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Pontifícia Universidade de São Paulo – PUC/SP
José Milton Pinheiro de Souza
O PCB e a ruptura da tradição: dos impasses das for mulações do exílio ao exílio da política no Brasil (1971-1991)
Doutorado em Ciências Sociais
São Paulo
2014
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP
Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais
José Milton Pinheiro de Souza
O PCB e a ruptura da tradição: dos impasses das for mulações do exílio ao exílio da política no Brasil (1971-1991)
Doutorado em Ciências Sociais
Tese apresentada à banca examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Ciências Sociais sob orientação do professor Dr. Lúcio Flávio Rodrigues de Almeida.
São Paulo
2014
Banca Examinadora:
Titulares:
_____________________________________ Antonio Rago Filho
______________________________________
Jason T. Borba
______________________________________ Lincoln Secco
_______________________________________
Lúcio Flávio R. de Almeida (Orientador)
________________________________________ Luiz Bernardo Pericás
Suplentes:
_______________________________________ Marcos Del Roio
________________________________________
João Machado Borges Neto
A intelligentsia russa cedo me inculcara que o próprio sentido da vida consiste em participar conscientemente da realização da história. Quanto mais penso
nisso, mais me parece profundamente verdadeiro. Isso significa pronunciar-se ativamente contra tudo que diminui os homens e participar de todas as lutas
que tendem a libertá-los e engrandecê-los. Que essa participação seja inevitavelmente manchada de erros não minimiza o imperativo categórico; pior
erro é viver para si, segundo tradições totalmente manchadas de desumanidade. Essa convicção me deu, como a um certo número de outros, um destino bastante excepcional; mas estávamos, estamos bem na linha do desenvolvimento histórico, agora se vê que, por toda uma época, milhões de
destinos vão seguir os caminhos que fomos os primeiros a trilhar. Na Europa, na Ásia, na América, gerações inteiras se desenraizam, engajam-se
profundamente nas lutas coletivas, aprendem a violência e o grande risco, experimentam cativeiros, constatam que o egoísmo do “cada um por si” está
caduco, que o enriquecimento pessoal não é a finalidade da vida, que os conservadorismos de ontem só levam às catástrofes, sentem a necessidade de
uma nova tomada de consciência para a reorganização do mundo.
Victor Serge
A história, cujo objetivo precípuo é observar as mudanças que afetam a sociedade, e que tem por missão propor explicações para elas, não escapa ela
própria à mudança. Existe portanto uma história da história que carrega o rastro das transformações da sociedade e reflete as grandes oscilações do
movimento das ideias.
René Rémond
O concreto é concreto porque é síntese de múltiplas determinações, isto é, unidade do diverso. Por isso o concreto aparece no pensamento como o
processo da síntese, como resultado, não como ponto de partida, ainda que seja o ponto de partida efetivo e, portanto, o ponto de partida também da
intuição e da representação.
Karl Marx
Escrever a história de um partido significa nada mais do que escrever
a história geral de um país a partir de um ponto de vista monográfico.
Antonio Gramsci
Dedicatória
Para os camaradas do Partido Comunista Brasileiro (PCB),
assassinados pela ditadura burgo-militar de 1964, cujos corpos se encontram,
até hoje, desaparecidos: Nestor Veras, Jayme Miranda, David Capistrano da
Costa, Célio Guedes, José Roman, Élson Costa, José Montenegro de Lima,
Hiram de Lima Pereira, Itaír José Veloso, Luiz Ignácio Maranhão Filho, Walter
de Souza Ribeiro, Orlando Bonfim Júnior e João Massena Melo. Sua luta
continuará presente em nossas mãos.
Para Sofia Manzano, minha mulher e camarada, pelo amor e o carinho
da nossa convivência. Mas também por fazer parte dessa trajetória, com sua
constante ajuda no desenvolvimento da pesquisa e na construção da tese.
Nossas reflexões foram fundamentais.
Agradecimentos
A pesquisa científica e a construção de uma tese percorrem caminhos
nem sempre trilhados pelo autor. Nesse percurso, sempre contamos com um
conjunto de anônimos que nos fazem avançar no sentido de desvendar a
verdade, neste caso, política e histórica.
Para meus pais, Raimunda e Manoel, que com a simplicidade da cultura
operária despertaram em mim o prazer e a determinação pelo estudo.
Para o professor Lúcio Flávio, orientador do trabalho que, com seu rigor
acadêmico e sua generosidade contribuíram com a minha pesquisa e a
confecção da tese.
Para a Universidade do Estado da Bahia (UNEB) que possibilitou, com a
minha liberação, as condições para que pudesse realizar minha pesquisa,
contanto inclusive com bolsa. Também para os colegas do DEDC II que
aprovaram em plenária departamental o meu afastamento para a qualificação.
Para meus filhos, Ana Carolina, Paulo Daniel, Mariana e Milton
Salustiano que sempre respeitaram a minha ausência em virtude de meus
compromissos políticos e acadêmicos.
Para os colegas e amigos da Universidade do Estado da Bahia (UNEB),
Aldrin Castellucci, Elisa Lemos, César Leiro, Paulo Santos Silva, Iacy Maia
Mata e Robério Souza pelo constante debate no sentido de desvendar os
impasses da vida acadêmica e da participação docente.
Para os amigos Angélica Lovatto, Paulo Barsotti, Luiz Bernardo Pericás,
Graziela Forte, Marcos Del Roio, Lincoln Secco e Luiz Eduardo Motta pela
nossa constante presença nas mesas em que a conversa rende as mais
profundas reflexões e ao intenso prazer do convício pessoal, em especial, na
noite paulistana.
Para os camaradas e amigos Edmilson Costa, Cesar Mangolin e Antonio
Carlos Mazzeo, pela relação pessoal de intenso debate, militância política e
camaradagem.
Para meu enteado Yuri Manzano, parceiro de viagens e de longas
conversas sobre temas exóticos.
Para os colegas do Programa de pós-graduação em Ciências Sociais da
PUC-SP, Vanderlei Nery e Débora Lessa, pela companhia e pelo debate que
tivemos.
Para Kátia, funcionária do programa de pós-graduação da PUC, pela
gentileza e desprendimento na resolução de nossos constantes problemas.
Para os colegas e companheiros do NEILS, pelo constante debate que
tem sido realizado em virtude da ampla e plural produção científica que o grupo
de pesquisa desenvolve.
Para Fábio Margherito, que deu uma imensa contribuição ao transcrever
as diversas entrevistas da minha pesquisa.
Para os amigos do Buteco de Milium, no bairro do Tororó, em Salvador,
onde me encontro com algumas particularidades da cultura baiana.
Para o amigo Claudimar, do Espaço Cultural Latinoamericano (ECLA)
pela solidariedade e pela constante divagação sobre o mundo e sobre o prazer
da noite.
Para os velhos camaradas Hermine, Ernesto e Geraldo Martins pelo
compromisso constante com a luta e pela rotineira solidariedade.
Para os intelectuais e dirigentes políticos Zuleide Faria de Mello, José
Salles, Anita Leocádia Prestes, Marly Vianna, Marco Antônio Tavares Coelho e
Milton Temer, que me receberam e me atenderam com extrema generosidade
nos vários encontros quando os entrevistei.
Para o professor Antonio Rago Filho, pelas contribuições que deu no meu
exame de qualificação.
Para os colegas e amigos da editoria do blog Marxismo21, Danilo
Martuscelli e Luciano Martorano pelo plural e constante debate.
Resumo
O objetivo central desta tese é contribuir para desvendar os caminhos que
levaram à crise política e orgânica do PCB no final dos anos 1980. Para tanto,
buscou-se investigar, tendo como balizas temporais o período de 1971 a 1991,
como o PCB, na procura da democracia formal, rompeu com a sua tradição
histórica de luta e subalternizou a classe operária no seu amplo conjunto de
interpretação teórico-político. Nossa hipótese é que as formulações políticas
desenvolvidas pelo núcleo dirigente estagnado (CC), que se encontrava
majoritariamente exilado em virtude da ditadura burgo-militar, levaram ao exílio
da política na conjuntura brasileira na longa transição democrática. Este
partido, operador político que se formou para defender o programa político-
social do proletariado, sucumbiu à legalidade da ordem burguesa em virtude
das suas formulações e da prática política subalterna desenvolvida pela sua
direção no período estudado. O seu arcabouço analítico foi herdeiro da
Declaração de março de 1958 e contribuiu para derrotar o partido durante o
processo de transição política da ditadura burgo-militar para a democracia
formal (burguesa).
Palavras-chave: PCB, história política, transição democrática, crise, operador
político.
Abstract
The main objective of this thesis in to unraveling the pathways that led to the
great political and organizational crisis of PCB in the late 1980s. To this end, we
sought investigate, with the focus on the period 1971-1991, as the PCB, in the
search for space of formal democracy, broke with its historic tradition of struggle
and submitted the working class in its wide range of theoretical and political
interpretation. Our raised hypothesis is that policy formulations developed by
leading core stagnant (CC), which was mostly exiled on account of bourgeois-
military dictatorship, led the PCB to the exile of political during Brazilian long
democratic transition.
This party, political operator built for defends the political and social program of
the proletariat, succumbed to the legality of the bourgeois order by virtue of their
formulations and subaltern political practice developed by his direction during
the studied period. Its analytical framework was inherited from of March
Declaration (1958) and helped to defeat the party during the political process of
transition from the bourgeois-military dictatorship to the formal (bourgeois)
democracy.
Keywords: PCB, political history, democratic transition, crisis, political operator.
Lista de siglas e abreviações
ABC paulista – As cidades de Santo André, São Bernardo do Campo e São
Caetano, no Estado de São Paulo, que concentram o complexo metalúrgico e
automotivo.
ABI – Associação Brasileira de Imprensa
AI-1 – Ato Institucional Nº 1
AI-2 – Ato Institucional Nº 2
AI-5 – Ato Institucional Nº 5
ALN – Ação Libertadora Nacional
ANC – Assembléia Nacional Constituinte
ASMOB – Archivio Storico Del Movimento Operaio Brasiliano
AMORJ – Arquivo de Movimento Operário do Rio de Janeiro
ARENA – Aliança Renovadora Nacional
BTD – Balanço do Trabalho de Direção
CC – Comitê Central
CE – Comissão Executiva
CEDEM – Centro de Documentação e Memória
CEI – Comunidade dos Estados Independentes
CIA-PE – Companhia da Polícia do Exército
CIMI – Conselho Indigenista Missionário
CGT – Comando Geral dos Trabalhadores
CGT – Central Geral dos Trabalhadores
CLT – Consolidação das Leis Trabalhistas
CME – Capitalismo Monopolista de Estado
CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
CONCLAT – Congresso das Classes Trabalhadoras
CONTAG – Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura
CPT – Comissão Pastoral da Terra
CR – Comitê Regional
CUT – Central Única dos Trabalhadores
DOI-CODI – Destacamento de Operações de Informações – Centro de
Operações de Defesa Interna
DOPS – Departamento de Ordem Política e Social
ESG – Escola Superior de Guerra
FDR – Fundação Dinarco Reis
FFAA – Forças Armadas
FGTS – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
FIESP – Federação das Indústria do Estado de São Paulo
FMI – Fundo Monetário Internacional
IAP – Instituto Astrogildo Pereira
IBAD – Instituto Brasileiro de Ação Democrática
IC – Internacional Comunista
ICP – Instituto Caio Prado Jr.
ICS – Instituto de Ciências Sociais
IEVE – Instituto de Estudos sobre a Violência do Estado
IGP – Índice Geral de Preços
IPES – Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais
IPMs – Inquéritos Policial Militar
JK – Juscelino Kubitschek
MCI – Movimento Comunista Internacional
MDB – Movimento Democrático Brasileiro
MPC – Modo de Produção Capitalista
MR-8 – Movimento Revolucionário 8 de outubro
NEP – Nova Política Econômica
OAB – Ordem dos Advogados do Brasil
PAEG – Plano de Ação Econômica do Governo
PCs – Partidos Comunistas
PCB – Partido Comunista Brasileiro
PC do B – Partido Comunista do Brasil
PCBR – Partido Comunista Brasileiro Revolucionário
PCE – Partido Comunista Espanhol
PCF – Partido Comunista Francês
PCI – Partido Comunista Italiano
PCUS – Partido Comunista da União Soviética
PDS – Partido Democrático Social
PDT – Partido Democrático Trabalhista
PFL – Partido da Frente Liberal
PNDs – Planos Nacionais de Desenvolvimento
PP – Partido Popular
PSD – Partido Social Democrático
PT – Partido dos Trabalhadores
PTB – Partido Trabalhista Brasileiro
SBPC – Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
SNI – Serviço Nacional de Informação
UDN – União Democrática Nacional
UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro
UNE – União Nacional dos Estudantes
UNESP – Universidade do Estado de São Paulo
UNICAMP – Universidade de Campinas
URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
VO – Voz Operária
VU – Voz da Unidade
Sumário
Introdução ........................................ ........................................................... 18
1. Antecedentes dos impasses políticos e orgânicos: do VI Congresso do
PCB à articulação do núcleo dirigente no exílio. .. .................................... 31
1.1 As tensões da política brasileira: o golpe de 1 964 e o PCB ............... 32
1.2 A linha política definida no VI congresso .... ........................................ 48
1.3 VI Congresso do PCB: as contradições políticas e o distanciamento
da perspectiva socialista ......................... ................................................ 54
1.4 A visão estratégica e a ditadura da tática no PCB ............................... 58
1.5 A análise sobre o partido e o golpe nas resolu ções do VI Congresso
.................................................................................................................... 66
1.6 As rupturas políticas e orgânicas no caminho d o enfrentamento
armado com a ditadura ............................. ............................................... 67
1.7 O cenário político brasileiro no pós-golpe ... ........................................ 73
1.8 A repressão decide liquidar o PCB ............ ............................................ 82
1.9 A chegada dos dirigentes no exílio ........... ............................................ 90
1.10 A articulação de uma rotina de comando fora do Brasil e as
primeiras decisões partidárias .................... ........................................... 92
1.11 O papel da chamada “assessoria do CC” no exíl io ....................... 95
2. As formulações do PCB no exílio ................ ............................................ 98
2.1 O debate sobre o Brasil no núcleo dirigente ... ................................... 100
2.2 As resoluções políticas e os encaminhamentos pa ra as frentes de
massas ............................................ .............................................................. 103
2.3 O começo da cisão no núcleo dirigente ......... ..................................... 135
2.4 A política do PCB em disputa .................. ............................................. 139
2.5 Noções da teoria marxista sobre partido e as co ntradições da prática
comunista ......................................... ............................................................ 141
3. O exílio das formulações do PCB na cena política dos anos 1980 ..... 146
3.1 Novo ciclo de lutas operárias e a posição do pa rtido ........................ 149
3.2 O debate de Prestes com o CC .................. ........................................... 154
3.3 O afastamento do partido do centro político da luta de classes...... 163
3.4 O PCB e os impasses da frente democrática ..... ................................ 167
3.5 A política de alianças eleitorais do partido .. ...................................... 169
3.6 A campanha das “diretas já” e o posicionamento do PCB .............. 172
3.7 Uma leitura da transição democrática: a formula ção do núcleo
dirigente ......................................... .............................................................. 178
3.8 A consolidação de uma linha reformista que para lisou o partido ... 180
4. A consolidação da ruptura da tradição – o PCB de sfigurado ............. 186
4.1 O VII congresso – o que fazer? ................ ............................................ 187
4.2 Ditadura e transição: os erros da linha polític a se aprofundaram no VII
Congresso ......................................... ........................................................... 189
4.3 A nova realidade brasileira e a problemática da s teses do PCB ...... 198
4.4 O VIII congresso: um partido para a legalidade burguesa ................ 207
4.5 A continuação da longa crise econômica e social ............................. 211
4.6 A crise do PCB ao final dos anos 1980 ......... ....................................... 215
4.7 Uma candidatura “redentora” para o PCB: Roberto Freire ............... 219
4.8 Aspectos da crise do “Socialismo” na URSS e no Leste Europeu ... 223
4.9 Convocado o IX Congresso do PCB: confrontos pre vistos para os
debates ........................................... .............................................................. 230
5. Considerações finais ........................... ................................................... 232
6. Referências bibliográficas ..................... ................................................ 234
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Introdução
Quem desconhece o passado, condena-se a repetí-lo.
Goethe
As principais motivações que me levaram à desenvolver esta pesquisa
advém da minha relação longeva com as lutas operárias e populares e do meu
compromisso político-acadêmico na área de Ciência Política e História Política
da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Essa dupla interface, jornada de
mais de 30 anos de participação nas lutas sociais a partir da perspectiva de
uma esquerda revolucionária de matiz marxista e compromisso acadêmico-
científico em desvelar as questões que permeavam esse arcabouço histórico-
político despertaram o interesse em aprofundar os estudos para entender a
presença da esquerda comunista, em particular o papel do Partido Comunista
Brasileiro (PCB), em um período muito complexo da realidade política
brasileira.
Entretanto, entendo que a pesquisa científica transcende a primeira
questão aqui levantada. Sendo assim, procuro desenvolver uma postura de
pesquisa que me leve a uma aproximação do real, qualificando a pesquisa
científica como um instrumento de investigação pautado em duas questões: a
escolha, evidentemente que subjetiva por um tema a ser analisado, pesquisado
e, por outro lado, o esforço de se tentar aproximar ao máximo possível o objeto
de estudo da verdade histórica.
Trata-se aqui de uma pesquisa cujo objeto é o instrumental teórico-
político da ação do PCB entre os anos de 1971 e 1991 e a crise político-
orgânica que se abateu naquele período sobre o partido. A questão da
pesquisa é saber em que medida as formulações do PCB, construídas a partir
do exílio pelo núcleo dirigente, contribuíram para movimentar a ruptura da
tradição histórica de luta dos comunistas, gerando impasses para a prática
política no Brasil ao subalternizar os trabalhadores e os ideais do partido aos
interesses do processo de transição democrática, e contribuindo para o exílio
da política do PCB na realidade brasileira. Nas duas perspectivas, leva-se em
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conta que o partido era a força hegemônica e mais forte dentro da esquerda
marxista brasileira.
Alguns partidos e movimentos de esquerda atuavam expressivamente no cenário político brasileiro no início dos anos 1960. Predominava o Partido Comunista Brasileiro (PCB), que, embora ilegal, viveu seu apogeu naquele período (RIDENTI, 2010, p. 27).
Este objeto de estudo e as hipóteses levantadas não se originaram de
uma escolha voluntarista. Trata-se de estudar com o devido rigor, as
desventuras do Partido Comunista Brasileiro em um período decisivo para a
sua história política e para a reorientação da esquerda brasileira. Foi naquele
período que o PCB enfrentou as suas mais sérias crises do ponto de vista
teórico, político e orgânico. E, ao mesmo tempo, foi construída uma nova
hegemonia teórico-política dentro da esquerda que se pautava na luta pela
sociedade socialista.
Portanto, o objetivo central da pesquisa é investigar a presença do PCB
nesse período histórico do ponto de vista da sua dinâmica dentro do processo
político sob controle da ditadura militar e do desenvolvimento da transição para
a democracia formal. Isso em virtude do exame das formulações do partido e
das ações que ele desenvolveu no combate à ditadura.
O escopo da pesquisa, naturalmente se deteve nos pontos fulcrais que
orientavam os objetivos do partido e que se articularam nas formulações que
designavam a estratégia partidária, bem como na ação concreta desenvolvida
pela tática dos comunistas brasileiros. O desvelamento dessa ação teórico-
política passa pela análise das fontes primárias expostas nos documentos e
resoluções do PCB durante o período pesquisado, também, pelas relações
desenvolvidas a partir da prática política.
O PCB sempre foi pródigo em interpretações da realidade brasileira.
Não importando o acerto ou erro delas. Portanto, os documentos servem como
instrumentos que foram definidores para a ação que o partido desenvolveu no
contexto do enfrentamento com a ditadura militar. Diante desse quadro é
importante entender a relevância que justifica esta pesquisa.
A sociedade brasileira sempre teve um enorme déficit democrático. É de
fácil percepção que os interesses dos trabalhadores, a presença da sua
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vanguarda e o pensamento social marxista nunca tiveram maior repercussão
dentro do universo das preocupações acadêmico-científicas. Portanto, é
importante desvelar essa presença no sentido de contribuir com a verdade
político-histórica.
O Partido Comunista Brasileiro, da sua fundação até o final dos anos
1970 foi a principal força política da esquerda brasileira (SANTANA, 2001;
MOURA, 2005; SILVA, 2005; ANTUNES, 2007; RIDENTI, 2010), período em
que se afirmou enquanto operador político dos trabalhadores. Ou seja,
instrumento político da classe operária para lutar pelas suas bandeiras
específicas e políticas do ponto de vista estratégico, constituindo-se numa força
de vanguarda para levar adiante o programa político dos trabalhadores na
perspectiva de realização da revolução brasileira e do projeto socialista, que
em tese, transformaria a realidade do Brasileira.
No entanto, a leitura do Brasil feita pelo PCB ganhou o componente da
formulação construída pela “Declaração de Março de 1958”. Esse documento
impactou a leitura sobre os acontecimentos decorrentes da dinâmica da luta de
classes e, paulatinamente, foi-se aperfeiçoando nas resoluções do V, VI e VII
Congressos.
Todo esse arcabouço interpretativo logo se mostrou superado para
explicar a realidade brasileira e as características do capitalismo na formação
social do Brasil. A pesquisa identificou que a dinâmica da realidade impactou o
PCB justamente por equívocos nas análises e pela opção que fez na luta
contra a ditadura e pela transição democrática. Esse processo contribuiu para
derrotar o operador político dos trabalhadores, a partir do descolamento do
papel de vanguarda e da subsunção ao processo político que subalternizou a
classe operária na longa transição.
A justificativa para estudar o PCB, se amplia para além desses aportes
aqui colocados porque, mesmo o PCB sendo bastante estudado a partir de
determinados recortes, não encontramos uma interpretação que se detenha em
analisar a correspondência entre a derrota político-orgânica do partido e as
formulações/documentos seminais. Ou seja, aqueles que foram elaborados a
partir de março de 1958 até o VII Congresso, em 1987. Este recorte priorizou
as formulações do exílio para construir a hipótese do exílio da política do PCB
na realidade brasileira nas décadas de 1970 e 1980, a partir do comando
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daquilo que qualificamos como núcleo dirigente estagnado. Portanto, trazemos
um aporte pouco estudado para procurar compreender a perda da hegemonia
do PCB na esquerda brasileira, como a derrota político-orgânica que o PCB
sofreu.
Conduzo-me, para analisar esse conjunto de textos e documentos
originais e essas práticas teórico-políticas, a partir do processo de investigação
que norteia o método marxista. A interpretação da realidade concreta nos
permite apreender a relação dialética entre incapacidade de entender a
realidade e formulação superada do núcleo dirigente estagnado, que detinha o
controle do Comitê Central do partido. As questões levantadas nessa pesquisa
tiveram como hipótese que os documentos principais do PCB, do longo curso
às resoluções do exílio, se constituíram no arcabouço teórico-político
responsável pela derrota política e orgânica que o partido teve. Essa é a
questão central que nos remeteu à pesquisa e nos permite afirmar hoje que
esses documentos tem, sim, uma grande responsabilidade sobre os rumos
tomados.
Esse arcabouço teórico-político informou uma ação concreta que
colocou o PCB na contramão do seu projeto histórico. Essa hipótese de
investigação, confirmada, nos permite afirmar que o PCB rompeu com a sua
tradição de luta na esquerda brasileira e com a sua representação política
enquanto operador que foi formado para representar o programa da classe
trabalhadora (DEL ROIO, 2007).
Esse longo declínio do PCB, marcado pelo seu afastamento do bloco
onde atuava historicamente se consolidou a partir dos impasses das suas
formulações no período de 1971 a 1991. Porém, como herdeiros da
“Declaração de Março de 1958”. As formulações políticas do PCB foram
enclausuradas no exílio dos seus dirigentes que reforçaram práticas que não
conseguiam agir na realidade concreta.
Portanto, também, as formulações foram desarticuladas pela imposição
da realidade e pelo tipo de campo político que o PCB escolheu para atuar. As
formulações do partido no exílio contribuíram para exilar o partido na política
brasileira, afastando-o do protagonismo na esquerda.
Este trabalho contém diversos aspectos periféricos que se conjuminaram
para uma totalidade explicativa sobre o processo. Esses instrumentos foram
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pautados pelas entrevistas, pelas conversas com a velha militância, pela
dinâmica de ir e voltar aos diversos documentos que foram, de certo modo,
interferindo no processo da pesquisa.
Podemos dizer que os caminhos da pesquisa contemplaram os
seguintes aspectos e rumos: entender, evidentemente, como se deu a ruptura
da tradição como questão principal e vinculá-la à pergunta de como isso
ocorreu na relação com as formulações impactadas pelos impasses que se
apresentaram na longa cena política do período histórico de 1971 a 1991.
Para entender esse processo, estudamos os antecedentes teórico-
políticos do VI Congresso do PCB à articulação do núcleo dirigente no exílio.
Evidentemente que essa investigação passou pelas tensões da política
brasileira, marcadas pelo golpe de 1964 e a relação desse acontecimento com
o PCB.
Temos como elemento importante para desvelar esse processo a
definição da linha política do partido, definida no VI Congresso. Evento ocorrido
na clandestinidade em 1967 e sob o impacto muito recente da ditadura. As
resoluções do VI Congresso contribuíram para reforçar as contradições
políticas que o partido já vinha desenvolvendo e serviram para assoberbar o
distanciamento da perspectiva socialista. Era o peso do passado servindo para
fortalecer o desencontro com o futuro.
Mas para aprofundar o entendimento sobre esse processo complexo fez-
se premente entender algo que foi muito forte no PCB daquele período: a
estagnação da estratégia e uma questão muito importante, a ditadura da tática
no PCB. Portanto, o operador político derrotou o operador estratégico. A partir
da pesquisa, estou afirmando que a tática do partido, independente da visão
estratégica que se tivesse, não mudava para levar a diante os objetivos dos
comunistas. Ela subordinou a revolução brasileira e a perspectiva de
transformação socialista no Brasil em uma difusa defesa da democracia formal
e das liberdades democráticas (PCB, 1984, 1987).
Essa integração na institucionalidade da ordem burguesa se revestia,
para o PCB, na melhor condição para se lutar para resolver os problemas dos
trabalhadores e contribuir para a emancipação humana (PCB, 1985).
Ainda dentro dessa abordagem explicativa, como fator de origem
genética, se fez importante analisar as posições do partido diante do golpe de
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1964, a partir das resoluções do VI Congresso. Esse procedimento é
importante para entendermos as rupturas políticas e orgânicas que ocorreram
dentro do partido, gerando diversas outras organizações que se transformaram
na grande maioria da esquerda que se armou para enfrentar, a partir de uma
perspectiva foquista, militarista e popular prolongada (luta armada do campo
para a cidade), no período entre 1968 e 1971.
Nesse mesmo contexto, o cenário político brasileiro no pós-golpe foi
marcado pelo rearranjo das frações de classe da burguesia (bancária e
industrial) que foram beneficiadas com o novo regime político e com a nova
forma de controle do Estado, se transformando no novo bloco do poder. Essa
cena política tentou velar o arrocho salarial, que foi articulado para ser uma
nova forma de exploração do trabalho e extração de mais-valia, determinou
medidas autoritárias que registravam um Estado de exceção e desenvolveu um
modelo reacionário para consubstanciar o perfil ideológico que deveria orientar
as relações sociais dentro da nação.
Esse projeto de ação política desenvolvido pelos golpistas aliava a
burguesia designada nas frações citadas, com os militares entreguistas
formados pela ideologia da “Segurança Nacional” e atrelados politicamente aos
institutos de formação dos militares norte-americanos e a uma proposta de
desenvolvimento burguês. Essa vinculação de frações de classe da burguesia
com setores reacionários das Forças Armadas pode propiciou a construção de
uma categoria explicativa para entender o período autoritário, uma ditadura
burgo-militar.
Ao lado dessas questões do cenário político brasileiro no pós-golpe, a
ditadura burgo-militar através do seu aparato repressivo decidiu liquidar a
estrutura do PCB, atacando os seus militantes e dirigentes: prendendo,
torturando, assassinando e exilando (PINHEIRO, 2012). Diante dessas
circunstâncias tão devastadoras que agiram sobre o PCB, o CC considerou
que era urgente deslocar seus quadros para o exílio.
Os dirigentes se deslocaram para a Europa do Leste, para a União
Soviética, mas também para a França, Portugal e Itália. Logo ao chegar,
procuraram articular uma rotina de comando para acompanhar as ações do
partido no Brasil, implementar tarefas, denunciar os crimes da ditadura e ao
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mesmo tempo organizar uma enorme quantidade de militantes que se
encontravam no exílio.
Para executar esse programa de ação e iluminar a reflexão do PCB, foi
criada uma assessoria do Comitê Central no exílio, com base em Paris, que iria
também organizar a confecção e a distribuição jornal Voz Operária, órgão
oficial do partido. No entanto, ao lado dessa vasta plataforma de pendências,
se desenvolvia um debate importante sobre as formulações do PCB no exílio.
Esse debate foi determinante para iluminar as posições que depois se
cristalizaram na política do partido, a partir do exílio, e que foram responsáveis
pela polêmica entre Prestes e o CC. Além contribuir para com as formulações
que derrotaram o PCB e colocaram sua política no exílio da ação real no
retorno dos dirigentes ao Brasil.
A partir dessas formulações do exílio, que são herdeiras radicais dos
documentos que se originaram na “Declaração de Março de 1958”, o núcleo
dirigente estagnado (núcleo duro do CC) desenvolveu um debate sobre o Brasil
e com base nessa análise orientou o rumo pelo qual deveria trilhar na Frente
Democrática e nas frentes de massa onde o partido deveria atuar (popular,
operária, sindical, estudantil, mulheres, etc.) para fazer, em tese, o
enfrentamento da ditadura.
Ao mesmo tempo, diante dos impasses dessas formulações e do atraso
na compreensão da realidade brasileira, o núcleo dirigente estagnado forçava
uma linha política que não tinha aderência por não entender a nova
conformação do capitalismo no Brasil. Portanto, a partir dessa brecha surgiu
uma cisão no CC, que colocava em campos radicalmente opostos o Secretário-
Geral, Luiz Carlos Prestes, e uma maioria desse colegiado.
Qualificamos de núcleo dirigente estagnado, o agrupamento que se
encontrava por longa duração no comando CC, sob a liderança de Giocondo
Dias, que não conseguia formular uma orientação teórico-política que tivesse
capacidade de responder às transformações que havia colocado o Brasil em
outro patamar dentro do capitalismo e, ao mesmo tempo, desenvolvesse os
objetivos históricos dos comunistas. Sendo assim, a política do PCB entra em
processo de disputa interna.
Essa disputa política tem rebatimentos nas noções da teoria marxista
sobre partido (CLAUDÍN, 1985; GRAMSCI, 2007; LENIN, 1977, 1978, 1984;
25
LUKÁCS, 1974, 1975) e nas contradições da prática comunista dentro do PCB
na relação com essa teoria (PANDOLFI, 1995). Esse debate se prolongou, as
formulações do exílio pautaram as formulações do PCB no Brasil nos anos
1980, após o retorno dos dirigentes em virtude da anistia.
Esse instrumental analítico, colocou imensas dificuldades para o
processo de compreensão dos acontecimentos que movimentavam a
realidade, gerando transtornos e problemas para se situar dentro da conjuntura
social e política do ciclo de lutas operárias que se abriu com as jornadas do
ABC paulista.
O PCB teve, para alguns analistas (ANTUNES, 2007; MAZZEO, 1995;
SANTANA, 2001) uma posição recuada diante desse novo quadro político
impactado pela presença do movimento operário e sindical. Essa posição
contribuiu para o definhamento do partido e acirrou a disputa interna entre
Prestes e a maioria do CC. Se transformando em uma pauta com
características de ajuste de contas sobre a história recente do PCB.
Naquele período o partido desenvolvia uma inflexão teórico-política que
o afastou do centro político da luta de classes. Esse afastamento foi se
consolidando a partir da linha que estabeleceu as premissas da política de
“lutar para negociar, negociar para mudar”. Essa era a orientação que o CC
tinha dado para a ação da sua militância nas contendas da transição
democrática.
As bases dessas premissas incentivaram uma nova forma organizativa.
O PCB passou a se referenciar em outro campo de interesse, ou seja, o
espaço político da legalidade institucional normatizado pela democracia formal
(burguesa). Com essa iluminação, a política de alianças eleitorais do partido
priorizava o PMDB e, dentro do PMDB, os setores mais atrasados da frente
democrática. Participando com esses setores de diversas coligações e
coalizões nas eleições de 1982 e 1986.
Um pouco antes desse processo eleitoral (1986), o PCB tinha tido um
posicionamento dúbio na campanha das “Diretas Já”. No primeiro momento, o
partido não se envolveu de forma decidida, depois considerou que seria um
momento importante de agitação social e de pressão sobre a ditadura. Mas o
que estava por traz dessa dubiedade era a leitura que se tinha da transição
democrática feita pelo núcleo dirigente. Era uma posição que considerava mais
26
importante uma saída negociada para a ditadura do que uma situação de
agitação que colocasse em risco o processo construído pela frente
democrática. Porém, sem desconsiderar a importância da pressão das massas.
A política reformista de ampla conciliação entre as classes, não só se
afirmou como paralisou o partido. Serviu como instrumento para romper, na
conjuntura da transição, com todos os símbolos que fizeram do PCB um partido
revolucionário.
Essa operação prático-conceitual desfigurou e ajudou à desmontar a
estrutura orgânico-política do partido. É importante, no entanto, registrar, que
essa desfiguração ocorreu em um período ditatorial, quando os caminhos estão
muitas vezes confusos e interditados. Contudo, o PCB optou pelo mais fácil: o
de se estabeler com sua política no campo da ordem burguesa (MOURA, 2005;
TAFFARELLO, 2009).
Como percurso de um rápido processo de mudança, os erros da linha
política se aprofundaram no VII Congresso (PCB, 1984) e, novamente, a
questão da realidade brasileira não encontrava repercussão nas teses do PCB
para redirecionar a sua política. No entanto, a situação se agravou no VIII
Congresso (PCB, 1987) quando o PCB se transformou em um partido para a
legalidade burguesa.
Mesmo diante da continuidade da longa crise econômica e social, o
partido se manteve articulado com os segmentos mais conservadores da frente
democrática, possibilitando, com essa postura, o avanço da crise do partido no
final dos anos 1980. E, tendo em vista superar essa crise, o PCB considerou
que uma candidatura própria poderia galvanizar o sentimento da militância e
abrir uma perspectiva de disputa pelo protagonismo dentro da esquerda
brasileira, lançando a candidatura do deputado federal pernambucano Roberto
Freire. Essa candidatura teve uma repercussão de mídia, contudo, não teve
impacto nas massas, muito menos repercussão entre os trabalhadores naquele
momento.
Ao lado dessa circunstância, outra crise se abriu para o PCB diante do
colapso do socialismo na União Soviética e no Leste Europeu. Era algo novo
para o partido que tinha posições seguidistas em relação ao papel da União
Soviética e que orientava, em muitas questões, as formulações e a prática
política do PCB.
27
Esse complexo roteiro de questões se articulou para fomentar a batalha
que se daria no IX Congresso do PCB (1990), que abria definitivamente o
partido para uma disputa de vida ou morte, ou seja, continuar existindo ou se
transformar num apêndice da política burguesa.
Para concluir essa introdução preciso estabelecer mais duas questões.
A primeira, diz respeito ao campo dos recursos utilizados para realizar o
trabalho. Trata-se de uma pesquisa no campo da história política em
articulação com questões levantadas pela ciência política. Para isso utilizo-me
de fontes documentais, entrevistas e categorias explicativas que se
apresentam não como uma definição a priori, mas no contexto das situações
examinadas pela pesquisa. Portanto, o trabalho ganhou muito com o
instrumental da renovação da história política que [...] “foi grandemente
estimulada pelo contato com outras ciências sociais” [...] (RÉMOND, 2003, p.
29). Isso permitiu a afirmação do político como uma relação total.
Desenvolvo a premissa de que o PCB, através do seu instrumental
teórico-político, não conseguiu desvelar as contradições das ramificações que
produziram a nova cena política, nem o fechamento do longo ciclo da revolução
burguesa com os PNDs1 da ditadura burgo-militar, passando ao processo de
articulação da transição pela subordinação à lógica da via prussiana que tanto
interessava à oposição liberal burguesa. Mas, também, desenvolvo a tese de
que o esgotamento das formulações teórico-políticas favoreceu a perda da
hegemonia do PCB na esquerda brasileira, no movimento operário e nas lutas
populares, levando o partido a uma longa crise político-orgânica durante a
longa direção do núcleo dirigente estagnado2 (o CC dirigido por Giocondo Dias,
Salomão Malina e depois Roberto Freire).
1 Foram dois Planos Nacionais de Desenvolvimento. O primeiro de 1972 a 1974 e o segundo de 1975 a 1979, que
contribuíram para fechar o ciclo da revolução burguesa nas relações de produção. 2 Esse núcleo dirigente tardio, articulado por Giocondo Dias já no V Congresso do PCB (1960), se consolidou com o
processo de saída/expulsão de milhares de militantes durante os debates do VI Congresso (1967) que foi impactado
pelo golpe burgo-militar e se consolidou ao ser vitorioso internamente contra Prestes e depois os “eurocomunistas” que
terminaram, também, saindo do partido. Durante os anos 1980, esse núcleo reafirmou um instrumental teórico-político
que advinha da Declaração de março de 1958 que se mostrou ultrapassado para responder às novas contradições do
capitalismo no Brasil e ao processo de lutas desenvolvidas pela classe operária e os segmentos populares. Esse
núcleo consolidado, por ter a maioria do CC, teve a longeva direção de Giocondo Dias, depois Salomão Malina e por
fim o consórcio de dirigentes partidários que transitavam em torno do deputado federal, Roberto Freire.
28
A segunda, diz respeito ao plano geral da interpretação, utilizo-me de
algumas referências contidas nas obras de Marx (2011, 2012), Engels (1981),
Poulantzas (1971), Gramsci (2000, 2002, 2007), Florestan Fernandes (1979,
1982, 2006), Décio Saes (1987, 2011) e Armando Boito (2002, 2007) para
introduzir argumentos na explicação das questões estudadas através das
categorias de bloco no poder, hegemonia, cena política, democracia formal
(burguesa), modo de produção determinante, formação social, autocracia
burguesa, poder político, regime político, bonapartismo, via prussiana,
hegemonia e outras balizas interpretativas do marxismo contemporâneo. Ainda
no plano geral, é importante sinalizar com luzes teóricas algumas das
categorias explicativas utilizadas.
O Estado capitalista é a chave interpretativa para entender a questão do
bloco no poder.
O Estado capitalista apresenta igualmente, em virtude da sua estrutura específica, e nas suas relações com as classes e frações dominantes, uma particularidade em relação aos outros tipos de Estado. Trata-se do problema do ‘bloco no poder’: o conceito de hegemonia poderá ser útil aqui a fim de estudar o funcionamento das práticas políticas das classes ou frações dominantes no bloco no poder, e a fim de situar as relações entre Estado e este bloco. Constata-se, efetivamente, no caso deste tipo de Estado, uma relação específica entre as classes ou frações a cujos interesses políticos este Estado responde. Isto permite precisamente situar as relações entre as formas de Estado desse tipo e a configuração típica que esta relação apresenta entre as classes e frações dominantes num estádio de uma formação capitalista (POULANTZAS, 1971a, p. 60).
Precisamos estabelecer pistas para entender a noção que utilizo de
democracia formal (burguesa) como,
Forma de Estado em que a classe social exploradora (capitalistas) logra, por predominar invariavelmente no Parlamento, formalmente aberto a todas as classes sociais, repartir com a burocracia de Estado a capacidade de definir e implementar a política de Estado. Também é, correlatamente, o regime político no qual a competição partidária com vistas à conquista do controle do Parlamento existe, mas é dominado invariavelmente pelos partidos políticos objetivamente comprometidos com a conservação do capitalismo (SAES, 1987, p. 87).
E os pressupostos dessa democracia burguesa dentro do Estado
capitalista.
29
O sistema jurídico moderno, distinto da regulamentação feudal fundada nos privilégio, reveste um caráter ‘normativo’, expresso num conjunto de leis sistematizadas a partir dos princípios liberdade e igualdade: é o reino da ‘lei’. A igualdade e a liberdade dos indivíduos-cidadãos residem na sua relação com as leis abstratas e formais, as quais são tidas como enunciando essa vontade geral no interior de um ‘Estado de direito’. O Estado capitalista moderno apresenta-se, assim, como encarnando o interesse geral de toda a sociedade, como substancializando a vontade desse ‘corpo político’ que seria a ‘nação’ (POULANTZAS, 1971, p. 133).
A caracterização do conceito de hegemonia se apresenta no desenrolar
do processo de análise do trabalho, a partir das pistas colocadas por Gramsci
que foram referenciadas em Lenin. “Aliás, diria mesmo que, se se quer ver o
ponto de contato mais constante, mais enraizado, de Gramsci com Lênin, esse
me parece ser o conceito de hegemonia” (GRUPPI, 2000, p. 1). [...] “Gramsci –
quando fala de hegemonia – refere-se por vezes à capacidade dirigente,
enquanto outras vezes pretende referir-se simultaneamente à direção e à
dominação” (GRUPPI, 2000, p. 11). Sendo assim,
O conceito de hegemonia é apresentado por Gramsci em toda sua amplitude, isto é, como algo que opera não apenas sobre a estrutura econômica e sobre a organização política da sociedade, mas também sobre o modo de pensar, sobre as orientações ideológicas e inclusive sobre o modo de conhecer (GRUPPI, 2000, p. 3).
Mas também, a hegemonia de fração, que é a “capacidade de uma das
frações da classe dominante fazer predominar os seus interesses peculiares no
terreno do processo decisório estatal” (SAES, 1987, p. 89).
Para entender as contradições da luta de classes na longa conjuntura
dos marcos temporais da pesquisa, utilizamos a categoria de cena política.
Em O Dezoito de Brumário e também no Lutas de Classes na França, livro que o antecedeu e lhe serviu de base, Marx concebe a cena política nas sociedades capitalistas, que é o espaço de luta entre partidos e organizações políticas, como uma espécie de superestrutura da luta de classes e de frações de classe, que formam aquilo que poderíamos denominar a base socioeconômica da cena política. A cena política é uma realidade superficial, enganosa, que deve ser desmistificada, despida de seus próprios termos, para que se tenha acesso à realidade profunda dos interesses e dos conflitos de classes (BOITO, 2002, p. 129).
30
Todo esse complexo conjunto de categorias explicativas, utilizadas na
dinâmica de análise do processo histórico-político, se somam para iluminar o
período estudado e o regime político, entendendo, este último, como um
Conjunto das condições sob as quais, num tipo particular de Estado e dentro dos limites estabelecidos pela forma de que este se reveste, se desenvolve a ação (partidária, faccional) da classe dominante, com vistas a participar, juntamente com os funcionários estatais, do processo de implantação da política de Estado (SAES, 1987, p. 89).
No plano específico, levo em consideração os documentos dos VI
(1967), VII (1984) e VIII (1987) Congressos do Partido Comunista Brasileiro
como arcabouço teórico-político que informava o processo operativo das ações
do partido. Apresentando, no corpo do trabalho, não de forma estanque,
referências sobre as categorias burgo-militar – a partir das questões
pertinentes às funções de Estado, interesses de classe, burocracia estatal com
vínculos de classe, porém, com relativa autonomia, junções dos interesses de
frações da burguesia com o papel ideo-político das camadas militares - para
explicar o golpe/ditadura. Operador político, como instrumento que advém da
relação dialética entre formulação e prática social indicando uma tradição, uma
cultura política e a luta por um objetivo estratégico radical e núcleo dirigente
estagnado, como junção das várias incapacidades para realizar o projeto
estratégico do partido, em virtude da superação de seu instrumental teórico-
político.
Portanto, é um trabalho de pesquisa que se realizou a partir das balizas
metodológicas da Ciência Política e da História política.
Dar novamente sentido ao passado e tornar, por isso mesmo, o presente mais inteligível é a finalidade [do meu trabalho e] de uma história política, para a qual a história das ideias traz, pelo ajuste de seus instrumentos e a multiplicação de seus materiais, uma contribuição indispensável (WINOCK, 2003, p.290).
31
1. Antecedentes dos impasses políticos e orgânicos. Do VI congresso
do PCB à articulação de um núcleo dirigente no exíl io
De três caminhos possíveis, deixamos Ao inimigo apenas duas possibilidades:
Em uma, ele perde; na outra, nós vencemos.
Ho Chi Min
Este capítulo tem por objetivo apresentar as formulações que
informavam a ação política do PCB, desde seu V Congresso, ocorrido em
1960, e levantar questionamentos quanto à aderência dessas formulações e
resoluções diante dos acontecimentos políticos ocorridos no Brasil, no período
anterior ao golpe burgo-militar de 1964 até a ação política no exílio.
Na história política do Brasil, o papel representado pelo PCB foi de
importância singular e, sua ação, bem como sua percepção da realidade e as
resoluções tomadas à partir dela, representavam a visão política do setor mais
importante da esquerda brasileira até então. Nesse sentido, o estudo dessas
resoluções, à luz dos acontecimentos políticos reais desse período rico e
conturbado da história política do país, pode demonstrar a visão e a prática
política desse setor hegemônico na esquerda.
Destarte as conseqüências e conclusões que se apresentaram no
debate político, diante das necessidades oriundas da ruptura na ordem
institucional, o estudo das formulações, resoluções, ações e movimentações do
operador político mais importante da classe trabalhadora brasileira daquele
momento, o PCB, é de fundamental importância para compreender a
profundidade da política brasileira. Assim, o capítulo apresenta o panorama
político do período, o posicionamento do PCB diante do golpe, a linha política
definida no VI Congresso desse partido, as contradições orgânicas que
geraram luta interna no partido, o movimento do aparato repressivo na tentativa
de liquidar o PCB, o exílio de um partido e as circunstâncias do trabalho desse
partido no exterior.
32
1.1 As tensões da política brasileira: o golpe de 1 964 e o PCB
As resoluções políticas do V Congresso do PCB chocavam-se, de
maneira contraditória, com a realidade que tencionava a política no início da
década de 1960. Essas resoluções orientavam o partido para a disputa política
no campo da institucionalidade. Por outro lado, a radicalização dos movimentos
sociais pelas reformas de base no governo João Goulart, colocavam, para o
PCB, a necessidade política e orgânica de formular uma nova linha política que
fosse capaz de responder à problemática da conjuntura política daquele
momento.
Todavia, a acuidade da análise efetuada pelo PCB não se fez valer em relação a aspectos importantes do nacionalismo e da democracia no período. Seria exagerado esperar que os comunistas previssem que o fato de Magalhães Pinto apoiar a encampação da subsidiária da Bonde & Share não o impediria de, quatro anos mais tarde, desencadear, mesmo que atabalhoadamente, o golpe de 1964. Mas, um pouco de atenção do comportamento das diferentes forças do ‘bloco’ nacionalista revelaria que este apresentava importantes fissuras (ALMEIDA, L., 2003, p. 118).
Com o movimento das forças golpistas, criou-se uma pauta interna no
PCB diante da necessidade de entender o processo de crise política em curso
no Brasil, que se agravava com a movimentação de setores militares em
articulação com frações da burguesia. Esse debate interno tinha como objetivo
o enfrentamento político que o PCB acreditava realizar no horizonte da sua
ação. Todavia, sem imaginar que a conjuntura teria o desfecho que teve.
O Partido não esperava o golpe e não havia se preparado para enfrentá-lo. Mesmo na Comissão Executiva do Comitê Central, em que predominavam as posições esquerdistas, não haviam sido tomadas medidas práticas para fazer frente à repressão. A maioria esquerdista acreditada que a pressão exercida sobre Jango o faria avançar no caminho da superação da conciliação e da realização das reformas, até mesmo ultrapassando os limites da legalidade constitucional. Os adeptos das posições esquerdistas coincidiam com os adeptos das concepções reformistas ao confiarem, tanto uns quanto outros, no ‘esquema militar’ de Goulart, abdicando na prática do trabalho de organização, conscientização e mobilização popular (PRESTES, A., 2012, p. 109).
No entanto, aquela conjuntura de confronto político na sociedade
surpreendeu o PCB, com a precipitação dos acontecimentos. Assim, o VI
33
Congresso convocado deveria se deter, de forma ampla e profunda, sobre as
contradições que impactavam as relações de poder no fogo daquela conjuntura
e fazer o ajuste de contas com o grupo “esquerdizante”3 que havia dentro do
partido.
Porém, o golpe burgo-militar de 1º de abril de1964, que rompeu com a
ordem do então Estado de Direito, articulado por frações da burguesia em
conjunto com setores reacionários das forças armadas, e operado pelos
militares, impediu a realização do VI Congresso do PCB, que estava sendo
convocado e esperado para ocorrer naquele ano.
Nos primeiros meses de 64, preparávamo-nos para realizar o VI Congresso, quando o golpe militar interrompeu o processo democrático em nosso país, obrigando-nos a um recuo, que tornou praticamente impossível reunir a direcção suprema do Partido nos anos que se seguiram (PCB, 1976, p. 45).
