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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
AMARI GOULART
UM ESTUDO SOBRE A ABORDAGEM DOS CONTEÚDOS ESTATÍSTICOS
EM CURSOS DE LICENCIATURA EM MATEMÁTICA: UMA PROPOSTA
SOB A ÓTICA DA ECOLOGIA DO DIDÁTICO
DOUTORADO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA
São Paulo
2015
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
AMARI GOULART
UM ESTUDO SOBRE A ABORDAGEM DOS CONTEÚDOS ESTATÍSTICOS
EM CURSOS DE LICENCIATURA EM MATEMÁTICA: UMA PROPOSTA
SOB A ÓTICA DA ECOLOGIA DO DIDÁTICO
Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, como exigência
parcial para a obtenção do Título de DOUTOR EM
EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, sob a orientação da
Professora Doutora Cileda de Queiroz e Silva Coutinho
São Paulo
2015
Banca Examinadora
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Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou
parcial desta Tese por processos de fotocopiadoras ou eletrônicos.
Assinatura: ________________________________Local e Data: _______________
A todos os professores e professoras de Matemática que, apesar de todas as
dificuldades impostas, continuam diuturnamente em sala de aula trabalhando
arduamente para o aprimoramento do conhecimento matemático e estatístico de seus
alunos. A estes heróis e heroínas anônimos(as), dedico este trabalho.
AGRADECIMENTOS
Finalizar uma tese de doutorado é, em parte, finalizar uma trajetória, e não caberia em
poucas páginas a lista de pessoas que me influenciaram neste longo caminho. Portanto,
agradeço a todos os familiares, amigos, professores e alunos que, de alguma forma,
contribuíram nesta jornada.
Agradeço, em particular,
a minha orientadora, Cileda de Queiroz e silva Coutinho, pelo incentivo, paciência,
prontidão e dedicação;
aos membros da banca do exame de qualificação: Profa. Dra. Adair Mendes Nacarato,
Prof. Dr. Fumikazu Sato, Prof. Dr. Marcos Nascimento Magalhães e Profa. Dra. Silvia
Dias de Alcântara Machado, por suas colaborações e sugestões, que deram um norte a
este trabalho;
à CAPES, por financiar parte deste trabalho;
ao IFSP, pelo apoio a nosso trabalho.
RESUMO
Esta pesquisa teve por objetivo determinar as relações que podemos estabelecer entre o
ensino de Estatística na Educação Básica e o Ensino de Estatística nos cursos de
Licenciatura em Matemática, visando potencializar a formação de professores para o
Letramento Estatístico. Utilizando como base teórica a Teoria Antropológica do
Didático (TAD) e sua perspectiva Ecológica, formulamos, por hipótese, dois
ecossistemas: o ecossistema do Ensino de Matemática na Educação Básica e o
ecossistema do curso de Licenciatura em Matemática. Para verificar se esses
ecossistemas potencializam o desenvolvimento do Letramento Estatístico, foram
analisados os seguintes documentos: os PCN de terceiro e quarto ciclos do Ensino
Fundamental (Matemática), os PCN do Ensino Médio (Ciências da Natureza,
Matemática e suas Tecnologias), os PCN+ (Ciências da Natureza, Matemática e suas
Tecnologias), as Orientações Curriculares para o Ensino Médio (Ciências da Natureza,
Matemática e suas Tecnologias), as Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de
Matemática, Bacharelado e Licenciatura (DCN-BL) e as Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em Nível Superior,
Curso de Licenciatura, de graduação plena (DCN-FP), bem como os seguintes exames
de larga escala: SAEB, Prova Brasil, ENEM e ENADE e também duas coleções de
livros didáticos aprovadas pelo PNLD e destinadas à Educação Básica. A partir das
análises dos documentos, concluímos que nenhum desses ecossistemas potencializa o
desenvolvimento do Letramento Estatístico. Não foram encontradas relações que
possam ser estabelecidas entre o ensino de Estatística na Educação Básica e o Ensino de
Estatística nos cursos de Licenciatura em Matemática visando aprimorar a formação de
professores para o Letramento Estatístico.
Palavras-chave: Formação de professores, Educação Estatística, Letramento
Estatístico, livro didático
ABSTRACT
The purpose of this study was to identify the relationships operating between the
teaching of Statistics to Basic Education students (up to the 12th grade) and the teaching
of Statistics at Teaching Degree programs in Mathematics—relationships that might
enhance the professional education of Brazilian teachers towards the development of
Statistical Literacy among their future students. The Anthropological Theory of the
Didactic, in its ecological perspective, was the theoretical framework adopted, from
which two ecosystems were hypothesized: those of Mathematics teaching in Basic
Education and in Teaching Degree programs in Mathematics. To examine whether these
ecosystems are currently promoting the development of Statistical Literacy, the
following documents were analyzed: the National Curriculum Parameters (PCN) for
6th-9th Grades (Mathematics), the PCN for 10th-12th Grades (Natural Sciences,
Mathematics, and their Technologies), the PCN+ (Natural Sciences, Mathematics, and
their Technologies), the Curriculum Guidelines for 10th-12th Grades (Natural Sciences,
Mathematics, and their Technologies), the National Curriculum Guidelines for
Mathematics Programs – Teaching and Non-Teaching Degrees (DCN-BL), and the
National Curriculum Guidelines for Higher-Education Training of Teachers for 1st-12th
Grades – Full Teaching Degree (DCN-FP). The following national exams were also
evaluated: SAEB, Prova Brasil, ENEM, and ENADE. The analysis also included two
textbook series (one for 6th-9th grades and the other for 10th-12th grades) approved by
the National Textbook Program for Basic School (PNLD). The analyses of these
documents and materials revealed that neither ecosystem currently promotes the
development of Statistical Literacy. Between the teaching of Statistics to Basic
Education students and the teaching of Statistics at Teaching Degree programs in
Mathematics, no relationships were found to operate which might enhance the
professional education of teachers towards the development of Statistical Literacy
among their future students.
Keywords: Professional education of teachers, Statistics Education, Statistical Literacy,
textbooks
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Modelo de Letramento Estatístico, segundo Gal (2002), elaborado por Silva
(2007) ..............................................................................................................................41
Figura 2 – Estrutura do Pensamento Estatístico proposta por Wild e Pfannkuch (1999),
elaborada por Silva (2007) .............................................................................................46
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Síntese da competência estatística apresentada por Rumsey (2002),
elaborada por Silva (2007) .............................................................................................43
Quadro 2 – Conteúdos de Probabilidade e Estatística identificados nos PCN ..............73
Quadro 3 – Quadro comparativo da Prova Brasil e do SAEB ......................................81
Quadro 4 – Número de questões do ENEM cujo tema é Probabilidade e Estatística dos
anos de 2009 a 2012 .......................................................................................................85
Quadro 5 – Descrições das tarefas obtidas a partir das análises das questões de
Estatística das questões do ENEM dos anos de 2009 a 2012 .........................................86
Quadro 6 – Descrições das tarefas obtidas a partir das análises das questões de
Probabilidade das questões do ENEM dos anos de 2009 a 2012 ...................................86
Quadro 7 – Número de questões que abordam Probabilidade e Estatística das edições
do ENADE em que a área de Matemática foi avaliada ..................................................89
Quadro 8 – Tarefas encontradas na coleção Praticando Matemática-Edição renovada
.......................................................................................................................................103
Quadro 9 – Descrições das tarefas obtidas a partir das análises das questões de
Estatística do livro didático do sexto ano .....................................................................121
Quadro 10 – Descrições das tarefas obtidas a partir das análises das questões de
Estatística do livro didático do sétimo ano ...................................................................124
Quadro 11 – Descrições das tarefas obtidas a partir das análises das questões de
Estatística do livro didático do oitavo ano ....................................................................126
Quadro 12 – Descrições das tarefas obtidas a partir das análises das questões de
Estatística do livro didático do nono ano ......................................................................128
Quadro 13 – Tarefas encontradas na coleção Matemática: Contexto e aplicações .....131
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Porcentagem dos conteúdos probabilísticos e estatísticos contidos na
coleção Praticando Matemática-Edição renovada ........................................................102
Tabela 2 – Frequência absoluta e frequência relativa das tarefas encontradas no livro
didático do sexto ano ....................................................................................................123
Tabela 3 - Frequência absoluta e frequência relativa das tarefas encontradas no livro
didático do sétimo ano ..................................................................................................126
Tabela 4 - Frequência absoluta e frequência relativa das tarefas encontradas no livro
didático do oitavo ano ...................................................................................................127
Tabela 5 - Frequência absoluta e frequência relativa das tarefas encontradas no livro
didático do nono ano .....................................................................................................129
Tabela 6 – Porcentagem dos conteúdos probabilísticos e estatísticos contidos na
coleção Matemática: Contexto e aplicações .................................................................130
Tabela 7 – Descrições das tarefas obtidas a partir das análises das questões de
Probabilidade e Estatística dos exercícios do livro didático do volume II ...................138
Tabela 8 – Descrições das tarefas obtidas a partir das análises das questões de
Probabilidade e Estatística dos exercícios do livro didático do volume III ..................141
Sumário
INTRODUÇÃO .............................................................................................................................. 21
CAPÍTULO I: O PROFESSOR DE MATEMÁTICA E A EDUCAÇÃO ESTATÍSTICA EM SUA FORMAÇÃO
INICIAL: ALGUMAS PESQUISAS ................................................................................................... 23
A revisão bibliográfica ............................................................................................................. 23
Algumas considerações ........................................................................................................... 34
CAPÍTULO II: FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA E METODOLÓGICA .................................................. 37
Introdução ............................................................................................................................... 37
2.1 - A Educação Estatística ..................................................................................................... 37
2.2 – O Letramento Estatístico ................................................................................................ 38
2.3 – O Pensamento Estatístico e o Raciocínio Estatístico ...................................................... 44
2.3.1 – Articulação entre pensamento, raciocínio e letramento .......................................... 46
2. 4 - A Teoria Antropológica do Didático ............................................................................... 48
2.4.1 – A noção de organização praxeológica ..................................................................... 49
2.4.2 – As noções de Organização Matemática e Organização Didática ............................ 51
2.5 – A perspectiva ecológica .................................................................................................. 52
2.6 - A formação inicial de professores ................................................................................... 56
2.6.1 – Perfil dos alunos dos cursos de Licenciatura ........................................................... 57
2.6.2 – Saberes docentes .................................................................................................... 58
2.7 – Fundamentação metodológica....................................................................................... 64
2.7. 1 - Questão de pesquisa ................................................................................................ 64
2.7. 2 - Metodologia e procedimentos ................................................................................. 65
CAPÍTULO III: A LICENCIATURA EM MATEMÁTICA E O ENSINO DE ESTATÍSTICA NOS
DOCUMENTOS E EXAMES OFICIAIS ............................................................................................. 69
Introdução ............................................................................................................................... 69
3. 1 – Os documentos oficiais.................................................................................................. 70
3. 1. 1 – Os Parâmetros Curriculares Nacionais .................................................................. 70
3. 1. 2 – As Diretrizes Curriculares Nacionais ...................................................................... 75
3. 2 – Os exames de larga escala ............................................................................................. 80
3. 2. 1 – O SAEB e a Prova Brasil .......................................................................................... 80
3. 2. 2 – O Exame Nacional do Ensino Médio ...................................................................... 83
3. 2. 4 – O Exame Nacional de Desempenho de Estudantes ............................................... 87
3. 3 – Algumas considerações ................................................................................................. 96
CAPÍTULO IV: A PRESENÇA DA ESTATÍSTICA NOS LIVROS DIDÁTICOS DE MATEMÁTICA ........... 99
Introdução ............................................................................................................................... 99
4.1 – As obras analisadas ...................................................................................................... 101
4.2 - Análise da coleção Praticando Matemática: edição renovada ..................................... 101
4.2.1 – Organização Matemática ...................................................................................... 102
4.2.1.1 – Análise praxeológica ......................................................................... 104
4.2.2 – Organização Didática ............................................................................................ 121
4.3 – Análise da coleção Matemática: contexto e aplicações ............................................... 130
4.3.1 – Organização Matemática ....................................................................................... 130
4.3.2 – Organização Didática ............................................................................................ 138
4.4 – Algumas considerações ................................................................................................ 143
CONSIDERAÇÕES E PERSPECTIVAS ............................................................................................ 145
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................. 151
ANEXO I: Cursos avaliados pelo ENADE de 2004 a 2012. .......................................................... 161
ANEXO II: Artigo 70 da Portaria INEP n0 223 de 26 de julho de 2011 ........................................ 163
21
INTRODUÇÃO
A Estatística é um instrumental de relevante importância para todos os campos
do conhecimento científico. Podemos encontrar exemplos de suas aplicações nas
Ciências Médicas e Biológicas, nas Ciências Humanas e nas Ciências Exatas.
Na área médica, podemos apresentar como exemplos as técnicas estatísticas que
permitem verificar a eficácia ou não de um novo método cirúrgico, uma nova
medicação ou um novo tratamento. Nas Ciências Exatas, as técnicas utilizadas no
Controle Estatístico da Qualidade, cuja aplicação é de grande importância para a cadeia
produtiva. Nas Ciências Humanas, temos como exemplo as pesquisas educacionais,
cujos resultados são utilizados para elaborar políticas públicas voltadas à educação, ou o
tratamento de dados para a tomada de decisões nas áreas de finanças ou gestão.
Em geral, no mundo acadêmico atual, quase todas as carreiras ligadas à pesquisa
ou aplicações científicas têm em seu currículo uma disciplina introdutória de Estatística
Básica ou Estatística Aplicada.
Ela também está presente na vida cotidiana, pois numa simples leitura diária de
jornais, ou na mídia como um todo, encontramos diversos termos e representações
estatísticos, tais como gráficos diversos, média salarial, taxa de desemprego, índice de
crescimento e margem de erro, que expõe fatos sociais e econômicos, descrevendo
realidades regionais do país e do mundo.
Estes termos, quando compreendidos, podem fundamentar a formação da
consciência crítica e da capacidade de tomada de decisões, que constituem uma das
metas da Educação Básica. Nesse contexto, concordamos com os Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN) em que o ensino da Estatística deve ser tratado com
maior atenção desde o início da escolaridade.
Conhecimentos relativos à Estatística vêm sendo cobrados em exames oficiais
internacionais, nacionais e estaduais, tais como PISA, ENEM, SAEB, Prova Brasil e
SARESP. Os trabalhos de Acosta (2013), Nunes (2013), Goulart (2007) e Friolani
(2007), entre outros, promovem discussões sobre o tema.
Nota-se que, institucionalmente, há um reconhecimento de que o ensino de
Estatística deva estar presente desde o início da Educação Básica, tanto no Brasil quanto
em outras partes do mundo. No entanto, de acordo com Azcárate e Cardeñoso (2011), a
mesma atenção não é dedicada à formação dos professores responsáveis por seu ensino
nas salas de aula.
22
No Brasil, autores como Santos (2005), Costa (2007) e Viali (2008) apontam
uma série de problemas relacionados ao ensino de Estatística na Escola Básica. Tais
problemas serão abordados com mais profundidade no Capítulo I.
Nesta tese, partimos da premissa que os problemas apontados por esses autores
são resultantes da formação inadequada que os professores recebem em sua formação
inicial para ensinar Estatística na Educação Básica. Portanto, este trabalho tem por
finalidade identificar as relações que operam entre o ensino de Estatística na Educação
Básica e o Ensino de Estatística nos cursos de Licenciatura em Matemática, visando
potencializar a formação de professores para o letramento estatístico.
O Capítulo 1 apresenta uma revisão bibliográfica que aponta elementos da
Educação Estatística presentes na formação inicial do professor de Matemática.
Nos Capítulos 2 e 3 são apresentadas as referências teóricas e a metodologia
utilizadas nesta pesquisa.
O Capítulo 4 descreve os motivos que embasaram a escolha dos documentos e
exames oficiais focalizados neste estudo e procede à análise desses exames e
documentos.
No capítulo 5 são analisados os livros didáticos aprovados pelo PNLD para os
quatro últimos anos do Ensino Fundamental e para o Ensino Médio.
Finalizando este estudo, são apresentadas nossas considerações finais e
perspectivas futuras.
23
CAPÍTULO I: O PROFESSOR DE MATEMÁTICA E A
EDUCAÇÃO ESTATÍSTICA EM SUA FORMAÇÃO INICIAL:
ALGUMAS PESQUISAS
Neste capítulo apresentaremos nossa revisão bibliográfica, abrangendo pesquisas
que tiveram como objeto a Educação Estatística na formação inicial de professores de
Matemática.
Para a seleção dos trabalhos, consultamos o banco de dissertações e teses da
Coordenadoria de Aperfeiçoamento do Pessoal de Ensino Superior (CAPES), utilizando
as seguintes palavras-chave: “formação de professores”, “Educação Estatística”, “ensino
de Estatística” e “currículo de Estatística”. Para a seleção dos artigos, consultamos a
base de dados Scielo, com as mesmas palavras-chave.
A revisão bibliográfica
Começaremos esta revisão com a pesquisa de doutorado de Moreira (2004), que
examinou o processo de formação de professores em um curso de Licenciatura em
Matemática, com o objetivo de analisar as relações entre os conhecimentos matemáticos
veiculados nesse processo e as questões que se colocam na prática escolar docente.
O autor utilizou a metodologia de pesquisa de estudo de caso, tomando como
unidade de estudo o curso diurno de Licenciatura em Matemática da Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG), restringindo-se ao tema Números.
Na pesquisa foram utilizados os seguintes instrumentos de coleta de dados:
questionários, entrevistas, documentos do curso de licenciatura em Matemática da
UFMG, livros didáticos escolares, textos utilizados como referências básicas nas
disciplinas do curso e a literatura sobre Educação Matemática.
Partindo da perspectiva teórica em que se distingue a Matemática escolar da
Matemática científica ou acadêmica, Moreira (2004) descreve o conhecimento sobre
Números veiculado no curso e o confronta com as questões que a literatura de pesquisa
indica como envolvidas na prática do professor de Matemática.
A análise dos dados converge para a conclusão de que o conhecimento
matemático é trabalhado no processo de formação de professores a partir das
24
perspectivas e dos valores da Matemática acadêmica. Consequentemente, importantes
questões escolares que não se ajustam a essas perspectivas e a esses valores são
ignoradas.
Um exemplo citado pelo autor é que:
A hipervalorização da matemática acadêmica no
processo de formação pode estimular ainda o
desenvolvimento de concepções e valores que, muitas
vezes, dificultam a comunicação do professor com os
alunos e a própria gestão da matéria em sala de aula.
Um dos exemplos [...] refere-se ao seguinte: o recém-
licenciado, sem alternativas para justificar um
determinado resultado matemático senão a prova
formal e reconhecendo esta como inviável na prática
escolar, pode ser levado a reduzir a argumentação a um
exame de vários exemplos numéricos, sem outro
recurso de convencimento a não ser a indução da
crença de que, sendo verificado em “muitos” casos
particulares, o resultado deve ser válido em geral.
(MOREIRA, 2004, p. 178)
Para esse autor, a implicação imediata de seu trabalho para o processo de
formação de professores refere-se à necessidade de um redimensionamento da formação
matemática de modo a equacionar de forma adequada os papéis da Matemática escolar e
a Matemática acadêmica nesse processo. Considera que é necessário construir uma
perspectiva que nos permita compreender que:
[...] o futuro professor de matemática da escola vai
ensinar, que tipo de questões referentes ao
conhecimento matemático ele encontra no seu trabalho
docente e que significado se pode atribuir, em termos
da prática escolar, à expressão “o professor precisa
saber mais do que aquilo que ensina”. Em outras
palavras, uma perspectiva que nos permitisse estudar o
processo de formação e a prática docente escolar e
investigar como os conhecimentos matemáticos da
formação se conectam (ou não) aos conhecimentos
matemáticos envolvidos nas questões que se colocam
para o professor na prática profissional na escola
básica. (MOREIRA, 2004, p. 181)
Embora o trabalho de Moreira (2004) não aborde o tema Tratamento da
Informação, colabora com nosso estudo por abordar explicitamente o papel do saber
escolar e do saber científico na formação de professores de Matemática, uma vez que
nossa pesquisa trata dessa confrontação em relação aos conteúdos de Probabilidade e
Estatística.
25
A leitura de seu trabalho nos levou a refletir sobre uma perspectiva que nos
permita investigar como os conhecimentos estatísticos presentes na formação dos
futuros professores de Matemática se articulam (ou não) aos conhecimentos estatísticos
envolvidos nas questões que se colocam para o professor na prática profissional na
Escola Básica.
Outra pesquisa que aborda a formação de professores de Matemática foi a
realizada por Luís (2004), com o objetivo de estudar e propor formas de aperfeiçoar a
formação de professores de Matemática para a Educação Básica, tendo como
perspectiva a autonomia do aluno na construção social de seu conhecimento. Visava
assim aprimorar os cursos de formação de professores de Matemática para o Ensino
Secundário em Moçambique, levando em consideração os problemas ali enfrentados
atualmente no ensino de Matemática.
Por meio de observações de aulas e entrevistas semiestruturadas aplicadas a
professores da Escola Secundária e da Universidade Pedagógica (UP) em Moçambique,
o autor concluiu que, o curso de formação de professores de Matemática na UP não
oferece elementos formativos para que ocorram as mudanças de práticas pedagógicas
que se pretendem no ensino de Matemática na Escola Secundária daquele país. Isso
ocorre, segundo Luís (2004), porque as práticas pedagógicas atuais da Escola Básica são
semelhantes às que ocorrem na UP. Tais práticas são, fundamentalmente, centradas na
figura do professor, que ora assume o papel de transmissor, ora o de inculcador de
conhecimentos.
Essas práticas, na perspectiva do autor, apresentam a Matemática como uma
aplicação cega de regras e manipulação de algoritmos, sem nenhuma compreensão por
parte dos alunos. Tal perspectiva é apresentada tanto para os alunos da Escola
Secundária como para os da UP.
Luís (2004) conclui que não são oferecidas condições para que os futuros
professores de Matemática possam reconstruir os conhecimentos matemáticos durante o
curso na UP. Considera que essa reconstrução se baseia na perspectiva sócio-histórico-
cultural e deve traduzir-se por uma conscientização do saber, a qual não pode existir
fora da práxis, por constituir “um processo de actividade crítica que está acompanhada
de uma percepção articulada dos fenômenos numa totalidade concreta e histórica”
(LUÍS, 2004, p. 90).
Tal conscientização tem como pressuposto, segundo o autor, uma relação ativa e
reflexiva entre o sujeito e o objeto de conhecimento. A essa conscientização o autor dá o
26
nome de perspectiva da construção do conhecimento. Conclui que o problema do ensino
de Matemática na escola básica deriva fundamentalmente de deficiências na formação
de professores, ou seja, “de uma formação centrada no ensino superior sem o cuidado
devido na articulação com o meio profissional ao qual destinam os professores” (LUÍS,
2004, p. 29).
Essa formação é similar à valorização da Matemática acadêmica (praticada nos
departamentos de Matemática das universidades), observada por Moreira (2004), e já
focalizada.
Luís (2004) conclui que é pertinente que as práticas curriculares do curso de
formação de professores de Matemática se desenvolvam sob a perspectiva da
construção do conhecimento.
Podemos notar que tanto Moreira (2004) como Luís (2004) defendem mudanças
nos cursos de Licenciatura em Matemática em seus respectivos países de origem, para
que possam ocorrer mudanças nas formas como esses professores atuam na Educação
Básica. Tal mudança também é defendida por nós.
Embora Luís (2004) trabalhe com a realidade educacional de Moçambique, a
perspectiva da construção do conhecimento por ele defendida é compartilhada por
Severino (2003), estudioso da problemática da formação de professores no Brasil.
Na pesquisa conduzida por Severino (2003) aponta-se que uma das limitações
dos cursos de formação de professores no Brasil é a visão que considera o conhecimento
mais propriamente como um produto que se repassa, do que um processo para se
construir determinado conhecimento. A mesma visão foi detectada por Luís (2004) na
realidade moçambicana.
A perspectiva de construção do conhecimento exige, entre outras coisas, uma
mudança de postura dos docentes que lecionam em cursos de formação de professores.
Quanto à mudança de postura dos professores que atuam nos cursos de formação
docente, Rego (2004, p. 117) afirma que “os que trabalham na formação de professores
não podem esperar mudanças na atuação do professor junto a seus alunos, se não
mudarem a sua forma de atuar junto aos professores”.
Portanto, se quisermos que os professores da Educação Básica mudem de
postura em sua atuação, os formadores desses professores precisarão mudar sua própria
postura.
Segundo Rego (2004), os formadores de professores devem alterar suas práticas
pedagógicas para que possam auxiliar os futuros professores na construção de novos
27
conhecimentos, uma vez que, segundo Gatti e Barreto (2009, p. 175), “os professores
tendem a reproduzir mais as experiências provenientes da sua vivência como estudantes
do que as teorias com os quais entram em contato”.
Referindo-se explicitamente a professores que lecionam Estatística em cursos de
graduação, Cordani (2001) afirma que:
É preciso mudar a concepção de boa parte dos
professores, que insistem numa orientação
exclusivamente computacional para a disciplina, com
cálculos muitas vezes tediosos, para uma base mais
experimental, ligada ao contexto cultural do aluno bem
como a área de concentração do curso. (CORDANI,
2001, p. 11)
Observamos a convergência dos resultados até aqui apontados no que se refere
ao importante papel do formador de professores da Escola Básica.
Embora Severino (2003), Luís (2004), Rego (2004) e Gatti e Barreto (2009), não
abordem explicitamente o ensino de Probabilidade e Estatística, suas pesquisas apontam
que, para haver mudanças nas práticas dos professores da Escola Básica, as
transformações devem começar a ocorrer em sua formação inicial – daí nossa opção em
abordar os conteúdos estatísticos em cursos de Licenciatura em Matemática.
Para sua dissertação de Mestrado Profissional, Santos (2005) realizou uma
pesquisa com o objetivo de verificar o processo de incorporação dos temas do bloco
Tratamento da Informação na Educação Básica e as relações dessa incorporação com a
formação continuada de professores de Matemática.
Para tanto, entrevistou um grupo de 52 professores da rede pública estadual
paulista e acompanhou sua formação continuada, além de acompanhar as aulas
ministradas por quatro deles.
A partir das análises dos dados coletados, Santos (2005) aponta que, a maior
parte dos professores não trabalha com conteúdos estatísticos na Educação Básica. Os
principais motivos apresentados pelos entrevistados para não abordarem conteúdos
estatísticos em suas aulas foram: o assunto ser complexo, os conteúdos estatísticos não
serem apresentados nos livros didáticos, faltar domínio de conteúdos estatísticos e haver
ausência de abordagem destes na formação inicial.
Dos argumentos apresentados pelos professores entrevistados, considerar o
assunto complexo é um juízo de valor que traz indícios da falta de domínio desses
conteúdos por esses profissionais, como aponta Novaes (2011).
28
Vale assinalar que atualmente todo livro didático voltado à Escola Básica
apresenta conteúdos estatísticos, uma vez que os editais do Plano Nacional do Livro
Didático (PNLD) deixam claro que todos os blocos do conhecimento matemático
identificados nos Parâmetro Curriculares Nacionais (PCN) devem constar na coleção,
sob pena de exclusão desta da lista de escolhas possíveis para o professor da rede
pública em todo o Brasil.
O trabalho de Santos (2005) tem importância para nossa pesquisa por apontar
indícios do escasso Letramento Estatístico dos professores, o que pode ser consequência
de sua formação inicial ou do longo tempo sem participação em formação continuada.
Nesse caso, a prática é constituída unicamente a partir da interação do professor com o
livro didático.
A pesquisa de Bayer et al. (2005), por sua vez, visou verificar se o licenciado
em Matemática está preparado para lecionar Estatística na Escola Básica. Como
metodologia, os pesquisadores aplicaram um questionário estruturado composto de 17
questões que versavam sobre a aptidão dos egressos para lecionar os conteúdos de
Estatística propostos pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) para 80 alunos
concluintes dos cursos de Licenciatura em Matemática no Rio Grande do Sul.
Dos alunos pesquisados, 52% declararam que o curso não os preparara
suficientemente para lecionar Estatística. Os autores concluem que:
É emergente a criação e o desenvolvimento de projetos
de estudos que objetivem um aprimoramento dos
professores com relação aos seus conhecimentos de
Estatística e que forneçam suporte didático para suas
aulas de Matemática em que conteúdos de Estatística
sejam trabalhados. Destacamos a importância de que
na formação do professor de matemática ocorra um
maior contato deste com a educação estatística,
conscientizando-o da relevância destes conteúdos na
formação de seus alunos. (BAYER et al., 2005, p. 10)
Para que, na formação inicial do professor de Matemática ocorra maior contato
com a Educação Estatística, faz-se necessário repensar como esses conteúdos são
abordados nos cursos de Licenciatura em Matemática.
Em sua dissertação de Mestrado Acadêmico, Costa (2007) investigou como os
professores da Educação Básica percebem a inserção da Probabilidade e Estatística nos
currículos escolares e como os professores formadores percebem esse ensino na
formação do professor de Matemática.
29
A autora aplicou um questionário com questões abertas e fechadas aos
professores da Educação Básica e entrevistou quatro professores formadores.
Analisando as respostas de 30 questionários, a autora concluiu que, embora a maioria
dos professores entrevistados tivesse se formado após a publicação dos PCN, a
formação que receberam não contribuiu para a constituição de um repertório de saberes
voltado ao ensino de Probabilidade e Estatística na Escola Básica. Tal resultado é
análogo ao obtido por Santos (2005) e por Bayer et al. (2005). No entanto, a maior parte
dos professores focalizados procurava inserir conteúdos estatísticos em suas aulas,
buscando apoio não só em livros paradidáticos e didáticos, mas também em jornais e
revistas.
Todavia, entre os dados coletados, essa autora observou que os professores
formadores apontaram alguns problemas em relação ao livro didático. De acordo com
uma das formadoras entrevistadas por Costa (2007), o livro didático comete graves
erros conceituais quando aborda tópicos de Probabilidade e Estatística:
Como o nome do bloco de conteúdo é Tratamento da
Informação, qualquer texto que o aluno vai tirar
informação do texto eles interpretam como parte, faz
tratamento da informação. Os buracos que têm na
formação, na sequência do livro são enormes, erros
conceituais, dizer que uma frequência relativa é a
probabilidade é café pequeno, só que são erros
cometidos por quase todos os livros. Então você não
pode dizer assim no livro didático o quê que eu tenho
que fazer, adianta eliminar esse livro? Não. Porque
esse erro está muito difundido. Qual é o trabalho que
tem que fazer? É trabalhar corpo a corpo mesmo, é
tentar atingir os autores. [...] os resultados tem sido
assim desanimadores, têm sido desanimadores em
termos de falta de associação, a média existe por si só.
Pra que relação com alguma coisa? A confusão normal
de média com moda não tem nada no livro que leve o
aluno a sair dessa confusão porque isso é um obstáculo
epistemológico. Aquilo é muito natural do aluno ter,
mas não tem nada no livro que minimize isso.
(COSTA, 2007, p. 145)
O trabalho de Costa (2007) nos aponta a necessidade de verificar como os
conteúdos de Probabilidade e Estatística são abordados nos livros didáticos voltados à
Escola Básica, uma vez que, segundo a autora, os professores utilizam os livros
didáticos como apoio para inserir conteúdos estatísticos em suas aulas.
Buscando verificar se o professor de Matemática é adequadamente preparado
para ensinar Probabilidade e Estatística na Educação Básica, Viali (2008) analisou uma
30
amostra de 125 currículos de cursos de Licenciatura em Matemática, selecionados
aleatoriamente de um total de 539 cursos existentes no Brasil.
As variáveis observadas foram: o semestre em que se ministram as disciplinas
de interesse, a carga horária das disciplinas de Probabilidade e Estatística e quanto elas
perfazem da carga horária total do curso. O autor também analisou a disciplina típica
oferecida.
O estudo permitiu concluir que, em sua maior parte, a disciplina é ministrada no
quinto ou sexto semestre e que os tópicos relacionados a Probabilidade e Estatística
cobrem em média 2,5% (60 horas) da carga horária total das Licenciaturas em
Matemática, considerando-se um curso de 2 400 horas, que é a carga mínima legal. As
60 horas destinadas aos conteúdos de Probabilidade e Estatística são consideradas
insuficientes pelo autor.
Viali (2008) constatou que, dentre as disciplinas ministradas, a que focaliza
Probabilidade e Estatística tem tipicamente carga horária de 60 horas e apresenta a
Estatística como uma disciplina da Matemática.
