portofolio 2014 2

23
João Pessoa, Paraíba - QUARTA-FEIRA, 12 de novembro de 2014 A UNIÃO 121 ANOS - PATRIMÔNIO DA PARAÍBA GUSTO E A U dos Anjos Especial Walter Galvão Foi uma vida curta, apenas 30 anos. Mas 30 anos a mil, período (1884-1914) em que Augusto dos Anjos na Paraíba, no Rio de Janeiro e em Minas Gerais analisou e discutiu com sua obra de alto poder criativo e densidade artística as angústias e certezas do seu tempo, antecipou tensões que nos envolvem hoje, 100 anos depois de sua morte, e estabeleceu uma referência para o domínio da arte da palavra poética. Ao menos por mais 100 anos, sua obra continuará essa trajetória provocativa que desafia a mentalidade contemporânea às voltas com as mesmas questões que o motivaram a escrever sobre morte, individualidade, consciência, sentimentos e solidão, a respeito do amor, da traição e da hipocrisia, e a refletir sobre ciência, filosofia, linguagem e história, para situarmos apenas alguns dos territórios por ele visitados. A morbidez dos poemas de Augusto, com aberturas para o nefasto, o sobre- natural e o pesadelo, está presente tanto nesse consumo desenfreado de históri- as de vampiros e zumbis que entopem cinemas e livrarias, nessa moda recente do caveirismo, em filmes como “Aliens”, “Hellraiser” e similares, na obra sempre atual de Zé do Caixão, em games a exemplo de “Amnesia: a machine for pigs”, e em séries de sucesso como “Walking deads”. Questões atuais a exemplo do narcisismo exacerbado que leva as pessoas a fazerem “selfies” em sepultamentos já estão presentes no “Eu”, de Augusto, livro único lançado em 1912, no mesmo ano em que Freud publica “Totem e tabu” e inicia a redação de “Sobre o narcisismo: uma introdução”. Os estudos de Jean-Paul Sartre sobre a consciência, os ensaios de Nietzsche so- bre a decadência dos valores e os paradoxos morais, o Freud também de “O mal-es- tar na civilização”, o expressionismo que encontramos nos blocos de acordes distor- cidos da obra de Jimi Hendrix, a preocupação com o budismo que permeia a maioria dos livros de Jack Kerouac, a imaginação delirante de Tolkien, o sentido do macabro de Lovecraft e as tentações da carne e do espírito características do “Fausto”, de Goethe, tudo isso é possível encontrar nos poemas de Augusto dos Anjos, gênio da arte brasileira, uma obra que nesse centenário de sua morte se projeta cada vez mais como atual e urgente. J. W. von Goethe Jimi Hendrix Jean-Paul Sartre H.P. Lovecraft Jack Kerouac J.R.R. Tolkien Sigmund Freud Friedrich Nietzsche FOTOS: Reprodução/Internet

Upload: demetrios-importacao-exportacao

Post on 06-Apr-2016

241 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

Alguns trabalhos 2014

TRANSCRIPT

Page 1: Portofolio 2014 2

João Pessoa, Paraíba - QUARTA-FEIRA, 12 de novembro de 2014

A UNIÃO 121 ANOS - PATRIMÔNIO DA PARAÍBA

GUSTOE

AU

dos Anjos

Especial

Walter Galvão

Foi uma vida curta, apenas 30 anos. Mas 30 anos a mil, período (1884-1914) em que Augusto dos Anjos na Paraíba, no Rio de Janeiro e em Minas Gerais analisou e discutiu com sua obra de alto poder criativo e densidade artística as angústias e certezas do seu tempo, antecipou tensões que nos envolvem hoje, 100 anos depois de sua morte, e estabeleceu uma referência para o domínio da arte da palavra poética.

Ao menos por mais 100 anos, sua obra continuará essa trajetória provocativa que desafia a mentalidade contemporânea às voltas com as mesmas questões que o motivaram a escrever sobre morte, individualidade, consciência, sentimentos e solidão, a respeito do amor, da traição e da hipocrisia, e a refletir sobre ciência, filosofia, linguagem e história, para situarmos apenas alguns dos territórios por ele visitados.

A morbidez dos poemas de Augusto, com aberturas para o nefasto, o sobre-natural e o pesadelo, está presente tanto nesse consumo desenfreado de históri-as de vampiros e zumbis que entopem cinemas e livrarias, nessa moda recente do

caveirismo, em filmes como “Aliens”, “Hellraiser” e similares, na obra sempre atual de Zé do Caixão, em games a exemplo de “Amnesia: a machine for pigs”, e em séries de sucesso como “Walking deads”.

Questões atuais a exemplo do narcisismo exacerbado que leva as pessoas a fazerem “selfies” em sepultamentos já estão presentes no “Eu”, de Augusto, livro único lançado em 1912, no mesmo ano em que Freud publica “Totem e tabu” e inicia a redação de “Sobre o narcisismo: uma introdução”.

Os estudos de Jean-Paul Sartre sobre a consciência, os ensaios de Nietzsche so-bre a decadência dos valores e os paradoxos morais, o Freud também de “O mal-es-tar na civilização”, o expressionismo que encontramos nos blocos de acordes distor-cidos da obra de Jimi Hendrix, a preocupação com o budismo que permeia a maioria dos livros de Jack Kerouac, a imaginação delirante de Tolkien, o sentido do macabro de Lovecraft e as tentações da carne e do espírito características do “Fausto”, de Goethe, tudo isso é possível encontrar nos poemas de Augusto dos Anjos, gênio da arte brasileira, uma obra que nesse centenário de sua morte se projeta cada vez mais como atual e urgente.

J. W. von Goethe Jimi HendrixJean-Paul Sartre

H.P. Lovecraft

Jack KerouacJ.R.R. Tolkien

Sigmund Freud Friedrich Nietzsche

FOTOS: Reprodução/Internet

Page 2: Portofolio 2014 2

Da chegada dos italianos ao Brasil à deflagração da Grande Guerra

Época de transformações

UNIÃO A João Pessoa, Paraíba - QUARTA-FEIRA, 12 de novembro de 20142

GUSTOE

AUdos Anjos

Especial

O poeta paraibano Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos, um homem de aparência comum e inteligência privi-legiada, apesar de coexistir com sérios problemas de saúde que afetavam seu aparelho respiratório, tinha o escárnio hu-mano como sua principal inspiração, e muitos de seus poe-mas demonstram isto com clareza.

Durante sua curta existência de 30 anos, ele viveu perío-dos importantes do mundo em evolução e presenciou, em sua própria terra, a falência dos engenhos, um patrimônio tradi-cional no meio de sua família, abruptamente substituído pelas grandes usinas, que tornaram popular o uso do açúcar como adoçante, até então um produto privativo de “quem era muito apatacado”, como afirma Horácio de Almeida.

O autor do “Eu” nasceu em 20 de abril de 1884. Trin-

ta e cinco dias antes, em 25 de março de 1884 -, o Ceará dava o primeiro passo para abolir a escravidão no Brasil. Neste ano, o Ministro da Guerra, Alfredo Chaves, foi ins-truído por D. Pedro II a proibir os militares a se manifes-tarem através da imprensa.

Daí por diante, a existência de Augusto atravessaria di-versos períodos importantes na História do Brasil:

Em 1885, o Congresso do Império aprova a nova lei elei-toral a vigorar no Brasil. Em 13 de maio de 1888, a Princesa Isabel, regente do trono brasileiro, aprova a Lei Áurea, que abolia os escravos. Quatro anos depois, em 15 de novembro de 1889, é proclamada a República, por um militar amigo do imperador Pedro II, o marechal Deodoro da Fonseca. Já em 1900, sobrevém o tratado final dos limites de fronteira entre o Brasil e a Argentina. Nesta época o número de habitantes do país era de 17 milhões 318 mil habitantes. O Brasil com-pletava seu primeiro aniversário sob a égide da República e,

entre 1900 e 1910, as fronteiras são abertas para a entrada de 640 mil 577 imigrantes estrangeiros, a maioria de italia-nos, alemães, portugueses e japoneses.

Em 1914, já autor de versos renomados e demonstran-do o seu potencial de intelectualidade, o adulto Augusto dos Anjos está bem informado de que o Brasil é governado pelo Marechal Hermes da Fonseca, o presidente que, em seu go-verno, manteve critérios rígidos para dar suporte à política econômica do café.

Em nível mundial, os poucos jornais que chegavam à Paraíba, através dos navios vapores ou dos trens da Great Western, eram folheados pelo gênio dos versos do Engenho Pau D’Arco que, mesmo tendo se revelado o poeta mais pro-vocativo do início do século XX, certamente teria agradecido a Deus, ter morrido três meses e 11 dias após o início da Pri-meira Guerra Mundial, provocada pelo assassinato do Arqui-duque Francisco Ferdinando, em Sarajevo (Sérvia).

1914, ano da morte de Augusto, é o do atentado em Sarajevo que vitimou o ArquiduqueFrancisco Ferdinando e sua esposa a Duquesa Sofia de Hohenberg

“O inconsciente me assombra e eu nele rolo com a eólica fúria do harmatã inquieto”

Chegada de italianos ao Brasil para trabalhar na agricultura, um dos fatos sociais característicos dos tempos de transformação em que viveu Augusto dos Anjos

Hilton Gouvê[email protected]

FOTOS: Reprodução/Internet

FOTO: Edson Matos

Page 3: Portofolio 2014 2

UNIÃO AJoão Pessoa, Paraíba - QUARTA-FEIRA, 12 de novembro de 2014 3

Uma consciência sob o impacto revolucionário de dois séculos

Tempos de ApogEu!William Costa

Um dos períodos históricos de maior efer-vescência, nos campos da arte e da ciência, da política e da economia, e que certamente for-matou a multiplicidade da maneira de ser e es-tar no mundo nas sociedades contemporâneas, foi, sem dúvida, a transição do século dezenove para o vinte.

Tempo em que os motores da Revolução Industrial já impulsionavam (e determina-vam!) os rumos do mundo, e os alicerces da cultura eram abalados pelos embates estéticos entre, por exemplo, simbolistas versus rea-listas, naturalistas e positivistas, e, um pouco mais tarde, pelas vanguardas.

Tempo de grandes embates ideológicos, com os nacionalismos libertários anticolonia-listas e imperialistas, mas também de verten-tes totalizantes e destruidoras, como o nazi-fascismo. Da prodigiosa Revolução Proletária de 1917, na Rússia, e da estúpida Primeira Guerra Mundial, em 1914.

Tempo da poesia de Augusto dos Anjos. Do telefone de Graham Bell. Dos dirigíveis do conde Zeppelin. Da concretização do sonho humano de voar, por Santos Dumont. Do toca-discos de Emile Berliner. Do cinematógrafo dos Irmãos Lumière. Da arrasadora Teoria Psica-nalítica de Sigmund Freud.

Tempo d’A Origem da Família, da Proprie-dade Privada e do Estado de Engels. Da linha de produção de Ford. Da Teoria da Relativida-de de Einstein. Das “mensagens” de Fernando Pessoa. Das “cartas” de Neruda. Da não-violên-cia de Gandhi. Das ficções de Julio Verne. Da pintura iconoclasta de Pablo Picasso.

Tempo de Monarquia e República, no Bra-sil. Do Imperador D. Pedro II e do Marechal Deodoro. Da Lei Áurea da Princesa Isabel. Da Guerra de Canudos. De Euclydes da Cunha. Rui Barbosa. Machado de Assis. Manuel Bandeira.Pixinguinha. Chiquinha Gonzaga. Da Academia Brasileira de Letras.

Tempo em que a ciência tramava a con-quista da natureza indócil – o explosivo átomo. E o poeta descia ao subsolo da alma, na ânsia de conhecer a essência das coisas – a implosiva morte. Tempo de funerais, mas também de fes-ta em Paris. Dias e noites de Augusto dos An-jos... na imperecível tradução do Eu!

GUSTOE

AUdos Anjos

“Falas de amor, e eu ouço tudo e calo! O amor da Humanidade é uma mentira”

Especial

Santos Dumont causa grande impacto em Paris ao sobrevoar a cidade a bordo de um aeroplano que decolou sem auxílio de qualquer dispositivo

Graham Bell testa para um público de cientistas e empresários o telefone, que revolucionaria para sempre a comunicação

Einstein: Teoria da Relatividade em 1905

FOTOS: Reprodução/Internet

FOTO: Edson Matos

Page 4: Portofolio 2014 2

João Pessoa, Paraíba - QUARTA-FEIRA, 12 de novembro de 2014

A UNIÃO

4

O eu tanto exibe o que somos, como esconde o que é o sujeito

Um crítico do egocentrismo

GUSTOE

AUdos Anjos

“Eu, filho do carbono e do amoníaco, monstro de escuridão e rutilância, sofro, desde a epi-gênese da infância, a influência má dos signos do zodíaco”

Quando Augusto dos Anjos decidiu no-mear seu primeiro – e único – livro como EU, em 1912, talvez o poeta tivesse plena cons-ciência de que seu conteúdo flertasse de maneira dúbia com o próprio conceito de in-dividualidade. Para alguns, o EU poderia ser uma celebração à particularidade de cada ser humano. Mas, para alguns estudiosos, a questão pode ser ainda mais profunda.

“Augusto dos Anjos era um crítico do

egocentrismo”, afirma o professor de Filo-sofia da UFPB, Abrahão Costa Andrade. “Sua obra é atual porque ela continua sendo uma crítica válida para o modelo de sociedade que vivemos hoje”, completa. Para entender em que nível sua poesia tece comentários e críticas, é preciso entender um pouco do que se tratava do “eu” no período em que Augusto viveu, no início do século XX.

Abrahão salienta que a ideia de um “eu” racional advém dos estudos desenvolvidos por René Descartes, em meados do século XVII. “É incrível como temos a crença sóli-da de que cada um de nós tem uma indivi-

dualidade aqui dentro, apesar de ser algo delimitado há mais ou menos quatrocentos anos, o que é muito pouco, visto a história da humanidade”, pontua o filósofo.

No entanto, a ideia de Descartes é o ‘eu’ é uma construção racional. O filósofo apon-ta que Augusto se põe contra a essa concep-ção, pensamento evidenciado pelos versos de ‘As cismas do destino’: “Tal uma horda feroz de cães famintos, / Atravessando uma estação deserta, / Uivava dentro do eu, com a boca aberta, / A matilha espantada dos instintos!”. “Portanto, ele diz que o ‘eu’ não é razão coisa nenhuma, mas sim puro ins-

tinto, o que torna ele supercontemporâneo de Freud”, destaca Abrahão Costa Andrade.

À luz da psicanálise, como explica a professora do Departamento de Psicolo-gia da Universidade Federal de Santa Ca-tarina, Ana Lúcia Mandelli de Marsillac, a identidade, que chamamos de ‘eu’, é resul-tado da composição entre o corpo bioló-gico, o momento histórico e os valores e ideais de cultura e família. “O Eu é aquilo que o sujeito mostra de si ao outro, mas, paradoxalmente, também é a forma pela qual se esconde, nesse sentido ele é mon-tagem, ficção”, explica.

Especial

Cronologia

André Luiz MaiaEspecial para A UNIÃO

Poemas para quebrar sonhosNo início do século XX, o conflito se dava

entre uma moral civilizatória da sociedade, que impõe limites entre o certo e o errado e os de-sejos de liberdade desta individualidade. “No campo das artes, da literatura e da psicanálise, iniciam-se as análises sobre um Eu, que não é senhor em sua própria casa, que por mais que tente controlar sua relação com os semelhan-tes e com a cultura, algo escapa, seja pelos so-nhos, atos falhos e sintomas”, diz a professora, que evidencia essa ‘falha’ da suposta suprema-cia humana através da racionalidade.

E essa discussão se intensifica quando trazemos a discussão do “eu” para os tempos atuais. “Se antes tínhamos uma moral que de-terminava valores coletivos e compartilhados, a descrença nas instituições tornou o ambiente propício para o surgimento de um ‘eu’ infla-do, que precisa se afirmar através da imagem, como no caso das ‘selfies’”, observa Ana de Marsillac. Os valores compartilhados acabam se atrelando, essencialmente à beleza, à juven-tude e à própria felicidade do “eu”. “Isso acar-reta em uma tendência a um indivíduo insegu-ro, que não pode se deparar com o mal-estar”, alerta a psicóloga.

E, justamente por causa dessa fragilidade do “eu”, já percebida por Augusto, faz com que o filósofo Abrahão Cos-ta Andrade re-lembre os

versos de ‘Vandalismo’: “Como os velhos Templários medievais / Entrei um dia nessas catedrais / E nesses templos claros e riso-nhos... / E erguendo os gládios e bran-dindo as hastas, / No desespero dos iconoclastas / Quebrei a imagem dos meus próprios sonhos!”.