O debate interno em curso, no ano de 1964, examinava a possibilidade
de se fazer um ajuste na orientação política, reestruturando a direção partidária
e redefinindo encaminhamentos a partir da perspectiva de novas resoluções. O
complexo canônico (eixos que orientavam as formulações) em disputa
pretendia examinar as modificações políticas ocorridas no país, procurando
entender a estrutura do capitalismo, as novas relações sociais que projetavam
modificações na sociedade brasileira e, também, analisar as contradições da
guerra fria na sua relação com o campo socialista4. Ao lado desse conjunto de
questões se apresentaram, também, as formulações teórico-estratégicas que
impulsionariam, dentro do receituário comunista, a ação política do partido
após o Congresso.
A realidade objetiva colocava em xeque a relação entre os problemas
demandados pela estratégia do partido e as características do capitalismo
brasileiro. O choque entre as formulações políticas, arcabouço teórico, e
realidade concreta avançava em pontos nodais para aquela conjuntura: a
3 Esse grupo era composto por Carlos Marighella, Mário Alves, Joaquim Câmara Ferreira, Jacob Gorender, Apolônio
de Carvalho e Jover Telles e estava articulado internamente desde a IV conferência nacional do partido ocorrida em
dezembro de 1962.
4 O temário do Congresso discutiu o golpe, a fase posterior ao golpe, a situação internacional com base na política do
Estado soviético, a concepção marxista de revolução, o caráter da atual etapa da revolução brasileira, o papel da
burguesia nacional e a luta armada como posição apresentada pelos dissidentes.
34
questão da burguesia e suas frações; a existência ou não de um campo
nacional e democrático dentro dessa classe; como era e se estabelecia a
correlação de forças entre o campo reacionário das forças armadas e o setor
nacionalista; quais determinações movimentavam esses setores. Tudo isso era
visto pelo partido de forma esquemática e analiticamente distanciado dos
fatores que movimentavam a realidade concreta.
Absolutizamos a possibilidade de um caminho pacífico e não nos preparamos para enfrentar o emprego da luta armada pela reação. Embora nos documentos do P. se afirmasse que um dos caminhos possíveis para a conquista de um governo nacionalista e democrático era a ação armada do povo e de parte das Forças Armadas, em resposta a uma tentativa golpista, estávamos inteiramente despreparados para isto no terreno político, ideológico e prático (apesar das sucessivas crises e ameaças de golpe, não havíamos discutido a situação militar, não tínhamos meios para assegurar o funcionamento do P. em quaisquer condições etc.) (Inquérito Policial-Militar nº 709, Apud GORENDER, 1987, p. 87).
O esquematismo teórico oriundo do que se convencionou chamar de
“teoria consagrada”5 turvou a lente política pela qual o Partido Comunista
Brasileiro pretendia responder ao conjunto da crise que abalava a República. É
possível se perceber na história desse partido as idas e vindas diante do fogo
da conjuntura, ou seja, o ziguezague na tática quando da precipitação de
acontecimentos que impactavam as relações de poder e exigiam medidas
políticas bruscas, no calor das contendas políticas.
Os comunistas brasileiros, diante desse conjunto de fatos e fatores, tiveram suas análises e formulações políticas problematizadas ou mesmo postas em xeque e sua coesa e solidificada doutrina marxista-leninista fraturada, ainda que parcialmente. Em função disso, o PCB, ao rever e repensar suas concepções e programa, passou por significativas mudanças e começou a elaborar uma política diversa que o orientava nos anos imediatamente anteriores. Assim, nesse período, o PCB iniciou um processo de renovação e formulação daquela que ficou conhecida e reconhecida, pelo seu núcleo dirigente, como uma ‘nova política’ (SEGATTO, 2003, p.124).
Mesmo com uma estratégia nacional e democrática6, o partido apontava
para uma provável ruptura que possibilitasse o convívio dos comunistas com o
5 Perspectiva analítica que advinha, de acordo Caio Prado Jr., das formulações genéricas da III Internacional
Comunista para orientar as seções (partidos) em todo o mundo.
6 Etapa considerada, naquele momento, como prévia para a revolução socialista.
35
poder. Para isso era necessário que a chamada corrente nacionalista e
democrática das forças armadas fizesse o enfrentamento com as forças
entreguistas e reacionárias, diante da articulação destes últimos, pois, esse
setor reacionário queria exercer um predomínio político sobre o governo
brasileiro ao colocá-lo a serviço da burguesia associada ao capital estrangeiro,
tendo como finalidade barrar a continuação do projeto nacional-
desenvolvimentista.
Tendia a se intensificar uma polarização, dentro e fora do governo, entre os nacionalistas (de múltiplos tipos), favoráveis à continuidade da política de desenvolvimento capitalista, identificada, com maiores ou menores restrições, com a emancipação nacional e, por outro lado, os que defendiam uma política contracionista. No primeiro campo, podemos identificar médios industriais, a imensa maioria da burocracia civil e militar, lideradas pelos segmentos nacionalistas, a aliança PSD-PTB e a frente Parlamentar Nacionalista, que aglutinava um leque mais amplo de deputados e senadores, muitos deles pertencentes à própria UDN. No campo oposto, alinhavam-se os segmentos da burguesia mercantil-financeira mais voltados para o comércio de exportação e importação, setores da alta classe média, as principais lideranças da UDN e os segmentos da burocracia de Estado mais ligados diretamente aos interesses do grande capital, nativo e/ou multinacional (ALMEIDA, L., 2003, p. 116).
Essa articulação entre burguesia convertida à internacionalização do
capital e os militares tinha como interesse central fechar o ciclo daquele
período, que por suas características institucionais, ficou conhecido como
“intervalo democrático”, ou seja, o período compreendido entre 1946 e o golpe
burgo-militar de 1964. Esse período, que foi marcado pela prevalência
legalidade institucional emanada da Constituição de 1946, permitiu o
surgimento de uma conjuntura política em que o jogo democrático possibilitou,
minimamente, a atuação de vários atores sociais que agiam na defesa de seus
interesses dentro da sociedade brasileira.
O “intervalo democrático” permitiu a movimentação do cenário político
brasileiro, mesmo pautado pelas características de uma democracia burguesa.
Assim, através da pressão dos de baixo e a convivência com os movimentos
populares e suas pautas corporativas, o Estado brasileiro teve que responder,
minimamente, a essas demandas políticas e, ao mesmo tempo, abrir o cenário
para as disputas que poderiam, ou não, modificar a realidade política brasileira.
Pensando a partir desse pressuposto o PCB imaginou que,
36
Com o apoio das massas e de segmentos da burguesia nacionalista, Jango, como ficou conhecido, representava a possibilidade real para a concretização dos objetivos do partido: a constituição de um governo nacional e democrático e a realização das reformas de estrutura, ou seja, os primeiros passos para a realização da via brasileira (nacional e democrática) ao socialismo (MOURA, 2005. p. 41).
Além disso, do ponto de vista das transformações econômicas,
Esse processo de desenvolvimento capitalista mediante industrialização teve por consequência transformações muito amplas da estrutura de classes e da estrutura de dominação e, portanto, no relacionamento entre as classes e entre o Estado e a sociedade (FAUSTO, 2007, p. 290).
É importante registrar que esse “intervalo democrático” só foi possível
porque em 1950, Getúlio Vargas, ao assumir o governo, impediu, até
determinado limite, que a estrutura de governo no Brasil, como ocorreu na
gestão do presidente Dutra, continuasse rompendo, de forma paulatina, com o
arcabouço legal estabelecido pela Constituição de 1946 e, ao mesmo tempo,
contribuiu para afirmar novas conquistas nacionalistas. Nesse período, os
trabalhadores avançaram em sua organização, o que possibilitou modificações
em favor do mundo do trabalho naquela conjuntura política e social, em que
pese as contradições na disputa política.
Na raiz desses acontecimentos podemos remarcar, inicialmente, a contemporaneidade de dois fatos relevantes. A abertura para a manifestação das dificuldades de ordem econômica fornecida pelo processo de redemocratização é coincidente com a entrada dos comunistas no aparelho estatal via sua aliança com Vargas. E como conseqüência desse fato, nota-se uma canalização das reivindicações dos trabalhadores, através do PCB, em direção aos estreitos mecanismos provenientes do Estado Novo. Realizado pelo Partido Comunista, este trabalho de recuperação do conjunto das reivindicações que surge na época, vai gerar distintas conseqüências. Em primeiro lugar, dedicando-se a um trabalho de revitalização da estrutura sindical do Estado Novo, no quadro de uma aliança com Getúlio Vargas, os comunistas conseguem assegurar uma resposta do Ministério do Trabalho à pressão que exerciam como porta-vozes das reivindicações salariais dos trabalhadores, reforçando desta maneira, inegavelmente, sua imagem junto às bases (SPINDEL, 1980, p. 60).
37
No entanto, outro registro se faz importante para entendermos a
importância do governo Vargas para a caracterização desse período. O
Governo Dutra havia se mostrado entreguista, extremamente reacionário e
tinha fechado o circuito de possibilidades do Brasil se inserir no campo
democrático internacional. É a partir dessa época que os militares ligados à
ideologia da segurança nacional começam a forjar uma aliança política com
frações da burguesia interessada na formação do consórcio burgo-militar como
empreendimento político para conquistar o governo e colocá-lo no campo da
lógica da subalternidade ao imperialismo estadunidense. Todavia, essa
articulação perde força política com a eleição de Vargas e se recolhe ao
ambiente das conspirações empreendidas pela União Democrática Nacional
(UDN) e outros setores conservadores que vão desaguar na crise de 1964.
Esse segundo período de Vargas no governo da República é marcado
pela tentativa de implementar um projeto nacional desenvolvimentista que tinha
como característica principal, no campo das medidas econômicas, a
continuidade da política de “industrialização por substituição de importações”7
que, do ponto de vista social, engendrou algumas medidas de caráter
trabalhistas8. Esse conjunto articulado de medidas econômicas, sociais e
políticas abriu possibilidades para que os sujeitos sociais disputassem na
sociedade brasileira, a partir da perspectiva democrática, o avanço nas
conquistas de direitos sociais e trabalhistas, assim como o interesse por um
desenvolvimento econômico minimamente autônomo.
O projeto em disputa dentro do “intervalo democrático” começou a ruir
com a crise aberta pelo suicídio de Vargas em 24 de agosto de 1954, reagiu
com a eleição de Juscelino Kubitschek, foi novamente golpeado com a eleição
de Jânio Quadros e, finalmente derrotado com o golpe burgo-militar de 1964.
É importante realçar a circularidade dos procedimentos políticos em
curso, naquele período, para se entender as contradições e a correlação de
7 A industrialização por substituição de importações é o modelo teórico aceito para o processo de industrialização
brasileiro, a partir do advento da República. Conforme esse modelo, a industrialização brasileira se distingue dos
demais processos verificados na Europa, Japão e EUA, principalmente, por internalizar o processo industrial naqueles
setores em que já havia uma demanda preexistente, suprida por importações. Assim, a industrialização começa com
bens de consumo não duráveis e duráveis e a indústria de base não acompanha, necessariamente e de forma
autônoma, esse processo.
8 Principalmente com a retomada do poder de compra do salário mínimo.
38
forças dentro do processo. Embora a crise aberta pela morte de Vargas tenha
favorecido o projeto reacionário-entreguista capitaneado pelas forças do
udenismo, o campo nacional e democrático teve capacidade, e forças, para
continuar fazendo o enfrentamento, o que provavelmente impediu e
desarticulou a possibilidade de um golpe de Estado naquele momento, com
conseqüências mais efetivas.
Apesar das sucessivas derrotas que culminaram no golpe de agosto, as correntes militares nacionalistas apresentaram grande capacidade de resistência e, inclusive, de articulação com políticos profissionais, membros de associações científicas, segmentos da burguesia industrial e movimentos nacionalistas que surgiam entre as classes populares (ALMEIDA, L., 2006, p. 35).
Os acontecimentos de 1954 marcaram no calendário político brasileiro a
derrota do projeto varguista de Estado, por um lado, em virtude da sua morte,
mas também em virtude dos novos arranjos políticos em torno do processo
eleitoral que se abria.
O exame de alguns eventos ocorrido no período crucial transcorrido entre a queda de Vargas e o início do governo Juscelino Kubitschek pode ajudar a reforçar esta dupla hipótese e contribuir para superar uma dupla unilateralidade a respeito do tema em questão: quer aquela que exclusiviza o papel da burocracia estatal na definição da política de desenvolvimento capitalista no período e a que, ao contrário, superdimensiona a importância da burguesia industrial (geralmente apresentada como burguesia nacional) (ALMEIDA, L., 2006, p. 51).
As forças democráticas se articularam em torno da eleição de Juscelino
Kubitschek, tendo como orientação central o fortalecimento das bandeiras do
campo nacional e democrático. Com a eleição de JK, apesar do apoio do PCB,
o projeto do campo nacional- democrático sofreu derrotas em virtude da
postura do governo nas várias ações políticas e econômicas, inclusive com
medidas de caráter entreguistas. Vejamos o que nos informa Lúcio Flávio R. de
Almeida sobre a posição do partido:
O PCB tecia comentários bastante severos sobre as políticas interna e externa do governo. A primeira, segundo o partido, era cada vez mais antidemocrática, ‘fechando organizações patrióticas e populares, atentando contra a liberdade de imprensa e procurando restringir cada vez mais a livre manifestação do pensamento’. No aspecto econômico e financeiro, aumentava o gasto público
39
improdutivo, elevava o déficit orçamentário, acelerava a inflação, inflava os impostos e agravava o custo de vida. Enquanto o salário real baixava, as especulações e os lucros excessivos aumentavam e o governo concedia ‘favores excepcionais aos monopólios estrangeiros em detrimento da indústria nacional’ (ALMEIDA, L., 2003, p.106).
No entanto, o governo de Juscelino Kubitschek se desenvolveu com o
forte impacto das políticas desenvolvimentistas e com acentuado perfil de
tolerância democrática9, com um grau elevado de políticas que asseguraram ao
capital estrangeiro lucros exorbitantes e com um forte avanço no
endividamento externo e interno.
Com o fim do mandato de Juscelino Kubitschek se abriu o processo
eleitoral para as eleições de 1960, tendo como pleiteantes mais destacados ao
cargo, e dividindo apoios, o político paulista Jânio Quadros e o Marechal Lott,
este último fortalecido pelas ações que comandou no sentido de impedir o
golpe que se articulou para não permitir a posse de Juscelino Kubitschek10.
O contexto político era rico em virtude das mobilizações populares e, no
contexto das eleições, o eleitorado brasileiro, em sua maioria, apoiou o nome
de Jânio Quadros, não necessariamente a chapa completa, porque o vice-
presidente, naquele período, era eleito separadamente. Assim, o candidato a
vice da chapa do Marechal Henrique Teixeira Lott, João Goulart, se elegeu
nesse processo eleitoral.
Um pouco antes da vitória de Jânio Quadros, e de João Goulart,
ocorreram as eleições de 1958 para o Congresso Nacional e governadores,
quando a frente parlamentar nacionalista conseguiu importantes vitórias,
elegendo governadores nos Estado do Rio Grande do Sul, Pernambuco, Rio de
Janeiro e Goiás, bem como uma importante bancada de parlamentares para o
Congresso Nacional.
A partir da eleição de Jânio Quadros, em 1960, algumas peculiaridades
da política ganharam contornos que podem ser caracterizados como
problemas, até mesmo pelo perfil do primeiro mandatário do país. O governo
do presidente eleito era produto de uma composição reacionária que contava
9 O PCB, embora na ilegalidade jurídica, apresentava-se abertamente na cena política para desenvolver suas ações.
10 O general Lott movimentou as tropas sob seu comando para evitar que militares reacionários e a direita udenista
sob o comando de Carlos Lacerda impedissem a posse de Juscelino Kubitschek. Com a derrota do movimento
golpista, Carlos Lacerda fugiu para Cuba que era governada pelo militar Fulgêncio Batista.
40
com um dispositivo militar gerenciado pela política antinacional e
antidemocrática, daqueles que em 1954, tinham articulado o Golpe contra
Vargas. Essas forças da composição burgo-militar, em movimentação desde o
governo Dutra, compuseram o governo tornando-o um corpo de forças
retrógradas e reacionárias que contavam e formulavam políticas que refletiam o
projeto econômico e financeiro dos interesses imperialistas no Brasil. Apesar
dessas características, Jânio Quadros tomou medidas em contraposição a
esse agrupamento de forças: se posicionou ao lado de Cuba, ao reconhecer o
governo cubano que já encontrava dificuldades na relação com o bloco
capitalista. Abriu, assim, a política brasileira para algumas iniciativas comerciais
com o campo socialista e demonstrou relativa independência da sua base
política de sustentação, naquele período.
Os meandros desses impasses fomentaram algumas ações políticas de
perspectiva duvidosa, terminando com o presidente tentando concentrar
poderes de forma despótica, para as características da institucionalidade em
curso, e se movimentado para outra perspectiva de governança. Para isso, o
presidente usou do artifício da renúncia como uma jogada política para
chantagear as forças reacionárias da sua base política e, na sua perspectiva,
voltar ao governo com mais poderes executivos: uma jogada bonapartista de
risco. O procedimento não deu certo e a crise política se estabeleceu diante do
movimento das forças em contradição.
Novamente os setores pró-imperialistas da burguesia interna e os
reacionários das forças armadas, na sua conformação burgo-militar, se
movimentaram para tentar consolidar o que eles não conseguiram, de outra
forma, com o suicídio de Getúlio Vargas, em 1954. Entraram em cena para
prospectar, no caldo do autoritarismo em curso, uma nova perspectiva golpista.
No entanto, o movimento nacionalista e democrático se contrapôs à
movimentação reacionária, se transformando em uma força política que
conseguiu chegar ao conjunto da população, impedindo, assim, que novamente
os interesses da burguesia beligerante no campo da política, lastreada por
setores densos das forças armadas, implementassem a sempre possível
articulação golpista. O ex-deputado federal comunista Marco Antonio Tavares
Coelho (2000), em suas memórias, apresenta a reação nacionalista que se
tornou vitoriosa para impedir o golpe, da seguinte maneira:
41
À noite recebemos a notícia da decisão do governador Leonel Brizola, do Rio Grande do Sul, de enfrentar o golpe militar, colocando em cadeia as estações de rádio gaúchas para mobilizar a população. Essa atitude despertou o país numa velocidade impressionante. O governador Mauro Borges, de Goiás, major do Exército, imediatamente começou a organizar a população civil e declarou que marcharia até Brasília a fim de garantir a soberania do Congresso Nacional (COELHO, 2000, p. 221).
A “Cadeia da Legalidade”11 comandada pelo governador do Rio Grande
do Sul, Leonel Brizola, funcionou em todas as regiões do território nacional e
passou a contar com apoios do campo democrático e dos governadores de
Pernambuco e Goiás, respectivamente Miguel Arraes e Mauro Borges. Esse
amplo movimento legalista, democrático, nacionalista e de massas possibilitou
a posse de João Goulart, mesmo ela se realizando via um arranjo institucional
que inauguraria no Brasil, o parlamentarismo. Essa medida, negociada
politicamente por cima, apesar da pressão de massa, impediu o golpe da
articulação burgo-militar que se movimentava nos bastidores da política e nos
ambientes dos quartéis.
Apesar do prognóstico de vida curta, o parlamentarismo se transformou
na forma de governo da República brasileira. O movimento nacionalista passou
a ter presença na estrutura política formada para atender ao papel do chefe de
Estado, não necessariamente com a força que seria necessária para
implementar as modificações que o país precisava, mas foi importante para
pautar com destaque o debate político no país.
Naquele momento, diante das mudanças institucionais, o presidente da
República assumiu o papel determinante na política externa brasileira. Abriu-
se, com a ação de João Goulart, uma orientação de respeito aos povos em luta
pela sua autodeterminação, avançou-se nas relações com Cuba, o
colonialismo foi questionado pela diplomacia brasileira e o Brasil se posicionou
numa perspectiva de construir uma liderança na América Latina.
Ao lado dessa nova agenda diplomática, o país mudou sua postura em
relação às pressões do Departamento de Estado dos Estados Unidos,
11 Movimento popular e militar organizado pelo então governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, através de
uma cadeia de rádios por todo o Brasil, para garantir a posse do vice-presidente João Goulart em virtude da renúncia
de Jânio Quadros e da movimentação golpista articulada pela UDN e militares de direita.
42
resistindo em se tornar subalterno e/ou linha auxiliar dos interesses
estadunidenses.
O convívio no espaço democrático e o crescimento das forças populares
em luta por bandeiras políticas de conteúdo nacionalista e democrático, com
demandas consubstanciadas no programa das reformas de base,
possibilitaram o aparecimento de teses sobre o caminho para a revolução
brasileira. Essas formulações, de caráter estratégico, tinham como eixo
norteador a questão da reforma agrária.
Formulações sobre o Brasil e perspectivas de rupturas estimuladas por
variados projetos populares e políticos se tornaram presentes no debate
político e ideológico que crescia e se radicalizava no interior da sociedade. As
ideias do marxismo e do socialismo começaram a encontrar repercussão em
segmentos dos trabalhadores, dentro da classe operária, entre os estudantes
e, com maior efetividade, entre os intelectuais brasileiros que, naquele
momento, se colocavam como instrumento orgânico para fazer a
representação de classe no âmbito da batalha das ideias.
O campo contra-hegemônico às forças reacionárias e entreguistas,
conformados na perspectiva marxista e socialista, diante da politização da
conjuntura e dos projetos em disputa no período do governo João Goulart,
cresceu, permitindo ao conjunto da sociedade, através da divulgação dos seus
variados materiais impressos, ter acesso a uma experiência cultural e política
que representasse esse pensamento social.
No entanto, é importante salientar que ao lado desse ascenso político,
cultural e ideológico se construía, também, uma outra perspectiva que se
beneficiava das contradições da política governamental em curso. O governo
João Goulart claudicava por sua própria incapacidade em estabelecer um
projeto nítido. Portanto, patinava no entendimento sobre ao lado de quais
forças políticas deveria ficar, ao tempo em que permaneciam os impasses e
contradições no âmbito da política econômica, dos planos de desenvolvimento,
do planejamento de governo com vistas a modificar estruturas do aparato de
Estado.
Ao lado dessa incapacidade política do governo em configurar um
horizonte político bem definido e trilhar esse caminho com ações que
justificassem seu projeto, crescia, em agitação e ações, de forma livre, o papel
43
das forças reacionárias manifestadas nesse cenário político e ideológico pelas
articulações da “Aliança para o Progresso” 12 com o IBAD13 e com o IPES14.
Essa articulação política de direita disputava de forma violenta o
arcabouço ideológico e passou a contar com as velhas estruturas do
conservadorismo brasileiro, como a Igreja Católica, para fomentar a disputa na
sociedade. Paulatinamente esse movimento do consórcio da direita brasileira,
burgo-militar, se concretizou em uma articulação que crescia para disputar nas
manifestações de rua a difusa classe média do país, imprimindo vida orgânica
ao projeto golpista.
Por outro lado, a preocupação dos progressistas com esse movimento
conservador de caráter reacionário e violento, não foi uma reação que
conseguisse impedir o crescimento e o desenvolvimento desse caldo de cultura
da reação. O reacionarismo estava consubstanciado no bloco do poder e tinha
como parte constitutiva desse processo a direita golpista, que ganhava corpo
naquele momento.
No espectro do campo democrático e progressista, cresceram as
demandas oriundas das lutas camponesas que se consolidavam com o avanço
na organização dessa classe, a partir das lutas concretas que ocorriam pelo
Brasil. Todavia, essa luta concreta, independente do seu avanço, não
conseguia constituir, dentro da perspectiva democrática e progressista, uma
capacidade orgânica que articulasse a unidade do movimento como um todo,
ou seja, a unidade que ligasse e desse força à luta no campo, através de uma
perspectiva que consolidasse um bloco de forças, também nas cidades. Vale
dizer, uma ação que configurasse um conjunto unitário para realizar a
campanha pela reforma agrária como uma variante estratégica das reformas de
base e servisse como exemplo para lutar por outros pontos do programa geral.
O que se percebia era uma politização corporativa pouco articulada na
perspectiva do poder, apesar de que
12 Tratava-se de um programa desenvolvido pelo governo dos EUA, na gestão John F. Kennedy, para fomentar ações
de caráter social na América Latina com a nítida posição de evitar o crescimento dos movimentos revolucionários e das
ideias comunistas.
13 Instituto Brasileiro de Ação Democrática, entidade que tornou-se o centro das articulações golpista no pré-1964.
14 Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais que atuava para desestabilizar o governo João Goulart e estimular
atividades golpistas no pré-1964.
44
Durante os anos do governo João Goulart (1961-1964), a sociedade brasileira assistiu a um considerável crescimento e amadurecimento da mobilização popular em torno de projetos políticos. Camponeses, operários, estudantes e militares protagonizaram greves, ocupações de terra e manifestações públicas com repercussões até então inéditas na nossa história política. Grande parte desses movimentos sociais estreitou seus interesses em torno do projeto das reformas de base, projeto esse que compreendia mudanças na estrutura agrária, urbana, na educação, reformas institucionais, como a extensão do direito de voto aos analfabetos, além de política de controle do capital estrangeiro e a nacionalização de alguns setores da economia (PRESOT, 2010, p. 71).
Logo, com o desenvolvimento dos embates políticos, notava-se que a
questão da unidade das forças progressistas e democráticas fazia falta ao
movimento que tinha estabelecido um projeto de ruptura democrática dentro da
ordem institucional brasileira. Um dos aspectos mais visíveis dessa falta de
unidade no campo que lutava pelas reformas de base era o rompimento, sem
mediação com os outros setores da frente, do elo que unia os segmentos
militares de baixa patente ao conjunto das lutas. Os militares de baixa patente,
radicalizados no processo, tendo em seu comando agentes infiltrados15 pela
reação, se movimentaram para realizar enfrentamentos que não tinham como
ter sucesso sem uma ampla articulação do campo nacionalista, popular,
democrático e progressista que se organizava, não sem contradição, em torno
do Governo João Goulart e do projeto que galvanizava as lutas pelas reformas
de base.
Esse elo rompido, pelos militares de baixa patente, foi um dos passos
essenciais para a movimentação do fracionamento do bloco contra-
hegemônico em um período político bastante sensível pelas ações da direita.
Essa confusa radicalização desses militares, no sentido de sozinhos
resolverem as questões pertinentes à sua pauta e, em alguma medida, outras
pautas sociais, pulverizou o movimento do bloco contra-hegemônico em
variadas ações que não se mostraram capazes de serem vitoriosas nas
especificidades das suas lutas. Isso prejudicou, com uma postura aventureira e
esquerdista, a unidade de ação desses diversos movimentos populares e
políticos, envolvidos com a possibilidade de luta conjunta que fizesse avançar o
governo de João Goulart, tirando-o da dubiedade política e transformando-o em
15 O caso mais notório é o do agente infiltrado conhecido pelo “vulgo” de Cabo Anselmo.
45
um instrumento poderoso do campo contra-hegemônico no contexto da luta de
classes em curso.
A dubiedade política do governo, refém de contradições políticas da sua
base, colocava o presidente num pêndulo entre posturas díspares: tomou
medidas centristas para contemporizar com seu núcleo à direita e não
conseguiu avançar no sentido de articular um forte movimento de massas que
tivesse condições políticas para impor as bandeiras das reformas de base.
As reformas de base derivam de proposta originalmente formulada pelo PCB, a partir da ‘Declaração de Março de 1958’, como referimos anteriormente. Elas eram trabalhadas com vistas aos objetivos estratégicos de uma revolução brasileira por etapas: primeiro a revolução democrática-burguesa, depois a revolução socialista [...]. Essa concepção sobre quais reformas deveriam ser realizadas no país foi assimilada por vários setores da sociedade brasileira, até chegar ao governo João Goulart, que lançou oficialmente um programa que propunha reformas de base em 12 de julho de 1962, através do Gabinete Brochado da Rocha (LOVATTO, 2010, p. 93-94).
Esse movimento pendular do presidente, nem sempre representado na
postura do governo, deslocou o então Chefe de Estado e de governo para o
imprevisível dentro do cenário da política institucional.
O impacto do pêndulo político sobre a conjuntura política, já em amplo
processo de ebulição, consolidou nuances incontornáveis na movimentação
dos atores em combate. Por um lado, pela falta de unidade do campo
democrático, o esquerdismo vanguardista ganhou a cena com ações isoladas
que não tinham condições de unificar as lutas pelas bandeiras que eram
agitadas naquele período. Por outro lado, formou-se uma convicção falsa de
que o governo seria capaz, no limiar dos confrontos políticos, de conter a ação
do movimento burgo-militar em gestação. Entre essas premissas, mais uma
vez, estava um governo paralisado e um presidente impactado por uma opção
de classe que o impedia de reagir.
Esse caldo de cultura das contradições em processo, motivadas por
impasses que não encontraram resolução à esquerda, precipitaram uma
movimentação à direita que impôs, através da unidade de seu campo, o golpe
burgo-militar de 1º de abril de 1964. Esse evento político ocorre, ainda, com o
PCB envolto nas formulações contidas nas resoluções do V Congresso do
46
partido que pautavam, naquele momento, a avaliação sobre a realidade
brasileira na precipitação da cena de ruptura institucional.
Essas orientações advindas do V Congresso, produto de outra
conjuntura, contribuíram para que o PCB não tivesse um estoque interpretativo
com capacidade de responder ao cenário de impasses políticos, e se
posicionasse a partir de incompreensões analíticas, para articular junto ao
governo, medidas que fizessem avançar o espaço da chamada estratégia
nacional e democrática com especial relevância para o papel e a presença
política da chamada “burguesia nacional”. Contudo, sem maior materialidade.
O golpe de 1º de abril de 1964 ocorre em plena evidência dessa linha
política e da resolução da Declaração de Março de 1958. É importante salientar
essa dupla matriz analítica porque elas informavam a necessidade estratégica
de formação de um campo político policlassista, no qual essa fração da
burguesia nacional cumpriria, ao lado dos comunistas, uma função, mesmo
vacilante, de aliado contra a burguesia entreguista e o imperialismo
estadunidense. Dentro da estratégia etapista do PCB essa aliança exercia um
papel para fortalecer os comunistas. Tratava-se de um primeiro momento que
se tinha como horizonte estratégico a revolução pacífica como elemento central
na perspectiva da transição ao socialismo.
O PCB entendia, naquele momento, ser importante essa operação
tática como instrumento de unificação de um campo político, para fazer
avançar as lutas que poderiam modificar o arranjo institucional na perspectiva
de fortalecer o projeto societário da classe operária. Esse arrazoado teórico,
centrado em um doutrinarismo reformista e economicista, desarmava o campo
contra-hegemônico que se tinha ao começar a se distanciar dos trabalhadores
e ao transferir o foco da ação para tentativas de articulações palacianas que
não se mostraram bem sucedidas diante do desfecho político produzido pelo
golpe de Estado.
Apesar da movimentação do PCB entre os trabalhadores das cidades,
da presença entre os camponeses e da profunda relação com o mundo da
cultura, que permitia ao partido ter influência política para além da sua
capacidade orgânica, o partido, municiado pelo arcabouço superado das
formulações/resoluções anteriores, analisava o governo Goulart como uma
estrutura política em disputa e que, para que os setores populares pudessem
47
ganhar essa disputa, teria que mediar ações e práticas sociais com a
“burguesia nacional” vacilante. Essa compreensão partia da visão de que o
governo Goulart era situado no campo nacional e democrático e, portanto,
deveria estabelecer pontes políticas com setores conservadores como tática
política para isolar o bloco reacionário, mas também, para evitar o esquerdismo
golpista, como argumentava, nessa perspectiva, o dirigente partidário, Salomão
Malina.
[...] levávamos a cabo uma política de acumulação de forças, vitalizando o movimento sindical, organizando a classe operária, mas não fomos suficientemente fortes: a pressão do golpismo, oriunda da própria esquerda e do movimento popular, nos conduziu à vacilações e, enfim, violando a nossa orientação oficial mesma, fizemos concessões essenciais [...] Acabamos na prática, por legitimar a política golpista que estava no ar. O resultado é sabido: Jango e o movimento popular não deram nenhum golpe. Ao contrário, o golpe foi dado para atingir as forças populares e democráticas (ALMEIDA, F., 2002, p. 92).
No entanto, o PCB empolgado por uma conjuntura política que lhe
permitia atuar em céu aberto, deixou de analiticamente perceber que a
correlação de forças mudava paulatinamente à medida que se reduzia sua
presença nos movimentos de massas e se transferia as mediações políticas
para a esfera da articulação pelo alto, ou seja, na cúpula do governo e das
agências de fomento político naquele momento: CGT16, UNE17, CONTAG18,
Ligas camponesas, sindicatos, organizações de militares de baixa patente e
outras organizações que congregavam as lutas sociais.
Mesmo com agitação social intensa, esse instrumento de luta estava se
mostrando estéril diante da necessidade de uma maior organização e
politização nas bases. Já havia ocorrido um exemplo impactante que poderia
servir como elemento para análise: em 1961, quando das lutas pela posse de
João Goulart a vanguarda revolucionária se mostrou extremamente fraca. Ou
seja, o partido e a classe operária não tiveram forças suficientes para fazer o
16 Comando Geral dos Trabalhadores, entidade que tinha uma grande base social e que exercia suas funções com
grande repercussão política.
17 União Nacional dos Estudantes, que no período das lutas pelas reformas de base teve um destacado papel na
defesa desse programa de lutas.
18 Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura, que no começo dos anos 1960, exerceu importante papel
na aglutinação dos trabalhadores rurais e dos camponeses na luta pela reforma agrária.
48
enfrentamento com os agentes da burguesia e com os setores reacionários das
forças armadas diante daquela conjuntura de crise política. Os setores não
comunistas e a população difusa é que foram determinantes para a derrota da
articulação burgo-militar.
O país vivera uma mobilização fantástica naqueles dez dias e o que ocorreu no Rio Grande do Sul, Goiás e na maioria dos estados indicavam um estado de espírito que há muitos anos não se via no Brasil. A cúpula reacionária das Forças Armadas fora abatida e ficara desmoralizada naquela batalha política (COELHO, 2000, p. 223).
A solução do impasse se deu através da ação de outros segmentos
sociais e políticos em detrimento da vanguarda histórica da esquerda, os
comunistas. A “cadeia da legalidade” foi vitoriosa, impedindo a consumação do
golpe. No entanto, o governo João Goulart foi formado com a presença,
também, de segmentos considerados entreguistas. Coube ao PCB, em 1961,
apenas manifestar críticas ao governo diante de tais articulações para sua
formação.
1.2 A linha política definida no VI congresso
A análise que fez o PCB desse processo complexo e das oscilações
políticas do governo João Goulart se encontra no documento chamado Balanço
do trabalho do partido, apresentado para toda militância no decorrer dos
debates do VI Congresso. Esse congresso fora convocado para formular outra
perspectiva analítica diante da necessidade de responder ao cenário aberto
com o golpe e orientar o partido para combater os golpistas. Contudo,
Há, no entanto, dois pontos críticos na ação do PCB entre 1958 e 1964: a mudança de linha política, em março de 1958, e a ilusão de que o processo brasileiro, no momento, seria inevitavelmente democrático. Os dois dados se interligam e levam à análise e ao comportamento que os induzirá a acreditarem em mudanças pacíficas dentro da sociedade, mudanças que os levam, entre outras coisas, a pressionar a favor da legalização do PCB (CARONE, 1982, p. 2).
O texto do documento em análise (Balanço do trabalho de direção)
confirma o princípio de que as exigências que o movimento social e político
49
faziam, naquele momento histórico, não condiziam com a real correlação de
forças e que, diante dessa impossibilidade, não se permitiam que aquelas
bandeiras se concretizassem através de ações radicalizadas. Portanto, para
esse balanço, o partido estava se afastando da linha política anteriormente
determinada e aprovada no V Congresso que era orientada pela Declaração de
Março de 1958.
Essas formulações, fonte histórico-genética das resoluções reformistas,
foram questionadas pela Conferência nacional que ocorreu em 1962. Contudo,
as sugestões políticas do documento dessa Conferência foram consideradas, a
partir de então, como esquerdistas, em virtude das cobranças que o partido
começou a fazer em relação ao governo de João Goulart. Eram posturas
contundentes que previam cobranças diretas ao governo o que, para os
formuladores da linha política do partido em 1962, contribuíram para
desestabilizar o governo João Goulart. A maioria do CC radicaliza de forma tão
séria a crítica ao documento dessa conferência que o coloca ao lado dos
setores golpistas, de Carlos Lacerda19 e Ademar de Barros20, na medida em
que considerava que o partido deveria ter atacado esses governadores tidos
como golpistas.
O centro do documento Balanço do trabalho do partido é a crítica à ação
desenvolvida a partir do documento da Conferência Nacional de 1962,
qualificando esse documento e a ação inspirada nele de voluntarista e
distanciada da realidade do Brasil e das forças reais do PCB. Por outro lado,
uma leitura atenta do Balanço traz à tona as críticas que partem de uma
perspectiva de direita ao comportamento tático do Partido naquele período.
Qualificadas em exigências de contenção de ação política diante da
radicalização do discurso e da prática social do partido em relação ao governo.
Todavia, a crítica a partir dessa posição, ao documento da conferência
de 1962 não se justifica em virtude da imprevisibilidade do ponto de vista da
análise dos acontecimentos que se consolidaram no golpe burgo-militar de 1º
de abril. Essa crítica a partir dos argumentos aqui considerados, pelo grupo
reformista e de direita, se constitui em desvios da linha política definida na
19 Líder da União Democrática Nacional (partido político), governador do estado da Guanabara durante o golpe de
1964 e um dos líderes do golpe burgo-militar.Por contradições com a ditadura, foi cassado em 1968.
20 Líder populista paulista e governador de São Paulo durante o golpe de 1964.
50
Conferência em questão, o que possibilitou a formação de uma orientação
política que exercitava sua ação tendo como horizonte político posturas que
podem ser qualificadas como ilusões de classe em relação à burguesia. Essa
ilusão pode ser entendida pelo oportunismo cupulista, pelo liberalismo na vida
orgânica do partido e pela incapacidade de orientar os trabalhadores, através
da presença da vanguarda nas ações de massas. Portanto, são desvios à
direita da linha política que contribuíram para a incapacidade do partido reagir
ao Golpe burgo-militar, de 1964.
Ainda na avaliação do balanço, que foi encaminhado para o VI
Congresso do partido, houve erro, na verdade, na condução da política do V
Congresso, considerados como desvios na aplicação da política do V
Congresso, o que facilitou uma interpretação daquela crise política a partir de
uma orientação pequeno burguesa, golpista, subjetivista, que teria favorecido
ao campo reacionário, teria desarticulado a unidade do campo nacional e
democrático. Na realidade afrontou essa avaliação.
Orientado por essa reflexão a postura do PCB, diante do Golpe, será de
recuo tático. Após um longo período sem se reunir após o golpe o CC do
partido vai ter sua primeira reunião em maio de 1965.
O coletivo dirigente do partido, nessa reunião, em sua maioria, identifica
que uma das causas do golpe foi não ter seguido as orientações e resoluções
do V Congresso, o que abriu espaço, reafirmo, para o esquerdismo, o
golpismo, o voluntarismo, desvios da linha e incapacidade de reagir diante da
ruptura institucional. As forças políticas progressista, incluindo aí o PCB, foram
incapazes de responder às necessidades que se colocavam no processo
político anterior e impedir o surgimento desse evento que a burguesia
conseguiu realizar no Brasil. Para além dessas observações colocadas para
qualificar o desvio esquerdista na política do partido a reunião tirou uma
resolução no sentido articular a unidade das forças ligadas ao governo deposto
e a criação de uma frente anti-reacionária, anti-burguesia que estava a serviço
do imperialismo no Brasil.
O PCB, ainda como análise dessa reunião, considerava que naquele
momento o partido havia sido contaminado por uma concepção não marxista
da revolução.
51
Outra tese a ser combatida e a que vê a revolução, não como a obra das massas de milhões, como afirmava Lenine, mas como o resultado da ação heróica de alguns indivíduos (expressa no lema: o dever dos revolucionários é fazer a revolução), ou de pequenos grupos audaciosos. Essa posição voluntarista, tipicamente blanquista, é a propugnada por todos os que hoje insistem em ver na criação de ‘focos’ guerrilheiros no interior do país o passo inicial da revolução (PCB, Apud CARONE, 1982, p. 60).
Podemos qualificar que a nova orientação do partido entre 1964 e 1967
foi marcada por duas posições: por um lado, uma tímida ação na frente de
resistência contra a ditadura e, por outro lado, por um recuo orgânico para não
ser massacrado no imediato pós-golpe pelos gerentes do Estado de exceção.
No entanto, algumas preocupações informavam sobre a possibilidade de
reação ao golpe por parte do PCB:
Tínhamos como objetivo resistir ao máximo na capital [Brasília], mas calculamos que tudo dependeria do que estava acontecendo no Sudeste e, principalmente, no Rio Grande do Sul, porque pensávamos que haveria uma repetição da resistência desencadeada por Brizola em 1961. Definido o quadro, os companheiros Valter Ribeiro, ex-oficial do Exército, e Valter Valadares, que participaram ativamente da luta dos posseiros em Goiás, traçaram o seguinte plano. Com o maior contingente possível de homens armados, partiríamos para a região de Formoso e Trombas. Em anos anteriores, nessa área ocorreu um movimento de posseiros, vitorioso e bem organizado, sob a liderança de José Porfírio. Contávamos, portanto, com o apoio dos lavradores naquela região, o que nos permitiria estabelecer ali uma base de oposição ao golpe. Mas esse plano somente seria aplicado de acordo com o quadro geral do país e, notadamente, se houvesse outras frentes de combate (COELHO, 2000, p. 267).
Não se concretizando esse movimento, o partido tentou articular uma
série de movimentos no campo da frente de resistência com a perspectiva que
pudesse responder de forma majoritária, dentro dessa articulação, ao conjunto
das ações dos golpistas, agora já instituídos no poder de Estado.
O debate que se abria naquele período dentro do horizonte teórico do
PCB confirmava que as ações do operador político dos comunistas brasileiros
estavam pautadas por uma estratégia nacional-democrática, como primeira
etapa da revolução que teria no horizonte, como se imaginava, o socialista para
o Brasil. No entanto, as características do desenvolvimento capitalista e a
formação social brasileira indicavam para além do politicismo policlassista e
52
economicismo do PCB, a necessidade de uma nova estratégia para responder
aos impasses da revolução brasileira.
A constante procura do PCB pela democracia, mesmo aquela da
institucionalidade burguesa, em virtude da sua longa exclusão da vida política
do país, fazia com que esse partido se comportasse de forma errática ao fazer
alguns movimentos como instrumento da tática e possibilitasse ações de
conciliação de classes, trazendo para dentro do bloco de forças, nacional e
democrática, uma parcela da burguesia que já estava consorciada ao capital
internacional e ao capital imperialismo.
Mas essa formulação política para interpretar o Brasil e orientar o partido
vai abrir uma profunda luta interna com desfechos extremamente desfavoráveis
à vida orgânica. Esse processo de esgotamento de um ciclo político vai dar
origem a uma grave cisão histórica dentro do Partido Comunista Brasileiro,
que, terá conseqüências irreversíveis para a sua presença política a partir daí.
No entanto, precisamos ainda caracterizar o que era a situação do
Brasil, naquele momento, do ponto de vista social e econômico. Confirma-se na
prospecção analítica que as balizas do modo de produção no país orientavam-
se pelas relações capitalistas com algum grau de consolidação das forças
produtivas no campo e na cidade. Portanto, esvaziava-se a aderência da
formação social ao projeto estratégico do PCB, ainda permeado pela leitura
que dava conta da existência de resíduos feudais na formação social brasileira.
Numa análise mais acurada identifica-se que o projeto do PCB estava
completamente superado. Caio Prado Jr. avança nessa leitura a partir de suas
pesquisas sobre a formação social brasileira. Para o historiador comunista o
Brasil já era um país plenamente capitalista e vivia um processo complexo de
contradições que alimentava a relação dialética entre riqueza e pobreza.
Pautando-se no estudo do modelo de desenvolvimento brasileiro e a sua
integração consorciada e subalterna, à lógica do sistema capitalista.
Identificava, também, as características das classes sociais e, em especial, a
classe operária e suas lutas. Porém, nesse todo articulado da formação social
e seus atores políticos, Caio Prado Jr. afirmava, ao contrário do PCB, a
integração da chamada “burguesia nacional” ao bloco do poder, gerando,
53
as graves distorções observadas na interpretação da realidade política, econômica e social brasileira contribuíram para os erros que vinham sendo cometidos desde longa data na ação política da esquerda, e [do PCB] que levaram afinal ao desastre de 1º de abril (PRADO Jr., 1987, p. 23).
A qualificação daquele momento histórico encontrava no PCB uma
tentativa de aprisionar a realidade às suas formulações teóricas. Esse exercício
do partido, ainda, era influenciada pela “teoria consagrada” que desarmava a
capacidade analítica para vislumbrar, através, de um exame mais acurado o
que ocorreu e, ao mesmo tempo, orientar novas lutas.
No bojo da crise política que antecedeu o golpe de Estado de 1964 o PCB desenvolvia a política de construção de uma frente nacionalista com ‘a burguesia nacional’. Seu instrumental analítico constituía-se o maior obstáculo à percepção do processo de fratura que se processava no interior do bloco de poder burguês, assim como o rápido esvaziamento que se processava nos reduzidos núcleos democráticos aglutinados em frações burguesas, que começaram a voltar-se na direção dos golpistas (MAZZEO, 1999, p. 133).
Mas, após o primeiro momento do recuo tático, o PCB rearticulou forças
internas para voltar-se no sentido das lutas gerais das massas. Mesmo tendo
que continuar analisando, e debatendo internamente, os erros e os motivos da
derrota.
Do ponto da frente de resistência o partido continuava tentando articular
o envolvimento do MDB com as lutas democráticas de combate a repressão,
trabalhando com a perspectiva de se construir um movimento que levasse a
ditadura à exaustão através do isolamento e que o campo oposicionista
pudesse formar um governo que superasse o governo golpista estabelecido
naquele momento. Essa possibilidade de um governo que fosse transitório e
representativo desse movimento oposicionista policlassista era uma abstração
do PCB em virtude de sua crença de que a ditadura não demoraria muito
tempo: profundo engano histórico.
Esse conjunto difuso de movimentações táticas do PCB continuava
sendo derivado, é bom que se frise, daquilo que se considerava o objetivo
estratégico do partido. E esse arcabouço estratégico estava consolidado no
documento de balanço para o VI congresso e nas resoluções do próprio
evento.
54
O documento em questão ainda se debruça sobre a necessidade do
desenvolvimento capitalista, do avanço das forças produtivas, da articulação de
ações que fomentem e desenvolvam a etapa nacional-democrática da
revolução brasileira como um eixo importante. Possibilitando, dessa forma, a
construção de um bloco revolucionário, na etapa em curso, para efetivar um
conjunto de tarefas que se faziam necessárias com base nesse momento
estratégico da revolução.
Alguns aspectos do documento de balanço para o VI Congresso foram
modificados pelo próprio Congresso. Todavia, irão pautar novas políticas que
serão colocadas em prática pelo PCB para fazer o enfrentamento com a nova
ordem burgo-militar até a derrota da ditadura através dos arranjos institucionais
que superaram os 21 anos das forças golpistas. Esses aspectos serão
centrados basicamente na formação e desenvolvimento das forças
democráticas através de ações de massas, mas, basicamente através das
negociações de cúpula que vão acontecer até o seu desfecho no colégio
eleitoral.
1.3 VI Congresso do PCB: as contradições políticas e o distanciamento da
perspectiva socialista
O sexto Congresso do PCB apresentou como elemento principal do
ponto de vista da situação econômica e social do Brasil, a análise que entendia
a “nação” como portadora de uma economia agrária e industrial, mesmo
estando o capitalismo brasileiro em desenvolvimento crescente da década de
1940 até àqueles dias. O documento aponta uma constante penetração do
capitalismo no campo, considera importante e relevante o papel do capitalismo
de Estado no Brasil, ou seja, a presença do aparato de Estado nas diversas
ramificações da produção. Mas, por outro lado, identifica nesse quadro
produtivo do desenvolvimento brasileiro, uma incapacidade crônica de crescer
que se estabeleceu no período de 1960 até 1965.
A inflação crônica, que deriva de causas estruturais e atingiu taxas elevadíssimas nos anos de 1960-65, em consequência também de causas conjunturais, foi o recurso usado para acelerar a taxa de acumulação de capital. Beneficiando-se da inflação durante um largo
55
período, a burguesia temeu a hiperinflação que ameaça subverter todo sistema econômico (PCB, 1980, p. 160).
O modelo de desenvolvimento brasileiro encontrava-se envolvido nas
contradições do modo de produção determinante dentro da formação social
brasileira e foi impactado, também, pela incapacidade política do governo João
Goulart de responder às ações do imperialismo, pela agitação promovida pelos
segmentos golpistas e descontentes da política brasileira no processo de
articulação entre as frações burguesas e os militares que se referenciavam no
repertório da ideologia de segurança nacional e na perspectiva golpista. O
governo “Jango” e as forças políticas que defendiam esse projeto não tiveram
capacidade de responder as articulações do imperialismo, que se movimentou
através da orientação do departamento de Estado dos EUA e das ações
desenvolvidas pelo consórcio dirigido pela burguesia do “capital imperialista21”
(PCB, 1980, p. 161; PCB, 1984, p. 91).
Para o PCB, essas contradições cresceram e se avolumaram ao não se
conseguir resolver as questões específicas da “burguesia nacional”. Todavia, o
consórcio político e econômico do imperialismo com as frações da burguesia
agrária e industrial, conformou-se numa junção de frações de classe que vão
governar o país a partir do golpe militar.
