por que é tão difícil incluir pessoas com deficiência?

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reportagem especial Agosto de 2011 | www.revistamateriaprima.com.br 18 Por que é tão difícil incluir “As empresas precisam entender que as pesso- as com deficiência (PCD) são capazes de fazer o que quiserem, basta que exista um ambiente adaptado a elas”. Com essa fala, a consultora de inclusão e admi- nistradora da Desenvolver Inclusão de PCDs, Marcia Gonçalves, sintetiza como o mercado de trabalho ainda vê com preconceito as pessoas com deficiência. Em entrevista realizada para a revista Matéria Prima, a consultora, juntamente com as colegas Miriam Duarte (consultora), Carlena Weber (assistente social), Aneliz Silva (estudante de psicologia) e Sandra Cardoso (intér- prete LIBRAS), conta como as empresas podem incluir PCDs em seu quadro de colaboradores e os maiores desafios para colocar essas pes- soas no mercado. Mesmo com a Lei de Cotas (1991), que obriga as empresas com 100 ou mais funcionários a destinarem até 5% de suas vagas às pessoas com deficiência, ainda há muito a ser trabalhado na questão ati- tudinal. A própria Desenvolver é um exemplo de que incluir PCDs dá certo. A empresa emprega hoje uma cadeiran- te (a assistente social Carlena) e uma colaboradora com Síndrome de Grebe (a estudante de psicologia Aneliz). Um dos maiores problemas é fazer com que as pes- soas sem deficiência entendam a realidade das PCDs. Mais de um bilhão de indivíduos têm algum tipo de de- ficiência no mundo, de acordo com relatório divulgado pela Organização Mundial de Saúde e Banco Mundial. O estudo mostra que milhões de pessoas têm a vida dificultada por falta de condições que incluem, além das barreiras físicas, a discriminação, a falta de cuida- dos na saúde e a inexistência de serviços de reabilitação adequados. Com isso, as pessoas com deficiência têm pior saúde, baixo nível educacional, menos oportunida- des e maiores taxas de pobreza do que as pessoas sem qualquer tipo de deficiência. Devido a esse histórico de exclusão, é difícil para as empresas aceitarem uma pessoa que, além de ter uma deficiência, vive essa reali- dade. “Os recrutadores estão preparados para escolher entre os melhores, os mais bonitos, os mais eficientes, os mais rápidos, e o cenário que a gente tem das PCDs no Brasil muitas vezes é o oposto, então o preconceito acaba se tornando maior ainda”, explica Marcia. Para amenizar essa situação, dar maiores chances às pessoas com deficiência e poder oferecer profissionais qualifi- cados às empresas, a Desenvolver, além de fazer o re- crutamento, também oferece cursos e treinamento para as PCDs, que depois são encaminhadas para o mercado de trabalho. Um acompanhamento junto à família da pessoa com deficiência também é importante para co- nhecer a sua realidade. “Isso é fundamental para que os pais, muitas vezes super protetores, entendam que o mercado de trabalho pode ser bom para o desenvolvi- mento do seu filho”, conta a consultora Miriam Duarte. De acordo com Marcia, a principal barreira para incluir pessoas com deficiência no mercado de traba- lho é a atitude das demais pessoas. Muitas pensam que os cegos devem trabalhar como telefonistas, os surdos no estoque e os deficientes físicos em call centers, por exemplo. Segundo a consultora, esse modelo é muito disseminado, mas acaba limitando ainda mais as PCDs. Para ela, as pessoas podem trabalhar no que quiserem, desde que o ambiente seja adap- tado às suas limitações. Ela cita como exemplo um rapaz que é cego e que possui uma deficiên- cia auditiva de 85%. O desafio era colocá-lo em uma linha de produção. “Para isso, adaptamos a linha colocando uma bancada, uma cadeira e um gabarito para o encaixe das peças. Ele já está há um ano nessa empresa e suas peças seguem para a exportação sem defeito algum. A empresa inclusive está pensando em fazer essa adaptação para os demais fun- cionários porque o processo está tão bem fechado que evita defeitos. Foi uma mudança simples e barata que no fim se tornou vantajosa para toda a empresa”, expli- ca Marcia. A consultora também cita o exemplo de um surdo que trabalha no setor de marketing de um site de música. No início parecia impossível a adaptação, mas graças a um mecanismo de acessibilidade criado na in- formática foi possível fazer com que ele trabalhasse no que realmente queria. Mudar o estereótipo que se criou das pessoas com deficiência ainda é muito difícil no Brasil, mas com ações simples é possível alterar esse cenário. As ações inclusivas são exemplos disso. Através de palestras e vivências, os demais funcionários podem aprender a conviver com o colega deficiente e a empresa a acolher essa pessoa. Na Desenvolver, quem trabalha com essas ações é Carlena Weber, que há 11 anos é cadeirante. “Eu já fui uma pessoa ‘andante’ e sei como é difícil imaginar a vida de uma pessoa com deficiência. Por isso a gente trabalha com a vivência lúdica nas empresas, para que os funcionários se imaginem como PCDs. Simulamos que um é cego, outro é surdo, outro é cadeirante e eles precisam saber trabalhar em equipe. Os resultados são bem positivos e as pessoas começam a pensar diferente, aprendem que existem limites e possibilidades. Então nossa função é mostrar para as empresas que não se Por Camila Schäfer Jornalista (MTB 15120) Mais de um bilhão de indivíduos têm algum tipo de deficiência no mundo, de acordo com relatório divulgado pela Organização Mundial de Saúde e Banco Mundial.