Nessa abordagem, a ênfase recai sobre a manipulação dos algoritmos e a
demonstração de fórmulas, sem preocupação com a compreensão dos conceitos
estatísticos, segundo Ben-Zvi e Garfield (2004), tal enfoque não leva os alunos a pensar
estatisticamente.
O artigo de Viali (2008) é relevante a nossa pesquisa porque aponta questões a
serem investigadas tais como: Qual é a carga horária adequada? Qual é a abordagem
adequada dos conteúdos estatísticos nos cursos de Licenciatura em Matemática? Além
disso, salienta que, da maneira como o assunto é tratado atualmente, não ocorre
desenvolvimento do letramento estatístico por parte dos futuros professores.
Em sua tese de doutorado, Passos (2009) realizou um estudo sobre a formação
de professores de Matemática, analisando a produção bibliográfica constituída por
artigos publicados em periódicos da área de Educação Matemática no período de 1976 a
2007. Foram abrangidos os seguintes periódicos: GEPEM, Bolema, Educação
Matemática em Revista, Zetetiké e Educação Matemática Pesquisa. Em busca da
compreensão do campo formação de professores e de sua caracterização na área de
Educação Matemática, a autora trabalhou com as seguintes questões:
Quais foram os problemas de pesquisa e/ou as reflexões que os artigos
abordaram no período considerado para a análise?
31
Quais foram as ideias fundamentais que orientaram essas reflexões
e/ou pesquisas e/ou projetos nesse período?
Quais os sentidos apresentados por esses autores de artigos sobre o
professor e sua formação?
Uma primeira conclusão desse levantamento, segundo a autora, é que a maior
parte dos artigos sobre esse tema foi produzida no período de 1996 a 2007. Além disso,
esse levantamento possibilitou constituir uma base de dados que serviu a uma
investigação qualitativa, a partir da qual Passos (2009) construiu categorias de busca,
seguidas de unidades de pesquisa e análise. São elas: o problema de pesquisa ou questão
de discussão ou reflexão nos artigos; as ações investigativas ou descritas; as conclusões,
considerações ou produtos dessas pesquisas relacionadas à formação inicial, e em
particular, aos processos de formação do professor em geral (as referências teóricas
citadas no desenvolvimento do artigo; os participantes da pesquisa; os sentidos sobre o
que é ser professor; os sentidos sobre a formação do professor).
Segundo a autora, as análises dos artigos selecionados contribuíram para a
compreensão do “ser” e do “fazer” dos professores neles focalizados; dos objetivos e
funções de sua formação; do que se espera do professor ao final do processo formativo
na ótica dos autores que escreveram os artigos analisados; dos conteúdos matemáticos
e/ou pedagógicos propostos; da proposição de atividades práticas; da sugestão de cursos
e suas estruturas curriculares; da reflexão sobre seus limites e possibilidades indicadas e
envolvidas nesse processo formativo.
Para finalizar, a autora conclui que muito se discute sobre o professor de
Matemática no Brasil, e seu trabalho possibilitou observar algumas tendências nesse
campo e seus possíveis desenvolvimentos na escola.
Analisando os conteúdos matemáticos e/ou pedagógicos propostos expressos
nos resumos de diferentes artigos, analisados por Passos (2009), não identificamos
nenhum estudo referente ao ensino e à aprendizagem de Probabilidade e Estatística na
formação de professores de Matemática. A partir da leitura da análise de Passos (2009),
sentimos a necessidade de trabalhos que abordem o ensino e a aprendizagem de
Probabilidade e Estatística na formação de professores, objeto de nosso trabalho.
Magalhães (2010), em um artigo que avalia o conhecimento dos formandos,
aplicou um questionário e um teste aos alunos do último ano do curso de Licenciatura
em Matemática do Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo
(IME-USP). No questionário havia perguntas referentes a experiências profissionais,
32
experiências acadêmicas e perspectiva de carreira. O teste, composto de 20 questões de
múltipla escolha, avaliou o conhecimento dos formandos.
Dos entrevistados, 65% declararam estar preparados para lecionar Estatística na
Escola Básica. No entanto, o autor adverte que:
[...] a maior parte dos formandos declarou que se sentia
preparada para ensinar tópicos de Estatística nos Ensinos
Fundamental e Médio. Contudo, os resultados do Teste indicam
que alguns tópicos de Estatística não foram devidamente
assimilados por eles. Por exemplo, a dificuldade apontada com
a correta interpretação de Intervalos de Confiança é
preocupante. (MAGALHÃES, 2010, p. 6)
Os resultados apresentados por Magalhães (2010) são similares aos obtidos por
Bayer et al. (2005). Mais uma vez, vemos a necessidade da ampliação do contato dos
futuros professores de Matemática com a Educação Estatística em sua formação inicial.
Vale salientar que os alunos entrevistados por Magalhães (2010) frequentaram
obrigatoriamente, no mínimo, duas disciplinas de Probabilidade e Estatística, com uma
carga horária conjunta de aproximadamente 120 horas, o dobro de horas frequentado
pela maior parte dos alunos que cursam a Licenciatura em Matemática, conforme
aponta Viali (2008).
Silva (2011) analisou as possíveis consequências do descompasso entre as
orientações curriculares para a Educação Básica e a formação inicial do professor de
Matemática quanto à presença da Probabilidade e Estatística no currículo dos cursos de
Licenciatura em Matemática. Para tanto, tomou como referência o projeto pedagógico
de curso (PPC) de sete instituições de ensino superior (IES), todas elas com nota 5 (nota
máxima) no Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE).
Em suas conclusões, Silva (2011) constata:
[...] o quanto o Parecer CNE/CES 1.302/2001 provoca
um abismo entre a abordagem da estatística e
probabilidade nos cursos de licenciatura e a prática
efetiva deste tema na educação básica. O problema
inicia-se pela ausência de obrigatoriedade da
existência de uma disciplina que trate deste assunto
no curso de licenciatura, pois este tema é
considerado indispensável somente no bacharelado.
[destaque nosso] (SILVA, 2011, p. 760)
Observa-se, assim, que Silva (2011) também aponta que os problemas na
abordagem de Probabilidade e Estatística na Licenciatura em Matemática começam com
33
a ausência de sua obrigatoriedade nos cursos de Licenciatura, resultado este também
apontado por Viali (2008).
Em relação às questões que norteiam sua pesquisa, Silva (2011) verifica que:
(...) os conteúdos Estatística e Probabilidade são
normalmente discutidos, nos cursos pesquisados, em
uma disciplina apenas, localizada na segunda
metade do curso e desarticulada com outras,
portanto, privando o licenciando de questionar as
formas destes conteúdos na educação básica.
[destaque nosso] (SILVA, 2011, p. 761)
Quanto ao número de disciplinas, Silva (2011) aponta que, em geral, os cursos
oferecem uma única, fato também observado por Viali (2008). Tal carga horária é,
segundo os autores, insuficiente para uma boa formação, premissa com a qual
concordamos e a qual assumimos.
O trabalho de Silva (2011) nos aponta a necessidade de observar em nosso
trabalho a influência das DCN nos cursos de Licenciatura em Matemática e as
articulações de Probabilidade e Estatística com as outras áreas de conhecimento da
Educação Básica, e do Currículo da própria Licenciatura.
Em um artigo que tem por objetivo investigar o enfoque dado nos cursos de
Licenciatura em Matemática aos conteúdos para ensinar Estatística na Educação Básica,
Silva e Gomes-Ferreira (2012) procuraram identificar aqueles abordados nas disciplinas
de conteúdos estatísticos, de Educação Estatística, de Estatística como ferramenta na
Educação e de Estatísticas Educacionais nos 356 cursos de Licenciatura em Matemática
avaliados pelo ENADE, distribuídos em 146 Instituições de Ensino Superior (IES).
Por meio de amostragem estratificada, as autoras selecionaram 111 IES,
abrangendo 157 cursos avaliados pelo ENADE. Das 111 IES, a maior parte não tinha
disponibilizado em seus sites as matrizes curriculares e as ementas, 36 tinham
disponibilizado somente as matrizes curriculares e apenas oito haviam disponibilizado a
matriz curricular e as ementas do curso.
Das 44 matrizes curriculares analisadas pelas autoras, apenas uma não possuía
disciplinas de conteúdos estatísticos e, das oito ementas analisadas, nenhuma
explicitava preocupações com o ensino e a aprendizagem de Estatística na Educação
Básica.
As autoras concluem que a Estatística ainda está longe de ser vista como
conteúdo de Matemática na Educação Básica nos cursos de Licenciatura em
34
Matemática, sendo isto um dos motivadores para a realização de nosso trabalho, já que
o ensino de Estatística, na Educação Básica, é atribuição do professor de Matemática.
Brandão (2012) realizou sua pesquisa de doutorado com o objetivo de identificar
as concepções de professores e licenciandos em Matemática sobre os processos de
ensino e de aprendizagem de noções de Estatística.
Utilizando como metodologia de pesquisa a análise documental e noções de
Design Experiments, o autor aplicou uma sequência de ensino a três professores de
Matemática formados pela Universidade Estadual do Maranhão, campus Bacabal
(UEMA/Bacabal), e a nove alunos do curso de Licenciatura em Matemática dessa
mesma universidade, com o objetivo de discutir os significados das medidas de
tendência central (média, moda e mediana).
De acordo com o autor:
Nas concepções dos participantes, sem diferença entre professor
e aluno, em sua maioria eram determinantes as definições dos
livros didáticos. Com relação ao conceito de média, por
exemplo, os participantes quase em sua totalidade
conceituavam dizendo que média era a divisão entre a soma de
determinados valores dividido pelo total deles. (BRANDÃO,
2012, p. 123)
É muito preocupante que as concepções de professores de Matemática sejam
determinadas a partir das definições dos livros didáticos, porque estes apresentam
alguns equívocos em relação aos conceitos estatísticos, conforme nos aponta Costa
(2007).
Brandão (2012) conclui que o ensino baseado na aplicação de fórmulas para o
cálculo de medidas estatísticas não permite uma construção da estrutura conceitual por
parte dos estudantes.
Tal fato já havia sido apontado por Ben-Zvi e Garfield (2004). Todavia, a maior
parte das disciplinas de conteúdos de Estatística na formação de professores de
Matemática, segundo Viali (2008), ainda trabalha desta forma.
Algumas considerações
A partir das pesquisas que compõem esta revisão bibliográfica, podemos traçar
algumas considerações.
Em relação ao ensino de Estatística na Escola Básica, Santos (2005) afirma que
a maior parte dos professores não trabalha com estes conteúdos, enquanto Costa (2007)
afirma que a maior parte destes professores trabalha com tais conteúdos. Embora Santos
35
(2005) e Costa (2007) apresentem conclusões opostas para pesquisas realizadas em
épocas próximas, podemos fazer algumas considerações. Uma delas é que a diferença
de resultados pode ser oriunda da origem dos grupos selecionados, ambas sendo
pesquisas qualitativas e, portanto, com resultados válidos apenas para o grupo
pesquisado. Algumas hipóteses poderiam ser levantadas, mas apenas para grupos com
mesmas características e sob as mesmas condições de observação.
Entretanto, os professores que fizeram parte das pesquisas de Santos (2005) e de
Costa (2007) afirmaram que sua formação inicial não os preparou para ensinar
Estatística na Escola Básica, resultado este também foi observado por Bayer et al.
(2005) ao entrevistarem futuros professores.
Portanto, temos indícios de que um dos problemas que afetam o ensino de
Probabilidade e Estatística na Escola Básica é seu ensino nos cursos de Licenciatura em
Matemática. Segundo Rego (2004), para que ocorram mudanças na atuação do futuro
professor, são necessárias mudanças em sua formação inicial. Logo, temos que repensar
o ensino destes conteúdos nos cursos de formação de professores de Matemática
(Licenciatura Plena).
A utilização do livro didático como material de apoio é um ponto crítico, pois,
conforme aponta Brandão (2012), as definições estatísticas, tanto dos professores
quanto dos alunos pesquisados, se basearam nas definições contidas em livros didáticos.
Tais definições são algumas vezes equivocadas, como indicado pelos professores
formadores entrevistados por Costa (2007). No capítulo V de nosso trabalho, faremos
uma análise de livros aprovados pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD)
para constituir parte do corpus a ser analisado.
Outro problema, que é apontado por Moreira (2004) e por Luís (2004), é que o
conhecimento valorizado nos cursos de Licenciatura em Matemática são os valores da
Matemática acadêmica.
Esta visão, segundo Luís (2004), torna o professor um mero transmissor de
informações e com isso limita seu trabalho em sala de aula, além de desenvolver uma
visão de que a Matemática é a aplicação cega de algoritmos e regras, sem nenhuma
compreensão, desconsiderando assim a premissa de que a Estatística é a ciência do
número em contexto, bem como as premissas da Análise Exploratória de Dados.
Esta visão, quando aplicada ao ensino de Estatística, é extremamente prejudicial,
pois sabemos que a simples manipulação de algoritmos, de acordo com Ben-Zvi e
Garfield (2004), Santos (2007), Viali (2008) e Brandão (2012), não é capaz de
36
desenvolver o letramento estatístico, porque para a Estatística o importante não é o
resultado obtido pelo algoritmo, mas sim sua interpretação, ou seja, o contexto no qual
os dados foram coletados.
Portanto, a partir do que foi apresentado, torna-se necessário repensarmos o
ensino de Probabilidade e Estatística na formação inicial de professores de Matemática.
Consideramos ser necessária uma nova abordagem e, baseando-nos em Severino (2003),
Moreira (2004) e Luís (2004), pensamos que tal abordagem deva levar em consideração
as necessidades da Escola Básica – em outras palavras, levar em conta os conteúdos
probabilísticos e estatísticos a serem ensinados na Escola Básica, uma vez que, como já
foi comentado, faz-se necessário abordar explicitamente o papel do saber escolar e do
saber científico na formação de professores de Matemática.
Além disso, tal abordagem também dever permitir a potencialização do
desenvolvimento do letramento estatístico dos alunos dos cursos de Licenciatura em
Matemática e promover mecanismos para que, ao atuarem como professores na Escola
Básica, esses futuros professores sejam capazes de criar situações que favorecem o
letramento estatístico de seus alunos.
A partir da discussão realizada, formulamos a seguinte questão de pesquisa:
Investigar as relações que podemos estabelecer entre o ensino de Estatística na
Educação Básica e o Ensino de Estatística nos cursos de Licenciatura em
Matemática visando potencializar a formação de professores para o letramento
estatístico?
37
CAPÍTULO II: FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA E
METODOLÓGICA
Introdução
Neste capítulo apresentaremos os elementos teóricos que serão utilizados como
suporte para a escolha e a análise do corpus constituído, a nossa questão de pesquisa e a
fundamentação metodológica adotada para seu desenvolvimento.
Inicialmente, procuramos definir o campo de pesquisa da Educação Estatística,
seus objetos de estudo e o que, nesse campo do conhecimento, se entende por
Letramento Estatístico.
Depois, apresentaremos a Teoria Antropológica do Didático (TAD) e a sua
perspectiva ecológica.
Em seguida, iremos abordar alguns aspectos da formação de professores para a
Escola Básica.
E finalmente, apresentaremos a nossa questão de pesquisa, a metodologia e os
procedimentos adotados para o seu desenvolvimento.
2.1 - A Educação Estatística
Segundo Vendramini (2006), a percepção de que a Educação Estatística e a
Educação Matemática são campos científicos iguais, tem levado professores de diversos
níveis de ensino a abordar conteúdos estatísticos em sala de aula como se estivessem
abordando conteúdos matemáticos, enfatizando demonstrações de fórmulas e cálculos
matemáticos. Essa forma de abordagem, segundo Ben-Zvi e Garfield (2004), não leva
os alunos a pensar estatisticamente e, em consequência, não desenvolve o Letramento
Estatístico.
A Educação Matemática, segundo Brito e Fini (1994, p. 33), é um campo
científico interdisciplinar que, utilizando contribuições da Matemática e das Ciências da
Educação, visa “explicar os complexos fenômenos componentes do processo de ensino
e aprendizagem da Matemática, situados em ambientes culturais”.
Por sua vez, a Educação Estatística é um campo científico que tem como
objetivo:
38
Estudar e compreender como as pessoas ensinam e aprendem
Estatística, o que envolve os aspectos cognitivos e afetivos do
ensino-aprendizagem, além da epistemologia dos conceitos e o
desenvolvimento de métodos e materiais de ensino etc., visando
o desenvolvimento do letramento estatístico. (CAZORLA;
KATAOKA; SILVA, 2010, p. 22)
Portanto, assim como a Educação Matemática, a Educação Estatística também
é um campo interdisciplinar, que utiliza contribuições da Estatística, da Matemática, das
Ciências da Educação e da própria Educação Matemática.
Na delimitação do objeto de estudo da Educação Estatística, Cazorla, Kataoka
e Silva (2010) atribuem como principal objetivo desse campo do conhecimento o
desenvolvimento do Letramento Estatístico. Ben-Zvi e Garfield (2004) defendem que o
letramento, raciocínio e pensamento estatísticos estão interligados. No desenvolvimento
desta pesquisa, assumimos esta interrelação, ou seja, ao visarmos o desenvolvimento do
letramento, admitimos que o pensamento e o raciocínio são desenvolvidos.
2.2 – O Letramento Estatístico
Para definir o que é Letramento Estatístico, Gal (2002) toma como premissa o
indivíduo adulto que vive em uma sociedade industrializada. Para esse autor, o
Letramento Estatístico tem dois componentes inter-relacionados:
a) competência das pessoas para interpretar e avaliar
criticamente a informação estatística, os argumentos
relacionados aos dados ou a fenômenos estocásticos, que podem
se apresentar em qualquer contexto e, quando relevante, b)
competência das pessoas para discutir ou comunicar suas
reações para tais informações estatísticas, tais como seus
entendimentos do significado da informação, suas opiniões
sobre as implicações desta informação ou as suas considerações
acerca das conclusões fornecidas. (GAL, 2002, p. 2-3, tradução
nossa)
Portanto, para esse autor, o Letramento Estatístico é traduzido em termos de
competências, isto é, o indivíduo não possui simplesmente os conhecimentos
estatísticos, mas deles faz uso efetivo na sociedade em que vive, com o objetivo de
interpretá-la e modificá-la.
39
Gal (2002) propõe um modelo de Letramento Estatístico composto de cinco
elementos cognitivos, que permitem ao indivíduo compreender, interpretar e avaliar
criticamente informações estatísticas, e por dois elementos de disposição, responsáveis
pela postura ativa diante da informação estatística.
Os cinco elementos cognitivos são: a alfabetização estatística, isto é, a
capacidade de ler informações textuais, em gráficos e tabelas; os conhecimentos
estatísticos; os conhecimentos matemáticos; o conhecimento do contexto; e a
competência para elaborar questões críticas.
Para a compreensão e a interpretação de informações estatísticas, segundo esse
autor, é necessário o conhecimento dos conceitos básicos de Probabilidade e de
Estatística.
Apoiando-se nas pesquisas de Joran et al. (1995 apud GAL, 2002), que
analisaram a ocorrência de números racionais, especialmente frações, porcentagens e
médias, em sete revistas de grande circulação voltadas a diferentes públicos adultos nos
Estados Unidos (Reader's Digest, National Geographic, Better Homes and Gardens,
National Enquirer, Time, Consumers’ Reports e Sports Illustrated) e nas revisões de
trabalhos de educadores matemáticos e estatísticos, Gal (2002) propõe cinco tópicos dos
conhecimentos básicos de Probabilidade e Estatística, assim sintetizados:
a necessidade dos dados e a maneira como são coletados;
a familiaridade com os termos e ideias básicas relacionados à Estatística;
a familiaridade com os termos e ideias básicas relacionados às
apresentações gráficas e tabulares;
a compreensão das noções básicas de Probabilidade;
o conhecimento sobre como as conclusões e inferências estatísticas são
obtidas.
Além desses cinco tópicos, Gal (2002) salienta mais quatro aspectos que
considera importantes para o desenvolvimento do conhecimento estatístico. O primeiro
é o conhecimento das ideias-chave da investigação estatística, sendo que a primeira
delas é a existência natural da variabilidade. O segundo aspecto é a compreensão de que
40
a média aritmética e a mediana são instrumentos para resumir um conjunto de dados a
partir de sua medida de tendência central e que a média é mais afetada do que a
mediana. O terceiro aspecto é a compreensão de que o mesmo conjunto de dados pode
ser representado de duas maneiras: como gráficos e como tabelas. O quarto aspecto é o
conhecimento do significado de eventos aleatórios, ou ao acaso.
Além dos conhecimentos estatísticos, Gal (2002) salienta a importância dos
conhecimentos matemáticos, que permitem a correta utilização dos objetos estatísticos.
Por exemplo, para se calcular a média de um conjunto de dados é necessário dispor de
conhecimento sobre soma e divisão de números racionais.
Além do conhecimento de tópicos estatísticos e matemáticos, é necessário
também o conhecimento do contexto, pois, de acordo com Gal:
O conhecimento do contexto é a principal determinante de
familiaridade do consumidor com as fontes de variação e erro,
pois ele pode imaginar porque uma diferença entre grupos pode
ocorrer ou imaginar a razão de um estudo estar errado. (GAL,
2002, p. 17, tradução nossa)
O último elemento cognitivo proposto por Gal (2002) é a competência para
elaborar questões críticas:
As notícias apresentadas aos cidadãos podem, em geral, ser
manipuladas atendendo a interesses políticos e comerciais, entre
outros que podem estar ausentes no contexto de sala de aula e
no contexto da investigação empírica. (GAL, 2002, p. 15,
tradução nossa)
Para exemplificar como os meios de comunicação podem manipular dados, o
autor cita um estudo conduzido por Orcutt e Turner (1993 apud GAL, 2002), sobre
como a imprensa norte-americana analisou seletiva e intencionalmente os dados
coletados por um instituto de pesquisa a respeito do uso de drogas por alunos do Ensino
Médio nos Estados Unidos. Segundo os autores citados, os meios de comunicação
tentaram vender ao público a ideia de que havia uma epidemia de uso de drogas por
parte dos alunos do Ensino Médio, selecionando convenientemente somente alguns dos
dados coletados, além de utilizar métodos gráficos para fazer com que uma pequena
diferença percentual parecesse maior do que realmente era.
41
Na perspectiva de Gal (2002), a competência para elaborar questões críticas, que
constitui um dos elementos cognitivos, é extremamente importante, embora
praticamente ignorada nos cursos de Estatística.
Além dos cinco elementos cognitivos já apresentados, Gal (2002) propõe ainda a
existência de dois elementos de disposição: um deles é a postura crítica; o outro são as
crenças e atitudes. De acordo com Silva (2007):
A postura crítica é a propensão de um adulto ter um
comportamento questionador diante de informações
quantitativas que podem ser unilaterais, viesadas ou
incompletas, seja de maneira intencional ou não. Quanto às
crenças e atitudes, se um indivíduo acredita ser capaz de
interpretar informações estatísticas (crença) e tem uma atitude
positiva em relação a investigação estatística, ele tende a
apresentar uma postura crítica em relação às informações
estatísticas. (SILVA, 2007, p. 25-26)
Portanto, a postura crítica e as crenças e atitudes são elementos essenciais para a
elaboração de questões críticas (quinto elemento cognitivo) e, em conjunto com os
outros quatro elementos cognitivos, formam a base teórica que irá sustentar a crítica
justificada.
O modelo de Letramento Estatístico proposto por Gal (2002) pode ser resumido
como mostra a Figura 1.
Figura 1. O modelo de Letramento Estatístico, segundo Gal (2002)
Fonte: Silva (2007, p. 26).
42
Devemos lembrar que Gal (2002) faz o seguinte alerta: os componentes
cognitivos podem sofrer alterações conforme o contexto cultural de interesse ou a
sofisticação do Letramento Estatístico esperado. Assim, os elementos constituintes do
Letramento Estatístico podem diferir, de acordo com o contexto observado.
Com relação ao grau de sofisticação do Letramento Estatístico, Watson e
Callingham (2003) sugerem uma sequência hierárquica com seis níveis de tarefa:
idiossincrático, informal, inconsistente, consistente e não crítico, crítico e
matematicamente crítico. Nos níveis idiossincrático e informal, os alunos se esforçam
para interpretar a situação, mas o fazem apenas no nível do contexto. Nos dois níveis
seguintes, os alunos conseguem mobilizar os conceitos estatísticos em diferentes
contextos, mas há a ausência de crítica. Nos dois últimos níveis de Letramento
Estatístico, os alunos compreendem os conceitos estatísticos envolvidos e apresentam
postura crítica.
Watson e Callingham (2003) defendem a ideia de que, para termos em nossa
sociedade adultos estatisticamente letrados, é necessário que o Letramento Estatístico
tenha início na Educação Básica. Concordamos com essa ideia e também a defendemos,
sendo ela, por isso, é um dos motivos da realização deste trabalho.
Com o objetivo de promover o Letramento Estatístico em cursos introdutórios de
Estatística, Rumsey (2002) apresentou uma revisão de diversos estudos que procuravam
definir o que é Letramento Estatístico. De acordo com essa autora:
Uma revisão dos muitos artigos publicados e apresentados neste
tópico revela que a expressão “letramento estatístico” não está
definida de forma consistente. À luz da discussão apresentada
acima envolvendo as metas globais para nossos alunos, fica
claro que enquanto todas estas definições aplicam-se aos
objetivos, o uso da expressão “letramento estatístico” é muito
abrangente. Tentarei esclarecer omitindo essa expressão da
discussão e, ao invés disso, usarei duas expressões distintas para
designar os dois resultados de aprendizagem que discutimos.
“Competência Estatística” refere-se ao conhecimento básico
que sublinha o pensamento e raciocínio estatístico, e “cidadania
estatística” refere-se ao objetivo final de desenvolver a
habilidade de agir como uma pessoa educadora na atual era da
informação. A cidadania estatística pode muito bem exigir um
alto grau de pensamento e raciocínio estatístico. (RUMSEY,
2002, p. 4, tradução nossa)
43
Rumsey (2002) opta por utilizar os termos competência estatística e cidadania
estatística. Considera que a competência estatística de base, tal como definida acima,
envolve os seguintes componentes:
consciência dos dados;
compreensão de determinados conceitos estatísticos básicos e de suas
terminologias;
conhecimento dos princípios básicos de coleta de dados e geração de
estatísticas descritivas;
habilidades básicas de interpretação (a capacidade de descrever o que
significam os resultados no contexto do problema);
habilidades básicas de comunicação (que permitem explicar os resultados
de outra pessoa).
O Quadro 1 abaixo sintetiza a competência estatística, tal como conceituada por
Rumsey (2002).
Quadro 1. Síntese da competência estatística apresentada por Rumsey (2002),
segundo Silva (2007)
Atenção aos dados Promove motivação aos alunos, pois os dados estão presentes
na vida diária, são frequentemente subutilizados e as decisões
baseadas em dados podem ter um forte impacto em nossa vida.
Entendimento básico
de Estatística
É a capacidade de relacionar o conceito dentro de um tema
não estatístico; explicar o que o conceito significa, usá-lo em
uma sentença ou dentro de um problema maior e responder
questões sobre ele. Não significa saber calcular, por exemplo,
o desvio-padrão, mas sim compreendê-lo.
Coleta de dados e
resultados
Dar a oportunidade aos estudantes para coletar seus próprios
dados e determinar os resultados estatísticos básicos podem
ajudá-los em sua aprendizagem.
Interpretação em um
nível básico
Saber interpretar resultados estatísticos (gráficos, tabelas etc.)
e comunicá-los com as próprias palavras.
Habilidades básicas
de comunicação
Leitura e escrita da informação estatística, ou seja comunicar a
outras pessoas a informação estatística, utilizando as próprias
palavras.
Fonte: Silva (2007, p. 27)
De acordo com Rumsey (2002), a competência estatística é a base para o
desenvolvimento do raciocínio e do pensamento estatístico, necessários para o
desenvolvimento de habilidades científicas e de pesquisa, que capacitam a explicar,
44
julgar, avaliar e tomar decisões sobre a informação. De acordo com a autora, essas são
as habilidades que devem ser desenvolvidas em um primeiro nível de Letramento
Estatístico.
Embora Rumsey (2002) utilize os termos competência estatística e cidadania
estatística, tais definições são similares aos elementos cognitivos e aos elementos de
disposição propostos por Gal (2002). Entretanto, Rumsey (2002) traz dois novos
elementos para que o indivíduo possa atingir as habilidades científicas e de pesquisa,
que são o raciocínio e o pensamento estatístico. Mas o que querem dizer estes dois
novos termos?
2.3 – O Pensamento Estatístico e o Raciocínio Estatístico
O pensamento estatístico é definido por Snee (1990) como o processo de
pensamento que reconhece a presença da variação em tudo o que se faz. Segundo esse
autor, os elementos do pensamento estatístico são: o reconhecimento da variação
presente em todo o processo, a necessidade dos dados para medir a variação e o uso de
métodos e as ferramentas estatísticas para quantificar e entender a variação, permitindo
a tomada de decisões.
Wild e Pfannkuch (1999) abordaram os processos de pensamento envolvidos na
resolução de problemas estatísticos de forma mais ampla, estudando os processos de
pensamento envolvidos desde a formulação de problemas estatísticos até as conclusões
finais. Para tanto, basearam-se na literatura acadêmica e em entrevistas feitas com
estudantes de Estatística e com estatísticos profissionais, com o objetivo de desvendar
seus processos de raciocínio estatístico.
Nessa investigação empírica, identificaram uma estrutura de quatro dimensões
para o pensamento estatístico:
Dimensão 1: o ciclo investigativo.
Dimensão 2: tipos de pensamento.
Dimensão 3: o ciclo interrogativo.
Dimensão 4: disposições.
45
Segundo Wild e Pfannkuch (1999), se compreendermos os padrões e as
estratégias de pensamento que esses profissionais utilizam para resolver problemas
estatísticos do mundo real, e se entendermos como tais padrões e estratégias são
interligados, poderemos resolver o desafio de como desenvolver o Letramento
Estatístico de nossos alunos.
Em uma reflexão baseada no artigo de Wild e Pfannkuch (1999), Chance (2002)
afirma que:
Um tema recorrente em todo o seu artigo é que a natureza
contextual do problema estatístico é um elemento essencial e,
como os modelos são ligados a este contexto, é nele onde
ocorre o pensamento estatístico. Embora muitas das aptidões
desejadas em pessoas que pensam estatisticamente, como a
credulidade e o ceticismo, sejam adquiridas através da
experiência, Wild e Pfannkuch argumentam que as ferramentas
da resolução de problemas, bem como as questões que
envolvem “preocupação” ou “disparo” [de um processo],
podem ser ensinadas aos alunos, em vez de depender-se
exclusivamente de um modelo de aprendizagem.
Evidentemente, o desenvolvimento dos modelos e das
ferramentas prescritivas que descrevem irá auxiliar na
identificação e instrução do pensamento estatístico. (CHANCE,
2002, p. 3, tradução nossa)
Baseando-se no estudo sistemático das definições dadas por Wild e Pfannkuch
(1999) das quatro dimensões do pensamento estatístico, Silva (2007, p. 30) assumiu em
sua pesquisa o pensamento estatístico com as “estratégias mentais utilizadas pelo
indivíduo para tomar decisão em toda etapa de um ciclo investigativo”. A Figura 2 traz
uma interpretação gráfica fornecida pela autora para a definição de pensamento
estatístico adotada:
46
Figura 2. Estrutura do pensamento estatístico, proposta por Wild e Pfannkuch
(1999), elaborada por Silva (2007)
Fonte: Silva (2007, p. 31)
Segundo esta autora há uma relação entre Letramento Estatístico e pensamento
estatístico:
Quanto mais uma disciplina Estatística estimular o
desenvolvimento do pensamento estatístico, há maior
probabilidade de que os futuros cidadãos apresentem níveis de
letramento estatístico mais avançado. (SILVA, 2007, p. 31-32)
2.3.1 – Articulação entre pensamento, raciocínio e letramento
Ben-Zvi e Garfield (2004) apontam que, se por um lado, alguns educadores
estatísticos utilizam os termos pensamento estatístico e raciocínio estatístico para
definir as mesmas capacidades do Letramento Estatístico, outros educadores estatísticos
utilizam diferentes definições para a compreensão desses processos cognitivos.
Os autores apontam que foi realizada uma conferência em Israel em 1999, com
pequeno número de pesquisadores interessados nessa temática. No encontro, buscou-se
47
gerar algumas definições comuns do que são letramento, raciocínio e pensamento
estatísticos. Foram apresentadas e discutidas definições preliminares. Uma segunda
conferência foi realizada na Austrália em 2001 e uma terceira nos Estados Unidos em
2003.