A derrubada do governo Goulart trouxe uma modificação profunda na vida política brasileira. Assinala uma derrota das forças democráticas e nacionalistas, e uma vitória das correntes reacionárias e entreguistas. O golpe de 1º de abril, resultante da junção de forças políticas, econômicas e sociais numerosas e heterogêneas, deu início a um novo processo político em nosso país. [...] A burguesia nacional foi relegada a um plano secundário no aparelho de Estado (PCB, 1980, p. 166).
As pendências sobre a questão da terra, as necessárias transformações
sociais não realizadas, as novas demandas que passaram à existir em virtude,
especialmente, de novas categorias sociais alocadas nas camadas médias
(bancários, empregados do setor de serviços, servidores públicos, profissões
entendidas como integrantes da pequena burguesia e outros setores da base
da pirâmide) começaram a se movimentar diante da política implementada
pela ditadura burgo-militar.
21 Expressão, também, utilizada pelo documento “Uma alternativa para a crise brasileira”, tendo em vista debater as
contradições e aproximações entre o Estado e as ações econômicas do imperialismo.
56
A fração burguesa ligada ao movimento nacionalista e democrático era,
do ponto de vista político, muito pouco representativa e não conseguiu ter
ressonância na cena política. No entanto, mesmo assim, o instrumental
analítico do PCB deu uma excessiva importância a esse setor, considerando
que ele foi imobilizado diante da nova política aplicada pelo governo militar de
orientação burguesa e imperialista. A análise do PCB constatou então, que
estava ocorrendo uma mudança radical de regime político a partir do golpe de
Estado e da ação dos golpistas no aparelho de Estado, considerando que esse
movimento derrotou as forças nacionalistas e democráticas. Todavia, não se
detém sobre o que tinha ocorrido na conjuntura anterior ao golpe para justificar
essa derrota.
Para o partido, surgem como vitoriosos desse conturbado processo, as
correntes reacionárias e entreguistas. Essa nova conformação política fez com
que setores da chamada “burguesia nacional” fossem forçadas a transitar para
a base de apoio da ditadura, para não ser relegada ao segundo plano do ponto
de vista do aparelho de Estado. Aí começaram a se agravar as insuficiências
da formulação política do PCB. O partido considerou que o golpe era contra a
chamada “burguesia nacional”, no entanto, esta foi relegada a uma condição
secundária na relação com as políticas do aparelho do Estado. Nessa mesma
perspectiva, para o PCB, o Estado brasileiro foi colocado a serviço do
imperialismo, entendida essa premissa como uma alienação da soberania
nacional.
O Estado brasileiro foi colocado a serviço de uma política de alienação da soberania nacional e de repressão às aspirações democráticas e progressistas do povo. O traço essencial dessa política está em que impõe ao país um curso de desenvolvimento que reforça a dependência e a subordinação ao imperialismo norte-americano e defende as posições da reação interna (PCB, 1980, p. 167).
Em outra particularidade da avaliação, o partido identifica que o Estado
brasileiro foi colocado a serviço da repressão contra as aspirações
democráticas, como se essa postura estatal não tivesse existido antes.
Portanto, essa característica foi se acumulando dentro do aparelho de Estado
com o desenvolvimento da ação dos governos golpistas, numa nítida aplicação
da doutrina ideológica de poder de caráter semifacista.
57
Os arranjos políticos sofreram, já no governo do primeiro general
presidente, Castelo Branco, o impacto dessa doutrina autoritária na relação
com o parlamento e com os políticos da base de apoio. Gerando um
determinado descontentamento político que encontrou ressonância na derrota
sofrida pelos aliados políticos de extração liberal- burguesa e de tradição
golpista, nas eleições para os estados de Minas Gerais e da Guanabara. Esse
acontecimento movimentou setores internos das Forças Armadas (FFAA)
descontentes com o governo de Castelo Branco. Ocorreu, então, uma
rearrumação de forças no ambiente da burguesia bancária e industrial,
juntamente com segmentos mais a direita das forças armadas, que
aproveitaram o momento político tenso para movimentar tropas e forças
políticas no sentido de avançar para condutas mais autoritárias dentro do
governo golpista. Foi nessa direção que agiu o porta-voz da corrente mais
reacionária das Forças Armadas, o general Costa e Silva, que procurou
consolidar o caráter mais violento do regime, levando adiante as propostas de
“endurecimento” autoritário que consolidou o Estado de exceção no curso da
cena política em movimento.
Todo esse conjunto de ações dos golpistas acabou com garantias
individuais e retirou conquistas e direitos dos trabalhadores. A política salarial
do governo Castelo Branco aplicou um forte “arrocho salarial” com medidas
impactantes sobre os trabalhadores.
A situação econômica e política dos trabalhadores piorou consideravelmente em consequência do golpe de Estado de 1964 e da atuação do novo governo. A linha geral da ditadura militar pode ser definida como reacionária, houve um grande retrocesso no país. As forças democráticas e progressistas foram seriamente prejudicadas.Tiveram conseqüências sobretudo nocivas contra as bases da democracia, que constituíam o núcleo da política interna da ditadura. A classe operária foi privada de muitas conquistas importantes, alcançadas por ela durante anos de luta tenaz. O governo de Castelo Branco desde o início conduziu a política de congelamento dos salários na qualidade de principal método de luta com a inflação ou, como dizia o Programa de Ação Econômica do Governo: ‘garantir a participação dos trabalhadores na utilização dos frutos do desenvolvimento econômico’. Em conformidade com esse Programa propunha-se obter a duplicação da renda real per capita no decorrer de 18/24 anos e até 1980 atingir o nível de 650 dólares (KOVAL, 1982, p. 502-503).
58
Essa postura era central nos objetivos que caracterizaram o primeiro
governo da ditadura, continuou no governo Costa e Silva e se transformou
numa consigna da ditadura. Por outro lado, esse processo ensejou resistência,
por parte dos trabalhadores, que começaram a desenvolver lutas para
combater as medidas em curso. Essas ações contaram com o apoio das forças
políticas democráticas e de esquerda. Todavia, se confrontaram com a mais
ampla repressão por parte do aparato de Estado e do começo das ações
desenvolvidas pelos setores mais retrógrados dos militares. A partir daí, se
consolidou um arcabouço policialesco dos organismos de segurança/repressão
do regime, que agiam nos porões da ditadura22.
1.4 A visão estratégica e a ditadura da tática no P CB
Diante dessas balizas da ação política, a estratégia do PCB contida no
documento do VI Congresso, afirmava um arsenal de propostas que o
deslocava da luta concreta contra a ditadura, em virtude de algumas premissas
analíticas, para um difuso campo da resistência democrática. Primeiro, fica
evidente para os comunistas brasileiros a necessidade de desenvolvimento
capitalista como uma etapa da luta nacional e democrática. Segundo, o
desenvolvimento capitalista possibilitaria um avanço das teses do PCB para
uma estratégia que iria lhe aproximar da luta pelo socialismo. Esse argumento
estratégico era, ainda, refém da visão etapista que se perdia na análise da
formação social brasileira, que para o partido era caracterizada pela existência
de “restos feudais”. Portanto, esse arsenal propositivo, contido nas
formulações, determinava quais forças sociais e políticas seriam aliadas do
partido na formação do bloco de forças que deveria lutar para realizar a
revolução brasileira. Esse impasse, entre realidade concreta e a posição
reformista do núcleo dirigente estagnado, foi central para determinar a prática
política do PCB. Ainda dentro da perspectiva do PCB, a realidade brasileira
vivia uma crise de estrutura, em especial pelo baixo desenvolvimento das
forças produtivas capitalistas, que eram subordinadas a um processo de
22 Situação desenvolvida a partir do ambiente de clandestinidade e executada nos “porões da ditadura”, por milícias
paramilitares e terroristas do aparelho de Estado, descontentes com o avanço da luta por liberdades democráticas e
pelo fim da ditadura burgo-militar.
59
dominação, cuja contradição central se dava entre a necessidade de
desenvolvimento das forças produtivas e a velha dominação imperialista que
era aliada da exploração latifundiária.
Graças ao monopólio da terra por uma pequena minoria de grandes proprietários, imperam na agricultura os métodos mais atrasados de exploração do trabalho e gestão da propriedade. O latifúndio impede o acesso à terra e o melhor aproveitamento dos que nela querem trabalhar. Daí o mísero padrão de vida da população rural, as dimensões limitadas do mercado interno, a baixa produtividade da agricultura, a concentração de renda agrícola nas mãos de uma minoria privilegiada. Tudo isso perturba a acumulação interna e atua negativamente em relação ao desenvolvimento da economia (PCB, 1980, p. 162).
O PCB reafirmava o instrumental teórico-explicativo que pautou o
conjunto das suas formulações a partir do histórico levante comunista de 1935.
A partir desse processo de inflexão política, o partido se apresentará nas contendas da sociedade orientado pelo assentamento de uma nova cultura política, cujos braços exercitarão uma prática sindical não mais pautada na autonomia operária, mas uma militância no espectro corporativo da ordem burguesa. A batalha pela modernidade capitalista se aprofundará com a capitulação à ‘burguesia nacional’, como parceiro conflitivo do longo processo de revolução burguesa, perenizando a visão etapista da revolução brasileira e afirmando a necessidade de um pacto pelo desenvolvimento das forças produtivas, passando de uma visão dogmática de ruptura para o afastamento de qualquer processo clássico de ruptura com a ordem do capital (com a rara exceção da manifestação dessa ideia nos anos de 1950). A constante preocupação com a estabilidade democrática tornou o partido subalterno no processo dessas lutas. Afirmação de uma visão autárquico-burguesa da soberania nacional. Confirmação de um frentismo policlassista como instrumento de luta pela democracia. Com todo esse arcabouço [...] permeado pela cultura de que a democracia só virá pelo arranjo da conciliação e tensionado pela dúvida da opção entre povo e classe, será vitoriosa na formulação do partido a política nacional libertadora e a revolução em etapas, como via nativa ao socialismo (PINHEIRO, 2012, p. 214-215).
Portando, podemos afirmar a caducidade desse conjunto analítico, por
entendermos que a realidade exibia uma formação social onde o modo de
produção capitalista era determinante e a burguesia interna era consorciada à
burguesia internacional. Essa realidade nos permite identificar, numa análise
mais acurada, os equívocos do partido que se prendia a um projeto autárquico
de nação que tinha contradições com o imperialismo. Sendo assim, a luta seria
60
para superar essa dominação capitaneada pelo julgo da aliança imperialista
com os latifundiários.
Para a linha política do VI Congresso, essa dupla dominação
(imperialismo e latifundiários), gerava um empecilho ao desenvolvimento do
Brasil. E isso se manifestava na qualidade dessa aliança política que submetia
o Brasil ao reacionarismo interno. Partindo desse esquemático e anacrônico
instrumental analítico, o PCB entendia que a formação social brasileira se
desenvolvia por etapas e todas elas, com as suas respectivas bandeiras de
lutas e alianças, determinavam o processo brasileiro na procura pela trilha que
levasse a “evolução” política e social. A etapa daquele momento se afirmava
nas bandeiras de caráter nacional e democrático que, mesmo não se
contrapondo ao capitalismo, nem mesmo acabando com a exploração do
capital, seria fundamental para desobstruir o caminho para a revolução
brasileira, tendo como horizonte a sociedade socialista. Constituindo-se, a
partir desse roteiro esquemático, a necessária participação dos trabalhadores
na efetivação da sua hegemonia na direção da revolução.
Todavia, pela ação tática inflexível que o PCB vinha se pautando a partir
da Declaração de Março e das resoluções do V Congresso, as ações
desenvolvidas pelo partido perante o golpe militar se mostraram insuficientes
para responder aos acontecimentos. A perspectiva de luta se transformou num
discurso vazio e a posição dos comunistas não encontrou repercussão nas
forças de esquerda contrárias ao golpe. Era um exercício retórico sem
substância, que partia de uma análise superada, anteriormente feita, que
projetava uma ação em que, para liderar a revolução nacional e democrática, o
bloco revolucionário deveria ser constituído pelo proletariado, campesinato,
pequena burguesia urbana, a burguesia nacional (inimiga dos interesses do
imperialismo) que cumpriria o papel de força hegemônica naquela etapa. No
entanto, os argumentos do papel predominante da “burguesia nacional” no
bloco de forças da revolução nacional e democrática, se levarmos em conta a
realidade concreta e o papel de força auxiliar que essa fração da burguesia
interna desenvolveu no processo golpista e na integração subalterna ao
governo autoritário, não tinham consistência para se estabeler.
O conjunto das ações do partido em relação ao golpe se confrontou com
a realidade. Por acreditar no papel estratégico da chamada “burguesia
61
nacional” dentro do bloco de forças da etapa nacional e democrática, o PCB
não teve centralidade de classe na articulação de um movimento que tentasse
se contrapor aos golpistas no primeiro momento. O partido não conseguiu ter
protagonismo naquela cena política, pois acreditava que a oposição das
frações de classe da burguesia descontentes com o golpe faria a oposição no
campo da luta pelo Estado de direito da democracia formal. Contudo, o PCB
não percebeu que a burguesia, através das suas frações bancárias e industrial,
e os militares entreguistas já haviam suprimido esse Estado formal para
ficarem no poder por muito tempo. Mais uma vez, os argumentos da vaga
estratégia foram derrotados pelo arcabouço da ditadura da tática posta em
combate pelo partido; que dava sinais no sentido de acreditar que o golpe seria
uma medida preventiva para um novo rearranjo de forças do bloco no poder,
que teria vida curta, e que em breve retornaria à democracia formal.
Portanto, caía por terra aquele conjunto de formulações/propostas do
PCB caso seu projeto de revolução em etapas fosse vitorioso. Ficaram no meio
do caminho, por descompasso de interesses dentro do bloco de forças
propostas pelo partido, as tarefas que num primeiro momento consolidaria uma
perspectiva de libertação econômica e política, de independência do
imperialismo, transformação radical da estrutura agrária, acabando com o
monopólio da terra, nacionalização das empresas do conglomerado norte-
americano, consolidação do setor estatal na economia, industrialização,
planejamento democrático e reforma agrária para ampliar o mercado interno.
Mesmo acreditando que “A revolução brasileira, em sua presente etapa, deverá
liquidar os dois obstáculos históricos que se opõem ao progresso da nação: o
domínio imperialista e o monopólio da terra” (PCB, 1980, p. 172).
O próximo passo, por insistência tática, diante do possível avanço
dessas reformas, seria a perspectiva de modificar o caráter da revolução
brasileira com a possibilidade de se pensar a via para o socialismo. Porém, não
se percebe quais seriam as formas de como se chegar ao socialismo a partir
desse artefato analítico do Partido Comunista Brasileiro. Ficou apenas uma
vaga perspectiva pacífica.
A tática do PCB, influenciada pela estratégia nacional e democrática,
agia a partir da perspectiva de luta da pauta etapista. Esse modelo de fazer
política levou o partido para o campo das articulações que movimentou um
62
difuso bloco oposicionista na luta por liberdades democráticas. No entanto,
existia um movimento real de outras forças de esquerda, em processo de
confronto com a ditadura, nas questões que interessavam aos trabalhadores e
a um campo de classe na política brasileira.
A paralisia política do PCB, de abril de 1964 a maio de 1965 (quando o
CC se reuniu pela primeira vez depois do golpe) maturou uma posição tática
com base na necessidade de enfrentamento aos golpistas a partir da nova
realidade do aparato de Estado brasileiro. Portanto, o instrumental tático do
PCB se pautava no discurso de mobilizar, unir e organizar a classe operária e,
com ações concretas, na articulação das chamadas “forças patrióticas e
democráticas” para o enfrentamento que tinha por base a luta no horizonte das
liberdades democráticas contra o regime político imposto pelos militares e as
frações de classe da burguesia que rearranjaram a dominação dentro do bloco
no poder.
Novamente fica evidente para qualquer analista, a contradição entre as
resoluções do VI Congresso, em particular o discurso em defesa da classe
operária e a operação concreta na realidade, que priorizava as articulações
políticas no embrião da frente oposicionista; sem falar dos impasses colocados
entre as formulações e a realidade concreta.
A partir do VI Congresso, a ação tática do PCB se resumiu à tentativa de
organizar e unir o maior conjunto possível de forças do campo da burguesia e
dos liberais descontentes - porque foram atingidos pelos militares - para fazer a
política de enfrentamento ao novo regime político. Ao lado dessas articulações,
o partido pregava a luta pelas liberdades democráticas naquilo que dizia
respeito ao direito de reunião, de associação, manifestação, liberdade de
imprensa e liberdade partidária.
A mecânica política do PCB informava que o mesmo bloco da tática era
o mesmo bloco da estratégia. Existiam impropriedades nas formulações do
partido que alimentavam a confusão nos interesses táticos e nas divagações
estratégicas que impediram uma combativa prática política para enfrentar o
novo bloco de forças no poder. Porém, mesmo assim, ao lado dessa orientação
63
política, o partido considerava importante atuar na estrutura sindical que existia
naquele momento, no sentido de se tentar avançar para os sindicatos livres23.
Também nesse campo de luta havia um descompasso tático-estratégico
entre as formulações e a centralidade da luta que estava sendo posta pela
realidade. Existia uma presença repressiva muito forte da ditadura nos
sindicatos que agia para impedir a luta dos trabalhadores e para aplicar a
política de arrocho salarial. O PCB, embora atuando no embrião da frente
oposicionista, formada por frações de classe da burguesia insatisfeitas com os
rumos do golpe e setores políticos do campo da democracia formal, acenava
de forma genérica e discursiva para a necessidade de movimentar a estrutura
sindical oficial com a perspectiva de modificar o caráter corporativo desse
segmento social.
Mas a política do PCB, mesmo essa que só se interessava de forma
concreta com a perspectiva de articulações “pelo alto”, para construir o retorno
à democracia formal, indicava a necessidade de mobilizar amplos setores da
luta popular. A resolução congressual incentivava a mobilização dos
camponeses, considerava importante a luta dos assalariados agrícolas,
argumentava em defesa das reivindicações da pequena burguesia urbana,
apoiava o papel importante da intelectualidade progressista como fonte de
combate à ditadura, desejava que as contradições internas da Igreja Católica
fossem resolvidas através da vitória dos setores progressistas - contra a ala de
direita que foi para as ruas em defesa do golpe. Portanto, existia uma luz que
apontava para os novos atores sociais que estavam sendo descortinados pelo
desenvolvimento de uma moderna sociedade capitalista.
O desenvolvimento determinou a formação de uma numerosa pequena-burguesia urbana com composição e estrutura igualmente novas no país. No passado, esta camada era constituída fundamentalmente por artesãos, pequenos produtores, profissionais autônomos e servidores públicos. Seu peso no conjunto da população brasileira era pequeno. Hoje, os servidores públicos chegam a um milhão de pessoas. Os bancários, empregados do comércio, auxiliares diversos, técnicos, etc., já somam cerca de 1,5 milhões de pessoas. O surgimento desse grupo ativo e numeroso de assalariados determina uma mudança de qualidade na composição e no papel da pequena burguesia urbana (PCB, 1980, p. 165)
23 Perspectiva político-sindical para, a partir do contexto sindical que se tinha, lutar pela transformação da estrutura
sindical, pleiteando um modelo que o tornasse livre da presença reguladora do Estado e do patrão.
64
Contudo, essa iluminação não foi suficiente para romper com os
impasses das formulações.
Com a industrialização, ampliou-se o setor da burguesia cujos interesses estão ligados ao desenvolvimento autônomo do país. Esse setor distingue-se, em muitos aspectos, da burguesia comercial, outrora predominante. Luta para controlar o mercado interno e se choca com a ação do imperialismo. Seu interesse pela ampliação do mercado consumidor leva-o a apoiar a luta pela reforma agrária. Formou-se e ampliou-se, assim, um setor burguês que se liga ao movimento nacionalista e democrático, contrapondo-se nisto ao setor entreguista da burguesia brasileira (PCB, 1980, p. 165-166).
O desaguar desse complexo de sugestões/formulações para enfrentar a
ditadura, foi a tentativa de construir um programa mínimo, estabelecido por
quatro pontos: revogação da Constituição de 1967, revogação de atos que
lesavam os interesses nacionais, abolição da política de arrocho salarial,
política externa de afirmação da soberania nacional (CARONE, 1982). Essa era
uma tentativa, do longevo operador político dos trabalhadores brasileiros,
mesmo já enfrentando dificuldades impostas pela realidade concreta, de
manter a sua tradição de luta.
No entanto, era uma tentativa, também, de encontrar brechas em sua
formulação que minimamente pudessem dar respostas aos problemas internos.
Contudo, a linha continuava sem sofrer grandes cismas: o partido desconectou
de uma pauta de lutas mais específicas e continuou a trabalhar em
generalizações frentistas que, em tese, teria papel importante para aglutinar os
segmentos descontentes com o novo regime político e a forma jurídico-
econômica que o Estado passou a executar. Tendo como horizonte político
esse cabedal analítico e como tática, a ampliação do campo oposicionista, o
partido considerou relevante as funções que o MDB24 poderia ter. Naquele
momento, o Movimento Democrático Brasileiro surgia como partido da
chamada “oposição consentida”. Mesmo com essas características iniciais, o
PCB fez um esforço ao conclamar a unidade dentro dessa agremiação com o
interesse de construir um espaço político que pudesse movimentar as mais
amplas forças que se colocavam contra a ditadura.
24 Movimento Democrático brasileiro. Partido criado pela nova institucionalidade golpista para representar pequenos
interesses divergentes na relação de conflito com as políticas do governo burgo-militar.
65
Apesar das medidas tomadas para instituir na prática o partido único, setores e personalidades políticas desenvolvem, no Parlamento e fora dele, a oposição ao regime. Os parlamentares eleitos, sob a legenda do MDB têm tido, com algumas exceções, uma posição vacilante diante das arbitrariedades da ditadura. Apesar disso, o MDB e outros agrupamentos existentes podem tornar-se um fator positivo para a mobilização das forças populares (PCB, 1980, p. 181).
Essa perspectiva de atuação no MDB, no começo, teve pouca
repercussão do ponto de vista de trazer para esse espaço político os
trabalhadores, os movimentos populares e os setores combativos da esquerda.
Todavia, se mostrou importante na articulação de outras formas de luta política
que começavam a encontrar ressonância na afirmação de um embrião da
frente democrática de luta contra a ditadura.
Apesar do MDB ainda ser, naquele momento, um espaço de luta política
contraditório, e o PCB não ter maior densidade dentro dele, no campo da tática
eleitoral o partido começou a ter uma determinada importância pelo papel que
estava exercendo na união das forças contrárias ao regime político governado
pelos militares. Todavia, apesar da centralidade desse campo de atuação, o
PCB passou a desenvolver outras atividades na frente de resistência à ditadura
em todo território nacional. Sem perder, contudo, o foco nas articulações da
“frente única” com a perspectiva incerta de formar um novo governo com o
caráter de transição, para superar o regime político imposto pelos golpistas. É
com base nessa perspectiva que podemos afirmar que o partido analisava a
ditadura como um pequeno e transitório período autoritário.
Portanto, algo destoava da capacidade analítica que marcou a história
do PCB: ao considerar que a ditadura seria passageira, o partido se empenhou
por um governo de ampla coalizão, com características de “frente única”, que
envolvesse diversos segmentos descontentes com o golpe e aqueles que se
opuseram aos reacionários durante o governo João Goulart. Essa situação
poderia por fim à ditadura através de um amplo processo de negociação de
caráter bonapartista (BARSOTTI, 2002; DEMIER, 2013). Todavia, sobressaiu
dessa postulação uma profunda incapacidade analítico-política que demonstrou
o esgotamento do PCB como operador político da classe operária para
responder aos golpistas. A postura histórica do PCB que sempre primou por
análises ricas e centradas no que indicava a realidade, perdeu consistência
teórica para entender o modo de produção capitalista predominante na
66
formação social brasileira e não encontrava aderência para vislumbrar os
atores que agiam sob a cortina da cena política que impactava a luta de
classes naquela conjuntura.
1.5 A análise sobre o partido e o golpe nas resoluç ões do VI Congresso
O Congresso também se dedicou a entender o partido, procurando
discursivamente fomentar a sua presença na luta política em curso. Contudo,
entre a visão orgânica de corte baluartista e as necessidades da luta concreta,
o Congresso apontou para o fortalecimento do partido optando por práticas
reformistas que, em tese, iriam estimular o crescimento e a presença partidária.
O PCB não conseguiu entender que a derrota que sofreu advinha da
opção feita pela luta política nos marcos da linha construída pela Declaração
de Março de 1958 e pelas Resoluções do V Congresso. Pautado pela
orientação desses documentos, o núcleo dirigente estagnado argumentava que
os motivos da derrota em 1964 foram determinados pela concepção de fundo
pequeno-burguesa e golpista que existia no partido e na compreensão da
revolução sem a necessidade de participação das massas – como sendo uma
ação de poucos e bons. Também considerava que havia uma visão de luta
política imediatista, uma postura esquerdista que limitava a compreensão
teórica e impedia que o partido aplicasse a linha política da Declaração de
Março e do V Congresso e por ter, dentro do aparelho partidário, uma forte
influência da ideologia pequeno-burguesa. Sendo assim, esse conjunto
explicativo, baseado nos tópicos citados, respondia à complexa questão da
derrota do PCB.
Em nossa compreensão, a inversão das causas e a não identificação
dos equívocos contidos nos documentos partidários, pautaram a reflexão do
PCB em uma perspectiva que o colocava no campo do reformismo reboquista
de direita. Levaram à não compreensão do que havia passado com o mais
grave acontecimento da segunda metade do Século XX no Brasil. Portanto, o
PCB ampliou celeremente a ruptura com a sua tradição de luta, optando por se
inserir nas bandeiras pela democracia formal e se afastando das tarefas que
davam centralidade ao papel da classe operária na luta política. E a história
67
não demorou muito para comprovar o equívoco desse novo horizonte teórico-
político que se firmou no partido.
1.6 As rupturas políticas e orgânicas do PCB no cam inho do
enfrentamento armado com a ditadura
As rupturas políticas e orgânicas saídas do PCB, a partir das avaliações
e debates no ambiente do VI Congresso, fizeram uma crítica radical ao partido
em virtude daquilo que era caracterizado por esses segmentos como vacilação,
reformismo, conciliação e ilusão de classe do partido. Os críticos da linha
política do partido foram derrotados e se rearticularam em várias organizações.
Mesmo pequenos, alguns agrupamentos, originários dessa ruptura,
mantiveram uma quantidade significativa de militantes.
Os primeiros momentos após o golpe, quando da instalação dos
golpistas no controle do aparato de Estado, deixaram perplexas as forças de
esquerda que passaram a agir desarticuladas e fracionadas. Essa apatia
política diante de tal evento impossibilitou uma mínima reação, mesmo do
governo deposto, e distanciou as forças democráticas da formação de uma
frente única para direcionar a luta de resistência.
A realidade pesava sobre as forças de esquerda como um tanque de
guerra no campo de batalha e a principal ação dessas forças foi se preservar.
Fica nítida, a partir dessa conduta, a completa incapacidade da esquerda de
entender a complexa conjuntura do golpe e quais medidas tomarem. A
esquerda, em especial o PCB, através dos seus documentos, empreendia uma
fuga daquela realidade. No entanto, as forças reacionárias programavam
medidas para efetivar o seu projeto golpista.
A direita burgo-militar vitoriosa, tem como primeiro ato desarticular as
possibilidades de mobilização popular. Intervém nos sindicatos, agride a
organização das Ligas Camponesas, intimida os estudantes, destrói o prédio
da UNE na Praia do Flamengo, executa um conjunto de cassações políticas,
abre Inquéritos Policiais Militares (IPMs), tudo isso com base no primeiro Ato
Institucional Nº I (AI-1).
O aparato golpista avançava para desarticular qualquer movimentação
dos setores nacionalistas e legalistas, dentro das forças armadas e no serviço
68
público, iniciando um processo de cassação que ultrapassou dez mil pessoas.
Ao lado disso organizou um conjunto de medidas econômicas que visava criar
uma modernização conservadora no Brasil, para atender aos interesses da
burguesia golpista consorciada ao capital estadunidense.
O governo Castelo Branco recebe apoio integral do FMI para
implementar essas medidas do consenso golpista. O impacto inicial dessas
medidas tem como ponto central um profundo arrocho salarial sobre os
trabalhadores e um imenso laboratório de ações no âmbito da política
econômica que foi elencado pelos novos ministros Otávio G. de Bulhões e
Roberto Campos. Todo complexo articulado da política econômica do governo
golpista diz respeito ao relacionamento do processo de avanço dos interesses
da burguesia golpista sobre o aparato de Estado.
Ainda é importante registrar, nesse complexo da dialética esboçada no
processo contraditório entre golpe e resistência, que o PCB impactado pela
ausência de aderência de sua linha política à realidade em curso, e surpreso
pela desatenção do seu núcleo dirigente, ficou estupefato pela capitulação do
frágil esquema militar do governo João Goulart. Tal esquema era visto pelo
PCB como uma força capaz de “cortar as cabeças dos golpistas”. Essa visão,
produto de leituras palacianas e não da realidade concreta, contribuiu para o
isolamento do partido, que foi engolfado, mais uma vez, por um conjunto de
debates e questões que imobilizou a estrutura interna.
Ao lado das circunstâncias que envolviam o PCB organicamente e em
sua expressão política, o aparato policial-militar dos golpistas empreendeu um
ataque repressivo que trouxe para o partido grandes dificuldades para
desenvolver sua ação.
Como ação da repressão, foram aprisionados, no “aparelho” de Prestes,
um conjunto de cadernetas, pastas e documentos arquivados pelo Secretário
Geral do partido no local em que ele vivia clandestino. Ao apreender esses
documentos a repressão pôde abrir um conjunto grande de Inquéritos Policiais
Militares (IPMs) contra vários dirigentes, militantes e intelectuais ligados ao
PCB. As acusações tinham como base o farto material recolhido nessa
operação.
Apesar do cerco da repressão, o partido continuava submetido ao
debate interno. O primeiro documento com o perfil de uma primeira avaliação
69
do golpe é originário da reunião da Comissão Executiva (CE) do partido, com o
título de Esquema para discussão que foi elaborado em maio de 1964. Este
documento é importante em virtude do posicionamento da direção executiva
que entra no mérito das questões do golpe e faz uma dura crítica à postura do
PCB na escolha exclusiva do caminho pacífico para a revolução brasileira. O
núcleo dirigente que participou da reunião afirmou que o partido não se
preparou para enfrentar qualquer mudança de rota nos meandros da
conjuntura de crise. Para esses dirigentes, o partido concebia sua ação apenas
no interior do Estado de Direito democrático, portanto, criando balizas políticas
e descartando outras situações que pudessem se apresentar no fogo da luta de
classes em curso.
O partido, diante dessa sacralização do Estado de direito da burguesia,
descartava qualquer perspectiva de enfrentamento armado, pois, acreditava
substancialmente na força política do governo João Goulart, na presença dos
setores nacionalistas e democráticos da sociedade, ao tempo em que
acreditava com especial convicção no esquema militar do governo. A direção
do PCB e em especial, seu líder máximo Luiz Carlos Prestes, consideravam o
esquema militar do governo forte o suficiente para reagir a qualquer iniciativa
golpista da direita udenista sediada nos quartéis. Esse posicionamento do PCB
convenceu amplos setores da militância e desarmou a ação dos comunistas.
Com base na crítica dessa postura e se confrontando com as
formulações anteriores do PCB o “Esquema para discussão” tinha um
problema: representava uma maioria limitada que foi vencedora nessa primeira
reunião em virtude das dificuldades de outras presenças. Portanto, não era
representativa da correlação de forças interna do partido. Tanto é assim que,
em pouco tempo, essa correlação que produziu o Esquema para discussão foi
desarticulada e a maioria do CC reorientou o conjunto das análises em
consonância com as formulações anteriores.
O texto em questão foi aprovado em uma circunstância muito particular.
Dessa reunião apenas participaram Carlos Marighella, Mário Alves, Jover
Telles, Giocondo Dias e Orlando Bonfim Jr. em virtude de estarem, no contexto
do golpe, isolados geograficamente no Rio de Janeiro. Portanto, os três
primeiros são os autores do documento que tinha uma crítica de esquerda à
postura do partido. “Com o retorno de Prestes e demais membros às reuniões,
70
restabeleceu-se a maioria” (GORENDER, 1987, p. 87) e o documento tornado
sem efeito. Ainda mais, que nesse processo ocorreram as prisões de
Marighella e Mário Alves, respectivamente em maio e junho de 1964.
Apesar da longa clandestinidade e da profunda perseguição que sempre
sofreu, nessa conjuntura política específica tudo era perplexidade para o PCB.
A melhor prova para justificar essa hipótese é que o partido não reuniu sua
direção durante todo o ano de 1964 e começo de 1965, o que atrasou bastante
a reorganização para o debate. Essa defasagem contribuiu para que o partido
não tivesse uma reestruturação adequada para responder aos processos em
curso demandados pelo golpe burgo-militar. Mesmo a provável articulação da
Frente de resistência democrática e até a possibilidade de frente ampla para
lutar contra os golpistas tiveram poucas iniciativas por parte do PCB.
Outro fator importante contribuiu para essa paralisia: a estrutura
orgânica não tinha se reorganizado internamente com mínimas condições de
colocar em funcionamento a organização comunista para responder a essa
situação que estava se mostrando extremamente desfavorável ao partido.
Diante desse quadro vai ocorrer a primeira reunião do PCB, após o golpe, em
maio de 1965, na cidade de São Paulo.
A reunião tornou transparente a orientação que pretendia seguir a maioria capitaneada por Prestes e Giocondo Dias. A linha do Quinto Congresso devia ser salva sob a alegação de que apenas fora mal aplicada. A causa da má aplicação teria sido o ‘desvio de esquerda’, expressão do jargão comunista que indica superestimação das próprias forças, avaliação exagerada das possibilidades objetivas, ações precipitadas, isolamento das massas, sectarismo e por aí a fora. No caso do PCB, o ‘desvio de esquerda’ se caracterizou supostamente pelo golpismo, conhecido o vício da política brasileira (GORENDER, 1987, p. 88).
Giocondo Dias, com o irrestrito apoio do Secretário-Geral, acusou o CC
de erros que foram originados do distanciamento do partido em relação à
orientação política do V Congresso e de um desvio de esquerda, que ficou
conhecido, na análise desses dirigentes, como um vício golpista que sempre
pautou a história do PCB em momentos de acirramento da conjuntura política e
social. Para a maioria do CC, tudo isso que pautava o partido sempre acontecia
em conluio com forças radicalizadas e irresponsáveis. Sendo assim, algumas
71
medidas foram tomadas nessa primeira reunião para desarticular os críticos da
linha política:
Para dissolver a oposição, a maioria do CC decide encaminhar a dissidência a diversos Estados: Marighella para São Paulo, Mário Alves para Minas Gerais, Jacob Gorender para o Rio Grande do Sul, Jover Telles para a Guanabara e Apolônio de Carvalho para o Rio de Janeiro (SAMPAIO, 2003, p. 87).
Logo após a reunião do Comitê Central, de maio de 1965, as
divergências internas ganharam corpo, agora influenciadas por diversas
perspectivas pautadas no foquismo e no maoísmo. Essas novas possibilidades
apresentadas pelos dissidentes, como perspectiva de luta para reagir aos
golpistas, centravam-se na possibilidade de desenvolver um foco guerrilheiro
e/ou uma ação de “guerra popular e prolongada” marchando do campo sobre a
cidade.
Com base nessas ideias e perspectivas o debate interno se acirrou ao
extremo das decisões. O PCB passou a enfrentar diversas rupturas que tinham
como base social o conjunto da estrutura estudantil em várias partes do país,
mas em especial, em São Paulo, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Rio de
Janeiro.
Essas dissidências ganharam corpo na base do partido e foram dirigidas
por militantes históricos a exemplo de Carlos Marighella, Mário Alves, Apolônio
de Carvalho, Câmara Ferreira, Jacob Gorender, Jover Telles e outras
lideranças intermediárias. Após ganharem corpo, essas dissidências deram
origem a algumas organizações importantes da luta armada contra a ditadura
burgo-militar como a ALN25 comandada por Carlos Marighella, e o PCBR26,
comandado por Mário Alves. A logística do movimento armado contra o regime
se desenvolveu a partir de 1967 e começou a recuar em 1969, quando ocorreu
o assassinato de Carlos Marighella 27.
25 Ação Libertadora Nacional. Organização dirigida por Carlos Marighella que surgiu de um racha do PCB, cuja
estratégia política continuava a ser o programa nacional-democrático, porém, do ponto de vista tático, utilizavam-se de
formas de organização e luta armadas.
26 Partido Comunista Brasileiro Revolucionário, organização que surgiu também de um racha com o PCB e que era
dirigida por Mario Alves, também engajado na luta armada contra a ditadura.
27 Histórico líder comunista assassinado pela ditadura em 04 de novembro de 1969. Marighella foi um dos mais
destacados dirigentes revolucionários brasileiros, com uma longa tradição de envolvimento nas lutas operárias e
populares – dirigiu a greve dos 300 mil em 1953, em São Paulo – e participou intensamente de vários acontecimentos
72
A direção do partido (CC) começou a sofrer baixas em virtude do
afastamento dos dissidentes, a adesão desses dirigentes à luta armada
motivou profundos rachas na base do partido e em suas direções
intermediárias. Seguiram os líderes dessas dissidências milhares de militantes.
Ainda no processo de debate interno para o VI Congresso, antes da
saída dos dissidentes, as teses foram lançadas em julho de 1966 e o debate foi
aberto no jornal do partido, Voz Operária. Essas teses provocaram grande
efeito sobre o partido devido à escolha da linha política feita pela maioria do
CC, que não apresentava qualquer orientação para reação: o saldo foi
devastador. Na contabilidade interna, logo se percebeu que na Guanabara, o
grupo de Mário Alves tinha uma força extraordinária e, em São Paulo, Carlos
Marighella conseguiu uma vitória espetacular sobre a direção (CC) do partido,
e ganhando, de forma ampla e esmagadora, a maioria da direção estadual.
Em abril de 1967, realizou-se em Campinas a Conferência Estadual dos comunistas de São Paulo. O CC, representado por Prestes, foi derrotado por Marighella, que apoiado por 33 dos 37 delegados reelegeu-se Secretário-geral. A principal resolução da Conferência consagrava a luta armada como o caminho da revolução (SAMPAIO, 2003, p. 87).
Esses acontecimentos foram aprofundando a crise e a perplexidade no
PCB. O núcleo dirigente que detinha o controle da máquina partidária estava
sem rumo apesar das decisões que foram tomadas no Congresso.
Nas hostes partidárias avançavam os efeitos da crise política e orgânica,
todavia, entre os dissidentes que viriam a se organizar em torno da ALN e em
torno do PCBR, todos eles conhecidos anteriormente como a Corrente
Revolucionária, que tinha representação em São Paulo, Rio de Janeiro,
Guanabara, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, cresceu a motivação para levar
o máximo possível de quadros do partido. Essas forças revolucionárias
cresciam no nordeste, em especial pela presença do PCBR naquela região do
Brasil. Sobre isso informa um dos principais dirigentes dessa organização:
No Nordeste, da Bahia ao Ceará, tínhamos uma base de apoio muito superior a qualquer facção dissidente do PCB e capaz de competir
políticos de repercussão na história brasileira. Teve papel fundamental em vários momentos de reorientações internas
do PCB.
73
nos meios da esquerda. Em Pernambuco, nossos companheiros da Corrente derrotaram a AP nas eleições de 1968 para a diretoria da União Estadual de Estudantes (GORENDER, 1987, p.102).
1.7 O cenário político brasileiro no pós-golpe burg o-militar
O cenário político brasileiro logo após o golpe de 1964 demonstrou que
a ditadura não tinha vindo para fazer pequenos arranjos institucionais e
modificar a correlação de forças no campo da disputa política, que se
manifestava desfavoravelmente antes do golpe. A ditadura visava estabelecer
outro modelo de gestão para o poder estatal. “A partir de 1964 os militares e os
tecnocratas [representando a burguesia] assumem, portanto, o centro real e
formal do poder político e o processo de decisão e execução das políticas
públicas” (BORGES, 2007, p. 34).
Os golpistas encastelados no poder prepararam um conjunto de
medidas político-institucionais, ações policiais e militares para impor a
repressão, amplo pacote de medidas econômicas e profundo ataque aos
direitos trabalhistas tendo como medida central um violento arrocho salarial.
Vista como uma questão central para reorientar a economia e combater a
inflação. “O terceiro grande instrumento do programa antiinflação depois da
redução do déficit público e do controle mais rigoroso do crédito foi a política
salarial” (SKIDMORE, 1988, p. 77).
As bandeiras do nacional-desenvolvimentismo foram suprimidas para
facilitar as ações e os privilégios da burguesia brasileira associada à burguesia
internacional com vistas à formação de um novo ciclo de acumulação para
esse capital, mas, também, como forma de quebrar a resistência autárquica de
uma fração que se pretendia nacional, exclusivamente pelas fortes ligações
que mantinham com João Goulart como pretenso herdeiro político do
varguismo. Ao lado dessas preocupações dos golpistas, também se afirmava,
dentro do governo autoritário, uma política no sentido de impedir qualquer
espaço que permitisse articulações advindas da procura por liberdades
democráticas. Os canais de interconexões dos setores populares foram
fechados pelo poder institucional do autoritarismo.
74
A LSN visava à defesa contra o tipo de ‘guerra interna’ que supostamente ameaçara o Brasil durante o governo Goulart. Novas penalidades eram previstas agora para os responsáveis por guerras psicológicas ou para promotores de greves que pusessem em risco o governo federal. A linguagem e os conceitos da lei provinham das doutrinas desenvolvidas na Escola Superior de Guerra da qual Castelo fora ativo participante. O presidente e [as) forças armadas estavam obrigando todos os brasileiros a seguirem as doutrinas que, segundo eles, salvaram o Brasil em 1964 (SKIDMORE, 1988, p. 120).
Continuava, agora, de forma completamente diferente o ciclo de re-
arranjo do capital para compensar as perdas que em tese tiveram mediante as
conquistas populares sobre o Estado brasileiro, em especial, a partir do
segundo mandato de Getúlio Vargas. Só que agora com o aparato de Estado
garantindo a expropriação, sem a anterior dicotomia entre frações
pretensamente nacionalistas e uma articulação burguesa que se conjugava
com a burguesia internacional e que era caracterizada como entreguista dentro
da economia brasileira. Para isso,
O regime político instaurado pelo movimento militar de março de 1964 tem como programa econômico, expresso no Plano de Ação Econômica do Governo – PAEG -, a restauração do equilíbrio monetário, isto é, a contenção da inflação, como recriação do clima necessário à retomada dos investimentos públicos e privados (OLIVEIRA, 2003, p. 93).
As disputas entre as frações da burguesia e a anterior subalternidade
das forças de esquerda, com pretensões hegemônicas, diante dessa disputa
inter-classista não se colocou de forma autônoma, contribuiu para fortalecer o
movimento dos golpistas.
A representação das esquerdas ainda se mostrava extremamente frágil
para dar sentido a um projeto de resistência popular. O golpe burgo-militar, de
caráter bonapartista, se institucionalizou no comando da República. O cenário
político era marcado pelo aprofundamento da repressão com cassações,
prisões, afastamentos e expurgos da vida pública e com uma insana violência
física que gerou, desde os seus primeiros momentos, assassinatos (DOSSIÊ
DITADURA, 2009)28. O golpe veio para tirar da movimentação política uma
28 Augusto Soares da Cunha, Otávio Soares Ferreira da Cunha, Ivan Rocha Aguiar, Jonas José Albuquerque de
Barros, Labibe Elias Abduch, João de Carvalho Barros, Alfeu de Alcântara Monteiro, Antogildo Pascoal Viana, João
Barcellos Martins, Edu Barreto Leite, Bernardino Saraiva, José de Souza, Carlos Schirmer; todos assassinados pelos
agentes da ditadura no mês de abril de 1964.
75
articulação, que se pretendia nacionalista, que tinha interesse em preservar a
burguesia interna com o seu incipiente e vacilante projeto de nação. Ao tempo
em que visava impedir o avanço das lutas populares em defesa das reformas
de base e impor barreira para qualquer situação que denotasse vinculação com
as liberdades democráticas ou ligação às ideias comunistas.
Os conspiradores militares e civis que depuseram João Goulart em março de 1964 tinham dois objetivos. O primeiro era ‘frustrar o plano comunista de conquista do poder e defender as instituições militares’; o segundo era ‘restabelecer a ordem de modo que pudessem executar reformas legais’. O primeiro foi fácil. O segundo mui mais difícil (SKIDMORE, 1988, p. 45).
O imediato pós golpe presenciou, pela facilidade com que as forças
reacionárias implementaram os seus interesses e através de métodos de
exceção, a imposição de diversos Atos Institucionais baixados pelo alto
comando bonapartista do movimento golpista. Nesse ambiente de autoritarismo
foi baixado o Ato Institucional número 1, de 9 de abril de 1964 e que já continha
medidas de exceção, redigido pelo mesmo jurista que criou a Carta Autoritária
do Estado Novo, ou seja, Francisco Campos. A partir desse momento, saíram
as listas de cassados pelo AI-1 que atingiram em cheio figuras do governo
deposto, bem como, importantes militantes da esquerda brasileira: João
Goulart, Darcy Ribeiro, Jânio Quadros, Waldir Pires, Francisco Julião, Luiz
Carlos Prestes, Osvaldo Pacheco e tantos outros. Quem encabeçava essa lista
era a figura emblemática do Secretário-Geral do PCB, Luiz Carlos Prestes.
Pouco depois, o General Castelo Branco, indicado pelas forças
reacionárias para assumir a Presidência da República, foi eleito pelo Colégio
Eleitoral, no dia 11 de abril, com votos do PSD29, da UDN, até do PTB30, com
abstenções e algumas ausências. Contudo, é necessário registrar que esse
Colégio Eleitoral já não tinha os elementos políticos que eram opositores dos
golpistas.
A perseguição política da ditadura prosseguia com o esmagamento das
entidades estudantis, avançava com ações para acabar com a estabilidade dos
29 Partido Social Democrático. Partido com forte presença das oligarquias rurais e de líderes que tiveram grande
importância no cenário político brasileiro a exemplo de Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek.
30 Partido Trabalhista Brasileiro. Partido que surgiu para encabeçar um programa reformas de trabalhistas, para
mobilizar os trabalhadores brasileiros e rivalizar com a grande influência do PCB junto aos movimentos operário e
sindical.
76
trabalhadores ao criar o instrumento compulsório do FGTS (Fundo de Garantia
por Tempo de Serviço). Constituía um arcabouço de repressão política para
dirigir a estrutura autoritária ao formar o SNI (Serviço Nacional de Informação).
No plano da ação econômica, a ditadura, em articulação com os Estados
Unidos, implementava, através do Ministro Otávio Gouveia de Bulhões
(Fazenda) e do Ministro Roberto Campos (Planejamento), uma célere
modificação na ordem econômica. “Após consolidar a tomada do poder e
centralizar a autoridade no executivo, Castelo Branco e seus companheiros [...]
voltaram-se para os males econômicos do Brasil” (SKIDMORE, 1988, p. 68).
A relação capital/trabalhou sofreu intervenção do governo golpista com a
instituição de medidas que afirmaram a lógica da exploração do trabalho.
Enquanto institucionalmente o regime militar buscava consolidar a nova ordem, do ponto de vista da regulação capital-trabalho, editava uma série de leis e decretos com o objetivo de implementar a ‘disciplina do trabalho’, violando conquistas e direitos, fruto da luta de várias gerações. Ainda em junho de 1964, a Lei 4.330, sob o pretexto de regular o direito de greve assegurado pelo Artigo 158 da Constituição de 1946, o novo governo estabelecia uma série de normas que praticamente tornava inviável a realização da greve.No Artigo 5º a Lei determinava que a greve deveria ser aprovada, em escrutínio secreto, por um quórum correspondente a um mínimo 1/8 dos associados, nas entidades com mais de cinco mil profissionais na base. Nessas circunstâncias, deveria estar presente um funcionário do Ministério do Trabalho e as decisões teriam obrigatoriamente que ser encaminhadas ao Delegado regional do Trabalho (COSTA, 1997, p. 113).
Nesse período do curto pós-golpe, a ditadura realizou, em outubro de
1965, eleições para 11 (onze) governos estaduais. Foram eleições diretas cujo
resultado não foi nada favorável aos golpistas. A base política do novo regime
foi derrotada em cinco Estados da Federação: Rio Grande do Norte, Mato
Grosso, Guanabara, Minas Gerais, Santa Catarina. Após esse episódio o
governo discricionário percebeu que era muito complicado manter essas
brechas democráticas diante da possibilidade de setores oposicionistas
conseguirem o apoio das massas, portanto, a regra foi mudada para eleger
governadores pelos Colégios Eleitorais.
Maria D’Alva Kinzo (1994) analisa, após esse processo eleitoral, que a
linha dura do regime tentou impedir, ao lado dos governadores Carlos Lacerda
e Magalhães Pinto, em articulação com o Presidente da República, a
realização dessas eleições estaduais.
77
Uma avaliação política mais consistente identificava que esse era o
interesse da base burgo-política dos golpistas, representados no caso pelos
governadores Magalhães Pinto e Carlos Lacerda, porque sabiam que iam
perder as eleições nos seus respectivos Estados, ou seja, Minas Gerais e
Guanabara. Rapidamente, um movimento interno ao regime, diante dessas
circunstâncias, tentou apartar do poder o General Presidente Castelo Branco,
que precisou contar com a intervenção do General Costa e Silva em seu apoio.
