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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE
SÃO PAULO
PUC-SP
Marjory Fornazari
A tributação por meio das contribuições previdenciárias sob o enfoque da semiótica
MESTRADO EM DIREITO TRIBUTÁRIO
São Paulo
2010
2
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE
SÃO PAULO
PUC-SP
Marjory Fornazari
A tributação por meio das contribuições previdenciárias sob o enfoque da semiótica
MESTRADO EM DIREITO TRIBUTÁRIO
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência
parcial para a obtenção do título de Mestre
em Direito Tributário, sob a orientação do
Prof. Doutor Paulo de Barros Carvalho
São Paulo
2010
3
Banca Examinadora:
________________________________
________________________________
________________________________
4
Esse trabalho é dedicado, com muito
amor, aos meus pais, MARLY
BENEDICTO e JOÃO ALBERTO
FORNAZARI; aos meus irmãos,
ALBERTO FORNAZARI e MAYNARA
FORNAZARI; a minha avó, CORINA
BELANGA BENEDICTO; ao meu esposo,
RICARDO ALEXANDRE HIDALGO PACE.
E, à memória de JOSÉ RINALDO
LAZARINI, meu primeiro professor de
Direito Tributário.
5
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar, agradeço a DEUS por me conceder forças todos os dias da
minha vida e, assim, me tornar apta a realizar um trabalho de tamanha importância.
Ao professor, amigo, “pai” e orientador, PAULO DE BARROS CARVALHO, que
tornou real meu sonho: o ingresso no mundo acadêmico.
Ao meu querido professor, ROQUE ANTONIO CARRAZZA, por ter me ensinado a
amar Direito Tributário com tamanha simplicidade.
Aos meus três grandes amigos e professores, TÁCIO LACERDA GAMA, ROBSON
MAIA LINS e FABIANA DEL PADRE TOMÉ, que muito me auxiliaram na produção
desse trabalho.
Ao grande tributarista e professor, JOSÉ EDUARDO SOARES DE MELO, que
também contribuiu na produção desse trabalho e, ainda, por seu apoio e amizade.
Ao professor e amigo PAULO AYRES BARRETO que me inspirou muitas idéias para
esse trabalho.
Ao ilustre professor, WAGNER BALERA, por toda a sua atenção comigo e pelos
ensinamentos valiosos acerca de Direito Previdenciário.
Ao professor, filósofo e amigo, CELSO FERNADES CAMPILONGO, que me abriu os
horizontes, por seu conhecimento brilhante nas questões jurídicas, históricas e
sociológicas.
Ao professor EURICO MARCOS DINIZ DE SANTI e a toda a equipe do IBET,
responsáveis pelo meu aprofundamento em Direito Tributário e, também, nas
questões filosóficas.
A todos os meus professores de graduação na FMU (1997-2001), responsáveis pela
minha formação jurídica.
E a todos os meus colegas da PUC/SP, USP, IBET e grupo de estudos, pelas
intermináveis discussões, as quais fomentaram as idéias aqui consignadas, em
especial TATHIANE DOS SANTOS PISCITELLI, uma amiga “de ouro”.
6
“Há, sem dúvida, muitos tipos de vozes no
mundo, nenhum deles, contudo, sem
sentido. Se eu, pois, ignorar a significação
da voz, serei estrangeiro para aquele que
fala; e ele, estrangeiro para mim”. (1 Cor
14, 10-11).
“ Chega de mal-dizer a incerteza e a
insegurança! Vamos construir critérios
para reduzi-las a partir das normas
constitucionais postas, atendendo à
complexidade que resulta do próprio
Direito Positivo”. (Marco Aurélio Greco)
“A Constituição é a lei suprema, sagrada,
superior; a Constituição ordena, manda; é
irresistível. Todo ato praticado contra a
Constituição é inconstitucional, nulo,
inválido, merecedor de sanção e de
perseguição judiciária”. (Geraldo Ataliba)
7
RESUMO
FORNAZARI, Marjory. A tributação por meio das contribuições previdenciárias sob o
enfoque da semiótica. São Paulo: Dissertação apresentada à banca examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para a
obtenção do título de Mestre em Direito Tributário, 2010.
O presente trabalho, tomando por base a teoria da linguagem como constitutiva de
realidade e do direito enquanto texto, realiza uma análise semiótica e dialógica das
normas atinentes à tributação das contribuições previdenciárias; isto é, as analisa
sob os três planos da linguagem – sintática, semântica e pragmática – e busca
oferecer um modelo teórico de controle de validade, vigência e eficácia dentro do
sistema jurídico brasileiro com o intuito de realizar um controle mais rígido na
instituição, fiscalização, arrecadação e na gerência do produto da arrecadação das
contribuições previdenciárias.
PALAVRAS-CHAVES: Teoria da linguagem, Dialogismo, Previdência Social,
Solidariedade, Contribuições Previdenciárias.
8
ABSTRACT
FORNAZARI, Marjory. Tax by the contribution for the social insurance under the
semiotics focus. São Paulo: Dissertation presented to the Examining Board of the
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, as a partial exigency to the
obtainment of the Master’s Degree Certificate in Tax Law, 2010.
The present approach, based in a theory of language as constituted of the reality and
the law as a text, achieves a semiotic and dialogic analysis of the rules related to the
tax by the contribution for the social insurance; that is, analyses them under the three
language’s degrees – syntactic, semantics and pragmatics – and try to offer a theoric
model of validity, legality and efficacy inside the Brazilian law system in order to
accomplish a more strict control in the institution, inspection, tax revenue and
management in the product of the tax revenue of the contribution for the social
insurance.
KEY-WORDS: Language theory, Dialogism, Social insurance, Solidarity, Contribution
for the social insurance.
9
SUMÁRIO
Introdução 12
Capítulo I Fundamentos para uma análise semiótica do texto e do
discurso
16
1. O homem, a linguagem e o fenômeno comunicacional 16
2. Semiótica 19
2.1. Sintática 20
2.2. Semântica 20
2.3. Pragmática 23
3. Linguagem e realidade 25
4. Fundamentos semióticos do texto e do discurso 28
Capítulo II Análise semiótica do direito e da ciência do direito 34
1. O direito como linguagem 34
2. Análise semiótica do direito positivo 40
2.1. Sintática 40
2.2. Semântica 45
2.3. Pragmática 47
3. Análise semiótica da ciência do direito 52
3.1. Sintática 52
3.2. Semântica 53
3.3. Pragmática 55
4. Recapitulando 57
10
5. Importância lingüística do Texto Constitucional de 1988:
seu caráter dialógico e polifônico
58
Capítulo III Plurivocidade dos termos “previdência social”,
“contribuições previdenciárias” e “solidariedade social”
67
1. Da plurivocidade 67
2. Da previdência social 68
2.1. Na ciência do direito 68
2.2. No direito positivo 69
3. Contribuições previdenciárias 70
3.1. Na ciência do direito 70
3.2. No direito positivo 71
4. Solidariedade social 73
4.1. Na ciência do direito 73
4.2. No direito positivo 75
5. A plurivocidade dos termos estudados e a importância da
análise semiótica
76
Capítulo IV Análise semiótica da previdência social 79
1. Histórico da proteção social 79
1.1. No mundo 79
1.2. No Brasil 82
2. Análise semiótica da seguridade social e seus princípios
informadores
86
2.1. Sintática 86
2.2. Semântica 91
2.3. Pragmática 102
3. Análise semiótica da previdência social e seus princípios
particulares
106
11
3.1. Sintática 106
3.2. Semântica 107
3.3. Pragmática 112
Capítulo V Análise semiótica das contribuições previdenciárias 119
1. Do conceito de tributo 119
2. As classificações das espécies tributárias na doutrina
brasileira
125
3. A classificação tributária proposta pelo trabalho 131
4. As contribuições e suas espécies 135
5. Análise sintática das contribuições previdenciárias 139
6. Análise semântica das contribuições previdenciárias 151
7. Análise pragmática das contribuições previdenciárias 171
8. O modelo constitucional teórico 175
8.1. Sintática 176
8.2. Semântica 177
8.3. Pragmática 190
9. Da teoria à prática 198
Conclusões 201
Bibliografia 205
12
INTRODUÇÃO
O presente trabalho pretende analisar semioticamente as contribuições
previdenciárias de forma a construir um modelo teórico de controle de validade,
vigência e eficácia das normas atinentes à atribuição de competência, instituição e
destinação do produto da arrecadação das exações.
Deve-se esclarecer, inicialmente, que as contribuições previdenciárias são as
exações geridas pelo Instituto Nacional de Seguridade Social – INSS e que se
destinam especificamente ao financiamento da Previdência Social (um dos
elementos da chamada ‘Seguridade Social’).
Dissertar sobre um modelo teórico para tais contribuições significa analisá-las
apuradamente dentro do ordenamento jurídico constitucional como um todo e
verificar suas delimitações de validade, vigência e eficácia.
A análise semiótica consiste no estudo dos enunciados (signos/símbolos)
concernentes às contribuições previdenciárias sob os três níveis da linguagem:
sintática, semântica e pragmática.
A sintática está relacionada com a estrutura interna do enunciado; a
semântica com a relação do enunciado com outros enunciados; já a pragmática,
com a relação entre o enunciado e seus destinatários.
O ponto de partida dessa análise é o Texto Constitucional de 1988, todavia,
há outros comandos que não poderão ser esquecidos, tal como a Lei nº 8.212/91.
A análise semiótica busca alcançar o sentido da tributação por meio das
contribuições previdenciárias para que elas sejam utilizadas conforme os objetivos
da CF/88. Por sentido da tributação entende-se a significação da utilização dos
tributos pelos órgãos do Estado. A utilização das contribuições previdenciárias
conforme os objetivos da CF/88 significa tributar por meio delas observando-se os
valores e princípios estabelecidos pelo poder constituinte no Preâmbulo do Texto
Constitucional, quais sejam, justiça social, fraternidade, liberdade, segurança,
desenvolvimento e igualdade.
A teoria semiótica oferece como subsídio uma análise dos textos (inclusive o
jurídico) segundo três planos diferentes, já apontados acima, os quais tramitam entre
13
a abstração e a concreção do contexto de um enunciado textual e, assim,
estabelecer uma interpretação muito próxima da que o enunciatário (construtor do
texto) quis transmitir através da mensagem emitida.
DANIEL PULINO1 observa que: “qualquer que seja o uso do modelo semiótico
adotado para o trato das questões jurídicas, seu caráter será meramente
instrumental e analítico, pois a realidade a ser analisada, salvo raras exceções,
apresentar-se-á de modo complexo, a envolver, concomitantemente, as dimensões
sintáticas, semânticas e pragmáticas”.
Para o controle da validade, vigência e eficácia das normas, a análise
semiótica é importante no sentido de que se pode alcançar a interpretação do
enunciatário das normas, então posso descobrir se essa norma é pertinente com o
direito positivo, quando e como ela vai ser aplicada e também se ela vai funcionar
perante seus destinatários. O que até então parecia impossível aos estudiosos de
Direito.
Há carência de estudos que se proponham a criar modelos teóricos de
controle de validade, vigência e eficácia das normas atinentes às contribuições
previdenciárias.
Ademais, há uma confusão entre contribuições previdenciárias e
contribuições sociais. Muitos cientistas as tratam como sinônimas, mas, na verdade,
não são.
Há, ainda, a confusão entre os doutrinadores sobre a natureza jurídica das
contribuições previdenciárias. Autores como WLADIMIR NOVAES MARTINEZ,
MARCUS ORIONE GONÇALVES CORREIA, ÉRICA PAULA BARCHA CORREIA,
HAMILTON DIAS DE SOUZA, MARCO AURÉLIO GRECO, BRANDÃO MACHADO,
LUIZ MÉLEGA e VALDIR DE OLIVEIRA ROCHA acreditam que elas não possuem
natureza tributária, todavia, autores como WAGNER BALERA, MIGUEL HORVATH
JUNIOR, CARLOS PEREIRA DE CASTRO, JOÃO BATISTA LAZZARI, SERGIO
PINTO MARTINS, AMÉRICO MASSET LACOMBE, SACHA CALMON NAVARRO
COELHO, PAULO DE BARROS CARVALHO, FABIANA DEL PADRE TOME,
PAULO AYRES BARRETO, JOSÉ EDUARDO SOARES DE MELO, NICOLAU
1 “Diferentes usos da linguagem na interpretação do direito previdenciário: uma análise pragmática” in Linguagem e suas aplicações no Direito. p. 33.
14
KONKEL JUNIOR e LEANDRO PAULSEN acreditam que elas possuem natureza
tipicamente tributária.
O que justifica também esse trabalho é a falta de observância do Texto
Constitucional como um todo por parte de cientistas e dos órgãos competentes para
aplicar as normas, inclusive dos princípios relativos ao sistema tributário para a
instituição, arrecadação, fiscalização, destinação e administração do produto da
arrecadação das contribuições previdenciárias.
Há que se ressaltar que o tema das contribuições previdenciárias é bastante
importante, posto que se relaciona com direitos e garantias fundamentais sociais
previstas no Texto Constitucional, logo, é tema merecedor de uma análise mais
acurada.
O paradigma a ser utilizado é o da linguagem como constitutiva de realidade
e, portanto, tudo o que é considerado real é texto. Dessa forma, sendo o direito uma
realidade, ele é texto.
Se o direito é texto, deve ser, primeiramente, analisado segundo as regras
gerais de texto; ou seja, deve-se realizar uma interpretação dos enunciados jurídicos
como signos (análise semiótica) e, então, analisá-lo sintática, semântica e
pragmaticamente.
Esse percurso entre o plano da expressão e a finalidade acaba oferecendo
um sentido para o texto que está sendo interpretado, sentido esse que gera uma
significação às palavras, frases, períodos e orações do discurso jurídico.
E isso é bastante oportuno no tema das contribuições previdenciárias, posto
que as normas que as veiculam são formadas por palavras e expressões eivadas de
vícios de linguagem, tais como polissemia e ambigüidade.
Assim, esse trabalho pretende esclarecer qual a natureza jurídica das
contribuições previdenciárias, bem como seu respectivo regime jurídico e, ainda,
verificar suas materialidades e validação constitucionais, além de outros elementos
importantes, sob o plano da semiótica.
O capítulo I tratará dos fundamentos teóricos da teoria semiótica dos textos,
explicando os níveis dos signos que devem ser percorridos para se atingir o sentido
do enunciado textual e, assim, interpretá-lo.
15
O capítulo II tratará da análise semiótica do direito positivo, bem como da
ciência do direito, esmiuçando-se sintática, semântica e pragmaticamente as normas
jurídicas (relações com validade, vigência e eficácia) e as proposições descritivas
(relações de verdade e falsidade) dos cientistas do direito, de forma a oferecer
subsídios para uma análise específica de um dado tema jurídico.
O capítulo III tratará da polissemia que comporta os termos “previdência
social”, “contribuições previdenciárias” e “solidariedade social” na ciência do direito e
no direito positivo.
O capítulo IV tratará da análise semiótica da previdência social, passando,
logicamente, pela análise semiótica da seguridade social, de maneira a deixar claro
que ambas as expressões estão relacionadas, todavia, não são sinônimas. Referida
análise inclui refletir sobre os princípios gerais da seguridade social, bem como
sobre os específicos da previdência social e, ainda sobre validade, vigência e
eficácia das normas atinentes à previdência social.
E, por fim, o capítulo V tratará da análise semiótica das contribuições
previdenciárias, de maneira a elaborar a regra de competência, bem como das
possíveis regras-matriz de incidência válidas, vigentes e eficazes. Nessa seara,
apresentará também o modelo teórico para tais exações e, assim, apontando sua
natureza jurídica, bem como o regime jurídico aplicável.
16
CAPÍTULO I
FUNDAMENTOS PARA UMA ANÁLISE SEMIÓTICA DO TEXTO E D O DISCURSO
1. O homem, a linguagem e o fenômeno comunicacional
Afirmava ARISTÓTELES que o Homem é um “politikon zoon”; isto é, um ser
gregário que vive constantemente em contato com outros homens como fator
imprescindível para sua existência. É uma necessidade vital.
O professor JOSÉ GERALDO BRITO FILOMENO2 pondera que: “as
mencionadas necessidades são evidentemente de ordem não apenas biológica, mas
sobretudo cultural, a começar pela constituição do grupo familiar, que evolui, até
chegar-se ao Estado, mas não necessariamente, pois, enquanto que a nação –
grupo social mais evoluído e organizado – caracteriza-se por vínculos
eminentemente sociológicos, a sociedade política por excelência (Estado)
caracteriza-se pela existência de vínculos políticos e jurídicos”.
Os seres humanos, portanto, permanecem em constante interação, seja ela
de natureza familiar, seja ela de natureza política e jurídica. Essa interação ocorre
por meio de linguagem; ou seja, através de um conjunto de signos, os quais são
repassados para cada uma das pessoas por meio da comunicação (processo de
transmissão de uma mensagem).
Nos dizeres de JUAN E. DÍAZ BORDENAVE3: “A comunicação confunde-se,
assim, com a própria vida. Temos tanta consciência de que comunicamos como de
que respiramos ou andamos. Somente percebemos a sua essencial importância
quando, por um acidente ou uma doença, perdemos a capacidade de nos
comunicar. Pessoas que foram impedidas de se comunicarem durante longos
períodos, enlouqueceram ou ficaram perto da loucura. A comunicação é uma
necessidade básica da pessoa humana, do homem social”.
Cada pessoa, enquanto produtora de linguagem, terá a sua maneira particular
de expressar o seu ato de comunicação. Essa maneira específica de se comunicar é
2 Manual de teoria geral do estado e ciência política. p. 23. 3 O que é comunicação. p. 19.
17
chamada de atos de fala, enquanto que a materialização desses atos é
simplesmente chamada de fala.
Temos, portanto, o seguinte esquema:
LINGUAGEM > LÍNGUA > ATOS DE FALA > FALA
Os atos de fala são um “modo particular e individualizado pelo qual o utente
exercita a língua. A fala é o exercício material da língua levado a cabo por este ou
aquele indivíduo pertencente a uma comunidade lingüística específica” 4.
Os atos de fala foram denominados por J.L.AUSTIN5, um filósofo britânico,
como “atos ilocucionários”. Tais atos ilocucionários foram definidos por JOHN
SEARLE6 como “a menor unidade completa possível da comunicação lingüística
humana. Sempre que falamos ou escrevemos para outra pessoa, realizamos atos
ilocucionários”.
O ato ilocucionário é um ato de comunicação e todo ato de comunicação é
constituído por remetente, contexto, mensagem, contacto, código e destinatário,
consoante a teoria comunicativa de ROMAN JAKOBSON7; ou seja, para a
ocorrência do fenômeno comunicacional, é imprescindível que haja a pessoa
(remetente) que irá emitir um texto (mensagem), sob a forma verbal, musical, escrita,
gestos, pinturas, gráficos ou números (código) sob determinadas circunstâncias de
tempo, espaço e de pessoas (contexto) e através de um canal, tais como ondas
sonoras, partituras musicais, revistas, jornais, códigos de leis, televisão, cinema,
partes do corpo e quadros (contato) para um grupo determinado ou não de pessoas
(destinatários).
Esse fenômeno de troca de informações entre pessoas chamado de
“comunicação” ocorre por meio da linguagem.
4 Cleverson Leite Bastos e Kleber B.B. Candiotto in Filosofia da linguagem. p. 15. 5 How to do things with words apud John Searle, Mente, linguagem e sociedade. p. 127. 6 Ibid. p. 127. 7 Lingüística e comunicação. p. 123. “cada um desses seis fatores determina uma diferente função da linguagem. Embora distingamos seis aspectos básicos da linguagem, dificilmente lograríamos, contudo, encontrar mensagens verbais que preenchessem uma única função. A diversidade reside não no monopólio de alguma dessas diversas funções, mas numa diferente ordem hierárquica de funções. A estrutura verbal de uma mensagem depende basicamente da função predominante”.
18
Assim, os homens se socializam por meio da utilização da linguagem para a
troca de informações e obtenção de conhecimento. Essa linguagem se manifesta
graças à capacidade comunicativa dos humanos e ocorre por meio de signos
(ícones, índices e símbolos). Assim, percebe-se que a linguagem e a comunicação
estão intimamente ligadas.
Confirmando tal assertiva, CRISTIANO CARVALHO8 afirma que: “A relação
entre linguagem e comunicação não é uma causalidade linear, mas um processo
circular. Ao passo que a comunicação pressupõe linguagem, esta só desenvolve-se
com a interação comunicacional. Em verdade, linguagem e comunicação são duas
dimensões de um mesmo fenômeno, qual seja, a capacidade humana de processar
e conceitualizar abstratamente os dados vindos da realidade”.
Os signos normalmente se manifestam no âmbito de uma língua (código de
signos em um determinado grupo cultural) e se particularizam através do ato de fala
e, conseqüentemente, da fala.
FERDINAND DE SAUSSURE9 ensina que “o exercício da linguagem repousa
numa faculdade que nos é dada pela Natureza, ao passo que a língua constitui algo
adquirido e convencional, que deveria subordinar-se ao instinto natural em vez de
adiantar-se a ele”.
A língua, portanto, é um código artificial instituído por um grupo de pessoas,
tal como a língua dos surdos-mudos e, sempre se refere à linguagem humana, a
qual é inerente à natureza do homem.
Sobre a imanência da linguagem para o Homem, explica ENI PULCINELLI
ORLANDI10 que: “Ao procurar explicar a linguagem, o homem está procurando
explicar algo que lhe é próprio e que é parte necessária de seu mundo e da sua
convivência com outros seres humanos”.
A partir da linguagem, o homem é capaz de refletir e de adquirir conhecimento
sobre o mundo físico que o circunda (dados brutos) e assim os transforma em
realidade ao descrevê-los. Dentre toda a imensidão dos objetos presentes no mundo
físico, o homem escolhe algo que considera relevante e reduz à linguagem, de modo
8 Teoria do sistema jurídico. p. 29. 9 Curso de lingüística geral. p. 17. 10 O que é lingüística. p 07.
19
a criar realidade. Ele faz o mesmo com os incontáveis eventos sociais que ocorrem:
verte em linguagem somente o que lhe aprouver e, assim, cria os fatos sociais.
LEONIDAS HEGENBERG11 explica que o ser humano quando nasce é
literalmente ‘jogado’ no meio de uma porção de coisas, transformando a
“circunstância em mundo. Dando sentido às coisas que o cercam, interpretando-as,
o ser humano pode viver (ou, no mínimo sobreviver). Quer dizer, o ser humano,
reconhece as coisas, ‘entende-as’, sabe valer-se delas, para seu benefício”.
Em suma, a linguagem é imprescindível para o homem e sua dinâmica ocorre
através da comunicação; ou seja, o processo comunicativo pressupõe ao menos
duas pessoas. Cada pessoa ao se comunicar utiliza um modo particular da
linguagem conforme a língua do espaço em que se encontra e segundo seu ato de
fala (produto do perfil do emissor e da situação em que se encontra ao realizar um
ato de enunciação).
2. Semiótica
Todo esse fenômeno comunicacional composto, segundo ROMAN
JAKOBSON, por remetente, contexto, mensagem, contacto, código e destinatário
que se manifesta através dos atos de fala e da fala para expressar uma linguagem,
que é um conjunto de signos, ao ser analisado, apresentará três instâncias: sintática,
semântica e pragmática. Essas três instâncias, nada mais são do que os “níveis dos
signos”, conforme os ensinamentos de DÉCIO PIGNATARI12 e, mais ainda, são os
planos a serem percorridos pelo intérprete da mensagem para encontrar seu
respectivo sentido (percurso gerador de sentido).
Na busca do sentido de um texto, esses planos praticamente se confundem;
isto é, durante o processo interpretativo esses planos se entrelaçam
constantemente, de forma que o intérprete deve transitar várias vezes por esses três
planos – sintática, semântica e pragmática – até atingir o sentido do texto.
Qualquer um desses planos analisados isoladamente não faz qualquer
sentido: para se analisar a sintática, é necessária a pragmática e para se analisar a
pragmática é necessária a semântica e assim esses planos transitam circularmente
o tempo todo. A percepção do plano sintático, inclusive, está relacionada com a
11 Saber de e saber que: Alicerces da racionalidade. p. 24-25. 12 Informação, linguagem e comunicação. p. 32.
20
posição pragmática do intérprete. É o que defende o professor MARCELO NEVES13
ao afirmar que: “A própria questão sintática da descaracterização do functor deôntico
só pode ser compreendida a partir dessa variável pragmática”.
É impossível, portanto, dissecar esses três planos num processo
interpretativo. Aqui nesse trabalho, os planos serão separados apenas para fins
didáticos.
2.1. Sintática
A sintática ou sintaxe diz respeito à estrutura interna dos signos lingüísticos;
ou seja, à gramática de uma língua e, portanto, diz respeito ao plano da expressão:
as formas geométricas dos objetos (círculo, quadrado, retângulo, triângulo, oval,
cilindro, cone, cubo), partes do corpo, marcas de tinta, figuras, gráficos, números,
ondas sonoras, partituras musicais, imagens televisivas, imagens em películas de
cinema, letras, palavras, frases, orações e períodos.
Essa gramática é explicada por NOAM CHOMSKY14 como “uma descrição da
competência intrínseca do falante-ouvinte ideal”. Para CLEVERSON LEITE BASTOS
e KLEBER B.B. CANDIOTTO15, “a análise lingüística em nível sintático tem por
finalidade a descrição dos sistemas lingüísticos que são encarados como produto de
convenções e valores sociais, de onde derivam as regras que tornam
compreensíveis as intercomunicações ao nível da fala”.
Trata-se, na verdade, da primeira instância do enunciado lingüístico e,
portanto, do nível que norteia o percurso gerador de sentido; isto é, a sintática
funciona como uma “moldura” do processo interpretativo: todos os significados e
significações obtidos pelo trabalho do intérprete devem estar contidos dentro dessa
estrutura sintática, de forma que ela própria acaba sendo o limite da atividade
interpretativa. Quer se dizer com isso que terá um momento em que todos os
significados e significações começarão a transbordar dessa moldura.
2.2. Semântica
Trata-se do plano lingüístico em que há a compreensão do significado do
signo lingüístico.
13 A constitucionalização simbólica. p. 164. 14 Aspectos da teoria da sintaxe. p. 84. 15 Op. cit. p. 19.
21
A semântica, consoante JULIA KRISTEVA16, é “o estudo da função das
palavras enquanto portadoras de sentido”; isto é, é o estudo dos significados das
palavras, das frases e dos textos.
O objetivo da semântica é estar constantemente buscando dentro de uma
palavra (ou texto) todos os elementos que ela comporta, os quais sempre estarão
representados por palavras também. Isso porque com o passar dos tempos e, com a
dinâmica da sociedade, as palavras poderão adquirir novos significados e a
semântica deverá sempre estar acompanhando isso.
Segundo ALAÔR CAFFÉ ALVES17, esse nível do signo é explicado da
seguinte forma: “a dimensão semântica diz respeito ao conteúdo dos conceitos e das
proposições em sua relação com o mundo real ou ideal, isto é, ao que eles
significam, e não apenas em relação a sua forma (sintaxe)”.
Há muitas formas para se encontrar os significados de uma palavra (ou de um
texto), seja através do próprio léxico das palavras – denotação e conotação
(semântica lexical), seja através das formas lógicas (semântica formal), seja através
do contexto (semântica textual) e até através de traços peculiares que buscam
manipular a conclusão do leitor (semântica argumentativa).
Segundo apontamentos de IRVING M. COPI.18 “Compreender um termo é
saber como aplicá-lo corretamente (...)”. Esse autor também esclarece que os signos
poderão ter significados intensivo ou conotativo e extensivo ou denotativo.
ANTONIO VICENTE SERAPHIM PIETROFORTE e IVÃ CARLOS LOPES19
afirmam que “tanto a denotação como a conotação são construções discursivas”
fundando-se na seguinte assertiva: “Se é da linguagem que emana o sentido, é a
partir de mecanismos de linguagem que se constrói efeitos de sentido tanto de
denotação quanto de conotação”.
A denotação refere-se ao significado constante dos dicionários; ou seja, ao
sentido usual; o difundido socialmente. OSWALD DUCROT e TZVETAN
TODOROV20 explicam que “a relação de denotação concerne, por um lado, aos
16 História da linguagem. p. 48. 17 Lógica: pensamento formal e argumentação. p. 59. 18 Introdução à lógica. p. 119. 19 “A semântica lexical” in introdução à lingüística II. p. 125. 20 Dicionário enciclopédico das ciências da linguagem. p. 103.
22
signos-ocorrências e não aos signos-tipos; e que, por outro lado, ela é muito menos
freqüente do que se acredita: fala-se antes das coisas em sua ausência que em sua
presença; ao mesmo tempo é difícil conceber qual seria o ‘referente’ da maioria dos
signos”.
E a conotação, nos dizeres de RODOLFO ILARI21, “é o efeito de sentido pelo
qual a escolha de uma determinada palavra ou expressão dá informações sobre o
falante, sobre a maneira como ele representa o ouvinte, o assunto e os propósitos
da fala em que ambos estão engajados etc. A conotação opõe-se à denotação, que
é o efeito de sentido pelo qual as palavras falam ‘neutramente’ do mundo”. Ele ainda
acrescenta que: “As conotações relativas ao falante dizem respeito, mais geralmente
à faixa etária, à profissão, às condições sociais e, à procedência geográfica”.
Esse estudioso também esclarece que “Os dois efeitos de sentido da
conotação e denotação estão presentes em diferentes medidas em qualquer ato de
fala e não é fácil dizer onde termina um e onde começa outro”.
É esse nível da linguagem, portanto, o ponto de partida do caráter dialógico
da linguagem, afinal, graças ao diálogo infinito que existe entre as palavras que se
pode sempre extrair significados. Como já dito, a vida em sociedade é dinâmica, os
significados das palavras estão em constante mudança, e palavras sempre deverão
dialogar não somente com outras palavras, mas também com o seu objeto.
O dialogismo é a capacidade que as palavras e os textos possuem de
dialogar uns com os outros e também com o seu próprio objeto; isto é, o dialogismo
tem a ver com o fato das palavras serem sempre referentes a algo.
Assim, é dessa função inter-relacional das palavras que se busca a semântica
ora de uma palavra, ora de uma frase, de uma oração e ora de um texto e de um
discurso.
Portanto, a semântica é a instância lingüística em que o intérprete busca o
significado das formas contidas no plano da expressão, significado esse que
consiste na denominação a ser dada àquelas formas, e que deverá sofrer mutações
no decorrer dos tempos.
21 Introdução à semântica. p. 41-42.
23
2.3. Pragmática
Já a pragmática é o plano mais dinâmico da linguagem, posto que é o estudo
da relação dos signos com os seus próprios utentes. Para alguns estudiosos, a
pragmática deveria ser definida como a ciência do uso lingüístico em contexto, daí
acreditarem que esse plano deveria ter outra denominação: contêxtica.
Ousa-se, afirmar, inclusive, a contragosto dos positivistas lógicos, que a
pragmática é o nível mais importante para o processo interpretativo. Sem o
“contexto” (situação fática e valorativa em que o texto é proferido), não é possível a
sua percepção sintática e semântica.
Nos dizeres de ALF ROSS22, “a interpretação não tem ponto de partida
lingüístico independente, mas que desde o início é determinada por considerações
pragmáticas sob a forma de senso comum”.
Sem a instância pragmática, o texto tornar-se-ia algo extremamente abstrato,
remoto de qualquer carga psicológica. E isso jamais pode acontecer porque um texto
sempre é uma construção humana e ao elaborar um texto o homem impinge a ele
uma série de valores e ideologias que comprometem seu próprio sentido. Negar a
pragmática é negar o caráter humano do texto.
A pragmática, portanto, está relacionada com as convicções pessoais do
usuário do signo; ou seja, a forma como um signo será utilizado pelos seus
destinatários será determinada pelos seus valores, ideologia e experiências.
Vale dizer que, em termos pragmáticos, o destino do signo é incerto, tudo
depende do livre arbítrio dos destinatários; isto é, seja qual for seu conteúdo
sintático e semântico, sua finalidade sempre dependerá da carga psicológica de
cada um de seus destinatários.
Logo, é graças a esse nível de linguagem que se pode afirmar que a
linguagem jamais tocará a realidade e que o dever-ser jamais se confunde com o
ser, afinal, a dinâmica dos signos depende da livre iniciativa de cada um de seus
destinatários.
22 Direito e justiça. p. 175.
24
A semiótica, portanto, é o estudo desses signos lingüísticos com o intuito de
encontrar um sentido, uma interpretação para eles. LUCIA SANTAELLA23, adepta da
semiótica peirceana, explica que: “As linguagens estão no mundo e nós estamos na
linguagem. A semiótica é a ciência que tem por objeto de investigação todas as
linguagens possíveis, ou seja, que tem por objetivo o exame dos modos de
constituição de todo e qualquer fenômeno como fenômeno de produção de
significação e sentido”.
Essa estudiosa também esclarece que24: “Não apenas a vida é uma espécie
de linguagem, mas também todos os sistemas e formas de linguagem tendem a se
comportar como sistemas vivos, ou seja, eles reproduzem, se readaptam, se
transformam e se regeneram como as coisas vivas”.
Um signo, portanto, segundo CHARLES PEIRCE25 é: “qualquer coisa que
conduz alguma outra coisa (seu interpretante) a referir-se a um objeto ao qual ela
mesma se refere (seu objeto), de modo idêntico, transformando-se o interpretante,
por sua vez, em signo, e assim sucessivamente ad infinitum”. Esse autor acrescenta
que: “Um signo é um ícone, um índice ou um símbolo. Um ícone é um signo que
possuiria o caráter que o torna significante, mesmo que seu objeto não existisse, tal
como um risco feito a lápis representando uma linha geométrica. Um índice é um
signo que de repente perderia seu caráter que o torna um signo se seu objeto fosse
removido, mas que não perderia esse caráter se não houvesse interpretante. Tal é,
por exemplo, o caso de um molde com um buraco de bala como signo de um tiro,
pois sem o tiro não teria havido buraco; porém nele existe um buraco, quer tenha
alguém ou não a capacidade de atribuí-lo a um tiro. Um símbolo é um signo que
perderia o caráter que o torna um signo se não houvesse um interpretante. Tal é o
caso de qualquer elocução de discurso que significa aquilo que significa apenas por
força de compreender-se que possui essa significação”.
Um trovão seria um exemplo de índice; uma fotografia, um exemplo de ícone
e, as palavras, de símbolos. Cada um deles guarda uma relação com o objeto: o
índice é o que mantém uma relação de extrema proximidade com o objeto (tal como
o trovão em relação à chuva; a fumaça em relação ao fogo; a febre e a dor em
23 O que é semiótica. p. 13. 24 Ibid. p. 14. 25 Semiótica. p. 74.
25
relação à doença); o ícone é o que mantém uma relação de similaridade com o
objeto (fotos, filmagem, desenhos, pinturas, gráficos e planilhas); o símbolo é o signo
que não mantém qualquer relação de proximidade ou similaridade com o objeto, ele
apenas representa o objeto por convenção entre seus utentes.
Abaixo, esquematiza-se a relação triádica (triângulo semiótico) estabelecida
por CHARLES PEIRCE e elaborada por OGDEN e RICHARDS para os signos em
geral:
Referência (significado)
Símbolo Referente (objeto)
DECIO PIGNATARI26 explica que: “OGDEN e RICHARDS o estabeleceram
principalmente tendo em vista o problema do significado nos signos verbais: a linha
pontilhada indica que não há ligação direta entre signo e referente, ou melhor, que a
relação é apenas convencional e que só adquire significado em função do
intérprete”.
Os signos, em suma, representam, de uma forma ou de outra, um objeto da
realidade (dado bruto), o qual poderá ser percebido por uma série de interpretantes
e, assim, ser analisado e interpretado sob óticas diversas.
3. Linguagem e realidade
A partir do estudo semiótico é possível perceber que somente através dos
signos apreende-se a realidade; isto é, somente quando o ser humano em contato
com os objetos do mundo empírico (dados brutos) produz um signo através da
linguagem é que se verifica a realidade, de modo que sem linguagem não é possível
haver realidade. Portanto, a linguagem é que constitui a realidade e somente através
dela é que se adquire o conhecimento de dado objeto (seja ele natural, ideal,
26 Informação, linguagem, comunicação. p. 33.
26
metafísico ou cultural), logo linguagem e conhecimento são redutores de
complexidades e criadores de realidade.
A jurista FABIANA DEL PADRE TOMÉ27, em poucas linhas, explica esse
fenômeno: “As coisas não precedem o discurso, mas nascem com ele, pois é
exatamente o discurso que lhes dá significado”.
Não existe qualquer conhecimento sem a utilização da linguagem. Somente
através dela é que se poderão captar os fenômenos do mundo físico circundante;
isto é, somente o ser humano com suas capacidades sensorial e intelectiva poderá
comunicar a existência de “algo” para os membros da sociedade através da
utilização da linguagem (gestos, desenhos, atos de fala, frases e textos escritos).
DARDO SCAVINO28, nesse sentido, chega a dizer que: “El mundo se vuelve
fabula, el mundo tal cual es, solo es una fábula: fábula significa algo que se cuenta y
que no existe sino en el relato; el mundo es algo que se cuenta, un acontecimiento
contado y por eso mismo una interpretación: la religión, el arte, la historia son otras
tantas variantes de la fábula”.
Conforme MANFREDO ARAÚJO DE OLIVEIRA29 “não existe mundo
totalmente independente da linguagem, ou seja, não existe mundo que não seja
exprimível em linguagem. A linguagem é o espaço de expressividade do mundo, a
instância de articulação de sua inteligibilidade”.
Nesse sentido o professor PAULO DE BARROS CARVALHO ensina que: “O
‘mundo da vida’, com as alterações ocorridas no campo das experiências tangíveis,
é submetido a nossa intuição sensível, naquele ‘caos de sensações’ a que se referiu
Kant. O que sucede neste domínio e não é recolhido pela linguagem social não
ingressa no plano por nós chamado de ‘realidade’, e, ao mesmo tempo, tudo que 30dele faz parte encontra sua forma de expressão nas organizações lingüísticas com
que nos comunicamos; exatamente porque todo o conhecimento é redutor de
dificuldades, reduzir as complexidades do objeto da experiência é uma necessidade
inafastável para se obter o próprio conhecimento.”.
27 A prova no direito tributário. p. 06. 28 La filosofía actual: pensar sin certezas, p. 37. 29 Reviravolta lingüístico-pragmática na filosofia contemporânea. p. 13. 30 Direito tributário, linguagem e método. p. 07.
27
Já o estudioso VILÉM FLUSSER31 explica a realidade da seguinte forma: “Se
definirmos realidade como ‘conjunto de dados’, podemos dizer que vivemos em
realidade dupla: na realidade das palavras e na realidade dos dados ‘brutos’ ou
‘imediatos’. Como os dados ‘brutos’ alcançam o intelecto propriamente dito em forma
de palavras, podemos ainda dizer que a realidade consiste de palavras e de
palavras ‘in statu nascendi’”.
A importância da linguagem para o homem está consignada em toda nossa
História: todas as conquistas e avanços se deram em razão da linguagem – o
avanço do Império Romano, o crescimento do Cristianismo pelo mundo, a
proclamação da República do Brasil, a abolição dos escravos, o voto feminino, o
movimento “Diretas Já”, a promulgação da Constituição Federal de 1988, a
informática e as descobertas da biogenética. Todavia, somente agora é que se
percebe sua efetiva importância nas relações intersubjetivas em quaisquer dos
sistemas sociais (política, religião, economia, direito, ciência).
Com muito acerto afirmou o professor JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES32 que:
“nada existe onde faltam palavras”.
Como bem assinala o professor TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JUNIOR33, “os
homens comunicam-se, quer queiram quer não (é impossível não se comunicar, pois
não se comunicar é comunicar que não se comunica). Essa comunicação admite
várias linguagens (falada, por gestos, pictórica, musical etc.). Em conseqüência, a
descrição da realidade depende da linguagem usada, e em casos como o da música
pode-se até dizer que a linguagem (musical) e a realidade (musical) se confundem”.
Nesse sentido o filósofo LUDWIG WITTGENSTEIN34 traz os seguintes
ensinamentos: “A Lógica enche o mundo; os limites do mundo são também os seus
limites”; “Que o mundo é o meu mundo revela-se no facto de os limites da linguagem
(da linguagem que apenas eu compreendo) significarem os limites do meu mundo”;
“O mundo e a vida são um”; “Eu sou o meu mundo (O microcosmos).”.
Com todas essas assertivas, portanto, não há que se olvidar que a linguagem
reduz as complexidades dos “objetos do mundo da experiência” e constrói
31 Língua e realidade. p. 40. 32 Ciência feliz. p. 123. 33 Introdução ao ensino do direito. p. 36. 34 Tratado lógico-filosófico. p. 115.
28
realidades para poder alcançar um dado conhecimento, o qual, ressalte-se, somente
tomará corpo com a carga psicológica que o estudioso deverá impregnar no texto.
Sublinhe-se que de acordo com o enfoque que o intérprete fizer do objeto, ele
poderá construir vários tipos de realidade; quer se dizer com isso que a realidade
não é uma só. É possível verificar a existência de tecidos lingüísticos
correspondentes à realidade social, à realidade jurídica, à realidade política, à
realidade econômica, etc.
A realidade, portanto, é um recorte que o intérprete realiza do mundo físico
por meio da linguagem. Assim, a realidade nunca será algo estanque, posto que o
mundo físico está em constante mudança, ela sempre será alterada por meio de
outras linguagens.
Novas descobertas, novos hábitos, costumes, cultura, ideologia são as
principais causas de tantas alterações no mundo físico que deverão refletir nas
novas realidades construídas.
Foi graças a esse dinamismo que GALILEU GALILEI construiu uma nova
realidade: de que a Terra, assim como outros planetas, girava em torno do Sol
(teoria heliocêntrica), fazendo cair por terra a realidade de que era a Terra o centro
de tudo (teoria geocêntrica).
Portanto, quando se fala em linguagem e realidade não se está fazendo
referência a fatos imutáveis, mas, sim, a fatos em constante transformação em
decorrência das complexidades e contingências do mundo físico.
O sociólogo NIKLAS LUHMANN é que defendia que a sociedade é complexa
e contingente. Complexa porque é composta por inúmeros elementos e situações de
coisas e pessoas que nem sempre são apreensíveis pela linguagem, e contingente
porque existe um leque de possibilidades, às vezes, até inimaginadas, que poderão
ocorrer35.
E a linguagem deverá estar constantemente dialogando com essa sociedade
complexa e contingente e, assim, sempre construindo novas realidades.
4. Fundamentos semióticos do texto e do discurso
35 La sociedad de la sociedad. passim.
29
Se a linguagem está sempre apta a reduzir as complexidades e contingências
do mundo empírico e, assim, construir a realidade para que se torne de
conhecimento de todos, então o texto é um recorte da realidade.
Um texto é um conjunto de signos munidos de sentido. Sentido esse que
somente será conhecido com a análise dos três níveis dos signos: sintática,
semântica e pragmática. De posse desse sentido, segundo ensinamentos do
professor TACIO LACERDA GAMA36, podemos: “i. precisar o sentido de certas
expressões; ii. superar problemas de ambigüidade, evitando com isso, discussões
verbais; iii. evitar falácias de ambigüidade e vaguidade; iv. compreender e manejar
formas de definição dos conceitos; e v. identificar formas de legitimar a definição de
sentido”.
Paralelamente, o professor PAULO DE BARROS CARVALHO37 explica que:
“... o plano das unidades lógicas constitui um sistema comunicacional, com suas
dimensões sintática, semântica e pragmática: uma autêntica linguagem, com a
particularidade de ser formalizada. Os recursos semióticos, por sua vez, permitem a
análise das três dimensões que esta linguagem apresenta, cada qual analisando de
acordo com as respectivas bases: (i) as estruturas frasais e as regras lógico-
gramaticais nela contidas; (ii) os tipos de linguagem; e (iii) as funções da linguagem
no discurso. De um lado, a referida formalização contemplará os vínculos
associativos que ligam os vários signos de um mesmo sistema, expondo à carne
viva o plano sintático daquele conjunto, e, na instância semântica, encontrando-se a
significação que é inerente àquela estrutura formal. De outro, a pragmática da
comunicação humana indicará a trajetória imprescindível para a determinação do
tipo de lógica com que devemos trabalhar.”.
A realidade sempre estará representada por um texto. Esse texto poderá ser
um gesto, uma pintura, uma escultura, um desenho, uma música, uma fotografia,
uma encenação, um gráfico, uma planilha, um programa de televisão, uma
propaganda, uma novela e um documento escrito (cartas, certidões, textos de livros
e revistas, peças jurídicas, decisões jurídicas, atos normativos, entre outros) os
quais estão constantemente sujeitos à interpretação do leitor-destinatário.
36 Competência Tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade. p. 164. 37 Op. cit p. 66-67.
30
Nesse sentido, PAUL RICOEUR38 afirma que: “O texto, objectivado e
desistoricizado – torna-se a mediação necessária entre o escritor e o leitor”. Esse
estudioso ainda explica que: “A interpretação no seu último estágio quer igualizar,
tornar contemporâneo, assimilar, no sentido de tornar semelhante. Este objectivo
consegue-se na medida em que a interpretação actualiza a significação do texto
para o leitor presente”.
O filósofo DARDO SCAVINO39 afirma que “interpretar significa crear; el
interprete es un poeta”.
A capacidade interpretativa do ser humano é ilimitada; ou seja, existe um
enorme leque de possibilidades semânticas e pragmáticas no intelecto de cada
pessoa, todavia, empreender uma interpretação segundo as regras gramaticais e
textuais, significa que haverá limitações no corpo do próprio texto a ser interpretado;
ou seja, segundo as construções estruturais de um texto, é possível encontrar a
interpretação adequada a ele.
Nesse sentido, explica a professora LEONOR LOPES FAVERO40 que: “todo e
qualquer texto possui uma multiplicidade de significações, não sendo possível
considerar-se uma única leitura como verdadeira; o interlocutor fará aquela que
estiver mais de acordo com as ‘intenções do texto’ que se fazem presentes através
de marcas lingüísticas que vão funcionar como pistas que permitirão perceber o
sentido global do texto”.
Sobre essas marcas, o professor JOSE LUIZ FIORIN41 explica que o
enunciado é um simulacro do processo de enunciação (de produção de texto), posto
que o enunciado é composto por marcas de espaço, tempo e pessoa que tentam
simular tal processo. Essas marcas são denominadas de “enunciação-enunciada” e
podem ser facilmente identificadas num dado texto (enunciado) e serão elas o ponto
de partida para qualquer processo interpretativo-gerador de sentido.
É oportuno, nesse momento, apontar a diferença entre o texto bruto
elaborado pelo enunciador (enunciado-enunciado) que é denominado de texto e o
38 Teoria da interpretação. p. 103. 39 Op. cit. p. 37. 40 “Paródia e dialogismo” in Dialogismo, polifonia, intertextualidade: em torno de Bakthin. p. 56. 41 As astúcias da enunciação. p. 41-55.
31
texto contextualizado segundo as marcas da enunciação que é denominado
discurso.
Enquanto texto (enunciado-enunciado), o enunciador possui infinitos modos
de criação de sua estrutura sintática (sujeitos, tempos verbais, adjetivos, advérbios,
preposições, adjuntos adnominais, frases exclamativas, interrogativas, negativas,
afirmativas, orações coordenadas e orações subordinadas). Enquanto discurso e a
partir da estrutura sintática que produziu, o enunciador promove uma série de
articulações e recursos (funções da linguagem, figuras de linguagem e figuras de
pensamento, metalinguagem, polifonia – ancoragem e desembreagem,
intertextualidade ou intratextualidade, interdiscursividade ou intradiscursividade) para
melhor emitir sua mensagem e, assim, “dar pistas” para o destinatário daquele
discurso sobre a interpretação que deve ser dada àquele.
Isso porque, mesmo sendo a capacidade interpretativa do leitor-destinatário
completamente infinita, o enunciador, ao construir um discurso, certamente não quer
ser “mal interpretado”. Através das construções semânticas e pragmáticas, ele
oferece elementos para o leitor empreender a interpretação coerente com a
mensagem que queria passar.
E o destinatário ao empreender a análise do texto, especialmente do texto
escrito, deverá primeiramente se ater às três instâncias do signo: sintática,
semântica e pragmática. É o que ensina também o professor TÉRCIO SAMPAIO
FERRAZ JÚNIOR42 ao afirmar que: “para interpretar, temos de decodificar os
símbolos no seu uso, e isso significa conhecer-lhes as regras de controle e da
denotação e conotação (regras semânticas), de controle das combinatórias
possíveis (regras sintáticas) e de controle das funções (regras pragmáticas).”.
No que tange às regras pragmáticas do texto e do discurso, não se pode
esquecer o caráter dialógico da linguagem; isto é, a capacidade que a linguagem de
um texto ou discurso possui de dialogar com outros textos ou discursos.
“Dialogar com outros textos ou discursos” significa que um texto ou discurso
ao ser elaborado está se referindo a um outro de forma implícita ou explícita. Um
bom exemplo desse tipo de dialogismo são as paródias (textos que satirizam um
outro texto).
42 Op. cit. p. 261.
32
Já dialogar com o próprio destinatário-leitor significa que o enunciador se vale
de alguns recursos, segundo um sistema de valores, para manipular o destinatário e,
assim, promover uma determinada interpretação (“fazer-interpretativo”). Essa
manipulação poderá ocorrer sob as formas de: tentação, intimidação, provocação e
sedução.
Segundo a professora DIANA LUZ PESSOA DE BARROS43, “O dialogismo é
a condição de sentido do discurso”.
Mais do que o dialogismo, a polifonia (várias vozes dentro de um mesmo
discurso), a intertextualidade (diálogo entre textos), a interdiscursividade (diálogo
entre discursos), a intratextualidade (diálogo entre frases num mesmo texto) e a
intradiscursividade (diálogo entre frases num mesmo discurso) também auxiliam no
processo gerador de sentido do texto.
Intratextualidade e intertextualidade estão relacionados ao contexto do próprio
texto; ou seja, referem-se à coesão total do texto enquanto tecido uno de linguagem
(semântica). Já a intertextualidade e a interdiscursividade estão relacionadas com a
função do texto enquanto manipulador de valores e ideologias (pragmática).
A professora DIANA LUZ PESSOA DE BARROS44 explica resumidamente
como ocorre esse processo gerativo de sentido: “a) o percurso gerativo do sentido
vai do mais simples e abstrato ao mais complexo e concreto; b) são estabelecidas
três etapas do percurso, podendo cada uma delas ser descrita e explicada por uma
gramática autônoma, muito embora o sentido do texto dependa da relação entre os
níveis; c) a primeira etapa do percurso, a mais simples e abstrata, recebe o nome de
nível fundamental ou das estruturas fundamentais e nele surge a significação como
uma semântica mínima; d) no segundo patamar, denominado nível narrativo ou das
estruturas narrativas, organiza-se a narrativa, do ponto de vista de um sujeito; e) o
terceiro nível é o do discurso ou das estruturas discursivas em que a narrativa é
assumida pelo sujeito da enunciação”.
Em suma, qualquer objeto cultural suscetível de interpretação será
denominado texto e de discurso quando esse texto for contextualizado e, para tanto,
deverá se ater a todas as regras semióticas de texto e discurso e percorrer todo o
43 “Dialogismo, polifonia e enunciação” in Dialogismo, polifonia, intertextualidade: em torno de Bakhtin. p. 02. 44 Teoria semiótica do texto. p. 09.