“O ‘eu’ de hoje é o mesmo de an-tes, porém exacerbado. O Augusto que encontrei é de uma contem-poraneidade profunda porque nasce da autocrítica da noção de eu, e que tem como pro-posta sua vandalização. A ideia não é quebrar os próprios sonhos, mas sim os falsos sonhos, introjetados pela sociedade de con-sumo que vive-mos”, conclui Abrahão.

Abrahão Costa Andrade analisa o eu em Augusto a partir da crítica que o poeta faz da ra-cionalidade que mobiliza oconceito a partir de Descartes

1884Augusto Carvalho Rodrigues dos Anjos nasceu a 20 de abril, no Engenho Pau D’arco, Espírito Santo, Paraíba. Filho de Alexandre Rodrigues dos Anjos e Córdula Carvalho Rodrigues dos Anjos, a Sinhá Mocinha.

1900Frequenta o Liceu Paraibano

1900/1901Publica seus primeiros poemas em ‘O Comércio’, jornal da Paraíba.

1903Frequenta a famosa Faculdade de Direto do Recife.

1907Forma-se em Direito, na Faculdade do Recife.

1908Depois de formado, passou a lecionar no Liceu da Paraíba. Era professor de Literatura.

1910Casa-se com D. Ester Fialho. E muda-se para o Rio de Janeiro, onde exerce o magistério no Ginásio Nacional e na Escola Normal.

1912Publica o seu primeiro e único livro: ‘Eu’, em edição do autor. Neste mesmo ano, nasce sua filha, Glória.

1913Nasce seu filho, Guilherme.

1914Foi nomeado diretor de uma escola em Leopoldina, Minas Gerais. Augusto dos Anjos morre a 12 de novembro, vítima de pneumonia.

FOTO: Ortilo Antônio

FOTO: Edson Matos

FOTO: Reprodução/Internet

Page 5: Portofolio 2014 2

A UNIÃO João Pessoa, Paraíba - DOMINGO, 26 de outubro de 2014

Página 11

Acesso à água de produção melhora a vida de agricultores no Semiárido

Mulher Cultura patriarcal eleva agressões, mas crimes diminuem

Crimes violentos, letais e intencionais

2009 2010 2011 2012 2013

85

135

146

139

118

O número de homicídios de mulheres na Paraíba estava em uma curva crescente até o ano de 2011. Nos últimos três anos, o número de mortes teve uma queda de 19,18%, segundo a Seds.

Em contrapartida, o número de concessões de medidas protetivas expedidas pelo Juizado Especializado da Mulher, do Tribunal de Justiça, aumentou 100,40% no último ano.

2013 2014

998

2000

Aumento de 100,40%

Crimes Violentos Letais Intencionais de mulheres (Jan-Set)

2013 892014 78

Arte e ilustração : Ulisses DemétrioFonte: Seds/Semdh

Edilane FerreiraEspecial para A União

Continua na página 10

Não importa a classe social, ida-de, cor ou nível de escolaridade: a violência doméstica é democrática. Desde tempos remotos que a mu-lher é vítima dos mais

variados tipos de violação. Isso é consequência da cultura patriarcal, no qual se tem o homem como do-minador e a mulher, figura servil e submissa. Especialistas acreditam que no dia em que a família, esco-la e religião educarem o indivíduo para a igualdade de gênero, os nú-meros de casos de violência contra

a mulher serão drastica-mente reduzidos. Há

oito anos que a Lei Maria da

Penha foi criada e

i m p l e -m e n -

tada e, através do tempo, tem ten-tado trazer esperança e respostas para as demandas das mulheres ví-timas de violência. Aqui, na Paraíba, nos últimos três anos, o número de homicídios está numa curva decres-cente. De acordo com a Secretaria de Estado da Segurança e Defesa Social (Seds), em 2011, foram regis-trados 146 assassinatos de mulhe-res. No ano seguinte, este número caiu para 139. Já em 2013, foram contabilizados 118 homicídios de mulheres, representando uma que-da de 19,18% neste período. Outro recorte também é importante ser mostrado. De janeiro a setembro de

2013, foram registrados 89 mortes, e este ano, em igual período, foram contabilizados 78, representando uma redução de 12,39%.

A Lei Maria da Penha exige união entre os poderes públicos, e a Justiça também tem tido um pa-pel importante quanto a aplicabi-lidade desta lei e a preservação da vida. Uma demonstração disto é o número de concessões de medidas protetivas para mulheres com o risco eminente de morte, divulga-dos pela Secretaria de Estado da Mulher e da Diversidade Humana. No ano passado, foram concedidas 998 medidas protetivas e, neste

ano, 2000. Isso representa um au-mento de 100,40% das conces-sões. Este recurso é usado quando a mulher é ameaçada e a Justiça determina uma distância mínima de 500 metros de distância entre ela e o agressor. Diante do esfor-ço do Poder Público em aplicar a Lei Maria da Penha, ainda persiste nas mulheres vítimas de violência doméstica a sensação de medo e impunidade, resultado da morosi-dade do Judiciário em apreciar os processos. Porém, elas reconhe-cem que já existem mecanismos para auxiliá-las na reconstrução de sua dignidade e cidadania.

Conscientização rompe o silêncio e o medoHá oito

anos, o maior de-safio da Lei Maria da

Penha era fazer com que a mulher vítima de violência

denunciasse a dor, o sofrimento, a agonia que silenciosamente passava dentro de casa. Hoje, os números já mostram que elas estão cada vez mais se cons-cientizando de seus direitos e perdendo o medo de procurar ajuda.

De acordo com dados da De-legacia Especializada da Mulher em João Pessoa, em 2013, foram instaurados aproximadamente 1.850 inquéritos. De janeiro até a última quinta-feira (23), foram 1.350 registrados entre violên-cia psicológica, física e patrimo-nial.

A delegada da Mulher na ca-pital Maísa Félix afirma que 70% dos inquéritos instaurados são pelos crimes de ameaça, injú-ria e lesão corporal, aliados aos mais diversos tipos de violência patrimonial. Apesar dos núme-ros serem expressivos, segundo ela, isso não quer dizer que hou-ve crescimento da violência. Ela vê os números positivamente.

“O grande número de in-quéritos não vai dizer que a vio-lência diminuiu ou aumentou, mas que a mulher está se cons-

cientizando. Ela não cala mais diante da violência que sofre. As campanhas de conscientização

que a própria imprensa difunde promove essa reflexão nelas e a mudança de rumo”, afirmou a

delegada. Diariamente, mulheres procuram a delegacia para dar um basta à violência que são submeti-das. É quando, psicologicamente, estão esgotadas. “Todos os dias percebemos que o agressor tira delas a autoestima. Ele passa para ela a impressão de que é respon-sável pela agressão, como se ela despertasse nele esse lado agres-sivo, quando na verdade, ele já é assim. Trata-as como posse, como objeto e para eles, a sensação de definir o momento de vida e mor-te é atrativo”, definiu.

Ao chegarem na Delegacia da Mulher, inicialmente, as vítimas recebem atendimento psicológi-co, para só depois serem ouvidas pela delegada. “Elas chegam aqui arrasadas e, por isso, há a neces-sidade de dar prioridade a ouvir o que elas passam, o que desejam e identificar qual o tipo de violên-cia, para depois vir a parte técni-ca”, explicou Maísa.

O perfil do agressor é difí-cil de estratificar ou classificá-lo numa faixa etária. “Geralmente ele é dominador, provedor e ma-chista. A violência doméstica é bastante democrática, pois temos agressores de todas as classes so-ciais e idades”, declarou.

Maísa diz que agressor, dominador e machista, tira da mulher a autoestima

FOTO: Evandro Pereira

ilus

traç

ão :

Ulis

ses

Dem

étrio

Page 6: Portofolio 2014 2
Page 7: Portofolio 2014 2
Page 8: Portofolio 2014 2
Page 9: Portofolio 2014 2
Page 10: Portofolio 2014 2

A UNIÃO João Pessoa, Paraíba - QUINTA-FEIRA, 12 de junho de 2014

copa 2014

“Quero voar naCopa do Mundo”

Dupla quer entrarpara a história

Técnico diz que time vai para cima

Atacante está muito con-fiante em brilhar pela Sele-ção Brasileira. PÁGINA 23

Sonho dos atacantes é superar outras duplas de Mundiais. PÁGINA 22

Kovac garante que vai surpreender brasileiros no jogo da estreia. PÁGINA 24

HULK FRED E NEYMAR Croácia

ARTE

E IL

USTR

AÇÃO

: Ul

isse

s De

mét

rio

É hoje!

32 seleções na disputa

12 cidades, uma emoção

Brasil é o mundo todo

A bola vai rolar

Hoje é o grande dia. Foram quase sete anos de espera, desde o anúncio oficial da Fifa, em 30 de outubro de 2007. O país do futebol volta a sediar uma Copa do Mundo, depois de 54 anos. À tarde, bilhões de pessoas de todo o mundo estarão com o olhos grudados na televisão, assistindo a abertura do maior espetáculo da Terra, direto do Itaquerão, em São Paulo, a partir das 15 horas.

Às 17h, a bola rola para a primeira partida da competição, entre o país anfitrião e a Croácia. O Brasil inicia sua caminhada so-nhando com o hexacampeonato, e em ser o ator principal de uma festa para 31 convidados. De hoje até o dia 13 de julho, serão dezenas de jogos, distribuídos em 12 sedes, unindo o Brasil de Norte a Sul.

Se será a Copa das Copas, como diz a presidente Dilma Rousseff, não temos certeza, nem mesmo sobre quem ficará com o título, mas temos tudo para bater recordes de público e fazer muita festa, afinal não é à toa que somos chamados do País do Futebol.

FOTOS: Divulgação

Page 11: Portofolio 2014 2

A UNIÃO João Pessoa, Paraíba - SEXTA-FEIRA, 4 de julho de 2014

Alemanha joga com a França de olho em mais uma semifinal

Seleções europeias medem forças para seguir sonhando com a conquista da Taça Fifa PÁGINA 23

Mar

acan

ã

Felipão escala Paulinho na vaga de Luiz Gustavo e nega “guerra”

Paulinho será titular no lu-gar de Luiz Gustavo e Felipão diz que não há guerra contra colombianos PÁGINA 24

Cast

elão

NEYMAR JR

GOLS5

CLUBEMÔNACO

MINUTOS JOGADOS309

JOGOS NA COPA4

SALÁRIO R$ 1,9 MILHÃO

GOLS4

CLUBEBARCELONA

MINUTOS JOGADOS369

JOGOS NA COPA4

SALÁRIO R$ 5 MILHÕES

O Brasil vai parar novamente hoje a partir das 17h. Todos os olhares vão estar grudados no Estádio Castelão, em Fortaleza, quando a Seleção Brasileira enfrenta a colombiana pelas quartas de final da Copa do Mun-do e o duelo mais esperado é entre a estrela James Rodríguez, artilheiro da competição, e o já consagrado

Neymar. Quem vencer garante vaga nas semifinais, abrindo definitivamente o caminho para a conquista do título. A torcida brasileira está pronta para mais um dia de grandes emoções em Fortaleza.

copa 2014

CastelãoDuelo no

JAMES

FOTO

: Pau

lo S

érgi

o

Page 12: Portofolio 2014 2

Grupo de atletas do Retão de Manaíra

Equilíbrio do corpo e da mente

UNIÃO A

Esportes

SKATE

João Pessoa, Paraíba - DOMINGO, 13 de abril de 201416

Mais de três mil pessoas na Paraíba praticam o esporte nas ruas, nas quadras e praças

Um esporte em crescimento. Uma tera-pia educacional. A arte de fazer amigos sobre uma tábua com quatro pneus. É desta forma que centenas de pessoas, das mais diversifica-das idades, veem a o “skate” na prática do dia a dia, seja nas ruas, nas quadras, nas praças ou, até mesmo, no caminho para o trabalho.

“Eu mesmo não preciso pagar passagem para trabalhar. Meu instrumento

de locomoção é este pequeno equipamento”, disse o edu-

cador físico José de An-chieta Valadares, 26 anos, residente no Altiplano Cabo Branco, que dá au-

las em uma escola estadual naquele núcleo habitacional.

“Há dois anos descobri que o skate faz bem à minha saúde”,

acrescenta.Na Paraíba, em especial na Re-

gião Metropolitana de João Pessoa, não se tem data específica de quando o “skate” passou a

ser útil na vida da população. Sabe-se apenas que este instrumento de diversão está ocupan-do cada vez mais os espaços e tende a crescer seu número de adeptos cada vez mais. É possí-vel encontrar em pistas de skates e até mesmo nos canteiros das ruas e nas ciclovias, crianças a partir dos cinco anos de idade praticando o esporte. Há quem acredite, também, que exis-te mais “sketistas” do que ciclistas.

“Não existe uma hora exata para se praticar “skate”. De ma-

nhã, à tarde ou á noi-te é possível

ver muitos adeptos deste esporte. Diferente dos ciclistas que, acredito eu, tenham horá-rio exato para o uso de sua bicicleta”, afirma o fisioterapeuta José Hugo de Vasconcelos, 28 anos, residente no bairro de Manaíra e que diariamente, todas as manhãs, antes de ir ao trabalho, pode ser encontrado na orla marítima da capital praticando o esporte. “O bom nisto tudo é que já chego no trabalho com muito mais disposição e motiva- ç ã o ”, completa. O número de sketis-tas na Paraíba ultrapassa os 3 mil. Os dados são da Associa-ção de Skate Paraibana,

conforme disse

Marcos [email protected]

Wellington Lourenço dos Santos Filho, de apenas 11 anos de idade, pratica skate há três anos. Residente no Bairro São José, na capital, o garoto que é estudante da Escola Munici-pal Nazinha Barbosa, em Ma-naíra, vai diariamente para a escola em seu instrumento de diversão. Já conseguiu, inclusi-ve, que outros colegas também fizessem o mesmo, aumentan-do assim o número de adeptos pelo skate.

“Eu não tenho preguiça e nem vergonha. O skate tem me ajudado muito, principalmen-te, financeiramente. Todos os dias treino na pista do Retão de Manaíra. Tenho feito novos amigos, é bom para ocupar a minha mente e, o melhor, es-tou praticando um esporte que gosto. Quem sabe, no futuro, eu não possa ser um daqueles atletas que vejo sempre em competições mundiais apenas pela televisão?”, afirmou o ga-roto.

Outro também que não lar-ga de forma alguma seu equi-pamento é Marcos Antônio Bezerra, residente no Condo-mínio Val Paraíso, no Bairro do Bessa, em João Pessoa. “Durmo tarde, devido estar na internet, mas, meu skate fica ao lado da minha cama. Logo cedo, por volta das 5h, levanto, pego o instrumento e vou praticar este esporte no Retão de Manaí-ra até a praia. Fico por lá até 7h e, depois, vou ao colégio”, alegou, dizendo que esta é sua trajetória diária. “Tem sido as-sim todos os dias”, acrescenta.

A colaboração de amigos tem feito muitos atletas anô-nimos a ingressarem na prática do skate, seja de rua, de pista ou de competições. Conforme disseram, muitos fazem “cota” para comprar o equipamen-to para os colegas. “Hoje, um skate para diversão, pode ser comprado até por R$ 200. No entanto, um skate de primei-ra, com os equipamentos ne-cessários de segurança, pode ser adquirido por R$ 500,00”, assegurou Jason Alexandre, da Associação de Skate Paraibana.

Garoto diz que é o seu grande lazer

Ainda não se sabe exa-tamente quando apareceu o skate, mas podemos dizer que foi no princípio dos anos 60 na Califórnia. Era em uma época aonde reinava o surf e a curti-ção total sobre uma prancha, mas como as coisas nunca da-vam certo, aqueles mesmos surfistas pegaram as rodas de seus patins, e colocaran em "shapes", para que assim pu-dessem surfar em terra firme.

Os skates eram muito pri-mitivos, não possuíam nose nem tail, era apenas uma tá-bua e quatro rodinhas. O cres-cimento do 'surf no asfalto' se deu de uma maneira tão grande que muitos dos jovens da época se renderam ao novo esporte chamado skate. Sur-giam então os primeiros ska-tistas da época.

Prática iniciou na Califórnia

Jason Alexandre é o único profissional

StreetNo skate de rua (street), os praticantes utilizam a arquitetura da cidade, por exemplo bancos, escadas e corrimãos e o calça-mento (elementos do mobiliário urbano) como obstáculos para executar suas manobras e se expressar.