Apesar da ação de Costa e Silva para proteger o presidente, a linha dura
por ele representada, impôs um acordo que em muito beneficiava esse setor
dentro da estrutura do regime. Esse braço policialesco das Forças Armadas,
agindo como gendarme da burguesia, cresceu em importância dentro do
sistema, terminando por impor, a partir do Ato Institucional nº 2 (AI-2), a
extinção dos partidos e a construção de uma ordem política bi-partidária com o
surgimento da Arena31 e o MDB32. Estava, assim, substituído o
pluripartidarismo, ficando a cena política institucional restrita, a partir daquele
momento, aos partidos fantoches: um partido para representar o governo, a
ARENA, e outro para representar a oposição consentida, o MDB.
A ARENA se constituiu para representar os interesses da ditadura, como
braço da burguesia golpista e dos Estados Unidos. A oposição consentida,
representada pelo MDB, operava em um pequeno teatro no qual o governo
permitia manifestações dentro da ordem. É importante observar que o General
Presidente, no momento posterior ao golpe, afirmou que aquela ação militar era
para preservar o Estado de direito e a democracia. Essa falácia se transmutou
rapidamente para uma prática que consolidava o Estado de exceção.
As medidas de exceção colocavam em xeque o discurso que inaugurou
o assalto ao poder. O autoritarismo golpista ia aperfeiçoando seu sistema,
confeccionado uma lógica de segregação da democracia e permitindo ao
General Presidente tomar, a partir da conduta bonapartista, medidas
discricionárias de grande impacto. O bloco de forças no poder era
definitivamente composto pela burguesia brasileira consorciada ao 31 Aliança Renovadora Nacional. Partido criado para representar a ditadura burgo-militar na cena política brasileira.
Congregou os quadros mais reacionários da política de então e prestou apoio institucional às ações do executivo e da
burguesia golpista.
32 Movimento Democrático Brasileiro. Partido que congregava a oposição moderada e que tinha como finalidade fazer
o jogo institucional durante o período da ditadura burgo-militar, até a reforma partidária do começo dos anos 1980.
78
imperialismo norte-americano, tendo como extrato social burocrático para gerir
o Estado, as Forças Armadas. Aos poucos a burocracia militar começava a dar
sinais de autonomização na gerência do Estado.
A política como instrumento da mediação das relações de poder
estavam suprimidas. Em seu lugar aparecia a doutrina desenhada pela Escola
Superior de Guerra (ESG)33, inspirada nas pautas formuladas pelas academias
militares dos Estados Unidos. Todo esse complexo é analisado e interpretado
nas formulações do autoritarismo burocrático apresentado por autores como
Guillermo O’Donnell (1988). Todavia, para efeito de pesquisa, outros autores
vão debater essa temática a partir de perspectiva diferenciada: Florestan
Fernandes (1982) e Alfredo Stepan (1987; 1988).
Nessa discussão sobre as características e a natureza do regime é
importante refletir sobre o que dirigia a vontade política dos militares para que
fosse implementado aquele golpe, esse movimento estava orientado por quais
interesses?
Lançadas as bases, os militares podiam agora levar adiante seu projeto segundo as linhas traçadas na Grande Estratégia da Doutrina de Segurança Nacional. Para além da mobilização geral das forças repressivas do novo Estado, tal política – em conformidade com os princípios da Doutrina de Segurança Nacional – tinha em mira áreas específicas e estrategicamente sensíveis de possível oposição: política, econômica, psicossocial e militar (ALVES, 1985, p. 56).
Nos estudos da pesquisadora Maria Helena Moreira Alves (1985)
aparecem pistas de como se colocavam os interesses desse extrato
burocrático militar dentro do aparelho de Estado e o que contribuiu para esse
desenlace. Na análise desenvolvida por Marcos Vinícius Menezes (2002) pode-
se identificar, para adensar a reflexão em curso, que esse segmento dirigente
golpista, ou seja, os militares, realizara um golpe também para servir aos
interesses da burguesia brasileira consorciada com a burguesia internacional,
em especial, aquela sediada nos Estados Unidos.
Os gerentes dos cofres públicos brasileiros voltaram a ser os americanófilos Roberto Campos (Ministro do planejamento) e Otávio Gouvêia de Bulhões (Ministro da Fazenda). Os Estados Unidos, que sabotaram de “n” maneiras o governo Goulart no que se referia à concessão de empréstimos, abrira suas portas para o novo regime por ele apoiado. Já nos primeiros meses do governo Castelo Branco,
33 Instituição criada em 1949, quando estava em pleno desenvolvimento a política da “guerra fria”, consolidou-se em
seu horizonte ideológico uma doutrina de segurança nacional de caráter conservador e reacionário.
79
uma avalanche de dinheiros vindos dos Estados Unidos, ou sob sua influência, inundou os cofres públicos brasileiros: nos dias 16 de abril de 1964, 14 de julho de 1964 e 14 de abril de 1965, os Estados Unidos enviaram para o Brasil, respectivamente, 4 milhões, 883 milhões e 300 milhões de dólares, sob o título de empréstimos. Em 13 de maio de 1965, o FMI emprestou mais 125 milhões de dólares. Era o início da bola de neve do endividamento externo. Em troca, o Brasil revogou a Lei de Remessa de Lucros sancionada por Jango, abrindo ainda mais o caminho para o capital especulativo multinacional; enviou tropas brasileiras à República Dominicana, que estava em guerra civil; rompeu relações diplomáticas com Cuba e assinou um tratado de compra da AMFORP por 135 milhões de dólares (MENEZES, 2002, p.185).
Confirma-se assim, que o principal país imperialista tinha participação
ativa nesse processo golpista. Portanto,
É certo que há uma estratégia global dos Estados Unidos na fase atual do imperialismo, mas não existe uma e sim várias táticas dos Estados Unidos. Os Estados Unidos adquiriram longa experiência na repressão dos povos e no desempenham da função de polícia das burguesias ocidentais. Mas não costumam empregar todos os recursos no mesmo negócio e, em matéria de estratégia, não apostam em uma única carta. Em verdade, os Estados Unidos conservam sempre várias cartas na mão. É claro, que, para eles, as cartas não são todas equivalentes; há algumas que eles preferem a outras, se bem que, muitas vezes, joguem simultaneamente com todas elas. Mas isto quer dizer que a estratégia empregada pode adaptar-se a várias soluções nos países dentro da sua zona de influência (POULANTZAS, 1978, p. 29).
Mas também,
Acrescente-se a isto um segundo elemento, quanto à estratégia mundial dos Estados Unidos. Refere-se à extensão do espectro das soluções consideradas aceitáveis ou toleráveis para este ou aquele país, numa região do mundo [...] (POULANTZAS, 1978, p. 30).
Em conjunto com essa união ao imperialismo, a ditadura recrudesceu a
repressão sobre todo e qualquer movimento e partido que apresentasse a
mínima oposição a esse projeto. Não apenas o Partido Comunista Brasileiro foi
atingido fortemente por essas medidas, como também atingiu, em especial, os
sindicatos, lutadores sociais, militantes políticos e ações no campo e na cidade.
Os dissidentes do PCB que se preparavam para ações armadas de maior
consistência contra o regime burgo-militar passaram a ser alvos prioritários
dessa repressão.
80
As turbulências desencadeadas em 1968 foram pretexto para a
consolidação da “linha dura” do regime e a especialização da repressão. Como
examinou Gorender (1987), essa corrente extremista no interior das Forças
Armadas, vinha se fortalecendo desde a crise político-militar de outubro de
196534.
O aparato repressivo do Estado de exceção aprofundou seu dispositivo
tático contra as vanguardas armadas. Afirmava-se no bloco do poder a linha
dura das forças armadas com o afastamento de setores burgueses que
participaram do golpe e que agora estavam sendo marginalizados no processo,
inclusive, com afastamento de políticos que foram articuladores do golpe e que,
nas rusgas internas, haviam colocado alguma restrição à condução do
processo, a exemplo de Adauto Lúcio Cardoso (presidente da Câmara dos
deputados) e Carlos Lacerda que tentava criar um novo instrumento político.
Carlos Lacerda, que renunciara à sua candidatura presidencial pela UDN em 1965, decidira agora criar um novo veículo para as suas ambições políticas. Como havia apenas dois partidos legais, a situação impunha que se recorresse com habilidade a um circunlóquio. Ele batizou seu novo movimento com o nome de Frente Ampla. Mas como nunca havia feito proselitismo em âmbito nacional, precisava aliar-se a políticos largamente conhecidos no país. As escolhas óbvias eram Juscelino e Goulart, não obstante a antiga hostilidade de Lacerda a ambos (SKIDMORE, 1988, p. 114).
É nesse lapso das defecções políticas do regime que o PCB se articula
para entrar em combate político, no entanto, um combate político no campo
das articulações de uma frente de resistência para derrotar a política da
ditadura, através de ações de massa. Começava uma dupla movimentação
tática do PCB: ação política no campo da frente única e organização de suas
bases sociais para mobilizar os trabalhadores e comunidades populares. Nesse
interregno, entre o golpe burgo-militar e o estabelecimento da violência do
Estado, apresentou-se dentro do PCB, um rotineiro e insuperável debate sobre
os impactos do movimento golpista e as formulações que deveriam orientar o
partido. Na falta de uma interpretação mais densa teoricamente, o núcleo
dirigente não percebia que a linha da Declaração de março e as resoluções do
34 Diante dos impasses políticos daquele período houve uma articulação da “linha dura” das Forças Armadas para dar
um golpe dentro do golpe. A articulação foi contida pela intervenção de Costa e Silva, no entanto, foram tomadas
medidas discricionárias de controle político e social.
81
V Congresso tinham levado o PCB a uma derrota política no plano da luta de
classes e a uma desarticulação do aparato orgânico em virtude das
dissidências. Portanto,
No centro dessa visão tático-estratégica – a revolução em etapas -, colocava-se a tarefa da realização da etapa democrático-burguesa da revolução, que viria exatamente como resultado da luta antifeudal e antiimperialista. O elemento fulcral dessa definição tático-estratégica dos comunistas era a aliança com os chamados ‘setores democráticos e progressistas’ de uma ‘burguesia nacional’, que estaria em contradição com o imperialismo (MAZZEO, 2003, p. 159-160).
E essa visão era a voz corrente daqueles segmentos internos que se
colocavam contra a maioria do Comitê Central capitaneada por Luiz Carlos
Prestes e Giocondo Dias. O PCB agia em diversas frentes no sentido de
preservar o aparelho e, ao mesmo tempo, tentava reagir politicamente aos
desdobramentos do golpe, tentando entrar na luta em todas as frentes (interna
e externa) para começar o combate. Esse procedimento, apesar das nuances
aqui levantadas, era centralmente definido pela maioria do Comitê Central
como uma ação de articulação política. No entanto, as contradições internas,
as especulações em torno da linha política, a derrota sofrida, sem luta pelo
partido, o colocava em diversas frentes de ação. Contendas internas e batalhas
na sociedade: esse era o centro da atuação que deveria movimentar o
operador político dos comunistas brasileiros diante da necessidade de lutar
contra os golpistas de plantão naquele momento. Apesar dos erros,
Com o golpe de Estado, o partido se vê obrigado a reavaliar suas posições, fazendo uma autocrítica em relação às ilusões para com os militares e em relação à exagerada submissão diante do setor da “burguesia nacional” que estava no poder. Em documento de 1967, no qual realiza um balanço analítico sobre as razões golpe de Estado, o PCB, apesar de ratificar as resoluções de 1958-1960, acentuava que havia falhado na construção e na soldagem de um bloco político nacionalista que desse maior apoio ao governo (MAZZEO, 1999, p. 134).
Foi nesse quadro político e orgânico que se consolidou a hegemonia de
um núcleo dirigente que agia para superar o momento de ruptura interna e
aprovar uma linha política pautada, primeiro, na resistência democrática e,
82
depois, na construção de uma frente política que seria orgânica aos setores
nacionalistas, democráticos e progressistas.
Diante do acirramento dessas frentes de debate e ação se estabeleceu
uma maioria reformista que era claudicante em relação à ditadura, capitaneada
por Giocondo Dias e, de forma leniente, acompanhada por Luiz Carlos Prestes.
O partido precisava se re-organizar, pois havia saído de seus quadros um
grande contingente de militantes liderados por embriões daquelas
organizações que viriam a fazer a luta armada contra a ditadura: ALN e o
PCBR, com maior destaque. Esse acontecimento político continuava
demandando, agora nas bases, uma profunda discussão interna.
Apesar de não fechar as portas para a luta armada (Resolução política
do VI Congresso, 1967) a orientação política do PCB sofria paulatinamente
uma inflexão que o tirava das lutas de massas e o colocava, novamente, nas
articulações políticas da cúpula da frente única. Ampliando o histórico
movimento de ruptura com a sua tradição de luta aberta no campo das
contendas de classes, para a afirmação de uma opção pela negociação pelo
alto. Nos documentos que deram origem a essa ruptura (Declaração de março
e as resoluções do V Congresso) havia uma mediação entre luta e negociação,
agora, o descompassado era evidente. A centralidade era organizar o partido
para ter condições de negociar com força dentro da frente única.
O PCB entrou em cena com a reviravolta na orientação política para
tentar ações que afirmassem a sua tática e, em tese, confirmassem a sua
estratégia: frente policlassista, ação politicista e economicista, perseverança
nacional-desenvolvimentista e etapa nacional-democrática como via pacífica
para a revolução brasileira, que no distante horizonte, pelo acúmulo de forças,
seria socialista. Nada mais ilusório: tudo isso tinha levado o partido à derrota
que se mostrou irreparável no longo prazo da existência do PCB. Mas a
conjuntura política não cedia espaços para os dilemas subterrâneos do PCB e
a ditadura continuava de forma célere na afirmação do seu projeto reacionário.
1.8 A Repressão decide liquidar o PCB
A ditadura após derrotar o conjunto dos agrupamentos que estavam
fazendo o enfrentamento armado contra o regime, através da repressão
83
comandada pelo aparato policial-militar, volta-se contra o Partido Comunista
Brasileiro. A ação da ditadura, porém, era de outra natureza. Tratava-se de
uma ação para afastar o PCB das articulações no ambiente da política
institucional, dentro da ordem, onde começavam a obter resultados, com a
construção da unidade de setores oposicionistas.
O êxito da oposição representou também uma vitória da orientação política dos comunistas e confirmou a justeza da linha política do PCB durante a campanha eleitoral. Encontraram eco junto às amplas massas do povo as palavras-de-ordem do nosso Partido, assim como as reivindicações mais sentidas do movimento operário e democrático, demonstrando que as eleições podem desempenhar um valioso na aglutinação da frente antifascista e na luta pela derrota da ditadura (PCB, 1975a, p. 3).
O partido visava ampliar a sua articulação com vistas no processo
eleitoral nos marcos do que era permitido pelo sistema. Ao lado dessa
iniciativa, existia um trabalho do partido nas lutas corporativas, mesmo em
manifestações mínimas, essa ação tinha uma postura que era vista como um
embrião de luta contra o governo burgo-militar. A pauta dessa ação era
centrada na luta por ajustes nos salários, contra a carestia, nas reivindicações
em favor da educação, etc. Portanto, lutas difusas que envolviam os interesses
da população e dos trabalhadores.
Desde o primeiro momento da chegada ao poder, o aparato golpista
tinha receio da reação armada das tropas legalistas. Portanto, o aparato
terrorista sempre teve apoio da ordem golpista para fazer esse enfrentamento e
desarticular o PCB. Contudo, “[...] eles não estavam à procura apenas de
adversários armados; queriam pôr as mãos também naqueles líderes
‘subversivos’ que supostamente estavam levando o Brasil para o comunismo”
(SKIDMORE, 1988, p. 55).
O PCB foi extremamente perseguido desde a instalação das hordas
burgo-militar no poder. Já no mês de abril de 1964, teve militantes entre as
vítimas fatais (PINHEIRO, 2012)35. Foram presos, torturados, obrigados a
desaparecer do convívio do trabalho e das suas famílias. A sistemática
35 Antogildo Pascoal Viana (abril), Carlos Schimer (maio), Pedro Domiense de Oliveira (maio), Manuel Alves de
Oliveira (maio), Newton Eduardo de Oliveira (setembro), João Alfredo Dias (setembro), Pedro Inácio de Araújo
(setembro), Israel Tavares Roque (novembro) e Divo Fernandes D’oliveira (dezembro). Todos militantes do PCB
assassinados pelos agentes da repressão durante o ano de 1964.
84
perseguição ao PCB foi uma característica que marcou o “novo” regime:
aprofundando e desenvolvendo eficazes instrumentos de propaganda
anticomunista. Sendo assim, o PCB, apesar da sua fragilidade, era o inimigo
central a ser exterminado para que o projeto conservador e reacionário
construísse uma nova cultura que iria perpassar os livros didáticos, os
conteúdos curriculares, a informação jornalística, os programas dos canais de
televisão e todo um aparato ideológico da ditadura.
A ditadura, na análise do ex-dirigente comunista José Salles36 (2012)
começou a aperfeiçoar a estrutura da repressão, suas formas de tortura,
profissionalizando as ações dos “porões”37 para especializar a repressão aos
comunistas.
Ao derrotar a luta armada, a ditadura julgou que a nova frente de
combate era tirar da cena política os elementos que operavam na articulação
da frente de resistência democrática e que tinha como objetivo conseguir obter
conquistas eleitorais. O papel da repressão era afastar, de uma forma ou de
outra, militantes sociais e militantes políticos desse convívio oposicionista. O
objetivo central da ditadura era não ser derrotada eleitoralmente.
Naquele momento, as formulações do PCB avançaram para qualificar a
ditadura como fascista, diante das características operadas por ela no aparato
de Estado e pela ação do governo na luta política.
O desenvolvimento da situação nacional confirma, em seus traços gerais, as análises que têm sido feitas pelo Comitê Central. O regime evoluiu de uma ditadura militar reacionária para uma ditadura militar caracteristicamente fascista (PCB, 1973, p. 01).
Esse processo em que o PCB se tornou inimigo número 1 foi
consequência da política adotada pelo partido que qualificava a ditadura como
fascista. Além disso, diante de seu papel histórico na luta de classe no Brasil e
da sua natureza ideológica, de sua capacidade política na coordenação da
movimentação democrática, entre outras ações políticas no raio da atuação do
partido verificadas desde sua fundação, criaram no imaginário corrente, a ideia
36 Em entrevista concedida ao autor em 16, 19 e 23 de outubro de 2012.
37 Essa expressão “porões” diz respeito aos setores policiais-militares que agiam no submundo do regime. Contando
com o apoio do governo.
85
de uma organização política capaz de, no mínimo, representar um obstáculo ao
projeto burgo-militar.
Elio Gaspari (2004) analisa que a ofensiva da ditadura burgo-militar
contra o PCB não visava somente desestruturar a organização, mas também
cortar os vínculos que ligavam o partido à oposição legal. Um dos objetivos era
identificar os candidatos da legenda do MDB que fossem ligados ao partido.
O ex-deputado comunista Marcos Antônio Tavares Coelho, que era o
deputado do partido, naquela quadra política, que fazia a representação do
PCB junto ao governo de João Goulart (discutindo propostas, ações e
mediações) considera que o partido externou de forma bastante contundente,
em documentos e articulações, uma visão política que afirmava a iminência da
derrota da ditadura do ponto de vista do processo eleitoral. O ex-deputado, em
suas memórias (2000) e em uma entrevista (2009)38, considera que o
movimento de “apertar o cerco” (1974) nas articulações políticas e lutas sociais,
realizadas pelo partido, teve uma grande repercussão junto ao governo e
causaram reações violentas do aparelho repressor.
No ano de 1975, a repressão seria mais violenta ainda com o PCB. No dia 15 de janeiro, dois lutadores foram eliminados em São Paulo. Elson Costa (MG), membro do CC do PCB e líder da greve dos caminhoneiros em Minas Gerais foi preso e assassinado, até hoje continua desaparecido. E Hiran de Lima Pereira (RN) preso e assassinado nas mesmas circunstâncias. Membro do CC do PCB, importante quadro da vida pública, foi secretário de Administração de Miguel Arraes em Recife. Em seguida, em 4 de fevereiro, era preso e assassinado no Rio de Janeiro, o jornalista Jayme Miranda (AL). [...] Em abril foi preso e assassinado o líder camponês Nestor Veras (SP). Organizador das lutas camponesas, fundador e responsável pelo jornal Terra Livre e dirigente da ULTAB. Era membro do CC e seu corpo está desaparecido. Em maio, no dia 25, era preso e assassinado o operário da construção civil Itair José Veloso (MG). Líder operário, dirigente do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil de Niterói e Nova Iguaçu e da Federação dos Trabalhadores da Construção civil, Veloso era membro do CC; seu corpo continua desaparecido (PINHEIRO, 2009, p. 9).
No ano de 1975 ainda foram mortos, em virtude de tortura e/ou
diretamente assassinados: Alberto Aleixo (07 de agosto), operário gráfico e
irmão do vice-presidente de Costa e Silva, Pedro Aleixo. José Ferreira de
Almeida (08 de agosto), oficial da PM de São Paulo. José Maximino de
38 Entrevista concedida ao autor no dia 29 de outubro de 2009.
86
Andrade Netto (18 de agosto), coronel reformado da PM de São Paulo. Pedro
Jerônimo de Souza (17 de setembro), dirigente do partido no Ceará. José
Montenegro de Lima (29 de setembro), dirigente da juventude comunista.
Orlando Bonfim Jr. (08 de outubro), dirigente da Comissão Executiva do CC.
Vladimir Herzog (25 de outubro), professor e jornalista ligado ao setor cultural
do partido.
O ano de 1976 também foi marcado por outros assassinados de
militantes do PCB: a militante do setor de propaganda Neide Alves Santos, o
operário Manoel Fiel Filho (caso que teve ampla repercussão) e o histórico
militante Feliciano Eugênio Neto. Em 1977, o PCB teve a sua última vítima fatal
da ditadura: o professor Lourenço Camelo de Mesquita, morto sob tortura nas
dependências da 1ª CIA da PE do Exército, no Rio de Janeiro.
Sobre essa mesma questão, a decisão da ditadura de liquidar o PCB, o
jornalista e pesquisador João Falcão (1993) considera que a articulação da
repressão se dava em virtude do crescimento do partido dentro da frente
democrática constituída no interior do MDB e de movimentos que faziam o
contraponto político no cotidiano das massas. Mas, podemos elencar outra
perspectiva, para além das questões aqui levantadas, que integra todo esse
processo: a repressão operou uma profunda infiltração no partido. Essa
infiltração no PCB conseguiu desvendar o cerne das decisões políticas e
práticas, pois ela aconteceu na cúpula do partido através da presença do
dirigente Adauto Santos ou Adauto Oliveira, o chamado “agente Carlos”.
Membro da comissão de assuntos internacionais do partido que tinha livre
acesso ao Secretário-Geral, Luiz Carlos Prestes39.
De acordo Hércules Correia (1978), no seu relatório sobre as quedas, e
o depoimento de Zuleide Faria de Melo (2012)40, a repressão conseguiu o
intento de infiltrar, para além da cúpula do PCB, agentes nas diversas
instâncias do partido para colher as informações necessárias com a intenção
de preparar a ação para tentar dizimar o partido. Um ponto chama a atenção: a
ditadura precisava tirar o PCB do caminho para prosseguir e aperfeiçoar seu
controle institucional sobre o país. A partir dessa sinalização, o aparato
terrorista partiu para executar seu plano: prendeu, torturou, matou e sumiu com 39 Informação prestada por José Salles na citada entrevista.
40 Entrevista concedida ao autor em 19 de novembro de 2012.
87
os corpos de muitos revolucionários do PCB. Essa era, também, uma postura
do horizonte golpista desde os primeiros momentos, ou seja, se livrar das
turbulências do processo político através do aparato repressivo encastelado
nas Forças Armadas, na lógica policial e na cúpula do poder, para que o seu
projeto de ordem institucional não sofresse nenhum tipo de ameaça.
Mesmo considerando que o PCB já havia se distanciado do seu papel de
operador político junto à classe operária e às massas e tenha optado por
priorizar a luta institucional, esse partido não esteve atento à questão da
segurança interna. Além disso, passou a ter uma prática norteada pela
irresponsabilidade e voluntarismo. Em questões de segurança os comunistas
foram facilmente rastreados e encontrados. A ditadura conseguiu avançar nos
seus intentos para destroçar o PCB e, para isso, conseguiu contar com a
leniência das facilidades contidas na estrutura liberal da organização.
O PCB, apesar de uma longa clandestinidade, não conseguia ter uma
estrutura sólida, capaz de se fechar hermeticamente às investidas da infiltração
e da repressão. A convivência direta, e articulada, com as forças da Frente
Democrática dentro do MDB facilitava o acesso da repressão.
No entanto, outro fator bastante incômodo para o regime ditatorial era a
presença orgânica do partido no pólo central da resistência democrática e da
sua atuação que contava com uma qualificada presença nos meios de
comunicação a partir dos seus quadros presentes nas redações dos jornais de
ampla circulação pelo país e, mais especialmente, na região sudeste. Esses
jornalistas dispunham de uma autonomia relativa para comentar temas
candentes da vida política do Brasil, apesar da censura prévia.
Passada a ameaça da guerrilha, mas mantido o rolo compressor da censura e da repressão, fortaleceu-se ainda mais a aliança tática entre empresários liberais (geralmente donos dos meios de comunicação e corporações culturais) e intelectuais e artistas esquerdistas, muitos deles ligados a organizações políticas. No plano partidário, sua expressão era o apoio do PCB ao Movimento Democrático Brasileiro (MDB), consolidado após a expressiva votação que essa frente oposicionista teve nas eleições de 1974 (NAPOLITANO, 2010, p. 148).
A comprovação dessa deliberada repressão pode ser encontrada na
documentação do arquivo do General Presidente, Ernesto Geisel. Mas,
também no conjunto das fontes oriundos do aparelho institucional da ditadura
88
burgo-militar, de extração bonapartista, no dossiê do IEVE41 (2009) e nas
pesquisas de Nilmário Miranda e Carlos Tibúrcio (2008). Tudo isso comprova a
tese da existência de uma operação nacional para liquidar o partido, a
“Operação Radar” 42.
Como comentado anteriormente, um dos principais elementos de
fustigação da ordem ditatorial, foi a sua caracterização, por parte do PCB,
como um regime militar fascista. Essa concepção foi fruto de um debate
acumulado pela direção do partido na Guanabara e das reflexões de Luiz
Carlos Prestes a partir do exílio, que culminou com o documento de novembro
de 1973, intitulado Por uma frente patriótica contra o fascismo. É importante
registrar que na teoria marxista contemporânea existiam estudo para qualificar
o fenômeno do fascismo.
Com efeito, se o fascismo deve ser situado no quadro de um estágio determinado do desenvolvimento capitalista, é evidente que esse estágio não chega para explicar o fascismo: o Estado ‘intervencionista’ não se reveste necessariamente da forma fascista. O que indica, portanto, que o fascismo corresponde a uma conjuntura específica da luta de classes. Mas é preciso ir mais longe: o fascismo, efetivamente, não constituiu uma simples forma diferencial do Estado capitalista num estágio determinado do seu desenvolvimento. O fascismo constitui uma forma de Estado e uma forma de regime ‘limite’ do Estado capitalista (POULANTZAS, 1978, p. 63).
Essa caracterização foi desenvolvida e aprofundada pelo CC, esse
documento histórico orientou o partido para a disputa eleitoral de 1974 com a
perspectiva de “Apertar o cerco” (Voz Operária, 1974) sobre a ação política
eleitoral do regime, reacendendo a perspectiva de ação nas frentes de massas
onde o PCB ainda tinha alguma vinculação. Por outro lado, pode-se afirmar,
mesmo que a partir das características internas, que o partido e sua estrutura
começavam a se recompor para atender as necessidades de agitação e
propaganda nas frentes de massas com a distribuição de farto material da
imprensa comunista, Voz Operária.
Era uma quantidade diversa de materiais que eram distribuídos por todo
o território nacional. O partido contava, naquele momento, com uma gráfica
41 Instituto de Estudos sobre a Violência do Estado.
42 Operação articulada pelo Estado através do seu aparato repressivo para destruir o PCB, como uma medida
preventiva para a abertura política controlada e realizada, de forma prussiana, pelo alto.
89
bem montada que permitia uma ação organizada da imprensa através do
trabalho de seus quadros, militantes e dirigentes. Essa ação organizada
chamava a atenção da ditadura. Mesmo que, do ponto de vista externo, o PCB
tivesse uma incipiente vida orgânica nos setores de ponta da nova classe
operária.
Ao lado dessa nova situação do PCB, a ditadura continuava a
especializar as forças de repressão, dando a elas não só capacidade de
investigação, fortalecendo a logística de análise sobre o inimigo, aperfeiçoando
técnicas de repressão e desenvolvendo o arcabouço político e ideológico para
enfrentar os opositores. O regime autoritário e suas agências de combate
estavam articulados com a cúpula do terrorismo de Estado. Essa nova fase da
repressão se consolidou no governo do General Presidente Emílio Garrastazu
Médici e avançou, de forma cirúrgica no governo do General Presidente,
Ernesto Geisel.
A linha dura, encastelada na cúpula do governo, articulada diretamente
na Presidência da República através do SNI e seus aparatos suplementares
dentro das Forças Armadas e dos diversos DOPS43 e DOI-CODI44, queria tirar
de cena o PCB para poder, do ponto de vista político, desarticular qualquer
possibilidade da oposição ocupar o espaço público para o exercício da política.
Nesse sentido, a ditadura procurou agir com objetivo de evitar abrir espaço
interno para a ação política que lhe trouxesse qualquer repercussão negativa
no âmbito internacional e, internamente, evitava a consolidação de espaços
formais para o exercício da democracia, mesmo que limitada.
Essa tentativa de fechar o regime, ao evitar a presença das forças
historicamente revolucionárias, objetivava também instaurar o início um
processo político que garantiria a continuidade das forças burgo-militares no
comando da transição para as formalidades democráticas pelo alto, sem a
participação de uma oposição mais conseqüente. A ditadura começava a se
sentir avaliada pelo conjunto da comunidade internacional que apresentava
preocupações com a brutalidade do regime brasileiro. Com base nessa
43 Departamento de Ordem Política e Social criado em 1924 pelo governo federal para reprimir movimentos políticos e
sociais contra o regime. Este órgão desenvolveu intensa ação nas ditaduras do Estado Novo e a Burgo-militar de 1964.
44 Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna. Órgão subordinado ao
Exército de inteligência e repressão política.
90
contradição o governo desejava “limpar” o cenário político para empreender
ações que possibilitaria algumas características de “democracia formal” no
funcionamento das instituições no Brasil. No entanto, tudo isso era precedido
de uma necessidade política: destruir o Partido Comunista Brasileiro.
1.9 A Chegada dos Dirigentes no Exílio
Com o recrudescimento do regime militar após o AI-5, em 1968, as
forças da repressão partiram de forma rápida, extremamente violenta e eficaz
sobre o conjunto dos agrupamentos que lutavam de forma armada contra a
ditadura. Por outro lado avançavam as medidas do governo para tirar de cena
os setores que se empenhavam nas lutas de resistência democráticas, ou seja,
através das demandas colocadas pela via institucional. Mas o impacto da
resistência nesse momento brotava das ruas. Passeatas gigantescas, ações
com presença de setores antes arredios, articulações corporativas pela
recuperação dos salários que contribuíram para fomentar as greves de
Contagem e Osasco45.
Crescia, portanto, movimentos difusos e contestatórios contra a ditadura.
Alimentando uma perspectiva de repúdio minimamente organizada à ditadura
burgo-militar. No entanto, no campo da ordem estatal o governo estava
organizado, em um patamar superior, para enfrentar os acontecimentos
políticos da forma que a conjuntura os apresentassem. As balizas institucionais
do governo ampliaram seu estoque de atos de exceção para enfrentar de forma
violenta seus inimigos de classe, vencê-los e avançar no projeto para instituir
uma legalidade tutelada.
O Partido Comunista Brasileiro, após os profundos golpes que recebeu
da ditadura, resolveu deslocar a maioria da sua direção, bem como quadros de
formulação e militantes com tarefas no aparelho burocrático interno para fora
do país. O Comitê Central havia entendido, bem antes das formulações
contidas no documento que qualificava a ditadura como fascista, de 1973, que
não teria condições de manter o corpo dirigente do partido em segurança no
45 Greves de trabalhadores metalúrgicos por reivindicações salariais nos centros industriais das cidades de Contagem
(março) em Minas Gerais e Osasco (julho) em São Paulo que impactou a conjuntura política daquela época e que foi
fortemente reprimida pela ditadura.
91
Brasil. Ao lado dessa elaboração teórica, o PCB formulou uma linha política
para o Trabalho de Direção que orientou um conjunto de resoluções no qual se
percebia o impasse na luta política dos comunistas diante da atroz repressão
do regime. Assim afirmava o primeiro ponto do documento:
As condições políticas em que se realizava o trabalho de direcção são marcadas pelo agravamento da repressão fascista e imensas dificuldades objectivas. Por outro lado, o descontentamento crescente das massas possibilita o avanço do trabalho político da direcção e a resistência antifascista das mais amplas massas oferece elementos novos para à actividade política e organizativa do Partido. Em face disso, devemos esforçar-nos, a fim de que as dificuldades e a repressão não sejam usadas como escudo à limitação da crítica, à redução do trabalho colectivo e à não execução de um plano de acção política (PCB, 1973, p. 01).
Nesse horizonte interpretativo o partido percebia duas questões básicas
que deveriam orientar os seus passos: primeiro, a ditadura estava acuada e
violenta diante da derrota nas eleições de 1974. Segundo, o governo localizava
no PCB o mentor intelectual e operativo do avanço do bloco da frente
democrática e as ações operárias e populares. E por fim, diante da violência da
repressão, não tinha como manter o núcleo dirigente do partido no país.
A política econômica do governo já havia entrado em crise. O chamado
“milagre brasileiro” tinha dado lugar ao aumento da inflação, a carestia plantava
fortes raízes nos produtos básicos que eram consumidos pelo conjunto da
população e o brutal arrocho salarial marcava a conduta do governo na relação
com os trabalhadores, aliás, tônica central da burguesia desde as motivações
para o golpe. Essas circunstâncias que pautavam o processo de crise
econômica e social estavam na base da insatisfação popular que motivou a
derrota do governo nas eleições de 1974.
Avaliando as questões que diziam respeito à sua sobrevivência, medidas
foram tomadas para a saída desses dirigentes do Brasil e para se montar uma
estrutura de funcionamento do partido no exílio. Anteriormente, no começo da
década de 1970, no ano de 1971, o Comitê Central já havia tomado a decisão
de enviar seu Secretário-Geral, Luiz Carlos Prestes, para a União Soviética. O
Cavaleiro da Esperança se encontrava morando em Moscou e tinha muitas
dificuldades de romper o isolamento que se encontrava em relação ao partido.
92
Com as prisões, torturas, mortes e desaparecimentos, a transferência do
aparato dirigente para o exterior se concretizou. Começava aí a articulação
política do núcleo dirigente no exílio para coordenar as ações do PCB, no Brasil
e no exterior. Os dirigentes comunistas no exílio fixaram residência em várias
partes da Europa e na União Soviética. Ficaram exilados na França, Bulgária,
Hungria, Tchecoslováquia, Itália, Alemanha Ocidental e Oriental. No entanto, o
centro dirigente, a executiva do partido se estabeleceu em Moscou.
O exílio contribuiu para despertar nas lideranças comunistas o interesse
político para discutir temas que estavam sendo debatidos na Europa e que
diziam respeito aos acontecimentos da sociedade socialista e às formulações
que eram desenvolvidas nos Partidos Comunistas (PCs) da Itália, Espanha e
França. Circulava com maior intensidade ideias sobre a grave crise que
passava o socialismo na União Soviética e no Leste Europeu. Essa situação
em que os dirigentes comunistas se encontravam, ou seja, vivendo no
ambiente central das contradições; no bloco socialista e nos países onde
estavam se formulando uma nova orientação comunista, estimularam e
permitiram o começo do debate no núcleo dirigente do PCB.
O socialismo estava numa encruzilhada ou era retórica anticomunista?
As novas ideias dos partidos da Itália, França e Espanha, conhecidas como o
movimento “eurocomunista” respondiam as necessidades táticas e estratégicas
da luta socialista? Tudo isso movimentava o debate comunista. Não obstante, o
ajuste de contas sobre as questões que precipitaram o golpe 1964
continuavam, efetivamente, pautando a ebulição intelectual no exílio. Tudo isso
encontrou mais uma questão para galvanizar a pauta da primeira reunião do
CC no exílio, que ocorreu em dezembro de 1975, as quedas do partido no
Brasil (SAMPAIO, 2003).
1.10 A articulação de uma rotina de comando fora do Brasil
Logo uma rotina de trabalho foi organizada para responder às demandas
orgânicas e práticas da necessidade de funcionamento político do partido. Em
depoimento, a professora Marly Vianna46, informou:
46 Entrevista concedida ao autor nos dias 02 e 19 de maio de 2013.
93
Sobre a rotina da direção, reuníamos o secretariado para avaliar as tarefas, quase sempre ligadas aos quadros no exterior e suas atividades e necessidades (poucas). Em relação ao Brasil buscávamos enviar quadros não ‘queimados’ para trazer informações de lá (fizemos isso algumas vezes) e recebíamos muitos camaradas que vinham de lá e traziam informações. A principal articulação que procurávamos fazer era através do jornal Voz Operária (VO). Nós nos organizávamos mais por seções do CC e eu estava (além do secretariado) na de organização. Nesta éramos o Salles (da executiva e responsável pela organização), eu, Anita Prestes e o Régis Fratti (VIANNA, 2013, p. 03).
Além dessa rotina de trabalho existia, também, a instigação do debate
em curso que fez movimentar no âmbito da direção, uma longa pauta de
conversas a respeito da posição dos comunistas sobre a tática e a estratégia
da ação política no Brasil, tendo em vista fazer o enfrentamento com a ditadura
nos moldes da proposta do PCB.
O debate teórico também ganhou corpo, nesse grupo dirigente, a partir
do contato com as formulações eurocomunistas e as contradições da
sociedade na União Soviética e no Leste Europeu: estagnação econômica,
planificação socialista, presença política e ideológica do Partido Comunista
nessas sociedades, demonstração de insatisfação por parte do conjunto da
população desses países, a forma como o movimento comunista era dirigido,
relações entre os Partidos Comunistas, a vitalidade ou não do leninismo, etc.
Tudo isso levou o conjunto partidário, na sua cúpula, a entrar num amplo
processo de discussão com objetivo de traçar uma nova proposta de
reestruturação do PCB diante desse complexo cenário.
Após o estabelecimento desses dirigentes, quadros e militantes nas
diversas partes da Europa, se organizou através da direção e do aparato
intermediário uma rotina para o comando do Partido fora do Brasil. Diria que
em síntese era uma articulação que qualificava uma rotina de comando fora do
Brasil para o efetivo funcionamento do partido e para a tomada de decisões.
Para isso, essa articulação passava necessariamente por reuniões que
contavam, cada dia a mais, com a presença de novos dirigentes e militantes
que eram chamados para se integrar às frentes de trabalho. De acordo com
José Salles,
Era comum integrarmos ao trabalho partidário, no exílio, quadros que chegavam do Brasil e que queriam discutiam conosco o que estava
94
ocorrendo em nosso país. Esse debate sempre avançava para o cumprimento de tarefas na Europa ou algumas no próprio Brasil se esse militante estivesse em condições de retornar. O importante é que cada dia mais tínhamos quadros trabalhando em tarefas do partido por boa parte da Europa (SALLES, 2012, p. 37).
A dinâmica da direção no exílio era pautada, também, pela necessidade
de responder às pendências do partido nas frentes de massas, aspectos da
orientação política para a frente democrática, bandeiras de luta, solidariedade
aos camaradas colocados fora de combate pela repressão, apoio material para
a militância no exílio e no Brasil, viagens de contato na Europa e em outros
continentes. Essa pauta do trabalho de direção aos poucos foi se consolidando
como uma ação de comando do núcleo dirigente no exílio.
O trabalho de direção conseguiu fazer o debate fluir e as decisões
circularem. Ao lado disso o PCB voltou a se integrar no movimento comunista
internacional, mais articulado em virtude da presença desses dirigentes no
exílio. Possibilitando assim, os contatos com os PCs para fazer reuniões
bilaterais.
Nessa perspectiva, a direção do partido se reunia constantemente com
dirigentes do governo soviético e do Partido Comunista da União Soviética
(PCUS). Tratava-se de aprofundar temáticas e proceder alguns
encaminhamentos. Mas essas reuniões também resolviam pendências da
logística do PCB e da vida desses dirigentes no exílio, no que diz respeito à
sobrevivência, ao estudo e a profissionalização de acordo com o depoimento
cedido por José Salles (2012).
O Secretário Geral do partido, Luiz Carlos Prestes, tinha uma agenda de
trabalho muito intensa: eram reuniões, viagens, estudo rotineiro através das
leituras, representação política em eventos dos partidos e em alguns
acontecimentos políticos dentro da própria União Soviética. Essa era a rotina
da liderança máxima do PCB, no exílio (SALLES, 2012; ANITA PRESTES,
2012 e VIANNA; 2013).
Afirmou-se com essa estrutura que fora articulada no exílio, um
comando político que começava a sofrer os impactos do debate a partir do
horizonte socialista. Para melhor cercar-se desse debate, a Comissão
Executiva do CC resolveu criar uma assessoria para orientar o debate e
95
produzir, com maior rigor, documentos com as formulações que o partido
precisava fazer circular.
1.11 O papel da chamada “assessoria do CC” no exíli o
Organizada a rotina de comando, definida as temáticas que se precisam
debater e colocadas na pauta o que discutir sobre o Brasil, o partido resolveu
criar, a partir do agrupamento de intelectuais que se encontravam na França,
Itália, Portugal principalmente, uma assessoria que serviria para auxiliar o CC
nas suas prospecções teóricas e formulações, o comando dessa assessoria foi
entregue para Armênio Guedes.
Antes mesmo que essa estrutura fosse montada, um grupo de
intelectuais do partido exilados na Europa foi influenciado pelas formulações do
PCI47 que conseguira, como maior Partido Comunista do ocidente, influenciar
os partidos da França e da Espanha.
O centro da irradiação eurocomunista estava contido nos escritos de
Enrico Berlinguer48 (1976), Giorgio Napolitano49 (1976), Santiago Carrillo50
(1968) e diziam respeito ao papel da democracia no contexto da luta política e
na via para se chegar ao poder. Contudo, não parava nessa pauta. Essa
irradiação questionava o papel do socialismo na União Soviética e no leste-
europeu a partir da discussão, também, sobre a democracia. Esse
agrupamento de intelectuais tinha uma rotina de estudo bastante acentuada o
que permitiu novas leituras sobre o marxismo e, a partir daí, um
questionamento sobre os dogmas do aparato staliniano, o marxismo-leninismo
e a esquemática vulgata produzida no período de Stálin.
Mas o interesse central do CC ao criar essa assessoria era entender e
aprofundar o que se passava no Brasil, para poder formular resoluções que
fornecessem alternativas às demandas políticas em curso: analisar o Brasil era
a questão precípua que motivou a formação desse organismo auxiliar ao CC.
47 Partido Comunista Italiano. O PC responsável pelas formulações reformistas que universalizou a questão de um
único valor para a democracia, tornando-se subsumido à lógica da democracia formal que projetou como via para o
socialismo, as eleições regulares.
48 No período em questão era Secretário-Geral do Partido Comunista Italiano (PCI).
49 Era um importante dirigente do Partido Comunista Italiano e intelectual marxista destacado.
50 No período em questão era Secretário-Geral do Partido Comunista Espanhol (PCE).
96
Todavia, efetivar esse plano de trabalho era visto por esses intelectuais como
uma tarefa que só poderia ser realizada a partir das novas leituras colocadas
no debate pelo PCI. Começa então uma ampla influência do pensamento
reformista, originário das formulações do PCI, sobre o arcabouço teórico do
PCB. No primeiro momento, através da chamada assessoria e, em seguida,
pelo próprio corpo dirigente já influenciado por essa articulação teórica.
Contudo, se faz necessário registrar que importantes dirigentes se
mostraram arredios ao arcabouço dessas novas formulações: Luiz Carlos
Prestes, Anita Prestes, Marly Vianna, Agliberto Azevedo, Gregório Bezerra e
outros situados nos setores intermediários do partido no exílio. Esse grupo
mantinha uma rotina de estudo que tinha como eixo central as preocupações
interpretativas sobre o Brasil. Com essa finalidade liam e debatiam as
formulações surgidas no Brasil, a exemplo de Caio Prado Jr., Florestan
Fernandes, autores vinculados à teoria da dependência, à questão do
capitalismo monopolista de Estado e ao modelo estatal autoritário brasileiro, de
acordo com depoimento prestado por Anita Prestes (2012).
Esse coletivo, parte integrante do núcleo dirigente, mais para frente terá
um duro debate interno diante da inflexão política que ocorreu em virtude da
orientação que advinha dessa assessoria liderada por Armênio Guedes, do
Comitê Central. Vários integrantes desse órgão auxiliar moravam na França,
especialmente em Paris. Diante dos impasses políticos, oriundos da
divergência nas formulações da assessoria, o núcleo em torno de Prestes
enviava emissários para participar das reuniões em Paris. Anita Prestes foi
designada para acompanhar essas reuniões, mas também Marly Vianna, José
Salles e pouco mais para frente, ainda no ano de 1976 quando chegou à
Europa conduzido por uma operação de resgate51, Giocondo Dias.
O local mais exemplar do qual a assessoria emanava suas formulações
era o jornal Voz Operária, naquele momento dirigido pelo exilado e ex-militar
cassado, Milton Temer52. Aparelho que se transformou no objeto político da
disputa interna que estava começando. O jornal funcionava em
51 Operação orientada pela União Soviética e comandada por José Salles, que contou com o apoio dos partidos
comunistas da Argentina e da França.
52.Entrevista concedida ao autor em 19 e 20 de outubro de 2012.
97
[...] um escritório cedido por solidariedade dos companheiros do PCF53 em Irvy, subúrbio de Paris, onde fazíamos as reuniões de pauta, distribuíamos tarefas e eu fazia a edição final – de textos e gráfica. Tinha periodicidade mensal, e era impressa na Itália, por solidariedade do PCI (TEMER, 2012, p. 2).
O papel inicialmente estabelecido para a assessoria era de instrumento
auxiliar de formulação para orientar a direção do partido nas temáticas que ele
precisava enfrentar: linha política, análises de conjuntura e plano de ação,
foram paulatinamente se adensando na tomada de posição em favor das
formulações do eurocomunismo centradas na visão da democracia como via
única para o socialismo.
Essa assessoria do Comitê Central no exílio trabalhou para armar um
setor do CC para a disputa da linha política no núcleo dirigente do partido. Para
realizar esse intento era necessário ter o controle do jornal do partido que era
enviado rotineiramente para o Brasil. Mas também do jornal que circulava na
Europa para orientar a militância exilada: Brasil mês a mês.
É nesse cenário de disputa pelas formulações que dirigiriam os
comunistas brasileiros que surgiu, ainda de forma incipiente e pautada na
leitura sobre a “democracia progressiva” de Palmiro Togliatti, os conceitos
balizadores do que seria qualificado, por Carlos Nelson Coutinho, como
“democracia como valor universal”. Temática que balizou o debate partidário e
reposicionou as forças políticas internas na confecção de uma duradoura crise
política e orgânica.
53 Partido Comunista Francês. Foi também um dos partidos comunista europeus que se converteram ao reformismo
que pregava o socialismo pela via eleitoral.
98
2. As formulações do PCB no exílio
Não serei o poeta de um mundo caduco Também não cantarei o mundo futuro
Estou preso à vida e olho meus companheiros
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Carlos Drumond de Andrade
As formulações do PCB no exílio estão contidas no conjunto de
documentos emitidos pelo Comitê Central do partido, pela Comissão Executiva
e que também se tornaram resoluções publicadas no jornal “Voz Operária” e na
revista “Brasil mês a mês”. Durante o período de dezembro de 1975 a julho de
197954 foram lançados os seguintes documentos e resoluções: “Resolução
política do CC”, “Resolução de organização do CC do PCB”, ambas de
dezembro de 1975. “Manifesto do PCB ao povo brasileiro”, lançado pelo CC em
junho de 1976. “Declaração da Comissão Executiva do PCB”, assinada por
Luiz Carlos Prestes de fevereiro de 1977. “Resolução política do pleno do CC”,
de março de 1977. “Nota da Comissão Executiva do PCB”, de junho de 1977.
“Carta de Prestes ao Partido”, de agosto de 1977. “Resolução política do CC”,
de dezembro de 1977. “Nota da Comissão Executiva do PCB a propósito da
campanha eleitoral”, de maio de 1978. “Resolução política do CC”, “Resolução
de organização” e “Declaração do PCB sobre o movimento sindical”, todas de
novembro de 1978. “Resolução política do CC” e o documento “A condição da
mulher e a luta para transformá-la: visão e política do PCB”, todos esses
documentos de maio de 1979. Pouco depois dessa reunião saiu uma nota da
Comissão Executiva sobre “O projeto de anistia do governo”, em julho de 1979.
No ano de 1979, militantes e dirigentes exilados começaram a retornar ao
Brasil, logo, o debate que era fechado ao ambiente interno ganhou luz e
contornos no espaço público a partir da chegada do Secretário Geral, Luiz
Carlos Prestes, que chegou ao Brasil em outubro de 1979.