33
processo gerativo de sentido desde a estrutura fundamental até a estrutura
discursiva e, assim, apreender a interpretação mais adequada com o real sentido do
enunciado.
Assim, dada todas essas explicações, verifica-se que o processo gerativo de
sentido de um dado enunciado é complexo. Há muitas articulações com a linguagem
dentro de um enunciado que devem ser identificadas para se atingir a interpretação
adequada àquele dado discurso: os três níveis dos signos devem ser muito bem
explorados para se exaurir o processo gerador de sentido e a adequada
interpretação seja imputada a um dado discurso. Com atenção especial para o nível
pragmático, pouco explorado ainda pelos estudiosos: como foi apontado no início
desse capítulo, cada enunciador possui uma forma particular de se expressar (ato de
fala), conforme seus valores, ideologia, sentimentos e até conforme a situação em
que se encontra, tal fato implica uma enorme complexidade da análise pragmática.
Para esse nível de linguagem todas as marcas deixadas pelo enunciador são
importantes: as marcas de sua própria pessoa, o tempo e o espaço em que enuncia
o texto ou discurso. Aliás, quanto a esse plano MIKHAIL BAKHTIN45 dá uma grande
importância ao afirmar que: “tudo que é ideológico possui um valor semiótico”.
O filósofo MARTIN HEIDEGGER46, de forma sucinta, explica como deve ser o
contato do intérprete diante de um texto: “Fazer uma experiência com a linguagem
significa portanto: deixarmo-nos tocar propriamente pela reivindicação da linguagem,
a ela nos entregando e com ela nos harmonizando. Se é verdade que o homem,
quer o saiba ou não, encontra na linguagem a morada própria de sua presença,
então uma experiência que façamos com a linguagem haverá de nos tocar na
articulação mais intima de nossa presença. Nós, nós que falamos a linguagem,
podemos nos transformar com essas experiências, da noite para o dia ou com o
tempo. Mas talvez fazer uma experiência com a linguagem seja algo grande demais
para nós, homens de hoje, mesmo quando essa experiência só chega ao ponto de
nos tornar por uma primeira vez atentos para a nossa relação com a linguagem e a
partir daí permanecermos compenetrados nessa relação”.
De posse de todas essas ferramentas gramaticais, passa-se a analisar o
direito enquanto texto e discurso.
45 Marxismo e filosofia da linguagem. p. 33. 46 A caminho da linguagem. p. 121.
34
CAPÍTULO II
ANÁLISE SEMIÓTICA DO DIREITO E DA CIÊNCIA DO DIREIT O
1. O direito como linguagem
Da leitura do primeiro capítulo, é possível inferir que o sistema jurídico
enquanto realidade é constituído pela linguagem. Todavia, não basta ao jurista
afirmar que o Direito é texto, isto é, que ele é constituído pela linguagem, é preciso
saber destrinchar todas as conseqüências dessa afirmação. É preciso rememorar os
ensinamentos gramaticais e de interpretação de textos adquiridos nos bancos
escolares e trazê-los para o mundo do Direito.
Como bem afirma JOSÉ ARTUR LIMA GONÇALVES47, “não é possível
proceder à análise de questão jurídica sem considerar a circunstância de que o
ordenamento jurídico é composto por normas jurídicas, cuja organização em sistema
é efetuada pelo jurista, visando a sua compreensão global, a partir de sua coerência
interna de sentido”.
É preciso, antes de apelar para qualquer técnica de interpretação jurídica,
analisar os textos jurídicos sob as regras gramaticais semióticas. Se o Direito é
texto, ele é suscetível de interpretações segundo as regras gramaticais semióticas
de texto ensinadas pelos lingüistas.
Ensina o professor LUIS ALBERTO WARAT48 que “a interpretação da lei é
uma especificação de seu sentido. O legislador ao estabelecer uma norma jurídica,
prescreve uma conduta, fixa pautas para a ação humana. A disposição legal
emanada do órgão competente, desde o ponto de vista semiótico, constitui uma
mensagem com intencionalidade inerente, destinada a diversos protagonistas, dos
quais cada um interpreta sua funcionalidade. Especificar seu sentido implica distinta
significação, segundo seja de que se trate o protagonista”.
Sobre esse aspecto, A.J. GREIMAS49 afirma que:
47 A imunidade tributária do livro, p. 01. 48 Semiotica y derecho. p. 172. 49 Semiótica e ciências sociais. p. 72-73.
35
“A análise de um texto jurídico particular, (...), pressupõe uma reflexão sobre o
estatuto semiológico do discurso jurídico tomado no seu conjunto. Só de posse de um
certo número de conceitos operacionais, precisando suas propriedades e seu modo de
existência lingüística, é que se poderá determinar um ‘objeto’ ou ‘lugar’ discursivo
específico (...). A própria expressão discurso jurídico já comporta um certo número de
pressupostos que é preciso explicitar:
1. Ela sugere que por discurso jurídico deve-se entender um subconjunto de
textos que fazem parte de um conjunto mais vasto, constituído de todos os textos
manifestados numa língua natural qualquer.
2. Isso indica também que se trata de um discurso, quer dizer, de um lado a
manifestação sintagmática, linear da linguagem e, de outro lado, a forma de sua
organização que é levada em consideração e que compreende, além das unidades
frásicas (lexemas, sintagmas, enunciados), as unidades transfásicas (parágrafos,
capítulos ou, enfim, discursos-ocorrências).
3. A qualificação de um subconjunto de discursos como jurídico implica, por sua
vez, tanto a organização específica das unidades que o constituem, como a existência de
uma conotação particular subentendida a esse tipo de discurso, ou, ainda, as duas coisas
ao mesmo tempo.”.
Nesse mesmo sentido, o professor CARLOS MAXIMILIANO50 explica que: “As
leis positivas são formuladas em termos gerais; fixam regras, consolidam princípios,
estabelecem normas, em linguagem clara e precisa, porém ampla, sem descer a
minúcias. É tarefa primordial do executor a pesquisa da relação entre o texto
abstrato e o caso concreto, entre a norma jurídica e o fato social, isto é, aplicar o
Direito. Para o conseguir, se faz mister um trabalho preliminar: descobrir e fixar o
sentido verdadeiro da regra positiva; e logo depois, o respectivo alcance, a sua
extensão. Em resumo, o executor extraí da norma tudo o que na mesma se contém:
é o que se chama interpretar, isto é, determinar o sentido e o alcance das
expressões do Direito”.
A norma jurídica é o discurso (a estrutura textual; uma frase) utilizado pelo
jurista. E esse discurso deverá ser submetido a todas as regras de interpretação de
texto, seguindo todo o caminho do percurso gerador de sentido que se inicia com a
análise sintática das normas e finaliza-se com a análise pragmática do discurso
jurídico.
50 Hermenêutica e aplicação do direito. p. 01.
36
O precursor dessas idéias no campo jurídico é o professor PAULO DE
BARROS CARVALHO51 ao explicar que: “Seguindo esta construção exegética e
partindo da premissa da unicidade do texto jurídico-positivo que se pode alcançar os
quatro subsistemas pelos quais se locomovem obrigatoriamente todos aqueles que
se dispõem a conhecer o sistema jurídico normativo: a) o conjunto de enunciados,
tomados no plano da expressão; b) o conjunto de conteúdos de significação dos
enunciados prescritivos; c) o domínio articulado de significações normativas; e d) os
vínculos de coordenação e de subordinação que se estabelecem entre as regras
jurídicas”.
Nessa esteira, a professora DIANA LUZ PESSOA DE BARROS52 ensina que:
“A semiótica, (...), procura hoje determinar o que o texto diz, como o diz e para que o
faz. Em outras palavras, analisa os textos da história, da literatura, os discursos
políticos e religiosos, os filmes e as operetas, os quadrinhos e as conversas de todos
os dias, para construir-lhe os sentidos pelo exame acurado de seus procedimentos e
recuperar, no jogo da intertextualidade, a trama ou o enredo da sociedade e da
história”.
Sublinhe-se também que, como já explanado no capítulo anterior, as
realidades sempre devem acompanhar as transformações do mundo físico e, se a
realidade social reflete tais mudanças, o direito enquanto texto que é, deve estar em
constante dialogismo (que é característica da linguagem) com a realidade social; o
que significa dizer que o direito não é somente texto; o direito é uma metalinguagem
que dialoga com sua linguagem objeto: a realidade social. Assim, deverá estar
constantemente digitalizando os novos elementos da realidade social.
Nesse raciocínio, REINALDO PIZOLIO53 aduz que o direito positivo “deve
acompanhar a sociedade e a evolução de seus interesses; deve acompanhar as
transformações e a elevação crescente da complexidade das relações sociais, o que
implica visualizar e compreender o ordenamento jurídico de uma perspectiva
dinâmica, superando o apelo excessivamente normativista, ou, ainda melhor,
levando a regra jurídica ao grau máximo de sua potencialidade normativa”.
51 Op. cit. 183. 52 Teoria semiótica do texto. p. 83. 53 Competência tributária e conceitos constitucionais. p. 47.
37
É nessa esteira que se afirma que o direito é dialógico, posto que é formado
por um tecido lingüístico que deve estar sempre dialogando com outros tecidos
lingüísticos.
O sistema jurídico é um sistema social parcial formado por uma rede de
comunicações; ou seja, por enunciados lingüísticos adequados com a sua
programação interna (Constituição Federal, leis ordinárias, leis complementares,
decretos, medidas provisórias, portarias, circulares, instruções normativas, decisões
judiciais, contratos, testamentos, entre outros – direito positivo – manuais e cursos
doutrinários, artigos, consultas e pareceres jurídicos – ciência jurídica). A unidade
dessa programação interna é a norma jurídica cuja estrutura transita desde o plano
de expressão (sintática) até a pragmática de seu discurso para adquirir um dado
sentido e, assim, ser aplicada aos fatos social-jurídicos.
Esclarece a professora CLARICE VON OERTZEN DE ARAÚJO54 que: “A
linguagem inclui-se entre as instituições humanas resultantes da vida em sociedade.
O direito é apenas uma das formas sociais institucionais que se manifesta através da
linguagem, a qual possibilita e proporciona a sua existência. A linguagem é o veículo
do qual se utiliza o homem para comunicar-se. O Direito, sendo a disciplina dos
comportamentos sociais intersubjetivos, é suscetível de mudanças sob a pressão
das diferentes necessidades, com vistas a adaptar-se ao modo mais econômico e
racional de satisfazer o bem-estar social. Ou seja, os sistemas jurídicos utilizam a
linguagem natural (língua, vernáculo) como verdadeira substancia de sua
constituição. Para qualquer fenômeno ingressar dentro do sistema normativo ele
deve estar expresso em algum tipo de linguagem.”.
GREGORIO ROBLES MORCHON55 também ressalta que: “sin normas, no
hay Derecho; pero sin acción, no hay normas”.
Numa outra oportunidade, esse mesmo estudioso ensina que56: “A prova
palpável de que o direito é texto está em que todo ordenamento jurídico é suscetível
de ser escrito, isto é, de ser convertido em palavras. (...). O direito é linguagem no
sentido de que sua forma de expressão consubstancial é a linguagem verbalizada
suscetível de ser escrita. Isto aparece no direito moderno, que já nasce escrito. Esta
54 Semiótica do direito. p. 19. 55 Teoria del derecho (fundamentos de teoria comunicacional del derecho). p. 226. 56 O direito como texto. p. 02-03.
38
afirmação não implica uma tese ontológica forte, mas se limita a apontar o modo
universal de apresentação do direito na comunicação humana, que como tal pode
servir de ponto de partida para um enfoque teórico. Não é incompatível com teses
ontológicas fortes, como aquela que afirma que o direito é o justo, ou a que sustenta
que é fato social. Em qualquer dos casos, o certo é que o direito sempre se
manifesta em linguagem. A linguisticidade é sua forma natural de ser. Como texto, o
direito é suscetível das análises típicas de qualquer outro texto. Por essa razão, a
teoria do direito pode ser caracterizada como uma teoria hermenêutico-analítica, ou,
para empregar uma palavra mais simples, comunicacional. Pragmática, semântica e
sintática são as três operações possíveis do texto jurídico.”.
O discurso jurídico, portanto, seja ele do direito positivo, seja da ciência do
direito, é um discurso composto por signos, mais especificamente de símbolos, os
quais são denominados de enunciados, posto que decorrem de um processo de
enunciação e, assim, está sujeito à análise gramatical baseada nos três níveis dos
signos: sintática, semântica e pragmática.
E, como já explicado no capítulo anterior, a sintática refere-se à forma do
signo (relação do signo com o próprio signo), a semântica, ao significado desse
signo (relação do signo com outros signos) e a pragmática, à relação dos signos
com os seus usuários.
A sintática, sob o ponto de vista jurídico, é explicada pelo professor LUIS
ALBERTO WARAT57 da seguinte forma: “Uma linguagem é formada sintaticamente
a partir de um alfabeto finito, um conjunto de instruções para a construção do léxico
da linguagem; para a construção de linguagens especializadas (sintaxe pura) deve-
se acrescentar um conjunto inicial de palavras chamadas axiomas. Do ponto de vista
jurídico, podemos afirmar que uma expressão está sintaticamente bem formada
quando o enunciado acerca de uma ação encontra-se deonticamente modalizado.”.
Já a semântica está relacionada com os significados das normas jurídicas, os
quais serão apreendidos pelo jurista. Assim, partindo-se da estrutura lógica
(sintática), que é texto, o cientista do Direito iniciará a construção semântica de cada
um dos enunciados normativos.
57 O direito e sua linguagem. p. 40.
39
Nessa esteira, ALF ROSS58 afirma que: “Toda interpretação do direito
legislado principia com um texto, isto é, uma fórmula lingüística escrita. Se as linhas
e pontos pretos que constituem o aspecto físico do texto da lei são capazes de
influenciar o juiz, assim é porque possuem um significado que nada tem a ver com a
substância física real. Esse significado é conferido ao impresso pela pessoa que por
meio da faculdade da visão experimenta esses caracteres.”.
A pragmática, por sua vez, consiste nos modos de significar em decorrência
dos usos e funções da linguagem pelos indivíduos. Portanto, ela está
intrinsecamente relacionada com a temática da ideologia. Explica o estudioso LUIS
ALBERTO WARAT59 que:
“Quando se utiliza uma expressão em um contexto comunicacional, esse emprego
provoca uma alteração na estrutura conceitual. A teoria dos modos de significar levanta a
questão de um deslocamento significativo em razão do uso concreto de um conceito ou
expressão. (...) existiria uma significação independente dos contextos de uso
(significação de base) que, quando empregada, tem sua significação alterada. Quando
uma palavra é utilizada na comunicação, os destinatários captam um núcleo de
significação no qual o contexto de uso não gravita; no entanto, o contexto provoca
forçosamente um deslocamento significativo dessa compreensão para-contextual. (...) A
pragmática, projetada ao direito, permite compreender que a ideologia é um fator
indissociável da estrutura conceitual explicitada nas normas gerais. A partir da análise
pragmática pode ser levantada a tese no sentido de que um discurso normativo, para que
exista o efeito de uma univocidade”. Significativa, deve haver uma prévia coincidência
ideológica. Por esta razão, a análise pragmática é um bom instrumento para a formação
de juristas críticos, que não realizem leituras ingênuas e epidérmicas das normas, mas
que tentem descobrir as conexões entre as palavras da lei e os fatores políticos e
ideológicos que produzem e determinam suas funções na sociedade. Desta forma,
realizar estudos jurídicos à margem da análise da pragmática constitui uma atitude
‘cientificista’.”.
Somente com a análise dessas três instâncias é que se poderá aferir um
sentido completo para o discurso jurídico.
58 Op. cit. p. 139. 59 O direito e sua linguagem. p. 46-47.
40
Analisar a semiótica do direito positivo é percorrer em busca do sentido da
norma jurídica (proposição prescritiva de condutas), isto é, encontrar o que ela
potencialmente significa para ter aplicabilidade aos casos concretos. E, analisar a
semiótica da ciência do direito consiste em buscar o sentido da doutrina (proposição
descritiva de condutas) construída pelos juristas.
Como bem pontua ULRICH SCHROTH60, “o texto normativo não é
compreensível se considerado em si mesmo. Assim, os elementos de interpretação
podem contribuir para tornar transparente a necessidade de interpretar um texto”. O
que significa que o Direito enquanto texto, deve ser, indubitavelmente, analisado
segundo regras gramaticais de interpretação para que ele seja, acima de qualquer
coisa, um texto inteligível.
2. Análise semiótica do direito positivo
2.1. Sintática
O sistema do direito positivo é constituído por normas jurídicas (estruturas
lingüísticas). E é através dessas normas que o Direito busca realizar sua função de
promover o equilíbrio e a harmonia na sociedade (já que está inserido dentro dela).
Os seres humanos possuem permanente contato uns com os outros e na
tentativa de estabelecer o equilíbrio entre essas relações inter-humanas é que
surgem as normas jurídicas como comandos.
Assim, a sintática jurídica do direito positivo refere-se à estrutura lógica das
unidades normativas que compõem o ordenamento e que prescrevem condutas
(enunciados prescritivos), ou seja, à Lógica Jurídica.
NORBERTO BOBBIO61 explica que as normas jurídicas são proposições
prescritivas. Entende esse jurista que proposições são: “um conjunto de palavras
que possuem um significado em sua unidade”. E, são prescritivas porque cumprem a
função prescritiva da linguagem, a qual “consiste em dar comandos, conselhos,
recomendações, advertências, influenciar o comportamento alheio e modificá-lo, em
suma no fazer fazer.” 62.
60 “Hermenêutica filosófica e jurídica” in Introdução à filosofia do direito e à teoria do direito contemporâneas. p. 398. 61 Teoria da norma jurídica. p. 72-73. 62 Ibid. p. 78.
41
O professor PAULO DE BARROS CARVALHO63 as define como “mínimo
irredutível do deôntico” e, ainda acrescenta: “Em simbolismo lógico, teríamos: D [f→
(S´R S´´)], que se interpreta assim: deve-ser que, dado o fato F, então se instale a
relação jurídica R, entre os sujeitos S´e S´´. Seja qual for a ordem advinda dos
enunciados prescritivos, sem esse esquema formal inexistirá possibilidade de
sentido deôntico completo.”.
O professor LOURIVAL VILANOVA64 explica que “A forma lógica obtém-se
desprezando as constantes significativas referentes a fatos ou condutas,
substituindo-as por variáveis lógicas. Como cada inciso é uma proposição, teríamos:
se p, ou q, ou r, então dever-ser s. A estrutura reduzida é uma proposição
condicional: vários antecedentes ou hipóteses para uma só conseqüência ou tese.
Cada uma das proposições antecedentes é condição suficiente para determinar a
proposição conseqüente. Partículas que funcionam como constantes lógicas (com
função fixa de interligar) são: ‘se...então’, ‘ou’ e o functor ‘dever ser’. Se em lugar de
tomarmos as proposições exteriormente, em blocos indivisos, realçando as relações
interproposicionais, exibirmos sua estrutura, desarticulando os elementos de sua
composição interna e as relações no interior de cada proposição, teremos: ‘Se A é B,
ou se C é D, ou se F é G, então S dever-ser P’. As letras, nesse contexto, são
variáveis-de-sujeito e variáveis-de-predicado (variáveis cujos substituintes são
sujeitos-de-direito, condutas e fatos naturais). Antes, p, q, r e s eram letras como
símbolos de variáveis proposicionais (substituíveis por proposições quaisquer, como
seus valores)”.
Assim, a sintática jurídica do direito positivo está baseada na estrutura lógica
dos enunciados prescritivos: no seu sentido deôntico. Estrutura essa também
estudada pelo professor PAULO DE BARROS CARVALHO65: “Em simbolismo
lógico, teríamos: D [f →(S´R S´´)], que se interpreta assim: deve-ser que, dado o fato
F, então se instale a relação jurídica R, entre os sujeitos S´ e S´´. Seja qual for a
ordem advinda dos enunciados prescritivos, sem esse esquema formal inexistirá
possibilidade de sentido deôntico completo.”.
63 Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. p. 17-18. 64 As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. p. 66-67. 65 Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. p. 18.
42
O professor EURICO MARCOS DINIZ DE SANTI66, na mesma esteira,
apresenta a norma jurídica completa reduzida à linguagem formal da seguinte forma:
D [ h→R(Sa,Sp)]. “Destacamos no interior desta fórmula a hipótese e a tese. A
hipótese implica a tese. Descritor de possível situação fáctica do mundo natural ou
social, o primeiro; prescritor da relação em que um sujeito As fica em face a outro
sujeito Sp, o segundo. Retomando a fórmula D [h →R (Sa , Sp)] temos: “D” functor-
de-functor indicador da operação deôntica incidente sobre a relação de implicação
interproposicional, é o functor “D” (deve ser o vinculo implicacional) que constitui o
nexo jurídico das proposições jurídicas intranormativas (hipótese e tese); “h”,
hipótese; “→”, conectivo implicacional; e “R (Sa , Sp)”, tese. Nesta “R” é variável
relacional que no universo deôntico triparte-se nos modais obrigatório (O), permitido
(P) e proibido (V); “Sa” e “Sp” são os termos, relato e referente, desta relação.”.
As formas lógicas do direito positivo, portanto, possuem uma estrutural dual:
um antecedente (hipótese ou suposto) e, um conseqüente, ambos compostos por
variáveis e constantes. As constantes são os chamados sincategoremas (variantes
operacionais que articulam internamente a fórmula proposicional ou functores de
inter-relacionamento proposicional). Já as variáveis são os chamados categoremas
(variáveis-de-objetos, de-significados ou de-sujeitos).
Vale ainda lembrar outros ensinamentos do professor LOURIVAL
VILANOVA67 acerca da sintática jurídica: “A sintaxe gramatical lógico-pura, como
temos visto, não envolve em suas operações a validez das expressões. É certo que
a correção sintática da gramática pura é condição sem a qual o segundo estrato da
lógica não alcança o valor-de-verdade. O que não se dá com a sintaxe gramatical
empírica. Um erro em sintaxe de concordância, de regência, de colocação dos
termos, em nada afeta a verdade ou a falsidade lógica e empírica de um enunciado.
Mas um enunciado não pode ser verdadeiro empiricamente sem antes verificar as
condições de verdade lógica, e a verdade lógica não é possível sem antes verificar
as condições sintáticas que estatuem o vitando sem-sentido.”.
Em razão do caráter coativo do sistema jurídico, há que se falar em sanções
pelo descumprimento de uma determinada conduta imposta. Assim, toda conduta
positivada pelo ordenamento vem acompanhada de sua respectiva sanção. Dessa
66 Lançamento Tributário. p. 38-39. 67 “Teoria das formas Sintáticas” in Escritos Jurídicos e Filosóficos. p. 123-124.
43
forma, embora a estrutura lógica completa de uma norma jurídica seja composta
pela conduta positivada e pela sanção pelo seu descumprimento, a doutrina as
reparte em “normas jurídicas primárias” e “normas jurídicas secundárias”.
Nesse sentido, esclarece HANS KELSEN68 que: “uma ordem social pode – e
é este o caso da ordem jurídica – prescrever uma determinada conduta
precisamente pelo fato de ligar à conduta oposta uma desvantagem, (...), ou seja,
uma pena no sentido mais amplo da palavra. Desta forma, uma determinada
conduta apenas pode ser considerada, no sentido dessa ordem social, como
prescrita – ou seja, na hipótese de uma ordem jurídica, como juridicamente prescrita
-, na medida em que a conduta oposta é pressuposto de uma sanção (no sentido
estrito). Quando uma ordem social, tal como a ordem jurídica, prescreve uma
conduta pelo fato de estatuir como devida (devendo ser) uma sanção para a
hipótese da conduta oposta, podemos descrever esta situação dizendo que, no caso
de se verificar uma determinada conduta, se deve seguir determinada sanção. Com
isto já se afirma que a conduta condicionante da sanção é proibida e a conduta
oposta é prescrita.”.
As normas primárias são denominadas por COSSIO de “endonorma” e, as
secundárias de “perinorma”. O professor PAULO DE BARROS CARVALHO69
também, nesse sentido, esclarece que: “Inexistem regras jurídicas sem as
correspondentes sanções, isto é, normas sancionatórias. A organização interna de
cada qual, porém, será sempre a mesma, o que permite produzir-se um único estudo
lógico para a análise de ambas. Tanto na primária como na secundária a estrutura
formal é uma só [D (p→q)]. Varia tão-somente o lado semântico, porque na norma
secundária o antecedente aponta, necessariamente, para um comportamento
violador de dever previsto na tese de norma primária, ao passo que o conseqüente
prescreve relação jurídica em que o sujeito ativo é o mesmo, mas agora o Estado,
exercitando sua função jurisdicional, passa a ocupar a posição de sujeito passivo.
Por isso o que existe entre ambas é uma relação-de-ordem não simétrica, como
agudamente pondera LOURIVAL VILANOVA. Apresentada em notação simbólica, a
norma secundária apareceria da seguinte forma: D [(p.-q)→S].”.
68 Teoria Pura do Direito. p. 26-27. 69 Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. p. 32.
44
Portanto, a norma jurídica completa possui a seguinte estrutura lógica:
D[(p→q) v (-q→s)].
De posse desses dados, é possível apresentar a estrutura sintática da norma
jurídica da seguinte forma:
ANTECEDENTE = Critério Material (verbo + complemento). Critério Espacial.
Critério Temporal.
NJ - ↓ Dever Ser neutro Dever Ser modalizado (obrigatório, permitido,
proibido)
↓
CONSEQUENTE = Critério Pessoal (Sujeito Ativo + Sujeito Passivo). Critério
Quantitativo.
Observe-se que o caráter deôntico da norma jurídica está relacionado com o
dever-ser que aparece na estrutura normativa de duas maneiras distintas: o
interproposicional que é neutro; ou seja, não está modalizado, ele somente une a
proposição hipótese com a proposição conseqüente e o intraproposicional que por
relacionar dois sujeitos aparece modalizado num dos operadores deônticos –
obrigado, permitido e proibido.
Ressalte-se bem que esse trabalho não defende a teoria imperativista do
direito, apenas analisa as três dimensões do direito e, em termos sintáticos, o direito
positivo está estruturado de forma imperativa. Quer-se dizer: embora em termos
sintáticos o direito positivo pretenda impingir sanção a um comportamento negativo
e, assim, regular condutas, como veremos no item da pragmática esse regramento
não ocorre devido ao livre arbítrio dos destinatários das normas jurídicas.
O modelo da estrutura lógica da norma jurídica apresentado é pertinente para
quaisquer sub-áreas do sistema jurídico, todavia, em cada uma delas receberá um
tratamento distinto. Exemplos: em Direito Penal haverá a norma que estabelece o
fato típico e, em Direito Tributário, as normas se dividirão em: normas de
competência (para instituir um tributo), normas que veiculam a obrigação principal
(regra-matriz de incidência) e normas que veiculam os deveres instrumentais.
Concluindo: a estrutura sintática da norma jurídica está relacionada com a
própria relação de pertinência dela com o ordenamento do direito positivo. Se a
45
norma sequer estiver revestida sintaticamente de forma adequada com o direito
positivo, não poderá ser considerada válida no ordenamento, sob pena de se
quebrar toda a coesão interna da estrutura das formas lógicas do direito positivo. A
validade, portanto, está relacionada com a sintática das normas.
Confirmando esse raciocínio, o professor LUIS ALBERTO WARAT70 afirma
que: “A validez é a condição de sentido para as normas que vão ou não constituir o
direito positivo. A validez é, portanto, a condição significativa para a definição do
direito positivo”.
2.2. Semântica
A norma jurídica, enquanto unidade do direito positivo, consubstancia-se
numa proposição prescritiva de comportamentos; isto é, tem por conteúdo a
prescrição de condutas intersubjetivas de caráter obrigatório, permissivo ou proibitivo
dentro de uma atual realidade social. Reitera-se aqui que a semântica do direito
positivo deverá conter os elementos atuais da realidade social; ou seja, o significado
do comando normativo deverá ser construído a partir dos elementos recém-captados
da realidade social.
Consoante a professora FABIANA DEL PADRE TOMÉ71 “a linguagem
prescritiva presta-se à expedição de ordens, comandos dirigidos ao comportamento
humano, intersubjetivo ou intra-subjetivo”.
Para GREGORIO ROBLES72 “O direito é um conjunto de mensagens
prescritivas, e não descritivas, narrativas ou informativas. O direito não trata de
informar, mas de ordenar. No entanto, sempre que ordena informa sobre aquilo que
ordena. A informação, por conseguinte, se encontra no íntimo do direito como
verbalização das instituições ou como sistemas de mensagens; mas tal informação
não constituí a própria essência do fenômeno comunicacional que é o direito, mas
sim parte envolvida em sua função principal, que obviamente é a de organização
prescritiva da sociedade.”.
Esses comandos jurídicos baseiam-se na proteção dos variados interesses do
ser humano na medida em que todos se relacionam entre si de forma complexa e
70 O direito e sua linguagem. p. 51. 71 op. cit. p. 27. 72 O direito como texto. p. 79.
46
contingente. E dessas intensas relações intersubjetivas tanto poderá haver
convergência como poderá haver colisão de interesses.
Nesse sentido, confira-se o seguinte trecho de KARL ENGISCH73: “a ordem
jurídica é constituída por comandos (imperativos). Estes comandos devem afeiçoar a
vida, ‘a vida agitada cheia de pressões e exigências’. As exigências da vida
chamamos ‘interesses’. Destarte, são ‘interesses’ não só os interesses materiais,
econômicos e sociais, mas também os interesses ideais: há ‘interesses’ culturais,
morais e religiosos. O Direito tem por função apreender os interesses materiais e
ideais dos homens e tutelá-los, na medida em que eles se apresentem como dignos
de proteção ou tutela. O Direito tutela, por exemplo, os interesses no rendimento e
na propriedade, na vida, na saúde, na liberdade e na honra, na valorização e
divulgação dos produtos do espírito, na conservação dos sentimentos morais e
religiosos. Mas a verdade é que os interesses dos homens não se situam
isoladamente uns ao lado dos outros, antes se encontram uns com os outros,
podendo conduzir na mesma direção, mas podendo também colidir entre si. Importa
sobretudo ao Direito a colisão de interesses, o ‘conflito de interesses’. Muito
freqüentemente, talvez sempre, a protecção de um interesse pelo Direito significa a
postergação doutro interesse.”.
Todavia, há que se levar em conta que a norma jurídica até incidir sobre um
caso concreto apresenta um caráter dual; ou seja, sua linguagem abrange duas
dimensões: (i) denotativa e (ii) conotativa.
A norma jurídica denota quando consiste num juízo hipotético-condicional
neutro (sem modalização em obrigatório, permitido e proibido); ou seja, quando
prescreve abstratamente uma conduta de possível ocorrência (um fato jurídico de
possível ocorrência no mundo social). São as chamadas normas jurídicas gerais e
abstratas.
Nos dizeres do professor PAULO DE BARROS CARVALHO74: “A hipótese
guarda com a realidade uma relação semântica de cunho descritivo, mas não
cognoscente, e esta é sua dimensão denotativa ou referencial.”.
73 Introdução ao pensamento jurídico. p. 369. 74 Direito tributário: fundamentos jurídicos da Incidência. p. 27.
47
A norma jurídica conota quando dispõe da efetiva ocorrência do fato jurídico,
o qual faz nascer o vínculo relacional entre dois ou mais sujeitos de direito em torno
de um comportamento modalizado em proibido, permitido ou obrigatório. São as
chamadas normas jurídicas individuais e concretas.
Um fato jurídico efetivamente ocorre quando no mundo social por meio da
linguagem competente ocorre um fato com as mesmas características do fato
prescrito no juízo hipotético-condicional da norma geral e abstrata; isto é, quando se
dá a chamada subsunção do fato à norma. Portanto, ocorre a subsunção que faz
irromper uma relação jurídica entre dois ou mais sujeitos de direito em torno de um
objeto. Nesse momento, então, é construída a norma individual e concreta
conotando todo esse processo, a qual deverá ser observada pelos sujeitos para que
ocorra a incidência jurídica; ou melhor, para que referida norma realmente surta
efeitos no mundo social.
A todo esse processo que se inicia na norma geral e abstrata para buscar
atingir a conduta intersubjetiva dá-se o nome de “processo de positivação das
normas”.
A semântica do direito positivo, em suma, está relacionada com o fenômeno
da subsunção e com o processo de positivação das normas ao caso concreto; isto é,
com a linguagem prescritiva dos enunciados do direito positivo que ora denotam, ora
conotam uma conduta prescrita como fato jurídico com o intuito de realizar a
incidência jurídica ao caso concreto. Nesse sentido, a norma jurídica
semanticamente estruturada é uma norma vigente; ou seja, uma norma capaz de
propagar efeitos na medida em que prescreve condutas que possivelmente
ocorrerão no mundo social.
Nessa esteira, o professor PAULO DE BARROS CARVALHO75 é bastante
claro: “a norma jurídica se diz vigente quando está apta para qualificar fatos e
determinar o surgimento de efeitos de direito, dentro dos limites que a ordem positiva
estabelece, no que concerne ao espaço e no que consulta ao tempo.”.
2.3. Pragmática
A pragmática é tão importante quanto a sintática e a semântica, embora os
positivistas-lógicos não concordem. Sendo o direito um tecido de linguagem, ou seja,
75 Curso de direito tributário. p. 85.
48
composto por signos, deverá ser analisado sob as três instâncias dos signos.
Corroborando com essa assertiva, o professor TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ
JÚNIOR76 tece as seguintes considerações: “encaramos a norma como fato
lingüístico, incorporando a dimensão lúdica. Ademais, significa também que
acreditamos serem as características pragmáticas da norma fundamentais para o
seu entendimento, no sentido de que uma análise semântica e sintática dificilmente
conseguem descrevê-la a contento, sem tais características.”.
A riqueza do plano pragmático da linguagem jurídica não poderá ser ignorada
pelo intérprete do direito. Trata-se da interação que o discurso possui com o
ambiente (realidade social) em que ele é produzido, afinal, o produtor do texto é
sempre o ser humano e esse poderá visar efeitos diversos com a sua mensagem
textual.
A linguagem, em termos de função, poderá ter roupagens diversas: (i)
descrição de fatos (função descritiva); (ii) prescrição de comportamentos (função
prescritiva); (iii) expressão de situações subjetivas (função expressiva ou poética);
(iv) formulação de perguntas e pedidos (função interrogativa); (v) persuasão de
argumentos (função persuasiva ou conativa); (vi) elocuções que concretizam ações
(função operativa ou performativa); (vii) técnicas para manter ou interromper o canal
de comunicação (função factica); (viii) afasia – técnica utilizada para perturbar a
mensagem emanada de outrem (função afásica); (ix) ficções e hipóteses (função
fabuladora) e, (x) metalingüística – dois níveis de linguagem numa mesma
seqüência textual (função metalingüística).
A metalinguagem do ordenamento jurídico poderá aparecer com quaisquer
dessas funções dependendo do contexto em que ela for proferida.
A pragmática jurídica, embora pouco explorada, é imprescindível para que o
signo jurídico atinja sentido completo. As normas jurídicas devem ser analisadas
conforme o contexto histórico e ideológico em que foi editada e, mais ainda,
consoante as convicções e valores particulares de quem a editou.
O saudoso jurista MIGUEL REALE77 afirmava que: “Estamos, aos poucos,
abrindo as portas a uma nova compreensão humanística do Direito. Que é
76 Teoria da norma jurídica. p. 11-12. 77 Estudos de filosofia e ciência do direito. p. 65.
49
compreensão? Eis outro valor fundamental. Viver é compreender; viver é valorar;
viver é por as coisas e os fatos em função de fins ou de valores, de maneira que
compreender uma norma jurídica não é analisar as suas expressões lógico-sintáticas
ou gramaticais, mas é penetrar nos valores que estão no âmago de seu enunciado.
É preciso, pois, ir da sintaxe da regra jurídica para a sua semântica e a sua
pragmática, a fim de que possa haver algo de significativo para a conduta do
homem, o qual não pode ser visto como ente abstrato, mas, antes como ser situado
no mundo, na sua efetiva condição humana, social e histórica.”.
Esses dados pragmáticos parecem estranhos ao sistema jurídico, todavia,
não se pode esquecer que a linguagem é uma aptidão do ser humano e que o direito
manifesta-se através de linguagem. Logo, para se atribuir um sentido ao enunciado
lingüístico é necessário não somente a análise de suas formas sintáticas e, do
significado de suas expressões, mas também a análise do contexto em que o
emissor se encontrava para construir o enunciado, posto que esse dado influi
sensivelmente na interpretação do enunciado lingüístico-jurídico.
Ensina a professora DIANA LUZ PESSOA DE BARROS78 que: “O exame
interno do texto não é suficiente, no entanto, para determinar os valores que o
discurso veicula. Para tanto, é preciso inserir o texto no contexto de uma ou mais
formações ideológicas que lhes atribuem, no fim das contas, o sentido.”.
Portanto, em sendo o sistema do direito um fenômeno lingüístico formado por
normas jurídicas produzidas pelo legislador, deve-se identificar o processo legislativo
como o processo de enunciação, as normas jurídicas são os enunciados emitidos
pelo legislador-enunciador-manipulador (de valores sob as formas de intimidação,
provocação, sedução e tentação), as quais contêm marcas da enunciação referente
à pessoa, espaço e tempo e que, também, estão estruturadas de forma dialógica.
Logo, o jurista deve conhecer do processo gerativo de sentido das regras gerais
semióticas e somente assim conseguirá atingir o verdadeiro sentido da norma
jurídica emitida pelo legislador.
A pragmática das normas jurídicas está relacionada com a carga axiológica e
ideológica que elas representam dentro da sociedade. Como juízos de valor e de
ideologia são inerentes ao ser humano, as normas jurídicas, na verdade, refletem as
78 Teoria semiótica do texto. p. 83.
50
preferências valorativas e ideológicas de quem as elaborou. Ademais, como valor e
ideologia são atributos personalíssimos, relativos à índole de cada pessoa, cada
destinatário observará a norma jurídica conforme suas convicções valorativas e
ideológicas.
O legislador ao produzir a hipótese normativa (juízo condicional ou
antecedente) escolhe uma determinada conduta intersubjetiva de possível
ocorrência no mundo social; isto é, ele seleciona algumas propriedades do mundo
social para inserir numa proposição jurídica. Esse recorte que o legislador faz tem
caráter puramente axiológico e ideológico: ele seleciona de acordo com suas
convicções os valores que considera importante para uma convivência harmônica e
equilibrada entre os membros da coletividade.
Nessa esteira, explica o professor PAULO DE BARROS CARVALHO79 que:
“Ao escolher, na multiplicidade intensiva e extensiva do real-social, quais os
acontecimentos que serão postos na condição de antecedente de normas tributárias,
o legislador exerce uma preferência: recolhe um, deixando todos os demais. Nesse
instante, sem dúvida, emite um juízo de valor, de tal sorte que a mera presença de
um enunciado sobre condutas humanas em interferência subjetiva, figurando na
hipótese da regra jurídica, já significa o exercício da função axiológica de quem a
legisla.”.
Já os destinatários dessas normas com dúplice aspecto as interpreta também
em consonância com a sua carga valorativa e ideológica; ou seja, recebem a norma
jurídica de acordo com suas convicções pessoais e, assim, determinam o seu “agir”;
isto é, o seu “ser”. Quer se dizer que, em contato com as normas jurídicas, os
destinatários, conforme seus valores e ideologia pessoais, irão cumpri-las ou não.
Um valor é uma qualidade positiva ou negativa (bipolaridade e implicação
recíproca) que uma pessoa atribui a um dado objeto (atributividade e objetividade)
em decorrência do momento histórico e cultural (historicidade) e de suas
preferências sobre ele (preferibilidade e referibilidade), que não se pode medir
(incomensurabilidade), mas que poderá ser colocado de forma escalonada em
relação a um outro valor (tendência à graduação hierárquica) e ainda que poderá
servir para predicar outros objetos (inexauribilidade).
79 Direito tributário, linguagem e método. p. 174.
51
Para o professor MIGUEL REALE80 um valor é “como um aliquid dotado de
objetividade, mas de objetividade histórica, tal como essa se desenvolve no mundo
da cultura, a qual é entendida como o ‘sistema de bens e valores que o homem
realiza graças à atividade espiritual criadoramente exercida em sintonia com as leis
da natureza.’”.
Já a ideologia, conforme define NICOLA ABBAGNANO81, é “toda crença
usada para o controle dos comportamentos coletivos, entendendo-se o termo crença
em seu significado mais amplo, como noção de compromisso da conduta, que pode
ter ou não validade objetiva”. Para o professor LUIZ ALBERTO WARAT82, “é uma
mensagem de dominação”; ou seja, é um discurso dotado de articulações para
manipular o destinatário a ponto de determinar comportamentos e opiniões.
Portanto, o legislador ao elaborar as normas jurídicas, principalmente os
juízos hipotéticos condicionais (normas gerais e abstratas), escolhe os valores que
considera importantes para se efetivar na coletividade, tais como os previstos no
Preâmbulo do Texto Constitucional (liberdade, segurança, bem-estar,
desenvolvimento, igualdade e justiça), para tanto, utiliza-se de sua ideologia para
manipular o comportamento dos destinatários das normas jurídicas. Isso tudo para
que a função do direito em promover harmonia e equilíbrio entre as relações sociais
seja cumprida.
Paralelamente, os destinatários das normas jurídicas deverão observá-las
segundo sua ideologia e, assim, impingem determinados valores a elas. E a partir
desse juízo que realiza decorre um comportamento do destinatário, o qual poderá
ser positivo ou negativo diante do comando normativo.
Segundo a professora DIANA LUZ PESSOA DE BARROS83, “a manipulação
só será bem-sucedida quando o sistema de valores em que ela está assentada for
compartilhado pelo manipulador e pelo manipulado, quando houver uma certa
cumplicidade entre eles.”.
É em decorrência dessa riqueza pragmática, imanente à mente humana, que
não se pode garantir que uma determinada norma jurídica terá o condão de
80 Teoria tridimensional do direito. p. 153-154. 81 Dicionário de filosofia. p. 533. 82 O direito e sua linguagem. p. 72. 83 Teoria semiótica do texto. p. 33.
52
proporcionar o valor que o legislador quis e, por conseqüência, não se pode garantir
que o direito efetivamente irá regular condutas.
MAX WEBER84 já afirmava que: “O agente não orienta sua ação pelo
comportamento de outros, mas, a observação desse comportamento permitiu-lhe
conhecer determinadas probabilidades objetivas, e é por estas que orienta sua
ação”.
Portanto, afirma-se que a pragmática de uma norma é que irá determinar sua
eficácia, seja ela técnica, jurídica ou social. Sem a observância da norma jurídica,
isto é, se o comportamento dos destinatários das normas jurídicas forem
incompatíveis com ela (ineficácia social), não é possível que ela possa dar
juridicidade ao fato (ineficácia jurídica) e, também, poderá haver obstáculos
materiais que impeçam essa juridicidade (ineficácia técnica).
A eficácia de uma norma jurídica é definida por CARLOS PELÁ85 da seguinte
forma: “é a qualidade de produzir efeitos mediatos e imediatos advindos da
incidência.”.
3. Análise semiótica da ciência do direito
3.1. Sintática
A sintática da ciência do direito refere-se aos enunciados estruturados em
proposições descritivas; ou seja, frases que descrevem atributos (adjetivos) sobre o
seu objeto, no caso, sobre a linguagem do direito positivo.
É oportuno, desde já, ressaltar que a ciência do direito também funciona
como uma autêntica metalinguagem. Esse fenômeno lingüístico é bem explicado por
SAMIRA CHALHUB86 da seguinte forma:
A = B
Linguagem a = linguagem b
84 Economia e sociedade, v. 1, p. 14. 85 A validade e a eficácia das normas jurídicas. p. 100. 86 A Metalinguagem. p. 07.
53
“O sinal de equação, sublinhe-se bem, significa uma relação de pertinência: quer
dizer que a linguagem b refere-se, em sua própria linguagem, à linguagem a. Ou, por
outra, a linguagem-objeto (linguagem a) é falada pela linguagem b, cujos signos são
constituídos da linguagem a. Em termos gerais, a isso denominamos metalinguagem.”.
A ciência do direito é uma metalinguagem porque se utiliza de uma outra
camada de linguagem para ser objeto da descrição: a linguagem do direito positivo
(que é uma linguagem-objeto em relação à ciência do direito). Ela, portanto, é uma
camada de linguagem de hierarquia superior a sua respectiva linguagem-objeto.
Linguagem do Direito Positivo = Linguagem da Ciência do Direito
Como discurso descritivo, a Ciência do Direito é formada por frases
informativas, declarativas e denotativas acerca das normas do direito positivo.
Frases essas compostas por uma infinidade de adjetivos87, os quais compõem o
vasto vocabulário de nossa Gramática, que irão definir o sistema do direito positivo
como tal; ou seja, o jurista ao realizar seu texto descritivo atribui características
negativas e positivas relevantes ao sistema do direito positivo, de maneira que o
resultado será um discurso construtor do sentido das normas jurídicas.
3.2. Semântica
Para LUIS ALBERTO WARAT88, “o problema central da semântica é, assim, o
da verdade. Uma expressão lingüística, bem formulada sintaticamente, é
semanticamente verdadeira se pode ser empregada para subministrar uma
informação verificável sobre o mundo, ou seja, se tem correspondência com os
fatos, se sua situação significada é aceita como existente”.
KARL OTTO APEL89 explica que: “tudo que se fixa a priori em um sistema
semântico, quanto as regras de significação ou de verdade, depende mais da
metalinguagem em que as próprias regras são introduzidas, do que um sistema
87 “Adjetivo é toda e qualquer palavra que, junto de um substantivo, indica qualidade, defeito, estado ou condição. Ex: homem bom , moço perverso , casa suja , moça feliz , velho amigo, nova remarcação”. in Nossa Gramática, Luiz Antonio Sacconi, p. 155. 88 O direito e sua linguagem. p.40. 89 Transformação da filosofia I. p. 172-173.
54
puramente sintático dependeria. Contudo, a metalinguagem última em toda
hierarquia lingüística lógico-matemática, como se disse, é linguagem corrente. É
dela que o pensador dedicado à semântica lógica vai depreender o ponto de vista
especulativo (o “significado”!) de sua construção reguladora, o qual se garante pelo
fato de que as regras de significação permitem uma determinada interpretação
objetiva do sistema, ou seja, uma determinada tradução por meio de conceitos da
linguagem corrente.”.
Como já esclarecido no item anterior, o cientista do direito constrói um
discurso metalingüístico, na medida em que se utiliza da linguagem das normas do
direito posto para elaborar seu texto descritivo. Dessa forma, é o jurista quem
confere sentido às normas jurídicas, na medida em que predica todos os seus
aspectos, seja de forma positiva ou negativa.
Assim, é o cientista do direito quem ficará com o encargo da interpretação das
normas jurídicas positivas e lhes conferirá o respectivo alcance; ou seja, seu sentido.
É ele quem deverá ater-se às técnicas de interpretação de discurso jurídico,
oferecidas pela semiótica, na medida em que observa as diferenças entre denotação
e conotação, relações de sinonímia e antonímia90 entre as palavras, uso de palavras
homônimas e parônimas91, figuras de linguagem (figuras de palavras e figuras de
pensamento)92, intratextualidade, intradiscursividade, intertextualidade e
interdiscursividade (polifonia e dialogismo), dessa forma, estará apto a abolir
quaisquer vícios de linguagem, tais como contradição, ambigüidade e obscuridade.
A ambigüidade está relacionada com o caráter polissêmico das palavras; isto
é, elas podem assumir uma série de significados. A contradição refere-se a
paradoxos que podem ocorrer num dado enunciado, fato esse que poderá
comprometer o significado de todo o discurso textual. Já a obscuridade refere-se à
90 Relação de Sinonímia: relativo aos sinônimos das palavras; ou seja, de outras palavras com sentido semelhante que tem por condão descrever as mesmas coisas e as mesmas situações, tal como nas palavras ‘obrigado’ e ‘compelido’. Relação de Antonímia: relativo ao antônimo das palavras; ou seja, palavras com sentidos opostos, tal como ‘bem’ e ‘mal’. 91 Palavras homônimas são aquelas que possuem grafia ou pronúncia igual, tal como cassar (anular) e caçar (apanhar animais). Palavras parônimas são aquelas que possuem grafia ou pronúncia parecidas, tal como eminente (notável, célebre) e iminente (próximo, prestes a acontecer). 92 Figuras de linguagem são utilizações da linguagem fora das normas gerais; ou seja, é a utilização de uma linguagem figurada. Compreendem as figuras de palavras (tais como metáfora, metonímia, pleonasmo, elipse e hipérbato ou inversão) e as figuras de pensamento (tais como hipérbole, eufemismo e ironia).
55
vagueza do significado; ou seja, construções textuais que não atingem um
significado, dada a vagueza das palavras usadas.
É contra esses vícios na linguagem jurídica (e outros mais como barbarismo e
cacofonia93) que o jurista deve atuar para que a semântica jurídica não seja
comprometida.
As proposições prescritivas da ciência do direito, portanto, deverão vir
despidas de quaisquer vícios de linguagem e sem (=ou praticamente sem) a
utilização de figuras de linguagem, de maneira que o discurso fique perfeito, coeso;
ou seja, sem margem para duplas ou triplas interpretações.
O objetivo do jurista é transmitir o conhecimento das normas do direito
positivo para todos os outros estudiosos da área na medida em que informa, declara
ou denota todos os aspectos objetivos e subjetivos dessas normas que poderão
incidir sobre as relações do mundo social.
Dessa forma, a semântica da ciência do direito está baseada na informação
científica que o jurista deve descrever para seus respectivos receptores acerca do
significado das normas jurídicas; isto é, declarar se elas são válidas, inválidas,
constitucionais, inconstitucionais, vigentes ou não vigentes, eficientes ou
ineficientes; sobre suas características e natureza, bem como sobre os regimes de
aplicação aos casos concretos; sobre a ideologia de que a norma esteja investida,
bem como os princípios e valores que a circunda.
3.3. Pragmática
Os enunciados descritivos da ciência do direito fundam-se nos sistemas
ideológicos e valorativos do jurista; ou seja, o jurista, ao resolver elaborar um
discurso descritivo, parte de crenças e idéias próprias, as quais refletem em todo seu
trabalho e que devem influenciar os respectivos destinatários em sua compreensão;
ou seja, os receptores do discurso científico do jurista somente se convencerão de
sua veracidade se aceitarem o ponto de vista do jurista.
Como bem explica a professora DIANA LUZ PESSOA DE BARROS94,
93 Barbarismo: é qualquer tipo de desvio relativo à palavra, tais como compania, juniores, seniores, os cidadões, bem como o uso desnecessário de palavras estrangeiras, tais como show (ao invés de espetéculo) e menu (ao invés de cardápio). Cacofonia é uma seqüência de silabas que provoca um som desagradável, tais como ‘nosso hino’ e ‘por cada uma das pessoas’. 94 Teoria do discurso. p. 94.
