portugal, espanha e o atlÂntico - i€¦ · e mundialização do centro de estudos...

208

Upload: others

Post on 15-Nov-2020

1 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

PO

RT

UG

AL

, ES

PAN

HA

E O

AT

NT

ICO

- I

06

Coleção Euro-Atlântico: espaço de diálogosCoordenadores: Isabel Maria Freitas Valente (Portugal); Iransilson Buriti de Oliveira (Brasil)N.º 6

A coleção “Euro-Atlântico: espaço de diálogos”, uma iniciativa do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Brasil, em parceria com o Grupo de Investigação Europeísmo Atlanticidade e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos e documentos originais com carácter interdisciplinar com interesse para Portugal, para o Brasil e para a Europa, especialmente nas áreas da História, das Relações Internacionais, da Ciência Política, do Direito. Embora, esta colecção, se dirija prioritariamente ao espaço da América Latina e da Península Ibérica, bem como aos fenómenos de integração: MERCOSUL e União Europeia, não deixará de interessar também ao espaço científico e cultural africano.

En esta obra se afronta la perspectiva atlántica de las dos naciones ibéricas desde un planteamiento interdisciplinar incluyendo visiones históricas y miradas desde otras perspectivas como las relaciones internacionales, o las ciencias políticas. Por otra parte, se encara desde una perspectiva dialéctica el presente y pasado de la dimensión atlántica, afrontando las principales problemáticas que han afectado a este ámbito desde la contemporaneidad. Problemáticas tales como migraciones, exilios, los grandes conflictos bélicos del siglo XX, así como la doble tensión entre Iberoamericarismo y lusofonía en el contexto del proceso de construcción europea. En conjunto esta obra trata de abordar las dinámicas presentes y pasadas en torno a la atlánticidad y el doble concepto del atlántico como frontera y como puente, nexo entre Europa y América con las naciones ibéricas como eje fundamental de estas vinculaciones.

In Introdução

Page 2: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

(Página deixada propositadamente em branco)

Page 3: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos
Page 4: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

(Página deixada propositadamente em branco)

Page 5: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

Ficha Técnica

Coleção: Euro-atlântico: Espaço de Diálogos, Coordenada por Isabel Maria Freitas Valente e Iranilson Buriti de Oliveira

Título nr. 6: Portugal, Espanha e o Atlântico – parte I

Organização: Isabel Maria Freitas Valente; Aurelio Velázquez Hernández

Conselho Editorial: Carlos Eduardo Pacheco Amaral; Joel Carlos de Souza Andrade; Manuel Lopes Porto; Maria Manuela Tavares Ribeiro; Regina Coelli Gomes Nascimento; Silede Leila Cavalcante de Oliveira

Capa e Impressão: Pantone4

Paginação: Yasmine Lima

Edição Brasileira: Editora da Universidade Federal de Campina Grande - EDUFCG

ISBN: 978-85-8001-269-9

Edição Portuguesa: Imprensa da Universidade de Coimbra - IUC

ISBN: 978-989-26-1876-0

ISBN Digital: 978-989-26-1877-7

Depósito legal: 429108/17

Ano de Edição: 2019

DOI: https://doi.org/10.14195/978-989-26-1877-7

Os dados e as opiniões inseridos na presente publicação são da exclusiva responsabilidade dos seus autores.

Todos os textos recebidos foram objeto de apreciação no âmbito processo de seleção e revisão por arbitragem científica.

Toda a reprodução desta obra, por fotocópia ou outro qualquer processo, sem a préviaautorização escrita do Editor, é ilícita e passível de procedimento judicial contra o infractor.

Apoio institucional:

Page 6: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

(Página deixada propositadamente em branco)

Page 7: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

A José Manuel Pérez-Prendes, del que aprendimos a afrontar así, en

sus propias palabras, la vida y la História:

"Nada de retrospectivas, ni de recuerdos, ni de autobiografias y menos aún de autocompassiones, al modo de la poesia del emperador Adria-no. Lo pensado, dicho, hecho, querido o destetado, queda ya para siem-pre como assumido. No me interesan las nostalgias, sino las ilusiones."

José Manuél Peréz-Prendes, Proa a la mar, Madrid, 2004, p. 7

Page 8: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

(Página deixada propositadamente em branco)

Page 9: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

Í n d i c e

Prefácio

Hipólito de la Torre Gomez ..................................................................... 9

Nota Introdutória

Isabel Maria Freitas Valente

Aurelio Velázquez Hernández .............................................................. 13

Entre dos mundos antagónicos. Emigrados y exiliados portugueses en

Estados Unidos ante el nuevo Portugal de Salazar

Alberto Pena Rodríguez ........................................................................ 15

Para entender a beligerância portuguesa (1914-18)

António Telo ......................................................................................... 37

El Atlántico, el último obstáculo hacia la libertad. El exilio republicano

español y la huida de la Europa en guerra

Aurelio Velázquez Hernández........................................................... 87

Regiões Ultraperiféricas da União Europeia. Reflexões de um debate em

aberto

Isabel Maria Freitas Valente ................................................................107

Atlântico: fronteira e lugar de encontro

Maria Manuela Tavares Ribeiro ..........................................................133

Cooperación y conflicto en el imaginario geopolítico atlántico de las

dictaduras de franco y salazar: iberoamérica como comunidad imaginada

Juan Carlos Jiménez Redondo ..............................................................153

Page 10: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

“A favor de una España Atlántica.” Legado intelectual de José Manuel

Pérez-Prendes sobre la proyección Atlántica

Remedios Morán Martín ......................................................................179

Nota Biográfica Autores ............................................................... 201

Page 11: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

PR eFÁciO

EVOCAR UNA CIRCUNSTANCIA Y UN MAESTRO

Me permitirán los coordinadores y los autores de este libro que cen-

tre la atención de estas líneas en un par de circunstancias que envol-

vieron el seminario de origen y la publicación aquí de sus resultados.

Fue en la Universidad de Coimbra donde nació la idea de poner en

marcha una sesión académica sobre la importancia del Atlántico y de lo

atlántico en Portugal y en España: en sus trayectorias históricas; en sus

presentes; en sus prospectivas. Serían sus organizadores el CEIS20 de

aquella Universidad y el Departamento de Historia Contemporánea de la

UNED, muy pertrechado ya de experiencia en el estudio de lo peninsular.

Mi interlocutora y cómplice en la referida iniciativa fundacional fue

la profesora María Manuela Tavares Ribeiro. Y subrayo esa presencia,

porque mi relación de muchos años con la profesora Ribeiro, y mi im-

plicación, como asesor y evaluador, en el importante centro investiga-

dor al que ella ha dado lo mejor de su indiscutible talento, me permiten

destacar con alguna autoridad la primera de esas circunstancias. Y es

que mi admirada amiga, el CEIS20, la Universidad de Coimbra –una y la

misma cosa a los efectos de este proyecto que nos traemos entre las ma-

nos- dotan a sus trabajos de una garantía añadida, de calidad y de con-

tinuidad. De la primera, no hay duda. Y de la segunda, me remito a los

hechos: las II Jornadas tuvieron el magnífico impulso de la Universidad

de las Azores (con el particular empeño del profesor Carlos do Amaral

y Isabel Maria Freitas Valente), y las III, ya programadas para el próxi-

mo mes de octubre, tendrán su excepcional marco y patrocinio de lujo

en la Academia de la Marina de Lisboa. La eficacísima actividad de sus

coordinadores, los profesores Isabel Maria Freitas Valente y Aurelio Ve-

lázquez, ha hecho posible que lo que nació como ocurrencia se convir-

tiera en una realidad académica consolidada y participada por institucio-

nes del mayor relieve. Tal es la feliz circunstancia que quería destacar.

******

La otra, resulta de un hecho penoso, que estas páginas, de irreme-

diable tristeza, quieren transformar en el recuerdo imborrable del hom-

DOI: https://doi.org/10.14195/978-989-26-1877-7_0

Page 12: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

10

bre, y en la imperecedera presencia de su legado académico e intelec-

tual. Allí, donde la parca pierde toda su eficacia.

Por un misterioso azar –todos lo son-, el mismo día que redacto es-

tas líneas se cumple el segundo aniversario del fallecimiento del profe-

sor José Manuel Pérez Prendes. Tuve el honor de acompañar a otra ad-

mirada amiga, la profesora Remedios Morán, en la iniciativa de dedi-

car este libro a la memoria de José Manuel. Remedios Morán se formó

en su magisterio. No episódico, no circunstancial, no de un determi-

nado periodo de su vida, no solo académico, ni únicamente científico.

Maestro y discípula envolvieron siempre su relación intelectual en una

complicidad humana, trasunto fidelísimo de entendimiento paterno-fi-

lial. Lo que todos queremos e invocamos como genuinamente universi-

tario. Yo he sido testigo de esa ejemplar homonoia. Y he comprendido

que no la había inventado José Manuel, sino que él mismo la había re-

cibido de su querido maestro, el profesor don Manuel Torres López. Me

contaba Remedios, cómo José Manuel, en el inicio de sus estudios uni-

versitarios, le anunciaba a su futuro maestro su decisión de consagrar-

se a la Historia del Derecho. “Pues vuelva usted –le respondió Torres-

dentro de cuatro años, sabiendo alemán y latín”. Y Pérez-Prendes vol-

vió cuatro años después, con casi la licenciatura bajo el brazo y el ale-

mán y latín aprendidos. Tal era el perfil, exigente y comprometido, del

magisterio que recibió, y transmitió durante su dilatada carrera univer-

sitaria, José Manuel Pérez-Prendes.

Y es que José Manuel Pérez-Prendes era bastante más que un histo-

riador del Derecho que rebosaba sabiduría. Era un humanista, de fondo

y forma. Cuidaba su expresión oral tanto como la escrita. Y oír su orato-

ria, elegante, precisa, cargada de matices e inflexiones de una voz firme

y juvenil, constituía un espectáculo cautivador. Casi peligroso, no fuera

por los conocimientos y la fuerza argumental de su discurso.

Recuerdo haberle dicho en una ocasión que su perfil intelectual

pertenecía al de una raza en extinción. Pensaba yo en su sólida di-

mensión humanística, en el cuidado literario de la expresión de sus

saberes, en su formación cosmopolita. No sabía entonces –lo supe

hace poco por Remedios- que José Manuel había cursado también la

carrera de Música, y que nunca perdonó a aquel profesor que le ce-

Page 13: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

11

rró el camino de la dirección de orquesta que era, por lo visto, su

más honda vocación.

No he sido discípulo de suyo. No he tenido la fortuna de serlo. Pero

sí la dicha de haber podido tratarle con cierta asiduidad a lo largo de

más de un cuarto de siglo. Durante varios años, sabía yo que todos los

veranos tenía una cita inexcusable con el curso de una semana que, jun-

to a Joaquim Veríssimo Serrão y bajo los auspicios del vicerrector Llor-

dén, organizaba el profesor Pérez-Prendes en la Universidad de Ovie-

do, sobre las historias entrecruzadas de España y Portugal. ¡Felices días

aquellos, de amigable convivencia con aquel ilustre maestro que siem-

pre me daba mucho más de cuanto podía esperar!

José Manuel me hizo el honor de confiarme la dirección de un libro,

de historia de Portugal y España en clave comparada, inspirado por la

filosofía que impregnaba aquellos cursos ovetenses; me abrió las puer-

tas de HALCO, una criatura suya para el estudio de las experiencias co-

loniales de los Estados peninsulares. Y siempre me sentí orgulloso de

haber compartido con él la concesión de una condecoración portuguesa

que ambos –con el rector Julio Rodríguez y el vicerrector, Moisés Llor-

dén- recibimos en aquella Universidad de Oviedo de manos del emba-

jador de Portugal, Antonio Martins da Cruz .

Un día, mucho después, supe del rotundo apoyo que me había dado

en uno de esos incidentes que siempre nos depara la larga vida profe-

sional. Ni tenía por qué, ni me lo dijo nunca. Así era José Manuel: un

gran maestro y un hombre de bien.

Hipólito de la Torre Gómez

1º de Mayo de 2019

Page 14: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

(Página deixada propositadamente em branco)

Page 15: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

nOTA inTRO dUTÓRiA

En esta obra tratamos de hacer un acercamiento a la historia com-

partida entre dos países hermanos y no siempre amigos como son Por-

tugal y España y la proyección atlántica que ha presidido buena parte

de su evolución histórica y es también una parte esencial de su políti-

ca exterior contemporánea.

El desarrollo histórico de las dos naciones ibéricas ha ido siem-

pre ligado de la mano de su proyección atlántica. La entrada del con-

tinente americano en la historia europea tras 1492, continúa siendo

un concepto en discusión: descubrimiento, encuentro, conquista, ge-

nocidio…el debate social e historiográfico acerca de las implicacio-

nes de estos acontecimientos y su importancia simbólica en el desa-

rrollo de nuestras sociedades continúa, más de quinientos años des-

pués de plena vigencia. En todo caso, de lo que no cabe duda es

que España y Portugal volcaron su propia esencia nacional en esa

vocación imperial que les proporcionó su expansión a ambos lados

del océano atlántico.

El fin del período colonial, ya en la era contemporánea, obligó a

ambos países a replantear las esencias patrias, a buscar de nuevo su

identidad nacional y definir su ubicación en un nuevo espacio global

que planteaba nuevos desafíos. El ingreso en las comunidades euro-

peas en 1986 confirmó la aceptación de ambos países en el su con-

texto europeo otorgando un nuevo sentido a su perspectiva atlantis-

ta. Pues, desde este momento, España y Portugal tratan de ser, el ve-

hículo, las llaves para el diálogo y la comunicación entre las diferen-

tes orillas del atlántico.

Un diálogo que, además, adquiere diferentes matices, por cuanto el

mismo concepto de atlanticidad posee connotaciones diferentes para

España y Portugal. Así para España la proyección atlántica se asimila al

concepto de Iberoamérica que evoca a las relaciones históricas, lingüís-

ticas, culturales y económicas entre la América Latina y la península ibé-

rica. Esta visión se ha venido potenciando por el proyecto de la Orga-

nización de Estados Iberoamericanos, que ha derivado de las cumbres

iberoamericanas de Jefes de estado y de gobierno que se vienen cele-

DOI: https://doi.org/10.14195/978-989-26-1877-7_00

Page 16: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

14

brando desde 1991 y que la diplomacia española ha liderado desde su

origen teniendo una implicación fundamental.

No obstante, en Portugal el concepto de Iberoamérica no está tan

arraigado, y de hecho suele tener un cierto carácter negativo al vincu-

larse un tanto con el intento por parte de España de establecer una po-

sición hegemónica en las relaciones con América latina en una visión

hispánica de las mismas. Por el contrario, en Portugal el concepto de at-

lanticidad tiene un matiz más plural por cuanto no se vincula solamen-

te con la relación con América, sino, en sintonía con la tradición histó-

rica del imperio portugués se acerca también al África portuguesa. Es-

tableciéndose, de esta manera una visión tripartita del atlántico como

un medio de comunicación e intercambio entre tres continentes, Euro-

pa, América y África.

Desde estas diversas perspectivas, España y Portugal continúan te-

niendo una importante misión en los retos que se plantean en el mun-

do actual como interlocutores y correas de transmisión entre diferen-

tes espacios globales.

Esta evolución histórica y los nuevos retos del mundo atlántico pre-

tenden ser abordados en los textos de los autores que les presentamos

en este dossier y que abordan períodos históricos muy diversos desde

comienzos del siglo XX hasta la actualidad. Afrontando las más diver-

sas perspectivas posibles, ya sean políticas, geoestratégicas, económi-

cas, sociales y culturales.

Os Coordenadores

Page 17: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

e n T R e d O s m U n d O s A n TAg Ó n i c O s .

e m i g R A d O s y e x i l i A d O s P O R T U g U e s e s

e n e s TA d O s U n i d O s A n T e e l nuevo

P O R T U g A l d e s A l A z A R

Alberto Pena Rodríguez, PhD

Universidad de Vigo | CEIS20

E-mail: [email protected]

Resumen

Tras la instauración del Estado Novo, para los inmigrantes portugue-

ses en Estados Unidos no fue fácil encontrar un encaje espiritual entre

los valores políticos del Portugal de Salazar y el país que les había dado

una oportunidad para progresar, cuyo sistema democrático era la antí-

tesis del régimen salazarista. La dictadura trató de persuadir a los emi-

grantes con un discurso nacionalista exacerbado, mientras algunos exi-

liados intentaban combatir esta propaganda mediante la publicación de

artículos y manifiestos en la prensa luso-americana que pretendían agi-

tar y movilizar a los inmigrantes para deslegitimar el nuevo modelo au-

toritario portugués.

Palabras Clave: Inmigrantes portugueses; Estados Unidos; Salazar;

prensa luso-americana; propaganda.

Abstract

After the establishment of the Estado Novo, it was not easy for Por-

tuguese immigrants in the United States to find a spiritual fit between

the political values of Salazar’s Portugal and the country that had giv-

DOI: https://doi.org/10.14195/978-989-26-1877-7_1

Page 18: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

16

en them an opportunity to progress, whose democratic system was the

antithesis of the Salazar regime. The dictatorship tried to persuade the

emigrants with an exacerbated nationalist discourse, while some exiles

tried to combat this propaganda by publishing articles and manifestos in

the Luso-American press that sought to agitate and mobilize immigrants

to delegitimize the new Portuguese authoritarian model.

Keywords: Portuguese immigrants; United States; Salazar; Luso-Amer-

ican press; propaganda.

Introducción1

Aunque no existen cifras oficiales, los exiliados políticos durante la

dictadura salazarista en Norteamérica no debieron pasar de unas pocas

decenas, pues la emigración portuguesa hacia Estados Unidos ha teni-

do históricamente una motivación esencialmente económica (Pena et. al.

2015 y 2012; Williams, 2007; Baganha, 1990, Pap, 1981). No obstante, al-

gunos de ellos eran personas muy significadas que adquirieron un gran

visibilidad, con capacidad para movilizar a sus compatriotas en el exte-

rior, como el exministro republicano João Camoesas, que intentó con-

trarrestar la imagen que el gobierno del Estado Novo intentó proyectar

hacia sus emigrados: la de un Portugal renovado, con un afán moderni-

zador y restaurador de un tradicionalismo conectado a la recuperación

de una mentalidad imperial y de reinvención de un espíritu nacionalis-

ta, cuyos valores patrióticos esenciales se identificaban con el perfil de

Salazar, representado por la propaganda del régimen como un nuevo

rey Afonso Henriques, fundador de la nación portuguesa.

1 Esta aportación forma parte de una línea de investigación desarrollada en el marco del proyecto Los discursos geopolíticos de la Península Ibérica durante las dictaduras de Salazar y Franco: proyectos y realidades de la alianza peninsular y su proyección internacional (HAR2015-68492-P), dirigido por Juan Carlos Jiménez Redondo (IP). El trabajo de campo en Estados Unidos ha contado con una Ayuda de Movilidad Sénior del Ministerio de Educación (PRX16/00454). Una primera versión de este abordaje se ha publicado en la Revista Brasileira de História da Mídia bajo el título de “Manipulaciones del fascismo portugués. Diplomacia, censura y propaganda salazarista en la comunidad lusa de Estados Unidos” (2018).

Page 19: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

17

Para los portugueses emigrados en Estados Unidos y sus descen-

dientes no era fácil hacer compatible el ideario político de la dictadu-

ra, cuyas estructuras corporativas autoritarias, el control de la opinión

pública y la represión política de la oposición lo convertían en un mo-

delo antagónico al sistema de libertades civiles de la democracia ameri-

cana. Por tanto, para muchos miembros de la comunidad luso-america-

na no fue fácil encontrar un encaje espiritual entre los valores políticos

del Portugal de Salazar, que trató de convertirse en el catalizador de to-

das las virtudes de la nación portuguesa, y el país que les había dado

una oportunidad para progresar. Sobre todo porque la dictadura trató

de ocupar el lugar de la propia nación lusa a través de su discurso na-

cionalista exacerbado, basado en la defensa de su imperio colonial, las

raíces católicas y las tradiciones seculares vinculadas a un modo de vida

rural, sencillo y austero que encajaba perfectamente con la representa-

ción pública de la figura política de Salazar (Rosas, 2012; Matos 2010a

y 2010b; De Menezes, 2009; De la Torre Gómez, 1997). Por ello, la ins-

tauración en 1933 del Estado Novo en Portugal suscitó nuevas expec-

tativas entre los emigrantes, con la esperanza de que el nuevo régimen

entiendiera la importancia de conservar la cultura portuguesa en terri-

torio norteamericano.

La dictadura salazarista se transformó en el referente de todos los

signos identitarios, como un modelo político totalizador que asumía la

representación máxima de la nación portuguesa, no sólo a nivel político

y económico, sino, sobre todo, en una dimensión cultural (Rosas, 2012,

21-39; Torgal, 2009, 249-289). Era lo que la propaganda del régimen lla-

mó la “revolução nacional”, uno de cuyos pilares fundamentales era la

renovación moral del país a través de la llamada “política do espírito”,

para cuya difusión y expansión se creó el Secretariado de Propaganda

Nacional (SPN) en septiembre de 1933, bajo la dirección del escritor mo-

dernista António Ferro (Ramos do Ó, 1990). Su objetivo era el de “ilumi-

nar” al mundo sobre el “caso portugués”, según la expresión del propio

director. Era un arma esencial de la política salazarista, “(...) tanto mais que

muitos portugueses sofrem o complexo de inferioridade de só acreditarem que fizeram

alguma coisa quando os estrangeiros lho repetem, quando se sentem envaidecidos com

os seus elogios (...)” (cursiva del original), decía Ferro (1943, 6).

Page 20: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

18

El SPN jugó un papel primordial en la construcción retórica del Es-

tado Novo (Matos, 2010a y b). Como ya se ha publicado en otros es-

tudios, su misión fundamental era proteger al gobierno de la dictadu-

ra de las campañas de propaganda contrarias a su política y difundir

su propia visión de la realidad para captar adeptos para su causa, así

como popularizar los principios ideológicos sobre los que asentaba el

nuevo Estado portugués (Paulo, 1994). El SPN trató de que la socie-

dad portuguesa ganase confianza en sí misma confiando en Salazar y

su gobierno (Matos 2010b; Pena Rodríguez, 2013). Trató también de

ganarse la voluntad de los emigrantes portugueses, para que sintiesen

orgullo de la patriótica obra del Estado Novo, de lo “nacional”, den-

tro de ese proceso de transformación espiritual, como se conoce a tra-

vés de los estudios realizados por Heloisa Paulo (2000 y 2019) sobre

las campañas de propaganda salazarista entre la comunidad de inmi-

grantes portugueses de Brasil. Para alcanzar su objetivo nacionaliza-

dor (léase salazarista) la dictadura ejerció un control férreo sobre la

opinión pública, partiendo de la divisa, inspiradora de la estrategia de

propaganda del régimen, que decía: “Não pode haver liberdade con-

tra a verdade, não pode haver liberdade contra o interesse comum”

(Matos, 2010a, 302-343).

La comunidad luso-americana en Estados Unidos durante este perío-

do era políticamente muy heterogénea. En 1930, sumando tres genera-

ciones (los emigrantes portugueses, sus hijos y nietos nacidos en Esta-

dos Unidos), la colonia lusa ascendía a cerca de medio millón de per-

sonas, (Pina, 1945, 12). En ella coexistían dos corrientes principales, en

torno a un bloque conservador y otro progresista. Tanto el uno como el

otro, tenían una cierta permeabilidad ideológica. Lo único que los unía

era su plena identificación con los valores, símbolos y elementos de ca-

rácter nacional. A grandes rasgos, sin embargo, ambos bloques conver-

gían en la representación de un discurso político similar en las conme-

moraciones patrióticas, que el Estado Novo siempre intentaba instru-

mentalizar para ganar adeptos (Correia, 2004, 92).

La mayor presencia de núcleos de emigrantes y del cuerpo diplo-

mático portugués (con la embajada de Washington y los consulados de

Boston, New York, Providence, New Bedford y Fall River), propicia-

Page 21: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

19

rion una mayor implicación de los miembros de la colonia en los Esta-

dos de la costa Este en la vida política de Portugal. Entre todas las ciu-

dades en las que se registró algún tipo de actividad propagandística de

cualquiera de los actores políticos implicados durante el Estado Novo,

fue New Bedford (Massachusetts) la que cobró mayor protagonismo,

particularmente durante el exilio del exministro republicano João Ca-

moesas, que lideró el movimiento de oposición a la dictadura en Esta-

dos Unidos entre 1930 y 1950.

Dentro del contexto de la acción política que el gobierno portu-

gués desarrolló hacia sus emigrantes en los inicios del salazarismo,

este trabajo pretende aproximarse a la proyección exterior que tuvo

la dictadura (De la Torre Gómez y Jiménez Redondo, 2013) entre los

inmigrantes portugueses en Estados Unidos en sus primeros años, du-

rante los años treinta. Se ha estudiado con suficiente detalle el com-

portamiento político de los emigrantes portugueses en Brasil duran-

te la dictadura (Paulo, 2000 y 2019), pero se desconoce todavía la re-

lación de Salazar con la comunidad lusa en Estados Unidos. Median-

te un análisis de la documentación diplomática y fuentes hemerográ-

ficas se pretende analizar cuáles fueron las acciones de carácter di-

plomático adoptadas por el salazarismo para conseguir que la dicta-

dura tuviese una recepción favorable por parte de la opinión públi-

ca emigrada en Norteamérica, así como la respuesta que dieron algu-

nos opositores al régimen.

La instauración del Estado Novo y la prensa inmigrante

portuguesa

Al principio, la instauración del Estado Novo en Portugal suscitó ex-

pectativas entre los emigrantes, con la esperanza de que el nuevo régi-

men entiendiera la importancia de conservar la cultura portuguesa en

territorio norteamericano, una de cuyas mejores expresiones era la di-

fusión de publicaciones periódicas en portugués. La dictadura reali-

zó algunos cambios entre el personal diplomático, como la destitución

como cónsul en Providence de Abílio e Oliveira Águas, o el nombra-

miento de un nuevo embajador en Washington, que sucedió al Viscon-

Page 22: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

20

de d’Alte, fallecido en 1933. La persona elegida para representar al Es-

tado Novo en la capital de Estados Unidos fue el madeirense João An-

tónio de Bianchi, un diplomático con una larga experiencia en diferen-

tes legaciones de Portugal.

El rol diplomático del nuevo embajador de Salazar tuvo una gran re-

percusión en la colonia. Por vez primera, el máximo representante de la

diplomacia lusa hizo lo que hasta entonces ningún otro embajador ha-

bía hecho: visitar a los emigrantes en sus principales colonias y mante-

ner una relación estrecha con sus medios de comunicación para hacer

llegar todos sus mensajes con más fluidez y eficacia. En este sentido,

Bianchi mejoró notablemente la imagen que los luso-americanos tenían

del gobierno portugués y sus agentes diplomáticos. Al poco tiempo de

establecerse en Washintgon, realizó viajes de varias semanas a Nueva

Inglaterra, y California,2 que le permitieron convivir con sus compatrio-

tas y recibir de ellos toda clase de honores.3

El viaje de Bianchi a California produjo tal expectación que se publicó

una edición extraordinaria de un periódico, dirigido por João Marques

Jardim, titulado Portugal na California, que informó monográficamen-

te del periplo del diplomático luso por tierras californianas en septiem-

bre de 1935, al tiempo que elogia las figuras de Carmona y Salazar.4 En

poco tiempo, el nuevo embajador no sólo consiguió darse a conocer,

2 El viaje a California se inició el 24 de julio de 1935. El embajador, que viajó en automóvil acompañado de su esposa, Clara de Bianchi, hizo durante el trayecto varias paradas en lugares con presencia portuguesa. João António de Bianchi parti-cipó en las fiestas de la colonia en San Francisco, entre el 7 y el 14 de septiembre, y fue huésped de la Exposición Internacional de San Diego, donde presidió un acto en honor del navegante portugués Rodrigues Cabrilho. AHD. Embajada de Portugal en Washington. Caja nº 37. Nota enviada por la embajada “aos jornais de Nova Inglaterra e New York”, 25 de julio de 1935. La visita del diplomático a Nueva Inglaterra se extendió entre julio y septiembre de 1934.

3 Idem, carpeta nº 15. Informes diversos de los viajes realizados por João António de Bianchi a las colonias luso-americanas durante 1934 y 1935.

4 Es una edición especial (“special issue”) de 30 páginas e ilustrada, dedicada a la visita del embajador de Portugal en Washington. Hay textos y fotos del cuerpo consular portugués en California, así como de figuras relevantes de la colonia, que saludan la visita del representante diplomático a tierras californianas. Se publican también anuncios de bienvenida de diferentes comercios de la comunidad inmi-grante portuguesa. Dentro de la edición se incluye, además, una sección especial con textos dedicados a Carmona y Salazar, y a ensalzar el trabajo del gobierno del

Page 23: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

21

sino que elevó su prestigio y notoriedad, lo que le permitió ejercer una

fuerte influencia sobre la comunidad de inmigrantes.

La colonia portuguesa en Estados Unidos no fue, por tanto, ajena

al proceso de cambio de régimen que se desarrolló en Portugal con la

fundación del Estado Novo salazarista. No sólo porque los periódicos

luso-americanos informaban a los interesados inmigrantes portugueses

de todo lo que ocurría en su país, sino porque esto afectó muy especial-

mente a su compresión de la realidad portuguesa, a su grado de com-

promiso político con su país de origen y a su papel como ciudadanos

de un Estado que estaba en las antípodas ideológicas del sistema polí-

tico norteamericano. Algunos periódicos, de hecho, se convirtieron en

foros de encendidos debates y polémicas sobre el significado político

del Estado Novo, sobre la figura de Salazar, sobre el contraste manifies-

to con los valores de la sociedad que los acogía y la falta de libertades

en el Portugal salazarista. Las publicaciones periódicas adquirieron, ade-

más, un nuevo valor propagandístico, con campañas a favor y en contra

del salazarismo organizadas por diversas organizaciones y personajes

que trabajaban para el régimen o que estaban abiertamente en contra.

La libertad de prensa y el decidido afán por alimentar, a veces, polé-

micas que podrían incrementar la tirada, permitía que en el mismo pe-

riódico se publicaran artículos que defendían ideas antagónicas. Tam-

bién hubo periódicos creados para el adoctrinamiento político o cuyas

líneas editoriales adoptaron, en determinados momentos o contextos,

un posicionamiento ideológico identificado con la dictadura o sus opo-

sitores. En general, los periódicos de la colonia portuguesa adquirieron

una especial relevancia como instrumentos de propaganda durante el

proceso de consolidación del Estado Novo, particularmente entre 1935

y 1940. Entre ellos, para conseguir persuadir a un público amplio, los

preferidos por salazaristas y antisalazaristas eran los que tenían una ma-

yor difusión. En los años treinta, destacaban en Nueva Inglaterra el Dia-

rio de Noticias y los semanarios O Colonial, O Independente, O Popu-

lar y Novidades. Mientras en Nueva York, el más influyente era A Luta,

Estado Novo. Su administrador y gestor de publicidad era Manuel Sousa Espínola. El único ejemplar encontrado se halla en la Freitas Library de California.

Page 24: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

22

editado y dirigido por el sacerdote José Cacella. Entre 1937 y 1938, cir-

cularon en Manhattan dos periódicos de propaganda antifascista, fun-

dados y dirigidos por José Alves Rodrigues,5 que trataron de movilizar

a la colonia portuguesa en Nueva York y Nueva Jersey: O Bacamar-

te (“órgão de combate pela verdade e pela justiça”)6 y A Plebe,7 ambos

concebidos como medios de agitación revolucionaria en el marco de la

Guerra Civil española. Su objetivo era movilizar a la opinión pública in-

migrante contra las dictaduras ibéricas haciendo pedagogía de los valo-

res y principios que sostenían la democracia.

En estos años, existió incluso una alianza de los inmigrantes ibéri-

cos contra las dictaduras de Franco y Salazar, representada a través de

la colaboración en el semanario La Voz, que disponía de una sección

en portugués dirigida por Gil Stone. A Tribuna era también un periódi-

co muy leído entre la comunidad de Newark (N. Jersey), entre 1931 y

1934. En California, los semanarios A União Portuguesa y el Jornal Por-

tuguês, de Oakland, fueron los únicos periódicos con influencia política

en la colonia. En el caso de los periódicos luso-californianos, su discur-

so editorial, en general, era tolerante con el salazarismo, aunque se pu-

blicaron también artículos críticos con la dictadura, a pesar de las pre-

siones del consulado en San Francisco.8 En 1938, el consulado de Cali-

fornia financiaba dos secciones informativas sobre el “nuevo” Portugal

en el Jornal Português y A União Portuguesa y un boletín radiofónico

semanal en varias emisoras sobre la obra del Estado Novo.9

5 Léase, por ejemplo, el artículo de José Alves Rodrigues: “A corda do enforcado ou o Judas da Ditadura”, O Colonial, 7 de junio de 1935.

6 O Bacamarte fue fundado el 1 de septiembre de 1936 en Newark (P.O. Box 221) y dejó de publicarse en 1937. Era una tabloide ilustrado, de 8 páginas.

7 A Plebe, de contenidos similares a O Bacamarte, se editó entre 1936 y 1938, con sede en New York City. Ambos sufrieron las presiones del régimen para impedir su publicación, según se desprende de la documentación diplomática portuguesa.

8 Oficio del Cónsul de S. Francisco, G. Armas do Amaral, al encargado de Negocios de la embajada, João de Deus Ramos, 4 de agosto de 1937, Arquivo Histórico Diplomático (AHD). Embajada de Portugal en Washington, Caja nº 13. En el oficio el cónsul explica que consiguió que el director e A União Portuguesa prohibiese los “artículos subversivos” de José Trindade Salgueiro en el periódico.

9 Oficio nº 68 del cónsul de Portugal en San Francisco al ministro de Negócios Estrangeiros, 2 de mayo de 1938, AHD, Embajada de Portugal en Washington, 3º P,

Page 25: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

23

El Jornal Português apoyó abiertamente a Carmona y Salazar, aplau-

diendo las medidas políticas de su gobierno y atacando a los que cri-

ticaban el régimen y sus líderes.10 El periódico fundado y dirigido por

Pedro L. C. da Silveira acusó al Diario de Noticias de New Bedford de

publicar las “maiores mentiras” y “calúnias” contra la dictadura en Por-

tugal, que atribuía al movimiento comunista de la colonia en Nueva In-

glaterra.11 Identificado con el discurso anticomunista del régimen por-

tugués en el contexto de la guerra fría, el Jornal Português llegaría a pu-

blicar el 29 de junio de 1951 un extenso reportaje, firmado por la sala-

zarista Agência Nacional de Informação (ANI), donde narra el testimo-

nio de un comunista arrepentido sobre la “doutrina desumana” del Par-

tido Comunista Português.12 Su activismo anticomunista llevó incluso

al periódico luso-californiano a pedir públicamente una mayor presión

de la policía norteamericana contra los “comunistas” portugueses en el

seno de la comunidad de inmigrantes.13

El movimiento de oposición a la dictadura durante los años treinta

Durante los años treinta, era frecuente la convocatoria de actos pú-

blicos, convocados por salazaristas o antisalazaristas, en defensa de sus

respectivas causas para ganar apoyos en la colonia. La acción oposito-

A 1, M 675. Véase también el oficio nº 42 del cónsul al ministro, el 16 de marzo de 1938.

10 “Portugal”, Jornal Português, Número Especial de 1947, sin paginar.

11 “Muito bem, senhor embaixador”, Jornal Português, Número Especial de 1947, nº 786, 26 de septiembre de 1947, artículo sin página numerada.

12 “O Partido Comunista Português por dentro. ‘Vi como uma doutrina desumana pode desumanisar os homens da melhor qualidade’ – afirma-nos o antigo comunista Dr. António Júdice”, Jornal Português, 29 de junio de 1951, p. 6.

13 Los servicios secretos a las órdenes de Washington tuvieron, de hecho, bajo vigilancia a algunos miembros de la comunidad luso-americana en Nueva Inglaterra, como lo demuestra un informe sobre “communist activities” realizado a finales de los años cincuenta, coincidiendo con la campaña anti-comunista del senador Joseph McCarthy. Véase: Investigation of Communist Activities in New England Area-Part 3. Hearings before the Committee on Un-American Acticities House of Representatives. Eighty-Five Congress, second session. March, 14, 20 and 21, 1958, United States Government Printign Office; Washington, 1958, pp. 2284 y ss. Catalogado en la Harvard College Library (Cambridge, Mass.).

Page 26: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

24

ra se concentró, fundamentalmente, en el área de Nueva Inglaterra. En-

tre todos los opositores al salazarismo, el más destacado fue João Ca-

moesas, que había sido ministro de Instrução Pública en la República

en dos ocasiones.14 João Camoesas fue el líder que organizó y orques-

tó la campaña de oposición política a la dictadura en Estados Unidos a

partir de su llegada, el 12 de junio de 1929.15 Poco después de instalar-

se en Massachusetts, Camoesas estableció un estrecho contacto con la

prensa portuguesa de Nueva Inglaterra y con otros destacados oposito-

res al régimen, como Abílio de Oliveira Águas.16

Cuando llega a Estados Unidos, João Camoesas participa en decenas

de actos organizados por las instituciones de la colonia, lo que le per-

mitiría conocer su situación social, política y económica en poco tiem-

po, relacionarse con sus líderes más significados y convertirse en una fi-

gura de referencia.17 Sus apariciones en noticias de la prensa luso-ame-

ricana, le otorgaron un prestigio cada vez mayor y le dieron la autori-

dad necesaria para escribir en varios periódicos artículos contra de la

dictadura. A partir de 1935, cuando el Estado Novo comenzaba a con-

solidar sus estructuras y la propaganda salazarista se hacía sentir en Es-

tados Unidos, decidió impulsar una campaña a favor de la democracia

en Portugal utilizando la prensa luso-americana como principal medio

de propaganda contra el régimen autoritario luso. Camoesas publicó la

14 João José da Conceição Camoesas nació el 13 de marzo de 1887 en la ciudad fronteriza de Elvas. Fue ministro de Instrução Pública en dos períodos durante la etapa de la primera República, tanto en el gobierno de António Maria Silva como en el gabinete de Domingos Pereira. Tras la instauración de la dictadura, fue deportado a Angola en 1928 y, posteriormente, fue autorizado a exiliarse en Estados Unidos. João Camoesas falleció en Taunton (Massachusetts) el 11 de noviembre de 1951.

15 Diario de Noticias, 13 de junio de 1929, p. 1. La información cuenta que João Camoesas se instaló provisionalmente en New Bedford, en la casa de José Pacheco Correia.

16 Abílio de Oliveira Águas era natural de Figueira da Foz (Portugal), donde nació el 8 de enero de 1890. En 1921, es contratado por el Ministério do Comércio para desarrollar una misión comercial en Estados Unidos. Posteriormente, sería de-signado por el Minitério de Negócios Estrangeiros cónsul en Providence, principal puerto de entrada de los inmigrantes portugueses en los años veinte, puesto del que fue destutuído en octubre de 1929 por sus críticas a la dictadura.

17 El 9 de abril de 1933 pronunció una conferencia en el Club Republicano Português de Pawtukect para conmemorar el 9 de abril, fecha en la que varios miles de soldados portugueses murieron en combate durante la batalla de la Lys, en la Primera Guerra mundial. Véase: Diario de Noticias, nº 1903, 7 de abril de 1933, p. 1

Page 27: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

25

mayor parte de sus artículos en el Diario de Noticias y O Colonial. Pero

también difundió algunos textos, con un tono más pedagógico que po-

lítico, en O Heraldo Portuguez. Desde que inició su cruzada contra Sa-

lazar, no cejó de combatir a la dictadura en su país publicando decenas

de columnas de opinión, memorandos y manifiestos en contra del sala-

zarismo hasta su fallecimiento, el 11 de noviembre de 1951.

El exilio de João Camoesas y sus campañas de prensa en contra de

Salazar sirvieron para agitar y movilizar a los inmigrantes portugueses a

favor de la democracia en Portugal. Por su parte, el salazarismo aplicó

toda su influencia para impedir que la colonia se convirtiese en un nú-

cleo opositor. El régimen temía que el movimiento de oposición pudie-

ra ejercer alguna presión sobre el gobierno estadounidense u otras ins-

tituciones norteamericanas contra el gobierno luso. Asimismo, era impo-

rante para el gobierno de la dictadura evitar que el antisalazarismo pu-

diese extenderse por la emigración portuguesa y que el clima de agita-

ción pudiese tener algún reflejo que perturbase la establidad nacional.

João Camoesas inició su campaña de prensa contra Salazar en el se-

manario de Fairhaven O Colonial. Allí, publicó una serie de textos en

los que relata los ataques del Estado Novo contra los derechos de los

trabajadores portugueses18 y sobre su política colonial,19 criticando a

quienes, por acción u omisión, apoyan el Estado Novo, entre los que

incluía a la Iglesia portuguesa. De hecho, cuando el 3 de septiembre de

1936 el salazarista Manuel Caetano Pereira, vicecónsul en Fall River, pu-

blica en el Diario de Noticias una carta de elogiosa bienvenida al car-

denal Manuel Gonçalves Cereijeira,20 de visita pastoral a la colonia lu-

so-americana, João Camoesas responde con una carta abierta dirigida

al prelado en O Colonial. En ella, el exministro republicano le recuer-

da las diferencias entre el sistema salazarista y la democracia norteame-

ricana, en la que viven los emigrantes portugueses.21 Y ruega, además,

al cardenal que actúe frente a la dictadura y traslade al Vaticano sus de-

18 João Camoesas: “O Monstro revela-se”, O Colonial, 10 de mayo de 1935, p. 1.

19 Idem: “O Monstro Revela-se”, O Colonial, 10 de agosto de 1936, p. 1.

20 Diario de Noticias, nº 5267, 3 de septiembre de 1936, p. 1.

21 João Camoesas: “Carta Aberta a Sua Eminência o Cardeal D. Manuel Gonçalves Cereijeira”, O Colonial, 11 de septiembre de 1936.

Page 28: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

26

beres cristianos en favor de los más desfavorecidos y en contra de toda

forma de opresión.22

Sin embargo, el discurso propagandísico de João Camoesas contra

Salazar fue contestado por miembros del gobierno portugués o inmi-

grantes de la colonia, que mantuvieron un agrio debate a través de las

páginas del Diario de Noticias de New Bedford, especialmente en los

años de la Guerra Civil española, cuando estaba en juego el futuro po-

lítico de la Península Ibérica. La intervención portuguesa en el conflic-

to a favor de los golpistas liderados por el general Franco contra el ré-

gimen democrático español, generó un vivo debate en la colonia que

la propaganda polarizó entre los que se proclamaban anticomunistas,

como Manuel Caetano Pereira, que veían en el gobierno del Frente Po-

pular español un peligro para Portugal; y los que, aún no siendo comu-

nistas, eran acusados de serlo por apoyar la democracia española, como

João Camoesas. El cónsul en Fall River, M. Caetano Pereira, llegó a ca-

lificar de “ex-portugueses” a los que defendían a los republicanos espa-

ñoles.23 Algo que J. Camoesas rebatió argumentando que la República

española no era comunista y la influencia del comunismo en España era

insignificante.24 Los extensos artículos de João Camoesas en el Diario

de Noticias, que abordaban toda clase de asuntos relacionados con la

política interna de Portugal, analizaban las consecuencias de la políti-

ca salazarista para la sociedad portuguesa, con una retórica instructiva

y pedagógica que, en ocasiones, adoptaba un enfoque academicista.25

El tema del “perigo vermelho” fue, probablemente, el argumento

más poderoso que utilizó la propaganda salazarista para ganar apoyos

y legitimar la acción política de Salazar (Correia, 2004, 124-128). Su fir-

me defensa del gobierno legal español y sus continuas críticas a la ayu-

22 Ibid.

23 Manuel Caetano Pereira: “Questões claras”, Diario de Noticias, nº 5577, 13 de septiembre de 1937, p. 1.

24 Véanse los siguientes artículos de João Camoesas: “A política externa de Portugal. Corolários de um confronto edificante”, Diario de Noticias, nº 5532, 22 de julio de 1937; y “Anotação á Magem – Outro cavaco com o leitor amigo”, Diario de Noticias, nº 5579, 15 de septiembre de 1937, pp. 1 y 2.

25 Ibid., pp. 104-168.

Page 29: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

27

da de Salazar a Franco, fueron utilizadas por los enemigos de Camoe-

sas para acusarlo de estar al servicio del comunismo y de promover la

anexión de Portugal a la “república soviética” de España.26 En medio de

las constantes presiones de los agentes del salazaristas, y ante un even-

tual intento de repatriación forzada por parte de las autoridades portu-

guesas, João Camoesas se vió obligado a aclarar públicamente cuál era

su estatus legal en suelo norteamericano.27

Sus adversarios políticos difundieron el rumor de que poseía un pa-

saporte diplomático especial del gobierno luso, revocable en cualquier

momento, que había sido condescendiente con él, mientras el político

republicano se comportaba como un ingrato. Para responder a esta re-

tórica manipuladora, el político republicano escribió un largo artículo

donde cuenta de cómo había llegado a Estados Unidos y cuál era su si-

tuación legal, como asilado político.28 Asumiendo la condición de vícti-

ma de una persecución política, João Camoesas acusa a Salazar de uti-

lizar el “perigo comunista” como una estrategia para incrementar la re-

presión,29 al tiempo que hace un llamamiento a la movilización de los

liberales luso-americanos contra el sabotaje a la libertad de expresión.30

Con el telón de fondo del conflicto fratricida español, João Camoe-

sas y Manuel Caetano Pereira mantuvieron un enconado enfrentamien-

to periodístico por medio de artículos que ambos fueron publicando en

el Diario de Noticias durante un año, entre mayo de 1937 y el mismo

mes de 1938 (Correia, 2004, 108-131). Esta pugna tendría una gran re-

percusión en la colonia a juzgar por los artículos que a favor o en con-

tra de los argumentos de cualquiera de ellos firmaban otros colabora-

dores del periódico de New Bedford, que ayudaron a amplificar el due-

lo entre ambos contendientes.

26 Manuel Caetano Pereira: “Aclarou-se e liquidou-se”, Diario de Noticias, nº 5561, 24 de agosto de 1937, p. 1.

27 Ibid., pp. 135-136.

28 João Camoesas: “Anotação á margem. Documento elucidativo”, Diario de Noticias, nº 5727, 14 de marzo de 1938, p. 5.

29 João Camoesas: “Escoras e escusas dos salazarismo. A aventesma comunista”, Diario de Noticias, nº 5640, 29 de noviembre de 1937, p. 1.

30 João Camoesas: “Anotação á margem. Reflexões para os liberais”, Diario de Noticias, nº 5691, 29 de enero de 1938, p. 1.

Page 30: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

28

La ofensiva del salazarismo contra sus detractores en Nortea-

mérica

El gobierno salazarista reaccionó a la ofensiva de sus enemigos en

Estados Unidos actuando en varios niveles: incrementando la produc-

ción y difusión de materiales propagandísticos a favor del Estado No-

vo;31 presionando de forma directa e institucional, desde el SPN o a tra-

vés de los servicios consulares, a los editores de los periódicos luso-ame-

ricanos y locales para impedir la publicación de artículos adversos;32

publicando textos escritos por el personal diplomático al servicio de la

dictadura;33 subsidiando los periódicos favorables y promoviendo acti-

vidades que contribuyeran a prestigiar el Estado Novo mediante la co-

bertura periodística en los medios de comunicación norteamericanos.34

En este período, hubo tres acciones de propaganda salazarista en

Estados Unidos muy relevantes. La primera fue el nombramiento, el 15

de junio de 1938, de António de Oliveira Salazar como Doctor Honoris

Causa por la Fordham University, una de las instituciones universita-

rias de la elite católica norteamericana, que contribuyío a incrementar

el prestigio e influencia del dictador portugués en Estados Unidos. Y las

otras dos fueron la participación del gobierno de Portugal en la World’s

Fair de New York, celebrada entre abril y octubre de 1939, y en la Gol-

den Gate International Exposition de San Francisco, desarrollada entre

1939 y 1940. El comisario general de Portugal en ambos eventos fue el

31 Oficio nº 960 (proc. 9/38) del embajador de Portugal al ministro de Negócios Estrangeiros solicitando materiales propagandístico para difundir EE.UU., 31 de octubre de 1938, AHD, Embajada de Portugal en Washington, Caja nº 18.

32 Oficio nº 1273 del subdirector del Secretariado de Propaganda Nacional, António Eça de Queiroz, al Presidente do Conselho de Ministros, 19 de septiembre de 1938, informando sobre las presiones ejercidas sobre varios periódicos luso-americanos, ANTT/AOS, SGPCM-GPM, caja nº 5, PC-156, 3, nº 4.

33 Véase, por ejemplo, el artículo “O Triunfo do Govêrno Português”, publicado por el Cónsul de Portugal en San Francisco, José de Pina Aragão, en A União Portuguesa, nº 2489, 8 de junio de 1936, p. 1. En el texto el diplomático luso afirma que “(…) Salazar substituiu o fanatismo e o radicalismo pela religião, pela boa educação e cultura. (…) O nosso govêrno ama o povo e lhe da bastante democracia para que todos possam ser felizes (…)”

34 Documentación diversa sobre la Festa da Raça, organizada en New Bedford por una comisión supervisada por el embajador, entre el 13 y el 18 de junio de 1939, AHD, Embajada de Portugal en Washington, Caja nº 36.

Page 31: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

29

director del SPN, António Ferro, que llegó a bordo del buque “Satur-

nia” al puerto neoyorkino el 12 de abril de 1939.35 Durante el tiempo

que Ferro estuvo en Estados Unidos, hasta el 17 de julio de 1939, fue-

ron muchas las ocasiones en las que hizo propaganda salazarista, tanto

en la costa Este como Oeste.36

Mientras João Camoesas pedía la unidad de acción de los emigrantes

portugueses contra la presión del salazarismo, que se atrevía a desafiar

nada menos que unos de los principios más sagrados y arraigados en la

sociedad norteamericana (la libertad para expresarse sin ningún tipo de

restricciones ni condiciones), Salazar hacía lo posible para censurar sus

artículos en el Diario de Noticias. El subdirector del SPN, António Eça

de Queiroz, le envió un oficio al dictador fechado el 29 de septiembre

de 1938 en el que le informa sobre sus presiones para acabar con los ar-

tículos de João Camoesas en el influyente periódico de New Bedford.37

De este modo, el exministro portugués fue obligado a cejar en la pu-

blicación de artículos en el Diario de Noticias. El 9 de agosto de 1938,

recibió una escueta carta escrita por el dueño del periódico, Guilher-

me Machado Luiz, en la que le informa que debía abandonar sus críti-

cas al Estado Novo.38 Le autoriza a seguir colaborando con la cabece-

ra, pero absteniéndose de dirigir “ataques” al gobierno de Portugal y a

Oliveira Salazar. En una larga pero elegante carta de respuesta envia-

da al propietario del diario, João Camoesas muestra su decepción y lo

acepta como un reconocimiento del miedo de Salazar a los efectos de

su acción propagandística. El exministro explica que el Diario de Noti-

35 Noticia: “Chegada a Nova York do Comissario Geral de Portugal, Sr. Antonio Ferro”, Diario de Noticias, nº 6056, 17 de abril de 1939, p. 1.

36 Diario de Noticias, nº 6131, 18 de julio de 1939, p. 1.37 Oficio nº 1273 del subdirector del Secretariado de Propaganda Nacional,

António Eça de Queiroz, al Presidente do Conselho de Ministros, 19 de septiembre de 1938, ANTT/AOS, SGPCM-GPM, caja nº 5, PC-156, 3, nº 4.

38 Carta dirigida por Guilherme M. Luiz a João Camoesas, 9 de agosto de 1938, AHD, Embajada de Portugal en Washington. Caja nº 37.

Page 32: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

30

cias no es el único periódico que existe en la colonia y que seguirá de-

fendiendo sus convicciones libremente.39

António Eça de Queiroz apunta en su informe que el Diario de No-

ticias alcanza una tirada de 30.000 ejemplares y es “(…) um jornal fá-

cil de manejar e de guiar (…)”.40 Para ello, anuncia que el SPN iniciará

una campaña de publicación de artículos doctrinarios e intensificará los

envíos de material de propaganda a este periódico y a O Independen-

te, “(…) fácil de guiar pelo bom caminho pelo mismo sistema (…)”.41 A

pesar de las presiones políticas de la dictadura, el Diario de Noticias si-

guió publicando editoriales críticos con Salazar y Franco. Por ejemplo,

el 10 de febrero de 1939, cuando el desenlace de la Guerra Civil espa-

ñola estaba próximo y la victoria del general golpista español era clara,

ataca su falta de tolerancia y magnanimidad con los perdedores.42 El

informe del subdirector del SPN se refiere también a otros medios crí-

ticos con el régimen, como el periódico antifascista A Plebe, que sufrió

la baja de 300 suscriptores pertenecientes al Club Português de Nueva

York por las presiones de un agente al servicio del aparato de propa-

ganda de la dictadura.43

La fundación del Portuguese-American Committee for Democracy

El triunfo de Estados Unidos en la Segunda Guerra mundial, en el

que habían participado miles de soldados luso-americanos, renovó la

esperanza de los opositores portugueses, que creían que el gobierno

de Washington no toleraría países fascistas en Europa. En este contex-

to favorable, con el deseo de hacer más visible la oposición a Salazar,

se crearía en 1945 el Portuguese-American Committee for Democracy,

39 Carta enviada por João Camoesas a Guilherme M. Luiz, 19 de agosto de 1938, AHD, Embajada de Portugal en Washington. Caja nº 37.

40 Oficio nº 1273 del subdirector del Secretariado de Propaganda Nacional, António Eça de Queiroz, al Presidente do Conselho de Ministros, 19 de septiembre de 1938, ANTT/AOS, SGPCM-GPM, caja nº 5, PC-156, 3, nº 4.

41 Ibid.

42 “Odios de guerra”, Diario de Noticias, 10 de febrero de 1935, p. 2.

43 Ibid.

Page 33: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

31

que pretendía convertirse en la plataforma pública de oposición al sa-

lazarismo en Estados Unidos.

El Portuguese American Comittee for Democracy estaba presidido

por el exministro João Camoesas, acompañado en en el comité de direc-

ción por el escritor José Rodrigues Miguéis1 y el excónsul de Portugal

en Providence, Abílio de Oliveira Águas, como primer y segundo vice-

presidentes, respectivamente. Para esta nueva etapa en las relaciones

con los Estados Unidos, Salazar nombró como embajador a Pedro Teotó-

nio Pereira (1947-1950), un político curtido en la forja del Estado Novo,

ideólogo del salazarismo y excelente conocedor de las relaciones ibéri-

cas, pues había sido el primer embajador portugués ante el gobierno del

general Franco (1938-1945), así como embajador en Brasil (1945-1947).

El objetivo principal del Portuguese-American Committee for Denmo-

cracy era informar a la opinión pública norteamericana sobre el “carác-

ter fascista” del régimen de Salazar, de su alianza con el general Franco

y de sus políticas represivas.2 Esta campaña antisalazarista utilizó tam-

bién la radio, pues J. Rodrigues Miguéis hizo propaganda contra las dic-

taduras ibéricas en una alocución en la emisora WBYN de N. York el 20

de abril de 1945, desde donde se emitía el programa antifascista “Espa-

ña combatiente”.3 El escritor luso, que había llegado en 1935 a Estados

Unidos, ya había participado en otras acciones públicas en contra de los

movimientos políticos autoritarios en Europa, como la sesión organiza-

da a favor de las democracias y en contra del nazismo promovido por

el Portuguese-American Committee to Aid Russiam People en el Woo-

drow Wilson Hall de Manhattan el 23 de noviembre de 1941, acompa-

ñado del profesor de la Harvard University Michael Karpovich.4

1 José Rodrigues Miguéis tenía ascendencia gallega, pues era hijo de un emigrante pontevedrés en Lisboa. Sobre la biografía de José Rodrigues Miguéis puede leerse, entre otras referencias bibliográficas, el libro de Mário Neves (1990).

2 Ibid.

3 “Palestra radiofónica sobre a situação de Portugal e Espanha”, Diario de Noticias, nº 7880, 18 de abril de 1945. La noticia del periódico anuncia la próxima alocución radiofónica de J. Rodrigues Miguéis en la emisora WNYN, “(…) que fun-ciona na frequência de 1430 kilociclos (…) entre as 8 e as 8:30 horas da noite (…)”.

4 “Uma Sessão Pública em Prol da Causa das Democracias en Contra o Nazismo”, Diario de Noticias, nº 6849, 25 de noviembre de 1941, p. 4.

