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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP José Neto Cândido Torres O papel do multiplicador na reelaboração colaborativa de uma unidade didática Mestrado em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem São Paulo 2010

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PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO PUC/SP

Jos Neto Cndido Torres

O papel do multiplicador na reelaborao colaborativa de uma unidade didtica

Mestrado em Lingustica Aplicada e Estudos da Linguagem

So Paulo 2010

PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO PUC/SP

Jos Neto Cndido Torres

O papel do multiplicador na reelaborao colaborativa de uma unidade didtica

Mestrado em Lingustica Aplicada e Estudos da Linguagem

Dissertao apresentada Banca Examinadora como exigncia parcial para obteno do ttulo de MESTRE em Lingustica Aplicada e Estudos da Linguagem pela Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, sob a orientao da Profa. Dra. Rosinda de Castro Guerra Ramos.

So Paulo 2010

Autorizo, para fins acadmicos ou cientficos, a reproduo total ou parcial desta dissertao, por processos fotocopiadores ou eletrnicos, desde que citada a fonte.

Banca Examinadora

Dedico este trabalho minha amada esposa,

Marcilene, minha maior incentivadora, que no

s entendeu o motivo da pouca ateno que

lhe dediquei nos ltimos tempos, mas tambm

participou pacientemente de todo o percurso

desta pesquisa.

minha filha, Mariana, muito carinhosa,

sempre a perguntar: Pai, quando voc vai

terminar seu livro?.

Aos meus pais, Izeman e Maria de Lurdes, e

aos meus sogros, Antonio e Lurdes, pelo apoio

e carinho irrestritos, sempre.

A minha querida e batalhadora irm, Aurinha

(in memorian)

AGRADECIMENTOS

Secretaria da Educao do Estado de So Paulo pela Bolsa Mestrado

concedida.

Em especial, minha orientadora, Professora Doutora Rosinda de Castro

Guerra Ramos, pela seriedade, dedicao e profissionalismo dedicados a este

trabalho. Agradeo a pacincia que teve comigo, tentando me fazer entender alguns

conceitos importantes para o meu trabalho, durante todo o processo de

desenvolvimento da pesquisa e pelas reflexes, no apenas sobre a pesquisa, mas

tambm sobre tica profissional e pessoal, proporcionadas nas orientaes

individuais e em grupo.

s Professoras Doutoras Ceclia Magalhes e Andrea Patrcia Nogueira pelas

valiosas orientaes e contribuies dadas no Exame de Qualificao.

A todos os professores do LAEL, que compartilharam seus valiosos saberes e

proporcionaram momentos de discusso que contriburam para meu

desenvolvimento pessoal e profissional, especialmente a Professora Doutora

Fernanda Coelho Liberali.

Diretoria de Ensino de Diadema, em especial ao Admir.

Aos meus colegas dos Seminrios de Orientao, Alysson, Flvio, Luciana,

Mariangela, Osilene, Renato, Marta, Srgio e Ayvnia, pela colaborao, amizade e

aprendizado partilhado durante todo o percurso desta pesquisa.

Ao Professor-participante que aceitou fazer parte deste trabalho e contribuiu

para o desenvolvimento desta pesquisa.

Ao amigo Zico Ferreira de Souza que caminhou lado a lado sempre presente

nos momentos bons e ruins, incentivando e orientando-me, dividindo

conhecimentos, aflies, alegrias e no deixando que eu desistisse no meio do

percurso.

Aos amigos do Projeto PEIC, Dbora, Tnia, Irene, Roberta, Terezinha,

Luciana, Eneida, Elza, Darcilena e Amilcar pela torcida, importantes dicas e pelas

palavras de carinho, amizade e incentivo nos momentos mais rduos da minha

caminhada.

Aos meus colegas das escolas EMEF Ary Parreiras, especialmente sua

diretora Wilma, que sempre me apoiou, e da EE Homero Silva, em especial Susi,

Edilza, Elso, Iolanda, Jlio, Valdo, Verinha, Clia, Rosilene, Roberto, Regiane,

Ramiro, Ilda, Mrcia, Mrcia H., Graa e Ivone.

Aos meus irmos Andr, Thiago e Paulinho e aos cunhados Flvio, Nayara, Z

Carlos, Andra e Rose pelo apoio e compreenso em todos os momentos deste

trabalho.

Por fim, agradeo a Deus pela oportunidade e por ter colocado em meu

caminho pessoas maravilhosamente iluminadas que me apoiaram e ajudaram nesta

jornada.

RESUMO

TORRES, Jos Neto Cndido. O papel do multiplicador na reelaborao colaborativa de uma unidade didtica. 2010. 161 f. Dissertao (Mestrado) Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, So Paulo, 2010.

Este trabalho tem por objetivo investigar a reconstruo de uma unidade didtica

para verificar que transformaes ocorreram nesse processo decorrente de um

trabalho colaborativo entre os participantes - o professor-pesquisador e o professor-

participante, buscando responder seguinte pergunta de pesquisa: Quais foram as

transformaes na unidade didtica decorrentes das sesses reflexivas realizadas

entre o professor-pesquisador e o professor-participante?. A fundamentao terica

deste estudo foi baseada nos Parmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998),

nas diretrizes estabelecidas na Proposta Curricular do Estado de So Paulo (SO

PAULO, 2008) e na lista de critrios para avaliao e elaborao de materiais

didticos para o ensino de Lngua Estrangeira de RAMOS (1999/2009). Os conceitos

de reflexo, reflexo crtica na Educao (MAGALHES, 1994, 2004; SMYTH, 1992)

e as teorias de ensino-aprendizagem e de Linguagem (MIZUKAMI, 1986; WILLIANS

E BURDEN, 1997; VYGOTSKY, 1934/2003; HUTCHINSON E WATERS, 1987)

tambm fundamentam esta investigao. A pesquisa, de cunho colaborativo-crtico,

foi desenvolvida em uma escola da rede pblica estadual de ensino localizada na

cidade de Diadema, na grande So Paulo. Seus participantes foram o professor-

pesquisador e um professor da rede estadual de Educao. Os dados foram

coletados por meio de cinco verses de uma unidade didtica, um questionrio, uma

entrevista e cinco sesses reflexivas, entre novembro de 2008 e janeiro de 2009. Os

resultados obtidos mostram que, no decorrer das refaces das verses da unidade

didtica, houve mudanas na unidade didtica, decorrentes das sesses reflexivas,

que revelam transformao na concepo de unidade didtica propriamente por

parte do professor-participante, conscientizao da necessidade de referenciais

tericos que fundamentem as opes feitas na elaborao dos materiais, percepo

da importncia do uso de critrios, como os propostos por Ramos (1999/2009), para

a elaborao dos materiais didticos para ensino de Lngua Inglesa. Finalmente, os

resultados obtidos apontam para a importncia do trabalho colaborativo na

transformao do professor-participante.

Palavras-chave: formao de professores; material didtico; Lngua Estrangeira; Ingls.

ABSTRACT TORRES, Jos Neto Cndido. O papel do multiplicador na reelaborao colaborativa de uma unidade didtica. 2010. 161 f. Dissertao (Mestrado) Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, So Paulo, 2010.

This work aims to investigate the reconstruction of a didactic unit to verify what

changes have occurred in this unit during a collaborative work between participants -

the teacher/researcher and teacher/participant, in order to answer the following

research question: "What were the changes in a teaching unit that were derived from

the reflective sessions held between the teacher/researcher and the

teacher/participant?". The theoretical foundations were the Parmetros Curriculares

Nacionais - Lngua Estrangeira (Brazilian National Curriculum Parameters for the

Teaching of Foreign Languages Elementary School - BRASIL, 1998), the

guidelines set out in Proposta Curricular do Estado de So Paulo (SO PAULO,

2008), and the list of criteria to evaluate and design didactic materials by Ramos

(1999/2009). The concepts of reflection, critical reflection in Education

(MAGALHES, 1994, 2004; SMYTH, 1992), and theories of teaching-learning and

language (MIZUKAMI, 1986, WILLIAMS and BURDEN, 1997; VYGOTSKY,

1934/2003; HUTCHINSON and WATERS, 1987) were also used in this study. This

critical-collaborative research was developed in a state school in the city of Diadema,

in Greater So Paulo. The participants were the teacher-researcher and a colleague

who taught in the same school. The data were collected by a questionnaire, an

interview, five reflective sessions. Five versions of the unit produced by the

teacher/participant from November 2008 to January 2010 were also part of the data.

The results of this study show that, during the collaborative work, changes occurred

in the versions of the teaching unit, which show transformation in the conception of

what a didactic unit is, awareness about the necessity of theoretical foundations for

designing didactic materials, perception of the importance of using criteria, as the

ones suggested by Ramos (1999/2009). Finally, the results point out for the

relevance of the collaborative work in the process of transformation of the

teacher/development.

Keywords: teacher development; teaching materials; foreign language; English.