Garfield, Delmas e Chance (2003 apud BEN-ZVI; GARFIELD, 2004) afirmam
que, embora nenhum acordo formal tenha sido realizado sobre as definições e as
diferenças entre letramento, pensamento e raciocínio estatístico, as definições abaixo
resumem o pensamento atual desses teóricos.
Entendem-se por Letramento Estatístico:
As capacidades básicas e importantes que podem ser utilizadas
para compreender a informação estatística ou os resultados de
investigação. Essas capacidades incluem a possibilidade de
organizar os dados, construir e exibir tabelas e trabalhar com as
diferentes representações dos dados. Letramento estatístico
inclui também uma compreensão dos conceitos, vocabulários e
símbolos, e inclui também uma compreensão da probabilidade
como uma medida da incerteza. (GARFIELD; DELMAS;
CHANCE, 2003 apud BEN-ZVI; GARFIELD, 2004, p. 7,
tradução nossa)
Nota-se que essa definição apresenta os elementos cognitivos propostos por
Gal (2002).
O raciocínio estatístico, por sua vez, é assim definido:
Raciocínio Estatístico: pode ser definido como o motivo (causa)
para as pessoas com ideias estatísticas darem sentido a
informação estatística. Isso envolve a interpretação que as
pessoas fazem baseadas em um conjunto de dados,
representações dos dados ou medidas-resumo dos dados. O
raciocínio estatístico pode envolver a conexão de um conceito
com o outro (por exemplo, média e variância), ou pode
combinar ideias sobre dados e chances. Raciocinar significa
entender e ser capaz de explicar os processos estatísticos e ser
plenamente capaz de interpretar os resultados estatísticos.
(GARFIELD; DELMAS; CHANCE, 2003 apud BEN-ZVI;
GARFIELD, 2004, p. 7, tradução nossa)
E, para o pensamento estatístico, é dada a seguinte definição:
Pensamento Estatístico: Envolve uma compreensão de como e
por que as investigações ou estudos estatísticos são realizados e
as “grandes ideias” que sustentam a investigação estatística.
Estas ideias incluem a onipresença natural da variabilidade e
quando e como utilizar os métodos estatísticos adequados para a
análise dos dados, tais como os resumos numéricos (medidas-
48
resumo) e apresentação gráfica dos dados. Ele também envolve
a compreensão da natureza da amostragem, como nós fazemos
inferência a partir de amostras obtidas de uma população e por
que o planejamento de experimentos é necessário a fim de
estabelecer uma causalidade. Inclui a compreensão dos modelos
que são utilizados para simular experimentos aleatórios, como
os dados são utilizados para estimar probabilidades e, como,
quando e por que as ferramentas inferenciais existentes podem
ser utilizadas para auxiliar o processo de investigação. O
pensamento estatístico inclui também a capacidade de entender
e utilizar o contexto do problema nas investigações formuladas,
tirar conclusões, reconhecer e compreender todo o processo (da
pergunta, passando para a coleta de dados e para a escolha do
método de análise para testar as hipóteses do problema, etc.).
Finalmente, pensadores estatísticos (pessoas que pensam
estatisticamente) são capazes de criticar e avaliar os resultados
de um problema resolvido ou de um estudo estatístico.
(GARFIELD; DELMAS; CHANCE, 2003 apud BEN-ZVI;
GARFIELD, 2004, p. 7, tradução nossa)
Silva (2007) e Campos (2007) afirmam que há uma relação intrínseca entre o
raciocínio estatístico, o pensamento estatístico e o Letramento Estatístico, e que um não
tem precedência sobre o outro. De acordo com Silva (2007):
[...] à medida que um indivíduo apresenta um nível de
raciocínio mais avançado (segundo o modelo de Garfield, 2002)
e pensa estatisticamente (conforme o modelo de Wild e
Pfannkuch, 1999), seu nível de letramento estatístico será
maior. Ou seja, o nível de letramento estatístico é dependente
do raciocínio e pensamento estatísticos. Por outro lado, à
medida que o nível de letramento aumenta, o raciocínio e o
pensamento estatístico tornam-se mais apurados. (SILVA,
2007, p. 35)
É a essa relação intrínseca entre letramento, raciocínio e pensamento
estatísticos que se refere o termo Letramento Estatístico utilizado neste trabalho.
2. 4 - A Teoria Antropológica do Didático
A Teoria Antropológica do Didático (TAD), proposta por Chevallard (1996,
1999) é o estudo do homem perante o saber matemático:
A razão para a utilização do termo “antropológico” é que a
TAD situa a atividade matemática e, em consequência, a
atividade do estudo de Matemática, dentro do conjunto das
atividades humanas e das instituições sociais.
(CHEVALLARD, 1999, p. 221)
49
De acordo com Almouloud (2007), esta teoria:
[...] é uma contribuição importante para a Didática da
Matemática, pois, além de ser uma evolução do conceito de
transposição didática, inserindo a didática no campo da
antropologia, focaliza os estudos das organizações
praxeológicas didáticas pensadas para o ensino e a
aprendizagem de organizações matemáticas. (ALMOULOUD,
2007, p. 111)
A TAD tem por postulado básico a praxeologia (ou as organizações
praxeológicas). Para Chevallard (1999):
A premissa básica da TAD é contrária a esta visão particularista
do mundo social: na verdade admite-se que toda atividade
humana realizada regularmente pode ser descrita por um único
modelo, aqui resumido pela palavra de praxeologia.
(CHEVALLARD, 1999, p. 222)
2.4.1 – A noção de organização praxeológica
Para Chevallard (1991, 1995, 1996, 1999) toda atividade humana realizada
regularmente pode ser analisada a partir de diferentes maneiras e de diferentes pontos de
vista, em um sistema de tarefas, ou seja, um sistema de atividades relativamente bem
circunscritas que se delineiam no decorrer da prática.
Para esse autor:
[...] “resolver uma equação do segundo grau” é um tipo de
tarefa, mas “fechar a torneira” ou “abrir a porta”, “lavar o rosto”
ou “cumprimentar”, “corrigir um pacote de exames” ou
“elaborar uma maneira de introduzir alunos do DEUG1 na
noção de integral” também são tipos de tarefas.
(CHEVALLARD, 1995, p. 2)
Nesse contexto, a utilização do termo “tarefa” assume sentido relativamente
amplo. Seja então T um determinado conjunto de tarefas, por exemplo o de “resolver
uma equação do segundo grau” ou o de “abrir uma porta”. A praxeologia relativa a T
requer (em princípio) uma maneira de executar as tarefas contidas em T, isto é, uma
forma particular de realizar o conjunto de tarefas T, que o autor denomina técnica (do
grego tekhnê, ‘saber fazer’).
1 No ensino francês, DEUG (Diplôme d’Études Universitaires Générales) refere-se aos dois primeiros
anos da educação superior.
50
Portanto, uma praxeologia relativa ao conjunto de tarefas T possui, em princípio,
pelo menos uma técnica relativa a T, isto é, contém um bloco designado “saber fazer”.
Para Chevallard (1999) entende-se por tecnologia, um discurso racional sobre a
técnica. Tal discurso tem por objetivo justificar racionalmente a técnica utilizada. Por
sua vez a teoria, é um nível mais avançado de justificativa, isto é, a justificativa da
tecnologia. Em síntese:
Esquema 1: Esquema da organização praxeológica, proposta por
Chevallard (1999)
Praxeologia
Saber Fazer Saber
Fonte: O autor
Por exemplo, considere-se o seguinte problema, que costuma aparecer em livros
didáticos do Ensino Fundamental: “Num avião viajam 4 brasileiros, 2 japoneses, 3
italianos e 3 espanhóis. Escolhendo um passageiro ao acaso, determine a
probabilidade de ele ser espanhol.”
Esse problema pode ser colocado na forma da seguinte tarefa T: calcular a
probabilidade de um evento. Tal tarefa pode ser executada pela seguinte técnica:
1) Descrever o espaço amostral:
U = {B1, B2, B3, B4, J1, J2, I1, I2, I3, E1, E2, E3}
2) Descrever o evento de interesse:
A: O passageiro escolhido ao acaso é espanhol.
3) Descrever os casos favoráveis:
A = {E1, E2, E3}
4) Calcular a razão entre o número de casos favoráveis e o número de casos
possíveis:
P(A) = n(U)/n(A) = 3/12 = 1/4 = 0,25
A tarefa e a técnica constituem o bloco “saber fazer”, mas quais são a tecnologia
e a teoria que justificam essa técnica, isto é, qual é o bloco do saber? Designaremos o
51
bloco do saber por discurso teórico-tecnológico. Em nosso exemplo, o conhecimento
matemático envolvido é o conceito de probabilidade de um evento, e o que melhor se
adapta a esse caso é a definição clássica de probabilidade, assim expressa por Dantas
(2004):
Consideramos um espaço amostral S com N eventos simples
que suporemos igualmente possíveis. Seja A um evento de S
composto por m eventos simples. A probabilidade de A, que
denotaremos por P(A), é definida por:
N
mAP )(
(DANTAS, 2004, p. 25)
Resumindo: em torno de um conjunto de tarefas T, encontra-se um trio formado
por uma técnica capaz de executar esse conjunto de tarefas, uma tecnologia relativa a
essa técnica e uma teoria relativa a esta tecnologia, o conjunto (sistema) assim formado
é denominado praxeologia ou organização praxeológica relativa ao conjunto de tarefas
T.
2.4.2 – As noções de Organização Matemática e Organização Didática
Uma organização matemática é, segundo Chevallard (1999), uma resposta a uma
questão ou a um conjunto de questões. Em outras palavras, é uma resposta a uma tarefa
ou a um conjunto de tarefas. O autor não define claramente o que seja uma organização
matemática, mas nos fornece um esboço de sua estrutura, no qual postula que tal
organização é constituída de quatro componentes principais: tipos de problemas
(tarefas), técnicas, tecnologias e teorias – ou seja, por uma organização praxeológica.
Observando-se as relações dinâmicas que operam entre esses componentes ao se
executar um determinado conjunto de atividades matemáticas, tendo por objetivo
responder as questões propostas por esse conjunto de atividades, emergem duas faces
inseparáveis: o bloco do saber fazer e o bloco do saber. Ao unir esses dois blocos
referentes a um conjunto de atividades matemáticas, caracterizamos uma organização
matemática.
Mas qual é o objetivo de se elaborar uma organização matemática? Colocado de
outra forma, quais são as condições que possibilitam o desenvolvimento de atividades
matemáticas institucionalizadas? Ou, fazendo referência a nossa questão de pesquisa:
quais são as condições que possibilitam as atividades que têm por finalidade o
52
desenvolvimento do Letramento Estatístico na Escola Básica ou nos cursos de
Licenciatura em Matemática?
Como toda atividade humana, o estudo (da Matemática/Estatística) requer um
discurso que justifique e interprete a prática. Portanto, paralelamente à noção de
organização matemática, surge a noção de organização didática (OD).
As organizações didáticas, segundo Chevallard (1999), são as respostas mais ou
menos explícitas referentes a estas práticas, com as suas duas caras: “práxis” formada
pelas tarefas e pelas técnicas didáticas e o “logos” formado pelo discurso sobre o saber-
fazer, isto é, as tecnologias e teorias didáticas.
Por exemplo, consideremos a OM relativa ao estudo da equação do segundo
grau no oitavo ou nono ano do Ensino Fundamental. Tal organização possui suas
tarefas, suas técnicas e seu discurso teórico-tecnológico.
Temos então a seguinte pergunta: “Como ensinar equações do segundo grau para
alunos do oitavo ou nono ano do Ensino Fundamental”. A questão pode ser colocada na
forma da seguinte tarefa: “Ensinar a equação do segundo grau para alunos do oitavo
ou nono ano do Ensino Fundamental”. Tal tarefa, para ser executada, possui uma
técnica, que por sua vez possui um discurso teórico-tecnológico construído a partir de
elementos do campo da Didática da Matemática.
2.5 – A perspectiva ecológica
De acordo com Artaud (1998), a perspectiva ecológica se apresenta como um
meio de questionar o real. O que existe e por que existe? O que não existe e por que não
existe? O que existe poderia deixar de existir? Sobre quais condições o que existe
poderia deixar de existir? O que não existe poderia existir? Sob quais condições o que
não existe poderia existir?
Essa perspectiva apresenta determinados elementos, discutidos a seguir, que
permitem ao pesquisador desprender-se de certas ilusões de transparência e tornar-se
mais atento a seu objeto de estudo.
Embora Artaud (1998) utilize a definição de ecossistema proposta por Conlivaux
(1993 apud ARTAUD, 1998), neste trabalho optamos pela definição proposta por
Odum e Barrett (2007), a qual descreve um ecossistema como:
53
Uma comunidade biótica e seu ambiente abiótico funcionando
como um sistema (usado pela primeira vez por A. G. Tansley
em 1935); uma unidade discreta que consiste de partes vivas e
não vivas interagindo para formar um sistema ecológico.
(ODUM; BARRET, 2007, p. 519)
Segundo Odum e Barret (2007), uma comunidade biótica é o conjunto de todos
os seres vivos que habitam em uma mesma área e podem estabelecer relações entre si.
Por sua vez, seu ambiente abiótico é o conjunto de todos os fatores (luz, ar, solo,
temperatura etc.) que afetam diretamente o desenvolvimento fundamental à vida. Por
exemplo, os seres vivos são afetados por fatores climáticos; caso ocorra uma geada,
muitas plantas morrem.
A Ecologia entende o conceito de sistema ecológico como um “conjunto de
componentes interdependentes funcionando dentro de um limite definido” (ODUM;
BARRET, 2007, p. 535). Tal limite é a unidade discreta do sistema ecológico ou parcela
de terra de tamanho conveniente, na definição proposta por Conlivaux (1993 apud
ARTAUD, 1998). As partes vivas (comunidade biótica) e não vivas (ambiente abiótico)
dessa porção de terra constituem o conjunto de componentes interdependentes.
Pretendemos utilizar a definição de ecossistema proposta por Odum e Barret
(2007) como uma metáfora, pois nosso objetivo é compreender as relações que podem
ser estabelecidas entre o ensino de Estatística na Educação Básica e o ensino de
Estatística nos cursos de Licenciatura em Matemática, bem como compreender de que
modo essas relações afetam o desenvolvimento do Letramento Estatístico. Nessa
perspectiva, a comunidade biótica (seres vivos) seriam os objetos
matemáticos/estatísticos e o ambiente abiótico seriam os fatores que afetam o
desenvolvimento desses objetos. Por exemplo, o conceito matemático de probabilidade
de um evento não “vivia” no ensino fundamental. A partir da publicação dos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN), que sugeriram que esse tópico matemático fosse
focalizado desde o Ensino Fundamental, esse conceito passou a “viver” nesse período
escolar.
Portanto, para melhor compreendermos a interação entre a formação inicial de
professores de Matemática e sua atuação na Escola Básica, podemos postular a
existência de vários ecossistemas.
54
Segundo Artaud (1998), alguns didatas de Matemática identificaram em seus
estudos quatro tipos de ecossistemas. São eles:
1. o ecossistema do saber;
2. o ecossistema didático escolar;
3. o ecossistema profissional;
4. o ecossistema noosferiano.
O ecossistema do saber refere-se ao ambiente em que a Matemática é produzida.
O ecossistema didático escolar é o ambiente no qual se estuda a Matemática. O
ecossistema profissional é onde se utiliza a Matemática para concretizar algumas
tarefas. O ecossistema noosferiano, por sua vez, é onde a Matemática é manipulada para
fins de transposição.
Em nosso estudo, não buscaremos trabalhar com tais delimitações, mas sim com
a articulação entre esses ecossistemas. Como nosso objetivo não é construir uma
proposta de sequências de ensino para a Estatística na Escola Básica, mas sim analisar a
formação inicial dos professores de Matemática quanto a tal ensino, justificamos nossa
escolha de não separar os ecossistemas descritos por Artaud (1998), mas sim buscar
identificar ecossistemas específicos a nossa pesquisa (de acordo com os interesses e
objetivos de nosso estudo), que apresentaremos no Capítulo III.
Baseando-nos na ideia de ecossistema proposta por Odum e Barret (2007), nas
ideias de Artaud (1998) e em nosso objeto de pesquisa, definimos inicialmente dois
grandes ecossistemas: o ecossistema do ensino de Matemática na Educação Básica e o
ecossistema do curso de Licenciatura em Matemática.
Uma vez definidos esses dois grandes ecossistemas, que interações serão
analisadas?
Percebemos a necessidade de definir os conceitos de nicho e de hábitat,
provenientes da Ecologia. O conceito de nicho ecológico, de acordo com Begon,
Townsend e Harper (2007), é geralmente mal compreendido e mal empregado. Para
esses autores, ele é muitas vezes utilizado de maneira imprecisa para descrever o tipo de
lugar em que um organismo vive, que na verdade é seu hábitat.
O hábitat de um organismo intestinal seria o canal alimentar de
um animal; o habitat de um afídeo poderia ser um jardim; o
55
habitat de um peixe poderia ser um lago. (BEGON;
TOWNSEND; HARPER, 2007, p. 31)
No caso específico de nosso trabalho, definimos nossa “espécie” como os
objetos estatísticos, os quais vivem em diferentes hábitats. Eles podem viver no
currículo de Matemática na Escola Básica, nos PCN, no currículo dos cursos de
Licenciatura em Matemática, nas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN), nas
propostas curriculares estaduais e municipais e nos livros didáticos para a Escola
Básica, entre outros. Citam-se também os exames de larga escala como hábitats: Exame
Nacional de Ensino Médio (ENEM), SAEB, Prova Brasil, ENADE etc.
Assim como em um lago (hábitat de alguns tipos de peixes) não há somente
peixes, os exames nacionais de larga escala e os documentos oficiais não são hábitats
exclusivos dos objetos estatísticos.
Os objetos estatísticos também vivem no currículo da escola básica e no
currículo dos cursos de licenciatura em Matemática, etc.
Retornando aos conceitos específicos da Ecologia, Begon, Townsend e Harper
(2007) definem o conceito de nicho da seguinte maneira:
Um nicho não é um local, mas uma ideia: um resumo das
tolerâncias e necessidades de um organismo. [...] é fácil
visualizar os estágios de um nicho multidimensional. [...] o
modo pelo qual duas dimensões de um nicho (temperatura
e salinidade) juntas definem uma área, que é parte do
nicho de um camarão-de-areia. Três dimensões, como
temperatura, pH e disponibilidade de um determinado
alimento, podem definir o nicho como um volume. Na
realidade, considera-se um nicho como um hipervolume n-
dimensional, em que n é o número de dimensões que o
constituem. É difícil imaginar (e impossível delinear) um
diagrama de um nicho mais realista. Contudo, a versão
tridimensional simplificada capta a ideia do nicho
ecológico de uma espécie. Ela é definida pelos limites
onde pode viver, crescer e se reproduzir, ficando claro que
nicho é um conceito, em vez de um local. (BEGON;
TOWNSEND; HARPER, 2007, p. 31)
Por exemplo, a Escola Básica é uma delimitação em que os objetos estatísticos
podem “viver”, “crescer” e se “reproduzir”. Por outro lado, o curso de Licenciatura em
Matemática é outra delimitação em que os objetos estatísticos também podem “viver”,
“crescer” e se “reproduzir”.
56
Dentro dessa perspectiva, como o nicho dos saberes profissionais e o nicho dos
saberes escolares se relacionam?
Daí nossa escolha metodológica pela análise de documentos: a busca de indícios
de condições de sobrevivência dos saberes estatísticos, específicos e didáticos na Escola
Básica e nos cursos de Licenciatura em Matemática.
Portanto, que relações podemos estabelecer entre o ensino de Estatística na
Educação Básica e o Ensino de Estatística nos cursos de Licenciatura em Matemática
visando potencializar a formação de professores para o Letramento Estatístico?
O estudo ecológico nos permite inferir que diferentes hábitats proporcionam
nichos distintos para determinada espécie. Portanto algumas questões se apresentam
como subquestões em nossa pesquisa. São elas:
1. Como os objetos estatísticos vivem e como eles se desenvolvem na Escola
Básica?
2. Como os objetos estatísticos vivem e como eles se desenvolvem na Licenciatura
em Matemática?
3. Os diferentes hábitats em questão proporcionam um nicho favorável para que os
objetos estatísticos desempenhem a função de desenvolver o Letramento
Estatístico dos alunos da Escola Básica?
2.6 - A formação inicial de professores
A formação inicial de professores pode ser abordada a partir de vários aspectos:
segundo o ponto de vista da legislação relativa a essa formação, das características
socioeducacionais dos licenciandos, das características presentes nos cursos de
formação de professores e dos currículos e ementas dos cursos de Licenciatura, entre
outros aspectos.
No Capítulo I, apresentamos algumas pesquisas que abordaram a formação de
professores de Matemática a partir dos currículos e das ementas dos cursos de
Licenciatura em Matemática, além de outros aspectos.
No presente tópico, abordaremos a formação inicial de professores a partir do
perfil dos alunos ingressantes nos cursos de Licenciatura, bem como dos saberes
57
docentes. Tal opção deve-se ao fato de que tais elementos são indissociáveis, e por isso
focalizaremos a formação inicial dos professores a partir destes dois aspectos.
2.6.1 – Perfil dos alunos dos cursos de Licenciatura
Quem são os alunos das Licenciaturas? Quais as características desses alunos?
Segundo Gatti e Barreto (2009), é importante identificar as características dos alunos de
Licenciatura, uma vez que têm peso sobre a aprendizagem e seus desdobramentos na
atuação profissional.
Essas autoras traçaram o perfil dos alunos de Licenciatura tomando por base o
questionário socioeconômico do Exame Nacional de Cursos (ENADE) de 2005,
abrangendo 137.001 sujeitos.
De acordo com Gatti e Barreto (2009), o principal motivo que conduz a optar
por um curso de Licenciatura é a intenção de vir a exercer o magistério – motivo
alegado por 53,4% dos alunos que responderam a um questionário. Um achado
interessante foi que 20,8% dos licenciandos optaram por essa formação para disporem
de uma opção de trabalho caso não consigam exercer outro tipo de atividade:
Observe-se, contudo, que a escolha da docência como uma
espécie de “seguro-desemprego”, ou seja, como uma alternativa
no caso de não haver possibilidade de exercício de outra
atividade, é relativamente alta, sobretudo entre os licenciandos
de outras áreas que não a Pedagogia. (GATTI; BARRETO,
2009, p. 160)
As autoras observam que 46% dos alunos se situam na faixa etária entre 18 a 24
anos, considerada a ideal. Para compreendermos esse achado, basta lembrar que se
espera que o aluno conclua o Ensino Médio com idade de 17 ou 18 anos.
Dos estudantes pesquisados, 75,4% eram mulheres. Segundo as autoras, essa
predominância não é fenômeno recente:
Desde a criação das primeiras escolas normais, no final do
século XIX, as mulheres começaram a ser recrutadas para o
magistério das primeiras letras. A própria escolarização de nível
médio da mulher se deu pela expansão dos cursos de formação
para o magistério, permeados pela representação do ofício
docente como prorrogação das atividades maternas e pela
naturalização da escolha feminina pela educação. (GATTI;
BARRETO, 2009, p. 162)
58
Atualmente, as mulheres constituem a maioria dos estudantes de Pedagogia
(92,5%) e na Licenciatura em Matemática esse índice é de 54,5%.
Em relação à situação socioeconômica, 50,4% dos alunos são oriundos de
famílias cuja renda mensal varia de 3 a 10 salários mínimos.
Quanto à jornada de trabalho, 43,3% trabalhavam 40 horas semanais ou mais e
21% trabalham entre 20 e 40 horas semanais, ou seja, trata-se de alunos que, em sua
grande maioria, empregam a maior parte de seu tempo em atividades laborais.
Quanto à bagagem cultural, Gatti e Barreto (2009), consideram que a
escolaridade dos pais pode ser tomada como indicador. Neste quesito, os pais de 41,5%
dos alunos completaram a quarta série (atual quinto ano) do Ensino Fundamental e os
de 17,2% completaram o Ensino Fundamental. Para as autoras, isso denota um processo
muito claro de ascensão desse grupo geracional a níveis de formação mais altos que os
alcançados na geração anterior.
Outro achado é que os estudantes provêm, em sua maioria, da escola pública.
São 68,4% os que cursaram todo o Ensino Médio em escolas públicas e 14,2% os que o
fizeram parcialmente. A proporção de alunos que frequentaram apenas o ensino médio
privado é menor entre os alunos da Pedagogia (14,3%) do que entre os das demais
licenciaturas (18,3%).
Para Gatti e Barreto (2009):
As condições de formação anterior dos estudantes também aqui
merecem ser consideradas, visto que eles provêm, em sua
maioria, da Escola Pública. São 68,4% os que cursaram todo o
ensino médio no setor público e 14,2% os que fizeram
parcialmente. As instituições formadoras e as políticas precisam
trabalhar com esse dado. (GATTI; BARRETO, 2009, p. 258)
2.6.2 – Saberes docentes
Numa sociedade organizada, a educação, como prática institucionalizada, tem
por objetivo contribuir, segundo Severino (2009):
[...] para a integração dos homens no tríplice universo das
práticas que tecem sua existência histórica concreta: no
universo do trabalho, âmbito da produção material e das
relações econômicas; no universo da sociabilidade, âmbito das
59
relações políticas, e no universo da cultura simbólica, âmbito da
consciência pessoal, da subjetividade e das relações
intencionais. (SEVERINO, 2009, p. 161)
Severino (2003, 2009) defende que os investimentos na formação inicial e
continuada de professores não podem se reduzir a uma qualificação puramente técnica.
Esta precisa também ser política, sendo que, para o autor, política é a expressão da
sensibilidade às condições histórico-sociais da existência dos sujeitos envolvidos na
Educação.
Portanto, na formação inicial de professores, esse autor defende que ela deva
abranger ao menos três núcleos disciplinares: o dos conteúdos específicos, o dos
componentes pedagógicos e o dos componentes antropológicos. O mais importante,
segundo o autor, é a articulação esses três núcleos.
Para Severino (2003) o núcleo dos conteúdos específicos refere-se à cultura
científica, isto é, à ciência. No caso da formação inicial de professores de Matemática
da Escola Básica, trata-se da Matemática e da Estatística.
O núcleo dos componentes pedagógicos refere-se à dimensão das habilidades
técnicas, dos instrumentos técnicos e metodológicos que são utilizados no exercício da
profissão docente. Nesse componente situam-se as didáticas, as metodologias de ensino
– enfim, todos os ramos do conhecimento que respondem à questão: Como ensinar o
assunto X?
Antes de apresentar o que entende por núcleo dos componentes antropológicos,
Severino (2003), aborda o conceito de dimensão das relações situacionais, utilizada
para:
Designar o fato concreto de que o homem é um ser de relações,
um ser que se encontra sempre numa situação de permanente
relacionamento com sua própria interioridade, com os produtos
simbólicos mediante os quais expressa a intervenção de sua
subjetividade, de relacionamento com os seus semelhantes,
próximos e distantes no tempo e/ou no espaço e com os dados
objetivos material, onde desenvolve sua vida. Com efeito, sua
vida prática é tecida dessas relações. (SEVERINO, 2003, p. 79)
Tal conceito é utilizado pelo autor para defender a importância do
autoconhecimento, imprescindível para o professor por lhe permitir a eficácia no ato de
ensinar. Portanto, também é necessário haver:
Subsídios das Ciências do campo da Psicologia nos cursos de
formação de educadores. Lidando com a vivência subjetiva dos
60
indivíduos, a psicologia ajuda a todos a conhecerem melhor a si
mesmos e aos outros. (SEVERINO, 2003, p. 80)
Além da Psicologia, Severino (2003) defende que na formação inicial de
professores são necessários elementos das Ciências Sociais, porque o professor é um
indivíduo inserido em uma sociedade em um determinado momento histórico. Além
disso, o professor forma novos indivíduos de uma espécie, mas como pode ele cumprir
essa função se não conhece bem essa espécie? Não sabe como ela surgiu, como se
desenvolveu e nem como vem se desenvolvendo.
De acordo com este autor, para auxiliar o professor a compreender essas
questões é necessário o estudo de elementos de Antropologia em sua formação inicial.
Conclui que:
Não podem, pois, estar ausentes do currículo de um curso de
formação de educadores componentes de cunho filosófico que
sirvam de mediadores para a elucidação desse sentido de
pertença dos sujeitos/educandos à espécie humana, em sua
especificidade. (SEVERINO, 2003, p. 80)
A esse conjunto em que se articula a visão antropológica, histórica, social,
política, econômica, psíquica e filosófica, Severino (2003) designa por núcleo dos
componentes antropológicos.
A importância da proposta de Severino (2003) é a de abordar as três grandes
questões:
1) O que ensinar?
2) Como ensinar?
3) Para quem ensinar?
Geralmente, segundo o autor, os cursos de formação de professores se
restringem aos dois primeiros aspectos, ou seja, à dimensão técnica. A dimensão
política, qual seja, para quem ensinar, raramente aparece. Em nosso ponto de vista, na
dimensão política cabe também uma quarta questão: Por que ensinar?
Defendemos que a visão integracionista proposta por Severino (2003) é um
avanço em relação à visão predominante, que defende a ideia de que para ser um bom
professor basta saber o conteúdo e o modo de ensinar esse conteúdo (a dimensão
puramente técnica).
Outro autor que aborda o conhecimento do professor é Shulman (1986, 1987),
que defende a ideia de que o professor precisa conhecer bem os conteúdos que se
61
propõe a ensinar. Alerta, porém, que apenas o domínio dos conteúdos a serem ensinados
não é suficiente para o exercício profissional docente.
Assim como Severino (2003), Shulman (1986, 1987) agrupa o conhecimento
dos professores em três categorias, as quais denomina: conhecimento específico,
conhecimento didático do conteúdo e conhecimento do currículo.
Considera que o conhecimento específico é a compreensão dos conceitos, dos
processos e dos procedimentos de uma área específica do conhecimento humano, isto é,
o saber científico ao qual o professor se propõe a ensinar – um equivalente ao núcleo
dos conteúdos específicos proposto por Severino (2003).
O conhecimento didático do conteúdo é a relação entre os conhecimentos
específicos do conteúdo e os métodos gerais de ensino, isto é, as formas de ensinar
determinado conteúdo.
O conhecimento do currículo engloba recursos e materiais que o professor
escolhe para abordar o conteúdo, bem como a ordem e o modo de apresentá-lo.
O conhecimento didático do conteúdo e o conhecimento do currículo proposto
por Shulman (1986, 1987) podem ser englobados no núcleo dos componentes
pedagógicos proposto por Severino (2003).
Na organização proposta por Shulman (1986, 1987) não encontramos uma
categoria similar ao núcleo dos componentes antropológicos proposta por Severino
(2003).
Severino (2009) argumenta que, hoje, a formação didática e específica não é
suficiente. Essa ideia é também defendida por Moll (2011) e por Font (2013), que
argumentam que os currículos da educação básica têm atualmente por objetivo
desenvolver competências e habilidades. Tal objetivo gerou um novo paradigma, pois o
ensino não está mais baseado nos conteúdos curriculares, que são apenas meios para o
desenvolvimento das competências e das habilidades almejadas para nossos alunos.
Esses autores defendem o currículo por competências na formação inicial de
professores, e tal currículo deve ser pensado para o desenvolvimento de uma
competência profissional, que permita ao futuro professor desenvolver e avaliar as
competências e habilidades matemáticas comtempladas no currículo da Educação
Básica.
Ponte (1999), colocando-se de forma crítica frente a Shulman (1986, 1987),
desdobra o conhecimento profissional dos professores em quatro grandes domínios: o
62
conhecimento dos conteúdos no ensino, o conhecimento do currículo, o conhecimento
do aluno e o conhecimento do processo instrucional, assim considerados:
(1) o conhecimento dos conteúdos de ensino, incluindo as
suas interrelações internas e com outras disciplinas e as suas
formas de raciocínio, de argumentação e de validação; (2) o
conhecimento do currículo, incluindo as grandes finalidades
e objectivos e a sua articulação vertical e horizontal; (3) o
conhecimento do aluno, dos seus processos de
aprendizagem, dos seus interesses, das suas necessidade e
dificuldades mais frequentes, bem como dos aspectos
culturais e sociais que podem interferir positiva ou
negativamente no seu desempenho escolar; e (4) o
conhecimento do processo instrucional, no que se refere à
preparação, condição e avaliação da sua prática lectiva. Este
conhecimento, longe de estar isolado, relaciona-se de um
modo muito estreito com diversos aspectos do
conhecimento pessoal e informal do professor da vida
quotidiana como o conhecimento do contexto (da escola, da
comunidade, da sociedade) e o conhecimento que ele tem
de si mesmo. (PONTE, 1999, p. 3)
A organização proposta por Ponte (1999) é mais completa que a sugerida por
Shulman (1986, 1987) e do que a elaborada por Severino (2003). Portanto, neste estudo,
optamos por utilizá-la como referencial juntamente com a integração dos quatro
domínios, em referência à articulação dos núcleos presentes na proposta de Severino
(2003).