Page 34: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

32

El Portuguese-American Committee for Democracy, con sede en la

céntrica Broadway Street de Nueva York, organizó decenas de acciones

políticas que buscaban la repercusión periodística, con el objetivo de

difundir su propaganda y alcanzar la máxima resonancia pública. Entre

otras iniciativas, al finalizar la Segunda Guerra mundial, en su calidad

de presidente del comité, João Camoesas hizo público en la prensa lu-

so-americana un telegrama enviado a Salazar en el que le pide que en-

tregue “cristianamente” el poder a los demócratas portugueses.5

Las acciones propagandísticas del comité fueron más intensas en la

etapa inmediatamente posterior al final del conflicto. Al tiempo que diri-

gía su acción política contra la dictadura a través de organismos interna-

cionales, João Camoesas siguió publicando periódicamente artículos en

el Diario de Noticias de New Bedford en la segunda mitad de los años

cuarenta.6 Tarea en la que también destacó José Rodrigues Miguéis, que

firmó textos contra la dictadura en el Diario de Noticias, propiedad en-

tonces de João Rodrigues Rocha, y en O Independente, donde rubrica-

ba sus artículos con el seudónimo “José Pombo”.7 Camoesas y Miguéis

fueron protagonistas, junto a Abílio de Oliveira Águas, de diversos ac-

tos políticos organizados en Nueva Inglaterra y New York contra la dic-

tadura, que tuvieron eco informativo en la prensa luso-americana. El

Diario de Noticias, que en este período llegó incluso a publicar artícu-

5 “Um telegrama de João Camoesas ao Chefe do Governo Oliveira Salazar”, Diario de Noticias, nº 7907, 9 de mayo de 1945, p. 1.

6 Véanse, a modo de ejemplo, los siguentes artículos de João CAMOESAS en el Diario de Noticias: “Liberdade e Liberdades”, nº 8102, 29 de diciembre de 1945, pp. 1 y 8; “Vinte anos perdidos”, nº 8211, 25 de mayo de 1946, pp. 1 y 2; “Fraternidade humana”, nº 8587, 16 de agosto de 1947, p. 1; “E Nós?”, nº 9008, 30 de diciembre de 1948, p. 1.

7 Para tener un conocimiento monográfico completo sobre la producción pe-riodística de José Rodrigues Miguéis en el Diario de Noticias, así como todas las informaciones que hacen referencia a su figura en este periódico, puede leerse la compilación de sus textos en el artículo de Duarte Miguel Barcelos Mendonça: “José Rodrigues Migués na imprensa lusa de New Bedford: uma presença asidua”, Gávea Brown. A Bilingual Journal of Portuguese-American Letters and Studies, vols. XXXII-XXXIII (2010-2011), pp. 39-344. Se conoce también que J. Rodrigues Miguéis publicó sendos artículos contra el gobierno del Estado Novo en O Independente el 2 y el 7 de septiembre de 1937. Véase: Oficio del encargado de Negocios de la embajada al ministro de Negócios Estrangeiros, s. f. (1937), AHD, Embajada en Washington, Caja nº 13.

Page 35: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

33

los antifascistas provenientes de Lisboa,8 fue especialmente sensible a la

información de las actividades del Portuguese American Committee for

Democracy. En uno de los eventos políticos antisalazaristas, celebrado

el día de la conmemoración del aniversario de la República, el 5 de oc-

tubre de 1945, en la Aliança Liberal Portuguesa, el diario de New Bed-

ford elogia las intervenciones de J. Camoesas y J. Rodrigues Miguéis y

lamenta el derrocamiento del régimen republicano:

“(…) Em 1945, depois de dezanove anos de estrangulamento fascista conse-cutivo, a Republica Portuguesa aparece-nos, pela boca de oradores eminen-tes como estes, luminosa e prometedora como nos tempos da sua infância. Ti-vessem-na deixado atingir a maioridade, dentro de uma vida normal, ouvimos dizer ontem, e ela teria dado a Portugal e a seus filhos aquele bem-estar mo-ral, material e político que é apanágio de todas as nações progressivas. (…)”9

La salida de José Rodrigues Migués de Estados Unidos, el 20 de oc-

tubre de 1949, para fijar su residencia en Brasil y el posterior falleci-

miento de João Camoesas, en 1951, frenó la actividad propagandística

y mermó sensiblemente la proyección pública del exilio político portu-

gués durante los años cincuenta. Su sucesor al frente de la plataforma

de oposición en Estados Unidos fue Abílio de Oliveira Águas, quien re-

organizó y reavivó la acción propagandística del comité al inicio de la

década de 1960, con la refundación de la organización, que adoptó a

partir de entonces el nombre de Committee Pro-Democracy in Portu-

gal, cuya sede se estableció provisionalmente en el número 96 de la ca-

lle Chapel, en Newark (New Jersey).

Conclusiones

El salazarismo y el antisalazarimo libraron un intenso debate político

en el seno de la comunidad emigrante portuguesa en Estados Unidos.

Aunque los exiliados políticos eran una minoría, el exministro republi-

8 “O que se passa em Portugal”, artículo firmado por el seudónimo “Ónix”, da-tado en Lisboa el 3 de febrero de 1946. Texto íntegro recogido en el artículo citado de Duarte M. B. Mendonça en Gávea Brown, pp. 188-190.

9 “A celebração do 5 de Outubro em N. Bedford”, Diario de Noticias, 8 de oc-tubre de 1945. Cita extraída del artículo compilatorio de Duarte Miguel Barcelos Mendonça, p. 184.

Page 36: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

34

cano João Camoeasas ejerció un fuerte liderazgo de oposición contra

la dictadura de Salazar, principalmente en la zona de Nueva Inglaterra,

donde estaba establecida la mayor colonia de emigrantes portugueses,

a los que intentó movilizar contra el Estado Novo. En las páginas de los

principales periódicos editados por la diáspora portuguesa, Camoesas y

otros exiliados políticos desarrollaron una campaña de propaganda an-

tifascista en los años treinta, que obligó al régimen del Estado Novo a

utilizar todos los medios diplomáticos y políticos a su alcance para evi-

tar que este movimiento de oposición pudiese contagiar a otras comu-

nidades de emigrantes o tener algún reflejo en Portugal.

La pugna propagandística entre el salazarismo y sus opositores tuvo

una especial intensidad durante el período de la Guerra Civil española,

debido al apoyo de Salazar al general Franco contra la Segunda Repúbli-

ca española. En esta etapa, para aumentar la presión y a eficacia en sus

campañas de contestación política, los exiliados españoles y portugueses

colaboraron en diversas acciones propagandísticas contra las dictaduras

ibéricas. Tras la victoria aliada en la Segunda Guerra mundial, el movi-

miento de oposición anti-salazarista institucionalizó su actividad políti-

ca fundando una plataforma oficial contra el Estado Novo, el Portugue-

se-American Committee for Democracy, que se convirtió en el organis-

mo más relevante de oposición política a la dictadura en Norteamérica.

Sin embargo, su acción política fue perdiendo, poco a poco, protagonis-

mo con la muerte de João Camoesas, su presidente fundador, en 1951.

Bibliografía:

BAGANHA, Maria Ioannis. Portuguese Emigration to the United States. New York: Garland Publishers, 1990.

CORREIA, Rui Antunes. Salazar in New Bedford. Leituras Luso-Ameri-canas sobre o Estados Novo nos anos trinta. (Tese de Mestrado dirigida por Filipa Palma dos Reis). Lisboa: Universidade Aberta, 2004.

DE LA TORRE GÓMEZ, Hipólito. El Portugal de Salazar. Madrid: Arco Libros, 1997.

FERRO, António. Dez Anos de Política do espírito (1933-1943). Discurso

Page 37: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

35

proferido no X aniversário do SPN. Lisboa: Edições do SPN, 1943.

HOLTON, Kimberly Dacosta & KLIMT, Andrea (eds.). Community, Cul-ture and the Makings of Identity. Portuguese-Americans along Eastern Seabord. North Dartmouth: Tagus Press, Center for Portuguese Studies and Culture-University of Massachusetts Dartmouth, 2009.

MATOS, Helena. Salazar. A Construção do Mito, 1928-1933. Lisboa: Temas e Debates-Círculo de Leitores, 2010a.

MATOS, Helena. Salazar. A Propaganda, 1934-1938. Lisboa: Temas e Debates-Círculo de Leitores, 2010b.

MENDONÇA, Duarte Miguel Barcelos. “José Rodrigues Migués na im-prensa lusa de New Bedford: uma presença asidua”, Gávea Brown. A Bilingual Journal of Portuguese-American Letters and Studies, vols. XXXII-XXXIII (2010-2011), pp. 39-344.

NEVES, Mário. José Rodrigues Miguéis. Vida e obra. Lisboa: Editora Ca-minho, 1990.

PAP, Leo. The Portuguese-Americans. Boston: Twayne Publishers-A Divi-sion of G. K. Hall & Co, 1981.

PAULO, Heloisa. Aquí Também é Portugal. A Colónia Portuguesa do Brasil e o Salazarismo. Coimbra: Quarteto, 2000. Nueva dición en Ama-zon Kindle de 2019.

PAULO, Heloisa. Estado Novo e Propaganda em Portugal e no Brasil. O SPN/SNI e o DIP. Coimbra: Minerva, 1994.

PENA, Alberto, MESQUITA, Mário y PAULO, Paula (coords.). Emigración e exilio nos Estados Unidos. Experiencias de Galicia e Azores. Santiago de Compostela: Consello da Cultura Galega, 2015.

_____ Galiza e Açores. A Rota Americana. Lisboa: Almedina, 2012.

PENA RODRÍGUEZ, Alberto. “Los grandes héroes ibéricos. Salazar, Fran-co y la Guerra Civil española: prensa y propaganda”, Journal of Spanish Cultural Studies, vol. 1 (2013), DOI: 10.1080/14636204.2013.841048.

PINA, Luiz da Câmara. Dever de Portugal para com as Comunidades Lusíadas da América do Norte. Com uma carta-prefácio de sua Eminên-

Page 38: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

36

cia o Senhor Cardeal Patriarca de Lisboa. Lisboa: Atelieres Gráficos Ber-trand (Irmãos), 1945.

RAMOS DO Ó, Jorge. Os Anos de Ferro. O dispositivo cultural durante a “Política do Espírito”, 1933-1949. Lisboa: Estampa, 1999.REIS TORGAL, Luis. Estados Novos, Estado Novo (2 vols). Coimbra: Im-prensa da Universidade, 2009.

ROSAS, Fernando. Salazar e o Poder. A Arte de Saber Durar. Lisboa: Edições Tinta da China, 2012.

WILLIAMS, Jerry. In Pursuit of Their Dreams. A History of Azorean Im-migration to the United States. North Dartmouth: Tagus Press, Center for Portuguese Studies and Culture-University of Massachusetts Dartmouth, 2007.

Page 39: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

PARA enTende R A Bel ige RÂnci A

PORTU gU esA (1914 - 18 )

António José Telo, PhD

Academia Militar

E-mail: [email protected]

Resumo

A beligerância portuguesa em 1916/1918 é original em muitos as-

pectos. Portugal é o único pequeno país que não só solicita a belige-

rância como a impõe a uma relutante Inglaterra, essencialmente por ra-

zões partidárias, para favorecer o projecto político do sector mais radi-

cal dos republicanos. O resultado é uma guerra civil intermitente inter-

na que se prolonga entre 1914 e 1919, uma profunda divisão dos mili-

tares que se traduz em desastres em três das frentes de combate (Fran-

ça, Angola e Moçambique), o nascimento de um regime muito diferen-

te do anterior em 1918 (Sidónio Pais) e o fim da República passados al-

guns anos. O artigo examina as condições desta original beligerância e

traça alguns paralelos com a atualidade

Palavras-chave: Beligerância; Portugal; Primeira Guerra Mundial; re-

publicanos; relações internacionais; guerra civil.

Abstract

The Portuguese belligerence in 1916/1918 is original in many re-

spects. Portugal is the only small country that not only calls for bellig-

erence but also imposes it on reluctant England, mainly for partisan rea-

DOI: https://doi.org/10.14195/978-989-26-1877-7_2

Page 40: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

38

sons, to favor the political project of the most radical Republican sector.

The result is an intermittent internal civil war extending between 1914

and 1919, a deep division of the military, which results in disasters on

three fronts (France, Angola and Mozambique), the birth of a regime

very different from the previous one in 1918 (Sidónio Pais) and the end

of the Republic after some years. The article examines the conditions

of this original belligerence and draws some parallels with the actuality

Keywords: Belligerence; Portugal; World War I; Republicans; Inter-

national Relations; Civil War

A mentira como política oficial do estado

A História da beligerância portuguesa na Grande Guerra está por fa-

zer, apesar das centenas de livros escritos sobre o assunto. Há essen-

cialmente três razões para isto. A primeira, é que a beligerância está en-

volta desde o primeiro momento num manto de mentiras oficiais, avan-

çadas pelos guerristas para conseguirem empurrar uma Nação relutan-

te para a guerra.

Na parte final da guerra, com o Sidonismo de 1917-1918, houve mes-

mo um consenso semi-oficial, um acordo de cavalheiros entre guerris-

tas e anti-guerristas, entre radicais e moderados, caso se prefira, para

continuar a “grande mentira”1. O acordo podia resumir-se de uma for-

ma simples: vamos apresentar todo o esforço da beligerância como uma

grande obra patriótica, um imperativo nacional, um sacrifício a que o

povo português foi obrigado pelas circunstâncias, sem o discutir e sem

o colocar em causa, pois isso iria criar problemas em termos nacionais

e internacionais. É este acordo de cavalheiros que marca grande parte

da historiografia portuguesa posterior e ainda hoje se mantém. Ainda

hoje a “censura real” condena os que tentam entender a realidade para

além da cortina de fumo, penaliza os que querem ver para lá da grande

1 A expressão é de Ferreira do Amaral, um dos mais notáveis oficiais do CEP. Ela exprime tão bem a realidade vivida que não resistimos a manté-la.

Page 41: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

39

mentira, prejudica os que entendem a História como uma explicação e

não como uma propaganda das versões oficiais.

A segunda razão para a falta de entendimento da beligerância por-

tuguesa é que ela se inseriu numa guerra civil intermitente que tinha

começado em 1908, tendo servido para a agravar muito e para mudar

o seu carácter. Significa isto que ela foi e ainda é muito traumática e,

como algumas das organizações políticas atuais se consideram herdei-

ras das existentes em 1914, o entendimento da beligerância ainda é hoje

um motivo de luta ideológica e partidária. Muitas das obras nacionais

sobre a guerra não são de História, mas sim de propaganda. Quero com

isto dizer que elas não pretendem entender o que se passou, mas sim

defender e dourar a posição desta ou daquela força política da altura.

A terceira razão, é que a quase totalidade dos autores portugueses

utiliza normalmente só as fontes primárias nacionais, a que recentemen-

te alguns acrescentam uma pequena parte das fontes britânicas e es-

panholas2. Significa isto que só se conhece uma parte da realidade na

historiografia portuguesa3.

Quais são os mais mais frequentes da visão tradicional sobre a guer-

ra? Detectei 14 principais, mas muitos outros se podiam referenciar.

A primeira ilusão – omitir a existência de uma guerra civil

A guerra civil intermitente portuguesa começou em 1908. Dizemos

que existe uma guerra civil intermitente, quanto uma sociedade recorre

sistematicamente e em larga escala à violência organizada e militar para

resolver os seus problemas, dando origem a frequentes choques violen-

tos, seguidos de momentos de relativa acalmia, que são pontuados pelo

uso parcial da violência organizada. É isso que acontece em Portugal

2 Hipólito de La Torre Gomez é o primeiro autor que traz as fontes espanholas para o estudo da beligerância Portuguesa na década de 1970. José de Almada é o primeiro autor português que, logo na década de 1930, recorre a alguma documen-tação britânica, embora quase só a não confidencial.

3 Devo esclarecer que não me estou a colocar de parte desta tendência. Nas min-has obras anteriores sobre a guerra e a beligerância utilizava já as fontes primárias internacionais, mas só uma parte delas e principalmente as inglesas e americanas.

Page 42: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

40

entre 1908 e 1927, pelo que somos obrigados a dizer que se vive uma

guerra civil intermitente durante duas décadas. A Grande Guerra surge

num ponto intermédio desta (6 anos depois de ter começado e 9 anos

antes de acabar) e serve para alterar o seu carácter.

Alguns autores portugueses no final do século XX salientaram que

a beligerância se devia entender por razões tanto internas como ex-

ternas4. Simplesmente esta abordagem esgotava-se no entendimento

das razões da beligerância, sem se salientar que o fenómeno era muito

mais amplo e abarcava tudo, nomeadamente o entendimento das ope-

rações militares.

O que se passa, na realidade, é que os choques violentos de 1914-

1918 em Portugal só se podem entender no seu conjunto, numa aborda-

gem holística. A revolução de Maio de 1915 ou a de Dezembro de 1917

são operações militares portuguesas da Grande Guerra, tal como Nau-

lila ou a batalha do Lys e estão intimamente interligadas, a pontos de

não se poderem entender isoladamente. Sem a revolução de Dezembro

de 1917 o CEP teria sido muito diferente e sem o CEP provavelmente

não haveria revolução de Dezembro de 1917. São duas faces da mesma

moeda, não são moedas diferentes.

Porque podemos falar de uma guerra civil intermitente? Examine-

mos os factos.

a) Criaram-se 47 governos nos 16 anos mal contados na 1ª Re-

pública (uma média de 4 meses por governo), nenhum deles

terminou um mandato normal, muitos foram derrubados

violentamente e raros estiveram no poder um escasso ano.

b) Foram assassinados 2 chefes de estado (D. Carlos e Sidó-

nio Pais) e 5 foram derrubados por revoluções (D. Manuel,

Manuel de Arriaga, Bernardino Machado em 1917, Sidónio

Pais e Bernardino Machado, uma segunda vez, em 1926).

Na realidade, só um chefe de estado conseguiu terminar o

mandato normalmente (António José de Almeida) e um outro

4 É uma tendência que passa por vários nomes, tendo as teorias inerentes a ela sido sistematizadas e alargadas nomeadamente por Nuno Severiano Teixeira.

Page 43: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

41

demitiu-se por ser incapaz de mudar o curso dos aconteci-

mentos (Teixeira Gomes).

c) Registaram-se 8 grandes confrontos muito violentos, com

centenas de mortos e feridos a que normalmente se chamam

“revoluções” ou “guerras civis” na historiografia portuguesa

(em 1910-1915-1917-1919-1921-1925-1926-1927). A estes

pode acrescentar-se o golpe falhado de 1908 seguido do

regicídio, que se distingue dos restantes por um número

menor de baixas.

d) Ocorreram, a somar a estas “revoluções”, dezenas de golpes,

pronunciamentos e levantamentos violentos.

e) Registaram-se milhares de atentados bombistas, agressões

violentas e assassinatos, alguns envolvendo chefes do Go-

verno, como o atentado contra João Chagas ou o assassinato

de António Granjo.

f) Registaram-se largas centenas de greves e manifestações

violentas, acompanhadas de bombas e confrontos com mor-

tos e feridos.

g) Contam-se pelas largas centenas os assaltos violentos a se-

des de partidos, sindicatos, jornais políticos, centros cultu-

rais, igrejas, conventos e até mesmo casas particulares (no

seguimento de uma revolução eram assaltadas dezenas de

casas nos dias seguintes, como aconteceu com a de Afonso

Costa, em 1917).

h) Havia um recurso permanente à violência em toda a parte,

como os deputados que partiam o tampo das mesas como

protesto e tinham cenas de pancadaria em plenas câmaras,

ou os estudantes de Coimbra que disputavam de armas na

mão o controlo das ruas da cidade, obrigando a frequentes

intervenções da GNR e do Exército em 1910-1914, ou os

grevistas que se protegiam com grupos armados de bombas

e armas de fogo.

Mas o fenómeno mais importante, aquele que permite só por si refe-

rir que existiu uma guerra civil intermitente, não é nenhum destes, por

Page 44: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

42

mais incrível que pareça. O fenómeno mais importante é a manutenção

permanente de grupos de civis armados organizados, que procuravam

criar apêndices dentro dos quartéis, infiltrando a instituição militar e

minando a sua disciplina.

Ilustração Portuguesa de 14 de Junho de 1915

Uma imagem vale por mil palavras. Um dos grupos de civis armados que participou no 14

de Maio de 1915 surge numa rara foto “oficial”, feita na euforia da vitória do movimento,

mostrando o que era a realidade destes verdadeiros gangues que dominavam as ruas das

grandes cidades. O nome oficial deste grupo armado era “Centro Eleitoral dos Defensores

da República”. No meio dos civis distinguem-se alguns militares, principalmente mari-

nheiros, mas também elementos do Exército e da GNR. De notar que o grupo armado

contava com um destacamento de maqueiros (primeira fila à esquerda), o que mostra a

sua cuidada organização militar.

No começo era a Carbonária, a mais eficaz e ampla organização ar-

mada revolucionária que existiu em Portugal. A partir de 1911 a Carbo-

nária desaparece oficialmente, mas, na realidade meramente se trans-

forma e se alarga. Dá origem à “Formiga Branca”, aos “Batalhões de Vo-

luntários”, aos “Grupos Cívicos” (cívicos… mas armados), aos “Grupos

de Defesa da República” e a tantos outros, onde nem sequer faltam de-

nominações inocentes, como a de “Centro de Promoção do Voto” (sic!),

Page 45: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

43

ou “Centro de Música”. Estes grupos armados obedecem principalmen-

te ao Partido Democrático (era o menos democrático de todos, como o

seu nome deixa prever), que domina a máquina eleitoral, conseguindo

fazer a união entre a Carbonária e os caciques da Monarquia. Mais tar-

de (a partir de 1911) começam a surgir outros grupos de civis armados:

os ligados ao sindicalismo revolucionário, os ligados a Machado Santos,

os ligados aos estudantes católicos de Coimbra, os ligados aos anarquis-

tas, os ligados aos monárquicos, etc., etc…

Ilustração Portuguesa de 21 de Junho de 1915

Outro dos grupos de civis armados que participou na revolução de 14 de Maio de 1915.

Neste grupo originário das Caldas da Rainha encontramos 9 civis e 9 militares do Exército,

da Armada e da GNR, ou, pelo menos, indivíduos com essas fardas (alguns só parcialmente

fardados). O armamento é o mais eclético que se possa imaginar, desde caçadeiras de

cano duplo a carabinas Mannlicher, espingardas Mauser-Vergueiro, Kropastchek e até se

pode distinguir o que parece ser uma Winchester de repetição, como a que foi usada no

assassinato de D. Carlos em 1908 (era uma arma rara e muito cara, comprada na Suíça

pelos republicanos em 1907). A bandeira é inspirada na antiga Carbonária, oficialmente

dissolvida em 1911, mas ainda viva em 1915.

A grande novidade que surge com a guerra neste campo, é que os

grupos de civis armados aumentam muito e se diversificam, passando

Page 46: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

44

a estar em todo o leque político, desde a extrema direita à extrema es-

querda – desde os integralistas aos anarquistas, caso se prefira a lin-

guagem de então. É uma realidade permanente: todas as forças políti-

cas da República tinham o seu exército disfarçado e semi-clandestino

de civis armados, tolerados pelo poder, prontos a entrar em combate ao

mais pequeno pretexto, com escaramuças permanentes, tanto nas zo-

nas urbanas como nas rurais. Todos tinham infiltrações e ramificações

nas Forças Armadas.

Estes é o núcleo central dos exércitos da guerra civil intermitente,

com a agravante que se diversificam e multiplicam com o tempo. São

eles que se enfrentam violentamente nos anos da guerra, dentro e fora

de fronteiras. São exércitos onde civis e militares se misturam, como

se vê de forma muito clara nas raras fotografias que chegaram até nós.

Os grupos de civis armados não se devem confundir com organiza-

ções terroristas clandestinas, que também as houve, como a chamada Le-

gião Vermelha, criada nos anos vinte e especializada em atentados ter-

roristas contra indivíduos. Os grupos de civis armados eram uma reali-

dade diferente, embora as bombas artesanais fossem uma das suas ar-

mas mais importantes. A sua ação estava normalmente ligada a um cen-

tro político legal e oficial (um partido, um sindicato, uma loja), embora

não houvesse uma subordinação formal, o que permitia aos grupos ar-

mados passarem rapidamente de um centro político para outro. Os gru-

pos armados tinham uma existência semi-legal, normalmente com uma

fachada inocente e mesmo a posse das armas estava em regra legaliza-

da pelas licenças de porte de arma, passadas aos milhares pelos gover-

nos que se alternavam rapidamente no poder. É evidente que cada go-

verno passava as licenças para os “seus grupos”, mas ao fim de alguns

anos isto significava que havia licenças para todos.

Os grupos de civis armados criam uma arte militar peculiar na 1ª

República. Tal como aconteceu no 5 de Outubro – onde tudo nasceu –

as ruas são dominadas por uma acção conjugada entre grupos de civis

armados e unidades militares, numa manobra que tem tanto de políti-

co como de militar.

Page 47: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

45

Ilustração Portuguesa de 24 de Maio de 1915Uma cena normal em Lisboa durante as revoluções. Um tenente de artilharia é conduzido preso por uma coluna de civis e marinheiros armados. Foi uma coluna semelhante que levou os cadetes e professores da Escola de Guerra da Gomes Freire para o Arsenal da Marinha, depois do assalto à Escola de Guerra. No percurso os cadetes presos são agre-didos, insultados e arrancam-lhes os galões. Pelo menos um cadete e um professor são mortos por tiros à queima-roupa nesta coluna, apesar de estarem desarmados e seguirem sob escolta e apesar de transportarem a bandeira nacional. Muitos são feridos e têm de receber tratamento no hospital. Há relatos de cadetes que foram salvos do fuzilamento no

último minuto pela acção de alguns dos marinheiros armados que escoltavam a coluna.

A segunda ilusão – a guerra é só fora de fronteiras

A mais importante das ilusões na visão nacional tradicional é dizer

que se trata somente de uma guerra externa, que surge internacional-

mente, se trava fora de fronteiras e só nesse contexto deve ser analisa-

da. Segundo esta interpretação a revolução de Dezembro de 1917 seria

algo completamente separado e diferente dos acontecimentos do CEP

na mesma altura, havendo somente uma coincidência temporal. O fac-

to de os agentes serem os mesmos e de as suas motivações serem mui-

to semelhantes seria somente uma “bizarra” coincidência…

Page 48: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

46

A realidade é justamente o contrário: a guerra internacional mistu-

ra-se com a guerra civil intermitente interna, amplifica-a e muda o seu

tipo. Do ponto de vista português estamos perante um conflito único

e inseparável, que se trava dentro e fora de fronteiras com o objetivo

central de decidir o futuro de Portugal, tanto internamente como o seu

papel no Mundo. É o mesmo objetivo e o mesmo conflito, só que com

umas ações dentro e outras fora de fronteiras, todas intimamente ligadas.

Os guerristas provocam a beligerância por todos os meios com o

objetivo central de se manterem no poder e consolidar um regime ra-

dical débil, derrotando os seus muitos inimigos internos. Afonso Cos-

ta ou Norton de Matos não duvidam que o futuro do CEP se vai decidir

na luta que se trava nas ruas de Lisboa e que será do resultado conjuga-

do de ambas as operações (as internas e as externas) que saíra o regi-

me futuro. Os anti-guerristas também não duvidam disto e sabem que a

luta em todas as frentes está intimamente ligada e que a principal de to-

das, aquela onde tudo se decide em última instância, é a frente interna.

Curiosamente quem coloca esta visão em causa são os historiadores

posteriores à guerra, que pensam sobre Portugal como se estivessem a

falar da Grã-Bretanha. Na realidade Portugal é mais parecido com a Rús-

sia, ou seja, é uma situação particular onde as operações militares inter-

nas e externas estão intimamente ligadas. Por exemplo: pode-se enten-

der o papel da Rússia na guerra sem mencionar a Revolução de 1917? E

pode-se entender a revolução de 1917 sem mencionar o papel da Rús-

sia na guerra? Obviamente não. São acontecimentos tão intimamente li-

gados que não se podem separar. O mesmo acontece em Portugal.

A terceira ilusão – uma beligerância a pedido do aliado

A versão oficial é que Portugal entrou na guerra por causa de um pe-

dido do seu Aliado apresentado em nome da Aliança. Formalmente as-

sim foi, mas a realidade é exatamente o contrário.

Os documentos britânicos anteriores à guerra ou dos seus primeiros

meses dizem de forma muito clara que não se quer a beligerância portu-

guesa. Segundo estes, as Forças Armadas Portuguesas foram destruídas

pelos quatro anos da República, pelo que não passam de uma multidão

Page 49: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

47

indisciplinada, politizada e dividida em fins de 1914. O contributo efe-

tivo que poderiam dar numa guerra moderna era praticamente nulo e a

confusão que iriam criar era potencialmente gigantesca. Assim sendo,

de um ponto de vista exclusivamente militar, nada aconselhava a beli-

gerância portuguesa e havia fortes razões para a não desejar.

De um ponto de vista político e diplomático também não se queria

a beligerância portuguesa, pois ela complicava a situação na Penínsu-

la (onde a Espanha era neutra) e iria provocar confusão e ruído na al-

tura das negociações de paz, para além criar atrito na relação entre a

Grã-Bretanha e a França. De um ponto de vista económico e financei-

ro, a beligerância portuguesa era o pior que podia acontecer para o Rei-

no Unido, pois seria necessariamente acompanhada de um pedido de

ajuda com os créditos e os fretes marítimos à cabeça da ajuda pedida.

De um ponto da vista estratégico militar o que interessava ao Reino

Unido era que os seus inimigos não usassem as importantes posições

portuguesas, mas isso era conseguido pela Aliança, sem que a belige-

rância portuguesa se tornasse necessária. Finalmente, a Grã-Bretanha

estava interessada nalguns favores que Portugal podia fazer, como se-

jam o uso dos seus portos ou a passagem de tropas por Moçambique,

mas Portugal concedeu isso logo desde Agosto de 1914, sem que fosse

necessária a beligerância. Tudo, em resumo, aconselhava à Grã-Breta-

nha que Portugal mantivesse a neutralidade colaborante. A beligerância

portuguesa criava muitos mais problemas à Grã-Bretanha do que aque-

les que resolvia – esta era a realidade.

Assim sendo, como foi possível a beligerância portuguesa e, o que

é mais, como é que esta surgiu a partir de um pedido formal da Grã-

-Bretanha? Simplificando uma situação complexa, o motivo resume-se

numa palavra: França! Paris tinha uma posição oposta à britânica. Havia

razões políticas e ideológicas para isso: Portugal e a França eram duas

das três repúblicas existentes na Europa de 1914, pelo que a sua aproxi-

mação era natural. Acresce a isto que, embora em França se formassem

durante a guerra governos de coligação, eles tendiam a ser dominados

pela esquerda francesa, que tinha simpatia pelos radicais republicanos

guerristas. É o caso em particular de Aristides Briand, que governou a

França no período decisivo para a beligerância portuguesa (e acumula-

va com o cargo de Ministro dos Negócios Estrangeiros).

Page 50: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

48

As razões ideológicas, porém, não eram as principais, como normal-

mente acontece. A França sabia que o seu aliado britânico tinha assina-

do duas convenções secretas com a Alemanha para dividir as colónias

portuguesas, uma delas nas vésperas da guerra (em 1912; a outra é de

1898) e ressentia o facto de ter sido deixada de fora em ambas as oca-

siões. Sabia que a guerra seria longa e não era claro o seu desenlace,

podendo muito bem terminar numa paz de compromisso, sem um ven-

cedor evidente. Se isso acontecesse, a Grã-Bretanha podia ser tentada

a procurar um entendimento com a Alemanha de forma independente

da França, usando nomeadamente o acordado nas convenções secretas.

Era do interesse francês impedir que isto acontecesse e a melhor manei-

ra de o conseguir era trazer Portugal para a guerra. Se Portugal fosse

beligerante, pensava a França, o eventual entendimento anglo-alemão

para uma paz de compromisso por cima da sua cabeça seria mais difícil.

Paris tinha igualmente uma leitura diferente da britânica da situa-

ção na Península: para ela, a beligerância portuguesa era uma forma de

conter a Espanha e de a manter neutra ou até mesmo de a trazer para a

guerra ao lado dos Aliados; Londres tendia a valorizar sobretudo o fac-

to de a beligerância portuguesa ser entendida pelos germanófilos espa-

nhóis como uma provocação, que iria incentivar a tentação de anexar

Portugal aproveitando a guerra para isso.

Devo acrescentar que, até Maio de 1915, prevalecia nos Aliados a

política de cautela britânica, pois a Itália era neutra e isso colocava pro-

blemas na balança de forças no Mediterrâneo. Em Maio de 1915 a Itália

entra na guerra ao lado dos Aliados, pelo que desaparece em larga me-

dida o pretexto para recusar a beligerância portuguesa e a França tem

maior margem de manobra.

Significa isto que a beligerância portuguesa não se decide meramente

numa luta entre guerristas e anti-guerristas nacionais. Ela decide-se so-

bretudo numa luta diplomática entre a Grã-Bretanha e a França, a pri-

meira apoiando os seus aliados anti-guerristas e a segundo incentivan-

do os seus aliados guerristas. Os anti-guerristas eram os aliados natu-

rais da Grã-Bretanha, apesar de os guerristas os acusarem sempre de

serem “germanófilos” – uma das muitas mentiras oficiais da guerra. Os

documentos internos britânicos não deixam qualquer dúvida neste cam-

po e não escondem o profundo desprezo do Governo de Sua Majesta-

Page 51: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

49

de pelos guerristas, esses “mesquinhos oportunistas” (sic!) que na visão

dos responsáveis britânicos colocavam sempre os interesses partidários

à frente dos nacionais.

A quarta ilusão – uma França apagada perante uma Grã-bretanha

activa

Resumindo muito uma situação longa e complexa, é a França que

permite a beligerância portuguesa, aliando-se aos guerristas radicais re-

publicanos e torcendo o braço à Grã-Bretanha.

Uma primeira tentativa surge logo em Setembro de 1914, quando Pa-

ris, sem o prévio consentimento de Londres, pede a Lisboa a cedência

de peças de artilharia Schneider TR75, que tinha vendido a Portugal no

reinado de D. Carlos. A Grã-Bretanha é colocada perante um facto con-

sumado e a única coisa que pode fazer é insistir junto de Portugal para

que as peças sejam enviadas sem artilheiros, de modo a que o pedido

francês não se traduza por uma beligerância.

O jogo britânico é muito hábil, como é normal, e acaba por ser bem

sucedido, como é igualmente normal. O que Londres faz é fingir apoiar

o pedido da França, mas sempre salientando que só devem ser envia-

das as peças, sem os homens. Quando os guerristas portugueses (enca-

beçados nesta altura pelo Ministro da Guerra Pereira de Eça) insistem

para enviar os homens, a Grã-Bretanha inicia “negociações” para for-

mar uma divisão a mandar para França, mas sempre com a intenção de

provar a portugueses e a franceses que isso não é possível.

Como era de prever, os portugueses não tardam a confirmar que

não conseguem formar a curto prazo uma divisão moderna. Ao mesmo

tempo, a Grã-Bretanha incentiva os anti-guerristas portugueses a im-

pedirem a beligerância forçada, nomeadamente passando os seus do-

cumentos diplomáticos secretos ao chefe da oposição (o anti-guerris-

ta Brito Camacho)5. Tal como Londres esperava, Brito Camacho escre-

5 Carnegie, o ministro britânico em Lisboa, dirá mais tarde que formalmente foi o Ministro dos Negócios Estrangeiros Freire de Andrade (um republicano moderado anti-guerrista) que passou estes documentos a Brito Camacho, mas não esconde o seu contentamento por este desenvolvimento, referindo que mantinha contactos extra-oficiais com Freire de Andrade, que considerava um amigo.

Page 52: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

50

ve uma série de artigos no seu jornal (A Luta) onde denuncia a mentira

do Governo a partir dos documentos britânicos. O que ele diz é muito

simples: a Grã-Bretanha não pede a beligerância e faz tudo o que pode

para a evitar; são os guerristas no Governo que a pretendem forçar por

motivos partidários; Portugal deve aceitar os pedidos feitos em nome

da Aliança, mas não deve forçar a beligerância. Estes serão os pilares

da política dos anti-guerristas que, ao contrário do que diz a propagan-

da guerrista, não são germanófilos, mas sim amigos da Grã-Bretanha6.

Ilustração Portuguesa de 10 de Maio de 1915

Brito Camacho discursa no Congresso do Partido Unionista, que dirige. Brito Camacho

será o principal teórico do anti-guerrismo nacional nos primeiros anos. Defende duas teses

centrais: Portugal deve aceitar os pedidos feitos em nome da Aliança, mas não deve forçar

a beligerância; em caso de beligerância, Portugal deve lutar em África e nos Oceanos, mas

não enviar tropas para França. De notar que na mesa do Congresso do Partido se sentam

militares fardados, o que era uma coisa normal.

6 Há efectivamente uma corrente germanófila em Portugal, mas muito diminuta. Ela reduz-se praticamente à pequena corrente monárquica miguelista, sem abran-ger a nova direita monárquica, nomeadamente os jovens integralistas. Mesmo os miguelistas estão sobretudo ligados à Áustria e não à Alemanha

Page 53: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

51

O resultado é que em fins de 1914 nasce em Portugal um amplo mo-

vimento anti-guerrista, que interpreta o sentimento maioritário da Na-

ção e das Forças Armadas – ele nasce em larga medida a partir das For-

ças Armadas. Este processo conduz a quatro consequências directas.

Em primeiro lugar, o Ministro da Guerra Pereira de Eça fica isolado

no Governo e nas Forças Armadas e é obrigado a deixar seguir as pe-

ças sem os artilheiros, tal como Londres queria desde o começo. A vin-

gança de Pereira de Eça é que as peças seguem sem munições e como

usam uma munição diferente da francesa (apesar de serem peças ven-

didas pela França) não têm qualquer utilidade para os Aliados, acaban-

do por ficar nos armazéns britânicos – devo acrescentar que isto pouco

importa, pois Portugal envia 48 peças TR75, quando a França tem no

seu Exército, em Agosto de 1914, mais de cinco mil.

Em segundo lugar, o envio das peças, tal como Londres esperava,

não provoca a guerra e desaparece o pretexto francês para provocar a

beligerância. O resultado é que quando, em meados de 1915, o Gover-

no Português guerrista (posterior à queda de Pimenta de Castro) insis-

te em enviar a divisão para França, a Grã-Bretanha responde que já não

está interessada e aconselha calma e prudência, sem se provocar um

corte com a Alemanha!

Em terceiro lugar, os artigos de Brito Camacho, escritos com o conhe-

cimento direto dos documentos secretos britânicos, desencadeiam um am-

plo movimento anti-guerrista interno contra a tentativa radical de forçar a

beligerância. O movimento parte de uma aproximação entre os republi-

canos moderados (representados nesta altura principalmente pelo Presi-

dente da República, Manuel de Arriaga) e o corpo de oficiais das Forças

Armadas, que é o centro dos protestos contra tentativa radical de lançar

Portugal na guerra. O resultado é o “movimento das espadas”. Pela pri-

meira vez os oficiais do Exército se pronunciam por larga maioria contra

a beligerância e permitem que Manuel de Arriaga forme o governo do ge-

neral Pimenta de Castro em começos de 1915. Este anula a mobilização

da divisão a mandar para França, com o aplauso entusiástico da Grã-Bre-

tanha – os anti-guerristas provam ser os aliados de Londres em Portugal.

A quarta consequência deste processo é a revolução de Maio de 1915,

que derruba violentamente Pimenta de Castro e repõe os guerristas no

Page 54: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

52

poder – a mais sangrenta de todas as revoluções, com cerca de um mi-

lhar de baixas entre mortos e feridos.

A quinta ilusão – é a Grã-bretanha que desencadeia a

apreensão dos navios alemães

Os anti-guerristas são derrotados na revolução de Maio de 1915 e o

seu entendimento de base muito amplo é provisoriamente desfeito, mas

sabem que continuam a contar com o apoio da Grã-Bretanha e não duvi-

dam que as tentativas de forçar a beligerância são provocadas por razões

partidárias. Todas as memórias e todas as descrições referem um ponto:

a perspetiva da beligerância não provocava qualquer “explosão patrió-

tica” em larga escala, mas antes o temor e a resistência passiva e ativa.

A posição de Londres não muda. Quando os novos governos guerris-

tas apelam para o Aliado para permitir que se declare guerra à Alema-

nha, a resposta é muito clara: Portugal é independente e pode fazer o

que bem entender; mas, se declarar guerra à Alemanha, não deve contar

com o apoio do Aliado. É uma resposta suficiente para acalmar os ânimos

dos guerristas durante 1915, quando a situação interna se agrava com a

falta de créditos, de divisas e o começo da fome e das fortes carências.

Em fins de 1915 tudo muda. Portugal, por um lado, não aguenta mais

o esforço financeiro e está sem divisas para comprar os imprescindíveis

alimentos, sobretudo a carne e os cereais da América. A falta de alimen-

tos é especialmente preocupante para os Governos guerristas, pois eles

sabem que a fome generalizada será fortemente sentida nas cidades e

rouba-lhes o seu já frágil apoio. Em fins de 1915 Afonso Costa pede um

crédito urgente de 2 milhões de libras a Londres, referindo que o que

está em jogo é a continuação do Governo e envia uma representante

especial para negociar os pormenores, dizendo-se disposto a todas as

contrapartidas para obter as libras7.

7 Telegrama de Carnegie a Sir Edward Grey de 28 de Dezembro de 1915. PRO FO 371/2759. O representante não é um português, mas sim o Sr. Bleck, um britânico, muito bem relacionado com a comunidade inglesa em Portugal e próximo de Afonso Costa.

Page 55: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

53

Nesta mesma altura João Chagas (Ministro de Portugal em Paris) cha-

ma a atenção do Governo Francês para a aflitiva situação interna dos

radicais portugueses e pede uma sua urgente intervenção junto da Grã-

-Bretanha. É então que a França se lembra de uma solução excelente do

ponto de vista dos guerristas: porque não requisitar os cerca de 80 na-

vios alemães que se tinham abrigado nos portos portugueses, alugan-

do-os em seguida à França, que estava muito necessitada de fretes? Este

aluguer solucionava o problema financeiro nacional e levaria Portugal

para a guerra, como a França pretendia. Em fins de Dezembro de 1915

a França informa a Grã-Bretanha que vai pedir a Portugal a requisição

dos navios alemães, apresentando o assunto como resolvido e não aber-

to a qualquer discussão8.

Londres desde há meses que acompanha a situação dos navios ale-

mães em Portugal e procurava uma solução para os conseguir sem que

isso provocasse a beligerância portuguesa. Perante a atitude de força

francesa a alternativa britânica é muito simples: ou deixa que o assun-

to passe para as mãos de Paris, o que significava que Portugal entra na

guerra apoiado pela França e, possivelmente, isto representa o fim da

secular Aliança; ou assume ela a chefia do processo. É por esta última

possibilidade que a GB acaba por optar e, a 30 de Dezembro, Sir Edward

Grey informa o Governo Francês que vai dar indicações em Lisboa para

se requisitarem os navios alemães, acrescentando que são para ser usa-

dos pela Grã-Bretanha e o processo será conduzido ao abrigo das rela-

ções da Aliança9. Londres esclarece que como contrapartida está dispos-

ta a aceder ao pedido de ajuda financeira apresentado por Afonso Costa.

É este processo que vai permitir aos guerristas alcançarem o seu

objectivo central de forçar a beligerância e manter-se no poder – se

os créditos britânicos os radicais seriam derrubados a curto prazo. Do

ponto de vista nacional o que desencadeou o processo foi o pedido de

8 Telegrama do Governo Francês ao seu representante em Londres a 23 de Dezembro de 1915. Arquivos Nacionais Franceses 1CPCPM1245. A nota oficial fran-cesa é entregue ao Governo de Sua Majestade a 29 de Dezembro, sem ter passado sequer por uma consulta prévia com o Governo Português.

9 Telegrama de Sir Edward Grey ao Ministro Britânico em Lisboa, Carnegie, datado de 30 de Dezembro de 1915.

Page 56: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

54

ajuda financeira apresentado por razões partidárias (manter o Governo

no poder10). Paris não só se diz disposta a avançar isoladamente, como

a arcar com todas as suas consequências, armando e financiando o es-

forço bélico português se a Alemanha declarar guerra. A Grã-Bretanha

é obrigada a avançar.

A sexta ilusão – uma organização militar semelhante às outras

Um dos maiores erros da visão tradicional é a de tratar a instituição

militar nacional como sendo semelhante à dos restantes beligerantes,

distinguindo-se deles somente pela dimensão. Há mesmo quem diga que

a guerra devolve às Forças Armadas uma unidade que antes lhes falta-

va. O que acontece é justamente o contrário: as Forças Armadas eram

uma sombra de si próprias e a guerra aumenta as divisões profundas

que já existiam.

A realidade é que as Forças Armada portuguesas eram em começos

de 1916 um resultado dos seis anos de grande confusão anteriores. Eram

forças indisciplinadas, mal equipadas, divididas, profundamente parti-

darizadas, não preparadas para uma guerra europeia e moderna, não

apoiadas por um sentimento nacional favorável à beligerância, confu-

sas e mal organizadas.

Como se chegou aqui? Como foi possível que Forças Armadas que

tinham levado a cabo dezenas de operações bem sucedidas fora da Eu-

ropa em 1890-1910, produzissem, mesmo em África, os resultados que

se obtiveram em 1914-1918? Não foi por acaso! A principal causa foi a

política militar do regime em 1910-1916, que provocou o caos e a poli-

tização de forma sistemática, não por incompetência dos governos, mas

por uma estratégia partidária consciente e friamente executada. É claro

que não se tratava de uma política nacional. Era a política dos guerris-

tas radicais republicanos, que sabiam que tinham de destruir as antigas

Forças Armadas para consolidarem o seu poder.

10 Afonso Costa tem mesmo o cuidado de pedir a Londres que o pedido de crédito seja tratado como assunto “particular” e não oficial, pelo que o problema é colocado ao Lloyd’s & Brown em primeiro lugar, só se pedindo o apoio do Governo de Sua Majestade. Carta de Sir Edward Grey ao Chanceler do Tesouro de 6 de Janeiro de 1916. PRO FO 371/2759.

Page 57: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

55

Em termos simples, o novo regime nasce em larga medida pela para-

lisação das Forças Armadas, que no essencial não se mostraram dispos-

tas a defender a Monarquia, mas também não apoiam a República. O 5

de Outubro conta inicialmente com 9 oficiais do Exército, mas nem um

está presente depois das 9h da manhã de 4 de Outubro (retiram-se to-

dos quando consideram o movimento derrotado). Só um oficial general

está do lado republicano e este suicida-se por considerar igualmente o

movimento derrotado (é o Almirante Cândido dos Reis).

O regime, em resumo, não confia no corpo de oficiais e, em particu-

lar, no corpo de oficiais do Exército, que considera um perigo. É perante

este pano de fundo que os radicais republicanos concebem uma estra-

tégia para consolidar o seu poder e para neutralizar o perigo que pode

vir do corpo de oficiais. Esta estratégia será sistematicamente executada

pelo poder radical em 1910-1916 e pode ser resumida em seis pontos:

a) Incentivar a formação de grupos de civis armados com in-

filtrações nos quartéis, que possam derrotar um eventual

golpe militar monárquico ou conservador.

b) Colocar os apêndices destes grupos de civis armados a vigiar

o corpo de oficiais nos quartéis, de modo a denunciarem

qualquer oficial que se mostre anti-radical ou anti-regime. Os

oficiais denunciados politicamente pelos comités de cabos

e sargentos, tinham a sua carreira prejudicada e iam parar a

guarnições de província ou ao serviço nas colónias.

c) Organizar autonomamente o pequeno número de oficiais

republicanos radicais, colocando-os nos pontos-chave, no-

meadamente no Estado-Maior. O grupo mais conhecido era o

dos chamados “jovens turcos”. É claro que a organização em

“clube secreto” dos oficiais radicais, provoca um movimento

de organização semelhante das outras correntes, levando a

uma rápida partidarização do corpo de oficiais.

d) Acabar com os programas de modernização do Exército

que tinham começado com D. Carlos e apoiar fortemente

os programas de crescimento da Armada, nomeadamente o

chamado projeto da “Grande Esquadra”. Como os gigantes-

cos planos navais não se concretizam, em larga medida por

falta de apoio da Grã-Bretanha, a realidade é que em 1914

Page 58: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

56

tanto o Exército como a Armada tinham um armamento e

equipamento mal adaptados a uma guerra moderna. Curiosa-

mente isto era particularmente verdade em relação à Armada,

pois o Exército, apesar de tudo, ainda tinha o armamento

relativamente moderno trazido pelos programas de D. Carlos.

e) Acabar com o Exército semi-profissional que vinha da Mo-

narquia, com um numeroso quadro de oficiais permanentes

e criar em sua substituição um Exército do cidadão-soldado,

com um forte componente de oficiais milicianos. É o pro-

jeto de 1911 que adota como exemplo a republicana Suíça

e pretende reduzir amplamente o corpo de oficiais perma-

nente. O projeto não se concretiza por várias razões, mas o

Exército que existia fica ameaçado de extinção, em particular

o corpo de oficiais. O resultado é que, em 1914, Portugal

nem tem o Exército eficaz da Monarquia, nem o novo do

modelo “miliciano”, mas sim uma situação híbrida, que não

funciona em nenhuma das lógicas.

f) Criar ou incentivar as organizações militares que possam ser

um opositor ao Exército no domínio das ruas de Lisboa, em

coligação com os grupos de civis armados, nomeadamente a

GNR e a Armada (concentrada em Lisboa, como a sua única

base, com quarteis e estaleiros).

É este conjunto de circunstâncias que temos de levar em conta quan-

do comparamos as Forças Armadas nacionais de 1916 com as do resto

da Europa. As portuguesas são simplesmente o resultado monstruoso

de seis anos de política de destruição levadas a cabo pelos republicanos

radicais. As Forças Armadas não têm armamento ou equipamento mo-

derno, nunca foram pensadas para uma guerra na Europa, estão parti-

darizadas a todos os níveis, estão amplamente divididas, os sargentos

vigiam e denunciam os oficiais, os oficiais do corpo permanente estão

ameaçados de extinção e desconfiam de tudo que venha do poder po-

lítico, não têm programas de modernização efetivos, não têm apoio ex-

terno para uma qualquer modernização, vivem com falta de tudo, numa

extrema indisciplina e infiltradas por grupos de civis armados.

Ninguém conhecia esta realidade melhor que os observadores es-

trangeiros em Lisboa, tanto os alemães, como os britânicos e franceses.

Page 59: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

57

Esses não tinham qualquer ilusão sobre a real eficácia das Forças Ar-

madas nacionais, ao contrário do que acontece com muitos dos histo-

riadores posteriores.

Reproduzimos somente alguns excertos dos telegramas dos repre-

sentantes Aliados em Lisboa sobre este aspeto, sendo certo que cita-

ções como estas se podem encontrar às dezenas para todo o período

de 1914 a 1918.

Carnegie, o ministro britânico em Lisboa escreve na altura da beli-

gerância11: “O Exército Português não tem equipamento, disciplina ou

organização e o seu entusiasmo pela nossa causa é reduzido, se é que

existe; se fizermos alguma sugestão que os seus serviços no estrangeiro

podem ser necessários, uma mobilização geral provavelmente provoca-

rá um outro movimento militar que se pode revelar desastroso para os

nossos interesses em Portugal”.

Daeschner, o ministro francês em Lisboa, resumindo a opinião dos

adidos de defesa e das missões militares francesas, avisa quase na mes-

ma altura que Portugal poderia fornecer uma força de 50 a 60 mil ho-

mens, mas ela seria de uma imensa ineficácia12. Explica que o problema

não é a falta de equipamento ou armamento, pois esse poderia ser for-

necido pela França, mas sim a total falta de preparação para uma guer-

ra moderna e, acima de tudo, “a completa falta de disciplina a todos os

níveis e a oposição declarada de um corpo de oficiais onde dois terços

são claramente hostis à guerra e dizem-se dispostos a favorecer qualquer

movimento sedicioso que impeça uma mobilização”.

Os representantes Aliados em Lisboa sabiam do que estavam a fa-

lar. Efetivamente, as Forças Armadas nesta altura eram uma “multidão

indisciplinada”, nas palavras de Carnegie, onde a maioria do Corpo de

Oficiais era anti-guerrista e esperava a primeira oportunidade para der-

rubar o governo guerrista, que considerava anti-patriótico, empenha-

do em provocar uma beligerância que seria um desastre nacional. Esta

era a realidade das Forças Armadas em 1914-1916, como os bem infor-

11 Telegrama de Carnegie ao FO em Londres de 16 de Março de 1916. PRO FO 371/2761.

12 Telegrama de Daeschner ao Ministério dos Negócios Estrangeiros da França a 30 de Abril de 1916. Service Historique de La Defense, GR5N135

Page 60: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

58

mados representantes Aliados referem. Querer comparar esta institui-

ção militar com a britânica, a alemã ou mesmo as dos pequenos pode-

res como a Bélgica ou a Sérvia, é ridículo.

O grande paradoxo dos guerristas, o paradoxo que eles próprios pro-

vocaram, foi que durante seis anos empenharam-se em destruir as For-

ças Armadas como instituição militar eficiente, o que lhes permitiu no-

meadamente obter a vitória na revolução de 1915. Passados esses seis

anos, viram-se obrigados a pedir às Forças Armadas que participassem

numa guerra europeia. Com a agravante que não era uma guerra qual-

quer: era a frente mais exigente da maior guerra da humanidade até en-

tão. É um paradoxo que ultrapassa o mero nível da incompetência ou

estupidez política, para atingir os contornos de alguém que se deixa ce-

gar por motivações partidárias, estabelecendo objectivos que nada têm

a ver com a realidade. O problema dos militares portugueses é que fo-

ram apanhados nesta armadilha montada por políticos de um irrealismo

colossal, sem a conseguir impedir, apesar de o terem tentado.

A setima ilusão – foi a Grã-bretanha que pediu a formação do CEP

A visão tradicional portuguesa quer fazer acreditar que foi a GB que

pediu a criação do CEP, donde se pode inferir que se houve algum erro

de avaliação… ele foi britânico, por ter exigido demasiado.

Como sempre acontece quando tratamos da Grande Guerra, a reali-

dade é exatamente o contrário. A Grã-Bretanha, que foi obrigada a en-

golir a beligerância portuguesa contrariada, não queria a formação do

CEP e fez tudo o que pode para o impedir! A posição britânica comu-

nicada a Lisboa logo em Março de 1916, pouco depois da declaração

de guerra, é que o esforço militar nacional se deve concentrar na defe-

sa dos portos e navegação e no envio de forças para África, onde de-

vem colaborar com a campanha Aliada para ocupação da África Oriental

Alemã, invadindo-a a partir de Moçambique13. A França não é mencio-

13 A África Oriental Alemã era a última das colónias alemãs ainda não totalmente ocupada pelos Aliados. Estava em curso uma campanha em que as forças Aliadas (britânicos, belgas, sul-africanos e indianos entre outros) avançavam lentamente a

Page 61: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

59

nada e o comando militar britânico é muito claro: nem queremos pen-

sar na possibilidade de aceitar forças portuguesas na Frente Ocidental!

É Afonso Costa que dirige as negociações sobre as condições da be-

ligerância com o Aliado e, como seria de esperar, é muito hábil. Afon-

so Costa diz à Grã-Bretanha algo muito simples, mas muito efectivo:

está tudo interligado, de modo que, se querem receber os navios tem

de aceitar o envio de tropas para França e o apoio financeiro ao esfor-

ço de guerra. Se isto for concedido então os navios serão entregues ex-

clusivamente à Grã-Bretanha14 e mesmo outros aspectos em aberto se-

rão decididos de forma favorável, como seja a concessão do caminho

de ferro de Benguela e o controlo da Companhia do Niassa – assuntos

em discussão desde há anos. A Grã-Bretanha hesita e procura negociar,

confirmando que Afonso Costa, que mantém o controlo destes assuntos

diretamente nas suas mãos, é um negociador temível15. A sua tática é

simples: está tudo ligado; ou aceitam tudo ou recusam tudo. A Grã-Bre-

tanha sente-se tentada a recusar tudo.

