portanto, ao senso moral e à consciência ética · vontade de deus ou em nenhuma ordem exterior...

32
Vestibulares – PRISE – ENEM - Concursos A educação desenha o futuro Ensino Médio Ética: filosofia moral Prof. Ulisses Vasconcelos Cid. Nova I, WE 9A, nº121, Coqueiro. Fone: (091) 3235-1844 * ATENÇÃO: Copiar é CRIME. Art. 184 do código Penal e Lei n° 5998/73 CAPÍTULO 1 A DIFERENÇA ENTRE MORAL E ÉTICA Os conceitos de Moral e Ética, embora sejam diferentes, são com freqüência usados como sinônimos. Moral vem do latim mos ou moris, que significa “maneira de se comportar regulada pelo uso”; daí relacionarmos o termo “moral” com “costume”, e de moralis, morale, adjetivo referente ao que é “relativo aos costumes”. Ética vem do grego ethos, que tem o mesmo significado de “caráter”, “costume”. O sentido que os antigos gregos atribuíam ao homem de bons costumes era o mesmo do homem de boa índole, de bom caráter. Por isso, os termos Moral e Ética se confundem, mas guardam entre si certas diferenças. Os costumes, porque são anteriores ao nosso nascimento e formam o tecido da sociedade em que vivemos, são considerados inquestionáveis e quase sagrados (as religiões tendem a mostrá-los como tendo sido ordenados pelos deuses, na origem dos tempos). Ora, a palavra costume se diz, em grego, ethos donde, ética – e, em latim, moris – donde, moral. Em outras palavras, ética e moral referem-se ao conjunto de costumes tradicionais de uma 30 sociedade e que, como tais, são considerados valores e obrigações para a conduta de seus membros. A língua grega possui uma outra palavra que precisa ser escrita em português com as mesmas letras que a palavra que significa costume: ethos. Em grego, existem duas vogais para pronunciar e grafar nossa vogal e: uma vogal breve, chamada epsilon, e uma vogal longa, chamada eta. Ethos, escrita com a vogal longa, significa costume; porém, escrita com a vogal breve, significa caráter, índole natural, temperamento, conjunto das disposições físicas e psíquicas de uma pessoa. Nesse segundo sentido, ethos se refere às características pessoais de cada um que determina quais virtudes e quais vícios cada um é capaz de praticar. Referem-se, portanto, ao senso moral e à consciência ética individuais. Moral é o conjunto das regras ou normas de conduta admitidas por uma sociedade ou por um grupo de homens em determinada época. Assim, o homem moral é aquele que age bem ou mal na medida em que acata ou transgride as regras do grupo. A Moral, ao mesmo tempo que é o 60 conjunto de regras que determina como deve ser o comportamento dos indivíduos do grupo, é também a livre e consciente aceitação das normas. Isso significa que o ato só é propriamente moral se passar pelo crivo da aceitação pessoal da norma. A exterioridade da moral contrapõe-se à necessidade da interioridade, da adesão mais íntima. Portanto, o homem, ao mesmo tempo que é herdeiro, é criador de cultura, e só terá vida autenticamente moral se, diante da moral constituída, for capaz de propor a moral constituinte; aquela que é feita dolorosamente por meio das experiências vividas. Mesmo quando queremos manter as antigas normas, há situações críticas enfrentadas devido à especificidade de cada acontecimento. Por isso a cisão também pode ocorrer a partir do enredo de cada drama pessoal: a singularidade do ato moral nos coloca em situações originais em que só o indivíduo livre e responsável é capaz de decidir. Ética ou filosofia moral, é a disciplina filosófica que se ocupa com a reflexão a respeito das noções e princípios que fundamentam a vida moral. Essa reflexão pode seguir as mais diversas direções, dependendo da concepção de homem que se toma como ponto de partida. Assim, à pergunta “o que é o bem e o mal”, respondemos diferentemente, caso o fundamento da moral esteja na ordem cósmica, na 90 vontade de Deus ou em nenhuma ordem exterior à própria consciência humana. Podemos perguntar ainda: Há uma hierarquia de valores ? Se houver, o bem supremo é a felicidade? É o prazer ? É a atividade ? É o dever ? Por outro lado, é possível questionar: Os valores são essências ? Têm conteúdo determinado, universal, válido em todos os

Upload: dangmien

Post on 09-Nov-2018

217 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Vestibulares – PRISE – ENEM - Concursos

A educação desenha o futuro – Ensino Médio – Ética: filosofia moral – Prof. Ulisses Vasconcelos

Cid. Nova I, WE 9A, nº121, Coqueiro. Fone: (091) 3235-1844

* A

TEN

ÇÃ

O: C

opia

r é C

RIM

E. A

rt. 1

84 d

o có

digo

Pen

al e

Lei

5998

/73

CAPÍTULO 1 A DIFERENÇA ENTRE MORAL E ÉTICA

Os conceitos de Moral e Ética, embora sejam diferentes, são com freqüência usados como sinônimos. Moral vem do latim mos ou moris, que significa “maneira de se comportar regulada pelo uso”; daí relacionarmos o termo “moral” com “costume”, e de moralis, morale, adjetivo referente ao que é “relativo aos costumes”. Ética vem do grego ethos, que tem o mesmo significado de “caráter”, “costume”. O sentido que os antigos gregos atribuíam ao homem de bons costumes era o mesmo do homem de boa índole, de bom caráter. Por isso, os termos Moral e Ética se confundem, mas guardam entre si certas diferenças. Os costumes, porque são anteriores ao nosso nascimento e formam o tecido da sociedade em que vivemos, são considerados inquestionáveis e quase sagrados (as religiões tendem a mostrá-los como tendo sido ordenados pelos deuses, na origem dos tempos). Ora, a palavra costume se diz, em grego, ethos – donde, ética – e, em latim, moris – donde, moral. Em outras palavras, ética e moral referem-se ao conjunto de costumes tradicionais de uma 30 sociedade e que, como tais, são considerados valores e obrigações para a conduta de seus membros.

A língua grega possui uma outra palavra que precisa ser escrita em português com as mesmas letras que a palavra que significa costume: ethos. Em grego, existem duas vogais para pronunciar e grafar nossa vogal e: uma vogal breve, chamada epsilon, e uma vogal longa, chamada eta. Ethos, escrita com a vogal longa, significa costume; porém, escrita com a vogal breve, significa caráter, índole natural, temperamento, conjunto das disposições físicas e psíquicas de uma pessoa. Nesse segundo sentido, ethos se refere às características pessoais de cada um que determina quais virtudes e quais vícios cada um é capaz de praticar. Referem-se,

portanto, ao senso moral e à consciência ética individuais.

Moral é o conjunto das regras ou normas de conduta admitidas por uma sociedade ou por um grupo de homens em determinada época. Assim, o homem moral é aquele que age bem ou mal na medida em que acata ou transgride as regras do grupo.

A Moral, ao mesmo tempo que é o 60 conjunto de regras que determina como deve ser o comportamento dos indivíduos do grupo, é também a livre e consciente aceitação das normas. Isso significa que o ato só é propriamente moral se passar pelo crivo da aceitação pessoal da norma. A exterioridade da moral contrapõe-se à necessidade da interioridade, da adesão mais íntima. Portanto, o homem, ao mesmo tempo que é herdeiro, é criador de cultura, e só terá vida autenticamente moral se, diante da moral constituída, for capaz de propor a moral constituinte; aquela que é feita dolorosamente por meio das experiências vividas. Mesmo quando queremos manter as antigas normas, há situações críticas enfrentadas devido à especificidade de cada acontecimento. Por isso a cisão também pode ocorrer a partir do enredo de cada drama pessoal: a singularidade do ato moral nos coloca em situações originais em que só o indivíduo livre e responsável é capaz de decidir.

Ética ou filosofia moral, é a disciplina filosófica que se ocupa com a reflexão a respeito das noções e princípios que fundamentam a vida moral. Essa reflexão pode seguir as mais diversas direções, dependendo da concepção de homem que se toma como ponto de partida. Assim, à pergunta “o que é o bem e o mal”, respondemos diferentemente, caso o fundamento da moral esteja na ordem cósmica, na 90 vontade de Deus ou em nenhuma ordem exterior à própria consciência humana. Podemos perguntar ainda: Há uma hierarquia de valores ? Se houver, o bem supremo é a felicidade? É o prazer ? É a atividade ? É o dever ? Por outro lado, é possível questionar: Os valores são essências ? Têm conteúdo determinado, universal, válido em todos os

Vestibulares – PRISE – ENEM - Concursos

A educação desenha o futuro – Ensino Médio – Ética: filosofia moral – Prof. Ulisses Vasconcelos

Cid. Nova I, WE 9A, nº121, Coqueiro. Fone: (091) 3235-1844

* A

TEN

ÇÃ

O: C

opia

r é C

RIM

E. A

rt. 1

84 d

o có

digo

Pen

al e

Lei

5998

/73

tempos e lugares ? Ou, ao contrário, são relativos? Ou, ainda, haveria possibilidade de superação das duas posições contraditórias do universalismo e do relativismo ? As respostas a essas e outras questões nos darão as diversas concepções de vida moral elaboradas pelos filósofos através dos tempos.

PARA FIXAR

MORAL: conjunto dos costumes e juízos morais de um indivíduo ou de uma sociedade que possui caráter normativo (regras do comportamento das pessoas no grupo). Conjunto de regras que visa orientar a ação humana, submetendo-a ao dever, tendo em vista o bem e o mal. Conjunto de normas livre e conscientemente aceitas que visam organizar as relações dos indivíduos na sociedade. ÉTICA: parte da filosofia que se ocupa com a reflexão a respeito das noções e dos princípios que fundamentam a vida moral. A ética é uma disciplina teórica sobre a prática humana, que é o costume ou o comportamento humano. No entanto, as reflexões éticas não se restringem apenas à busca de conhecimento teórico sobre valores humanos, cuja origem e desenvolvimento levantam questões de caráter sociológico, antropológico, biológico, religioso etc. A ética é uma filosofia prática, ou seja, uma reflexão sobre a práxis (ação prática) em todos os setores da vida humana. 30 VALOR: algo possui valor quando não permite que permaneçamos indiferentes (a não-indiferença é a essência do valor). Frequentemente emitimos juízos de valor quando os fatos (juízos de fatos – a existência efetiva – que dizem como são as coisas, como são e por que são) nos provoca um sentimento de atração ou de repulsa (juízos de valor – avaliações sobre coisas, pessoas, situações que são proferidos na moral, nas artes, na política, na religião etc.). Juízos de valor avaliam coisas, pessoas, ações, experiências, acontecimentos, sentimentos, estados de espírito, intenções e decisões como bons ou maus, desejáveis ou indesejáveis. Os juízos éticos de valor são normativos, isto é, enunciam normas que determinam o dever ser de nossos sentimentos, nossos atos, nossos comportamentos. São juízos que enunciam obrigações, dever, e avaliam intenções e ações segundo o critério do correto e

do incorreto. Os juízos éticos de valor nos dizem o que são o bem, o mal, a felicidade. Os juízos éticos normativos nos dizem que sentimentos, intenções, atos e comportamentos devemos ter ou fazer para alcançarmos o bem e a felicidade. Enunciam também que atos, sentimentos, intenções e comportamentos são condenáveis ou incorretos do ponto de vista moral.

SENSO OU CONSCIÊNCIA MORAL: referem-se a valores éticos (justiça, honradez, espírito de sacrifício, integridade, generosidade) e 60 as decisões que conduzem a ações com conseqüências para nós e para os outros. Os sentimentos e as ações, nascidos de uma opção entre o bem e o mal se referem a algo mais profundo e subentendido: nosso desejo de afastar a dor e o sofrimento e de alcançar a felicidade, seja por ficarmos contentes conosco mesmo, seja para recebermos a aprovação dos outros. ATO MORAL E ATO IMORAL: o ato moral é constituído de dois aspectos: o normativo e o fatual. O normativo são as normas ou regras de ação e os imperativos que enunciam o dever ser. O fatual são os atos humanos enquanto se realizam efetivamente. Pertencem ao âmbito do normativo regras como: “Cumpra a sua obrigação de estudar”; “Não minta”; “Não roube”; “Não mate”. O campo do fatual é a efetivação ou não da norma na experiência vivida. Os dois pólos são distintos, mas inseparáveis. A norma só tem sentido se orientada para a prática, e o fatual só adquire contorno moral quando se refere à norma. O ato efetivo será moral ou imoral, conforme esteja de acordo ou não com a norma estabelecida. Por exemplo, diante da norma “Não minta”, o ato de mentir será considerado imoral. O ato só pode ser moral ou imoral se o indivíduo introjetou a norma e a tornou sua, livre e conscientemente.

ATO AMORAL: considera-se amoral o ato realizado à margem de qualquer consideração a 90 respeito das normas. Trata-se da redução ao fatual, negando o normativo. O homem “sem princípios” quer pautar sua conduta a partir de situações do presente e ao sabor das decisões momentâneas, sem nenhuma referência a valores. É a negação da moral.

Vestibulares – PRISE – ENEM - Concursos

A educação desenha o futuro – Ensino Médio – Ética: filosofia moral – Prof. Ulisses Vasconcelos

Cid. Nova I, WE 9A, nº121, Coqueiro. Fone: (091) 3235-1844

* A

TEN

ÇÃ

O: C

opia

r é C

RIM

E. A

rt. 1

84 d

o có

digo

Pen

al e

Lei

5998

/73

PARA REFLETIR ou FILOSOFAR

SENSO MORAL E CONSCIÊNCIA MORAL

Por Marilena Chaui *

Muitas vezes, tomamos conhecimento de movimentos nacionais e internacionais de luta contra a fome. Ficamos sabendo que, em outros países e no nosso, milhares de pessoas, sobretudo crianças e velhos, morrem de penúria e inanição. Sentimos piedade. Sentimos indignação diante de tamanha injustiça (especialmente quando vemos o desperdício dos que não têm fome e vivem na abundância). Sentimos responsabilidade. Movidos pela solidariedade, participamos de campanhas contra a fome. Nossos sentimentos e nossas ações exprimem nosso senso moral. Quantas vezes, levados por algum impulso incontrolável ou por alguma emoção forte (medo, orgulho, ambição, vaidade, covardia), fazemos alguma coisa de que, depois, sentimos vergonha, remorso, culpa. Gostaríamos de voltar atrás no tempo e agir de modo diferente. Esses sentimentos também exprimem nosso senso moral. Em muitas ocasiões, ficamos contente e emocionados diante de uma pessoa cujas palavras e ações manifestam honestidade, honradez, espírito de justiça, altruísmo, mesmo quando tudo isso lhe custa sacrifício. Sentimos que há grandeza e dignidade nessa pessoa. Temos admiração por ela e desejamos imitá-la. Tais sentimentos e admiração também exprimem nosso senso moral. Não raras vezes somos tomados pelo horror diante da violência: chacina de seres humanos e animais, linchamentos, 30 assassinatos brutais, estupros, genocídio, torturas e suplícios. Com freqüência, ficamos indignados ao saber que um inocente foi injustamente acusado e condenado, enquanto o verdadeiro culpado permanece impune. Sentimos cólera diante do cinismo dos mentirosos, dos que usam outras pessoas como instrumento para seus interesses e para conseguir vantagens às custas da boa-fé de outros. Todos esses sentimentos também manifestam nossos senso moral. Vivemos certas situações, ou sabemos que foram vividas por outros, como situações de extrema aflição e angústia. Assim, por exemplo, uma pessoa querida, com uma doença terminal, está viva apenas porque seu corpo está ligado a máquinas que a conservam. Suas dores são intoleráveis. Inconsciente, geme no sofrimento. Não seria melhor que descansasse em paz ? Não seria preferível deixá-la morrer ? Podemos desligar os aparelhos ? Ou não temos o direito de fazê-lo ? Que fazer ? Qual a ação correta ? Uma jovem descobre que está grávida. Sente que seu corpo e seu espírito ainda não estão preparados para a gravidez. Sabe que seu parceiro, mesmo que deseje apoiá-la, e tão jovem e despreparado quanto ela e que ambos não terão como responsabilizar-se plenamente pela gestação, pelo parto e pela criação de um filho. Ambos são desorientados. Não sabem se poderão contar como o auxílio de suas famílias (se as tiverem). Se ela for apenas estudante, terá que deixar a escola para trabalhar, a fim de pagar o parto e arcar com as despesas da criança. Sua vida e seu futuro mudarão para sempre. Se trabalha, sabe que perderá o emprego, porque vive numa sociedade onde os padrões discriminam as mulheres grávidas, sobretudo as solteiras. Receia não contar com os amigos. Ao mesmo tempo, porém, deseja a criança, sonha com ela, mas teme dar-lhe uma vida de 60 miséria e ser injusta com quem não pediu para nascer. Pode fazer um aborto ? Deve fazê-lo ? Um pai de família desempregado, com vários filhos pequenos e a esposa doente, recebe uma oferta de emprego, mas

que exige que seja desonesto e cometa irregularidades que beneficiem seu patrão. Sabe que o trabalho lhe permitirá sustentar os filhos e pagar o tratamento da esposa. Pode aceitar o emprego, mesmo sabendo o que será exigido dele ? Ou deve recusá-lo e ver os filhos com fome e a mulher morrendo ? Um rapaz namora, há tempos, uma moça de quem gosta muito e é por ela correspondido. Conhece uma outra. Apaixona-se perdidamente e é também correspondido. Ama duas mulheres e ambas o amam. Pode ter dois amores simultâneos, ou estará traindo a ambos e a si mesmo ? Deve magoar uma delas e a si mesmo, rompendo com uma para ficar com a outra ? O amor exige uma única pessoa amada ou pode ser múltiplo ? Que sentirão as duas mulheres, se ele lhes contar o que se passa ? Ou deverá mentir para ambas ? Que fazer ? Se, enquanto está atormentado pela indecisão, um conhecido o vê ora com uma das mulheres, ora com a outra e, conhecendo uma delas, deverá contar a ela o que viu? Em nome da amizade, deve falar ou calar ? Uma mulher vê um roubo. Vê uma criança maltrapilha e esfomeada roubar frutas e pães numa mercearia. Sabe que o dono da mercearia está passando por muitas dificuldades e que o roubo fará diferença para ele. Mas também vê a miséria e a fome da criança. Deve denunciá-la, julgando que com isso a criança não se tornará um adulto ladrão e o proprietário da mercearia não terá prejuízo ? Ou deverá silenciar, pois a criança corre o risco de receber punição excessiva, ser levada para a polícia, ser jogada novamente às ruas e, agora, revoltada, passar do furto ao 90 homicídio ? Que fazer ? Situações como essas – mais dramáticas ou menos dramáticas – surgem sempre em nossas vidas. Nossas dúvidas quanto a decisão a tomar não manifestam nosso senso moral, mas põem à prova nossa consciência moral, pois exigem que decidamos o que fazer, que justifiquemos para nós mesmos e para os outros as razões de nossas decisões e que assumamos todas as conseqüências delas, porque somos responsáveis por nossas opções. Todos os exemplos mencionados indicam que o senso moral e a consciência moral referem-se a valores (justiça, honradez, espírito de sacrifício, integridade, generosidade), a sentimentos provocados pelos valores (admiração, vergonha, culpa, remorso, contentamento), que conduzem a ações com consequências para nós e para os outros. Embora os conteúdos dos valores variem, podemos notar que estão referidos a um valor mais profundo, mesmo que apenas subentendido: o bom ou o bem. Os sentimentos e as ações, nascidos de uma opção entre o bom e o mau ou entre o bem e o mal, também estão referidos a algo mais profundo e subentendido: nosso desejo de afastar a dor e o sofrimento e de alcançar a felicidade, seja por ficarmos contentes conosco mesmos, seja por recebermos a aprovação dos outros. O senso e a consciência moral dizem respeito a valores, sentimentos, intenções, decisões e ações referidos ao bem e ao mal e ao desejo de felicidade. Dizem respeito as relações que mantemos com os outros e, portanto, nascem e existem como parte de nossa vida intersubjetiva, isto é, de nossas relações com outros sujeitos morais. © 120 * MARILENA CHAUI. Professora na Universidade de São Paulo (USP)