SUMRIO

INTRODUO .................................................................................................................. 13

CAPTULO 1 - FUNDAMENTAO TERICA ................................................................ 21

1.1 Colaborao e reflexo crtica na formao do professor........................................ 21

1. 1. 1 Tipos de reflexo ............................................................................................ 25

1.2 O curso Reflexo sobre a ao .............................................................................. 30

1.3 As abordagens de ensino-aprendizagem em lngua estrangeira ............................ 37

1.3.1 A abordagem sociointeracional ........................................................................ 41

1.4 Concepes de linguagem ...................................................................................... 46

1.5 Os Parmetros Curriculares Nacionais Lngua Estrangeira .................................. 50

1.6 A Proposta Curricular do Estado De So Paulo ...................................................... 58

1.6.1 A rea de Linguagens, cdigos e suas tecnologias ......................................... 61

1.6.2 A Proposta Curricular para o ensino de LEM - Ingls ....................................... 64

1.7 Avaliao e preparao de material didtico ........................................................... 67

CAPTULO 2 METODOLOGIA DA PESQUISA ............................................................ 73

2.1 Escolha metodolgica .............................................................................................. 73

2.2 Contexto da pesquisa .............................................................................................. 74

2.2.1 A escola ............................................................................................................ 75

2.3 Participantes ............................................................................................................ 75

2.4 Instrumentos e procedimentos de coleta de dados ................................................. 77

2.4.1 O questionrio ................................................................................................... 78

2.4.2 A entrevista ....................................................................................................... 78

2.4.3 As sesses reflexivas ........................................................................................ 80

2.4.4 A unidade didtica e suas verses .................................................................... 82

2.4.4.1 A verso 1 da unidade didtica ................................................................... 82

2.4.4.2 A verso 2 da unidade didtica ................................................................... 83

2.4.4.3 A verso 3 da unidade didtica ................................................................... 84

2.4.4.4 A verso 4 da unidade didtica ................................................................... 85

2.4.4.5 A verso 5 da unidade didtica ................................................................... 85

2.5 Procedimentos de anlise dos dados ...................................................................... 87

2.5.1 O primeiro referencial ........................................................................................ 88

2.5.2 O segundo referencial ....................................................................................... 89

CAPTULO 3 APRESENTAO E DISCUSSO DOS RESULTADOS ....................... 91

3.1 Verso 1 da unidade didtica .................................................................................. 91

3.2 Verso 2 da unidade didtica .................................................................................. 97

3.3 Verso 3 da unidade didtica ................................................................................ 104

3.4 Verso 4 da unidade didtica ................................................................................ 113

3.5 Verso 5 da unidade didtica ................................................................................ 121

3.6 Sntese da discusso dos dados ........................................................................... 126

CONSIDERAES FINAIS ............................................................................................ 129 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ............................................................................... 133 ANEXOS ................................................................................................................... 142

Listas de quadros e figuras

Quadros Quadro 1.1 - Mdulos do curso ........................................................................................ 35 Quadro 1.2 - Tarefas de compreenso escrita ................................................................ 58 Quadro 1.3 - Resumo das orientaes para a disciplina de LEM (SO PAULO,

2008, p. 43) .................................................................................................. 65 Quadro 1.4 - Lista de critrios para avaliao de material didtico (RAMOS, 1999/2009, p.

184-5) ............................................................................................................ 70 Quadro 2.1 - Processo da coleta de dados ...................................................................... 87 Quadro 2.2 - Lista de critrios para avaliao de material didtico (RAMOS, 1999/2009, p.

184-185) ........................................................................................................ 88

Figuras

Figura 1.1 - Reproduo da ficha introdutria da Situao de aprendizagem 1 do

Caderno do professor da 1 srie da disciplina LEM-Ingls do Ensino Mdio volume 3 (2008, p. 9) ...................................................................... 60

Figura 3.1 - Reproduo da ficha introdutria da situao de aprendizagem 1 do Caderno do professor da 1 srie da disciplina LEM-Ingls do Ensino Mdio volume 3 (2008, p.9) ....................................................................... 93

Figura 3.2 - Reproduo da ficha introdutria da Situao de aprendizagem 1 do Caderno do professor da 1 srie da disciplina LEM-Ingls do Ensino Mdio volume 3 (2008, p. 9) ...................................................................... 99

Figura 3.3 - Reproduo do texto usado na verso 4 da unidade didtica no site em que est sediado ........................................................................................ 119

13

INTRODUO

Este trabalho est inserido na Lingustica Aplicada, mais especificamente na

rea de Formao de Professores com vistas ao uso de materiais didticos, e tem

por objetivo investigar a reconstruo de uma unidade didtica para verificar que

transformaes ocorreram nesse processo decorrente de um trabalho colaborativo

entre os participantes - o professor-pesquisador e o professor-participante.

Este estudo foi motivado pela minha vivncia como professor da rede pblica

estadual de ensino, funo que exero desde 2002, inicialmente, como professor

substituto1. Naquela poca, cursava o ltimo ano de graduao em Letras com

habilitao em Portugus e Ingls, em uma universidade particular de Santo Andr,

na regio da grande So Paulo. Em 2005, assumi o cargo efetivo de Ingls, aps ser

aprovado em concurso pblico.

Meu ingresso nessa profisso foi marcado por muitas dvidas. Por um lado,

eu tinha a expectativa de entrar em sala de aula e pr em prtica os conhecimentos

adquiridos na graduao, privilegiando o uso dos livros didticos dos quais

dispunha; por outro, refletia sobre como seria se eu produzisse meu prprio material

didtico, baseado em temas relacionados realidade dos meus alunos como, por

exemplo, letras de msica do estilo musical que eles ouvem, locais onde fazem

compras, praticam esportes, ou seja, o contexto em que esses alunos vivem e

atuam.

Tais dvidas acompanharam-me mesmo aps a efetivao no cargo, quando

tive acesso a obras de diversas editoras, nacionais e estrangeiras, e a uma profuso

de livros didticos para o ensino de ingls. Ao analisar os livros dos quais dispunha,

pude perceber a distncia que h entre o mundo ideal do livro didtico e o mundo

real dos alunos.

1 Professor substituto aquele que vai escola todos os dias, mas s d aulas na falta do titular da disciplina.

14

Ao se referir a esse universo ideal do livro didtico, Richards (2002, p. 26-7)

afirma que:

[...] dialogues and texts are often written to include linguistics aspects that teacher wish to teaches; it can cause distortion on the content, because many textbooks present a worlds ideal view, to be accepted in different contexts, avoid controversial themes and, normally, show as standard medium class society, generally, white; it doesnt reflect the students needs, because they are produced to attend global markets. 2

Conforme se percebe na afirmao acima, o livro didtico aparentemente

precisa ter um padro rgido e fixo, para que possa ser utilizado em contextos

diversos. Desse modo, no h como levar em considerao as necessidades locais

de cada contexto. A meu ver, entretanto, esses dois mundos o do livro didtico e o

do aluno tm grandes divergncias, pois, enquanto o primeiro retrata um padro

especfico de mundo, formatado para qualquer contexto, o outro, que local3, lida

com as demandas da vida cotidiana, em contextos diversos, cada um com suas

particularidades. A despeito dessa situao cheia de divergncias, que mais se

assemelha a uma camisa de fora, Ramos (2009, p.174) acrescenta que a utilizao

de um livro didtico pelo professor envolve, necessariamente, os processos de

seleo e de implementao e/ou adaptao. Isso, no meu entendimento, cria uma

possibilidade maior de funcionalidade e aceitao, pelos alunos, do material

escolhido pelo professor.

Apesar do impasse entre utilizar o livro didtico e produzir meu prprio

material, localmente, na prtica faltava-me o conhecimento terico para buscar a

melhor soluo, o que me inquietava e aumentava minha ansiedade.

Em 2006, ingressei no curso Reflexo sobre a ao: o professor de Ingls

aprendendo e ensinando4 (doravante Reflexo sobre a ao), na Pontifcia

2 Traduo minha: [...] dilogos e textos so frequentemente produzidos para incorporar aspectos lingusticos que se deseja ensinar; entretanto, eles podem distorcer o contedo, j que muitos livros didticos, para que sejam aceitos em diferentes contextos, apresentam uma viso ideal do mundo, evitam temas controversos e, normalmente, colocam como padro uma sociedade de classe mdia, em geral, branca; no refletem as necessidades dos alunos, j que so geralmente escritos para atender mercados globais (RICHARDS, 2002, p. 26-7). 3 Neste trabalho, no irei tratar diretamente desse conceito, no entanto, tradicionalmente se define assim: contexto local refere-se a um contexto que especfico, com determinados grupos que tm sua cultura, seus valores e suas particularidades. 4 Mais detalhes sobre esse curso sero fornecidos no captulo terico.

15

Universidade Catlica de So Paulo (PUC-SP), cujo objetivo formar professores

crticos-reflexivos com a inteno de que se tornem multiplicadores, podendo

expandir o que foi aprendido na universidade para outras pessoas, em outros

contextos (CELANI, 2003). Foi com meu ingresso nesse curso que comecei a

entender um pouco mais as teorias que subjazem os processos de avaliao e

produo de material didtico.

Nesse curso, tive a oportunidade de passar por um processo crtico-reflexivo

sobre o ensino-aprendizagem de lngua inglesa que culminou na tarefa final em que

os professores-alunos preparam unidades didticas que so utilizadas em suas

escolas. Entre as atividades nele desenvolvidas, tive a oportunidade de fazer uma

anlise de necessidades com uma turma de alunos para os quais lecionava, o que

me ajudou a conhec-los melhor e comunidade na qual eles estavam inseridos.

Foi tambm nesse curso que discuti critrios para avaliar materiais didticos, tendo

como base Ramos (1999/2009). Alm disso, estudei as teorias de ensino-

aprendizagem que do embasamento terico unidade didtica produzida no final

do curso e que est alinhada s orientaes dos Parmetros Curriculares Nacionais

Lngua Estrangeira (doravante PCN-LE, BRASIL, 1998). O processo pelo qual

passei nesse curso foi uma experincia bastante positiva para mim, pois foi durante

as aulas do curso Reflexo sobre a ao que desenvolvi uma unidade didtica, em

colaborao com outros professores da rede pblica, com uma viso de linguagem e

ensino-aprendizagem em consonncia com o que preconizam documentos oficiais,

como os PCN-LE (BRASIL, 1998).

O processo de reflexo crtica pelo qual passei incluindo teorias de ensino-

aprendizagem e de linguagem, anlise de necessidades e avaliao e produo de

material didtico motivou-me a querer saber se eu, aps terminar esse curso,

conseguiria, de fato, exercer o papel de multiplicador utilizando um dos aspectos

nele tratados a produo de material didtico para o ensino de Ingls, tendo como

participante da minha pesquisa um professor da rede pblica que, ao contrrio de

mim, no passou por um processo de reflexo crtica em cursos de formao

continuada.

A fim de realizar tal investigao, ingressei no programa de Ps-Graduao

em Lingustica Aplicada e Estudos da Linguagem (LAEL) da PUC-SP, para

aprofundar meus conhecimentos sobre o papel do professor multiplicador, avaliao

16

e desenvolvimento de material didtico, e entender de que maneira eu poderia

multiplicar aquilo que havia aprendido em um curso de formao de professores.

Muitos trabalhos com foco na reflexo crtica, rea de interesse desta

pesquisa, j foram desenvolvidos, no programa LAEL, como, por exemplo, os de

Liberali (1994), Romero (1998), Melo (2001), Estefogo (2001), Damianovic (2004) e

Miascovsky (2008), entre outros.