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Reportagem e diagramação para a revista Matéria Prima 21 (agosto de 2011)

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Por que é tão difícil incluir“As empresas precisam entender que as pesso-

as com deficiência (PCD) são capazes de fazer o que quiserem, basta que exista um ambiente adaptado a elas”. Com essa fala, a consultora de inclusão e admi-nistradora da Desenvolver Inclusão de PCDs, Marcia Gonçalves, sintetiza como o mercado de trabalho ainda vê com preconceito as pessoas com deficiência. Em entrevista realizada para a revista Matéria Prima, a consultora, juntamente com as colegas Miriam Duarte (consultora), Carlena Weber (assistente social), Aneliz Silva (estudante de psicologia) e Sandra Cardoso (intér-prete LIBRAS), conta como as empresas podem incluir PCDs em seu quadro de colaboradores e os maiores desafios para colocar essas pes-soas no mercado. Mesmo com a Lei de Cotas (1991), que obriga as empresas com 100 ou mais funcionários a destinarem até 5% de suas vagas às pessoas com deficiência, ainda há muito a ser trabalhado na questão ati-tudinal. A própria Desenvolver é um exemplo de que incluir PCDs dá certo. A empresa emprega hoje uma cadeiran-te (a assistente social Carlena) e uma colaboradora com Síndrome de Grebe (a estudante de psicologia Aneliz).

Um dos maiores problemas é fazer com que as pes-soas sem deficiência entendam a realidade das PCDs. Mais de um bilhão de indivíduos têm algum tipo de de-ficiência no mundo, de acordo com relatório divulgado pela Organização Mundial de Saúde e Banco Mundial. O estudo mostra que milhões de pessoas têm a vida dificultada por falta de condições que incluem, além das barreiras físicas, a discriminação, a falta de cuida-dos na saúde e a inexistência de serviços de reabilitação adequados. Com isso, as pessoas com deficiência têm pior saúde, baixo nível educacional, menos oportunida-des e maiores taxas de pobreza do que as pessoas sem qualquer tipo de deficiência. Devido a esse histórico de exclusão, é difícil para as empresas aceitarem uma pessoa que, além de ter uma deficiência, vive essa reali-dade. “Os recrutadores estão preparados para escolher entre os melhores, os mais bonitos, os mais eficientes, os mais rápidos, e o cenário que a gente tem das PCDs no Brasil muitas vezes é o oposto, então o preconceito acaba se tornando maior ainda”, explica Marcia. Para amenizar essa situação, dar maiores chances às pessoas com deficiência e poder oferecer profissionais qualifi-cados às empresas, a Desenvolver, além de fazer o re-crutamento, também oferece cursos e treinamento para as PCDs, que depois são encaminhadas para o mercado de trabalho. Um acompanhamento junto à família da