Vestibulares – PRISE – ENEM - Concursos

A educação desenha o futuro – Ensino Médio – Ética: filosofia moral – Prof. Ulisses Vasconcelos

Cid. Nova I, WE 9A, nº121, Coqueiro. Fone: (091) 3235-1844

* A

TEN

ÇÃ

O: C

opia

r é C

RIM

E. A

rt. 1

84 d

o có

digo

Pen

al e

Lei

5998

/73

Juízo de fato e Juízo de valor

Se dissermos, “Está chovendo”, estaremos enunciando um acontecimento constatado por nós e o juízo proferido é um juízo de fato. Se, porém, falarmos, “A chuva é boa para as plantas” ou “A chuva é bela”, estaremos interpretando e avaliando o acontecimento; nesse caso, proferimos um juízo de valor. Juízos de fato são aqueles que dizem o que as coisas são, como são e por que são. Em nossa vida cotidiana, mas também na metafísica e nas ciências, os juízos de fato estão presentes. Diferentemente deles, os juízos de valor, são avaliações sobre coisas, pessoas, situações e são proferidos na moral, nas artes, na política, na religião. Juízo de valor avaliam coisas, pessoas, ações, experiências, acontecimentos, sentimentos, estados de espírito, intenções e decisões como bons ou maus, desejáveis ou indesejáveis. Os juízos éticos de valor são também normativos, isto é, enunciam normas que determinam o dever ser de nossos sentimentos, nossos atos, nossos comportamentos. São juízos que enunciam obrigações e avaliam intenções e ações segundo o critério do correto e do incorreto. Os juízos éticos de valor nos dizem o que são o bem, o mal, a felicidade. Os juízos éticos 30 normativos nos dizem que sentimentos, intenções, atos e comportamentos devemos ter ou fazer para alcançarmos o bem e a felicidade. Enunciam também que atos, sentimentos, intenções e comportamentos são condenáveis ou incorretos do ponto de vista moral. Como se pode observar, senso moral e consciência moral são inseparáveis da vida cultural, uma vez que esta define para seus membros os valores positivos e negativos que devem respeitar ou detestar. Qual a origem da diferença entre os dois tipos de juízos ? A diferença entre a Natureza e a Cultura. A primeira, como vimos, é constituída por estruturas e processos necessários que existem em si e por si mesmos, independentemente de nós: a chuva é um fenômeno meteorológico, cujas causas e efeitos necessários podemos constatar e explicar. Por sua vez, a Cultura nasce da maneira como os seres humanos interpretam-se a si mesmos e as suas relações com a Natureza, acrescentando-lhe sentidos novos, intervindo nela,

alterando-a através do trabalho e da técnica, dando-lhe valores. Dizer que a chuva é boa para as plantas pressupõe a relação cultural dos humanos com a Natureza, através da agricultura. Considerar a chuva bela pressupõe uma relação valorativa dos humanos com a Natureza, percebida como objeto de contemplação. 60 Frequentemente, não notamos a origem cultural dos valores éticos, do senso moral e da consciência moral, porque somos educados (cultivados) para eles e neles, como se fossem naturais ou fáticos, existentes em si e por si mesmos. Para garantir a manutenção dos padrões morais através do tempo e sua continuidade de geração a geração, as sociedades tendem a naturalizá-los. A naturalização da existência moral esconde, portanto, o mais importante da ética: o fato de ela ser criação histórico-cultural.

Os valores

Mas o que são valores ? Embora a preocupação com os valores seja tão antiga como a humanidade, só no século XIX surge uma disciplina específica, a teoria dos valores ou Axiologia (do grego axios, “valor”). A Axiologia não se ocupa dos seres, mas das relações que se estabelecem entre os seres e o sujeito que os aprecia. Diante dos seres (sejam eles coisas inertes, ou seres vivos, ou idéias etc.) somos mobilizados pela afetividade, somos afetados de alguma forma por eles, porque nos atraem ou provocam nossas repulsa. Portanto, algo possui valor quando não permite que permaneçamos indiferentes. É nesse sentido que García Morente diz: “Os valores não são, mas valem. Uma coisa é valor e outra coisa é 90 ser. Quando dizemos de algo que vale, não dizemos nada do seu ser, mas dizemos que não é indiferente. A não-indiferença constitui esta variedade ontológica que contrapõe o valor ao ser. A não-indiferença é a essência do valer”1. Os valores são, num primeiro momento, herdados por nós. O mundo cultural é um sistema de significados já estabelecidos por outros, de tal modo que aprendemos desde cedo como nos comportar à mesa, na rua, diante de estranhos, como, quando e quanto falar em determinadas circunstâncias; como andar, correr, brincar; como cobrir o corpo e quando desnudá-lo; qual o padrão de beleza; que direitos e deveres temos. Conforme

Vestibulares – PRISE – ENEM - Concursos

A educação desenha o futuro – Ensino Médio – Ética: filosofia moral – Prof. Ulisses Vasconcelos

Cid. Nova I, WE 9A, nº121, Coqueiro. Fone: (091) 3235-1844

* A

TEN

ÇÃ

O: C

opia

r é C

RIM

E. A

rt. 1

84 d

o có

digo

Pen

al e

Lei

5998

/73

atendemos ou transgredimos os padrões, os comportamentos são avaliados bons ou maus. A partir da valoração, as pessoas nos recriminam por não termos seguido as formas da boa educação ao não ter cedido lugar à pessoa mais velha; ou nos elogiam por sabermos escolher as cores mais bonitas para a decoração de um ambiente; ou nos admoestam por termos faltado com a verdade. Nós próprios nos alegramos ou nos arrependemos ou até sentimos remorsos dependendo da ação praticada. Isso quer dizer que o resultado de nossos atos está sujeito à sanção, ou seja, ao elogio ou à reprimenda, à recompensa ou à punição, nas mais diversas intensidades, desde “aquele” olhar da mãe, a crítica de um amigo, a indignação ou até a coerção física (isto é, a repressão pelo uso da força). 1 García Morente, M. Fundamentos de filosofia; lições preliminares.p.296. ____________________________________________________________

PARA REFLETIR ou FILOSOFAR

A boa e velha ética

Por Paulo Ghiraldelli Jr.*

Durante os dias do julgamento dos acusados da morte de Isabela Nardoni, um grupo de pessoas atacou fisicamente o 30 advogado do casal Nardoni, então responsabilizados pelo assassinato da garota. O grupo pôs de lado o “direito de defesa”, pertencente aos nossos costumes e vigente em nossa legislação. Tudo ocorreu como se quisessem que o advogado abandonasse o caso. Ora, se o advogado abandonasse os Nardoni, mediante pressão popular, com este defensor deveria ser entendido ? Caso o advogado largasse os Nardoni, eticamente ele teria cometido uma falta grave. Tomada como um todo, nossa sociedade espera que um advogado acredite na inocência (ou parte dela) do seu cliente e vá até o fim na defesa. Em termos mais gerais, nossa idéia básica é que o advogado, mais do que qualquer outro cidadão, leve a sério o preceito “todos são inocentes até que se prove o contrário”, vigente como valor, regra e lei em nossa sociedade. Caso tivesse desistido, moralmente ele também ficaria em dívida, ao menos consigo mesmo, pois agiria segundo uma qualidade moral pouco louvável entre nós, a covardia. Esse assunto nos conduz à seguinte pergunta: qual a diferença entre ética e moral ? Ética diz respeito a costumes, hábitos e valores relativamente coletivos, assumidos por indivíduos de um grupo social, uma sociedade ou uma nação. No caso, pode-se comentar o seguinte: os indivíduos que queriam que nenhum advogado defendesse os Nardoni se mostraram hostis ao nosso costume social e jogaram pela janela valores caros ao Ocidente. Eles estavam em dissonância com o ethos de nossa nação, especialmente porque queriam que o próprio advogado também atravessasse o comportamento ético. Moral diz respeito a hábitos, costumes e valores assumidos por indivíduos de um grupo social, uma sociedade ou uma nação; todavia, o comportamento desenvolvido por tal 60

assunção está diretamente relacionado à psique de cada um e, também, à sua personalidade e até mesmo ao que chamaríamos de suas idiossincrasias (do grego Tidios, “próprio de si” + Sun-krasis, “mistura”), termo grego que diz respeito à capacidade de cada indivíduo de enxergar o universo de uma maneira própria. Moral tem a ver com o que o indivíduo faz ou deixa de fazer quanto a situações que a sociedade determina como particulares; abarca relações de um indivíduo consigo mesmo e com as pessoas mais queridas, mais próximas. Caso o advogado dos Nardoni tivesse cedido aos agressores e desistido do caso, talvez estes mesmos viessem a dizer que ele agiu como um “homem de moral fraca”. Ele seria, então, caracterizado como alguém que não honrou o nosso mores. Ética e moral não são a mesma coisa. Aliás, suas origens etimológicas assim dizem: ética vem do grego ethos e moral origina-se do latim mores. Delimitam, respectivamente, comportamentos sociais universais e comportamentos sociais particulares. Em sociedades ocidentais modernas e liberais, em que há um recorte claro e razoavelmente bem definido da esfera pública e da esfera particular, a ética cai no primeiro campo e moral no segundo. Com isso, não se quer dizer que, em uma sociedade moderna, ocidental e liberal como a nossa, que faz recortes razoavelmente delimitados entre o que é a esfera pública e o que é a esfera privada, o que é do âmbito moral não possa vir a público, ou seja, não possa ser exposto a um público. Em várias situações notáveis, isto é, em casos polêmicos, o que ocorre é exatamente essa transposição do que é privado para o âmbito público. Não raro, é justamente nessa hora que percebemos a diferença entre um caso e outro, entre situação moral e situação ética. 90 O caso de Ronaldinho com os travestis foi um episódio moral, não propriamente ético. Que Ronaldinho tenha preferência sexual rotineira ou não por travestis é algo da sua psique. É um gosto dele, uma idiossincrasia sua, digamos assim. Nesse sentido, em nossa sociedade, é algo do âmbito moral. Em nossa sociedade – ocidental, moderna e liberal – o gosto sexual tende a ser tomado como algo da personalidade de cada um e, portanto, deve pertencer ao campo privado. Dessa forma, a moral que, enfim, encontra-se na particularidade, adentra uma esfera afinada com a particularidade, a esfera da privacidade. O gosto por travestis do Ronaldinho diz respeito a ele e tão-somente a ele. Por isso mesmo, ele foi para um motel, para o divertimento privado. Quando o caso chegou à imprensa, ainda assim ele permaneceu um caso moral. © * Paulo Ghiraldelli Jr.: é filósofo, escritor e professor da UFRRJ. ____________________________________________________________

AGORA É COM VOCÊ !

Exercícios Propostos

1) Quais os significados dos termos Moral e Ética ?

2) Estabeleça a diferença fundamental entre os conceitos de Moral e Ética.

3) Por que Ética é filosofia prática ?

4) Estabeleça a diferença entre ato moral, imoral e amoral.

5) O que é senso moral e consciência moral ?

6) Estabeleça a diferença entre juízo de fato e juízo de valor.

7) O que são valores éticos morais ? Cite exemplos. 120

Vestibulares – PRISE – ENEM - Concursos

A educação desenha o futuro – Ensino Médio – Ética: filosofia moral – Prof. Ulisses Vasconcelos

Cid. Nova I, WE 9A, nº121, Coqueiro. Fone: (091) 3235-1844

* A

TEN

ÇÃ

O: C

opia

r é C

RIM

E. A

rt. 1

84 d

o có

digo

Pen

al e

Lei

5998

/73

8) Leia o texto de Paulo Ghiraldelli Jr e responda: qual a diferença entre Ética e Moral levando em consideração as esferas pública e privada de nossa sociedade ?

CAPÍTULO 2

A MORAL EM QUESTÃO

Ética e Metaética

Por Paulo Ghiraldelli Jr.

A investigação da ética remonta aos primórdios da atividade filosófica. Sócrates se caracterizou por fazer perguntas ético-morais. Todavia, foi Platão quem inventou a discussão ética, o que denominamos hoje de metaética. Enquanto campo de estudo e investigação, a ética se responsabiliza pela discussão das normas e regras de conduta e, portanto, tem como objeto as morais vigentes. A metaética, por sua vez, é um discurso de segunda ordem que se põe filosoficamente para validar ou não preceitos ético-morais vigentes. A metaética diz respeito a fundamentos e/ou justificativas da moral. Em termos acadêmicos atuais, as posições metaéticas formam três grandes guarda-chuvas: o naturalismo, o relativismo e o emotivismo. No âmbito propriamente ético, a tendência é dividir a 30 normatividade a partir de éticas do dever e éticas consequencialistas. A ética judaico-cristã e a Kantiana são do primeiro tipo, o utilitarismo é do segundo tipo.

Naturalismo A noção de “natureza humana” já desfrutou de muito mais prestígio do que hoje possui entre os filósofos. Todavia, no âmbito do senso comum, ainda é utilizada como um porto seguro. Uma boa parte das pessoas se tranqüiliza quando, diante do relato de uma situação vivida por outros ou por si mesma, a avaliação moral recebida vem junto à frase “ah, isso é normal, é próprio da natureza”. O que é um fato que pode ser classificado como “da natureza humana” serve, então, de fundamento ético para o comportamento moral – por mais esquisito que este possa parecer em um primeiro momento. A ideia básica nesse caso está lá no século XVII, especialmente na distinção entre fato e

valor estabelecida por David Hume (1711-1776). “A parede da sala é branca” é uma frase factual, enquanto que “A parede da sala é horrível” é uma frase valorativa. Sendo um fato da natureza humana pode, então, ser tido como normal e 60 indicado como o que deve ser aceito – afinal, quem estaria autorizado a mudar a natureza humana ?

David Hume. Filósofo e historiador escocês (1711-1776), considerado fundador da escola cética, o chamado Empirismo.

Um exemplo. Recentemente houve estupro de garotas (inclusive com mortes) e a explicação dada ao ocorrido foi que elas estavam usando a “pulseira do sexo”. A pulseira marca uma atividade de paquera – nela está escrito “beijo”, “abraço” etc. A garota que a usa estaria, em princípio, permitindo uma brincadeira junto aos colegas ou pretendentes; se eles arrancam a pulseira estão aptos a realizar o que está gravado no objeto. Nada além de uma brincadeira pré-adolescente, como era o “correio elegante”, o bilhete que meninos e meninas trocavam em festas escolares há alguns anos passados e que, talvez, ainda troquem hoje em dia. Nos Estados em que ocorreu o caso, as autoridades se preocuparam antes em proibir o uso da “pulseira do sexo” que condenar veemente o estupro e nele ficar. Assim, mais uma vez, a mulher foi punida duplamente. Nessa situação, ocorreu a conhecida posição que imputa culpa à 90 vítima. No limite, as mulheres que usam um adorno, no caso a “pulseira do sexo”, são responsabilizadas pelos ataques que vierem a sofrer de malfeitores. Elas não deveriam estar usando aquilo, pois, como concluíram as autoridades de modo completamente irracional, a

Vestibulares – PRISE – ENEM - Concursos

A educação desenha o futuro – Ensino Médio – Ética: filosofia moral – Prof. Ulisses Vasconcelos

Cid. Nova I, WE 9A, nº121, Coqueiro. Fone: (091) 3235-1844

* A

TEN

ÇÃ

O: C

opia

r é C

RIM

E. A

rt. 1

84 d

o có

digo

Pen

al e

Lei

5998

/73

pulseira seria o chamariz para o ataque. Em suma, as autoridades que assim pensaram não disseram, mas, certamente, estavam com a seguinte diretriz na cabeça: “É um fato da natureza humana que o homem se sinta excitado por mulheres que colocam a pulseira chamando para o sexo”. Alguns endossariam até mais: “É um fato da natureza humana que homens que são chamados para o sexo, uma vez rejeitados, ataquem”. Assim, a valoração moral da situação que terminou em estupro e, em alguns casos, em morte, é tomada de modo bem menos negativo que a princípio poderia parecer. Há um crime e, é certo, trata-se de um crime que as autoridades adoram chamar de “hediondo”, mas que, no caso, cai sob as graças da avaliação moral, pois, afinal, a atitude dos criminosos não fugiu do que pode ser derivado de um “fato da natureza humana”. Esta posição metaética é base para a fundamentação de avaliações morais. O filósofo George Moore (1873-1958) fez a melhor crítica dessa posição. Essa crítica apareceu como uma denúncia ao qual ele chamou de “falácia naturalista”. Ele não contestou a existência de uma “natureza humana”. Ele foi mais decisivo, pois questionou a legitimidade da derivação do “dever ser” a partir do “ser”. O que se pode tomar como algo que deveria ocorrer (ou não) não é algo que legitimamente se aponte a partir do que se mostra 30 como o que é. Um fato não está autorizado a gerar um dever. Um fato dito “da natureza humana” não está logicamente autorizado a dizer “o homem deveria ou poderia agir de um modo ou de outro”. Norma e valor não podem ser obtidos do fato. A linha entre norma (ou valor) e fato não traz a implicação legítima, traz uma relação que conduz a uma falácia (falso raciocínio). Não é difícil ver, no caso da “pulseira do sexo”, a falácia em que as autoridades dos lugares que proibiram o uso do objeto caíram. Relativismo A posição relativista, em uma formulação simplificada, diz que todos os enunciados que afirmam o certo e o errado não estão sob o crivo que deriva de uma autoridade universal e absoluta. É claro que uma posição como esta precisa ser discutida, pois ela não é o que se pode pensar dela inicialmente, uma posição de autorrefutação.

Pode-se afirmar legitimamente que há posições melhores e piores em moral, que somos capazes de decidir sob quais não viveríamos de modo algum e sob quais poderíamos, ainda que descontentes, optar por continuar vivendo. Na maioria das vezes, temos argumentação suficiente para dizer isso e convencer outros de nossa razoabilidade, mesmo que não tenhamos nada de 60 universal e menos ainda de absoluto para invocar em favor de nossa opção. O filósofo britânico Bertrand Russel (1872-1970) criticou os pragmatistas americanos de sua época, em especial William James e John Dewey, acusando-os de relativistas. Ele entendia os relativistas de uma maneira um pouco injusta, como os que podiam dar guarida a toda e qualquer ação ou enunciado. Nas discussões filosóficas sobre o relativismo, ele cai na berlinda, em geral, diante de Hitler. O genocídio dos judeus é a pedra de toque. Há para o relativista um modo de condenar o nazismo pelo Holocausto ? Ou o relativista é obrigado a confessar que entre a posição dos que estiveram no Tribunal de Nuremberg (ocorrido após a Segunda Guerra Mundial), acusando os nazistas ali julgados, e os próprios nazistas, não poderia haver diferença? Segundo alguns ultradireitistas, ainda hoje, os promotores de Nuremberg não tinham nenhum elemento nas mãos além daquele devolvido pelos nazistas a cada acusação, a saber, que eles estavam ali sendo julgados única e exclusivamente por terem perdido a guerra – não eram nem mais e nem menos criminosos que qualquer outro participante do conflito. A posição relativista é boa quando tem de justificar o que parece a uma cultura apenas idiossincracia de outra, e que, na verdade, tem lá 90 seu valor perante um bom contingente de pessoas cultas. O relativismo tem menos sorte quando é cobrado diante de ter de avaliar genocidas. O relativismo se complica mais, também, quando se coloca como base para as avaliações ético-morais a respeito de atitudes de grupos que colocam seus semelhantes, os mais desprotegidos, em situação de sofrer dor ou mesmo de morte. Acontecimentos recentes nas tribos brasileiras lembram bem isso. Há tribos que enterram vivas crianças com algum defeito físico ou mental. Não são tão diminutos os grupos de antropólogos ou indigenistas que, utilizando o argumento da importância do respeito à cultura dos povos, defendem tal prática.