A partir do que foi exposto e baseando-nos na perspectiva ecológica e na
nomenclatura utilizada por Ponte (1999), caracterizamos, por hipótese, os seguintes
ecossistemas:
1. O ecossistema do conhecimento dos conteúdos de ensino: refere-se ao
ambiente em que ocorre a compreensão dos conceitos, dos processos e dos
procedimentos de uma área específica do conhecimento humano. Nesse
ambiente também ocorre a compreensão das competências e das habilidades
que os conceitos e processos desta área específica do conhecimento humano
desenvolvem no indivíduo.
2. O ecossistema do conhecimento do currículo: refere-se ao ambiente em que
ocorre a compreensão do currículo, bem como suas grandes finalidades e
articulações. Nesse ambiente ocorre também a compreensão do
desenvolvimento das competências e habilidades determinadas por esse
currículo, em detrimento de outras, assim como as articulações de diferentes
habilidades e competências.
63
3. O ecossistema do conhecimento do aluno: refere-se ao ambiente em que
ocorre a compreensão do aluno, de seus processos de aprendizagem, de seus
interesses e de suas necessidades e dificuldades. Além disso, nesse ambiente
também se procuram compreender os aspectos culturais, políticos e sociais
que podem interferir de forma positiva ou negativa no desenvolvimento das
competências e habilidades dos alunos.
4. O ecossistema do processo instrucional: refere-se ao ambiente em que ocorre
o processo instrucional, isto é, a preparação de aulas, as condições em que
estas serão ministradas e as avaliações, sejam elas planejadas pelo professor
ou institucionais, além de reflexões sobre a prática. Nesse ambiente ocorre a
compreensão do desenvolvimento das competências e das habilidades dos
indivíduos e as formas de avaliar seu desenvolvimento.
Esses quatro ecossistemas permitem-nos abordar os seguintes aspectos presentes
na Educação Básica:
1. O que ensinar?
2. Por que ensinar?
3. Para quem ensinar?
4. Como ensinar?
No presente estudo, tais aspectos referem-se não só a: O que ensinar da Estatística?
Por que ensinar Estatística? Para quem ensinar Estatística?, mas também: Como ensinar
Estatística de forma que os alunos possam desenvolver o Letramento Estatístico,
atentando-se sobre como relacionar de forma integrada estes quatro aspectos na
formação de professores.
Gatti e Barreto (2009) afirmam que:
Currículos precisam ser mais bem equacionados nos diferentes
níveis de ensino, em particular na formação de professores. [...]
Abundam resoluções e normas que acabam por gerar remendos
nos processos formativos de professores, gerando um processo
entrópico, que acaba por mantê-los com formas e conteúdos já
exaustivamente analisados como inoperantes quando se pensa
educação de qualidade.
No que concerne à formação de professores, uma verdadeira
revolução nas estruturas institucionais formativas e nos
currículos de formação é necessária. [...] A formação de
professores não pode ser pensada a partir das ciências e seus
diversos campos disciplinares, como adendo destas áreas, mas a
64
partir da função social própria a escolarização – ensinar às
novas gerações o conhecimento acumulado e consolidar valores
e práticas coerentes com nossa vida civil. [...] A formação de
profissionais professores para a educação básica tem que partir
de seu campo de prática e agregar a este os conhecimentos
necessários selecionados como valorosos, em seus fundamentos
e com as mediações didáticas necessárias, sobretudo por se
tratar de formação para o trabalho educacional com crianças e
adolescentes. (GATTI; BARRETO, 2009, p. 256-257)
Em concordância com Gatti e Barreto (2009), bem como com Moreira (2004),
defendemos que a formação dos professores deve ser vista a partir de seu campo de
prática, isto é, das necessidades da Escola Básica e de seus atores. A partir desta visão,
delimitamos nossa pesquisa e fizemos nossa opção metodológica, que será discutida a
seguir.
2.7 – Fundamentação metodológica
Neste tópico apresentaremos nossa questão de pesquisa e a fundamentação
metodológica adotada para seu desenvolvimento.
2.7. 1 - Questão de pesquisa
Esta tese tem por objetivo responder a seguinte questão:
Quais são as relações que podemos estabelecer entre o ensino de Estatística
na Educação Básica e o Ensino de Estatística nos cursos de Licenciatura em
Matemática visando potencializar (aprimorar) a formação de professores para o
Letramento Estatístico à luz da Ecologia do Didático?
A essa questão estão associadas as seguintes subquestões, já apresentadas
anteriormente:
1. Como os objetos estatísticos vivem e como eles se desenvolvem na Escola
Básica?
2. Como os objetos estatísticos vivem e como eles se desenvolvem na Licenciatura
em Matemática?
65
3. Os diferentes hábitats em questão proporcionam um nicho favorável para que os
objetos estatísticos desempenhem a função de desenvolver o Letramento
Estatístico dos alunos da Escola Básica?
2.7. 2 - Metodologia e procedimentos
Para responder a questão de pesquisa, adotamos como metodologia de pesquisa
a análise documental.
A opção por esse método deve-se ao fato de que, como já exposto anteriormente,
baseando-nos em Moreira (2004) e em Gatti e Barreto (2009), defendemos que a
formação dos professores deve ser vista a partir de seu campo de prática, ou seja, das
necessidades da Escola Básica e de seus atores.
Por isso optamos por examinar os documentos da Escola Básica, uma vez que
estes apresentam a visão institucional desse segmento de ensino e de suas necessidades.
Como procuramos estabelecer relações entre o ensino de Estatística na Educação Básica
e na formação de professores, optamos também por examinar os documentos que regem
a formação dos professores.
Nesta pesquisa, adotamos para documento a definição proposta por Cellard
(2008):
[...] tudo o que é vestígio do passado, tudo o que serve de
testemunho, é considerado como documento ou “fonte”, como é
mais comum dizer atualmente. Pode-se tratar de textos escritos,
mas também de documentos de natureza iconográfica e
cinematográfica, ou de qualquer outro tipo de testemunho
registrado, objetos do cotidiano, elementos folclóricos, etc.
(CELLARD, 2008, p. 296)
Esse autor classifica os documentos em públicos e privados. Os públicos
abrangem duas categorias. À primeira destas, Cellard (2008) dá o nome de arquivos
públicos, que consistem em documentos públicos abrangendo arquivos governamentais
(federais, estaduais, municipais ou escolares), arquivos de estado civil e alguns arquivos
de natureza notarial ou jurídica. Trata-se de documentação tipicamente volumosa e
organizada segundo planos de classificação complexos e variáveis no tempo. Os demais
documentos públicos são classificados por Cellard (2008) como não arquivados.
Incluem-se nesta categoria os jornais, as revistas, os periódicos e qualquer outro tipo de
documento distribuído.
66
Por sua vez, os documentos privados são também divididos em duas categorias,
que Cellard (2008) denomina de arquivos privados e documentos pessoais.
Neste estudo, analisamos somente documentos públicos, segundo a definição
proposta por esse autor. Para o escopo desta pesquisa, não iremos diferenciar se os
documentos públicos são arquivos públicos ou documentos públicos não arquivados,
mas simplesmente os designaremos como documentos públicos.
Spink (2004) afirma que:
Os documentos de domínio público refletem duas práticas
discursivas: como gênero de circulação, como artefatos do
sentido de tornar público, e como conteúdo, em relação aquilo
que está impresso em suas páginas. São produtos em tempo e
componentes significativos do cotidiano; complementam,
completam e competem com a narrativa e a memória. Os
documentos de domínio público, como registros, são
documentos tornados públicos, sua intersubjetividade é produto
da interação com um outro desconhecido, porém significativo e
frequentemente coletivo. (SPINK, 2004, p. 126)
Além disso, os documentos públicos:
Podem refletir as transformações lentas em posições e posturas
institucionais assumidas pelos aparelhos simbólicos que
permeiam o dia a dia ou, no âmbito das redes sociais, pelos
agrupamentos e coletivos que dão forma ao informal, refletindo
o ir e vir de versões circulantes ou advogadas. (SPINK, 2004, p.
136)
Nessa perspectiva, o corpus desta pesquisa será constituído pelos seguintes
documentos públicos: os PCN; as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de
Matemática, Bacharelado e Licenciatura (DCN-BL); as Diretrizes Nacionais para a
Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de Licenciatura,
de graduação plena (DCN-FP); as avaliações do Sistema de Avaliação da Educação
Básica (SAEB); a Prova Brasil; o Exame Nacional de Ensino Médio (ENEM); e o
Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE). A justificativa da escolha
desse corpus se encontra no Capítulo III.
Os documentos escolhidos para a análise são componentes significativos do
cotidiano escolar, pois interferem de maneira indireta no trabalho docente e nas práticas
escolares que ocorrem no dia a dia das instituições de ensino na Educação Básica e na
formação dos profissionais que irão atuar na Educação Básica.
67
Nossa questão de pesquisa trata da identificação das relações entre documentos
que regem a Escola Básica e documentos que regem a formação de professores e visa
identificar as relações que podem ser estabelecidas para potencializar a formação de
professores para o desenvolvimento do Letramento Estatístico, de acordo com o
definido anteriormente neste capítulo.
Pretende-se neste estudo verificar se tais tópicos estão presentes nas propostas
dos documentos oficiais voltados à Educação Básica e como os tópicos de
Probabilidade e Estatística são cobrados nos exames oficiais.
A partir da análise desses documentos, que será realizada à luz dos pressupostos
da TAD e da Ecologia, buscaremos identificar as organizações matemáticas e didáticas
que emergem desses documentos referentes aos conteúdos estatísticos e probabilísticos.
Uma vez identificadas tais organizações, iremos analisar se elas permitem o
desenvolvimento do Letramento Estatístico.
68
69
CAPÍTULO III: A LICENCIATURA EM MATEMÁTICA E O
ENSINO DE ESTATÍSTICA NOS DOCUMENTOS E EXAMES
OFICIAIS
Introdução
O objetivo deste capítulo é analisar como os conteúdos estatísticos e
probabilísticos são apresentados como objetos de ensino nos documentos oficiais, isto é,
nos documentos produzidos por órgãos governamentais, e como esses conteúdos são
avaliados nos exames oficiais de larga escala nacionais.
Escolhemos os seguintes documentos para serem analisados: os PCN de terceiro
e quarto ciclos do Ensino Fundamental (Matemática), os PCN do Ensino Médio
(Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias), os PCN+ (Ciências da
Natureza, Matemática e suas Tecnologias), as orientações curriculares para o ensino
médio (Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias), as Diretrizes
Curriculares Nacionais para os cursos de Matemática, Bacharelado e Licenciatura
(DCN-BL) e as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da
Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena (DCN-
FP).
A análise dos PCN e das Orientações Curriculares para o Ensino Médio
(OCEM) tem por objetivo analisar quais são os conteúdos estatísticos e probabilísticos
sugeridos para a Educação Básica.
Além disso, os PCN são documentos produzidos no âmbito do Ministério da
Educação (MEC) e têm abrangência nacional. Suas diretrizes são utilizadas para a
elaboração das questões da Prova Brasil, do SAEB e do ENEM.
Por sua vez as DCN-BL serão analisadas com o objetivo de verificar quais são
os conteúdos Estatísticos e Probabilísticos e como o ensino destes é proposto para os
cursos de formação de professores de Matemática.
A análise das DCN-FP visará verificar como se constituem os princípios, os
fundamentos e os procedimentos que devem ser observados na organização curricular
em instituições que atuam na formação de professores para a Educação Básica e como
esses elementos se relacionam com a Educação Estatística.
A escolha de tais documentos deve-se ao fato de que tanto as DCN-BL quanto
as DCN-PF orientam a formulação de projetos pedagógicos dos cursos de Licenciatura
70
em Matemática, conforme o Parecer CNE/CP 009/2001, de 8 de maio de 2001, e o
Parecer CNE/CES 1302/2001, de 6 de novembro de 2001.
Os exames oficiais por nós selecionados foram o SAEB, a Prova Brasil, o
ENEM e o ENADE.
A escolha do SAEB, da Prova Brasil e do ENEM deveu-se ao fato de serem
exames de larga escala nacionais aplicados aos alunos da Educação Básica e que, de
forma indireta, interferem nas políticas públicas voltadas a esse nível de escolaridade e
na atuação dos professores dessa modalidade de ensino.
O ENADE será analisado por ser um exame nacional de larga escala aplicado
aos alunos ao final da graduação, com o objetivo de analisar o progresso dos estudantes
durante seus estudos universitários, ou seja, por permitir a análise do que se espera de
um aluno que conclui um curso de Licenciatura em Matemática.
3. 1 – Os documentos oficiais
Neste item faremos uma breve apresentação dos documentos oficiais escolhidos
e abordaremos os conteúdos estatísticos presentes nestes documentos, descrevendo
como é sugerida sua abordagem na Educação Básica.
3. 1. 1 – Os Parâmetros Curriculares Nacionais
Os PCN são uma série de documentos elaborados pelo MEC, contendo
orientações para o ensino na Educação Básica, com o intuito de auxiliar o trabalho dos
professores que atuam nessa modalidade de ensino.
Elaborado no conjunto das reformas educacionais promovidas pelo governo de
Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), os primeiros PCN foram lançados em 1997 e
eram voltados às séries iniciais do Ensino Fundamental.
Em 1998 foram lançados os volumes destinados às séries finais do Ensino
Fundamental e, em 1999, os destinados ao Ensino Médio, que receberam um adendo em
2002 e outro em 2006.
No que se refere aos conteúdos de Matemática, os documentos voltados ao
Ensino Fundamental os dividem em quatro grandes blocos: Números e Operações,
Espaço e Forma, Grandeza e Medidas e Tratamento da Informação. Já os documentos
71
voltados ao Ensino Médio dividem os conteúdos em três eixos ou temas estruturadores:
Álgebra: Números e Funções, Geometria e Medidas e Análise de Dados.
Os conteúdos relativos à Probabilidade e à Estatística, além dos referentes à
Análise Combinatória, estão presentes no bloco de conteúdos Tratamento da
Informação no Ensino Fundamental e no eixo Análise de Dados no Ensino Médio.
De acordo com os PCN (Brasil, 1998), tais conteúdos matemáticos fazem parte
da Educação Básica, pois:
A demanda social é que leva a destacar este tema como um
bloco de conteúdo, embora pudesse ser incorporado aos
anteriores. A finalidade do destaque é evidenciar sua
importância, em função de seu uso atual na sociedade
(BRASIL, 1998, p. 52)
De acordo com esses documentos, a inclusão de tais conteúdos no Ensino
Fundamental II tem os seguintes objetivos:
Com relação à Estatística, a finalidade é fazer com que o aluno
venha a construir procedimentos para coletar, organizar,
comunicar dados, utilizando tabelas, gráficos e representações
que aparecem frequentemente em seu dia-a-dia. Além disso,
calcular algumas medidas estatísticas como média, mediana e
moda com o objetivo de fornecer novos elementos para
interpretar dados estatísticos.
Com relação à Probabilidade, a principal finalidade é a de que o
aluno compreenda que muitos dos acontecimentos do cotidiano
são de natureza aleatória e que se podem identificar possíveis
resultados desses acontecimentos e até estimar o grau da
possibilidade acerca do resultado de um deles. (BRASIL, 1998,
p. 52)
Gal (2002) propõe cinco elementos cognitivos em seu modelo para o
desenvolvimento do Letramento Estatístico: a capacidade de ler informações textuais
em gráficos e tabelas, conhecimentos estatísticos, conhecimentos matemáticos,
conhecimento do contexto e competência para elaborar questões críticas.
Comparando esses elementos com os objetivos para o ensino de Estatística no
Ensino Fundamental II, temos que:
– Para atingir o objetivo de que o aluno construa procedimentos para coletar,
organizar, comunicar dados utilizando tabelas, gráficos e representações que
comparecem com frequência em seu dia a dia, é necessário que ele tenha a
capacidade de ler as informações textuais em gráficos e tabelas, além de conhecer o
contexto em que esses dados foram coletados, e a comunicação destes dados para
outros alunos requer senso crítico.
72
– Calcular a média, a mediana e a moda tendo por objetivo fornecer novos elementos
para interpretar dados estatísticos requer dos alunos conhecimentos estatísticos e
determinados conhecimentos matemáticos, como por exemplo operações no conjunto
dos racionais.
Portanto, os objetivos sugeridos para o Ensino Fundamental II estão de acordo
com os cinco elementos cognitivos propostos por Gal (2002) para o desenvolvimento do
Letramento Estatístico.
Para o ensino o Ensino Médio o objetivo é:
[...] o desenvolvimento de várias competências relativas à
contextualização sócio-cultural, como a análise de situações
reais presentes no mundo contemporâneo e a articulação de
diferentes áreas do conhecimento. Contribui também para a
compreensão e o uso de representações gráficas, identificação
de regularidades, interpretação e uso de modelos matemáticos e
conhecimento de formas específicas de raciocinar em
Matemática. (BRASIL, 2002, p. 127)
Diferentemente do que ocorre com os objetivos do Ensino Fundamental,
caracterizado por tarefas bem delimitadas referentes aos objetos estatísticos (ou seja,
referem-se de forma explícita aos conteúdos), nos objetivos voltados ao Ensino Médio
predomina, na visão dos documentos, o desenvolvimento de várias competências,
descritas de formas mais gerais, cuja ênfase é o aspecto questionador.
Nessa perspectiva, os objetivos do Ensino Médio estão mais próximos dos dois
elementos de disposição (questionar informações obtidas) propostos por Gal (2002)
para o desenvolvimento do Letramento Estatístico.
Os conteúdos relativos à Probabilidade e à Estatística identificados nos PCN
(BRASIL, 1998) para o Ensino Fundamental II são descritos no Quadro 2.
73
Quadro 2: Conteúdos de Probabilidade e Estatística presentes nos PCN do Ensino
Fundamental II (1998)
Ensino Fundamental II
Coleta, organização de dados e utilização de recursos visuais adequados (fluxogramas,
tabelas e gráficos) para sintetizá-los, comunica-los e permitir a elaboração de conclusões.
Leitura e interpretação de dados expressos em tabelas e gráficos.
Compreensão do significado de média aritmética como um indicador da tendência de uma
pesquisa.
Leitura e interpretação de dados expressos em gráficos de colunas, de setores, histogramas
e polígonos de frequência.
Organização de dados e construção de recursos visuais adequados, como gráficos (de
colunas, de setores, histogramas e polígonos de frequência) para apresentar globalmente os
dados, destacar aspectos relevantes, sintetizar informações de uma pesquisa.
Compreensão de termos como frequência, frequência relativa, amostra de uma população
para interpretar informações de uma pesquisa.
Distribuição das frequências de uma variável de uma pesquisa em classes de modo que
resuma os dados com um grau de precisão razoável.
Obtenção das medidas de tendência central de uma pesquisa (média, moda e mediana),
compreendendo seus significados para fazer inferências.
Construção do espaço amostral e indicação da possibilidade de sucesso de um evento pelo
uso de uma razão.
Construção do espaço amostral, utilizando o princípio multiplicativo e a indicação da
probabilidade de um evento por meio de uma razão.
Elaboração de experimentos e simulações para estimar probabilidades e verificar
probabilidades previstas.
Fonte: PCN (Brasil, 1998)
De acordo com os PCN, espera-se que com o ensino desses conteúdos os alunos
do Ensino Fundamental II consigam construir estratégias para a execução das seguintes
tarefas2:
Coletar, organizar e analisar informações, construir e interpretar
tabelas e gráficos, formular argumentos convincentes, tendo por
base a análise de dados organizados em representações
matemáticas diversas;
Resolver situações-problema que envolvam o raciocínio
combinatório e a determinação da probabilidade de sucesso de
um determinado evento por meio de uma razão.
[...] construir tabelas de frequência e representar graficamente
dados estatísticos, utilizando diferentes recursos, bem como
elaborar conclusões a partir da leitura, análise, interpretação de
informações apresentadas em tabelas e gráficos;
Construir um espaço amostral de eventos equiprováveis,
utilizando o princípio multiplicativo ou simulações, para
estimar a probabilidade de sucesso de um dos eventos.
(BRASIL, 1998, p. 65, 82)
2 Entende-se aqui por tarefa a ação a ser executada, nos termos da TAD apresentada no Capítulo II.
74
Nota-se que para o Ensino Fundamental II há uma descrição detalhada dos
conteúdos a serem desenvolvidos. Analisando-os, percebe-se que evidenciam a
necessidade de coletar dados, a maneira como estes são coletados, a comunicação dos
resultados obtidos, o conhecimento de termos e ideias básicas relacionadas à Estatística,
ideias básicas relacionadas à elaboração de gráficos e tabelas e conhecimentos de
noções de Probabilidade – isto é, os conteúdos do documento voltado ao Ensino
Fundamental II, de certa forma, estão de acordo com os elementos do Letramento
Estatístico, segundo as propostas de Gal (2002) e de Rumsey (2002).
Em relação aos PCN voltados ao Ensino Médio, pudemos identificar nos
documentos analisados os seguintes conteúdos estatísticos e probabilísticos:
Estatística: descrição de dados; representações gráficas; análise
de dados: médias, moda e mediana, variância e desvio padrão.
[...] Probabilidade: possibilidades; cálculo de probabilidades
(BRASIL, 2002, p. 127)
Embora a descrição dos conteúdos seja sucinta, cada tópico traz uma descrição
detalhada das competências e habilidades a serem desenvolvidas. Com o ensino dos
tópicos de Estatística, os alunos devem desenvolver estratégias para a resolução das
seguintes tarefas:
• Identificar formas adequadas para descrever e representar
dados numéricos e informações de natureza social, econômica,
política, científico-tecnológica ou abstrata.
• Ler e interpretar dados e informações de caráter estatístico
apresentados em diferentes linguagens e representações, na
mídia ou em outros textos e meios de comunicação.
• Obter médias e avaliar desvios de conjuntos de dados ou
informações de diferentes naturezas.
• Compreender e emitir juízos sobre informações estatísticas de
natureza social, econômica, política ou científica apresentadas
em textos, notícias, propagandas, censos, pesquisas e outros
meios (BRASIL, 2002, p. 127)
Traçando um paralelo com Gal (2002), as três primeiras tarefas podem ser vistas
como elementos dos componentes cognitivos, que segundo Gal (2002) dizem respeito à
competência dos indivíduos em compreender as informações estatísticas. A última
delas, por sua vez, pode ser vista como o elemento de disposição, que segundo o autor é
a competência em questionar informações recebidas.
Em relação aos tópicos de Probabilidade, os alunos devem desenvolver
estratégias para a resolução das seguintes tarefas:
75
• Reconhecer o caráter aleatório de fenômenos e eventos
naturais, científico-tecnológicos ou sociais, compreendendo o
significado e a importância da probabilidade como meio de
prever resultados.
• Quantificar e fazer previsões em situações aplicadas a
diferentes áreas do conhecimento e da vida cotidiana que
envolvam o pensamento probabilístico.
• Identificar em diferentes áreas científicas e outras atividades
práticas modelos e problemas que fazem uso de estatísticas e
probabilidades (BRASIL, 2002, p. 127-128)
No adendo de 2006 tampouco se encontram descrições de conteúdos a serem
trabalhados, e sim competências e habilidades a serem desenvolvidas. Um exemplo:
Vale destacar a necessidade de se intensificar a compreensão
sobre as medidas de posição (média, moda e mediana) e as
medidas de dispersão (desvio médio, variância e desvio
padrão), abordadas de forma mais intuitiva no ensino
fundamental. (BRASIL, 2006, p. 79)
Nota-se que para o Ensino Fundamental II, os documentos são mais detalhados
em termos operacionais dos que os documentos voltados ao Ensino Médio, onde a
ênfase recai sobre as competências e habilidades que devem ser desenvolvidas.
Portanto, temos que preparar o professor para trabalhar, não com conteúdos, mas sim
em desenvolver as competências e habilidades de seus alunos.
Volta-se então ao paradigma discutido por Moll (2011) e Font (2013): devemos
desenvolver nos futuros professores competências e habilidades que lhes permitam
desenvolver e avaliar as competências e habilidades matemáticas contempladas no
currículo da Educação Básica.
As competências e habilidades matemáticas contempladas na Educação Básica
são as descritas nos PCN. Assim, emerge a seguinte questão: Quais são as competências
e habilidades relacionadas à Educação Estatística que esse profissional deve possuir?
Formulada essa questão, passemos aos documentos que abordam a formação do
professor para a Educação Básica.
3. 1. 2 – As Diretrizes Curriculares Nacionais
Para a formação de professores de Matemática para a Educação, temos dois
documentos legais a observar: as Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de
76
Matemática, Bacharelado e Licenciatura (DCN-BL) e as Diretrizes Curriculares
Nacionais para a formação de professores da Educação Básica, em nível superior, curso
de licenciatura, de graduação plena (DCN-FP).
As DCN-BL têm por objetivo:
Servir como orientação para melhorias e transformações na
formação do Bacharel e do Licenciado em Matemática;
Assegurar que os egressos dos cursos credenciados de
Bacharelado e Licenciatura em Matemática tenham sido
adequadamente preparados para uma carreira na qual a
Matemática seja utilizada de modo essencial, assim como para
um processo contínuo de aprendizagem. (BRASIL, 2001, p. 1)
As DCN-BL trazem em seu texto orientações sobre o perfil dos formandos, as
competências e habilidades que devem ser desenvolvidas durante o curso de
Matemática (Bacharelado/Licenciatura), a estrutura do curso, os conteúdos curriculares
obrigatórios, as atividades complementares e o estágio.
Na seção voltada aos conteúdos curriculares, em que se descrevem os conteúdos
comuns a todos os cursos de Licenciatura, temos a seguinte distribuição:
Cálculo Diferencial e Integral
Álgebra Linear
Fundamentos de Álgebra
Fundamentos de Geometria
Geometria Analítica (BRASIL, 2001, p. 5)
Além disso, a parte comum aos cursos de Licenciatura em Matemática deve
incluir:
a) Conteúdos matemáticos presentes na educação básica nas áreas
de Álgebra, Geometria e Análise;
b) Conteúdos de áreas afins à Matemática, que são fontes
originadoras de problemas e campos de aplicação de suas teorias;
c) Conteúdos da Ciência da Educação, da História e Filosofia das
Ciências e da Matemática. (BRASIL, 2001, p. 5)
Percebe-se, em ambos os casos, a ausência de explicitações de conteúdos
comuns a Probabilidade e a Estatística como conteúdo curricular obrigatório na
formação do professor. Esse documento não traz, portanto, elementos para o
desenvolvimento do Letramento Estatístico do futuro professor.
Por sua vez, as DCN-FP buscam:
Construir sintonia entre a formação de professores, os
princípios prescritos pela Lei de Diretrizes e Bases da educação
Nacional/LDBEN, as normas instituídas nas Diretrizes
Curriculares para a Educação Infantil, para o ensino
77
fundamental e para o ensino médio, e suas modalidades, bem
como as recomendações constantes dos Parâmetros e
Referenciais Curriculares para a educação básica elaborados
pelo Ministério da Educação. (BRASIL, 2002, p. 4)
Pensamos que, para tal sintonia ser construída, deve-se observar a
obrigatoriedade de conteúdos de Probabilidade e Estatística nos cursos de Licenciatura
em Matemática visando o Letramento Estatístico, uma vez que eles fazem parte das
recomendações dos PCN, que sugerem elementos que permitem esse desenvolvimento.
Entretanto, apesar da não obrigatoriedade nas Licenciaturas em Matemática,
Viali (2008) observou a existência de pelo menos um curso de 64 horas de
Probabilidade e Estatística nessas Licenciaturas. No entanto, a maneira com que é
geralmente ministrado não permite o desenvolvimento do Letramento Estatístico.
Um ecossistema em equilíbrio supõe uma organização matemática (OM) e uma
organização didática (OD) que permitam o desenvolvimento das habilidades que
contemplem o Letramento Estatístico. Dada a ausência de obrigatoriedade de seus
conteúdos em um documento oficial que regula os cursos de Licenciatura em
Matemática, e considerando-se o curso típico ministrado, detectado por Viali (2008),
temos um ecossistema em desequilíbrio.
As DCN-FP afirmam que:
Nos cursos atuais de formação de professor, salvo raras
exceções, ou se dá grande ênfase à transposição didática dos
conteúdos, sem sua necessária ampliação e solidificação –
pedagogismo, ou se dá atenção quase exclusiva a
conhecimentos que o estudante deve aprender – conteudismo,
sem considerar sua relevância e sua relação com os conteúdos
que ele deverá ensinar nas diferentes etapas da educação básica.
[...] nos demais cursos de licenciatura, que formam especialistas
por área de conhecimento ou disciplina, é frequente colocar-se o
foco quase que exclusivamente nos conteúdos específicos das
áreas em detrimento de um trabalho mais aprofundado sobre os
conteúdos que serão desenvolvidos no ensino fundamental e
médio. (BRASIL, 2002, p. 16-17)
Desta vez, um documento oficial afirma que nos cursos atuais de formação de
professores temos um ecossistema em desequilíbrio.
Tal desequilíbrio, segundo Moreira (2004) e Luís (2004), decorre da valorização
da Matemática acadêmica nos cursos de Licenciatura em Matemática. Portanto, assim
como Moreira (2004), Luís (2004) e Gatti e Barreto (2009), as orientações das DCN-FP
também sugerem olhar para os conteúdos da Escola Básica, ideia com a qual
78
concordamos, uma vez que, para haver equilíbrio entre o ecossistema da Escola Básica
e o ecossistema de formação de professores, eles têm que estar relacionados.
Em suas diretrizes para a formação de professores, as DCN-FP defendem que a
concepção e a organização de um curso de formação de professores envolvem:
a) definir o conjunto de competências necessárias à atuação
profissional; b) tomá-las como norteadoras tanto da proposta
pedagógica, em especial, quanto da organização e da gestão da
escola de formação. (BRASIL, 2002, p. 29)
As DCN-FP definem seis competências gerais a serem desenvolvidas na
Educação Básica:
1. Competências referentes ao comprometimento com
os valores inspirados na sociedade democrática;
2. Competências referentes à compreensão do papel
social da escola;
3. Competências referentes ao domínio dos conteúdos
a serem socializados, de seus significados em diferentes
contextos e de sua articulação interdisciplinar;
4. Competências referentes ao domínio do
conhecimento pedagógico;
5. Competências referentes ao conhecimento de
processos de investigação que possibilitem o
aperfeiçoamento da prática pedagógica;
6. Competências referentes ao gerenciamento do
próprio desenvolvimento profissional. (BRASIL, 2002, p.
32-35)
Nesse documento, cada competência geral é completada e contextualizada por
competências específicas. Tais competências perpassam o ecossistema do conhecimento
dos conteúdos de ensino, o ecossistema do conhecimento do currículo, o ecossistema do
conhecimento do aluno e o ecossistema do processo instrucional, isto é, perpassam os
quatro ecossistemas que caracterizamos por hipótese no Capítulo II.
Quanto aos conhecimentos profissionais exigidos para a constituição das
competências definidas pelas DCN-FP, eles também são caracterizados em seis
aspectos: conhecimento sobre a cultura geral e profissional; conhecimentos sobre
crianças, jovens e adultos; conhecimento sobre a dimensão cultural, social, política e
econômica da Educação; conhecimento sobre os conteúdos das áreas de conhecimento
que são objetos de ensino; conhecimento pedagógico; e conhecimento advindo da
experiência.
79
Comparando esses elementos com os núcleos disciplinares propostos por
Severino (2003), constatamos que os três primeiros aspectos fazem parte do núcleo dos
componentes antropológicos, o quarto aspecto faz parte do núcleo dos conteúdos
específicos e o quinto aspecto se inclui no núcleo dos componentes pedagógicos.
O sexto elemento – conhecimento advindo da experiência – é descrito pelas
DCN-FP como relacionado:
[...] à forma como esse conhecimento é constituído pelo sujeito.
