pontifÍcia universidade catÓlica do rio grande do...
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PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE LETRAS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM LETRAS
ROBERTA SARTORI
O MUNDO DOS IMPLCITOS NO DEBATE POLTICO-JURDICO DA ELEIO
PRESIDENCIAL NORTE-AMERICANA DE 2000 ATRAVS DO DISCURSO
JORNALSTICO:
UMA ABORDAGEM PRAGMTICO-LGICO-COGNITIVA DA INFERNCIA NA
INTERFACE COM A COMUNICAO
TESE DE DOUTORADO
Porto Alegre
2015
ROBERTA SARTORI
O MUNDO DOS IMPLCITOS NO DEBATE POLTICO-JURDICO DA ELEIO
PRESIDENCIAL NORTE-AMERICANA DE 2000 ATRAVS DO DISCURSO
JORNALSTICO:
UMA ABORDAGEM PRAGMTICO-LGICO-COGNITIVA DA INFERNCIA NA
INTERFACE COM A COMUNICAO
Tese apresentada como requisito final para a obteno do grau de Doutor em Letras pelo Programa de Ps-
Graduao da Faculdade de Letras da Pontifcia
Universidade Catlica do Rio Grande do Sul.
Orientador: Professor Dr. Jorge Campos da Costa
Porto Alegre
2015
Dados Internacionais de Catalogao na Publicao ( CIP )
S774m Sartori, Roberta
O mundo dos implcitos no debate poltico-jurdico da eleio
presidencial norte-americana de 2000 atravs do discurso jornalstico :
uma abordagem pragmtico-lgico-cognitiva da inferncia na interface
com a comunicao / Roberta Sartori. - Porto Alegre, 2015.
548 f. : il.
Tese (Doutorado) Faculdade de Letras, PUCRS.
Orientador: Prof. Dr. Jorge Campos da Costa.
1. Lingustica. 2. Anlise do Discurso Poltico. 3. Inferncia.
4. Metateoria das Interfaces. 5. Jornalismo Discursos. I. Costa, Jorge
Campos da. II. Ttulo.
CDD 410
.
Ficha Catalogrfica elaborada por
Vanessa Pinent
CRB 10/1297
ROBERTA SARTORI
O MUNDO DOS IMPLCITOS NO DEBATE POLTICO-JURDICO DA ELEIO
PRESIDENCIAL NORTE-AMERICANA DE 2000 ATRAVS DO DISCURSO
JORNALSTICO:
UMA ABORDAGEM PRAGMTICO-LGICO-COGNITIVA DA INFERNCIA NA
INTERFACE COM A COMUNICAO
Tese apresentada como requisito final para a obteno
do grau de Doutor em Letras pelo Programa de Ps-
Graduao da Faculdade de Letras da Pontifcia
Universidade Catlica do Rio Grande do Sul.
Aprovada em 27 de janeiro de 2015.
BANCA EXAMINADORA:
______________________________________________
Prof. Dr. Jorge Campos da Costa FALE/PUCRS
______________________________________________
Prof. Dr. Jacques Alkalai Wainberg FAMECOS/PUCRS
______________________________________________
Prof. Dra. Karina Vernica Molsing FALE/PUCRS
______________________________________________
Profa. Dra. Clarice Sohngen FADIR/PUCRS
______________________________________________
Prof. Dr. Fbio Jos Rauen UNISUL
Porto Alegre
2015
DEDICATRIA
minha me, Bernardete, e ao meu pai, Olivar (in memoriam).
AGRADECIMENTOS
A Deus, for watching over me so closely, so caring and so strongly! For such love! For such grace!
Ao meu marido, Alexandre Luso de Carvalho, pelo cuidado, amor e bom-humor.
Ao professor Jorge Campos da Costa, por acreditar em mim.
professora Ana Maria Lisboa de Mello, pelo incentivo e corao aberto.
professora Ana Ibaos, pelas palavras de incentivo.
minha me, Bernardete, por todo suporte e investimento na minha vida.
Tita e ao D, tia Maria, minha v Gema, ao Gui pela pacincia.
PUCRS, por ser uma casa para a qual sempre posso retornar.
Cludia Strey, pela leitura inteligente, comentrios esclarecedores e competncia terica elogivel.
Ao Pedro, Tas e Luciana, por torcerem tanto por mim.
Eva Almeida da Silva por todo o cuidado.
Ao Jos Luiz Ribeiro e Evelyn Bergman Ribeiro, pela companhia no final da caminhada.
Igreja Batista Mont Serrat pelo apoio e oraes.
Rossana Benites, pelo amparo e carinho.
ESPM, pelo incentivo.
s secretrias do PPGL.
gurizada: aos quatro.
EPGRAFE
Se voc virar direita ou esquerda, teus ouvidos ouviro uma voz atrs de voc, dizendo: Este o
caminho, andai por ele. Isaas 30:21
RESUMO
Atravs de avanos na concepo de cincia, valendo-se de Kuhn (1962), Poeppel (2004) e
Giere (2006), Costa (2007b) lana a Metateoria das Interfaces e sugere um novo tratamento para a
Lingustica e para a significao. A Lingustica deixa de ser vista como uma disciplina pr-existente
e passa a ser tratada como Cincias da Linguagem e, portanto, como o resultado de construes de
interfaces internas e externas. Da mesma forma, o significado em linguagem natural, para fins de
investigao, deixou de ser um objeto observvel, no e do mundo, para ser compreendido como um
objeto complexo construdo atravs dessas interfaces. A partir dessa concepo de interfaces e
objetos complexos, respaldada pela Metateoria das Interfaces, a fim de estudar o significado por um
vis inferencial, propomos a elaborao de um construto que tem na articulao de teorias de carter
inferencialista a capacidade de promover uma investigao mais interessante desse objeto tanto do
ponto de vista descritivo quanto do ponto de vista explanatrio. Para tanto, foram reunidas, luz do
Perspectivismo e da noo de cross-fertilization, a Teoria das Implicaturas Conversacionais (GRICE,
1975), a Teoria das Implicaturas Conversacionais Modelo Ampliado (COSTA, 1984), a Teoria da
Relevncia (SPERBER; WILSON, 1986, 1995), a Teoria das Implicaturas Conversacionais
Generalizadas (LEVINSON, 2000), a Teoria da Conectividade No-Trivial (COSTA, 2002, no prelo,
2005a) e a Teoria do Dilogo (COSTA, 2013). Dessa forma, foi possvel, a partir da criao de
interfaces, em especial da TCNT e da TR, fortalecer os fundamentos que explicam por que usamos a
linguagem, mais do que para obter informaes e melhorar nossa representao de mundo da
maneira mais eficiente por menos esforo, assumimos que o homem usa a linguagem porque est
geneticamente programado para a conexo, e a linguagem uma das formas pelas das quais se obtm
isso, atravs, contudo, de uma forma no-mecnica, no-redundante, mas criativa e informativa. As
interfaces tambm permitiram verificar que, via processamento inferencial, devido a elementos da
lgica, podemos no apenas monitorar nossos raciocnios, mas nosso conhecimento de mundo como
um todo. Alm disso, pela problematizao das noes de benefcio e custo, verificou-se a
necessidade de se considerar que aspectos emocionais e estticos neste caso, em especial, a partir
da concepo de que o meio a mensagem (McLUHAN, 1969) passassem a compor o que
entendemos por significado. Ele, portanto, no se constitui apenas de aspectos racionais e
informativos noo est igualmente revisitada. Por fim, foi possvel verificar que essas novas
interfaces nos permitiram identificar que inferncias de diferentes naturezas, lgico-lingusticas, a
saber, as multiformes, e elementos de diferentes naturezas, emocionais, estticos, etc., interferem e
interagem nas trocas conversacionais, das mais diferentes situaes comunicativas, para a produo
dos mais ricos e variados efeitos de significao, reorientando online, inclusive, as intenes dos
interlocutores. Todos esses aspectos foram investigados a partir dos discursos jornalstico, poltico e
jurdico, cujas existncias sociais concretas os tornam locus perfeito para a gerao dos fenmenos
que nos interessam, e cujas naturezas fazem com que se valham dos tantos recursos aos quais o uso
da linguagem natural d origem. Por fim, tais discursos podem ser vistos reunidos em um evento, a
eleio presidencial norte-americana, em 2000, cujo debate entre democratas e republicanos
mostrou-se o local ideal para testar o construto e identificar os fascinantes efeitos de significao que
intenes movidas por razo e emoo, de olho nos mais diferentes tipos de benefcios, mesmo que
estes se caracterizem pelo baixo custo, podem produzir atravs da perfeita interao entre ditos e
implicados mediada por inferncias lgico-lingustico-cognitivo-comunicacionais.
