea da
execuo penal 29. Segundo Wolff (2005), as precrias condies das prises no
pas so histricas, presentes desde o per odo imperial: precr ia estrutura fsica,
insalubridade, superpopula o e no-separao dos presos conforme situao
jurdica (presos provisrios e c ondenados) e gravidade do delito, entre outros
fatores.
A realidade prisional do Br asil atesta as profundas desigualdades e a natureza
seletiva do seu sistema criminal. O perfil da sua populao carcerria
reconhecidamente jovem, pobre, com pouca escolaridade e qualificao profissional,
sendo os delitos praticados, em sua maio ria, contra o patrimnio, notadamente
furtos, roubos e estelionatos (WOLFF, 2005). Os dados divulgados pelo
Departamento Penitencirio Nacional (DE PEN), rgo do Ministrio da Justia
(2005), corroboram a seletividade do si stema penal: 82,7% dos pr esos no
trabalham, 86,5% no possuem profisso definida, 48% so menores de 25 anos de
idade e 81,9% no concluram o ensino fundamental. Alm de a maioria dos
detentos no contar com al ternativas laborais nos p resdios, somente 20 % das
penitencirias brasileiras dispem de es colas, resultando na ociosidade e na
ausncia de qualquer qualifica o no per odo da privao da liberdade. Embora
representem altos c ustos aos cofres p blicos, calculados entre R$600,00 a R$
1.000,00 mensais per capita, os ndices de reincidncia so elevados, em torno de
85% (GOMES, 2008)30.
29 Ainda que Bitencourt (2004) afirme que, de modo geral, as mazelas da priso no sejam privilgio
dos pases de terceiro m undo, ine gvel qu e as profun das d esigualdades bra sileiras acirrem ainda mais as deficincias dessa complexa instituio.
30 Bitencourt (2004) questiona a afirmao de que a demonstrao do fracasso da priso se expressa nos altos nd ices de rei ncidncia, j que os pa ses latino -americanos no a presentam n dices confiveis (quando os apresentam), sendo esse um dos fatores que dificultam a realizao de uma verdadeira p oltica crimin al. (p.1 61). O auto r p roblematiza, ainda, o to pro clamado efeit o
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A precria situao dos presdios contra ria frontalmente o qu e preconiza a Lei
de Execu o Penal (LEP) 31. Em seu primeiro artigo, esta Lei estabelece como
objetivo da execu o penal, alm da efetivao das disposi es de sentena ou
deciso criminal, o de proporcionar condies para a harmnica integra o social
do condenado e do internado, e so previstos v rios direitos e garantias aos presos
e internados nas reas da assistncia material , social, jurdica, rel igiosa e nas reas
da sade e da educao32.
O sistema prisional brasileiro, diferente das dispos ies legais, assemelha-se
realidade medieval, no alca nando padr es mnimos civilizat rios. E, diz Faleiros
(2001), a priso no pas parece estar ai nda em uma era pr-beccariana, no
atendendo sequer aos requisitos assinalados por Beccaria no sculo XVIII.
J, Wolff (2005) salienta a pres ena do suplcio nos presdios brasileiros, no
mais como espetculo, como ocorria na Idade Mdia, mas como ilegalidade. A
autora se refere, ainda, s torturas fsicas existentes na fase de instruo processual
como manifestao do poder di sciplinar e vingativ o. A s tortur as ex tralegais, no
Brasil, so protegidas pelas grades, pela bu rocracia e pelo preconceito so cial que
carregamos. (p. 111).
Em relao populao carcerria, o Presdio Central de Porto Alegre o
maior em funcionam ento no pas, co m populao de aprox imadamente 4,7 mil
detentos em um espao destinado a 1,4 mil homens. As suas precrias condies
crimingeno da priso, considerando que, do pont o de vista cientfico, no h como estabelecer com exatido o al cance que a p rivao da libe rdade p ode ter na vida do s indivduo s: no se conseguiu precisar se po de ser m ais importa nte como fator crimingeno a person alidade d o recluso, sua experin cia anterior priso ou o meio so cial em que se desenvolver ao ser liberado. (p. 160 ). De q ualquer maneira, con sensual o ent endimento d e qu e o am biente carcerrio exerce influ ncia prejudi cial ao re cluso, ainda que no se sai ba a dimenso de tal influncia.