O trabalho de Liberali (1994) examinou como se d o desenvolvimento

reflexivo do professor e como um coordenador atua nesse processo de reflexo. J

Romero (1998) conduziu um estudo no qual a prpria pesquisadora analisou sua

ao como coordenadora, tendo como objetivo criar um relacionamento colaborativo

com uma professora de uma escola particular de idiomas, visando refletir sobre as

prticas pedaggicas dessa professora. Melo (2001), por sua vez, pesquisou como

as interaes entre professores e uma coordenadora acontecem. Para isso, a autora

estudou, inicialmente, os discursos dos professores e, em seguida, verificou em que

medida as interaes com a coordenadora influenciam tais discursos.

A pesquisa de Estefogo (2001) investigou como um professor com mais

experincia profissional, por meio da reflexo crtica, consegue contribuir para a

formao do professor iniciante de modo a torn-lo reflexivo. J o estudo de

Damianovic (2004) teve como objetivo mostrar que possvel haver colaborao

entre multiplicadores egressos de um curso de formao de professores em um

evento chamado sesso reflexiva, espao de reflexo no qual os multiplicadores

discutem, reveem suas prticas pedaggicas e as reconstroem. Por fim, objetivando

a criao de aes pedaggicas que conduzam professores e alunos a agirem

crtica, reflexiva e criativamente no mundo em que vivem, Miascovsky (2008)

investigou como acontece a produo criativo-colaborativa em uma escola bilngue,

por meio de sesses reflexivas. Como pode ser observado, esses trabalhos tiveram

como foco especfico a formao de professores.

Em relao produo e avaliao de material didtico tambm encontramos

vrios trabalhos na rea, como os de Lanza (2007), Maggioli (2007), Cardoso (2008)

e Nogueira (2009), entre outros, que se voltam para a avaliao de materiais

relacionados ao uso de softwares e/ou recursos da internet para o ensino de lngua

estrangeira. Em seu estudo, Lanza (2007) produziu e avaliou um material didtico

com o uso do blog para o ensino de espanhol. Maggioli (2007), por sua vez,

examinou um software educacional recomendado para utilizao em escolas

17

pblicas de Ensino Fundamental e Mdio. A pesquisa de Cardoso (2008) examinou

as evidncias de aprendizagem em um material didtico produzido para o ensino de

Ingls em escolas tcnicas estaduais e federais. O estudo de Nogueira (2009)

investigou as percepes sobre aspectos lingusticos e tecnolgicos que os

professores tm de um curso mediado por computador. A pesquisadora tambm

examinou como as vises de linguagem e de ensino-aprendizagem defendidas pelos

PCN-LE (BRASIL, 1998) so mostradas no curso.

Trabalhos que voltam seu olhar para o material didtico produzido e/ou

avaliado pelos prprios pesquisadores em contextos de escola pblica tambm

aparecem, como os de Cristvo (2001), Nogueira (2005, 2010), Tonetti (2007),

Santiago (2008), Amo (2008), Lopes (2009), Motta (2009) e Lopes (2010). O estudo

de Cristvo (2001) examinou a utilizao de modelos didticos de gneros como

instrumento de avaliao de material didtico com foco no ensino de leitura em

lngua estrangeira. Em sua dissertao de mestrado, Nogueira (2005) investigou

quais contribuies uma unidade didtica, produzida pela prpria pesquisadora em

um curso de formao continuada, poderia trazer para a aprendizagem de um grupo

de alunos. J em seu trabalho de doutorado, Nogueira (2010) examinou as

contribuies que a mesma unidade didtica reconstruda poderia trazer para o

aprendizado de um grupo de alunos. O estudo de Tonetti (2007) investigou as

percepes de alunos sobre uma unidade didtica utilizando filmes em DVD para

desenvolver a compreenso oral.

Em seu trabalho, Santiago (2008) verificou as percepes de um grupo de

alunos sobre uma unidade didtica e de que maneira a unidade poderia contribuir

para a aprendizagem de Ingls dos mesmos. J Amo (2008) examinou um material

didtico e de apoio elaborado por um rgo da Secretaria Estadual de Educao de

So Paulo para ser utilizado em escolas estaduais de tempo integral. Lopes (2009)

investigou se o fato de a prpria pesquisadora ter participado do processo de

elaborao da unidade didtica examinada em seu trabalho contribuiu para a

aprendizagem dos alunos e tambm identificou os motivos que levariam a tal

contribuio. J Motta (2009) verificou como se d a mediao dos elementos

convencionais e estruturais da histria em quadrinhos na compreenso escrita em

Ingls de leitores iniciantes. O trabalho conduzido por Lopes (2010) verificou a

percepo de alunos sobre sua prpria aprendizagem no decorrer da aplicao de

material didtico de Ingls fornecido pelo governo de So Paulo.

18

Embora todos os trabalhos aqui citados sejam de fundamental importncia

para a Lingustica Aplicada e para que possamos compreender melhor tanto o

processo da formao continuada de professores quanto a produo e avaliao de

material didtico, no foram encontradas pesquisas com foco na formao de

professores por meio de anlise de material didtico utilizando como metodologia

uma perspectiva colaborativa, como o caso desta pesquisa.

Este trabalho faz parte dos estudos inseridos no projeto de pesquisa

denominado Avaliao e elaborao de material didtico para ensino-aprendizagem

de lnguas em ambientaes e contextos diversos5, que faz interface com os grupos

de pesquisa Abordagem instrumental e ensino-aprendizagem de lnguas em

contextos diversos (denominado GEALIN), liderado pela Professora Doutora

Rosinda de Castro Guerra Ramos, orientadora deste estudo. Alm disso, esta

investigao tambm se insere no grupo de pesquisa A construo do conhecimento

crtico-pedaggico na formao contnua de professores de Ingls da escola pblica:

de teorias globais para o desenvolvimento do conhecimento local, liderado pela

Professora Doutora Maria Antonieta Alba Celani.

O projeto de pesquisa Avaliao e elaborao de material didtico para

ensino-aprendizagem de lnguas em ambientaes e contextos diversos6 tem por

objetivo investigar princpios e procedimentos de avaliao, desenho, produo e

aplicao de materiais didticos para o ensino-aprendizagem de lnguas nas

ambientaes presencial e digital e em contextos de ensino de lngua geral e para

fins especficos.

Espero que esta pesquisa possa contribuir com dados para o projeto e para

os grupos de pesquisa mencionados, com especial ateno para a avaliao e a

produo de materiais didticos para o ensino de ingls para o Ensino Fundamental

e Mdio e para cursos como o Reflexo sobre a ao, que tem a preocupao com

a formao contnua de professores com foco na reflexo crtica sobre sua prpria

prtica e a uma possvel transformao dela por meio de um entrelaamento da

teoria com a prtica e das futuras aes desses professores em seus contextos

singulares.

5Descrio do projeto de pesquisa disponvel em:

http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.jsp?id=H53338#ProjetoPesquisa. Acessado em: 3 jun. 2010.

6 Conforme proposto no Currculo Lattes da Prof Dr Rosinda de Castro Guerra Ramos.

19

Para isso, busco responder com este estudo a seguinte pergunta de

pesquisa:

Quais foram as transformaes na unidade didtica decorrentes das

sesses reflexivas realizadas entre o professor-pesquisador e o

professor-participante?

A metodologia utilizada para a realizao deste trabalho foi de cunho

colaborativo crtico, que, de acordo com Magalhes (2004), visa a criao de

contextos em que haja espao para o conflito de idias com vistas a uma construo

de algo novo, que seja negociado e debatido, no simplesmente imposto ou dado

por algum.

Este trabalho est dividido em trs captulos. No captulo 1, denominado

Fundamentao terica, apresento os pressupostos tericos que embasam a

pesquisa. Inicialmente, discuto o conceito de colaborao proposto por Magalhes

(1990, 2004) e a reflexo crtica na formao do professor proposta por Kemmis

(1987), Smyth (1992), Liberali (2008) e Magalhes e Liberali (2009; no prelo). Em

seguida, apresento os tipos de reflexo com base em Dewey (1933/1959), Freire

(2005), Schn (1992), Prez Gomez (1992) e Liberali (2008). Na sequncia,

descrevo o curso Reflexo sobre a ao, conforme discutido por Celani (2003) e

Celani e Collins (2003). Tambm discuto as abordagens de ensino-aprendizagem

em lngua estrangeira com base em Mizukami (1986), Vigotsky (1934/2003) e

Willians e Burden (1997), alm das vises de linguagem descritas pelos PCN-LE

(BRASIL, 1998) e por Hutchinson e Waters (1987). Trago, na sequncia, os PCN-LE

(BRASIL, 1998) e a Proposta Curricular do Estado de So Paulo (SO PAULO,

2008). Por ltimo, apresento algumas consideraes sobre produo e avaliao de

material didtico para o ensino de lngua estrangeira conforme Tomlinson (2003),

Tomlinson e Masuhara (2005), Cunningsworth (1995), Duddley Evans e St John

(1998), Graves (2000) e Ramos (2009).

No captulo 2, denominado Metodologia da pesquisa, apresento a escolha

metodolgica do estudo, a descrio do contexto em que o trabalho se desenvolveu

e seus participantes. Tambm descrevo os instrumentos e procedimentos de coleta

do estudo e os procedimentos para a anlise dos dados.

20

No captulo 3, denominado Apresentao e discusso dos resultados,

apresento a discusso dos resultados do estudo com o objetivo de responder as

perguntas de pesquisa.

J nas Consideraes finais, retomo a pergunta de pesquisa, os resultados

obtidos e comento as possveis contribuies e implicaes deste estudo para

trabalhos futuros na rea. Encerro este trabalho com as Referncias bibliogrficas e

os Anexos.

21

CAPTULO 1 - FUNDAMENTAO TERICA

Este captulo trata dos pressupostos tericos que fundamentam este trabalho.