Vestibulares – PRISE – ENEM - Concursos

A educação desenha o futuro – Ensino Médio – Ética: filosofia moral – Prof. Ulisses Vasconcelos

Cid. Nova I, WE 9A, nº121, Coqueiro. Fone: (091) 3235-1844

* A

TEN

ÇÃ

O: C

opia

r é C

RIM

E. A

rt. 1

84 d

o có

digo

Pen

al e

Lei

5998

/73

Mas o relativista sério sabe que o relativismo não se presta à legitimação de toda e qualquer prática. O relativismo implica em dizer que valores, práticas e enunciados não podem ser colocados, em princípio, fora do contexto da discussão racional por conta de qualquer lei “escrita nas estrelas”. Ou seja, tudo merece discussão. Até a barbárie merece ser discutida. No caso de barbáries horríveis – o Holocausto é a pedra de toque aqui –, nós não deixamos de discuti-la. Aliás, no Tribunal de Nuremberg foi dado aos nazistas o direito de defesa. Em determinado momento do julgamento, eles chegaram a levar vantagem diante da opinião pública. Só quando os filmes que eles próprios fizeram da morte de judeus chegaram a ser encontrados e exibidos durante o período de julgamento, para todos que formavam ali o júri, é que o promotor efetivamente ganhou força no caso. Muitos que viram as cenas não precisaram evocar nenhum princípio universal para ter argumentos contra eles. Aliás, depois da Segunda Guerra Mundial se elaborou uma nova Carta de defesa dos Direitos do Homem exatamente para se ter um parâmetro para uma futura jurisprudência, o que foi tomado por decisão histórica e, portanto, sem qualquer legitimidade outra que não a do desejo dos que a elaboraram de não ver a barbárie repetida sem que se pudesse dizer: “Isso nós não queremos”. 30

Tribunal de Nuremberg. Ocorrido após a Segunda Guerra Mundial, em Nuremberg, na Alemanha, julgou os nazistas que cometeram crimes durante a guerra, desde irregularidades contra o direito internacional até assassinatos em massa. De 1945 a 1949, 199 pessoas foram julgadas, sendo que, desse total, 21 eram líderes nazistas. Um dos réus mais famosos foi o braço direito de Adolf Hitler, Hermann Goering, que foi condenado à morte. No entanto, antes de a pena ser aplicada, ele cometeu suicídio na prisão.

Emotivismo O filósofo britânico Alfred J. Ayer, da linha dos positivistas lógicos, foi um dos principais defensores do emotivismo. Ele afirmou que todo e qualquer enunciado ético é sem sentido, não possui nenhum literalidade – é alguma coisa que expressa emoção e não fatos. Expressões de emoção, mesmo que sejam sentenças, foram tomadas por Ayer como equivalentes a grunhidos ou sorrisos e, por isso mesmo, não poderiam receber os adjetivos “falso” ou “verdadeiro”. Não estando no campo do que é literal, não pertenceriam ao âmbito do que pode ser verificado. Ora, sendo assim, mesmo que se coloque 60 um enunciado do tipo “a tortura é algo errado” em um documento solene como, por exemplo, a citada Carta da Defesa dos Direitos do Homem, há de se ter em mente que se trata de um enunciado não verificável. “A tortura é algo errado” equivale a um grito de emoção, algo como um “buuu” ou “iahhhaa”. Os filósofos norte-americano e britânicos que, entre toda a comunidade filosófica, são os mais familiarizados com essa doutrina, a denominaram de teoria ética do Boo/Hooray, lembrando que se alguém está dizendo algo a respeito de sentimentos está, efetivamente, grunhindo de modo a incentivar ou reprovar algo, com o único objetivo de mobilizar ou desmobilizar ações e conversas. Poder-se-ia aqui, no caso, também chamar Hitler ? Sim, claro ! Mas novamente há saídas. Dizer “buuu” para alguém pode não ser pouca coisa. Um grito de reprovação é um grito de reprovação e, uma vez no ar, identifica seu emissor. Ora, seu emissor pode, por si próprio, ter status moral suficiente para que outros digam “ele é uma pessoa razoável, não está aplaudindo tal enunciado e, então, vou considerar o que ele tem a argumentar sobre isso”. Podemos conversar horas, nesse caso, sem encontrarmos leis “escritas nas estrelas” para justificar o “buuu”, mas, na discussão, pode-se encontrar uma série de bons argumentos, sentimentais ou pragmáticos, que 90 indicam muito bem que não é razoável e nada bom ficar do lado do vaiado. Por exemplo, talvez possamos mesmo convencer um nazista, que não seja o próprio Hitler, que a democracia é melhor para a família dele e de seus filhos que o regime de força que ele adotou.

Vestibulares – PRISE – ENEM - Concursos

A educação desenha o futuro – Ensino Médio – Ética: filosofia moral – Prof. Ulisses Vasconcelos

Cid. Nova I, WE 9A, nº121, Coqueiro. Fone: (091) 3235-1844

* A

TEN

ÇÃ

O: C

opia

r é C

RIM

E. A

rt. 1

84 d

o có

digo

Pen

al e

Lei

5998

/73

Ética do Dever Um religioso guiado pelos Mandamentos é, antes de tudo, uma pessoa que segue um código ético-moral por dever. O nome já diz tudo: não se trata de sugestões para a vida e, sim, de ordens – mandamentos. O deus judaico-cristão não pede, ele manda. Ele pode mandar “por justiça”, como no Velho Testamento, ou por amor, como no Novo, mas que ele manda, ele manda. Sua autoridade para mandar vem, no Velho Testamento, dele próprio – ele falou o que era o correto para o povo judeu e, enfim, depois, por meio deste, para o homem em geral. No Novo Testamento, Deus se transformou em pai e, então, reordenou alguns princípios, repostos pelo discurso de Jesus. Nesse, ele falou o que era o correto para os judeus e sua autoridade passou a vir da ideia de que “o amor é a única lei”. Nos dois casos, o código moral a ser seguido é, antes de tudo, um conjunto normativo que seguimos porque devemos seguir. Com os modernos, em especial com o filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804), uma norma deveria ganhar valor moral caso pudesse ser identificada como um imperativo – o chamado “imperativo categórico”, assim posto: “Atue somente de acordo com aquela máxima que pode ser tomada como que deveria ser uma lei universal, ao mesmo tempo que se está 30 agindo”. Essa lei depende de um “fato da razão”: a liberdade. O homem não está preso a agir assim, ele age porque sua condição é a de ser livre. Ele se determina (autodetermina) a agir assim, segundo o imperativo, para poder agir moralmente, e isso não por sentimento (interesse ou inclinação) e, sim, por entender que a regra do imperativo categórico, uma vez não seguida, resultaria em uma contradição que gritaria ao seu ouvido racional. Que mundo pouco confortável (racionalmente) não seria aquele no qual o que não pode ser tomado como lei universal fosse a regra seguida por todos e aceita como correta ? O exemplo aqui é do próprio Kant: mentir por amor à humanidade não é um ato moral, pois a mentira como lei universal inviabilizaria nossa sociedade e a própria humanidade. Caso todos pudessem mentir e, ainda assim, ter respaldo moral para a mentira, isso institucionalizaria uma sociedade que, no limite, já não teria parâmetro para separar – moralmente, o que não é pouco – o que é o testemunho falso e o que é o verdadeiro.

Immanuel Kant (1724-1804). Filósofo alemão autor de uma importante obra sobre ética intitulada Crítica da Razão Prática.

Ética Consequencialista 60 Diferentemente da ética do dever, John Stuart Mill (1806-1873) advogou uma ética das conseqüências a partir de seu projeto denominado de utilitarismo. Sua idéia básica foi a de tornar indistintos felicidade e prazer, aceitando para tal um cálculo a respeito do prazer. O que causa dor e o que causa prazer foram postos em uma régua de máximos em pólos opostos, e o que é bom e, portanto, um valor ético-moral, é o que não traz dor alguma. Dessa forma, inicia-se no ponto não zero, positivo, do prazer. O mal é exatamente o que se inicia em sentido contrário. Uma régua desse tipo pode avaliar cada enunciado e cada ato, em suas conseqüências, como útil ou não para o homem. Indagados se isso não traria uma arbitrariedade muito grande no campo das decisões éticas, os utilitaristas responderam que essa régua não deveria ser posta em uso sem que se considerasse a humanidade, o coletivo. Todavia, ainda assim, a pergunta retornaria, pois os conflitos ético-morais aparecem não só entre indivíduos, mas, como já mostrei aqui, também a respeito de culturas – o que é o coletivo para o indivíduo. Apesar dessa objeção, o utilitarismo tem uma vantagem sobre os dois outros sistemas. Ele é menos rígido e, por isso mesmo, permite o que é essencial à Filosofia, ou seja, a discussão racional 90 e não apenas a decisão racional.

Vestibulares – PRISE – ENEM - Concursos

A educação desenha o futuro – Ensino Médio – Ética: filosofia moral – Prof. Ulisses Vasconcelos

Cid. Nova I, WE 9A, nº121, Coqueiro. Fone: (091) 3235-1844

* A

TEN

ÇÃ

O: C

opia

r é C

RIM

E. A

rt. 1

84 d

o có

digo

Pen

al e

Lei

5998

/73

Por exemplo, no caso dos índios que enterram crianças, um utilitarista iria fazer o que realmente foi feito por alguns estudiosos: saber se a dor criada por aquela situação seria exclusivamente da criança ou de outros também. O que se descobriu é que alguns irmãos e mesmo algumas mães preferiam fugir a enterrar seus filhos, pois a dor que sentiam era insuportável, mesmo diante do costume arraigado em séculos. Nesse caso, a régua moral utilitária diz que a própria tribo tenta sobreviver também por meio dos que não concordam com o costume, e estes fogem e sobrevivem, e não deixam de se considerar daquela tribo por terem optado pelo exílio nas mais duras condições da floresta. Dessa observação, a discussão racional reaparece exatamente porque as conseqüências não foram pré-julgadas, elas são repostas na mesa de conservação para os que estão observando o quadro.

J.S.Mill (1806-173). Filósofo e economista inglês, e um dos pensadores liberais mais influentes do século XIX. Foi um defensor do utilitarismo, a teoria ética proposta inicialmente por seu padrinho Jeremy Bentham.

Referência: 30 GHIRALDELLI JR., Paulo. A boa e velha ética. O conceito e suas derivações aplicados aos mais recentes casos noticiados pela mídia. Conhecimento Prático Filosofia. p. 54-60. São Paulo: escala educacional, 2010. (Adaptado por Ulisses Vasconcelos)

________________________________________

CAPÍTULO 3

CONCEPÇÕES ÉTICAS

ÉTICA CLÁSSICA Segundo Sócrates, Platão e Aristóteles

PLATÃO E ARISTÓTELES conviveram por 20 anos na Academia O pensamento de Sócrates (470-399 a.C.) marca o nascimento da filosofia clássica e, foi, posteriormente desenvolvido por Platão e Aristóteles. Sócrates não estava mais preocupado com a origem do cosmo (como as pessoas no 60 tempo da mitologia) nem com o elemento que seria a essência de tudo (como os pré-socráticos). Para ele, o fundamental era a reflexão sobre a vida da pólis (cidade-estado), os costumes e comportamentos. Juntos, esses fatores formam o que os gregos chamavam de ethos (estilo de vida). Sócrates é, então, o inventor da ética, pois foi o primeiro filósofo a questionar as ações humanas e os valores subjacentes a elas. Na mesma época de Sócrates, existiam os sofistas (mestres de retórica e oratória) que rejeitavam a tradição mítica ao considerar que os princípios morais resultam de convenções humanas. Embora na mesma linha de oposição aos fundamentos religiosos, Sócrates se contrapõe aos sofistas acreditando que aqueles princípios não se originam nas convenções, mas na natureza

Vestibulares – PRISE – ENEM - Concursos

A educação desenha o futuro – Ensino Médio – Ética: filosofia moral – Prof. Ulisses Vasconcelos

Cid. Nova I, WE 9A, nº121, Coqueiro. Fone: (091) 3235-1844

* A

TEN

ÇÃ

O: C

opia

r é C

RIM

E. A

rt. 1

84 d

o có

digo

Pen

al e

Lei

5998

/73

humana, ou seja, é natural do homem guiado pela razão. A concepção filosófica de Sócrates pode ser caracterizada como um método de análise conceitual. Isso pode ser ilustrado pela célebre questão socrática “O que é ...?”, através da qual se busca a definição de uma determinada coisa, geralmente uma virtude ou qualidade moral. Inúmeros são os diálogos de Platão (427-347 a.C.) em que são descritas as discussões socráticas a respeito das virtudes e da natureza do bem. Resulta daí a convicção de que a virtude se identifica com o conhecimento (com a sabedoria) e o vício com a ignorância. Para Sócrates, o homem só é mau porque ignora (desconhece) o bem. Portanto, a virtude pode ser aprendida. No diálogo Ménon, cujo tema é o ensinamento da virtude, encontramos uma célebre passagem a esse respeito (70a-72b): Ménon: Você pode me dizer, Sócrates, se a virtude é algo que pode ser ensinado ou que só adquirimos pela prática ? Ou não é nem o ensinamento nem a prática que tornam o homem virtuoso, mas algum tipo de aptidão natural ou algo assim ? Sócrates: (...) Você deve considerar-me especialmente privilegiado para saber se a virtude pode ser ensinada ou como pode ser 30 adquirida. O fato é que estou longe de saber se ela pode ser ensinada, pois sequer tenho idéia do que seja a virtude (...). E como poderia saber se uma coisa tem uma determinada propriedade se sequer sei o que ela é (...). Diga-me você próprio o que é a virtude. Este diálogo se desenrola quando Ménon oferece várias definições de virtude, recusadas entretanto por Sócrates, dizendo ele que mesmo as virtudes sejam muitas e de vários tipos, terão pelo menos algo em comum que faz de todas elas virtudes. O método socrático envolve um questionamento do senso comum, das crenças e opiniões que temos, consideradas vagas, imprecisas, derivadas de nossa experiência, e portanto parciais e incompletas. Nesse sentido a reflexão filosófica vai mostrar que, com freqüência, não sabemos aquilo que pensamos saber. Temos talvez um entendimento prático, intuitivo, imediato, que contudo se revela inadequado no momento em que deve ser tornado explícito. O método socrático revela a fragilidade

desse entendimento e aponta para a necessidade e a possibilidade de aperfeiçoá-lo através da reflexão. Ou seja, partindo de um entendimento já existente, ir além dele em busca de algo mais perfeito, mais completo: um conceito. Os sofistas, segundo Sócrates, não 60 ensinavam o caminho (o método) para o conhecimento, para a verdade única que resultaria desse conhecimento, mas para a obtenção de uma “verdade consensual” (convenção), resultado da persuasão da oratória. Sócrates descobriu o problema do conceito buscando definições corretas para valores morais, como amizade e coragem; Platão considerou o conceito como o conhecimento de uma ideia eterna e inata por parte da mente humana; Aristóteles reduziu-o ao conhecimento da essência. Na célebre passagem de A República, em que Platão descreve o mito da caverna, reaparece a ideia de Sócrates de que a virtude se identifica com a sabedoria: o sábio é o único capaz de se soltar das amarras que o obrigam a ver apenas sombras e, dirigindo-se para fora, contempla o sol, que representa a ideia do Bem. Portanto, “alcançar o bem” se relaciona com a capacidade de “compreender bem”. Só o filósofo atinge o nível mais alto de sabedoria, só a ele cabe a virtude maior da justiça e portanto lhe é reservada a função de governar. Outras virtudes menores, mas também importantes para a cidade, caberão aos soldados defensores da pólis e aos trabalhadores comuns, artesãos e comerciantes. Herdeiro do pensamento de Platão, Aristóteles (384-322 a.C.) aprofunda a discussão a respeito das questões éticas. Mas, para ele, o 90 homem busca a felicidade, que consiste não nos prazeres nem na riqueza, mas na vida teórica e contemplativa cuja realização coincide com o desenvolvimento da racionalidade. O que há de comum no pensamento dos filósofos gregos é a concepção de que a virtude resulta do trabalho reflexivo, da sabedoria, do controle racional dos desejos e paixões. Além disso, o sujeito moral não pode ser compreendido ainda, como nos tempos atuais, na sua completa individualidade. Os homens gregos são antes de tudo cidadãos, membros integrantes de uma comunidade, de modo que a ética se acha intrinsecamente ligada à política.

Vestibulares – PRISE – ENEM - Concursos

A educação desenha o futuro – Ensino Médio – Ética: filosofia moral – Prof. Ulisses Vasconcelos

Cid. Nova I, WE 9A, nº121, Coqueiro. Fone: (091) 3235-1844

* A

TEN

ÇÃ

O: C

opia

r é C

RIM

E. A

rt. 1

84 d

o có

digo

Pen

al e

Lei

5998

/73

Sócrates: conhecimento e felicidade

Por Ulisses da Silva Vasconcelos e Ricardo Eugênio Lima*

“Conhece-te a ti mesmo” estava escrito no pórtico do templo do deus Apolo. Esse enigma serviu como máxima para a vida de Sócrates. O pensador grego julgava que a felicidade não poderia estar ligada a coisas exteriores, mas residia no próprio homem que, guiado pela razão, viveria virtuosamente, e desse modo seria feliz. Assim, a felicidade seria a harmonia interior ou ordem espiritual. Sendo interior, ninguém ou nenhuma situação poderiam removê-la, tal como explica Platão, discípulo de Sócrates, no Fédon: “(...) e os mais felizes são aqueles cujas almas vão para os lugares mais agradáveis, os que sempre exerceram essa virtude social e civil que se chama temperança e justiça, que se formaram pelo costume e pelo exercício (...)”. Em outro texto, Apologia de Sócrates, Platão, ao escrever um diálogo em que critica a sociedade ateniense pela condenação de seu mestre, o apresenta como personagem. No diálogo, Sócrates pede àqueles que o julgavam: “Quando os meus filhinhos ficarem adultos, puni-os, ó cidadãos, atormentai-os do mesmo modo que eu os vos atormentei, quando vos parecer que eles cuidam mais das riquezas ou de outras coisas do que da virtude”. Como pai, Sócrates também desejava a 30 felicidade aos seus filhos e sabia que eles só poderiam encontrá-la dentro de si mesmos. Porém, qual caminho seguir ? A resposta para essa questão se encontra em outro texto platônico, Críton, no qual Sócrates, como personagem do diálogo, fala a seu amigo Críton, quando este tenta convencê-lo a fugir: “Temos, pois, de examinar se devemos proceder como queres ou não. Quanto a mim, não é de agora, sempre fui deste feitio: não cedo a nenhuma outra de minhas razões, senão à que minhas reflexões demonstram ser a melhor”. Você pode não concordar com a concepção socrática da felicidade, mas de qualquer modo, ao discordar, é preciso pensar e encontrar argumentos para construir a própria compreensão do que seja a felicidade e suas implicações, vivendo conscientemente e não passando pela vida sem saber o caminho percorrido. © *ULISSES VASCONCELOS. Graduado em Filosofia (Licenciatura e Bacharelado) e mestrando em Filosofia pela UFPA; RICARDO LIMA. Pedagogo, professor da Rede Estadual de Ensino do Ceará e aluno do 2º período de Filosofia da UERN.