FreestyleModalidade onde o skatista apresenta várias manobras em sequência, geralmente no chão.

Vert ou VerticalA modalidade vertical é praticada em uma pista com curvas (transições), com 3,40m ou mais de altura, três metros de raio e quarenta centímetros de verticalização, geralmente possuem extensões. A pista, que apresenta a forma de U, é chamada de half-pipe e pode ser feita de madeira ou concreto.

Pool RidingÉ praticado em piscinas vazias de fundo de quintal, que com suas paredes arredondadas são verdadeiras pistas de skate.

Big AirModalidade que reflete parte do que os skatistas querem

mostrar para o mundo, como o fim das disputas do skate park e mostrar disputas de street skate, em obstáculos que verdadeiramente reproduzem o que os Sketistas de street fazem.

Downhill Stand-upTem, como finalidade, descer a montanha (ladeira) imprimindo

velocidade, os equipamentos necessários para a prática do Downhill speed são (macacão de couro, ténis, luva com casquilho, capacete fechado, e um skate próprio para velocidade).

Downhill SlideConsiste em descer ladeira executando manobras de slide,

com um skate maior, chamado Longboard. Com características, bem próximas à modalidade Downhill Slide, no long, o estilo clássico do surf é mais explorado, no aproveitamento das la-terais das pistas e da própria madeira(Shape).

MinirrampasAs minirrampas são populares em todo o mundo, pois, de-

vido à pouca altura que elas possuem, as manobras são exe-cutadas com uma maior facilidade. Nesta modalidade, há uma mistura de street com vertical.

Modalidades

Jason Alexandre, 37 anos, natural da cidade de Campim. Para ele, um esporte que está em cres-cimento deve-se ampliar, também, o número de pistas de skate na Paraíba, haja vista que, em todo o Estado existem apenas 15 locais apro-priados para a prática deste esporte, dos quais, 12 estão localizados em João Pessoa.

Sketista desde o ano e 1991 e único pro-fissional nesta área no Estado da Paraíba, com diversos títulos no Estado e outras unidades da Federação, com destaque para o Nordesti-no, Jason Alexandre tem uma definição mais

concreta do que significa a prática de skate na Paraíba, no Brasil e no mundo: “é um es-porte que se trabalha o equilíbrio do corpo e da mente”, garante ele, indo mais além: “um esporte individual e coletivo de inte-resse da população”. Atletas amadores, pro-

fissionais liberais, curiosos e iniciantes, do sexo masculino e fe-

minino, podem ser encontrados todos os dias nas pistas de skates do Retão de Manaíra, na qua-dra de Manaíra, nos Bancários, Praça do Coqueiral, Funciná-rios II, Parque Solon de Lucena, na orla marítima da capital, dentre outros locais.

FOTOS: Marcos Russo

Page 13: Portofolio 2014 2

UNIÃO A

Esportes

RACISMO NO FUTEBOL

João Pessoa, Paraíba - DOMINGO, 6 de abril de 201416

Nas arquibancadas também têm acontecido outras formas deagressão ao ser humano

Em pleno século XXI o racismo no futebol que atinge jogadores, árbitros e técnicos conti-nua tomando conta dos estádios do Brasil e no exterior. Torcedores do próprio time ou adversá-rios agridem a imagem de profissionais, devido à origem étnica.

O meia Tinga (Cruzeiro-MG) foi uma das víti-mas na derrota do time mineiro (2 a 1), diante do Real Glacilaso, em Huancayo, no Peru, pelo Grupo 5 da Libertadores. Os torcedores da equipe peruana imitavam sons de macaco quando o jogador pegava na bola. O volante do Santos, Arouca, foi ofendido na vitória contra o Mogi Mirim/SP (5 a 2) dentro e fora de campo. O atacante Grafite, que atuava pelo São Paulo, em 2005, foi alvo de ofensas racistas do jogador Leandro Desábato, do Quilmes (Argenti-na), na disputa pela Libertadores. Na oportunida-de o jogador tricolor empurrou o rosto do zagueiro

argentino e foi expulso de campo. Ao justificar sua atitude, Grafite afirmou que foi vítima de racismo, ao ser chamado de “macaco” pelo argentino.

O acusado foi preso no gramado e ficou dois dias na prisão, enquanto que a vítima prestou queixa, onde foi liberado após pagar uma multa de R$ 10 mil. Fora do país o zagueiro Paulão, que de-fende o Bétis, foi expulso na derrota para o Servilla, pelo Campeonato Espanhol, quando foi hostilizado com sinais obscenos também com referências a um macaco pela própria torcida.

Ele saiu de campo chorando e lamentando o fato. O árbitro gaúcho Márcio Chagas da Silva pas-sou também por episódio semelhante durante a partida entre Esportivo e Veranópolis (Estadual), em Bento Gonçalves-RS. Além de ter sido chamado de “macaco selvagem” o juiz encontrou seu carro amassado, com bananas na lataria, o chegar ao es-tacionamento do estádio.

Além do racismo nos estádios, a homofobia, outro tipo de preconceito, tem se tornado cada vez mais explícito nas arquibancadas. É comum ouvir torcidas "atacarem" jogadores de times adversários durante o jogo com os gritos de "veado" ou "bicha". E esse tipo de manifestação ocorre frequentemente nos jogos, principalmente nos clássicos estaduais.

Para os joga-dores que atuam nos times da ca-pital (Botafogo, CSP e Auto) o ra-cismo é um ato de covardia de pes-soas que não tem educação e dignidade de reconhecer que são todos iguais perante Deus. To-dos declararam que enquanto não houver uma punição severa para as atitudes racis-tas no futebol as coisas ficarão como estão. O zagueiro do Botafogo André Lima afir-mou que jamais passou por uma experiên-cia na carreira, mas repudia qualquer ação de pessoas que não tem nada na cabeça. O atacante botafoguense Tiaguinho fri-sou que atitudes no esporte que encanta e

Jogadores da PB revoltados

A Lei Afonso Arinos se mostrou ineficiente por faltar rigorosidade em suas punições, mesmo em ca-sos explícitos de discriminação racial em locais de em-prego, escolas e serviços públicos. Em 1989, foi criada a Lei 7716/89, mais conhecida como “Lei Caó”. Pro-posta pelo jornalista, ex-vereador e advogado Carlos Alberto Caó Oliveira dos Santos, essa lei determina a igualdade racial e o crime de intolerância religiosa. Um dos maiores triunfos com o aprimoramento da lei contra o racismo foi sua pena. Crime de racismo é inafiançável, mas especifica a diferença entre atitu-des que podem ser consideradas como racismo.

Crime de racismo x Injúria racialO tema racismo ainda é complicado para muitas

pessoas, principalmente quando se trata da lei. Mes-mo com implantação de legislação contra o racismo, existem aqueles que não sabem diferenciar deter-minadas atitudes como prática de crime de racismo

ou não. Uma das maiores confusões que as pessoas podem cometer é confundir racismo e injúria racial.

Injúria racial ocorre quando são ditas ou expres-sadas ofensas a determinados tipos de pessoas, tendo como exemplo chamar um negro de “macaco”. Esse exemplo já ocorreu em vários casos no futebol, em que jogadores foram ofendidos por essa palavra e alguns entraram com processo. Já o racismo é mais grave, considerado como um crime inafiançável e im-prescritível. Para o crime ser considerado como racis-mo, tem que menosprezar a raça de alguém, seja por impedimento de acesso a determinado local, negação de emprego baseado na raça da pessoa. Como exem-plo, pode-se considerar o impedimento de matrícula de uma criança em uma escola por ela ser negra.

O racismo impede a prática de exercício de um direito que a pessoa tenha. A injúria racial se deter-mina pela ofensa às pessoas por raça. O Governo Federal disponibiliza o número 156 (Disque Denúncia).

Preconceito intolerável

Jogadores do Grêmio e do Passo Fundo solidários com o árbitro gaúcho Márcio Chagas da Silva

Lei e Penalidade

Wellington Sé[email protected]

Edmilson Wagner

traz emoções são re-pudiadas pelas pes-soas de bom senso. O lateral direito do Auto Esporte, Wag-ner, disse que é uma falta de respeito de profissionais que fa-zem o espetáculo, independente de cor, raça ou religião. Ele frisou que durante a trajetória no futebol

nunca foi vítima de racismo. Repudiando este tipo de comportamento em todos os setores da sociedade o volante automobi-lista, Edmilson, disse que já ouviu de torce-dores atos de racismo durante alguns jogos, mas nunca passou pelo constrangimento.

Durante a Copa, o governo brasileiro e a Fifa estarão atentos a toda e qualquer for-ma de preconceito na disputa do Mundial.

FOTOS: Divulgação

Page 14: Portofolio 2014 2

A UNIÃO João Pessoa, Paraíba - SEXTA-FEIRA, 27 de setembro de 2013

Página 11

Coração

O Governo Federal aumentou em cin-co vezes o acesso gratuito a medicamentos para hipertensão e diabetes, desde o início da ação Saúde Não Tem Preço - em feverei-ro de 2011 - que integra o Programa Far-mácia Popular. A média mensal de pessoas atendidas passou de 853 mil em janeiro de 2011 para 5,4 milhões em julho de 2013. A ação Saúde Não Tem Preço – que distribui medicamentos gratuitos para hipertensão, diabetes e asma - já beneficiou 17 milhões de brasileiros. Desse total, 5,5 milhões são diabéticos e 13,9 milhões são hipertensos. Em relação a complicações por diabetes, houve redução de 6,6 mil internações, cain-do de 148,6 mil (2010) para 142 mil (2012).

Para retirar os medicamentos, basta apresentar o documento de identidade, CPF e receita médica dentro do prazo de valida-de. A receita pode ser emitida tanto por um profissional do SUS quanto por um por mé-dico que atende em hospitais ou clínicas pri-vados. O Ministério da Saúde ampliou em 47% o número de medicamentos ofertados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) que inte-

gram a Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename). A oferta passou de 550 itens (2010) para 810 (2012). Atualmente, o programa Farmácia Popular disponibiliza, na rede própria, 113 itens. Já no Aqui Tem Farmácia Popular são ofertados 25 itens. São medicamentos para hipertensão, diabetes, asma, colesterol, glaucoma, rinite, osteopo-rose, doença de Parkinson, dislipidemia e anticoncepção.

PrevençãoPara prevenir e reduzir as mortes pre-

maturas por DCNT (diabetes, câncer, hiper-tensão e outras doenças do aparelho cir-culatório e respiratório) - responsáveis por 72% das causas de morte em todo o país, o Ministério da Saúde elaborou o Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT) no Brasil, com metas até 2022. Lan-çado em 2011, o plano prevê a redução de 2% ao ano das mortes prematuras por essas doenças a partir da melhoria de indicadores relacionados ao tabagismo, álcool, alimen-

tação inadequada, sedentarismo e obesi-dade. Entre as ações desenvolvidas, está o Programa Academia da Saúde, que disponi-biliza polos para o desenvolvimento de ati-vidades físicas com orientação profissional.

O plano também prevê o fortalecimen-to do Programa Saúde na Escola, voltado para a promoção da saúde de crianças e adolescentes.

Em março deste ano, o Ministério da Saúde realizou a primeira edição da Sema-na de Mobilização Saúde na Escola. Foram realizadas ações de promoção à saúde, pre-venção e controle da obesidade em 2.495 escolas públicas que aderiram ao programa este ano. A iniciativa envolveu 11 milhões de alunos com idade entre 5 a 19 anos.

Outra medida é a parceria do ministério com Federação Nacional de Escolas Particula-res para distribuição de 18 mil Manuais das Cantinas Escolares Saudáveis como incenti-vo a lanches menos calóricos e mais nutriti-vos. Também mantém acordo com a indús-tria para redução do teor de sódio entre os alimentos.

Saúde melhora acesso a remédios O Brasil é signatário de um compromisso inter-

nacional assinado na OMS para reduzir até 2.025

as mortes por infartos e derrames (AVCs).

Segundo previsão da OMS, se nada for fei-

to, o Brasil irá liderar o mundo em mortes por

doenças cardiovasculares em 2.040. Segundo

estimativa da SBC, o número de mortes, este

ano, deve chegar a 344 mil no país.

Criança com excesso de peso tende a ser adulto

obeso e mais propenso a desenvolver diabetes,

hipertensão, infartos e AVC mais jovem. Atual-

mente 54% dos homens e 48% das mulheres

brasileiras estão acima do peso. Apenas 23% da

população ingere a porção diária recomendada

pela OMS, de cinco ou mais porções ao dia de

frutas, verduras e legumes, enquanto 31,5% con-

somem carne gordurosa e 26% tomam refriger-

antes regularmente.

Crianças e adolescentes devem fazer atividade

física moderada à vigorosa todos os dias pelos

menos 60 minutos. Moderada - dança, caminha-

da no parque, passear com o cachorro ou ajudar

os pais a lavar o carro. Exercício vigoroso - cor-

rer, pedalar, nadar, praticar esportes competi-

tivos ou mesmo brincar.

Fonte: Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC).

Saiba Mais

Paraíba tem um milhão de hipertensos

As doenças cardiovasculares são a principal causa

de morte no mundo. Dados da Organização Mun-dial da Saúde (OMS) apontam que elas matam 17,3 milhões

de pessoas por ano. A estimativa é que, em 2030, o total de óbitos chegue a 23,6 milhões. Na Paraíba, de 2009 a 2013, mais de 35 mil pes-

soas com idade a partir de 20 anos morreram por complicações relacionadas à hipertensão arterial. No mesmo período, entre os mais jovens - até 19 anos -

foram registrados 242 óbitos, e são as crianças o foco da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). Para lembrar o Dia Mundial do Coração (29 de setembro), a Cam-panha 2013 da SBC, que acontece em todo o país, tem como tema “Ajude as crianças

a seguir o caminho para um coração saudável”. As ações, em João Pessoa, foram antecipadas para hoje, no Shopping Tambiá, das 9h às

12h, e vão contar com o apoio da Sociedade Brasileira de Cardiologia - Regional Paraíba, Se-cretaria de Estado da Saúde (SES), Faculdade de Ciências Médicas da Paraíba, Liga Acadêmica de Cardiologistas da Paraíba (LAC) e a Liga Acadêmica do Aparelho Cardiovascular (Liaac). Haverá distribuição de cartilhas, verificação de pressão arterial, teste de glicemia e orienta-ções nutricionais. De acordo com dados da Gerência Operacional de Resposta Rápida da SES, nos últimos cinco anos as doenças cardiovasculares foram responsáveis por 38.027 óbitos na Paraíba. O Governo do Estado tem realizado ações e implantado serviços para orientação e prevenção dos fatores de risco das doenças cardiovasculares. O atendimento aos pacientes é feito nas unidades de saúde da família.

O cardiologista Fábio Almeida explica que as doenças cardiovasculares – Acidente Vascular Cerebral (AVC) e infarto agudo do miocárdio – são as principais causas de mortalidade no Brasil, sendo responsáveis por 34% de todos os óbitos, matando mais

que câncer, doenças infecciosas e violência. Projeção da Organização Mundial da Saú-de (OMS) indica que esta realidade continuará por mais anos. Trazer as crianças

como principal foco da campanha, conforme o cardiologista Alexandre Negri, presidente da Sociedade Paraibana de Cardiologia, se justifica porque a hiper-

tensão está sendo detectada nos pequenos com maior frequência. É o caso de Alisson Gomes, que tem apenas cinco anos, sofre com a

hipertensão arterial e é dependente de medicamentos para controlar as alterações. “Ele nasceu com problemas cardíacos e tem pressão

alta. É preciso evitar uma série de alimentos como pipocas indus-trializadas, salgados, refrigerantes. A alimentação tem pouquís-

simo sal. ”, relatou a dona de casa Leila Gomes, 25. Além da hipertensão arterial, a campanha enfoca a obesidade. “São

dois problemas que têm uma relação muito íntima. Uma pessoa obesa corre um risco maior de ter doenças do

coração. E se as complicações começam na infân-cia, essa criança vai se tornar um adulto com

a saúde ainda mais comprometida”, alertou o médico. Dados da Sociedade Brasileira

de Cardiologia indicam que de 6% a 8% das crianças com idade até 12

anos têm hipertensão. A maio-ria, porém, nem desconfia

que tem o problema. É preciso, por isso,

que os pais f iquem

atentos a si-nais que podem sinalizar para

uma criança hipertensa. Os indícios são sutis e podem passar despercebidos. A recomen-

dação dos cardiologistas é que os pais procurem um médico se houver queixa de cefaleia com frequência, dificulda-

des na visão, reclamações de mal-estar, náuseas, distúrbios visuais, como manchinhas amarelas.