pessoa com deficiência também é importante para co-nhecer a sua realidade. “Isso é fundamental para que os pais, muitas vezes super protetores, entendam que o mercado de trabalho pode ser bom para o desenvolvi-mento do seu filho”, conta a consultora Miriam Duarte.

De acordo com Marcia, a principal barreira para incluir pessoas com deficiência no mercado de traba-lho é a atitude das demais pessoas. Muitas pensam que os cegos devem trabalhar como telefonistas, os surdos no estoque e os deficientes físicos em call centers, por exemplo. Segundo a consultora, esse modelo é muito disseminado, mas acaba limitando ainda mais as PCDs. Para ela, as pessoas podem trabalhar no que quiserem,

desde que o ambiente seja adap-tado às suas limitações. Ela cita como exemplo um rapaz que é cego e que possui uma deficiên-cia auditiva de 85%. O desafio era colocá-lo em uma linha de produção. “Para isso, adaptamos a linha colocando uma bancada, uma cadeira e um gabarito para o encaixe das peças. Ele já está

há um ano nessa empresa e suas peças seguem para a exportação sem defeito algum. A empresa inclusive está pensando em fazer essa adaptação para os demais fun-cionários porque o processo está tão bem fechado que evita defeitos. Foi uma mudança simples e barata que no fim se tornou vantajosa para toda a empresa”, expli-ca Marcia. A consultora também cita o exemplo de um surdo que trabalha no setor de marketing de um site de música. No início parecia impossível a adaptação, mas graças a um mecanismo de acessibilidade criado na in-formática foi possível fazer com que ele trabalhasse no que realmente queria.

Mudar o estereótipo que se criou das pessoas com deficiência ainda é muito difícil no Brasil, mas com ações simples é possível alterar esse cenário. As ações inclusivas são exemplos disso. Através de palestras e vivências, os demais funcionários podem aprender a conviver com o colega deficiente e a empresa a acolher essa pessoa. Na Desenvolver, quem trabalha com essas ações é Carlena Weber, que há 11 anos é cadeirante. “Eu já fui uma pessoa ‘andante’ e sei como é difícil imaginar a vida de uma pessoa com deficiência. Por isso a gente trabalha com a vivência lúdica nas empresas, para que os funcionários se imaginem como PCDs. Simulamos que um é cego, outro é surdo, outro é cadeirante e eles precisam saber trabalhar em equipe. Os resultados são bem positivos e as pessoas começam a pensar diferente, aprendem que existem limites e possibilidades. Então nossa função é mostrar para as empresas que não se

Por Camila SchäferJornalista (MTB 15120)

Mais de um bilhão de indivíduos têm algum tipo de deficiência no mundo, de acordo com relatório divulgado pela Organização Mundial de Saúde e Banco Mundial.

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as com deficiência (PCD) são capazes de fazer o que quiserem, basta que exista um ambiente adaptado a elas”. Com essa fala, a consultora de inclusão e admi-nistradora da Desenvolver Inclusão de PCDs, Marcia Gonçalves, sintetiza como o mercado de trabalho ainda vê com preconceito as pessoas com deficiência. Em entrevista realizada para a revista Matéria Prima, a consultora, juntamente com as colegas Miriam Duarte (consultora), Carlena Weber (assistente social), Aneliz Silva (estudante de psicologia) e Sandra Cardoso (intér-prete LIBRAS), conta como as empresas podem incluir PCDs em seu quadro de colaboradores e os maiores desafios para colocar essas pes-soas no mercado. Mesmo com a Lei de Cotas (1991), que obriga as empresas com 100 ou mais funcionários a destinarem até 5% de suas vagas às pessoas com deficiência, ainda há muito a ser trabalhado na questão ati-tudinal. A própria Desenvolver é um exemplo de que incluir PCDs dá certo. A empresa emprega hoje uma cadeiran-te (a assistente social Carlena) e uma colaboradora com Síndrome de Grebe (a estudante de psicologia Aneliz).