Inicialmente, discuto a colaborao proposta por Magalhes (1990, 2004) e reflexo

crtica na formao do professor proposta por Kemmis (1987), Smyth (1992), Liberali

(2008) e Magalhes e Liberali (2009; no prelo). Em seguida, apresento os tipos de

reflexo com base em Dewey (1933/1959), Freire (2005), Schn (1992), Prez

Gomez (1992) e Liberali (2008). Em seguida, descrevo o curso Reflexo sobre a

ao, conforme discutido por Celani (2003) e Celani e Collins (2003), as abordagens

de ensino-aprendizagem em lngua estrangeira com base em Mizukami (1986),

Vigotsky (1934/2003) e Willians e Burden (1997), as vises de linguagem conforme

descritas nos PCN-LE (BRASIL, 1998) e por Hutchinson e Waters (1987). Trago, na

sequncia, os PCN-LE (BRASIL, 1998) e a Proposta Curricular do Estado de So

Paulo (SO PAULO, 2008). Por ltimo, apresento algumas consideraes sobre

produo e avaliao de material didtico para o ensino de lngua estrangeira

conforme Tomlinson (2003), Tomlinson e Masuhara (2005), Cunningsworth (1995),

Duddley Evans e St John (1998), Graves (2000) e Ramos (2009).

1.1 Colaborao e reflexo crtica na formao do professor

Nesta seo, abordo dois conceitos fundamentais para o estudo que foi

desenvolvido, a saber: colaborao e reflexo crtica.

A colaborao, como vista pelo senso comum, conceituada por Ferreira

(2008, p. 244) como um trabalho em comum com uma ou mais pessoas, ou ento,

ajuda, auxlio. A definio que o dicionrio mostra traz a ideia de que colaborao

aquela em que o trabalho repartido entre vrias pessoas que se auxiliam,

entretanto, essa definio no indica como se dar esse trabalho comum ou a ajuda.

Percebo que, no cotidiano das pessoas, quando algum fala em colaborar, ajudar ou

auxiliar, a ideia que vem mente a de fazer uma parte do trabalho, isoladamente,

22

com o objetivo de contribuir com um pouco da sua realizao. como algo

fragmentado em que cada um faz um pouco, de modo estanque, at o seu final.

Neste estudo, a concepo de colaborao no segue essa ideia, mas

baseia-se no conceito de zona de desenvolvimento proximal (doravante ZPD7,

VYGOTSKY, 1934/2003), nos estudos de Magalhes (1994; 2004), Magalhes e

Liberali (2009; no prelo) e em Cole e Knowles (1993).

Magalhes (2004), discutindo Cole e Knowles (1993, p. 486), afirma que a

colaborao:

[...] no deve ser entendida como cooperao, nem se basear na igualdade de participao, mas na igual possibilidade de negociao de responsabilidades por meio de mtua concordncia. [...] Entendemos colaborao como um meio de negociao para (des) construo dos sentidos, significados e conhecimento.

Nesse caso, esses dois autores se posicionam favoravelmente ideia de que

o conhecimento colaborativamente construdo no deve ser repartido, mas

negociado, e que todos os que participam dessa produo tm, necessariamente,

que se sentirem responsveis e contemplados ao final dessa produo, percebendo

sua prpria contribuio. Dessa forma, o trabalho ser de fato colaborativo.

Magalhes (2004, p.75) aponta que a colaborao:

[...] pressupe que todos os agentes tenham voz para colocar suas experincias, compreenses e suas concordncias e discordncias em relao aos discursos de outros participantes e ao seu prprio.

Reitera-se assim que a colaborao deve ser entendida como algo negociado

e que todos que dela participam se sintam realmente contemplados e que consigam

ver-se no resultado final do trabalho, mesmo com as posies divergentes dos

participantes de um trabalho colaborativo. Magalhes (2004, p.76) acrescenta ainda

que colaborar,

[...] em qualquer contexto (pesquisa, formao contnua, sala de aula), significa agir no sentido de possibilitar que os agentes participantes tornem seus processos mentais claros, expliquem, demonstrem, com o objetivo de criar, para os outros participantes, possibilidades de questionar, expandir, recolocar o que foi posto em negociao. Implica, assim, conflitos e questionamentos que propiciem oportunidades de estranhamento e de compreenso crtica aos interagentes.

7 Detalhada na seo sobre abordagens de ensino-aprendizagem, neste captulo.

23

Essa afirmao deixa clara a necessidade de que, em um trabalho como o

desta pesquisa, caso houvesse ausncia de um contexto que favorecesse a

participao do professor-pesquisador e do professor-participante nas oportunidades

de interao, durante o processo de reconstruo da unidade didtica elaborada,

possivelmente no se teria um trabalho colaborativo.

Continuando a conceituar colaborao, Magalhes e Liberali (2009, p.45)

apontam que colaborar significa criar contextos para produo conjunta, entre os

participantes, negociaes sobre sentidos relacionados a teorias e prticas. As

autoras acrescentam ainda que colaborar envolveria o fato de que as vozes sociais,

scio-histrica e culturalmente constitudas, seriam ouvidas, em uma participao

intensa e aberta entre o eu e o outro, voltadas ao questionamento de si

(MAGALHES e LIBERALI, 2009, p. 45). Nesse processo, conforme apontam as

autoras, os questionamentos assumem um papel importante, uma vez que por

meio deles que os participantes podem esclarecer suas dvidas e demonstrar sua

compreenso. Entretanto, Magalhes e Liberali (no prelo) alertam para o fato de

que, se o foco fica exclusivamente nos questionamentos, sem o processo

colaborativo, pode ocorrer simplesmente a imposio ou o autoritarismo, o que, de

acordo com as autoras, acabaria com a possibilidade de compartilhamento e, com

isso, as possibilidades de transformao se esvairiam. Por fim, Magalhes e Liberali

(no prelo) afirmam que, sem os questionamentos, o foco fica apenas na interao.

Com a inteno de que este estudo se caracterizasse como colaborativo, os

esforos foram direcionados para proporcionar um ambiente que favorecesse a

discusso, o debate e a reconstruo das prticas dos participantes deste trabalho

por meio de perguntas, questionamentos, pedidos de explicao, de

esclarecimentos, sugestes de leituras e de reorganizao de atividades, durante a

reconstruo da unidade didtica.

Outro conceito importante para esta pesquisa o de reflexo crtica na

educao que, conforme o pensamento de Kemmis (1987, p. 75), implica explorar

explcita e conscientemente a natureza social e histrica de nossas relaes, como

atores no processo educacional, com as instituies sociais de educao8. Desse

modo, conforme aponta o autor, aes apenas tcnicas so diferentes da prtica,

8 Traduo minha do trecho: [] implies explicitly, consciously and self-consciously, exploring the social and historical nature of our relationships as actors in the educational process with the social institutions of education () (KEMMIS, 1987, p.75).

24

uma vez que a prtica construda e desenvolvida socialmente em um contexto

scio-histrico-poltico em detrimento do histrico de tradio (KEMMIS, 1987, p.77).

O autor acredita que a prtica , por definio, reflexiva. Isso significa que o que

aprendemos na prtica, por meio da reflexo, contribui para a reinterpretao da

nossa experienciao e histria (KEMMIS, 1987, p.76).

Continuando a discusso sobre reflexo crtica, Smyth (1992), baseado nos

estudos de Freire (1972), apresenta uma proposta composta por quatro aes que

podem levar os educadores reflexo crtica, que so descrever, informar,

confrontar e reconstruir (SMYTH, 1992, p.295). Conforme o autor, importante que

o professor descreva os problemas ocorridos no seu dia a dia, na forma de

narrativas ou dirios que serviro como base para discusso com os colegas, na

tentativa de solucion-los (SMYTH, 1992, p.296).

De acordo com Liberali (2008, p.47), a ao de descrever um modo utilizado

pelo educador, situado em sua prtica, para falar sobre sua prpria ao. J em

relao ao informar, Smyth (1992, p.297) aponta que o momento de compreenso

de suas aes. Conforme salienta Liberali (2008, p.60), o informar envolve uma

busca de princpios que embasam (conscientemente ou no) as aes.

Quanto ao confrontar, Smyth (1992, p.298-9) advoga que este o momento

em que o educador questiona as teorias estabelecidas e sugere uma srie de

questes como, por exemplo, de onde vm essas teorias? Que prticas sociais

expressam essas idias? A quem servem essas teorias? etc. Liberali (2008, p.68)

corrobora essa ideia ao afirmar que o confrontar estaria ligado ao fato de o

praticante submeter as teorias formais que embasam suas aes, assim como suas

aes, a um questionamento que busca compreender os valores que servem de

base para seu agir e pensar. Por fim, Smyth (1992, p.299) defende que, no

reconstruir, o educador reflete sobre formas de mudar aquelas teorias que lhe foram

impostas, uma vez que, de acordo com o autor, no h reflexo sem ao. Liberali

(2008, p.80-1), por sua vez, aponta que, quando o educador segue em direo ao

reconstruir, imagina novos horizontes, novas possibilidades de caminhar e, nesse

movimento, de acordo com a autora, ele vai em direo emancipao.

Os conceitos apresentados podem auxiliar o educador a chegar reflexo

crtica, mas conforme considera Liberali (2008) a formao de educadores no

acontece de maneira automatizada, ou seja, ela parte de um intrincado processo

de autoconscincia, conscincia do mundo ao redor e contnua transformao de si

25

e dos demais (p.15). Esses conceitos so fundamentais para este estudo, uma vez

que o prprio processo de reconstruo da unidade didtica elaborada pelo

professor-participante foi baseado na ideia de transformao de vises, crenas e

prticas dos participantes desta pesquisa.

A seguir, apresento os tipos de reflexo que so parte do caminhar em

direo reflexo crtica, fundamental para este trabalho.

1. 1. 1 Tipos de reflexo

De acordo com Liberali (2008, p.34), o conceito de reflexo vem sendo

utilizado na formao de professores desde que Dewey (1933/1959) comeou a

trabalhar com reflexo. Foi esse autor quem trouxe a ideia de que h uma

diferenciao entre a ao rotineira e a reflexiva. A ao rotineira entendida por

Dewey (1933/1959, p.25) como aquela comum, executada pelas pessoas

automaticamente no seu cotidiano, sem variao. J a ao reflexiva definida pelo

autor como aquela ponderao ativa persistente e cuidadosa, sobre uma crena ou

algum tipo de conhecimento, apoiada em teorias que lhe d suporte. No caso da

reconstruo da unidade didtica desenvolvida pelo professor participante desta

pesquisa, penso que nossas aes se alinham s aes reflexivas, uma vez que,

durante esse processo de reconstruo, desenvolvemos um trabalho ativo na

medida em que compartilhamos, discutimos e refletimos sobre nossas prticas,

amparados na pesquisa colaborativa.