_______________________________________________

AGORA É COM VOCÊ !

EXERCÍCIOS PROPOSTOS 60

1) Destaca-se no texto “Sócrates: conhecimento e felicidade” o conceito de racionalidade introduzido por Sócrates e difundido por Platão na cultura ocidental. Para Sócrates, o homem guiado pela razão é aquele que: a) valoriza os instintos humanos e reflete sobre eles racionalmente; b) valoriza a interioridade da razão que domina e imputa ordens às forças externas – e controla tudo o que lhe é contrário, principalmente os instintos; c) deixa perder a lucidez racional em oposição aos desejos; d) julga o valor da vida, separando o conhecimento sobre a aparência e o conhecimento sobre a essência, dando preferência ao primeiro; e) julga ser verdade a vida dos sentidos, e não a vida contemplativa por meio da interiorização. 2) Se, como entende Nietzsche (severo crítico da racionalidade socrática), Sócrates foi conivente como o veredicto de sua morte, e, como relata Platão na Apologia, ele não quis tentar uma fuga enquanto esperava a cicuta, então caminhou conscientemente à sua morte “para começar um novo dia”; uma outra fase da vida: a da liberdade da alma para encontro com a verdade. Com isto, surgiu na Grécia Antiga, ao assassinar o tipo trágico, o novo tipo de homem: o socrático – sistematizado e difundido na obra de Platão. (COSTA, Victor. Sócrates: o problema para Nietzsche. Ciência Vida FILOSOFIA. n. 47. São Paulo: escala, 2010.p.46) 90 Para o filósofo Nietzsche, o exemplo da vida de Sócrates mostra: a) o fim da tragédia grega pelo domínio da razão sobre os instintos; b) o início da tragédia grega pelo domínio dos instintos sobre a razão; c) “tornou-se o novo ideal, nunca antes contemplado, da nobre juventude grega: e o típico jovem heleno, Platão, foi o primeiro a lançar-se, com toda a ardente devoção de sua alma arrebatada, aos pés dessa imagem”. d) a prática da Filosofia socrático-platônica de valorar a vida. e) as alternativas a e c estão corretas. 3) Qual é o tema (central) conceitual correspondente ao socratismo e à moral ? a) a ética. b) o conhecimento sensitivo. c) a virtude. d) a alma. e) a justiça . 4) Segundo Nietzsche, tal como a eticidade socrática, a moral cristã nega o mundo sensorial, para, a partir de um mundo inteligível, poder afirmar a felicidade da alma humana. Esta felicidade, ou melhor, essa ética é orientada por uma dimensão teleológica (do grego telos = fim). A

Vestibulares – PRISE – ENEM - Concursos

A educação desenha o futuro – Ensino Médio – Ética: filosofia moral – Prof. Ulisses Vasconcelos

Cid. Nova I, WE 9A, nº121, Coqueiro. Fone: (091) 3235-1844

* A

TEN

ÇÃ

O: C

opia

r é C

RIM

E. A

rt. 1

84 d

o có

digo

Pen

al e

Lei

5998

/73

finalidade da alma, para a noção socrático-platônica, é libertar-se da matéria (do conhecimento através dos sentidos), e para a noção da moral cristã é libertar-se do pecado (da fruição dos instintos). Em ambas as noções não há afirmação de um tipo de homem que comporte a batalha entre princípios racionais e desejante. Há contudo, repulsa aos desejos humanos em favor da racionalidade, em favor da lógica de negação do mundo sensorial; em última instância: da negação da vida. (COSTA, Victor. Sócrates: o problema para Nietzsche. Ciência Vida FILOSOFIA. n. 47. São Paulo: escala, 2010.p.49) Em que ponto você concorda ou discorda da posição de Nietzsche ? Faça um breve comentário. ________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 5) Sobre a racionalidade moral de Sócrates, assinale a única alternativa incorreta: a) os princípios morais resultam do consenso entre os homens, e não da natureza humana. b) a tranqüilidade interior do homem honesto é superior à 30 morte. c) a finalidade da vida é a felicidade, que está na capacidade do homem de estabelecer para si mesmo, por meio do saber, suas próprias leis e regras de conduta. d) a sabedoria só pode ser resultado da percepção que temos da própria ignorância. e) é a dimensão biológico-cultural o maior obstáculo no caminho da perfeita realização espiritual. ________________________________________ ARISTÓTELES: A ÉTICA DA FELICIDADE

ARISTÓTELES (384-322 a.C.). Filósofo grego, discípulo de Platão, e autor de uma grande obra intitulada Ética a Nicômaco

Aristóteles dedicou boa parte de sua obra ao estudo de como o ser humano pode ser feliz vivendo em sociedade. Assim como Platão, esboçou um projeto político para solucionar esse problema, que conheceremos a seguir: “O homem”, afirma Aristóteles em A Política, “é naturalmente um animal político”. Político deve ser entendido como “participante da pólis”: uma das condições essenciais do ser humano é o fato de viver agregado a outros homens. Em outras palavras, para esse filósofo 60 um indivíduo vivendo sozinho é inconcebível: um homem absolutamente solitário ou auto-suficiente deixaria de ser homem – seria um “deus” ou uma “fera” – ou simplesmente não sobreviveria. Além disso, a pólis era para Aristóteles a melhor organização social possível, desde que fosse regida por critérios justos, que visassem ao bem comum. No mais, as Ciências práticas (a ética e a política) tinham a finalidade de buscar o aperfeiçoamento do seu agente, isto é, do homem. A aplicação dessas ciências, segundo Aristóteles, leva o desenvolvimento do ser humano na direção de uma existência melhor. Aristóteles definia a ética como a ciência que trata do caráter e da conduta dos indivíduos, e a política como os estudos que regem a existência dos homens vivendo numa comunidade auto-suficiente, no caso, a pólis. A doutrina aristotélica afirma que as duas são inseparáveis. Assim, a perfeição da personalidade individual (que se mostra através da honestidade, da honra, do respeito ao próximo, em suma, da virtude) é a finalidade almejada pela vida comunitária e pelas leis – e estas seriam os meios pelos quais se obtém aquele fim. Para Aristóteles, de fato, a felicidade não era apenas um estado emocional e passivo, mas sim uma atividade: o homem feliz era aquele que praticava incessantemente a virtude, sempre aperfeiçoando seu caráter. Esse seria o campo 90 específico da ética. No entanto, a conduta justa do indivíduo só teria sentido dentro da vida em sociedade. A política seria tão importante: para que o indivíduo possa ser virtuoso (ético e, portanto, feliz), é necessário haver uma organização política favorável para essa finalidade seja atingida. Qual é ela ? Para Aristóteles, é a pólis governada democraticamente, na qual todos os cidadãos se conheçam pessoalmente e façam parte de uma grande assembléia que governa a cidade, determinando seus destinos e redigindo leis que

Vestibulares – PRISE – ENEM - Concursos

A educação desenha o futuro – Ensino Médio – Ética: filosofia moral – Prof. Ulisses Vasconcelos

Cid. Nova I, WE 9A, nº121, Coqueiro. Fone: (091) 3235-1844

* A

TEN

ÇÃ

O: C

opia

r é C

RIM

E. A

rt. 1

84 d

o có

digo

Pen

al e

Lei

5998

/73

garantam uma existência digna para seus habitantes. Ser feliz é possível, mas dá bastante trabalho, segundo Aristóteles, que definiu felicidade como uma “certa atividade da alma realizada em conformidade com a virtude”. Em sua obra, Ética a Nicômaco, o filósofo garante que a eudaimonia (a palavra que designa felicidade, em grego) depende de nós mesmos e precisa ser buscada sempre; o meio para atingi-la seria a virtude que o homem possui naturalmente. Para Aristóteles, o homem busca a felicidade (o sumo bem), que consiste não nos prazeres nem na riqueza, mas na vida teórica e contemplativa, cuja plena realização coincide com o desenvolvimento da racionalidade. Para ser feliz, portanto, o homem deve viver de acordo com a sua essência, isto é, de acordo com a sua razão, a sua consciência reflexiva. E, orientando os seus atos para uma conduta ética, a razão o conduzirá à prática da virtude. (...) o que é próprio de cada coisa é, por natureza, o que há de melhor e de aprazível para ela. (...) para o homem a vida conforme a razão é a melhor e a mais aprazível, já que a razão, mais que qualquer outra coisa, é o homem. Donde se conclui que essa vida é também a mais feliz. (ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco)

Para Aristóteles, a virtude representa o 30 meio-termo, a justa medida de equilíbrio entre o excesso e a falta de um atributo qualquer. (...) a virtude deve ter a qualidade de visar ao meio-termo. Falo da virtude moral, pois é ela que se relaciona com as paixões e ações, e nestas existe excesso, carência e um meio-termo. (...) A virtude é, então, uma disposição de caráter relacionada com a escolha de ações e paixões, e consistente numa mediania, isto é, a mediania relativa a nós, que é determinada por um princípio racional próprio do homem dotado de sabedoria prática. (ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco)

Por exemplo, a virtude da prudência é o meio-termo entre a precipitação e a negligência; a virtude da coragem é o meio-termo entre a covardia e a valentia insana; a perseverança é o meio-termo termo entre a fraqueza de vontade e a vontade obsessiva. Uma vida autenticamente moral não se resume a um ato moral, mas é a repetição e continuidade do agir moral. Aristóteles afirmava que “uma andorinha, só, não faz verão” para dizer que o agir virtuoso não é ocasional e fortuito, mas deve se tornar um hábito, fundado no desejo de continuidade e na capacidade de

perseverar no bem. Ou seja, a verdadeira vida moral se condensa na vida virtuosa. Para Aristóteles, as necessidades fazem com que o homem sempre adapte uma virtude a 60 sua respectiva ação. Esse processo era chamado de variação entre ato e potência, ou seja, o homem é em ato algo no tempo presente, mas tem potencialidade para ser outro homem distinto. E assim por diante, até a morte. A busca pela felicidade, na visão de Aristóteles, seria uma eterna corrida, com vários obstáculos a serem superados, riscos a serem enfrentados e árduo trabalho, porém, sem garantias de que no final o objetivo máximo fosse alcançado. Para o filósofo grego, a felicidade é uma satisfação das necessidades e das aspirações mundanas e, ao atingi-la, outras necessidades surgirão para o homem; então, ele sempre estará nessa constante busca. Os filósofos, em toda a tradição da Filosofia Ocidental, aproximam a felicidade da sabedoria, afirmando sua ligação com a reflexão e a dependência da razão, da virtude, da moderação, em última análise, o elo íntimo da felicidade com a própria Filosofia. É o caso do filósofo grego Epicuro (341-270 a.C.), para quem o prazer contínuo seria a chave para uma vida feliz. Sua filosofia tinha uma finalidade prática, ajudando seus seguidores a encontrar o caminho para a felicidade através do prazer, que poderia ser traduzido não por uma indulgência sensual, mas pelo processo de moderação, leitura e introspecção da vida – o prazer do sábio, que tem 90 controle de si mesmo. Desta maneira, os temores seriam eliminados e os homens encontrariam o sossego necessário para uma vida alegre e aprazível. ________________________________________

Vestibulares – PRISE – ENEM - Concursos

A educação desenha o futuro – Ensino Médio – Ética: filosofia moral – Prof. Ulisses Vasconcelos

Cid. Nova I, WE 9A, nº121, Coqueiro. Fone: (091) 3235-1844

* A

TEN

ÇÃ

O: C

opia

r é C

RIM

E. A

rt. 1

84 d

o có

digo

Pen

al e

Lei

5998

/73

PARA REFLETIR ou FILOSOFAR

VIRTUDE: A EXCELÊNCIA EM PROL DA

FELICIDADE

A cada momento que utilizamos o melhor de nós, em justa medida, ficamos mais próximo do ápice do bem-estar

Por Rita Foelker* A virtude é um dos temas da Ética a Nicômaco – principal tratado de ética escrito por Aristóteles (384 – 322 a.C.) e supostamente dirigido a seu filho –, de onde foram extraídos os fragmentos abaixo. A palavra “virtude”, em um sentido ético, pode ser entendida como uma qualidade moral ou intelectual positiva do ser humano, que o leva a agir visando ao bem. Tal virtude em Aristóteles (areté) costuma ser traduzida como excelência moral e assim ele a define: “A excelência moral, então, é uma disposição da alma relacionada com a escolha de ações e emoções, disposição esta consistente num meio-termo (relativo a nós) determinado pela razão (a razão graças à qual um homem dotado de discernimento/prudência o determinaria). Trata-se de um estado intermediário, porque nas várias formas de deficiência moral há falta ou excesso do que é conveniente tanto nas emoções quanto nas ações, enquanto a excelência moral encontra e prefere o meio-termo (mesotés). 30 Logo, a respeito do que ela é, ou seja, a definição que expressa a sua essência, a excelência moral é um meio-termo, mas com referência ao que é melhor e conforme ao bem ela é um extremo”. (ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco) Duas formas de virtude estão presentes na Ética a Nicômaco: a virtude intelectual e a virtude moral. A virtude intelectual (dianóia) é representada principalmente pela sabedoria e pela prudência (phrónesis), adquiridas pela instrução e que trazem calma e tranqüilidade ao homem. A virtude moral é uma disposição de espírito ou hábito de escolher em todas as situações a justa medida que convém à nossa natureza. As pessoas que têm essa virtude desenvolvem a moderação e o bom-senso (sophrosýne). A felicidade é o fim último da virtude, não como objetivo do indivíduo, mas da polis, razão pela qual se pode dizer que, para Aristóteles, a ética está subordinada à política. Segundo David Ross (filósofo americano contemporâneo), “a virtude do Estado está conforme a virtude de seus cidadãos”. Não se trata, portanto, de um objetivo religioso nem divino, relacionado à vontade dos deuses, mas de construir uma vida social feliz e harmoniosa. A plenitude do ser humano A busca da ética é a busca do fim do próprio homem (Ética Teleológica). E este fim (télos), não se refere apenas a uma “finalidade” – como se costuma traduzir em português –, mas também a uma espécie de “plenitude”, o que reforça a idéia de que a excelência moral e a conduta ética constituem a realização do 60 grande e verdadeiro propósito de nossas vidas, nosso ponto máximo, nossa plenitude enquanto seres. O tratamento que Aristóteles confere ao tema da virtude moral nos permite perceber duas idéias em destaque: 1) as virtudes se transmitem pelo exemplo e 2) as virtudes são disposições de espírito que se concretizam em ações.

Diferentemente de Platão (427-347 a. C.), que considera a virtude como inata, ou seja, como uma qualidade que o indivíduo já traz consigo ao nascer, Aristóteles entende que ela somente pode ser adquirida como pode ser adquirida como um hábito (ethos). “(...) quanto à excelência moral, ela é o produto do hábito, razão pela qual seu nome é derivado, com uma ligeira variação, da palavra ‘hábito’. É evidente, portanto, que nenhuma das várias formas de excelência moral se constitui em nós por natureza, pois nada que existe por natureza pode ser alterado por hábito”. (ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco) O saber da virtude não é um saber discursivo, conceitual. É um saber prático: “As coisas que temos de aprender antes de fazer, aprendemo-las fazendo-as – por exemplo, os homens se tornam construtores construindo, e se tornam citaristas tocando cítara; da mesma forma, tornamo-nos justos praticando atos justos, moderados agindo moderamente, e corajosos agindo corajosamente” (ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco) Disso se pode deduzir que tal peculiaridade da virtude moral, certamente, reflete-se no modo de “ensiná-la”, que não 90 consiste em falar ou escrever sobre a excelência moral, mas em agir eticamente e, assim, influenciar o educando. A convivência com um agente virtuoso constitui o melhor meio de aprendizado. Considerando-se que, para Aristóteles, a virtude não é um bem do sujeito, ninguém nasce bom ou ruim. A virtude se relaciona diretamente a uma práxis (ação prática), e aquele que deixa de praticá-la também deixa de ser virtuoso. © * RITA FOELKER. É escritora e aluna da graduação em filosofia da Universidade São Judas Tadeu, SP. _____________________________________________________

PARA FIXAR

VIRTUDE: Virtude vem da palavra latina vir, que designa o homem, o varão. Virtus é “poder”, “potência” (ou possibilidade de passar ao ato). Virilidade está ligada à ideia de força, de poder. Virtuoso é aquele capaz de exercer uma atividade em nível de excelência (virtude se refere a idéia de força, de capacidade). Em moral, a virtude do homem é a força com a qual ele se aplica ao dever e o realiza. A virtude é a permanente disposição para querer o bem, o que supõe a coragem de assumir os valores escolhidos e enfrentar os obstáculos que dificultam a ação. Uma vida autenticamente moral não se resume a um ato moral, mas é a repetição e continuidade do agir moral. Aristóteles afirmava que “uma andorinha, só, não faz verão” para dizer que o agir virtuoso não é 120 ocasional e fortuito, mas deve se tornar um hábito, fundado no desejo de continuidade e na capacidade de perseverar no bem. Ou seja, a verdadeira vida moral se condensa na vida virtuosa.

Vestibulares – PRISE – ENEM - Concursos

A educação desenha o futuro – Ensino Médio – Ética: filosofia moral – Prof. Ulisses Vasconcelos

Cid. Nova I, WE 9A, nº121, Coqueiro. Fone: (091) 3235-1844

* A

TEN

ÇÃ

O: C

opia

r é C

RIM

E. A

rt. 1

84 d

o có

digo

Pen

al e

Lei

5998

/73

ÉTICA MODERNA Segundo Kant

Immanuel Kant (1724-1804). Filósofo alemão autor de uma importante obra sobre ética intitulada Crítica da Razão Prática (1788), que exporá a moralidade a partir da função prática da razão.

KANT: A ÉTICA DO DEVER MORAL

Analisando os princípios da consciência moral, Immanuel Kant (1724-1804) em suas obras intituladas Fundamentação da Metafísica dos Costumes (1785) e Crítica da Razão Prática (1788), concluiu que a vontade humana é verdadeiramente moral quando regida por imperativos categóricos. O imperativo categórico é assim chamado por ser incondicionado, absoluto, voltado para a realização da ação tendo em vista o dever. Por razão prática, Kant entende a razão na função de ditar à vontade a lei moral. Kant fundamentou a moral na autonomia da razão humana. Dessa forma ele recusou todas as éticas anteriores, fundamentadas em normas e valores de origens diversas (éticas heterônomas, ou seja, vindas de fora do sujeito, imposta por outras fontes que não a razão). Assim, para impedir que os indivíduos se deixem levar pelos 30 seus desejos, paixões ou motivos particulares, é a razão que deve indicar quais são os deveres e normas a serem seguidos de uma forma universal. Kant rejeita a concepção ética que norteia a ação moral a partir de condicionantes como a felicidade ou o interesse. Por exemplo, não faz sentido agir bem com o objetivo de ser feliz ou evitar a dor ou punição. A felicidade para Kant é um bem , mesmo que não seja considerada o

Summum bonum (bem supremo) como efetivamente o é para Aristóteles.