Estes sinais, segundo Alexandre Negri, têm que ser considerados pelos pais e avaliados por especialistas. Mudança significativa de peso também tem

que ser analisada. Para evitar que o problema se instale, a principal recomenda-ção é a prevenção, excluindo os fatores que podem levar a criança a ser hiperten-

sa, como obesidade, sedentarismo, dieta inadequada e alimentação rica em sal. Se estas orientações não forem seguidas, uma das consequências futuras será o comprometimento dos rins, o que levará esta criança a ser um adulto dependente da diálise. Alexandre Negri alertou ainda que, apesar do risco de morte por hipertensão arterial estar relacionado a uma complicação de longo prazo, é preciso ficar atento. Uma criança hipertensa, que tem obesida-de e outros fatores de risco e desenvolve, por exemplo, a aterosclerose, poderá morrer mais rápido ao chegar na idade adulta.

A hipertensão arterial atinge entre 25% e 30% da população. Isto significa que um bi-lhão de pessoas no mundo têm o problema. No Brasil, são 60 milhões de hipertensos; um milhão na Paraíba e em torno de 250 mil em João Pessoa. Destas, 50% não sabem que têm o problema; 30% fazem tratamento e apenas 10% conseguem manter a pressão controlada, segundo o cardiologista da Secretaria de Estado da Saúde (SES) Fábio Medeiros.

O médico, que também é diretor da Sociedade Paraibana de Cardiologia, ressaltou que os principais fatores que levam à doença são obesidade, sedentarismo, alcoolismo, e lem-brou que a hipertensão é a primeira causa de morte no Brasil.

“A dica é que a população adote hábitos saudáveis, evitando o álcool e o consumo de alimentos gordurosos, eliminando o tabaco, reduzindo o sal. Quem estiver acima do peso, precisa perder o excesso a partir de uma dieta. E todos devem fazer exercícios fí-sicos”, recomendou. O estudo Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel) de 2011 apontou que, em João Pessoa, o percentual de pessoas com diagnóstico de hipertensão foi de 21%, sendo que a prevalência da doença entre os homens foi de 18,1% e de 23,4% entre as mulheres.

A nutricionista Heloísa Helena Espínola explicou que o maior erro co-metido pelos pais na hora de alimentar as crianças é oferecer salgadinhos industrializados. “Este tipo de alimento possui uma grande quantida-de de sal e, se ingerido com frequência, a tendência é que haja um aumento da pressão arterial. Além disso, as frituras e gorduras aumentam as chances das crianças desenvolverem, além deste problema, a obesidade infantil”, alertou.

Optar por uma alimentação saudável e mais natural, incluindo frutas, verduras, cereais integrais, é o caminho para evitar os problemas cardíacos que têm surgido cada vez mais cedo. De acordo com a especialista, não é fácil convencer as crianças de que é neces-sário evitar certos alimentos, mas uma forma de fazer isso é mudando os hábitos da fa-mília. “Não adianta os pais afirmarem que a criança deve comer uma fruta no lugar de um salgado se eles comem errado”, constatou. Outra dica da nutricionis-ta é começar a deixar alimentos saudáveis

mais à mos-tra.

Lucilene [email protected]

Dia Mundial do

30 Fórum Empresarial do Turismo de João Pessoa acontece hoje na Estação Cabo Branco

Page 15: Portofolio 2014 2

A UNIÃO João Pessoa, Paraíba - QUARTA-FEIRA, 25 de setembro de 2013

A violência contra a mulher é o tema de uma audiência pública que o Conselho Estadual dos Direitos Hu-manos da Paraíba (CEDH) realizará hoje, às 14h, no auditório do Ministé-rio Público da Paraíba, em João Pes-soa. Na ocasião, serão discutidas po-líticas públicas e sociais de prevenção a esse tipo de violência, bem como a elaboração de um plano de segurança pública para a proteção da mulher na Paraíba.

O promotor de Justiça Marinho Mendes, que representa o Ministério Público Estadual no Conselho Estadual dos Direitos Humanos, informou que a realização da audiência pública se deve aos dados relativos à violência contra a mulher na Paraíba, os quais considera preocupantes.

“A audiência tem como temas as políticas públicas e sociais de proteção à mulher vítima de violência, os proje-tos de governo e de segurança pública de proteção à mulher. Também serão discutidas propostas de enfrentamento

ao problema e serão feitos encaminha-mentos”, adiantou. A coordenadora- geral do Centro da Mulher 8 de Março, Irene Marinheiro, afirmou que em rela-ção às políticas públicas de prevenção à violência contra a mulher muitas são as conquistas, a exemplo da implantação dos Centros de Referência da Mulher em João Pessoa, Campina Grande, San-ta Luzia e Cajazeiras, da Casa Abrigo e Delegacias de Mulheres, hoje existentes em nove municípios.

Para ela, a principal conquista das mulheres foi a criação da Lei Maria da Penha, que em um de seus artigos exi-ge a criação desses equipamentos, mas comentou que muito ainda tem que ser feito, como a igualdade de salários e a participação na vida política. Irene Ma-rinheiro observou que na Câmara dos Deputados apenas 10% são mulheres e na Assembleia Legislativa da Paraíba só existem seis mulheres entre os 36 deputados.

A coordenadora-geral do Centro da Mulher 8 de Março acrescentou que outra luta das mulheres é sensibilizar os homens para que estes tenham uma vida mais saudável com suas compa-nheiras.

Página 11

Brasileiros sonegaram R$ 300 bilhões neste ano, conforme levantamento do Sinprofaz

Violência contra a mulher

Audiência pública discute hoje políticas e prevenção em JP

O número de mulheres as-sassinadas na Paraíba de janeiro a agosto deste ano sofreu redução de 15% em relação ao mesmo período de 2012, segundo dados do Núcleo de Análise Criminal e Estatística (Nace) da Secretaria da Segurança e da Defesa Social (Seds). Nos oito primeiros me-ses de 2013, 86 mulheres foram mortas, enquanto que no ano anterior, foram registrados 101 Crimes Violentos Letais Intencio-nais (CVLI) – homicídios dolosos ou qualquer outro crime doloso que resulte em morte, no mesmo período. Em 2011, o número de homicídios de mulheres foi de 146 nos oito primeiros meses. Até o fim de agosto, 190 municí-pios não registraram homicídios de mulheres na Paraíba. Na capi-tal, onde se concentra a maioria dos casos de CVLI de mulheres, este ano foram contabilizados 28 casos, seis a menos que em 2013, também de janeiro a agosto.

O Centro da Mulher 8 de Março também aponta redução da violência contra a mulher no período de janeiro a agosto des-te ano. A entidade registrou 28 mortes por violência doméstica, 19 por envolvimento com o trá-fico e 50 estupros. A maior redu-ção foi observada no número de mortes de mulheres envolvidas com o tráfico, que caiu 64,15%. Em 2012, em igual período fo-ram 53 mortes.

A segunda maior redução foi no número de assassinatos de vítimas de violência doméstica: 60%. Em 2012 foram 70 mortes nos oito primeiros meses. Embo-ra com índice menor, o núme-ro de estupros caiu 12,28%. A Operação Contra Ameaça, exe-

Número de mortes caiu 15%

Cleane [email protected]

Ações governamentaisOnde pedir ajuda

Casa Abrigo Aryane Thais Hoje funciona normalmente atendendo mulheres com a ajuda de uma equipe formada por assistente social, psicóloga, advogada, pedagoga e auxiliar de enfermagem. Para lá são encaminhadas as mulheres vítimas de violência que estão sob ameaça de morte.

Portal da Violência contra a Mulher O portal www.violenciacontramulher.pg.gov.br é uma importante ferra- menta de divulgação das políticas públicas de proteção à mulher.

Empreender Mulher – PB Linha de crédito exclusiva para mulheres visando dar oportunidades, principalmente, às mulheres em situação de violência e de vulnerabilidade social

Disque Denúncia 197 Serviço gratuito usado como mais uma ferramenta de combate à violência

contra a mulher na Paraíba. O serviço funciona 24 horas e o denunciante não precisa se identificar.O Governo do Estado, em parceria com as prefeituras municipais, disponibiliza atendimento à mulher em situação de violência em quatro centros de referência:

Centro de Referência de Atendimento à Mulher (CRAM) Suzane Alves da Silva Cajazeiras - Endereço: Rua Coronel Guimarães, Nº 204 - Bairro: centro -

Referência: Funciona no mesmo prédio da Secretária de Políticas Públicas para as Mulheres -Telefone: (83)3531-4852 -

Centro Estadual de Referência da Mulher Fátima Lopes - Campina Grande Endereço: Avenida Pedro I, nº 558 - Bairro: São José -

Telefone: (83)3342-9129Centro de Referência da Mulher (CRM) Ednalva Bezerra - João Pessoa - Endereço: Avenida Afonso Campos, nº 191- centro - Telefone:

(83) 3221-4273 / 0800 283 3883 Centro de Referência de Atenção à Mulher (CRAM) - Santa Luzia Endereço: Rua Otílio Dantas da Nóbrega, nº 308 - Bairro: São José

Telefone: (83)3461-1489

Delegacia da Mulher de João Pessoa Avenida Pedro II, nº 853, Centro, João Pessoa. Fone: (83) 3218-5317

Delegacia da Mulher de Cabedelo:R. Ernesto Vital, 34, Monte Castelo. Fone: (83) 3228-3707

Delegacia da Mulher de Bayeux:R. Engenheiro de Carvalho, centro. Fone: (83) 3232-3339

Delegacia da Mulher de Santa Rita:Loteamento Jardim Mauritânia S/N Fone: (83) 3289-8738

Delegacia da Mulher de Campina Grande:R. Raimundo Nonato de Araújo, S/N, Catolé Fone: (83) 3310-9300/9303

Delegacia da Mulher de GuarabiraR. Manoel Francisco do Nascimento, nº 157, Nordeste II.

Fone: (83) 3271-2986

Delegacia da Mulher de Patos:Rua Bossuet Wanderley, nº 337, Centro. Fone: (83) 3423-2237

Delegacia da Mulher de CajazeirasR. Romualdo Rolim, nº 636, centro Fone: (83) 3531-7022

Delegacia da Mulher de SousaR. Sardyr Fernandes de Aragão S/N, Gato Preto. Fone: (83) 3531-2948

cutada desde 2011 e constante no Plano Operacional da Seds, segundo Renata Matias, adjun-ta da Delegacia Especializada de Atendimento a Mulher (Deam) da capital, é um dos fatores que contribui para redução de assas-sinatos de mulheres, principal-mente aqueles relacionados à violência doméstica.

Segundo ela, na prática, a mulher chega na delegacia, relata que foi ameaçada por qualquer pessoa que cause a vio-lência e é ouvida em Termos de Declarações. Imediatamente o agressor é intimado para compa-recer à delegacia e, se há receio de que outras violências possam acontecer, se requisita ao Judiciá-rio medida protetiva, que vai do afastamento do lar até a proibi-ção de qualquer tipo de contato ou proximidade, por exemplo. Renata disse que o movimento na Delegacia da Mulher tem au-mentado, “mas isso não significa que há maior número de crimes; há sim um empoderamento, en-corajamento, de mulheres que procuram a delegacia já na pri-meira agressão, decididas a dar um fim à violência assim que ela começa”.

Até o fim de agosto, 190cidades da PB não haviamregistrado casos de homicídios

FOTOS: Divulgação

Page 16: Portofolio 2014 2

> EDITOR: Neide Donato > E-MAIL: [email protected]> TWITTER: @Neidedonato

> REDAÇÃO: 83.3218-6511

João Pessoa > Paraíba > TERÇA-FEIRA, 22 de março de 2011

Não era ‘1º de Abril’:31 de março havia chegado

A UNIÃO João Pessoa, Paraíba - DOMINGO, 30 de março de 2014

FOTO

AG

ÊNCI

A O

GLO

BO

MAIS: RELATOS DE DOM JOSÉ MARIA PIRES E MAILSON DA NÓBREGA SOBRE O GOLPE DE 1964

50 anos do golpe de 64

Palácio das Princesas, sede do Governo de Pernambuco.Miguel Arraes e assessores acompanhavam a mobilização golpista contra Jango. Um filho do governador entra e grita: “O Exército cercou o prédio”. Ante o espanto dos presentes, o rapaz tranquiliza a todos: “É primeiro de abril”. A brincadeira durou pouco: o que parecia mentira, se transformou numa dura verdade.

Page 17: Portofolio 2014 2

João Pessoa > Paraíba > DOMINGO, 30 de março de 201450 anos do golpe de 64

2 A UNIÃO

Neutralidade e adesismo

Na primeira capa, de 31 de março, A União tem postura neutra em relação ao golpe iminente. Em 2 de abril, a posição de apoio do governador é clara. Goulart vai ao exílio

No dias pós-golpe, o apoio do Governo da Paraíba ao regime militar é flagrante nas capas de A União. O governador Pedro Gondim comparece à posse de Castelo Branco

A União só toma partido após Gondim apoiar golpe

Dia 31 de março de 1964, o jornal A União registrou a opinião das for-ças democráticas ante à eminência

do golpe dos militares ao governo do pre-sidente João Goulart. Na capa, a manchete principal expressa a insatisfação: “CGT alerta país contra possível golpeamento do mandato de João Goulart”. Entre outras in-formações, havia a notícia que reacionários, no Rio de Janeiro, estavam inconformados com o avanço democrático.

A maioria da imprensa apoiava o fim do governo João Goulart. Antes de o golpe acontecer, A União já trazia à tona toda a tensão política e militar que ocorria no país. Durante o mês de março, A União noticiava a forte possibilidade dos militares tomarem o poder de João Goulart. A posição do então governador paraibano Pedro Gondim, neu-tra até a véspera do golpe, só ficou patente após 31 de março. Ele apoiaria a deposição do presidente,

O golpe de 1964 foi veiculado, desde o princípio, como uma “revolução” que traria de volta a democracia. A participação da grande mídia foi decisiva para a derruba-da de João Goulart, levando a população a acreditar que os militares defendiam a restauração da disciplina, para deter a “ameaça comunista”. A imprensa difundiu a existência de um caos administrativo e também a ideia de que era imprescindível a necessidade de restabelecer a ordem por meio de uma intervenção militar. Pesquisa do Ibope, feita à época, e só recentemente revelada, mostra que 72% da população brasileira apoiava o governo militar.

Em 1º de abril, A União noticiava que “Soldados e policiais do Dops patrulham a cidade, tendo já registrados várias prisões e conflitos.” Somente na edição de 2 de abril, quando João Goulart já havia se exilado no Uruguai, A União publicou em sua capa a manchete: “Raniere Mazzilli é o novo pre-sidente da República”. Então presidente da Câmara dos Deputados, Mazzilli assumiu o cargo interinamente, pois o poder pro-priamente dito era exercido por uma junta militar composta pelo general Artur da Costa e Silva, o almirante Augusto Rade-maker Grünewald e o brigadeiro Francisco de Assis Correia de Melo, até o dia 15 de abril, quando o marechal Castelo Branco foi eleito pelo Congresso.

Durante o mês de abril, em todo o país, as grandes mídias noticiaram o apoio da população ao que os militares chamavam de democratização. No dia 7, A União publica em sua capa o apoio do então governador Pedro Gondim à posse do general Humber-to Castelo Branco na Presidência.

Apesar de a repressão ter se estendido a vários setores da sociedade, na Paraíba se fez mais forte sobre as Ligas Camponesas de Sapé, considerada uma afronta aos grandes proprietários de terra e uma ameaça de sub-versão da ordem. No dia 8 de abril, A União noticiou a prisão do presidente da Federação das Ligas Camponesas: “Assis Lemos é preso por patrulhas do IV Exército.” Assis Lemos foi preso no dia 6 de abril, em Recife, onde tinha ido prestar apoio a Miguel Arraes, governador de Pernambuco, que após ter sido deposto, foi preso no dia 1º de abril. Adhemar de Barros, então governador do Estado de São Paulo, faz um pronunciamen-to a favor da chamada revolução, conforme atesta A União, em 10 de abril:

“O processo revolucionário que se ini-cia no Brasil, por vontade da nação e com apoio das forças armadas, é preciso ficar patente a todos os instantes que o movi-mento se dirige contra todos aqueles que trabalham ou dizem trabalhar para solapar o regime democrático.”