Um dos maiores problemas é fazer com que as pes-soas sem deficiência entendam a realidade das PCDs. Mais de um bilhão de indivíduos têm algum tipo de de-ficiência no mundo, de acordo com relatório divulgado pela Organização Mundial de Saúde e Banco Mundial. O estudo mostra que milhões de pessoas têm a vida dificultada por falta de condições que incluem, além das barreiras físicas, a discriminação, a falta de cuida-dos na saúde e a inexistência de serviços de reabilitação adequados. Com isso, as pessoas com deficiência têm pior saúde, baixo nível educacional, menos oportunida-des e maiores taxas de pobreza do que as pessoas sem qualquer tipo de deficiência. Devido a esse histórico de exclusão, é difícil para as empresas aceitarem uma pessoa que, além de ter uma deficiência, vive essa reali-dade. “Os recrutadores estão preparados para escolher entre os melhores, os mais bonitos, os mais eficientes, os mais rápidos, e o cenário que a gente tem das PCDs no Brasil muitas vezes é o oposto, então o preconceito acaba se tornando maior ainda”, explica Marcia. Para amenizar essa situação, dar maiores chances às pessoas com deficiência e poder oferecer profissionais qualifi-cados às empresas, a Desenvolver, além de fazer o re-crutamento, também oferece cursos e treinamento para as PCDs, que depois são encaminhadas para o mercado de trabalho. Um acompanhamento junto à família da

pessoa com deficiência também é importante para co-nhecer a sua realidade. “Isso é fundamental para que os pais, muitas vezes super protetores, entendam que o mercado de trabalho pode ser bom para o desenvolvi-mento do seu filho”, conta a consultora Miriam Duarte.

De acordo com Marcia, a principal barreira para incluir pessoas com deficiência no mercado de traba-lho é a atitude das demais pessoas. Muitas pensam que os cegos devem trabalhar como telefonistas, os surdos no estoque e os deficientes físicos em call centers, por exemplo. Segundo a consultora, esse modelo é muito disseminado, mas acaba limitando ainda mais as PCDs. Para ela, as pessoas podem trabalhar no que quiserem,

desde que o ambiente seja adap-tado às suas limitações. Ela cita como exemplo um rapaz que é cego e que possui uma deficiên-cia auditiva de 85%. O desafio era colocá-lo em uma linha de produção. “Para isso, adaptamos a linha colocando uma bancada, uma cadeira e um gabarito para o encaixe das peças. Ele já está

há um ano nessa empresa e suas peças seguem para a exportação sem defeito algum. A empresa inclusive está pensando em fazer essa adaptação para os demais fun-cionários porque o processo está tão bem fechado que evita defeitos. Foi uma mudança simples e barata que no fim se tornou vantajosa para toda a empresa”, expli-ca Marcia. A consultora também cita o exemplo de um surdo que trabalha no setor de marketing de um site de música. No início parecia impossível a adaptação, mas graças a um mecanismo de acessibilidade criado na in-formática foi possível fazer com que ele trabalhasse no que realmente queria.

Mudar o estereótipo que se criou das pessoas com deficiência ainda é muito difícil no Brasil, mas com ações simples é possível alterar esse cenário. As ações inclusivas são exemplos disso. Através de palestras e vivências, os demais funcionários podem aprender a conviver com o colega deficiente e a empresa a acolher essa pessoa. Na Desenvolver, quem trabalha com essas ações é Carlena Weber, que há 11 anos é cadeirante. “Eu já fui uma pessoa ‘andante’ e sei como é difícil imaginar a vida de uma pessoa com deficiência. Por isso a gente trabalha com a vivência lúdica nas empresas, para que os funcionários se imaginem como PCDs. Simulamos que um é cego, outro é surdo, outro é cadeirante e eles precisam saber trabalhar em equipe. Os resultados são bem positivos e as pessoas começam a pensar diferente, aprendem que existem limites e possibilidades. Então nossa função é mostrar para as empresas que não se

Por Camila SchäferJornalista (MTB 15120)

Mais de um bilhão de indivíduos têm algum tipo de deficiência no mundo, de acordo com relatório divulgado pela Organização Mundial de Saúde e Banco Mundial.