A LEI MORAL NÃO PODE TER SUA ORIGEM NA EXPERIÊNCIA – PRAZER, UTILIDADE, FELICIDADE ETC. –, MAS É CONDIÇÃO A PRIORI DA VONTADE.

O agir moralmente se funda exclusivamente na razão. A lei moral que a razão descobre é universal, pois não se trata de descoberta subjetiva (mas do homem enquanto ser racional), e é necessária, pois é ela que preserva a dignidade dos homens. Isso pode ser sintetizado nas seguintes afirmações do próprio Kant:

“Age de tal modo que a máxima de tua ação possa sempre valer como princípio universal de conduta” 60 OBEDECE A LEI PELA PRÓPRIA LEI. E NÃO POR OUTRO MOTIVO.

EXIGE VONTADE LIVRE.

AGINDO SOB O COMANDO DO IMPERATIVO CATEGÓRICO, UM INDIVÍDUO AGE SOB UM COMANDO LIVREMENTE AUTO-IMPOSTO SEM EXPERIMENTAR NENHUMA FORMA DE COERÇÃO EXTERNA. “Age sempre de tal modo que trates a humanidade, tanto na tua pessoa como na do outro, como fim e não apenas como meio”

EXIGE QUE SEJAMOS BENEVOLENTES.

PRINCÍPIO DO RESPEITO PELAS PESSOAS, COMO FORMULAÇÃO ALTERNATIVA DO IMPERATIVO CATEGÓRICO. A autonomia da razão para legislar supõe a liberdade (“independência da vontade com respeito à coação dos impulsos da sensibilidade”) e o dever (“necessidade de cumprir uma ação por respeito à lei”) . A noção do dever prende-se ao caráter inteligível (interno; da razão) e não 90 empírico (externo; da experiência sensível) do

Vestibulares – PRISE – ENEM - Concursos

A educação desenha o futuro – Ensino Médio – Ética: filosofia moral – Prof. Ulisses Vasconcelos

Cid. Nova I, WE 9A, nº121, Coqueiro. Fone: (091) 3235-1844

* A

TEN

ÇÃ

O: C

opia

r é C

RIM

E. A

rt. 1

84 d

o có

digo

Pen

al e

Lei

5998

/73

sujeito, vale dizer, à sua liberdade. Pois todo imperativo se impõe como dever, mas a exigência não é heterônoma – exterior e cega – e sim livremente assumida pelo sujeito que se autodetermina. Vamos exemplificar: Suponhamos a norma moral “não roubar”. Para Kant, a norma se enraíza na própria natureza da razão; ao aceitar o roubo e consequentemente o enriquecimento ilícito, elevando a máxima (pessoal) ao nível universal, haverá uma contradição: se todos podem roubar, não há como manter a posse do que foi furtado. Agir de acordo com o dever é, em última análise, agir de acordo com os princípios racionais. A formação da vontade conforme a razão é que produz a qualidade moral das ações humanas. Mas não basta, para uma ação ser considerada moralmente boa, que ela esteja de acordo com o dever. É preciso mais do que isso: é necessário que ela seja feita por dever. Ou seja, é necessário não apenas que a ação se conforme ao dever, mas também que o indivíduo reconheça naquele dever o princípio racional que o sustenta como tal. Essa intenção bem determinada em relação à aceitação e ao cumprimento do dever é o que ele designa boa vontade. Para Kant, a boa vontade é o que caracteriza a ação moralmente correta. 30 A boa vontade e o dever A inteligência, a faculdade de julgar, a coragem etc., não são coisas boas absolutamente; seu valor depende do uso que delas se faça. Cabe dizer o mesmo quanto à felicidade: não é um bem em si; pode mesmo ser uma fonte de corrupção para quem não dispõe de uma boa vontade. Até mesmo certas qualidades superiores, como o domínio de si ou a reflexão, não podem considerar-se verdadeiramente boas, salvo se estiverem ao serviço de uma boa vontade. Mas o que, afinal, torna uma vontade boa ? Não certamente, os seus êxitos, nem a aptidão para levar a bom termo os seus propósitos; é a própria natureza do querer. Qual é o conteúdo dessa boa vontade que seria boa em si mesma ? É o conceito de dever. Este, com efeito, contém em si o da boa vontade, mas acrescenta-lhe certos entraves subjetivos, provindos de nossa sensibilidade, os quais põem em relevo a boa vontade às voltas com certas

dificuldades. Poder-se-ia dizer até que a boa vontade é a vontade de agir por dever, mas não o agir conforme o dever por qualquer interesse ou inclinação sensível. Por exemplo, o comerciante que atende lealmente aos fregueses, age em conformidade com o dever, mas não por dever, se não tem em 60 vista senão o seu interesse bem compreendido. Do mesmo modo, a pessoa que leva uma vida feliz e se esforça em conservar a vida, age conformemente ao dever, pois a conservação da vida é um dever; mas não age por dever. Ao invés, quem se esforça por conservar uma vida a quem já não tem amor, este sim, age por dever. Ser benfazejo por prazer é, igualmente, agir conformemente ao dever, mas não por dever. Por outro lado, quem pratica a beneficiência, mesmo sem sentir-se inclinado a isso, possui um valor moral maior do que aquele que é benevolente por temperamento; e isto, no sentir de todos. Este valor maior lhe vem precisamente do fato de que “ele faz o bem, não por inclinação, mas por dever”. Para ter verdadeiro valor moral, não basta para Kant que a ação seja conforme ao dever; é mister, além disso, seja executada por dever. Agir sob a influência da sensibilidade, ainda que a ação seja concorde ao dever, é algo de patológico. Prático, ou moral, é só o que depende direta e exclusivamente da razão. “Assim devem, sem dúvida, ser compreendidos também os passos da Escritura, onde se ordena amar o próximo e até os inimigos. Com efeito, o amor, como inclinação, não pode ser comandado; mas praticar o bem por dever, quando nenhuma inclinação a isso nos incita, ou quando uma 90 aversão natural e invencível se opõe, eis um amor prático e não patológico, que reside na vontade, e não na tendência da sensibilidade, nos princípios da ação e não uma compaixão emoliente. Ora, é este o único amor que pode ser comandado”. (KANT. Fundamentação da Metafísica dos Costumes) Evidencia-se assim a oposição entre o ponto de vista da legalidade, ou da conformidade com a lei, e o ponto de vista da moralidade verdadeira, que reside na pureza da intenção. Eis, pois, um primeiro princípio: o valor moral de um ato reside na intenção. Um segundo princípio é o seguinte:

Vestibulares – PRISE – ENEM - Concursos

A educação desenha o futuro – Ensino Médio – Ética: filosofia moral – Prof. Ulisses Vasconcelos

Cid. Nova I, WE 9A, nº121, Coqueiro. Fone: (091) 3235-1844

* A

TEN

ÇÃ

O: C

opia

r é C

RIM

E. A

rt. 1

84 d

o có

digo

Pen

al e

Lei

5998

/73

“Uma ação cumprida por dever tira seu valor moral não do fim por ela deve ser alcançado, mas da máxima que a determina. Este valor não depende, portanto, da realidade do objeto da ação, mas unicamente do princípio do querer, segundo o qual a ação é produzida, sem tomar em conta nenhum dos objetos da faculdade apetitiva (de desejar). (KANT. Fundamentação da Metafísica dos Costumes) Não é o objeto que desejo atingir que faz o valor moral do meu ato, mas a razão pela qual eu quero atingi-lo. O mercador honesto é moral se é honesto por dever; carece de valor moral se é honesto por interesse. Por outras palavras, o valor moral do ato está na intenção, mas é preciso considerar a intenção prescindindo do fim visado, ou seja, unicamente como intenção de fazer o que se deve fazer. Desses dois princípios decorre a seguintes definição do dever: “O dever é a necessidade de cumprir uma ação por respeito à lei”. O homem necessita de móveis para poder agir; e como nenhuma ação procedende de um móvel tirado da sensibilidade merece ser qualificada por moral, não resta outro móvel para a ação de quem queira agir por dever senão o respeito à lei que lhe ordena cumprir o dever. É pois somente a representação da lei, num ser 30 racional, que pode determinar a boa vontade. Nesta altura surge, naturalmente, o problema de saber em que consiste essa lei: “cuja representação, sem qualquer espécie de consideração pelo efeito que dela se espera, deve determinar a vontade, para que esta possa ser denominada boa absolutamente e sem restrição” (KANT. Fundamentação da Metafísica dos costumes) Em toda lei pode-se considerar a forma, isto é, a universalidade do preceito, e o conteúdo, isto é, o objeto a ser colimado. Mas, como vimos, a ação moral não tira o seu valor do fim que se lhe propõe; vale dizer que a obediência à lei deve independer do conteúdo da lei. Portanto, para a vontade “nada mais resta do que a conformidade universal das ações a uma lei em geral que deva servi-lhe de princípio; noutros termos, devo portar-me de modo que eu possa também querer que minha máxima se torne em lei universal”. (KANT. Fundamentação da Metafísica dos costumes)

PARA REFLETIR ou FILOSOFAR

UMA ÉTICA ABAIXO DO CÉU

60 Por Valerio Rohden* Kant escreveu diversas obras de filosofia prática, entre as quais Fundamentação da Metafísica dos Costumes (1785), A Metafísica dos Costumes (1797) e Crítica da Razão Prática (1788). (...) Aqui só poderemos abordar sinteticamente alguns dos temas principais da Crítica da Razão Prática, a começar pelo título. “Prático” significa tudo o que se faz com base na liberdade e por obra dela. Ela chama-se igualmente de “crítica”, porque constitui a crítica a uma forma de razão que impede a prática da liberdade, ou seja, uma razão empírica. Uma razão pragmática e empírica é uma razão calculadora de interesses, com base em inclinações. A inclinação é o hábito de seguir o prazer. A propensão a elevar o prazer ou a inclinação a um princípio assume a denominação de princípio do amor de si ou da felicidade própria. Ética formal da liberdade A ética kantiana de maneira nenhuma é adversa à inclinação, ao prazer ou à felicidade – que constituem a matéria empírica de leis práticas. Nem tampouco existe forma sem matéria. Mas no momento em que é dada prioridade à matéria e não à forma, a razão torna-se heterônoma, isto é, determinada desde fora e não por si própria. Então, que fique marcado: o mal não reside nas inclinações, no prazer, na matéria, mas na própria máxima ou na própria razão que, contraditoriamente eleva a matéria ou a inclinação a princípio de si mesma. j A filosofia moral kantiana não se restringe – como 90 acontecia entre os antigos até a tradição racionalista anterior a Kant – a uma ética material da felicidade, mas se constitui como uma ética formal da liberdade. Enquanto tal, ela se apresenta como uma ética de princípios, fundada, com a exclusão de uma razão determinante empírica, em uma razão pura. Pura é uma razão que, sem mescla de interesses, se constitui como razão prática. Trata-se, pois, de uma razão livre ou, melhor, autônoma. Liberdade significa, negativamente, independência de determinações estranhas e, positivamente, autodeterminação. © * VALÉRIO ROHDEN é professor de filosofia da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra) e pesquisador do CNPq. ________________________________________

A CONSCIÊNCIA MORAL OU RAZÃO PRÁTICA

Por M. García Morente* Existe uma forma de atividade espiritual que podemos condensar no nome de “consciência moral”. A consciência moral contém dentro de si um certo número de princípios em virtude dos quais os homens regem sua vida. Ajustam sua conduta a esses princípios, e, de outra parte, tem neles uma base para formular juízos morais acerca de si mesmos e de quanto os rodeia. Essa consciência moral é um fato, um fato da vida humana, tão real, tão efetivo, tão inabalável como o fato do conhecimento. Nesse conjunto de princípios que constituem a consciência moral, encontra Kant a base que pode conduzir o homem à apreensão dos objetos metafísicos. A esse conjunto de 120 princípios de consciência moral dá Kant um nome. Ressuscita,

Vestibulares – PRISE – ENEM - Concursos

A educação desenha o futuro – Ensino Médio – Ética: filosofia moral – Prof. Ulisses Vasconcelos

Cid. Nova I, WE 9A, nº121, Coqueiro. Fone: (091) 3235-1844

* A

TEN

ÇÃ

O: C

opia

r é C

RIM

E. A

rt. 1

84 d

o có

digo

Pen

al e

Lei

5998

/73

para denominá-lo os termos de que se valeu para isso mesmo Aristóteles. Aristóteles chama a consciência moral e seus princípios “razão prática” (nous practikós). Kant ressuscita essa denominação, e ao ressuscitá-la e aplicá-la à consciência moral o nome de razão prática, faz precisamente para mostrar, para fazer patente e manifesto que na consciência moral atua algo que, sem ser a razão especulativa, se assemelha à razão. São também princípios racionais, princípios evidentes, dos quais podemos julgar por meio da apreensão interna de sua evidência. Portanto, pode chamá-lo legitimamente razão. Porém, não é a razão enquanto se aplica ao conhecimento (especulativa); não é a razão encaminhada a determinar a essência das coisas, aquilo que as coisas são, mas é a razão aplicada à ação, à prática, aplicada à moral. Pois bem. Uma análise desses princípios da consciência moral conduz Kant aos qualificativos morais; por exemplo, bom, mau, moral, imoral, meritório, pecaminoso etc. Estes qualificativos morais, estes predicados morais que nós muitas vezes costumamos estender às coisas, não convêm todavia as coisas. Dizemos que esta coisas ou aquela coisa é boa ou má; mas, em rigor, as coisas não são boas nem más, porque nas coisas não há mérito nem demérito. Por conseguinte, os qualificativos morais não podem predicar-se das coisas, que são indiferente ao bem e ao mal; só podem predicar-se do homem, da pessoa humana. Somente o homem, a pessoa humana é verdadeiramente digno de ser chamado bom ou mau.s As demais coisas que não são o homem, como os animais, os objetos, são aquilo que são, porém não são bons nem maus. Por que é o homem o único ser do qual pode, em rigor, predicar-se a bondade e a maldade moral ? Pois é porque o 30 homem realiza atos e na realização desses atos o homem faz algo, estatui uma ação, e nessa ação podemos distinguir dois elementos: aquilo que o homem faz efetivamente e aquilo que quer fazer. Feita esta distinção entre aquilo que faz e aquilo que quer fazer, notamos imediatamente que os predicados bom, mau, os predicados morais, não correspondem tampouco àquilo que o homem faz efetivamente, mas corresponde estritamente àquilo que quer fazer. Se uma pessoa comete um homicídio involuntário, por exemplo, este ato evidentemente é uma grande desgraça, porém não pode qualificar-se de bom nem de mau aquele que o cometeu. Não, pois, ao conteúdo efetivo; não, pois à matéria do ato que convêm os qualificativos morais de bom ou mau, mas à vontade mesma do homem. Esta análise conduz à conclusão de que a única coisa que verdadeiramente pode ser boa ou má é a vontade humana. Uma vontade boa ou uma vontade má.

IMPERATIVO HIPOTÉTICO E IMPERATIVO CATEGÓRICO

Então o problema que se apresenta é o seguinte: que é, em que consiste a vontade boa ? Que chamamos uma vontade boa ? Aprofundando-se nesta direção, Kant adverte que todo ato voluntário se apresenta à razão, à reflexão, na forma de um imperativo. Com efeito, todo ato, no momento de iniciar-se, de começar a realizar-se, aparece à consciência sob a forma de mandamento: há que se fazer isto, isto tem que ser feito, isto deve ser feito, faz isto. Essa forma de imperativo, que é a rubrica geral em que se contém todo ato imediatamente possível, especifica-se segundo Kant em duas classes de imperativos; os que ele chama 60 imperativos hipotéticos e os imperativos categóricos. A forma lógica, a forma racional, a estrutura interna do imperativo hipotético, é aquela que consiste em sujeitar o mandamento, ou imperativo mesmo, a uma condição. Por exemplo: “Se queres sarar de tua doença, toma o remédio”. O imperativo é “toma o remédio”; porém esse imperativo está limitado, não é absoluto, não é incondicional, antes está colocado sob a condição “de que queiras sarar”. Se me respondes, “Não quero sarar”, então não é válido o imperativo. O imperativo “Toma

o remédio” é, pois, válido somente sob a condição de que “queiras sarar”. Pelo contrário, outros imperativos são categóricos: justamente aqueles em que a imperatividade, o mandamento, o mandado, não está colocado sob condição nenhuma. O imperativo então impera, comanda, como diz Kant, incondicionalmente, absolutamente; não relativa e condicionalmente, mas de um modo total, absoluto e sem limitações. Por exemplo: os imperativos da moral costumam formular-se desta maneira, sem condições: “Honra teus pais”, “Não mates outro homem”, enfim, todos os mandamentos morais bem conhecidos. A qual desses dois imperativos corresponde o que chamamos moralidade ? Evidentemente, a moralidade não é o mesmo que a legalidade. A legalidade de um ato voluntário consiste em que a ação seja conforme e esteja ajustada à lei. Porém, não basta que uma ação seja conforme e esteja ajustada à lei para que seja moral; não basta que uma ação seja legal para que seja moral. Para que uma ação seja moral é mister que aconteça algo não na ação mesma e na sua concordância com a lei, mas no instante que antecede à ação, no ânimo ou vontade daquele daquele que a executa. Se uma pessoa ajusta perfeitamente seus 90 atos à lei, porém os ajusta à lei porque teme o castigo, consequentemente ou apetece a recompensa conseguinte, então dizemos que a conduta íntima, a vontade íntima dessa pessoa não é moral. Para nós, para a consciência moral, uma vontade que se resolve a fazer o que faz por esperança de recompensa ou por temor de castigo, perde todo o valor moral. A esperança de recompensa e o temor do castigo menoscabam a pureza do mérito moral. Pelo contrário, dizemos que um ato moral tem pleno mérito moral quando a pessoa que o realiza determinou-se a realizá-lo unicamente porque esse é o ato moral devido. Se agora traduzimos isto à formulação, que antes explicávamos, do imperativo hipotético e do imperativo categórico, advertimos desde já que os atos em que não há a pureza moral exigida, os atos em que a lei foi cumprida por temor do castigo ou por esperança de recompensa, são atos nos quais, na interioridade do sujeito, o imperativo categórico tornou-se habilmente imperativo hipotético. Em lugar de escutar a voz da consciência moral, que diz “Obedece a teus pais”, “Não mates teu próximo”, este imperativo categórico converte-se neste outro hipotético: “se queres que não te aconteça nenhuma coisa desagradável, se queres não ir ao cárcere, não mates teu próximo”. Então o determinante aqui foi o temor; e esta determinação de temor tornou o imperativo (que na consciência moral é categórico) um imperativo hipotético; e o tornou hipotético ao colocá-lo sob essa condição e transformar a ação num meio para evitar tal ou qual castigo ou para obter tal ou qual recompensa. Então diremos que para Kant uma vontade é plena e realmente pura, moral, valiosa, quando suas ações estão regidas por imperativos autenticamente categóricos. Se agora quisermos formular isto em termos tirados da 120 lógica, diremos que em toda ação há uma matéria, que é aquilo que seser faz ou aquilo que se omite, e há uma forma, que é o por que se faz ou o por que se omite. E então a formulação será: uma ação denota uma vontade pura e moral quando é feita não por consideração ao seu conteúdo empírico, mas simplesmente por respeito ao dever, quer dizer, como imperativo categórico e não como imperativo hipotético. Mas este respeito ao dever é simplesmente a consideração à forma do “dever”, seja qual for o conteúdo ordenado nesse dever. E essa consideração à forma pura proporciona a Kant a fórmula conhecidíssima do imperativo categórico, ou seja, a lei moral "universal, que é a seguinte: “Age de maneira que possas querer que o motivo que te levou a agir seja uma lei universal”. Esta exigência de que a motivação seja lei universal vincula inteiramente a moralidade à pura forma da vontade, não ao seu conteúdo. © * García Morente, M. Fundamentos de filosofia; lições preliminares. p.252-255. ____________________________________________________________

Vestibulares – PRISE – ENEM - Concursos

A educação desenha o futuro – Ensino Médio – Ética: filosofia moral – Prof. Ulisses Vasconcelos

Cid. Nova I, WE 9A, nº121, Coqueiro. Fone: (091) 3235-1844

* A

TEN

ÇÃ

O: C

opia

r é C

RIM

E. A

rt. 1

84 d

o có

digo

Pen

al e

Lei

5998

/73

PARA FIXAR

DOUTRINAS MORAIS FUNDAMENTAIS: TELEOLOGIA E DEONTOLOGIA

TELEOLOGIA: Doutrina ética cujos princípios repousam principalmente na avaliação de modos de agir e condutas que se conformam a um determinado fim (telos) a ser alcançado e tido como um bem, seja ele a felicidade (pretende que o motivo central de nossas decisões e ações é a busca da felicidade) – a excelência humana (o sumo bem) –, ou mesmo o prazer. Aqui é concedida uma prioridade ao conceito de bem. Principais representantes: - Aristóteles (384-322 a.C.): o homem busca a felicidade, que consiste não nos prazeres nem na riqueza, mas na vida teórica e contemplativa cuja realização coincide com o desenvolvimento da racionalidade.