56
“o enunciador propõe um contrato, que estipula como o enunciatário deve
interpretar a verdade do discurso; em segundo lugar, que o reconhecimento do dizer-
verdadeiro liga-se a uma série de contratos de veridicção anteriores, próprios de uma
cultura, de uma formação ideológica e da concepção, por exemplo, dentro de um sistema
de valores, de discurso e de seus tipos. O contrato de veridicção determina as condições
para o discurso ser considerado verdadeiro, falso, mentiroso ou secreto, ou seja,
estabelece os parâmetros, a partir dos quais o enunciatário pode reconhecer as marcas
da veridicção que, como um dispositivo veridictório, permeiam o discurso. A interpretação
depende, assim, da aceitação do contrato fiduciário e, sem dúvida, da persuasão do
enunciador, para que o enunciatário encontre as marcas de veridicção do discurso e as
compare com seus conhecimentos e convicções, decorrentes de outros contratos de
veridicção, e creia, isto é, assuma as posições cognitivas formuladas pelo enunciador.”.
Essas convicções pessoais do jurista se materializam na escolha de seu
paradigma (um pressuposto filosófico, uma teoria baseada em métodos e valores),
de seu sistema de referência e de suas premissas, os quais são imprescindíveis
para a elaboração de um discurso científico.
THOMAS S. KUHN95 ensina que: “as regras derivam de paradigmas” e,
também que “a aquisição de um paradigma e do tipo de pesquisa mais esotérico que
ele permite é um sinal de maturidade no desenvolvimento de qualquer campo
científico que se queira considerar.”.
O professor PAULO DE BARROS CARVALHO96 sobre esse assunto afirma
que “Quando se afirma algo como verdadeiro, portanto, faz-se mister que
indiquemos o modelo dentro do qual a proposição se aloja, visto que será diferente a
resposta dada, em função das premissas que desencadeiam o raciocínio”.
Portanto, a pragmática dos discursos descritivos elaborados pelos cientistas
do Direito é importantíssima para definir não somente a veracidade ou falsidade do
discurso, mas, também, para definir a linha de raciocínio científico que o jurista
pretende adotar.
95 A estrutura das revoluções científicas. p. 31 e 66. 96 Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. p. 03.
57
Nesse sentido, afirma KARL ENGISCH97 que: “A lógica do jurista é uma lógica
material que, com fundamento na lógica formal e dentro dos quadros desta, por um
lado, e em combinação com a metodologia jurídica especial, por outro lado, deve
mostrar como é que nos assuntos jurídicos se alcançam juízos ‘verdadeiros’, ou
‘justos’ (correctos), ou pelo menos ‘defensáveis’”.
De qualquer maneira, vale lembrar que para se detectar o valor de veracidade
ou falsidade do discurso científico, deverá haver uma outra linguagem ou afirmando
que os fatos descritos pelo jurista ocorreram ou negando a ocorrência dos fatos
descritos; ou seja, serão verificados através de uma nova metalinguagem (e assim
sucessivamente, posto que na teoria a metalinguagem é infinita)98.
4. Recapitulando
Portanto, o direito positivo é uma metalinguagem em relação à linguagem que
constitui a realidade social, que é sua linguagem-objeto, afinal deverá estar sempre
dialogando com as vicissitudes da sociedade moderna para que suas normas
possam incidir de forma adequada aos casos concretos.
A ciência do direito também é uma metalinguagem em relação ao direito
positivo, que funciona como sua linguagem-objeto.
Dessa concatenação de linguagens (que normalmente é infinita), depreende-
se três tipos de realidade: realidade social > realidade jurídica > realidade cientifica.
Nesse sentido, ENRIQUE R. AFTALIÓN, JOSÉ VILANOVA e JULIO
RAFFO99:
“Normalmente hablamos del mundo y los entes que lo pueblan (incluyendo
sentimientos y actos de consciencia) aunque éstos no se encuentren en el mundo como
las cosas y los acontecimientos. Pero no hablamos de palabras ni de enunciados. De
éstos hablan los lingüistas y – en una medida que requerirá aclaración – los lógicos. Para
dar cuenta de estas dos formas muy distintas de emplear los enunciados y las palabras,
se habla de un lenguaje objeto (de primer nível) y de un metalenguaje (lenguaje de
segundo nível). Esta distinción es, no obstante, relativa. Si hablamos de la lingüística ya
estamos empleando un lenguaje de tercer nível. También puede haber lenguajes de
cuarto nível (cuando hablamos acerca del lenguaje que habla de la lingüística), de quinto
97 Introdução ao pensamento jurídico. p. 08. 98 Cf. Ricardo A. Guibourg; Alejandro M. Ghigliani; Ricardo V. Guarinoni in Introducción al conocimiento cientifico. p. 27. 99 Introducción al derecho. p. 98.
58
nível, etcétera. Esto constituye una verdadera ‘escalera hacia el vacío’ que nos aleja de
nuestro interés primário que es el conocimiento del mundo.”.
5. Importância lingüística do Texto Constitucional de 1988: seu caráter dialógico e
polifônico
A partir de agora, passa-se a analisar o Texto Constitucional sob a Teoria
Lingüística da Norma proposta por esse trabalho para, assim, se alcançar uma
conclusão a respeito do sistema constitucional de tributação e, mais
especificamente, da tributação por meio das contribuições previdenciárias.
Ao empreender uma análise da Carta Constitucional de 1988 sob a Teoria
Lingüística da Norma, deve-se tomar como ponto de partida sua estrutura sintática.
A Constituição Federal de 1988 possui um Preâmbulo e 250 (duzentos e
cinqüenta) artigos, sistematizados em 09 (nove) títulos: A) Título I - Dos Princípios
Fundamentais (art. 1º ao 4º); B) Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais
(arts. 5º a 17º); C) Título III – Da Organização do Estado (arts. 18 a 43); D) Título IV
– Da organização dos Poderes (arts. 44 a 135); E) Título V – Da Defesa do Estado e
das Instituições Democráticas (arts. 136 a 144); F) Título VI – Da Tributação e do
Orçamento (arts. 145 a 169); G) Título VII – Da Ordem Econômica e Financeira
(arts. 170 a 192); H) Título VIII – Da Ordem Social (arts. 193 a 232); I) Título IX –
Das Disposições Constitucionais Gerais (art. 233 a 250).
Há ainda que se considerar o Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias (ADCT) com 95 (noventa e cinco) artigos e as Emendas Constitucionais
somadas em 62, sendo que 56 (cinqüenta e seis) são as Emendas Constitucionais e
06 (seis) são Emendas Constitucionais de Revisão.
No Preâmbulo, há o seguinte texto:
“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para
instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a
liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores
supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e
comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias,
promulgamos sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil”.
Afora as discussões acerca desse Preâmbulo fazer parte ou não do
ordenamento das normas constitucionais, em termos sintáticos, ele faz parte do
texto positivado em 05 de Outubro de 1988, afinal, precede os artigos e, ainda,
59
menciona a promulgação da “seguinte Constituição da República Federativa do
Brasil”.
O professor PAULO DE BARROS CARVALHO100 aponta também para a
importância do Preâmbulo ao dizer que: “o preâmbulo da Constituição faz parte da
Lei Fundamental? A resposta é: faz, enquanto plexo de enunciados cujas
significações revelam valores, tendências e objetivos devidamente aprovados no
mesmo documento de teor prescritivo da Lei Constitucional. Nele, preâmbulo,
poderemos recolher importantes enunciados de fundo axiológico, que haverão de
penetrar as regras do sistema, no trabalho de construção do sentido das normas do
direito posto”.
É oportuno também destacar que, entre o texto do Preâmbulo e todos os
artigos do Texto Constitucional, incluindo o ADCT e as Emendas Constitucionais,
existe um verdadeiro dialogismo; ou seja, há uma intratextualidade e
intradiscursividade entre todos os dispositivos constitucionais, o que significa dizer
que estão todos entrelaçados, subordinados e coordenados uns aos outros,
formando um único tecido normativo constitucional, de forma que nenhum dos
dispositivos poderá ser interpretado isoladamente sob pena de afrontar a coesão do
Texto Constitucional: todos os princípios fundamentais, direitos e garantias
individuais explícitos e implícitos devem estar em perfeita consonância com a
organização dos poderes, do Estado, defesa do Estado e Instituições Democráticas,
tributação e orçamento, ordem econômica e financeira e ordem social e vice-versa.
E todos devem também estar em plena consonância com o Preâmbulo, o qual
dialoga com todos os dispositivos da Constituição Federal.
É nesse sentido de uniformidade do Texto Constitucional no qual todas as
normas estão subordinadas e coordenadas é que se fala em intratextualidade e
intradiscursividade101.
100 Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. p. 23. 101 Cf. o professor PAULO DE BARROS CARVALHO em sua obra Direito tributário, linguagem e método: “dois pontos que suportam o trabalho interpretativo, como axiomas da interpretação: intertextualidade e inesgotabilidade. Como disse, a intertextualidade é formada pelo intenso diálogo que os textos mantém entre si, sejam eles passados, presentes ou futuros, pouco importando as relações de dependência estabelecidas entre eles. Assim que inseridos no sistema, iniciam a conversação com outros conteúdos, intra-sistêmicos e extra-sistêmicos, num denso intercâmbio de informações”.
60
Seguindo para o aspecto semântico do Texto Constitucional, tem-se que o
seu significado global está relacionado com o Estado Democrático de Direito Social,
o qual está muito bem definido no texto preambular (daí a importância da
intratextualidade e interdiscursividade já mencionada).
O preâmbulo descreve um Estado Democrático de Direito Social, o qual deve
ser perseguido na aplicação dos comandos constitucionais, sejam eles concernentes
ao sistema tributário, à ordem econômica e social ou sejam eles concernentes aos
princípios fundamentais e direitos e garantias fundamentais. Quer-se dizer que, não
importa a norma constitucional a ser aplicada, a idéia do Estado Democrático
descrito no Preâmbulo deverá se interpenetrar em todas elas. Essa foi a intenção
dos constituintes ao elaborar a Carta Magna de 1988 (“nós, representantes do povo
brasileiro”).
Corroborando, ORLANDO LEITE JÚNIOR e MARLI QUADROS LEITE102
explicam que: “No Preâmbulo, o discurso não é prescritivo, mas persuasivo, tanto é
que há, logo no início, uma debreagem, que é a projeção da enunciação no
enunciado, o que cria o efeito de sentido de subjetividade, ficando marcada a
presença do povo que participou do processo constituinte, ao apresentar sugestões
à nova Carta. Além disso, se o povo se sente mais próximo do texto promulgado, há
outro efeito de sentido instalado, a aproximação.”.
A maior contribuição desse Texto Constitucional de 1988 reside em seu
caráter pragmático; ou seja, ao analisar em que contexto histórico e social esse
Texto fora elaborado, é possível alcançar uma série de conclusões.
Como bem explica KONRAD HESSE103: “A Constituição jurídica está
condicionada pela realidade histórica. Ela não pode ser separada da realidade
concreta de seu tempo. A pretensão de eficácia da Constituição somente pode ser
realizada se se levar em conta essa realidade. A Constituição jurídica não configura
apenas a expressão de uma dada realidade. Graças ao elemento normativo, ela
ordena e conforma a realidade política e social”.
Em toda História do Brasil, a Constituição Federal de 1988 foi a única que
possuiu uma vasta participação popular. Em resposta a um período de ditadura e
102 “Uma aplicação da análise do discurso ao texto legal” in Linguagem e sua aplicações no Direito. p. 13. 103 A força normativa da Constituição. p. 24.
61
autoritarismo, os brasileiros foram às ruas pedindo “Diretas Já” e pleiteando uma
série de valores que até então tinham sido esmagados pelos governos militares.
Ademais, uma série de sugestões foi enviada ao Congresso Nacional para ser
submetida à análise pela Comissão de Sistematização (comissão formada pelo
presidente José Sarney para elaborar o Texto Constitucional de 1988).
Nesse sentido, portanto, podemos dizer que há a presença de muitas vozes
no Texto Constitucional (a voz do povo brasileiro, a voz dos legisladores
constitucionais, a voz do Presidente da República), o que o torna polifônico. É essa
polifonia que demonstra claramente o caráter social da Constituição Federal de
1988, caráter esse bem definido no Preâmbulo: “instituir um Estado Democrático,
destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a
segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores
supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na
harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução
pacífica das controvérsias...”.
Portanto, é esse fenômeno discursivo da polifonia que consagra o “Estado de
Bem Estar Social” – Welfare State: um Estado em que todas as pessoas estão
comprometidas na persecução de valores como igualdade, justiça, liberdade e
segurança; ou seja, toda a sociedade é solidária - “solidariedade social”.
Há que se memorar, nessa esteira, um trecho de um discurso proferido pelo
senhor Deputado ULISSES GUIMARÃES sobre essa Constituição Federal em 27 de
Julho de 1987:
“Senhores constituintes,
A Constituição, com as correções que faremos, será a guardiã da governabilidade.
A governabilidade está no social. A fome, a miséria, a ignorância, a doença
inassistida são ingovernáveis.
A injustiça social é a negação do governo e a condenação do governo.
A boca do constituinte de 1987-1988 soprou o hálito oxigenado da governabilidade
pela transferência e distribuição de recursos viáveis para os municípios, os securitários, o
ensino, os aposentados.
Repito: esta será a Constituição cidadã. Porque recuperará como cidadãos milhões
de brasileiros... Esta Constituição, o povo brasileiro me autoriza a proclamá-la, não ficará
como bela estátua inacabada, mutilada ou profanada.
62
O povo nos mandou aqui para fazê-la, não para ter medo.
Viva a Constituição de 1988.
Viva a vida que ela vai defender e semear.”.
O discurso do Texto Constitucional de 1988 dialoga também com o discurso
transcrito acima do Deputado ULISSES GUIMARÃES e com ele mantém uma
interdiscursividade, a qual também redunda no caráter social e solidário da referida
Carta Magna.
Interdiscursividade essa que deve ocorrer sempre com os demais atos
normativos infraconstitucionais, afinal, eles derivam da Carta Maior; o que significa
dizer que o ordenamento infraconstitucional (leis complementares e ordinárias,
decretos, medidas provisórias, regulamentos, circulares, portarias, instruções
normativas) deve ser elaborado em consonância com o discurso do Texto
Constitucional, buscando também perseguir os valores nele consagrados para o
Estado Democrático de Direito Social.
Esse raciocínio serve também para os Tratados Internacionais que o Brasil
ratifica; ou seja, quando o Brasil adere ao Tratado, ele também dialoga com o Texto
Constitucional e ambos devem ser aplicados de forma uniforme.
É oportuno ressaltar também que, já que o Texto Constitucional de 1988
consagra valores sociais, não é demasiado afirmar que também dialoga com a
Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão de 26 de agosto de
1789 (França), a qual serve de modelo para todos os países do mundo no que tange
aos direitos do Homem (os chamados direitos naturais).
Ademais, a Carta Magna de 1988 consagra os valores sociais conjugados
com os direitos civis, políticos, econômicos e culturais e dessa forma consagra a
correspondência entre a conjugação desses direitos com a dignidade e a integridade
da pessoa humana.
O professor TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JÚNIOR104, nessa linha, explica
que: “A lei constitucional chama-se lei apenas por metáfora, ela não é igual às outras
leis. A Constituição tem que ser entendida como a instauração do Estado e da
comunidade. Então ela não deve se submeter àquele puro formalismo sob a pena de
104 “Notas sobre contribuições sociais e solidariedade no contexto do estado democrático de direito” in Solidariedade social e tributação. p. 215.
63
fazermos o inverso, isto é, tiranizarmos um grupo contra outro e impedirmos a
realização do Estado Social”.
A jurista CAROLINA ZANCANER ZOCKUN105 também defende o Estado
Social e afirma, corroborando com a idéia do trabalho, que: “Desde o Preâmbulo até
o último artigo da Constituição Federal verifica-se, ao longo de todo o texto
constitucional, a preocupação em se construir um Estado Social, garantidor dos
direitos sociais e prestador de atividades positivas que visam a reduzir as
desigualdades sociais e regionais existentes”. Ela também sublinha que tal fato é tão
importante que o art. 85, III, da CF prevê como crime de responsabilidade os atos do
Presidente da República que atentem contra o exercício de direitos sociais.
Se todo o discurso do Texto Constitucional de 1988 persegue os valores
atinentes ao Estado de Direito Social apontados no Preâmbulo, o sistema tributário
também deve operar dessa forma. Aliás, cabe aqui dizer que a tributação não possui
um fim em si mesma, ela, na verdade, é uma forma de angariar recursos para a
promoção de tais valores.
Aliás, o professor MIGUEL REALE106 afirma que o sentido ideológico do Texto
Constitucional de 1988 baseia-se na díade: livre iniciativa e interesses coletivos.
Não se pode esquecer que o Texto Constitucional é uma metalinguagem que
utiliza a realidade social como linguagem objeto, logo, não se pode esquecer do
dialogismo necessário que deverá haver constantemente entre todos esses valores
e princípios presentes no Diploma Constitucional e a linguagem da realidade social,
adequando todos esses conceitos constitucionais às necessidades da sociedade
moderna.
O sistema constitucional tributário, que será abordado no próximo capítulo, é
apenas parte do discurso constitucional; o que significa dizer que deve manter a
intradiscursividade com todos os outros dispositivos do Texto Constitucional e a
interdiscursividade com outros textos relacionados com a aplicação de suas normas
(tais como a Declaração Universal dos Direitos Humanos e os Tratados
Internacionais) observando os princípios fundamentais, direitos e garantias
105 Da intervenção do estado no domínio social. p. 42. 106 O estado democrático de direito e o conflito das ideologias. p. 45.
64
fundamentais individuais e sociais, organização do Estado e dos Poderes, Ordem
Econômica e Financeira e Ordem Social, dentre outros princípios.
O professor italiano CLAUDIO SACCHETTO107, ao falar sobre a constituição
republicana italiana e imposição tributária, explica que: “A soberania pertence ao
povo, o que acentua ainda mais a idéia de ‘Estado-Coletividade’ e não de ‘Estado-
soberano’. A imposição torna-se, então, um dever solidário, no sentido de contribuir
para objetivos comuns.”.
Acredita-se que é bem essa a idéia da Constituição Federal Brasileira de
1988. Ela foi elaborada pelo povo e para o povo (como bem analisado se analisou
através dos três níveis de linguagem do Texto Constitucional).
A jurista BERENICE ROJAS COUTO108, nesse sentido, lembra que: “Pela
primeira vez um texto constitucional é afirmativo no sentido de apontar a
responsabilidade do Estado na cobertura de necessidades sociais da população e,
na sua enunciação, reafirma que essa população tem acesso a esses direitos na
condição de cidadão.”.
O professor TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JÚNIOR109 ensina que: “deve fazer
da Constituição uma prática e não somente um texto ao cuidado dos juristas; a
participação, não apenas do Legislativo, do Executivo, do Judiciário, mas também do
cidadão em geral, na concretização e na efetivação dos direitos, uma peça
primordial do seu contexto democrático-social legítimo”.
Há um clima de “solidariedade” nessa Carta Magna que não pode ser
ignorado, nem mesmo para os fins de tributação. Aliás, ousa-se afirmar que a mola
propulsora desse Estado Solidário é a tributação: pagar tributos é um dever
constitucional que deve ser respeitado em nome do dever de “solidariedade fiscal”.
Cada tributo terá uma forma diferente de manifestação de solidariedade. Por
exemplo, na forma de imposto, é o instrumento que efetiva a redistribuição dos
rendimentos, posto que cada um pagará, segundo sua capacidade contributiva,
pelas despesas públicas. Já nas contribuições previdenciárias essa solidariedade se
107 “O dever de solidariedade no direito tributário: O ordenamento Italiano” in Solidariedade social e tributação. p. 15. 108 O direito social e a assistência social na sociedade brasileira: uma equação possível? p. 161. 109 “Notas sobre contribuições sociais e solidariedade no contexto do estado democrático de direito” in Solidariedade social e tributação. p. 221.
65
manifestará de maneira diversa, nesse caso, como se verá mais adiante, a
solidariedade é voltada para um grupo específico, mesmo que o contribuinte seja
alguém de fora desse grupo.
JOSÉ CASALTA NABAIS110 ensina que: “cada contribuinte tem
simultaneamente um dever, o dever de contribuir para a comunidade que integra, e
um direito, o direito de exigir que todos os outros membros da comunidade também
contribuam para a mesma comunidade.”.
É nesse sentido, portanto, que se diz que os tributos não são neutros, pois
devem financiar todas as despesas da coletividade. JOSÉ MARQUES DOMINGUES
DE OLIVEIRA111, ao tocar nesse assunto, diz que a destinação pública caracteriza o
tributo como gênero e explica que: “parece-nos que o princípio jurídico da
proporcionalidade condiciona, sim, o momento jus-político de elaboração da lei
tributária e é ele que permite verificar a sua adequação aos interesses e fins
constitucionalmente legítimos e suscetíveis de serem considerados no momento da
criação do tributo, meio que é financiamento da despesa pública.”.
Reforçando essa idéia o jurista RICARDO LOBO TORRES112 afirma que: “o
tributo é um dever fundamental. Sim, o tributo se define como o dever fundamental
estabelecido pela Constituição no espaço aberto pela reserva da liberdade e pela
declaração dos direitos fundamentais. Transcende o conceito de mera obrigação
prevista em lei, posto que assume dimensão constitucional.”. E MARCO AURÉLIO
GRECO113 acrescenta que “cabe falar em resgate da capacidade contributiva pelo
constituinte de 1988 que reintroduziu no sistema constitucional brasileiro esse
princípio, hoje retratado no § 1º do artigo 145. Isto significa – a partir de uma
perspectiva do Estado Social – que não podemos ver a tributação apenas como
técnica arrecadatória ou de proteção ao patrimônio; devemos vê-la também da
perspectiva da viabilização social do ser humano.”.
110 “Solidariedade social, cidadania e direito fiscal” in Solidariedade social e tributação. p. 135. 111 Contribuições Sociais, Desvio de Finalidade e a Dita Reforma da Previdência Social Brasileira. p. 128 in Revista Dialética de Direito Tributário nº 108. Nesse artigo, o professor José Marcos Domingues de Oliveira cita o jurista A.D.GIANINNI que afirmava a atividade financeira do Estado como um instrumento e não um fim em si mesma. E que: “os tributos têm três características: devidos a um ente público; fundamentados no poder de império do Estado; têm a finalidade de prestar os meios para facilitar as necessidades financeiras do mesmo” – essa última refere-se ao princípio da destinação pública do tributo. 112 “Solidariedade e justiça fiscal” in Estudos de direito tributário em homenagem à memória de Gilberto Ulhoa Canto. p. 301. 113 “Solidariedade social e tributação” in Solidariedade social e tributação. p. 179.
66
J. M. OTHON SIDOU114, defendendo a tese de que “o tributo é um
sustentáculo do Estado” alega que “É o tributo, assim, um adiantamento na
transação que a sociedade faz com o Estado para garantia da paz coletiva, mercê
da paz e do bem estar dos indivíduos.”.
Portanto, deve-se perseguir ao longo desse trabalho análises que se
coadunem com os princípios e valores consagrados no Preâmbulo acerca do Estado
Social de Direito.
Assim, será sob o caráter dialógico e polifônico do Texto Constitucional que
se iniciará o estudo da Previdência Social e especificamente de suas respectivas
contribuições dentro do sistema tributário nacional. As relações de coordenação e
subordinação entre os comandos constitucionais (intratextualidade e
intradiscursividade), bem como a relação de tais comandos com os textos e
discursos externos (intertextualidade e interdiscursividade) serão tomados como
ponto de partida na análise semiótica do regime geral de previdência social, o qual
inicia-se com a análise da Seguridade Social.
114 A natureza social do tributo. p. 02-12.
67
CAPÍTULO III
PLURIVOCIDADE DOS TERMOS “PREVIDÊNCIA SOCIAL”, “CON TRIBUIÇÕES
PREVIDENCIÁRIAS” E “SOLIDARIEDADE SOCIAL”
1. Da plurivocidade
Antes de adentrarmos especificamente na análise semiótica dos signos
“previdência” social”, “contribuição previdenciária” e “solidariedade social” é preciso
destacar a polissemia que ronda essas expressões.
Tais expressões são os vocábulos principais no estudo da tributação (ou não)
dentro do sistema previdenciário. Logo, seus respectivos significados deverão estar
bem delimitados para se poderem formular conclusões.
O enfoque lingüístico dentro desse tema é oportuno, posto que a “chave” de
tantas divergências no sistema previdenciário consiste na vaguidade e ambigüidade
desses termos. Ousa-se dizer que a falta de consenso na doutrina quanto a
natureza jurídica e o regime jurídico das contribuições previdenciárias tem origem
nesses vícios da linguagem (vaguidade e ambigüidade).
DANIEL PULINO115, citando CARRIÓ, lembra que certas palavras possuem
uma enorme carga emotiva para grande parte das pessoas, o que acaba
comprometendo sua significação e esse é bem o caso desses três vocábulos.
O ilustre professor e ministro EROS ROBERTO GRAU116, também, ao
apontar a linguagem como um “conjunto de vocábulos convencionais” afirma que a
linguagem jurídica vive em zona de penumbra e tem por característica a
ambigüidade e a imprecisão.
Cada um desses três termos carrega uma carga subjetiva muito grande e,
para um estudo científico, é necessário o estudo semiótico para delimitar cada um
desses termos. Como bem destaca a professora e jurista CRISTIANE
115 Op. cit. p. 43. 116 Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. p. 216-217.
68
MENDONÇA117, essa plurivocidade é inaceitável no patamar de uma linguagem
científica.
Porém, segundo ensinamento de REINALDO PIZOLIO118, “por mais vaga ou
ambígua que possa ser a palavra, por mais que dependa do contexto em que é
utilizada para se apurar o seu significado, nem por isso ela deixa de possuir um
significado intrínseco, uma carga mínima de significação que não lhe pode ser
separada.”.
2. Da previdência social
2.1. Na ciência do direito
A evolução da proteção social no ordenamento constitucional, do seguro
social ao Estado assistencialista de segurança social, provocou e ainda provoca uma
série de divergências nos conceitos de previdência social e seguridade social.
Alguns tributaristas ao dissertar sobre “contribuições sociais” não se
pronunciam acerca dessa diferença, é o caso dos autores JOSÉ EDUARDO
SOARES DE MELO119, FABIANA DEL PADRE TOME120, SACHA CALMON
NAVARRO COELHO121, PAULO AYRES BARRETO122 e JUNIA ROBERTA
GOUVEIA SAMPAIO123.
Já o jurista MARCOS OSAKI124 trata o termo Previdência Social como
sinônimo de Seguridade Social.
Por outro lado, o jurista NICOLAU KONKEL JUNIOR125 afirma que:
“Previdência social é um modelo de ‘seguro social’ e indica ‘... o conjunto de
medidas destinadas a proteger os indivíduos contra os riscos dos infortúnios, tendo
como objetivo final a proteção social ou seguridade social’. Portanto, previdência
social e seguridade social não se confundem.”.
117 Competência tributária. p. 38. 118 Op. cit. p. 196. 119 Contribuições sociais no sistema tributário. passim 120 Contribuições para a seguridade social à luz da Constituição Federal. passim 121 Contribuições: seus problemas e soluções. passim 122 Contribuições: regime jurídico, destinação e controle. passim. 123 O financiamento da seguridade social.passim. 124 Substituição tributária na seguridade social.pasim. 125 Contribuições sociais: Doutrina e jurisprudência. p. 27.
69
E acrescenta o jurista JEDIAEL GALVÃO MIRANDA126 que o termo
previdência social é um “sistema de proteção social, de caráter contributivo e em
regra de filiação obrigatória, constituído por um conjunto de normas principiológicas,
regras, instituições e medidas destinadas à cobertura de contingências ou riscos
sociais previstos em lei, proporcionando ao segurado e aos seus dependentes
benefícios e serviços que lhes garantam subsistência e bem-estar.”.
Já MARLY CARDONE127 a define como “um meio de cobertura das
conseqüências oriundas da realização dos riscos normais da existência ou de
eventos que acarretem um aumento de despesas.”.
Há variações nas definições propostas por cada um dos doutrinadores,
todavia, há um denominador comum em cada uma delas (ser um seguro social), o
qual deverá auxiliar na análise que será realizada neste trabalho.
2.2. No direito positivo
Falar sobre Previdência Social no direito positivo é remeter-se ao art. 201 do
Texto Constitucional que se refere a um “regime geral de caráter contributivo e de
filiação obrigatória” e que atenderá eventos de doença, invalidez, morte, idade
avançada, maternidade, desemprego involuntário, dependentes de segurado de
baixa renda e dependentes de segurado preso.
Há que se sublinhar, dada a inovação na redação do Texto Constitucional de
1988 do termo Seguridade Social, o termo Previdência Social adquiriu uma nova
significação dentro da Ordem Social, figurando como um dos elementos de um
Estado assistencialista, juntamente com a saúde e a assistência social.
O regime previdenciário, portanto, funciona segundo a Lei nº 8.212/91, que
trata do custeio da Previdência Social, e a Lei nº 8.213/91, que trata dos benefícios
previdenciários.
Portanto, resta claro, pela redação do Texto Constitucional/1988, que se trata
de um seguro social, no qual deve-se inscrever (filiação) para se tornar seu
segurado e ser coberto nos casos previstos no mesmo Diploma. Conseqüentemente,
não se confunde com o termo seguridade social, que é um atributo da ordem social
126 Direito da seguridade social. p. 137. 127 Dicionário de direito previdencial. p. 141.
70
no que tange a saúde, assistência social e previdência social, conforme apregoa o
art. 194, também do Texto Constitucional.
Assim, pela redação do Texto Constitucional, verifica-se que o termo
“previdência social” é abrangido pelo termo “seguridade social”, estando, portanto,
sua acepção relacionada com a “seguridade social”. Tal fato significa que para se
atingir a significação do termo “previdência social” é imprescindível analisar a
“seguridade social”.
3. Contribuições previdenciárias
3.1. Na ciência do direito
O termo “contribuição previdenciária” sempre provocou muitas discussões
doutrinárias, principalmente em decorrência de sua evolução legislativa. Para
alguns doutrinadores trata-se de tributo e, os que afirmam não ser tributo, a
denominam de “prêmio de seguro”, de “salário”, contribuição parafiscal, de “salário
diferido” e exação sui generis (MARCO AURÉLIO GRECO). WAGNER BALERA,
LEANDRO PAULSEN, SÉRGIO PINTO MARTINS e ARTHUR BRAGANÇA
VASCONCELOS WEINTRAUB, por exemplo, defendem a natureza tributária de tais
contribuições, enquanto que WLADIMIR NOVAES MARTINEZ, MARCUS ORIONE
GONÇALVES CORREIA e ÉRICA PAULA BARCHA CORREIA defendem
veementemente que as contribuições previdenciárias não podem possuir natureza
tributária e que são apenas “salário diferido”.
Mesmo dentre os juristas que defendem a natureza tributária das
contribuições previdenciárias, há a discussão acerca delas serem espécie tributária
autônoma ou se elas podem assumir a feição ora de impostos, ora de taxas.
PAULO DE BARROS CARVALHO, ROQUE ANTONIO CARRAZZA, HERON
ARZUA, REGIS FERNANDES DE OLIVEIRA, RUY BARBOSA NOGUEIRA,
ESTEVÃO HORVATH e AMÉRICO MASSET LACOMBE afirmam que as
contribuições são tributos que podem se apresentar ora como impostos, ora como
taxas. Já MÁRCIO SEVERO MARQUES, TÁCIO LACERDA GAMA, FABIANA DEL
PADRE TOMÉ, PAULO AYRES BARRETO, ZELIA LUIZA PIERDONÁ128 e IONAS
DEDA GONÇALVES acreditam que se tratam de espécies tributárias autônomas.
128 “a destinação da receita é preceito que torna as contribuições sociais espécie tributária autônoma. Enfim, como é norma que atribui a competência tributária, não há como argumentar que está fora do campo do Direito Tributário” in Contribuições para a seguridade social. p. 36.
71
Afora essas duas discussões doutrinárias, há ainda que se destacar o
problema da delimitação do termo “contribuição previdenciária”. MARCOS OSAKI,
ARTHUR MARIA FERREIRA NETO, OMAR CHAMON e AUGUSTO MASSAYUKI
TSUTIYA, por exemplo, englobam tais contribuições junto com as outras previstas
no art. 195 da CF/88 e as denomina contribuições sociais destinadas ao
financiamento da seguridade social ou contribuições securitárias.
Já FABIO FANUCCHI129 diferencia as contribuições previdenciárias das de
intervenção no domínio econômico e das de interesse de classes profissionais ou
econômicas, e as justifica pela “manutenção do serviço estatal de assistência,
seguro e participação sociais dos trabalhadores” , isto é, ele utiliza o vocábulo como
sinônimo de contribuições sociais, assim como LEANDRO PAULSEN130.
O jurista IONAS DEDA GONÇALVES131 explica que “dentre as contribuições
de Seguridade Social, há aquelas que se diferenciam pela destinação específica ao
custeio da Previdência Social. São as contribuições previdenciárias, cuja matriz
constitucional é obtida a partir da combinação dos arts. 167, XI e 195, I, a e II.”.
Tantas variações doutrinárias demonstra claramente tamanha subjetividade
que ronda o termo “contribuições previdenciárias” e é exatamente esse vício de
linguagem que esse trabalho pretende sanar a partir dos próximos capítulos.
3.2. No direito positivo
Falar sobre o significado das contribuições previdenciárias no direito positivo
implica fazer uma incursão por sua evolução legislativa, posto que, se existe
confusões acerca do significado delas, isso se deve aos inúmeros atos normativos
expedidos e, principalmente, à mudança brusca que ocorreu no panorama
constitucional da Constituição Federal de 1967 (Com a Emenda Constitucional n.°
01 de 1969) para a Constituição Federal de 1988.
Com a edição do Decreto-Lei nº 27/1966, as contribuições previdenciárias
foram acrescentadas no Código Tributário Nacional (art. 217), logo era indubitável
sua natureza tributária e a Emenda Constitucional nº 01 de 1969 consagrou essa
129 Curso de direito tributário brasileiro. p. 271. 130 “Só se terá uma contribuição social de seguridade social – art. 149 c/c o art. 195 da Constituição – quando voltada ao custeio de ações na área da saúde, da previdência social ou da assistência social...” in Contribuições: Custeio da seguridade social. p. 35. 131 Direito previdenciário. p. 76.
72
natureza quando conferiu à União competência tributária para instituí-las (art. 21, §
2º).
Contudo, com o advento da Emenda Constitucional nº 08 de 1977, essa
natureza tributária passou a ser questionada, posto que referidas contribuições
ficaram fora do sistema tributário (que só previa como tributos impostos, taxas e
contribuições de melhoria) e passaram a ser de incumbência do Congresso
Nacional, com sanção do Presidente da República (art. 43, X). Tanto que o próprio
Supremo Tribunal Federal se posicionou no sentido de excluir as contribuições
previdenciárias do sistema tributário; ou seja, afirmando que durante o período de
1966 a 1977, elas possuíam caráter tributário e, a partir da EC nº 08/77, elas
deixaram de possuir tal natureza.
Porém, o Texto Constitucional de 1988 introduziu as contribuições
previdenciárias no sistema tributário – art. 149 – e nesse dispositivo faz remissão à
observância de princípios tributários. Com esse tipo de previsão, é difícil não afirmar
que as contribuições previdenciárias possuem natureza tributária. Tanto é que o
próprio Supremo Tribunal Federal mudou seu posicionamento no julgamento do RE
146.733 e ainda sumulou esse entendimento ao elaborar a Súmula Vinculante n.º 08
que estabelece 5 anos de prazo prescricional e decadencial para as contribuições
previdenciárias (prazo previsto para os tributos no Código Tributário Nacional).
É bastante oportuno sublinhar, também, que as contribuições previdenciárias
estão embutidas na expressão “contribuições sociais” prevista no art. 149 da CF e
somente nos arts. 167, XI e 195, I “a” e II é que elas são especificamente tratadas,
respectivamente, acerca de sua destinação e materialidades.
O inciso XI do art. 167 aduz que elas são destinadas ao pagamento de
benefícios do regime geral de previdência social do art. 201. Já os incisos I “a” e II
descrevem suas materialidades: (i) folha de salário e demais rendimentos da pessoa
física pelo empregador; e, (ii) remuneração de trabalhadores e demais segurados.
Portanto, embora esse trabalho pretenda se aprofundar melhor nessa
problemática, adianta-se que com esse desenho normativo a acepção da
contribuição previdenciária como “tributo destinado a custear o regime geral da
Previdência Social” é bastante certa.
73
4. Solidariedade social
4.1. Na ciência do direito
Para demonstrar a intensa polissemia em torno do vocábulo “solidariedade
social” consigna-se o seguinte trecho de MARCIANO SEABRA DE GODOI132: “O
termo solidariedade, apesar de ser plurívoco, aponta sempre para a idéia de união,
de ligação entre partes de um todo. Etimologicamente, solidariedade remonta a
termos latinos que indicam a condição de sólido, inteiro, pleno. A solidariedade une
ou integra duas ou mais pessoas no seio de uma mesma obrigação jurídica (donde
devedores ou credores solidários), no seio de uma mesma condição ou grupo social
(por exemplo, a solidariedade entre os trabalhadores, entre os empresários, entre os
acometidos pela mesma enfermidade), ou no seio de um mesmo sentimento ou
estado anímico (por exemplo, o indivíduo que se solidariza com o semelhante que
sofre).”.
Verifica-se, dessa maneira, que o termo apesar de ter um núcleo comum em
suas várias ocorrências, pode aparecer com acepções extremamente objetivas, tal
como a solidariedade entre credores e devedores, como em acepções puramente
emotivas, como a solidariedade de um indivíduo em relação a outrem que padece de
algum sofrimento.
A “Solidariedade social” é um termo bastante difundido entre os juristas –
tributaristas e previdencialistas – e cada um deles trata o vocábulo de forma distinta.
Em linhas gerais, enquanto os previdencialistas conferem uma acepção ampla e
ilimitada à “solidariedade social”, os tributaristas impõem algumas restrições.
O professor SACHA CALMON NAVARRO COÊLHO133, tributarista, critica a
“solidariedade social” nos seguintes termos: “Nesses tempos confusos,
conspurcando a axiologia jurídica, fala-se em solidariedade, justamente para ofender
a liberdade e a isonomia, em prol da injustiça fiscal e do autoritarismo, a pretexto de
se estar fazendo justiça social. A jurisprudência e a doutrina, ainda que minoritárias,
arrazoam em nome da solidariedade quando abordam as contribuições.”.
Em contrapartida, OMAR CHAMON134 explica que: “a natureza humana é
comum a todos nós, o que nos faz solidários, não aceitando em uma sociedade que 132 “Tributo e solidariedade fiscal” in Solidariedade social e tributação. p. 142. 133 Contribuições no direito tributário: Seus problemas e soluções. p. 10. 134 Introdução ao direito previdenciário. p. 39-40.
74
cada qual cuide exclusivamente de seus interesses. Existe um preceito de ordem
jurídica, e porque não dizer, também de ordem moral e para muitos religiosa, que
nos obriga a cotizar, entre os mais abastados, para distribuir àqueles que, em
determinado momento histórico, mais necessitam. (...). Fruto da solidariedade, é
possível, por exemplo, manter todos os benefícios, as prestações e as ações
assistenciais.”.
Nesse mesmo sentido MATTIA PERSIANI135 afirma que: “nel sistema della
previdenza sociale trovi attuazione un principio diverso e di più vasta portata che non
quello mutualistico. Attraverso tale sistema si realizza la solidarietà di quanti sono in
grado di lavorare e di quanti dall´altrui lavoro traggono un´utilità, nei confronti dei
lavoratori divenuti incapaci di trarre dal próprio lavoro i mezzi di sostentamento e di
chi, comunque, si trovi in condizioni di bisogno. Um pouco mais adiante em sua obra,
a autora italiana também afirma que: “quella solidarietà che lo Stato realizza ogni
volta che, attraverso l´imposizione fiscale, opera, in definitiva, una redistribuzione del
reddito.”.
Verifica-se que enquanto o primeiro professor critica a solidariedade, os dois
últimos a tratam como uma forma de redistribuição de renda aos mais necessitados.
Todos eles certamente estão certos, porque cada um deles utiliza o vocábulo sob
acepções distintas.
A solidariedade pode ser identificada sob diversas perspectivas. O professor
MIGUEL HORVATH136, por exemplo, abre um leque de possibilidades para os tipos
de solidariedade: direta (quando se trata de um grupo determinado), indireta
(quando se trata de um número indeterminável de pessoas), interpessoal (quando se
dá entre duas ou mais pessoas individualmente consideradas), intergrupal (quando
se dá entre grupos), ética ou moral (a imposta pelos preceitos éticos e morais);
jurídica (a imposta pela norma jurídica); total (quando engloba todos os valores das
partes vinculadas); e parcial (quando só tem valores concretos e determinados).
Dentro desse leque proposto pelo respeitado professor, é preciso saber
identificar qual ou quais os tipos de solidariedade que são relevantes para a ciência
do direito. FABIANA DEL PADRE TOMÉ e LEANDRO PAULSEN mencionam os
princípios constitucionais tributários como óbices a essa solidariedade.
135 Diritto della previdenza sociale. p. 45-46. 136 Direito previdenciário. p. 67-68.
75
Corroborando, o professor HUMBERTO ÁVILA137 defende que: “O Estado não pode
justificar a tributação com base direta e exclusiva no princípio da solidariedade
social. Isso porque o poder de tributar, na Constituição brasileira, foi delimitado, de
um lado, por meio de regras que descrevem os aspectos materiais das hipóteses de
incidência e, de outro, por meio da técnica da divisão de competências em ordinárias
e residuais (...) É que a tributação com base na solidariedade social contraria, entre
outras normas, as regras de competência e o sobreprincípio da segurança jurídica e
seus sub-elementos da legalidade, da irretroatividade e da anterioridade.”.
Assim, transitando entre tantas lições adversas, é preciso identificar uma
acepção para o termo “solidariedade social” coerente com o sistema jurídico e que
harmonize os princípios basilares do sistema constitucional de tributação com os
princípios constitucionais atinentes à proteção social. Afinal, como apregoa o próprio
professor WAGNER BALERA138, “sem solidariedade não há seguridade.
Solidariedade nas relações entre os indivíduos e o Estado e vice-versa; entre os
indivíduos e a sociedade e, finalmente, entre sociedade e Estado.”.
4.2. No direito positivo
A primeira idéia de “solidariedade social” no ordenamento do direito positivo
encontra-se no texto do Preâmbulo do Texto Constitucional: “sociedade fraterna,
pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na
ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias.”.
Posteriormente, no artigo 3º da CF/88, dentre os objetivos fundamentais da
República Federativa do Brasil, está no inciso I “construir uma sociedade livre, justa
e solidária” e no III “ erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as
desigualdades sociais e regionais.”.
No artigo 4º do mesmo Diploma, consagra-se a cooperação entre os povos
para o progresso da humanidade como princípio das relações internacionais.
Dentro do Título VIII – Da Ordem Social, o constituinte dispõe que a
seguridade social compreende ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da
sociedade (art. 194) e também que essa seguridade será financiada por toda a
137 “Limites à tributação com base na solidariedade social” in Solidariedade social e tributação. p. 69-71. 138 A Seguridade social na Constituição de 1988. p. 33.
76
sociedade de forma direta e indireta (art. 195). A Lei n.º 8.212/91 em seus artigos 1.º
e 10 reafirma esses dizeres.
Já a Lei n.º 8.213/91 em seu art. 2.º, inciso VIII dispõe como princípio e
objetivo da Previdência Social: “o caráter democrático e descentralizado da gestão
administrativa, com a participação do governo e da comunidade, em especial de
trabalhadores em atividade, empregadores e aposentados.”.
Até aqui, pode-se afirmar que o direito positivo brasileiro consagra o princípio
da solidariedade de forma absoluta e ilimitada.
Todavia, como esse trabalho identifica o direito como um tecido único de
linguagem, no qual todas as suas estruturas encontram-se completamente
entrelaçadas, deve-se lembrar que não somente de regras solidárias vive o
ordenamento jurídico, tem-se as regras atinentes ao sistema financeiro e econômico,
ao sistema tributário e os direitos e garantias individuais.
Seguindo a estrutura lingüística do Texto Constitucional, verifica-se que há
um clima de solidariedade muito forte por todos os seus enunciados, mas em
contrapartida, a Constituição Federal também consagra uma série de princípios que
devem ser respeitados pelos cidadãos e, também, pelos órgãos do Poder Público,
tais como direito de igualdade e propriedade, a iniciativa privada, o princípio do não-
confisco e capacidade contributiva (todos previstos expressamente).
Dessa forma, parece mais coerente pensar que a solidariedade dentro do
direito positivo encontra uma roupagem diferente, sendo toda torneada pelos outros
princípios presentes expressa e implicitamente no Texto Constitucional. De qualquer
forma, essa afirmação será melhor analisada no tópico sobre “Solidariedade Social”.
5. A plurivocidade dos termos estudados e a importância da análise semiótica
Afirmar que o direito é texto e que as normas são frases, períodos ou orações
significa que ele poderá ser objeto de interpretação pelas regras gerais da
lingüística; isto é, que se poderá trabalhar com o discurso jurídico sob todas as
regras gramaticais de sintática, semântica e pragmática. E somente pela
interpretação através das regras gramaticais é que se poderá suprir o vício de
linguagem atinente à polissemia dos termos explicitados anteriormente.
77
Parece simples, óbvio e até repetitivo dizer que a interpretação ocorrerá
segundo as regras dos três níveis da linguagem, todavia, trata-se de uma análise
bastante fértil que certamente atingirá o sentido que o emissor quis dar aos termos
polissêmicos.
No plano da sintática, depara-se, primeiramente, com as regras da análise
morfológica: artigos definidos e indefinidos, substantivos, verbos, adjetivos,
advérbios, pronomes pessoais, oblíquos e de tratamento, numerais, frases
afirmativas, exclamativas, negativas e interrogativas. E posteriormente com as
regras da sintaxe: sujeitos, verbos de ligação ou verbos de ação, objetos diretos e
indiretos, adjuntos adnominais ou adverbiais, orações coordenadas ou
subordinadas, períodos simples e períodos compostos.
No plano da semântica as regras são ínfimas e incluem as relações de
sinonímia e antonímia, linguagem referencial (denotação) e linguagem figurada ou
figuras de linguagem – figuras de palavra e figuras de pensamento (conotação),
homônimos e parônimos, discursos diretos, indiretos e indireto-livre, diferenças entre
as funções da linguagem (referencial, emotiva, conativa, poética, metalingüística e
fática) e os vícios de linguagem (paradoxos, ambigüidades, vaguezas, pleonasmo,
cacófato e hipérbole).
Já no plano da pragmática deverá se detectar os valores, convicções, ideais e
princípios que o emissor impingiu aos termos que formulou.
O professor LÊNIO LUIZ STRECK139, ao se referir ao estudo da semiótica e
mais especificamente sobre a pragmática, afirma que é uma abertura de caminho
para uma hermenêutica jurídica crítica; ou seja, para uma hermenêutica que
“problematiza as recíprocas implicações entre discurso e realidade” e, ainda que
“somente pela linguagem (...) é possível ter acesso ao mundo (do Direito e da
vida).”.
Para que haja uma perfeita aplicação do Direito, como tem-se defendido
desde o início deste trabalho, deve haver um intenso diálogo entre a linguagem
jurídica e a linguagem social; ou seja, o intérprete do Direito deve ser capaz de
captar o maior número de elementos possíveis da realidade social para que o texto
jurídico combine com o texto da realidade social.
139 Hermenêutica jurídica e(m) crise. p. 182-183.
78
Isso tudo é bastante importante, principalmente quando se trata de direitos
sociais e, mais especificamente, do direito à previdência social. Se a pragmática se
trata da instância que estuda a relação dos signos com os seus usuários (os
membros da sociedade) de acordo com suas convicções, valores e ideologia, então
somente estudando essa relação é que se pode verificar qual a acepção que está
sendo utilizada para os termos ‘previdência social’, ‘contribuições previdenciárias’ e
‘solidariedade social’.
Portanto, o uso que a sociedade confere aos termos auxilia no processo de
elucidação de cada termo dentro do ordenamento do direito positivo e também
auxilia na criação de um modelo constitucional teórico de eficácia de normas
jurídicas.
79
CAPÍTULO IV
ANÁLISE SEMIÓTICA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL
Passa-se a partir de agora a analisar o signo “Previdência Social” para que
posteriormente se possa analisar o signo “contribuição previdenciária”, posto que se
antecipa em afirmar que não é possível dissociar as relações de custeio das
relações de benefício do sistema previdenciário; ou seja, não é possível realizar um
estudo de contribuições previdenciárias sem entender como funciona o sistema da
Previdência Social, aliás, como funcionava, como funciona e como funcionará no
futuro, até para entendermos a complexidade e contingência desse sistema.
Daí a importância de se estudar o histórico da proteção social, não somente
no Brasil, como pelo mundo todo.
A proteção social, segundo CELSO BARROSO LEITE140 “é o conjunto das
medidas que, tendo a frente a previdência social, permitem à Sociedade atender a
certas necessidades essenciais dos indivíduos que a compõem – isto é, de cada um
de nós.”.
1. Histórico da proteção social
1.1 No Mundo
O Homem preocupa-se com o seu bem-estar desde os tempos primórdios,
desde a Pré-História toma medidas necessárias para a sobrevivência das pessoas
pertencentes ao grupo. Certamente, tal fato foi o ponto de partida para o
desenvolvimento da proteção social.
A Bíblia Sagrada, o Código de Hamurabi e o Código de Manu foram os
primeiros documentos a contemplar medidas de proteção social. O Talmud (livro de
doutrina e jurisprudência da lei mosaica) tem registro de proteção em casos de
acidentes do trabalho.
Já em Roma, as famílias, por meio do pater familias, tinha a obrigação de
prestar assistência aos servos e clientes mediante contribuição de seus membros
através de uma associação de forma a auxiliar os mais necessitados. E os soldados
140 A proteção social no Brasil. p. 21.
80
de Roma, ao se aposentarem, recebiam suas economias (duas partes de cada sete
do salário) juntamente com um pedaço de terra.
O primeiro registro da preocupação do Homem com o infortúnio data de 1344,
no qual ocorre a celebração do primeiro contrato de seguro marítimo. Posteriormente
surgem contratos de cobertura de riscos contra incêndios.
Nas associações com fins religiosos denominadas confrarias, os associados
pagavam uma taxa anual para formar um fundo que cobrisse velhice, doença e
pobreza.
No ano de 1601, a Inglaterra criou a Poor Relief Act (lei de amparo aos
pobres), a qual dispunha sobre a obrigatoriedade do pagamento de contribuição
para fins sociais, de maneira a chancelar outras leis sobre assistência pública. Essa
lei consistia na possibilidade dos juízes da Comarca poderem lançar um imposto de
caridade a ser pago por todos os ocupantes e usuários de terras e, ainda, nomear
inspetores para cada paróquia com a finalidade de receber e aplicar o imposto
arrecadado. Isso tudo para que o indigente fosse amparado pela paróquia.
No fim do século XIX, a preocupação com as questões sociais tornou-se mais
acirrada em decorrência do idealismo dos socialistas utópicos (MARX e ENGELS).
Tinha-se uma grande preocupação com os chamados “acidentes do trabalho” em
virtude do manuseio pelos trabalhadores das máquinas industriais e, nessa época,
como inexistia contrato de trabalho, não havia forma de responsabilizar o
empregador. O empregado que se via acidentado no trabalho era obrigado a provar
na justiça a culpa do patrão pelo acidente sofrido para poder obter uma indenização.