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PESSOAS COM DEFICIÊNCIA?trata apenas do cumprimento de uma lei, mas de uma mudança de atitude”, conta. Mesmo que o Brasil possua uma das me-lhores legislações do mundo para a pes-soa com deficiência, mudar a cultura e a atitude das pessoas ainda é um obstáculo porque a PCD é vista como alguém que não vive, não trabalha, nem estuda. “Gos-taria que não existisse a Lei de Cotas, mas como no Brasil ainda é difícil mudar essa visão das pessoas com deficiência, acho que é um mal necessário”, afirma Carlena.

Outra dificuldade relatada pelas fun-cionárias da Desenvolver é a exigência das empresas quanto ao perfil do candidato. Segundo elas, as companhias querem pes-soas com “deficiências leves”, o que, na teoria, não existe. “Tivemos, inclusive, de recusar algumas ofertas porque sabíamos que não conseguiríamos atingir o objetivo daquela empregadora. São muitas as exi-gências e às vezes nem é a deficiência o problema, mas a condição social, a apa-rência ou a etnia do candidato. Então o preconceito está em todas as esferas e não inclui apenas a deficiência”, afirma Mar-cia. A consultora explica que, ao contrário do que muitas vezes é divulgado na mídia, existem pessoas com deficiência suficien-tes para preencher as vagas disponíveis. O cadastro da Desenvolver, por exemplo, conta com 1080 pessoas, todas aptas para trabalhar. O problema é que as empresas fazem exigências que não estão de acordo com a realidade dos deficientes brasileiros. “As empresas anunciam vagas de empre-go interessantes para PCDs. Eu entro em contato com elas, mas elas não querem as pessoas com deficiência que eu tenho.

Elas querem pessoas sem a pontinha do dedo, por exemplo”, explica Marcia.

Nos cinco anos de atuação da De-senvolver já foram incluídas 553 pessoas no mercado de trabalho. A rotatividade no último ano foi de 15% e o índice de afastamento de apenas 2% (sendo que esse índice, na maioria das empresas, é de 10%). Os dados mostram que as pessoas com deficiência só mudam de empresa quando conseguem um emprego melhor, quando passam em um concurso público ou quando mudam de cidade e raramente porque adoeceram ou devido à sua defici-ência. A força de vontade dessas pessoas também encoraja e motiva os demais fun-cionários. “Temos exemplos de empresas em que o absenteísmo dos outros colabo-radores diminuiu porque eles se sentem motivados vendo os colegas deficientes se esforçarem”, conta Marcia. Mas assim como há exemplos positivos, a consultora afirma que também há aquelas pesso-as que se utilizam da Lei de Cotas para tirar vantagens. “Da mesma forma que pessoas sem deficiência são preguiçosas, faltam e não gostam de trabalhar, tam-bém há pessoas com deficiência com esse perfil e se usando da lei para obter vantagens. Mas é importante lembrar que caráter não tem a ver com ter ou não ter deficiência e sim com a personalidade da pessoa. Então é bem importante que as empresas estejam atentas para isso”, explica.