A União registra os acontecimentos pós-golpe. Em 9 de abril de 1964, a junta militar que governava o país determinou que o Congresso Nacional se transformaria em Colégio Eleitoral para a designação do

UNIÃO ASUPERINTENDÊNCIA DE IMPRENSA E EDITORA

Fundado em 2 de fevereiro de 1893 no governo de Álvaro Machado

BR-101 Km 3 - CEP 58.082-010 Distrito Industrial - João Pessoa/PB PABX: (083) 3218-6500 / ASSINATURA-CIRCULAÇÃO: 3218-6518Comercial: 3218-6544 / 3218-6526 REDAÇÃO: 3218-6511 / 3218-6509

SUPERINTENDENTE

DIRETOR ADMINISTRATIVO

DIRETORA DE OPERAÇÕES

COORDENADOR DE CADERNOS ESPECIAIS

Ricco Farias

FOTOGRAFIA: Marcus Russo, Felipe Gesteira, Eduarda Campos e Arquivo

EDITORAÇÃO: Ulisses Demétrio

Tratamento de imagem: Carlinhos Cardoso, Joaquim Ideão,

Albiege Fernandes

José Arthur Viana Teixeira

Albiege Fernandes

CHEFE DE REPORTAGEM

EDITOR GERAL SECRETÁRIA DE REDAÇÃO

Conceição Coutinho

Walter Galvão Renata Ferreira

DIRETOR TÉCNICOGilson Renato

presidente da República. E então no dia 10 de abril, João Goulart teve seus direitos políticos cassados por 10 anos, após a pu-blicação do Ato Institucional. No dia 12 de abril, A União publica em sua capa: “Brasil tem novo presidente: Eleito Gal. Castelo Branco”. É a primeira eleição, no novo regi-me, a ocorrer de forma indireta. O general assume o poder no dia 15 de abril, mesmo dia em que A União publica que o delegado Regional do Trabalho decreta intervenções em quase todos os órgãos de classe.

A União registra as declara-

ções do general Olímpio Mou-

rão: ‘a coisa não pode conti-

nuar como está: nem ditadu-

ra, nem democracia’

Em 7 de abril, A União publica

em sua capa o apoio do gover-

nador Pedro Gondim à posse

do general Humberto Castelo

Branco à presidência

Dia 19 de abril, A União publica carta trocada entre Pedro Gondim e o governador de São Paulo, Adhemar de Barros, antes do golpe. Nos meses seguintes, A União apre-senta à população notícias da movimenta-ção política de todo o país, principalmente do Estado da Guanabara (que viria a ser o município do Rio de Janeiro), São Paulo, Porto Alegre, Minas Gerais e Brasília, onde estavam concentradas as grandes decisões e mudanças políticas. O então governador Pedro Gondim, estava sempre presente na capital federal, a fim de acompanhar e apoiar as decisões do governo Castelo Branco.No dia 26 de abril, A União noticia que a polícia fluminense mantém presas 600 pessoas. O grupo teria sido identifica-do como comunistas por estar de posse de suposto material subversivo.

No dia 2 de junho, o jornal registra que o presidente Castelo Branco irá solicitar prorrogação do Ato Institucional que regula a cassação de mandato e a suspensão de direitos políticos. Castelo Branco propõe mais 120 dias, porém, como previsto no Ato Institucional, chega ao fim no dia 14 de junho, após punir quase 500 pessoas, entre ex-presidentes e ex-governadores, como divulga o diário em 17 de junho.

No dia 9 de julho, A União publica que o presidente Castelo Branco afirma não haver necessidade de prorrogação do seu mandato.

Contudo, no dia seguinte, a comissão mista do Congresso aprova a prorrogação do seu mandato até março de 1967.

Em 5 de agosto, A União publica decla-ração do general Olímpio Mourão Filho, que em 31 de março iniciou a movimentação de tropas para a derrubada do presidente João Goulart: “A coisa não pode continuar como está: nem ditadura, nem democracia”. A elei-ção presidencial que estava programada para 1965 nunca foi realizada e os militares pas-saram a eleger os presidentes indiretamente.

Eduarda CamposEspecial para A União

“É triste ver na cadeia gente que em outras épocas lutou com desprendimento.”

Fernando Henrique Cardoso sobre prisão de José Genuíno e José Dirceu, guerrilheiros que lutaram contra o regime militar

Page 18: Portofolio 2014 2

João Pessoa > Paraíba > DOMINGO, 30 de março de 2014

3A UNIÃO

No 31 de março, cheguei pela manhã à Faculdade de Direito e encontrei a escadaria de entrada lotada de colegas em debates acalorados. Tomei conhecimento da derrubada de João Goulart. Na época, com 18 anos, já era casado, com responsabilidade de manter a fami-lia com o emprego na Assembleia Legislativa. Procurei saber se a Assembleia seria fechada. Era o fim do meu emprego. Como a Assembleia ficou aberta, fiquei tranquilo. Se fui egoista, nao sei, pelo menos fui o que chamavam à época de alienado.

Em 1964, estava com 13 anos. Estudava no Liceu Pasteur, colégio francês, em São Paulo (SP). Para nós adolescentes, somente entendíamos que se tratava de reprimir a tenta-tiva de introduzir o Comunismo no Brasil. Aprovação total, pois a minha formação familiar foi sempre anti-comunista. Minha família participou da Marcha com Deus pela Família. Essa foi sempre a ideia que norteou a minha opção sócio-política, não obstante outros fatos de repressão ao Comunismo que se suce-deram à tomada do poder pelos militares.

Ramalho Leite Dom Aldo di Cillo Pagotto Advogado e ex-deputado estadual Arcebispo da Paraíba

Liberdade de expressão

Ligas camponesasMorte de Pedro Teixeira antecipa radicalização que viria com o golpe

Ele caminhava sozinho pela estrada, armado apenas com cadernos e livros que nem eram seus, mas

para a educação dos filhos. Queria que seguissem um caminho diferente, lon-ge da exploração da vida no campo. À espreita, com armas de fogo de longo al-cance, dois assassinos aguardavam para tirar a vida do maior líder da luta pela terra e pela reforma agrária no Brasil. Na tarde de 2 de abril de 1962, o sangue derramado pelos algozes de João Pedro Teixeira impulsionou o movimento das Ligas Camponesas na Paraíba.

As enxadas pararam por um dia. Quem encomendou o crime queria calar a revolta no campo que ganhava força em Sapé, a 55 km da capital João Pessoa, e se espalhava pela região. O poderoso latifundiário Agnaldo Veloso Borges - avô materno do deputado federal Aguinaldo Ribeiro (PP) - fora apontado como mandante do assassinato. O resul-tado, além de uma mulher viúva e onze filhos sem pai, foi um tiro no pé para o mandatário. Após a morte de seu líder, o número de associados à Liga duplicou, chegando a cerca de 16 mil camponeses.

CABRA MARCADO PARA MORRER

Felipe GesteiraEspecial para A União

‘Cabra’, o filmeA morte de João Pedro Teixeira como

mártir da luta pela reforma agrária foi pauta por muito tempo na imprensa pa-raibana. Somente com o fim da ditadura militar a história ficou nacionalmente conhecida através do cinema, com “Cabra Marcado para Morrer” (1985, 119 min), de Eduardo Coutinho. O filme começou a ser produzido após o assassinato do líder camponês e foi interrompido pelo regime militar. Só pôde ser concluído mais de vinte anos depois. Vários equipamentos, rolos de negativos, entre outros registros foram confiscados pelos militares.

O cineasta paraibano Vladimir Car-valho era assistente de direção de Cou-tinho na primeira fase das filmagens e produtor associado na segunda. Durante a longa pausa, disse que sentia como se fosse “podado”, por conta do impedimen-to imposto pelo regime militar de continu-ar a obra. Mesmo assim seguiu firme com sua ‘missão’ de proteger a atriz principal, Elizabeth Teixeira, viúva de João Pedro Teixeira, que vivia no documentário seu próprio papel. Mesmo antes do filme, Vladimir era militante dos movimentos estudantis e já convivia de perto com a realidade das Ligas Camponesas.

“Íamos os grupos de estudantes em caravanas ao interior para dar um tipo de assistência àqueles camponeses que se organizavam. Era um movimento espontâneo, solidário. Ninguém estava forçado a fazer, mas de uma forma bas-tante voluntariosa íamos ao campo. Os estudantes de Direito faziam petições para denunciar as violências policiais. Aquilo era uma guerra, uma batalha campal. Os estudantes de Odontologia faziam um censo, catalogando arcadas dentárias. Os de Agronomia prestavam orientação de como plantar, colher. Isso foi de uma enorme importância para o crescimento do movimento”, revela.

Elizabeth Teixeira foi a maior vítima da violência contra seu marido, João Pedro Teixeira. Viúva com onze filhos, um deles de apenas dez meses, teve que largar tudo e fugir no momento em que os militares saíram dos quartéis para a tomada do poder. Pintou o cabelo de loiro, mudou as feições conservadas. Vladimir Carvalho, que tomava conta da viúva, relata que era triste transformar o semblante de uma “mulher séria, reservada, para a aparência de uma mulher alegre, como se ela fosse”.

Apesar de ter recebido apoio para se esconder, Elizabeth não aguentou viver na clandestinidade e se entregou à polícia. Passou oito meses presa, e conta que o mais difícil, além da separação dos filhos, foi ter perdido dois deles: João Pedro e José Eudes. “Eles diziam que quando ficassem de maior (sic) iam dar continuidade à luta do trabalho do pai. Quando veio a ditadura a polícia tirou a vida deles”, desabafa Elizabeth Teixeira.

Cobertura de A UniãoDurante a investigação do caso, o jor-

nal A União trouxe a cobertura detalhada de todos os fatos. Assim que chegou em João Pessoa a notícia da morte do líder da Liga Camponesa de Sapé, uma equi-pe foi ao local. A edição do dia seguinte esgotou-se rapidamente. A reportagem de capa fora escrita a quatro mãos, pelos jornalistas Biu Ramos e Gonzaga Rodri-gues: “De fuzil e emboscada mataram João Pedro Teixeira”. Foi preciso imprimir uma outra tiragem, no mesmo dia, para atender à demanda.

Gonzaga Rodrigues, secretário de A União sob a gestão de Hélio Zenaide, relembra as vendas da edição históri-ca. “Estava na cara que a edição seria esgotada. A União era disputada pela estudantada, por professores, por gente que tinha opinião.

Os trabalhadores do campo lu-tavam contra o regime de escravi-dão imposto pelos donos das terras. Trabalhavam ser receber salário, em troca do direito de morar em um casebre na propriedade. Eram privados de qualquer tipo de lazer, e também não podiam se reunir. As proibições eram medidas proteti-vas dos fazendeiros. A prática era semelhante à dos senhores feudais da Idade Média. O ex-deputado es-tadual Assis Lemos, que também militou nas Ligas, conta como foi o início de tudo:

“O movimento começou no Engenhou Galiléia, em Pernam-buco. Foi a primeira fazenda a ser desapropriada. Em virtude do exemplo surgiu a Liga Campone-sa de Sapé. João Pedro Teixeira era do Engenho Galiléia e veio para Sapé. Ele, João Alfredo Dias (Ne-gro Fuba) e Pedro Fazendeiro pas-saram a liderar o movimento em Sapé e organizaram uma associa-ção. Registraram em cartório com

o nome de Associação dos Traba-lhadores Rurais de Sapé, mas a im-prensa batizou de ‘Liga Campone-sa’”, relata.

Assis Lemos coordenou a Con-federação das Ligas Camponesas, formada por 19 ligas e cerca de 40 mil associados. O movimento tomava proporções que surpre-endiam até mesmo seus mem-bros. Juscelino Kubitschek esteve em Sapé; João Goulart, também. O então presidente dos Estados Unidos, John Kennedy, chegou a marcar uma visita a Sapé, mas foi assassinado antes disso. Seus ir-mãos, Bob e Ted Kennedy estive-ram na cidade. O governo norte-a-mericano temia que o interior da Paraíba se transformasse em um ‘novo Vietnã’. Enviou agentes dis-farçados de repórteres para moni-torar a região.

No mesmo período, Celia Gue-vara, mãe do argentino líder da Revolução Cubana, Ernesto ‘Che’ Guevara, esteve em Sapé. Passou

uma semana em contato com as mulheres do campo. Muitas pes-soas se uniam em torno do movi-mento e doavam seu tempo como podiam. “Como a população era analfabeta e não podia votar, as Ligas criaram grupos de alfabe-tização no método Paulo Freire. A classe política ficou apavora-da com esse fato. Já pensou, 80% da população com um Título de Eleitor e votando contra a burgue-sia?”, relembra Assis Lemos.

O professor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e dire-tor de Projetos do Memorial das Ligas Camponesas, Antônio Al-berto Pereira, destaca que se não fosse o Golpe de 1964, o Brasil se-ria outro. “O camponês aprendia a ler, a interpretar e a decifrar o mundo dos opressores e o mundo dos oprimidos. O método ajudava a descobrir as causas da opressão e a resgatar o mais elementar di-reito do ser humano: dizer a sua própria palavra.

“EUA temiam que movimento fosse um novo Vietnã”

João Pedro Teixeira foi morto em 1962. A União foi o primeiro jor-nal a fazer a cobertura do crime. Edição esgotou-se rapidamente

“Eu me sinto traído por práticas inaceitáveis das quais nunca tive conhecimento”

Lula, sobre o mensalão, em agosto de 2005, em O Globo 50 anos do golpe de 64

Page 19: Portofolio 2014 2

João Pessoa > Paraíba > DOMINGO, 30 de março de 2011

4

No dia 31 de março de 1964 eu estava em Cajazeiras. Era funcionário do Banco do Brasil. Soube do golpe à noite na Difusora Rádio Cajazeiras. O diretor da rádio, Mozart Assis, nos chamou para ouvir o discurso de Ademar de Barros, em que anunciava o movimento para depor João Goulart. Eu tinha 21 anos e me considerava de esquerda. Marcou-me a profética declaração de Mozart. “Vamos ter 20 anos de regime militar”. Temi a prisão quando tropas do Exército chegaram a Sousa para prender o prefeito Antonio Mariz, que havia feito um discurso contra o golpe.

31 de março de 1964 caiu numa terça. Dei expediente no Banco do Brasil, em Pombal. Todos seguíamos os acontecimentos pelo rádio, à noite. Dos jornais, recebí-amos apenas A União, que vinha pelos malotes do ban-co, por causa do Diário Oficial, e com atraso. Mas vi um colega, na nossa república de bancários solteiros, escon-der livros sobre economia e política junto à caixa d´água que era abastecida por carros-de-boi, e um médico, amigo meu, enterrou algumas obras filosóficas no quintal.

Mailson da Nóbrega Waldemar José Solha Economista, ex-ministro da Fazenda Escritor e artista plástico

Liberdade de expressão

64: o ano em que o Brasil foi presoDeposição de João Goulart leva país a 21 anos de regime de exceção

O“Sei das reações que nos esperam, mas estou tranquilo, acima de tudo porque sei que o povo brasileiro

já está amadurecido, já tem consciência da sua força e da sua unidade, e não fal-tará com seu apoio às medidas de sentido popular e nacionalista. Quero agradecer, mais uma vez, esta extraordinária manifes-tação, em que os nossos mais significativos líderes populares vieram dialogar com o povo brasileiro, especialmente com o bra-vo povo carioca, a respeito dos problemas que preocupam a Nação e afligem todos os nossos patrícios. Nenhuma força será capaz de impedir que o governo continue a assegurar absoluta liberdade ao povo bra-sileiro. E, para isto, podemos declarar, com orgulho, que contamos com a compreensão e o patriotismo das bravas e gloriosas For-ças Armadas da Nação.” - Presidente João Goulart em comício para cerca de 200 mil pessoas na Central do Brasil, no Rio de Janeiro, em 13 de março de 1964.

A madrugada era tensa no Palácio do Campo das Princesas, sede do governo do Estado de Pernambuco. A vigília montada que estava de prontidão foi surpreendida quando um filho do então governador Mi-guel Arraes entrou no salão gritando. “Os soldados estão cercando a casa!”.

Após a correria, o mesmo justificou a péssima piada com um sorriso amarelo: “Primeiro de abril”. Aquele dia do ano de 1964 não ficaria marcado pelo tom da brin-cadeira, mas pelo dia em que um governo democrático caiu. Se foi golpe, contragolpe, ou revolução, o fato é que os militares der-rubaram um presidente eleito e tomaram as rédeas do poder.