54 Podem-se encontrar variações nas datas das publicações dessas resoluções em virtude de algumas precauções
diante da ação do aparato de repressão do Estado brasileiro.
99
O último documento do exílio foi uma nota da Comissão Executiva do
PCB, datada de julho de 1979, sobre “O projeto de anistia do governo”.
O processo de conquista da Anistia, que está em pleno curso, é um dos momentos políticos mais altos atingidos pelo movimento popular e democrático de oposição à ditadura, particularmente em sua evolução mais recente, marcada pela movimentação estudantil de 1977, pela greve do ABC paulista de 1978, pelas eleições parlamentares de novembro último e pelo movimento grevista sem precedentes do primeiro semestre desse ano (PCB, 1979c, p. 1).
Apesar dessa conquista, o documento identificou uma tentativa concreta,
do sexto governo do período burgo-militar, de tornar a Anistia muito restrita.
Mesmo com essa intenção do regime, a proposta era diferente do que havia
sido pensado pelo general Figueiredo ao tomar posse, que pretendia apenas
fazer “revisão de punições”.
O documento da Comissão Executiva elencou três pontos problemáticos
na proposta do regime: não contemplar aqueles que em combate tinham
cometido o chamado “crime de sangue”; que as pessoas anistiadas não
tivessem direito imediato de retornar a situação em que se encontravam
quando foram perseguidos, presos, torturados, etc.; e, por fim, colocar como
prazo último para a medida o dia 31 de dezembro de 1978. Essa medida visava
diminuir a margem de questões que seriam levantadas e, ao mesmo tempo,
proteger, com anistia preventiva, os torturadores como agentes do terrorismo
do Estado.
A compreensão geral da nota era que a ditadura já não mais fazia o que
queria diante do avanço das lutas populares e democráticas. A prova disso era
a postura do governo que mesmo não querendo a anistia teve que encaminhar
uma proposta.
O caráter e as limitações do projeto de Anistia do General Figueiredo colocam para as forças da democracia o desafio de intensificar seus esforços e realizar, neste período de tramitação legislativa do projeto, um grande movimento nacional pela sua transformação em verdadeiro projeto de Anistia ampla, geral e irrestrita. Substitutos e emendas com essa finalidade têm sido levados ao conhecimento da opinião pública por numerosos parlamentares (PCB, 1979c, p. 2).
Com essa nota da Comissão Executiva do PCB, fechava-se um ciclo
político e orgânico caracterizado pelo exílio partidário, e começava uma nova
100
fase diante dos desafios pautados pela cisão do núcleo dirigente. O histórico
partido dos comunistas brasileiros entraria em um processo de longa agonia.
2.1 O debate sobre o Brasil no núcleo dirigente
As dificuldades encontradas pelo PCB nos anos 1970 foram de várias
ordens: orgânicas, políticas, questões oriundas da ação da repressão e os
impasses produzidos pela desconexão entre realidade concreta e formulações.
Tudo isso se avolumava no sentido de um ajuste de contas que iria influenciar
a pauta do debate quando ele iniciasse na instância superior do partido. No
exílio, o tempo político para analisar o Brasil e discutir as formulações era
imensamente maior, mesmo com as prementes necessidades de respostas
que a conjuntura interna do país demandassem. Sobressaíam, no longo roteiro
de discussão do PCB no exílio, as preocupações sobre como ocorreu o
esmagamento do partido pelo aparelho repressivo da ditadura. Mas também o
interesse em entender o porquê dessa ação do governo.
O PCB, a partir do início dos anos 1970, vai se transformando
paulatinamente em um partido exilado. A principal liderança do partido, o
Secretário-Geral, começava a ter muitas dificuldades para desenvolver
qualquer ação de direção e se mostrava preocupado com a situação de sua
família. Mesmo não sofrendo uma perseguição maior, Prestes considerou
importante enviar sua família para o exterior no ano de 1970. No ano seguinte,
em março de 1971, diante dos impasses que norteavam a direção do partido e
do perigo que representava a repressão e as possibilidades de prisão, Luiz
Carlos Prestes partiu para o exílio em Moscou na URSS.
Prestes e sua família começaram a deixar o país em 1970. Médici tinha assumido o poder e as pressões aumentavam. Para a família de Prestes, a situação era particularmente difícil: desde 64 vivia em Vila Mariana, na mesma casa onde foram encontradas as famosas cadernetas, sem sofrer qualquer incômodo por parte dos órgãos de segurança. No princípio dos anos 70, o quadro começou a se inverter. Prestes não aparecia mais em casa, mas a polícia começava a rondar as proximidades, na expectativa de surpreendê-lo ou seguir algum mensageiro (MORAES & VIANA, 1982, p. 194).
A análise permite colocar, como balizas históricas para discutir o PCB no
exílio e entender o ciclo das formulações partidárias, a chegada de Prestes no
101
seu desterro em Moscou em 1971. Nesse período começa o questionamento
da política do partido a partir do estoque político e categorial que influenciava
os dirigentes que, de forma dispersa, se estabeleciam pela Europa. Todavia, os
dirigentes que ficaram no Brasil, mesmo diante da assoberbada situação,
despertavam para pontos que consideravam contraditórios na política do
partido e nas manifestações discursivas do Secretário-Geral.
Prestes, ao se estabelecer no exílio, despertou para uma situação
inusitada: era um Secretário-Geral isolado da direção do partido pela ação da
maioria dirigente.
Eu conheço a história do movimento comunista desde 1932 e não conheço nenhum caso de isolamento do secretário-geral diante do Comitê Central. O secretário-geral deve ser o porta-voz do CC, mas comigo aconteceu justamente o contrário: eu estou isolado do CC desde 68, quando propus uma interpretação verdadeiramente revolucionária da parte da resolução do VI Congresso que trata do poder. Partia do princípio de que o comunista deve lutar por um poder revolucionário. Dizer isso não é golpismo, nem esquerdismo (PRESTES, Apud, MORAES & VIANA, 1982, p. 193).
Todos na estrutura da direção do partido consideravam de suma
importância desenvolver o debate dos temas que estavam sussurrando na vida
partidária. No entanto, o discurso oficial dava conta apenas da necessidade de
aperfeiçoar a linha política para enfrentar a ditadura burgo-militar; reestruturar o
partido e prosseguir na luta pelo eixo central da orientação comunista: a luta
pelo socialismo.
No entanto, no aparato de direção surgiram outras questões que vão
caracterizar e nortear o debate. Por um lado, essa discussão foi pautada pelo
entendimento de que o Brasil era um país capitalista em consolidação,
portanto, cresciam e se desenvolviam as forças produtivas, afirmava-se uma
densa superestrutura, com as classes sociais e seus extratos em perfeito
funcionamento dentro do contraditório jogo social, o que resultou numa
formulação de que o caráter da revolução brasileira era de natureza
democrática. Essa revolução democrática respondia às demandas da etapa em
curso e sua condução deveria ser exercida pela classe operária na perspectiva
do socialismo. Essa era a compreensão daqueles que analisavam o Brasil no
grupo que atuava em torno de Prestes e que tinha uma pequena ramificação
dentro do Brasil e na Europa, embora fosse pequeno, dentro do Comitê
102
Central. Um fator contribuiu para essa formulação no grupo prestista: o curso
que muitos deles tomaram sobre o livro O capital de Karl Marx em Moscou,
ministrado pelo professor Anastacio Mansilla e sua equipe no Instituto de
Ciências Sociais55. Para a professora Marly Vianna (2013) esse curso
possibilitou a construção do entendimento sobre quais eram as características
centrais do capitalismo no Brasil.
Por outro lado, uma das partes que alimentavam a polêmica a respeito
das formulações que pautaram o debate do PCB no exílio, ou seja, do debate
sobre o Brasil no núcleo dirigente, começava a se consolidar em um grupo em
torno de Giocondo Dias. Em torno do Cabo Vermelho, que participou do
levante da cidade de Natal em 1935, e que ainda se encontrava no Brasil,
colocaram-se figuras que se encontravam no exílio, a exemplo de Armênio
Guedes, Zuleica Alambert, alguns intelectuais, Givaldo Siqueira e o centro
pragmático do Comitê Central56. Esse centro pragmático seguia o grupo de
Giocondo Dias e era pautado especificamente pelas resoluções do V
Congresso e pelas formulações da Declaração de Março, embora não tivesse
maior contribuição ao debate. Essa maioria, que se articulava em torno de
Giocondo Dias, considerava que o caráter da revolução brasileira era nacional-
democrática, portanto, deveria incorporar a chamada “burguesia nacional”
como aliado dessa estratégia nas frentes de luta contra a ditadura que
governava o Brasil. No entanto, um registro se faz importante para esse
processo de entendimento das formulações do PCB no exílio: a nova postura
política de Prestes. O Secretário-Geral havia começado a levantar polêmicas
ao discutir qual seria o eixo central dos encaminhamentos sobre a
interpretação do Brasil. Consolidava-se uma movimentação de Prestes no
sentido de romper com as orientações da Declaração de Março e do V
Congresso. Essa posição mostrava uma inflexão política e teórica de Prestes
porque, em grande medida, ele havia sido um dos principais articuladores
dessas formulações e tinha lutado, internamente, para manter essas duas
55 O Instituto de Ciências Sociais era também conhecido como a Escola de marxismo-leninismo onde comunistas de
várias partes do mundo estudavam.
56 Agrupamento de menor intervenção intelectual que se colocava de forma oportunista na política interna, objetivando
manter as posições que detinha na estrutura partidária e alguns pequenos privilégios. Esse centro pragmático é
conhecido, desde a Revolução Francesa e popularizado por Lenin, de Pântano.
103
políticas como eixo central da orientação para o partido, mesmo depois da
derrota que o PCB sofreu em 1964 e da consolidação da ditadura burgo-militar.
Essa inflexão política que Prestes realizou em meados da década de
setenta, mais especificamente em torno do ano de 1973, teve impacto na
estrutura do PCB. Prestes, a partir de uma rotina de estudo,
[...] constatou a existência na economia brasileira de um tripé constituído pelo Estado, pelos monopólios nacionais e pelos monopólios estrangeiros. O entrelaçamento desses três elementos seria de tal ordem que se poderia postular a presença no Brasil de um Capitalismo Monopolista de Estado (CME) dependente, uma vez que o capital estrangeiro era o dominante no referido tripé. [...] Na realidade, conforme diversos trabalhos de pesquisa realizados no Brasil e no exterior puderam revelar, a dominação imperialista e o latifúndio não constituíram empecilho ao desenvolvimento capitalista do país, marcado, contudo, pela dependência do imperialismo e pela ausência de uma reforma agrária de caráter burguês (PRESTES, A., 2012, p. 191).
O curioso desse processo é que, até período muito próximo dessa
inflexão, Prestes havia apoiado todas as políticas do partido.
Pouco depois, o coletivo que vivia no exílio, trabalhando enquanto
direção, iniciou um debate que teria como produto formulações, resoluções e
encaminhamentos políticos para as diversas frentes de massas do partido no
Brasil. No entanto, apesar dos danos causados pela repressão ao PCB, o
partido costurava o enfrentamento da ditadura através de articulações pelo alto
com setores da frente oposicionista que resistiam ao regime burgo-militar de
1964, na cena institucional.
2.2 As resoluções políticas e os encaminhamentos pa ra as frentes de
massas
A primeira dessas formulações diz respeito à resolução de dezembro de
1975 que foi elaborada a partir do debate ocorrido na primeira reunião do
Comitê Central no exílio. Essa data e essa reunião abrem um dado histórico da
maior relevância: pela primeira vez na história política do Brasil teríamos um
partido exilado, operando do exterior através da sua direção para orientar a sua
militância para a luta política dentro do país. Essa resolução examinava como
elemento central a situação do país e, dentro dessa questão, a grave crise
104
econômica que se estabeleceu com o fim do chamado “milagre econômico” 57
que estava impondo limite às condições de sobrevivência da população.
O fim da política que ficou conhecida como “milagre econômico” da
ditadura, para além da crise econômica que gerou, abriu um ciclo que
reacendeu a presença da inflação. De acordo o professor Nilson Araújo de
Souza (2007) a taxa de inflação (IGP) em 1974 foi de 33,8%. Como política de
combate a inflação o governo da ditadura aplicou, mais uma vez, um
gigantesco arrocho salarial sobre os trabalhadores que contribuiu para gerar
pauperização nas condições de vida. Ainda de acordo com Nilson Araújo de
Souza (2007), a taxa de inflação diminuiu um pouco em 1975 (30,1%) em
relação a 1974, mas, cresceu vertiginosamente em 1976 (48,2%). A carestia
assolava o país, para além da inflação informada pelo governo, e repercutiu na
sociedade gerando um descontentamento popular que cresceu, sinalizando
para uma nova perspectiva de luta dos trabalhadores. Iluminando assim a
possibilidade de conflitos na conjuntura política de meados da década de 1970,
mas também informava sobre a agonia do sistema dependente:
A desaceleração da economia brasileira iniciada no segundo semestre de 1974, acompanhando o movimento da economia mundial, não representou apenas a reversão de um ciclo econômico de curto prazo. Representou, na verdade, a emergência de uma crise estrutural, que refletiu o esgotamento do modelo econômico que se consolidara no Brasil a partir do final dos anos 1960. Como bem definiram Francisco de Oliveira e Frederico Mazuchelli, o modelo entrou em agonia. No entanto, a primeira explicação oficial limitou-se a atribuir a crise ao aumento do preço do petróleo. Numa análise mais abrangente, veremos que, sob o impacto da crise mundial que se alastrou a partir de 1974, eclodiu no Brasil o conjunto das contradições que caracterizavam o modelo dependente vigente (SOUZA, 2007, p. 89).
A política econômica da ditadura diante da crise, agora no governo
Geisel, resolveu fazer contratos de risco que envolvia a Petrobras com
empresas estrangeiras para prospecção de petróleo em várias partes do Brasil.
Essa política pública, pautada por investimentos que advinham de contratos de
risco, orientou ações que terminaram por lesar os interesses nacionais de
forma aberta e constante.
57 Durante o período que vai de 1968 à 1973, ocorreu um acelerado desenvolvimento da economia brasileira que foi
designado pela equipe econômica do governo ditatorial como “milagre brasileiro” ou “milagre econômico”.
105
Outro fator, para além da crise do modelo de desenvolvimento brasileiro,
colocou a ditadura em xeque: pode-se afirmar que a derrota nas eleições de
1974 cumpriu essa função.
As formulações e articulações políticas do PCB se revestiram de êxito
com a vitória da oposição o que ajudou na possibilidade de formação de uma
frente, agora chamada a partir das orientações do documento de 1973, de
frente antifascista e patriótica. Essa análise que caracterizava a ditadura como
fascista permitiu uma formidável ampliação na conformação da frente
oposicionista que se mostrou viável com a vitória nas eleições.
O êxito da oposição representou também uma vitória da orientação política dos comunistas e confirmou a justeza da linha política do PCB durante a campanha eleitoral. Encontraram eco junto às amplas massas do povo as palavras-de-ordem do nosso Partido, assim como as reivindicações mais sentidas do movimento operário e democrático, demonstrando que as eleições podem desempenhar um valioso papel na aglutinação da frente antifascista e na luta pela derrota da ditadura. Com a vitória de novembro de 1974 as forças democráticas e patrióticas deram importante passo no processo de formação da frente antifascista e patriótica (PCB, 1975a, p. 2).
No entanto, se percebe com o aprofundamento da análise política que,
com a vitória da perspectiva traçada pelo PCB e fortalecida com o resultado
eleitoral, o anticomunismo das forças burgo-militares orientou uma nova ação
da ditadura no pós-1974. Essa ação reacionária teve um roteiro extremamente
forte e duro para tentar destruir o Partido Comunista Brasileiro, como já
discutido anteriormente.
A resolução política do Comitê Central de dezembro de 1975, ainda
informava sobre as forças do imperialismo, “[...] que emprega todos os meios
para recuperar as posições perdidas e contra-atacar [...]” (PCB, 1975a, p. 1).
Mas, principalmente, apresentava um conjunto de tarefas que o partido deveria
realizar, que tinham como eixos norteadores, impedir as manobras de Geisel e
lutar para implementar uma articulação política que isolasse o governo,
possibilitando a sua derrota. A oposição deveria avançar em suas lutas para
impedir que o governo discricionário, com seu movimento repressivo,
conseguisse imobilizar o Congresso Nacional e deixar em situação de
subalternidade as forças vivas dos movimentos populares e políticos.
106
Prosseguia o conjunto de tarefas com a determinação partidária que
orientava para a formação imediata de uma frente antifascista e patriótica, que
deveria ter uma forte presença da classe operária e um papel destacado dos
comunistas que,
Atuando junto de todos os setores do movimento democrático, contribuindo para a sua mobilização e organização na luta contra a ditadura, os comunistas entendem que a sua tarefa principal é organizar a ação da classe operária, desenvolvendo todos os esforços para transformá-la na força aglutinadora e condutora da frente antifascista e patriótica. Com esse objetivo é necessário trabalhar não só dentro dos sindicatos e junto às direções sindicais, mas principalmente nas empresas industriais, onde estão concentradas as grandes massas da classe operária (PCB, 1975a, p. 3).
No entanto, esse especial interesse não encontrava ressonância na
ação real e concreta do partido. Apesar dessa manifestação retórica, que
levava em consideração a necessidade da presença dos trabalhadores dentro
da frente única, a ação política do partido continuava sendo balizada pelas
articulações cupulistas e com baixo esforço de mobilização na classe operária.
A partir da conjuntura social do pós-processo eleitoral e da sugestiva
ideia de se contar com a presença dos setores sindicais e, também, populares
na frente única, o PCB indicava que,
Ao mesmo tempo, é possível unir a classe operária e o movimento sindical em torno de outras bandeiras. Levando em consideração e desenvolvendo a experiência já existente de greves por empresas, deve-se estimular o movimento operário e sindical a organizar a desobediência coletiva contra os patrões e o Governo, passando por cima da legalidade consentida pela ditadura e defendendo as suas reivindicações e as das demais forças democráticas (PCB, 1975a, p. 4).
Esse processo desejado pela política do PCB que, em tese, levaria a
uma desobediência, apesar da carestia e do profundo “arrocho salarial” em
curso, não terminou com os trabalhadores assumindo uma postura de
vanguarda nem diante da ditadura e muito menos dentro da frente única.
A linha aprovada contemplava no horizonte político a necessidade de
ancorar posições através de propostas que aglutinasse um programa de
combate. Com base nessa formulação o partido, a partir de uma ampla
perspectiva, foi elaborada uma plataforma de ação contra o governo, que
107
contemplava em seu esboço todas as forças antifascistas e patrióticas. No
entanto, o documento deixava em aberto que, a depender das circunstâncias,
seriam refeitas propostas para atender aos setores da classe trabalhadora e da
burguesia com pretensões oposicionista. Essa última particularidade permite
concluir, diante dos interesses manifestados na prática política do PCB, que o
partido vinha priorizando entendimentos na cúpula da frente ampla e pequena
articulação, ou até mesmo ação, na base do movimento operário e sindical.
Pode-se analisar esse programa pela ótica da conciliação de classes
pela brecha aberta para a burguesia se integrar a partir de novas sugestões
que interessassem as frações que tinham algum contraponto com o governo. A
plataforma continha seis pontos:
1. Luta pelo respeito aos direitos humanos e pelas liberdades democráticas. Revogação do AI-5, do Decreto-Lei 477, de toda a legislação de exceção. Liquidação de todos os instrumentos e instituições que configurem o Estado fascista criado após o golpe de 1964. Por uma constituição democrática. Pela anistia geral aos presos e condenados políticos. Pela punição, de acordo com as normas jurídicas, de todos os responsáveis pelos crimes cometidos no período da ditadura. Luta contra a corrupção em todos os escalões do Governo fascista. 2. Defesa das reivindicações imediatas da classe operária, dos camponeses, dos trabalhadores em geral. Luta pela igualdade dos direitos da mulher. Contra a carestia da vida e por uma política habitacional progressista. 3. Defesa dos interesses específicos das camadas médias urbanas e de setores da burguesia não monopolista, tais como a redução de impostos, incentivos do Estado à pequena e média indústria e aos pequenos e médios produtores agrícolas, etc. 4. Defesa dos interesses nacionais. Contra a ação espoliadora dos monopólios imperialistas. Defesa da Petrobrás contra os contratos de risco. 5. Desvinculação das FFAA da suja função de carrasco do nosso povo e de ameaça à paz e à liberdade dos povos irmãos. Por uma política em que as FFAA ocupem o seu justo lugar não só de defensores da soberania, mas também no processo de desenvolvimento econômico, social, científico, tecnológico e cultural, independente e democrático do país. 6. Defesa de uma política externa independente, de paz, de relações com todos os povos e de não ingerência nos assuntos internos de outros povos. Apoio à política de distensão internacional e condenação da corrida armamentista, solidariedade ativa à luta de todos os povos contra o imperialismo e a guerra, pela democracia e a paz (PCB, 1975a, p. 5).
O documento continuava, para além das bandeiras da plataforma, com a
proposta que a frente ampla de corte antifascista lutasse pela manutenção do
calendário eleitoral que previa eleições em 1976 e em 1978. Essa preocupação
108
se orientava pela sinalização da ditadura em cancelar as eleições em virtude
da derrota que teve, anteriormente, nas eleições de 1974 em todo país.
(...) Os resultados das eleições de 1974 constituíam clara vitória do partido de oposição. A maior vitória do MDB deu-se no Senado, onde recebeu 4 milhões de votos a mais que a ARENA. Pela primeira vez desde a criação dos dois partidos, o MDB ficava com a maior percentagem do eleitorado em eleições para o Senado (ALVES, 1985, p. 188).
Mas o quadro do partido oposicionista era de avanço não só no Senado:
O MDB teve significativamente aumentada sua representação no Congresso Nacional. Em 1970, o partido obtivera 87 cadeiras na Câmara dos Deputados, contra 233 da ARENA. Em 1974, conquistou 161 cadeiras, e a maioria da Arena desceu para 203. Nas assembléias estaduais, a oposição ganhou 45 das 70 cadeiras no Estado de São Paulo, 65 das 94 no Rio de Janeiro e completo controle das importantes assembléias do Paraná e do Rio Grande do Sul. Para muitos observadores políticos, como para membros do próprio MDB, a vitória da oposição surpreendia como uma inversão das tendências eleitorais. As eleições foram em geral consideradas equivalentes a um plebiscito em que os eleitores votaram antes contra o governo do que na oposição (ALVES, 1985, p. 189).
O PCB, ancorado na expressiva vitória da oposição em 1974, entendia
que era importante e fundamental ter candidatos únicos nas eleições de 1976
que fossem sufragados pela sigla do MDB.
Apresentava-se, também, outra preocupação do PCB com a ditadura
que era a necessidade identificada pelo partido de combater o caráter
expansionista na ditadura burgo-militar no campo ampliado da sua geopolítica
(América do Sul). Despertando para a solidariedade aos povos em luta na
América Latina, na África e em outras partes do mundo. Mas em especial
àqueles que estavam sendo atacados por governos ditatoriais, que contavam,
inclusive, com o apoio da ditadura brasileira nessa articulação de caráter
imperialista. Esse movimento deveria alargar-se com a possibilidade de se
desaguar num amplo movimento internacional de solidariedade aos
combatentes no Brasil e de denúncia dos crimes da ditadura, fazendo com que
houvesse um horizonte político para se tentar isolar a ditadura no cenário
internacional.
O documento apontava para a necessidade de fortalecimento do partido
como condição básica para se obter êxito na orientação política que fora
109
formulada e na capacidade de desenvolver um plano de penetração entre as
massas, criando assim, a possibilidade de fazer, de forma organizada, o
enfrentamento ao regime fascista. Por outro lado, era estratégico para o PCB a
propaganda permanente das formulações que orientavam a linha política do
partido.
A propaganda da nossa linha política é tarefa permanente de cada comunista, que deve desenvolver todos os tipos de iniciativa para que a nossa orientação atinja as mais amplas massas do nosso povo e, em primeiro lugar, para esclarecer e organizar a classe operária (PCB, 1975a, p. 6).
A Resolução do CC, de dezembro de 1975, terminou com um
chamamento sobre a necessidade de se derrotar o regime burgo-militar de
característica fascista e se organizar o partido entre os trabalhadores.
A importância da derrota do fascismo para o desenvolvimento ulterior de todo o processo da revolução brasileira determina o papel de destaque destinado à classe operária na luta antifascista. Para que a classe operária possa cumprir com êxito o papel que lhe está destinado nas lutas do nosso povo, é necessário que o Partido esteja profundamente enraizado em suas próprias concentrações. A luta contra o fascismo e pela construção do Partido na classe operária são duas tarefas inseparáveis e complementares (PCB, 1975a, p. 6).
O partido, nessa reunião do CC, também tirou uma Resolução de
organização para orientar o conjunto da militância partidária. O documento, em
seu ponto 1, procura entender as contradições do cenário internacional,
pautados, por um lado, pelo avanço de forças retrógradas, mas também pela
ampla capacidade de enfrentamento que os revolucionários exerciam em todo
o mundo. Essa era uma tradicional metodologia dos documentos do PCB:
começar suas análises sempre se reportando aos temas da cena política
internacional.
Em seguida, a Resolução examina as contradições da frente ampla e a
situação do partido ao final de 1975. Identifica o envolvimento de
personalidades e instituições importantes em confronto com as práticas da
ditadura e a possibilidade de avançar em um programa comum contra o
fascismo.
110
(...) São muitas manifestações, algumas isoladas, outras já se constituindo em ações conjuntas, mas quase sempre todas tendem a convergir, podendo, em determinado estágio, transformar-se em ações coordenadas de uma ampla frente antifascista (PCB, 1975b, p. 1).
Mas para que isso ocorresse, era importante trabalhar para se ter um
partido organizado e forte:
Torna-se, por isso mais necessária do que nunca a existência no país de um forte partido comunista. Um partido que tanto por sua estratégia e tática revolucionárias, quanto por sua estrutura orgânica e estilo de trabalho adequado ao momento em que vivemos, seja capaz de unir as mais amplas massas que se opõem à ditadura (PCB, 1975b, p. 1).
O centro da resolução colocava uma exigência de princípio para o PCB
enfrentar a luta, após ser atacado violentamente pelo fascismo e ter saído
vitorioso nas eleições de 1974, a necessidade de se criar uma estrutura
orgânica que conseguisse levar à frente as orientações políticas do partido.
Essa linha política precisava ter forças orgânicas suficientes para confeccionar
a Frente Ampla e, ao mesmo tempo, conseguir avançar no trabalho de massa
do partido, ter presença no ambiente da militância do trabalho sindical, com a
centralidade no movimento operário como forma de organizar as massas, os
trabalhadores e a juventude, para fazer o enfrentamento à ditadura militar.
Portanto, a Resolução de Organização afirmava uma linha de ação para que o
partido pudesse ter capacidade, naquele momento tão difícil, de organizar a
sua presença nas organizações de massa e ao mesmo tempo combater a
ditadura fascista.
Essa orientação determinava que a organização do trabalho de direção
do partido fosse voltada para as atividades no Brasil, na perspectiva de se
fortalecer, e ter como eixo central, a construção do partido no elo principal da
produção econômica. Entendendo, assim, que essa ação recaísse,
prioritariamente, na construção do partido nas grandes empresas do
capitalismo de ponta do país.
A preocupação com a questão de organização era explicada pela
exigência política de fazer o enfrentamento no ambiente mais fechado da luta
111
de classes, ou seja, no núcleo mais desenvolvido do capitalismo e no setor
mais avançado da classe operária: o ABC58 paulista.
Posicionava-se para a necessidade de se colocar o partido em
articulação com outras agremiações comunistas, democráticas e patrióticas
para combater a ação do imperialismo norte-americano e, ao mesmo tempo, a
ditadura burgo-militar no Brasil, como instrumento político dos Estados Unidos.
Mas, contudo, grande parte dessa Resolução de Organização avaliava o
processo de repressão que o partido estava sofrendo e a sofisticação do
aparelho de repressão do Estado.
Destacamos também o fato de que houve um aperfeiçoamento, uma mudança qualitativa no trabalho dos órgãos de repressão. E, ante isso, nossos métodos de trabalho e de organização, outrora suficientes, se tornaram hoje obsoletos. O nível do aparelho policial é atualmente técnica e organizadamente muito mais eficiente que há dez anos atrás, e isso exige métodos de organização e de trabalho clandestino mais aperfeiçoados. Enfrentamos agora não só a polícia brasileira, mas também organizações como a CIA, que assessoram, financiam e agem diretamente no país, aplicando a experiência acumulada no Vietname, Coréia, África do Sul, Oriente Próximo e Portugal. O inimigo conhece e aplica as mais modernas e sofisticadas técnicas de repressão, estudadas na RFA, USA, etc., sob a direção de organizações internacionais especializadas na repressão ao comunismo (PCB, 1975b, p. 2).
No entanto, também, alertava para o comportamento leniente, e até
irresponsável, que marcou o PCB diante dessa postura do regime.
É preciso ainda salientar que algumas debilidades, intrínsecas à nossa própria organização, permitiram a profundidade dos golpes sobre nós desfechados. As dificuldades objetivas e a repressão não devem, assim, servir de escudo à limitação da crítica.
Entre essas debilidades, destacamos as seguintes: - Subestimação das modificações qualitativas introduzidas na vida política brasileira, depois do golpe militar de 1964, e que abriram caminho à implantação do fascismo no país. Apesar de qualificarmos o atual regime político como fascista, em geral atuamos sem levar isso em conta. Não fomos igualmente capazes de perceber o grau de aperfeiçoamento dos órgãos repressivos. Daí as vacilações para romper com a devida audácia e em tempo útil com certas formas orgânicas e estilos de trabalho consolidados por uma rotina criada em situação diferente, no passado. Trata-se nas condições atuais de criar
58 Região industrial do Estado de São Paulo, localizada na região metropolitana da capital, composta pelas cidades de
Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano. A cidade de Diadema também passou a integrar o ABC
paulista.
112
novas formas de organização e trabalho adaptadas a um Partido que, a partir do golpe de 1964, teve que trabalhar sob o terror fascista (PCB, 1975b, p. 2).
O documento sobre a questão de organização estava articulado com a
Resolução política e examinava pontos que os comunistas consideravam
importantes para a definição da linha política: subestimação do papel do
partido, subestimação do papel das massas e debilidades políticas e orgânicas.
A Resolução, na sua conclusão, defendia algumas linhas de ação para a
atuação do partido:
1. Assegurar, por todos os meios possíveis, a orientação política do Partido nas organizações de massa em que temos influência, mas principalmente às da classe operária, de jovens e mulheres. 2. Determinar que a reorganização do trabalho de direção e do Partido esteja voltado para o interior do país. 3. [...] Organizar nossa atuação no continente, junto aos partidos irmãos e as organizações democráticas e patrióticas, com o objetivo de contribuir para a unidade de ação dos povos dos países irmãos, na luta contra o imperialismo norte-americano e sua ponta-de-lança no continente, a ditadura fascista no Brasil. 4. Solidariedade internacional. [...] visando criar, também no exterior, um grande movimento de opinião pública mundial contra o fascismo no Brasil (PCB, 1975b, p. 5).
O Comitê Central do PCB lançou do exílio, em junho de 1976, um
Manifesto ao povo brasileiro.
Há doze anos que os generais se sucedem no poder em nosso País. São doze anos de opressão e de miséria para os trabalhadores, de lucros cada vez maiores para os grandes capitalistas brasileiros e estrangeiros. São doze anos de crescente entrega aos monopólios imperialistas das riquezas nacionais e de desnacionalização cada vez maior da economia brasileira (PCB, 1976, p. 1).
O Manifesto argumenta que a fascistização do regime ditatorial foi uma
medida para garantir a política econômica dos monopólios, o ataque aos
salários dos trabalhadores, a espoliação das camadas médias urbanas e a
pauperização dos camponeses. Com o fim do ciclo econômico do chamado
“milagre brasileiro”, o desemprego avançou e cresceu a carestia. Tudo isso
colocava para os trabalhadores e o povo em geral uma carga de sacrifícios
enorme.
Essa a situação em que se encontra a Nação sob o governo do Sr. Ernesto Geisel. Nos dois anos do seu governo, cresceu a miséria dos
113
trabalhadores, assumiram proporções sem precedentes as concessões aos monopólios imperialista, intensificou-se a opressão policial e militar contra todos que levantam sua voz contra a política antipovo e de traição nacional do regime militar fascista (PCB, 1976, p. 1).
O documento identifica que foi no governo Geisel que cresceu “[...] a
tortura e o assassínio de presos políticos. Contam-se já as dezenas os
patriotas que foram seqüestrados e assassinados pelos órgãos de repressão”
(PCB, 1976, p. 1).
No entanto, apesar dessa repressão do regime contra a oposição e os
trabalhadores, desenvolvia um forte repúdio popular disseminado em diversos
setores da sociedade.
São as mais amplas camadas da população brasileira que se pronunciam contra a ditadura militar-fascista, reclamam a abolição do A.I nº 5 e dos demais atos institucionais, do Decreto-lei nº 477; a elevação do nível de vida dos trabalhadores e a defesa da soberania nacional. Posição que se expressou concretamente nas eleições parlamentares de 74. Mesmo nas Forças Armadas cresce o repúdio ao arbítrio e aos crimes da ditadura como revela a substituição do general comandante do II Exército, com sede em São Paulo, onde os métodos de tortura e assassínio de presos políticos mais se acentuou. Nova e importante vitória das forças democráticas e patrióticas que mostra ser possível impor derrotas à ditadura, e obrigá-la a recuar (PCB, 1976, p. 2).
A mensagem final, contida no documento em análise, era de emulação
diante do papel histórico do PCB e das perseguições que estava sofrendo.
Mas, também, de interesse em trabalhar por uma ampla unidade daqueles que
lutavam contra a ditadura, que envolvesse os setores democráticos e
patrióticos com bandeiras da democracia burguesa. Dirigindo-se à nação, o
PCB conclamava “O povo brasileiro unido em ampla Frente Antifascista e
Patriótica derrotará o fascismo. É para derrotar o fascismo que os comunistas
brasileiros conclamam todos os patriotas à unidade e à ação” (PCB, 1976, p.2).
Em fevereiro de 1977, Luiz Carlos Prestes assina uma Declaração da
Comissão Executiva do PCB na qual analisava o resultado das eleições de
1976, a conjuntura política brasileira e apresentava argumentos políticos para
uma estratégia de conciliação com a burguesia que levaria a um compromisso
histórico policlassista, após a queda da ditadura, como campo político para
governar e transformar o Brasil.
114
A Declaração qualifica que, mesmo com o impedimento imposto à
oposição em participar de forma livre da campanha eleitoral,
Os resultados das eleições constituem, isso sim, uma demonstração da força crescente da oposição. Os milhões de brasileiros que votaram contra o governo, apesar da pressão e das ameaças a que foram submetidos, deram uma resposta contundente à política da ditadura. [...] A condenação da ditadura, principalmente pela massa trabalhadora dos centros urbanos e industriais mais importantes do País, é a conclusão fundamental que se deve tirar das eleições de 15 de novembro. As grandes massas, sem maiores ilusões sobre o valor das eleições nas condições do regime fascista, sabendo não estar travando uma batalha definitiva contra a ditadura, resolveram aceitar o desafio de Geisel: deram às eleições um caráter plebiscitário, colocaram a ditadura no banco dos réus e condenaram-na (PCB, 1977a, p. 1).
Numa análise política sobre o comportamento do conjunto da população,
no contexto do resultado eleitoral, em virtude das condições de vida, a
Declaração afirma que
Responderam, assim, à dura realidade em que vive a imensa maioria do povo brasileiro. Condenaram a difícil situação que, neste momento, atravessa o País. Situação marcada a fundo pela inflação crescente, pelos déficits na balança comercial e no balanço de pagamentos, pelo aviltado endividamento externo, pelos salários de fome e pelo alto custo de vida, pelos constantes maltratos, torturas e assassínios de camponeses e indígenas, pelas medidas violentas para expulsar os ‘posseiros’ de suas terras, pelo domínio incontestável de toda a vida econômica do Brasil pelos monopólios imperialistas e nacionais, pelo desemprego, pela corrupção na administração pública, pela desnutrição e doenças de milhões de compatriotas das cidades e do campo e, principalmente, pela falta de liberdade e total insegurança dos cidadãos (PCB, 1977a, p. 1).
E avança na compreensão da conjuntura identificando que, para além das
mazelas imposta pelo regime,
É preciso, porém ter bem claro esse quadro. Porque é daí que decorre a ambiguidade da política atual da ditadura, uma ambiguidade entretanto que não obscurece seu principal objetivo tático no momento – frustrar a ascensão da luta de massas que se inicia no País, e impedir a organização e o fortalecimento da coligação antiditatorial. Se, de uma parte, o governo fascista lança mão da astúcia para ampliar sua base política, falando em ‘distensão’ e em ‘defesa dos interesses nacionais’, de outro, vê-se obrigado a permanecer no terreno do arbítrio e declara, pela fala de Geisel que ‘o regime é o que é, dele gostemos ou não’. Ou, como diz um porta-voz menos graduado da ditadura, ‘extinguir o A.I. nº 5 é irresponsabilidade’. E, mais do que declarações, dando a tônica da violência do regime,
115
continuam as prisões, os seqüestros, as execuções sumárias e as cassações de mandatos e de direitos civis (PCB, 1977a, p. 2).
O documento faz algumas indicações para orientar a luta política, para
realizar esforços para colocar em vigor a “plataforma da frente antifascista”,
ampliar as campanhas em curso pela anistia, contra o A.I. nº 5, contra a
censura, a campanha por direitos humanos realizada pela Igreja Católica,
contra o terror, etc. e o documento sugere uma ação para o combater o
anticomunismo.
Para além desses pontos, apresentaram argumentos que confirmavam a
ruptura com a tradição de luta classista do PCB, historicamente identificada e
muito bem exemplificada nas ações do final dos anos 1940 e, em boa parte dos
anos 1950, quando, nessa Declaração, o partido reafirma a necessidade de um
pacto histórico com frações da burguesia para a governança na pós-derrota da
ditadura burgo-militar. Alimentando uma profunda ilusão de classe e
justificando um oportunismo de direita que dava passos para se consolidar nas
formulações vindouras do partido, mesmo fazendo outro exercício retórico para
fazer a representação da classe operária,
O PCB, compreendendo que cresce o número de pessoas e correntes políticas que desejam a pacificação do País, o fim do arbítrio, compreendendo que grande parte dos que falam em ‘acordo político’ não são oportunistas ou partidários de conchavos com a tirania, declara, mais uma vez, que, ao contrário do que afirmam os porta-vozes da ditadura, os comunistas não são partidários da violência pela violência e sempre combateram as ações aventureiras. Por sua vez, a grave situação econômica que atravessa o País, mais que nunca, exige a unidade de todos os patriotas e democratas para evitar a bancarrota e o caos econômico, do qual serão justamente os trabalhadores suas maiores vítimas. Não discordamos, assim, da pacificação do País. Não somos revanchistas. Embora saibamos que no meio dos militares encontram-se torturadores e assassinos de comunistas e de outros antifascistas e patriotas, isso não nos impede de reconhecer que a maioria dos militares é constituída de patriotas, que se sentem humilhados com o papel que lhes é atribuído de carrascos do povo e não podem também estar de acordo com a política da ditadura de total entrega do Brasil aos monopólios estrangeiros, política que nega a soberania nacional e subordina o País aos governantes de Washington e aos generais do Pentágono. [...] a coligação antiditatorial que propomos para liquidar a ditadura militar-fascista não tem apenas caráter tático. Seus objetivos são mais amplos. É preciso que eles se projetem no futuro e que se transformem, após a queda do fascismo, numa aliança também para solucionar graves e antigos problemas nacionais, muitos dos quais foram extremamente agravados por mais de doze anos de um poder arbitrário e ditatorial.
116
O PCB declara estar disposto a se bater para que a unidade que venha a ser conseguida na luta contra a ditadura – pelo menos das suas correntes fundamentais - se prolongue no período que se seguir à queda desta, a fim de tornar possível e facilitar a realização de uma profunda transformação da sociedade brasileira (PCB, 1977a, p. 4 e 5).
Estavam reafirmadas as formulações que contribuíram para derrotar o
PCB no processo do golpe de 1964 e balizaram a ruptura da tradição do
partido com a sua cultura política classista.
A Resolução política do CC de março de 1977 integra o conjunto de
documentos, elaborados a partir do debate realizado no exílio. O conteúdo
desse documento inicia pelo exame da crise da ditadura ao perceber sintomas
de exaustão no regime:
Em todos os setores da vida nacional multiplicam-se as evidências de falência da política econômica e social que o regime fascista impôs ao País. A ditadura começa a apresentar uma série de brechas e se torna, assim, cada dia mais instável, vulnerável e ameaçadora (PCB, 1977b, p. 1).
No entanto, mesmo com essas características, o partido ficou
preocupado com o aceno de “endurecimento” do regime. Portanto, em virtude
dos acontecimentos anteriores, que os comunistas passaram, existia uma
precaução diante da possibilidade de terror.
Neste último caso, é necessário atuar com segurança e habilidade a fim de resguardar, contra os golpes da reação, tanto o Partido quanto o movimento e a organização das massas. São estas indicações que visam dar à nossa ação a firmeza e flexibilidade necessárias, seja para impedir a acomodação e a passividade, seja para evitar a precipitação e a aventura (PCB, 1977b, p. 1).
O debate em curso identificou que continuava a crescer a insatisfação
popular, inclusive com manifestações de repúdio da resistência democrática e
abriram-se espaços para a luta dos trabalhadores através, até mesmo, de
greves abertas ou de forma escamoteada, para garantir algumas reposições e
reajustas nos salários. À repercussão da resistência urbana se somou a
movimentação dos trabalhadores rurais que, por ocasião do dissídio coletivo,
117
conseguiram uma estupenda mobilização de mais de um milhão de
assalariados agrícolas e que saíram vitoriosos nessa luta59.
Ficaram nítidas para o PCB as fragilidades da ditadura burgo-militar
quando dos “[...] pronunciamentos das CNBB60 e do CIMI61 deixam claro que a
Igreja Católica, no Brasil de hoje, está em conflito com o regime de violência e
arbítrio existente no País” (PCB, 1977, p. 3). Ao lado do papel exercido pela
Igreja, intelectuais fizeram um manifesto de repúdio ao governo que contou
com mais de mil assinaturas. Era visível a insatisfação “[...] das camadas
médias urbanas e de amplos setores de empresários pequenos e médios, que
haviam acreditado no ‘milagre econômico’” (PCB, 1977, p. 3).
O desgaste do governo encontrava ressonância no
[...] agravamento da crise geral do capitalismo, o nível atingido pela luta de classes no mundo capitalista, as vitórias do movimento de libertação nacional e os êxitos alcançados pelos países socialistas estão determinando, no cenário internacional, o aparecimento de uma correlação de forças bem mais favorável à luta pela paz, pelo progresso social, pela democracia e pelo socialismo (PCB, 1977b, p. 4).
O pleno do Comitê Central salientou que a situação do país marchava
para uma crise política criada diante dos impasses gerados pelo crescimento
do campo oposicionista e da reação da ditadura que poderia implementar o
corolário autoritário e/ou uma articulação pelo alto para continuar com o seu
projeto de dominação. A cena política estava aberta pela movimentação dos
atores sociais e políticos.
A ideia básica do PCB era garantir a realização das eleições de 1978
como um instrumento que balizaria
[...] Um acordo nacional só terá condições de superar o regime fascista e normalizar a vida do País se tiver como base a plena vigência das liberdades democráticas e a conseqüente garantia dos direitos dos trabalhadores. A saída da crise, exige, por isso, uma política firme e unitária das forças de oposição em torno daquilo que deve ser seu objetivo: a implantação de um regime democrático no Brasil (PCB, 1977b, p. 5).
59 Esse dissídio coletivo movimentou um milhão e 300 mil trabalhadores e contribuiu para alimentar as esperanças de
luta de mais de oito milhões de trabalhadores rurais que existia no campo de acordo com o levantamento do PCB
naquela época.
60 Conferência Nacional dos Bispos do Brasil: entidade da estrutura da Igreja Católica.
61 Conselho Nacional Indigenista: organismo vinculado à CNBB.
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No entanto, apesar da retórica se referir à presença dos interesses dos
trabalhadores, a conciliação inundava o texto através de uma linha política que
orientava o partido apenas a defender bandeiras que fossem de todos “[...] a
partir de um acordo em torno de algumas reivindicações centrais que lhes
sejam comuns” (PCB, 1977b, p. 6). O que possibilitaria o avanço de um amplo
movimento nacional de oposição ao regime, mesmo que as propostas dos
comunistas e os interesses da classe operária fossem subalternizados nesse
processo.
Por fim, o sentido político do documento era pautado pelas
preocupações com a realização das eleições de 1978 e isso era motivado pela
visão político-orgânica de que o partido precisava de uma conjuntura de
liberdades democráticas para pleitear a sua legalidade institucional, nos
marcos da democracia burguesa.
Em junho de 1977, foi lançada uma Nota da Comissão Executiva do
PCB. O conjunto da argumentação tinha como centro uma crítica ao “Pacote de
Abril” 62 que havia sido lançado para interferir na correlação de forças da cena
política institucional, mas também, mediante as preocupações com o avanço
do movimento popular.
Num quadro de constante agravamento da situação política, e pressionada por uma resistência crescente, a ditadura reagiu com violência, decretando o recesso do Congresso e introduzindo uma legislação legal e eleitoral das correntes oposicionistas e mesmo das apenas discordantes. A tônica desta legislação é, novamente, a exclusão do povo do processo político e o apelo do processo político às eleições indiretas numa extensão cada vez maior (PCB, 1977c, p. 1).
Esse processo político causou intensa repercussão não só na oposição,
mas também no ambiente de influência política do próprio governo, causou
protestos até na ARENA. Obrigando o governo a ir buscar apoio nos comandos
militares que apresentavam forte comportamento político reacionário.
Além desse quadro de instabilidade política, a crise econômica
molestava a sociedade e colocava sérias restrições para a movimentação
62 Diante dos impasses gerados no Congresso Nacional em virtude da não aprovação da reforma judiciária, o governo,
valendo-se do instrumental jurídico permitido pelo AI-5, fechou o Congresso Nacional pela terceira vez depois do golpe
burgo-militar, no dia 02 de abril de 1977, e no dia 13 lançou um conjunto de medidas que ficou conhecido pelo nome de
“Pacote de Abril”.
119
política do governo que começou a sofrer restrições dentro do seu bloco no
poder.
Ao nível econômico os problemas que vinham-se acumulando como resultado de uma orientação antinacional da economia brasileira continuam a se agravar. A aplicação da política de favorecimento dos setores monopolísticos e financeiros, que se traduziu numa brutal compressão dos salários e na criação de graves desequilíbrios sociais, regionais e setoriais, está agora, depois de esgotado o ‘milagre’, mostrando as suas verdadeiras conseqüências (PCB, 1977c, p. 2).
Neste documento, o PCB indicava, a partir da análise da política
nacional, a necessidade de articulação para construção da sempre procurada
unidade do campo oposicionista. Nesse sentido, as novas articulações que
envolviam as frações da burguesia interna insatisfeitas com o governo, e a
oposição, articulações estas que procuravam abrir trilhas pelo alto para
constituir uma democracia de caráter restrito, contavam com o apoio subalterno
do partido.
A partir da avaliação da conjuntura nacional, a nota identifica que o
quadro político tenderia a ficar mais tenso, em especial, pela perspectiva das
eleições de 1978. Diante dessa situação, foi aberta a perspectiva de se lutar
por uma Constituinte que, minimamente, possibilitasse um debate mais
democrático na sociedade, apesar dos entraves ao estabelecimento das
liberdades democráticas. Para a viabilidade dessa bandeira, o partido propunha
o direito de manifestação dos mais diversos setores da sociedade como
condição número um para o projeto de “conciliação nacional”. E concluía a nota
argumentando pela necessidade de legalização do PCB.
A consolidação de formulações e resoluções que iam, paulatinamente,
afirmando uma perspectiva reformista na orientação política do PCB, que o
afastava de um projeto classista, teve, no exílio, um contraponto na carta que o
Secretário Geral, Luiz Carlos Prestes, lança ao partido. Trata-se de uma carta-
documento de agosto de 1977. Prestes, já havia sinalizado, em momentos
anteriores, uma profunda insatisfação com a linha política do partido em virtude
da falta de aderência desse instrumental teórico-político às contradições da
realidade objetiva. Começa o texto fazendo uma avaliação da situação do povo
diante da ditadura burgo-militar.
120
Nosso povo está submetido a um regime político crescentemente arbitrário, antinacional e antipopular. Mas contra esse regime levantam-se amplos setores da população. Isso é o que efetivamente caracteriza a situação do País no momento que atravessamos. A amplitude e o vigor com que com se desenvolvem as lutas reivindicatórias e de resistência, a firmeza crescente das manifestações dos mais variados setores em prol da conquista das liberdades democráticas dão a medida das dificuldades com que se defronta o regime. As possibilidades de luta ampliam-se, ainda que o inimigo fascista continue dispondo de poderosos instrumentos de opressão”. Mesmo sabendo que “[...] nossa difícil situação orgânica é um sério obstáculo ao exercício do papel que nos cabe (PRESTES, L. C. 1977, p. 1).