Os atestados e faltas por moti-vo de saúde também são temores do empresariado, mas é preciso lembrar que pessoas com deficiência adoecem

como qualquer outra pessoa e o acom-panhamento com seu médico é essencial para que o funcionário desempenhe bem suas atividades. Estudos mostram que, justamente por receberem um acompa-nhamento sistemático e preventivo, os deficientes adoecem menos. “Porém, se o empregador quiser apenas cumprir a Lei de Cotas, sem se preocupar em como aquela pessoa está sendo acompanhada, provavelmente terá problemas no futuro. Por exemplo, se uma pessoa com apenas um dos braços for alocada para trabalhar na montagem de peças, muito provavel-mente ela sobrecarregará o braço e ado-ecerá porque não teve acompanhamento médico e o ambiente não foi adaptado para sua limitação. Ou seja, o que adoece não é a deficiência, mas a falta de adapta-ção no ambiente de trabalho e nas fun-ções que a PCD desempenha. Gripe e cansaço qualquer pessoa sente. O vírus não escolhe se a pessoa tem deficiência ou não”, brinca Marcia. “Além disso, os

médicos do trabalho precisam enten-der que a pessoa com

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deficiência quer trabalhar como qualquer outra pessoa e não passar o resto da vida aposentada”, completa.

“Incluir a PCD também traz lucro à empresa” – Marcia Gonçalves

Todo empresário sonha em ter um negócio de sucesso e rentável. Para isso, muitos investem no aumento da produti-vidade para que o lucro, principal objeti-vo de uma empresa privada, seja atingido. Quando alguém recomenda uma pessoa com deficiência para esse empresário, logo ele pensa que sua produtividade e retor-no financeiro estarão comprometidos ou que se trata apenas de uma ação solidária, de responsabilidade social. No entanto, assim como qualquer pessoa, uma PCD pode trazer resultados e lucro à empresa. Márcia cita o exemplo de uma deficiente visual que participou do projeto Sentir com as Mãos, em que cegos são contra-tados como massoterapeutas. “O objetivo de uma rede de farmácias era aumentar as vendas, mas também havia o desejo de incluir pessoas com deficiência na empre-sa. Então se pensou, em conjunto com a empresa, que a cada R$ 30 em compras, o cliente ganharia uma massagem. O su-cesso foi tanto que hoje a massoterapeuta dessa loja está com a agenda lotada e já há compradores que viraram pacientes dela, ou seja, a loja fidelizou muitos clien-tes com essa ação e o investimento trouxe resultados”, conta.

Assim como há alguns anos as em-presas perceberam que os idosos eram um nicho de mercado, também as pessoas com deficiência podem trazer lucro para os micro e pequenos empresários. Elas vão para restaurantes, lojas e mercados, mas nesses locais ainda sofrem com a falta de acessibilidade arquitetônica. “Colocar uma rampa ou uma etiqueta em braile não é apenas responsabilidade social, volun-tariado, mas uma ação que poderá trazer muitos clientes e lucratividade para aquele negócio”, conta Marcia. Segundo a con-sultora, é preciso investir mais na inclusão dessas pessoas.

Deficiência intelectual e psicossocialAlém de deficientes físicos, a Desen-

volver trabalha também com a inclusão das pessoas com deficiência intelectual (redução da capacidade intelectual) e psi-cossocial (Autismo, Esquizofrenia, Sín-drome do Pânico). Muitos empregadores pensam que essas pessoas são ainda mais

difíceis de incluir, pelo seu tipo de defi-ciência. No entanto, Marcia explica que com o acompanhamento psicológico e psiquiátrico correto, elas podem trabalhar normalmente. Uma psicóloga da Desen-volver é quem faz o acompanhamento mensal ou semanal. “Conhecemos um ra-paz esquizofrênico que era muito fechado, não abraçava ninguém e inclusive tinha um amigo imaginário. Mesmo que alguns profissionais defendam que não deve-mos estimular a limitação, a gente fazia de conta que enxergava esse amigo para que esse rapaz se sentisse acolhido. Isso é uma característica comum nas pessoas esquizofrênicas que estão sem tratamen-to e acompanhamento médico (a família estava em total vulnerabilidade social). A partir do momento em que ele se sente acolhido, ele expressa o que está sentindo e aí muitos sentem coragem de procurar ajuda médica e perdem esses sintomas da doença. Tanto é que, quando esse rapaz foi fazer a aprendizagem, ele já não tinha mais o amigo imaginário”, conta Marcia. Miriam Duarte complementa dizendo que foi realizado um trabalho de acompa-nhamento e que hoje esse mesmo rapaz está trabalhando em uma grande empresa. “Certo dia, a mãe dele entrou em contato conosco para nos agradecer porque fazia 10 anos que ela não ganhava um abraço do filho. Isso foi muito gratificante para nós”, lembra Miriam.