ABSTRACT
Concerning the breakthroughs science has experienced, using Kuhns (1962), Poeppels (2004) and
Gieres (2006) work, Costa (2007b) launches the Metatheory of Interfaces and suggests a new
approach to Linguistics and meaning. Linguistics thus is no longer seen as a preexisting discipline,
but now is considered as Language Sciences, i. e., it is now regarded as a result of external and
internal interface construction. All the same approach is given to natural language meaning when it
comes to research, for it is no longer an observable object in and from the world, but now it is
understood as a complex object built through the establishment of these interfaces. Regarding the
complex objects and interfaces conception, backed by the Metatheory of Interfaces, in order to study
meaning from an inferential point of view, we suggest the development of a model which has in the
articulation of inferential theories the capacity of investigating such a complex object in a more
interesting way regarding both the descriptive and explanatory perspectives. To do so, concerning the
Perspectivism position and the cross-fertilization notion, the Conversational Implicature Theory
(GRICE, 1975), the Conversational Implicature Theory Enlarged Model (COSTA, 1984), the
Relevance Theory (SPERBER; WILSON, 1986, 1995), the Generalized Implicature Theory
(LEVINSON, 2000), the Non-Trivial Connectivity Theory (COSTA, 2002, unpublished, 2005a) and
the Dialog Theory (COSTA, 2013) were brought together to form an articulated model. Therefore, it
was possible, from the devise of interfaces, specially, using the Non-Trivial Connectivity Theory and
the Relevance Theory, to strengthen the theoretical foundations which explain why we use language
not only to acquire information and to improve our world representation in a more efficient way for
less effort, but by assuming that man uses language because he is genetically programmed to
connection, and natural language is one of the various forms through which man can obtain it, in,
however, a non-mechanical, non-redundant, but creative and informative way. The interfaces also
allowed to verify that, through inferential processing, due to logic traits, we can not only monitor the
way we reason, but also our world knowledge as a whole. Besides, because of the questioning of
notions such as benefit and cost, it was possible to verify the of considering that aesthetic and
emotional aspect in this case, especially regarding McLuhans (1969) maxim the medium is the
message started to explain what we understand as meaning. So it is not only based on rational and
informative aspects. Finally, it was also possible to verify that these new interfaces allowed us to
identify inferences of different natures, such as linguistic and logic, known as multiform inferences,
and identify elements of different natures, such as aesthetic, emotional, etc., dabbling and interacting
in conversational exchanges regarding the most different communicative situations concerning the
production of rich and various types of meaning effects, to the point of online reorienting
interlocutors intentions. All these aspects were investigated using journalistic, political and legal
discourses, whose concrete social existence makes them a perfect locus for the generating of the
phenomena we are interested in and whose natures make them exploit the many resources that the
use of the natural language gives rise to. Such discoursed can all be seen together in one event, the
2000 American presidential election, whose debate between Democrats and Republicans also is an
ideal place to test the model we are building and to identify the fascinating meaning effects that
intentions, moved by reason and emotions, regarding different kinds of benefits, even being the sort
of low cost, can produce through the perfect interaction between what is said and what is implicated
mediated by communicative-cognitive-linguistic-logic inferences.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Butterfly Ballot ............................................................................................................... 506
Figura 2 Votos para Buchanan em condados da Flrida .............................................................. 512
Figura 3 Tipos de Perfuraes Problemticas .............................................................................. 514
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 Clculos Grice/TIG (1975) e Costa/TIGA (1984) ....................................................... 145
Quadro 2 Heursticas de Levinson (2000) e Mximas de Grice (1975) ....................................... 239
Quadro 3 Propriedades da Semntica e da Pragmtica na TCNT ................................................ 281
Quadro 4 Clculo TCNT .............................................................................................................. 291
Quadro 5 Exemplificao do Clculo da TCNT na Interface ...................................................... 314
Quadro 6 Clculo Dedutivo No-trivial (TR) do 1 Dilogo ....................................................... 401
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CE Colgio Eleitoral
DPJ Discurso Poltico-Jurdico
IC Implicaturas convencionais
IPs Inferncias pragmticas
ISs Inferncias semnticas
ICG Implicaturas conversacionais generalizadas
ICP Implicaturas conversacionais particularizadas
LN Linguagem natural
SCV Semntica das condies-de-verdade
TIG Teoria das Implicaturas de Grice
TIGA Teoria das Implicaturas de Grice Ampliada
TR Teoria da Relevncia
TICG Teoria das Implicaturas Conversacionais Generalizadas
TCNT Teoria da Conectividade No-trivial
TD Teoria do Dilogo
LISTA DE SMBOLOS
A, B Interlocutores (variveis individuais)
F Falante
C Contexto
Q Implicatura
E Enunciado
Quantificador Universal
Quantificador Existencial
Conjuno
V Disjuno
Operador de Possibilidade
Operador de Necessidade
Implicao material
{ } Conjuntos
< > Conjuntos ordenados
||- Acarretamento
+> Implicatura
>> Pressuposio
S O falante sabe que
P Epistemicamente possvel
Martelo sinttico
Negao
p, q, r, s Variveis sentenciais
V Verdadeiro
F Falso
S Sentena
SUMRIO
1 INTRODUO ............................................................................................................................. 17
2 SIGNIFICADO, DISCURSOS, INFERNCIA E A METATEORIA DAS INTERFACES .. 29
2.1 A PROBLEMTICA ABORDAGEM DO FENMENO DA SIGNIFICAO EM LN ........ 30
2.2 OS DISCURSOS JORNALSTICO, POLTICO E JURDICO .................................................. 51
2.3 LGICA, COMUNICAO, INFERNCIA E A METATEORIA DAS INTERFACES ....... 91
3 MODELOS INFERENCIALISTAS .......................................................................................... 110
3.1 A TEORIA DAS IMPLICATURAS (TIG) ................................................................................ 110
3.2 O MODELO DA TEORIA DAS IMPLICATURAS DE GRICE AMPLIADO (TIGA) ........... 134
3.3 A TEORIA DA RELEVNCIA (TR) ........................................................................................ 148
3.4 A TEORIA DAS IMPLICATURAS CONVERSACIONAIS GENERALIZADAS (TICG) .... 230
3.5 A TEORIA DA CONECTIVIDADE NO-TRIVIAL (TCNT) ................................................ 271
3.6 A TEORIA DO DILOGO (TD) .............................................................................................. 316
4 ELEIO, METODOLOGIA E APLICAO DO CONSTRUTO ..................................... 358
4.1 A ELEIO PRESIDENCIAL 2000 ......................................................................................... 358
4.2 METODOLOGIA E O CONSTRUTO TIG/TIGA-TR-TICG-TCNT/TD ................................. 369
4.3 APLICAO DO CONSTRUTO TIG/TIGA-TR-TICG-TCNT/TD ........................................ 377
4.3.1 Primeiro Dilogo entre Gore e Bush .................................................................................... 378
4.3.2 Telefonema entre Bill Daley para Don Evans ..................................................................... 444
4.3.3 Segundo Dilogo entre Gore e Bush .................................................................................... 459
4.3.4 Inferncias Vrias a partir do Discurso Jornalstico ......................................................... 494
4.3.5 O Discurso Poltico-Jurdico: a Butterfly Ballot e os Votos Ausentes ............................... 505
5 CONCLUSO .............................................................................................................................. 533
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ......................................................................................... 539
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1 INTRODUO
O estudo da natureza do significado envolve problemas altamente complexos, exigindo que
se repensem as formas de tratamento, o que necessariamente tem consequncias sobre a concepo
do fenmeno propriamente dito e sobre as decises metodolgicas envolvidas. A tradio lingustica
caracterizou-se, durante muito tempo, por uma postura observacionalista. Ao considerar o significado
como algo pr-existente, que antecede a qualquer modelo, acabava desenvolvendo teorias que
acreditavam que, para estud-lo, deveriam descobri-lo e descrev-lo. Essas abordagens no puderam
oferecer mais do que explicaes metafsicas e especulativas. Um dos fatos que atrasou tanto a
obteno de um entendimento mais consistente a respeito do componente semntico da linguagem
natural (LN), em relao ao fonolgico e ao sinttico, foi justamente a constatao de que, ao
contrrio dos demais componentes, no h como observar o significado de forma direta.
A semntica das condies-de-verdade (SCV), fruto dos trabalhos em semntica formal,
baseados no rigor e na preciso da lgica standard, em especial a partir de Tarski (1944) e Montague
(1974), firmou-se como a melhor proposta para o estudo do significado, ganhando fora em um
momento em que a Lingustica cientfica, na poca regida pela corrente chomskiana, havia abortado
mais uma tentativa de tratamento para a questo do significado. Desde ento, a SCV contribuiu com
um tratamento descritivo-explanatrio rigoroso para algumas questes semnticas da LN,
especialmente para aspectos relativos referncia e s prprias condies-de-verdade, num perodo
em que ou se tinha muito pouco na Lingustica cientfica pura ou proliferavam as abordagens
essencialmente baseadas em teorias sociais1 que, por carecerem de fundamentos mais consistentes,
ofereciam explicaes obscuras dependentes de noes psicolgicas, ideolgicas, culturais, etc.
Essa abordagem formal teve duas consequncias importantes. Por um lado, certas
propriedades essencialmente lgicas da linguagem natural puderam receber um tratamento jamais
antes oferecido , pois, como se sabe, a Semntica no leva em considerao fatores extralingusticos
tais como, contexto, uso e usurio e os efeitos que so gerados a partir dessa interao, os quais,
muitas vezes, interferem na determinao do significado. Por outro lado, possibilitou uma
delimitao um pouco mais objetiva da fronteira entre os fenmenos que podem ser considerados
estritamente semnticos de outros aspectos que emergem justamente a partir do uso da linguagem, os
quais, por sua vez, desde sempre, foram rechaados pelos estudiosos, especialmente aqueles de
postura positivista.
Temos, dessa forma, uma poro do significado deixada, por algum tempo, margem das
investigaes mais rigorosas. No se pode negar que a deciso metodolgica de excluir as
especificidades semnticas oriundas do uso da linguagem em contextos especficos, para fins
especficos, passou a permitir um tratamento para o significado com o rigor que sempre se quis, mas
1 Como ser discutido ao longo deste trabalho, especialmente tomando como base a Teoria das Interfaces (Costa,
2007), no se est sugerindo que os estudos ligados s questes sociais, especialmente os que relacionam linguagem
natural e comunicao, devam ser abandonados, apenas que sejam repensadas de forma rigorosa as abordagens
metodolgicas disponveis. Como ser possvel verificar, uma das interfaces desejveis com a comunicao, mas
a discusso volta-se para como metodologicamente isso ser realizado.
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com o nus de no se avanar para alm das trivialidades lgicas, adiando ou simplesmente deixando
vrios fatores interessantes da significao sem perspectiva de tratamento.
Hacking (1999, p. 12) captura muito bem uma das questes mais controversas sobre os
estudos a respeito da significao: ... a teoria pura do significado no interessa muito Filosofia,
embora a linguagem interesse. Foi, portanto, justamente dentro da Filosofia, em especial dentro da
Filosofia da Linguagem, que teve incio um dos maiores movimentos para se retomar o estudo das
especificidades comunicacionais da linguagem natural e onde a Lingustica encontrou respaldo
metodolgico para sair da letargia na qual se encontrava. Alguns tericos seguiam a linha iniciada
com Frege, Russell e o chamado primeiro Wittgenstein (1923) e perceberam que a linguagem natural
no tinha a preciso das linguagens lgicas, conferindo-lhe o rtulo de ilgica. Outros estudiosos
como Strawson (1950), Wittgenstein ([1953], 1990), Austin (1962), Grice2, (1967, 1975) e Searle
(1969), entre outros, decidiram encarar o aspecto comunicacional da linguagem e suas consequncias
para a significao. Esse segundo grupo elaborou seus estudos enfrentando questes consagradas
dentro da Filosofia da Linguagem que, por sua vez, envolviam o debate entre os filsofos da lgica e
os filsofos da mente, entre o atomismo e o holismo, etc.