Um pouco depois, em resposta a essas aflições, o direito criou a figura da
responsabilidade objetiva pelo simples risco profissional e, em vista dessa situação,
os empregadores começaram a contratar seguros para os livrarem dos prejuízos em
decorrência das indenizações pelos acidentes de trabalho. Como bem ensina
ARMANDO DE OLIVEIRA ASSIS141, “Chegados a esse ponto, bastava um pequeno
passo a mais para tornar esse seguro obrigatório, objetivando a consecução daquilo
que era a preocupação maior dos homens de Estado: oferecer aos trabalhadores
uma garantia diante dos imprevistos da vida profissional.”.
141 Compendio de seguro social. p. 49-50.
81
Com o auxilio dos movimentos sociais e dos ideais de OTTO VON
BISMARCK, em 15/06/1884, na Alemanha, foi promulgada uma lei que criava o
seguro obrigatório contra doenças e, em 06/11/1884, foi aprovada a lei que instituía
o seguro obrigatório contra acidentes do trabalho. Portanto, fora criado o seguro
doença, o de acidentes de trabalho e o de invalidez e velhice em 1889, os quais
reunidos formaram o “Código de Seguros Sociais” (1911). Esse modelo alemão foi
disseminado ao mundo inteiro: Noruega, Luxemburgo, Áustria, México (1917), Chile
(1925) e, em 1923, no Brasil com a famosa Lei Eloy Chaves.
Assim, o mundo foi tomado por um sistema de seguridade social, com uma
nova geração de direitos para o Homem (direitos sociais e econômicos; de 2ª
geração), os quais foram inseridos em todas as Constituições do pós-guerra. Essa
internacionalização também se deve à criação da Organização Internacional do
Trabalho (OIT), derivada do Tratado de Versalhes.
Nos EUA, Franklin Roosevelt instituiu a política do New Deal com a doutrina
do Welfare State (do Estado de bem-estar social) que consistia na criação de novos
empregos e uma rede de previdência e saúde públicas. Em 14/08/1935, o
Congresso norte-americano instituiu o “Social Security Act” que criou o auxílio-
desemprego para os trabalhadores que ficassem provisoriamente desempregados e
que também tinha por finalidade auxiliar os idosos.
Na Nova Zelândia, em 1938, instituiu-se a lei de proteção para toda a
população, de forma a implantar um seguro social.
E, a Carta do Atlântico, em 14/08/1941, previa a previdência social como um
modo de viver livre do temor e da miséria.
Em 1941, na Inglaterra, através dos estudos de LORD BEVERIDGE, criou-se
o Plano Beveridge como um programa de prosperidade política e social que garantia
ao indivíduo determinados ingressos suficientes para ficar acobertado das
contingências sociais, tais como indigência e desemprego. Esse Plano tinha por
objetivos: 1) unificar os seguros sociais existentes; 2) estabelecer o princípio da
universalidade para que a proteção se estendesse a todos os cidadãos; 3) igualdade
de proteção; 4) tríplice forma de custeio, com predominância do custeio estatal. Esse
plano tinha por princípios fundamentais a horizontabilidade das taxas de benefícios
de subsistência, horizontabilidade das taxas de contribuição, unificação da
82
responsabilidade administrativa, adequação dos benefícios, racionalização e
classificação. Graças a esse plano, o governo inglês, em 1946, implantou uma
reforma em seu sistema de proteção social.
Em 1944 foi aprovada a Declaração da Filadélfia que recomendava a todas as
nações a adoção de programas específicos para a seguridade social. E, em 1948, a
Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu artigo 22, estabelecia que:
“toda pessoa, enquanto membro da sociedade, tem direito à seguridade social,
fundada em obter a satisfação dos direitos econômicos, sociais e culturais
indispensáveis a sua dignidade e ao livre desenvolvimento de sua personalidade,
graças ao esforço nacional e à cooperação internacional, levando em conta a
organização e os recursos de cada país.”.
Em 26 de junho de 1952, sob as influências da Declaração, surgiu a
Convenção n.º 102 da OIT relativa às normas mínimas de seguridade social, a qual
ficou conhecida como Norma Mínima e que cuidava das prestações de assistência
médica, proteção aos desempregados, contra os riscos de doença, velhice,
invalidez, morte, acidentes do trabalho e doenças profissionais, prestações de
família e maternidade. Além de outras Convenções que a OIT criou.
Na maior parte dos países do mundo foram criados programas de seguridade
social.
1.2 No Brasil
O primeiro registro que se tem notícia no Brasil sobre seguridade social é de
1795 com o “Plano de Beneficência dos Órfãos e Viúvas dos Oficiais da Marinha”.
Logo após teve o Decreto 1/10/1821 de Dom Pedro de Alcântara, o qual
assegurava aposentadoria aos mestres e professores após 30 anos de serviço e,
também, abono de ¼ dos ganhos aos que se mantivesse em atividade.
Posteriormente, na Constituição Imperial de 1824, no artigo 179, XXI, havia a
garantia de socorros públicos, todavia, para esse dispositivo faltava o requisito da
exigibilidade.
A primeira entidade privada que funcionou num sistema típico de mutualismo
foi o Montepio Geral dos Servidores do Estado (Mongeral) em 22 de junho de 1835.
83
Em 1850, o Código Comercial previa no artigo 79 que “os acidentes
imprevistos e inculpados que impedirem aos prepostos o exercício de suas funções
não interromperão o vencimento de seu salário, contanto que a inabilitação não
exceda três meses contínuos.”.
E o Regulamento nº 737 de 1850 assegurava aos empregados acidentados
no trabalho os salários por, no máximo, três meses. Já o Decreto nº 2.711/1860
regulamentou o financiamento de montepios e sociedades de socorros mútuos. E,
também os Decretos 9.912/1888 (que concedia aposentadoria aos empregados dos
Correios) e 3.397/1888 (que criou a Caixa de Socorro para os trabalhadores das
estradas de ferro do Estado).
Há, ainda, que se apontar outros documentos importantes como o Decreto
9.212/1889 (que estatuiu o montepio obrigatório para os empregados dos Correios);
o Decreto 10.269/1889 (que estabeleceu um fundo especial de pensões para os
trabalhadores das Oficinas de Imprensa Régia); o Decreto 221/1890 (que
estabeleceu aposentadoria para os empregados da Estrada de Ferro Central do
Brasil); e o Decreto 565/1890 (que estendeu o benefício da aposentadoria para
todos os empregados das estradas de ferro gerais da República).
A Constituição de 1891 foi a primeira a mencionar a aposentadoria para os
funcionários públicos em caso de invalidez. A Lei nº 217/1892 previa a
aposentadoria por invalidez e a pensão por morte dos operários do Arsenal da
Marinha do Rio de Janeiro.
Até então tais benefícios eram financiados pelo Estado sem qualquer
pagamento de contribuição por parte do beneficiário.
O primeiro comando normativo que instituiu o sistema da previdência social
no Brasil é a Lei Eloy Chaves (Decreto nº 4.682/1923), a qual instituiu as Caixas de
Aposentadorias e Pensões (Caps) para os ferroviários e os benefícios de
aposentadoria por invalidez, ordinária (equivalente à aposentadoria por tempo de
serviço), pensão por morte e assistência médica. Contudo, em 1930, o sistema
previdenciário deixou de ser estruturado por empresa, passando a compor
categorias profissionais e, assim, surgiram os IAPs (Institutos de Aposentadorias e
Pensões): cada categoria profissional passava a ter um fundo próprio. Nesse
contexto surge a tríplice contribuição: do empregado (incidia sobre folha de
84
pagamentos), do empregador e do Estado (por meio de taxa cobrada dos artigos
importados). Deve-se ressaltar que além dos benefícios de aposentadorias e
pensões, os institutos prestavam serviços de saúde, internação hospitalar e
atendimento ambulatorial.
Na data de 29/06/1933, criou-se o Instituto de Aposentadorias e Pensões dos
Marítimos (IAPM), o qual serviu de modelo para a criação de outros institutos
estruturados, também, por categorias profissionais.
A Constituição Federal de 1934 tornou obrigatória a contribuição social, tendo
ela forma tríplice de custeio: Estado, empregado e empregador. É o primeiro
Diploma Constitucional que menciona a expressão “previdência”, todavia, sem
qualificá-la como “social”.
Já a Constituição de 1937 foi um retrocesso em matéria de previdência. Mas,
a Constituição de 1946 traz a idéia de “previdência social” e seu artigo 157, XVI,
consagrou a “previdência, mediante contribuição da União, do empregador e do
empregado, em favor da maternidade e contra as conseqüências da doença, da
velhice, da invalidez e da morte”. E, no inciso XVII, “a obrigatoriedade da instituição
de seguro pelo empregador contra os acidentes do trabalho”.
Os IAPs atendiam os trabalhadores urbanos e o IPASE, os funcionários
públicos. E o Decreto 32.667/53 facultou a filiação de profissionais liberais como
segurados autônomos.
Em 1940 ocorreu a uniformização e unificação das políticas legislativas sobre
previdência social com a expedição do Regulamento Geral dos Institutos de
Aposentadorias e Pensões. A Lei Orgânica de Previdência Social (LOPS) – Lei n.º
3.807/60 – padronizou o sistema assistencial e ampliou os benefícios, tais como
auxílio-natalidade, auxílio-funeral e auxílio-reclusão e ainda estendeu a área de
assistência social a outras categorias profissionais. Foi a LOPS que concedeu
unidade ao sistema de previdência social, de forma a estabelecer um único plano de
benefícios, bem como elevar o teto de salário-de-contribuição de três para cinco
salários mínimos.
Instituiu-se a contagem recíproca para efeitos de aposentadoria (Lei n.º
3.841/60), o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural – Funrural (Lei n.º
4.214/63), o salário-família (Lei n.º 4.266/63), o abono anual (Lei n.º 4.281/63), a
85
regra da contrapartida (Emenda Constitucional n.º 11/65) e o Fundacentro (Lei n.º
5.161/66).
Com o Decreto-lei n.º 72/66, os institutos de aposentadorias e pensões foram
unificados, centralizando-se a organização previdenciária no Instituto Nacional de
Previdência Social (INPS), o qual foi implantado em 02/01/67.
A Constituição de 1967 não inova nada em relação à anterior em matéria
previdenciária, nem mesmo a Emenda Constitucional 1/69.
Contudo, é com o Decreto n.º 77.077/76 que se unificou definitivamente a
legislação previdenciária com a edição da “Consolidação das Leis Previdenciárias”.
Antes da promulgação da Constituição Federal de 1988, expediu-se uma
série de comandos normativos que instituía benefícios, o Ministério da Previdência e
Assistência Social (Lei n.º 6.025/74) e o SIMPAS (Lei n.º 6.439/77) que é o Sistema
Nacional de Previdência Social, cujo objetivo era a reorganização da previdência
social, de forma que tinha por função integrar as atividades da previdência social,
assistência médica, assistência social e gestão administrativa, financeira e
patrimonial entre as entidades ligadas ao Ministério da Previdência e Assistência
Social.
Com o advento da Constituição Federal de 1988, ficou consagrada a
diversidade da base de financiamento sobre a receita do sistema de seguridade
social, de forma que se fala num modelo tripartite de custeio: empregadores,
trabalhadores e Poder Público. Os trabalhadores mantiveram a tradicional
contribuição sobre seus ganhos e os empregadores passaram a contribuir com base
em três grandezas: folha de salário, faturamento e lucro. O Poder Público custeia de
forma indireta, posto que financia toda a seguridade social através dos recursos
advindos da tributação.
Dessa forma fica bastante nítida a diferença entre os termos seguridade
social e previdência social: a seguridade social é mais abrangente e é composta por
saúde, assistência social e previdência social. Já a previdência social é um sistema
de seguro social dos trabalhadores filiados e inscritos para a cobertura de riscos e
contingências como invalidez, morte, doença, reclusão, maternidade e velhice.
Nesse contexto, surgiu o INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social) para os
trabalhadores sob o regime da Consolidação das Leis do Trabalho e os órgãos
86
públicos para os servidores públicos, tal como o IPESP (Instituto de Previdência do
Estado de São Paulo).
Nesse sistema de Seguridade Social da Constituição Federal de 1988,
unificou-se a Previdência Social Urbana e Previdência Social Rural (PRO-RURAL),
de modo que o PRO-RURAL fora extinto, por conseqüência, extinguiu-se a
contribuição ao INCRA de natureza previdenciária que a ele era devida.
Os benefícios previdenciários que atualmente podem ser gozados pelos
trabalhadores filiados e inscritos no RGPS encontram-se regulados pela Lei n.º
8.212/1991.
CARLOS ALBERTO PEREIRA DE CASTRO e JOÃO BATISTA LAZZARI142
explicam que: “A Lei que regula o Regime Geral de Previdência Social é composta
por normas de direito público, que estabelecem direitos e obrigações entre os
indivíduos potencialmente beneficiários do regime e o Estado, gestor da Previdência
Social. Dessa maneira, impõe-se discriminar exaustivamente as obrigações que o
ente previdenciário tem para com os segurados e seus dependentes. A estas
obrigações, de dar ou de fazer, conseqüentemente, correspondem prestações, a
que chamamos prestações previdenciárias.”.
2. Análise semiótica da seguridade social e seus princípios informadores
A análise do signo seguridade social se faz necessária num trabalho sobre
previdência social, posto que é preciso esclarecer a relação existente entre eles,
inclusive, para que não mais sejam tratados como palavras com relação de
sinonímia; isto é, para que não sejam utilizadas como sinônimos. Aliás, até para
dirimir a ambigüidade que vicia ambos os termos.
Como se verá a seguir, o signo seguridade social é gênero do qual
previdência social é espécie, logo tudo o que se refere ao signo seguridade social
aplica-se, também à previdência social.
2.1. Sintática
A sintática da Seguridade Social inicia-se com o Texto Constitucional de
1988, partindo do Preâmbulo, perpassando pelos direitos e garantias fundamentais
individuais, direitos sociais, sistema tributário, especialmente seus princípios e,
142 Manual de direito previdenciário. p. 453.
87
enfim, atingir os artigos 194 e 195 constantes do Título VIII “Da Ordem Social” e no
Capítulo II – “Da Seguridade Social”, abaixo transcritos:
“Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa
dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à
saúde, à previdência e à assistência social.
Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade
social, com base nos seguintes objetivos:
I - universalidade da cobertura e do atendimento;
II - uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais;
III - seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços;
IV - irredutibilidade do valor dos benefícios;
V - eqüidade na forma de participação no custeio;
VI - diversidade da base de financiamento;
VII - caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão
quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e
do Governo nos órgãos colegiados. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de
1998).”
“Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e
indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União,
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes
sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer
título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; (Incluído
pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
b) a receita ou o faturamento; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
c) o lucro; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
II - do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo
contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência
social de que trata o art. 201; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
III - sobre a receita de concursos de prognósticos.
88
IV - do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar.
(Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
§ 1º - As receitas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios destinadas à
seguridade social constarão dos respectivos orçamentos, não integrando o orçamento da
União.
§ 2º - A proposta de orçamento da seguridade social será elaborada de forma integrada
pelos órgãos responsáveis pela saúde, previdência social e assistência social, tendo em
vista as metas e prioridades estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias, assegurada
a cada área a gestão de seus recursos.
§ 3º - A pessoa jurídica em débito com o sistema da seguridade social, como
estabelecido em lei, não poderá contratar com o Poder Público nem dele receber
benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios.
§ 4º - A lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão
da seguridade social, obedecido o disposto no art. 154, I.
§ 5º - Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou
estendido sem a correspondente fonte de custeio total.
§ 6º - As contribuições sociais de que trata este artigo só poderão ser exigidas após
decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou
modificado, não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III, "b".
§ 7º - São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de
assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei.
§ 8º O produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais e o pescador artesanal, bem
como os respectivos cônjuges, que exerçam suas atividades em regime de economia
familiar, sem empregados permanentes, contribuirão para a seguridade social mediante a
aplicação de uma alíquota sobre o resultado da comercialização da produção e farão jus
aos benefícios nos termos da lei. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de
1998)
§ 9º As contribuições sociais previstas no inciso I do caput deste artigo poderão ter
alíquotas ou bases de cálculo diferenciadas, em razão da atividade econômica, da
utilização intensiva de mão-de-obra, do porte da empresa ou da condição estrutural do
mercado de trabalho. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005)
§ 10. A lei definirá os critérios de transferência de recursos para o sistema único de
saúde e ações de assistência social da União para os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios, e dos Estados para os Municípios, observada a respectiva contrapartida de
recursos. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
89
§ 11. É vedada a concessão de remissão ou anistia das contribuições sociais de que
tratam os incisos I, a, e II deste artigo, para débitos em montante superior ao fixado em
lei complementar. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
§ 12. A lei definirá os setores de atividade econômica para os quais as contribuições
incidentes na forma dos incisos I, b; e IV do caput, serão não-cumulativas. (Incluído pela
Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
§ 13. Aplica-se o disposto no § 12 inclusive na hipótese de substituição gradual, total ou
parcial, da contribuição incidente na forma do inciso I, a, pela incidente sobre a receita ou
o faturamento.”
Da análise sintática desses dois artigos, é possível extrair que a seguridade
social é composta por três elementos: saúde (art. 196), assistência social (art. 203) e
previdência social (art. 201) e que deverá ser promovida pela Administração Pública
juntamente com todas as pessoas da coletividade de forma direta ou indireta através
do repasse de verbas do orçamento geral das entidades políticas (União, Estados e
Municípios) e da tributação por meio de contribuições sociais, as quais possuem
suas respectivas modalidades previstas no art. 195.
Dito de outra forma, além do repasse exigido das entidades políticas, o
produto da arrecadação das contribuições sociais é destinado ao financiamento da
seguridade social, isto é, tais contribuições somente são instituídas com uma única
finalidade: custear a seguridade social.
A Seguridade Social deverá “funcionar” visando 07 (sete) metas: I)
universalidade da cobertura e do atendimento; II) uniformidade e equivalência dos
benefícios e serviços às populações urbanas e rurais; III) seletividade e
distributividade na prestação dos benefícios e serviços; IV) irredutibilidade do valor
dos benefícios; V) eqüidade na forma de participação no custeio; VI) diversidade da
base de financiamento; VII) caráter democrático e descentralizado da administração,
mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos
empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados.
O professor ANNIBAL FERNANDES143 explica que: “Na Constituição de 1988
a Seguridade Social tem a seguinte estrutura: (...) cria um sistema denominado
seguridade social, composto das seguintes partes: Previdência Social, reformulada e
143 Guia dos aflitos da nova previdência. p. 59.
90
ampliada; assistência social (para inválidos, indigentes etc); saúde (a assistência
médica preventiva e reparadora será absolutamente gratuita)”.
Assim, seus 03 (três) pilares são:
- Saúde:
“Art. 196. A saúde é um direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas
sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao
acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e
recuperação.”
- Assistência Social:
“Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente
de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;
II - o amparo às crianças e adolescentes carentes;
III - a promoção da integração ao mercado de trabalho;
IV - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de
sua integração à vida comunitária;
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de
deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria
manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.”.
- Previdência Social:
“Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter
contributivo e de filiação obrigatória, observados os critérios que preservem o equilíbrio
financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei a:
I - cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada;
II - proteção à maternidade, especialmente à gestante;
III - proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário;
91
IV - salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda;
V - pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e
dependentes.”.
Se a sintática da Seguridade Social é definida a partir desses dispositivos, as
regras infraconstitucionais para serem consideradas válidas devem conter vínculo de
subordinação com tais dispositivos.
2.2. Semântica
A seguridade social está atrelada com o conceito de Estado de bem-estar
social (Welfare State), o qual significa que o Estado deverá ser gerido na busca do
bem-comum de toda coletividade, tal como disposto no Preâmbulo do Texto
Constitucional de 1988.
Isso significa que a seguridade social denota muito mais do que se pode
imaginar, principalmente nos dias atuais em que se preza mais elementos para o
conforto da coletividade.
A definição apresentada pelos professores MARCUS ORIONE GONÇALVES
CORREIA e ÉRICA PAULA BARCHA CORREIA144, demonstra essa afirmação. Para
eles: “em face da sociedade atual, destarte, pode-se, hoje, afirmar que o conceito de
seguridade social equivalente à Previdência Social (destinada, apenas, à prestação
dos chamados seguros sociais) está ultrapassado, cedendo lugar a uma noção
assistencial, que supera todas as deficiências contidas na estrutura da Previdência
Social, inclusive o mecanismo clássico do seguro privado”. Portanto, segundo JOSE
MANUEL ALMANSA PASTOR145, a seguridade social passa a ser concebida “como
instrumento protector, que garantiza el bienestar material, moral y espiritual de todos
los indivíduos de la población, aboliendo todo estado de necesidad social en que
éstos puedan encontrarse. O bien como sistema estatal normativo, orgânico e
institucional, que permite a todos los ciudadanos mantenerse establemente libres de
toda necesidad.”.
144 Curso de direito da seguridade social. p. 16. 145 Derecho de la seguridad social p. 60.
92
Também não se pode perder de vista as definições clássicas de seguridade
social, as quais muito auxiliam numa construção moderna do significado de
“seguridade social”.
WILLIAM BEVERIDGE146 a definiu como “el conjunto de medidas adoptadas
por el Estado para proteger a los ciudadanos contra aquellos riesgos de concreción
individual que jamás dejarán de presentarse, por óptima que sea la situación de
conjunto de la sociedad en que vivan.”.
MANUEL ALONSO OLEA e JOSE LUIS TORTUERO147 definem a seguridade
social como: “conjunto integrado de medidas públicas de ordenación de un sistema
de solidaridad para la prevención y remédio de riesgos personales mediante
prestaciones individualizadas y economicamente evaluables, agregando la idea de
que tendencialmente tales medidas se encaminan hacia la protección general de
todos los residentes contra las situaciones de necesidad, garantizando un nível
mínimo de rentas.”.
De forma mais clara, JOSE MANUEL ALMANSA PASTOR148 explica que: “em
esta encrucijada de ataques y defensas en que se halla la naturaleza humana se
situa la seguridad social, cuya finalidad última consiste en la satisfacción de las
necesidades sociales.”. Esse mesmo autor ainda esclarece que: “por necesidad se
entiende, en un primer sentido vulgar e impreciso, la falta de las cosas que son
menester para la conservación de la vida. En un sentido más preciso y técnico, los
economistas suelen considerarla como carencia o escasez de un bien unida al
deseo de su satisfacción”. E, também que: “el calificativo social, de otra parte,
completa la expresión indicando que la carencia o escasez de los bienes puede
incidir en un doble sentido: sobre el individuo, en tanto que miembro del cuerpo
social, y sobre la totalidad o parte de la colectividad social.”.
E, ainda MIGUEL HORVATH JÚNIOR149, apontando o modelo puro de
seguridade social idealizado por BEVERIDGE, constrói o seguinte conceito: “A
Seguridade Social é um sistema em que o Estado garante a ‘libertação da
necessidade’. O Estado fica obrigado a garantir que nenhum de seus cidadãos fique
146 Full employment in a free society, Londres, 1944, p. 11 apud Manuel Alonso Olea e José Luis Tortuero Plaza in Instituciones de Seguridad Social. p. 19. 147 Ibid., p. 38. 148 Ibid., p. 30. 149 Previdência social em face da globalização. p. 44-45.
93
sem ter satisfeitas suas necessidades mínimas. Não se trata apenas da necessidade
do Estado fornecer prestações econômicas aos cidadãos, mas também, do
fornecimento de meios para que o indivíduo consiga suplantar as adversidades, quer
seja prestando assistência social ou por meio da prestação de assistência sanitária.
Tudo isso independente da contribuição do beneficiário. Todas as receitas do
sistema sairão do orçamento geral do Estado, ou seja, são direitos garantidos pelo
simples exercício da cidadania.”.
Com os dizeres de todos esses doutrinadores, pode-se concluir que a
seguridade social denota uma atividade interventiva do Estado na proteção da
‘Ordem Social’ no sentido de proporcionar as necessidades básicas para toda a
coletividade, tais como saúde, educação, lazer e previdência social, para que todos,
independentemente de idade, raça, sexo ou deficiências genéticas, tenham uma
vida digna.
O professor WAGNER BALERA150 é bastante pontual:
“Na ordem social, o trabalho humano – revestido desse valor que lhe é ínsito – não
pode ficar sujeito a nenhuma forma de exploração. Considerando, pois, essa posição
primacial do trabalho, o Código Supremo de nossa pátria coloca como objetivo da Ordem
Social o bem-estar e a justiça. Como participe do esforço nacional, espera o trabalhador
alcançar satisfação e bem-estar para si e para os seus. E, consociada com o bem-estar,
encontra-se esse valor superior a que todos aspiram: a justiça social. Só o bem-estar e a
justiça sociais traduzem, na vida do homem, essas condições de dignidade a que se
refere o texto da Declaração Universal, que nosso País subscreveu. Num tal contexto
irrompe a seguridade social como a entidade que possui a severa responsabilidade de
garantir a todos quantos exercem com dignidade o trabalho que lhes incumbe um mínimo
de bem-estar, nas situações que geram necessidades.”.
A seguridade social, portanto, conota um conjunto de ações em prol da
coletividade, ações essas divididas em torno de três aspectos elementares: (i)
saúde; (ii) assistência social; e, (iii) previdência social.
A saúde, conforme ensinamentos de FÁBIO ZAMBITTE IBRAHIM151, “é
garantida mediante políticas sociais e econômicas, visando à redução do risco de
150 A seguridade social na Constituição de 1988. p. 32. 151 Curso de direito previdenciário. p. 07.
94
doença e de outros agravos, com o acesso universal e igualitário às ações e aos
serviços necessários para sua promoção, proteção e recuperação. As condições
para a implantação de tais ações da saúde, além de sua organização e seu
funcionamento, são objeto de regulamentação pela Lei n.º 8.080/90.”.
Já a assistência social, conforme esse mesmo autor152, “tem por objetivos a
proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; o amparo
às crianças e adolescentes carentes; a promoção da integração ao mercado de
trabalho; a habilitação e a reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a
promoção de sua integração à vida comunitária e a garantia de 1 (um) salário
mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que
comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família (art. 2º da Lei nº 8.742/93)”. Para CELSO BARROSO LEITE153,
“Assistência social traduz sobretudo prestações em natureza, por vezes desligadas
da idéia de contribuição ou pelo menos de uma correlação precisa entre a
contribuição e o direito à assistência.”.
A saúde está relacionada com as providências atinentes ao saneamento
básico da população sadia (tais como limpeza de bueiros e ruas e as medidas contra
o mosquito da dengue) e também aos atendimentos médicos das pessoas que
sofrem de algum mal (esses atendimentos devem abarcar serviços de médicos
profissionais e de laboratórios).
Assistência social é um termo que pode representar um leque de
possibilidades; ou seja, se protege família, mães, crianças, adolescentes, deficientes
e velhos, deve abarcar lazer, educação, cultura, programas de inclusão social, de
incentivo à terceira idade, de apoio à mulheres grávidas, programas de combate à
fome e à miséria e campanha do agasalho.
Já a previdência social é um seguro coletivo que visa assegurar aos seus
filiados (obrigatórios e facultativos) o mínimo vital consagrado pela Constituição
Federal nos riscos e contingências sociais referentes à doença, velhice, acidente do
trabalho, invalidez, desemprego, reclusão e maternidade.
152 Ibid., . p. 11. 153 Op. cit. p. 18.
95
Dentro do contexto semântico da seguridade social como um conjunto de
ações do Estado na busca do bem-estar geral de todas as pessoas
independentemente de sexo, cor, raça, padrão social e doença, atinentes a
atendimento hospitalar e laboratorial, ações preventivas de doenças, políticas
educativas e culturais e programas sociais, é oportuno analisar os princípios que
norteiam todas essas atividades quando de suas respectivas realizações:
- Universalidade da Cobertura e do Atendimento: consiste na proteção de todos os
indivíduos integrantes da sociedade, desde que atendidos os requisitos legais,
diante de uma situação de necessidade social decorrente de risco ou contingência
social. O sistema de seguridade social deverá atender a todos indistintamente e o
sistema de previdência social deverá tentar abarcar ao máximo o número de
segurados.
- Uniformidade e Equivalência dos Benefícios e Serviços às Populações Urbanas e
Rurais: consiste numa política de proteção social indistinta entre os trabalhadores
urbanos e rurais. Conforme lições do professor WAGNER BALERA154, “A
uniformidade significa identidade. Existirão prestações idênticas para toda a
população, independentemente do local onde residam ou trabalhem as pessoas.
Equivalente quer dizer ‘de igual valor’. Significa, pois, que os benefícios não serão
distintos entre as populações protegidas.”.
- Seletividade e Distributividade na Prestação dos Benefícios e Serviços: A
seletividade consiste na escolha e seleção pelo legislador de riscos e contingências
sociais a serem protegidos e, são eles: doença, velhice, invalidez, morte,
desemprego, maternidade, acidente do trabalho, reclusão e baixa-renda. Já a
distributividade consiste na criação de requisitos legais para ter acesso aos
benefícios sociais e, assim, cada vez mais atingir um número maior de pessoas a
serem seguradas.
- Irredutibilidade do valor dos Benefícios: Essa irredutibilidade possui um aspecto
dual: a irredutibilidade nominal e, a irredutibilidade real do valor do benefício. A
irredutibilidade nominal refere-se tanto à concessão do benefício, como ao seu
respectivo reajustamento. E consiste na obrigatoriedade de incorporação dos
ganhos habituais do trabalhador no cálculo do benefício previdenciário, bem como
154 A seguridade social na Constituição de 1988. p. 37.
96
na regra do artigo 201, § 2º, da CF que dispõe que nenhum benefício terá valor
inferior ao salário mínimo. Já a irredutibilidade real consiste em manter o poder real
de compra do segurado, de maneira a proteger o benefício dos efeitos da inflação.
- Equidade na forma de participação do custeio: consiste na aplicação dos valores
de justiça e igualdade para todos os contribuintes de contribuições sociais,
consoante o princípio tributário da capacidade contributiva expresso no artigo 145, §
1.º, da CF.
- Diversidade da Base de Financiamento: consiste em diversas bases para o
financiamento do sistema securitário, segundo disposição do artigo 145, caput, e
incisos I, II, III e IV da CF: por toda a sociedade de forma direta e indireta, mediante
os recursos das pessoas políticas e, com o produto das contribuições sociais pagas
pelos empregadores, trabalhadores e demais segurados da previdência social,
importador de bens ou serviços e das receitas de concursos prognósticos. E, ainda,
há que se ressaltar a possibilidade da utilização de um mecanismo de emergência
para manutenção e expansão da seguridade social disposta no artigo 195, § 4.º, da
CF.
- Caráter Democrático e Descentralizado da Gestão do Sistema: A democracia na
gestão consiste, segundo MIGUEL HORVATH JÚNIOR155, “na efetiva participação
dos trabalhadores, empregadores, aposentados e também do Governo na
administração dos assuntos relativos à seguridade social, de maneira equivalente,
ou seja, a composição dos órgãos deve se dar de forma igual entre todos os
membros”. E, a descentralização da gestão, segundo esse mesmo autor, significa:
“proporcionar o atendimento das necessidades básicas dos indivíduos relacionadas
com a saúde, previdência social e assistência social.”.
Regra da Contrapartida: Há que se ressaltar, também, além dos princípios da
seguridade social, uma importante regra: o artigo 195, § 5º da CF: “Nenhum
benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido
sem a correspondente fonte de custeio total”. Essa regra foi denominada pelo
professor WAGNER BALERA156 como “regra da contrapartida”. Esse professor
acrescenta que: “essa norma limita o agir do legislador ordinário, vedando a
imposição de ainda maiores ônus ao sistema mediante criação, majoração ou
155 Direito previdenciário. p. 85-86. 156 Sistema de seguridade social. p. 40.
97
extensão de benefícios ou serviços. Só com a concomitante previsão da fonte de
custeio é que se pode cogitar de novas prestações.”.
Solidariedade: Esse é o princípio mais importante da seguridade social e deve ser
analisado de forma mais detalhada, inclusive em decorrência do intenso dialogismo
que comporta em diversos ramos da sociedade; isto é, em cada um dos ramos
(moral, religião, política, economia e direito, por exemplo) a solidariedade será
abordada de maneiras diversas, ocorrendo muitas acepções que se relacionam
entre si.
Em linhas gerais, consiste na ajuda mútua entre todos os membros da
coletividade. NICOLA ABBAGNANO157 define “solidariedade” como um “termo de
origem jurídica que, na linguagem comum e filosófica, significa: 1º inter-relação ou
interdependência ; 2º assistência recíproca entre os membros de um mesmo grupo.”.
O professor MICHAEL A. LIVINGSTON158 menciona que: “‘solidariedade’ na
Europa (França, solidarietè; Itália, solidarietà) diz respeito à tributação progressiva
ou ‘segundo a capacidade contributiva’ como um dentre os deveres que os
indivíduos têm uns em relação aos outros em sociedade e, portanto, como parte vital
da estrutura social como um todo mais do que uma regra tributária isolada” e na
América do Norte os estudiosos também têm encontrado argumentos para relacionar
a solidariedade com a progressividade (posto que tradicionalmente, os norte-
americanos relacionam a solidariedade com o socialismo).
MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO159 explica que: “Na sociedade
existe a necessidade da cooperação e apoio mútuo. Nela, como o esforço de todos
beneficia a cada um, todos devem auxiliar-se ou socorrer-se uns aos outros. Tal
auxílio ou socorro é evidentemente tão mais imperativo quanto mais grave a
necessidade por que passa o semelhante. Poder-se-ia dizer que esse fundamento é,
numa palavra, a solidariedade entre os homens.”.
Como bem assevera o professor RICARDO LOBO TORRES160, “a
solidariedade não traz conteúdos materiais específicos, podendo ser visualizada ao
mesmo tempo como valor ético e jurídico, absolutamente abstrato, e como princípio
157 Dicionário de filosofia. p. 918. 158 “Progressividade e Solidarietà: uma perspectiva Norte-americana” in Solidariedade social e tributação, p. 190. 159 Direitos humanos fundamentais. p. 51. 160 “Existe um princípio estrutural da solidariedade?” in Solidariedade social e tributação. p. 198-199.
98
positivado ou não nas Constituições. É sobretudo uma obrigação moral ou um dever
jurídico.”.
Esse professor aponta a solidariedade como um valor constante da
sociedade. Tal afirmação é ratificada por CLAUDIO SACCHETO161 no seguinte
trecho: “A solidariedade antes de ser um dever/direito é um valor (...)”. E, não há
dúvidas que se trata de um valor, o qual foi perseguido durante a Idade Média, mais
precisamente na Revolução Francesa. LEON BOURGEOIS, um dos filósofos
expoentes dessa época, em sua obra “Solidaritè”, explica a solidariedade como
sinônimo de fraternidade e elabora a teoria da solidariedade natural dos seres.
Para esse filósofo162, a solidariedade se consubstancia com a coordenação
de esforços individuais (ações individuais) e é condição de desenvolvimento
indispensável à vida como um meio de libertação. E, ainda163, que a solidariedade
conduz a uma teoria de direitos e deveres do Homem dentro da sociedade.
ANDRÉ-JEAN ARNAUD compara a solidariedade social com os quase-
contratos previstos no Código Civil Francês164 e explica que165: “devemos pensar a
solidariedade social como uma combinação de quase-contratos, quer a entendamos
como uma comunidade indivisível, quer como gestão do negócio de todos por uns
poucos, ou como recepção inconsciente de coisa indevida (dívida social).
LÉON DUGUIT166 explica que “a solidariedade social é que constitui os liames
que mantém os homens unidos”. Esse estudioso também explica que167:
“O homem vive em sociedade e só pode assim viver, a sociedade mantém-se
apenas pela solidariedade que une seus indivíduos. Assim uma regra de conduta impõe-
se ao homem social pelas próprias contingências contextuais, e esta regra pode formular-
se do seguinte modo: não praticar nada que possa atentar contra a solidariedade social
sob qualquer das suas formas e, a par com isso, realizar toda atividade propícia e
desenvolvê-la organicamente. (...) A regra de direito é social pelo seu fundamento, no
sentido de que só existe porque os homens vivem em sociedade. (...) O homem em
sociedade tem direitos ; mas esses direitos não são prerrogativas pela sua qualidade de
161 “O dever de solidariedade no Direito Tributário: o Ordenamento Italiano” in Solidariedade social e tributação. p. 12. 162 Solidaritè. p. 63. 163 Ibid., . p. 131. 164 Art. 1371: “Os quase-contrato são os fatos puramente voluntários do homem, dos quais resulta um compromisso qualquer com terceiros,e, algumas vezes, um compromisso recíproco de duas partes”. 165 O direito traído pela filosofia. p. 59. 166 Fundamentos do direito. p. 22. 167 Ibid.,. p. 25-27.
99
homem; são poderes que lhe pertencem porque, sendo homem social, tem obrigações a
cumprir e precisa ter o poder de cumpri-las. (...) existe uma regra de direito que obriga
cada homem a desempenhar determinado papel social, é que cada homem goza de
direitos – direitos que têm assim, por princípio e limites, o desempenho a que estão
sujeitos.”.
Corroborando com tais raciocínios, o grande sociólogo, ÉMILE DURKHEIM168
explica que: “a solidariedade social, porém, é um fenômeno totalmente moral, que,
por si, não se presta à observação exata, nem, sobretudo, à medida.”.
E, ainda MOACYR VELLOSO CARDOSO DE OLIVEIRA169 que traz um
conceito cristão para a solidariedade: “é a determinação firme e perseverante de se
empenhar pelo bem comum, ou seja, pelo bem de todos e de cada um, porque todos
nós somos verdadeiramente responsáveis por todos.”.
De todos esses trechos verifica-se que o termo “solidariedade” é amplo
demais, posto que sua idéia principal é uma ajuda ampla e irrestrita dos homens em
relação aos outros. Dessa forma, é preciso delimitar o que realmente significa a
solidariedade dentro do ordenamento jurídico, portanto, é necessário falar numa
solidariedade jurídica.
MIGUEL HORVATH170 separa, de acordo com o fundamento ou fonte, a
solidariedade ética ou moral da solidariedade jurídica e, ainda, diz que essa última é
estabelecida pela norma jurídica com aplicação compulsória.
A “solidariedade social jurídica” é uma norma constitucional que estabelece o
dever jurídico (compulsório) de todas as pessoas integrantes da sociedade de
prestar assistência uns aos outros e, ao mesmo tempo, o direito subjetivo de todas
as pessoas receberem assistência de outrem, respeitados os demais dispositivos
constitucionais.
Essa solidariedade jurídica acaba sendo compulsória mesmo, ora pelo
pagamento de impostos e contribuições sociais gerais, ora pelo pagamento de
contribuições previdenciárias.
Como bem assevera o professor WAGNER BALERA171, “As prestações de
previdência social dependem de contribuições (art. 201, caput, da Constituição);
168 Da divisão do trabalho social. p. 31. 169 A doutrina social ao alcance de todos. p. 87. 170 Direito previdenciário. p. 67.
100
enquanto que as prestações de saúde e de assistência social serão devidas a quem
delas necessitar”.
Vale destacar, nesse momento, que a solidariedade social jurídica subdivide-
se em: (i) solidariedade dos impostos; (ii) solidariedade das contribuições sociais
genéricas (COFINS, CSLL, PIS, PASEP); e, (iii) solidariedade das contribuições
previdenciárias.
A solidariedade dos impostos, segundo a classificação do professor MIGUEL
HORVATH JUNIOR172, é a indireta (com grupo indeterminado de pessoas),
interpessoal (se dá entre pessoas individualmente consideradas) e total (quando
engloba todos os valores das partes vinculadas).
Já a solidariedade das contribuições sociais genéricas é indireta (grupo
indeterminado de pessoas), intergrupal (se dá entre grupos) e parcial (quando
abarca apenas valores concretos e determinados).
E a solidariedade das contribuições previdenciárias é uma autêntica
solidariedade de grupo: direta (quando as partes sabem quem participa do grupo);
intergrupal (se dá entre grupos) e parcial (quando abarca valores concretos e
determinados).
Nesse sentido, o professor SACHA CALMON NAVARRO COELHO173 diz que:
“A solidariedade, frise-se, expressa-se na capacidade contributiva, na pessoalidade,
na progressividade e até na proporcionalidade. São as bases éticas (axiologia
jurídica) que informam o sistema dos impostos. (...) “As contribuições verdadeiras, as
sinalagmáticas, são referidas ao valor retributividade.”.
A leitura do Texto Constitucional, em diversas passagens, traz a idéia de
solidariedade social dentro do sistema do Direito. Pode-se verificar em seu
Preâmbulo, inclusive, a menção a uma “sociedade fraterna” (fraternidade, na
acepção bíblica, é sinônimo de solidariedade social). O artigo 3º, I da CF coloca
como um dos principais objetivos fundamentais da RFB a construção de uma
“sociedade livre, justa e solidária” e também há que se mencionar o caput do art. 195
que consagra a solidariedade social ao dispor que toda a sociedade, direta ou
indiretamente, deverá financiar a seguridade social. 171 Noções preliminares de direito previdenciário. p. 119. 172 Ibid., . p. 35-36. 173 Contribuições no direito brasileiro: seus problemas e soluções. p. 33
101
Em termos efetivos e operativos, a solidariedade está expressa no caput do
art. 195 da CF quando este prescreve que a seguridade social será financiada por
toda a sociedade de forma direta e indireta mediante orçamento da União, Estados,
Distrito Federal, Municípios e exigência de contribuições sociais e também no art. 11
da Lei 8.212/91 (Emenda Constitucional nº 20/1998). Assim, a seguridade social é
custeada pelo orçamento do Estado (impostos), pelas contribuições sociais cobradas
de todas as pessoas da sociedade e ainda poderá haver instituição de outras fontes
(contribuições sociais residuais), se necessário.
A demarcação precisa dessa solidariedade social baseia-se em seus limites,
ou seja, nos comandos constitucionais concernentes aos princípios fundamentais,
direitos e garantias fundamentais, demarcação das competências tributárias, bem
como nas limitações ao poder de tributar.
Portanto, o princípio da solidariedade que deve ser obedecido quando do
financiamento da seguridade social, não é o da solidariedade como valor bíblico,
mas, sim, de uma solidariedade jurídica que observa os limites constitucionais
impostos, tais como direito de propriedade, segurança, liberdade, princípio da
capacidade contributiva, da livre iniciativa, do não-confisco e as normas de
competência dos entes federados.
Assim, tais princípios estão atrelados com o significado da seguridade social,
posto que eles denotam o alcance das ações sociais; isto é, prescrevem como,
quando e quanto de seguridade social deve haver na Ordem Social de forma a
buscar a equalização entre direitos e garantias fundamentais individuais e direitos e
garantias fundamentais sociais. Portanto, eles procuram nortear a realização de
ações sociais de forma que sempre haja um espaço entre o âmbito individual e o
âmbito social.
Dessa forma, tem-se com esses princípios o instrumental que realiza a
medida de intervenção do Estado na Ordem Social. Essa intervenção, como já dito,
se manifesta através de ações em prol da sociedade quanto à saúde, assistência
social e previdência social; ou seja, através da seguridade social.
Portanto, a noção de seguridade social nos dias de hoje é muito mais ampla
do que se imagina, posto que pode abarcar todas as necessidades sociais
102
decorrentes de saúde, alimentação, educação, cultura, moradia, vestuário, lazer e
inclusão social.
Nesse mesmo raciocínio, MOZART VICTOR RUSSOMANO174 afirma que: “A
seguridade social tem uma área de incidência muito mais ampla e muito mais
profunda que aquela tradicionalmente reservada à Previdência Social (...) A
Seguridade Social vai além: visa proteger todos os cidadãos que, por suas
condições econômicas ou físicas, careçam de proteção e amparo”.
Corroborando, CELSO BARROSO LEITE175: “a seguridade social deve ser
entendida e conceituada como o conjunto das medidas com as quais o Estado,
agente da sociedade, procura atender à necessidade que o ser humano tem de
segurança na adversidade, de tranqüilidade quanto ao dia de amanhã.”.
Logo, as normas de seguridade social infraconstitucionais irão viger quando
essa intervenção estatal subsumir-se à idéia de ação social em prol de toda a
coletividade de forma a não interferir em direitos e garantias constitucionais
individuais.
2.3. Pragmática
Conclui-se, então, que a seguridade social busca o Estado Social de Direito,
ou seja, todas as iniciativas em prol da sociedade servem para operacionalizar os
objetivos do Estado Social de Direito estampados no texto do Preâmbulo constante
da Carta Magna: a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a
igualdade e a justiça.
Esse Estado Social de Direito está consagrado pelo Texto Constitucional de
1988 e significa uma mudança do papel do Estado nas demandas sociais. A Carta
Magna propõe um Estado que intervém na ordem social, buscando ações e
mecanismos que possibilitem o surgimento de uma sociedade mais solidária e justa.
Como bem explica o professor MARCO AURÉLIO GRECO176, “(...) enquanto no
século XVIII era um Estado espectador, passou, no século XX a ser um Estado
preocupado com as demandas sociais”.
Esse professor ainda acrescenta que:
174 Curso de previdência social. p. 55. 175 “Conceito de seguridade social” in Curso de Direito Previdenciário: Homenagem a Moacyr Velloso Cardoso de Oliveira. p. 17. 176 Contribuições: uma figura sui generis . p. 36-37.
103
“(...) a relação entre indivíduo e Estado também mudou, na medida em que ela (na
minha maneira de ver), não é mais uma relação de pura proteção contra o Estado. A
relação é, fundamentalmente, de participação, de atuação positiva de cada um na
construção do Direito e no exercício do poder. Não somos meros espectadores como se
fossemos distanciados de algo que ocorre em plano distinto daquele em que nos
encontramos. Entre indivíduo e Estado não há um “nós” e “eles”, mas sim um “todos”,
pois o Estado nada mais é do que uma criação do próprio Homem, que atua mediante
condutas humanas por agentes em cuja escolha e de cujo controle todos participamos,
direta ou indiretamente. As palavras-chave do mundo atual são “participação no” e
“controle sobre” o exercício do poder e não mais uma atitude de busca de “proteção
contra”, como se existissem lados opostos (sustentar a existência de lados opostos é
retornar à idéia de opostos! E à lógica bivalente!). Se, no plano prático, por vezes podem
ocorrer momentos em que há um distanciamento e uma oposição, creio que devemos
trabalhar para que o contexto de oposição seja superado por um contexto de convívio e
participação”.
Quando as normas de seguridade social incidem na busca dos objetivos do
Estado Social, ela será considerada eficiente. Todavia, quando seu destinatário usá-
la de forma a desvirtuar esses fins, elas serão logicamente ineficazes.
Deve-se ressaltar neste trabalho, que não se pretende fugir da realidade dos
fatos no sistema securitário brasileiro, principalmente em termos pragmáticos; isto é,
as normas de seguridade social ainda estão muito presas no papel, o que significa
que em termos sintáticos e semânticos foram realizados muitos estudos, todavia, até
hoje muito pouco se aplicou de todos esses estudos.
Ainda não há eficiência o suficiente nas normas de seguridade social, posto
que suas respectivas aplicações estão subordinadas à interpretação de cada um dos
seus destinatários; ou seja, as normas de seguridade social estão a mercê dos
ideais e valores de cada um dos membros da sociedade, seja do destinatário
cidadão que pode obedecer ou não o enunciado prescritivo, seja do destinatário
julgador que deve aplicar a norma para as partes litigantes e seja do destinatário
político que deve proporcionar programas para atingir os fins das normas de
seguridade social.
É exatamente neste ponto que identificamos um problema sério com a
linguagem jurídica: a sociedade se tornou mais complexa e contingente, tanto que
demanda muito mais proteção do que os direitos sociais podem proporcionar. Isso
104
significa que, em termos pragmáticos, o direito é um texto estanque que continua
dialogando com a sociedade que promulgou a Constituição Federal há 21 (vinte e
um) anos atrás e não atualizou seus institutos para a sociedade que existe hoje.
Nesse sentido, EDUARDO NOVOA MONREAL177 defende que:
“a lei permanente, classe a que pertence, como explicamos, a imensa maioria das
leis, é expedida como norma obrigatória que perdurará enquanto o mesmo legislador, por
novo ato de vontade, não na derrogue ou modifique. Mas, com isso, o mandato
imperativo que nela se contém, originado pelos fatos e circunstâncias que o legislador
conhece e pondera no momento da elaboração da lei, isto é, quando a vai promulgar, se
prolonga indefinidamente no tempo, de um modo inalterável. Publicada a lei, seu
conteúdo obrigatório fica como que cristalizado ou fixado, sem qualquer alteração para
um futuro sem termo, salvo o que provier de outra declaração legislativa. Poderíamos
dizer que se assemelha a uma flecha que fere retilineamente o espaço temporal, sem
desvio em sua direção (direção a representar seu conteúdo), malgrado o transcurso do
tempo. Se a vida social fosse imutável, nada teríamos que objetar.”.
Demonstrando as sensíveis mudanças no panorama social, as quais ensejam
proteção, o professor MIGUEL HORVATH JÚNIOR178 explica que: “Mundialmente a
Seguridade Social, especificamente o ramo da previdência social, passa por
reformas de replanejamento, em decorrência de uma série de fatores, como: falta de
recursos, ineficiência administrativa e ingerência política, o que muitas vezes
inviabiliza qualquer tipo de estrutura. Aliada a esta conjuntura soma-se a
configuração econômica global que, forçosamente implica em mudança na produção
de bens e capital, acarretando instabilidade de emprego, baixos salários, além do
aspecto específico referente à seguridade social, como o aumento da expectativa de
vida, diminuição da taxa de mortalidade infantil e diminuição da taxa de natalidade.
Porém, as alterações econômicas refletem-se na esfera jurídica atingindo os
cidadãos de todos os Estados-parte do bloco econômico, posto que afetará a
circulação de bens, pessoas que provocaram a necessidade de adaptação das
ordens jurídicas em face das normas comunitárias”.
É por causa dessa defasagem na linguagem jurídica em relação à moderna
realidade social que estudiosos como ALESSANDRA GOTTI BONTEMPO179
177 O direito como obstáculo à transformação social. p. 28. 178 Previdência social em face da globalização. p. 51. 179 Direitos sociais:. Eficácia e Acionabilidade à luz da Constituição Federal de 1988. p. 192-193.
105
preocupam-se com a eficácia das normas constitucionais atinentes aos direitos
sociais.
As normas atinentes ao sistema securitário somente terão aplicabilidade
segundo seus princípios já explicitados; ou seja, serão eficientes, quando a
linguagem jurídica começar a transportar as necessidades atuais da sociedade para
dentro de si e, urge que isso aconteça, posto que os direitos sociais são direitos
fundamentais.
A seguridade social é imprescindível para o desenvolvimento de uma
sociedade. Como a sociedade é extremamente heterogênea, cada um de seus
membros possui uma necessidade diferente e é justamente para suprir essas
necessidades que existe a seguridade social. Ela surge, portanto, para atender as
necessidades de toda a coletividade e, assim, tornar digna a existência de cada uma
das pessoas, isto é, para defender o mínimo existencial protegido pelo direito
constitucional positivo.