LIBRASAs Línguas de Sinais (LS) são as lín-

guas naturais das comunidades surdas. Ao contrário do que muitos imaginam, elas não são simplesmente mímicas e gestos soltos, utilizados pelos surdos para faci-litar a comunicação. São línguas com es-truturas gramaticais próprias. Atribui-se às LS o status de língua porque elas também são compostas pelos níveis linguísticos: o fonológico, o morfológico, o sintático e o semântico.

A LIBRAS (Língua Brasileira de Si-nais) tem sua origem na Língua de Sinais Francesa. Cada país possui a sua própria LS, que sofre as influências da cultura na-cional. Como qualquer outra língua, ela também possui expressões que diferem de região para região (os regionalismos), o que a legitima ainda mais como língua.

Para a intérprete de LIBRAS da De-senvolver e estudante de Letras – LIBRAS, Sandra Cardoso, todos os brasileiros de-veriam conhecer pelo menos o básico de

Equipe da Desenvolver

Camila Schäfer/MP

LIBRAS, já que esta é a segunda língua oficial do País. O trabalho de Sandra in-clui, além das interpretações, cursos nas empresas para que os funcionários con-sigam se comunicar com os colegas sur-dos. O curso tem duração de três a seis meses. “Comecei a ter contato com sur-dos com 14 anos, em uma congregação. Eu interpretava congressos, assembleias, reuniões. Apaixonei-me e trabalho com isso há 17 anos. Para mim, trabalhar com a comunidade surda é muito gratificante. São muitas experiências que a gente pre-sencia e aprende”, conta Sandra.

AcessibilidadeA acessibilidade arquitetôni-

ca e a segurança no trabalho são muito importantes para as pes-soas com deficiência. Por isso, a Desenvolver tem em seu quadro de colaboradores um técnico em segurança do trabalho que cuida dessa área. “As pessoas pensam que a PCD, ao fazer um trabalho repetitivo, não vai adquirir doen-ça porque ela já é deficiente. Por exemplo, uma empresa coloca um cego para trabalhar como te-lefonista e ninguém se preocupa com a audição ou ergonomia dele porque ele já é cego. Acham que não precisa, que não tem impor-tância”, explica Marcia. Segundo a consultora, há anos a empresa in-siste na questão da acessibilidade, pois acredita que ela é universal. Ou seja, uma rampa serve, além do cadeirante, para um idoso ou uma gestante.

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www.revistamateriaprima.com.br | Agosto de 2011 21reportagem especial

Marcia Gonçalves – administra-dora e consultora de inclusão“A gente não determina que cego tem que ser telefonista e cadeirante tem que ser call center. A pessoa pode ser o que ela quiser. A gente é que precisa ter o entendimento, conheci-mento e tecnologia para que ela pos-sa fazer o que quiser e a acessibilida-de serve pra isso.”

SoBRe A DeSenvoLveR:A Desenvolver é uma empresa pri-vada, de consultoria para inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho. A empresa desenvolve seu trabalho em três linhas:

1 - Elaboração de projetos: • projetos para o cumprimento da Lei de Cotas pelas empresas;• aprendizagem inclusiva para PCDs (qualificação durante um ano);• Sentir com as Mãos: projeto voltado às pessoas com baixa visão e ceguei-ra, que oferece emprego como mas-soterapeuta. Essas pessoas podem trabalhar no ambulatório das empre-sas com o objetivo de prevenir Le-sões por Esforço Repetitivo (L.E.R), Distúrbios Osteo-musculares Rela-cionados ao Trabalho (D.O.R.T) e lombalgia, por exemplo. Em algumas empresas, os funcionários já têm ho-rários fixos com o massoterapeuta a fim de prevenir essas lesões.