Inicialmente disputando e, ultimamente, dividindo com a Semntica o terreno das
investigaes sobre a significao em linguagem natural, encontramos a Pragmtica. Os trabalhos
desenvolvidos luz desse paradigma tm contribudo para o reconhecimento e o esclarecimento
dessa natureza heterognea do significado especialmente quando usado para fins comunicacionais,
bem como potencializado abordagens para tal questo, sem, no entanto, cair em explicaes
especulativas ou ad hoc claro, nem sempre, sem problemas.
Costa (1984) didaticamente divide esse caminho em trs grandes momentos. O primeiro,
denominado de Perodo Clssico, caracteriza a etapa em que estavam sendo identificados os
fenmenos e levantadas as dificuldades que traziam para os estudos. O segundo, Perodo de
Autonomia, caracterizou-se pelo surgimento propriamente dito dos modelos que buscariam enfrentar
tais fenmenos o que, para o autor, teve incio com Austin (1962) a partir da teoria dos Atos de
Fala. O terceiro e grande momento, para Costa, refere-se ao Perodo das Interfaces (da inter e
intradisciplinaridade), consolidado atravs da Metateoria das Interfaces Internas e Externas
(COSTA, 2007) quando, a partir de uma viso perspectivista de cincia, as reas se reorganizam,
especialmente, para a construo e tratamento de objetos complexos.
A incluso do aspecto comunicacional como fator relevante para o esclarecimento de
fenmenos relativos ao significado possibilitou, entre outras coisas, que se identificasse uma lgica
especfica linguagem natural, a qual parece no seguir, unicamente, e, na grande maioria das vezes,
os rgidos padres estabelecidos pela lgica dedutiva standard o que no significa que ela tenha
2 Ao tratar da intencionalidade, Grice se viu envolvido com o no-dito. Problema: desenvolver um tratamento
tcnico para a intencionalidade. Se no for por raciocnio, no h como explicar a comunicao. A filosofia da
mente anterior s cincias cognitivas, portanto, para Grice no era bvio que deveriam ser feitas conexes com o
crebro. Da a crtica de S e W, embora proceder, no ser totalmente adequada (COSTA, 2002, em comunicao
pessoal).
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sido totalmente excluda. Alm disso, essa outra maneira de estudar o significado mostrou tambm
que qualquer teoria que pretenda abord-lo no pode deixar de lado um dos seus fenmenos mais
interessantes, qual seja, o fato de um enunciado poder transmitir mais do que aquilo que est
expresso na sentena, ou seja, a questo da significao implcita.
A comunicao carregada de efeitos de significao fundamentais para o seu sucesso, entre
eles, um universo de implcitos, obtidos a partir do raciocnio de natureza inferencial. Muitas vezes,
justamente aquele contedo a mais que acaba garantindo a racionalidade de um enunciado e do
prprio ato comunicativo: ao nvel da conversao, enquanto prtica comunicativa concreta, a
significao deveras carregada de inferncias no totalmente descritas (PORTANOVA, 2002, p.
211).
Ao contrrio do que comumente se pensa, a linguagem natural serve para outros fins,
igualmente nobres como comunicar, este, em especial, tradicionalmente estudado e desenvolvido
por Saussure. Costa (2012) arrola outros dois, em especial, conhecer e pensar, propostas por
Chomsky e Montague respectivamente. Da Costa entender ser a propriedade argumentativa e
comunicacional da linguagem natural potencializada a partir tambm de propriedades cognitivas e
lgicas. Costa (2012), por fim, acrescentar o sentir como tambm um dos fins da linguagem natural.
Um subconjunto ser o foco deste trabalho: estaremos ocupados em descrever e explicar a
gerao e captura daquelas inferncias, daqueles implcitos, que, mesmo no sendo tratveis via
lgica standard desempenham um papel mais do que crucial na prtica argumentativa, buscando
descrever e explicar sua gerao, alm de avaliar a plausibilidade comunicacional dos raciocnios que
produzem tais implcitos, embora, claro, no estejamos excluindo as inferncias modelveis pela
lgica.
Sendo assim, a influncia de aspectos extralingusticos na determinao total do significado
dos enunciados pode ser tomada como evidncia para o fato de que, na comunicao, o significado
em linguagem natural no pode ser abordado como um fenmeno homogneo, mas sim se caracteriza
por ser constitudo, basicamente, a partir de dois nveis distintos. Um deles aquele contedo
semntico explcito que se expressa na estrutura da sentena, pode ser percebido de forma objetiva e
modelado teoricamente atravs de uma semntica convencional default ou de uma tipo condies-de-
verdade. O outro consiste no contedo implcito que, apesar de no estar disponvel percepo
atravs dos sentidos, perfeitamente capturado/capturvel pelo interlocutor. Tal contedo, mesmo
no estando expresso na estrutura da sentena, est relacionado a ela, uma vez que gerado e pode
ser derivado a partir dela.
Nesse sentido, estudos de natureza pragmtica vm preencher o gap existente nas
investigaes relativas significao extraliteral e aos princpios que permitem descrever e explicar
como possvel compreender um contedo semntico que, apesar de no ter sido explicitamente
veiculado, pode ser capturado e serve no s como evidncia para a riqueza e complexidade do
componente semntico da linguagem natural, bem como exerce um papel fundamental no sucesso do
ato comunicativo. Ratifica-se, portanto, a noo de inferncia como forma para modelar esse
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contedo, levando em conta, entretanto, o seu sentido amplo, como sinnimo de raciocnio.
Deixa-se a concluso necessria da lgica standard, mas admite-se um processo cuja natureza
a passagem de um conjunto de suposies assumidas (premissas) para um resultado que
decorre de tal conjunto (concluso) (COSTA, apud DAVI, 2009, p. 48).
A persistncia dos filsofos da mente produziu um dos modelos mais importantes dentro da
Pragmtica, o qual inaugura uma abordagem objetiva para uma categoria de no-dito, supondo a
necessidade de se contemplar princpios da racionalidade humana a fim de tratar da gerao e
depreenso desse implcito e do seu papel na constituio do significado lingustico bem como na
comunicao. Trata-se da Teoria das Implicaturas (TIG), desenvolvida por Paul Grice.
No artigo Logic and Conversation, Grice (1975) apresenta a TIG como uma teoria do uso
da linguagem, procurando, entre outros aspectos, sistematizar a intencionalidade humana na
comunicao. Esse modelo formado por quatro categorias (Qualidade, Quantidade, Relao e
Modo) compostas por mximas conversacionais, que constituem o Princpio de Cooperao. Atravs
desse sistema conceitual, Grice modelou, de forma pioneira, a regra que permitiria a um emissor A
transmitir mais contedo semntico atravs de um enunciado e a um receptor B identificar e
compreender essa informao extra. A disse p, no entanto, B pode recuperar p + q, em um contexto
C. Essa informao extra, q, constitui o tipo de implcito a ser discutido neste trabalho, o qual foi
isolado por Grice sob o rtulo de implicatura conversacional embora dada a articulao dos
modelos, outros implcitos passem a ser considerados.
Grice concorda que o mundo dos implcitos heterogneo demais para ser capturado como
um todo, mas, por acreditar na objetividade de alguns desses implcitos, ele restringiu sua ateno
somente quelas inferncias que esto em alguma conexo com o dito. Da a importncia de um
estudo do significado em linguagem natural para fins comunicativos que se d na interface
Semntica/Pragmtica. Atravs da noo de implicatura conversacional, Grice busca sistematizar
como o sentido de um enunciado pode extrapolar o sentido da sentena, fenmeno comum na
conversao humana.
Um dos aspectos que fez da TIG mais do que um sistema eficiente para tratar questes
referentes significao que escapam a explicaes de ordem sinttica e semntica, apesar de ter
sido apresentada de maneira informal, foi a sua preocupao em abordar seu objeto no mesmo nvel
de rigor metodolgico praticado pela Semntica e pela Sintaxe, alm do fato de enfrentar debates
clssicos como aqueles travados dentro da Filosofia da Linguagem. Tanto esse o caso, que Smith e
Wilson (1992) reconhecem o trabalho de Grice como o responsvel pelo lanamento das fundaes
de uma nova abordagem para a Pragmtica, enquanto disciplina dedicada ao estudo da interpretao
de enunciados.
Seguindo a mesma linha de Grice, Sperber e Wilson (1986/1995), na obra Relevance:
communication and cognition, atravs da Teoria da Relevncia (TR), levantaram os problemas da
TIG e apresentaram um modelo alternativo, mas, como veremos, no incompatvel com a proposta
original. Segundo os autores, Grice mostrou como as pessoas capturam os implcitos, mas falhou em
21
explicar o que eles consideram fundamental, a saber, por que alguns implcitos so escolhidos e
outros no e qual o papel que o contexto desempenharia. E, assim, lanam um modelo buscando na
cognio humana resposta para essa e outras questes.
A TIG trabalha com a derivao de implcitos, e uma das grandes contribuies do modelo
foi a de descrever diferentes tipos de implcitos objetivos. No entanto, embora Grice tenha
identificado, alm das implicaturas convencionais, dois tipos de implicaturas conversacionais,
dedicou-se a um tipo, as implicaturas particularizadas, que se caracterizam pela dependncia de
contextos especficos, adiando intencionalmente o tratamento de outro tipo de implicaturas: as
generalizadas, geradas sem a necessidade de tais contextos. E foi justamente a esse aspecto que
Levinson (2000) dedicou sua obra, Presumptive Meanings.
De uma forma ou de outra, as trs teorias caracterizam-se por tratarem de implcitos tipo
implicatura e, mesmo tendo diferenas entre si, no nvel dos fundamentos, podem perfeitamente ser
articuladas no nvel descritivo a fim de formarem um aparato terico descritivo-explanatrio mais
forte para o tratamento do significado comunicacional da linguagem natural. E isso o que a
Metateoria das Interfaces permite, conforme veremos. Sem contar o fato de que, atravs de tal
articulao, passa a ser possvel modelar fenmenos que caracterizam a comunicao humana na sua
riqueza e complexidade.