É um tipo de conhecimento que não pode ser construído de
outra forma senão na prática profissional e de modo algum pode
ser substituído pelo conhecimento “sobre” esta prática. Saber –
e aprender – um conceito, ou uma teoria é muito diferente de
saber – e aprender – a exercer um trabalho. Trata-se, portanto,
de aprender a “ser” professor. (BRASIL, 2002, p. 39)
O aprender a “ser” professor ocorrerá no ecossistema do processo instrucional,
isto é, no ambiente em que ocorre o processo instrucional: a escola – daí a necessidade
de se articular a teoria e a prática na formação do professor.
Em relação aos conteúdos das áreas de conhecimento que são objetos de ensino,
locus dos objetos estatísticos e probabilísticos, as DCN-FP afirmam:
Incluem-se aqui os conhecimentos das áreas que são objetos de
ensino em cada uma das diferentes etapas da educação básica.
O domínio desses conhecimentos é condição essencial para a
construção das competências profissionais apresentadas nestas
diretrizes. (BRASIL, 2002, p. 37)
A construção das competências profissionais só será possível pelo domínio de
um conjunto de saberes. Contudo, tais saberes não podem ser apresentados de forma
disciplinar, mas sim a partir de eixos articuladores. Como sugestão, as DCN-FP
apresentam os seguintes eixos:
1. Eixo articulador dos diferentes âmbitos do
conhecimento profissional;
2. Eixo articulador da interação e comunicação e do
desenvolvimento da autonomia intelectual e profissional;
3. Eixo articulador entre disciplinaridade e
interdisciplinaridade;
4. Eixo articulador entre a formação comum e a formação
específica;
5. Eixo articulador dos conhecimentos a serem ensinados
e dos conhecimentos educacionais e pedagógicos que
fundamentam a ação educativa;
6. Eixo articulador das dimensões teóricas e práticas.
(BRASIL, 2002, p. 41-45)
80
Nota-se que a proposta de eixos articuladores é similar à de Severino (2003), e
nossos quatro ecossistemas foram formulados a partir das propostas de Severino (2003)
e Ponte (1999).
Diferentemente das DCN-BL, que se limitam a conteúdos comuns a todos os
cursos de Licenciatura em Matemática, com predominância da visão disciplinar e da
formulação de tais conteúdos a partir dos paradigmas da Ciência, as DCN-FP têm como
paradigma o trabalho na Escola Básica com o objetivo de desenvolver competências e
habilidades dos alunos desse segmento de ensino, e preparar o futuro professor para
atuar nesse contexto.
Percebemos diferentes pontos de vistas na elaboração desses documentos. As
DCN-BL dão atenção exclusiva a conhecimentos que os estudantes devem aprender e a
DCN-FP dão grande ênfase às competências e habilidades que os alunos de Licenciatura
devem desenvolver. Em nenhum momento, porém, esses documentos explicitam como
desenvolver essas competências e habilidades.
Entretanto, como ambos os documentos devem ser observados na proposta de
novos cursos de formação de professores, é necessário estabelecer um diálogo entre tais
referências, uma vez que as competências e habilidades se constroem com conteúdos.
Devemos então propiciar o desenvolvimento de uma organização matemática (OM) e
uma organização didática (OD) que permitam o desenvolvimento de habilidades para a
docência da Estatística e da Matemática.
3. 2 – Os exames de larga escala
3. 2. 1 – O SAEB e a Prova Brasil
Segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira (INEP), o sistema de avaliação da Educação Básica brasileira é composto de
duas avaliações complementares.
A primeira, denominada Avaliação Nacional da Educação Básica (ANEB), mas
também conhecida como SAEB, é aplicada a alunos matriculados no quinto e nono anos
do Ensino Fundamental e também a alunos do terceiro ano do Ensino Médio. Os alunos
são selecionados de forma amostral e são oriundos das redes de ensino públicas e
privadas de todo o país, tanto da área urbana como da rural.
81
O segundo exame é a Avaliação Nacional do Rendimento Escolar (ANRESC),
também conhecida como Prova Brasil, aplicada de forma censitária a todos os alunos do
quinto e nono anos do Ensino Fundamental da rede pública de ensino. Os alunos são
oriundos de escolas que tenham no mínimo 20 alunos matriculados na série avaliada,
seja a escola urbana ou rural.
Essas duas avaliações são realizadas a cada dois anos, quando são aplicados
exames de Língua Portuguesa e Matemática, além de questionários socioeconômicos a
serem respondidos pelos alunos participantes da avaliação e pela comunidade escolar.
O Quadro 3 compara esses dois exames.
Quadro 3: Comparação entre a Prova Brasil e o SAEB
Prova Brasil SAEB
A prova foi criada em 2005. A primeira aplicação ocorreu em 1990.
A Prova Brasil avalia as habilidades em
Língua Portuguesa (foco em leitura) e
Matemática (foco na resolução de
problemas).
Alunos fazem prova de Língua Portuguesa
(foco em leitura) e Matemática (foco na
resolução de problemas).
Avalia apenas estudantes de ensino
fundamental, de 5° e 9° anos.
Avalia estudantes de 5° e 9° anos do
ensino fundamental e também estudantes
do 3º ano do ensino médio.
A Prova Brasil avalia as escolas públicas
localizadas em área urbana e rural.
Avalia alunos da rede pública e da rede
privada, de escolas localizadas nas áreas
urbana e rural.
A avaliação é quase universal: todos os
estudantes das séries avaliadas, de todas as
escolas públicas urbanas e rurais do Brasil
com mais de 20 alunos na série, devem
fazer a prova.
A avaliação é amostral, ou seja, apenas
parte dos estudantes brasileiros das séries
avaliadas participa da prova.
Como resultado, fornece as médias de
desempenho para o Brasil, regiões e
unidades da Federação, para cada um dos
municípios e escolas participantes.
Oferece resultados de desempenho apenas
para o Brasil, regiões e unidades da
Federação.
Parte das escolas que participarem da
Prova Brasil ajudará a construir também
os resultados do Saeb, por meio de recorte
amostral.
Todos os alunos do Saeb e parte daqueles
da Prova Brasil farão uma única avaliação.
Fonte: http://www.inep.gov.br, acesso em 7 de agosto de 2013.
A matriz de competências e habilidades da área de Matemática da Prova Brasil e
do SAEB é composta por 28 descritores na avaliação do quinto ano do Ensino
82
Fundamental, 37 descritores na avaliação do nono ano do Ensino Fundamental e 35
descritores na avaliação do Ensino Médio.
O descritor “é uma associação entre conteúdos curriculares e operações mentais
desenvolvidas pelo aluno que traduzem certas competências e habilidades” (BRASIL,
2011, p. 18). Entretanto, os descritores da Prova Brasil e do SARESP:
[...] não contemplam todos os objetivos de ensino, mas
apenas aqueles considerados mais relevantes e
possíveis de serem mensurados em uma prova para,
com isso, obter informações que forneçam uma visão
real do ensino. (BRASIL, 2011, p. 151)
Os descritores que avaliam as competências e habilidades referentes aos
conteúdos de Probabilidade e Estatística são os seguintes:
1- Para a avaliação do nono ano:
D 36 – Resolver problema envolvendo informações
apresentadas em tabelas e/ou gráficos.
D 37 – Associar informações apresentadas em listas e/ou
tabelas simples aos gráficos que as representam e vice-versa.
(BRASIL, 2011, p. 153)
2- Para a avaliação do terceiro ano do Ensino Médio:
D33 - Calcular a probabilidade de um evento
D34 – Resolver problema envolvendo informações
apresentadas em tabelas e/ou gráficos.
D35 – Associar informações apresentadas em listas e/ou tabelas
simples aos gráficos que as representam e vice-versa. (BRASIL,
2011, p. 80)
Nota-se a ausência, na matriz de competências e habilidades do nono ano do
Ensino Fundamental, de descritores que avaliam conteúdos relacionados à
Probabilidade. Entretanto esse conteúdo é sugerido pelos PCN para os quatro últimos
anos do Ensino Fundamental.
Temos então a ausência de um descritor para avaliar os conhecimentos sobre
Probabilidade, embora tal conhecimento seja uma das condições para o
desenvolvimento do Letramento Estatístico, nos termos de Gal (2002). Essa ausência
pode indicar uma não associação entre o que é avaliado e a construção do Letramento
Estatístico.
No Ensino Médio, tem-se um único descritor destinado a avaliar questões
relativas à Probabilidade, mas na maneira como tal descritor é explicitado percebe-se
uma limitação na avaliação desse conteúdo:
83
Pretende-se que esse descritor avalie a habilidade de o
aluno calcular a probabilidade de ocorrência de um
determinado evento. (BRASIL, 2011, p. 123)
Pensamos que o descritor proposto e o objetivo com ele pretendido limitem as
questões cobradas nesse exame.
Concordamos com Nunes (2013) quando afirma que o SAEB é projetado mais
para medir o domínio de conteúdos do que sua aplicação na vida real, e suas questões
apresentam certo distanciamento e/ou artificialidade, no sentido que, embora às vezes
apresentem contextos próximos do cotidiano, exigem apenas domínios de habilidades
de reprodução.
3. 2. 2 – O Exame Nacional do Ensino Médio
O ENEM foi criado em 1998 com o objetivo de avaliar o desempenho dos
estudantes no final do Ensino Médio, buscando contribuir para a melhoria da qualidade
de ensino da Educação obrigatória.
Até 2008, constituía-se de 63 questões de múltipla escolha e uma redação. As
questões de múltipla escolha eram estruturadas a partir de uma matriz de competências
e habilidades, composta de cinco competências e 21 habilidades. Cada habilidade era
avaliada por três questões – daí a parte objetiva da prova ser composta de 63 questões.
A partir de 2009, o exame sofreu algumas alterações, sendo que a mais
significativa foi a utilização da Teoria da Resposta ao Item (TRI). Uma das
consequências disso foi a alteração de sua matriz de competências e habilidades.
As provas objetivas passaram a ser estruturadas a partir de quatro matrizes de
competências e habilidades, uma para cada área de conhecimento (Ciências Humanas e
suas Tecnologias; Ciências da Natureza e suas Tecnologias; Linguagens, Códigos e suas
Tecnologias; Matemática e suas Tecnologias), sendo que cada uma das quatro áreas é
hoje avaliada por 45 questões.
O novo ENEM é aplicado em dois dias. Em cada dia são avaliadas duas áreas de
conhecimento. A prova de redação é realizada no dia em que se avalia a área de
conhecimento Linguagens, Códigos e suas Tecnologias.
Outra mudança ocorrida a partir de 2009 foi a utilização desse exame para
ingresso no Ensino Superior. Até 2008, a nota do ENEM representava uma pequena
parte da nota do exame vestibular e a partir de 2009 com a criação do Sistema de
Seleção Unificada (SISU), a nota do ENEM passou a ser utilizada como a única forma
84
de acesso à maior parte dos cursos superiores em instituições de ensino superior
públicas brasileiras.
Além disso, a nota do ENEM também é utilizada para acesso a programas
oferecidos pelo governo federal, tais como o Programa Universidade para Todos
(ProUni), o Fundo do Financiamento Estudantil (FIES) e o Ciências sem Fronteiras,
programa federal que concede bolsas de estudos em instituições estrangeiras a
estudantes de graduação.
Com a alteração da matriz de competências e habilidades, os conteúdos do bloco
Análise de Dados passaram a ser avaliados a partir das seguintes competências e
habilidades:
Competência de área 6 - Interpretar informações de natureza
científica e social obtidas da leitura de gráficos e tabelas,
realizando previsão de tendência, extrapolação, interpolação e
interpretação.
H24 - Utilizar informações expressas em gráficos ou tabelas
para fazer inferências.
H25 - Resolver problema com dados apresentados em tabelas
ou gráficos.
H26 - Analisar informações expressas em gráficos ou tabelas
como recurso para a construção de argumentos.
Competência de área 7 - Compreender o caráter aleatório e não-
determinístico dos fenômenos naturais e sociais e utilizar
instrumentos adequados para medidas, determinação de
amostras e cálculos de probabilidade para interpretar
informações de variáveis apresentadas em uma distribuição
estatística.
H27 - Calcular medidas de tendência central ou de dispersão de
um conjunto de dados expressos em uma tabela de frequências
de dados agrupados (não em classes) ou em gráficos.
H28 - Resolver situação-problema que envolva conhecimentos
de estatística e probabilidade.
H29 - Utilizar conhecimentos de estatística e probabilidade
como recurso para a construção de argumentação.
H30 - Avaliar propostas de intervenção na realidade utilizando
conhecimentos de estatística e probabilidade. (BRASIL, 2009,
p. 5)
Comparados com os descritores do SAEB, os do ENEM são mais completos em
termos de conteúdos estatísticos e probabilísticos, pois a maneira como são formulados
leva à elaboração de questões que permitam uma avaliação mais aprofundada desses
conteúdos.
De acordo com o que já foi discutido no Capítulo II, para Gal (2002) o
Letramento Estatístico tem dois elementos inter-relacionados: os componentes
85
cognitivos (o indivíduo compreende a informação que contém estatística) e os
componentes de disposição (o indivíduo questiona a informação recebida).
Nas competências e habilidades acima descritas, esses dois elementos aparecem
porque há habilidades que permitem ao indivíduo compreender a informação estatística
e questionar a informação recebida. Portanto, se um indivíduo tem tais competências e
habilidades desenvolvidas, podemos concluir que ele é letrado estatisticamente.
Entretanto, o ENEM não é um exame que tem por objetivo desenvolver essas
habilidades e competências, e sim medi-las. Uma análise nas provas de Matemática nos
permitirá conhecer a organização matemática desse exame.
A análise das questões das provas de Matemática do ENEM de 2009, 2010,
2011 e 2012 revela os números descritos no Quadro 4.
Quadro 4: Número de questões sobre Probabilidade e Estatística no ENEM, de
2009 a 2012
Ano em que o ENEM
foi realizado
Número de questões
sobre o tema
Probabilidade
Número de questões
sobre o tema Estatística
2009 3 9
2010 4 4
2011 3 6
2012 2 8
Em cada ano, há cerca de 10 questões sobre os temas Probabilidade e Estatística.
Como esse exame é composto de 45 questões, essa temática perfaz aproximadamente
22% das questões, o que é um número bastante expressivo.
Em relação aos tópicos abordados na maior parte das questões, a tarefa pedida é
a obtenção de informações a partir da leitura de um gráfico, sendo que os únicos
gráficos que apareceram nas questões analisadas são os de barras e os de linhas.
A ausência de questões que utilizam a leitura de outros tipos de gráficos, como
por exemplo os de setores, que têm frequência muito alta nos meios de comunicação
escritos, causam um desequilíbrio no ecossistema, porque impedem a percepção, pelos
alunos, de que um conjunto de dados possa receber várias representações gráficas,
importante aspecto para o desenvolvimento do Letramento Estatístico.
Foram pouquíssimas as questões que abordaram o cálculo de medidas de
tendência central e medidas de dispersão. Quando tais tópicos foram abordados, a tarefa
86
exigida limitava-se a calcular e medida a partir de determinado conjunto de dados, e tais
dados eram totalmente descontextualizados, perdendo-se com isso um dos elementos
para o desenvolvimento do Letramento Estatístico, que segundo Rumsey (2002) é o
entendimento básico da Estatística, isto é, a capacidade de relacionar o conceito
estatístico dentro de um contexto.
Os Quadros 5 e 6 descrevem as tarefas encontradas ao se analisarem as questões
sobre Probabilidade e a Estatística no ENEM de 2009 a 2012 à luz da TAD, proposta
por Chevallard (1992).
Quadro 5: Tarefas identificadas na análise das questões sobre Estatística no
ENEM de 2009 a 2012
Tarefa Descrição da tarefa
1 Obter informações a partir da leitura de um gráfico de barras
2 Obter informações a partir da leitura de um gráfico de linha poligonal
3 Obter informações a partir da leitura de uma tabela
4 Calcular a amplitude de um conjunto de dados
5 Calcular o valor da mediana de um conjunto de dados
6 Calcular o valor da média ponderada de um conjunto de dados
7 Calcular o valor da média aritmética de um conjunto de dados
8 Calcular o valor da moda de um conjunto de dados
9 Calcular a variância de um conjunto de dados
Quadro 6: Tarefas identificadas na análise das questões sobre Probabilidade no
ENEM de 2009 a 2012
Tarefa Descrição da tarefa
1 Determinar a probabilidade de um evento
2 Determinar a probabilidade de um evento complementar
3 Determinar a probabilidade da união de dois eventos
4 Determinar a probabilidade da intersecção de dois eventos
5 Determinar a probabilidade da união de três ou mais eventos
6 Determinar a probabilidade da intersecção de três ou mais eventos
7 Determinar a probabilidade de um evento em contexto geométrico
8 Comparar a probabilidade de dois ou mais eventos
Questões que versam sobre Probabilidade de Estatística vêm ganhando cada vez
mais destaque no ENEM, no qual hoje ocupam em média aproximadamente 22% da
área de conhecimento Matemática e suas Tecnologias.
87
Além disso, da maneira como está colocada sua matriz de competências e
habilidades, o ENEM apresenta questões mais elaboradas que as do SAEB e da Prova
Brasil.
Entretanto, nas questões desse exame as tarefas também aparecem isoladas e
descontextualizadas, o que não favorece o desenvolvimento Letramento Estatístico,
embora as articulações dessas tarefas o favoreçam, uma vez que tais tarefas apresentam
termos e ideias básicas relacionados à Estatística, termos e ideias básicas relacionados
às apresentações gráficas e tabulares e compreensão das noções básicas de
Probabilidade, isto é, conhecimentos básicos de Probabilidade e Estatística propostos
por Gal (2002) para a compreensão e a interpretação de informações estatísticas –
elemento que favorece o Letramento Estatístico.
3. 2. 4 – O Exame Nacional de Desempenho de Estudantes
O ENADE, que integra o Sistema Nacional da Educação Superior (SINAES),
tem por objetivo geral:
Avaliar o desempenho dos estudantes em relação aos
conteúdos programáticos previsto nas diretrizes
curriculares, às habilidades e competências para a
atualização permanente e aos conhecimentos sobre a
realidade brasileira, mundial e sobre outras áreas do
conhecimento. (BRASIL, 2011, p. 19)
O ENADE começou a ser aplicado em 2004, após sancionamento da Lei 10.861,
de 14 de abril de 2004. Os primeiros cursos a serem avaliados por esse exame foram os
de Agronomia, Educação Física, Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia, Fonoaudiologia,
Medicina, Medicina Veterinária, Nutrição, Odontologia, Serviço Social, Terapia
Ocupacional e Zootecnia. Os cursos de Matemática (Bacharelado e Licenciatura) foram
avaliados pela primeira vez em 2005, e em 2008 e 2011 passaram por novas avaliações.
O Anexo II lista os cursos e respectivos anos em que foram avaliados pelo ENADE.
O exame se compõe de 40 questões, assim distribuídas:
10 questões de formação geral comum aos cursos de todas as áreas,
sendo duas discursivas e oito de múltipla escolha;
30 questões de um componente específico, sendo três questões
discursivas e 27 de múltipla escolha.
88
As questões do componente específico da avaliação de Matemática são assim
subdivididas:
20 questões comuns aos alunos de Bacharelado/Licenciatura;
10 questões específicas para os alunos de Bacharelado;
10 questões específicas para os alunos de Licenciatura.
As questões específicas da área de Matemática têm por objetivo:
Aferir o desempenho dos estudantes em relação aos
conteúdos previstos nas Diretrizes Curriculares para os
cursos de Matemática, Bacharelado e Licenciatura, às
habilidades e competências necessárias para o
ajustamento às exigências decorrentes da evolução do
conhecimento matemático e de seu ensino e à
compreensão de temas exteriores ao âmbito específico
de sua profissão e outras áreas do conhecimento.
(BRASIL, 2011, p. 19)
O exame toma como referência um profissional capaz de:
I – conceber a Matemática como um corpo de
conhecimentos rigoroso, formal e dedutivo, produto da
atividade humana, historicamente construída;
II – dominar os conhecimentos matemáticos e
compreender o seu uso em diferentes contextos
interdisciplinares;
III – analisar criticamente a contribuição do
conhecimento matemático na formação de indivíduos e
no exercício da cidadania;
IV – Identificar, formular e solucionar problemas;
V – valorizar a criatividade e a diversidade na
elaboração de hipóteses, de proposições e na solução
de problemas;
VI – identificar concepções, valores e atitudes em
relação à Matemática e seu ensino visando à atuação
crítica no desempenho profissional. (BRASIL, 2011, p.
19)
Na parte específica da área de Matemática, o exame espera que o aluno
desenvolva, ao longo do seu processo de formação, habilidades e competências que lhe
possibilitem:
I – ler e interpretar textos e expressar-se com clareza e
precisão;
II – interpretar e utilizar a linguagem matemática com
precisão e o rigor que lhe são inerentes;
III – estabelecer relações entre os aspectos formais e
intuitivos da Matemática;
IV – formular conjecturas e generalizações, elaborar
argumentações e demonstrações matemáticas;
V – analisar criticamente o uso de diferentes definições
para o mesmo objeto;
89
VI – utilizar conceitos e procedimentos matemáticos
para analisar dados, elaborar modelos, resolver
problemas e interpretar suas soluções;
VII – utilizar diferentes representações para um
conceito matemático, transitando por representações
simbólicas, gráficas e numéricas entre outras.
(BRASIL, 2011, p. 19)
Os conteúdos curriculares tomados como referencial são descritos no Anexo II.
O Quadro 7 apresenta o número de questões que abordam Probabilidade e
Estatística no ENADE.
Quadro 7: Número de questões que abordam Probabilidade e Estatística das
edições do ENADE em que a área de Matemática foi avaliada
Ano em que a
área de
Matemática foi
avaliada
Questões de
formação geral
Questões
comuns aos
bacharelandos
e licenciandos
Questões
específicas aos
bacharelandos
Questões
específicas aos
licenciandos
2005 1 0 0 0
2008 0 2 0 0
2011 0 1 0 0
A seguir, essas questões serão avaliadas com base na TAD.
Análise das questões do ENADE
Questão de 2005
Enunciado: Nos dias atuais, as novas tecnologias se desenvolvem de forma
acelerada e a Internet ganha papel importante na dinâmica do cotidiano das pessoas
e da economia mundial. No entanto, as conquistas tecnológicas, ainda que
representem avanços, promovem consequências ameaçadoras.
Leia os gráficos e a situação-problema expressa através de um diálogo entre uma
mulher desempregada, à procura de uma vaga no mercado de trabalho, e um
empregador.
90
Apresente uma conclusão que pode ser extraída da análise
a) dos dois gráficos:
b) da situação-problema, em relação aos gráficos.
a) Tarefa (T1): Analisar os gráficos de barras dados e extrair uma análise deles.
Técnica (t1): 1. Analisar o primeiro gráfico de barras (Total de internautas em
milhões, 2004).
2. Analisar o segundo gráfico de barras (Internautas a cada 10 habitantes, 2003).
3. Comparar as informações obtidas à partir dos dois gráficos e formular uma
análise a partir dessas informações.
Discurso teórico-tecnológico [T1,t1]: O conhecimento estatístico envolvido no
bloco [T1, t1] é a leitura de um gráfico de barras. De acordo com Magalhães e Lima
(2005, p. 13) “o gráfico de barras utiliza o plano cartesiano com os valores da
variável no eixo das abscissas e as frequências ou porcentagens no eixo das
ordenadas”. Além disso, neste bloco é necessário proceder a uma análise a partir das
91
informações obtidas nos gráficos. Tal análise não é um conhecimento estatístico,
mas pode ser comprometida pela ausência desse conhecimento.
b) Tarefa (T2): Interpretar a situação-problema e comparar com a interpretação
obtida em T1.
Técnica (t2): 1. Interpretar a situação-problema.
2. Comparar com a análise obtida no item a.
3. Formular uma análise a partir das informações do passo 1 e do passo 2.
Discurso teórico-tecnológico [T2,t2]: Este bloco não envolve conhecimento
estatístico, mas tal conhecimento é necessário para obtermos algumas informações
relevantes ao problema.
Questões de 2008
Enunciado da primeira questão: Há 10 postos de gasolina em uma
cidade. Desses 10, exatamente dois vendem gasolina adulterada. Foram
sorteados aleatoriamente dois desses 10 postos para serem fiscalizados.
Qual é a probabilidade de que os dois postos infratores sejam sorteados?
a) 1/45 b) 1/20 c) 1/10 d) 1/5 e) 1/2
Tarefa (T3): Calcular a probabilidade de um evento.
Técnica (t3): 1. Identificar o experimento aleatório.
2. Descrever o espaço amostral do experimento aleatório.
3. Identificar o evento que se quer estudar.
4. Dentro do espaço amostral, identificar os resultados favoráveis ao
evento que se quer estudar.
5. Calcular o número de casos favoráveis.
6. Calcular o número de casos possíveis.
7. Determinar a razão entre o número de casos favoráveis e o número de
casos possíveis (definição clássica de probabilidade).
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Discurso teórico-tecnológico [T3,t3]: O conhecimento matemático
envolvido no bloco [T3, t3] é o conceito de probabilidade de um evento.
Neste caso, o que melhor se adapta é a definição clássica de
probabilidade, definida por Dantas (2004) da seguinte maneira:
Consideramos um espaço amostral S com N eventos simples,
que suporemos igualmente possíveis. Seja A um evento de S
composto de m eventos simples. A probabilidade de A, que
denotaremos por P(A), é definida por:
N
mAP )(
(DANTAS, 2004, p. 25)
Enunciado da segunda questão: Os gráficos abaixo mostram informações
a respeito da área plantada e da produtividade das lavouras brasileiras de
soja com relação às safras de 2000 a 2007.
Com base nessas informações, resolva o que se pede nos itens a seguir e
transcreva suas respostas para o Caderno de Respostas, nos locais
devidamente indicados.
a) Considerando I = área plantada (em milhões de ha), II = produtividade
(em kg/ha) e III = produção total de soja (em milhões de toneladas),
Com base nessas informações, resolva o que se pede nos itens a seguir:
a) Considerando I = área plantada (em milhões de ha), II = produtividade
(em kg/ha) e III = produção total de soja (em milhões de toneladas),
preencha a tabela abaixo.
93
Ano I II III
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
b) Faça o esboço do “gráfico de linhas” que representa a quantidade de
quilogramas de soja produzidos no Brasil, em milhões de toneladas, no
período de 2000 a 2007. Nomeie as variáveis nos eixos de coordenadas e dê
um título adequado para seu gráfico.
a) Tarefa (T4): Preencher corretamente um quadro dado.
Técnica (t4): 1. Interpretar o primeiro gráfico de linhas.
2. Preencher o item I do quadro.
3. Interpretar o segundo gráfico de linhas.
4. Preencher o item II do quadro.
5. Utilizando as informações do primeiro e do segundo gráfico de linhas,
calcular a produção total de soja de 2000 a 2007.
6. Preencher o item III do quadro.
Discurso teórico-tecnológico [T4,t4]: O conhecimento estatístico
envolvido no bloco [T4, t4] é a leitura de um gráfico de linhas. A leitura
correta do gráfico de linhas permite o preenchimento correto do item I e do
item II do quadro. Preencher corretamente o item III envolve os seguintes
conhecimentos matemáticos: transformação de unidades de medidas e
multiplicação.
b) Tarefa (T5): Construir um gráfico de linhas que represente a situação
pedida no item b.
94
Técnica (t5): 1. Ler corretamente o quadro do item a.
2. Construir o gráfico de linhas.
3. Nomear o gráfico de linhas.
Discurso teórico-tecnológico [T5, t5]: O conhecimento estatístico
envolvido no bloco [T5, t5] é a leitura de um quadro e a construção de um
gráfico de linhas, porque a construção do gráfico está associada à leitura
correta do quadro do item anterior.
Questão de 2011
Enunciado: Em um prédio de 8 andares, 5 pessoas aguardam o elevador no
andar térreo. Considere que elas entrarão no elevador e sairão, de maneira
aleatória, nos andares de 1 a 8.
Com base nessa situação, faça o que se pede nos itens a seguir, apresentando
o procedimento de cálculo utilizado na sua resolução.
a) Calcule a probabilidade de essas pessoas descerem em andares diferentes.
b) Calcule a probabilidade de duas ou mais pessoas descerem em um mesmo
andar.
a) Tarefa (T6): Calcular a probabilidade de um evento.
Técnica (t6): 1. Identificar o experimento aleatório.
2. Descrever o espaço amostral do experimento aleatório.
3. Identificar o evento que se quer estudar.
4. Dentro do espaço amostral, identificar os resultados favoráveis ao evento
que se quer estudar.
5. Calcular o número de casos favoráveis.
6. Calcular o número de casos possíveis.
7. Determinar a razão entre o número de casos favoráveis e o número de
casos possíveis (definição clássica de probabilidade).
Discurso teórico-tecnológico [T6,t6]: O conhecimento matemático
envolvido no bloco [T6, t6] é o conceito de probabilidade de um evento.
95
Neste caso, o que melhor se adapta é a definição clássica de probabilidade, já
definida no discurso teórico-tecnológico [T3, t3].
b) Tarefa (T7): Calcular a probabilidade de um evento complementar.
Técnica (t7): 1. Identificar o experimento aleatório.
2. Descrever o espaço amostral do experimento aleatório.
3. Identificar o evento que se quer estudar.
4. Perceber que o evento que se deseja estudar é o complementar ao item a.
5. Calcular a probabilidade do evento complementar do item a.
Discurso teórico-tecnológico [T7,t7]: O conhecimento matemático
envolvido no bloco [T7, t7] é o cálculo de um evento complementar definido
por Dantas (2004, p. 41) como “Se AC é o complementar do evento A, então:
P(AC) = 1 – P(A)”.
Todas as questões do ENADE que abordam Probabilidade e Estatística não
apresentam grau de dificuldade maior que as questões apresentadas no ENEM. Trata-se
portanto de questões que poderiam ter sido propostas pelo ENEM, já que o referencial
de conteúdos curriculares para a elaboração do componente específico da área de
Matemática (Anexo II) – os conteúdos de Probabilidade e Estatística – aparecem
somente como conteúdos matemáticos da Educação Básica para a realização desse
exame, isto é, a organização matemática identificada no ENADE é a mesma identificada
no ENEM.
Isso provavelmente se deve à ausência de conteúdos probabilísticos e estatísticos
nas DCN para a formação de professores de Matemática.
Constata-se, portanto, que o ENADE não oferece elementos que permitam
pensar a formação ou avaliar as competências e habilidades profissionais de professores
de Matemática no que se refere ao ensino de Probabilidade e Estatística.
96
3. 3 – Algumas considerações
Neste capítulo, analisamos a presença da Probabilidade e da Estatística em
documentos oficiais e exames oficias.
De acordo com o apresentado no início deste capítulo, o primeiro objetivo da
análise destes documentos foi verificar quais são os conteúdos estatísticos neles
sugeridos, uma vez que nossa hipótese é que tais conteúdos são ou serão ensinados na
Educação Básica, devendo portanto fazer parte do repertório do futuro professor.
Dessa análise emergem os seguintes conteúdos a serem trabalhados na Escola
Básica: coleta, organização de dados e utilização de recursos visuais adequados; tabelas
de frequência; tabelas de dupla entrada; gráficos de barras; gráficos de colunas;
diagramas de linha poligonal; histogramas; medidas de tendência central (média,
mediana, moda); medidas de dispersão (variância e desvio-padrão); cálculo de
probabilidades (definição clássica e frequentista); elaboração de experimentos e
simulações para estimar probabilidades e verificar probabilidades previstas; cálculo de
probabilidades da união e intersecção de eventos; cálculo de probabilidades no contexto
geométrico; e comparação de probabilidades – conteúdos que, de forma resumida,
devem desenvolver as seguintes competências: interpretar e utilizar informações
expressas em gráficos ou tabelas, resolver situações problemas a partir dos dados
obtidos em gráficos e tabelas, calcular medidas de tendência central e de dispersão,
interpretar medidas de tendência central ou de dispersão para resolver problemas,
utilizar conhecimentos de Estatística e Probabilidade como recurso para a construção de
argumentação e avaliar propostas de intervenção da realidade.
Esses conteúdos, bem como seus objetivos, são similares aos tópicos de
conhecimentos básicos de Probabilidade e Estatística propostos por Gal (2002) e à
síntese da competência estatística proposta por Rumsey (2002).
O segundo objetivo foi verificar como esses conteúdos são avaliados nos exames
oficiais. De acordo com Soares e Nascimento (2012) e Nunes (2013), o SAEB e a Prova
Brasil são exames elaborados para medir diretamente o domínio dos conteúdos,
enquanto o ENEM é elaborado para medir habilidades cognitivas úteis na vida ou no
mercado de trabalho. Apesar das diferenças apresentadas, todos os exames apresentam
coerência em seus objetivos.