Quem altera a situação a favor de Portugal é, mais uma vez, a Fran-

ça. O Governo Francês tinha já consultado o General Joffre16 sobre um

eventual envio de forças portuguesas para França. A resposta é que os

relatórios do adido militar francês em Lisboa mostravam que a capaci-

dade operacional do Exército Português era “limitada” e que os oficiais

não apoiavam o esforço de guerra, mas, apesar disso, seria útil o en-

vio de uma ou duas divisões. Joffre pensa que estas podem ser usadas

num sector calmo da frente, libertando duas divisões francesas, embo-

ra acrescente que não serão usadas autonomamente, mas inseridas num

partir do Norte e do Oeste. Portugal tinha enviado várias expedições para o Norte de Moçambique e os Aliados pediam que estas forças passassem o Rovuma a inva-dissem a colónia alemã.

14 A situação dos navios é complexa. Portugal quer reter para si cerca de 20% dos navios alemães. Dos restantes 80% a França e a Itália reclamam uma parte, enquanto a Grã-Bretanha lhes recorda que é ela que tem a aliança com Portugal, pelo que os navios devem ir na totalidade para ela, depois se vendo uma eventual distribuição dos fretes.

15 Estou a resumir um assunto complexo em poucas palavras, pois este braço de ferro com a Grã-Bretanha prolonga-se por vários meses.

16 O General Joffre era o comandante em chefe dos Exércitos Franceses, a máxima autoridade operacional francesa.

Page 62: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

60

comando gaulês17. Estamos em 1916, quando a França enfrenta a heca-

tombe de Verdun, onde sofre meio milhão de baixas.

Com esta resposta dos seus militares, o Governo Francês informa

Londres que tenciona mandar uma missão militar a Lisboa para com-

binar a colaboração portuguesa e, acrescenta como se fosse um por-

menor de pouco significado, “seria útil” que ela representasse os dois

países. O Governo de Sua Majestade responde, através de Sir Edward

Grey, que tinha pensado igualmente na formação de uma missão mili-

tar para enviar a Lisboa, mas desistiu recentemente dela. Provavelmen-

te a Grã-Bretanha pensava que o assunto iria morrer com esta respos-

ta, mas a França insiste.

Aristides Briand18 envia um telegrama, em Junho de 1916, às dele-

gações da França em Londres e Lisboa onde diz que se deve tentar ob-

ter o envio de uma força expedicionária portuguesa para colaborar com

os Aliados, seja em França ou em Salónica (Grécia). Era uma posição de

força e, mais uma vez, um cheque mate à relutância da Grã-Bretanha.

O que é dito ao Aliado é muito forte: ou vocês aceitam a força expe-

dicionária portuguesa, ou ela vem para o sector francês através de um

acordo sem interferência da Grã-Bretanha (o que teria, sem dúvida, re-

percussões nos navios).

É preciso explicar a menção a Salónica nesta inesperada tomada de

posição francesa. A Grécia era uma frente recente aberta pelos Aliados

que, perante o falhanço da ofensiva nos Dardanelos, tinham desviado

para Salónica uma parte das forças que retiram da Turquia. A ideia era

convencer a Grécia a entrar na guerra e atacar pelo Sul, de modo a apoiar

a Sérvia. As coisas correram mal desde o primeiro momento e as forças

em Salónica ficaram praticamente inativas até ao final da guerra; só nas

últimas semanas do conflito iniciaram uma ofensiva contra a Bulgária.

17 Este ponto seria um dos mais difíceis de negociar com os Aliados. Portugal insiste sempre para que a sua força seja usada em conjunto e sob comando por-tuguês. Tanto a França como a Grã-Bretanha pretendem o contrário: usar a força portuguesa em unidades menores (a nível de batalhão ou menos) inseridas em unidades próprias tipo brigadas ou divisões.

18 Aristides Brian foi 1º Ministro e Ministro dos Negócios Estrangeiros da França de 29 de Outubro de 1915 a 20 de Março de 1917. Telegrama de 17 de Junho de 1916 no Arquivo Diplomático Francês 1PCOM638.

Page 63: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

61

Em 1915, João Chagas19 menciona ao Governo Francês de forma in-

direta a possibilidade de enviar tropas portuguesas para reforçar Saló-

nica – era uma maneira de forçar a Grã-Bretanha a aceitar a beligerân-

cia portuguesa. O Governo Francês não dá seguimento à proposta, mas,

em Junho de 1916, decide recuperar a possibilidade de Salónica, possi-

velmente pensando que seria mais aceitável para Londres.

Perante a posição de força de Paris, a Grã-Bretanha é obrigada a re-

cuar. O Governo de Sua Majestade explica ao comando militar britâni-

co em França que é obrigado a aceitar uma força expedicionária portu-

guesa por razões políticas.

Em fins de Junho de 1916, Afonso Costa e Augusto Soares chegam a

Londres para as negociações finais. Afonso Costa dá mais um passo nas

suas exigências e afirma que, embora “todo o povo português” queira

participar na guerra ao lado dos Aliados20, há “alguma” (sic!) relutância

em “certos sectores” do Exército em aceitar o envio de forças para Fran-

ça, pelo que… precisa de receber um pedido oficial do seu Aliado em

nome da Aliança. Sir Edward Grey ainda se procura defender, dizendo

que não gostaria de fazer pedidos em nome da Aliança que criem a im-

pressão no povo português que é a Grã-Bretanha que pressiona. Afon-

so Costa, porém, insiste; afirma de forma muito clara que precisa desse

pedido para impedir que surja uma reacção negativa do Exército, seme-

lhante ao movimento das espadas. Perante isto e, sobretudo, perante a

posição francesa, Londres cede mais uma vez. Em Julho de 1916, o Go-

verno Português recebe uma nota do seu Aliado onde é “convidado” a

colaborar mais ativamente na Europa ao lado dos Aliados21.

Esta negociação é particularmente elucidativa e prova várias coisas:

a) A pressão da França continua a ser essencial para permitir aos

guerristas alcançarem os seus objectivos.

19 João Chagas era um guerrista ferrenho e foi designado para chefiar o primeiro governo formado depois da vitória da revolução de Maio de 1915. Era nesta altura o representante de Portugal em Paris.

20 Os representantes diplomáticos Aliados em Lisboa diziam justamente o con-trário: não havia qualquer entusiasmo pela beligerância e o movimento anti-guerrista era muito forte nas Forças Armadas.

21 Estou a resumir em poucas palavras uma documentação vasta e complexa que se encontra no PRO/NA, nomeadamente em FO 371/261.

Page 64: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

62

b) Os guerrista têm plena consciência da fragilidade interna da sua

posição e temem a reacção das Forças Armadas e, em particular,

do Exército.

c) Para a evitar, Afonso Costa é obrigado a apresentar o envio da

força para França como um “pedido” britânico, justamente o

contrário da realidade.

No final destas negociações, Sir Edward Grey está de tal modo can-

sado dos portugueses e dos truques dos guerristas que parece inclina-

do a aceitar a ideia de “entregar” o CEP aos franceses. O Governo Fran-

cês é consultado nesse sentido e responde22 que está disposto a acei-

tar as forças portuguesas, mas insiste no envio prévio de uma missão

militar conjunta a Lisboa. Edward Grey propõe então que a chefia des-

ta missão seja deixada aos franceses, uma indicação que as tropas por-

tuguesas deverão ir para o seu sector.

É o Ministério da Guerra (War Office) que o faz recuar, recordando

o que seriam as consequências deste facto para a Aliança – na prática

era deixar Portugal passar para a esfera de influência francesa no futuro.

Sir Edward Grey reconhece o facto e faz relutantemente marcha atrás.

Assim sendo, a Grã-Bretanha insiste junto de Paris para que a missão

militar seja chefiada pelo general Barnardiston, o que é aceite23.

O problema do enquadramento das tropas portuguesas no sector in-

glês ou francês ainda será objeto de uma discussão acesa entre os dois

Aliados (Grã-Bretanha e França), sem que Portugal se aperceba sequer

do que se está a passar. Resumindo um assunto complexo que se arras-

ta por meses, podemos dizer que a França insiste que as tropas portu-

guesas vão para o seu sector e a Grã-Bretanha hesita. O Comando mili-

tar Britânico em França favorece essa solução, mas o War Office e o Fo-

reign Office, em Londres, consideram com alguma razão que isso seria

22 Telegrama para Londres de 5 de Julho de 1916. Arquivo Diplomático Francês 1CPCOM638.

23 PRO/NA FO 371/2761. É de notar que Afonso Costa insiste que está tudo ligado: “beligerância, navios alemães, Niassa”, pelo que só se pode decidir em conjunto – ou tudo ou nada. Não há dúvida que Afonso Costa era o mais hábil dos políticos portugueses, coisa que os ingleses são os primeiros a salientar. Infelizmente para Portugal, era também o mais radical dos guerristas.

Page 65: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

63

desastroso para o futuro da secular Aliança. No final, o assunto é deci-

dido pelo Governo de Guerra (War Gabinet) e a decisão é de incluir os

portugueses no sector britânico. O comando militar britânico em Fran-

ça é obrigado a aceitar a decisão política, mas relutantemente e já na

previsão do pior.

A França ainda reclama insistindo na sua posição, mesmo em fins de

1916, quando as primeiras tropas estão a seguir via Espanha (o contin-

gente inicial de 150 militares). O assunto acaba por ser decidido defi-

nitivamente graças a uma iniciativa de Norton de Matos junto do gene-

ral Barnardiston, que se tornou no principal representante militar Alia-

do em Lisboa. O que o Ministro da Guerra lhe diz, é que Portugal quer

enviar uma força expedicionária para combater ao lado do seu secu-

lar Aliado e que qualquer outra solução provocaria problemas internos,

pois o “povo português” e o Exército não a entenderiam. Norton de Ma-

tos faz o mesmo que Afonso Costa tinha feito: transforma a fragilida-

de inegável da posição guerrista num argumento para convencer o re-

lutante Aliado, não hesitando em reconhecer a verdade: a maioria das

Forças Armadas era contra o envio de forças para França – com toda a

razão, pois conheciam a realidade militar – e, por esse motivo, era ne-

cessário criar a aparência que este envio era feito a pedido do Aliado.

Londres dá então indicações aos seus representantes em Lisboa (Car-

negie, na parte diplomática, e Barnardiston, na parte militar) no sentido

de se aceitar a participação de forças portuguesas no sector inglês. Se

a França insistir, é sugerido que Portugal deve propor o envio das suas

forças para Salónica, de modo a ficarem inseridas num comando britâ-

nico. Salónica regressa assim à equação militar portuguesa, agora pela

mão dos britânicos e não dos franceses.

O problema de Salónica não tem seguimento porque a França acei-

ta que o CEP seja integrado no sector britânico. Os primeiros contin-

gentes embarcam em navios ingleses em Janeiro de 1917, depois de um

pequeno grupo de 150 militares, que seguiu em fins de 1916 por com-

boio pela Espanha, fazendo-se passar por civis.

Page 66: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

64

A oitava ilusão – o 9 de abril era inevitável

O futuro do CEP foi decidido nestas curtas semanas de fins de 1916,

entre a Grã-Bretanha e a França. Se o CEP tem ido para o sector fran-

cês, seria colocado na parte mais a Sul da frente, onde não ocorreram

ofensivas importantes de qualquer dos lados entre Setembro de 1914

e o fim da guerra. Nesse caso, o CEP nunca teria de enfrentar um forte

ataque alemão e teria sobrevivido intacto até ao final da guerra, mas o

futuro da Secular Aliança teria sido diferente.

Se isto não aconteceu, foi porque o envio do CEP para o sector fran-

cês não era aceitável pelos guerristas. Eles queriam que a força portu-

guesa fosse inserida no sector britânico, pois pensavam que só assim se

reforçaria a relação com Londres e, sobretudo, se silenciariam os anti-

-guerristas que dominavam o Exército, apresentando a organização do

CEP como uma obrigação da Aliança, o contrário da realidade.

Mais uma vez os guerristas alcançaram os seus objetivos imediatos,

mas falham por completo nos objetivos de médio prazo. O comando mi-

litar britânico em França recebe o CEP contrariado e, desde o primeiro

momento, mantém com ele uma relação tensa e difícil.

A relação é agravada pela infeliz escolha do inepto general Fernan-

do Tamagnini para comandar o CEP, pois era um dos mais incompeten-

tes generais portugueses, sem nunca ter comandado homens em com-

bate, sem arte de organização e de Estado Maior, sem capacidade de li-

derança, sem diplomacia, sem convicções, sem imaginação para impro-

visar, sem nada do necessário, em resumo. O comando militar britâni-

co tem desde o primeiro momento uma péssima opinião de Tamagnini,

que associa a uma excelente opinião sobre Gomes da Costa ou sobre o

Coronel Baptista – o competente oficial de Estado Maior (um guerrista,

é evidente) que era quem, na realidade, organizava o CEP por detrás

da fachada de Tamagnini.

Os oficiais anti-guerristas do Exército, embora num primeiro momen-

to ficassem convencidos pela cortina de fumo que o CEP era uma obri-

gação da Aliança, não tardam a aperceber-se da verdade: o CEP é uma

Page 67: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

65

invenção dos guerristas que a Grã-Bretanha só aceitou relutantemente

e ao fim de muita resistência.

Portugal tem o triste destino de organizar a sua maior força expe-

dicionária de sempre para a Europa numa situação em que o apoio do

seu Aliado foi obtido a ferros com a pressão permanente da França, en-

quanto o entusiasmo das tropas é nulo e a oposição activa da maioria

dos oficiais é muito forte. É preciso acrescentar que isto ocorria numa

situação em que o CEP dependia em tudo do apoio da Grã-Bretanha: fi-

nanciamento, transporte, armamento, logística, treino, enquadramento,

meios pesados, apoio aéreo, informações, comando, etc…

A agravar ainda mais o problema, o comando do CEP foi escolhido

por motivações fundamentalmente políticas, sendo comandado por um

general que tinha como principal ponto favorável a sua capacidade de

dizer sempre sim aos guerristas, apoiado pelo pequeno grupo de “jo-

vens turcos” guerristas (principalmente Baptista e Ferrão), mas com a

maioria dos oficiais anti-guerristas – como não podia deixar de ser. As

tensões internas no CEP eram muito fortes, especialmente entre os ofi-

ciais. Os britânicos, por exemplo, ficavam boquiabertos quando viam

oficiais portugueses a falarem contra a guerra nas cantinas, com os pra-

ças a ouvirem tudo. Quando os britânicos faziam alguma observação, os

oficiais portugueses respondiam que era mesmo para os soldados ouvi-

rem… Os britânicos nada entendiam e pensavam que era incompetên-

cia; não era; eram convicções em clima de guerra civil intermitente. O

CEP estava apanhado numa armadilha política mortal.

A nona ilusão – o CEP defendia um sector da frente ocidental

como qualquer outro

Como seria de esperar o comando militar britânico em França vê o

CEP desde o primeiro momento como um perigo e não como uma ajuda.

Ele foi-lhe imposto por razões políticas contra a sua vontade e a preo-

cupação central do marechal de campo Haig é a de criar uma situação

que contenha os perigos potenciais do CEP.

Page 68: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

66

É evidente que o coloca num local calmo, mas isso não é suficien-

te. O comando britânico demora muito tempo a entregar um sector ao

CEP, aguardando que comecem as chuvas do Outono. Escolhe então

um sector onde o terreno se torna intransitável com as primeiras chu-

vas (o Lys, na Flandres), de modo a ter a certeza que os alemães não

vão atacar aí em força, pelo menos até à primavera. O CEP só assume

a responsabilidade do seu sector em Novembro de 1917, quando o ter-

reno já está empapado pelas chuvas, impedindo qualquer ofensiva ale-

mã em larga escala.

A maior parte dos autores portugueses não refere este aspecto par-

ticular e nada mais acrescenta, donde se pode concluir que o sector

do CEP é “normal”, excepto pelo facto de ser um terreno mole que se

transforma facilmente em lama com as chuvas. A realidade, como sem-

pre acontece, é diferente.

A verdade é que o CEP não recebe um “sector” da frente, mas sim

um “semi-sector” ou, caso se prefira, recebe a parte da frente de um sec-

tor de Corpo de Exército. No sistema de defesa em profundidade que

a Grã-Bretanha adopta em 1917 as forças dispõem-se em três níveis: o

primeiro é a zona da frente, com duas a três linhas de trincheiras (li-

nhas A, B e, eventualmente, C). A linha das Aldeias, na sua retaguarda

imediata concentra a grande parte dos efectivos da defesa avançada e

é a verdadeira barreira, normalmente formada por uma série de redu-

tos preparados e interligados que cruzam fogos. A completar o siste-

ma, fica na sua retaguarda a linha do Corpo, onde as reservas do Cor-

po de Exército se colocam, prontas a passar ao contra-ataque em caso

de necessidade. Ainda por detrás fica normalmente a artilharia pesada,

os armazéns, centros logísticos e hospitais. É isto um sistema britânico

completo, escalonado em três níveis, que podem alcançar os 8 a 15km

de profundidade.

O CEP no Lys não defende um sistema completo. Desde o primeiro

momento que os britânicos lhe dizem que as forças portuguesas se de-

vem concentrar na zona da frente (com as linhas A e B) e na Linha das

Aldeias (2 a 4 km na retaguarda). A linha do corpo, por detrás destas,

não é responsabilidade do CEP, mas sim britânica. Desde Novembro de

1917 que o comando britânico destaca duas brigadas em descanso para

Page 69: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

67

ocuparam as posições da linha do Corpo por detrás do CEP (uma para

cada uma das divisões portuguesas). O sector português, não é um sec-

tor… é somente a parte da frente.

É este dispositivo particular que leva a que se escolha a zona do Lys

para colocar o CEP. É o único sector da Frente Ocidental onde, 5 a 7 km

por detrás da terra de ninguém e quase paralelamente a esta, correm

dois cursos de água (o Rio Lys e o Canal Lawe24), que formam uma ex-

celente barreira defensiva. São as tropas britânicas que guarnecem a li-

nha do Corpo por detrás do Lys e do Lawe e são elas que defendem as

pontes destes cursos de água.

É um sistema de cinto e suspensório do ponto de vista britânico.

Foi escolhido um sector onde as condições do terreno tornam quase

impossível um ataque durante o Outono e Inverno. Mas, para maior

garantia, a linha do Corpo é guarnecida por unidades britânicas e está

apoiada em dois cursos de água que são uma excelente barreira natural.

O comando britânico nunca explicou a situação aos portugueses de forma

clara, mas deu-lhes instruções muito elucidativas, que são resumidas por

Gomes da Costa numa frase lapidar: em caso de ataque, “a missão do

CEP é morrer na linha das aldeias”. A missão do CEP, em resumo, é

atrasar o primeiro ímpeto do ataque alemão, dando tempo aos britâni-

cos de fazerem afluir reservas para a Linha do Corpo. O CEP seria des-

feito no processo, mas a Grã-Bretanha não se importava de pagar esse

preço. Isto, obviamente, nunca foi explicado aos portugueses.

Será preciso acrescentar mais alguma coisa sobre a armadilha onde

os guerristas colocaram os militares portugueses? Como se pode pensar

que torcer o braço por várias vezes a um Aliado mais poderoso é um

bom caminho para conquistar o seu respeito e leal colaboração? Foi a

esta triste situação que a política guerrista de forçar a beligerância con-

duziu os militares portugueses! É uma situação que, como tantas outras

coisas, é sistematicamente ignorada pela historiografia nacional, como

se tudo fosse normal...

24 O Lawe é um afluente do Lys transformado em canal no século XIX. Tem uma largura de 10 a 15 m e é atravessado por inúmeras pontes e algumas comportas. É a linha de água por detrás da frente portuguesa. Alguns autores referem-se a ele como o rio Lawe.

Page 70: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

68

A pergunta óbvia é: mas se os britânicos tomaram tantas precauções,

que correu mal no 9 de Abril?

Várias coisas, que provam que, por mais precauções que se tomem,

na guerra tudo pode acontecer. A primeira coisa que correu mal foi a

meteorologia. O Inverno de 1917-1918 foi especialmente frio mas mui-

to seco. O terreno da Flandres que costumava ficar alagado até meados

de Abril, secou a pontos de permitir um ataque alemão em fins de Mar-

ço, ao contrário do que era normal.

A Grã-Bretanha, conhecendo a imensa queda da moral do CEP nes-

se inverno, insiste para que ele seja comandado por oficiais britânicos,

pois conhece a falta de entusiasmo quanto à beligerância dos portugue-

ses. Lisboa recusa em absoluto esta solução. Londres insiste então para

que o CEP passe para a retaguarda desde Janeiro de 1918. O que atrasa

o processo é principalmente a inconsciência do general Fernando Ta-

magnini, que faz tudo o que pode para manter formalmente o seu co-

mando de sector, sem se preocupar muito com o que possa acontecer

aos seus homens. Gomes da Costa, que os ingleses consideravam o úni-

co general do CEP que sabia comandar homens, é favorável à retirada

durante o Inverno. Finalmente, Lisboa cede à pressão britânica em Mar-

ço e aceita a retirada do CEP.

Foi uma cedência demasiado tarde, embora a diferença tenha sido

de escassas 24 horas. A 21 de Março começa a primeira grande ofen-

siva alemã da primavera na zona do Somme (50 km a Sul do sector

português). Haig tinha já sido obrigado a ceder divisões para refor-

çar a frente da Itália no Inverno de 1917-1918. Com a ofensiva de 21

de Março, é obrigado a desviar mais divisões suas da zona da Flan-

dres para o Somme. O resultado é que a retirada do CEP, que che-

gou a estar marcada para Março, é por três vezes adiada pelos britâni-

cos. É preciso ter em conta que Março – Abril de 1918 é o pior perío-

do para os Aliados na Frente Ocidental, uma altura em que o impos-

sível acontece, com os alemães a ameaçarem outra vez Paris e com a

possibilidade da resistência ocidental se desfazer. Perante esta gran-

de crise o CEP e o seu destino pesam muito pouco na cabeça do ma-

rechal de campo Haig.

Page 71: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

69

Finalmente os britânicos começam por reduzir o CEP a uma única

divisão (5 de Abril) e marcam a sua saída da frente para 9 de Abril, co-

locando duas divisões inglesas na retaguarda do dispositivo português.

Pelo menos ficam um pouco mais tranquilos, por afastarem o incom-

petente Fernando Tamagnini do comando e verem a divisão portugue-

sa na frente entregue ao general Gomes da Costa, em quem confiam.

Como se sabe o ataque alemão começa às 4h e 15m de 9 de Abril e

o CEP é desfeito, poucas horas depois de ter sido informado que ia ser

rendido. O CEP efectivamente “morre” na linha das aldeias, como os

britânicos sempre tinham dito que era a sua missão.

Fica no ar uma pergunta: porquê a escolha do dia 9 de Abril pelos

britânicos? Terá sido uma mera coincidência? Um acaso? Mais um episó-

dio do “nevoeiro da guerra”? Não vou responder aqui, mas como sem-

pre acontece no caso da beligerância portuguesa, a realidade é o con-

trário da verdade oficial.

Devo acrescentar que a escolha britânica é perfeitamente lógica e

coerente nas circunstâncias – qualquer general minimamente compe-

tente teria seguido este caminho para minimizar as perdas e aguentar a

grande crise que se vivia, numa altura em que a Frente Ocidental esta-

va efectivamente em perigo. O que não é lógico e coerente são as op-

ções portuguesas. É evidente que a culpa disso não é dos ingleses…

De qualquer modo, o 9 de Abril, que podia ter sido perfeitamente evi-

tado se um pouco mais de realismo tivesse prevalecido e se os incom-

petentes não estivessem em posições de comando, é a conclusão lógica

da política guerrista. Que outra coisa se pode esperar de uma política

que destrói a eficácia do Exército durante seis anos, o torna numa mas-

sa indisciplinada e confusa, o divide em extremo, afasta os oficiais mais

competentes das posições de comando, força o Aliado a aceitar uma so-

lução militar que ele sabe ser desastrosa e, no fim deste imenso rosário

de calamidades, insiste em mandar o CEP para o pior sector (o britâni-

co), da frente mais exigente (a Francesa) da maior guerra da humanida-

de? Há muitas maneiras de errar e de se deixar levar por ilusões ideoló-

gicas. Neste caso, estamos, sem dúvida, no extremo, no campo do erro

colossal, da cegueira mais completa, da total falta de realismo. Não há

Page 72: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

70

dúvida que a historiografia oficial tem muito a esconder. Não há dúvi-

da que o corpo de oficiais portugueses sabia o que fazia e tinha razões

para ser fundamentalmente anti-guerrista.

A decima ilusão – África é diferente da Europa

Outra das mentiras da historiografia nacional tradicional é a de ten-

tar fazer acreditar que África é uma realidade diferente da Europa. Há

uma base factual para isto: os anti-guerristas não apoiavam o envio de

forças para França, mas apoiavam o envio de forças para África, onde

Portugal devia defender as suas colónias. Este era um ponto de consen-

so nacional: nenhuma força política de 1914-1918, dos integralistas aos

anarquistas contesta as colónias; nenhuma põe a causa a necessidade

da sua defesa em caso de ataque.

A verdade, porém, é que o consenso termina nesta base geral. As

Forças Armadas que lutam em África são as mesmas que são enviadas

para França e lutam com o mesmo enquadramento e com a mesma con-

fusão política por detrás.

O que espanta em África é como foi possível que uma Nação que ti-

nha organizado dezenas de expedições vitoriosas para as campanhas

de pacificação, expedições que actuaram no mesmo terreno das opera-

ções da Grande Guerra (Sul de Angola e Norte de Moçambique), de re-

pente, por uma incompreensível razão, esquecesse tudo o que apren-

deu. Antes, as expedições africanas tinham um número normal de bai-

xas por razões sanitárias – ou seja, de 5% a 10%. Na Grande Guerra, só

a primeira expedição enviada para Moçambique sofre 50% de baixas

por razões sanitárias sem entrar em contacto com o inimigo. Como foi

isto possível? Que coisa extraordinária aconteceu para que um Exérci-

to competente e vitorioso se tornasse numa vaga sombra de si próprio,

um bando de políticos desorganizados a chefiarem leões?

O que espanta em África é que um Exército que se adaptou e mu-

dou constantemente entre 1890 e 1910, sempre improvisando novas tác-

ticas e orgânicas para enfrentar um inimigo muito diferente em terre-

nos muito diversos, de repente passa a estar rígido, incapaz de inovar,

Page 73: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

71

de fazer frente às tácticas imaginosas dos alemães. Houve algum azar,

como seja o facto de em Moçambique os portugueses enfrentarem um

dos grandes génios militares da guerra: o general Letow Voerbeck, que

cortava com todas as tradições, que seguia os manuais futuros, aqueles

que ele estava a escrever com a sua prática.

Não foi uma questão de número ou de falta de armamento ou equi-

pamento, ao contrário do que diz a história oficial. Em todas as cam-

panhas de África os portugueses estavam melhor equipados do que os

alemães e tinham a vantagem numérica. Os Askaris de Letow Voerbeck,

por exemplo, ficavam muito contentes quando capturavam as Mauser

Vergueiro portuguesas de 1905 (uma das armas que D. Carlos trouxe

para Portugal), pois podiam abandonar as suas Mauser de … 1871, que

ainda usavam pólvora com fumo.

A diferença é que o Exército Português que actua em África é exac-

tamente o mesmo que é enviado para França. Significa isto que é a mes-

ma força indisciplinada, dividida, contrária à beligerância, desorganiza-

da e incompetente que a política guerrista criou. Tinham passado pou-

cos anos desde as campanhas de pacificação de D. Carlos, mas a reali-

dade militar era outra. No Exército Português de 1914, por exemplo, em

vez de comprimidos de quinino seguem para África comprimidos de fa-

rinha, porque a corrupção fez com que alguém enriquecesse à custa da

força militar. Para dar outro exemplo, nada está preparado para rece-

ber as forças metropolitanas em África e estas têm de desembarcas nas

praias e dormir no chão, com os efeitos fáceis de imaginar em termos da

sua saúde. Os navios britânicos que transportam as forças expedicioná-

rias para África chegam a mandar a sua carga ao mar perto da praia e a

seguir viagem, porque não podem ficar semanas à espera para um de-

sembarque que não foi preparado previamente. No Exército Português

da Grande Guerra, para dar um último exemplo, a travessia do Rovuma

era anunciado ao inimigo com grande ruído e muitas fogueiras, prepa-

rando o desastre que um punhado de metralhadoras alemãs provocou.

Era isto a realidade portuguesa em 1914-1918. Em África e na Europa

era a mesma coisa, só a latitude mudava. Não era um problema dos mili-

tares, que tinham dado sobejas provas do seu valor e eficácia nos teatros

Page 74: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

72

africanos antes de 1910. O problema era da política guerrista dos radi-

cais republicanos, que tinha destruído por completo a instituição militar.

A decima primeira ilusão – o político e o militar estão

separados

A historiografia tradicional portuguesa procura igualmente fazer acre-

ditar que o político e o militar são realidades separadas. Isto nunca acon-

tece. Nunca há uma operação que seja exclusivamente militar, pois os

seus objetivos últimos são sempre resultado de uma estratégia funda-

mentalmente política. Do mesmo modo, a força empenhada depende

sempre de um processo político que levou à sua formação com “aque-

las” características particulares. Uma força militar não se improvisa em

meses, pelo que é sempre o resultado de um longo processo. Possivel-

mente nunca houve um período da História de Portugal em que po-

lítico e militar estivessem mais intimamente ligados do que a Grande

Guerra, a pontos de serem inseparáveis e não se saber onde acaba um

e começa o outro.

O que aconteceu é, sem sombra de dúvida, da responsabilidade dos

políticos guerristas e não dos políticos como um todo, pois políticos são

todos, inclusive os militares. São os guerristas que aniquilam a força mi-

litar e depois estabelecem objectivos que estão muito acima das suas

possibilidades reais. Pensar que as Forças Armadas portuguesas de 1914

podiam combater eficazmente na Frente Ocidental ultrapassa qualquer

realismo por mais ténue que seja. Não conheço um único documento

de um militar Aliado ou Alemão em Portugal que não diga que as For-

ças Armadas Portuguesas não estão preparadas para uma guerra mo-

derna e, se ele existir, agradeço que me indiquem onde está25. Conhe-

ço, isso sim, muitos documentos de políticos e militares guerristas por-

tugueses que dizem o contrário, mas claramente por razões ideológicas.

25 Estou a falar obviamente dos documentos que exprimem as verdadeiras opi-niões, ou seja, daqueles que são mandados confidencialmente para informação da hierarquia. Declarações públicas a louvar as forças portuguesas e a sua eficácia essas existem muitas, mas não passam disso mesmo: declarações públicas, que exprimem sempre a verdade politicamente correcta e não a realidade.

Page 75: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

73

Depois de estabelecer objectivos totalmente irrealistas, os políticos

guerristas interferem permanentemente nas operações militares, sem-

pre com resultados desastrosos. São os políticos guerristas e os milita-

res incompetentes que eles nomeiam (como Fernando Tamagnini) que,

por exemplo, depois de mandar o CEP para França insistem em o man-

ter como Corpo de Exército e atrasam a sua retirada para a retaguarda.

São os políticos guerristas que, para dar outro exemplo, insistem na ne-

cessidade das forças em Moçambique invadirem a colónia alemã, con-

trariando a opinião dos militares, o que termina num previsível desas-

tre. São ainda os políticos guerristas que dão instruções incoerentes e

contraditórias a Alves Roçadas, que estão na base da vitória alemã em

Naulila – a única campanha contra os alemães em Angola.

Em toda a parte é a mesma coisa: interferência na esfera militar a

muitos níveis, por parte de uma administração dividida, incompetente

e irrealista, que confunde arte militar com desejos ideológicos. Os mi-

litares são as grandes vítimas deste processo e não os seus causadores.

Mas a ligação entre políticos e militares não se esgota nisto. Na rea-

lidade, nem sequer passa fundamentalmente por aqui. A verdade é que

as operações militares da Grande Guerra, justamente porque são orien-

tadas no essencial pelas desastrosas opções guerristas, alteram a polí-

tica portuguesa durante pelo menos meio século – mais uma realidade

que passa ao lado da História oficial, que ela evita mencionar, como as-

sunto de pouca importância.

Os militares aprendem rapidamente com os acontecimentos da Gran-

de Guerra e organizam-se para evitar que eles se repitam. Aprendem,

em primeiro lugar, no sentido em que criam o cimento de uma unidade

anti-guerrista mais ampla e diferente do passado. O resultado é o ano

de Sidónio Pais no final da guerra, colocado no poder essencialmente

pelo Exército e cavalgando uma imensa onda de indignação anti-guer-

rista. Aprendem, em segundo lugar, na medida em que reforçam a cons-

ciência de que situações semelhantes à beligerância forçada devem ser

evitadas no futuro a qualquer preço. Não é por acaso que os grandes

nomes do 28 de Maio passaram todos pelo CEP (Gomes da Costa, Sinel

de Cordes, Alves Roçadas – que teria dirigido o 28 de Maio se não tem

falecido antes); não é por acaso que os mais entusiastas defensores do

Page 76: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

74

28 de Maio são os “cadetes de Sidónio”, que foram os mais entusiastas

combatentes da revolução de Dezembro de 1917. Tanto num caso como

noutro, o que os militares estão a fazer é a aplicar as lições aprendidas

na guerra sobre a ligação entre a política e a esfera militar. Os guerris-

tas confirmam a velha máxima de que quem semeia ventos colhe tem-

pestades, ou, caso se prefira, quem é aprendiz de feiticeiro não se deve

abalançar a fazer grandes passes de magia.

Tacticamente os guerristas conseguiram coisas extraordinárias, como

seja a de colocar por várias vezes a Grã-Bretanha a mentir, a dizer em

documentos oficiais coisas que eram exatamente o contrário do que ela

pensava. É preciso alguma arte para um pequeno poder fazer isso a um

grande poder e não podemos deixar de tirar o chapéu com admiração

a políticos como Afonso Costa, João Chagas e Norton de Matos pela sua

habilidade táctica. Com isso conseguiram durante algum tempo enga-

nar a opinião pública, acalmar o movimento anti-guerrista que se con-

venceu que realmente a Grã-Bretanha queria a beligerância portugue-

sa e queria o CEP em França – pois se era Londres que o afirmava em

documentos oficiais!

Acontece, porém, que, como diz o Presidente Lincoln, nunca se con-

segue enganar toda a gente todo o tempo. No médio prazo os guerris-

tas estavam a cavar a sua cova, a desencadear uma imensa onda de fun-

do de indignação que partiu de toda a parte: da Igreja, das zonas ru-

rais, dos militares entre muitos outros. Pior ainda que isso. Os guerris-

tas estavam com o seu sucesso aparente a colocar em causa, não só a

posição portuguesa na guerra, mas também o futuro da democracia em

Portugal. Ela iria desaparecer durante meio século por causa principal-

mente dos colossais erros estratégicos dos guerristas.

A decima segunda ilusão – os anti-guerristas são radicais de

esquerda

Na Europa de 1914-1918 quando falamos em movimento anti-guer-

ra imediatamente surge a imagem de um radical de esquerda. Esta ima-

gem é no essencial verdadeira em grande parte da Europa, onde é a es-

querda radical que assume publicamente o movimento contra a guerra,

Page 77: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

75

sejam os anarquistas de 1914, os bolchevistas russos ou os sociais-de-

mocratas radicais alemães ou húngaros de 1918.

Há, no entanto, uma outra corrente anti-guerra na Europa, mais dis-

creta, mas muito mais importante. Dou só um exemplo. O governo bri-

tânico de Agosto de 1914, tinha um importante componente contrário

à beligerância britânica (que se demitiu quando da declaração de guer-

ra) e vários elementos hesitantes, o principal dos quais era Loyd-Geor-

ge, o futuro 1º Ministro britânico. Nesta corrente encontramos de tudo

um pouco, desde os liberais pacifistas, que achavam que nada de bom

poderia vir da guerra, até aos que eram contrários à beligerância por

um raciocínio frio e calculista ou aos que pura e simplesmente achavam

(com alguma razão) que a guerra seria o fim da “civilização europeia”

e devia ser evitada a todo o custo.

No caso de Portugal, quando a historiografia nacional fala de “mo-

vimento anti-guerra” pensa quase só nos radicais de esquerda. Ainda

há pouco tempo uma obra coletiva, que pretende ser uma síntese ge-

ral da beligerância portuguesa e até global, dedica somente um capítu-

lo curto ao movimento anti-guerra, entendendo por tal exclusivamente

a oposição da extrema-esquerda proveniente, no essencial, do sindica-

lismo de inspiração anarquista. Efectivamente fazia-se sentir em Portu-

gal uma corrente anti-guerra de inspiração anarco-sindicalista desde o

primeiro momento, mas ela era muito fraca e pouca influência teve no

movimento mais geral.

O que acontece neste campo é (mais uma vez) um resultado da pro-

paganda do Governo – a mentira oficial, em resumo. Os governos guer-

ristas, sempre que estalava um qualquer movimento anti-guerristas ten-

diam a lançar de imediato duas acusações sobre ele: era germanófilo e/

ou era anarquista. Era uma forma pouco imaginosa de dar a entender

que só um pequeno sector, que não se identificava com nenhuma for-

ça “séria” do campo moderado, estava contra a guerra.

Quando, por exemplo, uma unidade de infantaria da Covilhã se in-

subordina em 1916 e se recusa a seguir para Tancos, onde devia parti-

cipar na divisão de instrução, o governo entrega a repressão ao general

Fernando Tamagnini. Este, no seu relatório oficial, atribui o movimen-

to à influência de um punhado de “sindicalistas dos lanifícios da Covi-

Page 78: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

76

lhã” que agitaram os soldados e os levaram a recusar-se a embarcar nos

comboios. Quem ler com algum cuidado o relatório, no entanto, veri-

fica facilmente que o problema central não era esse, mas sim o espíri-

to do corpo dos oficiais da unidade. O próprio relatório revela que os

oficiais, por todos os meios ao seu alcance, fomentaram a insubordina-

ção, embora sem se envolver directamente. Era mais um tijolo da men-

tira oficial: os movimentos que estalavam deviam-se à agitação da extre-

ma-esquerda, quando, na realidade, só podiam ser explicados pelo cli-

ma geral vigente e pela forte relutância do corpo de oficiais em apoiar

a beligerância.

Em Portugal existia efetivamente um forte movimento anti-guerrista,

que tomou o poder por duas vezes de forma anti-constitucional e não

hesito em dizer que exprimia o sentimento geral da Nação, mas ele pou-

co tinha a ver com a extrema-esquerda. O anti-guerrismo português era

essencialmente conservador e tradicional, era anti-radical (ou anti-dema-

gogia, como preferia dizer). Os seus principais componentes em termos

políticos eram o movimento monárquico como um todo (esmagadora-

mente favorável aos Aliados, mas com um pequeno sector germanófi-

lo), o movimento católico, os republicanos moderados (o Partido Unio-

nista, os amigos de Machado Santos e grande parte dos Evolucionistas)

e parte do Partido Socialista. Em termos políticos os guerristas estavam

reduzidos ao grosso do Partido Democrático e a parte do Partido So-

cialista, uma pequena fatia da realidade política portuguesa de então.

Em termos de mentalidade e sociais, o anti-guerrismo português ex-

primia no essencial o sentimento muito difundido que a guerra era estra-

nha a Portugal, que o País não estava preparado para um conflito daque-

la intensidade e que o melhor que tinha a fazer era manter-se longe ou

tão longe quanto possível. Era um sentimento muito generalizado, prin-

cipalmente no mundo rural e católico – a esmagadora maioria da socie-

dade portuguesa de 1914-1918. Havia efetivamente um componente radi-

cal de esquerda no movimento anti-guerrista nacional, mas ele era ampla-

mente minoritário – uma pequena parte do grande rio do anti-guerrismo.

O grande problema dos anti-guerristas era o de encontrar um progra-

ma e uma liderança que representasse um leque tão variado, com sen-

Page 79: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

77

sibilidades e mentalidades tão diversas. Eles eram a esmagadora maio-

ria, mas estavam amplamente divididos e não organizados. Os guerris-

tas, pelo contrário, eram minoritários, mas estavam unidos e coesos à

volta da direcção do Partido Democrático e tinham por detrás o domí-

nio da máquina eleitoral, da rede de caciques e dos grupos de civis ar-

mados, bem como alguns dos mais hábeis políticos, sem visão estraté-

gica, mas com excelente sentido tático. O normal em Portugal: políti-

cos que são ótimos intriguistas e manobradores… sem a mais pequena

ideia para onde devem ir a médio ou longo prazo.

O que vai acontecer é que o programa anti-guerrista se modifica com

o passar dos anos, procurando sempre uma base de unidade tão am-

pla quanto possível e uma chefia aceite pela massa. A sua primeira ex-

pressão coesa surge em fins de 1914, elaborada a partir do Presidente

da República Manuel de Arriaga e do general Pimenta de Castro – um

feroz defensor do voto universal. Nesta primeira expressão o programa

anti-guerrista tem duas dimensões:

a) Uma dimensão externa - impedir a beligerância forçada e o

envio da divisão para França);

b) Uma dimensão interna - alterar o regime político, permitindo

a expressão eleitoral de monárquicos e católicos, alargando

o direito de voto e unindo uma parte do mundo conservador

à República, que era no essencial jacobina, radical e anti-

-democrática até então – mesmo na conceção limitada do

que era a democracia então vigente.

A vitória da revolução de Maio de 1915 acaba com esta primeira expe-

riência anti-guerrista, antes da realização das eleições previstas para Junho.

Uma das ironias, é que o regime de Pimenta de Castro passou para

a história oficial como sendo uma “ditadura”, quando a sua ação nes-

te campo foi no essencial o de permitir a liberdade de culto e religiosa,

alargar o direito de associação, alargar o direito de voto dar uma maior

liberdade de expressão. Um dos grandes problemas de Pimenta de Cas-

tro foi que a Grã-Bretanha, que aplaudiu o fim da divisão expedicioná-

ria, não o afirmou de forma pública e clara, de modo a evitar problemas

no seu relacionamento com a França – a impressão que havia na opi-

Page 80: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

78

nião pública era que a Grã-Bretanha apoiava os guerristas, exatamente

o contrário da realidade.

Depois de Maio de 1915 os anti-guerristas fazem a sua travessia do

deserto. Um longo período que se pode dividir em dois: antes e depois

da beligerância. A arte do núcleo guerrista antes da beligerância, foi a

de ter conseguido forçar esta dando a impressão que Portugal ia para

a guerra para responder ao pedido do seu secular Aliado, por um pro-

cesso que já descrevemos sinteticamente.

Como esta impressão era real e efetiva, os anti-guerristas ficavam com

as mãos amarradas, pois um ponto central do seu programa era que Por-

tugal devia aceitar todos os pedidos feitos em nome da Aliança. Este era

o grande problema anti-guerrista neste período, que impedia a sua uni-

dade e o derrube dos governos guerristas ou de coligação: a aparência

era que os guerristas obedeciam aos pedidos da Grã-Bretanha, embora

a realidade fosse exatamente o contrário. Londres estava amordaçada e

não podia desfazer os equívocos. Tinha razão Afonso Costa quando di-

zia em Londres que, caso se soubesse que o Aliado, não queria a beli-

gerância e não queria o envio de tropas para França haveria de imedia-

to um forte movimento militar em Portugal para derrubar o Governo. A

grande vantagem dos guerristas é que não se sabia e a aparência era a

contrária. Esta mentira oficial era um aspecto absolutamente vital para

o sucesso da política guerrista.

Com a beligerância, em Março de 1916, o dilema anti-guerrista é ain-

da mais complicado. Agora Portugal está na guerra, goste-se ou não e

isto leva à formação de um governo de coligação – o único encabeçado

por um republicano moderado, mas dominado pela “equipa de guerra”

do Partido Democrático. O Partido Evolucionista, moderado e essencial-

mente anti-guerrista, é levado a aceitar a coligação com os guerristas,

devido ao argumento da motivação nacional. António José de Almeida,

porém, não tarda a verificar que o sentimento anti-guerrista continua

muito forte e reforça-se, que o Partido Democrático no Governo conduz

a política de guerra de forma independente, sem lhe dar sequer conhe-

cimento das principais decisões e que o Partido Evolucionista está cada

vez mais isolado, perdendo a sua débil base de apoio à medida que o

Page 81: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

79

sentimento anti-guerrista ganha adesões. A partir de certa altura a gran-

de preocupação de António José de Almeida é a de encontrar uma ma-

neira airosa de acabar com a coligação e sair da armadilha para onde

entrou, que lhe estava a destruir o partido.

Durante este ano (entre Março de 1916 e a primavera de 1917) a gran-

de arte do Partido Democrático foi a conduzir de forma estanque a polí-

tica de guerra, por um entendimento directo entre três ministros (Afon-

so Costa, Norton de Matos e Augusto Soares), que passava por cima da

cabeça do 1º Ministro, cuidadosamente mantido fora do “segredo” da

guerra. O principal segredo era que a Grã-Bretanha não queria forças

portuguesas em França. Apesar desta mentira bem sucedida a formação

do CEP foi um verdadeiro “milagre”, o “milagre de Tancos”, como Nor-

ton de Matos o classificou orgulhosamente. Imagine-se o que teria acon-

tecido se o povo português conhecesse a real opinião da Grã-Bretanha!

O desfazer da coligação deixa os guerristas isolados no poder a par-

tir de Abril de 1917. Em 7 meses o seu desgaste é imenso. É o período

pior para Portugal, em que os efeitos da guerra se fazem sentir em ple-

no. É o período dos atos desesperados, onde o sentimento geral é que

uma imensa desgraça se abateu sobre as terras de Santa Maria, arrasa-

das pela fome, pela carestia e pela doença, onde a violência interna al-

cança o ponto mais alto. É igualmente o período em que renasce a es-

perança, nomeadamente pela mensagem do milagre de Fátima (desta

vez sem aspas) em Maio - uma mensagem que fala na regeneração, na

salvação pelo regresso aos valores tradicionais e à Santa Religião, na

chegada de um Messias…

O anti-guerrismo cresce de forma imparável, tendo por detrás uma

imensa coligação, com um programa difuso mas sem dúvida diferente

do passado, pois agora Portugal está na guerra e tem tropas em França

– justamente o que os anti-guerristas tentaram evitar.

O resultado foi a revolução de Sidónio Pais em Dezembro de 1917,

que entrega o poder aos anti-guerristas até ao final da guerra. A sua co-

ligação inicial é muito ampla, abarcando quase todo, desde o anarco-

-sindicalismo da UON até aos integralistas. A grande novidade é que se

começa a afirmar, por cima das correntes tradicionais, uma outra, que

Page 82: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

80

podemos apelidar de Sidonista: a necessidade de manter uma unidade

ampla numa base diferente do passado, de reformar politicamente o es-

tado, de dar lugar às massas de forma diferente do radicalismo republi-

cano, de aumentar o intervencionismo estatal na defesa dos desprote-

gidos, de repor a relação normal com a Igreja.

Em relação à guerra a política Sidonista é particularmente difícil, pois

a herança é a pior possível. Portugal não só está na guerra, como man-

tém um numeroso contingente em França e este está sem ligação com

Portugal, porque a Grã-Bretanha retirou os navios desde Setembro de

1917 (três meses antes da revolução sidonista). Nestas circunstâncias, os

anti-guerristas sabem que não podem voltar atrás, não podem repor a

neutralidade ou fazer as tropas regressar de França. Em termos oficiais

o seu programa é o de respeitar os compromissos assumidos e pedir à

Grã-Bretanha que respeito os seus, nomeadamente repondo ao serviço

os navios que retirou ao CEP.

Em termos reais, a posição é mais complexa e reflete os grandes di-

lemas do Sidonismo. O Governo de Lisboa pede navios para enviar re-

forços e está disposto a preparar as unidades a mandar para França,

mas, ao mesmo tempo, não lhe desagrada a recusa britânica em dar os

navios necessários. Também não lhe desagrada a insistência britânica

de retirar as tropas portuguesas da frente, simplesmente não o quer fa-

zer sem esgotar todas as aparências que não o deseja, sem reclamar ofi-

cialmente até ao fim, de modo a não abrir o flanco às críticas dos guer-

ristas, que iriam afirmar que se estava a desfazer um “esforço patrióti-

co”. Alguns militares inconscientes, como Fernando Tamagnini, favo-

recem este processo ao levantarem todo o tipo de obstáculos para não

perder o seu comando. O resultado é que o tempo passa e que a retira-

da do CEP da frente de combate, pedida pela Grã-Bretanha em Janeiro

de 1918, acaba por só ser aceite em Abril.

Os anti-guerristas, em resumo, não eram “radicais de esquerda”. Eram

fundamentalmente conservadores e tradicionalistas. Eram a esmagadora

maioria do povo português, contrário à beligerância, contrário aos ra-

dicalismos republicanos, preocupado em impedir o desastre nacional,

amigo da Grã-Bretanha e da França.

Page 83: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

81

A decima terceira ilusão: a culpa é dos militares

Em 1919 os guerristas retomam o poder e refazem a “nova Repúbli-

ca velha”. A sua grande preocupação é a de deturpar o que se passou

durante o conflito. A versão que procuram vender à opinião pública é

muito simples: a beligerância foi um grande esforço nacional, um pro-

jeto patriótico que falhou devido aos traidores, aos germanófilos, aos

monárquicos, aos anarquistas e a outros inimigos da República. Segun-

do esta versão, o principal culpado foi o corpo de oficiais das Forças

Armadas, que falhou na sua missão, não tendo obtido bons resultados

militares em qualquer das frentes.

Para que esta cortina de fumo possa ser eficaz é preciso que ela seja

acompanhada de duas ideias que se procuram passar para a historio-

grafia semi-oficial: o político e o militar estão separados e são coisas in-

dependentes; o que se passou internamente nada tem a ver com a ação

militar na frente externa. Se estas premissas teóricas forem aceites, en-

tão a beligerância portuguesa reduz-se ao que se passa em termos es-

tritamente militares nas frentes externas, sem qualquer interferência do

político ou do interno. Se esta monstruosidade teórica for aceite, fica

um culpado para o que de mau aconteceu: os militares, em particular

o corpo de oficiais. A culpa automaticamente sai do capote dos políti-

cos guerristas, pois eles têm todo o cuidado de avançar com uma expli-

cação oficial em que as premissas teóricas os colocam fora da equação.

É claro que nenhum historiador – pelo menos nenhum que eu co-

nheça – aceita uma separação completa e procura explicar o que se pas-

sa externamente sem qualquer alusão aos acontecimentos internos. Mas

a verdade é que a maior parte cai na armadilha da versão oficial, pro-

curando entender o que se passa na França ou em Moçambique, sem

uma íntima ligação com o político e com a frente interna – muitos ne-

gam mesmo a existência de uma “frente interna”.

A decima quarta ilusão –As colónias justificam a beligerância

No passado era normal dizer que a beligerância portuguesa se justi-

ficava por quatro razões colocadas ao mesmo nível: a defesa das coló-

Page 84: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

82

nias, o perigo espanhol, a necessidade de prestigiar a República e a po-

lítica interna. Era normal e isso correspondia ao que conhecíamos das

fontes primárias, pelo que eu própria escrevi isto há mais de trinta anos.

Simplesmente, o nosso conhecimento das fontes aumentou e continuar

a afirmar isso hoje só se pode justificar por ignorância ou por precon-

ceito, pelo desejo de pintar a realidade de cor de rosa, de a distorcer de

modo a beneficiar os radicais republicanos.

O que sabemos hoje permite afirma que a beligerância forçada foi

no essencial um projeto partidário, que visava manter os radicais no seu

abalado poder e radicalizar a República. Foi um projeto partidário diri-

gido contra a GB, que queria a neutralidade portuguesa, contra a maio-

ria da população, que não entendia a beligerância e contra o Exército,

onde estava o núcleo central anti-guerrista. Foi um projeto de um peque-

no grupo de radicais para servir os seus interesses partidários, sem qual-

quer preocupação com os interesses nacionais e sem qualquer realismo

ou moderação, pelo que não hesitaram em entregar uma missão impos-

sível às Forças Armadas, para depois as culparem pelo seu falhanço. Foi

também um projeto que obteve exatamente o contrário do pretendido.

É normal igualmente ver escrito que a beligerância forçada pelo me-

nos impediu a divisão das colónias, prestigiou o regime e impediu a in-

tervenção da Espanha. Mais uma vez, estas afirmações justificavam-se

há alguns anos, mas com o que conhecemos hoje temos de concluir que

são falsas e erradas. Vejamos os três casos um por um.

Em primeiro lugar as colónias. A única situação que poderia levar à

divisão das colónias, ou mesmo à sua perda, seria uma vitória da Ale-

manha na guerra, ou uma paz de compromisso em que a Alemanha ti-

vesse de receber compensações. O que verificamos é que a beligerân-

cia portuguesa em nada ajudou militarmente os Aliados. A GB, que era

quem podia falar neste campo, dizia de forma muito clara: para nos aju-

dar a vencer a guerra, por favor, mantenham a neutralidade.

Era a beligerância portuguesa que colocava as colónias em perigo.

Caso a Alemanha vencesse a guerra, ou numa paz de compromisso, seria

fácil a entrega das colónias portuguesas como “compensação” se Portugal

fosse beligerante; seria mais difícil de justificar se Portugal fosse neutro.

Page 85: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

83

A neutralidade favorável aos Aliados, tal como os anti-guerristas pre-

tendiam, em resumo, não só teria mantido as colónias, como teria redu-

zido o perigo de elas serem consideradas como uma compensação le-

gítima para a Alemanha.

A decima quinta ilusão – Espanha justifica a beligerância

A ideia de que a beligerância era necessária para impedir uma even-

tual intervenção armada espanhola é igualmente falsa. Hipólito de la

Torre, nos seus estudos pioneiros, provou amplamente que o perigo da

intervenção espanhola foi mais grave nos anos de 1911-1913, que cor-

responde ao domínio dos radicais de Afonso Costa. Se ela não ocorreu,

foi porque a GB não o permitiu, isto antes da guerra europeia.

Depois da guerra só os excessos que os radicais guerristas podiam

fazer levantava de novo o perigo de uma intervenção espanhola. Foi o

que aconteceu depois da revolução de Maio de 1915, quando os radi-

cais colocam Lisboa a saque durante três dias e a Espanha envia os seus

maiores navios para Lisboa. A GB só permitiria uma intervenção espa-

nhola caso os excessos radicais se aprofundassem e Portugal entrasse

num caos. Nesse caso, haveria uma intervenção armada internacional,

onde a participação espanhola seria aceite, como forma de não desviar

forças do Exército Britânico, empenhado em França. Eram os radicais e

os seus excessos, em resumo, que levantavam o perigo de uma interven-

ção espanhola e não a neutralidade de Portugal. Pelo contrário, os ex-

cessos provocados pelos radicais ao quererem colocar Portugal na guer-

ra a qualquer custo, afastando-se da GB, é que levantavam o fantasma

de uma intervenção armada externa, coordenada pelo secular aliado.

A decima sexta ilusão – A beligerância é necessária para o

prestígio internacional do regime

Esta é mais uma tese compreensível há alguns anos, mas não com-

patível com o nosso conhecimento atual das fontes, nomeadamente das

britânicas. Quem defende isto, costuma mesmo acrescentar que o re-

Page 86: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

84

gime de Sidónio Pais, em 1918, foi o responsável pelo afastamento em

relação à GB. Segundo eles, haveria uma excelente relação entre Por-

tugal e a GB depois da beligerância forçada, mas a surgimento do regi-

me “germanófilo” de Sidónio Pais, que queria tirar Portugal da guerra,

teria estragado isto em 1918.

Nada mais falso, como há muito venho defendendo. Seria estranho

que assim fosse, pois se a beligerância foi forçada contra à vontade da

GB, não se entende como ela poderia favorecer a relação com o Alia-

do. Na realidade, não favorecia. A relação entre a GB e os governos ra-

dicais era péssima e muito do que se passou se deveu a esta má vonta-

de de Londres. A GB fomenta a revolução de Sidónio Pais e recebe com

contentamento a sua vitória. Só assim se entende que o representante

militar dos Aliados em Lisboa (o general Bernardiston) vá visitar Sidó-

nio Pais ainda acampado na Rotunda, antes de formar governo e se dei-

xe fotografar com ele, fazendo questão em demonstrar publicamente o

apoio aliado. Do mesmo modo, que só assim se entende que a GB pro-

ponha de imediato a elevação da sua representação ao nível de embai-

xada, coisa que os radicais há muito pretendiam, sem o conseguirem. E

ainda só assim se entende, que a GB desbloqueie de imediato os crédi-

tos e os fretes para Sidónio Pais, quando os tinha retido antes para aju-

dar a derrubar Afonso Costa.