E, se estamos falando em estudar a linguagem na sua dimenso comunicacional, temos que
admitir que ela, nesse nvel, serve aos mais variados propsitos. A comunicao no acontece apenas
pelo simples fato que temos a capacidade de nos comunicarmos, embora, como igualmente veremos,
essa uma das bases da proposta de Costa (2002, no prelo, 2005), as pessoas tambm tm fins para
as trocas comunicacionais e, muitas vezes, esses fins no so aqueles em que as pessoas procuram
obter a maior quantidade de informaes pelo menor esforo. Nesse sentido, o homem, enquanto ser
social, est direta ou indiretamente envolvido com vrios atos comunicacionais, cujo fim, na sua
grande maioria, a aquisio de conhecimento (que pode envolver tambm o abandono de
conhecimento), uma vez que isso, sem dvida, afeta o papel e o relacionamento do homem com o
meio no qual ele est inserido.
Em outras palavras: as pessoas querem estar informadas no pelo puro objetivo da
informao, mas para fazerem algo com ela. E isso precisa ser contemplado. O jornal, desde sempre,
cumpre esse papel, e a linguagem natural, por vrios motivos, um dos melhores veculos para a
transmisso de informaes. O discurso jornalstico se preocupa com a construo de proposies
para as quais seja possvel a sua determinao em termos de verdade ou falsidade objeto da
semntica das condies-de-verdade mas, como veremos, a complexidade da comunicao humana
torna esse discurso especialmente complexo, inclusive no que diz respeito significao implcita.
Tericos do jornalismo como Douglas (1966), Amaral (1969), Marques de Melo (1985), entre outros,
veem o implcito mais como uma forma de editorializao e comprometimento nocivo
credibilidade do dito do que como um complemento at mesmo natural, fenmeno fruto do uso da
22
linguagem, que acaba tornando o texto comunicativamente eficiente. como se toda a significao
devesse proceder do e encerrar-se no cdigo, no dito.
Dado o carter pragmtico do discurso jornalstico, carter esse manifesto nas mais diferentes
formas, como atravs do advento da mdia de massa, da concorrncia, do jornalismo interpretativo,
da internet que tornou, potencializou o dilogo entre jornalista e leitor , da mudana da sociedade,
que acarretou a exigncia de textos mais informativos e, ao mesmo tempo, simples, tal discurso
passou a ter que se modificar cada vez mais a fim de exercer sua funo em uma sociedade
constantemente em movimento. Uma das consequncias disso est manifesta na posio pessimista
de McLuhan (apud BAHIA, 1970), ao declarar a crise da lgica linear-discursiva da
comunicao verbal.
Alm disso, h tambm que se considerar que o jornalismo3 no trata diretamente com fatos,
mas com descries de fatos; e mais, esses fatos, mesmo sendo em si completos, na verdade, so
fruto de um recorte de uma realidade maior, que, por sua vez, tambm recortada de uma realidade
maior e assim por diante, ad infinitum. O jornalista, ento, atravs de alguns critrios, seleciona,
recorta e recria representacionalmente certos fatos para que o leitor possa tomar conhecimento dos
acontecimentos da melhor forma possvel o que envolve uma preocupao com a forma e no
apenas com o contedo. Esses so alguns dos aspectos que fazem da mensagem jornalstica um dos
exemplos mais ricos, complexos, desafiadores e interessantes de um texto com alta dependncia
contextual que tem, na potencializao da produo e na dependncia de inferncias4, o reflexo do
seu carter inegavelmente pragmtico.
Ao selecionar, recortar trazer fatos do mundo sob a forma representacional, o texto
jornalstico cobre acontecimentos das mais variadas reas, cada uma delas com seus respectivos
discursos, os quais se expressam e so veiculados atravs do discurso jornalstico. Alguns dos que
tm mais repercusses sobre a vida das pessoas, e igualmente dos mais ricos para um estudo das
propriedades pragmticas, so os discursos poltico e jurdico. Embora na fundamentao terica
sejam tratados separadamente, onde sero levantadas as suas propriedades pragmticas complexas,
para fins do potencial de aplicao do modelo construdo neste trabalho, podero ser tratados
dicotomicamente conforme proposto por Costa (2008), constituindo o discurso poltico-jurdico
(DPJ).
Nesse sentido, o DPJ apresenta-se igualmente como um objeto altamente polmico e
complexo. Na sua essncia, caracteriza-se por ser um debate, o que lhe confere um carter persuasivo
e argumentativo; o qual busca validar-se, declarando-se racional, ou seja, de certa forma um
discurso ocupado em validar suas concluses, preocupado em mostrar que essas concluses
efetivamente decorrem das suas premissas as quais, geralmente, so aceitas como verdadeiras5. Essa
3 O jornalismo tem compromissos com a semntica: tem um contedo. A questo verificar como esse contedo
trabalhado e apresentado. 4 Processo pelo qual se pressupe algo e, dele, mais algumas regras, chega-se a outras coisas. 5 Um aspecto importante ser esclarecer o que se entende por verdade na comunicao; a qual ser tratada via TCNT
e TD a partir da noo de condies de veracidade.
23
postura encontra grande respaldo e fora retrica de convencimento na palavra lgica. Todavia, a
argumentao no discurso poltico-jurdico no segue exatamente os padres da lgica formal, o que,
interessantemente, no o descaracteriza como lgico, se aceitamos a linha terica defendida neste
trabalho, a de que a linguagem natural possui e segue uma lgica, mas, muitas vezes, de natureza
no-trivial, e esse um dos aspectos que garante e sustenta os debates polticos, debates jurdicos,
entre tantos outros discursos. Na comunicao, estruturas argumentativas, que na lgica formal
seriam consideradas falaciosas, so perfeitamente utilizadas na argumentao do dia a dia. Alm
disso, as premissas so vrias e oriundas de diferentes fontes, como uma sentena, um som, uma
imagem, um item contextual, por exemplo; alm de necessariamente no estarem todas explcitas.
O fato de o no-dito ser um tipo de significado que pode ser cancelado, e que, como veremos,
apesar de ser objetivo, no precisa ser exatamente preciso, torna-o uma das maiores armas dos
polticos e magistrados para fazerem crticas, ameaas, determinaes, julgamentos, etc. No entanto,
trata-se de um discurso misto, altamente complexo e rico. Basta vermos que o discurso, agora o
poltico, em especial, tambm marcado por aspectos de natureza publicitria, os quais podem ser
identificados nos slogans de campanhas e/ou quando os polticos dependem ou desejam o apoio da
populao, texto que tambm tem razo e fora argumentativa. Nesse sentido, os ditos so
formatados a fim de criar impacto, um impacto que vem sustentado por uma quantidade de implcitos
que, caso no fossem supostos, comprometeriam a adequao e propriedade do dito; caso fossem
todos explicitados, no teriam a fora que exercem.
Um acontecimento acompanhado pelo mundo inteiro atravs dos meios jornalsticos foi o
debate entre Republicanos (R) e Democratas (D) a respeito da recontagem manual de parte dos votos
da Flrida, cujo resultado definiria o futuro presidente dos Estados Unidos, na eleio do ano de
2000. Ora, o debate poltico-jurdico altamente complexo, e explora a possibilidade pragmtica da
linguagem natural ao extremo. A discusso entre R e D foi constituda por um discurso
argumentativo de natureza poltica e jurdica com posies contra e a favor da recontagem, que
acabou levando os partidos a se enfrentarem na mais alta instncia judicial americana: a Suprema
Corte Federal. Mas como tratar de tudo isso sem cair na dependncia de aspectos psicolgicos?
Como descrever e explicar os implcitos e o papel que exercem na constituio dos atos
comunicacionais? Uma alternativa atravs de uma abordagem lgico-cognitiva que apresentamos
neste trabalho.
Em 2002, na disciplina Seminrio de Semntica, do Programa de Ps-Graduao em Letras
da PUCRS, dentro do Programa de Pesquisa em Lgica e Linguagem Natural (PPLLN), Costa
apresenta a Teoria da Conectividade No-trivial (TCNT), atravs da qual lana as bases de uma
nova proposta para a abordagem da comunicao inferencial, contemplando avanos nas pesquisas
envolvendo comunicao, neurocincias e linguagem. J em 2003, a tese de doutorado de Beatriz
Vigas-Faria investiga fenmenos inferenciais em peas de Shakespeare, dando incio a um profcuo
trabalho de consolidao do potencial de aplicao da TCNT. Em 2005, Costa publica dois trabalhos
fundamentais para essa nova perspectiva, saber, Comunicao e Inferncia em Linguagem
24
Natural (2005), na revista Letras de Hoje, e A Teoria da Relevncia e as Irrelevncias da Vida
Cotidiana (2005), na revista Linguagem em (Dis)curso. Naquele o autor problematiza vrios
aspectos da TR, em especial, a noo de relevncia descrita atravs das propriedades de
custo/benefcio, e da TICG, em especial, o problema da natureza explanatria da proposta de
Levinson (2000), entre outros aspectos como a interface Semntica/Pragmtica, o problema
metodolgico da duplicidade do papel pragmtico, entre outras questes. Mesmo assim, Costa v as
grandes contribuies de tais propostas, a ponto de sugerir articul-las, no nvel descritivo, para fins
de investigao das inferncias em linguagem natural. J no artigo Comunicao e Inferncia em
Linguagem Natural (2005), Costa d incio discusso sobre a necessidade de interfaces para a
abordagem de fenmenos complexos como a significao em linguagem natural. Em 2007, atravs
de dois artigos, em especial, Inovao e Interdisciplinaridade na Universidade (2007a) e Filosofia
da Lingustica, Filosofia da Cincia e Metateoria das Interfaces (2007b), Costa apresenta de
forma mais detalhada sua proposta de uma Lingustica de natureza complexa, cujo objeto, a partir
das interfaces estabelecidas, possa ser mais ricamente descrito e explicado. Nas palavras de Costa
(2007b, p. 374-375):
a linguagem , certamente, o caminho slido para que os diversos tipos de propriedades
cognitivas possam ser abordadas. Assim, torna-se possvel testar o raciocnio, a emoo, a
crena, entre tantos outros objetos a partir de recursos lingusticos como os lexicais,
medida que tais objetos se expressam atravs das palavras e conceitos a elas ligados: A
inferncia lingustica, semntico-pragmtica, os conetivos como palavras responsveis
por raciocnios dedutivos, (LEPORE, 2000) o lxico emocional, as palavras que geram
medo, ansiedade, alegria, (WIERBITZKA, 2004) as proposies que expressam crenas como os verbos de atitudes proposicionais, crer, duvidar, saber, compreender, etc.