31 Lei n. 7.210, de 11 de julho de 1984. 32 O artigo 40 da LEP estab elece o direito integridade fsica e m oral dos condenados e dos presos
provisrios. O artigo 4 1 detalha o s d emais di reitos de ssa pop ulao: alim entao suficiente e vesturio; atribuio de trabalh o e sua rem unerao; previdn cia soci al; con stituio d e peclio; proporcionalidade na distribuio do te mpo para o trabalho, o de scanso e a recreao; exerccio das atividades profissionais, intelectuais, artsticas e desportivas anteriores, desde que compatveis com a execuo da pe na; assi stncia material sade, ju rdica, edu cacional, so cial e reli giosa; proteo contra qualquer forma de sensacionalismo; entrevista reservada com advogado; visita do cnjuge, parentes e amigos em dias determinados; chamamento nominal; igualdade de tratamento, salvo quanto s exig ncias de i ndividualizao da pen a; au dincia e special co m o diretor do estabelecimento; represen tao e p etio a qual quer autori dade, em defesa de direito e conta to com o m undo exterior por meio d e correspon dncia escrita, d e leitura e d e outro s mei os d e informao que no comprometam a moral e os bons costumes.
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superlotao, ocios idade e in salubridade levar am o Juiz respons vel pela
fiscalizao dessas instituies na Re gio Metropolitana de Porto Alegre a
consider-lo um misto de frica, em guerra civil, e Afeganisto33.
Hassen (1999), ao realiz ar estudo etnogr fico com presos-trabalhadores no
Presdio Central de Porto Alegre, na dcad a de 1990, tambm relata os paradoxos
dessa instituio gacha. Alm de most rar o no-r econhecimento do direito dos
presos ao trabalho, o estudo c orrobora o carter pernicioso d o encarceramento,
levando a autora a c oncluir que a priso s faz to rnar os hom ens piores, mais
cticos, tristes, desanimados, revoltados, quando no mais criminosos ou finalmente
criminosos. (p. 226).
A complexidade, as contradies e a perversidade da priso so explic itadas
por Wolff (2005), que define essa instituio da seguinte maneira:
A p riso uma i nstituio complexa, cuja p roduo e re produo n o podem ser vi stas a p artir de um nico pri sma; seu pro duto m uito mai s que o cumprimento de u ma se ntena, mais que a tualizao do suplci o, exerccio d e vingana, prticas de retribui o ou de ten tativas de preveno. tudo isto. (p. 93).
Nas condies desc ritas, a priso, mais do que recuperar, segrega os
indivduos e se configura em um fator de aumento da viol ncia e da criminalidade.
Diante do fracasso desse modelo de puni o, urge que o e ncarceramento seja
imposto somente aos crimes gr aves e em situaes em que a li berdade do infrator
efetivamente represente risco para a soc iedade34. Para os demais casos, prope-s e
a aplicao das penas e medidas alternativas 35, que se apr esentam menos
33 Declarao do Juiz ao Jornal Zero Hora no dia 05 de outubro de 2008. 34 Bitencou rt (2004 ), que d iscute a fal ncia d a pr iso tanto nos seus a spectos preventivos quanto
retributivos, recom enda q ue a s pen as privat ivas de liberdad e limitem-se s pe nas de longa durao e queles con denados efe tivamente p erigosos e de difcil re cuperao. (p. 2 ), restringindo, portanto, a aplicao dessa penalidade s situaes de reconhecida necessidade.
35 Tal entendimento, d e a cordo co m Jesus (2000), filia-se te ndncia do Direito Pen al Mod erno deno