2 – Ações Inclusivas: voltadas às em-presas que não querem desenvolver projetos de inclusão, mas ações para sensibilizar os funcionários sobre a questão do convívio com a pessoa com deficiência, para que entendam quais são os tipos de deficiência, o que é a Lei de Cotas e outros as-suntos. São trabalhados 3 nichos de acessibilidade: atitudinal (sensi-bilização das pessoas), arquitetônica (adaptação do ambiente) e de comu-nicação (oficina de LIBRAS). 3 – Inclusão de Pessoas Com Defi-ciência: • recrutamento e seleção de PCDs;• treinamento para recrutadores;• treinamento de suporte à legislação;• qualificação de PCDs.

MITOS E VERDADESSurdo-mudo:

De acordo com a Desenvolver, a ex-pressão surdo-mudo é incorreta. Os sur-dos só não falam porque não escutam e normalmente se comunicam em Libras, a Língua Brasileira de Sinais.

A expressão correta é Pessoa Com De-ficiência (PCD):

As expressões “portador”, “necessida-

des especiais” e “excepcional” são nomen-claturas incorretas. Por que: 1 - A pessoa não “porta” a deficiência; 2 – as gestantes e obesos, por exemplo, também têm “ne-cessidades especiais” e, no entanto, não são deficientes; 3 – o termo “excepcional” era usado para pessoas com deficiência intelec-tual (baixo Q.I). No entanto, provou-se que o termo não poderia se referir exclusiva-mente aos que tinham deficiência mental, pois as pessoas com superdotação também são excepcionais por estarem na outra pon-

ta da curva da inteligência humana e muitas vezes é entendida como uma expressão pe-jorativa. Portanto, a pessoa possui ou não possui a deficiência e o termo correto é Pessoa Com Deficiência (PCD).

Deficiência auditiva é diferente de sur-do:

Pessoa com deficiência auditiva ouve e utiliza, em muitos casos, próteses auditivas, além de desenvolver a capacidade de arti-culação da fala.

Carlena Weber – assistente social, 32 anos – cadeirante há 11 anos“Com a deficiência minha vida mu-dou de uma hora pra outra. Eu pen-sava que toda a minha vida seria vol-tada para o tratamento, fisioterapia e cuidar do corpo. Mas com o trabalho comecei a descobrir aos poucos que tinha potencial. Eu deslanchei para namorar, pra voltar a beijar na boca e me ‘sentir gente’ depois que voltei a trabalhar. Se as pessoas ditas nor-mais já se sentem muito mal quando estão desempregadas, imagina quan-do isso acontece com deficientes. A gente se sente incapaz ao cubo. Mas quando tu descobres que pode trabalhar, aí já não quer parar mais. Sei que cada caso é um caso, mas como tetraplégica, eu entendo bem como o mercado de trabalho vê a pessoa com deficiência. A faculda-de também me fez entender melhor esse contexto da sociedade e perce-ber porque existe essa exclusão das PCDs. Meu trabalho é com foco nas empresas e é muito gratificante, ain-da mais porque eu gosto e vivo isso no dia-a-dia.”

Aneliz Silva – estudante de psico-logia, 22 anos – tem Síndrome de Grebe (encurtamento extremo dos membros e ausência de falanges médias e proximais)“Em algumas entrevistas de emprego que fiz, notei que as pessoas ficam im-pressionadas quando recebem alguém com deficiência. Inclusive fiz uma onde a entrevistadora não parava de me olhar. Percebi que aquela empresa não teria condições de receber alguém como eu. Essas situações às vezes in-comodam porque as pessoas ficam olhando pra gente, tocando, pergun-tando. Mas por sorte já estamos acos-tumadas e lidamos bem com isso.”

DEPOIMENTOS

Camila Schäfer/MP