Tais assertivas são chanceladas por PIERRE MOREAU180 ao dizer que: “O
escopo primordial da Seguridade Social é dar às pessoas e às famílias a
tranqüilidade de saber que o nível e a qualidade de suas vidas não sofrerão, dentro
do possível, redução significativa por força de alguma contingência social ou
econômica. Isso não pressupõe apenas atender às necessidades que surjam, mas
também prevenir riscos e ajudar as pessoas e as famílias a se adaptarem da melhor
maneira possível quando tiverem de enfrentar incapacidades ou dificuldades não
prevenidas a tempo.”.
Em suma, a seguridade social é extremamente importante para a
coletividade, todavia, sua eficácia está atrelada a um direito positivo que ainda
dialoga com a sociedade de 1988!
Essa problemática estende-se para todos os elementos da seguridade social
– saúde, assistência social e previdência social.
Portanto, como a partir do próximo tópico passar-se-á a analisar somente a
previdência social, era necessário analisar anteriormente a seguridade social como
um todo para que o leitor se contextualize bem com todo esse panorama para
melhor entender a previdência social, bem como perceber que não se tratam de
180 O financiamento da seguridade social na União Européia e no Brasil. p. 231.
106
palavras sinônimas; ou seja, seguridade social e previdência social não significam a
mesma coisa. São termos bem delimitados, mas que apresentam uma autêntica
interdiscursividade.
Essa diferença entre seguridade social e previdência social parece mero
detalhe, todavia, o professor TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JÚNIOR181 aponta para o
seguinte problema: se a Constituição prevê que todos contribuam e a universalidade
de cobertura, como fica a noção de grupo? E finaliza dizendo que mesmo que um
grupo seja diretamente beneficiado, o sentido desse benefício é erga omnes.
Se se entende a seguridade social como o conjunto de ações de todos
indistintamente (órgãos públicos e sociedade) atinentes à saúde, assistência e
previdência social, então a seguridade social promove um benefício erga omnes,
agora se a previdência é apenas uma das vertentes dessa seguridade e, adianta-se,
trata-se de um sistema de seguro social no qual os seus segurados (inscritos e
dependentes) pagam contribuições para receber um benefício específico de volta,
então os benefícios serão apenas concedidos ao grupo de segurados. Logo, há
benefícios erga omnes no sistema da Seguridade Social e benefícios para um grupo
na Previdência Social.
Deve-se esclarecer, também, que se a previdência social é um dos elementos
da seguridade social, que se trata de um conjunto maior, todos os princípios acima
explicitados devem ser aplicados também à previdência social, por motivos lógicos.
Logo, da estrutura semiótica da Seguridade Social se depreende a estrutura
semiótica da previdência social.
3. Análise semiótica da previdência social e seus princípios particulares
3.1. Sintática
A sintática da previdência social depreende-se, portanto, do dialogismo entre
todos os seus princípios do Texto Constitucional de 1988 expressos e implícitos
constantes desde o Preâmbulo, passando pela Seguridade Social e alcançando os
artigos mais específicos, tal como o art. 201:
181 “Constituição Federal: contribuição ou contribuições?” in Direito Constitucional: Liberdade de fumar. Privacidade. Estado. Direitos Humanos e outros temas. p. 306-307.
107
“Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter
contributivo e de filiação obrigatória, observados os critérios que preservem o equilíbrio
financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei a:
I - cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada;
II - proteção à maternidade, especialmente à gestante;
III - proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário;
IV - salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda;
V - pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e
dependentes.”
Há também as normas prescritivas das Leis n.ºs 8.212/91 e 8.213/91. A Lei
n.º 8.212/91 trata do plano de custeio da previdência social, já a Lei nº 8.213/91 trata
do plano de benefícios da previdência social.
Existem outros atos normativos concernentes à previdência social, todavia, os
já mencionados são os mais importantes, posto que prescrevem sobre os
segurados, filiação obrigatória e facultativa, benefícios, bem como sua forma de
financiamento (contribuições previdenciárias).
O art. 201 do Texto Constitucional de 1988 dita basicamente todos os
fundamentos do sistema previdenciário, e todas as regras infraconstitucionais que
defluem desse tema devem ser condizentes com o referido dispositivo, bem como
com todos os outros comandos constitucionais para serem consideradas válidas.
3.2. Semântica
A previdência social significa um seguro coletivo gerido por um determinado
órgão para um grupo determinado de pessoas, as quais contribuem mensalmente
para que em caso de incapacidade para o trabalho, desemprego involuntário,
velhice, doença, tempo de serviço, encargos familiares, prisão e morte, receba um
benefício para continuar a viver mantendo o mínimo existencial.
Essa previdência social poderá ser gerida pelo INSS, nesse caso reúne o
grupo dos trabalhadores empregados sob o regime da CLT e autônomos, além dos
facultativos. Ou poderá ser gerida por um órgão público, nesse caso reunirá os
servidores públicos estatutários, civis e militares. Desse fato já é possível inferir uma
das principais características da previdência social: apesar de ser um dever do
108
Estado Social, é administrada por um órgão paraestatal, daí se falar em
parafiscalidade.
Parafiscalidade é a delegação da capacidade tributária ativa a órgão
paraestatal. Quanto a essa parafiscalidade ALIOMAR BALEEIRO182 afirma que: “as
instituições que delas se beneficiem estão sujeitas ao controle do Tribunal de
Contas, porque ou são pessoas de direito público por sua natureza, funções e
origens, (...), ou são ‘responsáveis por dinheiros e outros bens públicos’, para
aplicação específica a fins públicos, e só estes.”.
Esclarece FÁBIO LOPES VILELA BERBEL183 que: “Essa espécie de seguro
pode se apresentar de vários modos. A forma social está adstrita aos elementos
presentes na relação jurídica, pois a caracterização desse tipo de previdência
encontra-se vinculada à existência, no corpo da relação, da obrigatoriedade,
tripartição de custeio, gestão pública e delimitação prévia dos sujeitos jurídicos
abstratos”.
Esse sistema de seguro coletivo consiste em concessão de prestações
previdenciárias, as quais se subdividem em benefícios (“obrigação de dar”) de
aposentadoria por tempo de serviço, aposentadoria por invalidez, aposentadoria por
idade, aposentadoria especial, auxílio-doença, auxílio-acidente, auxílio-reclusão,
salário-família, salário-maternidade e pensão por morte e, em serviços (“obrigação
de fazer”) de habilitação e reabilitação profissional e, também, de serviço social,
tendo em vista a arrecadação das contribuições previdenciárias.
Por ser gerida por um órgão paraestatal, a previdência social possui
orçamento separado da União consoante art. 2º, § 1º, da Lei n.° 11.457/07 (Lei da
Super-Receita). Aliás, o principal motivo pelo qual a previdência deve ter seu
orçamento separado dos demais é o fato das contribuições previdenciárias (que
serão melhor tratadas no próximo capítulo) estarem especialmente destinadas para
custear as prestações que o sistema previdenciário deve custear. Portanto, não faria
qualquer sentido que o produto da arrecadação dessas contribuições ficassem
diluídos no orçamento da União (a maior responsável pelas tredestinações).
182 Limitações constitucionais ao poder de tributar. p. 590. 183 Teoria geral da previdência social. p. 130.
109
Nesse sentido, afirma o professor HAMILTON DIAS DE SOUZA184 que: “O
contribuinte tem o direito de só contribuir na medida em que a exação pretendida
esteja em conformidade com o desenho normativo traçado pela Constituição. Se a
cobrança não é efetuada pelo órgão próprio da seguridade social, mas pela União,
distorce-se o conceito da exação, mesmo porque perde-se a certeza de que os
recursos serão inteiramente alocados à atividade em causa.”.
De qualquer forma, mesmo sendo gerida por um órgão paraestatal com
orçamento próprio, não se pode perder de vista que a previdência social é uma das
características do Estado Social previsto no Preâmbulo da CF/88 e, portanto, uma
das vertentes da seguridade social, isso significa que todos os princípios constantes
do Diploma Constitucional (gerais e específicos da seguridade social) devem ser
observados pelo órgão parafiscal quando da gerência do orçamento da previdência
social.
Nesse sentido, o professor MARCO AURÉLIO GRECO185 explica que a figura
parafiscal deve ser controlada com a sua submissão obrigatória a certas restrições;
isto é, de forma a manter “o reconhecimento e prestigio à qualificação das
finalidades, mas impondo um controle normativo, disciplinando sua edição.
Controlou-se mediante submissão a um conjunto normativo que fosse considerado
politicamente suficiente e adequado para tanto.”.
Deve-se também atentar especificamente para os seguintes princípios:
Princípio da Obrigatoriedade da Filiação: consiste na necessidade de filiação ao
seguro social dos indivíduos que desenvolvem relação de trabalho. Trata-se de
cálculo atuarial e do caráter cogente da relação jurídica previdenciária.
Princípio da Unicidade: consiste ao direito do segurado em apenas um benefício que
substitua sua remuneração, afinal, a relação jurídica tem caráter intuitu personae.
Mesmo que haja atividades concomitantes num mesmo regime de previdência, o
benefício sempre será único, não podendo haver cumulação, salvo em casos de
direito adquirido.
184 “Contribuições para a seguridade social” in Caderno de Pesquisas Tributárias, Resenha Tributária v. 17. p. 131. 185 Contribuições (uma figura “sui generis”). p. 61.
110
Princípio da Compreensibilidade: consiste na proteção plena de todas as situações
de necessidade social e não apenas aquelas situações tipificadas. Seus limites
encontram-se na capacidade econômica do Estado.
Princípio da Automaticidade das Prestações: consiste na obrigatoriedade da
concessão do benefício a todos os segurados trabalhadores, bem como a seus
dependentes quando cumpridos todos os requisitos, mesmo que não haja a
comprovação do pagamento das contribuições mensais. O sentido para tal princípio
é apontado por MIGUEL HORVATH JÚNIOR186: “O direito subjetivo do segurado
empregado e trabalhador avulso não pode ser obstado em virtude de falta de
cumprimento da obrigação principal de custeio (pagamento das contribuições
previdenciárias) do empregador ou do responsável pelo recolhimento das
contribuições previdenciárias.”.
Princípio da Imprescritibilidade do Direito ao Benefício: consiste no direito ao
benefício previdenciário, mesmo que ele não seja exercitado; isto é, após o
cumprimento de todos os requisitos legais para a concessão de um dado benefício
previdenciário, o seu não exercício não extingue o direito à percepção de prestação
previdenciária pelo segurado.
Princípio da Expansividade Social: consiste no dever do sistema previdenciário em
garantir o acesso do maior número possível de pessoas como segurados, quer como
obrigatórios, quer como facultativos. É um corolário do princípio da universalidade na
cobertura e no atendimento e é de sensível importância para o sistema geral da
previdência social, posto que ele viabiliza a proteção social dos trabalhadores
informais.
Princípio in dubio pro operario: Tal princípio nem sempre será aplicado, posto que
sua aplicação por vezes poderá afetar a fonte de custeio ou receita do sistema de
previdência social, na medida em que pode gerar prejuízos expressivos. Além de
violar sensivelmente o princípio da solidariedade. Portanto, referido princípio deverá
ser bastante ponderado ao ser aplicado.
Princípio da Solidariedade do Grupo: somente as pessoas pertencentes ao regime
geral da Previdência Social são solidárias umas com as outras, quer dizer, o
pagamento de contribuições previdenciárias pelo inscrito no RGPS facultativa ou
186 Direito previdenciário. p. 69.
111
obrigatoriamente poderá ser utilizado por ele se incidir em algum dos infortúnios
previstos na Lei n.° 8.213/91 ou, se ele nem chegar receber de volta pelo que pagou,
suas contribuições serão revertidas em favor de um outro contribuinte, o qual poderá
não ter pago o mesmo número de contribuições que ele (caso da pensão por morte,
em que o cônjuge supérstite recebe a pensão somente pelo fato do falecido ter sido
inscrito no RGPS).
O professor SACHA CALMON NAVARRO COELHO187, a respeito da
solidariedade de grupo, ensina que: “Certos fins dizem respeito a grupamentos
sociais e somente a eles, podendo o grupo ser imenso, como o dos aposentados e
pensionistas, ou restrito, como o dos corretores de imóveis, exportadores de café,
etc. Nesses casos, surge a figura da “contribuição” que certos grupos devem pagar
para que o Estado ou entes paraestatais realizem, com espeque no princípio da
retributividade, em prol deles, determinadas tarefas (atuações estatais) que
satisfaçam as suas necessidades, ocasionando maiores despesas...”.
Portanto, o princípio da solidariedade que informa o sistema previdenciário é
o princípio da solidariedade jurídica do grupo; ou seja, da ajuda mútua que os
membros de um grupo estão sujeitos uns em relação aos outros sem afrontar outros
princípios constitucionais que consagram direitos e garantias individuais, tais como
propriedade, livre iniciativa e capacidade contributiva.
A semântica da previdência social, portanto, baseia-se num seguro coletivo
com número determinável de pessoas filiadas, as quais estão sujeitas a uma
solidariedade em relação ao grupo para, na ocorrência de infortúnios de
necessidade social, tais como doença, prisão, velhice e invalidez, receber um
benefício ou um serviço para poder sobreviver dignamente.
Nessa esteira, MOACYR VELLOSO CARDOSO DE OLIVEIRA188 conceitua
previdência social da seguinte forma: “a organização criada pelo Estado, destinada a
prover as necessidades vitais de todos os que exercem atividade remunerada e de
seus dependentes, e, em alguns casos, de toda a população, nos eventos
previsíveis de suas vidas, por meio de um sistema de seguro obrigatório, de cuja
administração e custeio participam, em maior ou menor escala, o próprio Estado, os
segurados e as empresas.”.
187 Op. cit. p. 33-34. 188 Previdência social. p. 10.
112
As situações de necessidade social devem se subsumir à hipótese de
incidência previdenciária (regra-matriz de incidência do benefício ou serviço) para
que ocorra efetivamente a concessão de uma prestação pelo regime geral de
previdência social. Para tanto, a situação do trabalhador deve se subsumir à
hipótese de incidência tributária (regra-matriz de incidência das contribuições
previdenciárias) para financiar o sistema previdenciário através do pagamento de
contribuições previdenciárias.
Corroborando, os professores IVES GANDRA DA SILVA MARTINS e IVES
GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO189 apregoam que: “O exame, portanto, das
contribuições sociais de natureza previdenciária tem dupla vertente: os encargos que
elas visam a cobrir, denominados benefícios, e o valor e forma de recolhimento das
contribuições, denominadas fontes de custeio.”.
Portanto, o sentido da Previdência Social consubstancia-se na vigência de 02
(duas) normas jurídicas: a hipótese de incidência previdenciária e a hipótese de
incidência tributária. Sendo certo, então, o caráter retributivo desse sistema, isto é,
contribuir para receber uma prestação.
3.3. Pragmática
A pragmática da Previdência Social baseia-se principalmente no direito ao
mínimo existencial do trabalhador consagrado no art. 7º, IV, da CF/88, já que, como
já explicado, há uma intensa interdiscursividade entre todos os princípios
constitucionais expressos e implícitos da Carta Magna de 1988:
“Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à
melhoria de sua condição social:
(...)
IV – salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender as suas
necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação,
saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos
que lhe preservem o poder aquisitivo.
(...)”
189 Manual de contribuições especiais. p. 80.
113
A finalidade do regime previdenciário é socorrer o trabalhador (empregado ou
autônomo) de infortúnios que possam prejudicar sua produtividade e,
conseqüentemente, o seu mínimo existencial e também de seus dependentes; isto
é, como o inscrito na previdência social é um trabalhador, depende do fruto de seu
trabalho para financiar suas necessidades vitais básicas e também a de seus
dependentes (filhos, esposa, pai, mãe, etc).
Há, portanto, uma relação sinalagmática entre o trabalhador e o regime da
Previdência Social, ou seja, o trabalhador paga uma quantia para esse seguro
coletivo para receber em troca uma prestação num caso de doença, invalidez,
acidente de trabalho, velhice, prisão ou morte. Isso tudo para que, no caso ocorrer
um desses infortúnios que fatalmente irão prejudicar suas atividades laborativas,
haja o mínimo para seu sustento próprio e de sua família.
O professor RICARDO LOBO TORRES190 ensina que: “Sem o mínimo
necessário à existência cessa a possibilidade de sobrevivência do homem e
desaparecem as condições iniciais da liberdade. A dignidade humana e as
condições materiais da existência não podem retroceder aquém de um mínimo, do
qual nem os prisioneiros, doentes mentais e os indigentes podem ser privados.”.
Esse professor ainda explica191, quanto a esse assunto, que: “O mínimo
existencial não tem dicção constitucional própria. Deve-se procurá-lo na idéia de
liberdade, nos princípios constitucionais da dignidade humana, da igualdade, do
devido processo legal e da livre iniciativa, na Declaração dos Direitos Humanos e
nas imunidades e privilégios do cidadão. Só os direitos da pessoa humana, referidos
a sua existência em condições dignas, compõem o mínimo existencial.”.
A Previdência Social, portanto, funciona como um seguro social que protege o
trabalhador de um risco, ou seja, de um perigo potencial futuro e incerto. Isso quer
dizer que não é certeza que o trabalhador receberá de volta tudo o que contribuiu,
as situações eleitas a ensejar o benefício poderão não ocorrer com ele, todavia,
poderão ocorrer com outro trabalhador inscrito, o qual poderá aproveitar o produto
das contribuições pagas por aquele outro que não irá se beneficiar. É exatamente
esse o sentido da solidariedade do grupo inscrito na Previdência Social.
190 O direito ao mínimo existencial. p. 36. 191 Ibid., . p. 36.
114
Nos dizeres de ARMANDO DE OLIVEIRA ASSIS192 “é como um método de
economia coletiva” que deve conter os seguintes requisitos para produzir o resultado
almejado: “a) contar, obviamente, com a participação financeira de cada um e de
todos os interessados; b) pressupor a concordância, por parte de todos os
participantes, em sofrerem restrições ao seu livre arbítrio no que concerne à
utilização e movimentação do fundo comum realizado; c) eleger as causas
justificadoras das retiradas do fundo comum; e d) restringir sua função a indenizar ou
compensar os danos sofridos ou as necessidades experimentadas pelas pessoas
surpreendidas pelo infortúnio.”.
Percebe-se, então, que a Previdência Social possui um caráter puramente
social; afinal, todas as suas finalidades são voltadas para as necessidades sociais. É
um sistema que está integralmente afinado com os valores consagrados na
Constituição Federal de 1988.
Foi dito no início desse trabalho que o Texto Constitucional de 1988 foi
elaborado com bases sociais, consagrando valores como fraternidade, justiça,
igualdade, segurança, liberdade, desenvolvimento e bem-estar. O regime da
Previdência Social é a prova efetiva desse caráter da Constituição Federal, todavia,
como defendido até então, esse regime não consegue atender a todas as
necessidades da sociedade moderna.
É nesse ponto que se passa a afirmar que as normas infraconstitucionais da
Previdência Social não estão atingindo seus objetivos; isto é, não são eficazes e
eficientes, posto que o sentido de sua finalidade acabou sendo distorcido.
Atualmente, é possível observar feições tipicamente arrecadatórias nos
órgãos parafiscais. Esse caráter puramente arrecadatório se consubstancia na
cobrança de contribuições previdenciárias dos servidores inativos (art. 4º, parágrafo
único, I, da EC n.° 41/2003) e na possibilidade do INSS recorrer na Justiça do
Trabalho de acordos firmados entre empregado e empregador para haver o
recolhimento de contribuição previdenciária sobre verbas indenizatórias (art. 831,
parágrafo único, da CLT).
192 Compêndio de seguro social. p. 14.
115
As contribuições previdenciárias cobradas dos servidores inativos, inclusive
declarada constitucional pelo STF193, como o próprio nome já diz, consiste em
compelir o servidor que não trabalha mais a pagar contribuição ao INSS. É
inconstitucional tal cobrança porque, antes de tudo, viola o princípio da
universalidade da cobertura e do atendimento (art. 194, parágrafo único, I, da CF) e
também a regra da contrapartida (art. 195, § 5.º, da CF), porque os inativos
contribuem sem ter nada em troca. Isso é imposto, travestido de “contribuição”!
A faculdade do INSS recorrer na Justiça do Trabalho para recolher
contribuição previdenciária sobre acordos firmados entre empregado e empregador
acerca de verbas indenizatórias também é outra distorção da pragmática da
Previdência Social, posto que o INSS simplesmente requer o recolhimento de uma
contribuição sobre a verba que ele entende ser de natureza salarial, todavia, não
houve reconhecimento do vínculo empregatício, logo esse valor que ele pretende
recolher não aproveitará ao trabalhador no futuro caso ele se encontre numa das
situações de risco protegidas pelo sistema da Previdência Social. Da forma como
tramitam esses recursos na Justiça do Trabalho, não há qualquer defesa ao tempo
de contribuição do trabalhador, somente há uma autêntica sanha arrecadatória do
INSS. Se o empregador for compelido a pagar essa contribuição, estará pagando
por um imposto também!194.
O principal argumento utilizado para continuar essa distorção pragmática é a
observância ao princípio da solidariedade. Faz-se mister, então, reiterar a explicação
de que o sistema previdenciário funciona como um contrato de seguro: paga-se para
no futuro, no caso ocorrer uma das situações elencadas, receber de volta em forma
de benefício ou serviço. Se não ocorrer a situação com determinado inscrito, poderá
ocorrer com outro, daí se alocar o que foi pago por um para cobrir a prestação de
outrem. Quer se dizer com isso que a solidariedade não é a causa do sistema
previdenciário, posto que ninguém se inscreve para contribuir para prestação de
outro inscrito – a relação entre o inscrito e a Previdência é sinalagmática – ambos
possuem direitos e deveres correlatos – logo, não se pode cogitar de solidariedade
num primeiro momento. 193 ADI n.°s 3.105 e 3.128 – O STF declarou constituci onal a cobrança da contribuição previdenciária e inconstitucional a faixa diferenciada para servidores da União, de 60%, enquanto que os servidores dos Estados, Municípios e Distrito Federal é de 50%, por violar o princípio da igualdade. 194 CARLOS ALBERTO PEREIRA DE CASTRO e JOÃO BATISTA LAZZARI apresentam posicionamento idêntico quanto a esse tema in Manual de direito previdenciário, p. 733.
116
A solidariedade é uma conseqüência dentro do sistema previdenciário. Ela
decorre da incerteza e da contingência da vida dos inscritos; ou seja, as situações
que podem ocorrer com um, podem não ocorrer com o outro e daí ocorrer a
solidariedade para socorrer ao inscrito que se encontra numa situação de
necessidade. Portanto, o inscrito contribui para a previdência social para obter
prestação para si, em caso de necessidade; se não houver essa situação de
necessidade ele concorda em alocar o produto de suas contribuições para outro que
precisa.
Nesse sentido, o professor SACHA CALMON NAVARRO COELHO195 dispõe
que: “Inútil argumentar com viés atuarial que o segurado não paga para si, mas para
a geração mais antiga e que será beneficiado pelas pagas das gerações mais novas
(sistema de repartição simples ou pacto de gerações). Isto é verdadeiro pelo ângulo
sociológico, não, porém, pelo ângulo jurídico. A contraprova é simples. Se o
segurado nada pagar, direito algum terá perante o INSS, pouco lhe adiantando o tal
“pacto de gerações”. Para fruir as atuações do Estado, em seu prol terá que
contribuir obrigatoriamente, ou seja, terá que pagar um tributo ao Estado ou a
instrumentalidade sua, dele.”.
Em suma, não pode o INSS intentar uma série de arrecadações pura e
simplesmente em nome da solidariedade. O fundamento do sistema não é esse! A
previdência social baseia-se na universalidade de cobertura e atendimento em
situações de risco social que poderão ocorrer com o trabalhador e não na
solidariedade.
Por outro giro e até para perceber o paradoxo desse sistema, nota-se que não
há compatibilidade com o quanto se contribui e o quanto se percebe a título de
prestação. A prova disso é que muitos aposentados e pensionistas são obrigados a
continuar trabalhando para ter uma renda compatível com o mínimo necessário. Isso
realmente não deveria ocorrer por se tratar, repita-se, de uma relação sinalagmática
entre o inscrito e o sistema previdenciário: as prestações deveriam ser proporcionais
com o valor pago a título de contribuição previdenciária.
Todos esses problemas, inclusive a distorção do princípio da solidariedade,
na verdade, traz um trágico pano de fundo: a atual situação que o país enfrenta no
195 Op. cit. p. 53-54.
117
tocante ao sistema previdenciário – cresce cada vez mais o fluxo de pagamento dos
benefícios previdenciários e diminuem os pagamentos de contribuições à
Previdência Social devido ao aumento da população idosa e dos riscos a que as
pessoas devem se sujeitar em suas atividades laborativas, crescimento da taxa de
desemprego e da informalidade, além, é claro, das sonegações de pagamento de
contribuições previdenciárias por parte dos empregadores.
PIERRE MOREAU196, nesse raciocínio, argumenta que: “As novas realidades,
os novos riscos oriundos destas transições econômicas, não encontram respaldo no
sistema de proteção social, que há tempos não está conseguindo suprir, de forma
plena, os problemas antigos, muito menos os novos desafios sociais. As inúmeras
discussões e críticas acerca da Seguridade Social, giram em torno, principalmente,
da forma de seu financiamento e sobre os prejuízos sociais e econômicos gerados
por seu elevado custo à sociedade.”.
Verifica-se, portanto, que, em termos pragmáticos, as normas constitucionais
e infraconstitucionais da Previdência Social não estão sendo eficazes o suficiente
para concretizar as finalidades do sistema.
Como se está argumentando por esse trabalho, a linguagem jurídica do direito
positivo há tempos não consegue acompanhar as necessidades modernas da
sociedade, todos esses problemas citados acima não estão em diálogo com a
linguagem do direito positivo. Daí a falta de eficiência que tanto se reclama do
sistema previdenciário.
O sistema constitucional previdenciário cultiva os termos plurissignificativos,
os quais foram reclamados por uma sociedade oprimida pelo governo militar no
passado e esquece-se que os tempos são outros e deixa cada vez mais estagnado
o ordenamento em relação a sua realidade social. E o que é pior, em nome de
termos vagos, é capaz de criar mecanismos inusitados que oneram mais seus
segurados, como é o caso da contribuição sobre os inativos.
A análise pragmática da Previdência Social permitiu verificar que a
significação desse sistema está completamente fora de sua moldura sintática.
196 Op. cit. p. 233.
118
Voltando para as lições de J.M. OTHON SIDOU197 acerca da natureza social
do tributo, uma das premissas deste trabalho, “Para fixar a natureza social do tributo,
é mister apreciar, antes do mais, as tendências e os anseios da coletividade
humana.”.
A Previdência Social é custeada pelas contribuições previdenciárias e por
percentual do orçamento geral derivado de outros tributos, conseqüentemente, para
que esse sistema funcione adequadamente, os tributos deverão sempre estar
cumprindo sua função social que significa dialogar sempre com as necessidades
atuais da coletividade.
Nunca se poderá perder de vista que os tributos não são figuras neutras, mas
sim, sustentáculos das atividades do Estado para promoção do bem-estar geral de
todos os membros da coletividade, de maneira que qualquer mudança a ser feita
para melhorar o sistema previdenciário é imprescindível que seja feita uma pesquisa
sobre as reais e atuais tendências da sociedade.
O sistema previdenciário clama por mudanças e há muito a ser feito para que
haja uma equalização adequada entre o princípio da universalidade de cobertura no
atendimento e o equilíbrio financeiro e atuarial sem criar aberrações jurídicas. E as
propostas de soluções serão apresentadas no tópico do modelo constitucional
teórico.
197 Op. cit. p. 02.
119
CAPÍTULO V
ANÁLISE SEMIÓTICA DAS CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS
Antes de adentrar no estudo semiótico das contribuições previdenciárias, é
preciso fazer algumas considerações acerca do conceito de tributo, bem como de
suas classificações dentro do sistema constitucional tributário.
Somente com essa digressão é que se poderá saber se as contribuições
previdenciárias tratam-se ou não de espécies tributárias autônomas e, assim,
estabelecer seu regime jurídico adequado, bem como suas características; ou seja,
de elaborar um modelo teórico de controle de validade, vigência e eficácia de suas
normas.
1. Do conceito de tributo
A Constituição Federal Brasileira promulgada em 1988, no que tange ao
Sistema Constitucional Tributário, prevê no artigo 145 a existência de 03 (três)
espécies tributárias que as entidades políticas competentes poderão instituir:
impostos, taxas e contribuições de melhoria. Todavia, veicula mais dois dispositivos
que prevêem outras espécies tributárias: os empréstimos compulsórios (artigo 148) e
as contribuições – sociais, corporativas e interventivas (artigo 149). Referidas
disposições provocam uma séria discussão doutrinária a respeito das classificações
das espécies tributárias.
Ressalte-se que a maior dificuldade para se realizar tais classificações está
relacionada, principalmente, com a elaboração de um conceito constitucional para o
vocábulo “tributo”.
O professor PAULO DE BARROS CARVALHO·, ao apontar 06 (seis)
significações utilizadas nos textos de direito positivo, lições de doutrina e
jurisprudência para o vocábulo “tributo”, demonstra como esse vocábulo pode ter
tantas acepções, que são: “(a) ‘tributo’ como quantia em dinheiro; (b) ‘tributo’ como
prestação correspondente ao dever jurídico do sujeito passivo; (c) ‘tributo’ como
direito subjetivo de que é titular o sujeito ativo; (d) ‘tributo’ como sinônimo de relação
jurídica tributária; (e) ‘tributo’ como norma jurídica tributária; (f) ‘tributo’ como norma,
fato e relação jurídica.”. No sistema jurídico, partindo-se do código lícito/ilícito, a
120
acepção norma jurídica é a mais adequada para o conceito de tributo. Nesse
sentido, GERALDO ATALIBA198 afirma que: “O conceito de tributo para o direito é
um conceito jurídico privativo, que se não pode confundir com o conceito financeiro,
ou econômico de outro objeto, de outros setores científicos, como é o tributo
ontologicamente considerado. Tributo, para o direito, é coisa diversa de tributo como
conceito de outras ciências.”.
C.M. GIULIANI FONROUGE199 conceitua tributo como uma “coerção por parte
do estado, já que é criado pela sua vontade soberana – com prescindência da
vontade individual – (...). Os tributos são prestações obrigatórias e não voluntárias.”.
Foi o doutrinador AMÉRICO MASSET LACOMBE200 quem encontrou uma
definição para tributo, baseando-se na estrutura dual da norma já exposta
anteriormente: “Tributo é norma jurídica geral, não autônoma, que estabelece uma
prestação pecuniária ao Estado, como resultante da ocorrência de um fato lícito,
concretizada por uma norma individual plenamente vinculada às previsões da norma
geral, da qual extrai o seu fundamento de validade.”.
A comprovação dessa definição é a existência do artigo 3º do Código
Tributário Nacional (uma norma jurídica): “tributo é toda prestação pecuniária
compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua
sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa
plenamente vinculada.”.
Esse conceito é perfeitamente aplicável às espécies tributárias contempladas
pelo Texto Constitucional, contudo a problemática inicia-se com a previsão do artigo
4º do CTN:
“A natureza jurídica específica do tributo é determinada pelo fato gerador da respectiva
obrigação, sendo irrelevantes para qualificá-la:
I – a denominação e demais características formais adotadas pela lei;
II – a destinação legal do produto da sua arrecadação.”.
198 Hipótese de incidência tributária. p. 23. 199 Conceitos de direito tributário. p. 20-21. 200 Contribuições profissionais. p. 19.
121
Sobre a denominação, explica o professor VALDIR DE OLIVEIRA ROCHA201
que:
“Melhor que o nome do instituto corresponda ao seu significado, de modo que se
tenha termo com significado de cuja convenção léxica ou estipulada todos os
endereçados participem imediatamente. Se ao nome não corresponde o instituto como
localizado no sistema jurídico, o regime jurídico que se lhe aplicará não será outro que
não o que lhe seja intrínseco, afastando-se o que lhe imporia se se deixasse levar
apenas por aspecto exterior. Nesse sentido, diz o CTN (art. 4º, I) que a denominação
adotada pela lei é irrelevante para qualificar a natureza jurídica específica do tributo;
trata-se de mais um exemplo de norma geral que tem a utilidade própria e limitada das
revelações didáticas. Mais amplamente, a denominação é irrelevante para qualificar a
natureza jurídica de qualquer instituto jurídico; enquanto desvinculada de significado dado
e aceito pelo ordenamento jurídico é simples palavra (sem sentido); ou com sentido que
resultará de uma definição estipulativa que lhe dará o aplicador ou o intérprete”.
Seguindo o raciocínio desse professor sobre a irrelevância da denominação e
das formas externas do tributo, é acertada a redação dada ao inciso I do art. 4º, não
havendo, portanto, qualquer divergência sobre esse aspecto do tributo. Contudo,
dispõe o inciso II sobre a irrelevância da destinação legal do produto da
arrecadação, disposição essa que contraria completamente a relação de
interdiscursividade das normas constitucionais, posto que, como já explicado, o
tributo não é uma figura neutra (afinal sempre terá uma destinação, sendo específica
ou não) e ainda há que se levar em conta as previsões constitucionais expressas do
artigo 149 sobre as destinações específicas.
Nessa esteira, o professor PAULO AYRES BARRETO202 ensina que: “é
preciso enfatizar a relevante alteração surgida em relação à possibilidade de se
determinar a natureza jurídica específica do tributo. Não há mais espaço para se
predicar a irrelevância da destinação legal do produto da arrecadação. Ao revés, a
vinculação do montante arrecadado a órgão, fundo ou despesa, em alguns casos,
passa a determinar a espécie tributária (...). Assim, o artigo 4º II, do Código
Tributário Nacional não foi recepcionado pela Constituição Federal em vigor.”.
201 Determinação do montante do tributo:Quantificação, Fixação e Avaliação. p. 89-91. 202 Op. Cit. p. 40-41.
122
Nesse mesmo raciocínio, PAULO ROBERTO LYRIO PIMENTA203 explica que:
“o disposto no art. 4º, II do CTN não se aplica às contribuições especiais, valendo
tão-somente para os tributos validados através da técnica causal, mormente porque
a norma geral de direito tributário desconhece a técnica finalista, partindo, desse
modo, de outro modelo. À época da elaboração da Lei 5.172/66 partiu-se de um
pressuposto: que a natureza jurídica dos tributos era definida pelo fato gerador,
sendo irrelevante o elemento finalidade. O mencionado dispositivo, portanto, não
vale para as contribuições especiais, aplicando-se apenas em relação às exações
previstas pelo CTN em seu art. 5º.”.
Esse professor se vale dos sábios ensinamentos de MARCO AURÉLIO
GRECO204 que difere os tributos com validação causal (impostos, taxas e
contribuições de melhoria) dos com validação finalística (imposto extraordinário de
guerra, empréstimos compulsórios, contribuições sociais, corporativas e
interventivas). Diz ele expressamente que: “(...) não se pode negar a existência do
dado jurídico positivo que são as previsões constitucionais explicitas, nas quais o
modelo finalista está previsto.”.
Para LUCIANO AMARO205 a destinação também não pode ser ignorada e,
afirma categoricamente que: “Se a destinação integra o regime jurídico da exação,
não se pode circunscrever a análise de sua natureza jurídica ao iter que se inicia
com a ocorrência do fato previsto na lei e termina com o pagamento do tributo (ou
com outra causa extintiva da obrigação), até porque isso levaria o direito tributário a
ensimesmar-se a tal ponto que negaria sua própria condição de ramo do direito que
supõe a integração sistemática ao ordenamento jurídico total.”.
O Texto Constitucional, como já explicado, é um corpo único de linguagem de
maneira que todos os seus dispositivos se entrelaçam e possuem entre si uma
relação de intratextualidade, ou melhor, intradiscursividade. Relação essa que deve
ser levada em conta no processo de interpretação de cada um dos dispositivos. O
tributo, mencionado expressamente somente a partir do artigo 145 – quando se
iniciam as prescrições do Sistema Constitucional Tributário – deve ser conjugado
com o Preâmbulo, com os princípios fundamentais e com os direitos e garantias
203 Contribuições de intervenção no domínio econômico. p. 18. 204 Contribuições (uma figura “sui generis”). p. 130. 205 Direito tributário brasileiro. p. 76.
123
fundamentais (individuais e sociais). É dessa forma que se pode apreender o
verdadeiro sentido do processo de tributação. O tributo não é uma quantia paga ao
Estado unilateralmente, pelo contrário, serve para garantir os ideais expressos no
próprio Preâmbulo da Constituição Federal e, por conseguinte, consagrar um Estado
Democrático. São os tributos, portanto, os instrumentos garantidores dos valores
consagrados no Texto Constitucional: “exercício dos direitos sociais e individuais, a
liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça”.
É diante de todo esse contexto que se afirma, logicamente, que os tributos
não são figuras neutras, eles são instituídos para atender finalidades, sejam elas
genéricas e indivisíveis (como no caso dos impostos), concretas e divisíveis (como
no caso das taxas, contribuições de melhoria, contribuições corporativas, CIDE e
contribuições previdenciárias) específicas indivisíveis (como no caso das
contribuições sociais genéricas e dos empréstimos compulsórios).
Nesse sentido, GERALDO ATALIBA206 define o tributo como um “instrumento
jurídico de abastecimento dos cofres públicos” e, explica que: “a finalidade última
almejada pela lei, no caso, é a transferência de dinheiro das pessoas privadas,
submetidas ao poder do estado, para os cofres públicos.”.
Esse autor sublinha bem a importância desses “dinheiros públicos” 207: “O
controle dos dinheiros públicos – seja na fase de arrecadação, de gestão ou de
dispêndio – é minuciosamente disciplinado seja pela Constituição, seja pela
legislação. São previstos atos controladores prévios, concomitantes e posteriores,
além de cabal prestação de contas, seja episódica, seja periódica, conforme as
circunstâncias do caso”.
No mesmo raciocínio, ARTHUR MARIA FERREIRA NETO208 explica que o
traço nuclear constitucional do tributo é “receita pública derivada” e explica que: “A
referência à receita pública derivada na estruturação do conceito constitucional de
tributo é necessária por dois motivos. Primeiro, por indicar que os valores recolhidos
mediante a cobrança das prestações tributárias deverão efetivamente representar
um ingresso nos cofres públicos. São, pois, receitas públicas em sentido lato.
Segundo por possibilitar a diferenciação dos ingressos de natureza tributária das
206 Hipótese de incidência tributária. p. 29. 207 República e Constituição. p. 79. 208 Natureza Jurídica das contribuições na constituição de 1988, p. 42-43.
124
receitas públicas originárias, cujos valores são extraídos exclusivamente da
exploração econômica do patrimônio da entidade estatal”.
Assim, se jaz na essência última dos tributos a finalidade de custear as
atividades do Estado, os elementos “destinação” e “restitutibilidade” são
extremamente relevantes para a construção das espécies tributárias.
Nessa esteira, quando a Constituição Federal refere-se à destinação das
contribuições e à restituibilidade dos empréstimos compulsórios, ela está delimitando
características peculiares dessas espécies tributárias atinentes à essência da
tributação: financiamento da atividade estatal. São essas características peculiares
que proporcionarão uma estrutura lingüística diferenciada para cada uma das
espécies tributárias.
Para consagrar esses elementos é que os estudiosos EURICO MARCOS
DINIZ DE SANTI e VANESSA RAHAL CANADO209 readaptaram o artigo 3º do CTN
e formularam o seguinte conceito para tributo: “Tributo é toda prestação pecuniária
compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua
sanção de ato ilícito, instituída em lei, cobrada e destinada mediante atividade
administrativa plenamente vinculada.”.
De qualquer forma, o conceito de tributo tem suas origens no texto da
Constituição Federal e toma como ponto de partida os ideais e princípios
consignados no referido texto. Dessa forma é possível afirmar que o tributo é um
instrumento utilizado pelo poder constituinte para a efetivação do Estado Social
Democrático; isto é, para a concretização dos valores apontados no Preâmbulo da
CF e, assim, para o financiamento dos princípios fundamentais e dos direitos e
garantias individuais e sociais.
Conseqüentemente, o Sistema Constitucional Tributário é entendido como um
conjunto harmônico de normas interdependentes presentes no Texto Constitucional,
as quais dispõem sobre as relações entre os entes tributantes e seus respectivos
contribuintes atinentes ao exercício da competência tributária, bem como dos direitos
e garantias individuais fundamentais (gerais e tributárias) dos contribuintes. É bem
essa a idéia que o mestre GERALDO ATALIBA210 expressa no seguinte trecho: “É,
209 “Direito Tributário e Direito Financeiro: Reconstruindo o conceito de tributo e resgatando o controle da destinação” in Contribuições para a seguridade social. p. 314. 210 Sistema constitucional tributário brasileiro. p. 10-11.
125
pois universal e necessária a presença de disposições que cuidem da matéria
tributária nas constituições modernas. O conjunto delas, harmonizado com certos
outros princípios constitucionais mais genéricos, forma o que se designa por
‘sistema constitucional tributário’, oferecendo quadro geral informador das atividades
tributárias, ao mesmo tempo que a colocação essencial das posições, demarcações
e limites dentro dos quais e segundo os quais se desenvolve a trama tributária.”.
Também nesse sentido, e, até para finalizar esse raciocínio acerca da
importância do estudo constitucional para o sistema da tributação, o professor JOSÉ
ARTUR LIMA GONÇALVES211 ensina que: “Princípios e normas constitucionais
informam substancialmente a matéria e devem nortear sua intelecção. É que só
assim estarão sendo prestigiados os princípios; e repita-se, o sentido, conteúdo e
alcance dos princípios constitucionais da legalidade, da igualdade, da anterioridade,
da capacidade contributiva, da indelegabilidade de funções, da segurança jurídica
etc. só podem, evidentemente, ser perquiridos a partir das normas constitucionais,
sistematicamente consideradas. Seria absurdo – não se pode admitir – que a
pesquisa do sentido e alcance dos princípios constitucionais pudesse ficar sujeita a
prescrições da legislação ordinária ou de atos administrativos. Tais princípios
fundamentais devem ser compreendidos a partir de sistema de normas igualmente
fundamentais, da Constituição Federal.”.
2. As classificações das espécies tributárias na doutrina brasileira
Sobre a classificação dos tributos, expressa muito bem sua importância o
professor ROQUE ANTONIO CARRAZZA212 ao dizer que: “No Brasil, pelo contrário,
é imperioso classificá-lo corretamente, até para constatarmos se não houve uma
invasão de competência, por parte da entidade tributante. É que, não raro, a pessoa
política que invade campo tributário alheio rotula o “tributo” assim criado com nomes
exóticos (preço, sobrepreço, tarifa, adicional, encargo financeiro etc). Daí a
importância de termos critérios científicos, que nos permitam verificar, com
acentuado grau de certeza, se estamos realmente diante de um tributo e de que tipo,
e se a pessoa política que o criou invadiu, ou não, esfera que a Constituição
reservou a outra entidade tributante.”.
211 Imposto sobre a renda: pressupostos constitucionais. p. 172-173. 212 Curso de direito constitucional tributário. p. 488 (nota de rodapé).
126
O professor ESTEVÃO HORVATH213 ensina que: “Uma classificação, em
qualquer ciência, significa a redução de algo a grupos que tenham as mesmas
características. A divisão será mais útil quando servir para explicar didaticamente, da
melhor maneira, o objeto daquela ciência. Qualquer classificação que se pretenda
jurídica há de tomar por base o direito positivo.”. E, corroborando os seus dizeres, o
professor JOSÉ EDUARDO SOARES DE MELLO214, sabiamente, explica que “As
classificações das normas tributárias devem tomar como ponto de partida a própria
Constituição Federal, mediante plena compatibilização vertical com os demais
preceitos espalhados no ordenamento jurídico.”.
Classificar é um ato decorrente da inteligência humana e consiste numa
operação lógica que divide em classes um dado número de objetos, consoante
critérios preestabelecidos. JOHN HOSPERS215, nesse sentido explica que: “(...)
classes are man-made in the sense that the act of classifying is the work of human
beings, depending on their interests and needs. We could quite validly have made
classifications quite different from those we did make by selecting from the infinite
reservoir of nature different groups of common characteristics (as bases for
classification) from those we did select.”.
Nessa esteira, o professor VALDIR DE OLIVEIRA ROCHA216 afirma que:
“Tanto quanto as definições, as classificações são instrumentos da metodização da
atividade jurídica. Com as classificações, que operam mediante divisões, apontam-
se características que permitem melhor distinguir os objetos com o escopo de
melhor identificá-los. (...) As classificações devem ser procedidas diante de um
critério eleito, segundo possa apresentar utilidade, com isso, não se incide no erro
metodológico de se ‘classificar’ objetos como quem simplesmente amontoa.”.
Dessa maneira, cada doutrinador escolhe o critério (ou critérios) que melhor
lhe aprouver para realizar sua classificação tributária e, assim, identificar duas, três,
quatro, cinco ou “n” espécies de tributos É o que aponta o professor LUCIANO
AMARO217 no seguinte trecho:
213 Lançamento tributário e autolançamento. p. 46. 214 Curso de direito tributário. p. 46. 215 An introduction to philosophical analysis. p. 21. 216 Op. cit. p. 35. 217 Op. cit. p. 66-67.
127
“O grande divisor de águas das classificações doutrinárias está em que alguns
autores escolhem uma única variável como elemento distintivo, enquanto outros optam
por utilizar mais de uma variável. É obvio que, adotada uma só variável (por exemplo, a
característica x), os tributos só poderão receber uma classificação bipartida, dado que a
pergunta sobre a existência de x em dado tributo só admite duas respostas: sim ou não.
Se a variável eleita for a característica y (diversa de x), cada conjunto terá um rol
diferente de figuras. Só haverá coincidência em relação às figuras que, cumulativamente,
apresentem as características x e y. (...). Os autores que se utilizam de mais de uma
variável para classificar os tributos (fato gerador, destinação, restituibilidade, etc), irão
logicamente, identificar três, quatro, n conjuntos conforme a maior ou menor
especificidade dos critérios analíticos que sejam eleitos. (...). A questão que deve ser
colocada está em saber se o critério eleito é suficiente para que se apreendam os
diferentes regimes jurídicos a que cada grupo de figuras está submetido pelo
ordenamento jurídico”.
ALFREDO AUGUSTO BECKER foi o representante da classificação bipartida
dos tributos, posto que reduziu todas as exigências tributárias em impostos ou taxas.
GERALDO ATALIBA, PAULO DE BARROS CARVALHO e ROQUE ANTONIO
CARRAZZA são representantes da classificação tripartida dos tributos, partindo-se
da classificação elaborada por GERALDO ATALIBA dos tributos em vinculados e
não vinculados a uma atuação estatal. Assim, encontraram-se os impostos (tributos
não vinculados a uma atuação estatal); as taxas (tributos vinculados a uma atividade
estatal) e as contribuições de melhoria (tributos vinculados a uma atuação estatal).
Eles analisam a consistência da hipótese de incidência e, desconsideram a
destinação específica para a sua verificabilidade, de maneira que as contribuições e
os empréstimos compulsórios, ao terem suas hipóteses normativas analisadas,
serão reduzidas a impostos ou taxas.
O professor PAULO DE BARROS CARVALHO considera, ainda, que a
hipótese normativa deve ser conjugada com a base de cálculo do tributo para
determinar sua espécie. E, portanto, essa corrente tripartida das espécies tributárias
consagra o que JOHN HOSPERS218 denominou de “classificação intrínseca”
(“classes are in nature in the sense that the common characteristics can be found in
nature, waiting (as it were) to be made the basis for a classification”), afinal, ela
somente leva em conta os aspectos internos da regra-matriz de incidência tributária
(h.i. e BC) e, por conseqüente, chancela os ditames do art. 4.º do CTN.
218 Op. cit. p. 21.
128
Dentre os adeptos da teoria tripartida, há os que acreditam que as
contribuições são espécies tributárias autônomas, como GERALDO ATALIBA,
AIRES BARRETO, RUBENS GOMES DE SOUSA e SUSY GOMES HOFFMANN e
outros que acreditam que as únicas contribuições verdadeiras são as de melhoria e
as demais poderão ser reduzidas a impostos ou taxas, como ROQUE ANTONIO
CARRAZZA, PAULO DE BARROS CARVALHO e AMÉRICO MASSET LACOMBE.
Há juristas como JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES, FÁBIO FANUCCHI,
LUCIANO AMARO e BERNARDO RIBEIRO DE MORAIS que encontram quatro
espécies tributárias, cada qual com uma divisão diferente. LUCIANO AMARO219, por
exemplo, apregoa que as quatro espécies tributárias são: impostos, taxas (de
serviço, de polícia, de utilização de via pública e de melhoria), contribuições (sociais,
econômicas e corporativas) e empréstimos compulsórios.
MARCIO SEVERO MARQUES220, tomando por base três critérios
diferenciadores: (a) previsão legal de vinculação entre a hipótese de incidência e a
atividade estatal; (b) previsão legal de destinação específica do produto da
arrecadação; e, (c) previsão legal de restituição do montante arrecadado ao
contribuinte, ao cabo de determinado período, elaborou a seguinte classificação
abaixo transcrita:
Tributos
Identificados
1º Critério : exigência
constitucional de
previsão legal de
vinculação entre a
materialidade do
antecedente
normativo e uma
atividade estatal
referida ao
contribuinte
2º Critério : exigência
constitucional de
previsão legal de
destinação específica
para o produto da
arrecadação
3º Critério : exigência
constitucional de
previsão legal de
restituição do
montante arrecadado
ao contribuinte, ao
cabo de determinado
período
Impostos Não Não Não
Taxas Sim Sim Não
Contribuições de
Melhoria
Sim Não Não
219 Op. cit. p. 80. 220 Classificação Constitucional dos Tributos. p. 225.
129
Contribuições Não Sim Não
Empréstimos
Compulsórios
Não Sim Sim
Essa classificação quinquipartida dos tributos foi encampada pelos
doutrinadores JOSÉ EDUARDO SOARES DE MELLO, CLÁUDIO SANTOS, HUGO
DE BRITO MACHADO e TÁCIO LACERDA GAMA.
Outros jovens doutrinadores, EURICO MARCOS DINIZ DE SANTI e FABIANA
DEL PADRE TOMÉ formularam uma classificação extrínseca das espécies
tributárias, posto que ambos observaram que a classificação intrínseca não seria
suficiente para esgotar todas as possibilidades previstas no Sistema Constitucional
Tributário. Afirma o professor EURICO MARCOS DINIZ DE SANTI221 que: “a
classificação intrínseca não esgota o repertório de variáveis do sistema
constitucional tributário vigente. Nele foram instaladas as seguintes peculiaridades:
(i) é vedada a vinculação de receita de impostos (art. 167, IV da CF/88); (ii) as
contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse de
categorias profissionais ou econômicas, têm sua destinação vinculada aos órgãos
atuantes nas respectivas áreas (arts. 149, 195, 212, § 5º, etc) e (iii) os empréstimos
compulsórios, sobre serem vinculados aos motivos que justificam sua edição, hão de
ser, obrigatoriamente, restituídos ao contribuinte”. Assim, o esquema da
classificação dos dois professores é o seguinte222:
Taxa
Vinculado
Contribuição de
Melhoria
Imposto em sentido
estrito
Contribuição
Tributo
Não Vinculado
Imposto
Empréstimo
Compulsório
221 As classificações no sistema tributário brasileiro. p.12. 222 Cf. Fabiana Del Padre Tomé, Contribuições para a seguridade social à luz da Constituição Federal. p. 83.