Ao longo do desenvolvimento dos estudos sobre a comunicao inferencial, Costa (2005,
2008) tem mostrado que, mais do que uma comunicao altamente relevante e eficiente, as pessoas
buscam mais do que apenas informaes. Alm disso, Costa (2008) igualmente mostrou que as
inferncias que enriquecem e que fazem as trocas comunicacionais funcionarem vo alm das
inferncias puramente standard, embora elas faam sim parte dos processos de raciocnio, mas
inferncias multiformes, como o autor as denomina, participam e operacionalizam tais trocas. Assim,
quando se trata de comunicao, alm de inferncias dedutivas triviais, encontram-se as indutivas, as
abdutivas, as lingusticas, as no-triviais, etc.
Assim, este trabalho, contemplando os avanos nos estudos envolvendo a comunicao
inferencial, especialmente, no que diz respeito no mais apenas s implicaturas particularizadas, as
quais tiveram um tratamento mais exaustivo, mas agora contemplando tambm as inferncias
multiformes (COSTA, 2008), inclui e articula, obedecendo Metateoria das Interfaces, no seu
construto terico, a TIG (1975, 1989)/TIGA (1984, 2008), a TR (1986, 1995), a TICG (2000), outros
dois desenvolvimentos, a saber, a TCNT (2005), e o ltimo, a Teoria do Dilogo (2010, 2012). A TD
mais detalhadamente apresentada no artigo Dilogo Questes Interdisciplinares (2012), que
toma como base os princpios e crticas propostos por Costa na TCNT, avana trazendo ferramentas
tericas, tanto nos fundamentos, na explicao, quanto na descrio, para tratar de aspectos como as
25
emoes e a imaginao dentro da comunicao inferencial, alm de revisar conceitos clssicos da
TR: aspecto j levantado por Costa desde 2002, na disciplina Seminrio de Semntica, ministrada na
ps-graduao em Letras da PUCRS.
Nessas condies, o nosso trabalho pretende, utilizando o aparato terico disponibilizado pela
articulao da TIG/TIGA-TR-TICG-TCNT/TD, descrever objetivamente e no como fruto de mera
especulao implcitos envolvidos no debate entre D e R, tendo em vista dois nveis. Em um nvel
interno, estaremos modelando os implcitos no debate que tem os partidos D e R como interlocutores,
verificando como cada partido interpreta os enunciados do outro; estaremos, portanto, buscando
recuperar implicaturas intrnsecas ao debate. Em outro nvel, estaremos modelando a forma como um
leitor desse discurso jornalstico, que expressa o debate entre D e R em linguagem natural, consegue
acompanh-lo atravs da percepo dos ditos e implcitos que o texto jornalstico expressa. Aqui
estaremos direcionando nossa ateno s inferncias extrnsecas, que contemplam o ponto de vista do
jornal e do leitor.
importante ressaltar que, a Revista Time, meio jornalstico tomado aqui para executarmos a
aplicao do modelo e testarmos a propriedade descritivo-explanatria do mesmo, veiculada no
mundo inteiro, e lida tanto por pessoas que tm o ingls como lngua nativa, segunda lngua e at
mesmo lngua estrangeira. De qualquer forma, trata-se de pessoas de conhecimentos lingusticos
diferentes que variam desde a competncia de um falante nativo at s mais diferentes formas de
domnio do idioma e conhecimentos de mundo tambm diferentes. Se encontramos variao de
background em pessoas de uma mesma comunidade, quanto mais em indivduos de comunidades
diferentes. Isso, por um lado, no pode ser ignorado por um modelo inferencial que se pretenda geral
e explicativo o suficiente para dar conta do fenmeno da comunicao inferencial; por outro, no
pode impedir estudos que investiguem tal fenmeno.
Temos, portanto, dois objetivos bsicos que, se alcanados, garantiro as contribuies deste
trabalho. Em primeiro lugar, desejamos, mostrar a presena de implcitos na argumentao explcita
em LN, focalizando no comportamento dos mesmos implcitos na argumentao. Para tanto,
precisamos alcanar outro objetivo, o de seremos bem sucedidos na construo de um quadro terico
que possibilite uma descrio mais rica desses implcitos. Ao ilustrarmos a capacidade
descritivo/explanatria desse quadro, estaremos, obviamente, avaliando a capacidade do modelo
complexo para dar conta de um objeto igualmente complexo, ambos construdos inter e
intradisciplinarmente afinal considera-se o objeto construdo como intrnseco s interfaces
consideradas: externamente, Lingustica, Lgica, Cognio (Psicologia Cognitiva) e Comunicao;
internamente, lexical-semntico-pragmtica. Deles, seguem-se nossas hipteses.
Hiptese Metaterica fenmenos complexos recebem tratamentos mais significativos se
abordados atravs de estudos de natureza interdisciplinar. Nesse sentido, a Metateoria das Interfaces,
desenvolvida por Costa (2007a), apresenta-se como uma proposta adequada a fim de fundamentar a
26
construo de um objeto complexo a partir da articulao de diferentes reas via interfaces, dada sua
insero dentro da proposta perspectivista de Filosofia da Cincia, luz de Giere (2006).
Hiptese Terica os modelos Teoria das Implicaturas (TIG), de Paul Grice (1975) e Teoria
das Implicaturas Modelo Ampliado (TIGA), de Costa (1986); Teoria da Relevncia (TR), de
Sperber e Wilson; (1986/1995) e Teoria das Implicaturas Conversacionais Generalizadas (TICG), de
Levinson (1983/2000), a Teoria da Conectividade No-trivial (TCNT), de Costa (2002, no prelo,
2005a); e a Teoria do Dilogo (TD), de Costa (2012), mesmo apresentando certas diferenas, no so
descritivamente incompatveis entre si a ponto de poderem ser adequadamente articulados, formando
um aparato terico descritivo-explanatrio de natureza lgico-cognitiva-comunicativa nico para
tratar da significao a partir do processamento inferencial, alm de ser igualmente capaz de abordar
aspectos que geram os implcitos que estamos investigando, os quais [tais aspectos], contudo, por
muito tempo ficaram excludos das investigaes, a saber, a relao entre intenes e emoes,
assumindo-se tambm uma retrica de natureza inferencial sob o escopo da Lingustica para tanto,
a problematizao de alguns pilares de tais modelos, bem como a sua reconstruo, sempre luz da
inferncia, extremamente desejvel.
Hiptese Emprica/de Aplicao os discursos jornalstico, poltico e jurdico consistem
adequadamente em um locus para a avaliao do construto, mostrando-se prprios para sustentar o
potencial de aplicao do modelo, j o debate que se seguiu eleio presidencial norte-americana
em 2000 perfeito para ilustrar a complexidade de tais discursos, alm de aspectos intrnsecos a ele
propriamente dito afinal, assume-se que eles esto baseados em raciocnios que sustentam e
permeiam o desenrolar das trocas conversacionais que os caracterizam e constituem. Uma
abordagem dos discursos jornalstico, poltico e jurdico, por um lado, e do debate, por outro, de um
ponto de vista da proposta terica lgico-cognitiva-comunicativa, pode oferecer um tratamento mais
objetivo da forma como a significao se reflete na e emana da constituio lingustica de cada um
deles, instanciados no debate, agora luz de uma proposta com interfaces entre cognio, lgica e
comunicao.
Para tanto, este trabalho ir ser divido em trs momentos. No primeiro captulo,
apresentaremos especificidades do uso da LN para fins argumentativos, mostrando, a grande
possibilidade de variao do significado em contextos especficos, salientando sempre o papel do
contedo implcito: sua importncia e dificuldade de tratamento somente a partir de uma semntica
estvel e convencional, sobre a qual o significado pragmtico emerge e qual se alia,
complementando e garantindo o sucesso do ato comunicacional no qual surge e se faz necessrio.
Defendemos, portanto, uma articulao entre Semntica e Pragmtica, aspecto que sustenta a
objetividade dos implcitos e a relevncia deste estudo para a linguagem natural.
Aps, caracterizaremos os discursos jornalstico, poltico e jurdico, identificando e
descrevendo suas especificidades de uma perspectiva comunicacional da natureza prpria de cada
27
discurso e lingustica. Pretendemos, assim, mostrar o que faz de tais discursos loci to propcios
onde nasce e funciona o fenmeno que nos interessa. Igualmente, queremos levantar a propriedade
de aspectos retrico/persuasivos, fruto do uso da linguagem, para que posteriormente possam ser
construdos de tal forma que sua investigao possa ser feita atravs do nosso construto. Por fim,
ainda nesse captulo, trataremos da noo de inferncia e sua grande utilidade para a construo do
significado como objeto intraterico, complexo e heterogneo. Para tanto, discutiremos o papel da
Lgica e suas relaes, ou no, com a Comunicao. Isso tudo ser realizado e justificado luz do
Perspectivismo e da Metateoria das Interfaces, conforme proposto por Costa (2007), aps
devidamente apresentados.
No terceiro captulo, apresentaremos o quadro terico formado pela TIG/TIGA-TR-TICG-
TCNT/TD que constituir o nosso aparato descrito a fim de modelarmos os implcitos que sustentam
o debate poltico/jurdico e o discurso jornalstico que expressa tal debate como pragmaticamente
eficientes. Assim, apresentaremos cada modelo, com seus respectivos crticos, salientando suas
contribuies e fragilidades; depois apontaremos para a fora do aparato terico, que deve ser maior
em termos de contribuio descritivo-explanatria do que a das teorias quando separadas, e por
fim trataremos de isolar seus problemas.
No quarto captulo, iremos inicialmente contextualizar a eleio norte-americana de 2000 e
os aspectos que deram origem e caracterizaram o debate entre republicanos e democratas. Aps,
apresentaremos a metodologia que justifica a articulao dos modelos, os aspectos mais relevantes de
cada modelo para o construto, caracterizando-o, e, por fim, como a aplicao ser realizada a fim de
demonstrarmos a sua potencialidade descritivo-explanatria para explicitar as implicaturas do
discurso jornalstico, poltico e jurdico, procurando apontar para a significativa importncia dos
contedos tipo implicatura nesses fragmentos da linguagem natural, por um lado, e para o debate, por
outro; ratificando as interfaces tericas assumidas.