- Epicuro (341-270 a.C.): principal representante dos hedonistas (do grego hedoné, “prazer”). O bem se encontra no prazer. Considera que os prazeres do corpo são causas de ansiedade e sofrimento. Para permanecer impertubável, a alma precisa desprezar os prazeres materiais, o que leva Epicuro a privilegiar os prazeres espirituais, 30 dentre os quais aqueles referentes à amizade. DEONTOLOGIA: Doutrina ética que privilegia, entre as prioridades da interação pessoal, a conformidade a certas normas de caráter obrigatório e universal, onde a idéia de respeito recíproco assume um valor intrínseco, revestindo-se da dignidade de um dever moral a ser cumprido. Aqui é concedida uma prioridade ao conceito de justiça.

Principal representante: - Immnuel Kant (1724-104): “O respeito, e não o prazer ou a fruição da felicidade, é pois algo para o qual nenhum sentimento precedente, posto como fundamento da razão, é possível (porque este seria sempre estético e patológico); a consciência do constrangimento imediato da vontade pela lei (imperativo categórico) dificilmente é um análogo do sentimento de

prazer porque, em relação à faculdade de desejar, produz justamente o mesmo sentimento, mas a partir de fontes diferentes; porém só mediante este modo de representação se pode alcançar o que se procura, a saber, que as ações têm lugar não apenas em conformidade com o dever (em conseqüência de sentimentos agradáveis), mas por dever, o que tem de ser o verdadeiro fim de toda formação moral”. 60 (KANT. Crítica da Razão Prática).

LEIS NATURAIS E LEIS MORAIS

(Instituídas pelos homens para regular suas relações)

LEIS NATURAIS: leis nas quais todo o ser vivo está submetido. Necessariamente nascemos, vivemos e morremos, como todos os demais animais. As leis naturais não estão subordinadas à nossa vontade. Para o empirista inglês David Hume (1711-1776), “a lei natural é resultado de uma experiência fixa e inalterável”. Assim, todos nós estamos submetidos a leis naturais invariáveis cuja descoberta precisa e a redução ao mínimo possível constituem os objetivos dos cientistas. LEIS MORAIS: O reino das leis morais é o reino da práxis, no qual as ações são realizadas racionalmente não por necessidade causal, mas segundo a nossa vontade. Apesar de existirem milhares de leis ou regras morais que variam de sociedade para sociedade, segundo Kant (1724-1804) o dever é uma forma que deve valer para toda e qualquer ação moral. Assim, o dever é o respeito à lei ou ao imperativo categórico, que ordena incondicionalmente a razão (de forma absoluta), e vale, sem exceção, para todas as 90 circunstâncias das ações verdadeiramente morais. O imperativo categórico é uma lei moral universal.

PRINCIPAIS JUSTIFICAÇÕES PARA AS NORMAS MORAIS

PERSPECTIVA RELIGIOSA: os valores das normas morais são considerados transcendentes, porque resultam de doação divina, o que determina a identificação do homem moral com o homem temente a Deus.

Vestibulares – PRISE – ENEM - Concursos

A educação desenha o futuro – Ensino Médio – Ética: filosofia moral – Prof. Ulisses Vasconcelos

Cid. Nova I, WE 9A, nº121, Coqueiro. Fone: (091) 3235-1844

* A

TEN

ÇÃ

O: C

opia

r é C

RIM

E. A

rt. 1

84 d

o có

digo

Pen

al e

Lei

5998

/73

PERSPECTIVA JUSNATURALISTA: a norma moral se funda na lei natural (teses jusnaturalistas). Para os teóricos jusnaturalistas, como Rousseau, ela se funda no direito natural, comum a todos os homens. PERSPECTIVA EMPIRISTA: a norma moral se funda no interesse (teses empiristas, que explicam a ação humana como busca do prazer e evitação da dor). Para os empiristas, como Locke e Condillac, a norma deriva do interesse próprio, depois o sujeito que a desobedece será submetido ao desprazer, à censura pública ou à prisão. PERSPECTIVA KANTIANA: a norma moral se funda na própria razão. Para Kant, a norma se enraíza na própria natureza da razão. Por exemplo, ao aceitar o roubo e consequentemente o enriquecimento ilícito, elevando a máxima (pessoal) ao nível universal, haverá uma contradição: se todos podem roubar, não há como manter a posse do que foi furtado. ________________________________________

AGORA É COM VOCÊ !

Exercícios Propostos 01) A palavra “ética” tem origem em dois termos 30 gregos que, pela falta de uma letra em língua portuguesa para designar como fonema distinto o “e” longo e o “e” curto, são referidos como ethos. Os sentidos que mais bem expressam os significados destes termos são: a) finalidade e dever; b) costumes e normas; c) bem e dever; d) costumes e caráter. 02) O que ‘realmente justifica’ a Ética ser denominada “Filosofia Prática” é a ocupação desta disciplina filosófica com a reflexão: a) dos costumes e comportamentos humanos; b) da razão e sensibilidade humana; c) das leis naturais que instituem a moral humana; d) dos valores éticos-morais que fundamentam a ação prática (práxis) humana.

03) “(...) há duas espécies de virtude, a intelectual e a moral. A primeira deve, em grande parte, sua geração e crescimento ao ensino, e por isso requer experiência e tempo; ao passo que a virtude moral é adquirida em resultado do hábito, de onde e seu nome se derivou, por uma pequena modificação dessa palavra1”. (ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Livro II) 1

Do grego: ethos, e sua derivação ethiké. 60

Em relação a ética de Aristóteles, podemos afirmar: a) trata-se de uma deontologia, pois visa a felicidade; b) é baseada nas virtudes dianoéticas que dependem do hábito; c) tem por finalidade última o exercício da virtude da justiça; d) considera a instrução e o hábito fundamentais para a virtude. 04) Aristóteles, em Ética a Nicômaco, afirma que a natureza dá ao homem duas armas: a prudência e a virtude. Acerca da phronesis, que pode ser traduzida como prudência ou discernimento, o filósofo afirma que: a) é uma qualidade racional que leva à verdade no tocante às ações relacionadas aos bens humanos; b) é uma virtude moral que leva ao meio-termo entre duas formas de deficiência moral; c) é impossível ser uma virtude intelectual porque não é conhecimento científico nem arte; d) é a virtude intelectual que permite contemplar a idéia de bem e aplicá-la às situações humanas. 05) De acordo com a ética aristotélica, o Bem supremo é: a) Deus, sumamente bom e poderoso que concede a graça da fé aos que poderão encontrá-lo em sua 90 própria alma. b) a liberdade, característica do eu puro de ultrapassar a causalidade da natureza e forjar seu próprio destino; c) a boa vontade, regida pela consciência moral, que se submete ao dever na obediência aos imperativos; d) a felicidade, buscada por todos os homens, e que necessita ser conquistado numa atividade dirigida pela razão; e) a vontade de poder, que se realiza no eterno retorno e na possibilidade de superar os valores do cristianismo.

Vestibulares – PRISE – ENEM - Concursos

A educação desenha o futuro – Ensino Médio – Ética: filosofia moral – Prof. Ulisses Vasconcelos

Cid. Nova I, WE 9A, nº121, Coqueiro. Fone: (091) 3235-1844

* A

TEN

ÇÃ

O: C

opia

r é C

RIM

E. A

rt. 1

84 d

o có

digo

Pen

al e

Lei

5998

/73

06) Em sua obra Ética a Nicômaco, Aristóteles sintetiza as virtudes que constituíam a excelência moral grega. Assinale a alternativa em que a virtude, o vício por excesso e o vício por falta estão corretos: a) amizade – bufonaria – grosseria. b) coragem – temeridade – covardia . c) moderação – exagero – insensibilidade. d) liberalidade – luxúria – insensibilidade. 07) “A filosofia de Aristóteles pode parecer uma catedral abandonada, uma construção a ser visitada aos domingos, a respeito da qual perguntaria, com certa curiosidade, que pessoas a teriam habitado. Um exame mais atento da filosofia do nosso século, porém, atesta o contrário. Aristóteles foi continuamente discutido, analisado, debatido, e isto nas mais diferentes correntes, em momentos decisivos de suas elaborações. Em particular, a ética aristotélica ocupa uma posição privilegiada nos atuais debates sobre a moral. A razão disso consiste muito provavelmente no fato de que a ética contemporânea buscou atenuar os elementos demasiadamente rígidos que herdou do que podemos considerar a ética por excelência da época moderna – o formalismo kantiano. As reflexões de Aristóteles sobre a ação, a moral e a razão foram corretamente vistas por um bom número de autores como podendo servir de 30 contrapeso a esta herança”. (Marco Zincano. Prefácio. In: Hobuss João. Eudaimonia auto-suficiência em Aristóteles. Pelotas: Ed. Universitária, UFPel, 2002, p. 9 (com adaptações)

A partir do texto acima e de conhecimento acerca da ética clássica, assinale a opção correta: a) a ética de Kant é uma atualização da ética aristotélica. b) a ética contemporânea reconhece a necessidade de recorrer à ética de Aristóteles, pois seus conceitos parecem-lhe mais apropriados do que os da ética moderna. c) a filosofia aristotélica é um edifício em ruína, relevante somente para fins arqueológicos. d) a ética é o estudo das normas clássicas de convivência social. 08) Aristóteles, em Ética a Nicômaco, afirma que existem duas formas de virtude (qualidade intelectual ou moral positiva do ser humano, que o leva a agir visando o bem): a virtude intelectual

(dianóia) e a virtude moral. Sobre a virtude moral, podemos afirmar: a) é representada principalmente pela sabedoria e pela prudência (phrónesis), adquiridas pela instrução e que trazem calma e tranqüilidade ao homem; b) é uma disposição de espírito ou hábito de 60 escolher em todas as situações a justa medida que convém à nossa natureza; c) é considerada como inata, ou seja, como uma qualidade que o indivíduo já traz consigo ao nascer; d) é uma disposição de espírito que se concretiza em ações e hábitos, porém não pode ser transmitida pelo exemplo. 09) “(...) quanto à excelência moral, ela é o produto do hábito, razão pela qual seu nome é derivado, com uma ligeira variação, da palavra ‘hábito’. É evidente, portanto, que nenhuma das várias formas de excelência moral se constitui em nós por natureza, pois nada que existe por natureza pode ser alterado por hábito”. O texto acima foi extraído da obra de Aristóteles Ética a Nicômaco, e pode ser compreendido como este filósofo é contrário: a) ao inatismo de Platão; b) a análise conceitual de Sócrates; c) a ideia de virtude como excelência moral; d) a ideia de que a essência da excelência moral é um meio-termo (mesotés). 10) “Age de tal modo que a máxima de tua ação possa sempre valer como princípio universal de conduta”. (IMPERATIVO CATEGÓRICO. Immanuel Kant, filósofo alemão do século XVIII) 90 Esta frase de Kant traduz os princípios fundamentais da ética kantiana e significa que: Assinale a(s) alternativa(s) correta(s): a) devemos agir sempre pensando em nós mesmos, sem nos importar com os outros; b) devemos sempre agir pensando nos outros, sem nos importar com nós mesmos; c) nossa ação deve sempre estar fundamentada em nossos desejos, exclusivamente; d) nossa ação deve ser racionalmente decidida, de forma que possa valer para todos e não apenas para nós mesmos. e) nossa ação deve ser decidida instintivamente, de forma tal que valha tanto para nós mesmos como também para todos os outros.

Vestibulares – PRISE – ENEM - Concursos

A educação desenha o futuro – Ensino Médio – Ética: filosofia moral – Prof. Ulisses Vasconcelos

Cid. Nova I, WE 9A, nº121, Coqueiro. Fone: (091) 3235-1844

* A

TEN

ÇÃ

O: C

opia

r é C

RIM

E. A

rt. 1

84 d

o có

digo

Pen

al e

Lei

5998

/73

11) O conceito de dever, na ética kantiana, significa: a) a necessidade de realizar uma ação conforme a lei moral, relacionando-a com um objeto da faculdade de desejar; b) a ação objetivamente prática, isto é, a coincidência entre a intenção do agente e os efeitos da ação; c) a ação objetivamente prática, isto é, a coincidência entre a máxima que determina a vontade e a lei moral; d) a necessidade de realizar uma ação por respeito à lei moral, sem relação com a motivação da vontade. 12) Com relação à boa vontade em Kant, podemos dizer que ela é a única coisa que podemos considerar como um bem em si mesmo. Sendo assim, é correto dizer que a boa vontade: a) é algo que podemos notar através das atitudes e dos resultados das ações alheias; b) pode ser resumida na vontade de agirmos por dever; c) depende de uma série de circunstâncias empíricas que a direcionem; d) nos impele a escutarmos o que o nosso coração tem a nos dizer, nos tornando mais sensíveis. 13) A separação entre a ética kantiana e as outras é claríssima. Enquanto todas as outras concepções 30 morais – com exceção da estóica (Kant reapresenta, por meio do imperativo categórico, os conceitos de autonomia estoicistas, delimitando a liberdade individual em conexão com a sua universalidade) – especialmente o hedonismo (defendia a busca do prazer como o segredo da felicidade), o utilitarismo e o eudemonismo, se fundam num imperativo hipotético (p.ex., se queres ser feliz, bem sucedido etc., observa esta lei), a moral de Kant funda-se num imperativo absoluto, categórico: deves obedecer sempre à lei, prescindindo de qualquer preocupação com o útil ou o prejudicial. De acordo com o texto acima, podemos dizer que a concepção ética kantiana é chamada de: a) Teleológica; b) Jusnaturalista; c) Deontológica; d) Empirista; e) Estoicista.

14) Segundo os estóicos, o mundo era governado por um determinismo implacável do qual não se podia fugir, e a receita da felicidade estava em aceitar o que a vida nos dava. Uma anedota ajuda a compreender esse ponto de vista. Dizem que Zenão (336 – 264 a.C.), criador do estoicismo, castigava um escravo por sua falta quando argumentou que não tinha culpa, pois, segundo a 60 filosofia de seu senhor, ele estava condenado, por toda a eternidade, a cometer aquela falta. Zenão replicou que, da mesma forma, ele estava destinado a bater no escravo. Epicuro (341 – 270 a.C.) discordaria dessa visão determinística e argumentaria que nós mesmos somos guias de nosso destino, pois podemos formá-lo com nosso raciocínio. Aqui temos a ideia de Epicuro de que o homem é livre e responsável sobre seu próprio destino. A música de Raul Seixas Um Messias Indeciso poderia exemplificar bem a visão epicurista sobre o destino: “Quem faz o destino é a gente, na mente de quem for capaz”. (Por Ivan Carlo A. de Oliveira. Mestre em comunicação pela Universidade Metodista de São Paulo e professor universitário em Macapá) Analise reflexivamente o texto acima e faça um breve comentário sobre liberdade e determinismo, concordando ou discordando dessas duas posições. Resuma o seu comentário. ________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________90 ________________________________________________________________________________ 15) “Encontro-me em grave apuro e me pergunto se posso fazer uma promessa falsa, isto é, uma promessa que não pretendo cumprir. A prudência me aconselha a que não a faça, em vista das conseqüências desfavoráveis que uma promessa pode me acarretar. Mas, se me abstenho por mera prudência, não se pode dizer que esteja agindo moralmente. Ser sincero por medo de alguma conseqüência desfavorável e ser sincero por dever são duas coisas muito diferentes”. (PASCAL, Georges. Compreender Kant. 2. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2005.p.123)

Vestibulares – PRISE – ENEM - Concursos

A educação desenha o futuro – Ensino Médio – Ética: filosofia moral – Prof. Ulisses Vasconcelos

Cid. Nova I, WE 9A, nº121, Coqueiro. Fone: (091) 3235-1844

* A

TEN

ÇÃ

O: C

opia

r é C

RIM

E. A

rt. 1

84 d

o có

digo

Pen

al e

Lei

5998

/73

Diante das duas situações apresentadas no texto acima e com base na concepção ética kantiana, assinale a alternativa que contém a máxima pessoal que corresponde ao imperativo categórico (lei da moralidade): a) “é lícito, por prudência, tirar-me de uma dificuldade com promessas mentirosas”. b) “é lícito, por dever, tirar-me de uma dificuldade com promessas mentirosas”. c) “não devo fazer promessas mentirosas para não perder o crédito quando se descobrir o meu procedimento”. d) “não fazer promessas mentirosas por dever deve valer como lei universal (tanto para mim como para os outros)”. e) “ tirar-me de uma dificuldade por meio de uma promessa mentirosa deve valer como lei universal”. 16) “Uma pessoa, por uma série de desgraças, chegou ao desespero e sente tédio da vida, mas está ainda bastante em posse da razão para poder perguntar a si mesma se não será talvez contrário ao dever para consigo mesma atentar contra a própria vida. E procura agora saber se a máxima da sua ação se poderia tornar em lei universal da natureza. A sua máxima, porém, é a seguinte: Por amor de mim mesmo, admito como princípio que, se a vida, prolongando-se, me ameaça mais com desgraças do que me promete alegrias, devo 30 encurtá-la”. (KANT. Fundamentação da Metafísica dos Costumes)

De acordo com a concepção ética kantiana, e supondo que tal maneira de pensar (a máxima apresentada no texto) se transforme em lei universal da natureza, assinale a alternativa incorreta: a) não poderia de forma alguma dar-se como lei universal da natureza. b) é absolutamente contrária ao princípio supremo de todo o dever. c) por amor de si mesmo, é perfeitamente possível que uma lei universal da natureza possa subsistir segundo aquela máxima. d) conservar a vida, não por amor de si mesmo, mas por dever, deve ser a máxima sem contradição com a lei universal da natureza. e) com o suicídio infringimos a lei moral com a ideia de estarmos apenas abrindo uma exceção em nosso favor.