Prez Gmez (1992, p.102) afirma que o professor est mergulhado em um

cotidiano complexo, cheio de decises para tomar, com o objetivo de resolver

problemas advindos da prtica e que necessitam de uma soluo particularizada

devido ao seu contexto, que tambm particular e nico. Para esse autor a reflexo

[...] implica a imerso consciente do homem no mundo da sua experincia, um mundo carregado de conotaes, valores, intercmbios simblicos, correspondncias afetivas, interesses sociais e polticos. O conhecimento acadmico, terico, cientfico ou tcnico, s pode ser considerado instrumento dos processos de reflexo se for integrado significativamente, no em parcelas isoladas da memria semntica, mas em esquemas de pensamento mais genricos ativados pelo indivduo quando interpreta a realidade

26

concreta em que vive e quando organiza a sua prpria experincia (PREZ GOMZ, 1992, p.103).

Com essas palavras, o autor deixa claro que no possvel desconsiderar a

realidade viva e pulsante da experincia prtica do professor e seu contexto

singular, quando se almeja um processo reflexivo. Sem isso, mantm-se a dicotomia

entre a teoria e a prtica ou, em outras palavras, a teoria determinando a aplicao

da prtica sem, no entanto, haver um dilogo entre elas.

Em consonncia com essas idias, os PCN-LE (BRASIL, 1998, p.109)

salientam que antigamente pensava-se que era suficiente apresentar uma nova

teoria ao professor para que ele alterasse sua prtica. Atualmente, entretanto, essa

viso entendida como ultrapassada, uma vez que as pesquisas revelaram que o

processo de reflexo bastante complexo e demorado e envolve tanto o

conhecimento das teorias, quanto uma reflexo sobre a prpria prtica do professor.

Dessa maneira, o documento orienta que os professores devam conhecer as teorias,

tentar entend-las e tambm refletir sobre suas prticas de sala de aula por meio de

questionamentos, na tentativa de que elas sejam reconstrudas ou alteradas. Nos

PCN-LE (BRASIL, 1998, p.109), afirma-se que, entre as ferramentas disponveis

para o envolvimento em um processo reflexivo, esto os cursos de formao

continuada de professores, nos quais a reflexo pode acontecer de modo cada vez

mais intenso, uma vez que esses cursos podem proporcionar contextos de

questionamentos das prticas dos professores por meio da investigao das

mesmas.

Freire (2004, p.38) advoga que, na docncia crtica, h a presena de um

pensar certo, que envolve um movimento dinmico, dialtico, entre o fazer e o

pensar sobre o fazer. Esse pensar certo a que o autor se refere aquele pensar

crtico, que supera o pensar ingnuo e dialgico9.

Liberali (2008), em sua pesquisa sobre reflexo crtica, traz o trabalho de van

Manen (1977), o qual descreve trs tipos de reflexo: reflexo tcnica, reflexo

prtica e reflexo crtica. A reflexo tcnica, de acordo com Prez Gmez (1992,

p.96), remonta ao Positivismo e perdurou pelo sculo XX inteiro, sendo referncia

para a Educao. Segundo esse autor, pelo modelo da racionalidade tcnica, a

9 Esse conceito no ser discutido neste trabalho, no entanto um conceito atribudo a Bakhtin, no que diz respeito a ideias em conflito em busca de consenso (BAKHTIN, 1975/2006).

27

atividade profissional voltada para solucionar problemas por meio da aplicao de

teorias e tcnicas cientficas. De acordo com o autor, os profissionais das cincias

sociais, tradicionalmente identificados com esse tipo de reflexo, utilizavam, na

resoluo dos problemas decorrentes da prtica, princpios e conhecimentos

resultantes da investigao cientfica. Isso demonstrava sua eficcia como

profissional. Liberali (2008, p.32-3) afirma que o professor que reflete tecnicamente

tem o foco na busca por conhecimento cientfico para responder problemas do dia a

dia. De acordo com a autora, esse profissional visto como um aplicador de teorias

com o nico objetivo de atingir um determinado fim, sem o menor interesse de tentar

entend-las. uma utilizao meramente instrumental.

Desse modo, fica evidente que o modelo de reflexo tcnica no proporciona

nenhuma maneira de questionamento da teoria, j que fornece ao profissional que

reflete tecnicamente a opo por seguir a teoria, usando-a como instrumento

rigoroso, para atingir seus objetivos de soluo dos problemas decorrentes da

prtica.

J no modelo de reflexo prtica, segundo Liberali (2008, p.33-4), o foco recai

sobre as necessidades funcionais que estejam voltadas para o entendimento dos

fatos da prtica, na prpria prtica do professor. Nesse modelo de reflexo, uma

grande contribuio oferecida por Schn (1992, p.83), que traz os conceitos de

conhecimento-na-ao, reflexo-na-ao e reflexo-sobre-a-ao. Esse terico

retoma os estudos de Dewey (1933/1959) e Habermas (1973) sobre a relao de

reflexo ligada ao. De acordo com Schn (1992, p.83), o processo de reflexo

pode ser composto por uma sequncia de momentos 10 conectados em uma prtica

de ensino habilidosa.

Em um primeiro instante, conforme descreve Schn (1992, p.83), h o

momento da surpresa, em que o professor deixa-se surpreender por aquilo que

feito pelo aluno. J no segundo instante, o autor afirma que o momento em que o

professor faz uma reflexo sobre a ao do aluno e, ao mesmo tempo, tenta

entender o motivo pelo qual foi surpreendido. No terceiro instante, segundo o autor,

surge o momento em que o professor repensa sobre a problemtica gerada pelo

instante inicial. Por fim, o quarto instante, de acordo com Schn (1992, p.83), o

momento em que o professor resolve fazer uma experincia para comprovar sua

10 Aspas do autor.

28

hiptese com base na maneira de pensar do aluno. Esse processo de reflexo-na-

ao, para o autor, no exige palavras. Conforme descreve Prez Gmez (1992,

p.104), a reflexo-na-ao acontece quando o professor mobiliza e elabora seu

conhecimento intelectual durante sua prpria ao, com o objetivo de fazer um

rpido diagnstico de uma situao, desenvolver estratgias para intervir e fazer a

previso do que acontecer a seguir. De acordo com o autor, apesar dos problemas

e das limitaes, a reflexo-na-ao um processo de extraordinrio valor na

formao prtica do professor.

Ainda segundo Schn (1992, p.83), h a possibilidade de que o professor olhe

sua prtica retrospectivamente, refletindo sobre a reflexo-na-ao. Aps uma aula,

por exemplo, o professor pode refletir sobre o que aconteceu, sobre aquilo que

observou na aula e no significado que ele construiu e em uma possvel adoo de

outros significados. De acordo com o autor, refletir sobre a reflexo-na-ao uma

ao, uma observao e uma descrio, que exige o uso de palavras (SCHN,

1992, p.83). o que ele chama de reflexo-sobre-a-ao (p.83). Segundo Prez

Gmez (1992, p.105), a reflexo-sobre-a-ao a anlise que o professor faz a

posteriori sobre as caractersticas e processos de sua prpria ao. O mesmo autor

afirma que, nesse tipo de reflexo, o professor tem a possibilidade de aplicar

conceitos e estratgias de anlise na tentativa de compreender e reconstruir sua

prpria prtica.

A reflexo crtica, por sua vez, de acordo com Liberali (2008, p.37), baseada

na pedagogia crtica proposta por Freire (2005). Autores como Kemmis (1987) e

Smyth (1992) retomaram os estudos freireanos desenvolvendo trabalhos

relacionados com a compreenso do processo de reflexo crtica. Segundo Liberali

(2008, p.38), um trabalho que almeja se inserir no quadro terico da reflexo crtica,

no pode prescindir da ideia de transformao da realidade. De acordo com a

autora, no suficiente criticar, pura e simplesmente, a realidade ou teorizar sobre

ela. necessrio que a crtica ou a teorizao venham seguidas de aes que

tragam mudanas.

Liberali (2008) considera que os educadores passam a ser entendidos e a

entenderem-se como intelectuais transformadores, responsveis por formar

cidados ativos e crticos dentro da comunidade (p.38). A autora afirma que, para

formar o profissional crtico, seria necessrio desenvolver algumas caractersticas

29

fundamentais. Conforme descreve Liberali (2008, p. 39), entre essas caractersticas

esto o desenvolvimento de:

1 menos medidas de desempenho profissional;

2 formas de verificar o silenciamento da voz dos educadores;

3 formas de trabalhar com os educadores para que eles descrevam e analisem suas prticas, no sentido de transformar formas autoritrias de agir;

4 oportunidades para o educador confrontar prticas negativas de autoritarismo;

5 colaborao com os educadores sobre como julgar a posio poltica das aes;

6 formas de desenvolvimento de auto-imagens robustas;

7 permisso para o engajamento em estudos sobre formas ativas e informadas de agir menos medidas de desempenho profissional.

A autora advoga que, ao desenvolver as caractersticas mostradas acima, o

educador teria a oportunidade de desenvolver um trabalho mais crtico e estaria se

libertando do que Smyth (1992, p.270) chamou de gaiola de ferro11, ou seja, o

contexto desigual em que ele atua e no qual h sempre o jugo do poder, da

imposio, da ideologia. Como aponta Giroux (1997, p.163), um educador crtico-

reflexivo no pode deixar de buscar, incessantemente, formas de tornar a escola um

local no neutro. Para isso, o autor acredita ser necessrio formar alunos como

cidados crticos, atuantes em suas comunidades, conscientes de seu papel como

agentes da ao, da mudana, que no sejam manipulados por pessoas

inescrupulosas que se proponham a mudar suas realidades sociais apenas com

promessas vazias e miraculosas. Freire (2005, p.78-9) afirma que atravs do

dilogo crtico que

[...] se opera a superao de que resulta um termo novo: no mais educador do educando, no mais educando do educador, mas educador-educando com educando-educador. Desta maneira, o educador j no o que apenas educa, mas o que, enquanto educa, educado, em dilogo com o educando que, ao ser educado, tambm educa.