Tudo isto, porém, eram especulações lógicas. Até há pouco não tinha

um documento oficial britânico onde o apoio britânico ao regime fosse

confirmado com todas as letras. Em 2017 consegui encontrar um que

não deixa margem para dúvidas. É um documento assinado por Arthur

Balfour, 1º Ministro da GB entre 1902 e 1905 e Ministro dos Negócios

Estrangeiros entre 10 de Dezembro de 1916 e 23 de Outubro de 1919,

ou seja, no período do governo de Afonso Costa e de Sidónio Pais. Nin-

guém pode negar que Balfour tem autoridade no final da guerra para

falar em nome do Governo de Sua Majestade. O documento em causa

é assinado por Balfour e dirigido ao Governo da África do Sul que, em

1918, queria pedir a Portugal o pagamento de uma dívida contraída em

1914-1915. Balfour opõe-se para evitar embaraços ao Governo de Sidó-

nio Pais e, como a África do Sul insiste, dirige-lhe um telegrama a 14 de

Page 87: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

85

Junho de 1918 onde explica a posição de Londres26. Balfour explica que

Portugal está a recuperar de um período de grande confusão (upheavel)

e que o novo Presidente é favorável à GB, aceitando os seus pedidos

quanto à guerra. “It is therefore , in Mr. Balfour opinion, most impor-

tant from the military point of view not to create difficulties for Senhor

Paes”. É mesmo dito: “Mr. Balfour would not view with favour the re-

turn to power of Senhor Costa and his government, whose attitude was

by no means so conciliatory as that shown by the present Government”;

“It would thus appear most undesirable to do anything which might en-

courage and support domestic opposition to Senhor Paes”.

Este documento afasta qualquer dúvida legítima que pudesse haver.

É o governo anti-guerrista de Sidónio Pais que prestigia Portugal aos

olhos da GB no final da guerra e não o contrário, como os ideólogos de

serviço pretendem fazer acreditar. É assim fácil de entender que o as-

sassinato de Sidónio Pais, em fins de 1918, e o regresso dos radicais ao

poder, em 1919, tenha desprestigiado Portugal junto da GB. O aliado

mostra muito pouca consideração por Portugal na Conferência de Paz

de Versalhes, não aceita nenhuma das suas pretensões, nomeadamente

em relação aos navios que se pretendiam receber, e não aceita Portu-

gal nos órgãos coordenadores da Sociedade das Nações. Em contrapar-

tida a Espanha neutra, não só é convidada para a Sociedade das Nações,

como ascende aos lugares de coordenação que são recusados a Portugal.

Portugal, em resumo, é fortemente desprestigiado junto da GB com

a beligerância forçada e quem ainda consegue manter uma boa relação

no ano final da guerra é o Governo de Sidónio Pais. Exatamente o con-

trário do que diz a maior parte dos historiadores.

Uma ilha de censura numa democracia?

está por saber se hoje, passados cem anos, já se pode fazer uma His-

tória da beligerância Portuguesa, uma História que explique o que se

passou, que veja para além da cortina de fumo, que compreenda por

26 National Archives / PRO FO 371/3373.

Page 88: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

86

detrás da mentira oficial e das deturpações da história oficial - a tal que

não deve existir numa democracia, mas...

A resposta não é certa nem linear, até porque se a cortina de fumo

da política de mentiras e ilusões perdura é por alguma razão.

Bibliografia

Afonso, Aniceto e Matos, Gomes (coordenadores) – Portugal e a Grande Guerra, Quidnovi, Lisboa, 2010.

Costa, Gomes da – A Batalha do Lys, Porto, 1920

Costa, Gomes da – A Guerra nas Colónias, Lisboa, 1925.

Martins, Ferreira – Portugal na Grande Guerra, 2 vols., Lisboa, 1934 e 1936.

Tamagnini, Fernando – Os Meus Três Comandos (organização de Isabel Pestana Marques), Fundação Seixas, Viseu, 2004.

Teixeira, Nuno Severiano – O Poder e a Guerra, Lisboa, Editorial Es-tampa, 1996.

Telo, António José – Primeira República, 2 vols., Lisboa, Editorial Pre-sença, 2009 e 2011.

Telo, António e Sousa, Pedro Marquês de - O CEP – Os Militares Sacri-ficados pela Má Política, Fronteira do Caos, Porto, 2016.

Torre Gomez, Hipólito de la – Conspiração Contra Portugal (1910-1912), Lisboa, 1978.

Torre Gomez, Hipólito de la – Na Encruzilhada da Grande Guerra

(1913-1919), Lisboa, 1980.

Page 89: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

e l A T l Á n T i c O , e l ú lT i m O O B s TÁc U l O h Ac i A

l A l i B e R TA d . e l e x i l i O R e P U B l i c A n O

e s PA ñ O l y l A h U i dA d e l A

e U R O PA e n g U e R R A .

Aurelio Velázquez Hernández, PhD

CEME-UNED

E-mail: [email protected]

Resumen

El final de la Guerra Civil Española (1936-1939) produjo la salida de

cientos de miles de españoles que, huyendo de la represión, se agol-

paron en la frontera francesa. El principal objetivo de buena parte de

ellos era tratar de salir con rumbo a América. En el artículo se analiza

la problemática en torno a la organización de los embarques colectivos

de refugiados desde los campos el sur de Francia hacia el continente

americano y la situación internacional que dificultó la búsqueda de paí-

ses dispuestos a acogerlos. A través de los datos de los organismos de

ayuda se trata de realizar una estimación de los refugiados que pudie-

ron cruzar el atlántico en ese complejo contexto.

Palabras clave: Exilio Republicano Español; embarques; organismos

de Ayuda; JARE; SERE

Abstract

The Spanish Civil War (1936-1939) ending produced the hundreds of

thousands of Spaniards departure fleeing repression to the french bor-

der. The main objective of many of them was to try to leave Europe for

America. This study analyzes the problems surrounding the organization

DOI: https://doi.org/10.14195/978-989-26-1877-7_3

Page 90: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

88

of collective refugee shipments from the camps of southern France to

the American continent and the international situation that made it dif-

ficult to find countries willing to accept them. Through the data of the

aid agencies, an estimate is made of refugees who were able to cross

the Atlantic in this complex context.

Keywords: Spanish Republican Exile; shipments; aid agencies; JARE;

SERE

El largo periplo que iniciaron cientos de miles de personas huyen-

do de la represión y de la muerte que el franquismo les prometía, estu-

vo marcado por el signo de la desgracia que se manifestó desde el pri-

mer momento. En 1939, con la caída de Cataluña, se produjo una sali-

da masiva de refugiados con rumbo a Francia, a través de las fronteras

de La Jonquera, Puigcerdà y Postbou o bien atravesando las montañas.

La composición de estos exiliados era muy heterogénea, no se trataba

solamente de soldados y oficiales del ejército de la república, funciona-

rios del gobierno y dirigentes políticos y sindicales, sino también, pro-

fesionales a todos los niveles y obreros. Además la mayoría viajan con

sus mujeres e hijos.1 Estaban representados prácticamente todos los ni-

veles socioeconómicos y culturales, de modo que puede definirse, como

lo hizo Virgilio Botella, como “el destierro de todo un pueblo”.2

Llevar a cabo una evaluación acerca del número exacto de estos re-

fugiados es muy complicado. Sin embargo, varios autores se han aven-

1 LLORENS, Vicente: “La emigración republicana de 1939”, vol. I de ABELLÁN, José Luís: Op. Cit., (1976).

2BOTELLA, Virgilio: ¿Por qué escribo sólo de la guerra civil y del exilio?, Conferencia leída en el ateneo obrero de Gijón el 14 de Abril de 1989, Gijón: Fundación Municipal de Cultura de Gijón. Citado en ALTED, Alicia: Op. Cit., (2005), p. 21. Esta autora aprovechó la fortuna de esta expresión para titular así el capítulo de su obra citada en el que trata acerca de la composición del exilio republicano. Para una mayor información acerca de la composición del exilio en Francia, entre otras muchas obras nos gustaría destacar el estudio realizado por Dolores Pla al respecto especialmente interesante por la riqueza de los datos que muestra y su capacidad de síntesis en PLA BRUGAT, Dolores: Op. Cit., (1999). Sobre el exilio en Francia deben consultarse DREYFUS-ARMAND, Geneviève: El exilio de los Republicanos españoles en Francia. De la Guerra Civil a la muerte de Franco. Barcelona: Crítica, 2000; CERVERA GIL, Javier: La Guerra no ha terminado. El exilio español en Francia 1944-1953. Madrid: Taurus, 2007.

Page 91: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

89

turado a lanzar cifras, de las cuales vamos a señalar las que nos parecen

las más documentadas. De este modo, podemos señalar como ejemplo a

Javier Rubio, que calcula que el número total de los exiliados que pasa-

ron por territorio francés (tanto continental como en el norte de África)

fue de unos 684.000, de los cuales 15.000 habrían llegado tras la cam-

paña de Guipúzcoa, unos 160.000 con la evacuación del frente norte en

1937, otros 24.000 por la evacuación del frente del Alto Aragón de 1938

y sobre todo unos 470.000 procedentes del gran éxodo desde Cataluña,

junto a los cuales habría que contar otros 15.000 de la zona centro-sur,

también en 1939, y otros 50.000 más, que fueron llegando a lo largo de

la guerra desde diferentes zonas como Levante. Todo ello elevaría, en

cifras generales, el número total de exiliados a casi tres cuartos de mi-

llón, lo que compondría el éxodo más masivo en un período más cor-

to de tiempo en la historia de España.3 Sin embargo, es necesario recal-

car que, al producirse esta emigración en varias fases no estamos afir-

mando que nunca hubiera tal número de refugiados al mismo tiempo

en Francia, sino que estos fueron llegando en diversas oleadas y reubi-

cándose de modo que, para este autor, el momento en que se alcanzó

la máxima cifra de refugiados en territorio galo será a mediados de fe-

brero de 1939 cuando, tras la caída de Cataluña, se alcance la cifra de

475.000 refugiados. Tuñón de Lara, dentro de la obra monumental so-

bre el exilio dirigida por José Luís Abellán, nos aporta otras cifras con-

cluyendo que, para septiembre de 1939, debía de haber unos 250.000

exiliados documentados en Francia, a los que habría que añadir otros

20.000 del territorio francés de Argelia y algunos miles más que segura-

mente se escaparon al control de las autoridades francesas y residían en

casas de amigos y familiares.4 Como puede observarse, en pocos meses

se había reducido enormemente la cifra de refugiados. Este fenómeno

se debe al fuerte proceso de repatriación que se produjo en ese perío-

do. Cabe tener en cuenta que el gran éxodo producido con la caída de

Cataluña, había arrastrado a muchas gentes, que en realidad sólo huían

3 RUBIO, Javier: Op. Cit., (1977), p.106. Compone, sin duda, una de las obras fundamentales en la historiografía acerca del exilio y sobretodo la más fiable en cuanto a la demografía del exilio en Francia, aspecto en el cual aún no ha sido superada.

4 TUÑÓN DE LARA, Manuel: “Los españoles en la II guerra mundial y su partici-pación en la resistencia francesa” en ABELLÁN, José Luis (ed.): Op. Cit., (1976), p.16.

Page 92: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

90

de los horrores de la guerra y los desmanes de los soldados nacionales

en su proceso de conquista. Por ello, muchos retornaron una vez esta-

bilizada la situación. Pese a que comenzaban a llegar las primeras no-

ticias de la represión franquista en España, fueron muchos los que op-

taron por esta vía dando por buena la promesa del gobierno franquista

otorgada durante la toma de Cataluña, de que sólo serían represaliados

los que tuvieran delitos de sangre. De tal forma que en torno a 200.000

en los primeros meses de exilio y otros 100.000 en los años siguientes

optaron por volver a España, de los cuales, la mayoría, pasaron por las

cárceles franquistas y los batallones de trabajo.5

En 1949, según Genevieve Dreyfus-Armand y Javier Rubio, los refu-

giados españoles en Francia sumaban 120.000 cifra que muy probable-

mente constituyó el exilio definitivo en tierras francesas. En esta dismi-

nución del número de exiliados en Francia incidieron, además de los

retornos, dos elementos fundamentales: Las defunciones, muy numero-

sas en estos primeros momentos, y fácilmente explicables dadas las du-

ras condiciones de vida en los campos tras casi tres años de privacio-

nes por la Guerra y, fundamentalmente, la reemigración a terceros paí-

ses. Y es que la reemigración era la opción más deseada por la mayor

parte de estos exiliados. A principios de abril de 1939, de los doscien-

tos cincuenta mil refugiados que habían rellenado una ficha con sus

datos para el SERE, ochenta mil querían marchar a América, de prefe-

rencia a México. Pese a ser menos de una tercera parte continúa sien-

do un volumen de población muy considerable. Dada la situación pre-

bélica existente en Europa, la mayor parte deseaban llegar a alcanzar

un lugar seguro en américa, lejos de la tragedia desatada por el fascis-

mo. De nuevo, el Atlántico ejercía su doble función, como nexo, como

vía de comunicación entre sus dos orillas. Los lazos lingüísticos y cultu-

rales, y en muchos casos también familiares y afectivos representaban

un fuerte polo de atracción e influjo que hizo a los exiliados españoles

anhelar y solicitar su reemigración hacia la América Latina. No obstan-

te, el océano también se impone como una barrera física, una frontera,

un enorme obstáculo difícil de sortear máxime en un contexto extraor-

dinariamente complejo como fue aquel. En 1939 la oleada de refugia-

5 Datos de RUBIO, Javier: Op. Cit., (1977), p. 121.

Page 93: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

91

dos de toda Europa que trataban de ponerse a salvo en América hacía

prácticamente imposible encontrar pasajes en las compañías regulares

y el precio de los pasajes se encareció considerablemente. El inicio de

la guerra y la batalla del atlántico en septiembre de 1939 hizo mucho

más peligrosa la navegación trasatlántica lo que complicó y encareció

aún más los embarques.

Además, no fue fácil para los republicanos españoles alcanzar Améri-

ca porque prácticamente todos los países les cerraron las puertas. Sola-

mente tres países americanos aceptaron la llegada de españoles, el Mé-

xico de Lázaro Cárdenas, el Chile de Aguirre Cerdá y por causas siem-

pre cuestionadas y, no exentas de polémica, la República Dominicana

de Rafael Leónidas Trujillo. Debemos recordar el contexto en el que se

desarrollan estos acontecimientos: la gran depresión había generado un

de auge de las medidas proteccionistas en todos los estados al mismo

tiempo que el triunfo de los regímenes totalitarios en Europa y la im-

plantación de las leyes raciales (Alemania, leyes de Nüremberg, 1935;

Italia, Leyes raciales fascistas, 1938) habían provocado una avalancha

de refugiados fundamentalmente judíos y antifascistas que trataban de

salir de Europa en busca de un destino más seguro. La mayor parte de

los estados occidentales, retraídos tras políticas aislacionistas y protec-

cionistas de su economía se cerraron a la entrada de estos refugiados,

temiendo, además el posible efecto llamada que pudiera producirse en

caso de abrirse a la entrada de alguno de estos grupos. Esta dinámica

quedó patente en el fracaso de la Conferencia de Evian en 1938. En esta

conferencia, convocada por el presidente Roosevelt, con presencia de

representantes de treinta y dos países se trató de afrontar el problema

que representaban los refugiados judíos. En el desarrollo de esta con-

ferencia los representantes de Reino Unido y Estados Unidos (Principal

destino de esta oleada migratoria), trataron de convencer al resto de la

necesidad de socorrer a este grupo de perseguidos buscando un com-

promiso de estos países para acoger refugiados al mismo tiempo que

se negaban a incrementar sus cuotas migratorias anuales para la entra-

da de inmigrantes de habla alemana. El resultado fue un sonoro fraca-

so pues, excepto la República Dominicana de Trujillo ninguno aceptó

la entrada de nuevos inmigrantes ni refugiados.

Page 94: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

92

Entonces en ese contexto ¿porque estos tres países sí aceptarían la entrada de refugiados españoles?

En el caso de México hay que tener en cuenta las relaciones de afi-

nidad existentes entre la República española y el régimen posrevolucio-

nario mexicano y no podemos obviar como un factor más, las relaciones

personales establecidas entre revolucionarios mexicanos y socialistas y

republicanos españoles ya desde décadas anteriores.6 En 1931 ambos

países elevaron sus legaciones a la categoría de embajadas. En ese mis-

mo año, México sería aceptado en la ginebrina Sociedad de Naciones

gracias al patrocinio de España. Algunos autores han definido el perío-

do republicano como una auténtica “luna de miel” entre ambos países.7

Por eso, no sorprende que, al estallar el conflicto en España, el ejecu-

tivo de Lázaro Cárdenas se posicionase claramente y desde el primer mo-

mento a favor del gobierno legalmente constituido. Pero no se quedó en

un mero posicionamiento formal, sino que este país se convirtió, a tra-

vés de sus embajadores en la Sociedad de Naciones: Narciso Bassols, pri-

mero, e Isidro Fabela, después, en el mejor defensor de la República Es-

pañola. Pero el apoyo mexicano a la República no se limitó a los planos

moral y diplomático, también lo haría en el plano material vendiendo ar-

mas y pertrechos a la República en función de sus limitadas posibilidades.

Pero la decisión del gobierno de Cárdenas de aceptar la entrada ili-

mitada de republicanos españoles no puede explicarse solamente desde

la afinidad ideológica y personal. También hay que tener en cuenta los

beneficios que el gobierno mexicano pretendía obtener con esta política.

6 Podemos destacar, entre otras, las estancias en España de Alfonso Reyes y Jaime Torres Bodet, Luis G. Urbina, Enrique González Martínez, Daniel Cosío Villegas, Silvio Zabala, Genaro Estrada, el propio Narciso Bassols o los artistas Diego Rivera y David Alfaro Siqueiros, varios de los cuáles ocuparon distintos cargos representa-tivos en la legación diplomática mexicana. Todo esto genera un poso de amistad y colaboración que sin duda coadyuvó a la configuración de la posición mexicana en torno al asunto de los refugiados españoles. Durante la guerra por España, figuras como: Octavio Paz, José Chavez Morado, José Mancisidor, David Alfaro Siqueiros, Silvestre Revueltas, Fernando Gamboa, Carlos Pellicer o Daniel Cosío Villegas, Estas relaciones, como una causa más de la posición del gobierno mexicano en torno a la guerra española han sido bien documentas por MATEOS, Abdón: De la Guerra Civil al exilio. los republicanos españoles y México: Indalecio Prieto y Lázaro Cárdenas. Madrid: Biblioteca Nueva, 2005, pp. 29-68.

7 El comentario se recoge en FUENTES MARES, José: Historia de un Conflicto, (el tesoro del ”Vita”). Madrid: CVS ediciones, 1975, p.145

Page 95: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

93

En clave interna, el caso español fue una oportunidad para que el ré-

gimen posrevolucionario mexicano se enfrentase al aparentemente im-

parable ascenso de la derecha en aquel país que amenazaba con asal-

tar el poder. El gobierno cardenista se encargaría de equiparar a los su-

blevados españoles con los derechistas mexicanos y así erigirse en de-

fensor de la democracia, denunciando la posibilidad de que trataran de

llevar a cabo un levantamiento similar al del 18 de julio y permitiéndo-

le actuar en su contra.

En la política exterior la defensa de la causa republicana permitió a

México salir del aislamiento que padecía (Tras la revolución y la expro-

piación petrolera de 1938) para liderar una política de prestigio en el

contexto internacional.

Además, Cárdenas también esperaba que pudiera obtener un bene-

ficio económico de este flujo migratorio de españoles.

En primer lugar, creía que podían ayudar a sus planes poblacionis-

tas para instalar colonias agrícolas en el despoblado norte del país. En

segundo lugar, la llegada de obreros y técnicos cualificados de los que

México carecía, podría dar un impulso a la, por aquellos momentos, na-

ciente industria mexicana. Y, por último, Cárdenas era consciente de

que estos exiliados contaban con importantes recursos propios, por lo

que todo este proceso migratorio podía realizarse sin cargos a la eco-

nomía mexicana. Es más, las autoridades españolas se comprometieron

a invertir parte de los capitales con los que contaban en inversiones en

sectores estratégicos para la economía mexicana que pudieran dar, a su

vez, una colocación laboral a estos exiliados.

La República Dominicana que el segundo país en recepción de re-

publicanos españoles en América, tras México de forma un tanto para-

dójica, pues el régimen de Rafael Leónidas Trujillo era un sistema tirá-

nico y brutal, filofasciasta de hecho el dictador se había declarado pú-

blicamente admirador de Francisco Franco. Porqué aceptó la entrada de

unos cinco mil españoles, sobre una población de apenas un millón de

habitantes. Frecuentemente se ha aludido al anhelo de Trujillo de con-

tar con un aporte de población española para blanquear la población

dominicana, además de contar con un aporte poblacional para contra-

restar el impulso demográfico del vecino Haití. Sin embargo, los últi-

mos estudios lo relacionan más con la política de buena vecindad adop-

Page 96: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

94

tada por Roosevelt para América Latina y parece que se orienta más a

tratar de demostrar su buena disposición a Estados Unidos, en la línea

de lo demandado por este país en la conferencia de Evian de cara a evi-

tar algún deseo intervencionista. Además, para permitir la entreada de

republicanos en aquel país, las autoridades reclamaban el pago de una

tasa de 100 dólares por persona, lo que era casi una fortuna por aque-

llos tiempos, y fueron instalados en colonias agrícolas en zonas despo-

bladas en la frontera con Haití.

En cuanto a Chile, el recién formado (octubre 1938) gobierno frente-

populista de Pedro Aguirre Cerdá (Partido Radical), a pesar de sus afini-

dades ideológicas con la República Española no se mostraba muy par-

tidario de la entrada de españoles en su territorio por las repercusio-

nes económicas y sociales que podía traer a la delicada economía local.

No obstante, sufrió enormemente las presiones de los sindicatos y par-

tidos de izquierda que formaban parte de la alianza de gobierno y fun-

damentalmente de la implicación personal de un personaje central de

la cultura chilena como ya era el poeta Pablo Neruda y finalmente aca-

bó aceptando la entrada de una sola expedición en el verano de 1939.

Los embarques

la principal labor que llevó a cabo el SERE en Francia, durante el

poco tiempo que estuvo en funcionamiento, fue la organización de va-

rias expediciones colectivas con destino América, principalmente a Mé-

xico. En todo lo referente a la preparación de estos embarques la cola-

boración entre los miembros del SERE y la legación diplomática mexi-

cana encabezada por Bassols fue muy intensa. Dadas las penosas con-

diciones de vida en los campos, pronto las peticiones de reemigración a

México superaron con mucho los medios materiales del SERE en cuan-

to a transportes y posibilidades de acogida.8

8 A principios de abril de 1939, de los doscientos cincuenta mil refugiados que habían rellenado una ficha con sus datos para el SERE, ochenta mil querían marchar a América, de preferencia a México. Pese a ser menos de una tercera parte continúa siendo un volumen de población muy considerable. José Antonio MATESANZ: México ante la Guerra Civil española, 1936-1939. México, El Colegio de México, 1995, p. 568.

Page 97: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

95

El interés mexicano, no sólo obedeció a principios de solidaridad

con los españoles sino también a la conveniencia de prever las necesi-

dades del país, por tanto se trató de establecer unas cuotas profesiona-

les que daban prioridad a la emigración de agricultores y técnicos es-

pecializados. No obstante la última palabra la tenía el Ministro Bassols9

que priorizó a aquellos que más peligro corrieran en Francia por sus

responsabilidades políticas. De modo que el método de selección con-

sistía en que el SERE proponía los listados de embarque que finalmen-

te debían ser aprobados por la legación diplomática del país de desti-

no.10 Los resultados de este proceso de selección podemos comprobar-

los en la Tabla I.

Tabla I:Distribución por partidos de los visados otorgados por la Legación Mexicana (1939)  SINAIA IPANEMA MEXIQUE INDIVIDUALES TOTALSectoresVisados % Visados % Visados % Visados % Visados %UGT 264 28,48 111 21,55 217 21,36 157 10,03 749 18,61CNT 78 8,41 99 19,22 186 18,31 157 10,03 520 12,92FAI 0 0,00 15 2,91 31 3,05 0 0,00 46 1,14PSOE 106 11,43 60 11,65 124 12,20 314 20,05 604 15,01PCE 187 20,17 55 10,68 113 11,12 78 4,98 433 10,76JSU 54 5,83 15 2,91 31 3,05 78 4,98 178 4,42IR 82 8,85 25 4,85 52 5,12 314 20,05 473 11,75UR 19 2,05 25 4,85 52 5,12 78 4,98 174 4,32ANV 7 0,76 15 2,91 31 3,05 78 4,98 131 3,26PNV 7 0,76 15 2,91 31 3,05 78 4,98 131 3,26ACR 4 0,43 25 4,85 52 5,12 78 4,98 159 3,95ERC 46 4,96 25 4,85 52 5,12 78 4,98 201 5,00Sin Part. 73 7,87 30 5,83 44 4,33 78 4,98 225 5,59SUMA 927  515  1.016  1.566  4.024 

Fuente: Elaboración propia a partir de “Estadística de las visas especiales otorgadas a los republicanos españoles”, París, 18 de septiembre de 1939, AMAE, fondo Azcárate, caja 34.11

9 El Secretario de Gobernación escribía a Bassols para recordarle que: “de acuerdo con lo convenido en tu reciente visita a esta Capital, serás tú quien haga la selección de españoles refugiados” Carta de García Téllez a Bassols, México, 8 de abril de 1939, en Alberto ENRIQUEZ: México y España: solidaridad y asilo político 1936-1942, México, SRE, 1990, p. 276.

10 Sobre la gestión de las solicitudes de embarques puede consultarse: Aurelio VELÁZQUEZ: ”La Diplomacia Mexicana: ¿agente al servicio del exilio español? las relaciones entre diplomáticos mexicanos y los organismos de ayuda a los republi-canos españoles (1939-1942)”, en Historia Actual on line, nº 22, 2010, pp. 7-17.

11 Las cifras aquí expuestas se refieren al número de visados concedidos. Estos visados se refieren solamente a los cabezas de familia, por tanto puede compro-barse que al contabilizar el número total de los embarcados en estas expediciones la cantidad resulta algo mayor.

Page 98: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

96

En función de las cifras expuestas podemos comprobar que, pese a

las numerosas acusaciones de parcialidad y de favorecer a los sectores

comunistas del exilio,12 las cifras no parecen remarcar una especial pre-

ferencia por el PCE. Los grandes perjudicados de esta primera selección

fueron, sin lugar a dudas, los anarquistas. Apenas llega al 15% la repre-

sentación ácrata en estos primeros embarques, un porcentaje muy in-

ferior a la implantación de CNT-FAI entre los refugiados españoles en

Francia.13 Parece que el presidente mexicano, Lázaro Cárdenas, se había

mostrado receloso ante la llegada de anarcosindicalistas, y el propio Bas-

sols llegó a afirmar que: “como norma general que observamos con los

centenares de casos de miembros de la CNT […] es la de no otorgar visa

a ningún anarquista […] Sería gravísimo permitir que México se volvie-

ra el centro de trabajo, de agitación, del anarquismo internacional”.14

En los primeros meses de funcionamiento del SERE se vivió un perío-

do de estrecha colaboración entre diplomáticos mexicanos y funciona-

rios españoles que fructificó en la realización de las llamadas tres gran-

des expediciones a México, las de los buques Sinaia, Ipanema y Mexi-

que. En estas tres expediciones, durante el verano de 1939, lograron

trasladar a México a un total de unos 4.660 refugiados.15

Desde septiembre de 1939, el gobierno mexicano decidió la suspen-

sión de nuevos embarques colectivos con destino a este país. Varias fue-

ron las causas que impulsaron esta decisión: en primer lugar, el esta-

llido de la Segunda Guerra Mundial, que dificultaba la organización de

transportes transoceánicos. En segundo término, la difícil integración

en México de los primeros contingentes de refugiados españoles. Y por

último, la notoria división y rivalidad entre las dos principales corrien-

tes políticas del socialismo español, negrinistas y prietistas, que alcan-

12 Dolores PLA: Els exiliats catalans, un estudio de la emigración republicana española en México, México, INAH, Orfeó Catalá, Libros del Umbral, 1999, p. 172-179.

13 “Informe al excelentísimo Señor Don Lázaro Cárdenas”, París, 1 de agosto de 1939, en Archivo General de la Nación de México (AGN), fondo Presidentes, Lázaro Cárdenas, exp. 546.6/212-14.

14 Nota de Bassols a Relaciones Exteriores (París, 15 de junio de 1939), citado en MATEOS, Abdón: La batalla…, p. 219.

15 Según los archivos del SERE y CTARE en México y corroborando con otros documentos en el archivo del PCE. “Embarques del SERE”, 1939, Archivo del Partido Comunista de España, Sección Emigración Política, caja 102, carpeta 7-1.

Page 99: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

97

zó su cenit en este momento con la creación de JARE. El propio Bas-

sols llegaría a afirmar que no se debían realizar más embarques “hasta

tanto los españoles no resolvieran sus problemas y se dedicaran a apor-

tar los recursos necesarios para resolver el mínimum de los problemas

de llegada e instalación de los inmigrantes”.16

Decidida la suspensión de los embarques, el ministro Bassols re-

solvió que su misión en Francia a favor de los refugiados españoles ya

había concluido por lo cual presentó su dimisión a finales de octubre.

Aunque el fin de las grandes expediciones no significó el fin de toda

emigración de exiliados a México, Bassols, durante sus últimas sema-

nas en el cargo, continuó concediendo visas individuales de entrada en

el país. En la Tabla II pueden verse resumidos los resultados de la co-

laboración entre el SERE y la legación mexicana en París en la evacua-

ción de refugiados desde Francia a México.

Tabla II:Refugiados llegados a México en expediciones del SERE (1939-1940)

Por Veracruz Por Nuevo Laredo Por Coatzacoalcos Por TampicoSinaia 1.599 Normandie 10 Cuba-Sto. Domingo 555 Vita 25Ipanema 994 De Grasse 735        Mexique 2.067 Ile de France 137        Siboney 72 Manhattan 25        México 18 Champlain 634        Iseri 7 New Amsterdam 38        Orizaba 16 Voledam 45        Flandre 587 Penland 12        Leerdam 18 Orduña 15        Orinoco 116 Westernland 18        Monterrey 6 Washington 15        Iberia 42 Lacastria 14        Statendam 50 Lasalle 45        Maasdam 12 Queen Mary 16        Colonial 250 Spardam 9            Vulcania 15            Reina del Pacífico 8            Expediciones varias 53        TOTAL 5.854  1.844  555  25Suma total de arribados a México en expediciones financiadas por el SERE: 8.278

Fuente: elaboración propia a partir de “Relación numérica de los compatriotas llegados en las distintas expediciones”, México, 14 de noviembre de 1940, Archivo de la Biblioteca Nacional de Antropología e Historia, México, fondo CTARE, exp. 6478.

16 Citado en Georgina NAUFAL: “Narciso Bassols, en la trinchera pública. Su lucha a favor de la España republicana y en contra del fascismo”, en James VALENDER (et. al.) Los refugiados españoles y la cultura mexicana, Madrid, Residencia de Estudiantes/El Colegio de México, 1999, p. 409.

Page 100: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

98

Menos numerosas fueron las expediciones que, patrocinadas y or-

ganizadas por el SERE, hicieron recalar a miles de refugiados españo-

les en la República Dominicana. Para completar estos objetivos se lle-

gó a un acuerdo con el SERE para la organización de expediciones con

destino a la isla caribeña. El SERE debía correr con todos los gastos de

transporte y, además, debía entregar una cantidad por emigrante para

facilitar su instalación.

Tabla III:Embarques del SERE con destino a República Dominicana (1939-1940)Nombre del barco Fecha de salida PasajerosFlandre 07-nov-1939 279Cuba 10-nov-1939 63Lassalle 19-dic-1939 770Cuba 11-ene-1940 509Lassalle 23-feb-1940 733Cuba 22-abr-1940 1.000Lassalle 16-may-1940 540TOTAL trasladados a Santo Domingo   3.894

Fuente: HERRERÍN, Ángel: ”La ayuda a los refugiados españoles en Santo Domingo”, en Secuencia, nº 63, 2005, p. 156.

La llegada de alrededor de cuatro mil refugiados en poco más de

ocho meses a un país con una población de poco más de un millón y

medio de habitantes hace que, con diferencia, sea el país americano

que acoja a un mayor número de republicanos españoles en relación a

su población. El impacto que esta llegada habría de tener sobre la eco-

nomía dominicana hubo de ser forzosamente elevado. Se trató de co-

locar a los recién llegados en colonias agrícolas de las zonas fronteri-

zas con Haití. Pero muy pocos de los llegados a la isla eran profesio-

nales de este ámbito. La adaptación a las duras condiciones laborales y

climáticas del caribe, en un ambiente de absoluta precariedad, se hizo

prácticamente imposible para los refugiados españoles que cayeron en-

fermos en unas proporciones alarmantes.17 Esta absoluta incapacidad

de la economía dominicana para asimilar a los refugiados españoles se

evidenció desde las primeras expediciones y la llegada de nuevos con-

17 Véase Vicente LLORÉNS y Manuel AZNAR: Memorias de una emigración: Santo Domingo, 1939-1945, Sevilla, Renacimiento, 2006; HERRERÍN, Ángel: “La ayuda…, pp. 153-178.

Page 101: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

99

tingentes no hizo sino empeorar la situación y aumentar el número de

refugiados desocupados. Para solucionar esa situación no quedó otro

remedio que buscar la reemigración a otro país americano y, desde fi-

nales 1940, la JARE se encargaría de tratar de mejorar la situación para

los refugiados en la isla y, finalmente, de la evacuación de amplios con-

tingentes hacia México.

Desde la primavera de 1939 una serie de organizaciones conosure-

ñas de solidaridad con la república Española, fundamentalmente la ar-

gentina, Federación de Organizaciones de ayuda a la República Españo-

la (FOARE) y el Comité Nacional pro Defensa de la República Democrá-

tica Española de Uruguay se lanzaron con todos sus medios a promo-

ver la organización y financiación de un embarque de refugiados des-

de los campos franceses del sur de Francia hasta México.18 El poeta Pa-

blo Neruda, que había participado activamente en las primeras reunio-

nes en las que se gestó esta campaña había declarado: parafraseando la

doctrina Monroe, “América para los españoles”.19 En argentina y Uru-

guay se lanza una intensa campaña para la recolección de fondos, orga-

nizándose todo tipo de actividades como la venta de bonos pro barco de

refugiados, publicaciones especiales, organización de festivales, etc.20

Para la misión de organizar un embarque con destino a México, es-

tos organismos se encontraban en íntima relación con el Comité inter-

nacional de Coordinación de París que pronto les hace ver las dificul-

tades de esta gestión. Ante la demanda de refugiados de media Europa

que pretendían salir de Francia por esos meses todos los barcos de pa-

sajeros que partían desde Europa tenían su listas de pasajeros comple-

tas para todo el año. Por tanto, para los embarques de españoles ha-

bría que equipar barcos de carga, los únicos disponibles, para el trans-

porte de refugiados lo que suponía un coste elevadísimo. Por otra par-

te, los organismos conosureños descubren que ante la posibilidad de

18 “Fletemos un barco con refugiados españoles a Méjico”, en España Democrática, nº 100, Montevideo, 6 de abril de 1939, p.5.

19 Los 10 puntos de la solidaridad democrática, Buenos Aires, 1939, SRRO, sección J, box 1, p. 6.

20 “Fletemos rápido un barco con refugiados españoles a Méjico”, en España Democrática, nº 100, Montevideo, 6 de abril de 1939, p.8.

Page 102: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

100

llevar refugiados a Chile, muchos familiares y amigos de refugiados re-

sidentes en Argentina y Uruguay estaban dispuestos a costear íntegra-

mente su pasaje o cooperar con gran parte del mismo pues era un país

mucho más próximo geográficamente. Traratían de explorar las posibi-

lidades de organización de embarques con destino a Chile, por lo que

una comisión de estos dos organismos se envía a este país para son-

dear del gobierno frente populista de Pedro Aguirre Cerdá la posibili-

dad de acoger españoles en un plan coordinado. En vista de que se ob-

tiene una posición favorable en Chile, se decide abandonar el proyecto

de llevar un barco a México fijando Chile como nuevo destino y se im-

planta un plan de apadrinamiento de refugiados para fomentar las co-

laboraciones individuales.21

A mediados de junio de 1939 la FOARE envió al Comité Internacio-

nal de París cuatro millones de francos, unos cien mil quinientos dólares

aproximadamente, para fletar un buque. Esta cantidad había sido reuni-

da mediante la colaboración de varios organismos, la Comisión Argen-

tina pro Campaña de Invierno y la FOARE desde argentina; El Comité

Nacional y su Comisión de Damas junto al Comité Central de Españo-

les desde Uruguay y el Ateneo Español Republicano de Bogotá desde

Colombia. Con esta catidad logró fletarse el paquebote francés Winni-

peg, 22 un barco mixto de pasaje y carga con capacidad para unos 90

pasajeros, al que se adaptó para poder embarcar a dos mil doscientos

refugiados desde burdeos con rumbo a Valparaíso.

Reunidos los fondos necesarios, comienzan a ultimarse los prepa-

rativos de la expedición. En Chile se crea un Comité Chileno de Ayu-

da a los refugiados españoles (CChARE) presidido por el último emba-

jador republicano, Rodrigo Soriano, y por el socialista chileno Marma-

duke Grove Vallejo. Este comité contaba con representación de todos

21 “Los refugiados irán a Chile en lugar de México”, en España Democrática, nº 106, Montevideo, 19 de mayo de 1939, p.1.

22 Véase Angélica VAZQUEZ: Winnipeg, cuando la libertad tuvo nombre de barco, Madrid, Ediciones Meigas, 1989; Jaime FERRER: Los españoles del Winnipeg: el barco de la esperanza, Santiago de Chile, Ediciones Cal Sogas, 1989; Diego CAICEDO: Neruda y el barco de la esperanza: la historia del salvamento de miles de exiliados españoles de la Guerra Civil, Madrid, Temas de hoy, 2006; Nuria MARTÍ: Bajo el mismo cielo: el Winnipeg rumbo a Chile, Barcelona, La Mar de Fácil, 2006.

Page 103: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

101

los partidos integrantes del Frente Popular Chileno y de la gran central

obrera C.T.CH y sería el encargado de asegurar la instalación de los es-

pañoles a su llegada a aquel país. El gobierno chileno de Pedro Aguirre

Cerda había destacado en París a Pablo Neruda como cónsul extraordi-

nario para la organización del embarque. La organización del embarque

del Winnipeg se realizaría de forma combinada entre Pablo Neruda, El

Comité Internacional de París y el organismo delegado del gobierno de

Juan Negrín para los refugiados el Servicio de Evacuación de Refugia-

dos Españoles, más conocido por sus siglas SERE.23

El sistema de selección de los embarques se realizó de la siguien-

te manera: los organismos financiadores como la FOARE o el Comité

Nacional realizaban unos primeros listados en base a sus intereses y a

los compromisos adquiridos mediante el sistema de padrinazgo. Es de-

cir aquellas personas que desde América habían pagado por la inclu-

sión en el embarque de un determinado amigo o familiar en el embar-

que. Estos listados eran remitidos al Comité Internacional de París que

se los hacía llegar al SERE. El SERE se encargaba de estudiar estos lis-

tados y seleccionar, en función de sus informes sobre el terreno, qué

refugiados eran “emigrables” y cuáles no. Finalmente, el SERE elabora-

ba sus propios listados de embarque que enviaba a Pablo Neruda en-

cargado de proporcionar los pertinentes visados.24 La fecha inicial del

embarque estaba prevista para el 30 de junio pero se tuvo que ir retra-

sando progresivamente por problemas organizativos. Durante el mes de

julio el gobierno chileno suspendió el embarque, existía mucha confu-

sión sobre el número de refugiados que iban a embarcar y fuertes re-

sistencia internas en Chile por lo que un ministro llegó incluso a anun-

ciar que se cancelaría. La FOARE delegaría a su Secretario, Setaro para

23 Sobre el SERE véase: Mateos, La batalla de México: final de la guerra civil y ayuda a los refugiados, 1939-1945. Madrid, Alianza, 2009, pp. 65-114; Moradiellos, Enrique: Don Juan Negrín. Barcelona, Península, 2006, pp. 461-571. Velázquez, Aurelio, “La labor de solidaridad del gobierno Negrín en el exilio: el SERE (1939-1940)”, Ayer, 97, 2015, pp. 141-168.

24 En una nota de prensa el Comité Nacional Uruguayo se apresuraba a declarar que: “En esta oportunidad el SERE ha declarado «emigrables» a todos los refugiados que iban incluidos en las listas del Comité Nacional y del Central de Españoles”. Véase “Rotundo triunfo de los comités de ayuda a España”, en España Democrática, nº 112, Montevideo, 29 de junio de 1939, p.1.

Page 104: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

102

negociar la situación con el gobierno del Frente Popular. Finalmente la

situación se resolvería mediante un convenio por el cual la FOARE ar-

gentina y el Comité Nacional Uruguayo se comprometieron a entregar

al Comité Chileno de Ayuda tres millones de pesos chilenos, unos cien-

to diez mil dólares aproximadamente, “como garantía para el sosteni-

miento de los refugiados españoles durante un término mínimo de seis

meses”.25 Salvada así la situación el gobierno chileno autorizó la salida

del Winnipeg con dos mil cien refugiados desde Burdeos el 4 de agos-

to. Tras un mes de travesía plagada de incidencias arribaría a Valparaí-

so el 3 de septiembre.

En el verano de 1940 tras producirse la débâcle francesa. Indalecio

Prieto, máximo responsable de la JARE, consciente del peligro que co-

rrían los refugiados en Francia, escribió una desesperada misiva al pre-

sidente Cárdenas rogándole que pudiera establecerse una ”solución de

carácter general con respecto a la entrada en México de españoles resi-

dentes en Francia”. La respuesta del líder mexicano no se hizo esperar

y ese mismo día envío una nota a Prieto en la que le informaba de que

“he dado instrucciones al señor Secretario de Relaciones [….] para que

se traslade a México el contingente que sea”.26

En esta nueva etapa, no obstante, los organismos de ayuda españo-

les no podían actuar legalmente en Francia desde su clausura, el 17 de

mayo de 1940,27 por lo que la figura central en la atención a los refugia-

dos españoles en Francia fue el nuevo ministro plenipotenciario de Mé-

xico ante la Francia de Vichy, Luis Ignacio Rodríguez.28 Fue este lega-

25 “Fueron salvadas las dificultades de última hora”, en España Democrática, nº 114, Montevideo, 13 de julio de 1939, p.7.

26 El subrayado aparece en el original. Ambas cartas aparecen en Actas de la Delegación de la JARE en México, Acta nº 84, 24de junio de 1940, Libro I, CDMH, fondo Carlos Esplá, exp. 3.1/2240.

27 Carta de Carlos Esplá a José Giral, México, 13 de junio de 1940, CDMH, fondo Carlos Esplá, exp. 11/8989.

28 Diplomático de carrera Luis I. Rodríguez nació en Silao, Guanajuato en 1903. Había sido rector de la Universidad de Guanajuato, secretario particular de Lázaro Cárdenas entre 1935 y 1937, gobernador de Guanajuato y desde abril de 1938 primer presidente del Partido de la Revolución Mexicana (PRM). En su faceta diplomática destacó por su labor al frente de la Legación Mexicana en Francia a favor de los refugiados de la Guerra Civil, aunque posteriormente ocuparía las em-

Page 105: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

103

do mexicano el que tuvo que tomar un papel destacado, convirtiéndose

en la mano operativa de estos organismos en el país galo. No solo debía

participar activamente en el reparto de ayudas, sino también, hacerse

cargo de todos los problemas que acarreaba la deplorable situación de

los refugiados, como la asistencia sanitaria, alimentación, ropa y también

su defensa diplomática y jurídica frente a las autoridades francesas.29

La situación de guerra abierta en Europa, no obstante, complicó so-

bremanera el traslado de nuevos contingentes. Por ello, el nuevo mi-

nistro azteca en Francia, Luis Ignacio Rodríguez, tuvo que llevar a cabo

negociaciones con el gobierno formado en Vichy por el general Petain

para asegurar la situación de los refugiados españoles hasta poder con-

cretarse su traslado a México. Dichas negociaciones acabaron fructifi-

cando en el llamado “Acuerdo Franco-Mexicano” de agosto de 1940. En

virtud del cual, México declaraba su intención de acoger a todos los re-

publicanos españoles refugiados en Francia sin distinción de sexo, edad

o banderías políticas. Por tanto, quedaban bajo la protección diplomá-

tica de la legación Mexicana hasta que llegara el momento de su trasla-

do al continente americano.

A pesar de la puesta en práctica del acuerdo Franco-Mexicano, du-

rante todo el período que duró la misión de Luis I. Rodríguez en Fran-

cia, hasta diciembre de 1940, no se logró llegar a realizar ningún em-

barque. Una comunión de varios factores hizo posible desbloquear la

situación. Por un lado, una inteligente presión llevada a cabo por la di-

plomacia mexicana sobre Vichy acusándoles de no cumplir con los tér-

minos de acuerdo Franco-Mexicano de agosto de 1940. Por otra parte,

la contratación de las expediciones, en acuerdos muy costosos, con una

naviera portuguesa. Todo esto hizo posible que, a finales de 1941, pu-

dieran volver a zarpar barcos con refugiados rumbo a América, en esta

ocasión financiados por la JARE.

bajadas mexicanas en Guatemala, Canadá y Venezuela. Véase RODRÍGUEZ, Luis I.: La Misión de Luis I. Rodríguez en Francia, la protección de los refugiados españoles julio a diciembre de 1940. México: COLMEX, SRE, CONACYT, 2000; RODRÍGUEZ, Luis I.: Ballet de Sangre. México: Nigromante, 1942, MALDONADO, Víctor Alfonso: Las tierras ajenas. Crónica de un exilio. México: Diana, 1992.

29 Véase HERRERÍN, Ángel: Op. Cit., (2007), pp. 69-113.

Page 106: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

104

Expediciones financiadas por la JARE (1941-1942)Buque Fecha llegada Pasajeros % Importe (USD) CoeficienteQuanza nov-41 379 17,63 147.080,00 388,07Serpa Pinto dic-41 36 1,67 15.326,00 425,72Nyassa may-42 804 37,40 320.000,00 398,01Guinea jun-42 80 3,72 20.700,00 258,75Serpa Pinto sep-42 104 4,84  Nyassa oct-42 747 34,74 360.000,00 481,93TOTAL   2.150 863.106,00 421,85

Fuente: elaboración propia a partir de HERRERÍN, Ángel: Op. Cit., (2007), pp. 98 y106.

Como vemos en esta nueva oleada de expediciones, contratadas en

plena guerra mundial trasladaron a unos dos mil españoles desde la

Francia de Vichy hasta México.

Una estimación numérica del exilio en América Latina

A fines de 1939 se habían trasladado a tierras americanas 14.000,

una buena parte de ellos a México; en la URSS se encontraban 6.000, y

en otros países del continente europeo, entre los que cabe destacar In-

glaterra, Bélgica y Suiza, se habían distribuido 3.000. El estallido de la

Segunda Guerra Mundial volvió aún más difícil la reemigración, pero

aun así en 1940 pudieron ir a República Dominicana 4.000, entre 1941

y 1942 4.000 más llegaron a México, y 1.000 se establecieron en otros

países de América Latina.

En julio de 1945 se creó la Oficina Central para los Refugiados espa-

ñoles, de la que era responsable el Comité Intergubernamental para los

Refugiados (CIR), convertida a partir de 1946 en Organización Interna-

cional para los Refugiados (OIR), que se ocupó de auxiliar a los refu-

giados españoles que permanecían en Europa y estaban en condicio-

nes difíciles. Entre sus tareas estuvo facilitar un nuevo proceso de re-

emigración, entre 1947 y 1951 contribuyó a que 9000 se establecieron

en diversos países de América Latina.

Según los estudios de Dolores Plá,30 estos distintos desplazamientos

hicieron que, después de Francia, Latinoamérica ocupará el segundo lu-

30 PLA BRUGAT, Dolores: Pan, trabajo y hogar: el exilio republicano español en América Latina. México: Instituto Nacional de Migración: Instituto Nacional de Antropología e Historia: DGE Ediciones, 2007, pp. 30-34.

Page 107: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

105

gar en importancia en la recepción de refugiados españoles, aunque re-

cibió una proporción relativamente pequeña, alrededor del 20% del to-

tal; y mucho menor resulta si se compara con la población de los paí-

ses receptores. Es por eso que el notable impacto que tuvieron los re-

fugiados en los países latinoamericanos no se debió a su número sino,

de manera destacada, a que entre ellos estaban los hombres y mujeres

más preparados de la vida española de las primeras décadas del siglo

XX, que habían logrado que tanto en el ámbito cultural como científico

España viviera una nueva época de oro.

En cuanto al número de refugiados en América Latina, todo parece

indicar que debieron haber sido más de los 30 o 32.000 estimados por

varios especialistas. A México debieron llegar alrededor de 18.000, Ar-

gentina 10.000, a Venezuela de 5000 y a Chile 3200 de modo que sólo

entre los cuatro principales receptores tendríamos un total mayor de

36.000. A ellos habría que sumar los establecidos en los demás países,

ya que, en mayor o menor número, no hubo ninguno en América La-

tina que no recibiera refugiados españoles. Tan sólo a través de la in-

tervención de la OIR, a la que hemos hecho referencia, arribaron a 17

países. Además de los llegados Argentina 2.951, Venezuela 2.623, Chile

776, y México 327, contabilizados ya en los números que hemos indi-

cado, Llegaron 920 a Bolivia, 714 Brasil, 237 Uruguay, 232 a Guatema-

la, 72 a Cuba, 49 a Colombia, 21 Paraguay, 18 Costa Rica,9 a República

Dominicana, 7 Ecuador, 7 Guayana francesa y 5 a Panamá.31

Pero no es fácil proponer una cifra más o menos definitiva del total

porque el conteo se dificulta por una característica propia del grupo es-

tudiado: la reemigración que llevó a un número importante de refugia-

dos a instalarse restaurarse sucesivamente en dos o más países. Frente

al arraigo, por ejemplo, de los refugiados en México, los que reparan

inicialmente República Dominicana y Colombia mayoritariamente aban-

donaron ambos países pasta meterse en otros.

Los números muestran también otra cuestión. Aunque sólo México,

República Dominicana y Chile estuvieron dispuestos en 1939 a recibir

contingentes importantes y por un buen tiempo fueron los principales

31 Ídem.

Page 108: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

106

receptores, al analizar los arribos a lo largo de los más de 10 años en

que se prolongaron se observa que finalmente habían de ser Argenti-

na y Venezuela quienes ocuparan el segundo y tercer lugar, después

de México. Esto muestra que una cosa son las coyunturas políticas, lo

como las que permitieron las llegadas de 1939, y otra los más durade-

ros procesos económicos sociales que permitirán o no la inserción de-

finitiva de los exiliados.

Coda:

Para finalizar, queremos destacar cómo el atlántico ejerció para los

refugiados españoles un doble papel. Por una parte, actúa como un

puente, dados los estrechos vínculos culturales e idiomáticos existentes,

América Latina se convirtió en un destino preferente para todos ellos,

se impone su visión como una tierra promisoria, una tabla de salvación

por la que huir de la miseria y la barbarie que había devorado España

y comenzaba a extenderse por Europa. Pero, por otra parte, el Atlánti-

co se erige también como un muro, como una barrera física que es ne-

cesario sortear y que nos impide alcanzar ese destino prometido. A lo

largo de estas páginas hemos tratado de mostrar cuál fue el periplo de

éste exilio por lograr saltar este muro. Hemos tratado acerca de las pro-

blemáticas existentes y los resultados obtenidos en aquellos primeros

y más complejos años del exilio que coincidieron con el estallido de la

Guerra en Europa. Queremos destacar, por último, la encomiable labor

desarrollada por los trabajadores de aquellas organizaciones de ayu-

da, tanto las derivadas de las instituciones del gobierno de la derrota-

da República Española como todas aquellas organizaciones de solidari-

dad que participaron activamente en ese proceso. Sin su concurso, no

hubiera sido posible este trasvase por el que decenas de miles de espa-

ñoles salvaron su vida cruzando el puente atlántico e iniciando uno de

los episodios más brillantes de la reciente historia compartida entre Es-

paña y América Latina.

Page 109: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

R e g i õ e s U lT R A P e R i F é R i c A s dA U n i ãO

e U R O P e i A . R e F l e x õ e s d e U m

d e B AT e e m A B e R TO 1

Isabel Maria Freitas Valente, PhD

CEIS20-UC

E-mail: [email protected]

Resumo

A reflexão sobre este tema centra-se nos novos desafios colocados

às Regiões Ultraperiféricas da União Europeia (UE), em particular à ul-

traperiferia portuguesa.

Palavras-chave: União Europeia; Regiões Ultraperiféricas; Desafios

Abstract

Reflection on this subject focuses on the new challenges facing the

outermost regions of the European Union (EU), in particular the outer-

most regions of Portugal.

Keywords: European Union; Outermost Regions; Challenges

Realizou-se este Seminário Internacional Portugal, Espanha e o Atlân-

tico, fruto da parceria entre o Grupo de Investigação Europeísmo, Atlan-

1 Texto inserido no âmbito da pesquisa de pós-doutoramento, financiada pela FCT SFRH/BPD/97623/2013, sobre “As Regiões Ultraperiféricas da União Europeia. Um Estudo Comparativo”, pelo que retomamos algumas ideias já explanadas nou-tros textos.

DOI: https://doi.org/10.14195/978-989-26-1877-7_4

Page 110: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

108

ticidade e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Sé-

culo XX da Universidade de Coimbra – CEIS20-UC e a UNED, numa fe-

liz confluência de passado, presente e futuro extremamente significati-

va para as Regiões Ultraperiféricas da União Europeia (Rups).

Por um lado, há um passado que tem vindo a ser evocado nas co-

memorações dos 60 anos do Tratado de Roma e dos 20 anos do Trata-

do de Amesterdão – alicerce fundador do conceito de ultraperiferia no

seu Tratado (Art. 299). Por outro lado, há um presente em que desco-

brimos ou (re)descobrimos um novo olhar, um novo paradigma, sobre

estes territórios, já não como região-problema, mas como “trunfos da

União Europeia no Mundo”. Há um futuro de incertezas e de grandes

desafios para a ultraperiferia, que são amplamente potenciados pela glo-

balização e pelas alterações climáticas.

Neste contexto, pensar este conceito de ultarperiferia implica neces-

sariamente pensarmos na raiz das diferenças destas regiões, na utopia

da convergência, na confiança da aplicação dos princípios da coesão

e desenvolvimento social bem como no princípio da subsidiariedade.

Memória breve

O terceiro alargamento, a Portugal e Espanha, ter trazido uma nova

dimensão geopolítica ao processo de integração europeia bem como ter

permitido, pela primeira vez, que a Europa deixasse apenas de ser de

“Estados e para Estados.”2 E deveria garantir a elaboração não só de po-

líticas gerais e unitárias para toda a União, mas simultaneamente, de po-

líticas específicas diferenciadas para as regiões ou comunidades do seu

território que apresentassem necessidades e graus de desenvolvimento

diferenciados, como por exemplo, as regiões de montanha, as regiões

industriais degradas, as ilhas. Entre as referidas ilhas3, algumas benefi-

ciariam de um estatuto específico - as regiões ultraperiféricas.

2 Relembre-se a este propósito que, no primeiro alargamento, as Regiões Autónomas dinamarquesas e inglesas optaram por não aderir às então Comunidades Europeias.

3 Na verdade, as ilhas europeias, na sua vasta maioria, suscitaram a execução de meios políticos ou de estruturas administrativas com carácter particular não cir-

Page 111: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

109

Na verdade, existem regiões que correspondem a uma realidade geo-

gráfica, política e histórica muito própria no seio da União Europeia

(UE) – as Regiões Ultraperiféricas (RUPs). Os departamentos franceses

‘d’Outre-Mer’, as ilhas portuguesas dos Açores e da Madeira e as ilhas

espanholas das Canárias possuem simultaneamente um conjunto de se-

melhanças e diferenças que lhes conferem um quadro especial dentro

da UE. Apesar de uma série de características específicas, comuns a to-

das estas regiões, que dificultam o seu crescimento e a recuperação do

atraso em relação a outras regiões da União, como seja o grande afas-

tamento do continente europeu, a insularidade, a pequena superfície, o

relevo e clima difíceis, a sua economia pouco diversificada e a sua de-

pendência económica em relação a alguns produtos e formas de ener-

gia, o regime político-administrativo, podemos concluir que a maioria

delas possui um regime particular, detém diferentes regimes económi-

cos e fiscais e regista diferenças de estatuto no quadro da adesão.