97
A partir das análises das DCN-BL e do ENADE, chegamos à conclusão de que
não dispomos de elementos para pensar o ensino de Probabilidade e Estatística na
formação do professor de Matemática, embora as DCN-BL tenham por objetivo
(BRASIL, 2001) orientar melhorias e transformações da formação do professor de
Matemática e o ENADE vise (BRASIL, 2011) avaliar o desempenho dos estudantes de
graduação.
Entretanto, embora as DCN-FP não abordem os conteúdos a serem ministrados
na Educação Básica, a análise desse documento nos trouxe elementos para pensar o
ensino de elementos da Educação Estatística na Escola Básica, uma vez que as DCN-PF
defendem que, para pensarmos a formação dos professores que atuam na Educação
Básica, devemos olhar o que acontece no interior dessa instituição.
No próximo capítulo, analisaremos duas coleções adotadas na Educação Básica
que foram aprovadas pelo Plano Nacional do Livro Didático (PNLD).
98
99
CAPÍTULO IV: A PRESENÇA DA ESTATÍSTICA NOS LIVROS
DIDÁTICOS DE MATEMÁTICA
Introdução
O objetivo deste capítulo é analisar como são propostas as organizações
matemáticas e as organizações didáticas, no sentido proposto por Chevallard (1999),
nos livros didáticos de Matemática utilizados na Escola Básica. Optamos pela análise
dos livros didáticos devido a sua forte tradição dentro da cultura escolar brasileira,
conforme nos aponta Silva (1996):
[...] O livro didático é uma tradição tão forte dentro da educação
brasileira que o seu acolhimento independe da vontade e da
decisão dos professores. Sustentam essa tradição o olhar
saudosista dos pais, a organização escolar como um todo, o
marketing das editoras e o próprio imaginário que orienta as
decisões pedagógicas do educador. (SILVA, 1996, p. 8)
Além disso, segundo Dante (1996), Lajolo (1996), E.T. Silva (1996) e M.A.
Silva (2012), devido à precária situação do sistema educacional brasileiro permite-se
que o livro didático “acabe determinando conteúdos e condicionando estratégias de
ensino, marcando, pois, de forma decisiva, o que se ensina e como se ensina o que se
ensina.” (LAJOLO, 1996, p. 4), ou seja, o livro didático acaba determinando as
organizações matemáticas e as organizações didáticas.
Como já discutido no Capítulo I, a respeito dos conteúdos estatísticos, os
professores, na ausência de uma formação, utilizam os livros didáticos como apoio para
inserir conteúdos estatísticos em suas aulas (COSTA, 2007) e as concepções dos
professores sobre medidas de tendência central (média, moda e mediana) são
determinadas a partir das definições presentes nesses livros (BRANDÃO, 2012). As
pesquisas de Costa (2007) e Brandão (2012) apontam indícios da influência dos livros
didáticos nas práticas e concepções docentes. Além disso, Silva (1996) também aponta
que:
[...] Para uma boa parcela dos professores brasileiros, o livro
didático se apresenta como uma insubstituível muleta. Na sua
falta ou ausência, não se caminha cognitivamente na medida em
que não há substância para ensinar. Coxos por formação e/ou
100
mutilados pelo ingrato dia-a-dia do magistério, resta a esses
professores engolir e reproduzir a ideia de que sem a adoção do
livro didático não há como orientar a aprendizagem. Muletadas
e muleteiros se misturam no processo. (SILVA, 1996, p. 8)
Silva (1996) afirma que tal fato não é culpa do professor, e sim da
desvalorização sistemática do trabalho docente que vem ocorrendo no Brasil desde
1970. Para esse autor:
[...] à perda crescente da dignidade do professor brasileiro
contrapõe-se o lucro indiscutível e estrondoso das editoras de
livros didáticos. Essa história começa a ser assim no início da
década de 70: a ideologia tecnicista sedimentou a crença de que
os “bons” didáticos, os módulos certinhos, os alphas e as betas,
as receitas curtas e bem ilustradas, os manuais à Disney etc...
seriam capazes – por si só – de assumir a responsabilidade
docente que os professores passavam a cumprir cada vez
menos. Quer dizer: à expropriação das condições de trabalho no
âmbito do magistério correspondeu um aumento gigantesco nas
esferas da produção, da venda ou distribuição e do consumo de
livros e manuais didáticos pelo País. (SILVA, 1996, p. 8)
Tal fato também é apontado por Bezerra (2006):
As condições de trabalho e de formação dos professores
tornavam-se cada vez mais precárias, justamente no momento
em que a escola começava a atender uma clientela que antes
estava alijada do saber formal. Os materiais didáticos
rapidamente deixaram de ser obras de referência, como haviam
sido até então, e passaram a orientar e conduzir a ação docente.
(BEZERRA, 2006, p. 31)
A função de condutores “exclusivos” dos professores é mais atual do que
nunca. Para sua tese de doutorado, Munakata (1997) colheu o seguinte depoimento de
um responsável pela edição em uma grande editora:
Não podemos fazer para a escola pública um material que dê
trabalho para o professor, que implique preparação de aula,
pesquisa além do livro. Porque ele não tem onde, não tem
recursos, não tem formação para isso. A gente tem que fazer
livros mais mastigadinhos, com aula prontinha do começo ao
fim, que tenha estratégia indicada para o professor, que não
implique preparação de aula, pesquisa além do livro.
(MUNAKATA, 1997, p. 151)
Segundo Silva (2012, p. 807), cientes da ação formadora que os livros didáticos
exercem sobre os professores da Escola Básica, “os pareceristas do Programa Nacional
do Livro Didático (PNLD) têm dedicado atenção especial ao manual do professor”.
101
Ainda segundo este autor, tal fato está creditando ao livro didático responsabilidades
adicionais, sendo uma delas a formação dos professores.
Devido aos fatos apresentados, consideramos relevante analisar as
organizações matemáticas e didáticas dos conteúdos estatísticos que são trabalhados nos
livros didáticos utilizados na Educação Básica.
4.1 – As obras analisadas
Para verificarmos quais são as organizações matemáticas e didáticas referentes
aos tópicos de Estatística que comparecem nos livros didáticos de Matemática utilizados
nas escolas brasileiras, optamos por analisar as obras mais distribuídas pelo PNLD
voltadas aos quatro últimos anos do Ensino Fundamental e ao Ensino Médio.
Para os quatro últimos anos do Ensino Fundamental, a obra mais distribuída,
dentre as aprovadas no PNLD de 2014, é o livro didático Praticando Matemática:
edição renovada, de Álvaro Andrini e Maria José Vasconcelos, publicado pela Editora
do Brasil. De acordo com os dados estatísticos disponibilizados pelo Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação (FNDE), foram distribuídos 2.831.411 livros dessa
coleção.
Para o Ensino Médio, a obra mais distribuída, dentre as aprovadas pelo PNLD
de 2012, é Matemática: ciência e aplicações, escrita por vários autores, da Editora
Atual. Ao todo, foram distribuídos 2.224.912 livros dessa coleção.
Entretanto, optamos por analisar a segunda coleção mais distribuída porque ela
era adotada na instituição em que trabalhávamos e teríamos acesso imediato. Trata-se da
coleção Matemática: contexto e aplicações, de Luiz Roberto Dante, da Editora Ática,
que teve distribuição de 1.605.229 livros coleção. Passemos então à análise das obras
escolhidas.
4.2 - Análise da coleção Praticando Matemática: edição renovada
Essa coleção foi aprovada pelo PNLD de 2014 e foi a mais distribuída. Dentre
os conteúdos matemáticos nela abordados, os tópicos relacionados à Probabilidade e à
Estatística ocupam na obra as porcentagens indicadas na Tabela 1.
102
Tabela 1: Porcentagem dos conteúdos probabilísticos e estatísticos presentes na
coleção Praticando Matemática: edição renovada
Ensino Fundamental Porcentagem dos tópicos de Probabilidade e Estatística
6o ano 3,47%
7o ano 7,64%
8o ano 3,29%
9o ano 12,36%
Consideramos essas porcentagens relativamente baixas, pois, sendo o bloco
Tratamento da Informação um dos quatro grandes blocos definidos pelos PCN,
esperávamos percentuais um pouco maiores. Cabe lembrar que esses conteúdos
correspondem, em média, a cerca de 22% das questões na prova de Matemática do
ENEM.
Salientamos que no livro da coleção destinado ao nono ano incluem-se na
porcentagem indicada na Tabela 1 os conteúdos de Análise Combinatória. Embora tais
conteúdos façam parte do bloco Tratamento da Informação, não os analisaremos por
não fazerem parte do âmbito de nossa pesquisa. Passemos agora à organização
matemática dessa coleção.
4.2.1 – Organização Matemática
Analisando as atividades matemáticas referentes aos tópicos de Probabilidade e
Estatística contidos nessa coleção, a partir da TAD proposta por Chevallard (1999),
encontramos 20 tarefas na coleção (Quadro 8).
103
Quadro 8: Tarefas encontradas na coleção Praticando Matemática: edição renovada
Tarefa 6o ano 7
o ano 8
o ano 9
o ano
Interpretar um gráfico de barras X X X
Dada uma tabela de frequências construir um
gráfico de barras
X
Dada uma tabela de frequências, verificar se o
gráfico de barras foi construído corretamente
X
Interpretar uma tabela de frequência X X
Calcular a média aritmética de um conjunto de
dados à partir da leitura de um gráfico X
Dado um gráfico de barras construir uma tabela
de frequência X
Dada uma tabela de frequências calcular a
frequência relativa de cada variável X
Construir um gráfico de setores X
Interpretar um gráfico de setores X X
Interpretar gráficos que utilizam pictogramas X X
Calcular a média aritmética de um conjunto de
dados
X
Determinar o valor de um elemento
desconhecido de um conjunto de dados, dado a
média aritmética do conjunto de dados e os
valores dos outros (n-1) elementos.
X
Utilizar o conceito de média aritmética para a
resolução de problemas
X
Interpretar um gráfico de linhas X X
Dado um experimento aleatório descrever o
espaço amostral X
Calcular a probabilidade de um evento X X
Comparar a probabilidade de eventos X
Calcular a probabilidade de um evento
complementar X
Calcular a probabilidade da união de eventos X
Calcular o número de elementos de um
determinado evento X
Fonte: Dados obtidos nesta pesquisa
Nota-se que as 20 tarefas encontradas na coleção analisada estão presentes em
um único ano, exceção feita à interpretação de gráficos e tabelas.
104
Inferimos que o motivo disso sejam os exames de larga escala nacionais, uma
vez que, as interpretações de gráficos e tabelas são as únicas tarefas que fazem parte dos
descritores do SAEB e da Prova Brasil para alunos concluintes do Ensino Fundamental.
Além disso, das 28 questões de Estatística presentes no ENEM no período de 2009 a
2012, 27 requeriam interpretar gráficos e tabelas, se não na questão toda, pelo menos
em algum item.
A seguir, selecionamos um exemplo representativo de cada uma das 20 tarefas
encontradas, para explicitarmos as técnicas associadas e o discurso teórico-tecnológico
que justificam tais técnicas.
4.2.1.1 – Análise praxeológica
Questão 1: A um grupo de crianças foi feita a seguinte pergunta:
Você tem algum animal de estimação em sua casa?
Este gráfico foi apresentado como resultado da pesquisa.
a) Quantas meninas disseram “não”?
b) Quantas crianças disseram “não”?
c) Quantas crianças disseram “sim”?
d) Quantos meninos responderam à pergunta?
e) Quantas crianças responderam à pergunta?
Tarefa (T1): Interpretar um gráfico de barras
105
Técnica (t1): 1. Relacionar a categoria menina à cor vermelha e em seguida verificar o
número de meninas, olhando para a altura do gráfico, que assumiram a categoria “não”.
2. Verificar, a partir da leitura do gráfico de barras, o número de meninas que
responderam “não”. Em seguida, verificar o número de meninos que responderam “não”
e, finalmente, somar os dois resultados.
3. Verificar, a partir da leitura do gráfico de barras, o número de meninas que
responderam “sim”. Em seguida, verificar o número de meninos que responderam “sim”
e, finalmente, somar os dois resultados.
4. Verificar, a partir da leitura do gráfico de barras, o número de meninos que
responderam “sim”. Em seguida, verificar o número de meninos que responderam “não”
e, finalmente, somar os dois resultados.
5. Verificar, a partir da leitura do gráfico de barras, o número de meninos que
responderam “sim”. Em seguida, verificar o número de meninos que responderam
“não”, depois disso verificar o número de meninas que responderem “sim”, depois
verificar o número de meninas que responderam “não” e, finalmente, somar os dois
resultados.
Discurso teórico-tecnológico [T1, t1]: De acordo com Magalhães e Lima (2005), “O
gráfico de barras utiliza o plano cartesiano com os valores da variável no eixo das
abscissas e as frequências ou porcentagens no eixo das ordenadas” (MAGALHÃES;
LIMA, 2005, p. 13). No gráfico existem duas variáveis: a variável sexo e a variável
animal de estimação. A variável sexo assume dois atributos: meninos (para o sexo
masculino) e meninas (para o sexo feminino), e a variável animal de estimação assume
dois atributos: sim (para a criança que possui animal de estimação) e não (para a criança
que não possui animal de estimação).
Questão 2: Para saber se você realmente entendeu, use papel quadriculado para fazer o
gráfico de barras referente às atividades de lazer preferidas pelos alunos de uma classe
de 7o ano, indicadas na tabela abaixo.
106
Tarefa (T2): Dada uma tabela de frequências, construir um gráfico de barras.
Técnica (t2): 1. Dar um título ao gráfico;
2. Traçar e nomear o eixo horizontal (eixo das abscissas);
3. Traçar e nomear o eixo vertical (eixo das ordenadas);
4. Traçar cinco barras no eixo horizontal;
5. Graduar o eixo vertical para marcar a frequência de cada resposta;
6. Traçar os retângulos.
Discurso teórico-tecnológico [T2, t2]: De acordo com Magalhães e Lima (2005), o
gráfico de barras “utiliza o plano cartesiano com os valores da variável no eixo das
abscissas e as frequências ou porcentagens no eixo das ordenadas” (MAGALHÃES;
LIMA, 2005, p. 13). Ainda, de acordo com estes autores, “para cada valor da variável
desenha-se uma barra com altura correspondendo à sua frequência ou porcentagem”
(MAGALHÃES; LIMA, 2005, p. 13).
Questão 3: Veja, na tabela abaixo, o resultado de um estudo realizado em certa escola,
sobre a frequência dos alunos à biblioteca em cada dia da semana.
A partir dessa tabela, foi montado um gráfico de barras. Observe-o.
O gráfico contém erros. Identifique-os e refaça o gráfico corretamente usando papel
quadriculado.
107
Tarefa (T3): Dada uma tabela de frequências, verificar se o gráfico de barras foi
construído corretamente.
Técnica (t3): 1. Construir um gráfico de barras, dada uma tabela de frequências.
2. Comparar o gráfico construído com o gráfico dado.
Discurso teórico-tecnológico [T3, t3]: Na construção do gráfico de barras, conforme
Magalhães e Lima (2005), as barras traçadas no eixo horizontal têm que ter a mesma
largura e o eixo vertical que corresponde a porcentagens ou frequência deve ter valores
em escala.
Questão 4: A tabela abaixo indica o número de medalhas que alguns países receberam
nas Olimpíadas de 1996.
Analisando as informações da tabela, é correto afirmar que:
a) os Estados Unidos obtiveram 73 medalhas a mais que a França.
b) a França obteve exatamente o dobro de medalhas em relação ao Brasil.
c) a Alemanha ganhou 50 medalhas a mais que o Brasil.
d) o Brasil obteve 12 medalhas a menos que a França.
108
Tarefa (T4): Interpretar uma tabela de frequência3.
Técnica (t4): 1. Verificar, na tabela, o número de medalhas que os Estados Unidos
conquistaram nas Olimpíadas de 1996;
2. Verificar, na tabela, o número de medalhas que a França conquistou nas olimpíadas
de 1996;
3. Verificar a diferença entre o número de medalhas dos Estados Unidos e da França;
4. Concluir que a questão A é falsa;
5. Verificar, na tabela, o número de medalhas que a França conquistou nas Olimpíadas
de 1996 e dividir pela metade;
6. Verificar, na tabela, o número de medalhas que o Brasil conquistou nas Olimpíadas
de 1996;
7. Comparar a metade das medalhas obtidas pela França com o número de medalhas
obtidas pelo Brasil;
8. Concluir que a questão B é falsa;
9. Verificar, na tabela, o número de medalhas que a Alemanha conquistou nas
Olimpíadas de 1996;
10. Verificar a diferença entre o número de medalhas da Alemanha e do Brasil;
11. Concluir que a questão C é verdadeira.
Discurso teórico-tecnológico [T4, t4]: O conhecimento estatístico utilizado foi a
interpretação dos valores de uma tabela de frequência. Essa tabela contém os valores da
variável e de suas respectivas contagens. Foram utilizados também os conceitos
matemáticos de subtração e divisão, além de se verificar se uma sentença é verdadeira
ou falsa.
Questão 5: O número de horas trabalhadas por uma professora, durante uma semana,
está registrado no gráfico.
3 Embora a estrutura da tabela apresentada na questão 4 seja a de uma tabela de dupla entrada, optamos
por definir a tarefa T4: Interpretar uma tabela de frequência porque todas as informações que pedem para
o aluno analisar referem-se ao total de medalhas. Caso omitíssemos o número de medalhas de ouro, prata
e bronze a questão não seria prejudicada.
109
Qual é a média aritmética de horas diárias trabalhadas pela professora de segunda-feira
a sexta-feira?
Tarefa 5 (T5): Calcular a média aritmética de um conjunto de dados a partir da leitura
de um gráfico.
Técnica (t5): 1. Obter o número de horas trabalhadas pela professora durante cada dia
da semana, através da leitura de um gráfico.
2. Somar os valores obtidos;
3. Dividir a soma obtida pelo número de dias da semana trabalhados.
Discurso teórico-tecnológico [T5, t5]: A obtenção de informações a partir de um
gráfico de barras foi discutida anteriormente. A informação nova de que dispomos é o
conceito de média aritmética, definida por Bussab e Morettin (2013) da seguinte
maneira:
Se x1, ... , xn são n valores (distintos ou não) da variável X, a
média aritmética ou simplesmente média, de X pode ser escrita:
n
i
in x
nn
xxx
1
1 1... (BUSSAB; MORETTIN, 2013, p.
36)
Questão 6: Foi realizada uma pesquisa sobre o local onde cada aluno do 6o ano A
nasceu. Com as informações obtidas o professor construiu o seguinte gráfico de barras:
110
Qual tabela deu origem ao gráfico?
a)
Local de Nascimento Número de alunos
São Paulo 15
Santos 6
Bauru 4
Campinas 5
b)
Local de Nascimento Número de alunos
São Paulo 6
Santos 4
Bauru 5
Campinas 15
c)
Local de Nascimento Número de alunos
São Paulo 6
Santos 15
Bauru 5
Campinas 4
111
d)
Local de Nascimento Número de alunos
São Paulo 6
Santos 5
Bauru 15
Campinas 4
Tarefa (T6): Dado um gráfico de barras, construir uma tabela de frequência.
Técnica (t6): 1. Ler a frequência absoluta da categoria São Paulo;
2. Ler a frequência absoluta da categoria Santos;
3. Ler a frequência absoluta da categoria Bauru;
4. Ler a frequência absoluta da categoria Campinas;
5. Construir a tabela de frequências com os dados obtidos do gráfico de barras e
localizar a tabela correta.
Discurso teórico-tecnológico [T6, t6]: Em uma tabela de frequência, os valores (ou
categorias) que a variável assume estão localizados no eixo das abscissas e sua
frequência absoluta (ou relativa) está no eixo das ordenadas. Na construção de uma
tabela de frequências, a primeira coluna indica os valores (ou categorias) que a variável
assume; na segunda coluna localiza-se a frequência absoluta de cada valor (ou
categoria) assumida pela variável.
Questão 7: A tabela apresenta as opiniões de 60 alunos sobre um filme visto na escola,
Péssimo 3
Ruim 6
Regular 18
Bom 21
Ótimo 12
Total 60 100%
Calcule as porcentagens relativas às diversas opiniões e represente-as num gráfico de
barras, em seu caderno.
Tarefa (T7): Dada uma tabela de frequências, calcular a frequência relativa de cada
variável.
112
Técnica (t7): 1. Calcular a razão 3/60 e multiplicar por 100;
2. Calcular a razão 6/60 e multiplicar por 100;
3. Calcular a razão 18/60 e multiplicar por 100;
4. Calcular a razão 21/60 e multiplicar por 100;
5. Calcular a razão 12/60 e multiplicar por 100.
Discurso teórico-tecnológico [T7, t7]: O conhecimento matemático envolvido nesta
questão são os conceitos de representação percentual, proporcionalidade e frequência
relativa.
Questão 8: Em uma votação sobre qual é o esporte favorito em uma classe, o resultado
está indicado na tabela abaixo.
Represente em seu caderno o resultado dessa pesquisa por meio de um gráfico de
setores.
Tarefa (T8): Construir um gráfico de setores.
Técnica (t8): 1. Para cada categoria da variável esporte, calcular a frequência relativa;
2. A partir da frequência relativa, calcular a que ângulo ela corresponde no círculo
trigonométrico;
3. Traçamos um círculo com compasso, marcando seu centro, e traçamos um raio;
4. Usando o centro do círculo como vértice e o raio como um de seus lados, traçamos
com auxílio do transferidor o ângulo relativo à categoria futebol;
5. Utilizando o mesmo procedimento, traçamos os outros ângulos relativos às outras
categorias.
Discurso teórico-tecnológico [T8, t8]: De acordo com Magalhães e Lima (2005, p. 13),
construir um gráfico de setores “consiste em repartir um disco em setores circulares
113
correspondentes às porcentagens de cada valor, calculadas multiplicando-se por 100 a
frequência relativa fi.”.
Questão 9: O gráfico mostra como é a cor dos olhos dos 25 alunos de uma turma do 7o
ano.
a) Quantos alunos têm olhos verdes?
b) Quantos alunos têm olhos castanho-escuros?
c) Quantos alunos têm olhos castanho-claros?
Tarefa (T9): Interpretar um gráfico de setores.
Técnica (t9): 1. Observar no gráfico de barras a porcentagem de alunos que possuem
olhos verdes;
2. Calcular o valor absoluto dos alunos que possuem olhos verdes, a partir da
informação obtida em t9,1.
Observação: As mesmas técnicas devem ser adotadas para responder aos itens b e c.
Discurso teórico-tecnológico [T9, t9]: Esta tarefa utiliza novamente a definição de
gráfico de setores proposta por Magalhães e Lima (2005).
Questão 10: Os colegas de classe de Mário andaram recolhendo latinhas vazias para
uma campanha beneficente. Observe na tabela o número de latinhas que eles recolheram
até o mês de abril:
114
a) Quantas latinhas recolheram no mês de março?
b) Em que mês recolheram menos latinhas?
c) Quantas latinhas precisam recolher no mês de maio para totalizar 3 000 latinhas entre
janeiro e maio?
Tarefa (T10): Interpretar gráficos que utilizam pictogramas.
Técnica (t10): 1. Perceber que cada pictograma representa 100 latinhas;
2. Verificar, através da tabela, que no mês de março temos 7 pictogramas.
3. Concluir que no mês de março os alunos recolheram 700 latinhas.
Observação: Os itens B e C utilizam as mesmas técnicas que o item A.
Discurso teórico-tecnológico [T10, t10]: Atualmente, os pictogramas são bastante
utilizados pelos meios de comunicação, principalmente nos jornais impressos, de acordo
com Magalhães e Lima (2005):
Meios de comunicação apresentam diariamente, gráficos das
mais variadas formas para auxiliar na apresentação das
informações. Órgãos públicos e empresas se municiam de
gráficos e tabelas em documentos internos e relatórios de
atividades e desempenho. Graças à proliferação de recursos
gráficos, cuja construção tem sido cada vez mais simplificada
em programas computacionais, existe hoje uma infinidade de
gráficos que podem ser utilizados. (...) Deve ser notado,
entretanto, que a utilização de recursos visuais na criação de
gráficos deve ser feita cuidadosamente; um gráfico
desproporcional em suas medidas pode dar falsa impressão de
desempenho e conduzir a conclusões equivocadas.
(MAGALHÃES; LIMA, 2005, p. 12)
Questão 11: Um carro rodou 16.209 quilômetros num ano, 9.643 em outro ano e
18.476 no ano seguinte. Em média, quantos quilômetros ele rodou por ano?
Tarefa (T11): Calcular a média aritmética de um conjunto de dados
115
Técnica (t11): 1. Somar os três valores referente à quilometragem de cada ano;
2. Dividir o valor obtido por 3.
Discurso teórico-tecnológico [T11, t11]: Neste caso, utiliza-se o conceito de média
aritmética, já definido anteriormente.
Questão 12: A média de sete números é 90. Seis desses números são: 74, 101, 68, 97,
86, 120. Qual é o número que falta?
Tarefa (T12): Determinar o valor de um elemento desconhecido de um conjunto de
dados, dada a média aritmética do conjunto de dados e os valores dos outros (n – 1)
elementos.
Técnica (t12): 1. Montar a equação 907
12086976810174
x;
2. Resolver a equação.
Discurso teórico-tecnológico [T12, t12]: Neste caso, também é utilizado o conceito de
média aritmética, já expresso anteriormente.
Questão 13: Uma prova foi aplicada em uma turma de 20 alunos. A nota mais alta foi
9,3 e a nota mais baixa, 4,7. A média aritmética das 20 notas é 7,0. Retirando-se a nota
mais alta e a nota mais baixa, a média aritmética das 18 notas restantes:
a) diminui mais do que 1 ponto.
b) diminui menos do que 1 ponto.
c) aumenta mais do que 1 ponto.
d) aumenta menos do que 1 ponto.
e) permanece inalterada.
Tarefa (T13): Utilizar o conceito de média aritmética para a resolução de problemas.
Técnica (t13): 1. Utilizando o conceito de média aritmética, descobrir que a soma das
notas dos 20 alunos é 140;
2. Utilizando as informações do enunciado e resolvendo a equação 140... 201 xx ,
descobrir que a soma das notas dos 18 alunos restantes é 126.
116
3. Utilizando novamente o conceito de média aritmética, calcular a média dos 18 alunos
restantes;
4. Verificar o item verdadeiro.
Discurso teórico-tecnológico [T13, t13]: Neste caso, também é utilizado o conceito de
média aritmética, já apresentado. Também foi utilizado o conceito matemático de
resolução de equações.
Questão 14: O gráfico mostra a população recenseada no Brasil.
a) Qual era a população brasileira em 1960?
b) Qual foi o aumento, em milhões, da população brasileira de 1960 a 1970?
Tarefa (T14): Interpretar um gráfico de linhas.
Técnica (t14): 1. Localizar 1960 no eixo das abscissas.
2. Acompanhando a reta que passa por 1960 e é paralela ao eixo das ordenadas,
localizar o ponto no gráfico de segmentos.
3. No ponto localizado, traçar uma reta que passa por esse ponto e é paralela ao eixo das
abscissas.
4. No encontro dessa reta com o eixo das ordenadas, localizar a informação necessária.
5. Verificar, usando as técnicas anteriores, qual era a população brasileira em 1970.
6. Subtrair do valor encontrado para a população brasileira em 1970 o valor encontrado
para a população brasileira em 1960.
Discurso teórico-tecnológico [T14, t14]: O conhecimento estatístico utilizado é a noção
de gráfico de linhas. Muitas variáveis são medidas em intervalos longos de tempo.
117
Nesta questão, temos o tamanho da população brasileira ao longo do tempo. De acordo
com Moore (2005), para mostrar a mudança ao longo do tempo constrói-se um gráfico
de linhas, que o autor denomina de gráfico temporal e define da seguinte maneira:
Um gráfico temporal de uma variável representa
graficamente cada observação contra o tempo em que foi
medida. Sempre coloque o tempo na escala horizontal de
seu gráfico e a variável que está medindo na vertical.
Conectar as observações por linhas ajuda a enfatizar
qualquer mudança ao longo do tempo. (MOORE, 2005, p.
17)
Questão 15: Lançam-se 3 moedas simultaneamente, podendo sair cara ou coroa.
Quantos e quais são os resultados possíveis?
Tarefa (T15): Dado um evento, descrever o espaço amostral.
Tarefa (t15): 1. Identificar o experimento aleatório;
2. Calcular o número de elementos do experimento aleatório;
3. Descrever os elementos do experimento aleatório.
Discurso teórico-tecnológico [T15, t15]: O conhecimento matemático utilizado é o
princípio multiplicativo. De acordo com Santos, Mello e Murari (2007), o princípio
multiplicativo é assim enunciado:
Se um evento Ai pode ocorrer de mi maneiras diferentes, para i
= 1, 2, 3, ... , n, então esses n eventos podem ocorrer, em
sucessão, de m1 m2 ... mn maneiras diferentes. (SANTOS,
MELLO e MURARI, 2007, p. 40)
Questão 16: Para vencer um jogo de dados, Fernanda deveria, ao lançar um dado, obter
um número ímpar. Qual a chance de Fernanda vencer esse jogo?
Tarefa (T16): Calcular a probabilidade de um evento.
Técnica (t16): 1. Descrever o espaço amostral.
2. Descrever os casos favoráveis.
3. Calcular a razão entre o número de casos favoráveis e o número de casos possíveis.
118
Discurso teórico-tecnológico [T16, t16]: Discurso teórico-tecnológico: O
conhecimento matemático envolvido é o conceito probabilidade de um evento. Neste
caso, o que melhor se adapta é a definição clássica de Probabilidade, apresentada por
Dantas (2004) da seguinte maneira:
Consideramos um espaço amostral S com N eventos simples,
que suporemos igualmente possíveis. Seja A um evento de S
composto de m eventos simples. A probabilidade de A, que
denotaremos por P(A), é definida por:
N
mAP )(
(DANTAS, 2004, p. 25)
Questão 17: Numa caixa estão os seguintes cartões:
Retirou-se um cartão da caixa, sem olhar.
a) Qual é a letra com maior probabilidade de sair? Qual é essa probabilidade?
b) Qual é a probabilidade de sair a letra I?
c) Qual é a probabilidade de sair uma vogal?
d) Quais são as letras que tem a mesma probabilidade de sair?
e) A probabilidade de sair M é maior ou menor que a de sair E?
Tarefa (T17): Comparar a probabilidade de eventos.
Técnica (t17): 1. Calcular a probabilidade de sair a letra M.
2. Calcular a probabilidade de sair a letra A.
3. Calcular a probabilidade de sair a letra T.
4. Calcular a probabilidade de sair a letra E.
5. Calcular a probabilidade de sair a letra I.
6. Calcular a probabilidade de sair a letra C.
119
7. Verificar qual é a letra com maior probabilidade de sair.
8. Comparar as letras que tem a mesma probabilidade de sair.
9. Comparar as probabilidades das letras M e E.
Discurso teórico-tecnológico [T17, t17]: Neste caso, o conhecimento matemático
envolvido, assim como na questão anterior, é o de probabilidade de um evento, e o que
melhor se adapta é a definição clássica de Probabilidade, tal como definida por Dantas
(2004) e enunciada anteriormente.
Questão 18: Num avião viajam 20 brasileiros, 10 japoneses, 8 italianos e 3 espanhóis.
Escolhendo ao acaso um passageiro, determine a probabilidade de ele:
a) ser espanhol;
b) não ser espanhol;
c) ser japonês ou italiano;
d) ser norte-americano.
Observação: Os itens a e d referem-se à Tarefa T16: calcular a probabilidade de um
evento. Como já vimos um modelo desta tarefa na questão 16, vamos nos concentrar
nos itens b e c.
Item b:
Tarefa (T18): Calcular a probabilidade de um evento complementar.
Técnica (t18): 1. Utilizar a informação “probabilidade de ser espanhol”, já calculada no
item a;
2. Subtrair 1 do valor encontrado no item a.
Discurso teórico-tecnológico [T18, t18]: Nesta questão, estão envolvidos os conceitos
matemáticos de evento complementar e probabilidade de um evento complementar.
Dantas (2004) define evento complementar da seguinte maneira: “Definição 1.3.3: O
complementar do evento A, denotado por AC, é o evento quando A não ocorre”, e
probabilidade de um evento complementar da seguinte maneira: “Lema 1.6.3: Se AC, é
o complemento do evento A, então P(AC) = 1 – P(A).”