17) “(...) um hipotético dono de mercearia, ao deparar com um comprador inexperiente, uma criança, por exemplo, não cobra um preço maior do que o praticado normalmente. Essa ação foi realizada por dever ? Kant dirá: depende. Caso o merceeiro tenha feito isso para não perder outros fregueses – já que o fato de cobrar mais caro de 60 uma criança poderia chegar ao conhecimento de seus fregueses, e incomodá-los – a ação tem uma intenção egoísta, e foi realizada com base em um cálculo da relação entre meios e fim (“não vendo por um preço mais alto para não perder fregueses”). Caso o dono da mercearia tenha agido por dever, ele se comportou de um ponto de vista estritamente racional”. (Por Maurício Keinert. Doutor em Filosofia pela USP).

No exemplo dado, é possível perceber, que segundo a ética kantiana, é incorreto afirmar: a) as ações humanas reguladas por meio de uma intenção egoísta, não podem se caracterizadas como livres, pois estão ancoradas em inclinações (desejos, intenções, impulsos). b) uma ação por dever não está fundada na conseqüência da ação, no objeto do querer, mas no princípio formal e racional (ligado à intenção) que a determina. c) para pensar uma ação por dever, é necessário pensar em um princípio formal da vontade, que deve ser compreendido como uma lei da razão (“dever é a necessidade de uma ação por respeito à lei”). d) o uso prático da razão, na sua relação com a vontade, é dependente de um fator empírico; sendo assim, a própria lei racional poderá ter um conteúdo predeterminado. 90 18) Segundo a ética kantiana, a “ação moral” é definida por meio do(a): a) virtude somente. b) virtude e da felicidade. c) interesse e do imperativo hipotético. d) razão e do imperativo categórico. e) direito natural. 19) O imperativo categórico kantiano (“Devo proceder sempre de maneira que eu possa querer também que a minha máxima se torne uma lei universal”) está vinculado: a) ao dever, a uma obrigação imposta pela razão. b) a uma ação possível como um meio de alcançar um determinado fim. c) a regras de destreza ou conselhos de prudência.

Vestibulares – PRISE – ENEM - Concursos

A educação desenha o futuro – Ensino Médio – Ética: filosofia moral – Prof. Ulisses Vasconcelos

Cid. Nova I, WE 9A, nº121, Coqueiro. Fone: (091) 3235-1844

* A

TEN

ÇÃ

O: C

opia

r é C

RIM

E. A

rt. 1

84 d

o có

digo

Pen

al e

Lei

5998

/73

d) às conseqüências da ação – do objeto do querer – e do contexto em que são utilizados. e) ao arbítrio humano sob a influência de impulsos sensíveis. 20) Kant trata da questão da caridade no exemplo a seguir: “Se uma pessoa ajuda outra porque se sente bem com isso, porque isso a torna mais feliz, há uma intenção egoísta por trás de sua ação”. O que denota que esta ação: a) não foi realizada por dever. b) é livre e inteiramente de boa vontade. c) é moralmente correta. d) é determinada pela razão. e) não se baseia em um fator empírico. ________________________________________

CAPÍTULO 5

LIBERDADE E DETERMINISMO

INTRODUÇÃO Quando nos referimos ao conceito de liberdade, podemos fazê-lo a partir de diversas perspectivas. No sentido mais comum, uma 30 pessoa livre é aquela que pensa e age por si própria, não é constrangida a fazer o que não deseja nem é escrava ou prisioneira. Mas podemos considerar liberdade em outros sentidos mais amplos, por exemplo, no âmbito da política, da economia, das leis, da sociedade, dos espaços específicos em que os indivíduos se relacionam entre si no exercício do poder, dos negócios, do direito, no convívio pessoal. Embora esses campos tenham suas características próprias, em

todos eles perpassa a ideia de liberdade ética, que diz respeito ao sujeito moral, capaz de decidir com autonomia em relação a si mesmo e aos outros. Sabemos que, assim como somos determinados pela natureza, somos submetidos à regras sociais que determinam nosso comportamento desde o nosso nascimento. É preciso considerar os dois pólos contraditórios do pessoal e do social como uma relação dialética, ou seja, uma relação em que se estabeleça o tempo todo a discussão da implicação recíproca entre determinismo e liberdade, entre aceitação e recusa da interdição. O QUE É DETERMINISMO ? Segundo o determinismo científico, tudo que existe tem uma causa, ou seja, todo efeito tem uma causa. O mundo explicado pelo princípio do determinismo é o mundo da necessidade, e não o 60 da liberdade. Necessário significa tudo aquilo que tem de ser e não pode deixar de ser. Nesse sentido, necessidade é o oposto de contigência, que significa “o que pode ser de um jeito ou de outro”. Exemplificando: se aqueço uma barra de ferro (causa), ela se dilata (efeito), pois a dilatação é necessária, no sentido de que é um efeito inevitável, que não pode deixar de ocorrer. No entanto, é contingente que neste momento eu esteja usando roupa vermelha ou amarela. Como vimos, do ponto de vista moral, somos determinados a herdar os valores do grupo social a que estamos inseridos, mas a dimensão social da moral passa pelo crivo da dimensão pessoal. Ou seja, somos livres, e enquanto seres capazes de agir de forma autônoma, podemos alterar ou modificar totalmente essas regras, caso contrário, as regras seriam eternamente válidas. No campo moral, é importante refletirmos neste item: se nossas ações e decisões dependem apenas do nosso querer (da nossa vontade), da nossa liberdade, ou são definidas e determinadas por condições que nos obrigam a agir independentemente de nossa escolha consciente ? CONTINGÊNCIA OU ACASO A liberdade é a capacidade para darmos um sentido novo ao que parecia fatalidade, transformando a situação de fato numa realidade 90 nova, criada por nossa ação. Essa ação transformadora, que torna real o que era somente

Vestibulares – PRISE – ENEM - Concursos

A educação desenha o futuro – Ensino Médio – Ética: filosofia moral – Prof. Ulisses Vasconcelos

Cid. Nova I, WE 9A, nº121, Coqueiro. Fone: (091) 3235-1844

* A

TEN

ÇÃ

O: C

opia

r é C

RIM

E. A

rt. 1

84 d

o có

digo

Pen

al e

Lei

5998

/73

possível e que se achava apenas latente como possibilidade, é o que faz surgir uma obra de arte, uma obra de pensamento, uma ação heróica, um movimento anti-racista, uma luta contra a discriminação sexual ou de classe social, uma resistência à tirania e a vitória contra ela. O possível não é pura contingência ou acaso. O necessário não é fatalidade bruta. O possível é o que se encontra aberto no coração do necessário e que nossa liberdade agarra para fazer-se liberdade. Nosso desejo e nossa vontade não são incondicionados, mas os condicionamentos não são obstáculos à liberdade e sim o meio pelo qual ela pode exercer-se. Se nascemos numa sociedade que nos ensina certos valores morais – justiça, igualdade, veracidade, generosidade, coragem, amizade, direito à felicidade – e, no entanto, impede a concretização deles porque está organizada e estruturada de modo a impedi-los, o reconhecimento da contradição entre o ideal e a realidade é o primeiro momento da liberdade e da vida ética como recusa da violência. O segundo momento é a busca das brechas pelas quais possa passar o possível, isto é, uma outra sociedade que concretize no real aquilo que a nossa propõe no ideal.

(Marilena Chauí, do livro Introdução à Filosofia, editora Ática) 30 ________________________________________

A liberdade como questão filosófica Filosoficamente, a questão da liberdade se apresenta na forma de dois pares de opostos:

1 – o par Necessidade – Liberdade. 2 – o par Contingência – Liberdade.

O par necessidade – liberdade também pode ser formulado em termos religiosos, como fatalidade – liberdade, e em termos científicos, como determinismo – liberdade. * Necessidade: é o termo empregado para referir-se ao todo da realidade, existente em si e por si, que age sem nós e nos insere em sua rede de causas e efeitos, condições e conseqüências. * Fatalidade: é o termo usado quando pensamos em forças transcendentes superiores às nossas e que nos governam, queiramos ou não. * Determinismo: é o termo empregado, a partir do século XIX, para referir-se às relações causais

necessárias que regem a realidade conhecida e controlada pela ciência e, no caso da ética, para referir-se ao ser humano como objeto das ciências naturais (química e biologia) e das ciências humanas (sociologia e psicologia), portanto, como 60 completamente determinado pelas leis e causas que condicionam seus pensamentos, sentimentos e ações, tornando a liberdade ilusória. O par contingência – liberdade também pode ser formulado pela oposição acaso – liberdade. Contingência ou acaso significam que a realidade é imprevisível e mutável, impossibilitando deliberação e decisão racionais, definidoras da liberdade. Num mundo onde tudo acontece por acidente, somos como um frágil barquinho perdido num mar tempestuoso, levado em todas as direções, ao sabor das vagas e dos ventos. Necessidade, fatalidade, determinismo significam que não há lugar para a liberdade, porque o curso das coisas e de nossa vida já está fixado, sem que nele possamos intervir. Contingência e acaso significam que não há lugar para a liberdade, porque não há curso algum das coisas e de nossa vida sobre o qual pudéssemos intervir.

(Marilena Chauí, do livro Ensino Médio/2ª Série, editora SER Abril Cultural)

PARA REFLETIR ou FILOSOFAR

Thomas Hobbes (1588 – 1679): Para este filósofo, o Direito de natureza, direito natural ou jusnaturalismo é o 90 conjunto de regras que se supõem existir em decorrência da própria natureza do homem, ou da natureza em geral, e que, por isso, independem de qualquer legislação feita pelo homem, opondo-se, portanto, ao conceito de direito positivo, que é o conjunto de regras estabelecidas pela sociedade. Hobbes faz, no Leviatã (seu livro mais conhecido), uma distinção interessante entre direito de natureza e lei da natureza: “embora os que têm tratado deste assunto costumam confundir jus e lex, o direito e a lei, é necessário distingui-los um do outro. Pois o direito consiste na liberdade de fazer ou de omitir, ao passo que a lei determina ou obriga a uma dessas duas coisas. De modo que a lei e o direito se distingue tanto como a obrigação e a liberdade, as quais são incompatíveis quando se referem à mesma matéria. A lei natural seria, assim, uma regra imperativa, mesmo que decorrente da natureza das coisas”. (CHALITA, Gabriel. Vivendo a filosofia. Volume único. São Paulo: Ática, 2005. p. 210)

Vestibulares – PRISE – ENEM - Concursos

A educação desenha o futuro – Ensino Médio – Ética: filosofia moral – Prof. Ulisses Vasconcelos

Cid. Nova I, WE 9A, nº121, Coqueiro. Fone: (091) 3235-1844

* A

TEN

ÇÃ

O: C

opia

r é C

RIM

E. A

rt. 1

84 d

o có

digo

Pen

al e

Lei

5998

/73

Jean-Jacques Rousseau (1712-1778): Este filósofo queria uma sociedade em que as pessoas fossem apenas livres e iguais, mas também soberanas, isto é, que tivessem um papel ativo dentro do contexto geral. Para isso, além de um contrato justo, seria preciso ensiná-las a ser livres (realizar o que o coração manda), autênticas (reconhecer e mostrar verdadeiros sentimentos) e autônomas (conduzir o próprio destino). E essa tarefa de “civilizar a civilização” deveria partir da educação das crianças. O filósofo se dedicou a ela escrevendo um tratado pedagógico em forma de romance cujo título é Emílio, o nome da personagem principal. A tese fundamental de Rousseau é a de que o homem é naturalmente bom mas foi corrompido pela sociedade.

(CHALITA, Gabriel. Vivendo a filosofia. Volume único.

São Paulo: Ática, 2005. p. 282)

____________________________________________________________ LIBERDADE EM HOBBES, MAQUIAVEL,

LOCKE E ROUSSEAU: Filósofos apostam no exercício da crítica como

única forma de ser livre. ________________________________________

HÁ RECOMPENSA POSSÍVEL PARA QUEM RENUNCIA À LIBERDADE ?

Por José Antonio Rodrigues Porto* 30 Dizer que “renunciar à liberdade é renunciar à qualidade de homem” exige que expliquemos o que é liberdade e de que maneira ela participa da definição de ser humano a que Jean Jacques Rousseau (1712-1778) nos remete quando faz essa afirmação. O problema do delineamento do campo da liberdade humana deve-se aos restritos limites impostos à liberdade, tanto pela necessidade quanto pela contigência. Na vida cotidiana, o homem é oprimido por situações adversas, contra as quais nada pode fazer, pois essas são regidas por regras obrigatórias, tanto naturais quanto culturais, que independem da vontade humana para alterar-lhes o rumo ou direção. Essas regras são, assim sendo, necessárias, e os homens se vêem impotentes para lutar contra elas. Temos clara amostra delas, tanto nas ciências quanto nas religiões. Para a maior parte dos cientistas do final do século XIX, as leis da natureza eram invariáveis, podendo ser medidas por instrumentos muito precisos e independendo da vontade de quem realizava a experiência. Hoje em dia, podemos até fazer chover, mas as leis que regem a chuva são próprias da natureza e ao cientista basta apenas saber aplicá-las. Alguns cientista mais radicais do fim do século XIX e início do século XX, conhecidos por fisicistas, acreditavam na inteira determinação dos seres humanos, inclusive dos seus pensamentos, sentimentos e ações de acordo com a configuração física de seus corpos (genótipo) e dos estímulos externos a que eram submetidos. Tal linha de pensamento é conhecida por determinismo e tem no 60

fatalismo a sua contraparte religiosa. No fatalismo existem forças transcendentes, superiores às nossas, que nos governam, quer queiramos ou não. Tanto no fatalismo quanto no determinismo a liberdade é meramente ilusória. Outro modo de refletir sobre a realidade, que deixa pouca margem para a liberdade, é aquele no qual todos os acontecimentos são atribuídos ao acaso, isto é, tudo é imprevisível e mutável, impossibilitando qualquer tipo de decisão ou escolha por parte do ser humano. Seremos, então, todos impotentes e a liberdade humana mera ilusão ? Seremos apenas peças no jogo dos deuses, subjugados à Moiras e à Fortuna ?

A Liberdade para Aristóteles É em Aristóteles (384-322 a.C.) que encontramos o primeiro teórico da liberdade. Para ele, a liberdade se opõe ao que é condicionado externamente (necessidade) e ao que acontece sem escolha deliberada (contingência). Aristóteles distingue as ações voluntárias e involuntárias. As involuntárias ocorrem por compulsão (força externa) ou ignorância , ou seja, aquelas em que o “princípio motor se encontra fora de nós e para o qual em nada contribui a pessoa que age e que sente a paixão” . As voluntárias, em contraposição, são todas aquelas ações nas quais o princípio motor está no próprio agente. Aristóteles vai mais além, de forma a tornar a análise mais precisa, e distingue as ações voluntárias entre aquelas em que há escolha e aquelas em que não há. As ações guiadas unicamente pelas paixões não são ações orientadas por escolha, pois se assim fossem, os 90 próprios animais escolheriam, o que Aristóteles não pode aceitar. A escolha, portanto, “envolve um princípio racional e o pensamento”. Entretanto, não acaba aí a busca aristotélica. Há ainda que se pesquisar o que pode ser objeto de deliberação. Aristóteles nos mostra que só podemos deliberar sobre coisas que estão ao nosso alcance e que, efetivamente, podem ser realizadas . Assim, podemos dizer que na concepção aristotélica a liberdade é o princípio que rege a escolha voluntária e racional entre alternativas possíveis.

A liberdade para Hobbes e

o Contrato Social no direito civil

Thomas Hobbes e o seu leviatã

Thomas Hobbes (1588-1679) acrescentou à definição aristotélica mais uma restrição, qual seja, que nosso poder de escolha entre possíveis não é incondicional,

Vestibulares – PRISE – ENEM - Concursos

A educação desenha o futuro – Ensino Médio – Ética: filosofia moral – Prof. Ulisses Vasconcelos

Cid. Nova I, WE 9A, nº121, Coqueiro. Fone: (091) 3235-1844

* A

TEN

ÇÃ

O: C

opia

r é C

RIM

E. A

rt. 1

84 d

o có

digo

Pen

al e

Lei

5998

/73

depende do nosso poder para realizá-los. Isso quer dizer que nossa escolha é condicionada pelas circunstâncias naturais, psíquicas, culturais e históricas em que vivemos . Note-se que isso não é o mesmo que ser guiado pela necessidade, o que seria novamente perda total da liberdade, ao contrário, o possível se encontra no seio da necessidade, mas de alguma forma temos o poder de alterar-lhe o curso, sob certas condições. Os limites para a liberdade humana são, desse modo, tanto internos quanto externos. Nesse sentido, podemos dizer que a “a liberdade é a consciência simultânea das circunstâncias existentes e das ações que, suscitadas por tais circunstâncias nos permitem ultrapassá-las” . Apesar de nos movermos no mundo da necessidade e da contingência – isto é, de não escolhermos as condições e circunstâncias materiais que nos cercam, nem mesmo as coisas imprevisíveis que nos podem acontecer – podemos, contudo, mudar o rumo de determinados acontecimentos em certas condições, surgindo um campo de possibilidades objetivas, dentro do qual a liberdade humana é real. Nicolau Maquiavel (1469-1527) expressou de forma bem clara essa concepção quando disse: “’Já que nosso livre-arbítrio não desapareceu, julgo possível ser verdade que a fortuna seja árbitro de metade de nossas ações, mas que também deixe ao nosso governo a outra metade, ou quase”. “Onde não há lei não há liberdade” – um paradoxo ? Anteriormente, definimos liberdade como sendo o princípio que rege a escolha voluntária e racional entre alternativas possíveis. Vimos, também, que sendo a escolha um processo racional, o princípio de liberdade deve ser 30 exclusivamente humano. Como todos os homens só são livres quando agem movidos unicamente por si mesmos, a dificuldade da conciliação entre liberdade e sociedade reside no fato de que nas sociedades os homens estão submetidos às leis e, portanto, o motor de suas ações é externo. Thomas Hobbes, na introdução do seu Leviatã, diz claramente que o principal objetivo de qualquer sociedade civil é a segurança de seu povo, Salus Populi, e que, para tanto devem ser adotadas leis que expressem a vontade artificial do corpo político. Para Hobbes, apesar de pequenas diferenças, a natureza fez os homens tão iguais em capacidade que nenhum deles pode aspirar a qualquer benefício que o outro também não possa. Disso segue que homens que possuam as mesmas esperanças possam, muitas vezes, disputar os mesmos objetos, pois esses são os únicos meios de alcançarem os seus fins. Quando isso acontece, um homem verá o outro como um inimigo e o tratará como tal. Ora, como todos os homens são iguais, basta que algum deles perceba um único outro homem como inimigo para que infira todos os demais como igualmente adversários, formando assim um estado de desconfiança geral, pois todos eles são capazes da mesma inferência. “Desta igualdade quanto à capacidade deriva quanto à esperança de atingirmos nossos fins. Portanto, se dois homens desejam a mesma coisa, ao mesmo tempo em que é impossível ela ser gozada por ambos, eles tornam-se inimigos”. Um estado de tamanha insegurança levará esses homens, que também são igualmente prudentes, a conceberem que é muito mais sensato atacar antes de ser atacado, o que é, inclusive, justificado como questão de 60 sobrevivência, pois não se pode manter uma posição defensiva indefinidamente. Um tal estado não pode ser descrito de forma mais exata do que um estado de guerra de

todos contra todos, em que os homens igualmente só podem ter uma vida solitária, pois não confiam em ninguém; uma vida pobre, pois não há tempo para se produzir riquezas ; sórdida e embrutecida, pois só visam a luta; e curta, pois qualquer descuido pode resultar em morte. Em tal estado não há sociedade, portanto, não há leis comuns que regulem o justo e o injusto, ou, nem mesmo, o meu e o teu. Não há lugar para qualquer tipo de desenvolvimento material, pois o fruto do trabalho nunca é seguro. Um tal estado, segundo Hobbes, só pode ser mediante outras paixões que superem as anteriores, pois não é uma faculdade da razão do homem hobbesiano regular as paixões. Estas paixões são três: a) medo da morte violenta, b) desejo das coisas necessárias a uma vida confortável, e c) esperança de consegui-las através do trabalho. A superação de um estado tão terrível só pode se dar por meio de um acordo firmado com base em um contrato entre os homens. Mas o que é um contrato ? Contrato é a “transferência mútua de direitos” Direito é “a liberdade que todo homem possui para utilizar em suas faculdades naturais em conformidade com a razão reta”. Logo, devemos saber quais direitos o homem possui em seu estado natural e que, ao firmar um contrato, transferirá para outro. Todo homem tem o direito natural, jus naturale, que é a liberdade que cada homem possui de usar seu próprio poder, da maneira que quiser, para a preservação de sua própria vida; consequentemente, como “o direito ao fim 90 confere o direito aos meios necessários para aquele fim”, tem também o direito de fazer tudo aquilo que julgar necessário para alcançá-lo. Logo, todos terão iguais direitos a todas as coisas, o que é absurdo e inútil, pois ninguém poderá usufruir coisa alguma, pois não há diferença entre o meu e o teu. O Estado natural hobessiano é, portanto, um estado de tanta igualdade (faculdades e direitos) e liberdade entre os homens, que as liberdades individuais acabam se anulando umas às outras por falta de limites claros que as distingam. É somente através da cessão desse direito a todas as coisas, através de um contrato, que o homem natural poderá superar esse estado em que não tem como usufruir a liberdade que possui. Entretanto, como a sociedade não objetiva a preservação da liberdade, mas a segurança do povo, o Estado civil hobessiano se caracterizará pela perda total da liberdade, o que não contraditório, pois como o direito a todas as coisas não pode ser exercido de fato, os indivíduos não perdem nada e ainda ganham, entre outras coisas, a segurança necessária à preservação de suas vidas. O Estado civil hobbesiano se caracteriza, portanto, por uma cessão total de direitos que todos os homens contratam entre si em favor de um terceiro – homem ou assembléia –, que por não participar do contrato, deteria todos os seus direitos, submetendo todos à sua vontade – que “terá tanto poder que, pelo terror que este suscita, poderá conformar as vontades dos particulares à unidade e à concórdia”. A vontade do corpo político é a vontade do soberano que, como tem o poder de fazer as leis, se encontra acima delas. Só o soberano é realmente livre no Estado hobessiano. 120