Ora, Portugal e Espanha, na sequência dos processos de democra-

tização vividos em meados da década de setenta do século XX, acaba-

riam por adoptar uma via mais autonomista face às suas ilhas. Portugal,

mantém-se como Estado unitário, no entanto, concede autonomia po-

lítico-administrativa às regiões insulares dos Açores e da Madeira. Por

seu lado, a Espanha tornou-se num Estado multi-regional, com dezas-

sete comunidades autónomas, com estatutos autonómicos equilibrados.

Assim, o Estado português é unitário e respeita, na sua organização,

os princípios da autonomia dos poderes locais e a descentralização de-

mocrática e administrativa pública. Os arquipélagos dos Açores e da Ma-

deira são Regiões Autónomas dotadas de estatutos políticos e adminis-

trativos e de órgãos de Governo que lhes são próprios. Cada arquipé-

lago dispõe de uma Assembleia Regional eleita por quatro anos por su-

frágio directo e universal e de um Governo Regional composto por um

Presidente, e de Secretários Regionais. A Assembleia Regional exerce o

poder legislativo, vota o orçamento e controla o governo regional que

exerce o poder executivo.

cunscrito ao quadro dos respectivos Estados, mas também, e de forma progressiva, afectariam a Europa Comunitária ao longo da sua construção.

Page 112: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

110

Em relação às ilhas Canárias, a organização institucional assenta numa

Assembleia Legislativa eleita por sufrágio universal e proporcional, num

Conselho de Governo que exerce as funções executivas e administrativas

dispondo de um Presidente eleito pela Assembleia e nomeado pelo

rei de Espanha. Acresce dizer que a Constituição espanhola tem por

fundamento a unidade indissolúvel da Nação, pátria comum e indivisível

de todos os espanhóis. Ela reconhece e garante o direito à autonomia das

nacionalidades e das regiões que a compõe e a solidariedade entre elas.

Uma das conclusões a que podemos chegar é que a autonomia, por

um lado, e a integração europeia, por outro, constituem os dois eixos

fundamentais do combate às assimetrias internas constituindo-se tam-

bém como veículos de unificação política destas regiões. Relativamente

a este assunto, Avelino de Freitas Meneses, no seu artigo intitulado “As

Ilhas de Portugal na Construção da Europa” escreve o seguinte: “Nas

Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, a autonomia é a principal

conquista do 25 de Abril, mas a União Europeia é também uma indis-

pensabilidade. Aliás, a Europa de hoje já não é a Europa das Nações. Em

vez disso, é cada vez mais Europa das regiões. Assim, a par da Consti-

tuição da República Portuguesa, a União Europeia é um dos principais

arrimos da autonomia, enquanto expressão da democracia e instrumen-

to de desenvolvimento.”4

Importa igualmente considerar que a apresentação da candidatura

de Portugal às Comunidades Europeias (28 Março de 1977) representou

um enorme desafio, do ponto de vista executivo e administrativo, para

as recentes autonomias açoriana e madeirense. Assim, os Governos Re-

gionais dos Açores e da Madeira mantiveram, durante o período das ne-

gociações de adesão, um membro responsável pela integração europeia

que acompanhou, em nome das respectivas Regiões, o processo nego-

cial com a Comissão Europeia.

No âmbito do novo quadro institucional, as negociações de adesão

às Comunidades Europeias, por parte dos Açores, foram coordenadas

no âmbito da Comissão Regional para a Integração Europeia, presidida

4 MENESES, Avelino de Freitas – “As Ilhas de Portugal na Construção da Europa”. In As Ilhas e a Europa. A Europa das Ilhas. Funchal: CEHA, 2011, pp.398-411.

Page 113: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

111

pelo membro do Governo responsável por esse processo.5 No caso da

Madeira, é criada em 1978, pelo Decreto Regional n.º 13/78/M, de 10.3,

a Comissão Regional de Estudos para a Integração Europeia dando lu-

gar à Comissão Regional para a Integração Europeia, em 1981 (Decreto

Regional n.6/81/M, de 20.4), que acompanhou todo o processo nego-

cial de adesão desta região. Já em 1986, através da Resolução do Con-

selho de Governo n.º273/86, de 13.0, é instituída a Comissão Regional

para os Assuntos das Comunidades Europeias. Dito de outra forma, o

Governo Regional da Madeira, no âmbito das negociações para integra-

ção de Portugal na Europa comunitária e das medidas para acautelar

as particularidades específicas da região, acompanhou desde sempre o

processo negocial, através de um seu representante na Comissão para

a Integração Europeia.6

Tendo em conta o objectivo para que é convocada aqui e agora a re-

flexão, parece-nos importante sublinhar que o processo de integração

das regiões ultraperiféricas portuguesas e espanholas seguiu rumos di-

ferentes, a partir do momento em que estes territórios foram incorpora-

dos na Europa comunitária. Assim, a Madeira e os Açores optaram por

uma adesão plena7, o que lhes possibilitou, logo no início, beneficia-

rem de todas as ajudas estruturais europeias. Enquanto as ilhas Caná-

rias decidem por uma fórmula mais ecléctica, com determinadas condi-

5Relativamente a este assunto Pedro Faria e Castro sustenta que “inicialmente, o Governo Regional dos Açores teve dúvidas quanto ao interesse da Região em aderir, pleno menos de pleno direito, às Comunidades Europeias. E essas dúvidas tinham origem numa preocupação de natureza política que se traduzia na necessidade de garantir que as competências que a Região havia ganho ao ‘Terreiro do Paço’ com a autonomia político-administrativa não fossem transferidas para Bruxelas (…). Por esse motivo, o Governo Regional decidiu encomendar um estudo que avaliasse esse interesse. As conclusões do estudo permitiram ao Governo Regional não levantar objecções à regular negociação de adesão às Comunidades Europeias.” Cf. CASTRO, Pedro Faria e - Açores – Paradiplomacia e Autonomia. A participação das entidades subestatais na determinação e condução da política externa dos Estados. Lisboa: ISCSP, 2015, p.59.

6 Criada na Presidência do Conselho de Ministros, pelo Decreto-Lei n.º 306/77, de 3 de Agosto. RAM - Direcção Regional dos Assuntos Europeus e da Cooperação Externa/Comissão Regional para a Integração Europeia. Consultado em 13 de Outubro de 2015. Disponível em: file:///C:/Users/Isabel%20Valente/Downloads/file874.pdf

7 Beneficiava, todavia, de regimes especiais em matéria fiscal.

Page 114: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

112

ções, nomeadamente em sede de união aduaneira bem como económi-

ca e fiscal, fixadas no Protocolo anexo ao Tratado de Adesão, curiosa-

mente relativo às Canárias, a Ceuta e a Melila.8

Neste quadro não deixa de ser importante realçar que no processo

de adesão relativo aos Açores e à Madeira, a inscrição, por parte dos

Estados signatários do Tratado de Adesão de Portugal da “Declaração

comum relativa ao desenvolvimento económico e social das regiões au-

tónomas dos Açores e da Madeira”, anexa ao Tratado9, revestiu-se de

um enorme alcance político. Registe-se também que a referida declara-

ção reconhece as desvantagens económicas e sociais dos dois arquipé-

lagos portugueses decorrentes da sua situação geográfica (afastamento

do continente europeu), da sua orografia acentuada e da grande insufi-

ciência de infra-estruturas. Deste modo, foram identificados, pela primei-

ra vez, os constrangimentos permanentes das ilhas atlânticas que viriam

a ser utilizados na construção e definição do conceito de ultraperiferia.

Conceito de Ultraperiferia

Desde a entrada em vigor do Acto Único Europeu (1987) que o prin-

cípio da coesão económica e social adquire uma importância vital. Cons-

titui-se, então, como um dos pilares fundamentais em que assenta o pro-

jecto europeu, “entendido como o garante da aplicação do objectivo –

muito claro – da harmonização territorial da Europa, numa perspectiva

económica e social. A Europa só poderá garantir uma adesão tranquila

e saudável aos candidatos na medida em que se apresentar económica e

socialmente coesa, sem situações adiadas, que causem dúvidas aos no-

vos membros quanto à determinação da aplicação dos seus objectivos.”10

8 Protocolo n.º2 relativo às Ilhas Canárias e a Ceuta e Melilha, anexo ao Tratado de Adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa às Comunidades Europeias, Jornal Oficial das Comunidades Europeias, L 302, de 15 de Novembro de 1985, p. 400.

9 Declaração comum relativa ao desenvolvimento económico e social das re-giões autónomas dos Açores e da Madeira, anexa ao Tratado de Adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa às Comunidades Europeias, Jornal Oficial das Comunidades Europeias, L 302, de 15 de Novembro de 1985, p. 479.

10 AMARAL, Carlos Eduardo Pacheco; CASTRO, Pedro Faria e – As ultraperiferias na Europa do futuro. Ponta Delgada: Universidade dos Açores, 2004.

Page 115: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

113

Assim, numa Europa alargada e com um nível de desenvolvimen-

to mais diversificado, o princípio da coesão económica e social deverá

ser preservado através de uma política comunitária a favor das regiões

e Estados menos desenvolvidos.

A esta luz, cabe recordar as palavras do Comissário Europeu Michel

Barnier: «la politique de cohésion ne doit pas négliger les régions de

l’Union actuelle, où de réels besoins demeurent. La cohésion en Europe

n’est pas seulement une question d’équilibre économique – c’est aus-

si une affaire politique. L’ Union européenne signifie aussi, et peut-être

surtout, la solidarité et la coopération entre Etats et régions. Il ne s’agit

pas seulement de produire des normes, des règlements ou directives.»11

É de todo útil e importante chamar à colação o lóbi, que desde a dé-

cada de setenta, as regiões vinham fazendo junto das Comunidades Eu-

ropeias com o objectivo de integração plena dos seus interesses no pro-

cesso de construção europeu. Esta estratégia concertada iniciou-se com

a criação, em 1973, em Saint-Malo, da Conferência das Regiões Periféri-

cas Marítimas da CEE (CRPM) composta pelas regiões dos Estados-mem-

bros bem como dos Estados que instruíam os seus processos de candi-

daturas de adesão às Comunidades.

Neste contexto, Jean-Didier Hache questiona-se: «les Etats membres

ont pratiquement tous mis en place des dispositions particulières pour

leurs îles. Pourquoi L’Europe n’en ferait-elle pas autant?»12

Ora, aqui emerge e se desenha um longo e árduo caminho, embora

relativamente rápido, até começar a ser utilizado na Europa um conceito

de carácter jurídico e agrupador destas regiões específicas – as RUPs, o

que acontece porém, a partir de meados da década de oitenta, por ini-

ciativa das autoridades portuguesas.13 Efectivamente, a consagração do

estatuto Ultraperiferia para estas regiões deve-se à acção inequívoca e

entusiástica dos Governos Regionais da Madeira e dos Açores em estri-

11 BARNIER, Michel – « L’élargissement de l’Union européenne et politique de cohésion ». In Europa :Novas Fronteira. Lisboa, Principia, 2001, pp. 11-13.

12 Cf. HACHE, Jean-Didier - «Quel Statut pour les Îles d’Europe?». In Quel Statut pour les Îles d’ Europe?/What Status for Europe’s Islands? Paris : L’Harmattan, 2000, p. 30.

13 A este propósito leia-se FORTUNA, Mário - «A problemática das regiões ultra-pe-riféricas,». In Compêndio de Economia Regional. Coimbra: APDR, 2002, pp. 596-622.

Page 116: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

114

ta coordenação com o Governo da República. É indubitável que, atra-

vés de Alberto João Jardim (Presidente do Governo RAM),14 e de João

Bosco Amaral15 (Presidente do Governo da RAA) as Regiões Autóno-

mas portuguesas puderam não só marcar a agenda das negociações no

quadro das RUPs, como também obter uma grande parte do apoio in-

ternacional necessário à aprovação do mesmo.

Se bem que a sua origem ainda esteja sujeita a controvérsia, estamos

em crer que o vocábulo ultraperiférica foi utilizado talvez em primei-

ro lugar em Outubro de 1987, quando ocorreu a Assembleia Geral da

CPRM16 na Ilha de Reunião, dirigida pelo então Presidente dos Açores,

João Bosco Mota Amaral. Procurando uma matização de referência no

quadro conceptual, o então Presidente dos Açores utiliza, de forma es-

pontânea, a expressão «mais que» e depois «ultra» para caracterizar o con-

ceito de perifericidade da situação das ilhas afastadas do continente euro-

peu. Deste modo, e no dizer de Patrick Guillaumin, «les îles et les Régions

Ultrapériphériques étaient nées, crées par les Régions elles-mêmes.17

É um facto que tentativas houve no sentido de criar um espaço polí-

tico que inserisse estas regiões permitindo o seu desenvolvimento eco-

14 Recorde-se que Alberto João Jardim se destacou nos meios comunitários em virtude de ter sido líder do movimento regionalista europeu. Entre 1987 e 1996 foi Presidente da Conferência das Regiões Periféricas da União Europeia, da qual é hoje Presidente Honorário. Foi representante de Portugal no extinto Conselho Consultivo da Política Regional e Local da Comunidade Europeia, agora substituído pelo Comité das Regiões. É Vice-presidente do Comité das Regiões da União Europeia. É um dos representantes portugueses na Conferência dos Poderes Locais e Regionais do Conselho da Europa. E foi um dos fundadores do Bureau da Assembleia das Regiões da Europa, ao qual pertenceu.

15 De igual modo, João Bosco Soares Mota Amaral evidenciou-se nos comuni-tários pelo seu trabalho enquanto Membro e Presidente da Delegação Portuguesa ao Congresso Permanente dos Poderes Locais e Regionais da Europa (1979/1995); Presidente da Comissão das Ilhas da Conferência das Regiões Periféricas Marítimas da Comunidade Europeia (1994/1995); Vogal da Comissão Permanente da Assembleia das Regiões da Europa; Chefe da Delegação Portuguesa no Comité das Regiões; Vice-Presidente do Comité das Regiões (1994/1995).

16 As RUPs acolhem a CRPM durante dois anos consecutivos: Na Ilha de Reunião, em 1987, e na Madeira, em 1988. Deste modo, a CRPM contribui certamente para a transformação de uma «Communauté d’ approche» numa «communauté de destin». Cf. GUILLAUMIN, Patrick - «La Dimension Ultrapériphérique de l’Union Européenne». In Quel Statut Pour les Îles d’Europe? Paris: Harmattan, 2000, p. 108.

17 Patrick Guillaumin, art. cit., p. 108.

Page 117: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

115

nómico e social, projecto aliás já acalentado nos fins dos anos cinquen-

ta. O que viria a acontecer de forma mais formal no Conselho Europeu

de Rodes, em 1988.18 «A motivação política dos Estados-membros envol-

vidos era evidente: conferir um estatuto especial às sete regiões – Aço-

res, Madeira, Canárias, Reunião, Guadalupe, Martinica e Guiana – que

garantisse, por parte das Comunidades Europeias, a adopção de medi-

das que minimizassem os efeitos perversos do Mercado Interno face à

insularidade daquelas regiões.19

Mais uma vez, não deixa de ser sintomático o papel dos políticos re-

gionais portugueses. Em 1988, o Presidente da Madeira convida os seus

colegas das RUPs para uma sessão de trabalho com o objectivo de abor-

dar questões do interesse comum, na hora em que se discutia o projec-

to do programa próprio de acções específicas para fazer face ao afas-

tamento e à insularidade dos departamentos franceses ultramarinos20

(POSEIDOM), nas instâncias comunitárias. Nascia, deste modo, o gru-

po de Regiões Ultraperiféricas da UE.21 A pedido de Portugal e de Es-

panha, a Comissão propõe ao Conselho dois novos programas decalca-

dos do POSEIDOM: o POSEIMA,22 dedicado à Madeira e aos Açores, e

o POSEICAN,23 que diz respeito às Canárias. Ceuta e Melilha não foram

objecto de nenhum programa–quadro POSEI porque não foi apresen-

18 Por iniciativa do então Primeiro-ministro português, Aníbal Cavaco Silva.

19 Carlos Eduardo Pacheco Amaral e Pedro Faria e Castro, ob.cit.

20 Os programas POSEI tiveram início em 1989 com a adopção para os DOM franceses, do programa de opções específicas para fazer face ao afastamento e à insularidade (POSEIDOM). Em 1991 foram aprovadas as versões destinadas às Canárias (POSEICAN) e aos Açores e à Madeira (POSEIMA). Quanto à sua natureza, as acções de política ao abrigo do POSEI podem ser classificadas em seis grandes grupos: financeiras, sectoriais, relativos à agricultura e às pescas, fiscais, aduaneiras, cooperação regional e auxílios de Estado.

21 Efectivamente, as sete Regiões, em resultado das reuniões informais cons-tantes após a iniciativa histórica de Alberto João Jardim, assinam um Protocolo de Cooperação, em 1995, na Gourbeye (Guadalupe),criando a Conferência dos Presidentes das RUPs.

22 Decisão do Conselho das Comunidades n.º 91/315/CEE de 26 de Junho de 1991 relativo ao Programa de opções específicas para fazer face ao afastamento e à insularidade da Madeira e dos Açores (POSEIMA), J. O.C.E. n.º L 171 de 29 de Junho de 1991.

23 Decisão do Conselho das Comunidades de 26 de Junho de 1991 referente ao Programa de opções específicas para fazer face ao afastamento e à insularidade

Page 118: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

116

tado por Espanha nenhum requerimento de modificação de estatuto e,

além do mais, estas duas cidades não apresentam um afastamento do

Continente europeu comparável ao das regiões beneficiadas por aque-

les programas-quadro. Neste contexto, os programa POSEI procuram dar

conteúdo aos objectivos delimitados no Conselho Europeu de Rodes.

No âmbito da reforma dos Fundos Estruturais, estas regiões são to-

das classificadas de objectivo1, formulação respeitante a todas as zonas

com atraso de desenvolvimento.24 É bom lembrar que o recurso à ac-

ção dos Fundos Estruturais constitui um dos dois motores que «devem

contribuir para a descolagem económica destas regiões.» O outro motor

é «constituído por modelação na aplicação de certas políticas comuns,

a fim de torná-las mais consentâneas com a realidade.»

Com efeito, foi neste cenário que se afirmou o «conceito de Ultra-

periferia, que designa as regiões beneficiárias dos três programas. Este

conceito baseia-se nas especificidades que são comuns a estas regiões

e que as diferenciam das outras regiões da União.»25

Na perspectiva de um aprofundamento do conceito de Ultraperiferia,

por um lado, e da obtenção de um maior número de medidas de discri-

minação positiva para as RUPs, por outro lado, ocorreram, a partir de

1991, as Jornadas Parlamentares Madeira-Açores-Canárias, que passa-

ram a ter um carácter regular.

O ano de 1992 marca um ponto fundamental e decisivo no reconhe-

cimento dos «handicaps» estruturais conjugados com o grande afasta-

mento, a insularidade, o relevo acentuado e o clima difícil é consagra-

do na Declaração n.º 2626, proposta esta feita pela França e consagra-

da no Tratado de Maastricht (1992). Embora se trate de um acto, ane-

das Canárias (POSEICAN), Jornal Oficial da Comunidade Europeia ( J. O.C.E). n.º L 171 de 29 de Junho de 1991.

24 Irlanda, Grécia e Portugal pertencem inteiramente a esta categoria de regiões onde o PIB/hab. é inferior a 75% da média comunitária.

25 AZZI, Giuseppe Ciavarini – “Etapa por Etapa. O Caminho que Conduziu ao Estatuto das Regiões Ultraperiféricas.” In Economia & Prospectiva, Economias. Lisboa, n.º 13/14 Julho/Dezembro2000, pp. 49-60.

26 Tratado da União Europeia, assinado em Maastricht, em 7 de Fevereiro de 1992, a Declaração relativa às Regiões Ultraperiféricas da Comunidade, Jornal Oficial das Comunidades Europeias, C 191, de 29.07.1992, p. 104.

Page 119: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

117

xo a este Tratado, ele deve ser considerado como um acordo unânime

dos Estados-membros de adoptarem o direito comunitário a estes ter-

ritórios. Na verdade, foi possível considerar «medidas específicas a seu

favor, na medida em que exista e enquanto existir uma necessidade ob-

jectiva de tomar tais medidas, tendo em vista o desenvolvimento eco-

nómico e social dessas regiões. Essas directrizes deviam referenciar si-

multaneamente objectivos de realização do mercado interno e de reco-

nhecimento da realidade regional, de modo a permitir que essas Re-

giões Ultraperiféricas consigam atingir o nível económico e social mé-

dio da Comunidade.»27

Deste modo, tal declaração constitui um primeiro passo no sentido do

reconhecimento, por parte dos países da União Europeia, de que exis-

tem regiões com características específicas e peculiares que justificam a

existência de políticas específicas para as RUPs e que estas deveriam ter

uma natureza diferente, melhor dizendo, um carácter mais permanente,

merecendo um compromisso mais firme por parte dos países da União.28

Em termos políticos reforçou-se assim o princípio da harmonização

territorial da Europa, numa perspectiva económica e social; daí a Reso-

lução de 29 de Junho de 199529 sobre o documento da Comissão «Eu-

ropa 2000 – Cooperação para o Ordenamento do Território Europeu»

27 Mário Fortuna, op. cit., pp. 598-600.

28 A partir deste momento procede-se a uma aceleração do processo de con-solidação da situação das RUPs com a sucessiva aprovação de distintas iniciativas realizadas em seu benefício. Neste mesmo ano foi aprovado o Programa REGIS, de iniciativa comunitária, para favorecer o desenvolvimento das RUPs. Em 1993, os re-presentantes das RUPs, reunidos na XX Assembleia da CRPM em St Malo, reafirmam a necessidade de reforçar a cooperação no seio das organizações inter-regionais como a CRPM e a Comissão das ilhas bem como no seio do Comité das regiões criado pelo Tratado de Maastricht. Entre outras reivindicações os governos das ilhas pretendem um apoio pleno por parte dos respectivos governos e da Comissão, no processo de aproximação dos cidadãos e dos operadores económicos às suas ilhas, bem como a atenção «du Conseil et de la Commission sur la nécessité de traduire concrètement les principes nouvellement actés dans le Traité de Maastricht vis à vis des régions ultrapériphériques, notament au niveau de la politique régionale.» Cf. Relatório dos Representants des régions ultrapériphériques (Açores- Canaries- Guadeloupe- Madere- Martinique- Réunion), XXème assemblée générale de la CRPM, St. Malo, 14 Octobre, 1993.

29 JOC 183 de 17.7.1995, p. 39.

Page 120: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

118

na qual se solicitava a criação de um estatuto jurídico específico para as

Regiões Ultraperiféricas da União.

É óbvio que a declaração procurava dar esteio jurídico-constitucio-

nal à iniciativa que os POSEI representavam. No entanto, a Declaração

n.º 26, anexa ao Tratado acabaria por se revelar insuficiente face “exi-

gente entendimento dos serviços jurídicos da Comissão Europeia sobre

a necessidade de agir, conforme determinavam as decisões POSEI, nos

termos de um mandato devidamente clarificado no próprio articulado

Tratado. Foi nesse sentido que as regiões ultraperiféricas começaram a

actuar, na perspectiva da convocação de uma conferência Intergover-

namental em 1996 para rever os tratados.”

Sublinhe-se ainda o facto de o Colóquio de Estrasburgo, de 16 de

Março de 1995, reafirmar a necessidade de obter da CIG 96 as garan-

tias jurídicas que permitam à União tomar as medidas de compensação

e de adaptação necessárias à realidade e especificidades regionais pre-

vistas na Declaração n.º 26 do Tratado de Maastricht, conforme ao ob-

jectivo de coesão económica e social. De acordo com os representantes

dos governos regionais, deve-se agora avocar a inclusão de um novo ar-

ticulado no Tratado de Amesterdão.

Para tal, era necessária a inscrição no Tratado de um artigo que co-

brisse o conjunto das RUPs em substituição do n.º 2 do artigo 227 que

apenas se referia aos Departamentos Ultramarinos (DU) e cuja redac-

ção estava ultrapassada.

Em 14 de Março de 1996, as RUPs, reunidas na Madeira, mais con-

cretamente no Funchal, na 2.ª Conferência dos respectivos Presidentes,

pedem a modificação e uma nova redacção para o n.º 2 do artigo 227

do Tratado de Roma. Vão mesmo mais longe, pois debruçam-se sobre

a questão e redigem um projecto comum, a inserir no novo Tratado.30

30 As pretensões das RUPs estão bem claras neste excerto da proposta de pro-jecto comum, a inserir no novo Tratado: «As disposições do Tratado, assim como as de direito derivado, serão aplicáveis às Regiões Ultraperiféricas (Departamentos franceses do Ultramar, Madeira, Açores e Canárias); contudo, tendo em vista a rea-lidade específica destas regiões, as normas jurídicas que desenvolvem as políticas comunitárias comuns a que se refere o artigo 3.º do Tratado, devem prever medidas de modulação e derrogação que adaptem a sua aplicação às características estrutu-rais de insularidade, afastamento, orografia, pequena dimensão e fragmentação do

Page 121: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

119

Nesta reunião foi criado um Comité de acompanhamento da CIG. Este

comité reuniu-se várias vezes no decorrer de 1996. Em Gozo, durante a

reunião da Comissão das ilhas; em Abril, em Bruxelas, por ocasião das

reuniões do comité das Regiões; e em Outubro de 1996, e em Teneri-

fe, por ocasião da reunião da CRPM. Em todas elas, os Presidentes das

RUPs reiteraram, numa Declaração Comum, a necessidade de consoli-

dar o estatuto de ultraperificidade e clarificam os objectivos que o arti-

culado deveria consagrar.

Simultaneamente, o conjunto dos Estados-membros começa a dar-se

conta que este tema não podia continuar a ser ignorado.

O Conselho Europeu de Turim, de 29 de Março de 1996, indicava

nas suas conclusões que a Conferência Intergovernamental deveria exa-

minar o estatuto das RUPs. No âmbito desta Conferência (CIG/96), as

Regiões pretendem o seu reconhecimento como RUPs de pleno direito,

beneficiando por isso do enquadramento mais adequado ao seu desen-

volvimento económico e social à luz dos objectivos orientadores da po-

lítica de coesão31. Vale a pena referir o interesse e o apoio demonstra-

dos por este assunto, pelo Estado português32 durante a CIG/96. Por-

tugal defende a fixação de medidas conducentes a uma política de sus-

mercado e carência de recursos naturais; ainda assim o Conselho pode determinar as condições de aplicação do presente Tratado, adoptando medidas particulares a favor das Regiões Ultraperiféricas de acordo com o procedimento previsto no artigo 189-B, com intensidade e pelo período de tempo em que persistam as necessidades objectivas de tomar tais acções. Estas deverão nos termos do Protocolo anexo, per-mitir a estas Regiões, compensar as suas desvantagens estruturais. As disposições do Direito derivado actualmente em vigor relativas às Regiões Ultraperiféricas mantêm a sua vigência.»

31 Neste mesmo ano (1996) é apresentada uma proposta de resolução pelos deputados Sánchez García, Mendonça, Vieira, Costa Neves, Sierra González e Fernández Martín (B4-0721/96).

32 As noções e as reflexões sobre a ultraperificidade, bem como a necessidade de uma base político-jurídica, foram sempre objecto de pressão e de diligências por parte da Região Autónoma da Madeira, junto do governo central. A este propósito leia-se a Moção n.º 1/96/M, Aprovada em sessão plenária da Assembleia Legislativa Regional da Madeira em 8 de Maio de 1996, onde se solicita «ao governo da República que, no âmbito das negociações a decorrer na CIG, cujo início ocorreu no passado dia 29 de Março em Turim, tenha em particular e permanente atenção a especial e desfavorável situação da região insular da Madeira e da sua ultraperificidade face ao continente europeu».

Page 122: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

120

tentação do modelo social europeu, no sentido de uma coesão econó-

mica e social, que constitui um «elemento-chave de solidariedade intra-

comunitária». Neste ponto, Portugal procurou que o «Tratado da União

Europeia revisto consagrasse uma mais substantiva atenção às questões

das Regiões Ultraperiféricas.»33

Em Setembro de 1996, no Conselho Europeu de Dublin, a Espanha

apresentou formalmente um projecto à Conferência Intergovernamen-

tal de alcance bastante abrangente. Ele seria substituído, em Dezem-

bro de 1996, por um outro projecto conjunto apresentado por Espanha,

França e Portugal34, tendo em vista: 1.º) o reforço do conceito de ultra-

perificidade definido na Declaração n.º 26 do TUE; 2.º) a manutenção

do apoio prioritário acordado pela UE no quadro da coesão económi-

ca e social; 3.º) a possibilidade de adaptação das políticas comunitárias

às realidades regionais como forma de responder à necessidade de de-

senvolvimento.35 Deste modo, as RUPs esperavam que os seus objecti-

vos fossem alcançados através da inclusão, no Tratado de uma disposi-

ção que, ao reconhecer o seu Estatuto Específico, permitisse às institui-

ções comunitárias «não só a adopção de medidas particulares a seu fa-

vor como também determinar condições especiais de aplicação do Tra-

tado aos seus territórios.»36. Nas conclusões da referida Cimeira consta

que o Conselho tomou nota da referida proposta e transmitiu-a à CIG

para apreciação, comprometendo-se a presidência seguinte (holande-

sa) a dar continuidade ao dossier. Foi nesta base que se desenrolaram,

durante o 1.º semestre de 1997, os trabalhos da Conferência consagra-

dos ao estatuto das RUPs.

É bom lembrar ainda a reunião levada a efeito em 3-4 Fevereiro de

1997, no Funchal, dos representantes das RUPs, no âmbito dos projectos

de cooperação entre as ilhas. É também importante assinalar a posição

33 Leia-se Portugal e a Conferência Intergovernamental para a Revisão do Tratado da União Europeia, Ministério dos Negócios Estrangeiros, Lisboa, Março de 1996, p. 30.

34 Veja-se CONF/2501/96; CONF/3999/96.

35 Cf. JARDIM, Alberto João - «A Região Autónoma da Madeira», in Eipascope, Instituit Européen d’ Administration Publique, n.º 1997/1, pp. 19-35.

36 Alberto João Jardim, art. cit., p. 22.

Page 123: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

121

comum dos Presidentes das RUPs, entregue no Parlamento Europeu, em

26 de Fevereiro de 1997. A par destas reflexões muitas outras podem ser

evocadas. Com efeito, a ultraperificidade implica tanto o reconhecimento

das especificidades estruturais de certas regiões da União como a resposta

que essas especificidades devem encontrar nas políticas comunitárias

a fim de permitir uma plena integração, em igualdade de condições,

dessas regiões no espaço europeu.

Em 17 de Abril de 1997, realizou-se a 3.ª Conferência dos Presidentes

das RUPs, em Saint Denis, na ilha de Reunião.37 Durante este encontro

os Presidentes dialogaram com a Comissária Wulf Mathies, responsável

pela política regional, e puderam sensibilizá-la para os problemas con-

cretos das RUPs, muito especificamente sobre a inclusão do novo arti-

go no Tratado de Amesterdão, a organização do mercado das bananas

e as regras da OMC, bem como a política regional e medidas derroga-

tórias a favor das RUPs38.

Os três Estados-membros encontraram, de facto, um sólido apoio na

Comissão, que defendeu o projecto. Por seu lado, o Parlamento Euro-

peu votou, em Março de 1997, uma resolução39 que aprovava, sem am-

biguidade, o texto, após o encontro de uma solução de equilíbrio en-

tre as legítimas necessidades das RUPs e a salvaguarda da indispensá-

vel coerência da construção comunitária.40

37 Durante esta Conferência foi deliberado elaborar um «memorando» ou «Livro Branco», das RUPs, com o objectivo de identificar, num plano concreto, os eixos prioritários em que deve assentar a política comunitária no que respeita às RUPs, na base do novo artigo 227 n.º 2 do Tratado da União Europeia. As regiões das Canárias e da Reunião ficaram encarregadas, no âmbito do Comité de Acompanhamento, de dinamizar os trabalhos de elaboração do documento em causa.

38 Ainda durante esta reunião foi decidido mandatar o Comité técnico para avançar com os trabalhos preparatórios para a realização dum memorando conjun-to das sete regiões, a ser apresentado à Comissão Europeia, após a ratificação do Tratado de Amesterdão.

39 Resolução A4-0128/97; Resolução sobre os problemas de desenvolvimento das RUPs da União Europeia, Jornal Oficial n.º C150 de 19/05/1997, p.0062.

40 Ainda em relação ao processo negocial, deve-se salientar a importância assumida pelo protocolo solicitado inicialmente por Portugal e Espanha, ao qual se juntou posteriormente a França. Este instrumento jurídico possibilitou aos três Estados-membros interessados a possibilidade de uma margem negocial que lhes foi extremamente útil na salvaguarda dos seus interesses. Na proposta aprovada, o

Page 124: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

122

Foi assim que, quarenta anos após a assinatura do Tratado de Roma,

as RUPs passaram a fazer parte integrante do Tratado da União. Com

efeito, o novo artigo tem um âmbito de aplicação mais lato do que o

n.º 2 do artigo 227. Doravante, para além dos «departamentos france-

ses ultramarinos, estariam igualmente abrangidos os Açores, a Madei-

ra e as ilhas Canárias.» Este novo artigo (299 n.º 2) confere um funda-

mento jurídico claro e sólido a medidas a favor das RUPs41. É bem cla-

ro este excerto. O n.º 2 do artigo 227º passa a ter a seguinte redacção:

«2. O disposto no presente Tratado é aplicável aos departamentos

franceses ultramarinos, aos Açores, à Madeira e às ilhas Canárias.

Todavia, tendo em conta a situação social e económica estrutural

dos departamentos franceses ultramarinos, dos Açores, da Madeira e

das ilhas Canárias, agravada pelo grande afastamento, pela insularida-

de, pela pequena superfície, pelo relevo e clima difíceis e pela sua de-

pendência económica em relação a um pequeno número de produtos,

factores estes cuja persistência e conjugação prejudicam gravemente o

seu desenvolvimento, o Conselho, deliberando por maioria qualifica-

da, sob proposta da Comissão e após consulta ao Parlamento Europeu,

adoptará medidas específicas destinadas, em especial, a estabelecer as

condições de aplicação do presente Tratado a essas regiões, incluindo

as políticas comuns.

O Conselho, ao adoptar as medidas pertinentes a que se refere o pa-

rágrafo anterior, terá em consideração domínios como as políticas adua-

neiras e comercial, a política fiscal, as zonas francas, as políticas nos

domínios da agricultura e das pescas, as condições de aprovisionamen-

to em matérias-primas e bens de consumo de primeira necessidade, os

protocolo aparece sob forma resumida no terceiro parágrafo passando a constituir um programa de acção das instituições comunitárias para com as RUPs.

41 O texto consagrado no Tratado de Amesterdão, assinado a 2 de Outubro de 1997, é um texto favorável aos interesses das RUPs portuguesas (Açores e Madeira) porque, partindo do princípio de que se aplica às RUPs o regime geral comunitário, prevê a possibilidade do Conselho poder adoptar medidas de discriminação posi-tiva que, ao terem em conta as especificidades das RUPs, configurarão um regime derrogatório permanente para essas regiões. Nesta sequência, o Comité técnico, reunido em La Rochelle, em Outubro de 1997, definiu a metodologia e calendário para a realização do memorando conjunto.

Page 125: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

123

auxílios estatais e as condições de acesso aos Fundos Estruturais e aos

programas horizontais da Comunidade.

O Conselho adoptará as normas plasmadas no segundo parágrafo

tendo em conta as características e os condicionalismos especiais das

Regiões Ultraperiféricas, sem pôr em causa a integridade e a coerência

do ordenamento jurídico comunitário, incluindo o mercado interno e

as políticas comuns.»

Como se vê, este artigo insere três aspectos que merecem um espe-

cial destaque.

1) O novo Tratado realça o empenho político da União na procura

de soluções para os problemas das RUPs.

2) Sendo um artigo novo no Tratado e não uma Declaração, fornece

uma base legal para acções concretas.

3) Este artigo compromete a União a prosseguir e a consolidar a

acção com os países envolvidos através de medidas específi-

cas adequadas ao desenvolvimento económico e social destas

regiões.

Em suma, a ultraperiferia representa assim um estatuto específico

para certas regiões da União Europeia que detêm determinadas carac-

terísticas comuns, como vimos anteriormente. Na verdade, trata-se de

um estatuto jurídico que confere garantias políticas em relação à parti-

cipação destas regiões no processo de integração europeia.

Para esclarecer este ponto deve-se ter em conta que o Tratado de

Lisboa, em virtude do qual se modifica o Tratado da União Europeia,

e o Tratado constitutivo da Comunidade Europeia, que agora passa a

designar-se por Tratado de Funcionamento da UE (TFUE), consolida

juridicamente o estatuto de ultraperiferia e reafirma o modelo de ple-

na integração das Regiões Ultraperiférica através dos articulados arti-

go 349.º e 355.º.

Existem actualmente nove regiões ultraperiféricas:

• Cinco departamentos ultramarinos franceses — Martinica (no Mar

da Caraíbas), Maiote, Guadalupe, Reunião, (no oceano índico) e

a Guina Francesa (enclave na floresta amazónica);

Page 126: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

124

• Uma colectividade ultramarina francesa — São Martinho, (no

Mar da Caraíbas);

• Duas regiões autónomas portuguesas — Madeira e Açores (no

Oceano Atlântico);

• Uma comunidade autónoma espanhola — Ilhas Canárias, (no

Oceano Atlântico).

Convém referir que até ao fim de 2011, a colectividade ultramarina

francesa de São Bartolomeu era também uma região ultraperiférica da

União Europeia. Contudo, em virtude do seu afastamento da França me-

tropolitana, do estatuto jurídico específico, das relações económicas es-

treitas com parceiros das Américas e de uma concentração no turismo,

a França solicitou a alteração do estatuto de São Bartolomeu, tornando-

-o num dos países e territórios ultramarinos (PTU) da UE. Esta altera-

ção entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2012.

Os PTU são constituídos por 26 países e territórios (incluindo, até ao

fim de 2013, Maiote) — na sua maioria, pequenas ilhas — fora do con-

tinente europeu, com laços constitucionais comum dos seguintes Esta-

dos-Membros: Dinamarca, França, Países Baixos e Reino Unido.

O artigo 355.º do Tratado de Lisboa prevê que o Conselho Europeu

altere o estatuto dos PTU de França, da Dinamarca ou dos Países Bai-

xos para o estatuto de regiões ultraperiféricas, sem que seja necessário

alterar o Tratado

Novo Paradigma

Não se pense, porém, que a importância das RUPs se reduz ao seu

peso demográfico, ao número de turistas que as visitam, ou à sua agri-

cultura. Elas também valem e são ricas pelo seu extraordinário legado

cultural, pela diversidade da sua envolvência geográfica e também pelo

papel estratégico que desempenham na protecção das rotas marítimas

da Europa e na defesa das suas fronteiras exteriores.

Deste modo, as RUPs devem ser caracterizadas, não só pelo seu afas-

tamento em relação à Europa, mas também pela sua proximidade com

países terceiros.

Page 127: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

125

É de notar que, Carlos Português Carrilo e Júlian Zafra Diaz, num ar-

tigo intitulado “La actualización del marco normativo europeu específi-

co para la ultraperiferia”, referem o seguinte: “Se puede afirmar sin te-

mor a equivocarse que las Rups son verdadeiras puntas de lanza euro-

peas en sus entornos para propiciar la coopéración en otros ámbitos re-

gionales possibilitando la presencia real y cercana de Europa en áreas

geográficas alejadas del continente europeu.”42

Dito de outra forma, no quadro da mundialização, a União Europeia

é o único espaço continental que pode afirmar a sua presença no cora-

ção do Oceano Índico, das Caraíbas e da América do Sul, exactamente

por intermédio das Rups. Estas constituem-se como plataformas privile-

giadas da UE para desenvolver as suas políticas para além das suas pró-

prias fronteiras, nos seus respectivos âmbitos geográficos.

Foi este novo paradigma intelectual que inspirou em 2004, a desig-

nada “Política Europeia de Vizinhança (PEV)” cujo objectivo central era

precisamente o de: “de impedir o surgimento de novas linhas de frac-

tura entre a UE alargada e os seus vizinhos e de reforçar a prosperida-

de, a estabilidade e a segurança de todos. Esta política, que se baseia

nos valores da democracia, no Estado de direito e no respeito dos di-

reitos humanos.

Assim, a especificidade destes territórios deve traduzir-se numa pers-

pectiva de valorização das potencialidades para a integração no espaço

comunitário. Mais, as suas características próprias têm de ser entendi-

das como mais-valias da União Europeia em múltiplos domínios e como

tal, reconhecidas e assumidas pelos Estados-membros. Trata-se, no fun-

do, de reconhecer a riqueza da diversidade e identificar o contributo in-

substituível que estas regiões prestam devido a características parado-

xalmente associadas a dificuldades.

Neste contexto, torna-se necessário reforçar a estratégia comunitá-

ria para o desenvolvimento destas regiões, num esforço de criação de

sinergias e de coerência entre diversas políticas comunitárias com inci-

42 CARRILO, Carlos Português; ZAFRA, Júlian Diaz - “La actualización del marco normativo europeu específico para la ultraperiferia.” In Movilidad y Gran Vecindad en las Regiones Ultraperiféricas de la Unión Europea. Tenerife: Cabildo Insular de Tenerife. Área de Empleo, desarrollo Económico, Comercio y Acción Exterior, 2014, p.17.

Page 128: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

126

dência nas Rups. Uma estratégia que potencialize, sobretudo, a sua ori-

ginalidade e aproveite a sua situação única.

Registe-se, ainda, que o teor e a amplitude interpretativa positiva do

Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), proferido a 15

de Dezembro de 2015, no âmbito do processo Mayotte, constituem um

impulso potenciador decisivo para a adopção pelo legislador da União

de medidas legislativas específicas para minimizar os efeitos dos cons-

trangimentos permanentes inerentes à Ultraperiferia. Este Acórdão de-

termina um dever de agir. Nestes termos as Regiões Ultraperiféricas so-

licitam a tomada atempada e adequada de iniciativas em conformida-

de com o previsto no Acórdão de Mayotte, que determina que o artigo

349º do TFUE constitui a base jurídica suficiente para modular as polí-

ticas estratégicas da União Europeia face à realidade Ultraperiférica, ac-

ção determinante à consolidação do desenvolvimento destas Regiões.

Na mesma linha de actuação, a Assembleia da República Portugue-

sa aprovou por unanimidade uma Resolução que recomenda ao Gover-

no que defenda uma estratégia conjunta para as regiões ultraperiféricas.

A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo

166.º da Constituição, recomendar ao Governo que: 1 — Dê especial

atenção à intitulada «Declaração das Canárias» formulada no âmbito das

VIII Jornadas Parlamentares Atlânticas. 2 — No âmbito do processo ne-

gocial com a União Europeia faça progredir o dossier da ultraperiferia

e defenda uma nova política eficiente e adaptada aos objetivos de coe-

são económica, social e territorial das regiões ultraperiféricas, conferin-

do cabal conteúdo material ao artigo 349.º do Tratado de Funcionamen-

to da União Europeia. 3 — Mobilize todos os seus esforços, em conjun-

to com os governos regionais, para a aprovação no outono de 2017, em

colégio de comissários, de uma nova comunicação da Comissão Euro-

peia relativamente à estratégia conjunta para as regiões ultraperiféricas

(Rups), que reflita os interesses das Rups portuguesas.

Aprovada em 19 de julho de 2017. O Presidente da Assembleia da

República, Eduardo Ferro Rodrigues.43

43 Resolução da Assembleia da República n.º 202/2017. Diário da República, 1.ª série — N.º 154 — 10 de agosto de 2017.

Page 129: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

127

É oportuno ainda, para um melhor esclarecimento, referir o envio

de um documento contendo as propostas para a elaboração da nova

Estratégia da Comissão Europeia para as Regiões Ultraperiféricas, por

parte do Governo de Portugal, onde é sustentado que na fase crucial44

do “debate sobre o futuro da UE é essencial reforçar as oportunidades

de desenvolvimento que a nova estratégia para as Regiões Ultraperiféri-

cas poderá enquadrar.”45 Recorde-se que foi neste contexto que as Re-

giões Ultraperiféricas redigiram e remeteram à Comissão Europeia o Me-

morando Conjunto sugestivamente intitulado – Para uma nova dinâmi-

ca na aplicação do artigo 349.º do TFUE.

Esta nova concepção epistemológica – As Regiões Ultraperiféricas

como trunfos e oportunidades para a União, e não mais a ultraperife-

ria como sinónimo de região-problema para a dominar a argumentação

política e reivindicativa quer das entidades regionais quer dos governos

dos três estados-membros a que pertencem estes territórios.

É facto que a abordagem da ultraperiferia exige doravante a valori-

zação do papel que as Rups poderão desempenhar no futuro da União

Europeia.

Ora, no quadro da mundialização, a União Europeia é o único espa-

ço continental que pode afirmar a sua presença no coração do Ocea-

no Índico, das Caraíbas e da América do Sul, exactamente por intermé-

dio das Rups.

De facto, estas regiões formam autênticas pontes entre a UE e a Áfri-

ca, o MERCOSUL46 e os EUA. Dito de outro modo, as Rups ocupam po-

sições geoestratégicas importantes relativamente à dimensão marítima

da União, à sua política de vizinhança e de cooperação revelando-se,

deste modo, como “fronteiras activas da União Europeia no Mundo”.

As Rups compartilham com os países ACP (Estados da África, do Ca-

ribe e do Pacífico signatários da Convenção de Lomé) e os PTU (Países

44 Relembre-se, a este propósito, que o debate em torno do “Livro Branco sobre o Futuro da Europa” abre caminho para a discussão e elaboração do novo Quadro Financeiro Plurianual e das várias políticas da UE.

45 Leia-se: Ref. Ares (2017)3995685 – 10/08/2017.

46 Acordo firmado entre a República Argentina, a República Federativa do Brasil, a República do Paraguai e a República do Uruguai, em 26 de Março de 1991.

Page 130: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

128

e Territórios Ultramarinos) um ambiente de cooperação que se encon-

tra plasmado no Acordo de Cotonou, no seu artigo 28.

Por outro lado, estas regiões são reconhecidas pela própria Comis-

são Europeia como parceiros estratégicos para a implementação de po-

líticas de cooperação, para a promoção da estabilidade bem como para

a edificação de espaços de prosperidade em diferentes áreas do mundo.

Para tal, é necessário, sem dúvida, promover a integração regional

das Rups no interior das respectivas zonas geográficas, a fim de alargar

a esfera de influência da UE em termos socioeconómicos e culturais,

bem como a promoção de uma actividade comercial mais intensa e de

uma maior partilha de conhecimentos. As Rups são postos avançados

da UE nas zonas onde se encontram e a UE beneficia das suas estreitas

relações com os países e territórios ultramarinos, com os países tercei-

ros, como as nações emergentes (o Brasil ou a África do Sul, por exem-

plo), com os países em desenvolvimento e com os países desenvolvidos

que partilham com as Rups laços históricos e culturais.

Neste sentido, as Rups são também plataformas de expressão e de

transferência de valores europeus, como por exemplo: a paz, a democra-

cia, o respeito pelos direitos fundamentais e pelos direitos do Homem.

Registe-se ainda que as Rups constituem-se, também, como autênticas

pontas de lança para as políticas humanitárias e de prevenção de riscos.

Assim, devido à sua situação geoestratégica, as Rups são intervenien-

tes europeus privilegiados não só no que diz respeito à intervenção hu-

manitária de emergência fora das fronteiras da UE, como também à pre-

venção de riscos47. Algumas Rups, alguns países terceiros e territórios

vizinhos estão sujeitos a ameaças marítimas. Refira-se, entre outras, as

seguintes: pirataria, tráfico de estupefacientes, imigração ilegal...

Assim, os importantes meios utilizados para a vigilância do mar po-

dem ser utilizados para fins de segurança civil, tanto no espaço das Rups

como nos países e territórios vizinhos48. As ligações marítimas regula-

47 Ver ponto 26 do Parecer do Comité das Regiões 15/2011, de 23 de Maio de 2011 «Reforçar a capacidade de resposta europeia a situações de catástrofe»

48 Já em 2006, o Relatório Barnier «Por uma força de intervenção em situação de catástrofe: Europe Aid» tinha proposto apoiar esta força nas Rups: http://www.inhesj.fr/fichiers/risques_et_crises/securitecivile/GC_rapBarnier_ReponseUEauxcrises.pdf.

Page 131: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

129

res com dezanove portos da África Ocidental fazem dos portos das ilhas

Canárias um centro logístico excepcional para servir o continente afri-

cano e estabelecer pontes com a América Latina. Além disso, a abertu-

ra da terceira eclusa do canal do Panamá veio permitir às Rups das An-

tilhas não apenas inscreverem-se nos fluxos logísticos mundiais, como

também desempenhar um papel mais importante nas actividades huma-

nitárias e de prevenção, tal como foi o caso quando do sismo no Haiti.

Um exemplo que poderemos citar relativamente a esta matéria pren-

de-se com a criação de algumas plataformas de intervenção e coopera-

ção regional entre a Europa e estas regiões por intermédio das Rups.

Referimo-nos concretamente à:

• Plataforma de Intervenção Regional do Oceano Índico (PIROI)

• Plataforma Intervenção Regional para a América e as Caraíbas

(PIRAC)

• Plataforma de acesso neutro para a África Ocidental e para as

ilhas Canárias

• Cluster das Caraíbas para os Riscos Naturais e do Mar

Desafios futuros

É na constelação destas tensões que analisamos anteriormente que

propomos uma reflexão, ainda que muito breve, sobre os desafios futuros

e de que forma estes têm vindo a ser preparados.

Podemos referir, em primeiro lugar, o Memoradum conjunto das

Regiões Ultraperiféricas. Por uma nova dinâmica na aplicação do arti-

go 349.º do TFUE que na sequência da Conferência dos Presidentes das

Regiões Ultraperiféricas realizada no Funchal, em Setembro de 2016.

Este documento teve por objectivo nodal inspirar a “estratégia re-

novada da Comissão Europeia para as Rups e marcar o início da refle-

xão da Conferência sobre o período de programação pós-2020. [Regis-

te-se ainda que este memorado conjunto assinala a urgência de iniciar

o equilíbrio de uma verdadeira construção europeia que abra caminho]

a “uma Europa que tem em consideração a diversidade dos seus territó-

rios; mais ainda, a uma Europa que dê todas as oportunidades às suas

Page 132: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

130

regiões mais afastadas…o objectivo de alcançar uma melhor tomada em

consideração das Rups nas políticas europeias permanece e deve per-

manecer um caminho aberto, adaptando-se às suas evoluções e aos de-

safios futuros da construção europeia.”49

É inegável a preocupação das instituições europeias ao longo dos

anos em responder às necessidades da Rups, porém o COM(2017)623final

intitulado Uma parceria estratégica reforçada e renovada com as regiões

ultraperiféricas da União Europeia ficou aquém das expectativas e que

seria desejável. Na verdade, e como refere Sofia Ribeiro, “o documento

não deixa de apresentar passos importantes, mas falta-lhe ambição em

algumas áreas. A discussão de um possível reforço do POSEI fica sus-

pensa fazendo depender as verbas agrícolas da revisão do Quadro Fi-

nanceiro Plurianual; seguimos sem a criação de um POSEI Transpor-

tes e continuamos sem um POSEI Pescas autónomo do Fundo Europeu

para os Assuntos Marítimos e das Pescas- FEAMP”.50

No entanto, trata-se de um documento importante e positivo porque

reforça o estatuto das Rups e não nos esqueçamos, como afirmava Ma-

quiavel, de uma coisa nasce a outra e o tempo as rege...51

Algumas referências bibliográficas

AMARAL, Carlos Eduardo Pacheco – “Autonomia Regional e Liberdade. 25 Anos de Integração Europeia dos Açores”. In Portugal-Europa, 25 Anos de Adesão. Coimbra: Almedina, 2012. pp. 59-72.

AMARAL, Carlos Eduardo Pacheco – Do Estado Soberano ao Estado das Autonomias – Regionalismo, subsidiariedade e autonomia para uma nova ideia de Estado. Porto: Ed. Afrontamento, 1998.

AMARAL, Carlos Eduardo Pacheco; CASTRO, Pedro Faria e – As ul-

49 Cf. Memoradum conjunto das Regiões Ultraperiféricas. Por uma nova dinâmica na aplicação do artigo 349.º do TFUE, Funchal, junho de 2017, p.4 e pp.25 e 26.

50 Cf. http://sofiaribeiro.eu/noticias/sofia-ribeiro-esperava-mais-ambicao-na-nova-estrategia-para-as-rup

51 Maquiavel, O Príncipe, trad. Helena Ramos, Mem Martins, Europa América, D.L., 1991.

Page 133: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

131

traperiferias na Europa do futuro. Ponta Delgada: Universidade dos Açores, 2004.

AZZI, Giuseppe Ciavarini – “Etapa por Etapa. O Caminho que Conduziu ao Estatuto das Regiões Ultraperiféricas.” In Economia & Prospectiva, Economias. Lisboa, n.º 13/14 Julho/Dezembro2000, pp. 49-60.

BARNIER, Michel – « L’élargissement de l’Union européenne et politique de cohésion ». In Europa: Novas Fronteira. Lisboa, Principia, 2001, pp. 11-13.

CARRILO, Carlos Português; ZAFRA, Júlian Diaz - “La actualización del marco normativo europeu específico para la ultraperiferia.” In Movilidad y Gran Vecindad en las Regiones Ultraperiféricas de la Unión Euro-pea. Tenerife: Cabildo Insular de Tenerife. Área de Empleo, desarrollo Económico, Comercio y Acción Exterior, 2014, p.17.

CASTRO, Pedro Faria e - Açores – Paradiplomacia e Autonomia. A participação das entidades subestatais na determinação e condução da política externa dos Estados. Lisboa: ISCSP, 2015, p.59.

COM (2009) 647

CONF/2501/96

CONF/3999/96

Decreto-Lei n.º 306/77, de 3 de Agosto. RAM - Direcção Regional dos Assuntos Europeus e da Cooperação Externa/Comissão Regional para a Integração Europeia.

FORTUNA, Mário - «A problemática das regiões ultra-periféricas,». In Compêndio de Economia Regional. Coimbra: APDR, 2002, pp. 596-622.

HACHE, Jean-Didier - «Quel Statut pour les Îles d’Europe?». In Quel Statut pour les Îles d’ Europe?/What Status for Europe’s Islands? Paris : L’Harmattan, 2000, p. 30.

J. O.C.E n.º L 171 de 29 de Junho de 1991

J. O.C.E. n.º L 171 de 29 de Junho de 1991

JARDIM, Alberto João - «A Região Autónoma da Madeira». In Eipascope,

Page 134: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

132

Instituit Européen d’ Administration Publique, n.º 1997/1, pp. 19-35.

JOC 183 de 17.7.1995, p. 39

Jornal Oficial das Comunidades Europeias, L 302, de 15 de Novembro de 1985, p. 400

Jornal Oficial das Comunidades Europeias, L 302, de 15 de Novembro de 1985, p. 479

Jornal Oficial n.º C150 de 19/05/1997, p.0062

MENESES, Avelino de Freitas – “As Ilhas de Portugal na Construção da Europa”. In As Ilhas e a Europa. A Europa das Ilhas. Funchal: CEHA, 2011, pp.398-411.

Política Europeia de Vizinhança. Consultado em 30 de Agosto de 2015. Disponível em: http://www.eeas.europa.eu/delegations/cape_verde/what_eu/neighbourhood_policy_eastern_partnership/index_pt.htm

Portugal e a Conferência Intergovernamental para a Revisão do Tratado da União Europeia, Ministério dos Negócios Estrangeiros, Lisboa, Março de 1996, p. 30.

VALENTE, Isabel Maria Freitas – “Portugal e as Regiões Ultraperiféricas face à Política Marítima Integrada Europeia”. In Revista Debater a Eu-ropa, n.º10, Aveiro, CIEDA/CEIS20, 2014, pp. 15-22.

VALENTE, Isabel Maria Freitas - As Regiões Ultraperiféricas Portugue-sas – Uma perspectiva histórica. Região Autónoma da Madeira, Funchal: CEHA, 2009.

VALENTE, Isabel Maria Freitas - Les Régions Ultrapériphériques de l’Union Européenne: Contexte, évaluation et perspectives. In LASCHI, Giuliana (eds.). The European Communities and the World. A Historical Perspec-tive. Bruxelas, Bern, Berlin, Frankfurt am Main, New York, Oxford, Wien:

Peter Lang, 2014, pp. 47-62.