Esperamos, atravs desse roteiro, buscar avanar um pouco no estudo da identificao desse
fenmeno to comum e fundamental que surge a partir do uso da linguagem para fins
comunicacionais, qual seja, a inferncia no-trivial tipo implicatura conversacional. Exclumos,
desde j, qualquer envolvimento com o contedo ideolgico intrnseco aos discursos poltico e
jornalstico, bem como o nus de trazermos esclarecimentos sobre a natureza da linguagem
jornalstica, poltica e jurdica como um todo embora algumas consideraes possam perfeitamente
ser arroladas. Salientamos que a opo pelo construto no significa o desenvolvimento de uma nova
teoria, mas o aproveitamento dos potenciais descritivos e explanatrios dos modelos existentes,
potencializados por uma articulao respaldada pelo perspectivismo que capacita abordagens de
interface como promotoras de abordagens mais eficientes fruto de propostas como a da Metateoria
das Interfaces.
Dada a organizao desta tese, ela no necessariamente precisa ser lida de maneira linear. Por
exemplo, pblicos j familiarizados com os modelos podem ignorar o captulo 3, pois nele em que
as teorias so pormenorizadamente apresentadas. Interessa-lhes, do captulo 2, respectivamente, em
28
especial, as sees 2.2 e 2.3, em que os discursos e as propriedades que os torna interessantes como
locus de gerao do fenmeno que estamos estudando, a discusso de uma lgica da linguagem
natural e a Metateoria das Interfaces. Por fim, tal pblico pode dirigir-se ao captulo de anlises em
que todos os aspectos tericos relevantes so retomados.
J os pblicos que desejam conhecer no apenas o fenmeno estudado pela Pragmtica, alm
das especificidades dos modelos tericos inferencialistas usados na elaborao do construto,
encontram mais orientaes na seo 2.1 e no captulo 3 como um todo neste, em especial, uma
resenha razoavelmente completa de cada modelo, bem como os aspectos que justificam o
desenvolvimento de cada proposta e evoluo que de cada uma se seguiu. Tendo em vista que iremos
usar, ao longo de todo o trabalho, exemplos envolvendo as eleies, sugere-se, aos que no esto
familiarizados com o fato e/ou com o debate que, antes de mais nada, leiam a seo 4.1.
29
2 SIGNIFICADO, DISCURSOS, INFERNCIA E A METATEORIA DAS INTERFACES
Consideraes Iniciais
Neste captulo, iremos discutir os principais aspectos histrico-tericos envolvidos no
desenvolvimento da Pragmtica enquanto rea tambm dedicada ao estudo do significado lingustico,
alm de mostrarmos alguns elementos que caracterizam a complexidade do fenmeno da significao
em linguagem natural para fins comunicacionais a ser objeto dos modelos. Assim, iremos apresentar
os fatores que, por um lado, retardaram o surgimento de propostas consistentes para o tratamento do
significado da linguagem natural, e, por outro, foram motivadores importantssimos para o
desenvolvimento de novas metodologias na Filosofia e na Lingustica, culminando inicialmente na
TIG e finalmente na proposta luz da Teoria das Interfaces, caracterizando, dessa forma, a
importncia da noo de inferncia e do seu emprego.
Pretendemos, atravs de recortes tericos, orientados pela natureza do aspecto do significado
que nos interessa investigar, levantar fenmenos envolvidos e apresentar os motivos que, devido
responsabilidade e honestidade tericas, dificultam o tratamento de tais fenmenos dentro das
abordagens clssicas que estudam o significado lingustico, tornando, portanto, a Pragmtica uma
tima alternativa, a ponto de representar, inclusive, como sugere Mey (1983), e como demonstra
Costa (1984), uma mudana de paradigma dentro da histria dos estudos da linguagem.
Assim, iniciaremos mostrando a complexidade do significado a partir das dificuldades de
cunho metodolgico enfrentadas pelas propostas clssicas voltadas para o estudo da linguagem
natural seja na tradio seja na lingustica cientfica. Aps, veremos como a Filosofia da
Linguagem, atravs das investigaes que culminaram no trabalho de Paul Grice, ofereceu recursos
para a Lingustica retomar e avanar no estudo da significao.
Seguindo esse caminho, mostraremos a importncia do estabelecimento de interfaces claras
tendo em vista a identificao do fenmeno que nos interessa, por um lado, e a determinao das
opes metodolgicas por outro justificando a opo pela Teoria das Interfaces e pela inferncia.
Contudo, ainda no disponibilizaremos o sistema do construto que ser utilizado e seus
desdobramentos , o que ser feito no captulo 3.
Tendo em vista a importncia que atribuiremos interface, para abordarmos o significado em
LN para fins comunicacionais, ou seja, o significado pragmtico, iremos apontar certas propriedades
da Semntica consideradas imprescindveis para uma modelagem que, embora esteja envolvida com
a variao do significado de enunciados, encontra respaldo na estabilidade do componente
representacional. Escolhemos, portanto, um caminho cuja modelagem exige que as descries e
explicaes considerem os elementos semnticos envolvidos.
Alm disso, ratifique-se, optamos por uma abordagem que contempla a inferncia para tratar
do aspecto do significado implcito comunicacional. Afinal, embora haja outras propostas que
30
tambm procurem dar conta do fenmeno em jogo atravs da hermenutica, de vrias teorias
interpretativas e semiticas elas foram excludas por no contemplarem a inferncia enquanto
recurso para a modelagem, ou por fazerem-no de maneira descritivamente intuitiva.
Em um segundo momento, faremos algumas consideraes a respeito dos discursos que sero
usados como locus natural do tipo de significado que estamos estudando, a saber o jornalstico e,
inserido, no necessariamente, nele, o poltico-jurdico. Nosso objetivo identificar-lhes
propriedades que os tornam aptos a serem tratados como sendo de natureza pragmtica, e, portanto,
adequados para a testagem do modelo terico que iremos construir. Reiteramos que os discursos em
si no constituem nosso objeto de estudo, contudo, nada impede que possamos derivar algumas
consideraes a respeito da sua natureza caso a aplicao do modelo que estamos propondo se
mostre adequada.
2.1 A PROBLEMTICA ABORDAGEM DO FENMENO DA SIGNIFICAO EM LN
Tradicionalmente, a Semntica a subteoria da cincia da linguagem dedicada ao estudo da
significao que se expressa atravs das palavras, frases e sentenas de uma lngua (CANN, 1993).
Sendo, portanto, a disciplina default da Lingustica ocupada com o significado, seu objetivo
oferecer descries que sustentem adequadamente explicaes a respeito da natureza do componente
representacional da linguagem natural como, atravs desse sistema arbitrrio de signos simblicos,
possvel representar algo externo a ele; em outras palavras, como a linguagem pode significar.
Afinal, desde Saussure, ficou metodologicamente mais claro que, embora o significante seja algo
sensvel, o significado apenas perceptvel. bom lembrar que, para ser linguisticamente
relevante, qualquer investigao sobre a significao da linguagem natural deve contemplar
aspectos do significado que, de uma forma ou de outra, estejam codificados nas expresses
lingusticas, ou seja, partam dos elementos explicitamente expressos nas proposies.
Num nvel mais sofisticado, envolvendo no mais apenas a descrio da relao entre
proposies e um determinado estado de coisas, mas o uso da linguagem e propriedades
extralingusticas da situao comunicativa, o componente representacional da linguagem permite
tambm a recuperao de informaes que esto alm daquelas codificadas. A acomodao terica
dessa faceta da LN foi uma das mais complexas e debatidas conquistas da Lingustica, aspecto cuja
urgncia por tratamento, embora nascida no seu arcabouo terico, s encontrou soluo na pesquisa
interdisciplinar, inicialmente, a partir de um encontro com a Filosofia, quando, passou-se a
vislumbrar possibilidades metodolgicas para a retomada das investigaes sobre o significado na
Lingustica.
Por muito tempo, a existncia de uma rea especfica orientada ao estudo do nvel semntico
no produziu nem na tradio, nem na Lingustica cientfica investigaes com resultados
expressivos a respeito da natureza desse aspecto nuclear da linguagem natural (MATTOSO
CMARA Jr., 1990; COSTA, 1984; GEDRAT, 1986). Isso acarreta, obviamente, lacunas
31
importantes no que se refere ao conhecimento sobre a prpria linguagem. Operacionalmente falando,
podemos dizer que essas dificuldades no foram por falta de esforo, mas de jeito e por jeito
entendemos metodologia.
Na tradio dos estudos da linguagem que envolve a Gramtica Normativa, a Filologia e a
Gramtica Comparativa , verifica-se uma atitude metodolgica do tipo observacionalista, segundo a
qual os fenmenos a serem estudados eram considerados objetos pr-existentes no mundo, e,
portanto, dependiam de serem descobertos para da serem conhecidos. O significado, dessa forma, ao
invs de ser tratado como algo intrateoricamente determinado, era tomado como objeto real; e, nessa
concepo, antecedia a qualquer proposta desenvolvida para estud-lo. Por outro lado, tais propostas
tambm se caracterizavam por uma atitude amplamente descritivista: arrolavam-se propriedades, mas
pouco se tinha a dizer sobre sua natureza, ou seja, havia uma carncia de explicaes consistentes.
Alm disso, qualquer que fosse a abordagem do significado, ela no estava livre de perceber
que aspectos de diferentes naturezas, a saber, psicolgicos, culturais, histricos, filolgicos, lgicos,
etc., influenciavam na determinao do significado lingustico para fins especficos. Dada a
quantidade de fenmenos envolvidos na configurao do mesmo, a tradio no pde oferecer mais
do que explicaes metafsicas e/ou especulativas devido dificuldade, de certa forma previsvel,
considerando-se a fragilidade metodolgica das propostas, qual seja, a de se tentar sugerir
generalizaes, s que a partir de modelos muito abrangentes e heterogneos, ou seja, que envolviam
tantos elementos e de diferentes naturezas, mas de tokens, ao invs de types, da linguagem.
Nesse sentido, a tradio contemplava e reconhecia a possibilidade do significado de uma
expresso ir alm daquilo que est codificado e o fato de que isso interfere na interpretao do
enunciado. No entanto, ficava enfraquecida enquanto proposta terica quando procurou dar conta do
significado em LN sem enfrentar as consequncias metodolgicas impostas pela natureza e pelo
papel dos aspectos que esto envolvidos na constituio do mesmo. A Lingustica cientfica ps-
saussuriana no estava em posio mais confortvel. As propostas dos paradigmas fortes, o
Estruturalista6 e o Gerativista7, haviam sucumbido s especificidades do fenmeno da significao;
tinham-se crticas consistentes, mas no alternativas.