Item c
120
Tarefa (T19): Calcular a probabilidade da união de eventos.
Técnica (t19): 1. Identificar o experimento aleatório;
2. Descrever o espaço amostral do experimento aleatório;
3. Calcular o evento A: ser japonês;
4. Calcular o evento B: ser italiano.
Discurso teórico-tecnológico [T19, t19]: Os conhecimentos matemáticos envolvidos são
os conceitos de probabilidade de um evento e probabilidade da união de eventos. O
conceito de probabilidade de um evento já foi definido. A probabilidade da união de
eventos é definida por Dantas (2004) da seguinte maneira:
Lema 1.6.5: Sejam A e B dois eventos quaisquer do espaço
amostral S, tem-se:
P(A U B) = P(A) + P(B) – P(AB).
(DANTAS, 2004, p. 41)
Questão 19: Numa turma do 9o ano, de 28 alunos, a probabilidade de, numa escolha ao
acaso, se obter uma menina é 4/7. Quantos rapazes tem a turma?
Tarefa (T20): Calcular o número de elementos de um determinado evento.
Técnica (t20): 1. Conhecer a definição clássica de Probabilidade.
2. Montar o sistema de equações
28
7
4
yx
yx
y
3. Resolver o sistema de equações.
Discurso teórico-tecnológico [T20, t20]: Este caso envolve o conceito de Probabilidade,
já visto em questões anteriores.
Nesta questão, apresentamos uma das possíveis técnicas para a sua resolução.
Caso o aluno opte por uma técnica diferente da apresentada, o Discurso teórico-
tecnológico permanece o mesmo.
121
4.2.2 – Organização Didática
Uma vez que descrevemos a organização matemática presente na coleção
analisada, passaremos à organização didática. Neste trabalho, entendemos por
organização didática a proposta por Chevallard (1999), que a define da seguinte
maneira:
As praxeologias didáticas ou organizações didáticas são
respostas (no sentido forte) a questões do tipo “Como estudar a
questão q = τT?” ou “Como estudar a obra O?”, as respostas
aqui indicadas, genericamente, δq e δO, de modo que ODθ =
δOMθ. Dito isto, a questão é saber quais os tipos de tarefas
constituem uma praxeologia didática; ou para colocar de outra
forma, quais “gestos” podem ser olhados como didáticos.
(CHEVALLARD, 1999, p. 237)
Baseando-nos nessa definição, chamaremos de organizações didáticas as
respostas dadas pelo livro didático com o objetivo de ensinar as organizações
matemáticas neles encontradas.
Portanto, nosso objetivo é analisar como a coleção Praticando Matemática:
edição renovada propõe ensinar as organizações matemáticas nela encontradas. No
Quadro 9 descrevemos as tarefas obtidas a partir das análises das questões de Estatística
dos exercícios do livro da coleção destinado aos alunos do sexto ano.
Quadro 9: Descrições das tarefas obtidas a partir das análises das questões de
Estatística dos exercícios do livro didático do sexto ano
Tarefa Descrição da tarefa
1 Interpretar um gráfico de barras
2 Dado uma tabela de frequências, construir um gráfico de barras
3 Dado uma tabela de frequências, verificar se o gráfico de barras foi
construído corretamente
4 Obter informações a partir da leitura de uma tabela
5 Calcular a média aritmética de um conjunto de dados à partir da leitura de
um gráfico de barras
6 Dado um gráfico de barras, construir uma tabela de frequência
Fonte: Dados obtidos nesta pesquisa
Portanto, de que forma a coleção se propõe a ensinar os alunos a desenvolver
essas tarefas?
122
No livro do sexto ano, estas tarefas são desenvolvidas no capítulo 7, cujo título é
“Dados, tabelas e gráficos de barras”. Tal nome é muito sugestivo, uma vez que, das
seis tarefas presentes nesse volume, todas envolvem gráficos de barras e tabelas.
O volume do sexto ano introduz o tema com o seguinte subtítulo: “Para que
servem os gráficos?”. O texto é iniciado com uma pergunta destinada ao leitor (aluno):
“Você já viu gráficos como o apresentado ao lado?” e, ao lado do texto, há um gráfico
de barras.
Em seguida, a obra apresenta um texto que descreve que esse tipo de gráfico
aparece com frequência em jornais, revistas e outros meios de comunicação, e afirma
que o uso de gráficos facilita a visualização e comparação de dados, explicando também
que o gráfico ao lado é chamado de gráfico de barras. Na obra, o nome do gráfico
aparece escrito em negrito.
O texto apresenta informações técnicas do gráfico de barras, e no final apresenta
uma atividade cuja tarefa é interpretar um gráfico de barras (T1).
Embora o primeiro volume da coleção afirme que usar gráficos facilita visualizar
e comparar dados, em nenhum momento há nele a preocupação de definir o que são
dados, como eles são obtidos e como compará-los.
Esse volume simplesmente apresenta o gráfico e pede para os alunos obterem
informações a partir de sua leitura.
Nesse aspecto, o volume destinado ao sexto ano omite a necessidade dos dados e
a maneira como eles são coletados – o primeiro dos cinco tópicos de conhecimentos
básicos de Probabilidade e Estatística propostos por Gal (2002) para o desenvolvimento
do Letramento Estatístico.
Depois da primeira atividade de leitura de um gráfico de barras, o livro didático
ensina a técnica T2: dada uma tabela de frequências, construir um gráfico de barras.
A tabela utilizada refere-se a atividades realizadas no período de lazer dos 30
alunos de um sexto ano. A obra analisada perde a oportunidade de instigar os alunos a
sentirem necessidade de dados.
Após o ensino da técnica de construção de um gráfico de barras a partir de uma
tabela, o livro traz duas atividades envolvendo construção de gráfico de barras a partir
de tabela, seguidas de seis exercícios envolvendo as quatro primeiras tarefas descritas
no Quadro 9.
Na continuação do volume, o segundo subtítulo é “Vamos fazer uma pesquisa
estatística?”. Esse tópico é importante para o Letramento Estatístico porque nesse
123
momento surge a necessidade dos dados. No entanto, a obra direciona o trabalho dos
alunos propondo a pesquisa a ser feita e o modo de proceder, ou seja, direcionando
inteiramente o trabalho dos alunos, deixando-lhes pouco espaço para o desenvolvimento
do raciocínio crítico.
Esse segundo subtítulo é seguido de outros 10 exercícios envolvendo todas as
tarefas encontradas no livro do sexto ano. Fazemos uma ressalva para a T5: calcular a
média aritmética de um conjunto de dados a partir da leitura de um gráfico de barras.
Essa tarefa é equivocada, uma vez que, nesse volume, não foi apresentado o conceito de
média aritmética.
A tarefa T6 – dado um gráfico de barras, construir uma tabela de frequências –
também apresenta problemas, pois a obra não ensina o aluno a construir esse tipo de
tabela.
Em ambos os casos, é necessária a intervenção do professor, que terá que ensinar
ao aluno o conceito de média aritmética (ou pedir aos alunos que ignorarem o exercício,
que é o único a abordar essa técnica) e a construção da tabela de frequências.
Além disso, há nas atividades propostas nesse volume um desequilíbrio nas
tarefas pedidas, conforme mostra a Tabela 2.
Tabela 2: Frequências absolutas e relativas das tarefas encontradas no livro
didático do sexto ano
Tarefa Frequência absoluta Frequência relativa
1 7 43,75%
2 2 12,50%
3 2 12,50%
4 3 18,75
5 1 6,25%
6 1 6,25%
Fonte: Dados obtidos nesta pesquisa
Nota-se uma ênfase nas tarefas que envolvem a interpretação de gráficos de
barras e tabelas de frequência (T1 e T4) no volume da coleção destinado ao sexto ano.
Fazemos a hipótese de que tal ênfase deve-se ao fato de que tais tarefas (T1 e T4)
estão presentes na matriz de habilidades e competências do SAEB. Assim como o
124
ENEM influenciou alterações nos livros didáticos de Matemática do Ensino Médio
(PAIVA, 2003), o SAEB pode estar influenciando alterações nos livros didáticos de
Matemática do Ensino Fundamental, mas tal afirmação carece de pesquisas que a
comprovem ou refutem. Seguimos agora para a análise do volume destinado ao sétimo
ano.
As tarefas, que o volume destinado ao sétimo ano se propõe a desenvolver são
descritas no Quadro 10.
Quadro 10: Tarefas obtidas a partir da análise das questões de Estatística
presentes no livro didático do sétimo ano
Tarefa Descrição da tarefa
1 Dada uma tabela de frequências, calcular a frequência relativa de cada
categoria de uma variável.
2 Interpretar um gráfico de barras.
3 Construir um gráfico de setores.
4 Interpretar um gráfico de setores.
5 Interpretar gráficos que utilizam pictogramas.
6 Calcular a média aritmética de um conjunto de dados.
7 Dado a média aritmética de um conjunto de dados e os valores de (n-1)
elementos, determinar o valor do elemento desconhecido.
8 Utilizar o conceito de média aritmética para a resolução de problemas
9 Interpretar uma tabela de frequências.
Fonte: Dados obtidos nesta pesquisa
No segundo livro da coleção (sétimo ano), os aspectos ligados a Probabilidade e
Estatística são trabalhados no Capítulo 6, intitulado “Construindo e interpretando
gráficos”, que se divide em cinco partes.
Na primeira parte, “Porcentagens e gráficos”, é dada uma tabela de frequências
com a frequência absoluta, e a partir dela ensina-se a técnica do cálculo da porcentagem,
determinando os valores da frequência relativa.
Salientamos que, a obra não distingue frequência absoluta de frequência relativa
tratando ambas como “frequência”.
Com a obtenção da nova tabela, constrói-se o gráfico de barras, ou seja,
trabalha-se com a seguinte tarefa T: dada uma tabela de frequências, construir um
gráfico de barras. Essa tarefa, presente no volume destinado ao sexto ano, é destacada
novamente no sétimo ano.
A primeira parte se finaliza com três exercícios, o primeiro dos quais pede a
tarefa T1 do Quadro 10 e os outros dois a tarefa T3.
125
Na segunda parte, denominada “Construindo um gráfico de setores”, ensina-se a
técnica de construção de um gráfico de setores. Em seguida, há cinco exercícios que
envolvem as tarefas T4 e T5.
Está ausente na obra a comparação entre o gráfico de barras e o gráfico de
setores, que permitiria evidenciar quando um deve ser utilizado em vez do outro. Tal
comparação é importante, pois permite desenvolver nos alunos a transnumeração, isto é,
a utilização de diferentes representações gráficas para o mesmo conjunto de dados.
Na terceira parte, denominada “Pictogramas”, são apresentadas essas
representações, construídas a partir de uma tabela de frequências. Como no caso do
gráfico de setores, as atividades subsequentes envolvem interpretação e construção de
pictogramas.
A quarta parte, denominada “Médias”, trabalha com o conceito de média,
apresentada como a soma dos valores dos elementos dividida pelo número de
elementos. Não é feita nenhuma referência à média como medida que resume um
conjunto de dados. Em nenhum momento a obra se refere a média como uma das
medidas de tendência central ou sobre os objetivos dessas medidas. As outras medidas
de tendência central (mediana e moda) não são mencionadas.
O conceito de média é reduzido ao algoritmo, e as atividades previstas no final
da quarta parte reforçam essa ideia.
A quinta e última parte, denominada “Estudando um orçamento familiar”,
propõe a formação de grupos de três ou quatro alunos que deverão entrevistar uma
família. São sugeridas algumas questões para que os alunos elaborem um questionário.
Tal proposta, inteiramente interessante do ponto de vista estatístico, permite
trabalhar de forma integrada conceitos da Educação Estatística e da Educação
Financeira. No entanto, da maneira como a obra conduz a atividade, esta acaba se
limitando a explorar a construção das tabelas e dos gráficos estudados anteriormente,
perdendo-se a oportunidade de trabalhar com os alunos a elaboração de questões
críticas.
Do ponto de vista do desenvolvimento das tarefas encontradas no volume
destinado aos alunos do sétimo ano, a obra contém 65 exercícios de Estatística (Tabela
3).
126
Tabela 3: Frequências absolutas e relativas das tarefas encontradas no livro
didático do sétimo ano
Tarefa Frequência absoluta Frequência relativa
1 1 1,6%
2 8 12,9%
3 4 6,4%
4 8 12,9%
5 8 12,9%
6 19 30,6%
7 4 6,4%
8 7 11,3%
9 3 4,8%
Fonte: Dados obtidos nesta pesquisa
Dos 65 exercícios apresentados, há três cuja resolução exige realizar duas
tarefas. Há uma ênfase muito forte na interpretação de gráficos (T2, T4 e T5) e na
exploração do algoritmo do cálculo da média aritmética (T6, T7 e T8).
Em relação às questões que requerem construção e interpretação de gráficos,
nota-se uma preferência pelas que envolvem as tarefas de interpretação de gráficos, em
detrimento das que envolvam sua construção. Novamente, fazemos a hipótese de qual
fato de deva à matriz de habilidades e competências do SAEB e da Prova Brasil.
Quanto à exploração do algoritmo da média aritmética, quase 50% dos
exercícios referem-se a tarefas que utilizam o conceito de média aritmética. Entretanto,
percebe-se nesses exercícios apenas o cálculo da média, sem a sua interpretação.
Passemos agora ao volume destinado ao oitavo ano, no qual foram detectadas as
tarefas descritas no Quadro 11.
Quadro 11: Tarefas obtidas a partir da análise das questões de Estatística
presentes no livro didático do oitavo ano
Tarefa Descrição da tarefa
1 Interpretar um gráfico de barras.
2 Interpretar uma tabela de frequência.
3 Interpretar um pictograma.
4 Interpretar um gráfico de setores.
5 Interpretar um gráfico de linhas.
6 Dado um evento descrever o espaço amostral.
7 Calcular a probabilidade de um evento.
8 Calcular a média aritmética de um conjunto de dados.
Fonte: Dados obtidos nesta pesquisa
127
Esse volume, intitulado “Possibilidades e estatística”, está dividido em duas
partes.
A primeira tem início com noções de Análise Combinatória, e por isso não será
aqui analisada.
Na segunda parte, intitulada “Os gráficos estatísticos”, a obra faz uma revisão de
gráficos de barras, gráficos de setores e pictogramas, reapresentando os gráficos
abordados nos dois volumes anteriores. A seguir, apresenta o gráfico de segmentos,
seguindo o mesmo modelo utilizado para apresentar os três gráficos anteriores.
Em seguida, traz atividades envolvendo a construção e interpretação dos
gráficos em questão (de barras, de setores, pictogramas e de segmentos).
Ressalte-se que se trata de uma obra coerente, pois seu objetivo é elaborar e
interpretar gráficos de barras, pictogramas, gráficos de setores e de segmentos – o que a
obra de fato faz. No entanto, tal opção acaba por limitar o desenvolvimento do
Letramento Estatístico nos alunos.
O livro do oitavo ano contém 64 exercícios envolvendo Probabilidade e
Estatística. A distribuição dos exercícios de acordo com as tarefas é apresentada na
Tabela 4.
Tabela 4: Tarefas identificadas nas questões de Estatística presentes no livro
didático do oitavo ano
Tarefa Frequência absoluta Frequência relativa
1 9 27,3%
2 2 6,0%
3 2 6,0%
4 5 15,2%
5 9 27,3%
6 2 6,0%
7 3 9,1%
8 1 3,0%
Fonte: Dados obtidos nesta pesquisa
Nota-se novamente a grande ênfase dada à interpretação de gráficos. Nesse
volume é apresentado ao aluno pela primeira vez o gráfico de linha. Embora 27,3% dos
exercícios versem sobre a interpretação desse tipo de gráfico, sua construção não é
pedida em nenhum. Como mostra a Tabela 4, a maior parte dos exercícios envolve
tarefas relativas à interpretação de gráficos.
128
Constata-se ainda a presença de exercícios envolvendo as tarefas T7 e T8, mas o
tema Probabilidade não é abordado nesse volume. Tal ausência também foi observada
no livro destinado ao sexto ano.
Passemos agora ao volume destinado ao nono ano, no qual foram detectadas as
tarefas descritas no Quadro 12.
Quadro 12: Tarefas obtidas a partir da análise das questões de Estatística
presentes no livro didático do nono ano
Tarefa Descrição da tarefa
1 Calcular a probabilidade de um evento.
2 Comparar probabilidades de eventos.
3 Calcular a probabilidade de um evento complementar.
4 Calcular a probabilidade da união de eventos
5 Calcular o número de elementos de um determinado evento
Fonte: Dados obtidos nesta pesquisa
O volume, intitulado “Noções de Probabilidade”, está dividido em três partes.
Na primeira parte, intitulada “Qual é a chance?”, a obra introduz a noção de
probabilidade a partir de uma história. No entanto, em nenhum momento são abordadas
as noções básicas de probabilidade (experimento aleatório, espaço amostral e evento).
Na história apresentada, a noção de probabilidade é desenvolvida em linguagem
bastante simplificada, e a probabilidade é apresentada como sinônimo de chance,
seguindo as orientações dos PCN. Em seguida, há dez exercícios que pedem a tarefa T1
(calcular a probabilidade de um evento).
Na segunda parte, intitulada “As probabilidades e a estatística”, a obra aborda de
forma intuitiva o conceito de probabilidade frequentista, mas peca por não se
aprofundar no assunto e nem relacioná-la com a definição clássica. Em seguida há
exercícios que novamente pedem a tarefa T1.
Na terceira parte, intitulada “população e amostra”, há uma tentativa, por meio
de uma breve história, de abordar esses dois conceitos.
Em seguida, há uma sequência de exercícios que, porém, abordam a
interpretação de gráficos e tabelas. Tal enfoque faz desaparecer as noções abordadas no
texto.
Em seguida, há mais exercícios envolvendo as tarefas T1, T3 e T4.
O livro do nono ano contém 46 exercícios de Estatística. A distribuição dos
exercícios de acordo com as tarefas envolvidas encontra-se na Tabela 5.
129
Tabela 5: Tarefas identificadas nas questões de Estatística presentes no livro
didático do nono ano
Tarefa Frequência absoluta Frequência relativa
1 41 90,8%
2 1 2,3%
3 1 2,3%
4 1 2,3%
5 1 2,3%
Fonte: Dados obtidos nesta pesquisa
Pode-se dizer que, no quarto volume da coleção, introduz-se um novo conceito,
que é o de probabilidade, em sua definição clássica e frequentista, mas sem a
abordagem conjunta de ambas as definições, o que reforça a interpretação dos gráficos
estudados anteriormente e das tabelas.
Também podemos observar que a uma das técnicas trabalhadas é a de calcular a
probabilidade utilizando-se a definição clássica.
Com a análise dos quatro volumes destinados ao Ensino Fundamental,
concluímos que, em geral, a coleção utiliza as seguintes técnicas para realizar a tarefa T,
de ensinar as tarefas matemáticas (TM) identificadas na coleção.
T1: Apresentação da tarefa TMi;
T2: Técnicas para a resolução da tarefa TMi;
T3: Exercícios que utilizem as técnicas para a resolução das tarefas TMi.
Portanto, a coleção opta por apresentar uma organização didática que enfatiza
aspectos procedimentais.
Tal organização é classificada por Gáscon (2003) como organização didática
tecnicista. De acordo com este autor, “as organizações didáticas tecnicistas identificam
implicitamente ‘ensinar e aprender matemática’ como ‘ensinar e aprender técnicas
(algoritmos)’ com todo o reducionismo que isto implica” (GÁSCON, 2003, p. 24).
Sob essa organização, o ensino se concentra quase que totalmente no bloco do
saber fazer, fazendo pouquíssimas referências ao bloco do saber.
Assim, como em seu ensino em cursos de graduação (Viali, 2005) voltados à
formação de professores de Matemática para a Educação Básica, a visão do ensino de
Estatística contida no livro didático analisado reduz esse campo do conhecimento à
construção de gráficos e tabelas e à manipulação de fórmulas e algoritmos, o que resulta
em perda da concepção do ensino de Estatística como sendo a análise de dados em
130
determinado contexto. Consequentemente, o enfoque adota não favorece o
desenvolvimento do Letramento Estatístico.
Passemos agora à análise da obra destina ao Ensino Médio.
4.3 – Análise da coleção Matemática: contexto e aplicações
Nos conteúdos matemáticos abordados nessa obra, os tópicos relacionados a
Probabilidade e Estatística ocupam as porcentagens indicadas na Tabela 6.
Tabela 6: Porcentagem dos conteúdos probabilísticos e estatísticos contidos na
coleção Matemática: contexto e aplicações
Ensino Médio Porcentagem de tópicos de Estatística
Primeiro ano 0%
Segundo ano 8,07%
Terceiro ano 12,88%
Fonte: Dados obtidos nesta pesquisa
Percebe-se nessa tabela a ausência desses conteúdos no primeiro ano do Ensino
Médio e uma porcentagem média próxima à da coleção destinada ao Ensino
Fundamental.
4.3.1 – Organização Matemática
Analisando os tópicos referentes a Probabilidade e Estatística a partir da TAD,
identificamos nessa coleção 23 tarefas (Quadro 13).
131
Quadro 13: Tarefas encontradas na coleção Matemática: Contexto e aplicações
Tarefa 1o
ano
2o
ano
3o
ano
Determinar o espaço amostral e os eventos de um experimento
aleatório
X
Calcular a probabilidade de um evento X X
Calcular a probabilidade da união de eventos X
Calcular a probabilidade de um evento complementar X
Calcular a probabilidade de um evento condicionado X
Verificar a independência de dois eventos X
Calcular a probabilidade de um evento utilizando a
distribuição binomial
X
Definir universo em uma pesquisa estatística X
Definir amostra em uma pesquisa estatística X
Definir a variável estatística X
Construir uma tabela de frequências X
Interpretar uma tabela de frequências X
Interpretar um gráfico de segmentos X
Construir um gráfico de segmentos X
Interpretar um gráfico de barras X
Construir um gráfico de barras X
Interpretar um gráfico de setores X
Construir um gráfico de setores X
Construir um histograma X
Calcular a média aritmética de um conjunto de dados X
Calcular a moda de um conjunto de dados X
Calcular a mediana de um conjunto de dados X
Calcular o desvio padrão de um conjunto de dados X
Fonte: Dados obtidos nesta pesquisa
Nota-se nesse quadro que, das 23 tarefas identificadas nessa coleção, 13 já
haviam sido identificadas na coleção destinada ao Ensino Fundamental.
Assim, para evitar análises repetitivas, optamos por apresentar apenas as
questões que envolvem 10 tarefas que não foram identificadas no Ensino Fundamental:
Questão 1: Jogam-se dois dados. Qual é a probabilidade de se obter o 4 no primeiro
dado se a soma dos resultados é 9?
Tarefa (T1): Calcular a probabilidade de um evento condicionado.
Técnica (t1): 1. Identificar o evento A: Obter 4 no primeiro dado;
2. Identificar o evento B: Obter soma 9 no lançamento de dois dados;
3. Calcular a probabilidade do evento A;
132
4. Calcular a probabilidade do evento B;
5. Calcular a probabilidade da interseção do evento A com o evento B;
6. Calcular a probabilidade do evento A, dado que o evento B ocorreu utilizando
𝑃(𝐴/𝐵) =𝑃(𝐴∩𝐵)
𝑃(𝐵).
Discurso teórico-tecnológico [T1, t1]: O conhecimento matemático envolvido nesse
bloco é o conceito de probabilidade condicional, assim formulado por Dantas (2004):
Sejam A e B dois eventos de um espaço amostral e supondo que
P(A) > 0, a probabilidade condicional de B dado A é definida
por:
.)(
)()/(
AP
ABPABP
(DANTAS, 2004, p. 46)
Questão 2: Dois dados perfeitos são lançados. Consideramos o evento A: sair número
ímpar no primeiro dado e B: a soma dos resultados ser 7. Determine se A e B são
eventos independentes.
Tarefa (T2): Verificar a independência de dois eventos.
Técnica (t2): 1. Calcular a probabilidade do evento A;
2. Calcular a probabilidade do evento B;
3. Calcular a probabilidade da intersecção do evento A com o evento B;
4. Calcular o produto da probabilidade do evento A com a probabilidade do evento B;
5. Comparar os resultados de obtidos em t2,3 e t2,4;
6. Concluir se os eventos são independentes ou não.
Discurso teórico-tecnológico [T2, t2]: O conhecimento matemático envolvido nesse
bloco é o conceito de independência de eventos, assim formulado por Magalhães e Lima
(2005):
Dois eventos A e B são independentes, se a informação da
ocorrência ou não de B não altera a ocorrência de A. Isto é,
),()/( APBAP 0)( BP ,
ou ainda a seguinte forma equivalente:
).()()( BPAPBAP
(MAGALHÃES; LIMA, 2005, p. 44)
133
Questão 3: Se uma moeda é lançada 6 vezes, qual é a probabilidade de sair coroa 4
vezes?
Tarefa (T3): Calcular a probabilidade de um evento utilizando a distribuição binomial.
Técnica (t3): 1. Definir o evento A, isto é, o evento que será considerado sucesso;
2. Calcular a probabilidade do evento A;
3. Verificar o número de experimentos realizados;
4. Determinar a probabilidade de 4 sucessos quando são realizados 6 experimentos.
Discurso teórico-tecnológico [T3, t3]: O conhecimento matemático envolvido nesse
bloco é o modelo binomial. Magalhães e Lima (2005) definem o modelo binomial da
seguinte maneira:
Considere a repetição de n ensaios de Bernoulli independentes e
todas com a mesma probabilidade de sucesso p. A variável
aleatória que conta o número total de sucessos é denominada
Binomial com parâmetros n e p e sua função de probabilidade é
dada por
nkppk
nkXP knk ...,,2,1,0,)1()(
Com
k
n representando o coeficiente binomial calculado por
.)!(!
!
knk
n
k
n
(MAGALHÃES; LIMA, 2005, p. 72)
Questão 4: Uma concessionária de automóveis tem cadastrados 3 500 clientes e fez
uma pesquisa sobre a preferência de compra em relação a “cor” (branco, vermelho ou
azul), “preço”, “número de portas” (duas ou quatro) e “estado de conservação” (novo ou
usado). Foram consultados 210 clientes. Diante dessas informações, responda: qual é o
universo estatístico e qual é a amostra dessa pesquisa? Quais são as variáveis e qual é o
tipo de cada uma?
Tarefa (T4): Identificar o conjunto-universo em uma pesquisa estatística.
Técnica (t4): 1. Delimitar o problema/tema;
134
2. Delimitar o objeto de estudo;
3. Verificar a população de interesse.
Discurso teórico-tecnológico [T4, t4]: O conhecimento envolvido nesse bloco é a
definição de população. De acordo com Magalhães e Lima (2005):
Na terminologia estatística, o grande conjunto de dados que
contém a característica que temos interesse recebe o nome de
população. Esse termo refere-se não somente a uma coleção de
indivíduos, mas também o alvo sobre o qual reside o nosso
interesse. (MAGALHÃES; LIMA, 2005, p. 2)
Tarefa (T5): Identificar a amostra em uma pesquisa estatística.
Técnica (t5): 1. Verificar a população de interesse;
2. Optar pela técnica de amostragem mais apropriada;
3. Verificar se a amostra é representativa da população que se deseja estudar.
Discurso teórico-tecnológico [T5, t5]: O conhecimento envolvido nesse bloco é a
definição de amostra, assim definida por Magalhães e Lima (2005):
Tendo em vista as dificuldades de várias naturezas para se
observar todos os elementos da população, tomaremos alguns
deles para formar um grupo a ser estudado. Este subconjunto da
população, em geral com dimensões sensivelmente menor, é
denominado de amostra. (MAGALHÃES; LIMA, 2005, p. 3)
Tarefa (T6): Classificar as variáveis estatísticas
Técnica (t6): 1. Verificar se a variável assume um valor numérico ou uma categoria;
2. Nomear a variável de acordo com a categoria que ela assume.
Discurso teórico-tecnológico [T6, t6]: O conhecimento matemático envolvido nesse
bloco é a definição de variável estatística, assim apresentada por Moore (2005):
Uma variável é qualquer característica de um indivíduo. Uma
variável pode assumir valores diferentes para indivíduos
diferentes. (MOORE, 2005, p. 3)
Esse autor define indivíduos da seguinte maneira:
135
Os indivíduos são os objetos descritos por um conjunto de
dados, podendo ser pessoas, animais ou objetos. (MOORE,
2005, p. 3)
Além disso, as variáveis podem ser classificadas em qualitativas e
quantitativas. Magalhães e Lima (2005) definem as variáveis qualitativas da seguinte
maneira:
A variável é qualitativa quando os possíveis valores que assume
representam atributos e/ou qualidades. Se tais variáveis tem
ordenação natural, indicando intensidades crescentes de
realização, então elas serão classificadas como qualitativas
ordinais. Caso contrário, quando não é possível estabelecer uma
ordem natural entre seus valores, elas são classificadas como
qualitativas nominais. (MAGALHÃES; LIMA, 2005, p. 6)
Por sua vez, as variáveis quantitativas são assim definidas:
Variáveis quantitativas, isto é, variáveis de natureza numérica,
podem ser divididas em discretas e contínuas. Grosso modo,
variáveis quantitativas discretas podem ser vistas como
resultantes de contagens, assumindo assim, em geral, valores
inteiros. De uma maneira mais formal, o conjunto dos valores
assumidos é finito ou enumerável. Já as variáveis quantitativas
contínuas assumem valores em intervalos dos números reais e
geralmente, são provenientes de uma mensuração.
(MAGALHÃES; LIMA, 2005, p. 6)
Questão 5: A temperatura máxima do dia em uma cidade foi anotada durante vinte dias
e apresentou os seguintes dados: 30 C; 32 C; 31 C; 31 C; 33 C; 28,5 C; 33,5 C;
27 C; 30 C; 34 C; 30,5 C, 28 C; 30,5 C; 29,5 C; 26 C; 31 C; 31 C; 29 C; 32
C;
31,5 C. Construa o histograma correspondente com os valores da variável em 5
intervalos.
Tarefa (T7): Construir um histograma.
Técnica (t7): 1. Determinar o tamanho do intervalo subtraindo o menor valor do maior
valor;
2. Obter o tamanho das classes, dividindo o tamanho do intervalo por 5;
136
3. Determinar as classes;
4. Determinar o número de elementos de cada classe;
5. Relacionar as classes com as suas frequências absolutas.
Discurso teórico-tecnológico [T7, t7]: De acordo com Magalhães e Lima (2005), o
histograma:
Consiste em retângulos contíguos com base nas faixas de
valores da variável e com área igual à frequência relativa da
respectiva faixa. Dessa forma, a altura de cada retângulo é
denominada densidade de frequência ou simplesmente
densidade definida pelo quociente da área pela amplitude da
faixa. (MAGALHÃES; LIMA, 2005, p. 14)
Questão 6: Durante os sete primeiros jogos de um campeonato, um time marcou
respectivamente 3, 2, 1, 1, 4, 3 e 2 gols. Determine:
a) a moda;
b) a mediana.
Tarefa (T8): Calcular a moda de um conjunto de dados.
Técnica (t8): 1. Calcular a frequência relativa de cada números de gols;
2. Selecionar o valor de maior frequência relativa.
Discurso teórico-tecnológico [T8, t8]: O conhecimento matemático envolvido nesse
bloco é a definição de moda, assim apresentada por Magalhães e Lima (2005):
Considere uma variável X com observações representadas por
x1, x2, ..., xn. (...) A moda é dada pelo valor mais frequente e será
denotada por moobs. (MAGALHÃES; LIMA, 2005, p. 94)
Tarefa (T9): Calcular a mediana de um conjunto de dados.
Técnica (t9): 1. Colocar os valores em ordem crescente;
2. Selecionar o valor central.
137
Discurso teórico-tecnológico [T9, t9]: O conhecimento matemático envolvido nesse
bloco é a definição de mediana, assim apresentada por Moore (2005):
A mediana M é o ponto do meio de uma distribuição, o número
tal que a metade das observações são menores do que ele e
metade maiores. Para achar a mediana de uma distribuição:
1. Ordene todas as observações segundo o tamanho, da menor
para a maior.
2. Se o número de observações n for ímpar, a mediana M é a
observação central na lista ordenada. Ache a posição da
mediana, contando (n + 1)/2 observações a partir do valor mais
baixo da lista.