Page 135: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

A T l  n T i c O : F R O n T e i R A e l U g A R d e

e n c O n T R O

Maria Manuela Tavares Ribeiro, PhD

FLUC / CEIS20

E-mail: [email protected]

Resumo

O Atlântico é fronteira, mas é também lugar de encontro. Como é

que os mares, no caso, Atlântico e Mediterrâneo, são zonas de relação

e de confrontos? De que forma eles favoreceram, na primeira metade

do século XX, a emergência e o reforço de várias identidades – atlânti-

ca, mediterrânea, ocidental, europeia? Importa uma definição de cada

uma destas identidades na conjuntura complexa da Europa nas primei-

ras décadas do século XX. Conceitos complexos, sem dúvida. Na ver-

dade, embora os europeus tenham considerado as suas fronteiras “na-

turais” – os mares – elas têm uma herança comum. No caso português,

o Atlântico, tem uma “força atractiva?” Vários intelectuais portugueses

explicam-nos essa “identidade atlântica”, com as fortes ligações ao além

mar. Portugal europeu, mas também atlântico, como referem escritores

e políticos de que são exemplo os que apresentamos neste texto. Face

à crise provocada pelos conflitos mundiais na primeira metade do sé-

culo XX, urgia encontrar uma solução. Para Portugal, qual a melhor op-

ção? Dividem-se as opiniões. Uns autores mostram-se entusiastas, outros

hesitantes entre uma abertura à Europa ou ao Atlântico. Perante a crise

DOI: https://doi.org/10.14195/978-989-26-1877-7_5

Page 136: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

134

europeia, estimulavam-se os escritos sobre Pensar o Ocidente, Pensar a

Europa, Pensar o Atlântico, Pensar Portugal.

Palavras-chave: Atlântico; Portugal; Identidades; Iberismo; Atlantis-

mo; Intelectuais; Europa.

Abstract

Atlantic acts like a border and a meeting place. How are the seas, in

this case, the Atlantic and the Mediterranean, areas of relationship and

confrontation? How did they foster the emergence and reinforcement of

various identities – Atlantic, Mediterranean, Western, European? A def-

inition of each of these identities is sought in the complex conjuncture

of Europe in the first decades of the twentieth century. Undoubtedly

complex concepts. In fact, although Europeans have considered - the

seas - their “natural” borders, they have a common heritage. Does the

Atlantic has, in the Portuguese case, an “attractive force?” Several Por-

tuguese intellectuals explain to us this “Atlantic identity”, with strong

links to the overseas. Portugal european and atlantic, as writers and pol-

iticians refer to, for instance, the ones we present in this text. In order

to solve the crisis brought by the world’s conflicts in the first half of the

twentieth century, a solution had to be found. What was, in this con-

text, the best option for Portugal? If some authors are enthusiastic, oth-

ers, simultaneously, are hesitant between an openness to Europe or the

Atlantic, opinions were divided. Due to european crisis, writings about

Pensar o Ocidente, Pensar a Europa, Pensar o Atlântico, Pensar Portu-

gal were highly stimulated.

Keywords: Atlantic; Portugal; Identities; Iberism; Atlantis; Intellec-

tuals; Europe.

As relações da Europa com o mundo tomam uma feição nova des-

de o fim da Primeira Guerra Mundial. Até então, a Europa pensava-se

e agia como o centro dominante de um mundo europocêntrico. A Pri-

meira Guerra Mundial demonstrou a fragilidade desta percepção. Con-

tinente em crise, a Europa busca, pois, a renovação. Assim, para conti-

Page 137: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

135

nuar a manter o seu posicionamento, os países europeus vão tomando

consciência que devem unir-se para rivalizar com potências mundiais

emergentes. O século XX é marcado pela ambivalência permanente en-

tre, por um lado, a herança de uma Europa colonial (ideia euroafrica-

na) e, por outro lado, o confronto com o novo mundo para lá do Atlân-

tico. Daí a Europa ter necessidade de resolver os seus conflitos desde

a Primeira Guerra Mundial, e de se tornar um parceiro económico cada

vez mais importante.

No campo das relações internacionais em plena mutação, como en-

contra a Europa esse poder? Apoiando-se nas forças do passado (Eurá-

frica)? Apoiando-se na força do presente (atlantismo)? Ou não contar

senão com as suas próprias forças (Europa europeia) para reencontrar

a sua influência no mundo?

Uma dimensão cultural estimulou os laços entre atlantismo e eu-

ropeísmo. Na sua concepção clássica, o atlantismo vai alimentar-se da

doutrina segundo a qual os laços políticos, económicos e militares en-

tre os Estados Unidos e a Europa deveriam ser encorajados e desenvol-

vidos na base da comunidade de valores. E a pedra de toque é justa-

mente esta comunidade de valores. Seria ela religiosa, cultural, ou ape-

nas comunidade de interesses? Ela teria no plano ideológico uma di-

mensão cultural e histórica da Europa, enquanto o atlantismo parecia

ter a sua fonte num interesse comum, mais temporária, a da segurança

face à ameaça soviética.

Assim, alguns intelectuais elaboram uma teoria da comunidade atlân-

tica fundada numa civilização comum à volta do Atlântico, como a que

se tinha desenvolvido à volta do Mediterrâneo no mundo antigo (A. Mal-

raux, Raymond Aron).

Os mares, enquanto meio tradicional e privilegiado de comunicação,

são evidentes zonas de relação e de confrontos. No que diz respeito à

Europa, os povos do continente são capazes ou são impelidos a defron-

tar-se com o mundo extra europeu, nomeadamente com as Américas no

Oceano Atlântico e com a África e a Ásia no Mediterrâneo.

Como tal, a emergência de uma “identidade” europeia poderá apa-

recer como uma consequência evidente dessas oposições.

Page 138: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

136

Os mares, ladeando o “velho continente”, favoreceram durante o sé-

culo XX a emergência e o reforço não só de uma “identidade europeia”,

mas de várias identidades: uma “identidade atlântica”, uma “identidade

mediterrânica”, uma “identidade ocidental” e uma “identidade europeia”.

“Uma identidade atlântica”

Este conceito surge com maior insistência durante o período de en-

tre as duas guerras mundiais. Revela a existência de valores, de tradi-

ções políticas, de interesses militares e económicos comuns, que pare-

cem destinados a ligar a América do Norte e a Grã-Bretanha. Certos es-

pecialistas focam a sua atenção neste fenómeno de parentesco apresen-

tado como uma “relação privilegiada”, e mostraram que se há algo em

comum entre a Grã-Bretanha e os Estados Unidos, a língua nomeada-

mente, a emergência de inimigos (Alemanha e Japão), na segunda me-

tade dos anos 30, contribuiu para a formação de uma “associação atlân-

tica”. Pensa-se evidentemente na “Carta do Atlântico”, assinada em 1941

por Roosevelt e Churchill, que não só trazia à luz os interesses políticos

e militares partilhados pelas duas potências anglo-saxónicas, mas visa-

va mostrar que a história da América e da Grã-Bretanha se fundamen-

ta nas mesmas tradições políticas e culturais (democracia parlamentar

e oposição ao totalitarismo). Nesta perspectiva, o Oceano Atlântico tor-

nava-se o símbolo do laço de união dos Estados Unidos e a Grã-Breta-

nha. Durante as primeiras fases da Segunda Guerra Mundial, há alguma

indefinição no uso dos conceitos, um pouco vagos, de “relação privile-

giada” e de “associação atlântica”. No fim deste conflito, a ideia de “as-

sociação atlântica” começa a distinguir-se da “relação privilegiada”. As-

sim, sobre a “associação atlântica”, fora dos debates da “guerra fria”, os

homens de Estado da Europa ocidental e americanos, os diplomatas e

outros consideraram uma espécie de “contexto” atlântico, que não esta-

va já limitado à América do Norte e às Ilhas Britânicas, mas que abran-

gia as nações da Europa Ocidental. Se, num primeiro tempo, certas na-

ções da Europa Ocidental puderam ser identificadas por critérios geo-

gráficos (a sua fronteira marítima ao longo do Oceano Atlântico, como

Page 139: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

137

a França, por exemplo), depois, são sobretudo critérios políticos, mili-

tares e económicos que são tidos em conta face à União Soviética.

A partir de 1949, com a assinatura da Aliança Atlântica, os factores

políticos e militares foram privilegiados. A “identidade atlântica” dizia

respeito em grande parte à Aliança Atlântica. Por outro lado, os mem-

bros do mundo “atlântico” eram uma parte do sistema “ocidental”. Par-

tilhavam inimigos comuns: a ideologia comunista e a União Soviética.

Com efeito, a “associação atlântica” significava o espelho da emergência

dos Estados Unidos enquanto potência de primeiro plano a Ocidente. O

Oceano Atlântico não era já o símbolo da distância que separava a Eu-

ropa da América mas, ao contrário, o símbolo da influência dos Estados

Unidos sobre a pátria ocidental do “velho continente”. Influência esta

que foi capaz de transformar o obstáculo oceânico num laço religador.

Entretanto, o conceito de “associação atlântica” foi suplantado pelo

outro, mais popular, de “aliança atlântica”, expressão mais objectiva para

explicar correctamente a realidade do sistema ocidental. Já não pode-

ria limitar-se à Europa ocidental e à América do Norte com o Oceano

Atlântico como traço de união, mas deveria integrar outras zonas – da

América Latina, da Ásia ou da África.

O conceito de “associação atlântica” permanecia ainda vago.

Uma “identidade mediterrânica”

Se o Oceano Atlântico parece ter desenvolvido um papel incontesta-

velmente menor na formação da “identidade europeia”, e se torna difícil

distinguir uma clara “identidade atlântica”, ao contrário, o mar Mediter-

râneo foi considerado por muitos de particular importância. Relembre-

-se, a propósito, o impacto da obra de Fernand Braudel sobre o mundo

mediterrâneo. Mas antes de se considerar como o Mediterrâneo pôde

contribuir para modelar a “identidade europeia”, é pertinente notar que

certas opiniões revelaram a existência de uma “identidade mediterrâni-

ca” autónoma. Em determinadas circunstâncias, para alguns, esta iden-

tidade pode ser inerente à da Europa mas, para outros, ela ultrapassa

as fronteiras geográficas do “velho continente”.

Page 140: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

138

A bacia mediterrânica foi, como bem se sabe, teatro de vários confli-

tos. Antes da Segunda Guerra Mundial, as grandes potências europeias,

nomeadamente a Grã-Bretanha, a França e a Itália, procuram exercer

um papel dirigente definitivo nesta zona tão disputada. Na verdade, ou-

tras potências europeias são confrontadas com os primeiros sentimen-

tos anticoloniais. Depois da Segunda Guerra Mundial, a Grã-Bretanha

e a França pensaram manter uma forma de controlo sobre o Mediterrâ-

neo, mas renunciaram às suas ambições face ao nacionalismo árabe, ao

anti-colonialismo americano e aos interesses soviéticos.

Nas últimas décadas, o Mediterrâneo tornou-se, de novo, uma zona

de conflitos. Recorde-se o confronto do mundo ocidental com o muçul-

mano e o problema da imigração. E se os conflitos são bem evidentes,

não podemos esquecer que o Mediterrâneo foi, e continua a ser uma

zona de relações frutuosas entre a Europa e as nações extra-europeias

a nível cultural, económico e político.

Qual o papel de uma “identidade mediterrânica” num contexto tão

complexo?

Para uns, essa “identidade mediterrânica” é parte de uma “identida-

de europeia” mais ampla. Assim, a existência de uma “identidade me-

diterrânica” não limitada às margens setentrionais deste mar, quer di-

zer, da Europa, acentuava como os povos da Europa meridional parti-

lhavam características comuns com os povos da África do Norte e do

Médio Oriente. Esta “identidade” aparece de forma significativa no que

diz respeito à Espanha e à Itália depois do segundo conflito mundial.

Assim, para Madrid, as relações de amizade com o mundo árabe fo-

ram muitas vezes intensificadas durante a era franquista, enquanto na

Península italiana, políticos e intelectuais sublinhavam certos concei-

tos, dotando a Itália de uma espécie de “missão mediterrânica” em que

Roma poderia tornar-se um ponto estratégico entre a Europa e o mun-

do árabe. Nos dois casos, houve tentativas para demonstrar a existên-

cia de uma “civilização mediterrânica”, que compreendia tanto culturas

europeias como extra-europeias.

Todavia, pode também comprovar-se que há nisso uma grande ambi-

guidade. Essa “identidade” foi sobretudo um instrumento de propagan-

Page 141: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

139

da muito explorada pela Itália e pela Espanha, que procuravam reen-

contrar um papel político e económico significativo na África do Norte e

no Médio-Oriente face às oposições britânica e francesa. Tais situações

evoluíram rapidamente, muito influenciadas pelo reforço de sentimen-

tos nacionalistas e antieuropeus entre as populações árabes.

O carácter utilitário desta “identidade mediterrânica” autónoma foi

posto em evidência em Itália pela profunda preocupação de Roma em

promover a “identidade europeia” – mais “atlântica” – da Península Itá-

lica. Uma outra tendência foi claramente exposta no contexto mediter-

rânico porque as autoridades romanas aspiravam representar os inte-

resses do “velho continente” e da aliança atlântica nesta região, dada a

importância capital para o mundo ocidental.

Poder-se-á ainda sublinhar que a existência de uma “identidade me-

diterrânica”, sob o ponto de vista cultural, compreendendo tanto as mar-

gens setentrionais como meridionais do Mediterrâneo, deveria ser aceite

pelos países do Norte da Europa, mesmo que tal conceito tivesse essen-

cialmente um carácter negativo e visasse confirmar o complexo de su-

perioridade da Grã-Bretanha, e não só o seu, face aos europeus do Sul.

Lembre-se, por exemplo, que René Girault acentua que a Grã-Bre-

tanha, a França e a Alemanha tinham sido consideradas como o “cora-

ção da Europa”. Dizia mesmo que o eixo central da Europa era assim

descentrado em relação ao eixo permanente geográfico e que a “peri-

feria” meridional à volta do Mediterrâneo tinha uma posição particular

como uma zona de sub-desenvolvimento (relativo) europeu, apesar do

papel que esta zona exercera no passado da Europa. Assim sendo, a Itá-

lia contemporânea ou a Espanha franquista não estariam a tentar supe-

rar a sua situação de zona “marginal”?52

52 GIRAULT, R. et FRANK, Robert (dir.): La Puissance en Europe 1938-1940. Paris, Publications de la Sorbonne, 1984, pp. 143-144. GIRAULT, René (dir.): Identité et conscience européennes au XXe siècle. Paris, Hachette, 1994, pp. 157-167. FRANK, Robert (dir.): Les identités européennes au XXe siècle. Paris, Publications de la Sorbonne, 2004, pp. 185-192. Leia-se RIBEIRO, Maria Manuela Tavares: “Crise na Europa, Abertura ao Atlântico?”, in coord. e ed. de CONDE, Manuel Sílvio Alves, e SILVA, Susana Serpa: História, Pensamento e Cultura. Estudos em Homenagem a Carlos Cordeiro. Ponta Delgada, 2016, pp. 311-320.

Page 142: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

140

Uma “identidade ocidental”

Os mares tiveram um papel fundamental na formação da “identida-

de ocidental”. O conceito de “Ocidente” é, como sabemos, complexo.

Aparece muito ligado à realidade internacional da época da guerra fria,

período que se desenvolve no imediato pós - II Guerra até aos anos 80.

Quanto às principais características que distinguem uma “identidade

ocidental”, profundamente oposta a uma “identidade oriental”, pode-

-se reter a larga convicção segundo a qual os povos “ocidentais” parti-

lham os mesmos interesses e ideais políticos, os mesmos fins económi-

cos, similares formas de viver, de mitos culturais, de experiências his-

tóricas, de inimigos comuns.

Embora o Ocidente compreenda um certo número de nações e de

zonas geográficas, que podem ser muito afastadas da Europa e dos seus

mares (Japão, Austrália), esta realidade leva-nos a perguntar quais são

os laços entre uma tal identidade e os nossos mares. A este propósito,

é oportuno voltar a insistir que o Oceano Atlântico era entendido como

um laço, uma ligação entre o continente americano e a Europa ociden-

tal, e que esta zona contribuiu profundamente para um reforço das re-

lações políticas, económicas e culturais entre os dois pilares da aliança

ocidental ou mesmo do sistema ocidental. O Mar Mediterrâneo é tam-

bém um dos elementos essenciais neste contexto. Sobretudo a partir dos

anos 50, a bacia mediterrânica foi considerada como um dos limites es-

senciais do sistema de defesa ocidental. Porém, a interpretação do Me-

diterrâneo como uma das fronteiras do mundo ocidental não era só um

conceito militar e estratégico. Tem igualmente implicações políticas, cul-

turais e psicológicas, pois os inimigos do Ocidente não se limitavam à

União Soviética e aos seus satélites da Europa oriental, mas englobavam

o nacionalismo árabe e o fundamentalismo muçulmano.

Nesta perspectiva, o Mediterrâneo foi considerado como uma “es-

pécie de muro de Adriano”, um contraforte contra “novos bárbaros”.

Uma “identidade europeia”

No conceito de “identidade europeia”, os mares são fronteiras do

“velho continente”. Por isso, eles podem concorrer para a formação de

Page 143: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

141

uma “identidade europeia” porque representam as zonas que delimi-

tam o que não é europeu.

Assim, de novo, a importância do Mar Mediterrâneo, arena de confli-

tos e de relações desde as mais antigas civilizações. Como tal, os euro-

peus não podem esquecer facilmente que os povos, as culturas e as re-

ligiões dos mediterrânicos não europeus ameaçaram a identidade pro-

funda do “velho continente”. No entanto, o Mar Mediterrâneo, tal como

o Oceano Atlântico foram, e são nos nossos dias, vias de comunicação

que permitiram aos Europeus estender a sua influência à América, à Áfri-

ca, ao Médio-Oriente. Essas experiências estão profundamente enraiza-

das na herança psicológica e cultural de muitos dos povos europeus.

Nesta ordem de ideias, é de primeira importância insistir sobre o pa-

pel da emigração europeia. No século XX, foi particularmente na zona

mediterrânica que os europeus foram capazes de admitir que partilha-

vam interesses e valores comuns e não apenas fortes diferenças e riva-

lidades. Antes da II Guerra Mundial, as potências europeias lutaram en-

tre elas para adquirir uma hegemonia no Mediterrâneo. Britânicos, ita-

lianos e franceses teriam levado o direito dos povos europeus a exer-

cer qualquer forma de autoridade sobre os povos e as nações das mar-

gens meridionais e orientais (não europeias) da bacia do Mediterrâneo.

O confronto entre culturas diferentes fez ressurgir a “consciência eu-

ropeia”, como aconteceu com as comunidades europeias na África do

Norte ou do Médio Oriente. Por exemplo, havia uma desconfiança da

parte dos franceses em relação à comunidade italiana na Tunísia. De-

pois de 1945, se o comunismo foi considerado como o pior perigo para

os ideais ocidentais e se a Europa se sentiu ameaçada por Moscovo, o

nacionalismo árabe e o fundamentalismo muçulmano não foram igno-

rados na medida em que pareciam comprometer os interesses e o pa-

pel da Europa. O fluxo dos imigrantes provenientes dos países da Áfri-

ca do Norte tem sido considerado, nos últimos anos, por muitos euro-

peus como uma ameaça à “essência da identidade europeia”.

Pode dizer-se que “identidade europeia” é somente um valor “nega-

tivo”? Será que o conceito de “identidade europeia” pode traduzir um

certo racismo? Não teriam os europeus assinalado os seus traços carac-

terísticos face aos inimigos potenciais ou fictícios?

Page 144: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

142

Parece evidente que embora os europeus tenham considerado as suas

fronteiras “naturais” - os mares – eles sentem que têm algo de positi-

vo em comum: a sua tradição greco-latina e religiosa-cristã – mas tam-

bém a herança cultural das “Luzes”, as experiências políticas nascidas

da Revolução Francesa, o liberalismo do século XIX, a ideologia mar-

xista, ou mesmo aspectos da nossa maneira de viver. Tais traços não

podem transformar automaticamente a Europa numa entidade imperia-

lista que destrua o diferente, nem numa opulenta cidadela muralhada.

A Europa tem a sua história e a sua história tem a sua “identidade”,

uma identidade que pode ser reconhecida por outras “identidades”, da

mesma forma que os Europeus devem reconhecer as “identidades” ex-

ternas ao velho continente.

Assim, se uma “identidade europeia” existe, ela deve ser descober-

ta na história europeia, história esta que não pode ser só a dos sécu-

los XX-XXI.

Entre Iberismo e Atlantismo

O mar é também ele um elemento integrante da cultura portuguesa.

Ele é, nas palavras de Jorge Dias (1907-1973), uma “força atractiva”.

Como expressa: “a força atractiva do Atlântico, esse grande mar povoa-

do de tempestades, de mistérios, foi a alma da nação e foi com ele que

se escreveu a História de Portugal”53.

Para os intelectuais portugueses, esta “identidade atlântica” é eviden-

te. Lembre-se João de Barros (1881-1960), autor de Portugal Terra do

Atlântico (1923). A glória de Portugal, a pátria, o sentimento patriótico

cumprem-se na ligação ao mar, ao Atlântico e ao além-mar. Daí a sua

afirmação: “o Atlântico, mar de Portugal, Portugal, terra do Atlântico”54.

Portugal, na óptica de Barros, deve “caminhar para além do solo

que o prende”55, isto é, por esse “Mar que traz consigo o desejo do

53 DIAS, Jorge: “Os elementos fundamentais da cultura portuguesa”, in Estudos de Carácter Nacional Português. Lisboa, Junta de Investigações do Ultramar, 1971, p. 15.

54 BARROS, João de: Portugal Terra do Atlântico. Lisboa, Livraria Aillaud e Bertrand, 1923, p. 18.

55 Idem, ibidem, pp. 24-25.

Page 145: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

143

mundo”56. Essa vocação universalista de Portugal, que identifica como

“atalaia atlântica da Europa”57, permite revitalizar a abertura ao Atlân-

tico Sul, ao Brasil. Na mesma linha, Augusto Casimiro (1889-1967), es-

critor, militar, redactor da revista Seara Nova (1961-1967), na sua obra

Portugal Atlântico. Poemas de África e do mar (editada em 1955), faz a

apologia do olhar sobre o Atlântico, do olhar da Pátria58.

O rosto da Europa é Portugal, que fita o Ocidente, o mar, no dizer

de Fernando Pessoa. E a sua força anímica, dentro da própria Europa

alimenta a sua vocação cosmopolita. Para Fernando Pessoa, Portugal é

Europeu mas é também Atlântico. Refere essa pertença anímica no poe-

ma “O Dos Castelos”, na Mensagem59.

A sedução atlântica não se esvai com o iberismo. A dicotomia está

sempre presente entre a terra e o mar, entre o Mediterrâneo e o Atlân-

tico. Lembremos o que nos dizem alguns intelectuais portugueses das

primeiras décadas do século XX.

A expressão “Alma Ibérica”, da autoria de Teixeira de Pascoais, ser-

viria de Prólogo ao Epistolário Ibérico, correspondência trocada com Mi-

guel de Unamuno60. O sentimento ibérico incorpora o ideário de Pas-

coais e de Unamuno na busca das próprias identidades nacionais.

Se para Pascoais a saudade e o saudosismo são a pedra basilar do

“ser Português”, a alma é da Ibéria, e, como diz, “o seu pátrio ninho é a

Lusitânea”61. Saudade, diáspora, vocação universal, união cultural com

a vizinha Espanha fundem-se na “Alma Ibéria”. Como Unamuno se ex-

primia em Portugal, ao dizer: “Esto es mi terra. Esto es mi terra” nos

seus escritos Por tierras de Portugal y de España e o artigo de Pascoais

“Unamuno e Portugal”, publicado na revista Águia, ou o artigo “Portu-

56 Idem: Oração à Pátria, Lisboa, Livrarias Aillaud e Bertrand, 1917.

57 Idem: Portugal Terra do Atlântico..., p. 13.

58 CASIMIRO, Augusto: “A canção do novo Restelo”, Águia, 25, 2.ª série ( Janeiro de 1914) e Portugal Atlântico. Poemas de África e do mar. Lisboa, Ática, 1955.

59 PESSOA, Fernando: “O Dos Castelos”: Mensagem. Lisboa, Edições Ática, 1963, p. 21. Leia-se Isabel Baltazar, R.

60 PASCOAIS, Teixeira de: “A alma ibérica”, in Saudade e o Saudosismo. Lisboa, Assírio e Alvim, 1988, pp. 249-258.

61 Idem, ibidem, pp. 24-25.

Page 146: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

144

gal” que o autor espanhol dá à estampa nesta mesma revista62. Conhe-

cedor da terra, da paisagem, dos lugares, dos homens, Unamuno conhe-

ceu o corpo e a alma de Portugal, o que alimentou o seu sentimento,

o seu patriotismo peninsular consubstanciado no espírito comum ibéri-

co, o mesmo é dizer num destino espiritual comum. De facto, em Una-

muno e até em Pascoais há um forte sentimento iberista e um mais té-

nue sentimento europeu, mesmo anti-europeu, como confessa Unamu-

no na Carta a Manuel Laranjeira63.

Outros intelectuais, neste mesmo período cronológico, propalaram a

integração de Portugal na Europa. Integração, entenda-se, cultural. Esse

“espírito europeu” foi sentido, por exemplo, pela chamada Geração de

Orpheu. Publicação esta que literariamente assinala o início do moder-

nismo português, mas tem, todavia, um significado cultural bem mais

abrangente. A ela estiveram ligados, entre outros, Fernando Pessoa, Má-

rio de Sá-Carneiro e Almada Negreiros. É o próprio Fernando Pessoa

que sublinha a essência europeia e até universalista do movimento Or-

pheu numa entrevista datada de 1915. A propósito da criação de “uma

arte cosmopolita no tempo e no espaço”, refere Pessoa que “todos os

países… existem todos dentro de cada um, em que a Ásia, a América, a

África e a Oceânia são a Europa, e existem todas na Europa… 64“. Aten-

te-se também no significado cosmopolita da Ode Triunfal, que entusias-

mou Almada Negreiros. Este autor reforça o europeísmo da revista Or-

pheu e acentua com firmeza: “O português é que não pode deixar de

ser europeu… Portugal que provocou essa unidade [ao tempo dos des-

cobrimentos] será acaso o primeiro a surpreender-se agora com ela?”65.

Ao explicar o Mapa da Europa, Almada Negreiros expõe na revista

Sudoeste como Portugal é ibérico e europeu. Assim, como diz, é preci-

62 A Águia, 1ª série, n.º 8, 1 de Abril de 1911, pp. 14-16 e A Águia, n.º 5, 1ºs., 1 de Fevereiro de 1911, p. 5 (escrita a 28 de Setembro e 1910). ; Isabel Baltazar, ob. cit., pp. 120-123.

63 “Carta de Unamuno a Manuel Laranjeira”, 17 de Março de 1911, in prefácio de UNAMUNO, Miguel de: Cartas de Manuel Laranjeira. Lisboa, Relógio d’Água, 1990; Isabel Baltazar, ob. cit., pp. 212-230.

64 PESSOA, Fernando: “Sobre o Movimento do Orpheu. A arte cosmopolita do Orpheu”, in Obras Completas. Prosa. Porto, Lello e Irmão Editores, 1986.

65 NEGREIROS, Almada: “Um aniversário – Orpheu”, in Ensaios I. Lisboa, Editorial Estampa, 1971, pp. 26-27.

Page 147: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

145

so criar a cultura do entendimento português e do entendimento espa-

nhol, não só para os actuais peninsulares como também para todos os

originários da nossa civilização comum e dual”66.

Lembremos, a este propósito, alguns discursos de Oliveira Salazar.

Num discurso proferido em 25 de Maio de 1944, Salazar considerava

que um dos maiores centros da política mundial se situaria no Atlânti-

co, tendo em conta a importância que os Estados Unidos iriam assumir

na orientação da política internacional. Consolidava uma vez mais esta

ideia quando dois anos depois, em Fevereiro de 1946, afirmava: “o cen-

tro de gravidade da política europeia, senão da política mundial, des-

locou-se mais ainda para o oeste e situou no primeiro plano o Atlânti-

co... Em reconhecê-lo não deixamos de ser europeus; o que damos é

mais largo sentido ao Ocidente”67. Esta ideia ganha mais força quando,

nesse mesmo ano de 1946, se refere aos Estados Unidos como “admi-

rável pátria norte-americana, que trouxe para a luta, com o seu idealis-

mo e bravura, a força decisiva da maior potência industrial, financeira

e militar da Terra”68.

Em face de uma Europa em crise, depois da II Guerra Mundial, Sa-

lazar apela para a “salvação europeia” consubstanciada nessa relação

transatlântica com a América.

É essa situação, que não era entendida como uma mera crise econó-

mica, mas também como uma crise de valores políticos, dado que rea-

pareciam as “velhas” fórmulas democráticas que permitiam a penetra-

ção do comunismo no Ocidente - que o leva, em 4 de Abril de 1949, a

aceitar a integração no Pacto do Atlântico, convencido de que este e a

poderosa presença americana poderiam resolver o problema da Euro-

pa e do Ocidente, “menos por convicção do que por necessidade”69,

66 NEGREIROS, Almada: “Cadernos de Almada Negreiros”, Revista Sudoeste, 1 (1935); Isabel Baltazar, ob. cit., pp. 55-60.

67 SALAZAR, A. de Oliveira: Discursos e notas políticas IV, 1943-1950. Coimbra, Coimbra Editora, 2.ª Ed., 1951, p. 111 (Discurso na Assembleia Nacional de 18 de Maio de 1945). Cf. TORGAL, Luís Reis: Estados Novos. Estado Novo. Vol. 1, 2.ª ed, Coimbra, IUC, 2009, pp. 499-565.

68 Idem, ibidem.

69 TEIXEIRA, Nuno Severiano: “Organização do Tratado do Atlântico Norte”, in Dicionário de História do Estado Novo. Lisboa, Círculo de Leitores, 1986, p. 989.

Page 148: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

146

como afirma Nuno Severiano Teixeira. Transparece nesta ideia a visão

triunfal e dramática de Salazar. E cito: “...qual a marcada superioridade

do europeu, na tarefa civilizadora, entre todos os povos da Terra. Des-

ta Europa gerada na dor das invasões, sacrificada em guerras intestinas,

curtida no trabalho insano, revolvida a cada passo por avalanches de

ideias e revoluções que se assemelham a furiosos temporais, descobrido-

ra, viageira, missionária, mãe das nações, desta Europa simultaneamen-

te trágica e gloriosa ainda hoje se pode asseverar que mantém o prima-

do da ciência e das artes, utiliza no mais alto grau os segredos da téc-

nica, conserva o instinto de afinar as instituições e de sublimar a cultu-

ra e é detentora de incomparável experiência política. Não esqueçamos

o que se deve a outros em criação artística, esplendor literário, subtile-

za de filosofias aqui e além criadas e desenvolvidas; mas só da Europa

se pode afirmar que criou, sob inspiração cristã, valores universais, ge-

nerosamente, gratuitamente, postos ao dispor do Mundo, na sua ânsia

de transplantar civilização. Cada um de nós deveria sentir o orgulho de

se afirmar europeu”. E continua: “Seria no entanto desrazoável fechar

os olhos à crise da Europa no presente momento; devastada, empobre-

cida, dividida, moralmente desfeita, corroída pelo desânimo, a braços

com uma perigosa desorientação mental e o claro declinar das virtudes

em que se formou, muitos perguntam se não são estes sintomas da de-

cadência e se esta não será definitiva: finis Europae”70.

E, como conclusão lógica:

“A Europa não pode sem o auxílio americano salvar nesta hora o que

resta do seu património moral e da sua liberdade; a América sai contra-

riada do isolamento, filho da suficiência, para, protegendo-se a si pró-

pria, socorrer e apoiar a Europa Ocidental, guarda avançada da sua se-

gurança. Ninguém pode querer nem a morte do velho continente euro-

peu nem a sua abdicação. O problema que está posto é se ele dispõe,

com a África, de reservas materiais e morais que lhe permitam recobrar

forças para prosseguir o seu papel histórico”71.

70 “Portugal no pacto do Atlântico”, discurso proferido na sala de sessões da Assembleia Nacional, em 25 de Julho de 1949, Discursos, IV, pp. 419-420. TORGAL, op. cit..

71 Idem, pp. 420-421.

Page 149: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

147

Salazar, ao apresentar os Estados Unidos da América como o “salva-

dor do Ocidente”, fê-lo um pouco contra natura. Esta afirmação, em-

bora as palavras do Presidente do Conselho, nas suas reticências, já em

parte sejam reveladoras, merece uma explicação para se entender o sen-

tido do Salazarismo em relação à América.

As posições de Salazar nunca são demasiado claras. Ele pesava as

palavras e... os silêncios. As suas afirmações contra a democracia, con-

tra o liberalismo e contra o capitalismo não deixam dúvidas quanto ao

seu pensamento relativamente à democracia política. A democracia ame-

ricana, que deveria aceitar, na sua consciência de relativismo político

(embora tendo presente a esperança no processo evolutivo do mundo

para a “terceira via”), como uma realidade que se adequaria à geogra-

fia e à história da América, não serviria de exemplo para Portugal. Mas

já não aparece nunca expresso no seu pensamento qualquer crítica ao

próprio sistema americano. Quando muito, surge sim, e de forma cres-

cente, a noção de um mal estar relativamente ao que Salazar entendia

como “falta de coerência” dos Estados Unidos no que concerne à polí-

tica africana de Portugal, tendo em conta que considerava a África uma

espécie de prolongamento da Europa e do Ocidente.

Se o nacionalismo autárcico do Estado Novo não deixou de ser pre-

servado, no plano da política externa, privilegiar o atlantismo, as rela-

ções com o Brasil, com a Espanha, e a defesa do Império Colonial eram

incólumes.

Daí ter reafirmado no discurso de 25 de Novembro de 1947 que “os

destinos de toda a África são solidários com a Europa do Ocidente”. Mas

não deixou Salazar de consolidar o posicionamento de Portugal na con-

juntura internacional (NATO e ONU). O que verdadeiramente interessava

a Portugal era, para além do Pacto do Atlântico, Angola, Moçambique,

Brasil. E Salazar reafirma em 1953: “A nossa feição atlântica impõe-nos,

pois, limites à colaboração europeia” (discurso de 1953). A seu ver, e

com receio de que uma federação europeia se consumasse, havia que

construir um grande espaço em que “os laços de Portugal com o Bra-

sil e a Espanha e da Espanha com as repúblicas do centro e do sul da

América, de modo que um grande bloco ibero-americano seja, ao lado

da Comunidade britânica, e mesmo sem atingir o grau da sua estrutu-

Page 150: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

148

ração constitucional, um factor de relevo, pela população, pela riqueza

potencial ou existente e pela cultura ocidental”72.

No plano estratégico, e desde a cedência das bases dos Açores aos

aliados, o Portugal salazarista inicia uma relação com a América justifi-

cada pela ideia euroatlântica do Ocidente, isto é, de uma Europa alar-

gada à América e à África colonial (depois de 1951).

O ideólogo salazarista e historiador do regime, João Ameal, preco-

niza igualmente, como Oliveira Salazar, a edificação da Nova Europa,

sem comunismo, mas também sem as velhas formas liberais e demo-

cráticas. Urgia construir uma Nova Europa porque o Velho Continente

jazia numa crise política, social, ideológica, mas sobretudo moral e es-

piritual. Contra as mistificações liberais, a democracia, o parlamentaris-

mo, porque desagregadores do Estado, João Ameal, na sua obra A Euro-

pa e os seus Fantasmas (1945), denuncia a “plutocracia Yankee e a tec-

nocracia eslava”. Os Estados Unidos, a seu ver, transfiguraram-se numa

“estranha e monstruosa babilónia”73.

A Europa estava ameaçada a Oriente e a Ocidente. Assim o explici-

ta: “A avalanche oriental rola de novo sobre ela [a Europa] para a reab-

sorver; do outro lado, ocorre o jovem poderio americano”74. Mas en-

tre a publicação da referida obra A Europa e os seus Fantasmas e a alo-

cução Ocidente e Portugal, em 1969, a sua opinião mudava. Considera

então que os Estados Unidos eram um sustentáculo necessário da civi-

lização ocidental ameaçada pelo comunismo e pela emergência de no-

vos Estados asiáticos.

Como vencer a inaptidão de uma “Europa desorientada intelectual e

moralmente...? “No momento presente e no futuro próximo a colabora-

72 SALAZAR, A. de Oliveira: Discursos e notas políticas, IV, 1943-1950, op. cit., p. 64. Veja-se RIBEIRO, Maria Manuela Tavares: “Salazar i la idea d’Europa: anti-comunista e antidemocrática”, in LASCHI, Giuliana (a cura di): Memoria d’Europa. Riflessioni su dittature, autoritarismo, bonapartismo e svolte democratiche. Milano, Franco Angeli, 2012, pp. 37-52 e 216-229.

73 AMEAL, João: A Europa e os seus Fantasmas. Porto, Livraria Tavares Martins, 1945, p. 146.

74AMEAL, João: op. cit., p. IX.

Page 151: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

149

ção com os Estados Unidos é, para não dizer a melhor, a única solução

que se oferece para a magna dificuldade dos nossos dias75.

Assim, Portugal salazarista estimula uma relação com os Estados Uni-

dos, justificada pela ideia de Ocidente, de uma Europa alargada à Amé-

rica, e na defesa, repito, da África colonial ou ultramarina.

Joaquim Barradas de Carvalho (1920-1980), Professor Universitário

na Universidade de Lisboa e de S. Paulo, deixa-nos na sua obra Rumo de

Portugal. A Europa ou o Atlântico (1982) uma reflexão sobre o passado

histórico português e sobre o posicionamento de Portugal na Europa.

O impacto da Europa Comunitária leva-o a problematizar esta questão:

“Portugal chegou não a uma, nem a duas, mas a várias encruzilhadas”76.

Assim, para além de “escolher entre duas opções que dizem respeito à

sua história, a mais profunda - Portugal terá de escolher entre a Euro-

pa e o Atlântico.” São elucidativas as palavras de Barradas de Carvalho:

“Se rumar para a Europa – esta Europa tão do agrado dos tecnocratas –

Portugal perderá a independência, de novo chegará a mais curto ou a

mais longo prazo à situação de 1580. Na Europa do Mercado Comum, e

numa futura, hipotética, Europa política, a economia dos grandes espa-

ços forjará uma Península Ibérica unificada, e seguramente com a capi-

tal económica em Madrid, que de capital económica se transformará, a

mais curto ou a longo prazo, em capital política. Ora este seria um re-

sultado contra a natureza, na medida em que nunca existiu, nem exis-

te, uma unidade de civilização na Península Ibérica...”77.

Joaquim Barradas de Carvalho reitera que esta opção não implica,

todavia, exclusividade, podendo Portugal, cooperar com a Europa. No

entanto, para este autor, a recuperação da genuína alma portuguesa en-

contrava-a Portugal na relação transatlântica – na relação Portugal-Bra-

sil. A formação de uma Comunidade Luso-Brasileira era, a seu ver, uma

frutuosa ligação filial, quase vital.

75 AMEAL, João: idem, ibidem.

76 CARVALHO, Joaquim Barradas de: Rumo de Portugal. A Europa ou o Atlântico?. Lisboa, Livros Horizonte, 1982, p. 28.

77 Idem, ibidem.

Page 152: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

150

Isto é, uma união histórica, cultural, comunitária. Mas diz mais. Essa

comunidade poderia, ainda, alargar-se à África. É assim que Barradas

de Carvalho diagnostica o seu futuro: “Esta autêntica Comunidade Lu-

so-Afro-Brasileira poderá vir a estender-se à África, poderá vir a trans-

formar-se numa Comunidade Luso-Afro-Brasileira... Nela todas as par-

tes se reencontrariam na mais genuína individualidade linguística e ci-

vilizacional”.

Porquê esta Comunidade? Como conclui Barradas de Carvalho: É pre-

ciso que Portugal regresse à sua essência: “É esta - escreve - a condição

para que Portugal volte a ser ele próprio”78. O Atlântico aparece, pois,

para este intelectual, também como uma opção.

Para alguns, mais do que uma escolha, é seguir um destino, consu-

mar uma vocação. A este propósito, lembrem-se as palavras de Antó-

nio Siqueira Freire no seu artigo “Le Portugal, le Mediterranée et l’At-

lantique”: “É aceitar uma herança histórica e cultural que confere a Por-

tugal um sentido de universalidade e um espírito de abertura ao mun-

do e aos outros”79.

A abertura ao Atlântico não implicava estar de costas voltadas à Euro-

pa. A ligação ao Atlântico alargava os horizontes europeus. É pertinente

perguntarmos: “Que país europeu foi só e exclusivamente europeu?”80.

Um grupo significativo de intelectuais portugueses mostra perceber

a evidência da crise europeia. No fim de Oitocentos, e nas primeiras

décadas do século XX, uns mostram-se entusiastas, outros reticentes e

hesitantes entre uma abertura à Europa ou ao Atlântico. Evidenciava-se

O Declínio do Ocidente (Oswald Spengler, 1918), o Declínio da Europa

(Alsul Demangeon, geógrafo, 1920). O ressurgimento da Europa e do

Ocidente e o posicionamento de Portugal e da Península Ibérica esti-

mularam escritores e intelectuais que produziram muitos escritos sobre

Pensar o Ocidente, Pensar a Europa, Pensar Portugal. Afinal, é a partir

das outras identidades – atlântica, mediterrânica, peninsular, europeia,

universal – que a identidade portuguesa se afirma.

78 Idem, ibidem, p. 67.

79 FREIRE, António Siqueira: “Le Portugal, le Mediterranée et l’Atlantique”, Nação e Defesa (1982), p. 26.

80 RIBEIRO, Maria Manuela Tavares: Portugal entre o passado e o futuro. O reencontro da tradição atlântica. Madrid, El dia después, 1998, p. 279.

Page 153: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

151

Bibliografia

A Águia, 1ª série, n.º 8, 1 de Abril de 1911 e A Águia, n.º 5, 1ºs., 1 de Fevereiro de 1911 (escrita a 28 de Setembro e 1910).

AMEAL, João: A Europa e os seus Fantasmas. Porto, Livraria Tavares Martins, 1945.

BARROS, João de: Oração à Pátria, Lisboa, Livrarias Aillaud e Bertrand, 1917.

BARROS, João de: Portugal Terra do Atlântico. Lisboa, Livraria Aillaud e Bertrand, 1923.

CARVALHO, Joaquim Barradas de: Rumo de Portugal. A Europa ou o Atlântico?. Lisboa, Livros Horizonte, 1982.

“Carta de Unamuno a Manuel Laranjeira”, 17 de Março de 1911, in pre-fácio de UNAMUNO, Miguel de: Cartas de Manuel Laranjeira. Lisboa, Relógio d’Água, 1990.

CASIMIRO, Augusto: “A canção do novo Restelo”, Águia, 25, 2.ª série (Janeiro de 1914).

CASIMIRO, Augusto: Portugal Atlântico. Poemas de África e do mar. Lisboa, Ática, 1955.

DIAS, Jorge: “Os elementos fundamentais da cultura portuguesa”, in Estudos de Carácter Nacional Português. Lisboa, Junta de Investigações do Ultramar, 1971.

FREIRE, António Siqueira: “Le Portugal, le Mediterranée et l’Atlantique”, Nação e Defesa (1982).

GIRAULT, R. et FRANK, Robert (dir.): La Puissance en Europe 1938-1940. Paris, Publications de la Sorbonne, 1984.

GIRAULT, René (dir.): Identité et conscience européennes au XXe siècle. Paris, Hachette, 1994.

FRANK, Robert (dir.): Les identités européennes au XXe siècle. Paris, Publications de la Sorbonne, 2004.

Page 154: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

152

NEGREIROS, Almada: “Cadernos de Almada Negreiros”, Revista Sudoeste, 1 (1935).

NEGREIROS, Almada: “Um aniversário – Orpheu”, in Ensaios I. Lisboa, Editorial Estampa, 1971.

PASCOAIS, Teixeira de: “A alma ibérica”, in Saudade e o Saudosismo. Lisboa, Assírio e Alvim, 1988.

PESSOA, Fernando: “O Dos Castelos”: Mensagem. Lisboa, Edições Ática, 1963.

PESSOA, Fernando: “Sobre o Movimento do Orpheu. A arte cosmopolita do Orpheu”, in Obras Completas. Prosa. Porto, Lello e Irmão Editores, 1986.

“Portugal no pacto do Atlântico”, discurso proferido na sala de sessões da Assembleia Nacional, em 25 de Julho de 1949, Discursos, IV.

RIBEIRO, Maria Manuela Tavares: Portugal entre o passado e o futuro. O reencontro da tradição atlântica. Madrid, El dia después, 1998.

RIBEIRO, Maria Manuela Tavares: “Salazar i la idea d’Europa: antico-munista e antidemocrática”, in LASCHI, Giuliana (a cura di): Memoria d’Europa. Riflessioni su dittature, autoritarismo, bonapartismo e svolte democratiche. Milano, Franco Angeli, 2012.

RIBEIRO, Maria Manuela Tavares: “Crise na Europa, Abertura ao Atlân-tico?”, in coord. e ed. de CONDE, Manuel Sílvio Alves, e SILVA, Susana Serpa: História, Pensamento e Cultura. Estudos em Homenagem a Carlos Cordeiro. Ponta Delgada, 2016.

SALAZAR, A. de Oliveira: Discursos e notas políticas IV, 1943-1950. Co-imbra, Coimbra Editora, 2.ª Ed., 1951 (Discurso na Assembleia Nacional de 18 de Maio de 1945).

TEIXEIRA, Nuno Severiano: “Organização do Tratado do Atlântico Norte”, in Dicionário de História do Estado Novo. Lisboa, Círculo de Leitores, 1986.

TORGAL, Luís Reis: Estados Novos. Estado Novo. Coimbra, IUC, 2009.

Page 155: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

cOOPeRAciÓn y cOnFl ic TO en el

imAginAR iO geOPO l ÍT ic O ATl ÁnTic O

de l As d icTAdURA s de FRAnc O y

sAl Az AR : iBeROA méRicA cOmO

cOmU nidAd imAgin AdA

Juan Carlos Jiménez Redondo

Universidad CEU San Pablo

[email protected]

Resumen

El trabajo pretende demostrar que tanto el discurso iberista como

el discurso iberoamericanista de España y Portugal siguen una misma

lógica discursiva. El primero se inscribe en el proceso de construcción

simbólica de un espacio comunitario que debía permitir al país imagi-

nar una condición de potencia internacional ya no sustentada en fac-

tores objetivos de poder; en Portugal, representa ese discurso resigna-

do de aceptación de un concepto geopolítico compartido con España

que aparece en momentos de crisis nacional, o cuando el país se en-

frenta a situaciones de indefinición en sus decisiones de inserción in-

ternacional. Para ello, se parte del análisis tanto de los discursos y do-

cumentos oficiales como de las aportaciones de intelectuales y plubli-

cistas, aunque se huye de una simple enumeración de obras en favor

de una perspectiva más cualitativa inscrita en la lógica valorativa de la

literatura científica sobre la estructura y dinámica de las relaciones en-

tre dos países vecinos.

Palabras clave: España; Portugal; Iberoamérica; Iberismo;

Franquismo; Salazarismo.

DOI: https://doi.org/10.14195/978-989-26-1877-7_6

Page 156: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

154

Abstract

This paper aims to demonstrate that both the Iberian discourse and

the Ibero-American discourse of Spain and Portugal follow the same dis-

cursive logic. The first one is part of the process of symbolic construction

of a community space that should allow the country to imagine a condi-

tion of international power no longer supported by objective factors of

power; in Portugal, it represents that resignation speech of acceptance

of a geopolitical concept shared with Spain that appears in moments

of national crisis, or when the country faces situations of uncertainty in

its decisions of international insertion. With this purpose, we start from

the analysis of both the official discourses and documents and the con-

tributions of intellectuals and publicists, although it avoids a simple list

of works in favor of a more qualitative perspective inscribed in the val-

ue logic of the scientific literature on the structure and dynamics of re-

lations between two neighboring countries

Keywords: Spain; Portugal; Iberoamerica; Iberism; Franquism; Sala-

zarism.

La dinámica homogeneidad/heterogeneidad de la relación ibérica:

el debate entre comunidad imaginada y comunidad

de poder

Desde hace ya varios siglos España y Portugal conformaron sus res-

pectivos Estados nacionales dentro de un espacio geográfico y cultural

especialmente homogéneo como es la península ibérica1. Precisamen-

te, la concepción de peninsularidad ha sido una constante en la articu-

lación política de ambos Estados, generando una fuerza centrípeta que

ha tendido a imaginar procesos de unificación peninsular superpuestos

a esas realidades nacionales efectivamente construidas desde Aljubarro-

ta en el caso luso (siglo XIV) y a partir del siglo XV en el caso español.

1 Trabajo fruto del proyecto de investigación del Plan Nacional I+D+I “Los discursos geopolíticos de la península ibérica durante las dictaduras de Salazar y Franco: proyectos y realidades de la alianza peninsular y su proyección internacio-nal”. Ref. HAR2015-68492-P.

Page 157: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

155

Por tanto la historia de la península en su conjunto, y de las relaciones

políticas establecidas a lo largo del tiempo por sus dos principales Es-

tados, se han visto permanentemente condicionadas por una triple rea-

lidad: la primera, una vecindad geográfica inscrita en un entorno geo-

gráfico cerrado y definido en términos esencialmente asimétricos entre

ellos; la segunda, una fuerza centrífuga basada en la idea de heteroge-

neidad derivada de los deseos portugueses de individualización y afir-

mación de un proyecto de construcción nacional edificado, en buena

medida, frente a la realidad nacional española; y, finalmente, una fuerza

centrípeta que ha visto la península desde una perspectiva de homoge-

neidad cultural que, empujada por la fuerza expansiva del nacionalismo

español, ha querido construir un espacio político unitario que permitie-

ra absorber Portugal dentro de un concepto amplio de “Gran España”.

Esta compleja variable homogeneidad/heterogeneidad no solo ha ca-

racterizado las relaciones históricas entre España y Portugal, sino que

ha alimentado buena parte de las visiones geopolíticas definidas a am-

bos lados de la frontera, de igual forma que ha estructurado las políti-

cas de inserción internacional de ambos Estados: en un caso, el espa-

ñol, intentando reconstruir su condición de potencia en el nuevo marco

de la dependencia atlántica asentada tras la Revolución Francesa; en el

caso luso, reafirmando su anclaje de protección establecido con Gran

Bretaña para asegurar su existencia política independiente y para po-

der aliviar esa presión española mediante un nuevo proceso de expan-

sión colonial por África. En definitiva, esa variable homogeneidad/he-

terogeneidad ha fundamentado los discursos y las narrativas de los na-

cionalismos español y portugués, tanto para afirmar su idiosincrasia y

especificidad como unidades nacionales diferenciadas, como para ima-

ginar la existencia de espacios comunes dentro de sus ideales de pro-

yección, presencia y acción internacionales.2

2 TELO, António José y TORRE GÓMEZ, Hipólito de la: Portugal e Espanha nos sistemas internacionais contemporáneos. Lisboa, Cosmos, 2000, pp. 279-287. HORTA, António Fernandes y DUARTE, António Paulo: Portugal e o equilíbrio peninsular. Pasado, presente e futuro. Lisboa, Europa-América, 1998. RODRÍGUEZ ESTEBAN, José Antonio: “Geopolitical perspectives in Spain: from the Iberismo of the 19th Century to the Hispanoamericanismo of the 20th”, Finisterra, XXXIII, (1998), pp. 185-193.

Page 158: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

156

En sus respectivos análisis sobre la nación y el nacionalismo Eric

Hobsbawn y Ernst Gellner, queriendo terminar con los mitos sacrali-

zados de las visiones esencialistas de la nación, disminuían el valor de

ésta hasta el exceso de considerarla una simple construcción narrativa

que rememoraba la vieja idea marxista de alienación, en tanto en cuan-

to su mecanismo de expansión, el nacionalismo, había sido utilizado

por las elites dominantes como discursos sustitutorios y alternativos a

los de modernización y conflicto social.3 De esta forma, para ambos, el

nacionalismo inventaba una nación, la invención de la tradición en pa-

labras de Hobsbawn, y la expandía discursivamente creando un debate

convertido en hegemónico y dominante. Frente a ellos, el concepto de

comunidad imaginada de Benedict Anderson aparece como un intento

de comprender que esa nación es algo más que un simple concepto de

construcción social de la realidad, en el sentido tradicional descrito por

Berger y Luckmann.4 La idea de comunidad imaginada describe la na-

ción como una comunidad política, es decir, no como meras construc-

ciones narrativas, sino como comunidades equiparables a otras como la

religión. Su idea de imaginada hace relación a la abstracción que llevan

a cabo los miembros de esa comunidad de suponer que ésta se haya li-

mitada y cerrada, lo que deja fuera a multitud de individuos que no per-

tenecen a la misma. Y aunque sus miembros no se conocen de forma di-

recta y personal, sienten que conforman una especie de familia finita.5

La idea de límite y finitud permite situar las aportaciones de Ander-

son en un plano diferente al desarrollado por el autor. Porque si él se

preguntaba por el momento en el que apareció esa conciencia nacio-

nal que permitió la creación de las naciones, y que sitúa en los inicios

de la modernidad gracias a la aparición de la imprenta como base del

desarrollo de una cultura nacional en lengua vernácula, se abren nue-

vos interrogantes referidos a si esos límites autoaceptados incluían o

3 GELLNER, Ernst: Encuentros con el nacionalismo. Madrid, Alianza, 1994. HOBSBAWN, Eric: Naciones y nacionalismo desde 1780. Barcelona, Crítica, 1991.

4 BERGER, Peter, LUCKMAN, Thomas: La construcción social de la realidad. Buenos Aires, Amorrortu, 1968.

5 ANDERSON, Benedict: Comunidades imaginadas. Reflexiones sobre el origen y la difusión del nacionalismo. México, Fondo de Cultura Económica, 1993.

Page 159: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

157

no otros ámbitos de expansión que superaban esa delimitación nacio-

nal básica y concreta articulada históricamente. De esta forma, la idea

de comunidad imaginada se pone en relación con la de poder, es de-

cir, en el sentido de cuestionarse acerca de si algunas naciones cons-

truyeron una imaginación geopolítica nacional que incluía un territorio

mayor al del ámbito comunitario efectivamente construido, y si su arti-

culación práctica no se pudo realizar por imponderables derivados de

su posición de potencia dentro de un determinado sistema internacio-

nal o, como afirma Nicolás Sánchez Albornoz al hablar del caso hispa-

no-portugués, por el simple azar.6 Pero también es pertinente plantear

si una vez construidas estas comunidades imaginadas cerradas y limita-

das, sus proyectos de expansión internacional no responden, efectiva-

mente, más que a una mera política de poder desarrollada en un con-

texto de anarquía y de competencia entre potencias, o si este factor ex-

pansivo sigue, en algunos casos concretos como el de las comunidades

posimperiales, un determinismo derivado de esa imaginación comuni-

taria más amplia que la descrita por Anderson.

Es indudable que el caso de España y Portugal se sitúa en ese mar-

co de complejidad. Son naciones ciertamente limitadas y cerradas en

el sentido descrito por Anderson desde mucho tiempo atrás, pero tam-

bién es cierto que ese proceso de limitación y cierre fue mucho menos

estricto de lo que cabría pensar según la lógica del autor de Comunida-

des Imaginadas. Por ejemplo, en ambos países existía una perceptible

conciencia de que las naciones coincidían con sus respectivos territo-

rios peninsulares o insulares adyacentes; pero no es menos cierto que

a la hora de definirse, esa nación asumió en los inicios del siglo XIX el

concepto de nación hemisférica. Esto es, incluyendo como conforman-

tes de la misma a los imperios americanos que durante siglos habían

construido simbólica y realmente, es decir, en términos de espacio y

poder, ambas naciones.

Muy diferente es, sin embargo, el caso de los imperios africanos. El

limitadísimo imperio español de África jamás impregnó en modo algu-

6 SÁNCHEZ ALBORNOZ, Claudio: España, un enigma histórico. Barcelona, Edhasa. 2 vols. 2001 (1956), vol. II, pp. 387-418.

Page 160: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

158

no el imaginario nacional español, existiendo una clara diferenciación

entre esa autoconciencia de pertenencia típica de la comunidad políti-

ca llamada nación y la expansión imperial de poder de un determina-

do Estado. Y aunque el caso del imperio africano de Portugal es mu-

cho más complejo, en sentido estricto la concepción del impero como

parte constitutiva de la nación, a pesar de aparecer en todos los textos

constitucionales, tampoco se puede inscribir en ese concepto de “na-

ción” construida por un nacionalismo que cimentó una identidad ima-

ginada. Lo que no quiere decir que el grueso de la población lusa no

considerara que la naturaleza de su nación era intrínsecamente expan-

siva, esto es, imperial.