Vestibulares – PRISE – ENEM - Concursos

A educação desenha o futuro – Ensino Médio – Ética: filosofia moral – Prof. Ulisses Vasconcelos

Cid. Nova I, WE 9A, nº121, Coqueiro. Fone: (091) 3235-1844

* A

TEN

ÇÃ

O: C

opia

r é C

RIM

E. A

rt. 1

84 d

o có

digo

Pen

al e

Lei

5998

/73

Liberdade para Locke: liberdade natural e civil

JOHN LOCKE (1632-1704) Muito embora a doutrina hobessiana tenha influenciado sobremaneira os pensadores de sua época, felizmente não atingiu o mesmo êxito na prática. Nesse sentido, se faz necessário a análise da liberdade nos escritos de John Locke (1632-1704), outro pensador do século XVII, que influenciou e fundamentou a política de seu tempo, tendo seguidores até os dias de hoje. Encontramos a melhor exposição sobre liberdade na sua obra Dois tratados sobre o governo, no capítulo referente à escravidão. Nele, Locke define as liberdades natural e civil: liberdade natural “consiste em estar livre de qualquer poder superior sobre a Terra e em não estar submetido à vontade ou à autoridade legislativa do homem, mas ter por regra apenas a lei da 30 natureza”, e liberdade civil “consiste em não estar submetido a nenhum outro poder legislativo senão àquele estabelecido no corpo político mediante consentimento, nem sob o domínio de qualquer vontade ou sob a restrição de qualquer lei afora as que promulgar o legislativo, segundo o encargo a este confiado”. Analisando a definição de liberdade natural, nota-se que como todos os homens estão somente submetidos à lei da natureza, o Estado de natureza lockiano é um Estado onde há igualdade. Essa igualdade se dá porque todos os seres humanos adultos e sadios têm na razão a faculdade que permite o acesso a lei natural, que em parte alguma se encontra escrita. Parece, pois, que a lei natural impõe ao homem que viva segundo a regra da razão e da equidade, donde podemos concluir que todos os homens nascem iguais e livres, tal qual em Hobbes, mas de maneira muito diversa, pois, para Locke, a razão “ensina a todos aqueles que a consultam que, sendo todos iguais e independentes, ninguém deveria prejudicar a outrem em sua vida, saúde, liberdade ou posses”. O ponto mais importante aqui é que a liberdade do homem já se encontra, mesmo no estado de natureza, limitada pela razão. Muito embora os limites possam não ser claros para todos os homens, todos os homens sabem que existem limites impostos pela pessoa do outro. A liberdade não consiste em poder fazer tudo que se queira, mas estar livre de restrições e violências por parte dos outros homens, o que não pode existir onde não existe lei. Em Hobbes, vimos que uma liberdade ilimitada era o mesmo que liberdade alguma. Agora, em Locke, já é 60 possível compreender que a finalidade da lei não seja abolir

ou restringir a liberdade, mas, ao contrário, conservá-la e ampliá-la. Locke não chega a discutir o assunto das paixões, mas implicitamente admite ser provável que algum homem talvez queira ultrapassar os limites da sua liberdade, quer isso seja resultado de paixões ou ignorância. De qualquer modo, como sua própria razão lhe dita uma regra e este homem age de maneira diferente, obviamente não pode ser a razão que o move, tornando-o, à vista dos demais, um ser irracional, que deve ser impedido ou destruído para a segurança de todos. É a própria razão que, mais uma vez, dita a regra pela qual todos devem agir, e, nesse caso, quando um homem ameaça aos demais, ela fundamenta o direito que os homens têm de serem os executores da lei da natureza, podendo punir o agressor proporcionalmente à infração cometida. Há uma jurisdição recíproca entre todos os homens, que são igualmente interpretadores e executores da lei da natureza, entretanto, por terem a tendência de interpretar a lei natural em seu próprio benefício, os homens são levados a unirem-se em sociedade, onde haveria leis escritas e um juiz para dirimir eventuais dúvidas. Para tanto, cederão somente os seus direitos de interpretadores e executores da lei natural, mantendo intacta a sua pessoa, no que se refere à sua vida, liberdade e bens. O que Locke quer dizer exatamente é que os homens são levados a abandonar o Estado de natureza para estabelecer uma fonte de poder comum de forma a regular, proteger e conservar as suas propriedades. Ora, vimos, anteriormente, que a igualdade entre os 90 homens é imprescindível para a sua liberdade. Dessa forma, em sociedade, ou a igualdade é mantida ou um homem poderá, arbitrariamente, submeter outro a sua vontade. Como o que garante a igualdade no estado de natureza é a submissão de todos à lei natural, em sociedade, todos, da mesma maneira, devem estar submetidos a um mesmo conjunto de leis. Desse modo, se algum homem detiver o poder de fazer as leis, terá poder supremo sobre os demais, eliminando a igualdade e a liberdade. A solução sugerida por Locke é o estabelecimento de um poder legislativo, escolhido e nomeado pelos cidadãos, de tal forma que só as leis que forem sancionadas por esse poder teriam força de obrigação para os indivíduos. Todavia, como o corpo legislativo sempre será constituído por homens, para que o capricho dos mesmos não exerça influência na elaboração das leis, deve haver “limites para o poder legislativo”. São eles: o governo deve ser exercido através de leis que não poderão variar nos casos particulares, mas segundo uma mesma regra para ricos e pobres, para o favorito na corte e o camponês no arado; as leis devem sempre visar o bem do povo; não deve ser imposto tributos sobre a propriedade do povo sem o seu consentimento; não transferir o poder de fazer leis para quem quer que seja. De Hobbes a Locke, vimos como é possível entender e superar o aparente paradoxo habilmente expresso por Locke na frase “onde não há lei não há liberdade”. É estranho pensar que para que haja liberdade é preciso que haja também limites, mas se tratarmos os termos de forma dialética ou sob o prisma da teoria das formas, talvez tudo se torne mais claro. A liberdade humana sempre é limitada 120 e, à luz do prisma proposto, dar claros contornos a esse limite torna também a liberdade mais clara. A lei, quando bem estabelecida, é que dá os limites para a liberdade, é o fundo sobre o qual a liberdade se destaca e, desta forma, em

Vestibulares – PRISE – ENEM - Concursos

A educação desenha o futuro – Ensino Médio – Ética: filosofia moral – Prof. Ulisses Vasconcelos

Cid. Nova I, WE 9A, nº121, Coqueiro. Fone: (091) 3235-1844

* A

TEN

ÇÃ

O: C

opia

r é C

RIM

E. A

rt. 1

84 d

o có

digo

Pen

al e

Lei

5998

/73

vez das leis contribuírem para a aniquilação da liberdade, na verdade elas fazem, ao lhe dar contornos nítidos, com que a liberdade adquira toda a sua amplidão. Será, então, que simplesmente basta a elaboração de um perfeito conjunto de leis para promover uma sociedade perfeita ?

Liberdade para Rousseau: “Liberdade é não estar submetido à vontade de um outro homem”

Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) Rousseau diz que a liberdade e a igualdade são os maiores bens e finalidades de uma legislação. Isso se dá principalmente por que na sociedade civil de Rousseau todos os súditos alienam todos os seus direitos em prol da 30 comunidade, tornam-se membros de um todo indivisível, de tal forma que, não se alienando a ninguém em particular, não se submetem a ninguém; por isso, podem ser livres, pois, para Rousseau, liberdade é não estar submetido à vontade de um outro homem. O contrato social que vigorava seria, de acordo com a visão de Rousseau, uma burla, uma enganação. Como legitimar, isto é, tornar direito e justo aquilo que um dia não passou de uma armadilha ? A resposta de Rousseau a essa questão é formulada na obra Do contrato social. Dada a impossibilidade de o homem voltar a seu estado primordial, o filósofo se empenha em conceber um contrato social, ou forma de associação, “que defenda e proteja a pessoa e os bens de cada associado com toda a força comum, e pela qual cada um, unindo-se a todos, só obedece contudo a si mesmo, permanecendo assim tão livre quanto antes”. Para que isso ocorra, o pacto social deve nascer da entrega total de cada indivíduo à comunidade, com o que ele não perde nada, pois, diz Rousseau, “cada um dando-se a todos não se dá a ninguém”. E ainda sai ganhando, porque, como todos fazem o mesmo, ele recebe de volta todos os direitos que cedeu e “maior força para conservar o que se tem”. Assim todos se mantêm livres e iguais ao ingressar na sociedade civil, isto é, o corpo político. Rousseau concebe, pois, o corpo político como um todo, uma unidade orgânica, com vida e vontade próprias. E o que dá vida ao corpo político é a própria união de seus membros, ou seja, a coletividade. As leis desse corpo político devem ser, desse modo, o reflexo da vontade geral, que é aquela que busca o melhor para a sociedade como um todo, ou seja, deve ser 60 aquela que satisfaz o interesse público, e não o de particulares. E todo cidadão deve se subordinar a essa vontade geral, mesmo que, como indivíduo (e não como cidadão), entenda que ela contraria seu interesse particular.

Na sociedade rousseauniana, o poder legislativo é exercido por todo o corpo de cidadãos, de forma muito semelhante aos comícios romanos, pois não há representação. Cada cidadão participa do processo de votação a diretamente, contribuindo tão estreitamente na formação das leis, que podemos dizer que as leis que ele segue foram feitas por ele mesmo, de tal forma que, ao obedecer às leis, obedece a si mesmo, sendo, portanto, livre. O que torna todos iguais, além da igual participação política, é o fato das leis sempre serem gerais, atingindo a todos igualmente, sem diferenciação, de tal forma que se, individualmente, cada particular possa tender para a desigualdade, a legislação o faz tender novamente para a igualdade e, consequentemente, para a liberdade. A autoridade soberana é exercida por todo corpo político, e o governo, quer seja monárquico, aristocrático ou democrático, está sempre submetido a ela. A manutenção da liberdade, por isso, depende da atuação de todos os cidadãos. Seria tudo muito simples em uma sociedade de deuses, mas uma sociedade de homens fatalmente degenera, pois os seus integrantes já se encontram degenerados. O bom selvagem se encontra escondido debaixo de uma espessa crosta de cobiça, ou seja, de aspiração “por todas as coisas que, uma vez adquiridas, os tornariam felizes e contentes”; de ilusão, porque uma vez nascidos sob um governo, adotam a postura servil como natural, 90 principalmente movidos pelos costumes que a preservam através do seu ensino; e de covardia, pois “o povo nem sequer admite que se toque em seus males para destruí-los, como aqueles doentes, tolos e sem coragem, que tremem em presença do médico”. Tal qual o corcel que uma vez domado se curva às ordens do seu dono e que, quando por este é ornamentado com belas vestimentas, desfila orgulhoso com os sinais do seu jugo. Rousseau percebe que “não é aos escravos que compete raciocinar sobre a liberdade”, mas aos homens livre. Uma vez perdida a liberdade, ela não pode ser recuperada, pois tal qual os senhores precisam de escravos, os próprios escravos precisam de senhores e é da vontade de servir que o senhor se alimenta. Pobres tolos, que cegos de cobiça caem de joelhos voluntariamente diante de um senhor que lhes tira tudo. Vemos, assim, que a manutenção da liberdade requer prontidão. Não basta ser cidadão apenas elegendo deputados ou votando em leis sob influência de algum grupo. Há necessidade de se ter consciência de que a liberdade deve ser defendida em cada ato e que tudo que temos depende disso. Com a perda da liberdade tudo se perde e “não há recompensa possível para quem a tudo renuncia”. A eleição de representantes, nesse sentido, colabora para o afastamento do povo na elaboração das leis, tornando-o vítima da sua própria indolência. Dessa maneira, é possível entender por que a religião civil de Rousseau inclui a aceitação de alguns dogmas, tais quais: a felicidade dos justos, o castigo dos maus e a santidade do contrato social e das leis. É nesse espírito de fé, e tendo em vista o bem 120 comum, que os cidadão devem participar ativamente da vida política. Não flertando com a servidão, por melhor que ela esteja vestida. O ato de obedecer deve, portanto, sempre ser uma decisão crítica. © ____________________________

Vestibulares – PRISE – ENEM - Concursos

A educação desenha o futuro – Ensino Médio – Ética: filosofia moral – Prof. Ulisses Vasconcelos

Cid. Nova I, WE 9A, nº121, Coqueiro. Fone: (091) 3235-1844

* A

TEN

ÇÃ

O: C

opia

r é C

RIM

E. A

rt. 1

84 d

o có

digo

Pen

al e

Lei

5998

/73

AS CONCEPÇÕES FILOSÓFICAS DA LIBERDADE DE ARISTÓTELES E DE SARTRE

A primeira grande teoria filosófica da liberdade é exposta por Aristóteles em sua obra Ética a Nicômaco e, com variantes, permanece através dos séculos chegando até o século XX, quando foi retomada pelo filósofo francês Jean-Paul Sartre (1905-1980). Nessa concepção, a liberdade se opõe ao que é condicionado externamente (necessidade) e ao que acontece sem escolha deliberada (contingência). Diz Aristóteles que é livre aquele que tem em si mesmo o princípio para agir ou não agir. A liberdade é concebida como o poder pleno e incondicionado da vontade para determinar a si mesma, isto é, para autodeterminar-se. É pensada, também, como uma capacidade que não encontra obstáculos para se realizar nem é forçada por coisa alguma para agir. Trata-se da espontaneidade plena do agente. Além de distinguir entre o necessário e o contingente, Aristóteles também distingue entre o contingente e o possível: o primeiro é o puro acaso; o segundo é o que pode acontecer desde que um ser humano delibere e decida realizar uma ação. Assim, na concepção aristotélica, a liberdade é o princípio para escolher entre alternativas possíveis, realizando-se como decisão e ato voluntário. Contrariamente ao necessário ou à necessidade e à contingência, sob as quais o agente sofre a ação de uma causa externa que o obriga a agir de determinada maneira, 30 no ato voluntário livre o agente é causa de si, isto é, causa integral de sua ação. Sem dúvida, poder-se-ia dizer que a vontade livre é determinada pela razão ou pela inteligência e, nesse caso, seria preciso admitir que não é causa de si ou incondicionada, mas é causada pelo raciocínio ou pelo pensamento. No entanto, como disseram os filósofos posteriores a Aristóteles, a inteligência inclina a vontade para certa direção, mas não a obriga nem a constrange, tanto assim que podemos agir na direção contrária à indicada pela inteligência ou razão. É por ser livre e incondicionada que a vontade pode seguir ou não os conselhos da consciência. A liberdade será ética quando o exercício da vontade estiver em harmonia com a direção apontada pela razão.

Em sua obra O ser e o nada, Sartre levou essa concepção ao ponto limite. Para ele, a liberdade é a escolha incondicionada que o próprio homem faz de seu ser e de seu mundo. Quando julgamos estar sob o poder de forças externas mais poderosas do que nossa vontade, esse julgamento é uma decisão livre, pois outros homens, nas mesmas circunstâncias, não se curvaram nem se resignaram. Em outros termos, conformar-se ou resignar-se é uma decisão livre, tanto quanto não se resignar nem conformar, lutando contra as circunstâncias. Quando dizemos que não podemos fazer alguma coisa porque estamos fatigados, a fadiga é uma decisão nossa, tanto assim que uma outra pessoa, nas mesmas circunstâncias, poderia 60 decidir não se sentir cansada e agir. Da mesma maneira, quando dizemos estar enfraquecidos e por isso não temos força para fazer alguma coisa, a fraqueza é uma decisão nossa, pois um outro poderia, nas mesmas circunstâncias, não se considerar fraco e agir. Por isso Sartre faz uma afirmação aparentemente paradoxal, dizendo que estamos condenados à liberdade. Qual o paradoxo ? Identificar liberdade e condenação, isto é, dois termos incompatíveis, pois é livre quem não está condenado. O que Sartre pretende dizer ? Que, para os humanos, a liberdade é como a necessidade e a fatalidade, não podemos escapar dela. É ela que define a humanidade dos humanos, sem escapatória. © ___________________________

Um só pensamento

Nos meus cadernos de escola Minha carteira e nas árvores

Nas areias e na neve Gravo o teu nome

Em cada página lida

Em cada página em branco Papel pedra sangue ou cinza

Gravo o teu nome

[...] 90

Na ausência sem mais desejos Na solidão toda nua

Em cada degrau da morte Gravo o teu nome

Na saúde que voltou

No perigo que passou Na esperança sem saudade

Gravo teu nome

Graças a uma só palavra Reconheço a minha vida Nasci para conhecer-te

E chamar-te

Liberdade.

Paul Éluard (trad. Guilherme de Almeida) In: ALMEIDA, Guilherme de. Poetas de França. 4. Ed. São Paulo: Nacional, 1965.

Vestibulares – PRISE – ENEM - Concursos

A educação desenha o futuro – Ensino Médio – Ética: filosofia moral – Prof. Ulisses Vasconcelos

Cid. Nova I, WE 9A, nº121, Coqueiro. Fone: (091) 3235-1844

* A

TEN

ÇÃ

O: C

opia

r é C

RIM

E. A

rt. 1

84 d

o có

digo

Pen

al e

Lei

5998

/73