Prestes alertava que era interesse do fascismo, estabelecido no
aparelho de Estado, liquidar o PCB. No entanto, a realidade mostrava que essa
possibilidade não era possível em virtude do papel histórico do partido como
necessidade política da classe operária. Não obstante,
[...] os golpes que sofremos prejudicam, na medida de sua própria gravidade, a luta da classe operária e de todos os patriotas e democratas, de nosso povo em geral. Isto torna mais premente a necessidade de superarmos nossas deficiências e corrigirmos nossos erros. Não podemos permitir que a ditadura siga utilizando certas debilidades nossas para conseguir novos êxitos em sua ação repressiva. Temos de fazer com que, à autoridade política que adquirimos, corresponda um funcionamento eficaz de nossa organização. O essencial neste momento é saber vencer a contradição entre as possibilidades criadas pelo atual desenvolvimento da sociedade e a nossa capacidade de utilizá-las para realização de nossos objetivos, de aproveitá-las para o mais acelerado e conseqüente desenvolvimento da luta de nosso povo pelo progresso social. Temos que explorar ao máximo o fato de que é impossível à ditadura impedir que nossa palavra se difunda pelo território nacional, que a nossa voz seja ouvida (PCB, 1977, p. 2).
Mas, para Prestes, essa circunstância política precisava de uma reflexão
que fizesse surgir “[...] um processo autocrítico que encontra, porém, sérios
obstáculos, dadas as condições em que se desenvolve hoje a nossa atividade,
assim como a magnitude dos problemas a examinar” (PCB, 1977, p. 1). Como
prosseguimento dessa reflexão, o Secretário Geral do PCB manifestou
interesse em lançar luzes sobre questões que ele vinha analisando. Só que
agora, Prestes, se considera em condições de apresentar respostas.
Ao examinarmos as causas da derrota sofrida, torna-se necessário apontar os erros cometidos pelo Partido, de modo a permitir que enfrentemos com êxito, agora e no futuro, as ofensivas que o
121
fascismo não cessará de desencadear contra o povo, contra o movimento operário e sua vanguarda organizada. Não basta lançar a culpa na violência própria do poder fascista: o golpe desfechado contra o Partido não foi resultado, apenas, da ação organizada do inimigo. Ao mesmo tempo em que se aprimoraram as técnicas repressivas empregadas pelo regime, ao mesmo tempo em que se desenvolveu um monstruoso aparelho de repressão, persistiram em nossas fileiras concepções e métodos de trabalho que facilitaram de muito a ação terrorista-repressiva da ditadura (PCB, 1977, p. 2).
Existia, nas formulações do PCB, uma paulatina transformação de
partido de classe para partido de todo o povo. No documento em análise,
Prestes alertou para uma questão que há muito tempo despertava incômodo na
retórica do Partido.
[...] tornou-se claro que o grau de nossas ligações com as massas populares, particularmente com a classe operária, era insuficiente. Apesar de termos repetido inúmeras vezes, em nossas resoluções e documentos oficiais, que a classe operária deveria constituir o centro do nosso trabalho, que a organização do Partido teria que estar primordialmente voltada para a tarefa da construção do Partido na classe operária, o duro processo a que fomos submetidos mostrou que continuamos a subestimar o papel que o proletariado deverá desempenhar na derrubada do fascismo e na edificação de um governo que, garantindo as mais amplas liberdades democráticas, permita o avanço de nosso povo no caminho da completa independência nacional e do continuado processo social. Ao trabalho sistemático nos sindicatos, nas empresas, com vista a elevar o nível de consciência e de combatividade da classe operária e das massas populares em geral, preferimos muitas vezes os entendimentos de cúpula, os acordos ‘pelo alto’ [...] (PCB, 1977, p. 3).
Essa reorientação política de Prestes abria a possibilidade de o partido
despertar para seu papel histórico junto à classe operária. Abria-se uma janela
teórico-política para o PCB voltar a ser operador político da classe e que
eliminaria o avançado processo de ruptura com sua tradição, voltando a ser
orgânico às lutas e formulações para efetivar o projeto da revolução socialista.
Portanto, os comunistas, nas preocupações de Luiz Carlos Prestes,
deveriam dirigir o centro dos seus esforços para ação na luta de classes. No
entanto, a militância partidária deveria se manter no “[...] mais estrito respeito
às normas da clandestinidade” (PCB, 1977, p. 4). Só assim o partido voltaria a
ter presença importante no proletariado para, a partir daí, executar a sua tática
e desenvolver a sua estratégia.
Em dezembro deste mesmo ano de 1977, o Comitê Central no exílio
lançou uma nova Resolução Política. Esse documento em primeiro lugar fazia
122
uma saudação pela passagem dos 60 anos da Revolução de Outubro e
reafirmava o papel histórico da União Soviética e das Democracias Populares
do Leste europeu na defesa da humanidade e dos interesses dos
trabalhadores. Reforçava o papel que desenvolvia a União Soviética em defesa
da paz em todo o mundo. Prosseguia o documento do CC debatendo a
questão da política externa, colocando em cena a política externa dos EUA no
governo do Presidente Jimmy Carter - que se apresentava contraditória diante
das limitações e objetivos para tomar posição sobre a questão dos direitos
humanos e o rotineiro comportamento imperialista. Mesmo assim, apresentava-
se uma brecha que interessava ao debate internacional, porque envolvia
politicamente a nova situação internacional que favorecia os povos em luta pelo
mundo.
Na presente situação mundial, caracterizada pela distensão, pelos recuos do imperialismo, pelo aprofundamento dos sentimentos democráticos no mundo inteiro, torna-se mais difícil a existência de regimes que, ao lado de desenvolverem políticas antipopulares, empregam métodos que se caracterizam pela mais brutal violência contra as massas, como é o caso da vários regimes latino-americanos e, entre eles, o brasileiro (PCB, 1977d, p. 3).
Voltando sua análise, necessariamente, para o Brasil, a resolução
qualifica a economia de dependente e com uma estrutura voltava para atender
aos interesses dos monopólios. A economia brasileira encontrava-se em crise,
com uma política econômica vulnerável e com grande endividamento externo.
Nessa situação, o governo da ditadura burgo-militar optou, mais uma vez, por
aumentar os preços, arrochar salários e a partir dos ajustes fiscais, ampliar o
desemprego.
Não obstante, crescia a resistência à ditadura que começava a enfrentar
um processo de isolamento mesmo em relação à sua base de sustentação,
mas, principalmente, junto ao conjunto da população, diante da articulação das
forças antifascistas nesse processo político de crise econômica. Independente
da circulação de forças do campo antipopular e antinacional que se organizava
em torno da ditadura. Contudo, a resolução desperta para uma situação que,
mais para frente, seria determinante para fissurar o bloco no poder.
123
Neste processo de crescimento das forças oposicionistas, o papel que vai assumindo o movimento operário e sindical é um índice denso de significação. A reanimação do movimento de massas, criando condições para a intensificação das ações reivindicatórias, contém a possibilidade de um amplo desenvolvimento do nível de organização das camadas populares. E, trilhando este caminho, elas podem reunir meios para desempenhar um papel de maior destaque na luta antiditatorial (PCB, 1977d, p. 4).
O PCB analisou que a ditadura, para colocar em andamento o seu
projeto para sair do isolamento político, precisava, essencialmente, da divisão
do campo oposicionista. Já que existiam desacordos em sua própria base de
sustentação diante da posição de frações de classe da burguesia,
descontentes com a política econômica do governo que contribuiu para tornar
mais confusa a crise econômica. O projeto político da autocracia burguesa
(FERNANDES, 1982, 2006; MAZZEO, 1997; SAES, 2001) procurou, através da
ação da ditadura, dividir a oposição para continuar executando a perspectiva
de, pelo alto, manter o núcleo central da dominação prussiana que era
articulado entre frações da burguesia e a burocracia mais reacionária das
Forças Armadas. Essa burocracia havia se transformado em força hegemônica
entre os militares para romper com a legalidade institucional e dar o golpe
burgo-militar de 1964. Portanto, diante desse cenário de impasses políticos e
desarticulação da sua hegemonia,
O fascismo, sem condições de legitimidade, sem poder propor nada que altere substancialmente o regime jurídico-institucional por ele mesmo criado, viu-se diante de poucas saídas, que repousam na sua capacidade de dividir as forças de oposição. E isto é algo que o governo Geisel busca obstinadamente desde a sua instalação. Para dividir as forças oposicionistas e obter o apoio de pelo menos uma fração delas ao seu projeto institucional, que equivale a legalizar o Ato 5, ou seja, incorporá-lo à Constituição através de votação dos partidos no Congresso, a ditadura não poupa esforços e usa todos os meios ao seu alcance, desde a intimidação e a chantagem até vagas promessas de liberalização (PCB, 1977d, p. 6).
Para os comunistas do PCB o eixo central da luta contra a ditadura
deveria ser a unidade das forças oposicionistas, o trabalho de massas e a
difusão das bandeiras por liberdades democráticas. Portanto, a luta pela
democracia, com base nas formulações do VI Congresso, deveria orientar a
mobilização do partido nas suas lutas e articulações. No entanto, qualificava
ainda que, para o partido ter o protagonismo desejado, deveria ser organizado,
124
forte e numeroso. Sendo assim, o horizonte traçado nessa resolução deveria
ser seguido à risca através das propostas articuladas na resolução de
organização. E concluía, mais uma vez, fazendo uma conclamação ao partido:
É uma tarefa política que partindo de uma visão adequada das exigências atuais e futuras do trabalho revolucionário, exige, a um só tempo, uma correta avaliação da correlação de forças e das possibilidades concretas, habilidade, inteligência e uma aguda percepção dos limites em que os passos podem ser dados com segurança (PCB, 1977d, p. 14).
Em maio de 1978, a direção comunista divulgou uma Nota da Comissão
Executiva do PCB a propósito da campanha eleitoral. Essas eleições
ocorreriam no final daquele ano e o documento alertava para a importância
desse evento político tendo em vista a relevância do momento para as
transformações do Brasil. A conjuntura política estava marcada pela crise do
modelo econômico e, em especial, pelas contradições da crise política.
Condicionada desde o início por uma situação histórica determinada, que lhe impunha certos limites, por suas contradições internas e, sobretudo, ao longo do tempo, pela pressão de uma opinião pública crescentemente democrática, a ditadura militar-fascista viu-se na impossibilidade de suprimir as consultas eleitorais: nessas condições, ela sempre buscou valer-se de tais consultas para ampliar sua base consensual e para legitimar-se de algum modo perante o conjunto da nação e a opinião pública internacional (PCB, 1978a, p. 1).
A situação política do Brasil, pelas características da crise, abria espaço
para mediação do governo golpista com a oposição. No entanto, com a
abertura desse novo cenário, vários personagens da política institucional, ou
havia trocado de posição, ou estavam incomodados com a base política que
integravam. A cena política para os comunistas poderia avançar para uma
inflexão que faria vitoriosa as forças de oposição ao regime, em virtude das
contradições internas às frações da burguesia que apoiavam o governo e, em
particular, as brechas políticas na base governista. É nesse contexto que
apareceu uma proposta de Programa lançado por Magalhães Pinto: tratava-se
de um político e banqueiro que fora um dos bastiões do golpe que levou ao
poder a articulação burgo-militar.
125
O conteúdo objetivamente oposicionista do ‘programa’ lançado por Magalhães Pinto, a firme posição democrática expressa em recentes pronunciamentos dos bispos católicos em favor de uma anistia ampla e irrestrita, as corajosas declarações de militares da ativa e da reserva em defesa da democracia e do fim do arbítrio, o espírito unitário e combativo revelado pelas lideranças mais expressivas do MDB: todas essas manifestações indicam a possibilidade concreta de formação de uma ampla frente contra o atual regime, capaz de suscitar, durante a campanha eleitoral, as energias necessárias para uma vitória ainda mais clara e insofismável do que a de 1974 (PCB, 1978a, p. 4).
Tendo em vista essa perspectiva e com base nas evidências, o PCB
conclamou todas as forças democráticas e oposicionistas a se unirem em torno
de uma plataforma eleitoral comum que respondesse às demandas do
processo político em curso. Mas fazia, ao mesmo tempo, outro movimento que
era no sentido de conjugar esforços para a convocação de uma Constituinte.
Para a realização dessa proposta algumas medidas democráticas deveriam
preceder ao processo Constituinte: liberdade de manifestação da opinião
pública nacional, a anistia ampla e irrestrita, fim de todos os atos e leis de
exceção, restabelecimento do Habeas Corpus em sua plenitude, respeito à
livre organização partidária sem discriminação de nenhuma espécie e da
completa liberdade sindical. Essa era a pauta que o PCB apresentava para
solicitar, a partir daí, a instalação do processo Constituinte através das eleições
de 1978. A Constituinte teria como objetivo mudar as regras jurídicas do Estado
de exceção no caminho de uma legalidade jurídica que possibilitasse a
instauração do Estado de Direito democrático, mesmo no âmbito das normas
da burguesia.
Por fim, mais uma vez, com um discurso genérico e difuso, o partido
fazia a sua rotineira conclamação que não despertava a militância para uma
efetiva ação de vanguarda com centralidade na classe, de onde partia seu
projeto histórico.
Chamamos a atenção dos militantes do Partido para o fato de que as eleições são também um poderoso meio para, por um lado, aumentar a influência do nosso Partido no seio das massas, e por outro, fortalecer o espírito unitário das várias correntes antiditatoriais. O aumento da influência dos comunistas e o fortalecimento da unidade do conjunto da oposição serão, por seu turno, uma garantia e uma condição para que se possa alcançar um novo patamar nas batalhas pela democracia que continuarão a ser travadas depois das eleições (PCB, 1978a, p. 9).
126
A partir deste momento já se oferecem condições para compreender que
a centralidade da política e da ação do PCB estava voltada para os arranjos
institucionais que poderiam advir do processo eleitoral e das articulações
políticas para a formação de uma mítica frente ampla. Se a centralidade da luta
era na esfera da política institucional, por mais que o exercício retórico dos
documentos falasse das massas, a ação do partido no movimento operário e
nas massas estava em segundo plano. Confirma-se, assim, a ruptura com a
tradição de luta dentro da classe operária e com um quadro teórico-político que
estivesse calcado na realidade concreta. O PCB deixa assim, na constatação
dessas características, de ser operador político da vanguarda histórica na cena
da luta de classes.
Em novembro de 1978, o Comitê Central do PCB lançou uma Resolução
política analisando a evolução dos acontecimentos no país, afirmando que
passaram a se aprofundar os antagonismos entre a nação e o regime militar
fascista. Com base nas argumentações da Resolução política de dezembro de
1977, no entanto, com algumas modificações, o documento confirma as
tendências de agravamento da crise econômica e, diante desse quadro, a
permanência de instrumentos e métodos ditatoriais por parte do governo. Com
o esgotamento da política econômica da ditadura, as condições de vida da
população se agravaram e essa situação contribuiu para um substancial
desenvolvimento das forças oposicionistas. Naquela conjuntura de crise se
apresentou um novo fenômeno: greves operárias iniciadas no ABC do Estado
de São Paulo que se ramificaram por outras regiões industriais do Brasil.
As greves operárias – iniciadas no ABC paulista e que se estenderam a outras regiões industriais do país – são não só o acontecimento mais importante do período como marcaram o início de uma etapa qualitativamente nova na luta dos trabalhadores contra o regime. As modificações havidas neste período revelaram que se criou uma situação nova no país, caracterizada pelo avanço da oposição e por um acentuado desgaste do regime (PCB, 1978b, p. 1).
Se a centralidade da política do partido fosse desenvolvida dentro do
movimento operário e se suas articulações fossem no movimento sindical, ele
teria percebido a movimentação da classe operária diante daquela conjuntura
de crise econômica e social. No entanto, para além da incapacidade do PCB
127
desvendar a realidade social em curso, os trabalhadores e um novo movimento
sindical introduzia, na cena político-social, após um longo trabalho de base,
uma etapa qualitativamente superior da luta política contra o regime burgo-
militar. Estava, portanto, modificado o quadro do debate político naquele
momento.
Nos recentes movimentos grevistas, os operários não só se
sobrepuseram à lei de greve decretada pela ditadura em 1964, como
desferiram um golpe na prática política salarial do governo, começando a
reconquistar de fato o direito de contratação coletiva. Fica evidente, portanto, o
significado político das lutas atuais dos trabalhadores.
A reação do governo vem confirmar esta idéia. Com o decreto-lei 1.632, que amplia as restrições às greves, e com as dispensas denunciadas pelos sindicatos do ABC, tenta o regime golpear a classe operária, afastá-la da cena política e isolá-la dos demais setores democráticos. Isso porque a participação da classe operária na luta geral pela democratização é a maior garantia para o êxito desta luta (PCB, 1978b, p. 6).
O PCB, preocupado com os movimentos de setores internos da, em
tese, frente ampla, agia com muita prudência diante da nova conjuntura. O
partido não definia a centralidade da sua atuação e vacilava entre o projeto da
frente democrática, para superar o regime, e uma ação determinada no cenário
da luta de classes ao lado dos trabalhadores e sua emergente vanguarda, o
novo sindicalismo63. Essa prudência política, típica preocupação daqueles que
analisavam o momento político através de formulações marcadas por
experiências pretéritas, apontava para mais uma perspectiva de derrota política
e orgânica do PCB. Perdia o partido a oportunidade histórica de se recompor
no campo da classe operária.
A prova empírica desse descompasso do PCB, mesmo com novas
preocupações, é que o documento, após breve consideração sobre esses
novos fenômenos, volta ao leito repetitivo das preocupações genéricas,
baluartistas e reformistas, em que se converteram as posições do PCB.
Examinava a situação internacional a luz da repercussão que poderia ter
sobre o Brasil: comportamento dos círculos reacionários dos Estados Unidos, 63 No final da década de 1970, surgiu, a partir das greves do ABC, um movimento reivindicatório organizado pela base
dos trabalhadores que marcou o sindicalismo brasileiro, fundou a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e contribuiu
para criar e construir o Partido dos Trabalhadores (PT).
128
questões sobre o desarmamento mundial, papel da União Soviética,
acontecimentos que envolviam povos em luta, avanço do socialismo e relações
políticas entre os Estados Unidos e a União Soviética. Por essa leitura o
conteúdo da resolução era repetitivo.
Na visão geral sobre o regime, a análise reafirmava que a realidade
brasileira indicava uma situação que era pautada pelo crescente isolamento da
ditadura, pela desarticulação e derrota da sua base política. Interpretação que
podia ser examinada a partir de novos acontecimentos políticos.
O descontentamento com a atual situação manifesta-se não só entre as forças de oposição, incluindo o MDB, cujo papel na luta contra a ditadura tem-se acentuado, mas inclusive em setores até há pouco ligados ao regime ou com ele comprometidos, formando um movimento difuso, que abrange até a ARENA. Uma expressão destes processos foi o lançamento de uma candidatura militar oposicionista com o apoio de personalidades da ARENA e a formação da Frente Nacional de Redemocratização (PCB, 1978b, p. 7).
Portanto, mesmo com uma política que o subalternizava diante de
setores oposicionistas, a frente ampla foi articulada nesse episódio sem a
participação do PCB. No entanto, o partido, com base na sua concepção
taticista-politicista, apoiou a frente. Mesmo a frente não contando com a
densidade dos setores populares.
A questão não estava em ligar o movimento operário-popular às lutas gerais do MDB. Ao contrário, essa ligação constituía-se numa necessidade. O problema situava-se exatamente na inversão feita pelo PCB, isto é, no momento em que o MDB avançava, justamente porque impulsionado pelo movimento operário-popular, questionando a base econômica do bonapartismo, o PCB assumia uma postura conciliadora ao participar de uma articulação ‘pelo alto’, que excluía o fundamento da crítica realizada pelos trabalhadores e pelos setores populares e de esquerda da frente, insistindo em seus objetivos de manter a unidade política pluriclassista, quando essa forma de aliança de classes entrava em crise, contribuindo objetivamente para o desmantelamento do núcleo democrático-popular do MDB e para a rearticulação da hegemonia burguesa (MAZZEO, 1999, p. 166).
Continuava o texto com as considerações de que a partir das greves
operárias, das lutas estudantis, do movimento das mulheres, da ação das
comunidades católicas, das lutas indígenas, com a crescente presença dos
profissionais liberais na cena política, da organização de atividades em defesa
129
das lutas sociais contra a ditadura, do papel progressista da CNBB, da SBPC64,
da ABI65, da OAB, afirmou-se o quadro de isolamento da ditadura e cresceu o
conjunto de medidas autoritárias que o regime lançou para estabelecer novas
regras para a ação política no processo eleitoral, que ficou conhecida como Lei
Falcão. O governo da ditadura já havia lançado o Pacote de Abril e imposto o
decreto antigreve nº 1.632.
Os comunistas se mantinham na mesma compreensão analítica
reafirmando a necessidade da unidade na luta pela democracia. Essa
formulação política, consolidada no conjunto dos documentos do exílio,
afirmava que, diante da nova situação do país, era preciso fortalecer o
descontentamento crescente das massas, fortalecer o movimento operário,
ampliar e consolidar os movimentos oposicionistas e avançar nas batalhas
pelos interesses corporativos dos trabalhadores, para que essa situação
elevasse a movimentação dos trabalhadores ao nível da luta contra a ditadura.
Todavia, esquecia dos interesses específicos dos trabalhadores e a necessária
politização do processo político.
A luta do partido incluía a denúncia dos assassinatos, da tortura e das
ações da repressão, do funcionamento terrorista das estruturas do DOPS66, do
DOI-CODI67, de setores das Forças Armadas na perseguição contra a
vanguarda política brasileira. Esse tema dizia respeito especificamente ao
PCB, em virtude da ação que sofreu pelas investidas do Estado reacionário:
prisões, desterro, tortura, assassinatos, processos, desaparecimento de
quadros dirigentes e a destruição do aparato gráfico do partido. Foram imensas
restrições que enclausuravam o PCB.
Diante disso, o PCB finalizava o documento colocando como tarefa para
sua militância o imperativo de transformar o partido numa grande organização
de massas que pudesse fazer o enfrentamento com a ditadura. Como sempre
64 Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência: entidade civil fundada em 1948 que exerce destacado papel no
desenvolvimento e aperfeiçoamento do sistema nacional de Ciência & Tecnologia e na difusão da Ciência no Brasil.
65 Associação Brasileira de Imprensa, com sede nacional na cidade do Rio de Janeiro.
66 Departamento de Ordem Política e Social, criado pelo Estado brasileiro em 1924, com a finalidade de controlar e
reprimir a movimentação política e social dos opositores do regime. O DOPS teve acentuado papel na repressão
política durante as ditaduras do Estado Novo e a burgo-militar de 1964.
67 Destacamento de Operações de Informações era um órgão do Exército brasileiro durante a ditadura de 1964,
responsável pelo trabalho de inteligência e repressão contra os opositores do regime. Acusado de ser encarregado por
atos de terrorismo de Estado, foi fechado no processo de redemocratização da vida política brasileira.
130
uma genérica emulação que não encontrava ressonância nos
encaminhamentos concretos da prática do partido.
Na reunião do CC de 1978, foi lançada uma Resolução de organização
que afirmava a necessidade de rearticular, em patamar superior, o jornal Voz
Operária, que era o órgão central do partido. O jornal enfrentava dificuldades
impostas pela reação militar. No entanto, ficou nítida, nessa resolução, o papel
do jornal como uma estrutura ideológica vital para passar as orientações do
partido ao conjunto da militância.
Foram discutidas as deficiências na organização como impeditivos para
a circulação da linha política do partido, imposta quase sempre pela ação da
ditadura burgo-militar. No entanto, a resolução de organização continha todo o
arcabouço teórico-político da resolução política mesmo com os percalços da
conjuntura. Desenvolvendo, a partir daí, uma convicção sobre o caráter do
partido e seus instrumentos de funcionamento.
Essa reunião de dezembro de 1978 foi muito rica. Os debates internos
sinalizavam os desacordos entre a maioria do CC e um pequeno grupo em
torno de Luiz Carlos Prestes. O arcabouço de onde partiram as formulações, os
debates sobre temas candentes, demonstrava outro horizonte para a ação do
partido, mesmo de forma ainda incipiente. O interesse em tirar resoluções para
atender às frentes de massa, um novo perfil imposto pela resolução sobre a
questão de organização e uma Declaração do PCB sobre o movimento sindical
balizaram uma pequena mudança.
A ‘Resolução Política’ de novembro de 1978 significou uma inflexão em relação à que fora aprovada um ano antes e, em certa medida, uma reafirmação da ‘Resolução Política’ de dezembro de 1975. Refletia a conciliação presente naquela reunião do Comitê Central, em que a sua maioria evitava uma ruptura com Prestes (PRESTES, A., 2012, p. 221).
O documento de organização como produto dessa pequena reorientação
interna lançava luz sobre os acontecimentos operários em todo o Brasil.
Também procurou examinar o ascenso das lutas dos trabalhadores, o desgaste
da ditadura, a legitimidade da luta expressa na conduta dos trabalhadores, em
especial para fazer avançar os seus interesses diante da política salarial que
impactava as condições de vida da população em geral. E a Resolução
131
Sindical elencou um conjunto de bandeiras para orientar a classe trabalhadora
em sua luta ao lado da sua vanguarda política: o partido.
No entanto, apesar de um novo horizonte tático que os documentos
acenam, o texto sobre a questão sindical fugia do debate essencial: o PCB
reforçaria de forma concreta as lutas operárias em curso, priorizando sua ação
nesse campo, ou não? Manteve-se, no documento sindical, uma análise
genérica sobre as relações de trabalho no Brasil, identificava os pontos de
ataque da ditadura aos trabalhadores, tratava do ascenso das lutas sociais e
operárias, entrava no mérito de questões da CLT e formulou um programa para
pautar a intervenção do PCB no movimento sindical que tinha como orientação
geral a democratização do ambiente político nacional e a luta por liberdades
sindicais. Dentro dessa última orientação, cabiam vários pontos específicos da
luta dos trabalhadores na conjuntura do autoritarismo. Contudo, o PCB não
despertava para o protagonismo dos trabalhadores nessa nova quadra da
conjuntura aberta pelas greves operárias e continuava com o discurso genérico
da unidade das forças democráticas, enquanto perdia espaço orgânico dentro
da classe.
Insistimos que é fundamental unir organizando a classe operária, pois somente unida e organizada ela terá peso político para lutar com êxito por suas reivindicações próprias e por seus direitos democráticos. Além disso, a unidade dos trabalhadores interessa também ao conjunto das forças democráticas, porque só a classe trabalhadora unida e organizada pode constituir um núcleo socialmente homogêneo capaz de aglutinar e dar consistência e força à frente de luta pelas liberdades democráticas (PCB, 1979a, p. 10).
Para além da ausência de percepção sobre o novo papel da classe
trabalhadora, o PCB também não despertava para a questão da hegemonia na
vanguarda do movimento sindical e na esquerda brasileira.
O movimento iniciado no ABC, e logo expandido para outros centros nos anos seguintes, trará uma perspectiva uma perspectiva de debate acerca da história e do futuro do movimento sindical no Brasil. Os blocos que se formam, a partir da associação de grupos díspares, travarão disputas e debates que terão, a nosso ver, lastro nos embates pela hegemonia do movimento de esquerda político e sindical em nosso país. Por muito tempo o PCB obteve hegemonia, mantendo-se praticamente como único porta-voz da esquerda; neste novo momento que se abre, enfrentaria muitas dificuldades para tanto. Os por convenção chamados de ‘novos atores’ colocariam em xeque essa soberania (SANTANA, 2001, p. 181-182).
132
No final de janeiro e começo de fevereiro de 1979, ocorreu uma reunião
extraordinária do CC na cidade de Praga, na Tchecoslováquia. Tratava-se de
uma crise interna da direção motivada por acusações sobre práticas
consideradas inadmissível de um membro do CC.
Não obstante essa situação, em maio de 1979 o Comitê Central fez sua
última reunião no exílio, já não contando com a presença do seu Secretário
Geral que se encontrava em litígio com a maioria do CC. A partir daí, a crise
política na direção do PCB avançou para uma divisão orgânica em virtude do
ritmo acelerado dos debates e das posições divergentes dentro do núcleo
dirigente.
Essa Resolução Política, de maio de 1979, desenvolveu argumentos
para orientar a luta partidária que continha VIII pontos:
Primeiro: fez um balanço positivo das eleições de 1978. “[...] Elas
permitiram, mesmo com todas restrições impostas pelo regime, que se
realizasse uma importante mobilização na campanha eleitoral” (PCB, 1979a, p.
1).
Segundo: compreendia que o Brasil vivia um ascenso importante das lutas
dos trabalhadores, a partir, inclusive, do ato de 1º de Maio realizado no ABC,
quando se reuniram mais de 100 Mil pessoas e que foi promovido por mais de
56 entidades. Fato esse que também teve repercussão em outros atos de 1º de
Maio pelo país e contribuía para o avanço da organização dos trabalhadores.
Terceiro: a ditadura burgo-militar tinha um novo gerente, chegava ao poder
o General Presidente João Batista Figueiredo. Ao tomar posse, o General
encontrou dificuldades para organizar os seus objetivos diante do isolamento
em que se encontrava.
Quarto: cresceu de forma favorável o quadro político para as forças
oposicionistas e populares, com o crescimento do movimento operário.
Quinto: colocava-se como tarefa política central para as forças de
oposição, construir uma perspectiva democrática para o país.
Sexto: do ponto de vista interno, colocava-se uma tarefa importante que
era “organizar e orientar as lutas operárias” (PCB, 1979a, p. 7). Embora
debilitado pela destruição de seu aparato nas grandes empresas, em especial
no pólo automobilístico do ABC paulista, o partido ainda lutava para se
133
apresentar nesse ambiente. Fazendo valer suas forças e sua orientação
política no processo de luta dos trabalhadores e para fortalecer o MDB.
Sétimo: o programa também contemplava, como sempre, um ponto que
orientava a luta pela paz e a defesa dos povos em luta. Mais uma vez o PCB
demonstrava sua preocupação com o internacionalismo proletário a partir de
características que defendia partidos comunistas e Estados socialistas.
Oitavo: por fim, é anunciada a perspectiva de realização do VII Congresso
do PCB como um grande acontecimento na vida política e orgânica do partido.
Hoje, o processo de reorganização do Partido e do trabalho da sua direção, o fortalecimento de nossa unidade de vontade e de ação, em torno da linha política, dos Estatutos – cujo princípio diretor é o centralismo democrático – e do CC, reafirmam ainda mais aquelas exigências. Por isso, o CC resolve tomar as medidas necessárias à convocação do VII Congresso do Partido Comunista Brasileiro (PCB, 1979a, p. 14).
Essas medidas políticas e orgânicas, tendo em vista a convocação do
Congresso, sinalizavam para um desconforto interno que se assoberbaria
diante de manifestações de posições que já estavam dividindo a direção do
partido no exílio. O debate que era restrito, até aquele momento, iria ganhar
contornos público diante das ideias e propostas de Prestes em contraponto ao
conjunto do Comitê Central, explicitamente liderado por Giocondo Dias.
Essa reunião, do Pleno do CC de maio de 1979, produziu outro
documento, que por suas características foi muito importante como
contribuição ao debate, sobre a questão da mulher. Foi uma resolução sobre A
condição da mulher e a luta para transformá-la: visão e política do PCB,
examinando as condições em que a mulher se encontrava dentro da sociedade
capitalista e as lutas necessárias para transformar essa situação, tendo em
vista o arcabouço político-teórico utilizado pelo partido.
Esse documento que discutiu a condição da mulher na sociedade
brasileira orientou um conjunto tático de medidas para fortalecer o trabalho do
partido nessa frente de massa e desenvolveu teses que discutiam sobre a
situação da mulher no trabalho, no setor primário da produção capitalista, na
família e na sociedade em geral.
134
A mulher ocupa também na sociedade, em geral, uma posição marginal. Como totalidade, encontra-se afastada da vida política. Em nossa história, a participação política da mulher não seguiu uma linha ascendente. Manifestou-se de modo episódico, com altos e baixos. Por isso mesmo, ainda hoje são inúmeros os preconceitos em relação à participação da mulher na esfera do poder (PCB, 1979b, p. 7).
Esse debate sobre a condição feminina constituiu um marco histórico
das formulações e ações do PCB nessa luta. O documento informa sobre a
necessidade de organização desse segmento social como ponto central para
transformação da situação das mulheres e da sociedade. As formulações
desse documento orientavam para a participação na luta feminista e na luta
política para transformar a conjuntura política do Brasil. Além disso,
consolidava uma perspectiva de trabalho entre as mulheres e possibilitava a
presença de amplas camadas de mulheres no partido.
A luta pela completa emancipação da mulher, apesar da contradição
mulher/sociedade capitalista no Brasil, era uma parte da luta pela emancipação
da sociedade. Tudo isso trazia uma nova afirmação do PCB para esse debate,
que já era algo constante na sua história, para além da incapacidade das
forças conservadoras, e até mesmo segmentos de esquerda, debaterem esse
tema.
Assim, a luta pioneira de algumas mulheres extraordinárias nos albores da nossa história foi sendo gradativamente substituída, com o passar dos anos, pela luta dos grupos, setores e camadas de mulheres que se fizeram presentes na batalha pelo voto feminino, nas lutas democráticas, emancipadoras e progressistas que marcam todo o período que antecede 64. Neste processo, desempenharam importante papel numerosas entidades femininas organizadas em nível local e estadual, e mais tarde em nível nacional, que muito fizeram pela mobilização política e a organização de milhares de mulheres em todo o país (PCB, 1979b, p. 12).
Foi importante, nesse documento, o despertar para uma discussão da
relação homem/mulher, da luta por igualdade de direitos da mulher. Todos
esses temas contidos num amplo documento que levou em consideração uma
necessidade de renovação de métodos de trabalho e organização do Partido
no que concerne às atividades da mulher, tanto no plano ideológico, como
teórico, político e organizativo. Essas formulações se articularam com uma
plataforma de luta pela igualdade dos direitos da mulher no trabalho, na família,
na luta para transformar as condições gerais de vida da família e no irrestrito
135
direito de mulher participar da vida política do país. Para José Salles68 um
documento seminal, articulado pelo esforço político de Zuleika Alambert69, que
trazia à cena política e orgânica do PCB uma inovadora formulação sobre a
questão feminina, no partido e na sociedade, a partir de uma conduta
autocrítica.
Evidentemente, nosso Partido cometeu erros e apresentou falhas em seu trabalho nesse terreno. Entre eles, os mais graves foram a subestimação da importância do papel da mulher na sociedade – daí, certamente, o pouco esforço feito para elaborar e definir uma política do Partido para as mulheres – e o sectarismo com que encarávamos o trabalho de massas, a ponto de termos uma visão instrumentalista do movimento feminino. Esta visão incorreta refletiu-se em todas as nossas atividades, tanto no movimento de massas como dentro de nossas fileiras (PCB, 1979b, p. 14).
2.3 O começo da cisão no núcleo dirigente
O PCB, apesar da sua histórica disciplina interna, sempre foi marcado
por circunstâncias conjunturais que levaram a organização ao cisma. Após o
debate sobre o golpe e as razões da derrota, uma nova pauta se apresentava
nesse horizonte histórico de divisões.
[...] o PCB passou por dilacerantes divisões ao longo de toda a sua história, mantendo em geral um padrão ‘tríplice’: dissidências ‘à esquerda’ e ‘à direita’, debeladas por um setor majoritário de direção dito ‘centrista’, que busca sua legitimação assumindo uma posição equilibrada entre uma e outra vertente. As bases para as divergências da virada dos anos 1970 para os anos 1980 parecem estar dadas desde de muito antes [...] (SILVA, 2005, p. 44).
O paulatino roteiro dessa nova dilaceração se iniciou com os debates
para a realização do VI Congresso, após o golpe de 1964, e tinha como um dos
pontos centrais a disputa pelo comando do PCB, a partir da sua direção.
Para além da disputa pelo aparelho, esse ciclo de divisão se orientou
pelo contraponto com o cabedal teórico-político, a partir do qual se estabelecia
uma ou outra interpretação do que ocorria no Brasil. No entanto, um fator pode
ter sido importante para desvelar esse processo: a diáspora do partido no
exílio.
68 Entrevista concedida ao autor nos dias 09, 16 e 23 de outubro de 2012.
69 Feminista, escritora e dirigente do CC. Tinha sido deputada estadual por São Paulo em 1947, pelo PCB.
136
[...] O exílio permitiu a muitos ter maior contato com os diferentes caminhos propostos no movimento socialista. [...] as experiências de vida diversas pelas quais os pecebistas passaram naquele período (o secretário-geral Luiz Carlos Prestes sempre isolado por questões de segurança e exilado em 1971; o restante da direção exilada em 1975; militantes espalhados por diversos países; a maioria permanecendo no Brasil sem contato direto com o exterior) guardariam relação com as divisões posteriores do partido (SILVA, 2005, p. 44).
Uma das primeiras questões, levantadas a partir do debate do VI
Congresso, foi sobre a longevidade ou não da ditadura no poder. Prestes
examinou que o período seria duradouro, no entanto, o grupo majoritário no CC
comandado por Giocondo Dias tinha como certo a brevidade do período.
Parece ser uma questão menor, contudo, tratava-se de uma perspectiva de
onde deveria partir a política do partido para enfrentar a ditadura burgo-militar.
Todavia, a consolidação dessa postura no CC, e de toda a política derivada
dessa maioria, ocorreu através do processo de isolamento do Secretário Geral
do partido no Brasil e, depois, no exterior. “Com a ausência de Prestes, Dias
assume, de fato, a secretaria-geral do PCB, procurando imprimir seu estilo de
trabalho ao Secretariado, à Comissão Executiva e ao Comitê Central”
(FALCÃO, 1993, p. 293). É importante registrar que o desterro de Prestes,
contra sua vontade, para o exterior, foi uma decisão articulada por Giocondo
Dias na reunião do CC do começo de 1971 alegando preocupações com a
segurança do líder do partido e em virtude de um suposto plano das forças da
repressão para matá-lo.
Prestes reagiu energicamente, argumentando que não havia nenhuma razão fundamentada para essa medida, pois nada tinha a ver com seqüestros, assaltos ou com a guerrilha urbana. Não acreditava, portanto, que seu assassinato estivesse nos planos da polícia. Chegou até a sugerir que se tratava de um falso pretexto para afastá-lo da Comissão Executiva (FALCÃO, 1993, p. 288).
Uma nova inflexão ocorreu nas formulações do Secretário-Geral ao
analisar o cenário político brasileiro ponderou sobre a possibilidade da luta
armada. Em 1972, do exílio, Prestes escreve um artigo sobre A luta
revolucionária dos comunistas brasileiros, publicado no jornal a Voz Operária,
número 87. “A ditadura, como diz a Resolução Política do VI Congresso do
nosso partido, poderá impor ao povo o caminho da insurreição armada ou da
guerra civil. Por isso devemos preparar o partido e as massas para todas as
137
formas de luta” (PRESTES, 1972, p. 2). Embora expressa pelo Secretário Geral
essa opinião tinha pouca repercussão dentro do partido e quase nenhuma no
comando dirigente do PCB.
Prestes, no exílio, desenvolve uma intensa jornada de estudos sobre a
realidade brasileira tendo em vista se contrapor ao reformismo contido nas
resoluções políticas. Porém, com toda preocupação para respeitar as
orientações tiradas pelo partido. Na sua jornada de trabalho ele estuda obras
clássicas do marxismo e “[...] autores brasileiros contemporâneos, entre os
quais os escritos do sociólogo Florestan Fernandes” (PRESTES, A., 2012, p.
190).
Reflexões a partir do debate feito por Prestes vai repercutir na
construção de uma nova interpretação dobre a ditadura burgo-militar:
Em novembro de 1973, sob influência da derrota da experiência chilena e hegemonia dos partidários de Prestes, o PCB lança a Resolução Política Por Uma Frente Patriótica contra o Fascismo, defendendo a tese de que o regime evoluiu para uma ditadura militar fascista, cujos principais aspectos são: utilização das forças armadas como instrumento político-repressivo e suporte direto do regime; ampliação dos órgãos de segurança, que dominam o aparelho de Estado e a vida do país; aplicação do terror como principal método de governo; maior controle da vida sindical, atrelando os sindicatos ao Estado; política econômica baseada na intensificação da exploração da classe operária e exploração da nação, entre outras (SAMPAIO, 2003, p. 95).
Outras fontes informam sobre a dedicação do Secretário-Geral no
estudo do tema fascismo. “Prestes, sem utilizar diretamente o conceito de
Capitalismo Monopolista de Estado (CME), apoiava-se em suas características
essenciais para explicar a implantação do fascismo no Brasil” (PRESTES, A.,
2012, p. 193).
Em dezembro de 1975, o CC no exílio realizou a reunião de seu Pleno e
lançou duas resoluções (política e organização). Os documentos continham
uma forte presença das posições de Prestes, apesar de manter o discurso
genérico das resoluções do VI Congresso. No texto político afirmava-se a
necessidade central do partido “[...] organizar a ação da classe operária, que
deve ser a força aglutinadora e condutora da frente antifascista e patriótica.
Para a Resolução, a mobilização contra o ‘arrocho salarial’ é a principal forma
138
concreta da classe operária se integrar na luta contra a ditadura” (SAMPAIO,
2003, p. 98). O texto político em sua junção como de organização
Afirma que o partido não pode perder de vista o fato de que sua tarefa principal é conduzir a luta revolucionária até seu objetivo final: a tomada do poder pelo proletariado, de sua ditadura de classe e, conseqüentemente, do socialismo no Brasil. Termina constatando os erros e desvios do partido: a concepção errônea do papel da classe operária na revolução, a subestimação do partido, o não vê-lo como um partido operário por essência, e indispensável à realização da ligação de teoria do comunismo científico com o movimento espontâneo da classe operária. Estão aí, acima descritos os principais pontos e concepções de Prestes e seu grupo. [...] Ainda mais importante é perceber sua concepção da lógica do processo político – calcado na visão dimitroviana da luta contra o fascismo, qual seja: fascismo – unidade operária – frente popular – liberdades democráticas – socialismo (SAMPAIO, 2003, p. 98).
Talvez essa tenha sido a primeira vitória das posições do Secretário
Geral nas formulações do partido em muitos anos. No entanto, é pertinente
considerar que o CC que aprovou essas resoluções tinha sofrido modificações
com as cooptações de Marly Vianna, Anita Prestes e Gregório Bezerra.
Modificou-se também, nessa reunião, a composição da Comissão Executiva
que passou a ser integrada por Prestes, José Salles, Armênio Guedes e
Giocondo Dias (mesmo no Brasil). Nesse mesmo processo, o secretariado do
partido foi composto por Prestes, Marly Vianna e Severino Teodoro de Melo.
As próximas resoluções até novembro de 1978, que já foram analisadas
neste trabalho, foram modificadas de forma substancial a partir da nova
correlação de forças no CC e da influência da “assessoria” do CC no exílio.
O debate surdo, pois interno à direção do partido e à assessoria teve,
ainda, outros lances à esquerda a partir da carta de Prestes ao partido de
agosto de 1977, e das Resoluções de novembro de 1978, mesmo que por um
pequeno período. Todavia, o grupo à direita no espectro político do CC liderado
por Giocondo Dias, contando com o apoio do centro pragmático que ficou
conhecido como “Pântano” e com as formulações da assessoria, voltou a
pautar as formulações do partido e continuou a dirigir as ações do PCB.
139
2.4 A política do PCB em disputa
O cerne principal da luta interna que reacendeu a crise política no núcleo
dirigente do PCB estava pautado no debate sobre qual horizonte teórico-
político deveria orientar a tática e a estratégia do partido na luta pela transição
para a democracia, mesmo aquela do Estado de Direito burguês. Isso exigiu
que se tomasse posição sobre qual herança política deveria se renunciar e
sobre o que deveria orientar os comunistas na luta por seus objetivos. Esse
complexo de mediações era analisado a partir dos interesses em disputa.
A pauta temática começou com a avaliação sobre a derrota em 1964,
continuou com questões que diziam respeito ao caráter da ditadura, prosseguiu
com que tipo de frente se precisava articular e lutar, qual seria o papel dos
trabalhadores na luta contra a ditadura, qual as características do programa
para enfrentar o regime burgo-militar, quais eram os aliados dos trabalhadores
e do partido, que tipo de partido os comunistas precisavam ter para enfrentar a
ditadura e organizar a sua presença nos movimentos de massas, no
movimento operário e sindical.
Mas o roteiro do debate avançava para questões que exigiam maior
presença de recurso teórico. Tratou-se de saber se as últimas resoluções
congressuais estavam desapartadas da realidade objetiva ou não, se o
taticismo-politicista do PCB aprofundou a subalternidade dos comunistas na
articulação da frente ampla na conjuntura em curso, se a transição teria que ser
pactuada?
Esse complexo temático foi se adensava em problematização quando o
assunto era o caráter da revolução brasileira e como lutar pelo socialismo.
Mesmo sem nitidez sobre essa questão o grupo de Prestes sinalizou para uma
reviravolta estratégica ao combater o repertório nacional-democrático, que não
tinha consistência para analisar a realidade concreta. E, por fim, um grande
debate estava se abrindo dentro do PCB: o entendimento sobre o caráter da
democracia.
A renovação democrática do conjunto da vida nacional – enquanto elemento indispensável para a criação dos pressupostos do socialismo – não pode ser encarada como um objetivo tático imediato, mas aparece como um conteúdo estratégico da atual etapa da revolução brasileira (COUTINHO, 1980, p. 23).
140
Para Milce Moura (2005), três questões se colocavam para indagar
sobre a discussão do valor estratégico da democracia: o debate sobre a
“transição pactuada”, a leitura sobre “[...] o ressurgimento dos movimentos
sociais e populares, sobretudo o operário-sindical entre 1978-1980 [...]” (2005,
p. 65) e por fim, a falta de aderência da estratégia nacional-democrática,
patrocinada pelo PCB, em relação às novas particularidades do capitalismo
brasileiro.
Diante dessas questões e do quadro geral que o PCB enfrentou desde o
começo dos anos 1960, ficava uma lição e um questionamento:
O revés do PCB em abril de 1964, não foi episódico, como não foi, simplesmente uma batalha perdida ao longo de sua extensa trajetória de lutas. Significou, isto sim, a derrota definitiva do seu projeto nacional-democrático ou de revolução democrático-burguesa, que acompanhava e perseguia desde seu nascimento. A ditadura militar, ao completar e realizar de forma plena e radical o processo (autoritário e excludente) da revolução burguesa no Brasil, matou o projeto pecebista – e este deixou de ter sentido de ser e existir (SEGATTO, 1995, p. 248).
Apesar da posição extremada que informa a argumentação final de José
Antonio Segatto, não se pode deixar de observar a reflexão de Florestan
Fernandes (1982) quando discute os interesses das frações da burguesia e a
falência da revolução nacional e democrática, diante das formulações dos
partidos operários.
Todavia, não se deve esquecer que as burguesias nacionais da periferia fabricam o seu destino histórico e o destino histórico de seus países. A dominação imperialista, o subdesenvolvimento com sua terrível incidência sobre a descolonização que não se desata, o desenvolvimento capitalista desigual, etc., fazem parte de seu estilo de ser burgueses e da sua arte econômica de converter as fortes desvantagens coletivas em benções de minoria ultraprivilegiadas (FERNANDES, 1982, p. 69).
Portanto, diante dessa situação se comprova que o subdesenvolvimento
é um rentável negócio para frações da burguesia que articulam a fusão de
estruturas econômicas ultrapassadas com setores de ponta do capitalismo.
[...] Tudo isto é muito importante, porque circunscreve como as estruturas modernas do capitalismo em crescimento se esbatiam no contexto histórico e demonstra que não podia caber à burguesia, em
141
tal situação, uma firme propensão à autonomização do desenvolvimento capitalista (em face dos centros imperiais) e uma forte disposição ao aprofundamento da revolução acarretada pela tendência à universalização do trabalho livre (o que imprimiria prioridade à expansão do mercado interno e conferiria ao regime de classes condições políticas para uma transformação mais rápida, assumindo a própria burguesia nacional as tarefas modernizadoras de elites revolucionárias) (FERNANDES, 1982, p. 143).
Todos esses pontos colocaram em campo oposto Luiz Carlos Prestes, o
pequeno grupo em torno de si que ele contava no CC e, pouco depois, um
conjunto da militância que questionava a linha política do partido. Do outro lado
do debate, se encontrava Giocondo Dias, o centro pragmático do CC
constituído enquanto maioria do organismo de direção, os eurocomunistas e
uma militância que queria o partido unido e forte. Mas que, no entanto, seguia o
princípio de centralização colocado em prática pelo grupo majoritário no CC.
2.5 Noções da teoria marxista sobre o partido e as contradições da prática
política
No percurso histórico dos comunistas brasileiros uma questão sempre
pautou o horizonte do PCB como premissa fundamental para agir na sociedade
a partir dos objetivos traçados e daqueles impostos pela precipitação da
conjuntura: o caráter do partido revolucionário e suas balizas teórico-práticas.
No entanto, a monumental repressão e a ilegalidade jurídica a que sempre foi
colocado o partido, aliado às dificuldades de acesso ao arcabouço teórico que
explicava esse instrumento da classe trabalhadora, não permitiram aos
militantes e dirigentes do PCB ter uma formação, que ao desvendar a teoria
marxista, pudesse criar melhores condições para ação do operador político dos
comunistas brasileiros. O partido se apresentava para a militância como um
organizador coletivo com características míticas, voluntaristas (podia tudo) e
dotado de um insuperável poder para resolver os graves problemas dos
trabalhadores, para além da sua real capacidade e forças.