No estamos dizendo que a tradio estivesse equivocada nem que a Lingustica cientfica
no tivesse motivos para ficar metodologicamente perplexa frente ao significado em LN, e, em
especial, em relao ao seu comportamento nas prticas comunicacionais, afinal, o significado
lingustico est envolvido com muitas propriedades, como vimos; o que redunda numa incrvel
suscetibilidade a variaes em relao a contextos e intenes.
Feitas essas consideraes, possvel apontar alguns aspectos gerais sobre o problema central
para o avano do conhecimento sobre o significado. Dentro dos estudos pr-cientficos, isso se deve
prolongada carncia de metodologias adequadas. J no caso da Lingustica cientfica, o problema
6 Citamos o empiricismo behaviorista de Bloomfield e a Teoria dos Campos semnticos de Trier (LYONS, 1987). 7 Aqui referimo-nos s crises do paradigma gerativista, em especial, s crticas de Katz e Fodor (1964) e Katz e
Postal (1964) aos modelos chomskianos (apud COSTA, 1984).
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pode ser modelado como uma espcie de dilema: ou os modelos garantiam suas identidades tericas
e, consequentemente, suas conquistas nas reas da Fonologia e da Sintaxe e optavam por manter
investigaes sobre o significado fora de seus ncleos, ou acomodavam o componente Semntico,
alterando seus pressupostos tericos. Essa segunda opo acabaria comprometendo os avanos j
alcanados, arriscando os resultados j obtidos e enfraquecendo aqueles que iriam se seguir.
O ponto crtico da premncia por investigaes sobre o significado na Lingustica surgiu
quando as incontestveis contribuies, fruto de abordagens de natureza abstrato-formal, durante a
vigncia dos modelos chomskianos, no foram suficientes para aliviar as crticas de estudiosos como
Lakoff (1971) e Mc Cawley (1971). Eles reclamavam um tratamento para uma espcie de lgica da
linguagem natural, identificada na sua propriedade comunicacional: seu uso em contextos especficos
aspecto desde Saussure8, e ratificado por Chomsky9, metodologicamente excludo da Lingustica.
Nesse momento, a pesquisa interdisciplinar promoveu o encontro entre a Filosofia e a Lingustica.
Como vimos, Hacking (1999, p. 12) apresentou com muita propriedade a atitude da Filosofia
em relao ao componente semntico da linguagem natural ao declarar: ... a teoria pura do
significado no interessa muito filosofia, embora a linguagem interesse10. Questes semnticas
esto no mago dos interesses da Filosofia. Como o prprio Mey (1993) salienta, muito
interessante o fato de terem sido os filsofos, e no os linguistas, os primeiros a se debruarem sobre
questes referentes relao significado e uso da linguagem.
No entanto, isso no espantoso, pois h aspectos do significado em LN que tm
consequncias para questes nucleares com as quais a Filosofia se preocupa. Por exemplo, o fato de a
linguagem ser via essencialmente nica para o conhecimento no toa que as indagaes de
Scrates, nos Dilogos de Plato, envolvendo Teeteto e Crtilo, ecoam at hoje , bem como ser
veculo de expresso dos fundamentos da cincia. Alm disso, tambm importante considerar a
significao e aspectos relacionados configurao de argumentos em linguagem natural.
As maiores contribuies dos estudos filosficos podem ser verificadas, em especial, atravs
dos debates entre duas tendncias. Na primeira, encontramos o positivismo de tericos como Frege
([1982], 1978), Russell (1905), inicialmente, e, mais tarde, Wittgenstein (1921), Carnap (1950) e
Tarski (1944) denominados de filsofos da lgica , os quais se dedicaram ao estudo da relao
linguagem/mundo, privilegiando a natureza da questo semntica referente ao significado como
representao livre de qualquer interferncia comunicacional ou de empregos especficos. Como
dito, embora estagnados na Lingustica, na Filosofia, estudos sobre o componente semntico da LN
foram fortemente impulsionados. Tais investigaes, contudo, luz de modelos lgico-matemticos,
produziram abordagens formais que contemplavam a forma e o significado lingusticos.
8 Referimo-nos ao conceito de parole proposto por Saussure e apresentado na obra Curos de Lingustica Geral. 9 Referimo-nos ao conceito de desempenho proposto por Chomsky (1957). 10 As propriedades do carter representacional da linguagem passam a ser objeto de ateno dos filsofos. E este
mostrou-se complexo, interessante e problemtico, no s do ponto de vista dos fenmenos que os usos especficos
da linguagem geram, mas tambm do ponto de vista do desenvolvimento de modelos para tratar tais aspectos.
33
A linha positivista, por exemplo, estuda a linguagem no do ponto de vista natural, nem do
comunicacional, mas a partir da sua estrutura lgica na interface com a Semntica. Assim, interessa,
antes de mais nada, segundo Mey (1993), a relao dos enunciados uns com os outros, no deles com
os fatos aqui j estaramos no terreno da semntica propriamente dita. No entanto, a linguagem e
sua propriedade representacional esto igualmente envolvidas em outros aspectos de interesse da
Filosofia, tais como as relaes entre mente, linguagem e mundo; contemplando mais
especificamente, aspectos referentes representao, significado, verdade e comunicao. E, por
nortearem as investigaes, o estudo de tais fatores e suas inter-relaes motiva o desenvolvimento
de propostas tericas.
Nesse sentido, a segunda tendncia, contando com tericos como Strawson (1950),
Wittgenstein (1953), este, em especial, a partir de seus estudos sobre jogos de linguagem,
desenvolvido no texto Investigaes Filosficas11 , Grice (1967/1975), Austin (1962) e Searle
(1969) ou filsofos da mente , tratou da significao procurando identificar, na relao
linguagem/usurio, a partir do ato comunicacional, o papel da inteno e do contexto como
elementos tambm determinantes da configurao do significado em LN. A Pragmtica fruto das
reflexes desenvolvidas luz dessas orientaes.
Embora cada grupo tenha trilhado caminhos metodolgicos radicalmente diferentes, e at
mesmo apresentando dissidncias internas12, ambos foram cruciais para o desenvolvimento, em
especial, da Filosofia da Linguagem e da Lingustica. Isso porque, atravs do trabalho dessas
correntes, configurava-se uma nova perspectiva para a abordagem do significado da linguagem
contemplando aspectos de natureza lgico-lingustico-filosfico-comunicacionais. A Pragmtica
consiste, sem dvida, em uma das grandes contribuies da Filosofia para a Lingustica, pois
investiga justamente as implicaes do componente representacional da linguagem natural e suas
relaes com contextos da ser considerada um marco na troca de paradigmas para o estudo do
significado (COSTA, 1984).
A fim de identificarmos, e metodologicamente isolarmos, o fenmeno de significao que
nos interessa, apresentaremos alguns aspectos da evoluo histrico-terica dos estudos da Filosofia
da Linguagem bem como exemplos ilustrativos. Comeamos com os filsofos da lgica. Para eles,
um dos aspectos importantes envolvendo o estudo do significado eram as implicncias do mesmo
para a determinao do valor-verdade das proposies.
11 Obra em que ele contesta sua postura quanto ao tratamento da linguagem, privilegiando a partir de ento o papel
de elementos extralingusticos na determinao do significado total de um enunciado. 12 A fim de tentar dar conta da variao da significao, Grice aproxima-se de Wittgenstein e de Austin. No entanto,
considera que esses tericos ampliaram a utilidade da noo de contexto para explicar a variao do significado.
Wittgenstein (1953) e Austin (1962), respectivamente, emparelharam o significado com o uso (significado = uso)
atravs dos conceitos de jogos de linguagem e atos de fala. Nisso consiste, basicamente, a oposio de Grice a
esses tericos. Segundo ele, se se deseja verificar a variao do significado, preciso fazer meno inteno do
falante: o que as palavras significam uma questo do que as pessoas significam com elas (SARTORI, 1999, p.
24).
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Tendo como ponto de investigao as propriedades formais da linguagem, esses filsofos
identificaram fenmenos intrnsecos ao significado lingustico13, os quais foram tomados como
evidncia para a ilogicidade da linguagem natural. Ou seja, quando a propriedade representacional da
LN usada para fins especficos ou comunicacionais gera efeitos de significao que no podem ser
tratados por modelos formais com base da lgica standard, como, por exemplo, o da Semntica das
Condies-de-Verdade.
Fenmenos como (1) a alta dependncia de fatores contextuais, (2) a vaguidade14, (3) a
ambiguidade, (4) a capacidade de referir a objetos que no existem, (5) o desacordo com a lgica
standard na medida em que no respeitam as inferncias tradicionais, e (6) o fato de a parte lgica da
linguagem no ser transparente na estrutura de superfcie (ou gramatical) caracterizam uma faceta, de
um ponto de vista terico, desagradvel da linguagem natural, pois no favoreciam o seu emprego
como veculo de expresso da cincia, da o rtulo ilgica. Vejamos cada um individualmente.
(1) A: Voc j votou?
B: Meu ttulo de eleitor est em cima da mesa.
(2) O resultado da Flrida foi anunciado muito cedo.
(3) importante salvar o mundo dos republicanos.
(4) O Csar dos Estados Unidos quer ser reeleito.
(5) Se a contagem dos votos foi honesta, Gore venceu. p q
A contagem dos votos no foi honesta.__________ ~p
Gore no venceu. ~q
(6) Bush republicano. Rb
O texano republicano. (x) (Tx Rx)
Em (1), ao dizer que o ttulo de eleitor est em cima da mesa, A tanto pode querer dizer (i) j
foi votar ou (ii) que est se preparando para ir votar a dependncia contextual e as duas
possibilidades so inegveis. importante tambm observar que o significado exato no est
codificado, embora possa ser perfeitamente capturado dentro de situaes comunicativas
determinadas. J em (2), quanto ou quando cedo? Percebe-se tambm a necessidade de elementos
contextuais. O enunciado (3) permite tanto a interpretao de que importante salvar o mundo de
forma que nenhum republicano venha govern-lo ou importante que algo como o mundo daquelas
pessoas que so republicanas seja salvo. O enunciado (4) fala de algo que no existe: o Csar dos
13
Frege, por exemplo, no final do sculo XIX, chamou ateno para o problema da pressuposio e sua relao com
o contexto. Pierce, na mesma poca, fez meno relao entre os signos e os seus interpretantes. Mais tarde,
Wittgenstein (1953), embora inicialmente positivista, salientou a importncia do contexto para a significao atravs
do conceito de jogos de linguagem. 14 Segundo Ilari (2001), a linguagem instrinsecamente indeterminada, ela dita vaga quando no existe um critrio
nico e seguro para decidir a que objetos a aplicaramos.