O que se pode entender a partir das colocaes dos autores aqui abordados

que o dilogo entre o professor e seus alunos deve acontecer em uma perspectiva

11 Traduo da expresso iron cage (SMYTH, 1992, p.270).

30

de troca, como uma espcie de mo dupla em que ambos so educadores e

educandos.

Desse modo, segundo Liberali (2008, p.42), o processo de reflexo crtica se

transformaria em uma possibilidade de libertao do educador, das teorias formais

vigentes, no qual haveria uma tessitura entre prtica e teoria, confrontao com a

realidade e valores ticos, para a possibilidade de uma emancipao pela chance de

transformao informada da ao. Assim, o professor crtico-reflexivo precisa agir,

sair do estado de letargia em que se encontra, pois as aes descritas anteriormente

no se autoimplementam, pois necessitam da ao do professor para existirem.

Dessa forma, como professor reflexivo-crtico, voltei meus esforos para o

desenvolvimento do multiplicador, colaborando na reconstruo da unidade didtica

desenvolvida pelo participante deste estudo.

1.2 O curso Reflexo sobre a ao

Segundo Celani (2003, p. 21), o Programa de Ps-Graduao em Lingustica

Aplicada e Estudos da Linguagem, da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo

(LAEL/PUC-SP) e a Associao Brasileira de Cultura Inglesa - So Paulo, doravante

Cultura Inglesa, conscientes de sua funo social como educadores, uniram-se para

criar o programa A formao contnua do professor de Ingls: um contexto para a

reconstruo da prtica, cujo objetivo oferecer cursos de formao contnua a

professores de Ingls da Rede Pblica de Ensino do Estado de So Paulo

(CELANI, 2003, p.21)

De acordo com Celani (2003, p.28-9), esse programa composto por trs

componentes: o primeiro deles o aprimoramento lingustico, cuja responsabilidade

da Cultura Inglesa; j o segundo, o aprimoramento profissional, fica a cargo do

LAEL/PUC-SP; por fim, a formao do multiplicador fica sob responsabilidade de

ambas as instituies. Quanto ao primeiro componente, o aprimoramento lingustico,

Celani (2003, p.29) explica que so ministradas aulas de Ingls, cursadas em at

seis semestres. O componente aprimoramento profissional, denominado Reflexo

sobre a ao: o professor de Ingls aprendendo e ensinando, refere-se formao

reflexiva do professor e ser detalhado nesta seo. O terceiro componente do

programa refere-se formao do multiplicador, realizado por meio de oficinas

31

mensais, que so elaboradas e apresentadas pelos professores concluintes do

curso, os multiplicadores. De acordo com Celani (2003, p.23-7), o programa ,

teoricamente, baseado em cinco conceitos considerados fundamentais:

1. formao contnua: um processo sem fim;

2. os participantes como agentes de transformao;

3. a linguagem como prtica discursiva;

4. a reflexo crtica;

5. o agir colaborativo.

Em relao ao primeiro conceito - formao contnua: um processo sem fim -,

Celani (2003, p.23) salienta que, dentre as vrias opes para o desenho de um

programa de formao contnua de professores, adotou-se uma linha terica recente

que, conforme a autora, tem base em trabalhos de pesquisadores como Zeichner e

Liston (1996), Smyth (1987,1992) e Freeman (1992,1996). Celani (2003, p.23)

afirma ainda que, em relao formao contnua de professores, essa linha terica

[...] enfatiza a necessidade de um processo longo e continuado, conjugado estreitamente com a prtica de sala de aula, no qual a transmisso de conhecimento ocupa posio de menor destaque, privilegiando-se o desenvolvimento de um processo reflexivo que fatalmente exigir mudanas em representaes, crenas e prticas.

Seguir essa viso, de acordo com Celani (2003, p.23-4), demandaria tempo,

pessoal e dinheiro para um acompanhamento eficaz do processo de transformao

do professor, especialmente considerando-se o tamanho da rede pblica no Estado

de So Paulo. A soluo, conforme a autora, seria criar uma maneira de multiplicar o

trabalho desenvolvido no projeto de educao contnua de modo que lhe desse

longevidade. Celani (2003, p. 24) tambm aponta que o intuito foi educar os

professores para que eles pudessem se capacitar como indivduos reflexivos quanto

sua prpria prtica e, ao mesmo tempo, pudessem, ao trmino do curso, atuar

como mediadores, desenvolvendo um trabalho reflexivo de multiplicao junto a

outros professores em suas escolas. A autora tambm salienta que, aps um

reexame no programa, decidiu-se por um referencial terico que proporcionasse a

reflexo partindo da prtica do professor como local de construo terica e que

objetivasse a formao do multiplicador.

Percebo que, nessas afirmaes da autora, desenha-se uma parte de minha

trajetria como profissional reflexivo e multiplicador, uma vez que foi ao passar por

32

esse processo de reflexo continuada, proporcionado pela minha participao no

programa mencionado por ela, que decidi desenvolver um trabalho de multiplicador,

com um colega de trabalho, mediando a reconstruo de uma unidade didtica

desenvolvida por ele.

Quanto ao segundo conceito - participantes como agentes de transformao-,

Celani (2003, p.24) afirma que, alm da preocupao com as questes tericas

relacionadas formao do professor, o programa A formao contnua do

professor de Ingls: um contexto para a reconstruo da prtica procura exercer um

papel, sobretudo prtico, de interveno no contexto da escola pblica, de modo que

os prprios professores participantes do curso sejam os agentes atuantes de

transformao em suas escolas.

J em relao ao terceiro conceito - linguagem como prtica discursiva-,

Celani (2003, p.25) aponta que a concepo adotada tem como base a teoria scio-

histrica de Vygotsky e seguidores. Conforme descreve a autora, a linguagem

vista aqui como ferramenta psicolgica, pois o homem se constitui nas e pelas

prticas sociais e desenvolve seu pensamento e linguagem. Celani (2003, p.25) cita

tambm o conceito do agir comunicativo12 desenvolvido por Habermas (1984) e

discutido por Bronckart (1993), que, na viso autora, enfoca a linguagem como um

meio pelo qual e no qual se constri uma intercompreenso entre os participantes de

uma interao voltada ao entendimento e ao desenvolvimento reflexivo dos

envolvidos na ao comunicativa (CELANI, 2003, p. 25).

O quarto conceito - reflexo crtica -, j abordado na seo 1.1.1 deste

captulo, foi trazido para o programa porque, conforme registra Celani (2003, p.26-7),

[...] necessrio que programas de formao contnua criem espaos que possibilitem a professores refletir sobre a heterogeneidade de sentidos que compem as representaes, os valores, as intenes em agir e a prpria ao.

De acordo com Celani (2003, p.26), a viso de reflexo crtica adotada pelo

programa est pautada em autores como Kemmis (1987), que chama o processo de

autoconscientizao do professor de reflexo crtica13. A autora cita tambm

Wildman e Niles (1987) e Magalhes (1990, 1994), pesquisadores cujos trabalhos

em formao de educadores revelam que o processo de auto-reflexo do professor

12 Grifo da autora. 13 Aspas da autora.

33

no acontece, normalmente, na escola. Isso acontece porque, conforme Celani

(2003, p.26), esses pesquisadores salientam que o professor entende que a

compreenso crtica, o questionamento e a transformao de crenas e valores que

propiciam sua ao no algo fcil de atingir, por conta de alguns fatores como o

isolamento na escola, a falta de conhecimento terico e tambm a dificuldade de

relacionar a teoria com a prtica e o ambiente complexo da sala de aula, ambiente

no qual diversas variveis coexistem ao mesmo tempo, dificultando a ao reflexiva.

Magalhes (1994) afirma que, mesmo quando a escola proporciona tempo

para a discusso dos professores, no h espao para a reflexo sistemtica. Celani

(2003, p.26) cita os estudos de Zeichner e Liston (1996) e Goodman (1988), que

apontam que o dilogo entre professores, na escola, apenas burocrtico,

limitando-se ao relato de atividades, julgamento de atividades e descrio de

decises para solucionar problemas baseados no senso comum.

Celani (2003, p.26) finaliza o terceiro item discutindo os conceitos de reflexo

na ao14 e sobre a ao15, trazidos por Schn (1983, 1987). Segundo a autora,

Schn oferece um arcabouo til para o estudo das mudanas nas representaes

que os professores tm sobre ensinar e aprender ingls, uma vez que est orientado

para a soluo de problemas e criao de hipteses. Celani (2003, p.26) afirma

ainda que, de acordo com essa viso de construo de conhecimento, que a

mesma de Freire (FREIRE e SHOR, 1986), a reflexo em contextos educacionais,

envolve a substituio do conhecimento pedaggico por perguntas decorrentes da

prtica pedaggica com o objetivo de iluminar16 a realidade.

O quinto conceito que compe a base terica do programa - A formao

contnua do professor de Ingls: um contexto para a reconstruo da prtica, o agir

colaborativo. Celani (2003, p.27) destaca a nfase que o quadro terico, base do

programa, d s novas formas de relacionamento entre a universidade e a escola,

ao mesmo tempo em que insere mudanas conceituais e metodolgicas no

processo de pesquisa em sala de aula, o que pressupe novas questes de

pesquisa na rea de ensino-aprendizagem e de formao de professores, assim

como novas formas de respond-las.

14 Aspas da autora. 15 Aspas da autora. 16 Aspas da autora.

34

Celani (2003, p.27) salienta que, uma vez que h diversos contextos,

objetivos e objetos a serem estudados na Educao, no h uma nica maneira de

respond-los. Por isso, de acordo com a autora, o mais interessante para os

responsveis pelo programa a anlise de cada situao em contextos

particulares. Desse modo, conforme Celani (2003, p.27), a compreenso que

norteia o curso a que ser dada pela compreenso dos participantes dele, a saber:

os professores-pesquisadores da universidade, os professores das escolas pblicas,

os professores da instituio que patrocina o programa e os contedos.

Celani (2003, p.27-8) advoga ainda que a pesquisa colaborativa, definida pela

igualdade de oportunidades dos participantes da interao em colocar em

discusso sentidos/significados, valores e conceitos que vm embasando suas

aes, pressupe que todos os participantes se tornem pesquisadores de sua

prpria ao. Ao agir assim, conforme a autora, os participantes trabalham contra as

concepes cristalizadas da instituio escolar quanto aos comportamentos de

professores e alunos. Celani (2003, p.28) afirma que o programa prope mudar a

cultura das pesquisas de sala de aula para que padres interacionais e novas

perspectivas sobre o que significa ensinar e aprender tenham lugar.