130
Há que se consignar a coerência lógica na classificação elaborada pelo
professor PAULO AYRES BARRETO. Explica esse ilustre tributarista que223: “O
tema da classificação dos tributos subordina-se – como de resto aconteceria em
todo esforço classificatório – aos princípios, conceitos e limites da teoria das classes.
Ao pretender-se dividir tributos em diferentes classes, tem-se, necessariamente,
que: (i) eleger um único fundamento para divisão, em cada etapa do processo
classificatório; (ii) as classes identificadas em cada etapa desse processo devem
esgotar a classe superior; e (iii) as sucessivas operações de divisão devem ser feitas
por etapa, de forma gradual.”.
Assim, a sua classificação dos tributos esquematiza-se da seguinte forma:
Tributos Vinculados Tributos Não Vinculados
Destinados Não Destinados Destinados Não Destinados
Restituíveis Não
Restituíveis
Restituíveis Não
Restituíveis
Restituíveis Não
Restituíveis
Restituíveis Não
Restituíveis
Portanto, o professor PAULO AYRES BARRETO224 conclui pelas seguintes
possibilidades:
“1) se o tributo for vinculado, destinado e restituível, teremos um empréstimo
compulsório, cuja materialidade pode ser de uma taxa ou de uma contribuição de
melhoria;
2) se o tributo for vinculado, destinado e não restituível, estaremos diante de uma
taxa ou de uma contribuição de melhoria, a depender do critério material eleito;
3) em face das premissas adotadas, não haveria a possibilidade lógica de um
tributo ser vinculado, não destinado e restituível; o tributo vinculado tem o produto de sua
arrecadação destinado a uma finalidade constitucionalmente determinada;
4) o mesmo raciocínio desenvolvido para o item anterior aplica-se à hipótese de
tributo vinculado, não destinado e não restituível;
223 Op. cit. p. 74. 224 Op. cit. p. 78.
131
5) se o tributo for não vinculado, destinado e restituível estaremos diante de um
empréstimo compulsório;
6) se o tributo for não vinculado, destinado e não restituível, teremos,
necessariamente, uma contribuição que não a de melhoria;
7) não há previsão, em nosso sistema tributário, de tributo não vinculado, não
destinado e restituível;
8) se o tributo for não vinculado, não destinado e não restituível, estaremos diante
de um imposto”.
3. A classificação tributária proposta pelo trabalho
Ao se tomar como sistema de referência o fenômeno da linguagem e dessa
forma considerar o Texto Constitucional como um corpo lingüístico que deve ser
interpretado segundo as técnicas da sintática, semântica e pragmática, a
classificação das espécies tributárias deve percorrer todo o processo gerador de
sentido (sintática, semântica e pragmática) da tributação e de cada uma das
espécies de tributos previstas. Quer se dizer com isso que a classificação a ser
construída deve distinguir as normas constitucionais sob três planos: sintático,
semântico e pragmático.
Sob o plano sintático do sistema constitucional tributário, pode-se vislumbrar
03 (três) regras-matrizes de incidência tributária: (1) O tributo que tem por hipótese
de incidência um fato que representa um signo presuntivo de riqueza e que, em
decorrência disso, não está vinculado a qualquer atividade estatal específica
(impostos); (2) O tributo que tem por hipótese de incidência uma atividade estatal
relativa ao exercício de poder de polícia e à execução de serviços públicos e,
portanto, vinculado a uma atividade estatal específica (taxas); (3) O tributo que tem
por hipótese de incidência uma valorização imobiliária decorrente da realização de
obra pública e, portanto, vinculado indiretamente a uma atividade estatal específica
(contribuições de melhoria). Todavia, também sob o prisma sintático, há que se
adicionar 02 (dois) enunciados prescritivos: (i) destinação do produto da arrecadação
do tributo; e, (ii) restituição do valor pago a título de tributo.
Ao se atrelar esses enunciados prescritivos às três hipóteses de incidência,
surgem 02 (duas) novas espécies tributárias: (1) quando se combina a regra-matriz
dos impostos com o enunciado prescritivo de restituibilidade do valor pago, tem-se
um empréstimo compulsório-imposto; (2) quando se combina a regra-matriz das
132
taxas com o enunciado prescritivo de restituibilidade, tem-se, também um
empréstimo compulsório-taxa e, (3) quando se combina a regra-matriz dos impostos
com o enunciado prescritivo de destinação, tem-se uma contribuição.
Sob o plano semântico, já se pode afirmar, seguramente, que existem 05
(cinco) espécies tributárias distintas: impostos, taxas, contribuições de melhoria,
empréstimos compulsórios e contribuições, posto que cada uma dessas espécies
possuem significados completamente distintos: (i) os impostos são tributos
completamente desvinculados de uma atuação estatal e se fundam em uma situação
de fato ou de direito em que o contribuinte se encontra; (ii) as taxas são tributos
vinculados a uma atividade estatal referente a serviços públicos ou atividade
decorrente do poder de polícia; (iii) as contribuições de melhoria são tributos
vinculados indiretamente a uma atividade estatal relativa à realização de obra
pública que ocasione valorização imobiliária; (iv) os empréstimos compulsórios são
tributos que podem ou não ser vinculados a uma atuação estatal excepcional
decorrente de calamidade pública, guerra externa ou sua iminência ou, ainda, uma
atividade estatal relativa a investimento público de caráter urgente e de relevante
interesse social; e, (v) as contribuições são tributos não vinculados a uma atuação
estatal, todavia, o produto de sua arrecadação está atrelado a uma atividade estatal
relativa à intervenção do Estado no Domínio Econômico, no Domínio Social e no
Domínio do Trabalho - quando essa atuação for no domínio econômico, são
denominadas de contribuições de intervenção no domínio econômico; quando essa
atuação for no domínio do trabalho são denominadas contribuições corporativas, e,
quando essa atuação for no domínio social, serão denominadas contribuições
sociais 225.
E, sob o plano pragmático também se verifica seguramente 05 (cinco)
espécies tributárias distintas: (i) os impostos que financiam os cofres públicos e, por
conseqüente, as atividades estatais genéricas e indivisíveis; (ii) as taxas que
financiam especificamente as atividades estatais concernentes a serviços públicos –
taxas de serviços públicos - e o exercício de poder de polícia – taxas de poder de
polícia; (iii) as contribuições de melhoria que financiam as obras públicas que geram
valorização imobiliária; (iv) os empréstimos compulsórios que financiam despesas
225 Por todas as premissas adotadas, as contribuições do art. 149-A não são consideradas nesse trabalho, posto que, pelo sistema de referência adotado, tal figura sequer se enquadra na qualidade de contribuição.
133
extraordinárias decorrentes de calamidade pública, guerra externa (ou sua
iminência) ou alguma outra situação de caráter urgente e de relevante interesse
social; (v) as contribuições que financiam atividades estatais de intervenção no
Domínio Econômico – contribuições de intervenção no domínio econômico – no
Domínio do Trabalho – contribuições corporativas – e no Domínio Social –
contribuições sociais ou contribuições para a seguridade social. Essas últimas se
subdividem em: contribuições sociais genéricas quando financiam o orçamento da
seguridade social de forma genérica (FGTS, Salário-Educação, PIS, PASEP,
COFINS, CSLL), e em contribuições sociais previdenciárias quando financiam
especificamente o orçamento da Previdência Social.
Assim, da análise dos três planos de linguagem do Texto Constitucional no
que concerne ao Sistema Tributário, é possível esquematizar as espécies tributárias
da seguinte forma:
Sintática Semântica Pragmática
F→ot Impostos Financiar cofres
públicos para
atividades
universais,
genéricas e
indivisíveis.
Ae→ot Taxas decorrentes do
exercício do poder de
polícia
Taxas de serviços públicos Financiar
atividade estatal
relacionada ao
exercício de
poder de polícia
ou realização de
serviços
públicos.
Ae+fs →ot Contribuições de Melhoria Financiar
atividade estatal
relacionada à
realização de
obra pública que
promova
valorização
imobiliária
134
Contribuições Sociais F+dl→ot Contribuições
Corporativas
Contribuições
Interventivas-
CIDE Genéricas Previdenciárias
Financiar fundo
ou órgão
responsável
pelas
corporações
profissionais,
setores
econômicos e
seguridade
social de forma
genérica ou,
especificamente,
para a
Previdência
Social
ae+dl+r→ot
f +dl+r→ot
Empréstimos Compulsórios
Taxas
Empréstimos Compulsórios
Impostos
Financiar
despesas
extraordinárias
decorrentes de
guerra externa
ou sua iminência
ou calamidade
pública; financiar
investimento
público de
caráter urgente
e de relevante
interesse
nacional.
Legenda:
f = fato jurídico signo presuntivo de riqueza
ot = obrigação tributária
ae = atuação estatal
fs = fato jurídico superveniente
dl = destinação legal
135
r = restituibilidade
Conseqüentemente, com base nas assertivas formuladas acima, é possível
concluir que as contribuições são espécies tributárias distintas das demais sintática,
semântica e pragmaticamente.
É sintaticamente diferente porque possui uma estrutura lógica atrelada a uma
destinação específica, tal como se verá mais adiante.
É semanticamente distinta porque se trata de uma espécie tributária com
destinação específica (=ordem social, ordem econômica e ordem do trabalho).
E, é pragmaticamente distinta porque é utilizada como instrumento extrafiscal
pelo Estado para o custeio de atividades realizadas pelo Estado ou de quem lhe faça
às vezes (caso das contribuições corporativas e previdenciárias) na ordem social, na
ordem econômica e na ordem do trabalho.
Em suma, graças à estrutura lingüística das normas constitucionais é possível
identificar as espécies tributárias, bem como suas subespécies. Dessa maneira,
inclusive, se diferenciam completamente os impostos das contribuições, afinal, eles
possuem estruturas sintáticas, semânticas e pragmáticas distintas.
4. As contribuições e suas espécies
A palavra contribuição deriva do latim contributione e, conforme as definições
propostas pelo Dicionário Michaelis, pode apresentar as seguintes acepções: (i) Ato
de contribuir; (ii) Quantia com que cada um entra para uma despesa comum; (iii)
Imposto, tributo; (iv) Subsídio de caráter moral, social, literário ou científico, para
alguma obra útil.
O termo contribuição foi muito difundido no direito português, embora
traduzindo uma noção de imposto. Exemplos de antigas contribuições portuguesas
são: a contribuição criada para a jornada d’El-Rei pela Provisão de 13 de dezembro
de 1612; a contribuição destinada a compor o dote da rainha da Grã-Bretanha,
instituída pelo Alvará de 12 de julho de 1966; a contribuição sobre a carne e o vinho,
criada pela Carta Régia de 29 de novembro de 1674; a contribuição do tabaco,
instituída pela Provisão de 13 de novembro de 1680; a contribuição para o
casamento de D. Isabel, estabelecida pela Provisão de 15 de março de 1681;
136
contribuição para a construção de estradas do Alto Douro, criada pelo Alvará de 23
de março de 1802.
No direito espanhol o termo contribuição também significava imposto, tal
como nos exemplos “contribución general sobre la renta” e “contribución territorial
urbana.”.
Era no antigo sistema francês que as “contribution” denotavam pagamento
voluntário.
No Brasil, o termo “contribuição” foi utilizado pela primeira vez na Constituição
Imperial de 1824 como sinônimo de imposto. Em 1836, foram instituídas a
contribuição sobre o couro para consumo e a contribuição para o montepio (Lei n.º
70/1836) e, em 1843, a contribuição extraordinária incidente sobre os vencimentos
recebidos dos cofres públicos (Lei n.º 317/1843 – primeira lei brasileira sobre
imposto de renda). Portanto, todas elas tinham conotação de imposto.
Com o Texto Constitucional de 1967, mais especificamente com a Emenda
Constitucional n.º 1/1969, as contribuições começaram a apresentar nova
conotação, primeiro porque o art. 21, § 2.º, da EC dispôs sobre a competência
tributária da União para instituir contribuições para custeio dos encargos da
previdência social e, segundo, porque foi acrescentado no Código Tributário
Nacional o artigo 217 que previa a exigibilidade de contribuições outras diversas das
contribuições de melhoria; isto é, começava a despontar sua natureza tributária.
Com o advento da Emenda Constitucional nº 8/1977, iniciou-se uma árdua
discussão na doutrina quanto a sua natureza tributária, posto que com referido
Diploma, as contribuições passaram a ser de responsabilidade do Congresso
Nacional e foram excluídas do sistema tributário.
Contudo, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, as
contribuições foram inseridas no Capítulo atinente ao sistema tributário
constitucional, em artigo apartado das espécies tradicionais (impostos, taxas e
contribuições de melhoria – art. 145), porém com determinação expressa para se
submeter a princípios típicos do sistema tributário, bem como às normas gerais em
matéria de legislação tributária, além da estrita observância de sua específica
destinação, dessa forma, com conotação completamente diversa de imposto, taxa e
contribuição de melhoria.
137
Fato esse que nos faz consagrar a natureza tributária das contribuições, bem
como que são espécies tributárias autônomas. Corrobora esse raciocínio a
professora FABIANA DEL PADRE TOMÉ226 ao afirmar que: “A Constituição Federal
brasileira, porém, não fez uso do vocábulo ‘contribuição’ como sinônimo de ‘tributo’.
Evoluiu no sentido de utilizar essa nomenclatura para indicar espécie tributária
autônoma, não coincidente com impostos e taxas.”.
Nessa mesma esteira, ARTHUR MARIA FERREIRA NETO227 afirma que: “a
leitura sistemática do texto da Constituição deixa pouco espaço para dúvidas acerca
da qualificação tributária das contribuições. O fato do art. 145 referir apenas os
impostos, as taxas e as contribuições de melhoria não pode levar à conclusão de
que seriam somente esses os tributos existentes no Sistema Tributário Nacional em
vigor. Sabe-se que esse dispositivo apenas elenca os tributos de instituição comum
às três esferas da Federação, já que, logo em seguida no texto constitucional, os
arts. 148 e 149 estabelecem outras duas exações (empréstimos compulsórios e
contribuições) que caberiam exclusivamente à União. Ora, a leitura isolada do art.
145 até poderia levar à conclusão de que somente existem as três espécies
tributárias ali apontadas, mas uma leitura integrada dos dispositivos estabelecidos
sob o Capítulo do Sistema Tributário Nacional impede tal raciocínio.”.
E, também com a seguinte explanação da professora MIZABEL ABREU
MACHADO DERZI228: “Custou algum tempo para que o regime tributário específico
fosse estendido às taxas. Foi necessária uma outra longa caminhada, uma outra
longa luta para que as contribuições, de forma indiscriminada, para que os
empréstimos compulsórios tivessem reconhecido o seu caráter tributário. Não vamos
retroceder agora, não vamos permitir nenhum retrocesso histórico. Vamos, ao
contrário, tornar efetiva, concreta e real a atuação do princípio da legalidade.
Tenhamos a consciência de que quando ele se abala dentro do Direito Tributário se
abala a República e se abala a democracia. Na verdade não podemos permitir que
através dessa porta se crie um outro vício, que é um retrocesso gravíssimo, somente
existente e explicável à época do fascismo e do corporativismo exacerbado.”.
226 Contribuições para a seguridade social à luz da Constituição Federal. p. 95. 227 Op. cit. p. 62-63. 228 “Contribuições” in Revista de Direito Tributário nº 48/1989, p. 232.
138
As contribuições, então, são espécies tributárias autônomas e se subdividem
em corporativas (as que custeiam entidades que fiscalizam e regulam o exercício de
atividades profissionais ou econômica, tal como as contribuições destinadas à
Ordem dos Advogados do Brasil), interventivas (as que custeiam a intervenção do
Estado no domínio econômico, tal como a CIDE-Combustível) e sociais (as que
custeiam a Seguridade Social).
As contribuições destinadas à Seguridade Social, estudada no capítulo
anterior, também se subdividem segundo mostra a tabela abaixo:
Contribuições Sociais
Genéricas Previdenciárias
São as contribuições sociais que compõem o
orçamento da União para a Seguridade Social,
tais como Salário-Educação, FGTS, PIS,
COFINS, PASEP, CSLL, PIS/PASEP e COFINS
importação e a contribuição sobre receita de
concursos prognósticos.
São as contribuições sociais que compõem o
orçamento da previdência social gerido pelo
INSS, se o trabalhador estiver sob o regime da
CLT ou por outro órgão paraestatal, se o
trabalhador for servidor público. É a contribuição
do empregador sobre a folha de salário dos
segurados obrigatórios e a contribuição dos
trabalhadores e demais segurados (segurados
facultativos).
Em sendo as contribuições espécies tributárias autônomas, distintas das
demais, verifica-se que as contribuições previdenciárias são uma subespécie das
contribuições sociais e dessa assertiva pode-se concluir que: (i) as contribuições
previdenciárias possuem natureza tributária; (ii) as contribuições previdenciárias são
espécies tributárias autônomas; e, (iii) contribuições previdenciárias não são
sinônimos de contribuições sociais. Tratam-se respectivamente de espécie e gênero.
É oportuno dizer nesse momento quão importante é diferenciar seguridade
social e previdência social, posto que cada uma delas tem sua forma de custeio; ou
seja, enquanto a seguridade social é custeada pelas contribuições sociais genéricas,
posto que, como já dito no capítulo anterior, deve englobar todas as necessidades
da coletividade, inclusive a educação, a previdência social, por se tratar de um
sistema de seguro social entre seus inscritos, é custeada pelas contribuições
previdenciárias e por parcela do orçamento geral da União.
139
São as contribuições previdenciárias o foco deste trabalho e, portanto, são
exclusivamente delas que trataremos daqui por diante.
5. Análise sintática das contribuições previdenciárias
Se até então, todas as conclusões inferidas partiram do caráter dialógico do
Texto Constitucional e da interdiscursividade e intertextualidade entre os comandos
normativos, nesse momento de análise das contribuições previdenciárias tal caráter
será até melhor explorado, tendo em vista que, como já apontado linhas acima, tais
contribuições são qualificadas pela sua destinação constitucional específica.
Essa qualificação se infere do diálogo entre os arts. 149, 195 e 201 do Texto
Constitucional.
Assim, em termos sintáticos, o primeiro aspecto a ser levado em conta é essa
norma que impõe a destinação do produto da arrecadação das contribuições
previdenciárias para as prestações do sistema geral de Previdência Social.
Nesse sentido, o professor PAULO AYRES BARRETO229 afirma que: “Nas
contribuições, além de apreciação de mesma natureza – cabível nas hipóteses em
que há referência à materialidade na Constituição, como, verbi gratia, nas
contribuições destinadas à seguridade social (artigo 195) – impõe-se a análise dos
dispositivos que informam a finalidade de sua instituição. Nos termos do artigo 149
da Constituição Federal, a outorga de competência para a instituição de
contribuições subordina-se à efetiva atuação da União em determinada finalidade.
Os recursos advindos de contribuições devem, obrigatoriamente, ser aplicados na
finalidade que motivou a instituição do tributo, sempre como instrumento de atuação
da União.”.
MARCIANO SEABRA DE GODOI230 explica que: “Do ponto de vista da
formulação e da execução da política tributária/orçamentária do governo federal, o
texto constitucional de 1998 não poderia ter sido mais claro: os recursos dos
impostos federais destinam-se a financiar os gastos/despesas/investimentos gerais
do governo central (infra-estrutura, segurança pública, encargos da dívida pública,
vencimento dos servidores dos três poderes, etc.), ao passo que as contribuições
229 Op. cit. p. 156. 230 “Contribuições Sociais e de Intervenção no Domínio Econômico: a paulatina desconstrução de sua identidade constitucional” in Revista de Direito Tributário da APET Ano IV-Edição 15/2007. p. 84.
140
sociais e as Cides têm sua arrecadação voltada especificamente para determinadas
áreas.”.
Ademais, deve-se acrescentar que a contribuição é identificada a partir da
especificidade de sua destinação, como bem demonstra o Ministro ILMAR GALVÃO
em seu voto no RE 146.733, referido anteriormente:
“A especificidade da destinação do produto da arrecadação do tributo em causa é que,
obviamente lhe confere o caráter de contribuição. Eventual desvio de finalidade que se
possa verificar na administração dos recursos por ela produzidos não pode ter o efeito de
transmudar-lhe a natureza jurídica.”.
Essa destinação específica que qualifica as contribuições é veiculada pela
Constituição Federal e o Min. MOREIRA ALVES, no voto desse mesmo Recurso
Extraordinário citado acima, do qual foi Relator, confirma tal assertiva:
“Assim é da essência do regime jurídico específico da contribuição para a seguridade
social a sua destinação constitucional. Não a destinação legal do produto de sua
arrecadação, mas a destinação constitucional, vale dizer o vínculo estabelecido pela
própria Constituição entre a contribuição e o sistema de seguridade social, como
instrumento de seu financiamento direto pela sociedade, vale dizer pelos contribuintes.”.
A regra da finalidade ou da destinação, portanto, subordina o exercício da
competência das regras-matrizes das contribuições previdenciárias, afinal, o
legislador infraconstitucional ao instituir a contribuição deve, necessariamente,
especificar qual a destinação a ser dada ao produto da arrecadação da contribuição
que ele está instituindo.
Corroborando esse raciocínio, a professora ZELIA LUIZA PIERDONÁ231
explica que: “Ora, se a União somente pode instituir as contribuições se destinar os
recursos delas à seguridade, a destinação prevista constitucionalmente faz parte da
norma de estrutura que atribui competência a União; portanto o legislador somente
poderá criar a hipótese de incidência – norma de comportamento – se os recursos
forem destinados à seguridade. E, se somente pode instituir a contribuição se
destinar os produtos à seguridade, a destinação da receita é preceito que torna as
contribuições sociais espécie tributária autônoma”.
231 Op. cit. p. 36.
141
E, também o professor TÁCIO LACERDA GAMA232: “o sujeito ativo da norma
de competência tributária deverá, além de instituir os critérios da regra matriz
segundo os limites autorizados, prescrever destinação específica para aquilo que se
arrecada com esses tributos. Sem tal destinação a uma finalidade específica, seja
para atender fundo, órgão ou despesa, o exercício da competência não será
legitimo”. E, mais adiante apresenta a seguinte estrutura sintática para as normas de
competência das contribuições233:
An = Sc.Cp.Ce.Ct
NCT ↓ DSn ↔
DSm
Cn = Rj [Sc.Sp.Obj (RMITP.FIM)]
NCT = Norma de Competência Tributária.
An = Antecedente Normativo.
Sc = Sujeito competente para editar o tributo.
Ce = critério espacial (indica as condições de espaço em que a norma deve ser
produzida).
Ct = critério temporal (indica as condições de tempo, fazendo referência ao preciso
instante em que a norma passa a ingressar no sistema do direito positivo.
Cp = critério procedimental, relacionados ao procedimento necessário à elaboração
da lei que veicula o tributo.
DSn = é o dever ser não modalizado que, por meio da imputação deôntica, relaciona
o antecedente ao conseqüente normativo.
Cn = Conseqüente normativo.
Rj = é a relação jurídica.
Sc = é o sujeito competente para edição da norma jurídica
232 Contribuição de intervenção no domínio econômico.. p. 85. 233 Ibid. p. 86-88.
142
Sp = é o sujeito passivo
Obj = é o objeto da relação jurídica (permissão para editar tributos delimitada pelo
conjunto de imunidades, princípios e dispositivos constitucionais e complementares
que condicionam a validade material de um tributo).
RMITP= é a regra-matriz de incidência tributária possível.
FIM = é a finalidade prescrita para o produto da arrecadação da contribuição.
Assim, as normas de competência das contribuições previdenciárias previstas
no Texto Constitucional possuirão a seguinte estrutura:
NCT
An = União. Lei 8.213/91.Território Nacional. 24 de Julho de 1991.
↓ Então deve ser ↓
Cn = INSS. Empregador/Trabalhador. RMIP das contribuições do empregado com
vínculo empregatício, RMIP das contribuições trabalhador sem vínculo empregatício,
RMIP das contribuições dos trabalhadores segurados facultativos. Prestações
Previdenciárias (aposentadoria por tempo de serviço, aposentadoria por idade,
aposentadoria por invalidez, aposentadoria especial, auxílio-doença, salário-família,
salário-maternidade, pensão por morte, auxílio-reclusão, auxílio-reclusão, auxílio-
acidente, serviços sociais, habilitação e reabilitação profissional).
Logo, têm-se sintaticamente as seguintes estruturas:
1) Rs + iRGPS + NcCP → OtCP
2) Rr + iRGPS + NcCP → OtCP
3) Rr + iRGPS + NcCP → OtCP
Onde:
Rs = receber salário
Rr = receber remuneração
iRGPS = inscrição no Regime Geral de Previdência Social
NcCP = norma de competência das contribuições previdenciárias
OtCP = obrigação tributária de contribuição previdenciárias
143
Em suma, a norma que outorga à União competência para criar as
contribuições previdenciárias prevê também que o exercício dessa competência
somente será legitimado com a instituição da finalidade. Portanto, é nesse momento
que tais tributos se diferem dos impostos.
A sintática das contribuições previdenciárias consiste em seus arquétipos
constitucionais definidos pela Constituição Federal de 1988 – art. 195, I, “a” e II.
E baseia-se fundamentalmente na delimitação das competências tributárias,
as quais, indubitavelmente, possuem natureza de direito constitucional, posto que
decorrem dos princípios constitucionais republicano, federativo, da autonomia dos
municípios e da legalidade.
Daí a razão de se sacar a sintática constitucional das normas, justamente
porque o Texto Constitucional oferece todas as balizas para o sistema jurídico,
especialmente ao Tributário. Portanto, o controle de validade somente poderá
ocorrer por meio da análise da Constituição Federal; ou seja, a validação das
contribuições, especialmente as previdenciárias, é constitucional e está relacionada
com a sua estrutura sintática.
Dentro da análise sintática das contribuições previdenciárias, há que se
considerar também sobre a necessidade de se instituí-las por lei complementar.
Primeiramente, é oportuno registrar as lições do ilustre professor HELENO
TAVEIRA TORRES234: “Por determinação constitucional, no Brasil, o Congresso
Nacional exerce três funções legislativas (competências) distintas: é i) constituinte
derivado, ao discutir e votar Emendas à Constituição, e é o legislador ordinário da
União, sob duas modalidades: ii) legislador federal, ao exercer as competências
típicas da União, na qualidade de pessoa de direito público interno, plenamente
autônoma; e iii) legislador nacional, ao dispor sobre normas gerais aplicáveis às
quatro pessoas políticas, nas matérias previstas no art. 24, da CF, e em outras
previstas no corpo da Constituição.”.
A divergência quanto à necessidade de edição de lei complementar pelo
Congresso Nacional na qualidade de legislador nacional para a produção de normas
234 Funções das leis complementares no sistema tributário nacional – hierarquia de normas – papel do CTN no ordenamento. p. 05.
144
gerais em matéria de contribuições inicia-se da própria redação do caput do art. 149
do Texto Constitucional, quando esse faz alusão à observância do artigo 146, III do
mesmo Diploma Normativo:
“Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção
no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como
instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts.
146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às
contribuições a que alude o dispositivo”. (grifos nossos).
O art. 146 possui a seguinte redação:
“Art. 146. Cabe à lei complementar:
(...)
III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:
a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos
discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e
contribuintes;
b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;
c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades
cooperativas;
d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as
empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do
imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e
da contribuição a que se refere o art. 239”.
A combinação literal desses dois dispositivos leva a conclusão de que as
contribuições, previamente as suas respectivas instituições, devem ter seus fatos
geradores, bases de cálculo, contribuintes, obrigação, lançamento, crédito, prazos
decadenciais e prescricionais, bem como tratamentos específicos para cooperativas,
microempresas e empresas de pequeno porte descritos numa lei complementar.
Será isso mesmo necessário?
Para começar a responder essa questão, é oportuno analisar atentamente o
texto do art. 146 e posicionar-se quanto à função da lei complementar.
145
O professor TÁCIO LACERDA GAMA235 consigna pontualmente a divergência
doutrinária quanto a esse tema:
“Embora o artigo 146 da Constituição, transcrito acima, faça referência aos critérios
da competência que devem ser regulados por lei complementar, o tema é controverso. A
indagação sobre os tipos de enunciados que podem ser veiculados por lei complementar
tem várias respostas. Não há consenso na Doutrina sobre o papel das normas
complementares no direito tributário brasileiro. De um lado, entende-se que a lei tributária
só poderia dispor sobre conflitos de competência em matéria tributária, entre os entes
que compõem a Federação, ou regular as limitações constitucionais ao poder de tributar.
Segundo esse entendimento, somente os dois primeiros incisos do artigo 146 poderiam
ser plenamente tratados por lei complementar. Noutra posição alinharam-se aqueles que
opinaram pela aplicação integral do artigo 146 da Constituição. Haveria não duas, mas
sim três matérias a serem reguladas por lei complementar: i. conflitos de competência; ii.
limitações constitucionais ao poder de tributar e iii. normas gerais de direito tributário, em
especial sobre a regra matriz possível e as formas de constituição e extinção da
obrigação tributária. Há clara divergência entre a primeira e a segunda corrente.
Posicionar-se segundo uma ou outra, significa posicionar-se sobre a própria função
desempenhada pelos enunciados complementares na norma de competência.”.
A primeira corrente referida por esse professor é a chamada “corrente
dicotômica” e, a segunda, “corrente tricotômica”. Para se posicionar quanto a uma
dessas correntes, deve-se atentar exclusivamente para os enunciados prescritivos
do Texto Constitucional, já que são os atos normativos de maior hierarquia.
Nesse raciocínio, o professor ROQUE ANTONIO CARRAZZA236 afirma que:
“lei complementar não possui o apanágio de buscar nela própria seu fundamento de
validade. Muito pelo contrário: ela só poderá irradiar efeitos se e enquanto estiver
contida na “pirâmide jurídica”, em cuja cúspide encontram-se as normas
constitucionais, verdadeiras matrizes de todas as manifestações normativas do
Estado, já que representam “o nível mais alto dentro do Direito Nacional”, como
observou, com propriedade, Hans Kelsen”.
Em paralelo com esse raciocínio da lei complementar como ato normativo que
deve estrita obediência à Carta Magna, tem-se a questão da segurança jurídica
(princípio constitucional implícito) levantada pelo professor TÉRCIO SAMPAIO
FERRAZ JÚNIOR237 em sede de instituição de normas gerais em matéria tributária:
235 Contribuição de intervenção no domínio econômico. p. 189-190. 236 Op. cit. p. 858. 237 Segurança jurídica e normas gerais tributárias. p. 53-54.
146
“a interpretação de que há um conteúdo próprio para a expressão constitucional
‘normas gerais de Direito Tributário’, reforça a segurança tendo em vista a função-
certeza. O que se percebe, neste sentido, é a importância do argumento segundo o
qual as normas gerais podem só assim, completar a eficácia de preceitos expressos
e de princípios decorrentes da Constituição, mormente quando a realidade brasileira,
com sua multiplicidade de municípios e Estados-membros exige uma formulação
global, garantidora de unidade e racionalidade.”.
Esse autor mescla as duas vertentes da segurança jurídica – função-certeza e
função-igualdade – e conclui pelo seguinte238: “a função-certeza da exigência de
segurança passa a depender da função-igualdade , posto que a segurança repousa,
primariamente, na generalidade enquanto isonomia no tratamento dos endereçados.
Ou seja, desde que as ações-tipo estejam corretamente discriminadas em leis
ordinárias (função-certeza), às normas gerais (leis complementares) caberá a
resolução prévia de conflitos de competência, resultando do sistema assim
instaurado a segurança que há de ser o produto da competência sistematicamente
discriminada. Por isso, para esta concepção as normas gerais (em termos de leis
nacionais) têm muito mais a natureza de normas secundárias, donde se segue a
ênfase posta na correta discriminação, e solução de conflitos de competência entre a
União, Estados e Municípios, insistindo-se sobremaneira na autonomia dos dois
últimos.”.
Corroborando com os dizeres desse professor e estudioso, ROQUE
ANTONIO CARRAZZA239 menciona que: “a Constituição não conferiu ao legislador
complementar um “cheque em branco” para, por meio de edição deste ato
normativo, traçar as competências tributárias, com suas limitações, da União, dos
Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.”.
Em suma, da análise desses autores e levando-se em conta que o ponto de
partida desse trabalho é o Texto Constitucional, tratado como um tecido lingüístico
uno e coeso que prima pelo caráter dialógico da linguagem e pelas três instâncias
de interpretação de seus dispositivos (sintática, semântica e pragmática), conclui-se
que a adoção da chamada “corrente tricotômica” seria uma violação a vários
princípios constitucionais expressos e implícitos, principalmente, o federativo e da
238 Segurança jurídica e normas gerais tributárias. p. 54. 239 Op. cit. p. 860.
147
autonomia dos Estados-membros, Municípios e Distrito Federal (demarcação das
competências tributárias) e da segurança jurídica. Referida corrente comprometeria
todo o caráter intradiscursivo do Texto Constitucional explicado no capítulo anterior.
Repetindo, oportunamente, o professor ROQUE ANTONIO CARRAZZA, seria
conferir um ‘cheque em branco’ para o legislador em matéria de lei complementar.
Para harmonizar o Texto Constitucional, adota-se a “corrente dicotômica”; isto
é, a lei complementar deve instituir normas gerais em matéria tributária para (i)
dirimir conflitos de competência e (ii) regular as limitações constitucionais ao poder
de tributar. Portanto, somente aclarar o que já está impregnado na Carta Magna. Por
exemplo, o caso da lei referida no art. 195, § 7.º, da CF, a qual deve ser editada para
estabelecer as exigências para as entidades beneficentes serem imunes às
contribuições sociais. Esse é um típico caso de lei complementar instituindo normas
gerais em matéria tributária para regular as limitações constitucionais ao poder de
tributar.
Também nesse sentido, o professor ROQUE ANTONIO CARRAZZA240 afirma
que: “... as leis complementares devem ‘colorir’, de novos e mais intensos matizes,
as linhas, por vezes tênues, que a Carta das Cartas traça ao impor ‘limitações ao
poder de tributar’ e ao distribuir competências tributárias, privativas e indelegáveis
entre a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal. Tais linhas divisórias
(intransponíveis) já existem: foram traçadas pelas mãos cuidadosas do constituinte.
A lei complementar referida no art. 146 em pauta, só pode torná-las mais nítidas.”.
Portanto, em se tratando das contribuições previstas no art. 149 da CF,
inclusive as previdenciárias, quando se diz que a elas deve ser aplicado o art. 146,
III, do mesmo Diploma, quer-se dizer que em caso de conflito de competência ou
regulação de limitação constitucional ao poder de tributar, pode-se expedir lei
complementar veiculando normas gerais em matéria tributária.
A prova da assertiva veiculada acima são dois dispositivos constitucionais: o
parágrafo único do art. 22 e o parágrafo único do art. 23, abaixo consignados:
“Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
(...)
240 Op. cit. p. 875.
148
Parágrafo Único. Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões
específicas das matérias relacionadas neste artigo.
Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios:
(...)
Parágrafo Único. Leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e
os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do
desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional.”.
Todavia, há uma outra discussão em sede de leis complementares: a
necessidade de o Congresso Nacional editar uma lei complementar para instituir um
tributo federal; ou seja, do Congresso Nacional legislar na qualidade de legislador
federal para instituir um tributo de competência da União. Como as contribuições
previdenciárias são de competência exclusiva da União, será que elas poderiam ser
instituídas por uma lei complementar?
Novamente se valerá dos ensinamentos do professor HELENO TAVEIRA
TORRES241: “As leis complementares são figuras do ordenamento que se
diferenciam dos demais atos legislativos tanto pela matéria (competência), quanto
pelo processo de formação (quorum qualificado de maioria absoluta, art. 69, da CF).
(...) Dito de outro modo, as leis complementares encontram no sistema constitucional
o respectivo campo material predefinido (competência), sob a forma de matérias
sujeitas ao princípio de reserva de lei complementar (pressuposto material) e são
aprovadas por maioria absoluta (pressuposto formal, art. 69, CF). Eis o quanto as
diferem das leis ordinárias.”.
Dessa forma, somente quando a Carta Política expressamente prever é que
haverá a instituição de um tributo federal por meio de lei complementar. É o caso
dos impostos residuais de competência da União (art. 154, I da CF); dos
empréstimos compulsórios (art. 148 da CF); e das contribuições sociais residuais
(art. 195, § 4º da CF; ex: LC n.° 84/96 que institu iu uma nova contribuição
previdenciária). Em outros casos, somente por lei ordinária federal.
Nesse sentido, WERTHER BOTELHO SPAGNOL242 afirma que o veículo
formal para a instituição das contribuições é a lei ordinária, devendo haver
241 Op. cit. p. 05-06. 242 As contribuições sociais no direito brasileiro. p. 117.
149
observância da legislação complementar referente à matéria prevista no art. 146, “b”
e “c” da CF.
Devem-se relembrar as leis complementares que instituíram contribuições
sociais, tal como a LC n.° 70/91 – que instituiu a COFINS – e a LC n.° 7/70 – que
instituiu o PIS. No caso da LC n.° 70/91, o Suprem o Tribunal Federal entendeu
serem materialmente lei ordinária federal e formalmente lei complementar, de forma
que poderiam ser revogadas por uma simples lei ordinária federal.
Em suma, entende-se que, em regra, não há caso de hierarquia entre lei
complementar e lei ordinária federal. O fato da lei complementar possuir um
processo legislativo diferenciado, com quorum qualificado, não significa que ela seja
superior a lei ordinária federal. Cada uma delas possui demarcações distintas quanto
à competência e matéria; isto é, cada uma delas possui o seu respectivo âmbito de
validade. Há jurisprudência nos Tribunais Brasileiros nesse sentido também:
“EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO
DE INSTRUMENTO. COFINS. LC 70/91. CONSTITUCIONALIDADE. AGRAVO
IMPROVIDO. I - Esta Corte, no julgamento da ADC 01/DF, declarou a constitucionalidade
da COFINS, instituída pela LC 70/91. II - Agravo regimental improvido.”
(AgR 655.207; SÃO PAULO; Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI; Órgão
Julgador: Primeira Turma; Julgamento: 27/11/2007; DJ 19/12/2007).
“E M E N T A: AGRAVO DE INSTRUMENTO - SOCIEDADE CIVIL DE PRESTAÇÃO DE
SERVIÇOS PROFISSIONAIS RELATIVOS AO EXERCÍCIO DE PROFISSÃO
LEGALMENTE REGULAMENTADA - COFINS - MODALIDADE DE CONTRIBUIÇÃO
SOCIAL - OUTORGA DE ISENÇÃO POR LEI COMPLEMENTAR (LC Nº 70/91) -
MATÉRIA NÃO SUBMETIDA À RESERVA CONSTITUCIONAL DE LEI
COMPLEMENTAR - CONSEQÜENTE POSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DE LEI
ORDINÁRIA (LEI Nº 9.430/96) PARA REVOGAR, DE MODO VÁLIDO, A ISENÇÃO
ANTERIORMENTE CONCEDIDA PELA LC Nº 70/91 - INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO
CONSTITUCIONAL - A QUESTÃO CONCERNENTE ÀS RELAÇÕES ENTRE A LEI
COMPLEMENTAR E A LEI ORDINÁRIA - INEXISTÊNCIA DE VÍNCULO HIERÁRQUICO-
NORMATIVO ENTRE A LEI COMPLEMENTAR E A LEI ORDINÁRIA - ESPÉCIES
LEGISLATIVAS QUE POSSUEM CAMPOS DE ATUAÇÃO MATERIALMENTE
DISTINTOS - DOUTRINA - PRECEDENTES (STF) - RECURSO DE AGRAVO
IMPROVIDO.”
150
(AI-AgR 637.299; RIO DE JANEIRO; Relator(a): Min. CELSO DE MELLO; Órgão
Julgador: Segunda Turma; Julgamento: 18/09/2007; DJ 05/10/2007).
“EMENTA: AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE. ARTIGOS 1.°, 2.°, 9.°
(EM PARTE), 10 E 13 (EM PARTE) DA LEI COMPLEMENTAR N.° 70, DE 30.12.91.
COFINS. - A DELIMITAÇÃO DO OBJETO DA AÇÃO DECLARATÓRIA DE
CONSTITUCIONALIDADE NÃO SE ADSTRINGE AOS LIMITES DO OBJETO FIXADO
PELO AUTOR, MAS ESTES ESTÃO SUJEITOS AOS LINDES DA CONTROVÉRSIA
JUDICIAL QUE O AUTOR TEM QUE DEMONSTRAR. - IMPROCEDÊNCIA DAS
ALEGAÇÕES DE INCONSTITUCIONALIDADE DA CONTRIBUIÇÃO SOCIAL
INSTITUÍDA PELA LEI COMPLEMENTAR N.° 70/91 (COFINS) . AÇÃO QUE SE
CONHECE EM PARTE, E NELA SE JULGA PROCEDENTE, PARA DECLARAR-SE,
COM OS EFEITOS PREVISTOS NO PARÁGRAFO 2.° DO ARTIGO 102 DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL, NA REDAÇÃO DA EMENDA CONSTITUCIONAL N.° 3, DE
1993, A CONSTITUCIONALIDADE DOS ARTIGOS 1.°, 2.° E 10, BEM COMO DAS
EXPRESSÕES "A CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O FATURAMENTO DE QUE
TRATA ESTA LEI NÃO EXTINGUE AS ATUAIS FONTES DE CUSTEIO DA
SEGURIDADE SOCIAL” CONTIDAS NO ARTIGO 9.°, E DAS EX PRESSÕES "ESTA LEI
COMPLEMENTAR ENTRA EM VIGOR NA DATA DE SUA PUBLICAÇÃO,
PRODUZINDO EFEITOS A PARTIR DO PRIMEIRO DIA DO MES SEGUINTE NOS
NOVENTA DIAS POSTERIORES, AQUELA PUBLICAÇÃO,...” CONSTANTES DO
ARTIGO 13, TODOS DA LEI COMPLEMENTAR N.° 70, DE 30 DE DEZEMBRO DE
1991.”
(ADC 1; Distrito Federal; Relator(a): Min. MOREIRA ALVES; Órgão Julgador: TRIBUNAL
PLENO; Julgamento: 01/12/1993; DJ 16/06/1995). (grifos nossos)
Todavia, consoante lição de JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES243, poderá
haver a supremacia da lei complementar quando essa versar sobre normas gerais
em matéria tributária: “A lei complementar de normas gerais prevalece não só sobre
as normas de direito estadual e municipal, mas também de direito federal. Há
portanto uma relação sintática hierárquica que se resolve pela aplicação da regra:
“direito nacional corta direito federal, estadual e municipal”. Mas essa regra é
excepcional no direito positivo brasileiro. É o quanto basta entretanto para concluir-
se que a lei complementar nem sempre é superior à lei ordinária federal. Os mesmos
fundamentos justificam a proposição conversa: nem sempre a lei ordinária é inferior
243 Hierarquia e sintaxe constitucional da lei complementar tributária. p. 70.
151
à lei complementar. Nunca porém a lei ordinária é superior à lei complementar. As
relações sintáticas materiais entre uma e outra implicam essas ponderações.”.
É com os ensinamentos desse ilustre professor que finalizamos esse tópico,
concluindo que somente haverá hierarquia entre lei complementar e lei ordinária
federal quando a primeira tratar de normas gerais de direito tributário, as quais são
válidas para toda a legislação nacional. A lei complementar para instituição de
contribuições previdenciárias somente será necessária para os casos expressos no
Texto Constitucional: para os demais, basta a lei ordinária federal (assim como
ocorreu com a CSLL). Ademais, as suas respectivas materialidades já estão
previstas no Texto Constitucional.
Portanto, quando a contribuição previdenciária for instituída obedecendo
todas essas estruturas sintáticas previstas no ordenamento do direito positivo, ela
será considerada válida.
6. Análise semântica das contribuições previdenciárias
O conteúdo semântico das contribuições previdenciárias também deverá ser
bem delimitado para que haja uma perfeita subsunção de sua norma com os fatos
sociais para que surja o fato jurídico tributário que irrompa a obrigação jurídica de
pagamento de contribuições previdenciárias. Portanto, a semântica das
contribuições previdenciárias estão relacionadas com a sua vigência.
A semântica das contribuições previdenciárias também está contida no Texto
Constitucional e dele não deve destoar.
Nesse sentido, o professor JOSÉ ARTUR LIMA GONÇALVES244 afirma que:
“Admitindo-se que é a Constituição que confere ao legislador infraconstitucional as
competências tributárias impositivas, o âmbito semântico dos veículos lingüísticos
por ela adotados para traduzir o conteúdo dessas regras de competência não pode
ficar à disposição de quem recebe a outorga de competência.”.
A contribuição previdenciária é um tributo (i) não vinculado a uma atuação
estatal (ii), destinado à Previdência Social (iii) e não restituível (iv).
- (i) sobre a natureza tributária das contribuições previdenciárias:
244 Imposto sobre a renda: Pressupostos Constitucionais. p. 171.
152
Muito já se discutiu acerca da natureza jurídico-tributária das contribuições
previdenciárias, todavia, com base nas premissas adotadas por esse trabalho acerca
das contribuições previdenciárias serem subespécies de contribuições sociais, posto
que a Previdência Social é um dos elementos da Seguridade Social, que é um
conjunto de ações típicas do Estado, essa natureza tributária passa a ser uma
conseqüência.
O professor RUBENS GOMES DE SOUZA245 afirma que: “o enquadramento
da previdência social no sistema tributário é decorrência lógica, senão necessária,
da sua conceituação como atividade própria do Estado.”.
É pacífica a natureza tributária das contribuições sociais, consoante
entendimento do STF no julgamento do RE 146.733246. O voto do Ministro Relator
MOREIRA ALVES não deixa dúvidas:
“Perante a Constituição de 1988, não tenho dúvida em manifestar-me afirmativamente.
De feito, a par das três modalidades de tributos (os impostos, as taxas e as contribuições
de melhoria) a que se refere o artigo 145 para declarar que são competentes para instituí-
los a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, os artigos 148 e 149 aludem a
duas outras modalidades tributárias, para cuja instituição só a União é competente: o
empréstimo compulsório e as contribuições sociais, inclusive as de intervenção no
domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas.”.
Mesmo com o entendimento pacificado do STF, há doutrinadores que
entendem que as contribuições previdenciárias não possuem natureza tributária,
como é o caso dos professores MARCO AURÉLIO GRECO, MARCUS ORIONE
GONÇALVES CORREIA, ÉRICA PAULA BARCHA CORREIA, HAMILTON DIAS DE
SOUZA, VALDIR DE OLIVEIRA ROCHA, LUIZ MÉLEGA, BRANDÃO MACHADO e
WLADIMIR NOVAES MARTINEZ. Esses doutrinadores acreditam que as
contribuições previdenciárias não são tributos porque são devidas à Previdência
Social, uma instituição sem fins fiscais que gere o produto dessas contribuições de
modo a conceder benefícios a contribuintes em situação de necessidade social
(desemprego, velhice, doença, reclusão, invalidez, etc).
Com todo o respeito a esses doutrinadores, as contribuições previdenciárias,
especialmente as que devem ser recolhidas pelas empresas pelo fenômeno da
245 A Contribuição de previdência social e os municípios. p. 59. 246 Recurso Extraordinário n.° 146.733/SP, Tribunal Pl eno, Rel. Min. Moreira Alves, publicado no DJ de 06.11.1992.
153
substituição tributária, subsumem-se perfeitamente à definição disposta no artigo 3º
do CTN:
“Art. 3º. Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se
possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada
mediante atividade administrativa plenamente vinculada”.
A contribuição previdenciária é uma prestação pecuniária compulsória, posto
que a partir do momento em que o trabalhador torna-se segurado do Regime Geral
de Previdência Social, fica ele obrigado a efetuar o pagamento das contribuições. É
paga em nossa moeda corrente (Real).
Não constitui sanção por ato ilícito, posto que é paga somente para financiar
um possível benefício em caso de situação de necessidade social. Foi instituída pela
Lei Federal n.º 8.212, de 24 de Julho de 1991.
E, é cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada, posto
que o seu não pagamento enseja o lançamento do agente fiscal da União ou, no
caso dos segurados facultativos, a não concessão de qualquer benefício, mesmo
que o segurado se encontre em situação de necessidade social.
Portanto, se referido dispositivo traduz o que denota a palavra “tributo” e as
contribuições previdenciárias se encaixam perfeitamente nessa denotação, logo elas
são uma conotação da palavra “tributo” e, portanto, são definitivamente espécies
tributárias.
Nesse raciocínio, o jurista JOSÉ DOS REIS FEIJÓ COIMBRA247 aduz que:
“cremos indubitável que a contribuição previdenciária tem indisfarçável caráter de
tributo, até pela sua inteira acomodação ao conceito fornecido pelo art. 3º da Lei nº
5.172, de 25/10/66 (Código Tributário Nacional). É uma prestação pecuniária
compulsória, que só a lei pode instituir, não constituindo pena por ilícito, e exigível
por ação administrativa estritamente vinculada.”.
O professor SÉRGIO PINTO MARTINS248 aduz que: “A relação obrigacional
da contribuição previdenciária é uma relação tributária. O sujeito ativo é a União,
embora esta delegue a arrecadação e a fiscalização ao INSS, o que encontra
amparo legal no art. 7º do CTN. Os sujeitos passivos são o empregador e o
247 Direito previdenciário brasileiro. p. 274. 248 Direito da seguridade social. p. 76.
154
trabalhador. O fato gerador é o pagamento de remuneração ao trabalhador. A base
de cálculo é a remuneração.”.
Ademais, há que se consignar um trecho sabiamente elaborado pelo
professor WAGNER BALERA249 sobre esse assunto:
“Quase nos atreveríamos a dizer que, ao querer contrariar a natureza específica das
contribuições sociais, procurando retirá-las do terreno tributário, o legislador acabaria por
provocar o retrocesso na marcha histórica da evolução do fenômeno protetivo. Nos
lugares onde a moderna seguridade social já admite financiamento exclusivo pelo
orçamento fiscal, não há lugar para discussões desse tipo. Ao reverso, onde se pretende
retirar do campo tributário a base direta de financiamento do seguro social, volta-se ao
passado mutualístico e, nos extremos, pode-se confundir as contribuições dos
trabalhadores e dos empregadores com os prêmios do seguro privado...”.
Confirma esse raciocínio, também, o professor PAULO ROBERTO LYRIO
PIMENTA250 ao afirmar que as contribuições estão de acordo com o artigo 3º do
CTN e que sua natureza tributária é inquestionável. Além do que esse jurista conclui
que as contribuições são espécies autônomas, que não podem ser confundidas nem
com taxas e nem com impostos.
A importância em se saber realmente se tais contribuições possuem natureza
jurídico-tributário consiste em descobrir seu regime aplicável. Nesse sentido, explica
o professor VALDIR DE OLIVEIRA ROCHA251 que: “Vê-se que com a determinação
da natureza jurídica busca-se dar a um instituto uma localização genérica dentro do
sistema jurídico que ajude na compreensão do regime jurídico a que se ache
submetido e – o que as vezes é mais importante – a que não se submete. Daí
porque – só para exemplificar – é relevante apontar-se a natureza jurídica de
institutos como tributo, imposto, taxa, contribuição de melhoria, serviços etc., até
para que não deixe levar por aspectos meramente exteriores, como o nome que se
lhes dê, a natureza jurídica resulta do que é intrínseco ao instituto como posto no
sistema de direito positivo.”.
Dessa forma, se as contribuições previdenciárias, como se explicou acima,
são espécies tributárias, então seu regime aplicável também é o tributário.