A primeira questão que se manifesta na especificidade do PCB, para
tentar entender as noções teóricas do marxismo sobre partido revolucionário, é
situá-lo como uma organização política que se apresentava como um partido
142
de classe, mas agia como partido de todo o povo. Então como seria visto a
identidade do PCB?
Para responder a essas questões será fundamental recorrer aos modelos e paradigmas que dão substância e conformam a identidade do PCB e que se relacionam com a problemática do socialismo e das organizações comunistas em geral. Por razões muito fortes um partido comunista é um objeto privilegiado para se fazer um estudo dessa natureza. Sua estrutura interna, seu modelo organizacional e seu projeto político o distinguem dos demais partidos políticos. Sua visão de mundo e sua forma de inserção na sociedade mais ampla fazem com que ele também não seja um grupo de pertencimento como os outros. Preocupado com a história e com a sua própria história, as referências ao passado exercem um forte papel nas suas intervenções políticas. O gosto pelas comemorações, pelas lembranças e pela busca da verdade convive com as ocultações, com o silêncio e com as mistificações. Diferentemente daqueles agrupamentos onde o pertencimento é dado a priori, a exemplo do familiar, do étnico, ou do nacional, o comunista é fruto da escolha. Ninguém nasce comunista. Mas, uma vez feita a opção, as demais pertenças se diluem diante desse pertencimento maior (PANDOLFI, 1995, p. 14).
Contudo, essa caracterização identitária de Dulce Pandolfi, apesar de
importante para pensarmos a auto-visão dos comunistas, é ainda limitada para
avançar no núcleo conceitual da noção marxista sobre o partido revolucionário.
Portanto, precisamos debater a teoria sobre partido e as contradições dos
comunistas, manifestadas por práticas que são sonegadas no conjunto da sua
ação.
Existe uma ampla literatura sobre a experiência comunista no Brasil,
especificamente do PCB, que parte do cabedal marxista-leninista como eixo
central para interpretar a questão do partido. Essa literatura endógena se
reporta, rotineiramente, às citações, expressões e dogmas articulados pela IC
no período de Stalin. Mesmo essa formulação, de caráter vulgar, por vezes
contrastava com a orientação que informava a prática dos comunistas em
diversos momentos da história brasileira, no partido e na sociedade: limitações
na análise, sectarismo político, obreirismo, mandonismo, pragmatismo,
arrogância metodológica, subjetivismo, ilusão de classe, confusão entre partido
de classe e partido de todo o povo, cupulismo, burocratismo, basismo,
machismo, seguidismo, personalismo e por vezes práticas desonestas.
Apesar da vulgata elaborada no período stalinista, o marxismo e as
experiências dos trabalhadores criaram uma densa teoria do partido como
143
instrumento da classe para lutar pela revolução socialista. O próprio Marx
(1998), no Manifesto Comunista, considera o partido como o mais significativo
instrumento de formação da subjetividade da classe trabalhadora. Marx (1966;
2009), no livro A miséria da filosofia, identifica que a construção do sujeito
coletivo servirá para fazer avançar os “movimentos autônomos da imensa
maioria no interesse da imensa maioria”.
Lenin introduz uma nova perspectiva para a luta revolucionária, quando
apresentou a necessidade de um sujeito coletivo que atuasse como operador
político da classe trabalhadora. Em suas formulações é recriada a noção de
partido que viria marcar a presença dos comunistas no século XX. E,
considerava importante marcar uma posição diferenciada para o partido
revolucionário em relação ao seu papel:
[...] para que nos tornemos aos olhos do público uma força política, não basta colar o rótulo ‘vanguarda’ sobre uma teoria e uma prática de ‘retaguarda’: é preciso trabalhar muito e com firmeza para elevar nossa consciência, nosso espírito de iniciativa e nossa energia (LENIN, 1978, p. 70).
E alimenta uma perspectiva orgânica que deve orientar os trabalhadores
e o partido em sua luta histórica:
O proletariado, na sua luta pelo poder, não tem outra arma senão a organização. Dividido pela concorrência anárquica que reina no mundo burguês, esmagado pelos trabalhos forçados ao serviço do capital, constantemente atirado ao abismo da miséria mais completa, do embrutecimento e da degerescência, o proletariado só pode tornar-se, e tornar-se-á uma força invisível quando a sua unidade ideológica, baseada nos princípios do marxismo, é cimentada pela unidade material da organização que reúne milhões de trabalhadores num exército da classe operária (LENIN, 1977, p. 369).
E por fim qualifica o papel do partido na revolução.
O social-democrata [bolchevique] não deve esquecer nunca, nem por um instante, a inevitabilidade da luta de classes do proletariado pelo socialismo, mesmo contra a burguesia e a pequena burguesia mais democrática e republicanas. Isto é indiscutível. Daí decorre a necessidade absoluta de que a social-democracia tenha um partido próprio, independente e rigorosamente de classe (LENIN, 1977, p. 433).
György Lukács, analisando o pensamento de Lenin sobre a questão do
partido, afirma que
144
A organização representa uma dupla ruptura com o fatalismo mecanicista: o que concebe a consciência de classe do proletariado como um mero produto mecânico de sua situação de classe e que vê na própria revolução apenas o efeito mecânico das forças econômicas desencadeando-se como por fatalidade e que conduziriam quase que automaticamente o proletariado à vitória logo que as condições estivessem ‘maduras’. Porque se devêssemos esperar que o proletariado entrasse na luta decisiva e conscientemente e no seu conjunto, jamais haveria situação revolucionária (LUKÁCS, 1975, p. 42).
O conjunto das preocupações de Lenin sobre o partido e a revolução
estava centrada nas contradições da época do imperialismo. Como afirmava
Fernando Claudín, “A segurança de Lenin acerca da iminência da revolução
mundial está organicamente ligada à análise que faz do imperialismo em 1915-
16, baseando-se em estudos de Hobson, Hilferding e outros” (CLAUDÍN, 1985,
p. 56).
Para o sociólogo brasileiro Florestan Fernandes, Lenin dava enorme
importância a questão da revolução mundial e ao papel da teoria marxista
nesse processo. Essa visão rompe com as deformações que o pensamento de
Marx sofreu pelas interpretações mecânicas feitas pelos teóricos da II
Internacional. Portanto, o “[...] que Lenin fez com o marxismo só pode ser
definido de uma maneira: ele converte o marxismo em processo revolucionário
real” (FERNANDES, 1978, p. 11). E, sendo assim,
[...] a questão da organização de um partido revolucionário só se pode desenvolver a partir de uma teoria da própria revolução. Só quando a revolução entra na ordem do dia é que a questão da organização revolucionária irrompe com imperiosa necessidade nas consciências das massas e dos seus porta-vozes teóricos [...] (LUKÁCS, 1974, p. 305).
No entanto, “O partido só será a vanguarda se consegue sê-lo na
realidade entre as massas, não porque o proclame com insistência” (PRAT,
1984, p.118).
Pela trilha teórica da noção de partido, Trotsky (1980), Gramsci (2007),
Togliatti (1971; 1980) e os partidos comunistas no século XX, adicionaram de
forma diferenciada um complexo de formulações que impactaram a ação do
operador político da revolução proletária. É a partir dessa ótica, complementar,
que devemos avaliar as nuances sobre a questão do partido. Essa postura se
145
manifesta como uma unidade a partir das posições de Lenin e Gramsci sobre o
partido.
[...] Mas há também diferenças entre as teorias dos dois revolucionários: para Lenin, a consciência política é trazida ‘de fora’ do movimento espontâneo do proletariado; para Gramsci, ao contrário, a elevação da consciência dos subalternos resulta de um diálogo entre os ‘simples’ e os intelectuais, elevação para a qual ambas as partes contribuem (DIAS, 2012, p. 36).
Ao analisar a teoria marxista sobre o partido e as contradições advindas
da prática política dos comunistas, a partir dos desvios da política e das
condutas citadas anteriormente, pode-se ao recolher esse material empírico
perceber a problemática a ser enfrentada pelo partido em sua história. Também
estava em debate, no núcleo dirigente em crise, o conjunto dessa problemática.
E o ponto que poderia contribuir, a partir da noção de partido, para a resolução
dessa questão era o pleno funcionamento da democracia interna. Portanto, a
dialética da identidade do PCB poderia ser localizada na relação entre teoria do
partido revolucionário, complexo das contradições que pautavam os desvios e
o pleno desenvolvimento do centralismo democrático. São contradições, em
síntese, que colocaram em oposição à prática política e a teoria marxista.
Tirando as primeiras conclusões desse processo de crise no PCB, o
comandante da revolução de outubro na Rússia, enfrentando também crise
interna em 1921, afirmava:
O partido está doente. O partido treme de febre [...] que é preciso fazer para alcançar a cura mais rápida e mais segura? É preciso que todos os membros do partido, com absoluto sangue-frio e a maior atenção, comecem a estudar a essência das divergências e o desenvolvimento da luta no partido. Uma e outra são indispensáveis, porque a essência das divergências desenvolve-se, esclarece-se, concretiza-se no decurso da luta que, passando por diferentes etapas, nos mostra sempre em cada etapa uma composição e número não idêntico dos contendores, posição não idênticas na luta, etc (LENIN, 1984, p. 49).
146
3. O exílio das formulações do PCB na cena política dos anos 1980
Reconhecer um erro, determinar suas causas, analisar a situação que conduziu a ele e discutir com atenção a forma de corrigi-lo: isso é o que caracteriza um partido sério; assim é como deve cumprir seus deveres e como deve educar e instruir a sua classe e depois as massas.
Lenin
No período em análise (os anos 1980) o partido executou, sob o
comando do núcleo dirigente estagnado, uma vasta e anacrônica mudança
política. Esse processo se deu como uma necessidade, de acordo com a
versão da direção, para atualizar a estrutura orgânica e a linha política às
necessidades da cena política, no entanto, sem conseguir desvelar as
questões centrais que pautavam essa mesma cena política. Como afirmou
Prestes,
aumentou a miséria dos trabalhadores, agravaram-se as desigualdades sociais, cresceu consideravelmente a dependência do País ao imperialismo, tornou-se mais crítica a situação do campo com as transformações capitalistas ocorridas na agricultura [...] (1980, p. 23).
O partido terminou subsumido ao jogo político do espaço da ordem, a
partir das balizas colocadas para a ação política pelo processo de transição
democrática desejada pelas frações de classe da burguesia, que estavam no
comando daquele processo. Além disso, não entendeu que deveria deixar bem
claro em que campo exerceria a luta política já que o PCB acreditava que,
cada modificação molecular, registrada tanto na forma ditatorial militar de Estado como no regime ditatorial militar, representaria portanto um passo (ou degrau) a mais na direção da democratização (ou redemocratização) plena no Estado brasileiro (SAES, 2001, p. 33).
Essa reorientação da ação tática comprometia, mais uma vez, o objetivo
estratégico (ação constante em virtude do politicismo do núcleo dirigente
estagnado) e colocava o partido dos comunistas brasileiros numa posição de
147
crescente integração à nova perspectiva de regime político. Capitulando, por
incapacidade teórico-analítica e por inércia política, ao processo de afirmação,
na transição democrática, de um Estado capitalista formal (burguês). Esse
Estado e o regime político que daí derivava representavam o conjunto
articulado e conflitivo da burguesia e de suas frações de classe, em movimento
para a construção, ou reformatação, de um bloco no poder.
Como os interesses econômicos próprios às diferentes classes dominantes e frações de classe dominante não podem ser igualmente satisfeitos num momento histórico qualquer – pois todas as partes do conflito objetivam incessantemente aumentar a sua cota na repartição da mais-valia total -, não pode haver, nas formações sociais capitalistas, a ‘partilha igualitária do poder’ (SAES, 2001, p. 50).
O PCB, neste período, se adequou à lógica burguesa e não fez maiores
esforços para romper com essa razão política que comprometia a sua
formulação e o seu papel como partido de classe e das lutas operárias,
sindicais e populares. Configurando, assim, uma linha política e uma ação que
o desvinculava da condição histórica de operador político que pensava e agia
na defesa dos interesses da classe operária e que deveria combater pelos
caminhos da revolução socialista. Sendo assim, o projeto da revolução
desaparecia no horizonte do PCB e o partido se voltou para um pacto social.
[...] desejamos que o processo de transição não seja tumultuado, mas ao mesmo tempo, não nos comprometemos em apoiar incondicionalmente nenhum governo. Apoiamos, clara e decisivamente, o governo Sarney [...]. O que desejamos é que o Brasil avance, que o povo conquiste seus direitos, tenha direito a participar das decisões. [...] Apoiamos a ideia do pacto, porque achamos salutar (PCB [Giocondo Dias], 1985, p.83-84).
Ao se afastar do seu projeto histórico, mesmo tendo ele interrupções e
contradições no percurso, o PCB desenvolveu celeremente uma ação teórica e
prática que o submetia aos limites políticos impostos pela burguesia. No
entanto, apesar da sua conformação ao aparato jurídico-político da ordem
burguesa, o desenvolvimento capitalista, do golpe burgo-militar ao começo da
década de 1980, negou o PCB. Portanto, as características do
desenvolvimento capitalista efetuadas pelos golpistas negavam a interpretação
do partido, e como as formulações do partido estavam pautadas por essa
leitura, o PCB não conseguiu perceber a presença dos trabalhadores nos
148
setores dinâmicos do capitalismo brasileiro, as transformações que ocorriam na
sociedade, a movimentação da burguesia e das suas frações de classe na
articulação do bloco no poder. Com base neste erro e em outros equívocos
políticos, os anos 1980 demonstraram os erros na avaliação do partido, no seu
programa de lutas e na sua tática politicista. Assim, o PCB deixou de ter
qualquer protagonismo que interessasse aos trabalhadores, se integrando ao
processo de afirmação da ordem, colidindo de frente com a perspectiva de
exercer qualquer papel revolucionário. Portanto, a linha política definida nos
diversos arranjos internos da década de 1980, bem como sua prática politicista
que favorecia articulações pelo alto, desarticulou qualquer possibilidade de o
partido manter o rumo histórico, enquanto operador político de classe, faltando,
portanto, ao encontro com a realidade. No entanto, a realidade se mostrava
bastante incisiva para demonstrar os erros do partido. A realidade, de forma
concreta, demonstrava as características da conclusão da revolução burguesa
no Brasil, com os PNDs da ditadura.
[...] a efetivação da revolução burguesa no Brasil, realizada sob o modelo econômico da ditadura militar, acabou por interditar definitivamente o caminho para um desenvolvimento nacional, econômico e independente, sugerindo a falência da estratégia pecebista (TAFFARELLO, 2009, p. 52).
Portanto, a não compreensão dessa questão aprofundou o esgotamento
da estratégia, deixando o partido sucumbir aos movimentos da tática. Foi assim
com o novo ciclo das lutas operárias do final da década de 1970 e começo dos
anos 1980. Quando o PCB diluiu, em 1979, a questão dos trabalhadores na
periferia do empenho político pela transição.
O centro da nossa política é a luta pelo restabelecimento e desenvolvimento de uma democracia sólida em nosso País, que permita ao Partido, em convivência democrática com outras forças políticas, adquirir influência real junto às massas trabalhadoras e demais setores democráticos da sociedade (CORRÊA, 1980, p. 190).
Para além desse dramático cenário político-orgânico, o grupo dirigente
estagnado (maioria do CC) envolveu-se numa crise política com a maior figura
pública do PCB: Luiz Carlos Prestes. O debate entre o CC e Prestes é um
sintoma/reflexo do primeiro aspecto aqui levantado.
149
É difícil definir um marco inicial das divergências entre as posições de Luiz Carlos Prestes e as defendidas pela maioria da direção pecebista. O que se pode afirmar é que na virada da década de 1960 para a de 1970 já havia certas diferenças, que progrediram e se cristalizaram no período do exílio. O fato é que na volta ao Brasil, no final de 1979, Prestes (e seu grupo, naquele momento já delineado) e o restante da direção já se encontravam inteiramente incompatibilizados. O que se via a partir daí foram debates e trocas de acusações pela imprensa, seguidas da saída de Prestes e de alguns dirigentes (além de um grande número de militantes de base, só então realmente inteirados acerca das disputas ideológicas e de poder na agremiação) (SILVA, 2005, p. 63-64).
Temos ainda, em análise neste capítulo, o constante afastamento do
partido do centro da luta de classes e das lutas políticas pautadas pelos
setores populares neste período. As dificuldades do partido dentro da chamada
frente democrática e a política de alianças eleitorais apresentam uma opção de
classe na cena política e pouco antes tivemos uma tímida participação do PCB
na articulação das diretas já. Dentro desse levantamento analítico que marcou
a derrota do PCB nos anos 1980 duas questões sobresaem: a leitura da
transição realizada pelo núcleo dirigente estagnado e a consolidação de uma
política profundamente reformista que não só paralisou o partido, mas,
efetivamente construiu a sua derrota nos anos 1980.
3.1 Novo ciclo de lutas operárias e a posição do PC B
No final dos anos 1970, um importante movimento desenvolvido pela
classe operária no ABC paulista contribuiu para colocar em ascenso as lutas
operárias, sindicais e populares. Essa mobilização operária construiu, na luta
reivindicativa, a perspectiva de os trabalhadores do ABC questionarem o
arrocho salarial. Esse processo ocorreu após fechamento do ciclo de
crescimento econômico conhecimento por “milagre brasileiro”, que se esgotou
diante da crise do petróleo e contribuiu para alavancar as contradições sociais
do Brasil que a ditadura não conseguia mais encobrir
A expressão ‘milagre econômico’ brasileiro surgiu na imprensa mundial após 1968. Inicialmente foi usada para criar um clima de otimismo, que levasse a burguesia a aumentar seus investimentos, ao mesmo tempo em que procurava atrair capitais estrangeiros para o País. Logo em seguida, passou a ser também utilizada como instrumento da luta ideológica – o ‘milagre’ seria uma ‘grande alternativa’ para os países subdesenvolvidos e em desenvolvimento.
150
Além disso, promovia uma ‘boa’ imagem, no plano internacional, para a ditadura imposta ao povo brasileiro (CORRÊA, 1980, p. 93).
Diante desse quadro de ascenso, motivado, também, pelo
questionamento político da ditadura nos processos eleitorais a partir de 1974, a
conjuntura brasileira tornou-se complexa pela movimentação de forças sociais
que começaram a questionar a ordem capitalista burguesa e o seu regime
político. Tal fenômeno mostrou-se extremamente importante: tratou-se de um
novo ciclo de lutas operárias a partir das greves dos metalúrgicos no ABC
paulista, que começaram em 1978 e ajudaram na modificação da cena política
brasileira.
O ressurgimento do movimento dos trabalhadores reassumia, a partir especialmente das greves de 1978, o lugar que já tivera no cenário político nacional (quando se pensa, por exemplo, nos anos 1945-1947 e especialmente no período que antecedeu o golpe de 1964). E esse ressurgimento vigoroso do movimento operário e sindical trouxe novos dilemas e enormes desafios para o PCB, que acabaram abalando fortemente sua capacidade de dirigir politicamente a classe trabalhadora (SANTANA & ANTUNES, 2007, p. 383).
Esse processo de acirramento político e o novo ciclo de lutas operárias,
principalmente as greves do ABC, se manifestaram no entendimento do PCB,
primeiro com os argumentos que demonstravam preocupação com os
andamentos das articulações que estavam sendo feitas dentro da frente
democrática de caráter burguês para criar possibilidades de transição
negociada. Num segundo momento, o PCB enviava sinais de apoio. Todavia,
com interesse de trabalhar por uma articulação política e receoso de que essa
movimentação dos trabalhadores colocasse em risco a transição, o partido
apoiou as lutas contra o arrocho salarial sem permitir que a flexibilidade política
conquistada fosse tencionada. Contudo, pleiteando o avanço da denúncia
contra a ditadura e a organização da unidade da oposição que, naquele
período, deveria crescer com a presença da ampla movimentação operária.
O processo de democratização da vida do país e o sentimento legalista da grande massa trabalhadora exigem, de parte da liderança sindical, um esforço no sentido de elaborar projetos de lei, discuti-los nos locais de trabalho e nas entidades sindicais, debatê-los com os partidos políticos e encaminhá-los ao Parlamento, procurando assim ocupar o espaço político existente e mobilizar os trabalhadores para obter importantes conquistas legais. O movimento sindical, neste sentido, deve lutar por uma nova legislação trabalhista, que libere ao
151
máximo o exercício da greve e faça desse exercício um instrumento de organização da massa trabalhadora, levando em conta a força atual do movimento sindical e desprezando as perspectivas anarquistas (PCB [VOZ da UNIDADE], 1985, p. 10).
Contudo, o partido não percebia que a vanguarda das lutas sindicais e
operárias já não contava com seu protagonismo. Não era apenas pela
fragilidade da presença dos comunistas no movimento operário em virtude da
violenta repressão que sofreu, mas também, pelo conjunto de dubiedades que
continha a linha política e a ação militante do partido. Ao lado disso, surgia um
movimento novo no ambiente do sindicalismo brasileiro que, a partir da base,
protagonizava essas lutas, criava perspectiva de vitórias corporativas a partir
da radicalização de suas ações e acenava para uma nova organização dos
trabalhadores, motivados por uma nova concepção sindical que aglutinava o
conjunto da classe operária na ponta do setor mais dinâmico do capitalismo
brasileiro.
A crise da ditadura, no final dos anos 70, o surgimento das movimentações grevistas na região do ABC paulista e o crescimento de um movimento sindical com características independentistas, com novas bandeiras de luta, demonstraram o surgimento de modernas relações sociais de produção, o que, conseqüentemente, propiciou o desenvolvimento de uma classe trabalhadora qualitativamente diferenciada da tradicional. Esse novo quadro sócio-político, como já ressaltado, não foi compreendido pelo PCB e, não por acaso, justamente nos anos 80, o Partido começa a perder espaços políticos para o Partido dos Trabalhadores, tanto na área sindical, ao optar por uma central sindical construída nos velhos moldes – a CGT – e não pelo que expressava, naquele momento, a forma organizativa dos trabalhadores – a CUT [...] (MAZZEO, 1995, p. 86).
Nesse novo terreno da ação sindical e da luta operária, o PCB não
encontrou espaço para a reafirmação do seu programa, da sua linha política e
das suas práticas sindicais. Era um momento de ascenso das lutas sindicais,
operárias e populares, e o partido num movimento de queda estava
preocupado, principalmente, com articulações pelo alto que derrotassem a
ditadura. Sem perceber que esse ascenso modificava a cena política e
qualificava a possibilidade de protagonismo dos trabalhadores. No entanto, o
núcleo dirigente estagnado (maioria do CC), perdido em disputas internas, não
demonstrou capacidade teórico-prática para superar suas dificuldades.
152
O PCB avaliava positivamente as ações dos trabalhadores na luta reivindicativa, embora sempre enfatizasse sua articulação com a luta democrática mais geral, de corte policlassista. Por isso podemos ressaltar que a parte referente à luta dos trabalhadores, em termos das lutas gerais pela democracia, não se dava de forma tão direta quanto o partido acreditava, ou, ainda mais, havia um claro descompasso entre a luta social de base operária e a crescente tendência à prevalência da ação mais marcadamente institucional que o PCB passava a enfatizar (SANTANA & ANTUNES, 2007, p. 384).
Esses novos aspectos da luta política e social sugeriam alteração na
correlação de forças e transformações na cena política, contudo, não foram
suficientes para impactar o partido, no sentido de modificações na orientação e
práticas políticas. No entanto, a conjuntura dinâmica deixou o PCB
extremamente preocupado com o fato de que essas lutas afetassem o
processo de transição, que em tese a sua linha política acreditava que havia
iniciado e que era vislumbrado pela tática da negociação.
Encontramos na documentação específica do partido (resoluções do
período sobre a questão sindical) argumentos na defesa de lutas contra o
arrocho salarial. Esse aspecto era visto como um ponto que poderia colocar os
trabalhadores na luta contra a ditadura e em apoio ao projeto dúbio da frente
democrática. Portanto, essa plataforma de luta contava com o irrestrito apoio
do PCB. Todavia, o partido não teve capacidade de sair da sua letargia político-
prática e responder às novas formas de luta que eram pautadas pelas
mobilizações da base do movimento operário, pelas novas pautas sindicais e
populares, bem como dialogar com as novas formas organizativas do
movimento concreto que surgia e que, em breve, faria o enfrentamento com a
ditadura a partir do movimento operário e sindical, bem como, no movimento
popular, estudantil e em outras agências de luta contra a ditadura burgo-militar.
Portanto, essa movimentação dos trabalhadores e dos setores
descontentes nos segmentos intermediários da população era estranha à
política do partido no período. Essas novas formas de organização da atividade
sindical e conjunto de novas ações implementadas pelos trabalhadores dos
setores de ponta do capitalismo brasileiro não encontravam repercussão
explicativa na orientação partidária. Continuava a política de centralidade no
politicismo policlassista como inspiração para a articulação da frente política
que, segundo a compreensão do núcleo dirigente do partido, poria o fim à
153
ditadura. Era o despreparo da base analítica para interpretar a realidade
concreta como aliada da falta de disposição política para mudar o rumo da
ação partidária no sentido de contribuir para aquele novo florescer das lutas
operárias no Brasil.
O PCB, também, não teve capacidade de entender que, no vácuo da
sua incapacidade de se apresentar como um partido de vanguarda e de classe
surgia o embrião de outro operador político para fazer a representação dessas
novas lutas. Portanto, esse instrumento surge realizando uma consistente
atuação pela base nos mais amplos segmentos das lutas sociais e que se
transformou no Partido dos Trabalhadores. Construído na esteira das lutas que
movimentaram o ABC paulista, nas variadas mobilizações que fizeram os
militantes sociais, sindicatos, entidades estudantis, oposições sindicais e do
combate ao sindicalismo oficial, tradicional e pelego por todo o país.
A resistência pela mobilização e a busca de inserção política pelos diferentes sindicatos de trabalhadores resultaram – entre outros movimentos pela organização sindical e política – na criação do PT, em 1980. O Partido dos Trabalhadores surgiu da necessidade que muitos sindicalistas entendiam existir de organização política como meio de transformação e de desenvolvimento das relações sociais no país. A experiência dos embates sindicais e das greves constituiu um padrão de educação política para a crítica e a negação da realidade histórica brasileira naquele momento. E a prática cotidiana nos enfrentamentos com os empregadores e o Estado foi eleita a escola de formação política do PT, calibrando o significado do lema ‘A luta continua’ e das assembleias e núcleos de base como motores da ação e da organização partidárias. O Partido dos Trabalhadores, como instituição, surgiu com uma determinação e se investiu de um papel. Tratava-se de rejeitar uma situação social, política e econômica que caracterizava a crise da ditadura militar. Nesse sentido agregou indivíduos, grupos políticos e movimentos sociais oposicionistas e críticos ao regime (MARTINEZ, 2007, p. 245-246).
A derrota política que envolvia as formulações do PCB, também se
consolidou na derrota do partido dentro da classe que ele julgava representar.
As lutas de classe, na perspectiva do PCB, estavam submetidas à sua visão
sobre a transição. Portanto, o PCB fez uma opção, ficou com o sindicalismo
atrasado que era representado pelo movimento sindical oficial e pelego, como
forma de aglutinar um amplo campo social e político para combater a ditadura e
construir a transição democrática. Era a ambiguidade construindo a derrota dos
154
comunistas brasileiros na longa transição da ditadura para a democracia
formal.
É neste período histórico que vai desaparecer a perspectiva
revolucionária do partido. A defesa da classe operária e dos interesses
populares vai ficar submetida à generalidade de uma difusa aliança de classes.
Apresenta-se e aprofunda-se no arcabouço teórico-prático do PCB, uma
perspectiva de ação submetida à noção de negociação como elemento central
da tática do partido. Essa noção circunscrita à possibilidade de transição pelo
alto se configurou na palavra de ordem-tática “agora é lutar para negociar e
negociar para mudar”, que vai se consolidar mais para frente como premissa
que orientava as ações do partido. Contudo, essa opção pela negociação já se
encontrava consignada nas características da lógica política que movimentava
o partido na luta contra a ditadura, constituindo-se assim, numa posição
subalterna que iria rebaixar a qualidade revolucionária do PCB e levá-lo a uma
profunda crise orgânica e política. Portanto, “a crise se agravou à medida que
se tornou evidente o modelo de desenvolvimento impulsionado pela ditadura e
a inviabilidade do projeto de revolução nacional-democrática do PCB”
(MOURA, 2005, p. 65).
3.2 O debate de Prestes com o CC
As divergências entre uma parcela majoritária do CC (núcleo dirigente
estagnado) e o Secretário-Geral Luiz Carlos Prestes, existiam de longa data.
Todavia, se manifestavam de forma pontual e era difusa, principalmente em
virtude da rotina do centralismo democrático70 e a exigida postura que deveria
ter um Secretário-Geral em um Partido Comunista. No entanto, é importante
registrar que no período de 1979 a 1983, três posicionamentos pautaram o
debate interno: a posição da maioria do CC (núcleo dirigente estagnado) que
era liderado por Giocondo Dias; a posição de Luiz Carlos Prestes e de um
pequeno número de membros do CC que questionavam as formulações e a
prática do partido, sugerindo uma mudança político-orgânica; e a chamada
70 Forma organizativa que orientava a vida interna dos partidos comunistas herdeiros dos preceitos da III Internacional.
155
“corrente renovadora”, composta pelos adeptos das formulações do PCI, os
eurocomunistas.
Foram vários os fatores que contribuíram para o acirramento da crise
entre Prestes e a maioria do CC: desarticulação orgânica do partido,
formulações reformistas contidas em diversos documentos, a visão sobre o
núcleo dirigente, a questão da transição, o caráter da revolução brasileira, as
ideias de como deveria ser o VII Congresso, etc. Esse debate, movimentado
por esse conjunto de temas, estava se tornando público no final dos anos 1970
e foi radicalizado em virtude de uma situação específica que se apresentou:
Entre os dias 30 de janeiro e 3 de fevereiro de 1979, realizou-se em Praga (Tchecoslováquia) reunião extraordinária do CC. A denúncia de possível envolvimento de José Salles com tráfico de drogas foi o motivo de tal convocação. Havia sérias suspeitas de que o acusado efetivamente tivesse recorrido a tal expediente aventureiro e inadmissível, tendo em vista angariar recursos financeiros para o trabalho de reorganização do Partido no Brasil e, certamente, para fortalecer sua posição dentro do CC (PRESTES ANITA, 2012, p. 226).
O episódio citado gerou um amplo debate e uma profunda autocrítica de
Luiz Carlos Prestes que havia, anteriormente, colocado José Salles71 na
condição de Secretário-Geral adjunto. Diante desse episódio toda uma velada
disputa teórico-política veio à tona. Prestes radicalizou o discurso com
propostas para modificar completamente o partido e a maioria do CC se
mostrou conciliatória para deixar tudo como estava. Com essa mesma postura
conciliadora, o CC, por intervenção de Giocondo Dias, não fez qualquer esforço
investigativo sobre o caso Salles. Diante dessa situação, José Salles transitou
do grupo prestista para o núcleo dirigente estagnado do CC, porém, caiu no
ostracismo dentro do partido e paulatinamente se desligou do PCB.
O debate de Prestes com o CC, no campo teórico-político, estava
pautado pelos estudos que ele vinha desenvolvendo para realizar uma análise
da vida partidária, no seu exílio na Rua Gorki, em Moscou.
A historiadora e membro do CC do PCB naquela época, Anita Prestes
(2012), fez um profundo estudo sobre aqueles acontecimentos e os considerou
71 Dirigente do PCB desde o VI Congresso e um dos articuladores do CC no exílio.
156
como o ponto de combustão da relação do Secretário-Geral do PCB com a
maioria do CC, dirigida por Giocondo Dias.
Todo esse debate, na versão de Anita Prestes, veio a público com o
retorno de Prestes do exílio e da crise que se abriu em 1979, tendo o ano de
1980 como o epicentro desse fenômeno. Essa disputa interna adquiriu
visibilidade no partido e na imprensa nacional, gerando repercussão política na
esquerda brasileira.
De regresso ao Brasil, pude nos meses já decorridos, entrar em contato direto com a realidade nacional e melhor avaliar os graves problemas que enfrenta o PCB, o que me leva ao dever de dirigir-me a todos os comunistas, a fim de levantar algumas questões que, em minha opinião, tornaram-se candentes para todos os que, em nosso País, de uma ou de outra forma, interessam-se pela vitória do socialismo em nossa terra. E é baseado no meu passado de lutas e de reconhecida dedicação à causa revolucionária e ao PCB, que me sinto com autoridade moral para dizer-lhes o que penso da situação que atravessamos (PRESTES, 1980, p. 9-10).
Na visão do centro pragmático (núcleo dirigente estagnado) e da
“corrente renovadora” (eurocomunistas), Prestes era um empecilho que deveria
ser vencido. Portanto, a maioria do CC partiu para o ataque contra Prestes,
além de procurar avançar nas posições que representavam as formulações
reformistas. Eram posições que do ponto de vista tático e estratégico
afastavam o partido de uma posição de classe. Operando no sentido de se
desvincular da questão do partido de vanguarda e reafirmando que a via para o
socialismo no processo político brasileiro era aquela do avanço democrático,
através da perspectiva eleitoral, o núcleo dirigente estagnado colocava a
questão democrática como o elemento central, e, mais uma vez, essa questão
tornava-se o foco da crise do PCB.
Três seriam os fatores a problematizar a discussão em torno do valor estratégico da democracia e a catalisar a recolocação da crise no PCB: a especulação aberta em torno do projeto da transição pactuada, que levava a se questionar a permanência ou mudança da política de alianças amplas nessa conjuntura; o ressurgimento dos movimentos sociais e populares, sobretudo o operário-sindical entre 1978-1980; e por último, mas não menos importante, o desnudamento da falência da estratégia nacional-democrática preconizada pela orientação política do PCB – produzido pelas transformações na estrutura econômico-política e social brasileira e que patenteavam a inviabilidade de uma revolução de caráter nacional-democrático (MOURA, 2005, p. 65).
157
Esse complexo articulado (teórico-político) que era executado pela
orientação da maioria do CC se prestava, na verdade, aos interesses da velha
máquina do grupo dirigente tardio (desde o V Congresso) para derrotar as
posições de Luiz Carlos Prestes e seus apoiadores. Portanto, derrotar Prestes
era uma tarefa urgente e para isso o Comitê Central disseminou na imprensa
burguesa uma série de opiniões sobre o Secretário-Geral que continham, para
vários observadores, elementos de calúnia. Era a burocracia partidária se
autonomizando no processo político.
Os partidos nascem e se constituem como organização para dirigir a situação em momentos historicamente vitais para as suas classes, mas nem sempre eles sabem se adaptar às novas tarefas e às novas épocas, nem sempre sabem se desenvolver de acordo com o desenvolvimento do conjunto das relações de força [...] no país em questão ou no campo internacional [...] A burocracia é a força consuetudinária e conservadora mais perigosa; se ela chega a se constituir como um corpo solidário, voltado para si mesmo e independente da massa, o partido termina por se tornar anacrônico e, nos momentos de crise aguda, é esvaziado de seu conteúdo social e resta como que solto no ar (GRAMSCI, 2000, p. 61-62).
Prestes reagiu a esse processo agressivo de se fazer o debate público,
identificou os seus mensageiros e denunciou essa postura internamente no
partido. No entanto, o controle do aparelho pelo núcleo dirigente estagnado não
permitia que a repercussão da crítica a essa conduta tivesse amplitude.
Após analisar o arcabouço tático colocado em movimento pela maioria
do CC, Prestes compreendeu que o PCB era dócil ao regime político naquele
momento. O Secretário-Geral, isolado, havia construído uma paulatina crítica
política e orgânica à direção do Partido desde 1971, não se eximindo da
autocrítica. Desde os primeiros momentos do exílio, Prestes atacava a direção
por sua incapacidade de desenvolver uma atividade legal e ao mesmo tempo,
desenvolver uma atividade ilegal.
Outro fator importante dessa polêmica se manifestou na crítica que
Prestes fazia ao Comitê Central do PCB, quando falava sobre a questão da
unidade interna do Partido. Para ele era um argumento vazio, eivado pelo
exercício da retórica, que contribuía para firmar um pacto interno com o setor
mais reformista. O grupo hegemônico do CC se utilizou das ideias da corrente
eurocomunista para fortalecer sua tática politicista e a estratégia adotada, que
158
se encontrava em processo de forte esgotamento. Essa unidade serviu para
derrotar Prestes e para movimentar o taticismo policlassista do partido, tendo
em vista a ampliação da ação reformista no que concernia à via brasileira para
o socialismo, ou melhor, afirmando o caráter democrático-eleitoral da revolução
brasileira.
[...] a orientação política do PCB está superada e não corresponde à realidade do movimento operário e popular do momento que hoje atravessamos. Estamos atrasados no que diz respeito à análise da realidade brasileira e não temos respostas para os novos e complexos problemas apresentados pela própria vida, o que vem sendo refletido na passividade, falta de iniciativa e, inclusive, ausência dos comunistas na vida política nacional de hoje (PRESTES, 1980, p. 12).
No entanto, mesmo com a força interna que a posição oportunista tinha,
Prestes acusou o CC de se aliar com a chamada “corrente renovadora” e
assumir as posições dos eurocomunistas. Divulgou que o resultado dessa
aliança era uma perspectiva de unidade que não representava uma saída para
o PCB da crise em que estava envolvido, era apenas a manifestação
burocrática da retórica dirigente. Ainda dentro desse contexto, Prestes
responsabilizou a direção, não tirando de si a responsabilidade que lhe cabia,
sobre diversos acontecimentos que envolveram o partido durante os anos de
1973 a 1976, que resultaram em intensa repressão sobre o partido, quando
ocorreram prisões, torturas e mortes de diversos militantes e dirigentes
comunistas. Para o Secretário-Geral isolado, essas responsabilidades teriam
que ser apuradas a partir de um amplo processo de investigação.
Não foi a direção do PCB capaz nem ao menos de cumprir o preceito elementar de separar com o necessário rigor a atividade legal da ilegal. Inúmeros companheiros tombaram nas mãos da reação em consequência da incapacidade da direção, que não tomou as providências necessárias para evitar o rude golpe que atingiu nossas fileiras nos anos de 1974 e 1975 (PRESTES, 1980, p. 12).
No entanto, a dinâmica da conciliação interna e o oportunismo pautado
no carreirismo não permitiram, pela ação do Pântano72 do Comitê Central, que
essa proposta fosse à frente. Pois, para a velha lógica do CC, agora era
72 Denominação utilizada por Lenin para designar a formação de uma maioria gelatinosa, com posturas pragmáticas,
na construção de decisões no interior do núcleo dirigente das direções partidárias.
159
momento de afirmar uma outra política que não deveria ser fustigada por essas
preocupações. Todavia, para Prestes se mantinha a mesma postura da época
do “arrudismo”, ou seja, uma forma autoritária de gerir as decisões internas e
afastar o pleno exercício da democracia interna: “Não posso admitir, nem
concordar com a volta ao ‘arrudismo’, à utilização de métodos discricionários e
autoritários na condução da luta interna, à manipulação dos debates, à
rotulação das pessoas com as mais variadas etiquetas [...] (PRESTES, 1980,
p.19).
O nível do debate entre Prestes e o CC ganhou contornos de profundo
acirramento, e a questão da convocação do VII Congresso colocou novos
ingredientes nessa disputa tensa. Para Prestes, da forma como se apresentou
a proposta de Congresso, era uma situação de extrema manipulação pela
posição dominante na direção do partido. Diante dessa avaliação, Prestes
decide denunciar o processo aberto, que ele qualificou como uma farsa
articulada para construir a liquidação da perspectiva revolucionária do PCB e
transformá-lo em um partido da ordem. “Temos que reconhecer que, nessas
condições, o VII Congresso seria uma farsa, inaceitável para a grande maioria
dos comunistas” (PRESTES, 1980, p. 20-21).
Na interpretação que fazemos da posição de Luiz Carlos Prestes, o VII
Congresso estava sendo organizado como uma farsa político-organizativa para
garantir a presença do PCB no processo de transição a partir da presença dos
comunistas brasileiros no consórcio daqueles que queriam a transição “pelo
alto”. No entanto, mais uma questão se apresentava para o debate no âmbito
dos temas que deveriam marcar o Congresso: a problemática da legalidade
para o PCB. Nos documentos internos, a legalidade do partido era vista pela
premissa do amplo processo de negociação que envolvia a transição da
ditadura burgo-militar para a democracia formal (burguesa). Essa postura do
núcleo dirigente estagnado apresentava uma variável: a legalidade seria
produto do amplo pacto. Essa premissa - que não foi externada com a devida
precisão – portanto, deixava ampla margem de ação para a posição que não
colocava a legalidade do partido como uma demanda das lutas sociais na luta
por conquistas no campo das liberdades democráticas.
160
É necessário deixar claro que a legalização do PCB terá que ser uma conquista do movimento de massas e de todas as forças realmente democráticas em nosso país. [...] o que ela [a ditadura] tenta, neste momento, é, aproveitando-se da crise interna do PCB, forçá-lo a um acordo (PRESTES, 1980, p. 21).
Ao não especificar o papel dos trabalhadores no conjunto da sua
campanha pela legalidade, o PCB voltou-se para articulações com as mais
variadas forças do campo burguês, dando centralidade política ao bloco
burguês no rearranjo do poder para decidir sobre a presença do partido na
vindoura ordem da institucionalidade formal (burguesa).
Nessa nova configuração política, a democracia interna, como
instrumento de consulta e decisão, deixou de existir. Foi se consolidando uma
nova organização política que centralizou as decisões do partido no núcleo
duro da direção estagnada. Uma organização política com características de
diluição ideológica, centrada na ação pragmática do núcleo diretivo que
comandava o Pântano, apoiada nos interesses desse grupo na estrutura
burocrática da máquina partidária e com forte componente que indicava o
comportamento carreirista e oportunista.
O oportunismo, o carreirismo e o compadrismo, a falta de uma justa política de quadros, a falta de princípios e a total ausência de democracia interna no funcionamento da direção, os métodos errados de condução da luta interna, que se transformada em encarniçada luta pessoal, em que as intrigas e calúnias passam a ser prática corrente da vida partidária adquiriram tais proporções, que me obrigam a denunciar tal situação a todos os comunistas (PRESTES, 1980, p. 16).
Para além das questões que movimentavam a estrutura orgânica e
política do partido, Prestes, após um longo processo de estudo no exílio, vai
adensar o debate com uma interpretação sobre o Brasil que o remete, também,
ao tema do caráter da revolução brasileira; sinalizando para uma posição em
defesa da revolução socialista.
Quando me referi à necessidade das diferentes forças de ‘esquerda’ caminharem juntas, tenho em vista a nova situação que vem se formando no País. Estamos vivendo um período, quando a reanimação do movimento operário e popular vem revelando, por um lado, que todas as forças de ‘esquerda’, incluindo o PCB, tem cometido graves erros, tanto de avaliação da situação nacional, como de encaminhamento das soluções necessárias e possíveis e, consequentemente, de atuação. E, por outro lado, a necessidade de
161
formação de uma liderança efetiva, capaz de dirigir as lutas de massas dentro de uma perspectiva revolucionária correta e adequada à situação brasileira. Está, portanto, na ordem do dia a questão da unidade de todos que se propõem lutar efetivamente por uma perspectiva socialista para o Brasil (PRESTES, 1980, p. 31).
Nas suas preocupações teóricas, Prestes identifica o fechamento do
ciclo da revolução burguesa, os limites do capitalismo e os passos iniciais para
a revolução socialista. Portanto, o arcabouço do temário político de Prestes vai
conter, ainda, a questão de um programa de transição, a preocupação com as
liberdades políticas que para ele são inseparáveis das reivindicações das
massas trabalhadoras e a defesa dos interesses imediatos dos trabalhadores
como centralidade para desvelar a cena política.
Justamente por isso, nós comunistas, ao lutarmos agora pela derrota da ditadura, devemos fazê-lo esclarecendo as massas e dirigindo-as rumo à conquista de um regime efetivamente democrático. Lutamos agora por um regime em que sejam assegurados os direitos políticos, econômicos e sociais dos trabalhadores. A derrota da ditadura deve levar a um regime que os trabalhadores tenham o direito de participar ativamente na solução de todos os problemas da Nação; que assegure o desmantelamento do atual aparelho repressivo, que dê fim ao velho ‘hábito’ das torturas, inclusive para os presos comuns; que garanta o voto livre, universal e direto para todos os cidadãos, incluindo os analfabetos e militares dele ainda privados; que assegure o direito ao trabalho, à educação e saúde, férias remuneradas e aposentadoria para todos os trabalhadores; e que sejam respeitados todos os direitos dos trabalhadores, destacando-se a total independência do movimento sindical do Estado, dos patrões e dos partidos políticos (PRESTES, 1980, p. 25-26)
A movimentação política do CC no sentido de articular alianças no
campo proposto pelas formulações do partido foram atacadas e denunciadas
por Prestes. O centro do ataque se dava em virtude da adesão do PCB ao
projeto policlassista que organizava as ações políticas da frente democrática,
que não reservava nenhum protagonismo para os trabalhadores. Prestes
considerava que qualquer frente contra a ditadura deveria ser ampla dentro do
campo democrático, contudo, deveria ter o papel dirigente da classe operária e
um programa que respeitasse os interesses dos trabalhadores.
Penso que, para chegarmos à construção de uma efetiva frente democrática de todas as forças que se opõem ao atual regime, é necessário que se unam as forças de ‘esquerda’ – quer dizer, aquelas que lutam pelo socialismo – no trabalho decisivo de organização das massas ‘de baixo para cima’; que elas se aglutinem, sem excluir
162
também entendimentos entre seus dirigentes, com base numa plataforma de unidade de ação, e que, dessa maneira, cheguem a reunir em torno de si os demais setores oposicionistas, tornando-se a força motriz da frente democrática. Esta é a perspectiva revolucionária de encaminhamento da luta contra a ditadura, a que mais interessa à classe operária e a todos os trabalhadores. Será a constituição em nosso País, pela primeira vez, da unidade de diversas forças que lutam pelo socialismo (PRESTES, 1980, p. 30).
O caráter da frente se transformou em um debate central entre Prestes e
a maioria do Comitê Central. Prestes reafirmou a defesa de uma frente onde a
esquerda e a classe operária tivessem a hegemonia, e o Comitê Central, em
sua maioria, defendia uma frente onde a burguesia, dita nacional, e os
segmentos oposicionistas do campo da democracia formal tivessem o controle
dela. Tendo como argumento político, uma avaliação sobre a correlação de
forças e os cuidados que se deveria ter com a institucionalidade. Em suma,
esses aspectos não permitiam o protagonismo da esquerda, nem dos
trabalhadores.
No entanto, Prestes desmontou os argumentos do CC qualificando-os de
reboquista e que se mantinham numa completa passividade diante da cena
política onde se desenvolvia a ação das forças que disputavam a direção do
processo, estando ou não no bloco no poder. Prestes avança para uma
proposta que tinha como perspectiva o movimento de um amplo processo de
debate, com a mais profunda democracia interna, para se discutir as teses do
VII Congresso. Contudo, as forças internas, aliançadas pelo projeto do núcleo
dirigente estagnado (Pântano), operaram em tal sentido para que essa
proposta não tivesse qualquer repercussão no partido, burlando a democracia
interna e impedindo que esse amplo debate ocorresse naquele momento.
As balizas políticas do debate entre Prestes e o CC estavam
publicamente definidas. A possibilidade de uma saída à esquerda estava se
mostrando extremamente remota em virtude do controle da estrutura partidária
pelo núcleo duro do CC. Portanto, não tendo mais o que mediar internamente,
o Secretário-Geral isolado aprofunda as suas posições sobre o processo de
transição e a questão da revolução socialista, colocando como ponto
fundamental a organização de um bloco de forças antimonopolista,
antiimperialistas e antilatifundiárias sob a hegemonia dos trabalhadores. Este
seria, na sua compreensão, o bloco histórico pertinente àquela conjuntura para
163
enfrentar as forças da reação e da ditadura, reafirmando a função dirigente da
classe operária e o papel da esquerda na condução desse novo bloco de
forças.
Luiz Carlos Prestes faz um último apelo ao partido para que se
rompesse com a passividade e que a militância tomasse em suas mãos os
destinos do histórico operador político dos trabalhadores brasileiro, o PCB.
Esses postulados colocados acima se firmaram como arcabouço teórico-
político e orgânico para nortear o conjunto das posições que Prestes defendia e
foram apresentadas no documento “Carta aos comunistas”.
Estava se fechando o ciclo de Prestes no PCB. Ao lançar aquele
documento, Prestes, o Secretário-Geral do partido durante 37 anos,
conclamava os comunistas brasileiros a lutar pelo seu partido. Todavia, notava-
se que ele se afastava das fileiras internas quando decidiu, também, percorrer
um novo trajeto na luta pelos interesses dos trabalhadores na perspectiva da
revolução socialista.
Esta carta constitui como que a reafirmação da confiança que tenho nos comunistas e na classe operária, na sua capacidade de reflexão sobre a grave situação que atravessa o PCB. Chegou o momento em que é indispensável que os comunistas rompam com a passividade e tomem os destinos do PCB em suas mãos [...] (PRESTES, 1980, p. 35)
3.3 O afastamento do partido do centro político da luta de classes
Um vetor importante para compreender a política e a vida orgânica do
PCB no período que estamos estudando, diz respeito ao paulatino processo de
afastamento do partido da arena política onde se desenvolviam as contradições
entre o capital e o trabalho, bem como do espaço político que fora construído
pela oposição popular e de esquerda ao regime.