Juntos, de acordo com Celani e Collins (2003, p.75), os conceitos descritos

atuam como pilares que do coerncia base terica do programa, colaborando

com sua concepo de desenvolvimento de professores, que d nfase

[...] importncia de prticas discursivas entre educador e professor-aluno como ferramentas cruciais para o entendimento e a mudana dos contextos escolares. um modelo de educao contnua que no favorece um tipo unilateral de dilogo, em que os educadores falam e os professores-alunos ouvem e constroem interpretaes. (CELANI e COLLINS, 2003, p.76).

A afirmao acima reitera a ideia de que o programa A formao contnua do

professor de Ingls: um contexto para a reconstruo da prtica tem como um dos

seus objetivos promover um espao de discusso e produo de conhecimentos

dentro de um paradigma de reflexo crtica. No que se refere a este estudo, meu

interesse est voltado para o curso Reflexo sobre a ao, em que os pressupostos

tericos descritos so trabalhados detalhadamente.

35

O curso Reflexo sobre a ao tem durao de 216 horas e estruturado em

doze mdulos, ministrados em trs semestres. A estrutura do curso composta

pelos seguintes mdulos17:

Semestre Mdulos do curso

1

Parte Ia: Refletindo sobre necessidades e objetivos do ensino de Ingls na escola pblica. Parte Ib: Refletindo sobre a reconstruo da teoria a partir da prtica.

Parte IIa: Refletindo sobre a linguagem como prtica social. Parte IIb: Autoavaliao no processo reflexivo I.

2

Parte IIIa: Resgatando o aprender e compartilhando o ensinar.

Parte IIIb: Repensando a fonologia do Ingls: da conscientizao ao.

Parte IVa: Refletindo sobre textos e gramtica.

Parte IVb: Fundamentos para anlise e elaborao de material didtico.

Parte IVc: Autoavaliao no processo reflexivo II.

3

Parte Va e b: Oficinas de preparao de materiais e atividades pelos participantes, para serem utilizados e avaliados em suas salas de aula, luz dos princpios que norteiam uma viso crtico-reflexiva de ensino-aprendizagem. Parte VIa: O papel do multiplicador no processo reflexivo. Parte VIb: Multiplicao em ao.

Quadro 1.1 - Mdulos do curso

Do curso Reflexo sobre a ao, o meu foco de interesse e posterior base

para minha investigao recaiu sobre a avaliao e a elaborao de material

didtico. Esses tpicos, conforme o programa do curso, foram tratados, nos mdulos

denominados: Refletindo sobre necessidades e objetivos do ensino de Ingls na

escola pblica (parte Ia); Refletindo sobre a reconstruo da teoria a partir da prtica

(parte Ib); Fundamentos para anlise e elaborao de material didtico (parte IVb);

duas Oficinas de preparao de material didtico (partes Va e b); O papel do

multiplicador no processo reflexivo (parte VIa); e Multiplicao em ao (parte VIb).

Conforme o programa do curso, o mdulo Refletindo sobre necessidades e

objetivos do ensino de Ingls na escola pblica (parte Ia), ministrado no primeiro

semestre, tem como objetivos propiciar aos participantes, luz dos PCN-LE

(BRASIL, 1998), uma reflexo sobre o ensino-aprendizagem de Ingls no que tange

17Documento de estrutura e normas do programa a Formao contnua do professor de Ingls: um contexto para a reconstruo da prtica, disponvel em: http://www.culturainglesasp.com.br/resources/prospects/aculturainglesa/projetossociais/documento_de_estruturas_e_normas_2nd_2008.doc>. Acesso em: 29 jan. 2010.

36

a questes do papel dessa lngua no contexto educacional, bem como de objetivos,

de necessidades e das habilidades comunicativas envolvidas nesse processo. O

professor-aluno deve ser capaz, luz dos PCN-LE (BRASIL, 1998), de perceber e

confrontar similaridades e diferenas quanto s questes que tangem: a) o papel da

Lngua Inglesa no contexto educacional brasileiro; b) a questo dos objetivos; c)

necessidades de aprendizagem.

Quanto ao mdulo Refletindo sobre a reconstruo da teoria a partir da

prtica (parte Ib), tambm ministrado no primeiro semestre, o programa do curso

aponta que os objetivos so rever, reformular e reconstruir a prtica em sala de aula

a partir da reflexo crtica e dos debates com seus pares, levando os participantes a

trabalhar o como e os porqus de atividades e materiais didticos utilizados para

as aulas luz das reflexes crticas elaboradas com relao aos mtodos e

abordagens de ensino-aprendizagem de Ingls, historicamente situados.

J o mdulo Fundamentos para anlise e elaborao de material didtico

(parte IVb), ministrado no segundo semestre, tem como finalidade propiciar aos

participantes, a partir da experincia docente, um espao para refletir sobre o papel

do material didtico no Ensino Fundamental e Mdio. Para isso, utilizada a lista de

critrios para avaliao de material didtico, proposta por Ramos (1999/2009), para

analisar materiais didticos existentes no mercado nacional de modo a auxiliar os

professores a ter escolhas sistematizadas para a elaborao de materiais mais

relevantes para seus contextos de atuao.

Os mdulos Oficinas de preparao de material didtico (partes Va e b),

ministrados no terceiro semestre, tm como objetivo a preparao de uma unidade

didtica, pelos professores-alunos, para serem utilizadas e avaliadas em suas salas

de aula, luz dos princpios apoiados em uma viso crtico-reflexiva de ensino-

aprendizagem.

O mdulo O papel do multiplicador no processo reflexivo (parte VIa),

ministrado tambm no terceiro semestre, tem como objetivos o desenvolvimento de

estratgias de modo que os futuros multiplicadores possam dar continuidade a seus

processos reflexivos e multiplicar com outros colegas esse mesmo processo.

Em relao ao mdulo Multiplicao em ao (parte VIb), ministrado

igualmente no terceiro semestre, o programa do curso prope como objetivos

proporcionar uma reflexo sobre o curso, como um todo, a partir da unidade didtica

elaborada durante as aulas, pelos professores-alunos, avaliando-a luz dos

37

princpios que a nortearam e tambm luz de outras contribuies advindas do

mdulo, o papel do multiplicador. Ao final, prope-se uma reflexo de encerramento

do curso.

Foi a oportunidade que tive de passar por um processo de reflexo crtica,

durante o curso Reflexo sobre a ao, que me instigou a continuar aprendendo e a

desejar verificar como poderia multiplicar o que aprendi quando participei desse

curso. Assim, do mdulo Refletindo sobre necessidades e objetivos do ensino de

Ingls na escola pblica (parte Ia), utilizei as questes terico-prticas trabalhadas

sobre necessidades e objetivos para guiar meu papel de avaliador da unidade

didtica e colaborador na reconstruo da unidade durante as sesses reflexivas,

descritas no captulo seguinte. Do mdulo Refletindo sobre a reconstruo da teoria

a partir da prtica (parte Ib), extra os conhecimentos para avaliar as teorias de

ensino-aprendizagem e de linguagem encontradas na unidade inicial e dar os

encaminhamentos tericos para a reconstruo da unidade didtica durante as

sesses reflexivas.

Neste trabalho, para a anlise e reconstruo da unidade didtica do

participante, recorri aos procedimentos para a anlise de material didtico e a lista

de critrios de Ramos (1999/2009), utilizada nos mdulos Fundamentos para anlise

e elaborao de material didtico (parte IVb) e Oficinas de preparao de material

didtico (partes Va e b. Dos mdulos O papel do multiplicador no processo reflexivo

(parte VIa) e Multiplicao em ao (parte VIb), extra os conhecimentos sobre o

papel que um multiplicador deve desempenhar no processo reflexivo para continuar

multiplicando. No caso deste trabalho, atuei como colaborador da reconstruo da

unidade didtica desenvolvida pelo participante deste estudo.

A seguir, apresento os conceitos sobre as abordagens de ensino-

aprendizagem de lngua estrangeira, uma vez que elas serviram de base para a

anlise e a reconstruo da unidade didtica desenvolvida pelo professor

participante desta dissertao.

1.3 As abordagens de ensino-aprendizagem em lngua estrangeira

A escolha pelas abordagens de ensino-aprendizagem que utilizarei neste

trabalho se deu por serem apontadas nos PCN-LE (BRASIL, 1998, p.55) como

38

sendo influenciadoras da viso moderna de aprendizagem de lngua estrangeira, por

serem correntes na escola e, ao mesmo tempo, por serem aquelas que orientaram a

elaborao e reconstruo da unidade didtica deste estudo. Dessa forma, a

abordagem behaviorista ou comportamentalista, a cognitivista e a

sociointeracional18, embasaram a unidade didtica desenvolvida pelo participante

desta pesquisa e suas refaces.

Embora sejam vrias as abordagens de ensino-aprendizagem, as duas

primeiras sero tratadas muito rapidamente, uma vez que o foco deste trabalho

reside na abordagem sociointeracional porque ela que norteia o curso Reflexo

sobre a ao e que direcionou minha tarefa de auxiliar na reconstruo da unidade

didtica.

A abordagem behaviorista ou comportamentalista, de acordo com Williams e

Burden (1997, p.8-9), teve sua origem no Positivismo e influenciou enormemente o

ensino de lnguas no mundo inteiro. De acordo com os autores, Skinner (1957, 1987)

considerado o fundador do Behaviorismo moderno e o criador da premissa de que

aprender muito mais resultado do meio no qual o indivduo est do que de fatores

genticos. Mizukami (1986, p.19), por sua vez, afirma que essa abordagem tem

como caracterstica principal o empirismo19 e que o conhecimento o descobrimento

de algo que est presente na realidade exterior, considerando o indivduo sujeito s

contingncias do meio.

De acordo com Mizukami (1986, p.30), o ensino nessa abordagem est

relacionado maneira como se arranjam ou se dispem as contingncias para que

haja uma aprendizagem eficaz, mediante o planejamento, que considera o reforo

para garantir que os alunos aprendam, cabendo ao professor a responsabilidade

para a aquisio do comportamento esperado dos alunos. Esse arranjo depende de

fatores observveis, como uma resposta, um acontecimento antecedente etc.