O exército dormiu republicano em 31 de março e acordou “revolucionário” em 1º de abril. Os militares saíram dos quartéis in-surgentes contra um governo que prometia as reformas agrária, política e universitária. João Goulart, ou Jango, como era chamado, havia assinado a medida que desapropriava as terras às margens das rodovias federais, ferrovias e açudes. As bandeiras vermelhas no histórico comício da Central do Brasil, que reuniu cerca de 200 mil pessoas no Rio de Janeiro e foi transmitido pelo rádio e pela TV, inquietavam a oposição.

Era o momento de acionar o plano para a derrubada da democracia no Brasil. Os militares se apoiavam na instabilidade econômica e na alta inflação no país. As “Marchas da Família com Deus” reuniam milhares de pessoas em torno da extrema direita com a justificativa religiosa em seu discurso. Tudo foi feito para “proteger a nação”. O que se viu nos 21 anos seguintes foi um governo antidemocrático e repressor que praticava crimes de tortura e derrubou, além de um presidente eleito, também a liberdade de imprensa.

A professora e pesquisadora do Núcleo de Direitos Humanos da Universidade Fe-deral da Paraíba (UFPB), Lúcia Guerra, vê bastante agitação no período anterior ao golpe militar. “O pré-golpe foi um momen-to de muita ebulição social, justamente por-que os grupos que sempre foram oprimidos estavam vendo uma oportunidade de serem ouvidos a partir das reformas que estavam sendo discutidas: reforma agrária, reforma

Felipe GesteiraEspecial para A União

da democracia e, na medida em que assu-mem o poder, eles não continuam com o discurso da democracia. A sua prática é desconstruída após o golpe”.

O secretário de Organização do Partido Comunista do Brasil (PC do B) na Paraíba, Simão Almeida, já vivia ativamente a mili-tância política nesse período em Campina Grande. Simão relembra que o clima nas ruas era de que algo grande estava para acontecer. “A oposição (militares) não se preocupava em ocupar espaços porque a articulação principal deles era dentro dos quartéis. Os militares precisavam transpare-cer um apoio popular. Foi quando entraram em cena as famosas ‘Marchas da Família com Deus pela Liberdade’. Foi articulada com todos os requintes do serviço secreto e a Igreja Católica entrou nessa arapuca”, conta.

As reformas do governo Jango

“O que se pretende com o decreto que considera de interesse social para efeito de desapropriação das terras que ladeiam ei-xos rodoviários, leitos de ferrovias, açudes públicos federais e terras beneficiadas por obras de saneamento da União, é tornar produtivas áreas inexploradas ou subuti-lizadas, ainda submetidas a um comércio especulativo, odioso e intolerável. Não é justo que o benefício de uma estrada, de um açude ou de uma obra de saneamento vá servir aos interesses dos especuladores

de terra, que se apoderaram das margens das estradas e dos

açudes. Reforma agrária

com pagamento pré-vio do latifúndio

i m p r o d u t i v o , à vista e em di -

nheiro, não é reforma agrá-ria. É negó-cio agrário,

da própria educação superior, reforma fis-cal, financeira, então eram oportunidades que estavam surgindo diante do exercício pleno da democracia, só que isso assustou muita gente. Esse movimento que veio gol-peou um sistema normal”, analisa.

Para Lúcia Guerra, o golpe militar foi um crime contra os direitos humanos. “Pen-sar em direitos humanos é pensar em demo-cracia. O golpe viola a democracia, embora tenha tido um discurso pró-demo-cracia, essa é a grande questão. O discurso na formação do golpe era que eles estariam defendendo o Brasil da formação de um possível regime totalitário e anti-democrático, que era aquele temor que se tinha do socialismo e do comunismo. Eles assumem o discurso

que interessa apenas ao latifundiário, radicalmente oposto aos interesses do povo brasileiro.” - João Goulart, comício da Central do Brasil, Rio de Janeiro, 13 de março de 1964.

Competente ou não, Jango era, acima de tudo, um reformista. Não se sabe se ele teria conseguido as reformas que pretendia. Algumas foram feitas pelo regime militar, e o que se viu, mesmo após a queda da ditadura, foram governos que até hoje se escondem das reformas. Simão Almeida considera que ao menos o problema da reforma agrária teria se resolvido.

No comício de 13 de março ele assinou medidas radicais. Desapropriar as margens das rodovias federais no Brasil inteiro, você imagina o que é isso? A gente ia ter terra aos montes pra distribuir com os trabalha-dores”, lamenta.

A professora Lúcia Guerra reconhece as reformas conquistadas na gestão dos militares, mesmo tendo sido executadas nas formas mais conservadoras. “Uma das reformas que estavam previstas era da educação, do ensino superior, e a ditadura fez a reforma! Inclusive a ditadura pega bandeiras dele ( João Goulart), só que a ditadura fez a reforma à direita, uma re-forma conservadora, mas fez reforma. Se queria uma reforma na educação superior e os governos militares implementam, só que a partir de uma assessoria americana, em termos de pensamento e em termos de

espaço físico”, e denuncia:“Até mesmo nossos campi têm um

modelo direcionado pelas orientações que vieram dos Estados Unidos.

Então as reformas foram feitas no viés conservador, e não no viés

progressista que se queria. Até hoje essa linha progressista tem dificuldade.

A história brasileira é marcada por um domínio muito forte das elites, então a própria população não se sente sujeito. As pessoas têm dificuldade em assumir o protagonismo, é da nossa história. Com a ditadura isso se aprofundou”, des-taca Lúcia Guerra.

Não é justo que o be-nefício de uma estrada, de um açude ou obra de saneamento vá servir aos interesses dos espe-culadores da terra

Presidente João GoulartEm discurso na Central do Brasil, em 1964

A ditadura pega bandei-ras dele (Goulart), só que a ditadura fez a reforma à direita, uma reforma conservadora, mas fez a reforma

Lúcia GuerraProfessora da UFPB

continua na página 5Professora Lúcia Guerra, do Núcleo de Direito Humanos da UFPB: “A história brasileira é marcada pelo domínio muito forte das elites”

A UNIÃO ‘A diferença fundamental entre Direita e Esquerda é que a Direita

acredita cegamente em tudo que lhe ensinaram, e a Esquerda acredita cegamente em tudo que ensina.”

Millôr Fernandes, escritor e jornalista50 anos do golpe de 64

Page 20: Portofolio 2014 2

João Pessoa > Paraíba > DOMINGO, 30 de março de 2014

5

Tinha 13 anos, em 1964. Morava em Princesa. Não tínha-mos TV, jornal não chegava e as notícias a que tínhamos acesso vinham de um rádio velho, de válvulas. O golpe de 64 passou em brancas nuvens em Princesa. Somente mais tarde, em 68, foi que tivemos alguma notícia da repressão, depois da chegada a Princesa do guerrilheiro Paulo Ma-riano, fugido da polícia. Lembro que os deputados Aloysio Pereira e Antonio Nominando Diniz convenceram os locais de que Castelo Branco, Garrastazu Médici e Costa e Silva eram verdadeiros heróis nacionais.

Em 64 iniciei o curso de Didática, na FAFI, então um efer-vescente espaço de debate, responsável pela formação de uma consciência ideológica. Como a maior parte dos meus colegas, participei dos movimentos estudantis e, no inte-rior, das ações das Ligas Camponesas. Na noite de 31 de março de 64, fui com Antonio Augusto para o comício em defesa das reformas e apoio ao presidente João Goulart. Em Cruz das Armas. Mas ao chegarmos, o caminhão-palanque havia sido leva-do pelo Exército e nossos companheiros presos.

Sebastião Lucena Marlene Almeida Jornalista Artista plástica

Liberdade de expressão

câmeras quebradas. Fotografias reveladoras eram queimadas dentro das redações. Meses antes do início, a própria mídia não conseguia prever um momento tão obscuro para o país.

Gonzaga Rodrigues, jornalista e ex-se-cretário de A União, conta que o clima vivido na época que antecede o golpe era de compro-metimento por uma sociedade melhor. “Os meios de comunicação trabalhavam para isso. Existia engajamento literário, da imprensa. A televisão, não, que sempre trabalhou aliada a grupos conservadores que serviam a interesses do capital. Eram tantas as forças intelectuais, políticas, aglutinadas em torno da ideia de uma revolução democrática, socialista. Dois terços do mundo eram socialistas. Vivia-se um clima ideológico em toda a América Latina”.

O governo militar controlava tudo. O jornalista paraibano Biu Ramos, que foi fre-elancer de A União e cobriu o assassinato de João Pedro Teixeira, o maior líder das Ligas Camponesas, desabafa, saudosamente, sobre o exercício da imprensa livre antes da ditadura. “O jornalismo e a literatura, o rádio e a tele-visão, livres das peias da censura, difundiam o entrechoque de ideias. Vivia-se um regime de democracia plena, sem restrições de qual-quer natureza à liberdade de expressão e de pensamento”.

O repórter fotográfico com maior desta-que na cobertura de todo o período do regime, Evandro Teixeira, revela que o golpe pegou todos de surpresa, mas sabiam que algo grave viria pela frente. “Tínhamos liberdade. Nada era censurado, nada era proibido. Ninguém esperava o golpe. O fogo mesmo começou no comício da Central do Brasil. A partir daquele dia a gente sabia que viria merda. Era uma coisa tensa, precisávamos ter coragem para registrar o que depois seria contado na

Jango teve a opção de atacar os militares

“Com fé em Deus e confiança no povo, quero afirmar, claramente, nesta noite, na hora que, em nome da disciplina, se estão praticando as maiores indisciplinas, que não admitirei que a desordem seja promovida em nome da ordem; não admitirei que o conflito entre irmãos seja pregado e que, em nome de um antirreformismo impatriótico, se chegue a conclamar as forças da reação para se arma-rem contra o povo e contra os trabalhadores; não permitirei que a religião de meus pais, a minha religião e a de meus filhos, seja usada como instrumento político de ocasião, por aqueles que ignoram o seu sentido verda-deiro e pisoteiam o segundo mandamento de Deus.” - João Goulart, discurso durante reunião de sargentos no Automóvel Clube, Rio de Janeiro, 30 de março de 1964

Jango tinha generais do seu lado, e mui-tos militantes esquerdistas, sob a ameaça do golpe, queriam que o presidente contra-a-tacasse, como afirma Simão Almeida: “Nós defendíamos que deveria ter havido isso. A opção apresentada por Brizola, de resistência, teria sido o melhor caminho. O problema é que o governo Jango estava minado. Talvez não tivéssemos uma resposta popular, seriam militares contra militares. No fundo, a opção de esquerda, revolucionária, estava profunda-mente debilitada”.

O golpe militar não interessava apenas aos militares, mas também a empresários, grupos conservadores e até ao governo norte-ameri-cano, como comprovam gravações reveladas do então presidente John Kennedy em 1963, antes de ser assassinado. Os Estados Unidos enviariam tropas com suporte de armas e combustível na operação denominada “Bro-ther Sam” (“Irmão Sam”, em tradução livre). A grande dificuldade do presidente, na sua intenção de se reeleger, era a necessidade de uma reforma constitucional.

Jaldes Meneses, cientista político e professor da UFPB, considera complexa a conjuntura para um contra-ataque no mo-mento pré-golpe. “Se (Jango) foi covarde ou corajoso, esse é um atributo individual. O fato é que ele decidiu não resistir ao golpe. As adesões eram muito fortes. Ele também teve medo de mergulhar numa guerra civil. O comício da Central do Brasil foi fundamental, lá ele desativou várias forças. O grande erro da esquerda foi ter avaliado mal as vitórias. Não havia uma proposta clara de manutenção constitucional. Ele foi sinuoso nesse sentido e isso o fragilizou”, analisa.

Liberdade de imprensa

“Demo-cracia para es-ses democratas não é o regime da liberdade d e r e u n i ã o para o povo: o que eles querem é uma democracia de povo emudeci-do, amordaçado nos seus anseios e sufocado nas suas reivindicações. A democracia que eles desejam impingir-nos é a democracia antipovo, do antissindicato, da antirreforma, ou seja, aquela que melhor atende aos interesses dos grupos a que eles servem ou representam.” - João Goulart, comício da Central do Brasil, Rio de Janeiro, 13 de março de 1964.

O golpe foi particularmente violento contra a imprensa. A mordaça reinou por longos anos no Brasil. Tudo o que seria veicu-lado no dia seguinte pelos jornais impressos precisava passar pelo crivo da censura. O re-gistro documental durante todo o período do regime militar foi comprometido. Repórteres fotográficos tinham seus filmes tomados e suas

Não admitirei que a de-sordem seja promovida em nome da ordem; não permitirei que a minha religião seja usada como instrumen-to político de ocasião

Presidente João GoulartEm discurso na Central do Brasil, em 1964

história do país”, conta o jornalista que na época trabalhava para o Jornal do Brasil.

Militares negam ter havido um golpe

“Não tiram o sono as manifestações de protesto dos gananciosos, mascarados de frases patrióticas, mas que, na realidade, tra-duzem suas esperanças e seus propósitos de restabelecer a impunidade para suas atividades antissociais.” - João Goulart, comício da Central do Brasil, Rio de Janeiro, 13 de março de 1964.

Apesar de terem deposto um presidente eleito democraticamente, os militares negam que houve um golpe. O termo adotado nos quartéis até hoje é “Revolução de 1964”, ou como alguns costumam mencionar, o ‘contragolpe’ pelo bem da nação. A reportagem de A União tentou entrar em contato com oficiais do Exército Brasileiro, mas tanto a Comunicação do 1º Grupamento de Engenharia quanto do Comando Militar do Nor-deste informaram que ninguém falaria sobre o as-sunto e que nenhuma entrevista seria concedida.

Sobre o uso do termo “revolução” na nega-ção do golpe, a professora Lúcia Guerra, que em sua formação é historiadora, considera uma falha. “Essa terminologia ‘revolução’ está muito desgas-tada porque pela concepção da história, para ser uma revolução ela precisaria efetivamente mudar um sistema. A base de um sistema é a estrutura de dominação e de classes. Essa estrutura foi mantida e até reforçada. O que realmente se revo-

lucionou foi podar o regime democrático, mas eles (os militares) não assumem. O domínio

do capitalismo foi aprofundado. Houve apoio das elites e dos empresários ao

golpe”, argumenta.O coordenador do Programa

de Pós-graduação em Direitos Humanos da UFPB, Giuseppe

Tosi, considera preocupante que vários segmentos da sociedade, após a experiência histórica, se posicionem na extrema direita. “Essa seria uma das heranças da ditadura, por isso a impor-tância da memória. Temos que fazer todo um trabalho de me-mória educativa, de repara-ção, de lembrança, para que a história não se repita, que esse seja um fato histórico, uma página virada. Essa direita autoritária existe. É perigosa. Precisamos reformar as instituições fazendo um trabalho de reparação da memória e de educação para que possamos finalmen-te sair dessa herança maldita”.

Se Jango foi covarde ou corajoso, esse é um atri-buto individual. O fato é que ele decidiu não resis-tir ao golpe. Teve medo de uma guerra civil

Jaldes Meneses

Cientista político da UFPB

Professor Giuseppe Tosi, coordenador do Programa de Pós-graduação em Direitos Humanos da UFPB: “Essa direita autoritária existe. E é perigosa

A UNIÃO Política tem esta desvantagem: de vez em quando o sujeito vai preso em nome da liberdade.

Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto), escritor

50 anos do golpe de 64

Simão Almeida, com o “manto sagrado” que passou a defender desde a mili-tância política, em Campina Grande: “A Igreja Católica entrou nessa arapuca”

Page 21: Portofolio 2014 2

João Pessoa > Paraíba > DOMINGO, 30 de março de 2014

6

Tortura e humilhaçãoA história de um guerrilheiro preso no DOI-CODI

Odia 31 de março marca os 50 anos do golpe militar no Brasil. A Paraíba não ficou de fora das torturas e muitas

vítimas da ditadura militar estão vivas para contar os momentos de humilhação, solidão e o afastamento prematuro de suas famílias que passaram meses e até anos sem notícias.

O economista Martinho Campos, que já as-sumiu importantes cargos públicos na Paraíba, foi uma das vítimas do regime militar. Ele conta que no dia 2 de novembro de 1964 estava no município de Jaboatão dos Guararapes quando foi preso pela primeira vez. A operação repres-siva, revelou, foi desenvolvida pelo Dops de Pernambuco, chefiado à época pelo conhecido Álvaro da Costa Lima.

Os policiais se esmeraram no chamado “pau louco”, utilizaram-se de socos, pontapés e rasteiras, de forma indiscriminada, para a prática das torturas. Em seguida, lembrou emocionado, foi levado para a 2ª Cia de Guar-das, unidade do IV Exército, em Recife. Lá, foi entregue com outros companheiros à cus-tódia militar, com o IPM chefiado pelo major Dynalmo Domingos e pelo capitão Bismarck Baracuhy. “As torturas aconteceram com ênfase nas pressões psicológicas, colocado numa cela solitária, um cubículo imundo, cheio de per-cevejos, tendo a cabeça raspada e submetido a ameaças de toda a sorte”, disse.