249 Noções Preliminares de Direito Previdenciário. p. 141-142. 250 Op. cit. p. 16-23. 251 Op. cit. p. 88.
155
Nesse sentido, a professora FABIANA DEL PADRE TOMÉ252 em sua obra, ao
adotar, tal qual esse trabalho a premissa de que é a linguagem que constitui a
realidade, explica que: “as coisas não apresentam uma natureza em si; é a
linguagem que cria os objetos integrantes da realidade do ser cognoscente, bem
como sua natureza. Quando nos referimos a natureza de algo, não fazemos alusão
à essência a ele inerente. Essa essência não existe; é construção da linguagem. E,
no âmbito jurídico, referida essência (natureza) é construída pela linguagem do
direito positivo que, por meio de enunciados prescritivos, disciplina-a. Não há,
portanto, como analisar de forma separada a natureza e o regime jurídico, sendo
descabido o argumento no sentido de que, apesar de haver a aplicação do regime
jurídico tributário às contribuições, estas não apresentariam natureza tributária”.
Portanto, às contribuições previdenciárias devem ser aplicadas as regras
constitucionais atinentes ao sistema tributário, bem como as regras atinentes ao
Código Tributário Nacional; isto é, devem ser aplicados (além dos princípios
constitucionais gerais – princípio republicano, do pacto federativo, da autonomia dos
municípios, direitos e garantias individuais, direitos sociais e da livre iniciativa) os
princípios constitucionais da estrita legalidade, da tipicidade tributária, da
anterioridade nonagesimal, capacidade contributiva, irretroatividade tributária, não-
confisco e as hipóteses de imunidade tributária, bem como todas as regras previstas
no Código Tributário Nacional acerca, principalmente, de suspensão, extinção e
exclusão do débito tributário, bem como dos prazos de decadência e prescrição.
A mais moderna demonstração dessas assertivas é a edição em 12/09/2008
da Súmula Vinculante nº 8 do STF: “São inconstitucionais o parágrafo único do art.
5º do Decreto-Lei nº 1.569/1977 e os artigos 45 e 46 da Lei nº 8.212/1991 que
tratam de prescrição e decadência de crédito tributário”.
Essa Súmula consagra a natureza jurídico-tributária das contribuições
previdenciárias, bem como a aplicação do regime jurídico tributário a essas espécies
tributárias, mais especificamente, que para os prazos de prescrição e decadência
das contribuições previdenciárias devem ser aplicados os artigos 150, § 4º, 173 e
174, todos do CTN.
252 Contribuições para a Seguridade Social à luz da Constituição Federal. p. 88.
156
- (ii) a não vinculação das contribuições previdenciárias:
Embora a doutrina tradicional persista na vinculação das contribuições
(principalmente quando se trata das contribuições previdenciárias recolhidas pelo
trabalhador) por entender que existe uma atuação estatal para conceder algum
benefício a um dado grupo de pessoas ou a toda coletividade em algum momento
futuro, é importante ater-se à acepção dada ao vocábulo “vinculação” quando se
tratar da classificação doutrinária das espécies tributárias formulada pelo mestre
GERALDO ATALIBA.
Nesse sentido, é oportuno consignar suas lições253: “A materialidade do fato
descrito pela h.i. (aspecto material da h.i.) de todo e qualquer tributo ou é uma (1)
atividade estatal ou (2) outra coisa qualquer. Se for uma atividade estatal o tributo
será (1) vinculado. Se um fato qualquer, o tributo será (2) não vinculado.”.
E, também as lições do professor RUBENS GOMES DE SOUSA254 que
afirmou o seguinte em parecer: “Nesta linha de pensamento enquadra-se a opinião,
que adoto, de Geraldo Ataliba (RDP 9/43), de que os tributos podem ser “vinculados”
ou “não vinculados” em função da natureza do seu fato gerador, nome que se dá à
situação material ou jurídica definida em lei como necessária e suficiente para gerar
a obrigação de pagá-los.”.
Assim, vislumbra-se que essa vinculação a uma atividade estatal está
relacionada com a materialidade do tributo; isto é, a hipótese de incidência do tributo
deve estar relacionada, mesmo que indiretamente, a uma atividade estatal.
Sobre essa atividade estatal indiretamente relacionada com a hipótese de
incidência, esclarece o professor AIRES BARRETO255 que: “A hipótese de incidência
das contribuições é o somatório de atuação estatal e circunstância intermediária que
é o dado de conexão com o obrigado. O liame entre atuação estatal e obrigado só
se dá com o engaste, com o elo da circunstância que entre eles se interpõe.”.
Vale aqui uma explicação a respeito da vinculação indireta do tributo a uma
atuação estatal: Antigamente, mesmo se especulando a respeito de outras espécies
de contribuições, a única contribuição que os juristas realmente tinham
conhecimento era a de melhoria, cujo fato gerador é a valorização imobiliária em 253 Hipótese de Incidência Tributária. p. 131. 254 “Natureza tributária da contribuição para o FGTS” in Revista de Direito Público 17/1971. p. 309. 255 Base de cálculo, alíquota e princípios constitucionais. p. 104.
157
decorrência de realização de obra pública. Para essa contribuição, o fenômeno da
vinculação indireta se enquadra perfeitamente – há atuação estatal (realização de
obra pública), um fator superveniente que ensejará a cobrança da exação
(valorização imobiliária) e referibilidade. Dessa forma, utilizaram o esquema dessa
exação para outras espécies de contribuições. Por isso que autores respeitados
como RUBENS GOMES DE SOUZA, GERALDO ATALIBA, AMÉRICO MASSET
LACOMBE, HAMILTON DIAS DE SOUZA e YLVES JOSÉ DE MIRANDA
GUIMARÃES afirmam que as contribuições em geral são tributos vinculados a uma
atuação estatal.
Só posteriormente à promulgação da Constituição Federal de 1988, que prevê
expressamente a tributação por meio de contribuições sociais, que se começa a
vivenciar a sistemática das contribuições sociais, que em nada se assemelha com as
contribuições de melhoria.
Mesmo que se analise especificamente as contribuições previdenciárias,
independentemente de serem pagas pelo trabalhador ou empregador, não se
vislumbra qualquer atuação estatal de forma indireta em sua hipótese de incidência.
SYLVIO SANTOS FARIA256, ao analisar o fenômeno da parafiscalidade, faz a
seguinte observação a esse respeito: “Efetivamente, não há uma contra-prestação
capaz de justificar uma participação do contribuinte no serviço público custeado com
aquela contribuição parafiscal (...) o característico da parafiscalidade não é o
benefício direto a ser recebido obrigatoriamente pelo contribuinte, o que muito a
aproximaria da taxa, mas a incidência de um tributo sobre indivíduos ligados por um
vínculo social ou econômico, e o emprego das arrecadações em benefício deles.”.
Nas contribuições previdenciárias, como já verificado, as materialidades
possíveis são: receber salário e ser inscrito no RGPS e receber remuneração e ser
inscrito no RGPS. Logo, não há qualquer atividade estatal na materialidade, nem
mesmo de forma indireta, o que significa afirmar não se tratar de um tributo
vinculado.
Essa hipótese de incidência referida pelo professor AIRES BARRETO é
somente a hipótese de incidência das contribuições de melhoria, as quais são as
autênticas contribuições com vinculação indireta.
256 Aspectos da parafiscalidade. p. 43.
158
“Pagar para ter um benefício em troca” não significa a vinculação do tributo a
uma atividade estatal. Se assim o fosse, todos os tributos seriam vinculados, posto
que todos são pagos esperando um retorno do Estado, inclusive os impostos (que
têm por finalidade o financiamento de atividades genéricas e indivisíveis, tais como
segurança, saneamento básico, saúde, conservação de ruas e iluminação pública).
É nesse sentido que se pronunciou BRANDÃO MACHADO257: “Nessa
classificação dicotômica dos tributos em não-vinculados e vinculados não há, no
entanto, lugar para as contribuições. O fato gerador da obrigação de pagá-las não
consiste numa atuação, direta ou indireta, do Estado ou de entidade que faz as suas
vezes; consiste num fato imputável ao contribuinte, desvinculado de qualquer
atividade estatal, embora a receita das contribuições se destine a financiar a
atividade que tenha motivado a sua instituição”. Para ele, o que caracteriza a
contribuição é a “vinculação com o motivo da sua criação”. Posteriormente, esse
mesmo jurista explica que258: “A contribuição de previdência social devida pelo
empregado decorre do fato da percepção de salário, que pressupõe uma relação de
emprego e a automática estipulação do seguro social. A contribuição do empregador
tem como pressuposto a despesa do salário de todos os seus empregados. Não há,
nessas duas hipóteses qualquer relação entre perceber salário e pagar salários, de
um lado, e prestar assistência médica, pagar aposentadorias e pensões, como faz,
de outro lado, a entidade destinatária da receita.”.
O risco da tredestinação é próprio dos tributos não vinculados e é bem esse o
risco do produto da arrecadação dos impostos e das contribuições (ambos não
vinculados). O dinheiro arrecadado desses tributos é revertido respectivamente para
compor “cofres públicos” e “fundos e órgãos” para que, quando necessário, financie
uma possível atividade estatal.
Ao passo que nos tributos vinculados (taxas e contribuições de melhoria), o
sujeito passivo paga especificamente para aquela atividade estatal que já ocorreu.
Não há mais risco para tredestinar: houve pagamento pela atividade estatal ocorrida.
Mesmo nas contribuições previdenciárias, que pressupõem uma relação
sinalagmática entre o contribuinte e o INSS, ao se realizar o recolhimento do mês, o
257 São tributos as contribuições sociais? p. 1.839-1.841. 258 Ibid., p. 1.852.
159
sujeito passivo o faz para compor o seguro social – Previdência Social – e não como
forma de pagamento por uma atividade previdenciária ocorrida.
Reafirmando tais assertivas, os professores MARCELO ALEXANDRINO e
VICENTE PAULO259 explicam o problema sob outra abordagem: “O critério de
distinção de tributos em vinculados e não-vinculados, baseado no fato de suas
hipóteses de incidência descreverem, ou não, atividades estatais especificamente
relacionadas ao contribuinte, não é válido para a identificação de uma dessas
contribuições (esse critério funciona perfeitamente para a identificação da natureza
específica de um tributo quando se adota a classificação tripartida, prevista no art. 5º
do CTN). Observamos que tanto podem as contribuições ter por fato gerador
atividades estatais específicas (e.g., o exercício de poder de polícia), como podem, o
que é mais comum, suas hipóteses de incidência ser fatos econômicos relativos ao
contribuinte, desvinculadas de qualquer atuação do Estado (e.g., o faturamento das
empresas, fato gerador da COFINS). Da mesma forma, o STF já pacificou a
possibilidade de possuírem as contribuições base de cálculo idêntica à de impostos
(RE 228.321). O que realmente as diferencia é a vinculação do produto de sua
arrecadação a determinados fundos, órgãos, despesas ou finalidades específicas”.
(sic!)
Nesse sentido, salienta o professor PAULO AYRES BARRETO260 que: “As
materialidades das contribuições – auferir lucro, obter receita, pagar folha de salários
etc. – não consistem, necessariamente, em atuação estatal mediata ou
indiretamente referida ao obrigado. A conjugação dos dois fatores acima descritos (a
atividade do Estado e o efeito causado por essa atividade a um determinado círculo
de pessoas) ocorre na contribuição de melhoria. Em outros casos, as contribuições
apresentam materialidades típicas de impostos. O antecedente da regra-matriz de
incidência descreve um fato que, em sua essência, independe de qualquer atuação
estatal relativa ao contribuinte. Do mero cotejo critério material/base de cálculo não
se pode afirmar se estamos diante de imposto, contribuição ou mesmo empréstimo
compulsório.”.
259 Direito tributário na Constituição e no STF. p. 60-61. 260 Op. cit. p. 70.
160
É nesse sentido que discordamos, com toda vênia, da professora SUSY
GOMES HOFFMANN261 quando ela afirma que: “a criação das contribuições exige a
conjugação de dois fatos: a) a atividade estatal realizada para o cumprimento de
uma finalidade constitucionalmente prevista; b) que essa atividade enseje um efeito
a um determinado grupo de pessoas.”.
Como bem ressalta o professor PAULO AYRES BARRETO, a conjugação
desses dois fatores funciona muito bem para as contribuições de melhoria, as quais,
realmente possuem em sua materialidade ambos os fatores, todavia, as
contribuições sequer possuem em sua materialidade uma atuação estatal. Quem
dirá as contribuições previdenciárias que têm por materialidades situações do
trabalhador – “receber salário”; “receber remuneração”.
Embora traçadas essas assertivas, para não retirar por completo a razão dos
doutrinadores que acreditam serem as contribuições tributos vinculados,
especialmente a contribuição dos trabalhadores, é possível perceber que existe, sim,
uma “vinculação” do produto da arrecadação das contribuições com uma atividade
estatal.
Aqui, não há um paradoxo, mas, sim, a comprovação das premissas
lingüísticas adotadas. O termo “vinculação” pode aparecer em diversos contextos,
com significações diferentes. É o que se pode verificar nas seguintes frases dadas
como exemplos: “Minha conta bancária é vinculada com a conta de meu pai”
(vinculação com sentido de atrelamento); “Há uma interessante vinculação entre
mães e filhos” (vinculação no sentido de união); “O contrato vincula as partes”
(vinculação no sentido de obrigação).
O termo “vinculação”, embora sempre pressuponha a relação entre duas ou
mais pessoas ou objetos, poderá, portanto, apresentar-se em contextos distintos,
com significações diferentes, aliás, esse termo pode relacionar “n” pessoas e objetos
diversos e em cada situação essa relação ter uma significação própria.
É a polissemia da palavra “vinculação” que torna a doutrina confusa em
relação à classificação constitucional proposta por GERALDO ATALIBA. Enquanto o
mestre refere-se à relação entre fato gerador de tributo e atividade estatal (relação
261 As contribuições no sistema constitucional tributário: Significado e Regra Matriz de Incidência. p. 96.
161
“a”), os doutrinadores referem-se à vinculação do produto da arrecadação das
contribuições a uma atividade estatal (relação “b”).
Percebe-se aqui nitidamente que se trata de duas vinculações diferentes. Há
duas relações distintas: a relação “a” que se refere à vinculação do fato gerador do
tributo com uma atividade estatal (nesse caso, a palavra ‘vinculação’ significa
coincidência; isto é, coincidência de fato gerador com atividade estatal); e a relação
“b” que se refere à vinculação do produto da arrecadação das contribuições com
uma atividade estatal (nesse caso a palavra ‘vinculação’ significa atrelamento; isto é,
o produto arrecadado pelas contribuições está atrelado com uma atividade estatal).
Portanto, para que não ocorram mais confusões, esse trabalho adotará a
nomenclatura “tributos vinculados” para designar os tributos que possuem fato
gerador coincidente com uma atividade estatal, e a nomenclatura “tributos afetados”
para designar os tributos que possuem o produto de sua arrecadação atrelado a
uma atividade estatal.
Dentro desse contexto, elaboraram-se as seguintes tabelas:
Tributos Não Vinculados Tributos Vinculados
Impostos
Contribuições corporativas, interventivas e
sociais (genéricas e previdenciárias).
Empréstimos Compulsórios - Impostos
Taxas (de poder de polícia e de serviços
públicos),
Contribuições de Melhoria, Empréstimos
Compulsórios – Taxas
Tributos Não Afetados Tributos Afetados
Impostos
Taxas (de poder de polícia e de serviços
públicos), Contribuições de Melhoria,
Empréstimos Compulsórios (impostos e taxas)
e as Contribuições (corporativas, interventivas e
sociais – genéricas e previdenciárias).
162
Isso significa que as contribuições previdenciárias são tributos não vinculados
a uma atuação estatal, porém são afetadas à ocorrência de possíveis atividades
estatais atinentes à concessão de prestações previdenciárias.
- (iii) destinação à Previdência Social:
A contribuição previdenciária, como subespécie de contribuição, é espécie
tributária qualificada por sua destinação, como já verificado anteriormente.
A União Federal, valendo-se do exercício de sua competência, por intermédio
da Lei n.° 8.213/91, previu que tais contribuições fossem destinadas ao
financiamento da Previdência Social; isto é, o produto de sua arrecadação deve ser
revertido para o fundo previdenciário responsável pela concessão de prestações
previdenciárias: benefícios (aposentadoria por tempo de serviço, aposentadoria por
idade, aposentadoria especial, aposentadoria por invalidez, auxílio-doença, auxílio-
acidente, auxílio-reclusão, salário-família, salário-maternidade e pensão por morte) e
serviços (serviço social, habilitação e reabilitação profissional).
As contribuições previdenciárias, portanto, são destinadas a custear as
prestações previdenciárias que devem ser concedidas aos seus segurados quando
esses se encontrarem em situação de risco social (doença, velhice, morte, invalidez
para o trabalho, maternidade, reclusão, entre outros).
Nesse sentido GERALDO ATALIBA262: “Insere-se a ‘contribuição’
previdenciária na parafiscalidade, exatamente porque a lei erigiu autarquias –
pessoas distintas do estado – como organismos previdenciários para a específica
finalidade de desempenhar as atividades concretas tendentes a favorecer à
maternidade e ocorrer às conseqüências da invalidez, doença, velhice e morte. Às
autarquias previdenciárias foi conferida pela lei a sujeição ativa deste tributo.
Deferido a elas o encargo de desempenhar a atividade chamada de previdência
social, o produto deste tributo reverte em seu proveito.”.
É nesse momento que se consigna que, graças à destinação específica das
contribuições previdenciárias para a Previdência Social, há, como não poderia deixar
de ser, um orçamento próprio para a Previdência Social que não se confunde com o
orçamento geral da União por força do art. 2º, §§ 1º e 2º, da Lei n.º 11.457/07, e nem
mesmo com o orçamento da Seguridade Social.
262 Sistema constitucional tributário brasileiro. p. 192.
163
E esse orçamento da Previdência Social é gerido pelo Instituto Nacional de
Seguridade Social, autarquia federal, que recebeu da União, ente político com
competência tributária, a capacidade para gerir o orçamento particular da
Previdência Social. Passaram a ser arrecadadas pela Receita Federal do Brasil.
É em decorrência dessa parafiscalidade que referidas contribuições são
também denominadas parafiscais e, consoante ensinamentos do professor JOSÉ
SOUTO MAIOR BORGES263, trata-se somente de uma “técnica descentralizada de
arrecadação” e tal “nomenclatura não muda a estrutura jurídica do tributo.”.
Nos dizeres da professora MIZABEL ABREU MACHADO DERZI264: “Do ponto
de vista estritamente jurídico-tributário, a parafiscalidade é apenas o fenômeno
segundo o qual a lei da pessoa competente atribui ‘a titularidade de tributo a
pessoas diversas do Estado, que as arrecadam em benefício das próprias
finalidades. É o caso de autarquias dotadas de capacidade tributária ativa (IAPAS,
DNER, OAB,CONFEA, CEF) ou de entidades paraestatais, pessoas de direito
privado chamadas pela lei a colaborar com a administração pública.”.
A parafiscalidade necessária é uma conseqüência da destinação específica
das contribuições previdenciárias, afinal se elas somente devem financiar prestações
previdenciárias, não poderá o produto da arrecadação dessas espécies tributárias
estar diluído no orçamento geral da União.
O professor HAMILTON DIAS DE SOUZA265 explica que: “A descentralização
da gestão administrativa da seguridade é uma exigência do sistema. O que se
pretende é que a seguridade seja destacada do Estado de sorte que possa atingir
seus objetivos, sem que as dificuldades do poder central as contaminem. O
contribuinte tem o direito de só contribuir na medida em que a exação pretendida
esteja em conformidade com o desenho normativo traçado pela Constituição. Se a
cobrança não é efetuada pelo próprio órgão da seguridade social, mas pela União,
distorce-se o conceito da exação, mesmo porque perde-se a certeza de que os
recursos serão inteiramente alocados à atividade em causa.”.
Esse professor fala em descentralização da gestão da seguridade social em
geral, todavia, se a previdência social é um dos seus elementos, então, por razões
263 “Contribuições: caráter tributário” in Revista de Direito Tributário n.º 34/85, p. 34. 264 “Contribuição para o Finsocial” in Revista de Direito Tributário n.º 55/91. 265 “Contribuições para a Seguridade Social” in Caderno de Pesquisas Tributárias, v. 17, p. 131.
164
lógicas, a previdência também deve necessariamente estar descentralizada e pelas
mesmas razões apontadas por esse professor.
É oportuno mencionar que o orçamento da Previdência Social não é somente
composto pelas contribuições previdenciárias pagas pelos seus segurados, há,
também, parcela do orçamento da Seguridade Social que é destinada ao fundo
previdenciário, consoante previsão expressa do art. 2º, caput, e § 1º, da Lei n.º
11.457/07 (Lei da Super-Receita) e art. 68, § 1º, da Lei Complementar n.º 101/00
(Lei de Responsabilidade Fiscal).
De qualquer forma, as contribuições previdenciárias não possuem nenhum
outro objetivo: elas somente servem para custear prováveis prestações
previdenciárias que serão devidas a seus segurados num momento de necessidade
social. Daí decorrer a parafiscalidade necessária.
Nesse raciocínio, considera-se completamente inconstitucional a Emenda
Constitucional nº 27/00 (que foi prorrogada até 2007 pela Emenda Constitucional n.º
42/03) que instituiu a DRU – Desvinculação das Receitas da União de fundos,
órgãos e despesas em 20% de contribuições sociais de competência da União.
As contribuições previdenciárias são subespécies de contribuições sociais de
competência da União, e se essa emenda fosse aplicada a elas, 20% do seu
produto fatalmente seria tredestinado, o que é uma patente inconstitucionalidade, já
que a validade constitucional de tais espécies tributárias se dá pela destinação
específica.
Não se acredita que a falta de vinculação desses 20% (vinte por cento) da
receita seria forma de flexibilização do orçamento e que, de qualquer forma, haveria
aplicação de percentagem na Previdência Social, por exemplo, como afirma
FERNANDO FACURY SCAFF266.
Ademais, há que se consignar nesse momento que a contribuição
previdenciária se não for utilizada em sua destinação específica, ou seja, se houver
tredestinação do produto de sua arrecadação, deverá ser declarada inconstitucional
e, conseqüentemente, ensejará ação repetitória de seus respectivos segurados.
266 “o que pretende o Governo Federal com a DRU é dar maior flexibilidade orçamentária, o que não quer dizer que, pontualmente, parcela dos valores apartados não seja utilizada nas finalidades constitucionalmente determinadas”. Direitos Humanos e a Desvinculação das Receitas da União-DRU in Tributos e Direitos Fundamentais. p. 75.
165
Também poderá haver a responsabilização da autoridade competente nos termos
dos arts. 84 da CF; 54 e 58 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LC n.° 101/00) e art.
10 da Lei de Improbidade Administrativa (Lei n.º 8.249/92).
O professor JOSÉ MARQUES DOMINGUES DE OLIVEIRA267 afirma, nesse
sentido, que “Então a finalidade é relevante, sim, para a análise da
constitucionalidade do tributo. E se o desvio de finalidade pode ensejar a nulidade
do imposto (porque a afetação deste é constitucionalmente proibida), deve-se
entender, pela mesma razão, que o desvio de finalidade das contribuições, cuja
afetação é determinada na Constituição, torna-os ilegítimos desde a sua instituição.
Isto pode explicar também pela natureza justificadora que a destinação específica
(finalidade) exerce sobre os fatos geradores desses tributos.”.
Nesse mesmo sentido, ALIOMAR BALEEIRO268 explica que: “A destinação
passou a fundar o exercício da competência da União. Sem afetar o tributo às
despesas expressamente previstas na Constituição, falece competência à União
para criar contribuições. (...). Assim, a destinação assume relevância não só
tributária como constitucional e legitimadora do exercício da competência federal. O
contribuinte pode opor-se à cobrança de contribuição que não esteja afetada aos
fins, constitucionalmente admitidos; igualmente poderá reclamar a repetição do
tributo pago, se, apesar da lei, houver desvio quanto à aplicação dos recursos
arrecadados.”.
Corroborando essa idéia, o jurista WERTHER BOTELHO SPAGNOL269 afirma
que: “Existindo desvio de finalidade ou tredestinação, verifica-se o exercício irregular
da competência impositiva, viciando-se inapelavelmente a norma tributária. É que o
mandamento de uma norma tributária veiculadora de contribuição social não
explicita apenas o comando ‘entregar dinheiro aos cofres públicos’, mas, em razão
de possuir aspecto finalístico expresso, explicita o comando ‘entregar dinheiro aos
cofres públicos para a consecução de determinada finalidade.”. Dessa forma, esse
jurista conclui que é incontestável o direito do contribuinte opor-se ao pagamento do
tributo ou de repeti-lo.
267 “Contribuições sociais, desvio de finalidade e a dita reforma da previdência social brasileira” in Revista Dialética de Direito Tributário n.º 108. p. 129. 268 Limitações constitucionais ao poder de tributar. 7ª ed. p. 598. 269 Op. cit. p. 97-98.
166
E também a jurista JÚNIA ROBERTA GOUVEIA SAMPAIO270: “A partir do
momento em que se verifica que as contribuições para a seguridade social não são
destinadas a custear benefício algum, cai por terra a legitimidade constitucional para
a cobrança desse tributo, uma vez que o sistema só permite a oneração adicional
por meio das contribuições para a seguridade social se comprovada a criação de
novo benefício. Atinge-se, assim, o direito individual do contribuinte de só ser
afetado desde que a finalidade esteja resguardada.”.
Um bom exemplo legislativo que ilustra a importância da destinação das
contribuições previdenciárias é o art. 197 da IN/INSS/PRES n.º 20/07, que dispõe
sobre devolução de valores ao INSS:
“Art. 197. Os valores indevidamente recebidos deverão ser devolvidos ao INSS, na
forma dos artigos 154 e 365 do RPS”.
Parece evidente tal conclusão quanto à inconstitucionalidade da contribuição
previdenciária e conseqüente ação de repetição do indébito, todavia não o é, há
muitos segurados que contribuem inutilmente para o Regime Geral de Previdência
Social; isto é, o órgão parafiscal por meio de suas Instruções Normativas cria
situações extremamente utópicas para a concessão de benefícios, de modo que se
elas não ocorrerem nem o segurado e nem seus dependentes receberão o
benefício.
Em consulta ao site do INSS, encontra-se a seguinte explicação a respeito da
concessão da pensão por morte:
“Benefício pago à família do trabalhador quando ele morre. Para concessão de pensão
por morte, não há tempo mínimo de contribuição, mas é necessário que o óbito tenha
ocorrido enquanto o trabalhador tinha qualidade de segurado. Se o óbito ocorrer após a
perda da qualidade de segurado, os dependentes terão direito a pensão desde que o
trabalhador tenha cumprido, até o dia da morte, os requisitos para obtenção de
aposentadoria, concedida pela Previdência Social”.
Essa citação constante do site do INSS é somente uma ilustração das muitas
situações utópicas criadas para obstar que a contribuição previdenciária paga
durante muitos anos não cumpra sua destinação. Dessa forma, esse trabalho
defende a inconstitucionalidade da contribuição previdenciária e o cabimento de
ação de repetição de indébito tributário.
270 Op. cit. p. 218.
167
Como já defendido linhas atrás, o segurado não paga contribuição
previdenciária para conceder prestações previdenciárias a outrem, ele paga para ele
ou seus dependentes receberem a prestação. A solidariedade não é a causa do
sistema previdenciário, mas sua conseqüência: se o segurado morre e não tem
dependentes, aí sim deve ser a solidariedade.
Em suma, a destinação específica das contribuições previdenciárias deve ser
respeitada, afinal, ela está inserida na própria norma constitucional de competência
tributária, aliás, ela é identificada através da especificidade de sua destinação, como
bem demonstra o Min. ILMAR GALVÃO em seu voto no RE n.° 146.733, referido
anteriormente:
“A especificidade da destinação do produto da arrecadação do tributo em causa é que,
obviamente lhe confere o caráter de contribuição. Eventual desvio de finalidade que se
possa verificar na administração dos recursos por ela produzidos não pode ter o efeito de
transmudar-lhe a natureza jurídica”.
Nessa esteira, a professora ZÉLIA LUÍZA PIERDONÁ271 conclui que: “As
disposições constitucionais aplicáveis aos tributos nos permite concluir que a
diferença entre as contribuições para a seguridade social e as demais espécies
tributárias se encontra na norma de estrutura que atribui competência a União para
instituir as referidas contribuições. O principal preceito diferenciador é a destinação
da receita das contribuições para a seguridade social. Tal destinação revela uma
finalidade constitucionalmente qualificada.”.
Dada a importância da especificidade da destinação nas contribuições, cabe
nesse tópico ainda um posicionamento acerca de sua validação, se é causal ou
finalística.
O professor MARCO AURÉLIO GRECO272 explica que há duas técnicas de
validação das normas hierarquicamente subordinadas: a validação causal ou
condicional e a validação finalística.
A validação causal ou condicional consiste em normas que prevêem
situações aptas a gerar efeitos (se-então), enquanto que a validação finalística
consiste na própria previsão de efeitos, mais especificamente, na previsão de
271 Op. cit. p. 107. 272 Contribuições (uma figura “sui generis”). p. 118.
168
finalidades. Segundo explicações do professor273: “enquanto o primeiro modelo é um
modelo protetivo da realidade, o segundo é um modelo modificador da realidade
pois, na medida em que se edita uma norma jurídica para obter um resultado, é
porque este resultado ainda não existe. Se o resultado ainda não existe, a diretriz do
ordenamento, nestes casos, é de construção de uma realidade nova, de busca de
um contexto inexistente, no momento da própria edição da norma.”.
Já foi dito neste trabalho que as contribuições são espécies tributárias
autônomas principalmente pelo fato de possuírem uma norma de competência
diferenciada sintaticamente das demais espécies tributárias; ou seja, as
contribuições se qualificam como tal em decorrência de sua norma de competência
prever uma finalidade.
Ao se construir a regra-matriz de incidência das contribuições, baseada na
norma de competência já instituída, tem-se exatamente a mesma técnica dos
demais tributos: a prescrição de uma situação que deverá gerar efeitos; ou seja, há
uma validação causal.
Dentro dessa discussão é oportuno diferenciar dois momentos
completamente distintos: (i) o momento em que a autoridade legislativa prevê uma
finalidade em abstrato na norma que prescreve o exercício da competência tributária
para instituir contribuição – que é o momento relevante para diferenciar a norma
jurídica atinentes às contribuições das demais; (ii) o momento em que ocorre a
efetiva destinação do produto da arrecadação – que é o momento em que o
administrador, realizando o orçamento, destina as verbas do produto da arrecadação
das contribuições à determinada finalidade.
O professor JOSÉ EDUARDO SOARES DE MELO274, corrobora essa idéia:
“Trata-se de situações distintas, inconfundíveis no âmbito jurídico e cronológico, pois
concernem, respectivamente, a anterior exercício da atividade do Legislativo
(estipulando o destino do tributo) e posterior atuação do Executivo (aplicando os
recursos).”.
273 Contribuições (uma figura “sui generis”). p. 119. 274 Op. cit. p. 35.
169
REGIS FERNANDES DE OLIVEIRA275, com o mesmo raciocínio, conclui que:
“a finalidade é o objetivo almejado pelo legislador constituinte, enquanto a
destinação é o direcionamento dado à receita das contribuições pela lei instituidora
da exação, pela lei orçamentária e pelo administrador para alcançar o fim
constitucional.”.
Com essa distinção de finalidade em abstrato e efetiva destinação quer se
dizer que para qualificar a contribuição basta a finalidade em abstrato que
condiciona o exercício da competência tributária e não a efetiva destinação.
A validade de uma norma jurídica dentro do ordenamento é verificada quando
guardar pertinência sintática e semântica com as demais normas já existentes de
hierarquia superior. Se ela é válida, ela passa a ter vigência e daí passará a gerar
efeitos, positivos ou negativos, de forma que não é possível falar em validade de
acordo com os efeitos, como propõe os estudiosos que defendem a validade
finalística.
Portanto, não é possível se falar em validação finalística no direito positivo,
nem mesmo para as contribuições: a validação será sempre causal. Nas
contribuições previdenciárias a validade ocorrerá se as normas de sua regra-matriz
estiverem em consonância com as normas constitucionais atinentes ao sistema
previdenciário e elas se qualificam como tal porque sua respectiva norma de
competência prevê a Previdência Social como finalidade.
- (iv) sobre a não restituição das contribuições previdenciárias:
Parece estranho querer sublinhar o caráter da não restituibilidade das
contribuições previdenciárias, porém, poder-se-ia inferir que elas são restituíveis na
forma de prestações previdenciárias.
A contribuição previdenciária não é restituível pelos seguintes motivos: (i) a
prestação previdenciária somente é concedida ao segurado ou dependente se
houver situação de necessidade social; e, (ii) se houver a concessão da prestação
previdenciária ela não é correspondente com o valor pago a título de contribuição
previdenciária.
275 “Contribuições sociais e desvio de finalidade” in Direito Tributário: Homenagem a Paulo de Barros Carvalho p. 549.
170
(i) A prestação previdenciária somente é concedida ao segurado ou dependente se
houver situação de necessidade social: trata-se de um contrato de seguro, no qual
pagam-se as parcelas (contribuições previdenciárias) para que haja cobertura numa
situação de necessidade social. Portanto, se paga para se obter uma prestação
previdenciária se ocorrer uma situação de necessidade social.
(ii) Se houver a concessão da prestação previdenciária ela não é correspondente
com o valor pago a título de contribuição previdenciária: O segurado ou dependente
não recebe benefício em valor correspondente com o que pagou a título de
contribuição previdenciária; ou seja, o valor da prestação previdenciária (salvo
salário-família e salário-maternidade) não coincide com o valor das contribuições
previdenciárias. Conforme arts. 28 e 29 da Lei n.º 8.213/91, a base de cálculo das
prestações é o chamado salário-de-benefício, o qual é calculado conforme tabela
abaixo:
Aposentadoria por idade
Aposentadoria por tempo de contribuição –
art. 29, I, da Lei 8.213/91
Aposentadoria por invalidez
Aposentadoria especial
Auxílio-doença
Auxílio-acidente – art. 29, II, da Lei 8.213/91
Média aritmética simples dos maiores salários-
de-contribuição correspondentes a 80% (oitenta
por cento) de todo o período contributivo,
multiplicada pelo fator previdenciário276.
Média aritmética simples dos maiores salários-
de-contribuição correspondentes a 80% (oitenta
por cento) de todo o período contributivo.
Nesse sentido, JOSÉ DOS REIS FEIJÓ COIMBRA277 afirma que: “Não há
correspondência entre a obrigação de custeio e a de amparo; na primeira, o Estado
figura como sujeito ativo, sujeito passivo sendo a pessoa amparada ou alguém por
ela. A obrigação de recolher contribuições não é, na maior parte dos casos, nem
mesmo condição para o exercício do direito à prestação. Decorrentemente, a relação
276 O fator previdenciário, conforme dispõe o art. 77 da IN/INSS/PRES n.º 20/07, é calculado com base na idade, a expectativa de sobrevida e o tempo de contribuição do segurado ao se aposentar. Sua fórmula é a seguinte: f = Tc.a . [ 1+ {Id + Tc.a} ] Es 100 onde: f = fator previdenciário; Es = expectativa de sobrevida no momento da aposentadoria; Tc = tempo de contribuição até o momento da aposentadoria; Id = idade no momento da aposentadoria; a = alíquota de contribuição correspondente a 0,31. 277 Op. cit. p. 268-269.
171
de custeio é autônoma, forma-se e extingue por modos e em ocasiões diversas das
que regulam as demais relações jurídicas de Direito Previdenciário.”.
Corroborando, JOÃO ANTONIO G. PEREIRA LEITE278 afirma que “no seguro
social, por seus fins, não existe proporcionalidade entre o valor das contribuições
dos beneficiários e a quantia das prestações.”.
Portanto, após essa análise, conclui-se que efetivamente as contribuições
previdenciárias são tributos não vinculados e não restituíveis que passam a viger
quando da coincidência semântica entre a norma e o fato social (subsunção do fato
à norma).
7. Análise pragmática das contribuições previdenciárias
Pela análise pragmática, poder-se-á verificar quão eficiente são as normas de
custeio da Previdência Social.
As contribuições previdenciárias distinguem-se das demais contribuições
principalmente pela sua pragmática; isto é, elas possuem uma finalidade bem
definida que é custear a Previdência Social, o que significa financiar todas as
prestações previdenciárias concedidas aos segurados.
Prestações essas que se dividem em benefícios e serviços, conforme a tabela
abaixo:
Benefícios Serviços
Aposentadoria por invalidez
Aposentadoria por idade
Aposentadoria por tempo de contribuição
Aposentadoria especial
Auxílio-doença
Salário-família
Salário-maternidade
Auxílio-acidente
Pensão por morte
Auxílio-reclusão
Serviço Social
Habilitação Social
Reabilitação Social
278 Curso elementar de direito previdenciário. p. 169.
172
Cada uma dessas prestações serve para situações de necessidade social
diversas, consistentes em doença, velhice, incapacidade para o trabalho, morte,
reclusão, acidente de trabalho, maternidade, deficiência física e psíquica.
As contribuições previdenciárias, portanto, custeiam a cobertura para todas
essas situações de risco para os segurados. São chamadas de “situações de risco”
porque consistem em situações de futuro incerto ou indeterminado e todos,
indistintamente, poderão se encontrar nesse tipo de situação.
MOACYR VELLOSO CARDOSO DE OLIVEIRA279 explica que: “Há um anseio
universal pela ‘segurança’ do presente e, sobretudo, do futuro. Os problemas do
sustento na velhice, na invalidez, no desemprego, do tratamento e da subsistência
na doença; do amparo do grupo familiar, pela morte do que o tem sob sua
dependência; do aumento dos encargos no nascimento e na criação dos filhos;
assumiram na sociedade moderna – em virtude das crescentes dificuldades da vida
humana e mesmo rural que a caracterizam – proporções tais que a pessoa isolada
ou o próprio grupo familiar não pode, pó si só, enfrentá-los e dar-lhe solução
adequada no momento oportuno. Daí o apelo cada vez maior ao Estado –
responsável pelo bem comum – para que propicie, por meio de contribuições sociais
específicas, os meios para garantir essa ‘segurança’ para todos e para cada um.”.
Assim, mais do que cobrir as situações de risco, as contribuições
previdenciárias primam pelo princípio da dignidade humana e do mínimo existencial;
ou seja, elas complementam a renda de uma família em um caso de necessidade
social para que seus membros tenham ao menos um mínimo para uma existência
digna.
Explicando dessa forma, é possível se pensar que as contribuições
previdenciárias são infinitamente pragmáticas, no sentido de que uma prestação
previdenciária poderia ser a única fonte de renda de várias famílias. Todavia, isso
não é verdade e jamais poderia ser sob o risco de tornar completamente deficitária a
Previdência Social.
Deve-se esclarecer que a previdência social é um sistema de seguro social,
logo somente custeia um risco social que se efetiva. Que tem por função a cobertura
279 Op. cit. p. 10.
173
de situações de necessidade social, vale dizer “de situações que possam inviabilizar
a obtenção de coisas imprescindíveis para a vida no meio social” – é nesse sentido
que se fala em mínimo existencial e princípio da dignidade humana.
Ademais, há que se rememorar que esse mínimo existencial está consignado
no Texto Constitucional, no art. 7º, inciso IV:
“Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à
melhoria de sua condição social:
(...)
IV – salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas
necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação,
saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos
que lhe preservem o poder aquisitivo (...)”.
CAROLINA ZOKUN280 alega que: “o mínimo existencial deve ser garantido
pelo valor das prestações, que, quando substitutivas do rendimento do trabalhador,
devem ser capazes de atender às suas necessidades vitais básicas e às de sua
família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene,
transporte e previdência social. Isto quer dizer que o Estado tem o dever de – nos
termos do art. 7º, IV, do Texto Maior – garantir o recebimento de um salário mínimo
mensal ao beneficiário (segurado ou dependente) do sistema da previdência social.”.
Portanto, é de salutar importância sublinhar, nesse momento, que a
Previdência Social, logo as contribuições previdenciárias, somente financiam o
mínimo existencial, jamais padrão de vida. A Previdência Social, então, não pode ser
considerada fonte de renda, mas sim como uma complementação na renda da
família do segurado que se encontra numa situação de necessidade social. Os
segurados que pretendam mais do que o mínimo existencial devem procurar outras
fontes de renda.
A pragmática das contribuições previdenciárias acabam resultando em
normas jurídicas ineficientes justamente por causa desse engano em tratar a
prestação previdenciária como única fonte de renda, posto que, efetivamente, quem
precisa fica sem e, quem não precisaria tanto, usa a prestação como única ou
principal fonte de renda.
280 Ob. cit. p. 99.
174
O equilíbrio atuarial da Previdência Social depende muito mais de bom senso
e vedação de abusos, do que de instituição de outras contribuições previdenciárias
flagrantemente inconstitucionais, tais como a contribuição dos inativos, ou, ainda, da
utilização do fator previdenciário para calcular o benefício281.
Mesmo com as atuais mudanças (que tem sido boas, ao menos
pragmaticamente) de concessão de benefício em meia hora e término de fator
previdenciário, há ainda muito a se evoluir em termos pragmáticos para que
efetivamente a Previdência Social atinja seus reais objetivos de manter dignamente
o cidadão que pagou durante toda a sua vida contribuições ao INSS e que agora
está, por exemplo, aposentado.
Se as normas relativas à Previdência Social dialogam com a realidade social,
então quem as interpreta não deve somente pensar no equilíbrio atuarial do sistema
previdenciário, mas também em como satisfazer plenamente as necessidades
básicas de seus segurados e, para tanto, deverá levar em conta quão alto é o
padrão de vida do brasileiro atualmente.
O Professor MARCUS ORIONE GONÇALVES CORREIA282 a esse respeito
afirma que: “Não se pode permitir que a busca de um pretenso equilíbrio financeiro
se dê com o incremento de uma política de exclusão social.”.
A Previdência Social, em termos pragmáticos, deveria servir para
efetivamente custear as necessidades vitais dos cidadãos quando esses se tornam
seus beneficiários, de forma que não precisassem mais trabalhar para obter o
necessário para sua sobrevivência.
É nesse sentido que se afirma que as contribuições previdenciárias, como
todas as contribuições sociais, também são financiadoras de atividade interventiva
do Estado na Ordem Social; isto é, as contribuições previdenciárias financiam a
intervenção social do Estado através da concessão de benefícios previdenciários em
razão da efetiva ocorrência de uma situação de risco com o segurado que
281 WLADIMIR NOVAES MARTINEZ ensina que “o fator previdenciário é um número, em cada caso, menor ou maior do que um, podendo ser, coincidentemente, igual à unidade, apurado em função de dados pessoais e profissionais do trabalhador, que define o quantum do salário-de-benefício que se presta para o cálculo da renda mensal inicial de pelo menos uma prestação” in Comentários à lei básica da previdência social. p. 213. 282 “Digressões a respeito da inconstitucionalidade do fator previdenciário” in Revista do Advogado n.º 60. p. 61.
175
prejudique sua capacidade laborativa e, conseqüentemente, de obter por si próprio o
mínimo vital para sua sobrevivência e de seus dependentes.
Corroborando com essa assertiva, CARLOS ALBERTO PEREIRA DE
CASTRO e JOÃO BATISTA LAZZARI283 afirmam que: “o seguro social, imposto por
normas jurídicas emanadas do poder estatal, caracteriza-se uma intervenção do
Estado na economia e na relação entre os particulares. E não é outra a função do
poder estatal, senão a de assegurar o bem comum da sociedade a que serve.”.
E também JOSÉ DOS REIS FEIJÓ COIMBRA284: “o Estado passou a intervir
corrigindo excessos e distorções que valiam, afinal, por evidentes contradições com
os postulados fundamentais da Revolução de 1789: Liberdade, Igualdade,
Fraternidade. Receptiva tornava-se a consciência da coletividade à idéia de que o
bem comum é o fim do Estado, cabendo a este disciplinar os interesses individuais,
conciliando-os com os da sociedade. A ação dos governos já não se limitaria,
portanto, à garantia dos direitos civis e políticos, à ordem interna e à defesa do País,
na esfera internacional, devendo voltar-se para a proteção de outros direitos,
denominados então de sociais e econômicos.”.
Assim, resta claro que o Estado Brasileiro, emprestando as idéias de
solidariedade e justiça social da Revolução Francesa, instituiu com o Texto
Constitucional de 1988 um instrumento que viabilizasse sua intervenção na Ordem
Social, de forma a manter o bem-comum; ou melhor a seguridade social: esse
instrumento são as contribuições sociais, as quais compreendem as genéricas e as
previdenciárias.
Portanto, resta claro que as contribuições previdenciárias são instrumentos
que financiam a atividade interventiva do Estado no sistema da Previdência Social;
isto é, o Estado intervém para prover uma subsistência digna aos trabalhadores que
estão provisória ou definitivamente incapacitados para exercer atividade produtiva.
8. O modelo constitucional teórico
Pensar num modelo teórico para o controle de validade, vigência e eficácia
das contribuições previdenciárias é bastante oportuno nesse trabalho que levantou
283 Op. cit. p. 49. 284 Op. cit. p. 08-09.
176
sérios problemas dentro do sistema previdenciário quando da análise de sua
pragmática.
8.1. Sintática
A estrutura sintática válida das contribuições sociais previdenciárias é a
seguinte:
NCTCP: Ant = U. Art. 195 da CF. TN → Cons = U. E/T. RMTIP. PS
RMICP: Ant = U. (Rr/Rs + iRGPS + NCTCP). TN. m → Cons = INSS. Er/Eo. (SC. A)
Onde:
NCTCP = norma de competência tributária das contribuições previdenciárias
Ant = antecedente
Cons = conseqüente
U = União
TN = Território Nacional
E/T = empregador ou trabalhador
RMTIP = regra-matriz tributária de incidência possível
PS = Previdência Social
RMICP = regra-matriz de incidência das contribuições previdenciárias
Rr/Rs = receber remuneração ou receber salário
iRGPS = inscrição no Regime Geral de Previdência Social
m = mês
INSS = Instituto Nacional de Previdência Social
Er/Eo = empregador ou empregado
SC = salário-de-contribuição
A = alíquota
Dessa estrutura, portanto, extraiu-se que a regra da finalidade constitucional
prevista para as contribuições previdenciárias está inserida em sua norma de
competência, condicionando o exercício da competência do ente tributante. E, mais
177
do que isso, essa norma de competência qualificada é que deverá legitimar a
instituição da referida exação, tanto que está presente no aspecto material da regra-
matriz de incidência tributária.
Dessa forma, percebe-se que a validade das contribuições, especificamente
as previdenciárias, ocorre no âmbito da sintática da Constituição Federal; ou seja, a
norma da contribuição previdenciária deverá guardar relação de pertinência com
todas as outras normas constitucionais.
8.2. Semântica
Já a estrutura semântica das contribuições previdenciárias está relacionada
com a sua própria natureza jurídica:
São exações de natureza tributária, não vinculadas a uma atuação estatal, todavia,
com o produto de sua arrecadação afetado ao sistema da Previdência Social,
arrecadadas por órgão parafiscal, e não restituíveis.
Possuem natureza tributária, posto que se encaixam perfeitamente no
conceito do artigo 3º do Código Tributário Nacional, mesmo porque estão inseridas
no Texto Constitucional no Capítulo do sistema tributário, com menção expressa de
observância a princípios tipicamente tributários.
Dessa maneira, é conseqüência lógica que se apliquem os princípios
constitucionais tributários as referidas exações. Além dos demais princípios
constitucionais presentes no Texto.
Salienta muito bem acerca desse assunto REGIS FERNANDES DE
OLIVEIRA e ESTEVÃO HORVATH285: “Importa salientar que, juridicamente,
qualquer que seja a finalidade pretendida pelo legislador ao instituir um tributo
(fiscal, extra ou parafiscal), esta instituição deverá seguir os parâmetros
constitucionais para tanto, ou seja, obedecer ao regime jurídico-tributário, já que sua
natureza será sempre a de um tributo.”.
Corroborando com tais assertivas, os professores IVES GANDRA DA SILVA
MARTINS e IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO286 ensinam que:
285 Manual de direito financeiro. p. 51-52. 286 Op. cit. p. 35-36.
178
“Se as contribuições têm natureza fiscal, é de se perguntar se todos os princípios
tributários lhes são aplicáveis. Entendemos que sim. São eles 10 princípios, a saber:
capacidade contributiva, da redistribuição de riquezas, legalidade, tipicidade, igualdade,
desigualdade seletiva, inter-relação especial, imposição equalitária, tríplice função
integrativa e superior interesse nacional. A estes se agregam os sub-princípios da
irretroatividade tributária (§ 3º), universalidade da jurisdição (§ 4º), assecuratórios do
direito à propriedade (§ 22), liberdade de trabalho (§ 23), assecuratórios do direito de
representação e petição (§ 30), assecuratórios do direito à expedição de certidões (§ 35),
anterioridade do exercício financeiro para cobrança (§ 29) ou, ainda, os implícitos
(vinculabilidade de tributação, territorialidade tributária) ou explícitos, como uniformidade
de tributação (art. 20, I), imunidade recíproca (art. 19, III, “a”), transferência do exercício
de competência (arts. 18, § 5º, e 21, § 5º).”.
Apesar desses professores estarem fazendo remissão à antiga Constituição
Brasileira, eles enumeram muitos dos princípios presentes na Carta Magna atual,
sendo eles gerais, específicos do sistema tributários, explícitos e implícitos.
Se se partiu da premissa que o ordenamento do direito positivo é um tecido
único de linguagem em que há uma intensa interligação entre todos os enunciados
normativos, então, deve-se concluir que as normas atinentes às contribuições
previdenciárias devem estar em perfeita consonância com todas as outras normas,
principalmente com as normas constitucionais que prevêem princípios.
Portanto, as contribuições previdenciárias possuem natureza tributária,
estruturam-se segundo o regime tributário e, portanto, além de deverem observar a
todos os dispositivos da Constituição Federal, inclusive o Preâmbulo, devem
observar aos seguintes princípios do sistema constitucional tributário:
- Estrita Legalidade Tributária: Corolário do princípio da legalidade consagrado no
art. 5.º, II, da CF, a estrita legalidade tributária está prevista no art. 150, I, também
do Texto Constitucional, e consiste na vedação de exigência ou aumento de tributo
sem lei prévia que o estabeleça.
- Tipicidade Tributária: Princípio inferido a partir da estrita legalidade e da
demarcação das competências tributárias, refere-se aos tipos tributários já descritos
no Texto Constitucional que são fechados, tais como no Direito Penal; ou seja, os
arquétipos de cada tributo estão predefinidos na Constituição Federal, sendo vedada
qualquer interpretação analógica para legitimar exigência estranha ao que está
prescrito nos dispositivos constitucionais.
179
- Isonomia Tributária: Esse princípio decorre do princípio da igualdade previsto no
caput do art. 5º da CF (“tratamento igual para os iguais e desigual aos desiguais, na
medida em que se desigualarem”) e consiste em tributar todas as pessoas
indistintamente na medida de suas possibilidades. A medida de possibilidade de
cada pessoa é denominada pela Carta Constitucional de capacidade tributária.