Conforme apontado nos PCN-LE (BRASIL, 1998, p.56), o foco dessa abordagem

est no processo de ensino e no professor. Desse modo, quando a aprendizagem

no acontecia por qualquer motivo, o problema estaria nos procedimentos adotados

para o ensino. Os erros deveriam ser corrigidos ou eliminados para no afetarem o

processo de aprendizagem.

18 Neste trabalho utilizado o termo sociointeracional conforme tratado nos PCN-LE (BRASIL, 1998, p.57) e que, de acordo com o documento, tambm referido na literatura como histrico-social ou sociocultural. 19 A viso empirista defende que as teorias cientficas devem ser baseadas na observao do mundo, em vez de na intuio ou na f.

39

Conforme descrevem Williams e Burden (1997, p.10), nessa abordagem a

lngua vista como um comportamento a ser ensinado, por meio da disponibilizao

do contedo aos alunos em pequenas partes, de modo sequencial e mecnico, com

base em exerccios de repetio, substituio e memorizao. J a avaliao,

conforme aponta Mizukami (1986, p.34-5), est relacionada aos objetivos finais do

processo de ensino-aprendizagem nessa abordagem. Ela acontece antes, durante e

depois do processo para identificar se o aluno adquiriu os comportamentos que

eram esperados que ele adquirisse. Nessa abordagem, de acordo com os PCN-LE

(BRASIL, 1998, p.56), o aluno visto como algo a ser modelado, ao aprender uma

nova lngua.

De acordo com essa abordagem, o aluno mostrado no como um indivduo

autnomo, mas sim como um ser passivo que no pode cometer erros, pois estar

sujeito a ser excludo durante o processo de aprendizagem, caso no siga as regras

a ele impostas. Conforme indicado no incio desta seo, essa abordagem ainda

parece influenciar a concepo de ensino-aprendizagem dos professores e perpassa

a unidade didtica elaborada pelo participante desta pesquisa, conforme ser visto

adiante.

O conhecimento, da maneira como descrito acima, parece evidenciar o

carter metdico dessa abordagem, em que nada parece sair do controle, tendo na

experincia e no planejamento seus pilares.

De acordo com Williams e Burden (1997, p.13), a abordagem cognitivista

contrasta com o Behaviorismo na medida em que se preocupa em entender como a

mente pensa e aprende. Os autores apontam que os psiclogos cognitivistas se

interessam pelos processos mentais relacionados aprendizagem. Mizukami (1986,

p.59) afirma que a preocupao, nessa abordagem, saber como os indivduos

lidam com os estmulos que recebem do ambiente, organizam os dados, atuam na

resoluo de problemas, absorvem conceitos e utilizam smbolos verbais.

Segundo Williams e Burden (1997, p.21), Piaget foi o terico mais importante

dessa abordagem. Conforme descreve Mizukami (1986, p. 60), nos estudos

piagetianos surge a noo de desenvolvimento do ser humano por fases que se

inter-relacionam e se sucedem at que atinjam estgios da inteligncia

caracterizados por maior mobilidade e estabilidade. J para Williams e Burden

(1997, p.21), um dos aspectos mais resistentes da teoria de Piaget a nfase dada,

pelo autor natureza construtiva do processo de aprendizagem em contraste com

40

vises mais tradicionalistas que veem a aprendizagem como acmulo de

conhecimento.

Nessa perspectiva, Mizukami (1986, p.63) afirma que o conhecimento algo

em constante construo. A autora acrescenta, ainda, que passar de um estgio de

desenvolvimento para o prximo sempre marcado pela formao de novas

estruturas. Quanto aquisio do conhecimento, Mizukami (1986, p.64-5) salienta

que Piaget aceita ao menos duas fases: a fase exgena, na qual, o sujeito constata,

copia e repete; e a fase endgena em que o sujeito compreende as relaes e as

combinaes. Mizukami (1986, p.68) aponta tambm que essas relaes unindo

sujeito e objeto so essencialmente epistmicas.

Conforme advoga Mizukami (1986, p.70), o processo educacional, nessa

abordagem, tem um papel fundamental quando provoca situaes que causam

desequilbrio ao aluno, situao essa que, por estar adequada ao nvel de

desenvolvimento desse aluno, possibilita a construo progressiva das noes e

operaes, concomitantemente vivncia intensa, tanto intelectual quanto afetiva,

da criana em cada fase de seu desenvolvimento.

Mizukami (1986, p.71) aponta que o objetivo da Educao, na abordagem

cognitivista, no reside na simples transmisso de verdades, informaes,

demonstraes ou modelos, e sim em que o aluno conquiste pelos seus prprios

esforos esses conhecimentos, atingindo, desse modo, a autonomia intelectual. A

autora afirma ainda que por meio do desenvolvimento de sua personalidade e pela

aquisio de instrumentos lgico-racionais que o aluno atingir essa autonomia.

Para Williams e Burden (1997, p.23), o professor no deve conceber o aluno

como receptor passivo no processo de aprendizagem da lngua, e sim encoraj-los

nesse processo, uma vez que o desenvolvimento do pensamento e sua ligao com

a lngua e a experincia so aspectos centrais da aprendizagem nessa abordagem.

Os autores afirmam, ainda, que o professor deve tomar o cuidado de ajustar o

objetivo das tarefas ao nvel cognitivo dos alunos.

Mizukami (1986, p.78) tambm destaca o papel do professor ao salientar que

cabe a ele observar, conversar, conviver, interrogar e ser interrogado pelos alunos

para que ele possa contribuir com a aprendizagem e desenvolvimento dos

aprendizes. Mizukami (1986) traz uma citao de Piaget (1974), que ilustra bem

esse pensamento, mas que ao mesmo tempo marca uma mudana nesse papel:

41

Ora, bvio que o educador continua indispensvel, a ttulo de animador, para criar as situaes e construir os dispositivos de partida suscetveis de apresentar problemas teis criana e, em seguida, organizar contra-exemplos que foram a reflexo e obrigam o controle de solues mais precoces: o que se deseja que o mestre deixe de ser apenas um conferencista e estimule a pesquisa e esforo, em lugar de contentar-se em transmitir os problemas j solucionados. (PIAGET, 1974, p.18 apud MIZUKAMI, 1986, p.78).

Quanto metodologia da abordagem cognitivista, Mizukami (1986, p.78)

aponta que Piaget no criou um modelo pedaggico propriamente dito e sim uma

teoria do conhecimento e desenvolvimento humano. Conforme a autora, essa teoria

mostra a ideia de que a inteligncia construda partindo da troca do organismo

com o meio por meio das aes do indivduo.

Desse modo, possvel perceber que o aluno tem um papel ativo no

processo de aprendizagem e, conforme salienta Souza (2009, p.32-3), est inserido

em uma situao social.

Por fim, em relao avaliao, de acordo com Mizukami (1986, p.82-3), ao

contrrio da abordagem tradicional, em que so utilizados testes, notas etc., a

maneira de avaliar o aluno, na abordagem cognitivista, dever ser apoiada em

mltiplos critrios, considerando-se principalmente a assimilao e a aplicao em

situaes variadas. Em suma, a abordagem cognitivista considera, na

aprendizagem, apenas a relao do indivduo com o meio, desconsiderando suas

interaes com o ambiente social.

1.3.1 A abordagem sociointeracional

A abordagem sociointeracional tem seu foco central nas interaes entre as

pessoas durante a aprendizagem. Damianovic, Penna e Gazzotti-Valim (2003,

p.114) apontam que, nessa abordagem, os processos cognitivos ocorrem por meio

da interao entre um aluno e um participante de uma interao social. Os PCN-LE

(BRASIL, 1998, p.57) apontam que, para que o sujeito aprenda, conforme essa

abordagem, ele necessita estar no mundo social, com algum em um contexto

histrico, cultural e institucional. Complementando a ideia anterior, Baquero (1998,

p.26) afirma que o foco central dessa abordagem est voltado participao das

42

pessoas em atividades compartilhadas com outras pessoas. Em outras palavras,

so as interaes sociais.

Para discutir os conceitos que fazem parte da sua teoria, Vygotsky

(1934/2003, p.103-4) primeiramente discute trs teorias das quais discorda. A

primeira delas, baseada em estudos experimentais, considera que os processos de

desenvolvimento da criana independem da aprendizagem. A aprendizagem, para

os defensores dessa posio, vista como algo completamente externo e que no

se envolve ativamente no desenvolvimento. Alm disso, a aprendizagem, conforme

esse pressuposto, no impulsiona o avano do desenvolvimento, apenas se

beneficia dele. De acordo com Vygotsky (1934/2003, p. 104-5), como essa posio

terica entende que o desenvolvimento sempre precedido pela aprendizagem, ela

automaticamente exclui a possibilidade de que a aprendizagem possa desempenhar

um papel importante no curso do desenvolvimento ou da maturao daquelas

funes ativadas durante o prprio processo de aprendizado, o que, para a

abordagem sociointeracional, um problema, uma vez que o desenvolvimento,

conforme essa posio terica, visto como pr-requisito para a aprendizagem e

no como resultado dele.

J a segunda posio terica discutida por Vygotsky (1934/2003, p.105),

segundo esse autor, defende que aprendizagem desenvolvimento. Conforme essa

viso, o desenvolvimento entendido como algo inseparvel da aprendizagem, ou

seja, ocorrem simultaneamente. A aprendizagem entendida, conforme essa viso,

como um processo de acmulo de hbitos e o desenvolvimento como o domnio

dos reflexos condicionados, no importando se o que se considera o ler, o

escrever ou a aritmtica.

Quanto terceira posio terica discutida por Vygotsky (1934/2003, p.106),

ele a descreve como sendo uma tentativa de combinao das duas primeiras. O

autor afirma que os defensores dessa posio terica defendem a ideia de que o

desenvolvimento est baseado em dois processos distintos - de um lado, a

maturao, que dependente do desenvolvimento do sistema nervoso; do outro, a

aprendizagem, que ela mesma um processo de desenvolvimento (VYGOTSKY,

1934/2003, p.106). Segundo Vygotsky (1934/2003, p.106), essa posio terica

entende que o processo de maturao prepara e possibilita que o processo de

aprendizagem ocorra. O processo