O sofrimento do economista, aposentado do Sebrae-PB, não parou por aí, como outros paraibanos sofreram nos denominados “anos de chumbo, sob o governo do General Garras-tazu Médici. Em 14 de abril de 1972, no período mais violento da repressão ditatorial, foi preso no ambiente de trabalho, na fábrica da General Motors, em São Caetano do Sul-SP e levado para o DOI-CODI de São Paulo. Novamente passou por torturas como “telefones” (tapas com as mãos em concha nos dois ouvidos), “corredor polonês” (o preso deve passar por entre policiais postados em fila, recebendo socos e pontapés); “cadeira do dragão” (ca-deira com assento metálico, na qual o preso fica com os braços e pernas imobilizados por

Cardoso [email protected]

O golpe de 1964 não teve só aspectos nega-tivos. Havia um clamor de grande parte da população que, diante de vários fatos, temia a introdução do comunisno no Brasil. O golpe de 64 foi saudado por muitos com alívio tanto que não houve derramamento de sangue. Os militares que comandavam o golpe não eram mal intencionados e até julgavam estar pres-

tando um bom serviço à pátria. O erro foi eles terem assumido o poder, passando por cima do Legislativo e do Executivo e terem agido, desde o começo, desrespeitando os Direitos Huma-nos. Esse desrespeito culminou com a edição do AI-5 que foi o mais flagrante atentado à pessoa humana porque, por esse Ato, se podia prender e torturar para obter confissões. E

isso foi feito, infelizmente. A ditadura foi uma página triste de nossa história. Mas é preciso reconhecer que muitos dos que a planejaram e executaram julgavam estar realizando um bom serviço à pátria. Não lemos no Evangelho a ad-vertência de Cristo a seus discípulos?: “Virá a hora em que todo aquele que vos matar julgará estar prestando culto a Deus” (Jo. 16,2)

Dom José Maria PiresArcebispo emérito da Paraíba

Liberdade de expressão

Preso, Martinho Cam-pos sofreu violenta tortura física e psico-lógica. Passou pelo pau-de-arara e pela cadeira do dragão

fortes presilhas de couro); “pau de arara” (o preso é amarrado pelos pés e mãos e suspenso em uma barra de ferro); choques elétricos por todo o corpo, particularmente nos testículos e ânus; afogamento, além de ameaças e outras torturas psicológicas. Devendo-se notar que nesse estágio o aparelho repressor ditatorial já havia se refinado em sua prática hedionda. As prisões de Martinho aconteceram pelos mesmos motivos que levaram à prisão, à morte e ao desaparecimento todos aqueles que lutavam contra o regime militar.

Condenado a dois anos e meio de prisão, depois de ter passado pelo DOI-CODI, Dops de São Paulo, Presídio Tirandentes e finalmente Carandiru, conseguiu sair da prisão em 1975, ao conseguir que o STM (Superior Tribunal Militar) revogasse a pena de Pernambuco e lhe concedendo liberdade condicional com referência à pena de São Paulo.

De volta à Paraíba em 1976, após prestar novo vestibular voltou à Universidade Federal da Paraíba (UFPB), retomando o curso de Ci-ências Econômicas. Participou do movimento pela Anistia. Tornou-se economista, sendo o primeiro presidente do sindicado da categoria em 1986, chegando a assumir a presidência da Federação Nacional dos Economistas, em 1988. Especializei-me como consultor de micro e pequenas empresas, ao ser contratado pela NAI-PB, Núcleo de Apoio Industrial da Paraíba depois CEAG-PB, Centro de Apoio Gerencial da Paraíba e, por fim SEBRAE-PB, Serviço de Apoio as Micro e Pequenas Empresas da Paraíba, onde permaneceu até 2007, quando se aposentou.

“Eu era militante do Partido Operário Revolucionário Trotskista”, revela Campos, e continuo de esquerda, querendo um país justo e igualitário, o que farei até o fim dos meus dias”.

Junto com mais 12 companheiros, esteve preso em Fernando de Noronha, de dezembro de 1964 a maio de 1965. Na ilha, contou que um pequeno grupo de oficiais do Exército levou-os a sofrer um ensaio de fuzilamento simulado, pois nos tratavam como ‘trerroristas’, “No restante do tempo não houve quaisquer maus tratos”.

O dia do golpe Na noite de 31 de março, Martinho Cam-

pos conta que estava na Associação Paraibana

de Imprensa (API), juntamente com vários companheiros de esquerda de outros partidos acompanhando pelo rádio a movimentação golpista iniciada em Minas Gerais. “Esperáva-mos a resistência, particularmente vinda do Rio Grande do Sul e dos esquemas de apoio militar que se dizia pronto para defender o governo nos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro”.

Quase preso na API“Quase fui preso na API. Escapei por que

minutos antes de chegarem os grupos mili-tares e de policiais civis que naquela noite já iniciaram as prisões. Fui atender à convocação do meu partido para uma reunião a fim de avaliar a situação e tomar deliberações pertinen-tes”, revelou.

No dia seguite, dia 1º de abril, logo cedo, saiu com Bento da Gama, militante do PCB, numa caminhonete de sua propriedade para tentar alguma arregimentação de massas em condições de resistir ao golpe. Vimos que isso era impossível. Tratava-se, então, de fugir das gar-ras da repressão. E assim procedi, fugindo para a cidade de Recife, onde pouco tempo depois começou o período de torturas e humilhações.

O economista lembra de muitas pessoas conhecidas presas no golpe de 64. Muitos já estão mortos, como Bento da Gama, Luiz Hugo Gui-marães, o jornalista Jório Machado, e o poeta Fi-gueiredo Agra. Outros foram assassinados como

Pedro Fazendeiro e Nego Fuba. Outros continuam vivos e lutadores, vindo à lembrança os nomes de alguns deles, como o companheiro Francisco de Assis Lemos, Antonio Augusto de Almeida, Antonio Augusto Arroxelas, meu irmão Antonio Carlos Leal de Campos, José Arnaldo Tavares, Marceleuse Melquíades, Almério Melquíades de Araújo e minha companheira, Maria do Socorro Cunha Campos. Mas muitos outros foram vitima-dos pela repressão no estouro do golpe.

Assis LemosParaibano da cidade de Areia, foi outra

vítima da ditadura militar. O ex-deputado estadual Francisco de Assis Lemos de Souza também contou os momentos de torturas, as perseguições sofridas por ter integrado o grupo que formou as Ligas Camponesas, em Sapé.

Torturas no pau-de-arara, espancamentos e o que ele considera a pior situação sofrida, quando teve introduzido no ânus um jornal em chamas. “Isso aconteceu após ser preso na minha cidade e quando era transferido para o quartel do 15º Regimento de Infantaria (hoje, 15º Batalhão de Infantaria Motorizado) pararam o carro no meio de um matagal e me penduraram em um pau-de-arara, espancado”, revelou.

Assis Lemos conta que por conta de sua militância, perdeu o mandado de deputado es-tadual, tendo os seus direitos políticos cassados. Pior ainda, perdeu o cargo de professor de Agro-nomia,. Preso, sofreu vários tipos de torturas, abusos e privações no cárcere. Ele contou que foi preso no momento que tentava fugir da casa de Osmar de Aquino, então um dos líderes do movimento estudantil de Recife. “Ainda tentei fugir, mais ao tentar pular, uma arma foi posta em minhas costas e eu fui rendido”, lembra.

O DOI-CODI O Destacamento de Operações de In-

formações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI) não tinha ramificação na Paraíba. No entanto, os presos políticos eram torturados em quartéis do Exército e muitos deles foram transferidos para outros Estados, principalmente Rio de Janeiro e São Paulo, que tinham representação daquele destacamento. O Regime Militar durou de 1º de abril de 1964 até 15 de março de 1985.

O economista paraibano Martinho Campos em seu escritório, em João Pessoa: “Continuo de esquerda. Até o fim da vida”

A UNIÃO “Quando a esquerda começa a contar dinheiro, converte-se em direita”

Carlito Maia, publicitário e fundador do PT50 anos do golpe de 64

Page 22: Portofolio 2014 2

João Pessoa > Paraíba > DOMINGO, 30 de março de 2014

7

...

...

...O dia em que Lacerda viria à Paraíba

Sessenta e quatro em Campina

A Operação Brother SamCarlos Alberto Azevedo

Era 3 de março de 1964, dia em que o então governador do Estado da Guanabara, Carlos Lacerda, vinha à Paraíba para fazer uma palestra na Faculdade de Direito, em João Pessoa. Mas por motivos óbvios não desembarcou na Capital.

Nesse mesmo dia, ocupamos a Faculda-de de Direito. Éramos 26, entre eles, havia apenas uma mulher: Zita – onde andará Zita? Em Cuba? A palavra de ordem era impedir a entrada de Lacerda naquela Faculdade. Custasse o que custasse o “Corvo” (o apeli-do de Carlos Lacerda) não deveria proferir a palestra.

Para isso, desde cedo, fizemos coque-téis de molotov (a “receita” estava no Manu-al do Guerrilheiro, uma publicação cubana).

Coreia e eu fomos até o Mercado Cen-tral comprar centenas de ovos. Estávamos nos preparando para “recepcionar” o “Cor-vo”, responsável pela matança de mendigos no estado da Guanabara.

Mas as coisas tomaram outro rumo. Fomos cercados por lacerdistas fanáticos sob o comando de um deputado (repre-sentando os fascistas do grupo da várzea, todos lacerdistas). Uma multidão agressiva nos ameaçava: “Morte aos Comunistas! Viva Carlos Lacerda!”

Um fato que poucos sabem: pedimos a “Dentinho” que fosse imediatamente à Fábrica de Cimento Portland (Ilha do Bispo), para mobilizar os operários que, certamente, lutariam a nosso favor. “Dentinho” (PCB) saiu sorrateiramente por uma janela lateral da Faculdade, que dava para o Beco do Mijo.

Ficamos a ver navios: nem “Dentinho”, nem os operários chegaram para nos acudir. Lá ficamos, sozinhos, contando com a valiosa liderança de José Tarcísio Fernandes (repre-

Evaldo Gonçalves

Vi-me envolvido, sem querer, em dois epi-sódios por força da implantação do regime de exceção implantado em 1964, neste país. Era professor da Fundação Universidade Regional do Nordeste, em 1968, mantida pelo Município de Campina Grande e dirigida pelo Reitor Edvaldo do Ó.Fui fundador e primeiro Diretor da sua Escola de Administração.

Antes do AI-5, em 1968, Campina Grande tinha sofrido o trauma de duas cassações: as dos prefeitos Newton Rique e Ronaldo Cunha Lima, ambos eleitos diretamente pelo povo. Tais atos foram atribuídos a revanchismo político-partidá-rio desencadeado por influência de Draul Ernani, de Patos, porém, na época, radicado no Rio de Janeiro, onde, em sua Casa da Pedra, na Gávea, acolhia militares do novo regime.

As cassações políticas ocorridas em Campi-na Grande teriam sido sugeridas pelo esquema político comandado pelo ex-Prefeito Severino Cabral, ligado à Casa da Pedra por laços familiares, partindo-se do pressuposto de que este fizera, na Prefeitura daquela cidade, os sucessores bene-ficiados por aquelas duas cassações, o que deu origem a um odioso processo de intervenção militar naquele município.

Atribuía-se ao Quarto-Exército a responsabi-lidade por essa ação intervencionista e pela indi-cação dos respectivos Interventores de Campina Grande, suscetibilizado, segundo versões, por não ter sido consultado quando das cassações de Newton Rique e Ronaldo Cunha Lima. Por conta dessas divergências, instaurou-se ali um clima de revanchismo dos mais arbitrários, sendo responsável por aposentadorias e demissões em massa de professores universitários, sobretudo, os que ensinavam na FURN, cuja Universidade sofreu injusta intervenção, com a demissão do Reitor Edvaldo do Ó, ligado ao esquema político de Severino Cabral, e de todos quantos a ele mostrassem solidários.

PRIMEIRO EPISÓDIOEntão, o primeiro episódio: chamado ao

Quartel do Exército em Campina Grande, após a intervenção da FURN, antes mesmo de qualquer indagação, entreguei por escrito minha dupla renúncia: à Diretoria da Escola da Administração e ao Conselho Universitário. Tal gesto valeu a minha inscrição como revanchista da Revolução de 1964, o que me impediu de assumir o cargo de Secretário da Administração da Prefeitura de Cam-

Otávio Sitônio Pinto

“Além de Cuba, os Estados Unidos amargavam uma derrota contínua no Viet-nam – onde morreram quatro generais e 50 mil americanos

Os golpes de 1964/68 tiveram origem na

vocação golpista das forças armadas brasileiras, que desfecharam mais de 20 golpes ao longo da História do Brasil. Foi assim na proclamação da Independência e da República, em Canudos, na quartelada do Forte de Copacabana, no Golpe de 1930, na Intentona de 1935, no golpe nazi-fascista de 1938 e outros episódios.

O golpismo das forças armadas brasilei-ras cresceu com a participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial, gerando o golpe de 1945 (deposição de Getúlio Vargas), a conspi-ração de 1953 (morte de Getúlio Vargas), as intentonas de Jacareacanga e Aragarças (1955, contra Juscelino Kubitschek), a conspiração nas exéquias do general Canrobert, em novembro de 1955, e o Golpe de 1964. Em 1968 houve a recidiva desse golpe, tornando a ditadura mais medonha ainda.

A Revolução Cubana e a Guerra do Viet-nam tiveram muita importância na urdidura do golpe de 64, pois os Estados Unidos não queriam a repetição dessas experiências.

Dentre os antecedentes do Golpe de 1964, pesa a Intentona Comunista de 1935. Esse movimento deixou marcas nas forças armadas, pois o complô teve lugar nas fileiras do Exército. Depois da Intentona, o Exército passou a ter cuidado no recrutamento, assim como na seleção de candidatos a graduados, e passou a policiar o panorama político nacional, patrulhando possíveis levantes populares.

A participação brasileira na Segunda Guerra Mundial, por imposição do presi-dente Franklin Delano Roosevelt, deu vez à aproximação das forças armadas brasileiras e norte-americanas. Daí adveio a deposição de Getúlio Vargas: os Estados Unidosnão podiam tolerar a continuidade do ditador Vargas – um simpatizante das ditaduras nazifascistas.

A vitória da Revolução Cubana muito in-comodava o governo dos Estados Unidos – que se sentia impotente em combater o regime so-cialista do Caribe, tendo em vista a formação do exército popular de Cuba, inspirado na proposta de Benjamim Franklin para a composição do exército norte-americano após a Guerra Inde-pendência. Franklin queria a permanência do exército popular que vencera os ingleses, sob a alegação de que “o exército é o partido mais forte de qualquer país”.

Foi esse o modelo aplicado em Cuba na formação de seu exército, o maior exército do mundo (sete milhões e meio de reservistas armados, metade da população da ilha), maior que o exército chinês, de dois milhões e meio de soldados. O exército popular cubano, formado por todos os homens e mulheres capazes (e não só por seus rapazes), dissuade os Estados Unidos de invadir a ilha.

Além de Cuba, os Estados Unidos amarga-vam uma derrota contínua no Vietnam – numa guerra em que morreram quatro generais e 50 mil subalternos norte-americanos, fora os que foram morrer em casa. O presidente John Kennedy entendia que o Nordeste Brasileiro (leia-se Nordeste Açucareiro) era a região mais explosiva da Terra, depois do Vietnam.

Daí a ordem de Kennedy para a conspi-ração do Golpe Militar de 64, no contexto que impôs quinze ditaduras militares na América La-tina: Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai, Chile, Guatemala, Peru, Nicarágua, Bolívia, Equador, Haiti, Venezuela, Suriname e República Domi-nicana. Ditaduras fomentadas pelos Estados Unidos, até o governo Jimmy Carter iniciar a redemocratização da América.

Os militares brasileiros, que derribaram a ditadura de Getúlio Vargas por determinação de Tio Sam, não iriam criar outra ditadura sem a permissão do alto comando norte-americano – que despachou para as costas brasileiras a frota do Caribe, com dois porta-aviões e vários outros navios de guerra para dar apoio às forças golpistas. Era a “Operação Brother Sam”.