Nos dizeres do professor CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO287, “o
princípio da isonomia preceitua que sejam tratadas igualmente as situações iguais e
desigualmente as desiguais. Donde não há como desequiparar pessoas e situações
quando nelas não se encontram fatores desiguais.”.
Quanto à observância da capacidade contributiva para as contribuições
previdenciárias explica a professora REGINA HELENA COSTA288 que: “O princípio
da capacidade contributiva aplica-se somente aos tributos não vinculados a uma
atuação estatal, vale dizer aos impostos, e assim também às contribuições sociais
e aos empréstimos compulsórios, quando a materialidade de suas hipóteses de
incidência assumir a feição daqueles tributos”. (grifos nossos).
A professora FABIANA DEL PADRE TOMÉ289 também acredita que o
princípio da capacidade contributiva deva ser aplicado às contribuições sociais.
- Anterioridade Nonagesimal: Deriva da segurança jurídica e consiste na vedação de
cobrança de contribuição previdenciária antes de passados 90 (noventa) dias de sua
instituição ou majoração.
- Irretroatividade Tributária: Esse princípio consiste na vedação de cobrança de
contribuição previdenciária a fatos tributários ocorridos antes de sua instituição ou
majoração, salvo se for para beneficiar contribuinte infrator.
- Não-Confisco: Esse princípio consiste em vedar a cobrança de contribuições
previdenciárias de forma confiscatória.
- Uniformidade Geográfica: Esse princípio consiste numa tributação uniforme por
todo o território nacional, exceto para fins de incentivo fiscal em determinada região.
287 O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. p. 35. 288 Princípio da capacidade contributiva. p. 108. 289 Contribuições para a seguridade social à luz da Constituição Federal. p. 140.
180
- Imunidades Tributárias:
Quanto às imunidades vale a pena destacar que as previstas no art. 150, VI,
da Carta Magna não são aplicáveis às contribuições previdenciárias, mas somente
aos impostos. Todavia, há imunidades previstas para tais exações, tal como a
prevista no art. 195, § 7.º, da CF:
“São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de
assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei”.
Apesar da redação constar o adjetivo “isentas”, aqui se trata de uma
imunidade tributária, ou melhor, norma de incompetência tributária. É cediço que as
competências tributárias só constitucionalmente são disciplinadas, e a “isenção” a
que se referiu erroneamente o constituinte deve ser lida como imunidade tributária.
O jurista JEDIAEL GALVÃO MIRANDA290 também aponta como casos de
imunidade as aposentadorias e pensões concedidas pelo regime geral de
previdência social (art. 195, II, 2ª parte, da CF), bem como as receitas decorrentes
de exportação (art. 149, § 2º, I, da CF).
O princípio da não-cumulatividade previsto no art. 195, § 12, não será
aplicado nas contribuições previdenciárias, posto que não se tratam de tributos que
possuem incidência em cadeia, tais como IPI e ICMS. As contribuições
previdenciárias incidem de forma única para empregados, empregadores e
trabalhadores.
Há que se sublinhar, também, que às contribuições previdenciárias também
se aplicam as regras constantes do Código Tributário Nacional, tais como prazos
prescricionais e decadenciais e formas de extinção e suspensão da obrigação
tributária.
Sem prejuízo, os princípios atinentes à Seguridade Social e os específicos da
Previdência Social também deverão ser observados: universalidade da cobertura e
atendimento; uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações
urbanas e rurais; seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e
serviços; irredutibilidade do valor dos benefícios; equidade na forma de participação
do custeio; diversidade da base de financiamento; caráter democrático e
descentralizado da gestão do sistema; regra da contrapartida; obrigatoriedade da
290 Direito da seguridade social. p. 40.
181
filiação; unicidade; compreensibilidade; automaticidade das prestações;
imprescritibilidade do direito ao benefício; expansividade social; in dubio pro
operario; e, solidariedade de grupo.
Portanto, em termos semânticos não se pode perder de vista que há um juízo
de ponderação a ser feito: as contribuições previdenciárias apesar de serem
destinadas ao custeio da Previdência Social, que é um sistema de seguro social em
que todos os seus inscritos estão sujeitos a uma solidariedade social compulsória
em favor dos mais necessitados na busca do bem-comum de toda a coletividade
indistintamente, possuem natureza tributária, conseqüentemente, estão sujeitas a
todos os princípios e regras atinentes ao sistema tributário previsto tanto no Texto
Constitucional como no Código Tributário Nacional. Há dois extremos que devem ser
conciliados.
Nesse mesmo raciocínio, DANIEL PULINO291 afirma que: “nas normas
relativas às contribuições destinadas ao custeio da seguridade social que, embora
devam ser pagas por toda a sociedade (art. 195, caput) de forma eqüitativa (art. 194,
V), não deixam de ser tributos (consoante previsão do art. 149), sujeitos, portanto, a
fortes restrições impostas à atividade do Estado, como forma de legítima
preservação da esfera de autonomia dos indivíduos (...), é preciso observar que a
disposição constitucional dada à matéria autoriza, com absoluta clareza, que
também se invoquem, na aplicação das disposições sobre o custeio, todos os
valores de justiça e bem-estar sociais para combiná-los, num juízo de ponderação,
mas não de conflito, com os cânones que compõem o chamado estatuto do
contribuinte.”.
Com posicionamento semelhante, o professor MARCO AURÉLIO GRECO292
também afirma que: “o momento atual não é nem de nenhuma primazia míope (nem
da liberdade, nem da solidariedade), mas de prestigiar ambos e conjugá-los num
produto final equilibrado.”.
Nessa esteira, portanto, afirma-se que às contribuições previdenciárias se
aplica o regime jurídico dos tributos, contudo, elas não podem deixar de observar os
princípios atinentes ao sistema securitário, especialmente os pertencentes ao
sistema da Previdência Social.
291 Op. cit. p. 48. 292 “Solidariedade social e tributação” in Solidariedade social e tributação. p. 169.
182
As contribuições previdenciárias também são tributos não vinculados a uma
atuação estatal, porém o produto de sua arrecadação é destinado à Previdência
Social.
Isso porque as materialidades previstas para referidas contribuições não se
relacionam, nem mesmo indiretamente, com uma atividade estatal. Como já visto, a
materialidade das contribuições previdenciárias para o empregado consiste em
“receber salário ou remuneração e ser inscrito no Regime Geral de Previdência
Social”. Tal materialidade nada mais é do que uma situação em que o contribuinte se
encontra (de forma que até chega a assemelhar-se com os impostos), não se
relacionando de forma alguma com qualquer atividade estatal, logo, não há qualquer
vinculação.
Os contribuintes de contribuições previdenciárias, estando na situação de
perceber salário (ser empregado) ou remuneração e terem sido inscritos no regime
geral da Previdência Social, pagam-na para que num futuro incerto possam
porventura receber algum tipo de benefício. Dessa maneira, verifica-se que tais
exações são realmente não vinculadas com uma atividade estatal, porém o produto
de sua arrecadação é destinado a um órgão previdenciário, o qual o administra na
medida em que concede benefícios a todos que necessitar. Daí dizer que o produto
de sua arrecadação é afetado.
São tributos arrecadados por órgão parafiscal; ou seja, nelas ocorrem o
fenômeno da parafiscalidade necessária na qual o produto da arrecadação é gerido
pelo Instituto Nacional de Previdência Social justamente para que efetivamente
ocorra a destinação prevista constitucionalmente e não haja risco de tredestinações.
Para que esse fenômeno seja possível a União Federal, titular da
competência tributária para a instituição de contribuições previdenciárias, delega sua
capacidade tributária ativa para o órgão previdenciário.
São também tributos não restituíveis, posto que o sistema previdenciário se
trata de um sistema de seguro, no qual os contribuintes pagam contribuições para
que num futuro indeterminado, se eventualmente ocorrer uma das situações
elencadas na lei como de risco social, recebam algum tipo de benefício. Fato esse
que significa que é possível que os pagamentos efetuados a titulo de contribuição
nem retornem na forma de benefícios e sejam, inclusive, estornados em favor de
183
outrem e, mais, o valor dos benefícios não correspondem fielmente aos valores
pagos via contribuição.
Ainda dentro da semântica, é preciso ainda destacar, pela leitura do Texto
Constitucional, especialmente no art. 195, a possibilidade de se apreender as
seguintes hipóteses de incidência para as contribuições previdenciárias, nas quais
certamente os fatos sociais devem se subsumir para justificar o pagamento de
contribuições previdenciárias:
Regra-Matriz de
Incidência
Contribuição do
empregado -segurado
obrigatório (com
vínculo empregatício)
Contribuição do
trabalhador- segurado
obrigatório (sem
vínculo empregatício)
Contribuição do
trabalhador
(contribuinte
individual) e demais
segurados –
segurados
facultativos
Critério Material Receber salário e ser
inscrito no RGPS
Receber remuneração
e ser inscrito no RGPS
Receber remuneração
e ser inscrito no RGPS
Critério Espacial Território Nacional Território Nacional Território Nacional
Critério Temporal O mês trabalhado O mês trabalhado O mês trabalhado
Sujeito Ativo União Federal – INSS
(parafiscalidade)
União Federal – INSS
(parafiscalidade)
União Federal – INSS
(parafiscalidade)
Sujeito Passivo O empregado,
observando-se o dever
instrumental do
empregador na
retenção.
O trabalhador,
observando-se o dever
instrumental do
empregador na
retenção.
O próprio trabalhador
de forma autônoma.
Critério Quantitativo BC: folha de salário X
Alíquota: vide tabela
abaixo
BC: Demais
rendimentos do
trabalho pago ou
creditado X Alíquota:
vide tabela abaixo
BC: Salário de
contribuição X alíquota:
20% ou 11%
Fundamento Legal Art. 195, I, “a” e art.
201, § 3º, da CF
Art. 195, I, “a”, e art.
201, § 3º, da CF
Art. 195, II, e art. 201, §
3º, da CF
184
Observe-se que estas são as hipóteses de incidência possíveis, segundo o
texto constitucional, que devem custear a Previdência Social, sem prejuízo de outras
contribuições sociais que são revertidas parcialmente para esse sistema.
Quanto às hipóteses de incidência da contribuição do empregado e do
trabalhador como segurados obrigatórios, fazem-se as seguintes observações:
1º) da norma que estatui o dever instrumental do empregador em fazer a retenção
da folha de salários do empregado e pagar a contribuição previdenciária em favor de
seu empregado ou de qualquer outro trabalhador sem vínculo.
Não passa de dever instrumental a retenção que o empregador deverá
realizar da folha de salário de seus empregados ou prestadores de serviços, posto
que não é ele quem suporta a obrigação tributária; ou seja, o sujeito passivo é o
empregado ou o trabalhador-prestador de serviço, dos quais são descontados
percentuais para que o empregador recolha a respectiva contribuição previdenciária.
Se ele não efetuar o pagamento das contribuições previdenciárias em favor
de seus funcionários ele poderá responder criminalmente por “apropriação indébita”
nos termos do artigo 168-A do Código Penal (norma introduzida pela Lei n.º
9.983/00) e, ainda, ser chamado pelo Fisco para efetuar o pagamento como forma
de sanção.
A redação do art. 33, § 5.º, da Lei n.º 8.212/91 é prova dessas assertivas: “O
desconto de contribuição e de consignação legalmente autorizadas sempre se
presume feito oportuna e regularmente pela empresa a isso obrigada, não lhe sendo
lícito alegar omissão para se eximir do recolhimento, ficando diretamente
responsável pela importância que deixou de receber ou arrecadou em desacordo
com o disposto nesta lei.”.
Corroborando com essas assertivas, ANDRÉ STUDART293 diz que: “o
retentor de tributo devido por terceiro age como simples agente de arrecadação, não
figurando, pois, como partícipe da relação jurídico-tributária. A sua responsabilidade
patrimonial é eventual e depende do inadimplemento de sua obrigação acessória de
reter o tributo.”.
293 Arrecadação e recolhimento das contribuições previdenciárias. p. 23.
185
E também RENATO LOPES BECHO294: “O empregador, fazendo o trabalho
como se fosse cada uma das pessoas físicas, presta-lhes um serviço, é verdade.
Substitui-as, no sentido vulgar, coloquial, naquela tarefa de apurar o imposto,
declará-lo e recolhê-lo, é certo. Entretanto, em nenhum momento, o faz
juridicamente em conta própria. Ou seja, em nenhum momento passa a ser detentor
de direito subjetivo como se empregado fosse.”.
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário n.º
393.946/MG, ao se pronunciar sobre a constitucionalidade da retenção de 11% dos
prestadores de serviço, assentou que a retenção é simples técnica de arrecadação
destinada à elevação da arrecadação; ou seja, é uma obrigação acessória e não um
novo tributo.
É oportuno, nesse contexto, e dada a posição do STF sobre o assunto,
destacar que essa regra administrativa de retenção vale, inclusive, para o tomador
de serviço mediante cessão de mão-de-obra (art. 31 da Lei n.º 8.212/91 alterado
pela Lei n.º 9.711/98) que deve reter os 11% (onze por cento) sobre o valor da nota
fiscal ou fatura da prestação do serviço. O papel do tomador de serviço nessa
situação é simplesmente reter essa porcentagem da remuneração que deve efetuar
em favor do prestador e efetuar o pagamento da contribuição previdenciária em
favor do prestador, tanto é assim que quando o prestador for efetuar o valor da sua
contribuição previdenciária, esses 11% deverão ser descontados (§ 1º).
Nesse sentido, EDUARDO ROCHA DIAS295: “A retenção, com posterior
recolhimento ao INSS, a cargo do contratante, de 11% do valor bruto da nota fiscal
ou fatura, constitui antecipação do pagamento da contribuição devida pelo
contratado, cedente da mão-de-obra, incidente sobre a remuneração dos segurados
a seu serviço colocados à disposição do contratante, nas suas dependências ou nas
de terceiros.”.
Portanto, a situação em que o empregador se encontra não é de sujeição
passiva direta, nem de indireta (por substituição e por transferência), posto que não
figura como sujeito passivo da obrigação tributária de pagar contribuição
previdenciária, afinal, não é ele que suporta o pagamento do tributo. Também não se 294 Sujeição passiva e responsabilidade tributária. p. 123. 295 “Empresa contratante de serviços executados mediante cessão de mão-de-obra e a retenção de percentual do valor da fatura pela Lei 9.711/98: aspectos controvertidos” in Contribuição Previdenciária: retenção sobre remuneração relativa a cessão de mão-de-obra. p. 29.
186
trata de responsabilidade tributária, posto que, como o empregador não suporta o
encargo da contribuição tributária, também não tem direito de ser ressarcido. O
empregador somente será o titular de uma obrigação acessória, a qual não passa de
uma técnica de recolhimento diferenciada para facilitar a arrecadação das
contribuições previdenciárias. Suas normas são as seguintes:
Regra-Matriz de Incidência
da Retenção de
contribuição
previdenciária
Contribuição do empregado -
segurado obrigatório (com
vínculo empregatício)
Contribuição do trabalhador
–segurado obrigatório (sem
vínculo empregatício)
Critério Material Pagar salário Pagar remuneração por
serviços prestados
Critério Espacial Território Nacional Território Nacional
Critério Temporal O mês trabalhado O mês trabalhado
Sujeito Ativo União Federal – INSS
(parafiscalidade)
União Federal – INSS
(parafiscalidade)
Sujeito Passivo O empregador A empresa tomadora de
serviços
Critério Quantitativo BC: folha de salário X
Alíquota: vide tabela abaixo
BC: Demais rendimentos do
trabalho pago ou creditado X
alíquota: vide tabela abaixo
2º) A folha de salário, prevista como base de cálculo de tais contribuições, pode ser
definida como o conjunto dos ganhos habituais do empregado, ou seja, equivale ao
holerite do empregado que discrimina todas as suas verbas salariais.
LEANDRO PAULSEN296 explica que: “A expressão ‘folha de salários’
pressupõe ‘salário’, ou seja, remuneração paga a empregado, como contraprestação
pelo trabalho que desenvolve em caráter não-eventual e sob a dependência do
empregador.”.
296 Contribuições: Custeio da seguridade social. p. 93.
187
Portanto, a contribuição previdenciária sobre folha de salários pressupõe
vínculo empregatício, dessa forma, o percentual a ser retido pelo empregador incide
sobre a totalidade dos ganhos do empregado.
Ressalte-se que essa hipótese de incidência de contribuição dos empregados
cuja base de cálculo está definida pelo Texto Constitucional como a folha de salários
também abrange a contribuição dos empregados domésticos que é, nos termos do
art. 1º da Lei n.º 5.859/72, “aquele que presta serviços de natureza contínua e de
finalidade não lucrativa à pessoa ou à família no âmbito residencial”. Nesses casos,
sua folha de salário consiste no valor registrado em sua Carteira de Trabalho e
Previdência Social. São exemplos de empregados domésticos a faxineira, o
motorista e os caseiros de sítios/chácaras/fazendas.
3º) Demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados significam os ganhos do
trabalhador avulso, pessoa física, que presta serviços à empresa sem qualquer
vinculo empregatício.
Nesse caso, tem-se a figura da empresa tomadora de serviço e do
trabalhador prestador de serviço. Não há vínculo empregatício. A contribuição
previdenciária deverá incidir sobre quaisquer valores creditados em favor de um
prestador de serviço.
4º) Tanto os empregados, como os trabalhadores sem vínculo, possuem o que se
denomina de salário-de-contribuição que é definido pelos incisos I e II do artigo 28
da Lei n.º 8.212/91:
- para o empregado e trabalhador avulso: a remuneração auferida em uma ou mais
empresas, assim entendida a totalidade dos rendimentos pagos, devidos ou
creditados a qualquer título, durante o mês, destinados a retribuir o trabalho,
qualquer que seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a
forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos
serviços efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou
tomador de serviços nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou
acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa.
- para o empregado doméstico: a remuneração registrada na Carteira de Trabalho e
Previdência Social, observadas as normas a serem estabelecidas em regulamento
para comprovação do vínculo empregatício e do valor da remuneração.
188
5º) Para as alíquotas, que também fazem parte do critério quantitativo, tanto para os
empregados, incluindo os domésticos, e para trabalhadores avulsos, tem-se a
seguinte tabela:
Salário-de-contribuição (R$) Alíquota para fins de recolhimento ao INSS
Até 840,55 7,65%
De 840,56 até 1.050,00 8,65%
De 1.050 até 1.400,91 9,00%
De 1.400,92 até 2.801,82 11,00%
Já quanto às contribuições previdenciárias dos demais trabalhadores e
segurados facultativos cabem as seguintes observações:
1º) Tratam-se de tributos, posto que a partir do momento em que o contribuinte
individual e os segurados facultativos se inscrevem, eles são obrigados a pagar a
contribuição.
2º) salário de contribuição, previsto como base de cálculo para a contribuição
previdenciária dos demais trabalhadores e segurados facultativos, é definido pela Lei
nº 8.212/91 em seu artigo 28 nos incisos III e IV.
JOÃO ERNESTO ARAGONÉS VIANNA297 fala que a contribuição
previdenciária “é calculada mediante a aplicação de uma alíquota sobre o seu
salário-de-contribuição, o qual é definido pelo art. 28 da Lei n. 8.212/91. Veja-se que
o salário-de-contribuição é um conceito próprio do Direito Previdenciário, sem
relação com o Direito do Trabalho ou com outros ramos do Direito. Por isso, é
possível atribuir um salário-de-contribuição para os contribuintes individuais e
avulsos, os quais não recebem salários, sob o ponto de vista do Direito Laboral, pois
sua remuneração não decorre de uma relação de emprego. Mesmo os segurados
facultativos, que sequer precisam auferir alguma remuneração, têm, no Direito
Previdenciário, salário-de-contribuição.”.
O salário-de-contribuição desses demais trabalhadores e segurados
facultativos é conceituado da seguinte forma pela referida lei:
297 Curso de direito previdenciário. p. 101.
189
- para o contribuinte individual: a remuneração auferida em uma ou mais empresas
ou pelo exercício de sua atividade por conta própria, durante o mês, observado o
limite máximo estipulado;
- para o segurado facultativo: o valor por ele declarado, observado o limite máximo
estipulado.
3º) A alíquota dos segurados contribuintes individuais e facultativos será de 20%
(vinte por cento) sobre o salário-de-contribuição, nos termos do artigo 21 da Lei n.º
8.212/91, ou de 11% (onze por cento) sobre o mínimo de salário de contribuição,
quando o segurado contribuinte individual e facultativo optarem pela exclusão do
direito ao benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, nos termos do § 2.º
do artigo 21 da Lei n.º 8.212/91.
Há que se destacar também que existem as denominadas ‘contribuições
previdenciárias patronais’, isto é, as contribuições pagas pelas empresas com as
seguintes alíquotas:
- 20% (vinte por cento) sobre o total das remunerações pagas, devidas ou creditadas
a qualquer título, durante o mês, aos segurados empregados e trabalhadores
avulsos que lhe prestem serviços, destinadas a retribuir o trabalho, qualquer que
seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de
utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços
efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador
de serviços nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo
coletivo de trabalho ou sentença normativa.
- Em razão de incidência de capacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais
de trabalho, mais 1% (risco leve); 2% (risco médio); 3% (risco grave) sobre o total
das remunerações pagas ou creditadas, no decorrer do mês.
- 12% (doze por cento) sobre o salário-de-contribuição do empregado doméstico.
- 2% (dois por cento) da receita bruta proveniente da comercialização da sua
produção e 0,1% (um décimo por cento) da receita bruta proveniente da
comercialização da sua produção para financiamento das prestações por acidente
do trabalho para empregadores rurais.
190
São, portanto, outras espécies de contribuições destinadas à Previdência
Social, fundadas no artigo 195, caput do Texto Constitucional das quais se infere a
seguinte regra-matriz:
Regra-Matriz de Incidência
da Contribuição
Previdenciária Patronal
Critério Material Pagar folha-de-salário
Critério Espacial Território Nacional
Critério Temporal mensalmente
Sujeito Ativo União Federal – INSS
(parafiscalidade)
Sujeito Passivo O empregador (empresa,
empregador doméstico e
empregador rural)
Critério Quantitativo BC: folha de salário X
Alíquota: 20%; 1%,2% ou 3%;
12%, 2% e 0,1%.
8.3. Pragmática
Por derradeiro, a estrutura pragmática das contribuições previdenciárias
consiste em:
Financiar o sistema previdenciário, isto é, custear todas as situações de risco social
dos necessitados no que tange a doença, velhice, incapacidade para o trabalho,
morte, reclusão, acidente de trabalho, maternidade, deficiência física e psíquica por
meio de benefícios e serviços, equacionando tais necessidades com a observância
dos princípios do sistema tributário, de maneira a estar sempre acompanhando a
evolução das necessidades sociais.
Para que isso ocorra, as entradas de verbas na Previdência Social
(contribuições previdenciárias + percentual do orçamento da União – art. 68, § 1.º,
da Lei Complementar n.º 101/00) devem estar equalizadas com os pagamentos de
benefícios atuais. Isso tudo para que haja uma boa estrutura financeira que possa
suportar os benefícios vindouros.
191
As contribuições previdenciárias, da forma como a Constituição Federal criou,
devem ser pagas por empregadores e trabalhadores para benefício deles próprios,
para suas próprias seguranças, para que nunca lhes falte o mínimo vital para uma
sobrevivência digna. Tal fato deve estimular empregadores e trabalhadores a
sempre contribuir para a Previdência Social, independentemente de estarem ou não
na formalidade.
Paralelamente, há o percentual repassado pela União do orçamento geral
para a Previdência Social. ARTHUR BRAGANÇA VASCONCELLOS WEINTRAUB298
afirma que: “A contribuição da União é constituída de recursos adicionais do
Orçamento Fiscal, sendo de responsabilidade da União a cobertura de eventuais
insuficiências financeiras da Seguridade Social, quando decorrentes do pagamento
de benefícios de prestação continuada da Previdência Social, tudo na forma da Lei
Orçamentária Anual. Assim, quando os recursos arrecadados não são suficientes
para pagar todos os benefícios do INSS, o Tesouro Nacional pode subvencionar os
recursos faltantes (financiamento indireto por toda a sociedade).”.
Ocorre que não há qualquer previsão expressa nas leis orçamentárias do
quantum desse percentual, de forma que a União repassa uma parte do que está
inserido em sua “reserva do possível”.
A reserva do possível é definida pela jurista TATIANA ARAÚJO ALVIM299 da
seguinte forma: “Segundo a teoria da reserva do possível, a possibilidade de se
exigir do Estado prestação material estaria condicionada ao limite fáctico da
disponibilidade de recursos financeiros. O Estado somente estaria obrigado a atuar
para a satisfação das necessidades públicas dentro da reserva do possível, fora
desse âmbito não haveria como coagi-lo em virtude da impossibilidade material de
realização de direito.”.
Reforça PAULO CALIENDO300 que: “A ‘reserva do possível’ é entendida como
limite ao poder do Estado de concretizar efetivamente direitos fundamentais a
prestações (...). A chamada reserva do possível pode ser de ordem fática (falta de
recursos) ou jurídica (orçamentária). A ausência total de recursos necessários para o
298 Manual de previdência social. p. 37. 299 Contribuições sociais: Desvio de finalidade e seus reflexos no direito financeiro e no direito tributário. p. 98. 300 “Reserva do possível, direitos fundamentais e tributação” in Direitos Fundamentais. Orçamento e “reserva do possível”. p. 200-201.
192
atendimento de um direito a prestações impede faticamente o cumprimento da
demanda social, pouco restando para questionamento. Cabe esclarecer que essa
insuficiência de recursos deve ser provada e não apenas alegada, sob pena de
responsabilidade do administrador.”.
Verifica-se, então, que os recursos que o Estado arrecada são finitos, logo,
elaborar a peça orçamentária e estabelecer prioridades e metas é extremamente
importante para a saúde econômica, financeira e social de um país.
O sistema jurídico brasileiro carece de uma lei que prescreva expressamente
os percentuais que devem ser repassados para a seguridade social e é devido a
isso que fica extremamente complicado realizar qualquer controle sobre as efetivas
destinações das verbas.
Entende-se que esse percentual que deve ser obrigatoriamente repassado
para a Previdência Social deve ser previamente definido na lei orçamentária, de
forma expressa, até para que seja possível o controle e também para se reduzir a
possibilidade de tredestinação.
Observações, como a abaixo transcrita do professor IVES GANDRA DA
SILVA MARTINS301, seriam evitadas se houvesse uma melhor política orçamentária
com as verbas do orçamento geral, principalmente para custear as insuficiências do
sistema previdenciário:
“Desde que a tríplice contribuição foi criada, a União, “caloteira” inveterada em todas as áreas de seu
endividamento, revelou sua faceta, nunca tendo contribuído ao ponto de se ter que alterar a
imposição, exigindo-a apenas dos empregados e trabalhadores. Aquele descompasso inicial tornou
sempre a Previdência um organismo falido, visto que jamais recuperou seu poder de administrar
poupanças alheias para garantir aposentados futuros, sendo obrigada, repetidas vezes, a alterar
fundamentalmente os critérios de benefícios e manipular índices para cumprir, de forma insuficiente,
sua função. Basta dizer que durante muitos anos parcela substancial dos trabalhadores pagou
contribuições correspondentes a sua receita futura de 20 salários, que foram reduzidos para um
benefício máximo de 10 salários e mesmo assim menores por serem salários de referência. Ocorre
que o sistema previdenciário brasileiro torna hoje, em face da aposentadoria por tempo de serviço e
não só por idade, o sistema ainda mais insustentável, fazendo com que um número menor de
pessoas sustente um número maior de aposentados, com as burras oficiais, por desperdício e
incapacidade administrativa que vem de governos anteriores e não equacionados no atual, estando
em estado pré-falimentar.”.
301 “O artigo 195 da constituição federal e seus incisos” in A Previdência Social Hoje. p. 129-130.
193
Com um percentual de aplicação na Previdência Social expresso na lei de
diretrizes orçamentárias o controle via judicial será mais fácil. Nos dizeres de
MARCO AURÉLIO GRECO302, “Trata-se de reconhecer a possibilidade de o Poder
Judiciário examinar a constitucionalidade da norma orçamentária e a legalidade de
seus atos de aplicação.”.
Isso tudo porque, como bem afirma o professor WAGNER BALERA303: “os
planos de seguridade dependem de prévia definição sobre o regime financeiro de
todo o arcabouço de proteção; de fixação precedente das contribuições por meio
das quais o segurado e a empresa a ele aderem e, finalmente, de disciplina de
aplicação de reservas a serem auferidas em cada exercício.”.
E o controle judicial a ser realizado poderá ser tanto concentrado (via ADI),
como difuso. E, para que pudesse haver controle difuso, a peça orçamentária
deveria respeitar o princípio da publicidade previsto no art. 37 da CF/88; ou seja, o
orçamento aprovado anualmente deveria ser público para que todos pudessem
auxiliar no controle da aplicação das verbas orçamentárias, principalmente as
destinadas a custear a Seguridade Social, mais especificamente a Previdência
Social.
E para aferir a não-aplicação das verbas orçamentárias no sistema
previdenciário, o próprio professor MARCO AURÉLIO GRECO304 aponta como
critérios objetivos e subjetivos: (i) o aspecto temporal – a verba deve ser aplicada
somente no exercício financeiro em que ocorreu a arrecadação ou no próximo e, em
caso de Plano Plurianual, que tem por meta objetivos condizentes com a Seguridade
Social e também com a Previdência Social a aplicação das verbas deverá ocorrer
enquanto durar o Plano; e, (ii) a razoabilidade, excesso e manifesta não-aplicação.
Reforçando essa idéia JOÃO ARAGONÉS VIANNA305 defende que: “Havendo
déficit na seguridade social, decorrente do pagamento de benefícios de prestação
continuada da previdência social, a União deve assumir sua responsabilidade, nos
termos da lei orçamentária anual. Para pagamento dos encargos previdenciários da
União, poderão contribuir os recursos da seguridade social arrecadados das
302 “Em busca do controle sobre as CIDEs” in Revista do Advogado n.º 94. p. 107. 303 “A organização e o custeio da seguridade social” in Curso de Direito Previdenciário: Homenagem a Moacyr Velloso Cardoso de Oliveira. p. 41. 304 Ibid.,. p. 116-117. 305 Op. cit. p. 68.
194
empresas, incidentes sobre o faturamento e o lucro, na forma da lei orçamentária
anual, assegurada a destinação de recursos para as ações de saúde e assistência
social.”.
Em suma, em sendo pública a peça orçamentária, ela poderá ser objeto de
controle tanto via ADI, como via difusa, na qual a sociedade deverá exigir a
aplicação das verbas orçamentárias pertinentes ao sistema securitário, afinal,
referidas verbas nada mais são do que o produto da arrecadação de impostos e
outras contribuições também pagas pela sociedade.
O professor PAULO AYRES BARRETO306 levanta um outro aspecto
importante a ser levado em conta – o princípio do equilíbrio orçamentário; ou seja “a
busca pela compatibilidade entre receitas e despesas, a subordinação da despesa à
previsão da receita e a existência de uma fonte de custeio como condição para o
gasto público” e elenca algumas prescrições constitucionais que visam esse
equilíbrio:
(a) vedação ao inicio de programa ou projeto não incluído da lei orçamentária anual
(art. 167, I);
(b) proibição da realização de despesas ou assunção de obrigações diretas que
excedam créditos orçamentários ou adicionais (art. 167, II);
(c) vedação da abertura de crédito suplementar ou especial sem prévia autorização
legislativa e sem recursos correspondentes (art. 167, V);
(d) não concessão ou utilização de créditos ilimitados (art. 167, VII);
(e) vedação à utilização de recursos da seguridade social e do orçamento fiscal para
cobrir déficit de empresas, fundações ou fundos (art. 167, VIII);
(f) proibição de instituição de fundos, sem prévia autorização legislativa (art. 167, X);
(g) impossibilidade de utilização dos recursos provenientes das contribuições sociais
de que trata o art. 195, I, a e II para realização de outras despesas que não o
pagamento de benefício do regime geral de previdência social (art. 201);
(h) vedação ao início de investimento cuja execução ultrapasse o exercício
financeiro, sem a prévia inclusão no plano plurianual ou autorização legal (art. 167, §
1º); 306 Op. cit. p. 190-191.
195
(i) vinculação da abertura de crédito extraordinário a situações extremas, tais como
guerra, comoção interna ou calamidade pública (art. 167, § 3º);
(j) proibição de concessão de benefício ou prestação de serviço de seguridade
social, sem a correspondente fonte de custeio (art. 195, § 5º);
(k) organização da previdência social sob critérios que observem o equilíbrio atuarial
e financeiro (art. 201).
A obediência a essas prescrições constitucionais está intimamente ligada com
a possibilidade da peça orçamentária ser objeto de controle pelo Judiciário. E ainda
há, em caso do administrador não observar nenhuma das prescrições, a
possibilidade do contribuinte intentar ação de repetição do indébito para reaver os
valores pagos a título de contribuição previdenciária, bem como da autoridade
competente ser processada nos termos do art. 84 da CF c/c os arts. 54 e 58 da Lei
de Responsabilidade Fiscal e com o art. 10 da Lei de Improbidade Administrativa.
Os tempos são outros, as necessidades dos membros da sociedade se
alteraram, é cada vez maior o número de pessoas que dependem do sistema
previdenciário e o direito positivo enquanto pragmática precisa acompanhar tudo
isso.
Se o direito positivo é texto, então ele é dialógico e possui uma instância
pragmática, de forma que deverá estar sempre dialogando com a linguagem da
realidade social para estar sempre atualizado com os novos elementos sociais e,
assim, suas normas terem completa efetividade sobre os casos concretos.
Assim, as normas do direito positivo atinentes à Previdência Social deverão
estar constantemente acompanhando as mudanças da realidade social,
especialmente quando se tratar de taxas de natalidade, mortalidade, desemprego,
longevidade dos indivíduos e relações de trabalho.
Nesse contexto, o Estado deverá assumir uma nova feição conciliando a
efetiva observância das normas do direito positivo com o seu objetivo principal –
busca do bem comum.
Nesse sentido, EDUARDO NOVOA MONREAL307: “O Estado há-de assumir
funções novas de grande importância. Além de regular as atividades sociais,
307 Op. cit. p. 187.
196
especialmente as econômicas, a fim de que se adequem às exigências do bem-
comum, pode restringi-las e, em casos extremos, tomar alguma delas a seu encargo,
afastando, assim, aos empresários privados. Mas, para isso, deve sujeitar-se ao
princípio da subsidiariedade. O Estado é o supremo conciliador e árbitro das pugnas
e contradições que surgem entre classes sociais ou entre grupos sociais importantes
dentro da vida social. É também, o encarregado de atuar como protetor dos fracos e
indefesos. A mais acariciada meta dos que sustentam essa atitude é trazer à vida
social um equilíbrio interno, erigido em bases éticas, que seria a verdadeira justiça
social; redistribuir a riqueza para evitar as fundas desigualdades que existem em sua
repartição atual, e limar as contradições sociais.”.
RUY BARBOSA NOGUEIRA308, ao se questionar acerca do objetivo da
atividade financeira do Estado, apresentou a seguinte resposta: “consiste em toda
ação que o Estado desenvolve para obter, gerir e aplicar os meios necessários para
satisfazer às necessidades da coletividade e realizar seus fins. Essas necessidades
são imensas e para atendê-las o Estado precisa de bens imóveis, móveis, serviços,
pois necessita de terras, casas, estradas, ruas, pontes, navios, precisa manter a
ordem, a defesa interna e externa, promover a justiça e demais atribuições, e tudo
isto representa um mundo de bens e serviços. Com a ampliação do Estado
intervencionista crescem essas necessidades e ainda aí se incluem a assistência, a
previdência e a seguridade sociais, o desenvolvimento econômico, enfim a
promoção do bem comum. Em última análise, dentro da economia monetária, isto
significa necessitar de dinheiro e o Estado tem de obter receita, despender, orçar,
fazer empréstimos e gerir toda essa atividade de economia pública ou finanças.”.
E, também MOZART VICTOR RUSSOMANO309: “nos regimes de Seguridade
Social, a intervenção e a responsabilidade do Estado são cada vez mais ostensivas,
tanto na criação de órgãos gestores quanto na instituição e distribuição dos
benefícios e serviços, bem como quanto ao custeio ou financiamento do programa
desenvolvido.”.
Dessa forma, para que haja eficiência nas normas relativas às contribuições
sociais e elas possam efetivamente custear todo o sistema previdenciário, de modo
que todos os que dele realmente necessitarem sejam atendidos, é imprescindível
308 Curso de direito tributário. p. 03. 309 Curso de previdência social. p. 56.
197
que haja publicidade das verbas do orçamento do Estado, previsão expressa do
quantum a ser aplicado na Previdência Social, equilíbrio entre despesas e receitas
públicas e, mais importante, participação popular no controle da aplicação do
percentual no sistema previdenciário, para que possa ser levado à análise do
Judiciário, eventualmente, levando-se em conta, inclusive, os princípios da
razoabilidade e da proporcionalidade.
Essa participação popular é muito importante para compelir o Estado a
despender, orçar e gerir as verbas públicas especificamente em favor de toda a
coletividade.
Por outro viés, será importante também uma conscientização dos segurados
da Previdência Social, no sentido de efetuar mensalmente o pagamento das
contribuições previdenciárias ou exigir que este seja feito por quem de direito, sem
conluios e fraudes, afinal trata-se de um seguro social que envolve um grande
número de pessoas. Baseando-se nisso é que se defende também a criação de um
órgão dentro do sistema previdenciário que certifique anualmente que todas as
receitas oriundas das contribuições previdenciárias e do repasse da União foram
realmente destinadas à Previdência Social, de forma a realizar um autêntico relatório
discriminando as receitas e as prestações concedidas durante o ano e, ainda, que
tudo isso seja público.
YOSHIAKI ICHIHARA310defende a implementação de uma política
previdenciária, “um modelo que resolva os problemas de caixa ou de déficits da
previdência, que seja bom para os contribuintes e para os beneficiários, através da
adoção de regras objetivas, um sistema atuarial real, evitando a evasão de receitas
e as fraudes, seja na hora de contribuir ou no pagamento dos benefícios.”.
Embora no texto das normas jurídicas o termo solidariedade encontre limites,
de maneira a considerarmos uma solidariedade jurídica, em termos pragmáticos,
tanto os segurados como todos os demais membros da sociedade devem ter em
mente sempre a solidariedade no seu sentido mais nobre e amplo.
CELSO BARROSO LEITE311 aduz que:
310 A previdência social hoje. p. 237. 311 A crise da previdência social. p. 125.
198
“deveremos avançar para a alta e lúcida meta de assegurar um mínimo a cada
pessoa necessitada, para que ninguém deixe de dispor pelo menos do essencial à
subsistência. Assim, apagaremos também a triste mancha da mendicância e até mesmo
da pobreza. Nada disso é fácil e bem sei que essas metas encerram, ao lado de
perspectivas concretas de viabilidade, um estimulante teor de ideal, para não dizer de
utopia. Daí a necessidade de uma conjugação de esforços para a busca das soluções. A
responsabilidade direta cabe aos parlamentares, às autoridades, aos especialistas. Mas
não só a eles; parodiando o pensamento famoso, eu diria que a previdência social e
outros programas dessa natureza são importantes demais para ficarem a cargo apenas
dos responsáveis diretos. Todos devemos ajudar e, na modéstia das minhas
possibilidades, é o que estou procurando fazer. Nada importa mais que a pessoa humana
em si, e é para ela que tem de orientar-se o nosso esforço por satisfatórias condições de
vida, no presente, e pela garantia do futuro. Isso só é possível, pelo menos no nosso
mundo de hoje, através da adequada mobilização dos recursos que a sociedade precisa
dispor para esses fins e da sua justa distribuição, dentro do princípio de que antes pouco
para muitos do que muito para os poucos. Em última análise, aí está o que se deve
entender como imperativo do sentido social.”.
Resumindo, o sistema da Previdência Social somente conseguirá atingir suas
metas quando houver uma mudança cultural dentro da sociedade.
9. Da teoria à prática
Procurando demonstrar a aplicabilidade da teoria até aqui desenvolvida,
analisar-se-á as contribuições dos inativos prevista no artigo 40, § 18, do Texto
Constitucional, o qual foi introduzido pela Emenda Constitucional n.º 41/03:
“§ 18. Incidirá contribuição sobre os proventos de aposentadorias e pensões concedidas
pelo regime de que trata este artigo que superem o limite máximo estabelecido para os
benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201, com percentual
igual ao estabelecido para os servidores titulares de cargos efetivos.”
Em termos sintáticos, tem-se:
NCTCP: Se a União institui através da Emenda Constitucional n.º 41 de 19 de
Dezembro de 2003 no Território Nacional o § 18 no art. 40 na CF, então poderá
exigir contribuição dos aposentados e pensionistas do serviço público.
RMICP: Se a União pode exigir no Território Nacional contribuição previdenciária
para aposentados e pensionistas do serviço público mensalmente, então
199
aposentados e pensionistas deverão pagar ao INSS 11% (onze por cento) sobre o
valor de sua aposentadoria ou pensão.
Pela estrutura sintática, já é possível verificar patente invalidade dessa
contribuição, posto que em sua norma de competência não há a prescrição da
finalidade a que se destina.
Em termos semânticos, trata-se de um tributo não vinculado a qualquer
atuação estatal, arrecadado por órgão parafiscal dos servidores, não restituível e
com provável destinação à previdência social dos servidores públicos.
A contribuição dos inativos viola a regra da contrapartida prevista no art. 195,
§ 5º, do Texto Constitucional que consiste na vedação de criação, majoração ou
extensão de benefício sem a correspondente fonte de custeio. Isso porque ela não
foi criada sem qualquer previsão de destinação; ou seja, quando de sua instituição,
não houve a especificidade do produto de sua arrecadação.
A falta de observância dessa regra ocasiona a violação de outros princípios,
como o da vedação ao confisco e da tipicidade tributária e, ainda, todo o sentido do
sistema previdenciário que tem por característica principal a contributividade dos
seus segurados para receber benefícios em contraprestação.
O professor SÉRGIO PINTO MARTINS312, nesse sentido apregoa que: “O
aposentado já pagou a contribuição para fazer jus ao benefício. Isso mostra o
princípio da contrapartida. Não há retribuição com a nova contribuição. A exigência é
um tributo sem causa jurídica. Não há relação causal com o fato gerador da
obrigação tributária. Nenhuma contraprestação é devida ao segurado com a
exigência da contribuição do inativo. A contribuição previdenciária é um tributo
vinculado a uma espécie de prestação: o benefício.”.
O professor AUGUSTO MASSAYUKI TSUTIYA313 ressalva que essa
voracidade do Poder Público sobre as aposentadorias e pensões decorre da pouca
resistência que os próprios aposentados podem oferecer.
Essa contribuição também viola o princípio da isonomia tributária, posto que,
se só por suposição essa contribuição fosse devida, ela deveria então ser suportada
por todos os aposentados e pensionistas, tanto os estatutários (servidores públicos),
312 Reforma previdenciária. p. 147. 313 Curso de direito da seguridade social. p. 64.
200
como os celetistas (trabalhadores/empregados inscritos no INSS) e não somente
pelos servidores públicos.
Ademais, referida contribuição infringe muitos outros princípios constitucionais
genéricos, tais como segurança jurídica, direito adquirido e propriedade.
Portanto, em termos semânticos essa contribuição sequer deveria viger, posto
que sequer se subsume aos arquétipos constitucionais.
E, em termos pragmáticos, a contribuição dos inativos se mostra
completamente ineficiente, posto que não tem destinação, sequer se sabe onde seu
produto está sendo aplicado.
Assim, com base no modelo teórico apresentado, a contribuição dos inativos
é inválida, não se subsume as hipóteses constitucionais e é completamente ineficaz,
posto que sua norma de competência não especifica a finalidade a que ela se
destina, sua regra-matriz viola uma série de princípios constitucionais genéricos,
tributários e previdenciários e também porque o produto de sua arrecadação tem
destino desconhecido.
Conclui-se esse estudo semiótico sobre contribuições previdenciárias, com
ênfase na análise pragmática, com o seguinte trecho do professor e jurista TÉRCIO
SAMPAIO FERRAZ JÚNIOR314:
“O direito é um dos fenômenos mais notáveis na vida humana. Compreendê-lo é
compreender uma parte de nós mesmos. É saber em parte por que obedecemos, por que
mandamos, por que nos indignamos, por que aspiramos a mudar em nome de ideais, por
que em nome de ideais conservamos as coisas como estão. Ser livre é estar no direito e,
no entanto, o direito também nos oprime e tira-nos a liberdade. Por isso, compreender o
direito não é um empreendimento que se reduz facilmente a conceituações lógicas e
racionalmente sistematizadas. O encontro com o direito é diversificado, às vezes
conflitivo e incoerente, às vezes linear e conseqüente. Estudar o direito é, assim, uma
atividade difícil, que exige não só acuidade, inteligência, preparo, mas também
encantamento, intuição, espontaneidade. Para compreendê-lo, é preciso, pois, saber e
amar. Só o homem que sabe pode ter-lhe o domínio. Mas só quem o ama é capaz de
dominá-lo, rendendo-se a ele. Por tudo isso, o direito é um mistério, o mistério do
princípio e do fim da sociabilidade humana.”.
314 Introdução ao estudo do direito. p. 21.
201
CONCLUSÕES
Tomando-se como paradigma a idéia da linguagem como elemento
constitutivo da realidade e que o sistema jurídico faz parte dessa realidade, atinge-
se a assertiva de que o direito é linguagem e, portanto, é texto.
O Direito Positivo é um texto composto por comandos normativos, os quais
estão organizados de forma coordenada ou subordinada formando uma autêntica
intratextualidade e interdiscursividade, elevando o Direito ao status de discurso
lingüístico único; ou seja, é um corpo de texto único composto por unidades
normativas organizadas entre si.
É essa organização entre as unidades normativas que confere coerência
interna ao sistema do direito positivo e, portanto, lhes dá o que se chama de
‘sentido’. Dessa forma, está sujeito a uma série de interpretações, todavia, antes de
se empreender em quaisquer das análises jurídicas, deve-se, primeiramente, buscar
o sentido dessas unidades normativas segundo as regras gerais de texto, mais
precisamente, conforme a semiótica.
O percurso gerador de sentido que o estudioso da semiótica deve percorrer
consiste em transitar por três níveis de linguagem: sintática, semântica e pragmática.
Desbravar-se nesse percurso não é tarefa fácil, posto que, embora distintos em tese,
esses planos se confundem constantemente e faz com que o interprete vá e volte
em cada um deles para a construção de sentido de um texto.
Não bastasse isso, há que se ressaltar que a pragmática, nível mais
importante para a interpretação, posto que todas as escolhas do intérprete decorrem
dela, possui uma carga de subjetividade muito mais profunda do que se imagina,
porque abarca uma série de instâncias interpretativas que podem dificultar a busca
pelo sentido exato do texto.
A pragmática como relação do signo com o seu utente abrange não somente
a finalidade que o intérprete pretende conferir ao texto, ela vai mais longe, abarca
também toda a carga axiológica e subjetiva que leva o intérprete a escolher a
finalidade do texto. Ademais, não se trata somente de axiologia e subjetividade do
intérprete cientista, mas também dos intérpretes destinatários do texto.
202
Foi com base nesses estudos semióticos que esse trabalho buscou uma
interpretação para uma parte do Direito bastante árida de estudos - as contribuições
previdenciárias.
As contribuições previdenciárias, segundo a classificação tributária proposta
por esse trabalho, possui sim natureza tributária e deve seguir o regime jurídico dos
tributos; isto é, devem observar as regras atinentes ao sistema constitucional
tributário e, também, as regras previstas no Código Tributário Nacional.
A demonstração cabal dessa afirmação foi a elaboração da Súmula nº 8 do
STF que estabelece que as contribuições previdenciárias devem obeceder aos
prazos decadenciais e prescricionais estabelecidos no Código Tributário Nacional.
Oportunamente não se pode olvidar que a presença de todas as
contribuições, como espécie tributária autônoma, no direito positivo é uma marca do
“Estado Social de Direito”; ou seja, realizar tributação por meio delas é uma tentativa
de buscar um “Estado de coordenação e colaboração, amortecer a luta de classes e
promover, entre os homens, a justiça social, a paz econômica”, consoante
ensinamentos do professor PAULO BONAVIDES315.
Elas representam, ao menos, a preocupação do Poder Constituinte na
realização concreta dos direitos e garantias sociais consagrados no Texto
Constitucional de 1988.
Fato esse que torna nobre a criação dessa espécie tributária, tão pouco
compreendida entre os doutrinadores. As contribuições nada mais são do que
instrumentos da União para operacionalizar os preceitos contidos na Constituição
Federal. Sua finalidade, portanto, é completamente extrafiscal, logo, sua validação
constitucional se dá pela sua destinação específica.
É nesse contexto que se torna valioso o estudo acerca das contribuições,
especialmente das contribuições previdenciárias que possuem a especial finalidade
de socorrer os segurados da Previdência Social que se encontrem em situação de
risco social que comprometa sua capacidade laborativa.
A análise semiótica das contribuições previdenciárias permitiu verificar a
validade, vigência e eficácia de suas normas e descobrir que, embora tenha havido
315 Do estado liberal ao estado social. p. 187.
203
alguns avanços, há ainda muito a ser feito em termos de Previdência Social,
inclusive readaptar essas normas para as transformações atuais da realidade social
(outro tecido lingüístico).
A validade constitucional das contribuições previdenciárias está relacionada
com sua sintática, portanto com suas respectivas normas de competência que
inclusive estão qualificadas pela previsão de destinação específica.
A vigência constitucional das contribuições previdenciárias está relacionada
com sua semântica, portanto, com os todos os princípios consagrados no Texto
Constitucional desde o Preâmbulo até os princípios específicos da tributação,
seguridade social e previdência social.
E a eficácia constitucional das contribuições previdenciárias com sua
pragmática, portanto, com o ideal de proporcionar de forma adequada aos
segurados da Previdência Social o mínimo existencial em situações de expressiva
necessidade social, tais como doença, morte e velhice.
Feita a análise partindo-se das formas sintáticas para se atingir a pragmática
do sistema previdenciário, bem como de suas contribuições, ou seja, uma análise
que se inicia com a estática e termina na dinâmica do sistema da Previdência Social,
é possível verificar que suas formas sintáticas e sua construção semântica estão
completamente desconectadas de sua efetiva utilidade (pragmática).
Daí a importância da proposição de um modelo teórico de validade, vigência e
eficácia como tentativa para solucionar esse descompasso.
A tributação por meio das contribuições previdenciárias é um instrumento
utilizado pelo legislador constitucional para financiar e conseqüentemente viabilizar a
realização de prestações no sistema de previdência social (benefícios e serviços).
Se estiver ocorrendo um enorme desvio entre a forma constitucional sintática e sua
pragmática, então as prestações previdenciárias não estão sendo realizadas da
forma que o Texto Constitucional previu e o produto da arrecadação das
contribuições previdenciárias está sendo mal gerido.
O modelo teórico apresentado oferece algumas ferramentas para tentar sanar
tanto a má gestão do produto da arrecadação das contribuições previdenciárias,
como para melhorar a qualidade dos benefícios e serviços do sistema da
Previdência Social. Além, é claro, de provocar novas reflexões doutrinárias.
204
O referido modelo, em suma, busca sincronizar as estruturas lógico-sintáticas
constitucionais das contribuições previdenciárias com sua construção semântica e,
ainda, com sua respectiva pragmática.
205
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