3. Se o número de observações n for par, a mediana M é a
média das duas observações centrais da lista ordenada. A
posição da mediana é novamente (n + 1)/2 a partir do valor
mais baixo da lista. (MOORE, 2005, p. 31)
Questão 7: Em um concurso o critério de aprovação leva em conta a média e o desvio-
padrão após a realização de 3 provas. Calcule a média e o desvio-padrão de um
candidato que nas provas obteve, respectivamente, 63 pontos, 56 pontos e 64 pontos.
Tarefa (T10): Calcular o desvio-padrão de um conjunto de dados.
Técnica (t10): 1. Calcular a variância de um conjunto de dados;
2. Calcular a raiz quadrada da variância.
Discurso teórico-tecnológico [T10, t10]: Os conhecimentos matemáticos envolvidos
nesse bloco são os conceitos de variância e de desvio-padrão. Tais conceitos são
definidos da seguinte maneira por Magalhães e Lima (2005):
A variância, referente à variável X de um conjunto de dados, é
definida por
n
i
obsiobs xxn 1
2)(1
var
Para manter a mesma unidade dos dados originais, é
conveniente definirmos o desvio padrão como sendo dpobs =
obsvar . (MAGALHÃES; LIMA, 2005, p. 104)
138
4.3.2 – Organização Didática
Como podemos observar no Quadro 13, nessa coleção o autor optou por
trabalhar separadamente as atividades relacionadas ao cálculo de probabilidades e as
relacionadas à Estatística. Tal opção, de acordo com Batanero, Estepa e Godino (2006),
não favorece o desenvolvimento do Letramento Estatístico.
As tarefas relacionadas ao cálculo de probabilidades estão presentes no
segundo volume da coleção; as relativas aos conteúdos estatísticos estão presentes no
terceiro volume.
Somente a tarefa “Calcular a probabilidade de um evento” aparece no segundo
e no terceiro volumes.
Passaremos agora à análise didática do segundo volume.
Na Tabela 7 apresentamos as tarefas que foram identificadas no segundo
volume, bem como as frequências absolutas e relativas das atividades em que as tarefas
são demandadas.
Tabela 7: Tarefas identificadas nas questões de Probabilidade e Estatística
presentes no livro didático do segundo volume
Tarefa Frequência
absoluta
Frequência
relativa
Determinar o espaço amostral e os eventos de
um experimento aleatório
5 6,0%
Calcular a probabilidade de um evento 36 42,8%
Calcular a probabilidade da união de eventos 10 11,9%
Calcular a probabilidade de um evento
complementar
5 6,0%
Calcular a probabilidade de um evento
condicionado
16 19,0%
Verificar a independência de dois eventos 7 8,3%
Calcular a probabilidade de um evento
utilizando a distribuição binomial
5 6,0%
Fonte: Dados obtidos nesta pesquisa
Nesse volume foram identificadas sete tarefas. Assim, nosso próximo passo
será analisar quais são as escolhas didáticas que o segundo volume da obra faz para
trabalhar com a organização praxeológica baseada nas tarefas acima.
Inicialmente, é apresentado ao aluno um pequeno texto histórico sobre a Teoria
das Probabilidades, seguido de uma seção denominada “Atividades”. Nessa seção há
139
duas atividades: a primeira é sobre a realização de um experimento aleatório e na
segunda atividade aparecem algumas questões envolvendo o cálculo da probabilidade
de eventos simples. Visa-se que ambas sejam respondidas de forma intuitiva.
Após esse texto introdutório, é apresentado o primeiro tópico, denominado
“Introdução”, contendo um pequeno texto que explica o que é um experimento
aleatório. Em seguida, quatro exemplos de experimentos aleatórios são apresentados,
sendo sucedidos pelo segundo tópico, denominado “Espaço amostral e evento”. Nele,
definem-se os conceitos de espaço amostral e evento.
Em seguida, são apresentados cinco experimentos aleatórios e, para cada um,
são designados os elementos de seu espaço amostral. Um evento é definido e os
elementos deste evento são apresentados. O tópico é finalizado com cinco exercícios
envolvendo a tarefa “Determinar o espaço amostral e os eventos de um experimento
aleatório”.
No terceiro tópico, denominado “Eventos certos, impossíveis e mutuamente
exclusivos”, definem-se os conceitos de evento certo, evento impossível e eventos
mutuamente exclusivos. Neste tópico não há exercícios.
No quarto tópico, denominado “Cálculo de probabilidades”, define-se o cálculo
de probabilidade de um evento, a partir de sua definição clássica, e em seguida são
apresentados cinco exercícios, todos resolvidos. No final do tópico há exercícios que
demandam a tarefa “Calcular a probabilidade de um evento”.
No quinto tópico denominado “Definição teórica de probabilidade e
consequências”, há uma tentativa de definir teoricamente o conceito de probabilidade e
suas consequências. Para tanto, esse volume procede à análise do experimento aleatório
“lançamento de uma moeda perfeita”, após a qual apresenta as três propriedades que
devem ser satisfeitas, explorando a seguir as consequências dessa definição. Em
seguida, são apresentados seis exemplos que utilizam as consequências da definição.
Após os exemplos, a obra traz exercícios propostos que exploram as consequências da
definição, ou seja, atividades que envolvem as seguintes tarefas: “Calcular a
probabilidade da união de eventos”, “Calcular a probabilidade da interseção de eventos”
e “Calcular a probabilidade de um evento complementar”.
Em prosseguimento, é abordado o conceito de probabilidade condicional. Para
tal abordagem, o volume segue a mesma dinâmica de apresentação dos conceitos:
apresenta-se uma situação-problema, seguida da definição a ser trabalhada, a qual é
sucedida por exemplos e exercícios propostos, que são as aplicações do conceito
140
apresentado, obedecendo à dinâmica “apresentação do conceito, exemplos de aplicação
e exercícios de aplicação”.
A seguir, são explorados os conceitos de probabilidade condicional e de eventos
independentes, adotando-se a mesma dinâmica dos conceitos anteriores.
Depois dos exercícios envolvendo a tarefa “Verificar a independência de dois
eventos”, inicia-se o sexto tópico, denominado “Outras aplicações”, constituído de
exercícios que abordam todos os conceitos estudados até então.
O conceito de distribuição binomial, apresentado no sétimo tópico, é abordado
com um exemplo. Em seguida há outro exemplo da aplicação do método, o qual é
sucedido por exercícios propostos, não fugindo à sequência já apresentada em outros
tópicos quando foram explorados outros conceitos.
O último tópico versa sobre aplicações da Probabilidade à Genética, e contém
exercícios em que os conceitos estudados anteriormente são aplicados a este ramo do
conhecimento.
No tópico sobre Matemática e suas práticas sociais, há um texto sobre
transplantes no Brasil. O tópico termina com atividades adicionais, que são exercícios
de exames vestibulares.
Passemos agora à análise didática do terceiro volume.
Na Tabela 8 descreve as tarefas identificadas ao se analisarem as questões de
Probabilidade e Estatística do terceiro volume.
141
Tabela 8: Tarefas identificadas nas questões de Probabilidade e Estatística
presentes no livro didático do terceiro volume
Tarefa Frequência
absoluta
Frequência
relativa
Definir universo em uma pesquisa estatística 1 1,6%
Definir amostra em uma pesquisa estatística 1 1,6%
Definir a variável estatística 2 3,2%
Construir uma tabela de frequências 9 14,5%
Interpretar uma tabela de frequência 1 1,6%
Interpretar um gráfico de segmentos 2 3,2%
Construir um gráfico de segmentos 2 3,2%
Interpretar um gráfico de barras 2 3,2%
Construir um gráfico de barras 3 4,8%
Interpretar um gráfico de setores 3 4,8%
Construir um gráfico de setores 2 3,2%
Construir um histograma 3 4,8%
Calcular a média aritmética de um conjunto de
dados
13
21,0%
Calcular a moda de um conjunto de dados 7 11,3%
Calcular a mediana de um conjunto de dados 6 9,7%
Calcular o desvio padrão de um conjunto de
dados
2
3,2%
Calcular a probabilidade de um evento 3 4,8%
Fonte: Dados obtidos nesta pesquisa
Inicialmente, há um pequeno texto introdutório sobre a Estatística, seguido de
duas atividades envolvendo interpretação e construção de gráficos.
Na introdução há um gráfico de linhas que aborda o saldo da balança comercial
brasileira de 2009. A seguir são abordados os termos de uma pesquisa estatística. São
apresentados os conceitos de população e amostra, variável qualitativa (nominal/
ordinal) e variável quantitativa (discreta/contínua), complementados com um exercício
envolvendo esses conceitos.
Em seguida são abordados os conceitos de frequência relativa e frequência
absoluta, e a seguir são apresentados os dados referentes a um grupo de alunos. A partir
desses dados, pede-se a construção de uma tabela de frequências. Em seguida há
exercícios propostos abordando tarefas relativas a esses conceitos.
O tópico seguinte é denominado “Representação gráfica”. Nele, são abordados
os seguintes gráficos: gráfico de segmentos, gráfico de barras, gráfico de setores e
histograma. Ensina-se primeiramente a construir esses gráficos, e em seguida há
exercícios que abordam tarefas relativas à construção e interpretação desses gráficos.
142
Vem então o tópico “Medidas de tendência central”, que ensina a calcular
média, moda e mediana. A primeira medida de tendência central apresentada é a média
aritmética, abordada da seguinte maneira: apresentam-se três conjuntos de dados e
realiza-se o cálculo dessa média, após o que apresenta-se formalmente seu cálculo. Em
seguida, apresenta-se o cálculo da média aritmética ponderada, da mesma maneira que o
da média aritmética, ou seja, apresenta-se um conjunto de dados e, a partir deles, se
calcula a média aritmética ponderada. No final há cinco exercícios propostos
envolvendo as tarefas relativas a esses conceitos.
A segunda medida de tendência central abordada é a moda, apresentada por
meio de três exercícios resolvidos, sucedidos de um exercício cujo item c pede como
tarefa “calcular a moda de um conjunto de dados”.
A mediana é apresentada da mesma maneira que a média e a moda. Em seguida,
há dois exercícios em que, a partir de um conjunto de dados, pede-se para calcular a
média, a moda e a mediana. Nota-se que a atividade pede apenas os valores dessas
medidas, sem preocupação com aspectos interpretativos.
O tópico se finaliza ensinando como calcular a média aritmética, a moda e a
mediana a partir de tabelas de frequências. Para tanto, apresenta-se uma tabela de
frequência e a partir dela se ensina como calcular tais medidas. O final do tópico é
composto de quatro exercícios padronizados, similares ao exercício resolvido.
O tópico subsequente aborda o ensino do cálculo das medidas de dispersão
(variância e desvio-padrão). Novamente, a obra apresenta três conjuntos de dados, com
os quais se calcula a variância. A seguir, a mesma sequência é apresentada e calcula-se
o desvio-padrão.
Finalizando, são apresentados dois exercícios em que um dos itens consiste no
cálculo da variância e do desvio-padrão. Os aspectos interpretativos dessas medidas são
praticamente inexistentes, tal como nas medidas de tendência central. No último tópico,
denominando “Estatística e Probabilidade”, é dado um exemplo baseado em um
experimento aleatório e, em seguida, monta-se uma tabela de frequências, a partir da
qual se calculam probabilidades. O tópico é finalizado com cinco exercícios envolvendo
Estatística e Probabilidade.
O final do capítulo apresenta atividades adicionais (22 exercícios de exames
vestibulares).
Dois fatos nos chamam atenção. O primeiro é a concentração de exercícios que
envolvem tarefas de construção de tabelas de frequência e o cálculo da média aritmética
143
de um conjunto de dados. O segundo é a ausência de tarefas envolvendo a interpretação
de histogramas e do cálculo da variância, embora o texto ensine a calcular essa medida.
Assim como na coleção destinada ao Ensino Fundamental, a obra destinada ao
Ensino Médio envolve as seguintes técnicas para realizar a tarefa T (ensinar as tarefas
matemáticas (TM) identificadas na coleção): t1: apresentação da TMi, t2: técnicas para a
resolução da TMi; t3: exercícios que utilizam as técnicas para a resolução da TMi. Tal
organização didática é baseada na sequência “definição, exemplos, exercícios”,
classificada por Gáscon (2003) como organização didática tecnicista.
4.4 – Algumas considerações
Neste capítulo analisamos como são propostas as organizações matemáticas e
as organizações didáticas, no sentido proposto por Chevallard (1999), em livros
didáticos de matemática utilizados na Escola Básica.
Com a análise, concluímos que é enfatizado o bloco do “saber fazer” (tarefas e
as técnicas associadas a estas). O bloco do “saber” (conhecimentos referentes aos
domínios de validade das técnicas e suas justificativas) quase não comparece. Além
disso, a ênfase recai sobre algumas técnicas em detrimento de outras, notadamente sobre
a construção e interpretação de gráficos e tabelas, no caso da Estatística, e sobre o
cálculo da probabilidade de um evento, no caso da Probabilidade.
Em relação às organizações didáticas, há predomínio da organização didática
tecnicista, segundo a classificação de Gáscon (2003). Tal organização tem
implicitamente a visão de que ensinar e aprender Matemática é ensinar e aprender
algoritmos, com todo o reducionismo que isso envolve.
Percebe-se que nas atividades propostas das obras analisadas, as tarefas pedidas
envolvem geralmente como técnica a utilização de algoritmos, e tal visão não
desenvolve o Letramento Estatístico.
Assim, para desenvolvimento do Letramento Estatístico nos alunos que
utilizam essas obras como material de apoio, torna-se necessária a intervenção de um
professor estatisticamente letrado que tenha conhecimentos de como desenvolver o
Letramento Estatístico em seus alunos. Tal perfil deve ser alcançado em sua formação
inicial.
Passaremos agora as nossas considerações e perspectivas.
144
145
CONSIDERAÇÕES E PERSPECTIVAS
A Educação Estatística, na perspectiva de Cazorla, Kataoka e Silva (2010), é um
campo científico que tem por objetivo o estudo e a compreensão dos processos de
ensino-aprendizagem de Estatística visando o desenvolvimento do Letramento
Estatístico. Adotamos essa perspectiva neste trabalho.
Concordamos com Vendramini (2006) em que a Educação Estatística não é o
mesmo campo da Educação Matemática, embora utilize contribuições deste para
responder suas questões. Também concordamos que conceber o campo da Educação
Estatística e o da Educação Matemática como iguais tem levado professores de diversos
níveis de ensino a abordar conteúdos estatísticos em sala de aula como se estivessem
abordando conteúdos matemáticos.
Com base em tal fato, também observado por Viali (2005) em cursos de
Licenciatura em Matemática, lançamos a hipótese de que durante a sua formação o
futuro professor de Matemática é educado dentro da perspectiva de que abordar
conteúdos estatísticos é o mesmo que abordar conteúdos matemáticos – hipótese essa
que requer investigação específica.
Considerando esse contexto, elaboramos nossa questão de pesquisa, que tem por
objetivo estabelecer relações entre o ensino de Estatística na Educação Básica e o
Ensino de Estatística nos cursos de Licenciatura em Matemática.
Tal objetivo foi estimulado pelos trabalhos de Moreira (2004), Luís (2004) e
Gatti e Barreto (2009), que defendem que a formação de professores para a Escola
Básica tem que partir de seu campo de prática e agregar a este os conhecimentos
necessários ao trabalho educacional.
Assim, procuramos responder neste trabalho a seguinte questão: Quais são as
relações que podemos estabelecer entre o ensino de Estatística na Educação Básica e o
Ensino de Estatística nos cursos de Licenciatura em Matemática visando potencializar
(aprimorar) a formação dos professores para o Letramento Estatístico? Entendemos por
Letramento Estatístico a relação intrínseca entre letramento, raciocínio e pensamento
estatísticos, baseando-nos nos trabalhos de Wild e Pfannkuch (1999), Chance (2002),
Gal (2002), Rumsey (2002), Watson e Callingham (2003), Ben-Zvi e Garfield (2004) e
Silva (2007).
146
Optamos pela pesquisa documental e adotamos como documentos a serem
analisados os PCN de terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental (Matemática), os
PCN do Ensino Médio (Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias), os
PCN+ (Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias), as orientações
curriculares para o Ensino Médio (Ciências da Natureza, Matemática e suas
Tecnologias), as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de Matemática,
Bacharelado e Licenciatura (DCN-BL), as Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de Licenciatura,
de graduação plena (DCN-FP), e duas coleções adotadas na Educação Básica que foram
aprovadas pelo Plano Nacional do Livro Didático (PNLD).
As teorias de análise adotadas para examinar esses documentos foram a Teoria
Antropológica do Didático e a perspectiva ecológica.
Utilizando elementos da perspectiva ecológica, definimos dois grandes
ecossistemas: o ecossistema do Ensino de Matemática na Educação Básica e o
ecossistema do curso de Licenciatura em Matemática.
Formulamos a hipótese de que o ecossistema do Ensino de Matemática na
Educação Básica é um hábitat dos objetos estatísticos e utilizamos o conceito de nicho
como sendo os limites em que uma espécie pode viver, crescer e se reproduzir.
Procuramos também responder a seguinte subquestão: Como os objetos
estatísticos vivem e como se desenvolvem na Escola Básica? Para tanto, os limites
delineados foram os documentos voltados para a Educação Básica, os exames de larga
escala voltados à Educação Básica e o livro didático. Concluímos que os objetos
estatísticos passaram a viver na Escola Básica a partir da promulgação dos PCN e do
início dos exames de larga escala SAEB, Prova Brasil e ENEM.
Em geral, os objetos estatísticos mais presentes são os gráficos e as tabelas de
frequência, tendo como tarefas mais constantes sua elaboração e interpretação.
As medidas de tendência central e as medidas de dispersão raramente
comparecem, e as tarefas que envolvem estes objetos limitam-se a calcular seu valor.
Estabelecemos a hipótese de que a presença constante de gráficos e tabelas deve-
se aos exames de larga escala e ao livro didático.
Tais exames alimentam os gráficos e as tabelas de frequência porque seus
descritores, assim como as questões desses exames, privilegiam tarefas que envolvem
problemas cuja solução requer a interpretação de informações apresentadas em gráficos
ou tabelas de frequência.
147
O livro didático, Segundo Dante (1996), Lajolo (1996), E.T. Silva (1996) e M.A.
Silva (2012), determina conteúdos e estratégias de ensino. Nossa análise de duas
coleções – uma destinada aos quatro últimos anos do Ensino Fundamental e outra
destinada ao Ensino Médio, ambas aprovadas pelo PNLD – permitiu-nos concluir que
ambas são regidas pela Organização Didática Tecnicista, segundo a classificação de
Gáscon (2003).
Tal organização traz implicitamente a perspectiva de que ensinar e aprender
Matemática é ensinar e aprender técnicas (algoritmos), com todo o reducionismo que
isso envolve.
Além disso, essa organização matemática enfatiza as tarefas e técnicas, ou seja,
o bloco do saber fazer, praticamente ignorando o bloco do saber.
Em relação às tarefas pedidas, o livro didático também se concentra em questões
que envolvem interpretação de gráficos e tabelas. Além disso, o livro reforça a
perspectiva de que ensinar Estatística é como ensinar Matemática, perspectiva essa que
coloca ênfase em fórmulas e algoritmos.
Essa visão procedimental também é observada nas questões do SAEB, da Prova
Brasil e do ENEM que envolvem conteúdos estatísticos.
Nessa perspectiva, a sobrevivência da interpretação das medidas de tendência
central e de dispersão dentro de um contexto é quase inexistente.
Tendo por hipótese que o ecossistema do curso de Licenciatura em Matemática
constitui outro hábitat dos objetos estatísticos, e delineando como limites as DCN-FP,
as DCN-BL e o ENADE, procuramos responder como os objetos estatísticos vivem e se
desenvolvem nessa Licenciatura.
Concluímos que, embora as DCN-BL não incluam Probabilidade e Estatística
nos cursos de Licenciatura, os objetos estatísticos vivem nos cursos de Licenciatura em
Matemática.
Em geral, eles vivem dentro de uma disciplina cuja carga é de 60 horas e que
tem como visão que a Estatística é um ramo da Matemática, vendo portanto seu ensino
como uma manipulação cega de algoritmos.
Tal visão não favorece o desenvolvimento do Letramento Estatístico. Além
disso, temos por hipótese que o ENADE não influi na sobrevivência ou não dos objetos
estatísticos nos cursos de Licenciatura em Matemática, uma vez que nossas análises nos
revelaram que o ENADE não oferece elementos que permitam pensar a formação ou
148
avaliar as competências e habilidades profissionais de professores de Matemática no
que se refere ao ensino de Probabilidade e Estatística.
Nossa terceira subquestão envolveu analisar se os diferentes hábitats em questão
proporcionam um nicho favorável para que os objetos estatísticos desempenhem a
função de desenvolver o Letramento Estatístico dos alunos da Escola Básica.
Após as análises, concluímos que, quando habita o ecossistema do Ensino de
Matemática na Educação Básica, o objeto estatístico tem por limites os PCN, a Prova
Brasil, o SAEB, o ENEM e o livro didático.
Tal nicho não desempenha a função de favorecer o Letramento Estatístico
porque, como já exposto, esse nicho reforça a perspectiva de que ensinar Estatística é
ensinar Matemática, enfoque que coloca ênfase na manipulação de fórmulas e
algoritmos, sem nenhuma interpretação.
Quando habita o ecossistema do curso de Licenciatura em Matemática, o objeto
estatístico tem por limites as DCN e o ENADE.
Tal nicho tampouco desempenha a função de favorecer o Letramento Estatístico,
como já explicitado, tendo como consequência um profissional não letrado
estatisticamente.
Nenhum desses dois hábitats proporciona um nicho favorável para que os
objetos estatísticos desempenhem a função de desenvolver o Letramento Estatístico dos
alunos da Escola Básica.
Com isso, podemos retornar a nossa questão inicial: Quais são as relações que
podemos estabelecer entre o ensino de Estatística na Educação Básica e o Ensino de
Estatística nos cursos de Licenciatura em Matemática visando potencializar (aprimorar)
a formação dos professores para o Letramento Estatístico?
De acordo com nossas análises, não encontramos nenhuma relação entre o
ensino de Estatística na Educação Básica e o ensino de Estatística nos cursos de
Licenciatura em Matemática.
Embora vivam em ambos os ecossistemas, os objetos estatísticos o fazem de
forma isolada, sem nenhuma inter-relação entre os ecossistemas.
Mesmo isolados, em qualquer dos ecossistemas, a maneira como vivem não
favorecem a função de desenvolver o Letramento Estatístico em alunos da Escola
Básica.
Portanto, não encontramos nenhuma relação que se possa estabelecer entre o
ensino de Estatística na Educação Básica e o ensino de Estatística nos cursos de
149
Licenciatura em Matemática visando potencializar a formação dos professores para o
Letramento Estatístico.
Entretanto, em ambos os ecossistemas, os objetos estatísticos que lá vivem têm o
potencial para favorecer o Letramento Estatístico. Frente a essa constatação, emerge
uma questão como perspectiva futura: Por que, embora tenha potencial, o Letramento
Estatístico não é desenvolvido?
Nesta perspectiva, algumas questões merecem ser analisadas, dentre as quais a
seguinte: Quem ensina Estatística nas Licenciaturas em Matemática? Por que predomina
a visão da Estatística como um ramo da Matemática?
Respostas a esta e outras questões correlatas podem, idealmente, começar a
iluminar um caminho rumo ao Letramento Estatístico dos alunos da Escola Básica e,
com isso, viabilizar o desenvolvimento do Letramento Estatístico em nossa sociedade.
150
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160
161
ANEXO I: Cursos avaliados pelo ENADE de 2004 a 2012.
Ano Cursos avaliados
2004 Agronomia, Educação Física, Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia,
Fonoaudiologia, Medicina, Medicina Veterinária, Nutrição, Odontologia,
Serviço Social, Terapia Ocupacional, Zootecnia.
2005 Arquitetura e Urbanismo, Biologia, Ciências Sociais, Computação, Engenharia –
Grupo I, Engenharia – Grupo II, Engenharia – Grupo III, Engenharia – Grupo
IV, Engenharia – Grupo V, Engenharia – Grupo VI, Engenharia – Grupo VII,
Engenharia – Grupo VIII, Filosofia, Física, Geografia, História, Letras,
Matemática, Pedagogia, Química.
2006 Administração, Arquivologia, Biblioteconomia, Biomedicina, Ciências
Contábeis, Ciências Econômicas, Comunicação Social, Design, Direito,
Música, Normal Superior, Psicologia, Secretariado Executivo, Teatro, Turismo.
2007 Agronomia, Biomedicina, Educação Física, Enfermagem, Farmácia,
Fisioterapia, Fonoaudiologia, Medicina, Medicina Veterinária, Nutrição,
Odontologia, Serviço Social, Terapia Ocupacional, Zootecnia, Tecnologia em
Agroindústria, Tecnologia em Radiologia.
2008 Arquitetura e Urbanismo, Biologia, Ciências Sociais, Computação, Engenharia –
Grupo I, Engenharia – Grupo II, Engenharia – Grupo III, Engenharia – Grupo
IV, Engenharia – Grupo V, Engenharia – Grupo VI, Engenharia – Grupo VII,
Engenharia – Grupo VIII, Filosofia, Física, Geografia, História, Letras,
Matemática, Pedagogia, Química, Tecnologia em Análise e Desenvolvimento de
Sistemas, Tecnologia em Alimentos, Tecnologia em Automação Industrial,
Tecnologia em Construção de edifícios, Tecnologia em Fabricação Mecânica,
Tecnologia em Gestão da Produção Industrial, Tecnologia em Manutenção
Industrial, Tecnologia em Processos Químicos, Tecnologia em Redes de
Computadores, Tecnologia em Saneamento Ambiental.
2009 Administração, Arquivologia, Biblioteconomia, Ciências Contábeis, Ciências
Econômicas, Comunicação Social: Cinema, Comunicação Social: Editoração,
Comunicação Social: Jornalismo, Comunicação Social: Publicidade e
Propaganda, Comunicação Social: Radialismo, Comunicação Social: Relações
Públicas, Design, Direito, Estatística, Música, Psicologia, Relações
162
Internacionais, Secretariado Executivo, Teatro, Turismo, Tecnologia em Design
de Moda, Tecnologia em Gastronomia, Tecnologia em Gestão de Recursos
Humanos, Tecnologia em Gestão de Turismo, Tecnologia em Gestão Financeira,
Tecnologia em Marketing, Tecnologia em Processos Gerenciais.
2010 Agronomia, Biomedicina, Educação Física, Enfermagem, Farmácia,
Fisioterapia, Fonoaudiologia, Medicina, Medicina Veterinária, Nutrição,
Odontologia, Serviço Social, Terapia Ocupacional, Zootecnia, Tecnologia em
Agronegócio, Tecnologia em Agroindústria, Tecnologia em Gestão Ambiental,
Tecnologia em Gestão Hospitalar, Tecnologia em Radiologia.
2011 Arquitetura e Urbanismo, Artes Visuais, Biologia, Ciências Sociais,
Computação, Engenharia – Grupo I, Engenharia – Grupo II, Engenharia –
Grupo III, Engenharia – Grupo IV, Engenharia – Grupo V, Engenharia – Grupo
VI, Engenharia – Grupo VII, Engenharia – Grupo VIII, Filosofia, Física,
Geografia, História, Letras, Matemática, Música, Pedagogia, Química,
Tecnologia em Análise e Desenvolvimento de Sistemas, Tecnologia em
Alimentos, Tecnologia em Automação Industrial, Tecnologia em Construção de
edifícios, Tecnologia em Fabricação Mecânica, Tecnologia em Gestão da
Produção Industrial, Tecnologia em Manutenção Industrial, Tecnologia em
Processos Químicos, Tecnologia em Redes de Computadores, Tecnologia em
Saneamento Ambiental.
2012 Administração, Ciências Contábeis, Ciências Econômicas, Comunicação Social:
Jornalismo, Comunicação Social: Publicidade e Propaganda, Design, Direito,
Psicologia, Relações Internacionais, Secretariado Executivo, Turismo,
Tecnologia em Gestão Comercial, Tecnologia em Gestão de Recursos Humanos,
Tecnologia em Gestão Financeira, Tecnologia em Logística, Tecnologia em
Marketing, Tecnologia em Processos Gerenciais.
163
ANEXO II: Artigo 70 da Portaria INEP n
0 223 de 26 de julho de 2011
A prova do Enade 2011, no componente específico da área de Matemática, tomará
como referencial os seguintes conteúdos curriculares:
I - Comuns aos Bacharelandos e Licenciandos e referentes a conteúdos matemáticos da
Educação Básica:
a) números reais: racionais, irracionais, frações ordinárias, representações decimais;
b) contagem e análise combinatória, probabilidade e estatística: população e amostra,
organização de dados em tabelas e gráficos, distribuição de frequências, medidas de
tendência central;
c) funções: formas de representação (gráficos, tabelas, representações analíticas, etc.),
reconhecimento, construção e interpretação de gráficos cartesianos de funções, funções
inversas e funções compostas, funções afins, quadráticas, exponenciais, logarítmicas e
trigonométricas;
d) progressões aritmética e geométrica;
e) equações e inequações;
f) polinômios: operações, divisibilidade, raízes;
g) matrizes, determinantes e sistemas lineares;
h) geometria plana: paralelismo; perpendicularidade, congruência; semelhança,
trigonometria, isometrias, homotetias e áreas;
i) geometria espacial: sólidos geométricos, áreas e volumes;
j) geometria analítica plana: plano cartesiano, equações da reta e da circunferência,
distâncias;
k) matemática financeira.
II - Comuns aos Bacharelandos e Licenciandos e referentes aos conteúdos matemáticos
do Ensino Superior:
a) números complexos: interpretações geométrica e algébrica, operações, fórmula de De
Moivre;
b) geometria analítica: vetores, produtos interno e vetorial, determinantes, retas e
planos, cônicas e quádricas;
c) funções de uma variável: limites, continuidade, Teorema do Valor Intermediário,
derivada, interpretações da derivada, Teorema do Valor Médio, aplicações;
164
d) integrais: primitivas, integral definida, Teorema Fundamental do Cálculo, aplicações;
e) funções de várias variáveis: derivadas parciais, derivadas direcionais;
diferenciabilidade, regra da cadeia, aplicações;
f) integrais múltiplas: cálculo de áreas e volumes, Teorema de Green;
g) teoria elementar dos números: princípio da indução finita, divisibilidade, números
primos, Teorema Fundamental da Aritmética, equações diofantinas lineares,
congruências módulo m, Pequeno Teorema de Fermat;
h) álgebra linear: soluções de sistemas lineares, espaços vetoriais, subespaços, bases e
dimensão, transformações lineares e matrizes, autovalores e autovetores, produto
interno, mudança de coordenadas, aplicações;
i) fundamentos de análise: números reais, convergência de sequências e séries, funções
reais de uma variável, limites e continuidade, extremos de funções contínuas;
j) estruturas algébricas: grupos, anéis e corpos, anéis de polinômios.
III - Específicas para os Bacharelandos:
a) álgebra: anéis e corpos, ideais, homomorfismos e anéis quociente, fatoração única em
anéis de polinômios, extensões de corpos, grupos, subgrupos, homomorfismos e
quocientes, grupos de permutações, cíclicos, abelianos e solúveis;
b) espaços vetoriais com produto interno: operadores autoadjuntos, operadores normais,
Teorema Espectral, formas canônicas, aplicações;
c) análise: derivada, Fórmula de Taylor, integral, sequências e séries de funções;
d) integrais de linha e superfície, Teoremas de Green, Gauss e Stokes;
e) funções de variável complexa: Equações de Cauchy-Riemann, Fórmula Integral de
Cauchy, resíduos, aplicações;
f) equações diferenciais ordinárias, sistemas de equações diferenciais lineares;
g) geometria diferencial: estudo local de curvas e superfícies, primeira e segunda forma
fundamental, curvatura gaussiana, geodésicas, Teoremas Egregium e de Gauss-Bonet;
h) topologia dos espaços métricos.
IV - Específicas para os Licenciandos:
a) Matemática, história e cultura: conteúdos, métodos e significados na produção e
organização do conhecimento matemático para a Educação Básica;
b) Matemática, escola e ensino: seleção, organização e tratamento do conhecimento
matemático a ser ensinado;
165
c) Matemática, linguagem e comunicação na sala de aula: intenções e atitudes na
escolha de procedimentos didáticos; história da matemática, modelagem e resolução de
problemas; uso de tecnologias e de jogos;
d) Matemática e avaliação: análise de situações de ensino e aprendizagem em aulas da
escola básica; análise de concepções, hipóteses e erros dos alunos; análise de recursos
didáticos.