Más allá de la nación: la comunidad internacional de inserción

Tanto España como Portugal construyeron sus espacios multinacio-

nales formales desde bases de dominación y no igualitarias, y por mu-

cho que pudieran trasmitir factores de civilización, ambos imperios nun-

ca carecieron de esa lógica vertical. Una vez éstos concluyeron, los dis-

cursos de representación de espacios imaginados referidos a identida-

des multinacionales tendieron a justificarse recurriendo más a elemen-

tos inmateriales que a factores de tipo material o puramente geográfi-

co. Sin embargo, esa inmaterialidad no supone que carezcan de fuer-

za a la hora de articular un proceso constructivista que comienza en un

plano netamente ideacional para alcanzar, en un determinado momen-

to, alcance institucional formal. En otros términos, los discursos, o más

propiamente, las ideas, se transforman en instrumentos de vertebración

de determinados espacios culturales imaginados y, por ello, interdepen-

dientes, aunque su construcción formal se dilate en el tiempo, o su gra-

do de coherencia interna sea limitado. Es el caso de los discursos ge-

neradores de un imaginario cultural iberoamericano, un espacio formal

y espacialmente desconectado desde el siglo XIX y que tuvo que imagi-

nar, es decir, construir nuevas estructuras organizativas tanto formales

como simbólicas o informales, basadas en una difusa idea de comuni-

dad cultural compleja que ponía en relación realidades nacionales muy

Page 161: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

159

diferentes, solo muy parcialmente complementarias y, en algunos ca-

sos, con intereses incluso contradictorios entre sí.

Porque los miembros de esa comunidad que pretendía ser construi-

da eran muy diferentes, tanto en términos de potencia, esto es de Es-

tados que actúan en el sistema internacional, como en términos de su

propia coherencia, homogeneidad y estabilidad interna. Evidentemen-

te, el germen de esa comunidad imaginada se asentaba en el periodo

colonial, con lo que la edificación de una conciencia de pertenencia co-

munitaria es inseparable de esta realidad imperial de partida. Igual que

lo es la heterogeneidad étnica subyacente al espacio iberoamericano y

la dificultad de incorporar esa diversidad dentro de un marco civiliza-

cional lo suficientemente comprensivo como para ser aceptado por to-

dos sus actores.7

Del iberismo al iberoamericanismo: discursos del recuerdo de

potencia y de la diferenciación defensiva

La geopolítica formal, la popular y la geopolítica práctica española

siempre han definido proyectos, ideas y fórmulas a través de las cua-

les estimular el sueño de la unión ibérica. Todas las distintas formas

que adoptaron convergieron, sin embargo, en su naturaleza de discur-

sos de regeneración, fruto de esa profunda percepción de debilidad in-

ternacional que las elites españolas percibieron tras las independencias

americanas.

La incapacidad para asumir el traumático proceso de las independen-

cias llevó a los gobiernos de España no solamente a la ruptura material

y diplomática con las nuevas repúblicas, sino a introducir un paréntesis

sentimental e identitario sobre su propia definición nacional en relación

a su histórica dimensión atlántica. La pérdida de la dimensión imperial

llevó al nacionalismo español a repensar su identidad nacional de acuer-

do a su definición hispánica de tradicional carácter totalizador ibérico.

7 CAIRO CAROU, Heriberto: “Panregiones, viejas y nuevas ideas geopolíticas”, en ROCHA, Alberto, (coord.): La integración regional de América Latina en una encrucijada histórica. Guadalajara, Universidad de Guadalajara, 2003, pp. 31-48.

Page 162: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

160

El desenlace de las crisis civiles entre liberales y absolutistas supu-

so el triunfo y la acomodación, siempre precaria, de ambos países a ese

orden liberal que comenzó a expandirse por Europa. Y supuso, tam-

bién, el inicio de esa gran tarea, en esencia colectiva, aunque de lide-

razgo limitado y puramente elitista, que representó el proceso de cons-

trucción imaginada de la nación. En ese contexto comenzó a ser visi-

ble una tendencia liberal, y de claro contenido regeneracionista, diri-

gida a definir posiciones de convergencia y aún de identidad entre los

dos países peninsulares.8 Pero no conviene olvidar que este optimismo

liberal, que pretendía transformar una conciencia de crisis nacional en

cambio y oportunidad de comienzo de una nueva fase, tuvo un impul-

so muy diferente en España y en Portugal.

En el primer país, el iberismo propiciado por las corrientes liberales

y, luego asumido por los sectores democráticos, republicanos y socialis-

tas, reflejó un componente esencial de lo que los españoles habían con-

siderado históricamente la Gran España, es decir, todo el conjunto pe-

ninsular.9 El nacionalismo decimonónico no inventó nada, sino que dio

nuevo sentido a lo que desde mucho tiempo atrás había sido un pro-

yecto político permanente de la monarquía hispánica, aquel que había

conseguido alcanzar entre 1580 y 1640.10 De ahí que el iberismo fuera

común a todas las corrientes ideológicas, es decir, que fuera un compo-

nente estructural del nacionalismo español.

El nacionalismo español fue, en relación al marco peninsular, unio-

nista y expansivo, y el portugués defensivo y disgregador, por cuan-

to el iberismo es un proyecto asimétrico y sustancialmente, con todas

8 LÓPEZ-CORDÓN, Mª. Victoria: El pensamiento político-internacional del federa-lismo español. Barcelona, Planeta, 1975. MASCARENHAS, Manuela: A questão ibérica, 1850-1870. Braga, separata de Bracara Augusta, 1980. PEREIRA, Maria Conceição Meireles: “Iberismo e nacionalismo em Portugal. Da Regeneração à República. Entre Utopia e Distopia”. Revista de História das Ideias, 31 (2010), pp. 257-285.

9 JOVER ZAMORA José María: La era isabelina y el sexenio revolucio-nario, 1834-1874. vol. XXXIV de Historia de España. Madrid, Espasa-Calpe, 1981.

10 BOUZA ÁLVAREZ, Fernando Jesús: Portugal no tempo dos Filipes. Política, cultura, representações (1580-1668). Lisboa, Cosmos, 2000. SCHAUB, Jean Frédéric: Portugal na Monarquia Hispânica, 1580-1640. Lisboa, Livros Horizonte, 2001.

Page 163: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

161

las salvedades que se quieran introducir derivadas de los intentos de

unión dinástica a favor de la monarquía portuguesa o de las propues-

tas de una república federal supuestamente horizontal e igualitaria, de

una única dirección. Esto es, siempre significó, de una forma u otra, la

incorporación de Portugal a España, de ahí el fracaso sistemático de las

propuestas iberistas de procedencia portuguesa, o la de esas otras que

buscaban compensar esa asimetría reconociendo una supuesta paridad

formal entre ambos Estados.

Por su parte, El iberoamericanismo reprodujo los esquemas argu-

mentales de la narrativa iberista porque, en el fondo, ambos expresa-

ban una misma lógica regeneracionista, y una misma necesidad perci-

bida de imaginar un espacio “natural” de inserción internacional basa-

do más en elementos culturales, afectivos y emocionales que puramen-

te materiales. Ello es así porque el iberismo y el iberoamericanismo fue-

ron vertientes convergentes de un mismo proyecto de proyección in-

ternacional de España como potencia. Desde esta perspectiva, y desde

un punto de vista histórico, constituyeron un mismo vector, con un de-

sarrollo tanto sincrónico como diacrónico, de su política exterior. Am-

bos proyectos generaron aproximaciones ideológicas y de pensamien-

to esencialmente idénticas, y en los dos casos, esas creaciones ideacio-

nales se plasmaron en proyectos políticos y diplomáticos concretos que

trataron de hacerlos efectivos.

El problema en discusión fue, esencialmente, la manera de integrar

de manera coherente la compleja naturaleza, hispánica y lusófona de

ese mundo imaginado, y su no menos compleja visión triangular: de Es-

paña, de Portugal y de América. La solución española siempre fue acu-

dir a una concepción implícitamente totalizadora de lo ibérico -de lo es-

pañol, más concretamente- pues la preeminencia del deseo geopolítico

de unificación política peninsular hundía sus raíces en la extensión del

iberismo como un factor constitutivo de los imaginarios simbólicos de

construcción de la nación española.

El iberismo español se cimentó históricamente en la construcción ima-

ginada de la nación como realidad amputada de su completa dimensión

peninsular y, también, como incomprensión de una realidad nacional

Page 164: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

162

portuguesa que se fue construyendo, especialmente a lo largo del siglo

XIX, utilizando como referente negativo esencial su dimensión anti es-

pañola.11 La imposibilidad de reconstituir esa unidad soñada configu-

ró una mentalidad oscilante entre un recalcitrante irredentismo ibérico

y la ignorancia del vecino del oeste, aspecto reforzado por el progresi-

vo empobrecimiento del país atlántico y por el propio vuelco estructu-

ral de la economía española hacia las regiones prósperas de su cornisa

cantábrica y del Mediterráneo.

Incluso cuando el nacionalismo portugués asumió una tendencia ex-

pansiva buscando la creación de un nuevo imperio que compensara la

pérdida de Brasil, esa transformación tuvo una indudable base anti es-

pañola ya que, en cierta medida, la histórica obsesión atlántica portu-

guesa se reafirmó como herramienta con la que reducir la presión cen-

trípeta proveniente de España. Y lo hizo con tanta fuerza que se con-

virtió, finalmente, en el núcleo central de un nacionalismo portugués

identitario y exclusivista que acabó creyendo que la misión histórica

del país debía venir de nuevo por la expansión ultramarina. De hecho,

el mito imperial acabó imponiéndose frente a las minoritarias y elitistas

alternativas iberistas.12 Y no solo eso: desde mediados de siglo, el ibe-

rismo portugués perdió sentido y fuerza, comenzando a ser percibido

como el alimento negativo de la identidad nacional portuguesa. África

sustituyó en el imaginario simbólico del nacionalismo luso cualquier di-

mensión peninsular que al adoptar un significado negativo, amenazante

11 TORRE GÓMEZ, Hipólito de la: Fronteras. Estudios de historia de Portugal y de relaciones peninsulares. Madrid, Editorial Universitaria Ramón Areces, 2016. Idem, “España y la identidad portuguesa. Una reflexión histórica”, en PALACIO ATARD, Vicente (Ed.): De Hispania a España: el nombre y el concepto a través de los siglos, Madrid, Temas de Hoy, 2005, pp. 197-215. Idem,: “Portugal, un nacionalismo anties-pañol”. Revista de Occidente, 17, (1982), pp. 86-93. SÁNCHEZ CERVELLÓ, Josep: “El nacionalismo portugués”, en Los 98 ibéricos y el mar. El Estado y la política, Lisboa, Sociedad Estatal Expo98, 1998. vol. 3, pp. 235-254.

12 ABREU, Luís Machado de: “Pendências iberistas no Oitocentismo português”. Revista da Universidade de Aveiro-Letras, 13 (1996), 53-68. CATROGA, Fernando: “Nacionalismo e ecumenismo. A questáo ibérica na segunda metade do S. XIX.”, Cultura, Historia e Filosofía, IV (1985), pp. 419-463. MATOS, Sérgio Campos: “Iberismo e identidade nacional (1851-1910)”. Clio. Nova Série, 14/15 (2006), 349-400.

Page 165: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

163

para la propia independencia de la nación, rompió con cualquier posi-

bilidad de articular desde Portugal un discurso iberoamericano efectivo.

En Portugal, el iberismo fue, esencialmente, un grito de regenera-

ción orientado hacia la modernidad. De ahí que emergiera básicamente

en momentos de fuerte sentimiento de decadencia nacional. Si el ibe-

rismo español fue una vía para recuperar una posición pérdida, y siem-

pre anhelada, de poder internacional; el portugués cuestionó la viabili-

dad interna e internacional de un país percibido por la mayoría de sus

intelectuales como demasiado atrasado y dependiente como para alcan-

zar por sí mismo la modernidad.

Sin embargo, aunque Portugal había experimentado un indudable

proceso de empequeñecimiento material tras la independencia de Bra-

sil, su nueva y temprana aventura africana, que ya estaba definida des-

de mediados del siglo XIX, revitalizó el valor de lo considerado exclusi-

vamente portugués en un mundo que parecía dividido en grandes blo-

ques de civilizaciones potencialmente en lucha. Bien es verdad que esa

expansión africana era claramente dependiente de su subordinación a

los intereses fundamentales de Gran Bretaña, pero permitieron mate-

rializar unos sueños de gran potencia, ese típico eslogan nacionalista

de “Portugal no es un país pequeño”,13 y, en todo caso, la construcción

del imperio africano marcó un punto de inflexión en el imaginario co-

lectivo portugués ya que supuso la materialización real y concreta de

un proyecto político orientado a revitalizar una conciencia nacional en

crisis tras la disolución del vínculo brasileño.

El ideal iberista como barrera frente a la influencia “extranjera”, en-

tendiendo por tal la ejercida por un país no ibérico, fue un elemento

central en la construcción discursiva del iberismo, y explicitaba, de for-

ma clara, la aguda percepción de excentricidad que ambos países pa-

decieron prácticamente a lo largo de todo el siglo XIX. Si en Portugal la

respuesta iberista se dirigió a mitigar la excesiva dependencia percibi-

da de la relación que el país mantenía con Gran Bretaña; en España esa

privilegiada relación fue siempre considerada como un estorbo perma-

13 CAIRO CAROU, Heriberto: ‘Portugal is not a Small Country’: Maps and Propaganda in the Salazar Regime”. Geopolitics, 11 (2006), pp. 367-395.

Page 166: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

164

nente para la intimidad ibérica, al considerar que se orientaba a borrar

los referentes hispanos de Portugal y a ejercer una posición de hegemo-

nía considerada inaceptable. En realidad, este vector anti británico del

iberismo era una clara manifestación de impotencia y de reconocimien-

to implícito de la imposibilidad de hispanizar -sinónimo en este marco

de satelizar- Portugal según las pretensiones de ese nacionalismo hispa-

no de tendencia unitaria. La presencia inglesa en Portugal era analizada

como una ruptura del papel idealizado que ese nacionalismo reservaba

a Portugal como aliado preferencial de España en virtud de su consus-

tancial hispanidad y, en consecuencia, de su conformación como miem-

bro indiferenciado de una comunidad hispánica imaginada.14

El iberismo fue ideológicamente transversal, es decir, formó parte

tanto de las corrientes nacionalistas progresistas como conservadoras,

de las de base monárquica y de las de tendencia republicana, de los

proyectos nacionales unitarios y de los de aspiración federalista. Para

unos, la Unión crearía un mercado único que actuaría de soporte de

desarrollo librecambista en un marco de centralización política.15 Para

otros, la naturaleza progresista del proceso debía incardinar el iberis-

mo a la idea de cosmopolitismo, de fraternidad universal y, en última

instancia, a esa idea central que se desarrolló a lo largo de todo el si-

glo XIX de progreso indefinido, ascendente y constante de la civiliza-

ción. José María Latino Coelho, por ejemplo, creía que existía una ten-

dencia global unificadora y superadora del principio de las nacionali-

dades que acabaría desembocando en una única y gran nacionalidad:

la Humanidad Cristiana.16

14 JIMÉNEZ REDONDO, Juan Carlos y LOFF, Manuel: “Problemas históricos de la relación luso-española”, en TORRE GÓMEZ, Hipólito de la (ed.): España y Portugal. Siglos IX-XX. Vivencias históricas. Madrid, Síntesis. 1998, pp. 367-380. JIMÉNEZ REDONDO, Juan Carlos: “La relación política luso-española”, en TORRE GÓMEZ, Hipólito de la, (coord.): Portugal y España contemporáneos. Madrid, Marcial Pons, 2000, pp. 271-286

15 VERLARDE FUERTES, Juan: “El pensamiento económico peninsular en relación con la Unión Ibérica”. Anales de la Real Academia de Ciencias Morales y Políticas, 62, (1985), pp. 233-264. Idem, “desencuentros y encuentro de las economías por-tuguesa y española”. Revista Asturiana de Economía-RAE, 25 (2002), pp. 299-327.

16 LATINO COELHO, José Maria, (1859): Prólogo a CÁMARA, Sixto, A União Ibérica. Lisboa, Tipografía Universal.

Page 167: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

165

La crisis del ultimátum británico de 1890 marcó en Portugal el últi-

mo atisbo iberista.17 Desde entonces, el nacionalismo portugués se re-

formuló en términos ultramarinos, africanos y, en cualquier caso, den-

tro ya de un molde exclusivamente lusófono. Pero, en todo caso, no

se puede dejar de señalar que, en términos generales, el iberismo luso

siempre había adquirido un contenido reactivo. Es decir, siempre había

asumido una perspectiva de negativa inevitabilidad, por lo que siempre

había tenido una naturaleza defensiva y preventiva, orientada a conju-

gar una dimensión regeneradora con una fórmula de protección y de-

fensa de su propia idiosincrasia.

En el imaginario nacionalista portugués, España había constituido

históricamente la referencia esencial negativa de la construcción simbó-

lica, efectiva y afectiva, de la nación portuguesa. Y frente a ella, Brasil

fue hasta muy avanzado el siglo XIX el ejemplo de un vector naciona-

lista positivo que permitía aglutinar la sociedad por medio de un objeti-

vo colectivo básico como era expandir la nación por ultramar.

De hecho, el nacionalismo portugués siempre reaccionó de forma

extremadamente negativa a los impulsos hispanizantes provenientes de

España, pues siempre consideró que Brasil expresaba el genio creador

del mundo lusitano, un genio diferente y divergente del desparramado

por España en sus colonias americanas. Esto explica que la sociedad

colonial brasileña tuviera un alto sentido de identidad lusófona, y que

hasta fechas avanzadas aceptara sin grandes problemas su condición de

portugueses del ultramar. Incluso puede decirse que las primeras chis-

pas articuladoras de una incipiente conciencia nacional brasileña tuvie-

ron su origen en conflictos más de tipo social que de características es-

trictamente identitarias. Aunque esa identidad prenacional brasileña se

articuló en relación también al ámbito hispano que la envolvía, de ahí

que sus procesos de independencia no puedan ser considerados proce-

sos aislados y sin relación alguna, a pesar de que las soluciones finales

y los procedimientos articulados fueran distintos.18

17 VÁZQUEZ CUESTA, Pilar: A Espanha ante o ”Ultimátum”. Lisboa, Horizonte, 1975.

18 DOS SANTOS, Cristiane Alves Camacho: “La movilización político-identitaria de la historia en el proceso de independencia de Brasil (1821-1822)”, Memoria y sociedad, 14/28 (2010), pp. 33-50. DOVAL, María Gisela Pereyra: “Construcción de la

Page 168: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

166

Por su parte, en España, las propuestas iberistas decayeron con el fin

de la experiencia republicana y la configuración del sistema de la Res-

tauración. Y lo hizo porque el nacionalismo español reorientó sus con-

tenidos hacia una América que después de varios decenios de ausencia

volvió a concentrar los intereses exteriores de España y a estructurar

sus principales contenidos simbólicos. El iberismo experimentó una pro-

funda transformación al conectarse con las reformulaciones de la idea

de España planteadas por los movimientos regionalistas y nacionalis-

tas periféricos españoles y al reconvertirse, también, en coparte de las

recreaciones ideológicas del nacionalismo conservador panhispanista.

Como idea, el iberismo se engarzó sustantivamente con el hispanoa-

mericanismo, sobre todo cuando éste comenzó a ser acaparado por las

corrientes más conservadoras del nacionalismo español. La idea de la

Alianza Peninsular, eje central del discurso ibérico de este nacionalis-

mo, no solo fue perfectamente coherente con el sueño de crear un nue-

vo imperio civilizacional trasatlántico, sino su fundamento.19 Es más, la

Hispanidad como idea y como discurso representó la vuelta de ese na-

cionalismo a las consideradas esencias de la España imperial, aquellas

que incorporaban a Portugal como un miembro más del mundo hispá-

nico y que se proyectaba como misión universal, espiritual, y de civili-

zación a América.

En otras palabras, lo que proponía este nacionalismo conservador

era la articulación de un nuevo ciclo histórico de expansión de Hispa-

nia,20 caracterizada según sus rasgos tradicionales de monarquía católi-

ca y organicismo social, que podía volver a revivir ese pasado imperial

a través de la construcción –reconstrucción-, por lo menos afectiva, de

un espacio cultural, sentimental y axiológico iberoamericano asentado

identidad nacional de Brasil: Elementos constitutivos, mitos y creencias” en BUSSO, Anabella (comp.): Fuerzas profundas e identidad. Reflexiones sobre su impacto en la política exterior: un recorrido de casos. T. II. Rosario, UNR Editora-Editorial de la Universidad Nacional de Rosario-EBook, 2010, pp. 89-109. PIMENTA, João Paulo: Brasil y las independencias de Hispanoamérica. Castelló, Universitat Jaume I, 2007.

19 SARDINHA, António: La Alianza Peninsular. Madrid, Imprenta Sáez Hermanos, 1930.

20 Idea defendida por DURANTEZ PRADOS, Frigdiano Álvaro: Paradigma y ciclo de Hispania. Málaga, Sepha, 2009, pp. 21-26.

Page 169: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

167

en lo que consideraban que constituía el verdadero acervo de ese espa-

cio comunitario extenso: los tradicionales valores religiosos, culturales

y morales propios de la gran monarquía imperial hispana.

La lógica expositiva seguida permite defender la idea de que el his-

panoamericanismo no puede definirse como el proyecto de pensamien-

to y construcción de una comunidad transnacional orientado a agrupar,

de una u otra forma, a todos los países surgidos de la colonización es-

pañola de América, sino como el marco ideacional y proyectivo dirigi-

do a articular simbólica y formalmente una comunidad transnacional de

poder conformada por todos los Estados que el nacionalismo español

definía como hispánicos, incluyendo dentro de ellos, y como expresión

de un concepto amplio de Hispania, a Portugal y Brasil.

El hispanoamericanismo supuso la recreación por parte del nacio-

nalismo español de una comunidad imaginada sí, pero también consi-

derada real al asentarse en una base histórica y en profundos factores

de tipo lingüístico, cultural, religioso y de tradiciones, en definitiva, ci-

vilizacional. Igual que el iberismo, el hispanoamericanismo, sobre todo

en su vertiente panhispánica conservadora, remitía, por tanto, al mito

de Hispania entendida como monarquía universal configurada a partir

de un núcleo originario español que se fue extendiendo hacia Portugal

y América, entes, en consecuencia, integrantes radicales de esa identi-

dad hispana global. Dicho en términos más actuales, conformadores de

lo que ese nacionalismo pensaba que constituía el espacio geopolítico

hispano que, como todo espacio de tal naturaleza, se caracterizaba por

una elemental jerarquía interna que presuponía el claro liderazgo, más

moral y cultural que estrictamente político, ejercido por España.

Este panhispanismo era agregacionista en lo que se refería al mun-

do lusófono. Y el hispanoamericanismo progresista también, lo que de-

muestra que ese sustrato hispánico no era una simple posición coyuntu-

ral o de mera conformación ideológica, sino que adoptaba un verdade-

ro carácter estructural del que participaba todo el nacionalismo español.

De esta forma, Rafael de Altamira, el gran exponente del hispanoame-

ricanismo progresista era tan americanista como indisimulado iberista,

y lo era porque no podía concebir ser una cosa sin ser la otra. También

lo eran personajes tan dispares como Juan Valera; Leopoldo Alas “Cla-

Page 170: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

168

rín”, que pensaba que Portugal, España y las naciones americanas con-

formaban una única nación intercontinental; Emilio Castelar; Miguel de

Unamuno; Ángel Fernández de los Ríos; Antonio Cánovas del Castillo o

Ángel Ganivet, uno de los primeros en considerar superado el iberismo

en términos de unión política para centrarse en la idea de unión espi-

ritual y de civilización, ya que en su opinión Portugal y España confor-

maban una única nación cultural.

En definitiva, el concepto civilizacional de Hispania que asumió el na-

cionalismo español era complejo, pleno y expansivo, al partir de la idea

de primacía y jerarquía de España en la conformación y ordenación de

ese universo ibérico o hispánico compuesto por esos entes peninsula-

res y americanos espiritual y materialmente incorporados durante el ci-

clo histórico de expansión de la monarquía hispana. De ahí que el his-

panoamericanismo asumiera una retórica claramente condescendiente

e incluso paternalista hacia ambos polos: el de las repúblicas america-

nas que, como algunos autores expresaban, tras años de incertidumbre

y desorientaciones estaban en condiciones de volver al seno de la “Ma-

dre Patria”; y el de ese mundo lusófono, que lejos de España solamente

podía esperar un futuro de subordinación a Gran Bretaña.

Los discursos iberistas e hispanoamericanistas, esto es, los discur-

sos hispánicos, eran, efectivamente, retóricos y evidenciaban la evi-

dente frustración de un nacionalismo español que soñaba con impe-

rios inmateriales, culturales, simbólicos o imaginados, mientras su rea-

lidad nacional era de dependencia y satelización respecto de los gran-

des poderes europeos y atlánticos. Dado que una buena parte del pro-

gresismo intelectual adoptó posiciones crecientemente acomplejadas

ante lo que creían que era el irreversible declive cultural y material de

España en el marco de las potencias europeas, Portugal y América pa-

saron a desempeñar un papel sustitutorio al configurar ante sus ojos

un marco relacional no solo más igualitario, sino ante el que España

podía presentar un cierto dinamismo e incluso una relativa superiori-

dad. Pero era una pretensión vana que acabó siendo claramente con-

traproducente para esta corriente, pues frente al pesimismo y frente

a sus propuestas de comunidad cultural, el nacionalismo conservador

supo articular unos postulados mucho más dinámicos y agresivos que

Page 171: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

169

otorgaban a España una misión: reconstruir una nueva comunidad es-

piritual hispánica.21

El objetivo era, ciertamente, vaporoso y suficientemente inconcreto

como para significar mucho, o no significar prácticamente nada. Pero

en el marco de unas sociedades en las que el irracionalismo vitalista y

la mística de la nación cobraban cada vez más fuerza, parecían postula-

dos más apropiados para aglutinar y cohesionar un nuevo nacionalismo

de tendencia cada vez más reaccionaria y darle una dimensión mucho

más activa, orientada a revalorizar la posición internacional de España

y su peso relativo en el complejo sistema internacional del momento.

Por otra parte, el creciente peso de las ideas evolucionistas en la teo-

ría geopolítica y de las relaciones internacionales y su imbricación con

teorías racistas más o menos explícitas, configuraron un universo axio-

lógico relativista y segmentado del que derivaron algunas ideas funda-

mentales. Por ejemplo, que el mundo se podía dividir en bloques de ci-

vilización en competición permanente. Un verdadero ciclo vital de con-

frontación que parecía saldado con la victoria de los industriosos y ha-

bilidosos países germánicos sobre los desorganizados y atrasados paí-

ses latinos. Un triunfo que, según se creía entonces, tenía también un

perfil biológico: las razas germánicas estaban mejor preparadas para la

racionalidad modernizadora que esos alocados y anárquicos latinos in-

capaces de gobernarse de forma mínimamente eficiente.22 En este con-

texto, el hispanoamericanismo intentó, y su versión conservadora con-

siguió, convertirse en una apuesta de reacción frente a esa percepción

de decadencia, pues generó un objetivo político, cultural, nacional, po-

sitivo, potencialmente consensual y socialmente compartido.

21 COLOM, Francisco: “El hispanismo reaccionario. Catolicismo y nacionalismo en la tradición antiliberal española”, en COLOM, Francisco y RVERO, Ángel (eds.): El altar y el trono. Ensayos sobre el catolicismo político iberoamericano. Barcelona, Anthropos, 2006, p. 62.

22 Se ha discutido el carácter biológico el concepto de Raza. Su argumenta-ción en MARCILHACY, David: Raza hispana. Hispanoamericanismo e imaginario nacional en la España de la Restauración. Madrid, Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2010.

Page 172: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

170

En otras palabras, iberismo e hispanoamericanismo se convirtieron

en componentes sustantivos e indisociables de un proyecto político de

base nacionalista y católica encaminado a dar profundidad y cohesión a

España como potencia internacional. No fueron simples referentes sim-

bólicos estáticos o discursivos, de ahí que su formulación conllevara un

designio de organización comunitaria de estructura asimétrica y jerár-

quica. Esto es, el nacionalismo español asumió una lógica posición de

liderazgo ya que consideraba que América había sido una obra de su ge-

nio civilizador. Ese nacionalismo imaginaba a España como una madre,

de ahí la utilización metafórica de las ideas de Madre Patria o de tronco

común hispánico, que aglutinaba a sus “hijas” en un todo familiar en el

que se creía que la jerarquía se debía aceptar como algo natural, al im-

perar un vínculo más afectivo y primario que estrictamente material.23

La fuerte atadura portuguesa a Gran Bretaña fue para el nacionalis-

mo español un poderoso estímulo para desarrollar su acendrado iberis-

mo. La presencia expansiva de Estados Unidos en el resto de América

fue esencial para el desarrollo del hispanoamericanismo. No es por ello

extraño que éste alcanzara sus contornos más definitivos tras la pérdi-

da de Cuba en 1898. Esto es, en un momento de crisis de la conciencia

nacional. Lo curioso es que igual que sucedió con el iberismo, esa cri-

sis colonial permitió incrementar la receptividad del discurso hispano-

americano. América reprodujo tras la guerra hispano cubana la pulsión

nacional -y multinacional- que Portugal sufrió con su crisis de 1890, la

crisis del ultimátum. En este país la presión británica llevó a una agu-

da reflexión acerca de su dependencia relativa frente a su secular alia-

do y la necesidad de buscar una salida liberadora que muchos intelec-

tuales consideraron que exigía volver la cabeza en dirección a España.

El noventa y ocho despertó en América una nueva percepción acerca

de su propia identidad colectiva basada en la existencia de dos cosmo-

visiones cada vez más diferentes: la latinoamericana y la angloamerica-

na. Muchos intelectuales volvieron sus ojos al mundo ibérico peninsu-

lar para encontrar allí señas de identidad ignoradas hasta entonces y,

23 SEPÚLVEDA MUÑOZ, Isidro: El sueño de la Madre Patria. Hispanoamericanismo y nacionalismo, Madrid, Marcial Pons, 2005, p. 13.

Page 173: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

171

sobre todo, volvieron sus ojos hacia lo específico de su propia realidad

como naciones independientes. El unionismo se convirtió en un cier-

to revisionismo del pasado colonial en un sentido más positivo, consi-

derando que su realidad material y su universo axiológico fundamental

representaba una identidad de base que inexorablemente debía basar-

se en su común condición de países forjados en el mundo imperial ibé-

rico, con todo lo que esto suponía.

Sin embargo, la coincidencia no escondió la divergencia. La percep-

ción de diferencia llevó a Lisboa a desarrollar una política de institucio-

nalización de su propio imaginario comunitario luso. A principios del

siglo XIX la lusitanidad había encontrado una fórmula novedosa con el

traslado de la monarquía de los Bragança a Brasil y la constitución del

Reino Unido de Portugal, Brasil y los Algarves. Más tarde, cuando Brasil

inició su vida como Estado independiente, las fórmulas de instituciona-

lización fueron mucho más difusas, como, por ejemplo, las propuestas

de federación luso-brasileña defendidas por el escritor brasileño Silvio

Romero, o en Portugal las propuestas similares amparadas por la Socie-

dad de Geografía de Lisboa. Finalmente, las ideas acabaron cristalizando

en un acuerdo político y en 1953 se firmó la constitución de la llamada

Comunidad Luso-Brasileña.24 Frente a la incapacidad de articulación de

una comunidad de países de lengua española, Portugal y Brasil avan-

zaron en un marco de relación específico que simbolizaba la intención

de sus miembros de remarcar la doble raíz del mundo iberoamericano.

Simbolismo y realidad durante el periodo de las dictaduras de

Franco y Salazar: el nuevo peligro español

La relación entre España y Portugal desembocó en un antagonismo

manifiesto durante el periodo de la Segunda República española. El in-

condicional apoyo salazarista al triunfo del ejército sublevado en julio

de 1936 asumió la forma de una política ofensiva encaminada a romper

24 DURÁNTEZ PRADOS, Frigdiano Álvaro: “España en su dimensión ibérica e iberoamericana. Hispanoamericanismo y Panlusitanismo: una aproximación histórica a sus orígenes y desarrollos paralelos”. Aportes. Revista de Historia Contemporánea, 85 (2014), pp. 157-184.

Page 174: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

172

un régimen considerado hostil tanto por su vertiente iberizante como,

sobre todo, por su capacidad para alentar en Portugal la oposición a la

dictadura de Salazar. La apuesta lusa fue compleja, ya que muy pronto

el régimen de Franco viró hacia Alemania e Italia con el fin de conver-

tirse en un actor relevante dentro de ese nuevo orden fascista que las

fulgurantes victorias alemanas de comienzos de la Guerra Mundial pa-

recían posibilitar en Europa. Sin embargo, y a pesar de su interés por

participar en la guerra, el régimen de Franco se mantuvo como no beli-

gerante, situación que comenzó a revertir durante el año 1941 para des-

embocar, el año siguiente, en un nuevo giro neutralista cuyo eje bási-

co fue buscar la interlocución portuguesa hacia los aliados. Desde este

momento se abrió una nueva etapa en la relación peninsular que tuvo

su definitivo vuelco a partir de diciembre de 1942, cuando ambos paí-

ses establecieron una entente -la formulación de la idea del Bloque Ibé-

rico- basada en el respeto mutuo, que permitió afrontar acciones inter-

nacionales coordinadas.

Esta nueva fase propició en los ámbitos políticos, ideológicos y de de-

fensa una inédita intimidad entre ambas dictaduras, y aunque favoreció,

también, avances cooperativos esenciales en otras esferas, la política cul-

tual siguió adoleciendo de ese tradicional recelo antiespañol explicitado

en el deseo constante y permanente por parte portuguesa de remarcar

la especificidad e individualidad de Portugal y de la cultura portuguesa

frente a España y lo español Sirva como ejemplo de este recelo residual

la renuncia del embajador portugués en España, José Nossolini, a par-

ticipar en el centenario del nacimiento de Menéndez Pelayo, alegando

la necesidad de evitar confusiones entre el homenaje a un hombre des-

tacado de la cultura española con algunas de sus tesis políticas, dada la

posición panhispanista del intelectual santanderino. No era un simple

gesto aislado, pues como ponía de manifiesto el entonces encargado de

prensa de la Embajada española en Lisboa, Javier Martínez de Bedoya

“en el orden popular…no podemos contar más que con el resentimien-

to de las masas hacia nosotros, pues desde niños se cultiva en los por-

tugueses un llamado patriotismo consistente en odiar a España”.25 Más

25 Archivo del Ministerio de Asuntos Exteriores (AMAE). Archivo Renovado, Legajo 1705, Expediente 7, Informe nº 170-E Agregado de prensa a vicesecretario

Page 175: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

173

aún, estaba convencido de “que en el fondo considera la amistad con

España como una conveniencia forzosa, de realidades geográficas y de

realidades políticas convenientes y actuales”.26

Sin embargo este estado de ánimo no impidió una relación fluida e

incluso intensa entre las elites culturales de ambos regímenes. Ya lo ha-

bía sido durante el periodo de la Guerra Civil, cuando la empatía ideo-

lógica se había traducido en una decisiva apuesta de los intelectuales

portugueses por defender internacionalmente a los militares liderados

por el general Franco,27 pues en realidad la convergencia autoritaria y

la empatía ideológica habían permitido descubrir identidades y afinida-

des que aproximaban más a esas nuevas elites ibéricas entre sí, de lo

que las distanciaban los viejos prejuicios nacionalistas.28 Por eso, el ca-

mino de separación vino esencialmente de la reacción portuguesa a la

política franquista de la Hispanidad.

La Hispanidad había constituido uno de los puntos esenciales de la

limitada política exterior del franquismo, siguiendo básicamente la tra-

dición aliancista del pensamiento conservador español que, en este pun-

to, había desarrollado un nuevo discurso ibérico e iberoamericano29 que

posteriormente sistematizó el integralista portugués António Sardinha.30

En síntesis, este panhispanismo se concebía como una fórmula de apro-

de Educación Popular, Lisboa 2 de octubre de 1945.

26 Archivo General de la Administración (AGA) Caja 6689. Informe agregado de prensa Lisboa 10 de diciembre de 1948.

27 PENA RODRÍGUEZ, Alberto: O que parece é: Salazar, Franco e a propaganda contra a Espanha democrática. Lisboa, Tinta da China, 2009. Idem, Salazar y Franco. La alianza del fascismo ibérico contra la España republicana: diplomacia, prensa y propaganda. Oviedo, Trea, 2017.

28 LEWIS, Paul H.: Latin Fascist Elites: The Mussolini, Franco, and Salazar Regimes. Westport, Greenwood Publishing Group, 2002.

29 QUINTANAR, Marqués de: Portugal y el Hispanismo. Madrid, s.e. 1920. VAZQUEZ DE MELLA Y FANJUL, Juan: El ideal de España. Los tres dogmas nacionales. Madrid, Imprenta Alemana, 1915. pp. 47 y ss. GAVINET, Ángel: Idearium español. Granada, Tip. Lit. Vda. e Hijos de Sabatel, Mesones 52, 1897, p. 100. BULLÓN Y FERNÁNDEZ, Eloy: Las relaciones de España con Portugal. Enseñanzas del pasa-do y orientaciones para el porvenir, Madrid, Real Academia de Jurisprudencia y Legislación, 1916.

30 JIMÉNEZ REDONDO, Juan Carlos: “Primo de Rivera y Portugal, 1923-1931: del “peligro español” a la nostalgia de la España autoritaria”, Pasado y memoria: Revista de Historia Contemporánea, 16, (2017), pp. 91-117.

Page 176: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

174

ximación entre todos los pueblos hispánicos que establecerían una alian-

za, o una especie de liga, para custodiar su común tipo de civilización,

definida en términos de supranacionalidad de patrias libres. La Alianza

peninsular era el soporte básico y el eje articulador de un proyecto po-

lítico-ideológico internacional que enlazaba con el concepto de Hispa-

nidad dibujado por Ramiro de Maeztu, considerada como una unión es-

piritual y cultural más que política basada en la historia paralela y, so-

bre todo, en su vínculo común de naciones cristianas.31

Este nuevo discurso fue asumido y continuado por el franquismo,

que se esforzó en desarrollar una política de la Hispanidad asentada

en la idea de Hispania como un conjunto único que se proyectaba ha-

cia una América hispánica que consideraba a Brasil como un integran-

te más de ella. Así, por ejemplo, Epifanio González Jiménez o Ernesto

Giménez Caballero se esforzaron en teorizar esta visión cuando afirma-

ban que España y Portugal tenían un mismo destino, el destino Atlánti-

co, por el cual se debía aprender a respetar la sagrada personalidad in-

dependiente de ambas naciones. Pero mientras que para Giménez Ca-

ballero la Atlantidad, un nuevo concepto superador e integrador de los

tradicionales de Hispanidad y Lusitanidad, se refería solamente al con-

tinente americano, el segundo extendía ese concepto, dándole incluso

un lugar de primacía, al continente africano.32

La Hispanidad entendida de este modo, que pretendía situar en un

nuevo plano las relaciones de España con América, constituía a ojos por-

tugueses una política encaminada a minusvalorar la importancia histó-

rica jugada por Portugal como nación cuna de civilizaciones. De aquí

las voces indignadas de algunos intelectuales como Nuno Simões, quien

advertía del peligro de disolución de la personalidad portuguesa y bra-

sileña en un iberoamericanismo regido por España en la península y

por Argentina en América; o Jorge Mendes dos Santos, para quien la ex-

31 SARDINHA, António: La Alianza Peninsular, Madrid Imprenta Sáez Hermanos, 1930, p. 372. MAEZTU, Ramiro de: En defensa de la Hispanidad, Valladolid, Aldos, 1938. QUINTANAR, Marqués de: “Maeztu y Sardinha”, Cuadernos Hispanoamericanos, 33-34 (1952), pp. 115-129.

32 GIMÉNEZ CABALLERO, Ernesto: Amor a Portugal. Madrid, Ediciones de Cultura Hispánica, 1949. GONZÁLEZ JIMÉNEZ, Epifanio: España y Portugal. Madrid, Imprenta Hijos de Vicente Mas, 1959.

Page 177: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

175

presión Iberoamérica servía solo para encubrir la conquista cultural de

Brasil por parte de los españoles. Una tendencia que, en su opinión, se

había acentuado con la fijación definitiva de la expresión América His-

pánica dentro de la terminología cultural española, con lo que, según

denunciaba dos Santos, Brasil había dejado de pertenecer a la América

portuguesa para ser incluido dentro de Hispanoamérica. Por eso con-

cluía su argumentación reivindicando la necesidad de un “Tordesillas

intelectual y cultural”, para que la Hispanidad respetara límites y recon-

siderara fronteras.33

Dada la importancia concedida a una política de la Hispanidad, se-

guramente más influyente de lo que la historiografía ha admitido has-

ta la fecha, el gobierno luso creyó necesario reactivar su presencia cul-

tural en Brasil, con el fin de hacer frente a lo que consideraban amplia

penetración conseguida por España en el país americano.34 Sin embar-

go, y de forma contradictoria con esta línea política general, la situa-

ción de indefinición en la inserción internacional del país en la década

de los cincuenta, con una Europa que iniciaba su proceso de integra-

ción, con unos Estados Unidos siempre criticados por Salazar, pero que

se había configurado como potencia hegemónica del mundo occidental

y la creciente pérdida de importancia del tradicional anclaje internacio-

nal luso, es decir, de la secular alianza británica, hicieron que el salaza-

rismo asumiera, por lo menos retóricamente, un discurso atlantista que

miraba de forma diferente a esa, en principio, denostada Hispanidad. El

propio Salazar utilizó en fecha tan temprana como 1947 la sorprenden-

te expresión para referirse a España y Portugal de las dos naciones de

la Península Hispánica, dejando de lado la tradicional expresión de pe-

nínsula ibérica.35 O, por ejemplo, el ministro de Economía António Júlio

de Castro Fernandes, que afirmó en 1949 que la Hispanidad significa-

33 SIMÕES, Nuno: Actualidade y Permanencia do luso-brasilerismo, 1945-1955. Lisboa, s.e. 1960. La obra de Dos Santos en A Semana, 18 octubre 1952.

34 Arquivo do Ministério dos Negócios Estrangeiros, (AMNE), Piso 2, Armário 59, Maço 336. Informação de Serviço, Julho 1956.

35 SALAZAR, António de Oliveira: “Miseria e medo características do momento actual”, en Discursos e notas políticas. Vol IV. Coimbra, Coimbra Editora, 1951, pp. 287-311.

Page 178: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

176

ba un “patrimonio de civilización que pertenecía a las dos naciones de

la península y a todas aquellas naciones que brotaron de su sangre”.36

Esta nueva mirada iberoamericana tuvo también una dimensión eco-

nómica cuando en pleno proceso de creación de las Comunidades Eu-

ropeas, el gobierno portugués se planteó el estudio de un mercado co-

mún ibérico que pudiera extenderse hacia Brasil y las repúblicas his-

panoamericanas. La idea ya había sido esbozada por Salazar en 1953

al reflexionar sobre las posibles consecuencias que la integración euro-

pea podía tener para Portugal, asumiendo que “si la federación viniera

a constituirse... puede visionarse la posibilidad de irse apretando más

y más los lazos de Portugal con Brasil y España, y de España con las

repúblicas de centro y suramérica, de modo que un gran bloque ibe-

roamericano fuera, al lado de la comunidad británica... un factor políti-

co de gran relieve por la población, la riqueza potencial o existente y la

cultura occidental. Esta es una posibilidad que tendría la ventaja de no

dejarnos apartar, ni a nosotros ni a otros, de lo que es más sagrado en

nuestra formación y de bien seguro en nuestra historia”.37

Cuatro años después, con motivo de un discurso ante la comisión

ejecutiva de la Unión Nacional, Salazar volvió a esgrimir, ahora de for-

ma pública, argumentos semejantes. Decía en esta ocasión, que la co-

munidad luso-brasileña configurada por el Tratado de Amistad de 1953,

al lado de la comunidad británica y de la comunidad hispánica que se

pudiera estructurar englobando las repúblicas de filiación española, po-

dían llegar a ser tres de los mayores factores de orden y estabilidad de

la política internacional.38 Partiendo de esta idea, el ministerio de Ne-

gocios Extranjeros preparó un informe relativo a las posibilidades de es-

trechamiento de las relaciones económicas con España y Brasil, llegan-

do a la conclusión de que las características básicas de ambas corrien-

tes comerciales contrariaban ese posible reforzamiento de lazos econó-

36 Discurso pronunciado en la firma del Acuerdo Preliminar de Cooperación Económica recogido en AMAE, Legajo 2036, Expediente 5. Informe nº. 545-E. Agregado de Prensa a Subsecretario de Educación Popular. Lisboa, 20 de julio de 1949.

37 MNE. PEA, 309. Circular 8. Lisboa, 9.IV.1953.

38 Boletim Semanal do Secretariado Nacional de Informação. nº 531. 6 de julho de 1957. A Voz, 6 de julho de 1957.

Page 179: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

177

micos, lo que impedía que se pudiera traducir en un mercado común

ibérico, luso-brasileño o iberoamericano.39

Estos proyectos no pasaron de meros esbozos, dejando de ser conside-

rados después de 1958, tras la salida del gobierno luso de Marcelo Caeta-

no. No obstante, todavía se encuentran algunas referencias por parte del

presidente del Consejo de Ministros que parecen indicar que el proyecto

seguía estando presente en el imaginario geopolítico salazarista. En mayo

de 1959, en un discurso pronunciado ante las comisiones de distrito de

la Unión Nacional, Salazar afirmaba, refiriéndose a Iberoamérica, que si

“económicamente puede decirse que la supremacía pertenece allí a los

Estados Unidos, la formación espiritual, la religión, la lengua de aquellos

países es latina y más precisamente portuguesa en cuanto a uno, y espa-

ñola en cuanto a los más. Si el alma también vale alguna cosa en relación

a los pueblos y si la formación está ligada a la sangre que corre por las

venas, hay así un vasto sector de relaciones que deberá establecerse en

otro sentido, y este es el de la Península Ibérica”. Continuaba afirmando

que sin perjuicio de un mercado común, si llegaba a ser establecido, y

de las más estrechas relaciones políticas en el continente americano, “ni

el Brasil ni las repúblicas suramericanas desearán tan pronto -y será las-

timoso que un día lo hagan- desligarse de sus orígenes, olvidarlos o me-

nospreciarlos”. Y, dada la tendencia y necesidad de la formación de gran-

des bloques, unos de intereses económicos, otros de afinidades espiritua-

les, “nada se impone más claramente que el planteamiento de una amplia

política iberoamericana que, además, está delineada triangularmente, en

la comunidad luso-brasileña, en el bloque peninsular y en las íntimas re-

laciones de España con las repúblicas sudamericanas”.40

Evidentemente esta nueva mirada atlántica del Portugal salazarista

tenía un sentido defensivo que expresaba la desorientación del Jefe del

Consejo de Ministros en un momento de reconfiguración radical del or-

den europeo. Pero lo sintomático es que en ese contexto de indefini-

39 MNE. Piso 2º, Armário 62, Maço 373. Algumas reflexões sobre as possibilidades de estreitamento de relações económicas com a Espanha e Brasil. Lisboa, 11 de setembro de 1957.

40 Cit. en NOGUEIRA, Albero Franco: Salazar, V. A Resistência. Porto, Livraria Civilizaáo, 1984, pp. 77-83.

Page 180: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

178

ción y de percepción de riesgo de excentralidad para Portugal, volviera

su mirada hacia España y hacia América. En realidad, no dejaba de se-

guir esa vía tradicional de volver la mirada hacia España cuando aflora-

ba un sentimiento de desubicación internacional del país.

Conclusión

Para los portugueses la pretensión española de incluir a Brasil, e in-

cluso al propio Portugal, dentro del tronco común de la Hispanidad no

era más que una nueva variante del viejo peligro español convertido,

ahora, en un enraizamiento iberoamericano efectivo bajo la égida de Es-

paña, por lo nunca admitieron tal inclusión. La Hispanidad se convirtió

así en una fuente permanente de separación entre ambos Estados, aun-

que el régimen de Salazar siempre mantuvo la determinación de que tal

problema no pusiera en peligro la política general de amistad manteni-

da con España. Su política se dirigió a configurar una alternativa visible

y concreta como fue la comunidad luso-brasileña, que aunque nunca se

configuró en nada más que un proyecto retórico, de propaganda y de

afirmación ideológica, sí sirvió, al menos, para alargar los apoyos inter-

nacionales de la dictadura en un momento en el que la cuestión colo-

nial comenzaba a erigirse en el problema fundamental del salazarismo.

Ha habido que esperar a la recuperación de la democracia en 1974-

1975 para que el problema haya encontrado vías de solución a través

de dos caminos. Uno, la nueva fórmula de la Comunidad Iberoameri-

cana de Naciones que, sin las connotaciones integradoras anteriores, y

basada en los principios de cooperación y ayuda mutua, han permiti-

do a Portugal participar sin las prevenciones ni recelos anteriores. La

segunda, después de la integración de los dos países peninsulares en

la Europa comunitaria, promoviendo conjuntamente una nueva fórmu-

la de cooperación interregional Europa/América Latina que ha desarro-

llado la cooperación comercial, política y científica europea hacia la re-

gión bajo los nuevos parámetros de democracia, desarrollo económico

sostenido, equilibrio ecológico, promoción social de las capas más des-

favorecidas y defensa de los derechos humanos.

Page 181: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

“A FAvO R d e U n A e s PA ñ A A T l Á n T i c A ”

l e g A d O i n T e l e c T UA l d e J O s é m A n U e l

P é R e z -P R e n d e s s O B R e l A

P R Oy e c c i Ó n A T l Á n T i c A

Remedios Morán Martín, PdH

Universidad Nacional de Educación a Distancia (UNED)

E-mail: [email protected]

Resumen

En la presente exposición se trata de resumir el legado intelectual

del profesor José Manuel Pérez-Prendes como presentación al Congre-

so “Portugal, España y el Atlántico”, que se dedicó en su homenaje.

Estos tres ámbitos, Portugal, España y el Atlántico, fueron centrales

en su obra. Profundamente iberista, consideraba que España y Portu-

gal han tenido una Historia íntimamente unida y tienen una vocación

común de cultura y de hombres, ambas con proyección hacia el Atlán-

tico, su mar, porque el Atlántico es mar abierto, frente al Mediterráneo,

que es mar cerrado. Esta imagen centra su pensamiento, de larga pro-

yección y de amplitud de miras y temas.

Se analiza, por tanto, su pensamiento, delimitando cuatro aspectos

sacados de uno de sus trabajos, Proa a la Mar (Madrid, 2004): La polé-

mica como talante; La Historia como ámbito; El Derecho como esencia;

el futuro como sede.

Desde este punto de partida, se enumera y analiza su participación

en Seminarios, Congresos, Cursos y publicaciones relacionadas con Por-

tugal y el mundo Atlántico.

DOI: https://doi.org/10.14195/978-989-26-1877-7_7

Page 182: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

180

Palabras clave: José Manuel Pérez-Prendes; Joaquim Verissimo Se-

rrão; Portugal; Derecho indiano.

Abstract

This paper try to summarize the intellectual legacy of Professor José

Manuel Pérez-Prendes as a presentation to the Congress “Portugal, Spain

and the Atlantic”, which was dedicated in his tribute. These three areas,

Portugal, Spain and the Atlantic, were central to his work. Deeply Iberist,

he considered that Spain and Portugal have had an intimately united

history and have a common vocation of culture and men, both with

projection towards the Atlantic, its sea, because the Atlantic is open sea,

facing the Mediterranean, which is closed sea. This image centers the

Pérez-Prendes thought, with a long projection and amplitude of sights

and subjects.

Therefore, his thought is analyzed, delimiting four aspects taken from

one of his works: Proa a la Mar (Madrid, 2004): La polémica como ta-

lante; La Historia como ámbito; El Derecho como esencia; el futuro como

sede. From this starting point, his participation in Seminars, Conferenc-

es, Courses and publications related to Portugal and the Atlantic world

is enumerated and analyzed.

Keywords: José Manuel Pérez-Prendes; Joaquim Verissimo Serrão;

Portugal; Indian Law.

El título de estas páginas está tomado de las palabras de José Manuel

Pérez-Prendes pronunciadas el 20 de mayo de 2004 en su última lec-

ción en la que fue su Facultad de Derecho de la UCM, titulada “Proa a

la mar. Una consideración sobre el futuro de la Historia del Derecho”1.

Es significativo que titulara así a la que, al menos nominalmente, se-

ría su última lección, porque su contenido no es un repaso o una vuel-

ta atrás de su trayectoria o de la materia que lo ocupó durante toda su

vida, sino una mirada al futuro.

1 Pérez-Prendes, José Manuel, Proa a la mar, Facultad de Derecho, Universidad Complutense de Madrid, 2004.

Page 183: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

181

En primer lugar agradezco a los profesores Hipólito de la Torre y

Aurelio Velázquez que pensaran en dedicar este Congreso en Home-

naje a mi maestro, el profesor José Manuel Pérez-Prendes; en segundo

lugar, cuando me invitaron a hacer esta introducción al Congreso, pre-

sentando su semblanza y exponiendo su trayectoria en este tema, con-

sideré que su última lección me daba la pauta para hacer un esbozo de

su pensamiento o mejor dicho de una parte de su pensamiento, volca-

do en Portugal y en Iberoamérica, y, en medio, el gran espacio atlánti-

co al que él siempre miró como espacio abierto de proyección y de po-

sibilidades de pensamiento renovado y libre.

Evocaba en aquella última lección el combate judicial medieval para

enmarcar su discurso, que yo retomo: “Fijaré primero los cuatro linde-

ros del campo de mis palabras: el futuro como sede. La Historia como

ámbito. El Derecho como esencia. La polémica como talante”.

Este era José Manuel Pérez-Prendes en estado puro y voy a seguir-

lo marcando los linderos de esta breve exposición sobre su semblanza,

pero como libre que me dejó y me sentí siempre bajo su magisterio, al-

tero las premisas:

La polémica como talante. Fue José Manuel Pérez-Prendes hombre

de polémica. Pero buscando la esencia etimológica de la palabra no se

refería al sentido de guerrero, sino más bien al de controversia, de con-

traste de opiniones y de intento siempre de ir más allá de lo hasta el

momento dicho sobre algún tema en el plano científico. Y con este ta-

lante se enfrentó al nuevo mundo discrepó de lo dicho y abrió nuevos

campos desde el inicio de su trayectoria intelectual hasta el final. Ha-

blaba del diálogo-debate como única aspiración de la coherencia pro-

pia de la indagación científica. Pero no solo un debate con el otro, sino

consigo mismo, y en este sentido puede entenderse su propia investiga-

ción, siempre en movimiento, siempre contrastando ideas nuevas e in-

corporándolas a su pensamiento no de forma lineal, sino digeridas, en

el sentido de los Digesta justinianeos, reelaborados, con conexiones de

sentido con su propio pensamiento.

La Historia como ámbito. Es uno de sus lemas, aparece como tal en

su página personal, que “Toda historia no es más que historiografía”, o

Page 184: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

182

autoanálisis, como dice en una entrevista que introduce la edición de

parte de sus obras, que por este motivo tituló “Pareceres”. Con ello in-

tenta insertar en la investigación histórica el factor del valor, del inte-

rés, del pensamiento personal o del signo temporal, haciendo patente

que es imposible la subjetividad en el análisis histórico.

El Derecho como esencia. Decía que era para él difícil separar His-

toria de Filosofía cuando pensaba en el Derecho. En este punto, evo-

có con frecuencia a Jaime Guasp en su obra Derecho, porque insertaba

el pensamiento filosófico, la racionalidad y la reflexión sobre el senti-

do que tenía cada norma jurídica en su momento histórico y en la im-

pregnación que tenía de valores y posibilidades en ese mismo momen-

to histórico para la comprensión. Solo desde la comprensión del Dere-

cho, en cada momento histórico, como modo de regulación de los he-

chos sociales básicos de cada comunidad, contando con valores y posi-

bilidades, es como elaboró su concepto de Historia del Derecho, en el

que insertó no solo elementos propios del materialismo histórico en el

nivel de la infraestructura, sino valores superiores en el de la superes-

tructura (religión, grado de cultura de cada sociedad, influencias exter-

nas, etc.). Para él, “el Derecho es en sí mismo un medio para la realiza-

ción de lo justo” y en este punto, diferenció entre justo y justificación,

como entre ley y legitimación. Baste recordar sus palabras: “lo único

que ha existido son posibilidades históricas de justificación temporal de

supremacías concretas”.