Ciente da presença dos ianques nas águas brasileiras, prontos para uma intervenção mi-litar, o presidente João Goulart não reagiu ao golpe, indo embora para o Uruguai, evitando assim um derramamento de sangue no Brasil. E o golpe triunfou, dando origem a três déca-das de tortura e terror na família brasileira, família que o golpe dizia defender com Deus pela liberdade.

Nesse mesmo dia, ocupamos a Faculda-de de Direito. Éramos 26. Havia apenas uma mulher: Zita - onde andará Zita? Em Cuba? A palavra de ordem era impedir a entrada de Lacerda naquela faculdade.

sentante do Diretório Acadêmico de Direito) que nos orientava como proceder politicamente correto, sem apelar para a violência. Tarcísio teve um papel importantíssimo nessa invasão que, hoje, faz 50 anos dos acontecimentos da Faculdade de Direito.

À noite, o Exército foi chamado pelo gover-nador Pedro Gondim. Ele solicitou o apoio do coronel Eduardo D’Ávilla Mello, comandante do 15º R.I. que, na ocasião, respondia também pelo comando da Guarnição Federal de João Pessoa, estava substituindo o general Augusto Matta.

Às 20 horas, chegaram três viaturas do Exército e fomos forçados a deixar o prédio. O coronel D’Ávilla e major Cordeiro estavam na Praça João Pessoa, assistiam de longe a toda operação bélica. Saímos pacificamente, com

as mãos em cima da cabeça, escoltados pela soldadesca do coronel. Entramos um a um nos caminhões silenciosamente, cabisbaixos e humilhados pela pressão das metralhado-ras nas nossas costas. Fomos levados para o QG da Polícia Militar do Estado, onde fomos fichados como subversivos. Note bem: como não havia escrivão na PM, o companheiro Wills Leal (jornalista e ativista cultural) foi quem datilografou os depoimentos.

Lá para tantas, perdi o controle emo-cional, esbravejava porque o meu irmão Fernando Antônio Farias de Azevedo (hoje, professor na Universidade Federal de São Carlos – SP) não deveria ser fichado. “Ele é de menor” eu gritava.

Às 3 horas da manhã, houve uma cena cômica, bastante cômica. Soldados do Exérci-to traziam José Ferreira da Silva, o único que conseguiu fugir. Ficara escondido na caixa d’água da Faculdade. Parecia um pássaro molhado, jogado naquela imensa sala da PM.

No dia 5 de março de 1964 o jornal A União estampou em suas páginas nossos retratos. Fomos tachados de subversivos e maconhei-ros. Além das nossas fotos, havia a fotografia de “Cigarros” de maconha e de 6 coquetéis de molotov. A bem da verdade: os “cigarros” de maconha eram da Cadeira de Medicina Legal, ministrada pelo professor Oscar de Castro. Foram postos lá apenas para nos incriminar: maconheiros. Tenho certeza de que o major Cordeiro modificou a “cena do crime”...

O episódio da Faculdade de Direito ain-da não foi devidamente estudado. A Comis-são Estadual da Verdade e da Preservação da Memória da Paraíba deveria realizar mais uma audiência pública para ouvir outros participantes dessa invasão.

* Antropólogo e membro efetivo do IHGP. Foi anistiado em 2006.

pina Grande, convidado pelo então governador João Agripino, que, igualmente, sem combinar com o Quarto Exército, como era do seu feitio, conseguira nomear o General Paz de Lima para interventor daquela cidade.

Então fui nomeado por João Agripino para Diretor da Cagepa, em Campina Grande, quando da construção da 2ª Adutora de Boqueirão, es-tando, ainda hoje, tão importante obra servindo àquela cidade. O seu sucessor, Ernani Sátyro, em 1971, escolhido Govenador da Paraíba, convidou-me para ser seu Secretário da Admi-nistração, a quem dei ciência do ̈ revanchismo¨ a mim atribuído, e dos vetos que havia sofrido.

2º EPISÓDIOPerguntou-me, Ernani Sátyro, na ocasião,

o seguinte: o senhor é comunista ou corrupto? Só nessas duas hipóteses o senhor não será meu Secretário. Do contrário, o convite estará de pé, independentemente de sua ficha no 4º Exército. Esclareci: no Centro Estudantal Campinense, antepondo-me aos socialistas da época, fui tido como integralista por admiração intelectual a Plínio Salgado. No Colégio Pio XI, enquanto Juarez Farias distribuía o jornal Voz Operária, eu entregava exemplares do jornal No-vas Ideias. Quanto à corrupção, para ser sincero, Governador, não administrei, como Professor Universitário, Promotor Público e Diretor Admi-nistrativo da Cagepa, nenhum recurso público,

considerando-me, pois, isento dessa pecha.Então, o senhor é meu Secretário da

Administração e será o primeiro nome a ser anunciado. Dito e feito. Fui nomeado, tomei posse e fui investido no cargo, o que não evi-tou expedientes do SNI, solicitando a minha demissão. Dava conhecimento de tudo ao Governador Ernani Sátyro, e ele mandava que os guardasse. Quando da minha remoção para a sua Casa Civil, então, os expedientes se tornaram mais frequentes. Um dia o Governa-dor me ordenou: vamos quarta-feira próxima a Recife, quando da Reunião da SUDENE. Ao que ponderei, lembrando que quem o acompa-nhava era o Secretário do Planejamento. Disse, preciso dos dois.

Fomos, e lá, depois da reunião dos go-vernadores, ele me chamou e disse: agora, vamos passar no IV Exército. Preciso falar com o General Comandante. Em lá chegando, e sem constar da agenda para ser recebido, disse para o coronel que nos atendeu: diga ao General que o Governador da Paraíba está aqui, e quer lhe falar. Ao entrarmos, ele me apresentou ao Comandante, e disse: tenho recebido inúmeros ofícios do SNI me solicitando a demissão do meu Chefe da Casa Civil, e desejo que você me autorize ir lá ver a ficha dele. General, se ele não for comunista e corrupto, ele vai continuar meu auxiliar.

O Comandante ainda apelou para o ar-gumento de que os documentos solicitados eram sigilosos e, ele, Ernani Sátyro, como líder civil da Revolução de 64, sabia dessa norma. O Governador, não esperou, e replicou: para mim, não. Além de Governador do meu Estado, sou Ministro do Tribunal Militar, e se você não au-torizar que os veja, eu conseguirei examiná-los em Brasília, junto ao Ministro da Guerra.

Fomos ao SNI e lá o Coronel Chefe de então entregou ao Governador Ernani Sátyro o processo a meu respeito, e, depois de amplo relatório, estava escrito em letras garrafais: É UM REVANCHISTA! O Governador Ernani Sá-tyro, do alto de sua autoridade, disse-lhe: não fiz a Revolução de 64 para outros fins, a não ser o combate ao comunismo e à corrupção. Não me mande mais ofício para mim. Deixe-me trabalhar pela Paraíba!

Perguntou-me Ernani Sátyro: ‘o senhor é comunista ou corrup-to? Só nessas duas hipóteses o senhor não será meu secre-tário. Do contrário, meu convite está de pé, independente-mente de sua ficha no 4º Exército’

* Advogado, professor universitário aposentado e ex-deputado federal * Jornalista, escritor e colunista de A União

A UNIÃO A esquerda é boa para duas coisas: organizar manifes-tações de rua e desorganizar a economia.

Humberto Castelo Branco50 anos do golpe de 64

Page 23: Portofolio 2014 2

João Pessoa > Paraíba > DOMINGO, 30 de março de 2014

8 A UNIÃO

Um relato meramente pessoal

Atordoado completamente, o país acordara naquela quarta-feira, primeiro de abril de

64, pelo que se entendia “regime de força”. O povo brasileiro estava agora na chamada alça de mira dos militares. Eles haviam tomado o Poder da República, deflagrando então o início dos “anos de chumbo”. Foi um tempo para ser jamais esquecido...

Um dia antes, meu pai conseguira entrar pela manhã na cidade de Recife, como fazia semanalmente, para acertos de programa-ção com as distribuidoras de filmes aos seus cinemas. Mas, o Estado de Sítio, que logo se implantou, o impedira de sair. A partir da tarde daquele 31 de março, ninguém entrava, nin-guém saía. Só com referências e indicações foi possível se passar pelos bloqueios militares das estradas. Mesmo assim, ônibus e carros que conseguiam atravessar as inúmeras barricadas eram minuciosamente revistados na entrada de Olinda, Pernambuco, pelos comandos do Exército.–Uma verdadeira operação de guerra! Ao filho Alex, contara Severino Alexandre dos Santos, antigo exibidor na cidade de Santa Rita.

“Seu” Severino do cinema, como era co-nhecido na localidade, jamais se sentia entu-siasmado com as questões partidárias. Mesmo nas vezes que fora contatado por políticos locais, em suas campanhas municipais para prefeito ou vereador. De qualquer modo se mostrava, como se pode dizer, “um discreto simpatizante das esquerdas”.

Entrementes, apreensivos, eu e meu pai ouvíamos pela Rádio Tabajara, em um daque-les dias o dramático pronunciamento do então governador Pedro Gondim: “Não posso e não devo, neste instante de tanta inquietação nacio-nal, deixar de definir minha posição, na qua-lidade de governador dos paraibanos...” Fala essa assessorada pelo genro do governador, o deputado campinense Vital do Rêgo, tornando ainda mais crítica a situação local. Desde o dia anterior, sabia-se da existência de forte con-tingente armado de mil e quinhentos homens prontos pra o que desse e viesse, aquartelados em Tibiri, onde ficava a comunidade operária da Cia. de Tecidos Paraibana, em Santa Rita, na fazenda do sogro do deputado Joacil de Brito, pessoa ligada ao então governador paraibano.

A cidadania houve de amargar momentos terríveis, durante o golpe de 64. As restrições não apenas se limitavam à sociedade política de então, mas sobretudo à cultura e à diver-são. Essas passam a ser perseguidas de forma implacável. A censura se instalara no país, cerceando todas as liberdades e os fazeres cria-tivos da população. O novo regime caiu como uma bomba em cima do cinema. Durante anos caminhou-se pelas regras militares impostas. A Censura Prévia foi a tônica prevalente para tudo que se referia às artes. Tempos difíceis não somente para o jovem filho de exibidor ci-nematográfico, estudante, sobretudo idealista, mas, para toda a juventude de um universo de indagações de sua época.

Pouco menos de uma semana antes do golpe, rumores entre a juventude intelectual santarritense davam conta da apresentação de uma peça teatral no Auditório do Liceu Parai-bano, em João Pessoa, numa ação polêmica do recém-criado Departamento Cultural da UFPB. “Os fuzis da Senhora Carrar”, de Bertold Brecht, de forte conteúdo político-ideológico,

Na época, eu já tinha atividade política no mo-vimento secundarista, em Campina Grande. Por coincidência, meu primeiro dia de aula na Escola Politécnica de Campina Grande, no Curso de En-genharia, foi no dia 30 de março de 1964, numa segunda-feira. O golpe militar foi da terça, 31 de março, para a quarta-feira, 1º de abril. Eu já vinha acompanhando os acontecimentos e quando houve o comício da sexta-feira, 13, me

recordo bem, estava conversando na Praça da Bandeira, em Campina Grande, com um amigo que nunca mais vi, Silvio, funcionário dos Correios, e ele me dizia que o golpe viria, porque a direita es-tava por baixo. Quer dizer, eu já estava esperando. Então da terça para a quarta teve o golpe; na quinta-feira, 2 de abril, teve assembleia dos estudantes, que decla-raram greve e eu, fera chegando, inventei de fazer

um pronunciamento na referida assembleia. No dia seguinte es-tava sendo chamado no Quartel do Exército para uma entrevista com o major Viana, que depois se tornou o famoso coronel Viana. Eu tinha completado 20 anos de idade, em janeiro de 64. Na ocasião, mesmo bastante jovem, não tive medo de nada.

Simão AlmeidaSecretário de Organização do PC do B

Liberdade de Expressão

Minha experiência nos “Anos de Chumbo” na PB

fora encenada na ocasião, sob intenso alarido, sendo por isso mesmo comentada e debatida por nós logo depois, durante uma reunião do domingo seguinte no GRESC – Grêmio de Estudos Socioculturais de Santa Rita. Entidade formada por estudantes da qual eu fazia parte, também como articulista de uma coluna de ci-nema, no jornalzinho “Os Sinos de Santa Rita”.

Um seleto grupo era formado por mim, pelos amigos Miguel e Rui, pelo meu primo Carlito e a namorada dele, Helena, além de mais cinco ou seis entusiastas, como a histo-riadora Marta Falcão, à época todos estudantes e que participavam semanalmente das reuni-ões da associação, às escondidas. Primeiro, os encontros eram realizados no âmbito da Casa Paroquial, não mais sob orientação do padre Rafael de Barros Moreira, mas de dois padres estrangeiros vindos da Bélgica, Paulo Koele e Maurício. Ali, traçavam-se os perfis da situação repressiva ora vivida por todos. Depois, esses encontros passaram a acontecer na Associação Vicentina de Santa Rita, na Rua Ivo Borges, perto do nosso cinema e da casa em que eu morava.

A apreensão era de todos, mesmo assim aguçava nossa curiosidade pelo que poderia

Oentão presidente João Goulart embarca para o exílio, no Uruguai, em 1964. A Paraíba está representada na foto histórica: à esquerda, está Napoleão Barbosa de Carvalho,

segurança particular de “Jango”, nascido em Patos, no Sertão.

De Patos ao Uruguai

Pausada as atividades do GRESC, por orientação da própria Igreja, veio a criação do Cineclube Hitchcock.Essa foi uma maneira velada de se igualmente protestar culturalmente através do cine-ma. Inclusive com a participação do meu então professor de Geografia, no curso Ginasial José Cornélio da Silva, servidor da Great Western, à época perseguido pela ditadura militar.

As reuniões do cineclube funcio-navam às sextas-feiras na parte de trás do Cine São João – que exibia os nossos filmes –, numa sala de primeiro andar, que eu criara. Constituía uma maneira de se discutir artes naqueles tempos de chumbo, mesmo sob desconfiança do meu pai.

Filmes de temática não provocativa ao regime, de conotação não política, como “Morangos Silvestres”, do cine-asta sueco Ingmar Bergman, ou mesmo do francês Godard, tinham prioridade e podiam ser exibidos sem nenhum pro-blema, apenas sob o registro prévio na Polícia Federal. A partir de então, todos os filmes programados para os cinemas da cidade e de todo o país tinham que passar pelo crivo da censura, para que os federais dissessem se podiam ou não ser mostrados ao público.

De certa forma, tentando burlar o sistema nós do cineclube resolvemos exibir, às escondidas, o filme de Glauber Rocha “Deus e o Diabo na Terra do Sol”. Nada de exposição de cartazes e foto-grafias do filme na sala do cinema.

Era uma manhã ensolarada de do-mingo. Estávamos todos eufóricos e já acomodados na sala de projeção do cine São João. Nem bem havia iniciado a ses-são, quando entram de repente dois po-liciais federais de mandado em punho, como autênticos nazistas fardados e de dedo em riste foram gritando:

– Parem a sessão!

Censura confiscafilme de Glauber

Cine São João, Santa Rita, foi sede do cineclube, nos anos 60

Alex e o pai, Severino: “Discreto simpatizante da esquerda”

*Alex Santos é professor da UFPB, vice-presiden-te da Academia Paraibana de Cinema e colunista de A União

acontecer dali por diante. Mais ainda, pelos acontecimentos que já começávamos a tes-temunhar muito proximamente, como os aglomerados dos camponeses no pátio da Pre-feitura Municipal de Santa Rita, com enxadas e foices proclamando uma revolução agrária.

Uma noite, após concluir nossa sessão de cinema, atendendo ao pedido do sindicalista Antônio Dantas, de Mari, de passagem pela cidade, prontifiquei-me à preparação de faixas, que seriam exibidas por manifestantes das Ligas Camponesas no dia seguinte, para homenagear os “julianistas” da região. Quando concluía as faixas com um dos amigos, no primeiro andar de uma loja de tecidos, frente ao Mercado Central, fomos surpreendidos pela polícia. Não soube-mos por quem“dedurados”, tivemos que baixar a porta de ferro que dava acesso aos degraus do corredor para o andar de cima. Ficamos presos por uma noite inteira, sob vigilância da milícia postada no meio da rua. Somente de madrugada foi possível sair às pressas do local, depois da desistência dos policiais civis e militares.

FOTOS: Arquivo Pessoal/Alex Santos

“Como são parecidos os radicais da esquerda e da direita. Um canalha é exatamente igual a outro canalha”

Nelson Rodrigues50 anos do golpe de 64

Alex [email protected]