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EUA. Em (5), temos um raciocnio perfeitamente compreensvel e plausvel comunicacionalmente
expresso atravs de uma forma lgica invlida, conhecida como a Falcia do Modus Ponens. Em (6),
possvel perceber que, apesar das sentenas terem a mesma estrutura gramatical, apresentam uma
estrutura lgica diferente.
Tais particularidades foram tratadas como defeitos lgicos da LN e usadas como evidncia
para demonstrar e sustentar a tese de que ela no permite a derivao de raciocnios exclusivamente
vlidos, aspecto que tem profundas e cruciais consequncias para a construo de modelos tericos
que se pretendam rigorosos. Contudo, mesmo sendo problemticos de um ponto de vista lgico,
todos esses exemplos podem ser acomodados e usados de forma comunicacionalmente eficiente; da
a suposio da existncia de algo que pode ser tratado como uma espcie de lgica da linguagem,
afinal, a comunicao no catica, mesmo apesar da grande quantidade de elementos envolvidos
tanto explcita quanto implicitamente.
Embora a Pragmtica estivesse delineando-se como alternativa para dar conta de tais
fenmenos, havia opositores. Russell, por exemplo, foi uma das vozes contrrias mais fortes ao
desenvolvimento de abordagens de natureza pragmtica, diz ele na obra Histria do Pensamento
Ocidental: Em filosofia, observa-se um desenvolvimento bastante semelhante [psicologia
associacionista] ao de certas formas da Lingustica, que abandonam o
significado no sentido tradicional e substituem o uso efetivo da linguagem,
ou a disposio para utiliz-la sob certas maneiras na ocasio adequada.
Assim como os ces de Pavlov, pretende-se que salivemos em vez de pensar (RUSSELL, 2001, p. 426, grifo nosso).
A crtica de Russell procede quando pensamos em abordagens especulativas e nos propsitos
e natureza das investigaes que ocupavam o filsofo. No entanto, na cincia contempornea, em
especial, a partir do entendimento de Thomas Kuhn (1962)15, a questo metodolgica antecede a
qualquer outra coisa, e, portanto, nada impede que as especificidades que o uso da linguagem natural
acrescenta configurao do seu componente semntico sejam metodolgica e kuhnianamente
enfrentadas.
Embora tais aspectos fossem indesejveis, do ponto de vista positivista, no se pode negar
que eles fazem parte da natureza da linguagem natural e podem ser perfeitamente empregados na
comunicao. Assim, se, por um lado, foram considerados pelos filsofos da lgica como obstculo
que desestimulava investigaes, os filsofos da mente tomaram-lhes como um conjunto de
elementos motivador, promovendo e justificando estudos de natureza pragmtica do ponto de vista
dessa outra tendncia da filosofia, tais aspectos precisavam ser metodologicamente acomodados e
tratados.
Segundo os filsofos da mente, especialmente para Grice, as particularidades da linguagem
necessariamente no eram prova da sua inconsistncia. O prprio Russell, embora condenasse a
15 E, como veremos, a partir de outros autores que tm tratado da questo de metodologia, a saber, Poeppel (2004) e
Giere (2006).
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vaguidade da linguagem natural, tendo em vista seu programa de investigao, reconhecia a
importncia dessa propriedade justamente como um recurso para otimizar a comunicao16. Alm
disso, a linguagem natural, mesmo no funcionando exatamente segundo os padres da lgica
standard, apresenta uma lgica que permite, de forma perfeita, a objetividade na e da comunicao,
inclusive, para a prtica da argumentao.
A Semntica restringe-se s questes do significado que independem do uso, do usurio e do
contexto no qual uma expresso foi empregada ou seja, ela ocupa-se exclusivamente da proposio
que, por hiptese, deve ter um valor, um significado estvel. Entretanto, a compreenso da natureza e
da configurao do significado lingustico, especialmente quando a LN empregada para fins
especficos e/ou comunicacionais, envolve o tratamento das variaes e dos aspectos envolvidos na
gerao e percepo de contedos a mais. Nosso trabalho , como j fica claro, construdo luz de
um dos possveis encaminhamentos para esse fenmeno, a saber, tratar essa flexibilidade do
significado via Pragmtica.
Embora inicialmente disputando com a Semntica o terreno das investigaes sobre a
significao, hoje, a Pragmtica, devido consistncia metodolgica que vem alcanando, passou a
dividir com ela tal tarefa, apresentando-se como uma importante aliada na Lingustica no que tange
aos problemas que esta enfrentava para abordar o significado. Isso permitiu, por um lado, um grande
avano no conhecimento do significado em LN, sem comprometer o rigor da Semntica; por outro,
consolidou um novo paradigma que tem trazido contribuies sobre facetas e especificidades do
fenmeno lingustico e tem auxiliado no desenvolvimento de novas metodologias.
De acordo com Chierchia (2003, p. vii) as lnguas, por trs de sua fluidez, tm um esqueleto
lgico. Como foi dito, e ser mais bem demonstrado atravs dos exemplos a seguir, embora
estagnada na Lingustica, a Semntica avanou seguindo um rumo formalista e abstrato , cuja
preocupao maior envolvia as condies sob as quais uma sentena verdadeira ou falsa (MEY,
1993), e desenvolvendo procedimentos formais importantes para descrever certas propriedades da
LN. Contudo, vrios aspectos exclusivos da interao lingustica, cruciais para esclarecimentos a
respeito da natureza do significado lingustico e para a lgica da linguagem natural, no eram
capturados por tais abordagens. A ntima relao dessa semntica com a lgica, ao permitir a
identificao de propriedades essencialmente formais da linguagem natural, contribuiu com um
tratamento descritivo-explanatrio rigoroso para questes da significao; limitado, contudo,
especialmente referncia e s condies-de-verdade.
Vejamos. Segundo a lgica formal, a molcula p q e sua alternativa q p17 formadas
por duas proposies e pelo conetivo e devem ter o mesmo significado, o que corresponde a dizer
que devem ter as mesmas condies-de-verdade. Portanto, a sentena abaixo, em linguagem natural,
perfeitamente descrita pelo modelo e compatvel com as suas predies.
16 Costa (2002), disciplina Seminrio de Semntica, em comunicao pessoal.
17 Sendo p e q proposies quaisquer.
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(7) Gore democrata e Bush republicano.
p q
Em (7), para fins de interpretao, indiferente a ordem usada para enunciar a sentena. A
propriedade do conetivo e cujo smbolo formal , prevista pela lgica e adotada pela
semntica das condies-de-verdade, parece manter-se. A alterao da ordem das proposies dentro
do perodo no caracteriza uma alterao do seu significado original. O tratamento de (7) no
oferece, portanto, nenhum problema para uma teoria semntica, e cujo significado pode ser
perfeitamente descrito e explicado dentro de uma semntica terica de modelos, por exemplo.
Um dos momentos mais tensos que disparou o debate entre republicanos e democratas na
eleio presidencial americana de 2000 foi quando Gore, dados os resultados da Flrida, acreditando
que no poderia vencer, ligou para Bush e disse que estava desistindo da disputa o que faria de
Bush o novo presidente eleito. Pouco tempo depois, ao ver que os resultados estavam mudando a seu
favor, Gore ligou novamente dizendo, agora, que continuava na luta pela presidncia veremos o
dilogo literal, bem como a anlise pragmtica do mesmo no captulo 4.
Voltando significao h pouco apresentada, e levando em conta aspectos unicamente
semnticos, pode-se dizer que um jornal estaria autorizado a publicar indiscriminadamente (8) ou (9).
No entanto, se um jornal A publicar (8) e um jornal B publicar (9) teramos, no mnimo, no nvel
interpretativo, problemas de inconsistncia entre eles, e, no caso de (9), o jornal poderia ser inclusive
acusado de estar veiculando informaes parcial ou totalmente inverossmeis.
(8) Gore concedeu e lutou.
(9) Gore lutou e concedeu.
Tendo em vista uma nica inteno comunicativa ou seja, uma nica interpretao
(8) e (9) nos mostram que os jornais18 no poderiam escolher livremente qualquer um dos
enunciados: contexto, no caso, a questo temporal, o que ocorreu primeiro, interferindo na
plausibilidade de cada enunciado para fins comunicacionais, uma vez que a interpretao dos
mesmos leva a concluses diferentes. E isso pde ser verificado atravs da perplexidade Bush ao
receber o segundo telefonema pois j se considerava o novo presidente ao responder Deixe-me
ver se eu entendi, voc est me ligando novamente para voltar atrs na sua concesso?. Como
possvel ver, a suposta manchete (8) a coerente com a situao do telefonema.
A inter-relao entre o significado das proposies aspecto puramente semntico e
elementos contextuais no permite a obteno das mesmas informaes de ambos como prev a
lgica standard pela tabela verdade do conetivo . importante salientar: os exemplos tambm
ilustram a importncia das propriedades da configurao sinttica das sentenas na determinao do
18 No podemos esquecer que a representao fiel, ou o mais fiel possvel, de um estado de coisas, pelo jornal,
condio sine qua non para a sua sustentabilidade enquanto meio de comunicao.
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significado de proposies, o que tambm acarreta consequncias para o estabelecimento do
significado pragmtico dos enunciados.
Para a SCV, existe somente o lgico, que se caracteriza pela propriedade comutativa
aspecto que faz parte da natureza da contraparte natural e que perfeitamente modelvel dentro da
Lgica. Contudo, do ponto de vista formal, o conetivo no captura a diferena entre elementos que
formam a conjuno no que tange ao aspecto temporal (o que aconteceu primeiro). Isso no fruto
de incompetncia da lgica, mas de decises metodolgicas da rea o respeito a tais princpios ,
sem dvida, fator determinante da configurao e da eficincia j alcanada pelos modelos
semnticos que se desenvolveram durante o silncio metodolgico da Lingustica.
Assim, a partir de (8), percebe-se que primeiro Gore concedeu e depois voltou atrs, dando
continuidade luta pela eleio. J (9) nos permite pensar que primeiro o vice-presidente ame