El futuro como sede. Aquí es donde enlaza el tema de este Congre-

so. Decía en aquella ocasión José Manuel Pérez-Prendes: “Empiezo por

abogar a favor de una España atlántica, frente al tópico que se nos ofre-

ce casi todos los días, de una España mediterránea (…) No me refiero

con esa contraposición a kilómetros costeros, aunque podría hacerlo, y

aún reforzarlo, con solo recordar la obligación, a la que académicamen-

te estoy vinculado, de asumir que España y Portugal son tan insepara-

bles como diferentes. Tampoco estoy pensando en longitudes y latitu-

des de los mapas. No es una cuestión de dimensiones ni de situaciones

solamente. Es, sobre todo, un tema de tiempos y de significaciones”2.

2 Ibid., pp. 17-18.

Page 185: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

183

"Fue en el Atlántico donde España alcanzó y aún sostiene, la plena rea-lización de su ser histórico. España se impregnó y se diluyó en la sig-nificación atlántica, pero no tanto por el hecho, como se dice, de la difusión de su lengua principal. Es una trampa de Savigny afirmar que un pueblo se define por su lengua (…)El centro de gravedad de mis opiniones reside en la creencia de que, al modo de cómo Agustín de Hipona concibió una Ciuitas Dei, que lle-nó de contenido la tardía Antigüedad y sobre todo el medievo, Espa-ña creó en el espacio atlántico una Ciuitas iuris, que mestizó, bioló-gica y espiritualmente los pueblos, relacionados por la “Mar Oceana”. Pedro Mártir de Anglería, cuando describe el segundo viaje colombi-no, emplea precisamente la imagen de querer edificar una nueva ciu-dad en regiones exteriores: “ad nouam ciuitatem in alienis regionibus condendam faciunt”.Es preciso reconstruir la mecánica jurídica de esa trabazón dinámica, eliminando repetidos errores, como el de concebirla únicamente como fruto de las actuaciones estatales, o el presentarla bajo la imagen de un dibujo asimétrico entre la Península y las Indias. Bien al contrario, la arquitectura evolutiva del conjunto nos presenta, una pluralidad ri-quísima de impulsos y por otro lado, como sí del retorno del mito se tratara, la dualidad transoceánica de las columnas de Hércules, con el eje imprescindible de las islas Canarias, cuyo papel central en el con-junto debe restituirse. El sentido que inspiraba la hoy injustamente ol-vidada investigación de José Peraza de Ayala y Rodrigo Vallabriga so-bre el papel de ese archipiélago español, ha vuelto a revivir en la obra de los Stein que antes cité. Y no menos es problemática unas veces y colaboradora otras, la acción portuguesa, con una situación tan activa en el corazón mismo del siste-ma, que éste no puede ser entendido sin atender a la compleja actitud lusitana de colaboración-resistencia, que siempre presentó esa doble dimensión de modo simultáneo, no de forma sucesiva, como nos quie-ren hacer creer las obras de Historia al uso. Con ello Portugal jugó un imprescindible papel de estímulo, unas veces por aceleración y otras por freno, en la construcción de la España atlántica.El eje vertebrador de esa Ciuitas iuris atlántica, residió en el inmenso tronco, fruto de mil semillas, que se construyó por el ensamblaje del ius commune canónico-romano (en dialéctica con los iura propria), el iusnaturalismo racionalista y la Ilustración, gigantesco embalse que algunos llamaron entonces, Oceanum iuris. Aunque sea en cierto sen-tido un “excursus” no quiero dejar de recordar que debemos princi-palmente a Franz Wieacker, Hans Thieme, Helmut Coing y sus discí-pulos, haber señalado la corporeidad homogénea de tal eje y apuntar inequívocamente la presencia española en su construcción, incluso en engarces muy ocultos, como descubrieron, entre otros varios, E. Reibs-tein acerca de la vecindad consciente de Johannes Althusius y los ju-ristas de la tardía escolástica española, o Johannes Michel Scholz, en términos de mayor conjunto.

Page 186: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

184

Quiero insistir mucho en que la comprensión de la Ciuitas iuris de la España atlántica, no se reduce, ni muchísimo menos, a describir la ac-ción legislativa y la estructuración institucional llevada a cabo por la Corona en ese ámbito territorial. Al menos esa es la convicción a la que llegué, tras el examen de una y otra, en mi libro La Monarquía indiana y el Estado de Derecho. Concluido el intento de reconstruir, aunque fuese en síntesis, esa acción y esa estructuración, tuve y tengo la impresión de que precisamente los factores que pudieran haber vi-talizado ambas, más venían de las convicciones jurídicas particulares, que de las actuaciones oficiales"3.

Realmente, había en estas palabras mucho de visión de futuro y mu-

cho también de recapitulación, porque él había trabajado intensamen-

te sobre estos temas, no solo en La monarquía indiana y el Estado de

Derecho4, sino que puede dividirse su aportación al análisis del mundo

atlántico, en cuatro grandes áreas y a riesgo de ser excesivamente enu-

merativa, como en esta presentación se trata de poner de relieve la fa-

ceta de José Manuel Pérez-Prendes en relación con su proyección portu-

guesa y atlántica, intentaré exponer lo más relevante de su actuación en

este campo, lo que justifica el que se le dedique un Congreso como éste.

El mundo atlántico en cursos y conferencias

No voy a ser exhaustiva en la exposición de actos, cursos y confe-

rencias, pero sí dar unas pinceladas amplias de éstas, de forma crono-

lógica, que es, según su propio modo de hacer y enseñar, la mejor for-

ma de apreciar la evolución no solo en estudios historiográficos, sino

también del tipo que nos ocupa (no tanto en otros trabajos que se exi-

ge una abstracción conceptual).

Viendo la trayectoria académica de José Manuel Pérez-Prendes, el

mundo americano está en él desde sus primeros estudios. No en vano

la beca que le fue concedida primero en España y después por el Go-

bierno alemán lo fue para la localización y análisis de obras de juristas

3 Ibid., pp. 35-38

4 Id., La Monarquía Indiana y el Estado de Derecho, Asociación Francisco López de Gómara, Valencia, 1989.

Page 187: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

185

españoles, lo que se reflejará en un importante número de trabajos so-

bre este tema, como se verá más abajo5.

Posteriormente, a su vuelta a España varios hechos determinarán esta

línea de estudios, no solo la cátedra de Derecho indiano, aneja a la de

Historia del Derecho de la UCM, sino que en la documentación que él

ha conservado en su Archivo personal y que es la voy a utilizar, hay un

sinfín de folletos, cursos, esquemas de clase, de seminarios, etc., sobre

el tema, que se incrementarán con las participaciones en actos y estu-

dios sobre Portugal o relacionados con Portugal, a partir fundamental-

mente de 1980, por los motivos que luego diré.

Asimismo, dentro de su línea de investigación prioritaria desde es-

tos años, fundó la Asociación de Historia Colonial Comparada (HAL-

CO)6, a través de la cual impulsó los estudios de los procesos de colo-

nización y descolonización, cuyo primer Acto fue “América Latina, pa-

labras para un encuentro” (Casa de Velázquez, 1989) y posteriormente

“América Latina. Un presente a construir” (Casa de Velázquez y Palacio

del Viso del Marqués, 4-6 de mayo de 1992).

Una de sus grandes colaboraciones fue en Colegios mayores y Aso-

ciaciones y Centros culturales de diferente signo, prácticamente desde

el principio de su trayectoria. Entre ellos destaco las conferencias y co-

laboraciones en diferentes sedes en las que trató el tema que aquí nos

convoca:

Asociaciones, Centros culturales y Colegios Mayores

Nunca perdió una oportunidad para transmitir su visión en los dife-

rentes foros, por eso algunos parecen extraños y a pesar de eso no ca-

lló, me refiero a una conferencia en la Asociación católica de propagan-

distas (Centro de Madrid), el 15 de enero de 1981, en donde habló del

5 Pueden verse algunos de estos datos en MORÁN MARTÍN, Remedios: “José Manuel Pérez-Prendes, catedrático emérito de Historia del Derecho: ‘Con tenacidad de clavo’”, en Foro, Nueva época, vol. 20, 1, 2017, pp. 501-509.

6 Que posteriormente, con motivo de la modificación de sus estatutos pasó a denominarse Asociación de Historia Colonial Lusitanista Comparada, que aún se mantiene.

Page 188: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

186

tema “Comunidad internacional”, que no fue solo una conferencia, sino

el resultado de un grupo de trabajo. No conservo el texto, pero sí el es-

quema para el trabajo, que traslado textualmente7.

Sería prolijo este tipo de actuaciones, por lo que me reduzco a este

ejemplo.

Asimismo, colaboró con el tema americano en el Colegio de docto-

res y licenciados en Filosofía y Letras de Madrid, en el Curso titulado

“La huella de España en América”, con la conferencia “La organización

jurídica de las Indias en la conquista”8, o la apertura del Curso acadé-

mico 1986-1987 del Colegio mayor de San Bartolomé y Santiago, con la

conferencia “A los cien años de la abolición de la esclavitud”; etc. Se-

ría prolijo enumerar todas las intervenciones en Colegios Mayores, es-

pecialmente en su época en la Universidad de La Laguna y de Grana-

da; pero sí decir, a tenor de los temas y de los esquemas que conserva

que para él era un campo de actuación enormemente sugerente porque

veía en estos estudiantes una posibilidad de transmitir ideas, nuevos te-

mas de investigación, proyección de ampliar campos por proceder de

diferentes facultades, etc.

El temprano inicio de las actividades relacionadas con el Quinto Cen-

tenario del descubrimiento de América en 1980 y su nombramiento como

Secretario General del Instituto de Cooperación Iberoamericana en 1985

7 “Abundancia de textos (índice). Tomadas de L’ Observatore romano.- Piezas significativas:

o Redemptor hominis, III. 17.o Catequesis del miércoles 4 de abril de 1979 (falta de libertad)o Homilía en Montecassino el 18 de mayo de 1979 (construir la

vida social sobre la justicia y el amor)o Mensaje a la XI Sesión especial de la Asamblea de las Naciones

Unidas (25 de agosto de 1980)o Discurso a la XXXIV Asamblea General de las Naciones Unidas.o Documento sobre libertad de conciencia y de religión (1 de

septiembre de 1981)o Mensaje para la Jornada Mundial de la Paz (8 de diciembre de

1980)- Planteamiento schelleriano del tema del hombre. Argentina-Chile”.

8 Aunque le fue requerido el texto para su publicación el 2 de diciembre de 1987 y él lo entregó (conserva copia mecanografiada de la conferencia en su archivo personal) no llegó a publicarse.

Page 189: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

187

y hizo que se incrementara su participación en Congresos, Seminarios,

Jornadas y otros eventos que marcaron profundamente sus trabajos de

modo especial desde 1986 hasta el final de su obra, pero, además, desde

dicha Secretaría potenció los encuentros internacionales con Iberoaméri-

ca, coordinó la obra Iberoamérica, una comunidad (a la que luego me

referiré) y organizó numerosas conferencias y Seminarios, así como co-

laboró con la propuesta, difusión y su pertenencia al jurado de los Pre-

mios a trabajos en las convocatorias de Ayudas a la investigación Quin-

to Centenario (1985-1992).

Enumero algunos de ellos y me remito a su página para ver su obra

relacionada con el tema: Asistió al Instituto de estudios de Administra-

ción Local de Granada, en las V Jornadas Iberoamericanas de estudios

municipales, con la conferencia “Le municipio andaluz y su implanta-

ción en América” (28 de abril de 1986); muy significativa su colabora-

ción con la Junta Episcopal V Centenario, en las Primeras Jornadas Na-

cionales de Historia del Descubrimiento y Evangelización de América

(Huelva, 23-28 de junio de 1986), en el que pronunció las palabras fi-

nales a los congresistas9.

Es de especial interés su exposición en el “VII Congreso de la Unión

Iberoamericana de Colegios y Agrupaciones de Abogados: Aportación

de la abogacía Iberoamericana a la celebración del V Centenario del des-

cubrimiento de América” (Río de Janeiro, 22-25 de septiembre de 1986),

con la conferencia: “Perspectivas para la reformas legales e investigacio-

nes jurídicas”10. En el texto que conservamos vuelve a plantear la con-

veniencia de utilizar todos los recursos de investigación con vistas al

9 Sobre el tema colaboró en otros congresos, con la publicaciones: “La evangeli-zación en las leyes de Indias”, en La Iglesia de América: siglos XVI-XX, ed. Deimos, Sevilla, 1992, págs. 209-217; “Colonización y declaración de libertades”, en Simposio La primera Evangelización de América. Proceso y balance histórico”, 16-17 de noviembre de 1992, V Centenario del descubrimiento y evangelización de América, Madrid, 1993, págs. 73-95, donde también pronunció las palabras inaugurales a los congresistas.

10 No llegó a publicarse el texto, que lo redactó completamente y se conserva en su archivo personal tanto el borrador inicial de la conferencia como el texto totalmente ultimado. En él defiende que los juristas deben dar un nuevo impulso investigador tanto al pasado y a la formación de su Derecho, como al Derecho patrio creado después de las independencias, poniendo de relieve la labor de unificación del Derecho llevada a cabo por España y Portugal en América.

Page 190: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

188

futuro: “Es distorsionante la posibilidad de un planteamiento solamen-

te histórico de la cuestión. En efecto, lo importante del legado jurídico

europeo (y específicamente luso-hispano) en Iberoamérica es tan gran-

de que no es imaginario sino real el peligro de refugiarse en conside-

raciones solo historicistas, que no son desde luego, ni operantes ni in-

exactas, pero que evidentemente sí serían incompletas, en cuanto que

la historia solo tiene sentido en el futuro (…)

Es decir, que no debo preocuparme tanto por recordaros una tradi-

ción reconocida y valorada suficientemente por vosotros, cuanto de ha-

blar las posibles perspectivas de acción proyectadas hacia delante”11.

Y continúa con una exposición de las líneas que considera de inte-

rés, haciendo especial hincapié en el incremento de las investigaciones

(ff. 13-15), a no caer en la vulgarización del Derecho, sino que los ju-

ristas y de modo especial las asociaciones de abogados profundicen en

teorización y conceptualización para no caer en un proceso de vulgari-

zación del Derecho (ff. 16-17); la labor de sugerencia y estímulo par la

preparación de “leyes tipo”, que pudieran contribuir a la defensa de in-

tereses particulares de forma más fácil en los países de la Comunidad

Iberoamericana. Para ello propone: establecer canales fluidos de comu-

nicación entre la UIBA y los Colegios de abogados de una parte y las

autoridades implicadas en temas de cooperación para el desarrollo; se-

leccionar prioridades y financiación de investigaciones básicas, tanto di-

recta como indirectamente (ff. 23-24).

Por lo tanto, siempre propuestas de comunicación, colaboración y

futuro. Hasta 1992 José Manuel Pérez-Prendes despliega una enorme

actividad centrada de un modo muy específico en el Derecho indiano y

en las relaciones tanto hispano-lusas como Iberoamericanas en su con-

junto, su colaboración con la Fundación Institucional Española (FIES)12,

11 Texto inédito, ff. 3-4.

12 Curso de conferencias 1989-1990 “La generación española del Descubrimiento”, con la Conferencia “Los juristas españoles y el descubrimiento” (11 de enero de 1990); se conserva parte en “Los juristas y el Derecho indiano” 1990 (UCM en case-tte en la serie “El Archivo de la palabra”; en 1990 fue premiado por su conferencia “Derechos humanos de Indígenas y negros (análisis de tres leyes), Publicada en edi-ción aparte en FIES, Madrid, 1990, 26 pp. Curso “América española, una mutación

Page 191: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

189

Colegio universitario de Segovia13; con la Conferencia Episcopal14; Fun-

dación Europea de la Ciencia15; Consejo Nacional Cubanoamericano16;

Club de debate de la UCM17, etc. Y se mantiene la intensidad de sus

colaboraciones en años posteriores, siendo de especial significación su

labor constante de involucrar a las Universidades en los estudios sobre

América, su significación y su destino18; o lo que hoy llamamos “tras-

ferencia de resultados”19.

decisiva en la Historia”, con la conferencia “El Derecho, modelador político de la América Española” (20 de febrero de 1992);

13 Seminario “Ordenación jurídica de los descubrimientos y conquista. Presencia castellana y segoviana”.

14 “Colonización y declaración de libertades”, en Simposio La primera Evangelización de América. Proceso y balance histórico”, 16-17 de noviembre de 1992, V Centenario del descubrimiento y evangelización de América, Madrid, 1993, pp. 73-95. También “De la ‘duda indiana’ a la “angustia latinoamericana”, en Razón y Fe,  226, 1992, pp. 135-146 y en Juan García Pérez, América Latina. Treinta años de transformaciones (1962-1992), Universidad Pontificia de Comillas, Madrid, 1992. Su texto, a tenor de una nota en la Separata de su trabajo en Razón y Fe fue mutilado, por lo que decidió publicarlo completo en “Concepciones y decepciones del 92”, en A Distancia (UNED), marzo, 1993, pp. 159-161.

15 Participando en el Second Plenary Conference, Lisbon, 8-11 april, 1992 y cuyo texto fue publicado como ”El modelo político español en América”, en The Heritage of the pre-Industrial European State, ed. Arquivos Nacionais-Torre do Tombo, Lisboa, 1996, págs. 41-66.

16 Cuban American National Council, INC, The Sixth National Conference, con la participación en la Opening Session: The cultures of the quincentennial (27-28 february, 1992)

17 Debate “Historia y leyenda del 92”, sobre el tema “Una reflexión histórica sobre los aspectos más polémicos del Descubrimiento” (25 de marzo de 1992).

18 Destaco, entre otras muchas, el Congreso Internacional de Universidades. La Universidad ante el Quinto Centenario (Palacio de Congresos de Madrid, 13-16 de julio de 1992), con la ponencia “La relación Empresa-Estado-Universidad”; o la con-ferencia que pronunció en la Clausura de la Cátedra V Centenario de la Universidad Pontificia de Salamanca, el 25 de febrero de 1993, clausurada por Luciano Pereña y en la que participó Pérez-Prendes con la conferencia “La Cátedra V Centenario y la investigación española”.

19 Conferencia “El proyecto político de la Corona Española en Indias”, en el Foro de opinión universitario y profesional (21 de abril de 1993); Ciclo “España y los valores éticos en la formación de América” con la conferencia “El Derecho india-no, modelador de la América Española”, organizado por Forum Hispanoamericano Francisco de Vitoria, en el Casino de Madrid (29 de abril de 1999) y el 29 de abril con la conferencia “El Derecho indiano, modelador de la América española”. Fundación Hispano-Británica de Granada, Seminario “La incorporación de las Indias al mundo occidental en el siglo XVI” (19 de febrero de 1999), con la conferencia “La

Page 192: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

190

Cursos de verano y otros Seminarios

En segundo lugar, durante varias décadas de su actividad, fue muy

relevante su participación en Cursos de verano monográficos que en

gran medida se organizan al ritmo de centenarios o celebraciones, por

lo que en el tema que aquí nos afecta, en su camino se cruzan los te-

mas de América (descubrimiento y colonización; Independencias; pér-

dida de las colonias, etc.), el Mundo atlántico y Portugal, por lo que a

efectos prácticos los voy a unificar, por no compartimentar excesiva-

mente esta exposición.

Entre los que participó relacionados con el tema del mundo Ibe-

roamericano y la proyección atlántica, destaco los impartidos en la

Universidad Hispanoamericana de Santa María de la Rábida en 198320;

Universidad Menéndez Pelayo21; Instituto de Cooperación Iberoame-

ricana (del que fue Secretario general desde 1985 a 1992)22, en la

monarquía hispánica”; “La Europa del siglo XVI ante el descubrimiento de América” (8 de febrero de 2000); Ciclo “Funciones y modos de la ciudad americana”, con la conferencia “Fundamentos jurídicos de la ciudad española en América” (21 de marzo de 2002, en la Casa de América)

20 Curso De las reformas borbónicas a los orígenes de las nacionalidades his-panoamericanas (9-26 de agosto de 1983), con la conferencia y grupo de trabajo sobre el tema “Permanencia del Derecho Indiano en el Derecho patrio” (no fue publicado el texto, pero se conservan en su archivo personal, APTA, el esquema de su trabajo y los textos que aportó a los alumnos, entre los que destaco la referencia a historiadores españoles que contribuyeron al estudio de esta etapa en América, como Rafael Altamira y su referencia a la permanencia de algunos aspectos en el Derecho privado español y europeo en los Códigos americanos). En él desarrolló más ampliamente la segunda parte de lo que desarrolló en Gijón anteriormente, en la conferencia “Influencia institucional”, el 4 de julio de 1983.

21 En ella, además de otros cursos y temas, desarrolló el tema de la “Estructura social hispanoamericana” en diferentes ediciones de los Cursos para extranjeros, desde el año 1983 a 1986; en ediciones anteriores el profesor Pérez-Prendes impartía Historia, especialmente contemporánea y tanto en un tema como en otro se conser-van los esquemas y algunos materiales y siempre eran diferentes. Como anécdota, en una entrevista hecha a los estudiantes extranjeros por la prensa santanderina, consideraban este Seminario de Historia como el mejor de los impartidos (Alerta. Información local, 18 de julio de 1982, p. 5).

22 Organizó un Curso de doctorado en colaboración con la UCM de enero a junio de 1986, sobre “Problemas y perspectivas de la integración nacional en

Page 193: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

191

UNED23; Extremadura24; en los Cursos de la Granda (Asturias)25; en

la Universidad de Oviedo, en la cátedra Jovellanos26, dirigidos por

América Latina”, desarrollando él el tema “Las estructuras político-administrativas de la Colonia y la forma de los Estados Nacionales”, con lo que conectó con el libro que estaba ya elaborando de La monarquía Indiana y el Estado de Derecho, pero que mantuvo, con algunas diferencias de tema a lo largo de los años. Lo que llamó Semana de Autor Arturo Uslar Pietri, del 1 al 4 de diciembre de 1986, interviniendo él en la Mesa redonda “La identidad del Nuevo Mundo en el ensayo de Uslar Pietri”, junto con Teodosio Fernández y José Prat, el 4 de diciembre.

23 Entre ellos destaco el Curso Institucional, dirigido por mí, en el Centro Asociado de Lisboa (10-14 de julio de 2001), titulado “La Transición en Portugal y en España”, en el que intervinieron relevantes profesores portugueses y españo-les, entre los que cito a JVS, PP, Carlos Reis, Raúl Morodo, António Pedro Vicente, Hipólito de la Torre, Julio Gil Pecharromán, Javier Tusell

24 “España y Portugal. Un nexo Atlántico” (15-19 de julio de 2002), codirigido por Joaquím Veríssimo Serrão y Magdalena Rodríguez Gil.

25 Curso América ante el 92. Reflexión intelectual sobre las presentes posibilidades político culturales de Iberoamérica”, con la conferencia y debate sobre “Perspectivas jurídicas del ordenamiento comunitario”, de la que se conserva su esquema y las declaraciones a la prensa, siempre impactantes, en las que pronostica que ante el hecho de que la comunidad internacional es racista hacia Iberoamérica, el V Centenario separará a España de los países latinos: La Nueva España, 23 de agosto de 1990. O que España tiende a acercarse a Europa y a olvidar a Latinoamérica, “es algo peligroso. Por ejemplo, a España no se le debía haber ocurrido apelar a la Comunidad Europea para resolver su crisis con Cuba. (…). Existe una comunidad americana de naciones. Lo que hay que hacer es delimitar en qué medida existe u qué perspectivas jurídicas hay para contribuir a la vertebración de esa comunidad”, La voz de Asturias, 23 de agosto de 1990; en el mismo sentido en El Comercio del mismo día; y con el titular “Si los españoles lo interpretamos todo en función europea, nos desprenderemos de nuestra propia esencia, el mundo latinoamericano”, en La voz de Avilés, del 23 de agosto de 1990. En 2002, en el Curso “España y Portugal. Encuentros y desencuentros”, en el que también participó Joaquím Veríssimo Serrâo. VII encuentro de americanistas en Asturias de la Fundación Sánchez-Albornoz. España y América: emigrantes e inversores, dirigido por Rafael Anes y Moisés Llordén (6-10 de agosto de 2001), en la que José Manuel Pérez-Prendes dio la conferencia de clausura titulada “España entre Europa y América” y que se prolongó con el mismo tema al año siguiente (12-16 de agosto), en los que participaron casi los mismos profesores hispano-portugueses.

26 Cursos dirigidos por Moisés Llordén “Un capítulo de la Historia española finisecular: la pérdida de las colonias” (12-16 de julio de 1993), en el que Pérez-Prendes desarrolló dos conferencias: “El conflicto y la Paz de París ante el Derecho internacional” y “Rafael María de Labra y los autonomistas”; una versión de la pri-mera fue publicada mucho más tarde en “El Tratado de París”, en GIRÓN GARROTE, José (ed.), Un cambio de siglo. 1898. España, Cuba, Puerto Rico, Filipinas y Estados Unidos, Universidad de Oviedo, 2008, págs. 85-90; en el Curso “Un capítulo de la

Page 194: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

192

Moisés Llordén y Rafael Anes y a partir de 1996, paralelamente, la Cá-

tedra Jovellanos, a propuesta de los dos profesores ovetenses dichos,

se abrió un ciclo de Cursos con el título genérico de “Portugal y Espa-

ña, vivencias históricas”, codirigidos por los profesores Joaquím Verís-

simo Serrâo (que había sido galardonado en 1995 con el Premio Prín-

cipe de Asturias de Ciencias Sociales) y José Manuel Pérez-Prendes, en

los que siempre tuvieron como tema de fondo España y Portugal, y so-

bre el mismo se desplegaban temas monográficos, como aspectos histó-

ricos27, la pérdida de las colonias, la emigración, la mujer, etc.

Entre éstos, que para el tema tienen especial relevancia, el prime-

ro de los relacionados con el tema fue dirigido por Rafael Anes y que

historia finisecular. II. Las relaciones económicas entre España y Cuba después del noventa y ocho” (25-29 de julio de 1994), desarrolló el tema “Los tratados de Paz y sus consecuencias económicas”, cuyas pautas generales las expuso en una entrevista en El Comercio, de 26 de julio de 1994; el de 24-28 de julio codirigido por Rafael Anes Álvarez de Castrillón, “La participación de los españoles en el desarrollo económico y político de los países del Cono Sur: (I). Argentina, 1875-1930”, con la conferencia “La doctrina jurídica española en la codificación argentina”; “Historia económica y social de Iberoamérica: I. Las economías exportadoras de la América Meridional” (28 de julio a 1 de agosto de 1997), en el que Pérez-Prendes desarrolló el tema “El marco legal de las colonizaciones agrícolas”; “El fin de un imperio: análisis político del 98” (23-26 de septiembre de 1998), en el que expuso el tema “La Paz de París”, cuyo texto se conserva mecanografiado. “España y América después del 98”, con dos conferencias “Del establecimiento de relaciones diplomáticas a los arbitrajes. I y II”; “Españoles en América” (17-21 de julio de 2000), con la conferencia “El jurista Luis Méndez Calzada en Argentina”; etc.

27 “Portugal y España (siglos XII a XX). Una vivencia histórica” (15-19 de julio de 1996), Joaquím Veríssimo Serrao desarrolló el tema “Portugueses nas Universidades hispánicas, na idade Media e no Renascimento”; José Manuel Pérez-Prendes, “Francisco Suárez en Coimbra. Papel intelectual y función pública” y también participaron im-portantes profesores de ambas nacionalidades, como Humberto Baquero Moreno, José V. Pina Martíns, Justino Mendes de Almeida, Antonio Pedro Vicente, Hipólito de la Torre, Rafael Anes, José Cepeda Adán, Luis Suárez Fernández y Dámaso de Lario, al que posteriormente se unirían otros profesores de diferentes Universidades hispano-lusas, iniciando un camino de relaciones mutuas que se mantendría hasta 2002: “España y Portugal. Una vivencia histórica: Siglos XIV-XX” (21-25 de julio de 1997); “España y Portugal. Una vivencia histórica: De Felipe II a la crisis del 1898” (13-17 de julio de 1998); “España y Portugal. Vivencias históricas (IV)” (12-16 de julio de 1999); “España y Portugal. Vivencias históricas” (10-14 de julio de 2000). Este punto puede verse más ampliamente en MORÁN MARTÍN, Remedios: “Tua paixâo e a vocâçao de ensinar. Eu com igualdade”. Joaquím Veríssimo Serrão y José Manuel Pérez-Prendes”, en Matria XXI, VII, 2018.

Page 195: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

193

marcaría gran parte de los Cursos: “España y América” (4 al 8 de julio

de 1983); la conferencia de José Manuel Pérez-Prendes fue sobre la in-

fluencia institucional28; dichos cursos se mantuvieron con diferente te-

mas, pero fueron prioritarios los referidos a temas iberoamericanos29,

hasta el año 2000, poniéndose el colofón a estos cursos de gran cali-

dad universitaria con la concesión de la medalla de Comendador de la

Ordem Nacional do Infante Dom Enrique, a José Manuel Pérez-Prendes

junto con Moisés Llordén e Hipólito de la Torre, en julio de 2000, en un

emotivo acto celebrado en Oviedo.

También fruto de estos Cursos fue la publicación, coordinada por

Hipólito de la Torre, que aglutinó a los profesores asistentes a diferen-

tes sesiones y algunos más tantos de Portugal como de España, titula-

da España y Portugal. Siglos IX-XX. Vivencias históricas30.

28 No se publicó el texto ni se conserva, pero sí la información que el autor publicó en el periódico “La Región, el 2 de julio de 1983, en el que analiza la influencia institucional de España en América, dividido en dos periodos: el denominado de “Derecho indiano”, correspondiente a la época colonial, “que al construirse sobre categorías del sistema jurídico pandectístico y canónico común entonces en toda Europa, permitió una homogeneización jurídica básica de América y Europa que van a estar en condiciones de compartir esa cultura común”, pero no debemos quedarnos ahí, sino abarcar al segundo periodo, el del “Derecho patrio”, correspondiente a la época que siguió a las independencias hasta el momento actual, en el que “se tratará de destacar como es el aspecto de la codificación civil los esfuerzos de autores, como el argentino Vélez Sarsfield o el carqueño Andrés Bello encajan con el paralelo fenómeno de la codificación civil española, o con la ‘instrucción’ del Marqués de Gerona relativa al Derecho procesal tuvo también una peculiar significación en la construcción de los diferentes sistemas procesales americanos. O cómo se dio un fenómeno parejo en el área del Derecho Mercantil. O como, incluso en antiguos territorios hispanos que quedaron incorporados al área anglosajona como las islas de Trinidad y Tobago o el área sur de los Estados Unidos lindante con México fue precisa la traducción de fuentes jurídicas españolas para las necesidades prácticas de la vida de aplicación del Derecho en tales zonas. De esta forma se pretende contribuir a llenar un vacío de las investigaciones americanísticas institucionales de nuestro tiempo y estimular a profundizar en una dimensión de la relación América-España, hasta hoy realmente apenas atendida”.

29 Curso “Juristas asturianos en América” (Oviedo, 5-24 de octubre de 1992), dirigido por Justo García Sánchez y en el que Pérez-Prendes participó con la con-ferencia “Juan Hevia Bolaños: un mercantilista en la Edad Moderna” (7 de octubre), en la que se centró en la teoría general de la prueba en Hevia Bolaños, de la que se conservan las notas que siguió en su exposición.

30 Ed. Síntesis y Universidad de Oviedo, Madrid, 1998.

Page 196: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

194

Pero no solo en los Cursos de Verano de la Universidad de Oviedo,

sino también en los de la UCM31; o de otoño de la Universidad de Ex-

tremadura32;

Colaboración en el Seminario “Fuentes y Metodología para la His-

toria de América. Siglos XVI-XVII-XVIII (Departamento de Historia de

América, 16-18 de mayo de 1990)”, con una exposición sobre las fuen-

tes jurídicas; en la Cátedra V Centenario de la Universidad Pontificia de

Salamanca en el Seminario “Proceso a la conquista de América. Despo-

blación y represión ¿genocidio?” (23 de junio de 1990)33; los diferen-

tes cursos en el Instituto de Derechos humanos de la Universidad Car-

los III, con el curso monográfico “Aspectos de los derechos humanos

en la Legislación Indiana” y otros seminarios siempre relacionados con

los Derechos humanos en Iberoamérica34; con el Instituto Universitario

Ortega y Gasset; Instituto Español de Cultura35; Fundación Duques de

31 Curso de Verano “Por los caminos de América”, con la conferencia “Los cami-nos de América. Control (Vehículos de la colonización: idioma, religión, Derecho), el día 17 de agosto de 1990; Curso dirigido por Joaquím Veríssimo Serrâo y Mario Hernández Sánchez-Barba, “Génesis oceánica de la modernidad: el señorío Atlántico y el Tratado de Tordesillas”, los días 11-15 de julio de 1994, en el que Pérez-Prendes expuso una conferencia sobre el “Análisis jurídico del Tratado de Tordesillas”, que permanece inédito, aunque se conserva el texto íntegro manuscrito y los materiales que repartió.

32 VII Jornadas de estudios luso-españoles (1980-1914) (26 a 28 de noviembre de 1998), dirigido por Hipólito de la Torre y Juan Carlos Jiménez Redondo, “Portugal y España en la crisis finisecular”, en las que intervino en una Mesa redonda “Herencia actual de los noventa peninsulares”. Siempre anotaba los folletos o tomaba notas, en este folleto escribe “Hablé 15 minutos sobre M. P. Merêa. Polémica con J. M. Cuenca sobre las provisiones de cátedra de Historia del Derecho en la postguerra”. O el dirigido por los mismos profesores en el Foro de debate Agora, Seminario “La luz al final del túnel. Las oposiciones políticas en el ocaso de las dictaduras ibéricas”, en el que intervino en una Mesa redonda sobre la Transición.

33 Se conservan sus notas y esquema de su exposición. Colaboró también en sucesivos años, Seminario “La acusación de Europa”, en un debate sobre los aspectos jurídicos, centrándose en Juan Solórzano Pereira, a tenor de sus notas.

34 Como el Seminario Internacional sobre problemas actuales de los Derechos fundamentales (1-4 de junio de 1993), consistente en Grupos de trabajo que en su caso fue el de “Los derechos del indígena americano en la ‘Relación’ de Hernando de Santillán”; Seminario sobre “Aportación de la Teología de la liberación a los Derechos humanos”, con La conferencia “Bartolomé de las Casas, precursor de la Teología de la Liberación: los derechos de los indígenas y los indios” (15 de enero de 2004);

35 Curso “América Española. La creación de una sociedad transatlántica en el siglo XVI” (Roma, enero-junio 1992), Pérez-Prendes participó con la conferencia “El

Page 197: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

195

Soria36; Colegio de Registradores de la Propiedad y Mercantiles de Es-

paña37; además de innumerables Congresos y seminarios a nivel local

(Segovia, Cuenca, Granada, Sevilla, Huelva, Guadalajara38, Vitoria/San

Sebastián39, Sanlúcar de Barrameda40, etc.

Estudios sobre el Derecho indiano

Desde sus primeros años su interés por el Derecho indiano fue inten-

so. De esta manera, sus estancias en Alemania fueron encaminadas por

esa vía41. No solo publicó sus propias investigaciones, sino que man-

tuvo a lo largo de toda su vida un amplio impulso por la traducción y

publicación de obras clásicas del pensamiento relacionado con Améri-

ca, en los que con frecuencia hizo introducciones o estudios jurídicos o

introductorios, especialmente obras de diferentes autores relacionados

con la polémica sobre los justos títulos o temas afines: como he men-

cionado más arriba, ya desde sus primeros años en Alemania fue beca-

Derecho indiano”, el 30 de abril.

36 Seminario de Historia del Derecho dirigido por Antonio Truyol Serra, “El Tratado de Tordesillas en el Derecho internacional” (5-8 de julio de 1994), que intervino como profesor invitado.

37 Ciclo de conferencias Sociedad y Derecho en el 98. La superación del pesi-mismo (abril de 1998), con la conferencia “Los movimientos jurídicos reformadores”, el 22 de abril, cuyo texto mecanografiado se conserva en su archivo.

38 Universidad Euroamericana “Marqués de Santillana”, en el Congreso La Comunidad hispánica de Naciones: de la Cumbre de Guadalajara a la de Madrid” (6-10 de julio de 1992), expuso la conferencia “Problemas jurídicos de la integración Iberoamericana”, el día 9 de julio

39 En el VI Congreso Internacional de Historia de América (23-27 de mayo de 1994), desarrolló el tema “Los criterios jurídicos de Alonso de Zuazo”

40 Seminario “Sanlúcar de Barrameda: el tercer viaje de Colón” (7-11 de sep-tiembre de 1998), con la conferencia “La política indigenista de los Reyes Católicos”.

41 Entre 1960 y 1965, realizó diferentes estancias internacionales, en las Universidades Albert Ludwigs Universität de Freiburg de Brisgovia, bajo la direc-ción de los profesores Hans Thieme (al que consideró su maestro en Alemania), Johannes Vincke y Friedrich Stegmüller, y en la Universidad de Göttingen, en cuyos años trabajó en la búsqueda de manuscritos y bibliografía para la edición crítica de textos jurídicos españoles de los siglos XVI y XVII, que tradujo y realizó diferentes ediciones posteriormente en el Corpus Hispanorum de Pace (CHP) en cuyo proyecto ya trabajaba y que formalizó su relación poco antes de su vuelta, en 1959. Fruto de esta investigación fueron algunos de los trabajos que pueden verse en nota siguiente.

Page 198: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

196

do para diferentes estancias internacionales, en las Universidades Al-

bert Ludwigs Universität de Freiburg de Brisgovia, bajo la dirección de

los profesores Hans Thieme (al que consideró su maestro en Alemania),

Johannes Vincke y Friedrich Stegmüller, y en la Universidad de Göttin-

gen, en cuyos años trabajó en la búsqueda de manuscritos y bibliogra-

fía para la edición crítica de textos jurídicos españoles de los siglos XVI

y XVII, que tradujo y realizó diferentes ediciones posteriormente en el

Corpus Hispanorum de Pace42, labor que continuó durante años.

Posteriormente impulsó la publicación del Diccionario de Gobierno

y legislación de Indias, de Manuel Josep de Ayala. Progresivamente fue

ampliando su actividad en torno al tema y entre otras actuaciones des-

taco su participación en el Congreso Internacional V Centenario del na-

cimiento del Dr. Juan Ginés de Sepúlveda (Pozoblanco, 13-16 de febre-

ro de 1991), en el que no solo dio la conferencia los “Criterios jurídi-

cos de Juan Ginés de Sepúlveda”, sino que desde ese momento formó

parte del Comité de dirección para la publicación de las Obras comple-

tas, que llegó a buen puerto con la edición de un total de treinta volú-

42 Martín de Azpilcueta. Comentario resolutorio de cambios, Corpus Hispanorum de Pace (CHP), vol., IV, (en colaboración con Luciano Pereña y Alberto Ullastres), CSIC, Madrid, 1965; Francisco de Vitoria. Relectio de Indiis o Libertad de los Indios, CHP, vol., V (texto crítico, introducción general y notas. en colaboración con L. Pereña, estudios introductorios parciales de V. Beltrán de Heredia; R. Agostino Iannarone; T. Urdánoz y L. Pereña), CSIC, Madrid, 1967; Juan Roa Dávila. De regno-rum justitia, CHP, vol. VII (edición crítica bilingüe y anotada en colaboración con L. Pereña y V. Abril), CSIC, Madrid, 1970; “Corpus Hispanorum de Pace. Problemas de crítica textual”, en La Critica del testo. Atti II Congreso Internacional. Società italiana di Storia del Diritto, Florencia, 1971, vol. II, pp. 653-670; Bartolomé de las Casas. De regia potestate o Derecho de autodeterminación, CHP, vol., VIII (edición crítica bilingüe y anotada en colaboración con L. Pereña, V. Abril y J. de Azcárraga Servert), CSIC, Madrid, 1ª ed., 1983 (sobre esta obra recoge en una de sus memo-rias anuales para la justificación de la beca del CSIC el hallazgo de materiales, dice en la misma: “En el mismo lugar (Biblioteca de la Universidad de Freiburg im Breisgau, Baden-Wütemberg) se encontró un ejemplar de la edición príncipe de la obra de Bartolomé de las Casas “De imperatoria seu Regia potestate”, Francofurti ad Moenum, 1571, de la que solo era conocido un ejemplar que existe en la biblioteca de Harvard. Se obtuvo fotocopia íntegra de la obra para su utilización por el grupo de investigadores del Consejo que prepara la edición crítica de dicha obra dentro de la serie Corpus Hispanorum de Pace”, fechado en Madrid, 15 de septiembre de 1967. «La esclavitud y el régimen de encomiendas», en CHP,  XXV-1, CSIC, Madrid 1986, pp. 57-77. Pueden verse la relación total de sus obras en su página personal on-line: http://www.josémanuelpérez-prendes.es/

Page 199: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

197

menes, en los que colaboró siempre no solo asistiendo a las sesiones

de dicho Comité, sino con algunos de los estudios jurídicos introducto-

rios43 y aportando nombres de colaboradores de diferentes áreas para

la traducción y edición de las distintas obras de Sepúlveda, evaluando

textos, gestionando momentos difíciles, con su siempre lúcida aporta-

ción de ideas y temas de análisis.

La obra citada, La Monarquía indiana44 es posiblemente su obra

de referencias en este tema, precedida de una publicación de las insti-

tuciones en cuadros sinópticos. Pero, además, trabajó en temas mono-

gráficos, muchos de ellos consecuencia de conferencias en Congresos

o Seminarios, especialmente a partir de 1980 cuando se acercaba la ce-

lebración del Quinto Centenario del descubrimiento de América, como

el I Simposio “La ética en el conquista de América” (2-5 de noviembre

de 1983)45; los organizados por Luciano Pereña, con el que tanto cola-

boró, en la Universidad Católica Santo Domingo, en el Curso de Histo-

ria de América (julio-agosto de 1985) que dio como resultado su traba-

jo sobre la encomienda46; su intervención sobre la abolición de la es-

clavitud47; etc.

Puso colofón a esta serie de estudios en su última gran obra: La he-

rencia de Cristóbal Colón. Estudio y colección documental de los mal lla-

43 Desde aquí mi agradecimiento, que fue también el suyo, a los diferentes alcaldes que ocuparon la alcaldía de Pozoblanco en este largo periodo, así como a sus concejales de Cultura y de modo especial al Secretario de este Comité, Luis Luna, siempre atento a resolver todo, amigo y colaborador siempre.

44 La Monarquía hispana y el Estado de Derecho, Asociación Francisco López de Gómara, Valencia, 1989.

45 Su conferencia fue “Solución legal de la ‘Duda indiana’”, que fue publicada en Actas del I Simposio sobre la Ética en la Conquista de América (1492-1573), Diputación provincial, Salamanca, 1984, pp. 494-510.

46 «La esclavitud y el régimen de encomiendas», en CHP,  XXV-1, CSIC, Madrid 1986, págs. 57-77.

47 Colloque internacional: L’ abolition de l’ Esclavage Dans les antilles hispa-niques (Cuba, Porto Rico, Santo Domingo), Paris, 27-29 de noviembre de 1986; el texto fue publicado como “La revista ‘El abolicionista’ (1865-1876) en la génesis de la abolición de la esclavitud en las Antillas españolas”, en Anuario de Estudios Americanos, 43, 1986, pp. 215-240.

Page 200: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

198

mados pleitos colombinos (1492-1541)48, cuya colaboración que ocupa

prácticamente el primer tomo, además de la revisión y aportación do-

cumental de muchos de los documentos incluidos en los otros tres, se

titula “Una mordaza de tinta”.

Labor diplomática y de consenso

Durante su periodo como Secretario general del Instituto de Coope-

ración Iberoamericana (ICI) desplegó una intensísima labor de coope-

ración y consenso de voluntades en los años anteriores a la celebración

del Quinto Centenario del descubrimiento de América, que eran mo-

mentos difíciles y que hubo conatos importantes de boicot de la cele-

bración; sin embargo, desde la cultura, supo aunar a un importante nú-

mero de intelectuales y de universidades para trabajar en un proyecto

común sin precedentes.

Es muy difícil contabilizar ni exponer cada una de sus actividades,

sirva de referencia la más importante: Iberoámerica, una comunidad,

que según muy variadas alusiones de los diferentes autores no fue solo

un libro. A iniciativa de Arturo Uslar Pietri, fue acogida por el ICI y en

ese momento, 1980, el director Luis Yáñez y el vicedirector, Inocen-

cio Arias, encargaron una propuesta y coordinación a José Manuel Pé-

rez-Prendes, que la acometió, y ,tal como se recoge en la advertencia

editorial del mismo, fue Coordinado por Enrique M. Barba, José Manuel

Pérez-Prendes, Arturo Uslar Pietri, Joaquim Veríssimo Serrâo y Silvio

Zavala49, detrás hubo una labor diplomática intensa de unificar impul-

sos y voluntades en pro de una concienciación de los lazos que unían a

España y Portugal con Iberoamérica. Desde las universidades de todos

los países, reuniendo a los mejores, se logró un gran consenso en mo-

mentos muy difíciles, cercanos al Quinto centenario. Esta labor fue re-

48 Anunciada Colón de Carvajal y José Manuel Pérez-Prendes (Coords.), Madrid, Consejo Superior de Investigaciones Científicas, 2016, 4 vols.

49 Iberoamércia, una comunidad, Instituto de Cooperación Iberoamericana. Quinto Centenario. Ediciones de Cultura Hispánica, Madrid, 1989. Hay diferentes ediciones en un volumen y en dos.

Page 201: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

199

conocida siendo presentada la candidatura de los cuatro coordinadores

al Premio Nobel de la Paz, quedando finalistas50.

Pero mientras se desarrollaron estos trabajos y en el seno del ICI el

profesor Pérez-Prendes realizó una labor de coordinación y de difusión

de las relaciones hispanoamericanas de enorme envergadura, intentan-

do implicar a los diferentes sectores sociales, como a los Colegios de

abogados de España y de Iberoamérica, como se ha dicho arriba, a las

Universidades51, etc.

En este último foro es interesante, cómo su siempre, visión de fu-

turo, apelaba a la necesidad de la investigación de la Universidad para

una mejor distribución de recursos y para el intento de redes de plani-

ficación mundial en áreas que afectan a todos como la meteorología, la

hidrología, oceanografía, etc., así como “que la cooperación ha de en-

tenderse ¿por qué no decirlo? Como generosidad, lo mismo por parte

de países que poseen un alto desarrollo tecnológico, como por aque-

llos que desean recibir el aporte de la cooperación”52.

Trazos de una vida plena de experiencias, de trabajo intenso y reflexi-

vo, de aportación de temas y apertura de caminos, como decía en una

ocasión, posiblemente una raya en el agua, pero siempre hizo lo que

pudo lo mejor que supo y no escamoteó ni esfuerzo ni tiempo en ello

y tuvo un brillante resultado, desde mi punto de vista. Y lo hizo siem-

pre teniendo en cuanta el pasado, pero mirando al futuro, a ese amplio

mar Atlántico en el que siempre centró su mirada como espacio de li-

bertad y de posibilidades de un Nuevo mundo.

50 Más ampliamente este tema lo he desarrollado en MORÁN MARTÍN, Remedios: “Tua paixâo e a vocâçao de ensinar. Eu com igualdade”, cit.

51 Seminario “La prestación de servicios de las Universidades al sector produc-tivo: Latinoamérica, España y Comunidad Europea”, Madrid, 5-7 de noviembre de 1986, donde intervino, además, en la Mesa redonda “Marco global: Universidad, sector productivo y Cooperación Internacional”, cuyo texto inédito se conserva.

52 Ibid., f. 5.

Page 202: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

(Página deixada propositadamente em branco)

Page 203: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

n O TA B i O g R Á F i c A d O s A U TO R e s

Alberto Pena Rodríguez

Doctor en Ciencias de la Información por la Universidad Compluten-

se de Madrid, doctor en Historia por la UNED, profesor titular de Histo-

ria de la Propaganda de la Universidad de Vigo. Entre otras universida-

des, ha sido profesor visitante en Brown, Harvard, UC Berkeley y Mas-

sachusetts Dartmouth. Sus líneas de investigación abordan, preferente-

mente, diferentes aspectos sobre la historia de la propaganda y la pren-

sa en el contexto ibérico o lusófono. Entre sus últimos trabajos, está:

Salazar y el fascismo español. Propaganda franquista y salazarista en la

colonia española en Portugal (1933-1939) (2017).

António Telo

António José Telo foi professor na Faculdade de Letras de Lisboa

até 1999 e é hoje professor catedrático na Academia Militar. É autor de

mais de 25 livros e 300 artigos e participações sobre assuntos de Histó-

ria, Relações Internacionais e Defesa.

Aurelio Velázquez Hernández

Doctor en Historia por la Universidad de Salamanca. Ha disfrutado

de una beca posdoctoral en la Universidad Nacional Autónoma de Mé-

xico y en un Contrato Juan de la Cierva en la Universidad Nacional de

Educación a Distancia (UNED), también ha sido profesor del Departa-

mento de Historia Contemporánea de la Universidad de Valencia. Del

mismo modo, ha realizado estancias de investigación en varios países

como México, Estados Unidos, Argentina, Portugal o Suiza. Es investi-

gador del Centro de Estudios Sobre Migraciones y Exilios (CEME) de la

Page 204: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

202

UNED. Sus investigaciones se han centrado en la Historia del exilio re-

publicano español en América Latina. Es especialista en el estudio de

los organismos de ayuda a los españoles, y las redes internacionales de

solidaridad con este exilio.

Hipólito de la Torre Gomez

Hipólito de la Torre Gómez (Santander, 1948) es catedrático de

Historia Contemporánea y profesor emérito de la UNED. Estudioso

de la historia portuguesa, la política externa de Portugal y de Espa-

ña, y las relaciones luso-españolas, es autor de números libros y ar-

tículos. Ha sido durante dos mandatos (2011-2018) director del De-

partamento de Historia Contemporánea de la UNED. Es miembro co-

rrespondiente de cuatro academias, y está en posesión de varias con-

decoraciones portuguesas, entre las cuales la Gran Cruz de la Ordem

da Instrução Pública.

Iranison Buriti de Oliveira

Doutor em História. Professor da Universidade Federal de Campina

Grande. Pesquisador-bolsista do CNPq. Avaliador do INEP-MEC. Autor de

diversos livros, dentre os quais ”Leituras do sensível: escritos femininos

e sensibilidades médicas no Segundo Império”, publicado pela EDUFCG.

Isabel Maria Freitas Valente

Doutora em Altos Estudos Contemporâneos, Pós-Doutorada pela Uni-

versidade de Coimbra, Coordenadora Científica do Grupo de Investiga-

ção Europeísmo, Atlantaticiade e Mundialização do CEIS20-UC, Coor-

denadora Científica da Rede de Investigação Internacional Territórios

Marítimos, Ilhas e Regi.es Ultraperiféricas da Uni.o Europeia. Auditora

de Defesa Nacional (CDN18/19). Co-coordenadora Científica da Rede

de Investigação Internacional – Visões Cruzadas sobre a Contempora-

neidade e Co-coordenadora da Network. Europe: Southern Perspecti-

ves. Between the Atlantic and the Mediterranean. Directora da colec-

ção Euro-Atlantico: Espaço de diálogos e Directora-Executiva da Revis-

ta Científica Debater a Europa. Curriculum e parte da produção cien-

Page 205: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

203

tífica disponíveis em: http://www.degois.pt/visualizador/curriculum.

jsp?key=7970341948084318

Juan Carlos Jiménez Redondo

Licenciado y doctor en Geografía e Historia y también en Ciencias

Políticas y Sociología. Ha sido profesor asociado de Historia en la Uni-

versidad Rey Juan Carlos I, profesor-tutor de Ciencia Política y de Re-

laciones Internacionales en el centro asociado de Madrid de la UNED y

profesor de Tercer Ciclo en la Universidad Complutense de Madrid, de-

sarrollando cursos monográficos sobre la realidad social y política de

América Latina. Actualmente es profesor colaborador doctor en la Uni-

versidad CEU San Pablo. Es también colaborador habitual del programa

Hora-25 de la Cadena SER, y conferenciante en Universidades de Espa-

ña, Portugal, México y Colombia. Las principales líneas de investigación

se centran en la política exterior española, Portugal y el área iberoame-

ricana, y pensamiento y sociología de las relaciones internacionales.

Maria Manuela Tavares Ribeiro

Professora Catedrática Aposentada de História Contemporânea da Fa-

culdade de Letras da Universidade de Coimbra, Investigadora do Gru-

po Europeísmo, Atlanticidade e Mundialização do CEIS20, Membro da

Academia Portuguesa de História, da Academia Internacional da Cultu-

ra Portuguesa, da Academia das Ciências de Lisboa, da Associação Por-

tuguesa de História das Relações Internacionais, do Centro de Estudos

Ibéricos, da European Community Studies Association, da Rede de His-

tória Contemporânea, da ICHRPI. Directora da Revista Estudos Contem-

porâneos do Século XX (2004-2014), Directora da Revista Debater a Eu-

ropa (online), Directora da Colecção Estudos sobre a Europa, Directo-

ra da Colecção História Contemporânea. Directora do Curso de 3.º Ci-

clo em Estudos Contemporâneos CEIS20 (2011-2014). Coordenadora,

et. Principais áreas de investigação: história das ideias, história cultural,

história das ideias de Europa, história política, relações internacionais.

Page 206: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

204

Remedios Morán Martín

Catedrática de Historia del Derecho y de las Instituciones (Facultad del

Derecho, UNED), ha participado en distintos Proyectos de investigación

actualmente de historia contemporánea, especialmente del siglo XIX en

el tema de Participación política y Partidos políticos. Sus publicaciones

se centran de distintas etapas históricas, prevaleciendo los relacionados

con el régimen señorial y Cortes castellano-leonesas, si bien también ha

trabajado sobre violencia contra la mujer en la Edad Media, Derechos

de patronato, Derecho privado, penal y procesal, etc.

Es académica correspondiente de la Academia Portuguesa da História

y colabora asiduamente con la Universidad de Lisboa, la Universidad

Autónoma de Lisboa y la Universidade Aberta de Portugal.

Page 207: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

(Página deixada propositadamente em branco)

Page 208: PORTUGAL, ESPANHA E O ATLÂNTICO - I€¦ · e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos

PO

RT

UG

AL

, ES

PAN

HA

E O

AT

NT

ICO

- I

06

Coleção Euro-Atlântico: espaço de diálogosCoordenadores: Isabel Maria Freitas Valente (Portugal); Iransilson Buriti de Oliveira (Brasil)N.º 6

A coleção “Euro-Atlântico: espaço de diálogos”, uma iniciativa do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Brasil, em parceria com o Grupo de Investigação Europeísmo Atlanticidade e Mundialização do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20, pretende publicar textos e documentos originais com carácter interdisciplinar com interesse para Portugal, para o Brasil e para a Europa, especialmente nas áreas da História, das Relações Internacionais, da Ciência Política, do Direito. Embora, esta colecção, se dirija prioritariamente ao espaço da América Latina e da Península Ibérica, bem como aos fenómenos de integração: MERCOSUL e União Europeia, não deixará de interessar também ao espaço científico e cultural africano.

En esta obra se afronta la perspectiva atlántica de las dos naciones ibéricas desde un planteamiento interdisciplinar incluyendo visiones históricas y miradas desde otras perspectivas como las relaciones internacionales, o las ciencias políticas. Por otra parte, se encara desde una perspectiva dialéctica el presente y pasado de la dimensión atlántica, afrontando las principales problemáticas que han afectado a este ámbito desde la contemporaneidad. Problemáticas tales como migraciones, exilios, los grandes conflictos bélicos del siglo XX, así como la doble tensión entre Iberoamericarismo y lusofonía en el contexto del proceso de construcción europea. En conjunto esta obra trata de abordar las dinámicas presentes y pasadas en torno a la atlánticidad y el doble concepto del atlántico como frontera y como puente, nexo entre Europa y América con las naciones ibéricas como eje fundamental de estas vinculaciones.

In Introdução