O Partido auto-referido como vanguarda da classe operária, que tinha (ao menos oficialmente) o mundo do trabalho como centro da sua política, enfrentou grandes dificuldades para se fazer ouvir pelo renascente movimento sindical do final dos anos 1970. Ao contrário de outros momentos de ascenso do movimento dos trabalhadores, dessa vez o PCB e a maioria de seus representados pareciam falar línguas diferentes (SILVA, 2005, p. 55).
164
A orientação política impressa pelo partido na luta política, aos poucos
se encaminhou para uma posição na qual a centralidade da ação era pautada
pela procura constante por articulações que pudessem criar condições para um
pacto político social entre as classes e os dirigentes do aparelho de Estado.
Essa perspectiva de negociação, aberta por medidas do governo que poderiam
ser entendidas, no primeiro momento, como “lenta e gradual”, repercutiu no
partido como o modelo de transição para a democracia formal. Portanto, para o
PCB, diante do longo tempo de ditadura e da necessidade premente de
liberdades democráticas para sua ação na sociedade, essa possibilidade de
transição era uma oportunidade que não deveria se deixar perder. Mesmo que
se tratasse de um acordo político entre as forças liberais burguesas da
oposição, frações de classe da burguesia em deslocamento para o bloco no
poder e as forças que davam base política para a sustentação do governo
ditatorial. A direção do partido não se preocupava com as críticas internas
sobre essa posição.
Durante toda a vigência do regime militar o PCB adotou a tática de ‘Frente Democrática’. Os pecebistas deveriam se aliar a todos os que se opunham à ditadura. O partido defendia que a derrubada do regime deveria se dar através de soluções politicamente negociadas. Mas as disputas internas permaneceram no interior da organização, alimentadas pelo dilema entre adotar uma postura mais ‘reformista’ ou mais ‘revolucionária’ (PANDOLFI, 1995, p. 207).
Começou, então, a ficar nítida a opção do partido por este espaço de
atuação política, integrando-se, mesmo com questionamentos sobre a
necessidade de pressão dos trabalhadores, ao pacto “pelo alto”. Isso, todavia,
pela necessidade de se resolver rapidamente o processo da transição. No
entanto, algumas questões sobressaem dessa orientação. A primeira, é a visão
de que o papel dos trabalhadores naquele processo deveria ser de “grupo de
pressão”73; a segunda, era a constante procura do PCB pela democracia formal
como espaço privilegiado de luta para os comunistas. Este último aspecto é a
questão central, tornando-se um dado perene dentro dos documentos
pesquisados, que tem chamado atenção por nortear a história do partido em
73 Categoria explicativa utilizada pela sociologia norte-americana inspirada na teoria funcionalista para entender o
papel e as funções dos grupos chamados de desviantes dentro da moderna sociedade capitalista.
165
diversos momentos do século XX e por se tornar preponderante nos anos
1980, período no qual se estabeleceu a derrota político-orgânica do partido. “O
caminho da revolução brasileira seria o da gradual acumulação de reformas
profundas dentro do próprio regime atual, chegando até as transformações
radicais exigidas pelo desenvolvimento histórico brasileiro em sua etapa atual”
(PCB, 1958, p. 5).
Por outro lado, existia um significativo movimento popular e operário na
conjuntura política do processo de transição. Foram greves operárias e
movimentações sindicais importantes, a exemplo das lutas dos bancários;
bandeiras de lutas que mobilizaram expressivos segmentos populares, a
exemplo da luta contra a carestia; organização e lutas pela terra no campo, a
exemplo da reforma agrária; a participação das camadas médias que
redescobriam o caminho das reivindicações, etc. No entanto, a lógica da ação
do PCB subestimou as lutas populares, o papel das camadas médias e a
centralidade das mobilizações e das lutas dos trabalhadores. Toda essa lógica
pedagógica da negociação desenvolvida pelo partido, em função da ditadura
da tática, não possibilitava que ele despertasse para o ascenso das
organizações de esquerda e das oposições sindicais no campo e nas cidades
numa conjuntura de enfrentamento político. Com essa postura o partido
colocou em segundo plano o possível protagonismo dos trabalhadores no
processo de transição democrática.
Mais importante do que o fato de Sarney ter se afastado da linha de Tancredo e ter retomado a linha da política econômica de ‘auto-reforma’ da ditadura militar, certamente, é o fato de ele ter frustrado as expectativas de milhões de brasileiros. As forças de esquerda que o apoiavam, a partir de certo ponto, começaram a sofrer um desgaste perturbador de suas bases. A esquerda do PMDB, engolindo a aliança com o PFL, perdia credibilidade. O MR-8 passava a ser visto como uma espécie de guarda pretoriana do ‘comandante Sarney’. PCB e PCdoB, atrasados em suas respectivas análises do processo político, mantinham-se atrelados aos compromissos que haviam assumido no momento tancrediano, sem levar em conta o fato de que a situação havia mudado (KONDER, 1988, p. 16).
Os trabalhadores tiveram como eixo principal de atuação no processo da
transição democrática o questionamento rotineiro das políticas do governo e a
contestação às forças políticas que se alinhavam com a ditadura. Portanto,
essa integração se deu pela vertente da luta. Naquele momento, para os
166
trabalhadores, o mais importante não era se transformar em sujeito coletivo
que tinha projeto de classe, como vanguarda que deveria lutar pela revolução
socialista, mas sim, agir a partir dos seus interesses específicos e corporativos
como pontos de pauta que deveriam determinar a luta dentro do processo de
transição. No entanto, por outro lado, o PT se constituía “numa real alternativa,
tanto à transição conservadora quanto às tentativas de ressurgimento do
populismo e da direita” (PT, 1998, p. 236).
Apesar dos esforços políticos dos setores conservadores para moderar a
transição, a partir do que se convencionou chamar de “lenta e segura”, com os
instrumentos que afirmavam o modelo da negociação e do pacto, a nova
vanguarda política e sindical apertava o processo com um conjunto
representativo de reivindicações, que apesar de corporativos, foram educando
os trabalhadores. Ao tempo em que perdia protagonismo o governo da ditadura
burgo-militar, ganhava protagonismo a FIESP na defesa das frações de classe
da burguesia, e as organizações do novo sindicalismo com suas variantes na
organização das diversas lutas sociais.
[...] os novos agentes – entre os quais o proletariado do ABC, uma intelectualidade de novo tipo, camadas médias, outros setores urbanos e a burguesia industrial da FIESP, que incorporam os valores da democracia liberal à sua luta de oposição do regime – seriam os componentes estratégicos de uma nova ordem liberal no Brasil a serem levados na devida conta pelos comunistas em sua estratégia democrática radical para o país (SANTOS, 1994, p. 48).
Quanto mais o partido prezava pelo instrumento da negociação, da
formação de coalizões para que a frente democrática tivesse ampla unidade
para disputar as eleições e avançasse na negociação, mais se afastava do
processo onde as forças operárias e populares davam protagonismo a uma
nova esquerda que se inseria nas lutas de classes. Ao lado dessas
circunstâncias, mesmo sem conseguir direcionar seus ataques às frações de
classe da burguesia organizadas na FIESP, mesmo sem tirar lições das greves
operárias do ABC paulista, mesmo com o que representava o colapso da
política desenvolvimentista do governo e mesmo com o crescente pauperismo
da população (ENGELS, 2010), O PCB lutava para continuar existindo diante
da perda de hegemonia na esquerda brasileira e da intensa repressão que
havia se abatido sobre sua militância.
167
Com o avanço do processo de transição, outro fator importante deslocou
o eixo da luta do PCB, afastando-o mais ainda do centro das lutas operárias e
populares: foi a questão da legalidade jurídica para o partido que se consolidou
na consigna da negociação que inspirava o processo de pacto “pelo alto”.
Constituíram-se, assim, as alianças que se confirmaram num bloco
policlassista de amplo espectro de forças e de caráter conservador, a Aliança
Democrática.
Instrumento do acordo entre forças democráticas liberais, conservadoras e até mesmo reacionárias para derrotar o candidato do regime militar e eleger Tancredo Neves e José Sarney, a Aliança Democrática viabilizou no colégio eleitoral, com apoio das massas populares, a formação do novo governo e assumiu a responsabilidade de implementar o ‘Compromisso com a Nação’ (PCB, 1987, p. 23).
3.4 O PCB e os impasses da frente democrática
O arcabouço teórico-político que inspirava a luta do partido era centrado
na perspectiva do retorno ao ambiente político-institucional da democracia
formal, sem perceber que essa postura fortalecia as forças políticas liberal-
burguesas que mostraram liderança no processo de transição e agora dirigiam
a frente democrática. O exame de farta documentação (resoluções
congressuais, declarações políticas, documentos específicos sobre algum
tema, textos de algum dirigente, imprensa partidária, etc.) possibilita o
entendimento da crença do PCB no ambiente da legalidade “democrática”
como o espaço que melhor favorecia ao trabalho político do partido na cena
política. Por isso, o PCB defendia a política de negociação e criticava o PT e a
CUT.
Continuando na lógica de atuação do lutar para negociar, negociar para mudar, o PCB criticará o PT e a CUT por suas posturas agressivas e de enfrentamento. O Voz da Unidade de 13 a 19 de dezembro de 1987 traz um editorial que simboliza bem tal postura. Sob o título ‘Transição e luta dos trabalhadores’, o jornal assinala que com o ascenso dos movimentos grevistas que irrompiam na conjuntura (que, reitere-se, embora não lhe fossem exclusivos, reforçavam e consolidavam a CUT), alguma confusão estava sendo feita [...] (SANTANA, 2001, p. 252).
168
O vetor da subalternidade do partido à questão democrática não se deu
por transformismo (GRAMSCI, 2002, p. 63), mas por considerar essa questão a
mais importante para afirmação do partido tendo em vista seus objetivos tático-
estratégicos. Configurou-se, então, uma pedagogia da subalternidade para
orientar os caminhos do PCB na frente democrática, gerando impasses
políticos e consolidando entraves que seriam muito difíceis de remover. O
arcabouço político-jurídico estava transitando de uma situação caracterizada
pelo regime autoritário para a normalização do Estado de direito da democracia
formal, tudo isso dentro do Estado autocrático burguês e com a direção das
forças políticas do campo democrático-liberal.
A conjuntura política do período era bastante complexa e tensa, o PCB
sofreu forte impacto dos acontecimentos políticos que contribuíram para
derrubar o presidente João Goulart, portanto, tinha uma conduta política
bastante moderada dentro da frente democrática por preocupação com a
unidade daquele campo político e por entender que a principalidade era colocar
fim à ditadura e restabelecer as regras democráticas para o jogo político com
base na alternância dos governos. No entanto, os encargos políticos dessa
opção foram muito sérios para o PCB que ficou perdido entre as frações de
classe da burguesia e suas representações políticas, acenando para atuar
através de uma opção política que demonstrasse compromisso com a paz
social e com uma tranqüilidade política que não colocasse em risco o processo
em curso, o partido também se batia pela resolução do processo político
através das mediações que afirmassem uma ampla unidade das forças
políticas engajadas nas negociações para a superação do chamado “entulho
autoritário”.
Os avanços realizados e em curso para a ultrapassagem do que se convencionou chamar de ‘entulho autoritário’ são muito significativos, embora existam áreas importantes a serem desobstruídas (as relações de trabalho, a legislação sobre segurança nacional) (PCB, 1985, p. 71)
Contudo os impasses políticos se instalaram dentro da frente
democrática a partir de uma conjuntura que era caracterizada pela “crise de
hegemonia” (GRAMSCI, 2000) e o partido teve que escolher a sua perspectiva
dentro da frente democrática. No entanto, ao não entender para que lado
169
pendia o processo de construção de uma nova hegemonia e o papel que isso
representava para a luta político-social dos trabalhadores, o PCB se permitiu
agir a partir de um papel secundário e subordinado dentro desse espectro de
forças.
3.5 A política de alianças eleitorais
As formulações do PCB orientavam para a presença da legenda nas
articulações da frente democrática, de forma a garantir a mais profunda
unidade do amplo leque de forças que estava negociando o processo de
transição democrática. Sendo assim, o componente eleitoral era marcado pelas
alianças que compunham o campo liberal-burguês. Todavia, sem perceber que
a tensão que esse campo havia exercido contra a ditadura se devia a
necessidade de operar a transição a partir da conjuntura de crise de
hegemonia. Portanto, o campo liberal burguês que se contrapôs à ditadura se
articulava para construir uma nova hegemonia dentro do bloco no poder a partir
das frações de classe da burguesia, que se mostraram mais fortes e hábeis no
processo político de disputas que se abriu com a crise de hegemonia
(DEMIER, 2013, p. 38 passim).
O PCB via no PMDB, e anteriormente no MDB, o aliado estratégico para
fomentar a sua política de constante procura pela democracia formal como
espaço político privilegiado para a atuação do partido. Contudo, essa política
tinha raiz profunda no partido diante do duradouro período de clandestinidade
que o partido viveu e do florescimento que teve com a legalidade democrática
entre 1945 e 1947. Esse exemplo e a presença política de 1960 a 1964,
mesmo na clandestinidade, permitiram aos formuladores do partido uma
compreensão mecânica sobre a ação dentro da democracia formal, como
sendo o momento mais interessante para a política dos comunistas brasileiros
sem levar em consideração outros fatores. Portanto, essa visão centrada na
legalidade institucional corrobora para a visão que o partido teve do golpe.
No entanto, sem a base social que tinha nos períodos anteriores e agora
com a concorrência que passou a ter do PT e da CUT, o PCB não fazia o
enfrentamento político necessário para disputar a hegemonia na esquerda
brasileira. Pelo contrário, integrou-se ao campo democrático-liberal sem
170
qualquer constrangimento por entender que estava cumprindo a melhor tática
para a política dos comunistas. Perdido na relação entre tática e estratégia, o
PCB não conseguia subordinar seu objetivo tático ao horizonte estratégico da
luta pelo socialismo. Mesmo, o vago e lacônico ideário socialista do partido não
se representava na estratégia. Era uma postura política errática, marcada pelo
taticismo politicista, que não submetia os objetivos táticos aos interesses
estratégicos. Contudo, esse processo político reverteu os interesses históricos
do PCB e foram determinantes para a integração da política partidária ao
projeto da ordem.
Um partido comunista não pode, em nome de uma suposta democracia abstrata e acima das classes, abdicar do seu papel revolucionário e assumir a posição de freio dos movimentos populares, de fiador de um pacto com a burguesia, em que sejam sacrificados os interesses e as aspirações dos trabalhadores. Ao contrário, para os comunistas, a luta pelas liberdades políticas é inseparável da luta pelas reivindicações econômicas e sociais das massas trabalhadoras (PRESTES, 1980, p. 27).
A política de alianças tinha como eixo norteador uma conduta política
que trabalhou para impedir acirramento de contradições, tentando a todo custo
estabilizar o processo de transição democrática e manter o conjunto das
manifestações populares sob controle para evitar agitações que fossem
perigosas para a unidade do campo democrático. No entanto, também
compreendia que a pressão dos trabalhadores contribuiria para configurar uma
transição mais comprometida com os interesses da cidadania.
A questão que sobressaiu da ação partidária naquele período era a
dubiedade na ação política. Essa postura aparecia na relação com o
movimento operário e sindical, se reafirmava nas ações dentro do movimento
popular e ganhava notoriedade e consistência nas alianças políticas de caráter
eleitoral. Nesse campo a política do partido se consolidava a partir da ditadura
da tática e pela procura mecânica da democracia formal. Todavia, a pesquisa
revela uma completa desvinculação dos objetivos estratégicos de longa
duração que seria a perspectiva socialista. Portanto, a política do PCB
mantinha uma profunda aderência ao modelo nacional libertador da etapa
nacional e democrática da revolução brasileira. É uma questão complexa, que
manifesta uma determinada lógica que unifica estratégia etapista e tática, mas,
171
no entanto, trata-se de uma profunda inconsistência teórica e uma
inconseqüente prática política. E tudo isso sob invólucro de um patrimônio
histórico que transcendeu ao tempo.
Todo esse processo de sustentação da transição democrática com base
numa prática política que visava alargar os espaços de representação dos
setores liberais e democráticos da frente política que operavam a transição
iluminava uma política de alianças eleitorais e descolava o PCB da classe
operária e dos trabalhadores. Essa política criou barreiras concretas entre o
partido e o novo sindicalismo, contribuiu para o afastamento das organizações
populares e do movimento de massas, para garantir que as alianças políticas
não sofressem impacto e gerassem rupturas.
O partido considerava, a partir das posições do seu núcleo dirigente
estagnado, que aquela posição representava melhor os interesses dos
trabalhadores e das massas populares. Portanto, estava atento para o que ele
considerava aventureirismo e vanguardismo irresponsável, tendo como
premissa básica o papel de não prejudicar o processo de transição democrática
possível diante daquela correlação de forças. Sendo assim, a transição se
afirmava cada vez mais como uma negociação pelo alto e de caráter prussiano.
Havia, portanto, para o PCB, um empenho das forças que articularam a
transição: “Este desempenho satisfatório é sobretudo visível no plano político-
institucional, no qual a postura do Executivo tem se caracterizado pelo esforço
para dar efetividade ao ‘Compromisso com a Nação’ (PCB, 1985, p. 72).
Para não prejudicar quaisquer medidas que estavam sendo postas no
processo de negociação, o PCB formou alianças com forças conservadoras e
até mesmo reacionárias nas eleições de 1982 e em 1986, quando nesta última,
inclusive, apoiou candidatos desses setores para governador, a exemplo do
Moreira Franco no Rio de Janeiro, Newton Cardoso em Minas Gerais e o
Antônio Ermírio de Moraes, em São Paulo. Este último levou o partido a um
debate interno que deixou seqüelas e floresceu contradições no estado de São
Paulo. Nesse estado ocorreu, no último momento, uma reviravolta operada nos
bastidores pela mediação do CC com o CR/SP, para que o partido, já
profundamente afetado pela opção Antonio Ermírio de Moraes, se livrasse do
constrangimento que seria o apoio oficial. Esse processo de radicalização
172
interna, realizado por um grupo à direita do núcleo dirigente74, avançou para
posições que agrediam o referencial histórico do PCB colocando em risco a
sua própria existência.
No processo eleitoral de 1986, o PCB aliou-se ao conjunto das forças
políticas que davam sustentação ao governo da aliança que compôs a “Nova
República”, sendo parceiro daquele bloco em quase todos os estados da
Federação. O PMDB e o governo Sarney tiveram uma vitória espetacular,
elegeram quase todos os governadores e consolidaram uma maioria
parlamentar que traria prejuízos aos interesses populares na futura Assembléia
Nacional Constituinte (ANC) já que esse instrumento de mudança institucional
não teria eleições exclusivas.
Apesar do empenho na construção da unidade em torno da Aliança
Democrática e do governo da “Nova República”, o PCB colheu parcos
dividendos eleitorais pelo país como todo. Elegeu três deputados federais e
alguns deputados estaduais. No entanto, com esse processo, se consolidou
internamente a linha política que iria operar a ruptura da tradição e integrar o
partido no bloco burguês. O PCB modificou sua forma de organização,
concentrou-se nas negociações eleitorais, articulou-se nas bases de apoio aos
governos do PMDB nos estados, concentrou sua inserção no difuso campo do
voto de opinião. O resultado foi o afastamento do trabalho de base, da
organização por células; o distanciamento do trabalho nas frentes de massas
do movimento operário e sindical, com pouca participação nos movimentos
populares e a regressão numericamente no movimento estudantil brasileiro:
universitário e secundarista. Era um emblemático momento que iria fechar um
ciclo de desintegração dos comunistas brasileiros.
3.6 A campanha das “Diretas já” e o posicionamento do PCB
Entre os processos eleitorais de 1982 e 1986, ocorreu uma articulação
nacional tendo em vista a mediação de uma saída política que colocasse fim à 74 A liderança política dentro do Comitê Central que representava essa posição era o dirigente do partido em São
Paulo, Jarbas de Holanda.
173
ditadura através de uma emenda constitucional que permitisse a realização de
eleição direta para a Presidência da República. Já em março de 1983, em
reunião da bancada do PMDB na Câmara dos Deputados e em abril, na
reunião do Diretório Nacional do PMDB se oficializou, através do Deputado
Dante de Oliveira, a proposta de uma campanha por eleições diretas (NERY,
2012, p. 80).
De acordo com a pesquisa de Vanderlei Nery (2012) sobre este tema, a
campanha das Diretas já estava “ligada à apresentação da emenda
constitucional Dante de Oliveira (PMDB-MT)” (2012, p. 80) que previa eleição
direta para 15 de março de 1985, no sentido de eleger o Presidente da
República depois de 21 anos de regime autoritário.
As articulações políticas e sociais para por fim à ditadura burgo-militar de
extração bonapartista, ganhava uma nova centralidade, a partir da postura de
um campo político democrático e popular que fez uma opção por uma transição
democrática não submetida, inicialmente, aos métodos e ações previstas na
visão da transitologia que eram assumidos pelo campo que o PCB estava
articulado, naquele momento. Essa opção por uma transição que, apesar da
dependência de uma decisão do Congresso Nacional, colocasse o povo para
participar, ganhou forma e conteúdo nos debates políticos na conjuntura
daquela época. Podemos afirmar que os primeiros passos para que a emenda
ganhasse consistência no parlamento seria a pressão da sociedade, para isso
se pensou na “organização e desenvolvimento” de uma campanha pelas
“Diretas já”. No começo, apesar do apoio oficial do PMDB, a campanha não
contou com maior determinação política do partido. No entanto, com a
motivação nacional para debater o tema, o Diretório Nacional do partido
começou a se movimentar no sentido da campanha e em documento se
posiciona contra as articulações do governo militar.
Insistir no expediente casuístico e antidemocrático é acumular e transferir a crise, fazendo-a explodir, dentro de pouco tempo, com irremediáveis e trágicas conseqüências para o processo político brasileiro. [Deve-se] constituir uma comissão nacional composta de senadores e deputados, coordenada com os Diretórios regionais, municipais e demais partidos de oposição e setores representativos da sociedade, para empreender ampla e contínua campanha pelo País (FSP, 1983, p. 5).
174
A partir daquele momento, o PMDB, como instrumento político mais
representativo na operação da transição democrática “pelo alto”, definiu seu
interesse pela modalidade proposta por Dante de Oliveira e propunha, também,
uma Assembléia Nacional Constituinte (ANC).
O PMDB deu início à campanha Diretas já em 9 de junho de 1983, enviando aos diretórios do partido uma carta assinada por Ulysses Guimarães, seu presidente, e pelo Secretário-Geral Francisco Pinto, convocando todos os membros do partido a se engajarem na organização de atos políticos e caravanas pró-diretas. [...] O primeiro comício aconteceu em Goiânia em 15 de junho de 1983, convocado pelo PMDB e organizado com apoio do governo do estado de Goiás [...] (NERY, 2012, p. 81-82).
No entanto, após esse comício ficaram evidenciadas pela pouca
presença de público no evento, algumas debilidades interna no PMDB que
colocava em xeque, no primeiro momento, a unidade do partido em relação à
campanha.
Deflagrada a semana passada em Goiânia, a cruzada do PMDB sensibilizou 5000 pessoas, apesar de todo o estardalhaço feito pelo partido e da presença de Ulysses. Antes das eleições, Iris Rezende, hoje governador de Goiás, nunca fez comício para menos de 20000 pessoas (VEJA, 1983, p. 40).
Portanto, apesar da decisão do Diretório Nacional do PMDB, existiam
certa confusão e hesitação dentro do partido e de outras organizações que
pautaram a cena política com preocupações que envolviam o contexto das
relações institucionais naquele momento político. “Na verdade, os próprios
partidos de oposição burguesa ainda não se definiram por uma luta real pelas
eleições diretas. Por enquanto, suas preferências estão nos acordos nos
bastidores, em saídas negociadas” (EM TEMPO, 1983, p. 2).
Esse impasse gerou expectativas e um determinado grau de imobilismo
na campanha que logo foi rompido pela pressão social que adveio do segundo
comício de São Paulo.
Entre junho e novembro de 1983, o que se viu foram balões de ensaio jogados na imprensa. O governo apostava, em sua maioria, no colégio eleitoral para garantir que a sucessão fosse decidida em favor do PDS; a oposição burguesa não abandonou a campanha pró-diretas, mas ficou paralisada até a realização do segundo comício da campanha, realizado em São Paulo, em 15 de novembro de 1983, o qual foi convocado e dirigido pelo Partido dos Trabalhadores (PT) (NERY, 2012, p. 83).
175
A partir daquele momento, a campanha ganhou outro ritmo com
manifestações, passeatas e atos por todo o país. Setores da chamada
oposição burguesa queriam diminuir o ritmo das ruas e as forças populares,
decididas pelo avanço da representação popular no processo de transição
democrática. Embora a oposição moderada tivesse algumas preocupações
com o nível das manifestações populares, não se desligou do comando da
campanha.
Esse processo de adesão das massas populares à campanha e a
continuidade do PMDB e dos governadores de oposição na articulação da
mesma criaram dificuldades para o partido governista, sucessor da ARENA, o
PDS. Um grupo de parlamentares desse partido governista tentou fazer uma
mediação com a proposta do deputado Dante de Oliveira. No entanto, ao não
obter sucesso nessa empreitada partiu para articular uma emenda
constitucional sobre a temática, entregando [...] “ao ministro Leitão Abreu,
juntamente com uma lista de cinquenta nomes do PDS favoráveis às eleições
diretas” (LEONELLI & OLIVEIRA, 2004, p. 441).
A agitação popular em torno da bandeira das Diretas já ganhou enorme
repercussão. Os comícios, manifestações e passeatas ocorriam em todo o
Brasil, sempre com presença crescente da população. O Comício da
Candelária no Rio de Janeiro, em 10 de abril de 1984, teve a presença
espetacular de mais de um milhão de pessoas. No entanto, a oposição
moderada e até setores mais avançados tinham preocupações com a presença
dos comunistas e das organizações clandestinas. Prestes afirmou: “Deixei de ir
[ao comício do Rio de Janeiro] por uma razão bem simples, que é a de não
concordar com a conotação anticomunista que o Brizola deu ao comício,
proibindo espaços aos partidos clandestinos” (FSP, 1984, p. 6). Uma situação
parecida aconteceu no comício de Belo Horizonte, que superou o de São Paulo
em número de pessoas, com a presença do PC do B. O partido só usou uma
bandeira em virtude de uma negociação que fez com Tancredo Neves.
[...] o partido clandestino, através do qual seu líder, João Amazonas, teria um lugar de destaque no palanque, seria condignamente tratado, mas não faria discurso. Em troca, os militantes comunistas [do PC do B] abriram mão das grandes bandeiras que inundaram os outros comícios, e se contentaram com pequenas bandeirolas, que
176
com certeza não se destacariam nas fotografias exibidas mais tarde em todo o país (LEONELLI & OLIVEIRA, 2004, p. 418).
Após a realização de vários comícios gigantescos, ocorreu o maior
comício da campanha em 16 de abril de 1984, na cidade de São Paulo, que
contou com um número de pessoas próximo de 2 milhões para observadores
da esquerda.
A campanha teve uma gigantesca participação popular. Contudo, a
votação da emenda de Dante de Oliveira não obteve o número necessário de
votos para ser vitoriosa.
No dia 25 de abril de 1984, o amanhecer no Brasil foi marcado por especial expectativa. Após um período efervescente de manifestações caracterizadas por empolgantes manifestações populares, que inundaram os espaços públicos das cidades brasileiras, chegara o esperado dia de votação, pela Câmara Legislativa Federal, da Emenda Dante de Oliveira, que estabelecia eleições diretas para presidente da República. Aquele foi um longo dia, encerrado com uma também longa votação, que invadiu a madrugada do dia 26. [...] Foram 298 votos a favor, 65 contra, 113 deputados ausentes e três abstenções. Faltaram 22 votos para que fosse alcançado o quorum qualificado de 2/3 estabelecido para a aprovação de emendas constitucionais. Choros, semblantes fechados, silêncios e diferentes manifestações de indignação e de decepção foram ouvidos e vistos na madrugada do dia 26 de abril. Eram expressões do sentimento de muitos parlamentares no próprio plenário da Câmara Federal e de populares que assistiram à sessão parlamentar nas galerias daquela casa. (DELGADO, 2007, p. 411-412).
Após a derrota da emenda, o instrumento institucional continuou sendo o
da eleição indireta para Presidente da República através do colégio eleitoral
criado pela ditadura burgo-militar. Sendo assim, no dia 15 de janeiro de 1985
foram eleitos respectivamente, Tancredo Neves e José Sarney para presidente
e vice-presidente da República, que disputou com o candidato do governo
militar, Paulo Maluf.
O PCB desenvolvia, naquela conjuntura, um esforço político para não
desagregar o campo da oposição burguesa e moderada. Como o eixo
norteador do princípio proposto pelo partido para a transição democrática era a
negociação “pelo alto”, com pressão social, o partido teve uma postura recuada
no primeiro momento preocupado com agitações que pudessem desestabilizar
177
o bloco oposicionista e, ao mesmo tempo, possibilitar uma nova articulação
governista para continuar no poder.
Com uma postura política consubstanciada na moderação e na procura
constante pela negociação, o partido não se interessou em se apresentar na
campanha como uma força política organizada, herdeira das tradições de luta
dos trabalhadores brasileiros. Portanto, não desenvolveu ações para colocar
uma forte presença de militantes e de materiais de agitação e propaganda
como fizeram o PT e em certa medida, o PC do B. Este último, fato
comprovado pela declaração de Romeu Tuma, que era o representante do
aparato policial na condição de diretor geral da Polícia Federal, sobre a
presença da esquerda no comício de São Paulo: “O verde do vale do
Anhangabaú foi coberto pelo vermelho das bandeiras dos partidos de
esquerda”, demonstrando assim a “capacidade de mobilização do Partido dos
Trabalhadores e do Partido Comunista do Brasil” (FSP, 1984b, p. 10).
A posição do PCB na campanha das “Diretas já” pode ser caracterizada
por uma razoável moderação e um engajamento militante tardio, apesar de ter
participado do processo como um todo. Essa postura iluminou o apoio imediato
para que a oposição burguesa disputasse a eleição no colégio eleitoral,
apoiando e articulando, desde o primeiro momento, o nome de Tancredo
Neves.
Uma ausência sentida nos primeiros meses da campanha foi a do PCB. O partido sempre havia defendido coerentemente a proposta da Assembleia Nacional Constituinte. Além disso, é razoável supor que, naquele momento, lidando com as suas lutas internas e retomando sua campanha pela legalidade, o partido estivesse num momento de certa paralisia decisória e excessivo temor em relação à possibilidade de um retrocesso na transição motivado por manifestações populares (SILVA, 2005, p. 94).
Esse movimento do PCB fazia parte de um ciclo interpretativo que
entendia que o processo de transição passava pelo processo de negociação
para resolver os problemas da sociedade brasileira. Afinal, a partir da lógica
política defendida pelo partido, crise política, econômica e social se resolve
através de mediação pactuada.
178
3.7 Uma interpretação da transição democrática: a f ormulação do núcleo
dirigente
Para entendermos o papel do PCB na transição democrática será
necessária uma análise do instrumental teórico-analítico que iluminou a ação
do núcleo dirigente estagnado (tardio) do partido. Trata-se de identificar o que
era central no conjunto dessas formulações: a democracia formal. Esse escopo
categorial foi articulado a partir do documento que ficou conhecido pelo nome
de “Declaração de Março de 1958” e foi reafirmado pelas resoluções do V, VI e
VII Congressos, respectivamente.
Portanto, tendo como categoria explicativa o papel da democracia para a
mudança da sociabilidade no capitalismo, o núcleo dirigente (maioria do CC)
recorreu ao instrumento analítico desenvolvido pelo grupo eurocomunista
interno – chamado de “renovador” – antes e depois da saída desses militantes
do partido. A ação desenvolvida pelo partido sob a égide da estratégia
nacional-democrática era uma luta para elevar o Brasil a condição de país
desenvolvido do ponto de vista do capitalismo. Quando se afirmava a
necessidade de destruir os obstáculos que impediam o pleno desenvolvimento
das potencialidades desse modo de produção, em particular o latifúndio e o
imperialismo. Contudo, todas essas questões que diziam respeito àquela etapa
da revolução brasileira (nacional-democrática) não estavam desconectadas da
luta pela democracia. Porém, a democracia não se afirmava pela qualidade de
ser um instrumento de novo tipo, ficava apenas na democracia formal do
Estado de direito burguês e nas conquistas das liberdades democráticas. Era
muito pouco para um projeto de classe que anteriormente fora desenhado e
construído para representar a operação política dos trabalhadores.
O PCB nasceu para prover o movimento operário de um novo instrumento que fizesse frente à ofensiva do capital e do Estado liberal em crise. Para poder nascer, era preciso demarcar sua especificidade político-cultural, cindindo o movimento; para poder mostrar a sua eficácia, era preciso construir a frente única proletária; e, para obter credibilidade e ganhar legitimidade nessa complexa empreitada, era preciso estar acoplado a um movimento de caráter universalizante, tal qual o representado pela Revolução Russa e pela IC (DEL ROIO, 2007, p. 27).
179
No entanto, o PCB relegou para um plano muito secundário as suas
lutas históricas e afirmou uma nova perspectiva. Para essa operação teórico-
político o objetivo do partido era desvendar o espaço principal para desenvolver
a sua participação na luta pela transformação do Brasil, modificando o que
pensava anteriormente.
Com o bloqueio do terreno econômico, a ênfase passou a incidir sobre o terreno da política: a luta pela democracia não mais se subordinava à efetivação de uma revolução de caráter econômico-nacional. Note-se: a revolução burguesa ainda era o horizonte, mas agora definitivamente sob o âmbito da política e não da economia. Se anteriormente a afirmação de uma democracia plena passava pelo equacionamento dos problemas econômico-nacionais e pelo avanço das forças produtivas capitalistas, com o esvanecimento do caminho nacional, a própria questão democrática passava a ter o potencial de solucionar os problemas nacionais, ou seja, ganhava autonomia frente ao problema econômico. A partir de então, o PCB atrelaria a solução dos problemas econômico-sociais à conquista da democracia (MOURA, 2005, p. 71).
Portanto, a partir do final dos anos 1970 até meados dos anos 1980, o
PCB radicalizou o seu entendimento sobre a questão democrática. Forjando
uma complexa teia de vinculações com a democracia formal que articulou e
operou a integração do partido na institucionalidade burguesa, isso contribui
para a subalternização das bandeiras operárias e populares dentro da política
do partido. Toda essa operação teórico-política desenvolvida pelo núcleo
dirigente estagnado se consolidou na decisão de construir uma transição
democrática negociada com as diversas frações de classe da burguesia e suas
representações políticas. No entanto, faltou responder a uma questão: quem
representaria os trabalhadores e as camadas populares nessa mesa fechada,
já que o PCB agia como linha auxiliar da oposição burguesa ao regime. Os
próprios trabalhadores responderam: seriam o PT e a CUT. Era a derrota da
estratégia dos comunistas brasileiros e o começo de uma longa agonia política
que explodiu no IX Congresso do PCB75.
A política de centralidade na negociação apartou o partido das lutas
políticas e sociais, marcando definitivamente a posição do núcleo dirigente
estagnado. Esse núcleo dirigente formulou a proposta de transição pactuada,
visando não criar instabilidade política, pois avaliava que qualquer instabilidade
75 Quando todo o arcabouço colocado em prática pela política reformista foi questionado pela militância partidária.
180
política poderia gerar dificuldades ao processo de transição e facilitar o retorno
de segmentos reacionários à cena política naquele momento.
Essa política contribuiu para que a classe operária fosse subalterna na
luta pelo Estado de direito democrático (burguês), perdesse a perspectiva de
enfrentamento de classe e se movimentasse para agir como protagonista
daquele processo. É nesse momento que se afirmou a bandeira do PCB na
transição: “Lutar para Negociar, Negociar para Mudar”.
A intransigente defesa da questão democrática e a longeva defesa da
democracia formal contribuíram para rejuvenescer as instituições do Estado
burguês durante o processo de transição negociada. Portanto, o partido vai
fechar aquele ciclo como um instrumento político em mutação e em rápida
reestruturação para se adequar a ordem burguesa, e não para lutar contra ela.
3.8 A consolidação de uma linha reformista que para lisou o partido
O Partido Comunista Brasileiro transitou paulatinamente, após a
“Declaração de Março de 1958”, para uma perspectiva teórico-política que fez
um duplo movimento: tentativa de institucionalização no arcabouço político da
democracia formal e o constante e perene distanciamento das lutas operárias,
sindicais e populares. Porém, essa dupla perspectiva revelada ou velada, fez
um percurso muito complexo e não linear para se estabelecer na cultura
política do PCB. Para isso foi importante a não compreensão sobre a questão
da revolução burguesa.
Na verdade, a eficácia do projeto conservador de desenvolvimento conduzira a efetivação da revolução burguesa no Brasil ou à etapa monopolista, mas de maneira excludente, o que teria contribuído para concentrar os frutos do progresso, e aprofundar a dependência e a subsunção do país ao imperialismo norte-americano sob fortes custos sociais (MOURA, 2005, 66).
No primeiro movimento, a tentativa de institucionalização não contava
com o apoio das classes dominantes e por mais que o partido se aproximasse
da democracia formal o aparato ideo-político da burguesia agia com
preconceito para continuar afirmando a sua ideologia anticomunista. O PCB
reagia com mais concessões e esse movimento se concluiu com o partido
181
desfigurado e a burguesia consolidando, cada vez mais, a sua postura
reacionária. No segundo movimento não se tratava de uma deliberação política
com essa finalidade, ou seja, afastar-se do centro da luta de classes. O partido
desenvolveu práticas políticas no movimento operário, sindical e popular que
tinham como características proteger a incipiente democracia formal das
agitações que, para o PCB, poderiam determinar crises institucionais. Assim,
com essa posição em defesa do espaço democrático como melhor lugar para
as lutas sociais, terminou por se deslocar completamente do campo proletário e
popular.
O PCB já havia consolidado seu desencontro com a realidade brasileira
e continuou sem apurar, na sua análise, que durante o período da transição
democrática, a autocracia burguesa (MACIEL, 2004, p. 229-230) havia
consubstanciado instrumentos políticos para garantir a reprodução da ordem e
a extração de mais valor, aperfeiçoando a modernização conservadora a partir
de uma política de subordinação da classe operária e de suas representações.
Afirmando, no novo ciclo da cena política que se abria, as principais
características para reprodução da autocracia burguesa.
A extrema concentração social da riqueza, drenagem para fora de grande parte do excedente nacional, a conseqüente persistência de formas pré ou subcapitalistas de trabalho assalariado, em contraste com altos níveis de aspiração ou com pressões compensadoras à democratização da participação econômica, sociocultural e política produzem, isoladamente e em conjunto, conseqüências que sobrecarregam e ingurgitam as funções especificamente políticas da dominação burguesa (quer em sentido autodefensivo, quer em direção puramente regressiva). Criaram-se e criam-se, desse modo, requisitos sociais e políticos da transformação capitalista e da dominação burguesa que não encontram contrapartida no desenvolvimento capitalista das nações centrais e hegemônicas (mesmo onde a associação de fascismo com expansão do capitalismo evoca o mesmo modelo geral autocrático-burguês) (FERNANDES, 2006, p. 341).
Todavia, essas novas determinações políticas que aprofundaram o
reformismo do PCB, têm como origem genética uma difusa e culturalista
apreensão do cabedal analítico de Gramsci no Brasil, pelo núcleo dirigente
estagnado que fez vulgata dessas noções, bem como pelo chamado grupo
renovador/eurocomunista.
182
Houve por parte dos renovadores de 1980, uma apropriação de Gramsci que esvazia o conteúdo revolucionário de sua obra, ao assumir teses do eurocomunismo, que aderia paulatinamente a posições reformistas e liberais, rompendo com a visão do partido, enquanto germe do novo (SAID, 2009, p. 206).
O PCB sempre teve, na história brasileira, um acúmulo intelectual
extraordinário que o colocou como referência política para as transformações
da sociedade.
As razões pelas quais os comunistas brasileiros conseguiram exercer influência ideológica e política maior do que sua expressão partidária eleitoral e sindical, devem ser procuradas, sobretudo – e para além do prestismo – no fato de contarem com uma teoria explicativa muito superior à das doutrinas políticas vigentes, de terem produzido um novo tipo de intelectual e exercido a função de agência “ideologizadora” da política brasileira (BRANDÃO, 1997, p. 231).
Todavia, essa posição positiva do PCB identificada nas pesquisas de
Gildo Marçal Brandão, foram paulatinamente se integrando no escopo da lógica
da leitura reformista de Gramsci no Brasil e no aplicativo das formulações do
PCI.
O Eurocomunismo, surgido no final da década de 1970, é uma corrente política que se propõe a realizar a superação do leninismo e encontrar para o socialismo uma via nova adaptada às condições da Europa Ocidental, onde existia uma ampliação dos direitos sociais e uma qualidade de vida voltada ao operariado, jamais ali alcançada anteriormente. A preocupação é alcançar uma via para o socialismo que mantenha esse avanço democrático e essa qualidade de vida, sem rompimento frontal com o capitalismo. O eurocomunismo busca um compromisso histórico entre classes, com a burguesia e, principalmente com a Democracia Cristã italiana, partido católico de ampla base popular na Itália, visando efetivar as mudanças necessárias à transição ao socialismo naquele país (SAID, 2009, p. 177).
Esse processo de consolidação de uma perspectiva política
profundamente reformista na orientação do PCB se deve, também, à
incapacidade de entender o capitalismo brasileiro e o fenômeno de fechamento
do ciclo da revolução burguesa no Brasil. Apesar da consistência das ideias e
do patrimônio intelectual que o partido assegurou na sociedade em nosso país,
ele não conseguiu desvendar o capitalismo na especificidade da formação
social brasileira.
183
Sendo inegável o pioneirismo da ação intelectual comunista, que antecipa quase todas as reivindicações, categorias, propostas e ações reformadoras que, nos anos 50, se generalizariam pelas sociedades civil e política brasileiras, é quase inexistente o esforço sistemático e metodicamente organizado para entender o país. O ponto delicado continuava a ser diagnosticar qual tipo de capitalismo estava sendo, ou viria a ser o brasileiro, sua dinâmica própria e correlatas possibilidades de afirmação de tendência democratizante do regime político – tendências objetivas sobre as quais fosse possível ancorar uma política (BRANDÃO, 1997, p. 153).
No entanto, apesar desse imenso patrimônio intelectual que o PCB
desenvolveu para interpretar o Brasil e suas particularidades, as suas
formulações no final da década de 1970 e começo de 1980 tinham a custódia
intelectual do debate promovido pelos chamados renovadores de inspiração
política eurocomunista, leitores de Gramsci pela perspectiva institucionalista e
o centro pragmático, que detinha o controle do aparelho e desenvolveu uma
perspectiva tática politicista que foi subordinada aos interesses da oposição
burguesa na transição. Esses debates internos pautaram a política do partido.
Todavia, eram dois grupos políticos que se completavam dialeticamente na
formulação e na ação: a maioria do CC criticava os renovadores pelas
formulações e os renovadores criticavam a maioria do CC pela prática política.
Eis a síntese desse falso confronto.
O setor “renovador” tinha um grupo importante de intelectuais e poucos
quadros históricos, mas o núcleo dirigente era formado por importantes
quadros históricos e poucos quadros de projeção intelectual. No primeiro,
encontravam-se Armênio Guedes, Leandro Konder, Carlos Nelson Coutinho,
Ivan Ribeiro, Milton Temer, Marco Aurélio Nogueira, Luiz Werneck Vianna,
Gildo Marçal Brandão, Mauro Malin, etc. No segundo, articulavam-se Giocondo
Dias, Salomão Malina, Roberto Freire, Teodoro Mello, José Paulo Netto, Jarbas
de Holanda, Givaldo Siqueira, Francisco Almeida, etc. Porém, se faz
necessário o registro de que em muitos momentos desse período, o grupo
“renovador” pautou a vida partidária.
Não articulados organicamente, mas portadores de um conjunto de ideias-chave compartilhadas, esses militantes, até meados dos anos 80, marcaram presença no PCB, ora servindo de ‘espantalho eurocomunista’ para o setor conservador, a justificar o centrismo auto-reprodutivo da ala pragmática do Comitê Central; ora servindo as suas ideias como base para que esse núcleo majoritário pudesse
184
dotar o PCB de uma orientação mais eficaz ao novo período de transição democrática (SANTOS & SEGATTO, 1994, p. 37).
Contudo, o conjunto histórico de ideias que orientava o PCB era o
mesmo de toda a sua vida, ou seja, a inspiração marxista, mesmo sem o
devido aprofundamento dessa teoria social e os enquadramentos dogmáticos.
No Brasil, talvez mais que em outro lugar qualquer (porque o mesmo mal também existiu e ainda existe em outras partes), a teoria marxista da revolução, na qual direta ou indiretamente, deliberada ou inadvertidamente se inspira todo pensamento brasileiro de esquerda, e que forneceu mesmo os lineamentos gerais de todas as reformas econômicas fundamentais propostas no Brasil, a teoria marxista da revolução se elaborou sob o signo de abstrações, isso é, de conceitos formulados a priori e sem consideração adequada dos fatos; procurando-se posteriormente, e somente assim – o que é mais grave – encaixar nesses conceitos a realidade concreta. Ou melhor, adaptando-os aos conceitos aprioristicamente estabelecidos e de maneira mais ou menos forçada, os fatos reais (PRADO Jr., 1978, p. 29).
Para além das questões levantadas por Prado Jr., o PCB na sua célere
integração ao reformismo conciliador teve muitas dificuldades para afirmar as
suas balizas teórico-políticas.
O fato, porém, é que, como em outros períodos da história brasileira, o PCB parecia ‘dócil’ para os setores mais combativos e, como sempre, ‘perigoso’ para os setores mais conservadores. Os comunistas, coerentes com a sua estratégia para a transição, buscavam ‘balizas mínimas do espaço de conflito’. Era preciso fazer acordos para o reordenamento político-social (SANTANA & ANTUNES, 2007, p. 397).
O PCB se perdeu na complexidade das suas formulações diante do
ecletismo das opções políticas e da amplitude das balizas teóricas. Fez um
conjunto articulado de concessões políticas para se aproximar da política
burguesa e se converteu vulgarmente aos princípios que movimentavam a
retórica eurocomunista. Todo esse estrutural dilema político consolidou uma
perspectiva reformista que paralisou o partido.
O PCB se converteu num operador político da transição pelo alto de
caráter prussiano e extração bonapartista. Porém, apesar de ter inspirado uma
formulação vitoriosa, os ganhos políticos do PCB não se consolidaram para
afirmar a presença dos comunistas brasileiros na cena política daquele
período, mesmo com a integração ao projeto da renovada ordem burguesa.
Portanto, o PCB terminou pagando um enorme tributo pelo descolamento do
185
bloco onde se encontravam os tradicionais segmentos que sempre contaram
com o partido para defender seu programa histórico: os trabalhadores, as
massas populares e a cultura marxista.
Se se pode falar em tradições marxistas, sem dúvida uma delas é a pressuposição e desenvolvimento da dimensão ideológica da política. O imbricamento política-ideologia conduz, sem mais, a uma contínua e consciente preocupação com a produção e difusão de cultura e com os meios necessários para a sua efetivação e eficácia. Como movimento político/ideológico e, por derivação, cultural, os marxistas têm se dedicado a educar seus militantes, conquistar mentes e corações dos trabalhadores e de outros grupos sociais não dominantes e influenciar a sociedade como um todo em um patamar político/ideológico e cultural (RUBIM, 1995, p. 21).
Sem se preocupar com este componente da sua ação, o PCB agiu como
articulador da subordinação de classe, não pelo emblema da traição, mas para
não colocar em risco o processo de transição democrática. No entanto, a
burguesia e suas frações de classe não acreditaram nesse papel
protagonizado pelo PCB e continuaram tendo o partido como inimigo em última
instância dentro do processo político. Mesmo sem aprofundar o debate sobre o
que estava acontecendo com a profunda perda de influência político-social, o
partido modificou a sua linha política para assumir um novo papel: aliado tático
da burguesia, cuja tarefa principal seria a transição democrática como uma
bandeira para a qual todas as outras questões deveriam ser submetidas. Era a
derrota mais uma vez do estagnado instrumental teórico-político defendido e
aplicado pelo núcleo dirigente do CC e um ataque à história de lutas do partido
que sempre teve um destacado papel.
[...] papel de um operador político que combateu as classes dominantes e seu atraso cultural, seus preconceitos de origem escravista e racista, seu patrimonialismo no controle do Estado e o seu autoritarismo contido no profundo déficit democrático da sociedade brasileira. O PCB surgiu para consubstanciar o programa da classe na perspectiva da operação política [...] (PINHEIRO, 2012, p. 215).
186
4. A consolidação da ruptura da tradição – o PCB de sfigurado
Naturalmente que os doutrinários não se satisfarão com uma definição tão vaga; desejariam fórmulas categóricas: sim, sim, não, não. As questões de sociologia seriam bem mais simples se os fenômenos sociais tivessem sempre um caráter acabado. Mas nada é mais perigoso do que eliminar, no desenvolvimento de uma precisão lógica, os elementos que contrariam os nossos esquemas e que, amanhã, os podem refutar.
Trotsky
O histórico PCB, operador político do programa da classe operária,
desfigurou-se com as modificações políticas ocorridas no partido na década de
1980. Podemos afirmar, a partir da pesquisa que ora realizamos, que o sujeito
coletivo dos comunistas brasileiros após o processo de desmonte que foi
operado pelo núcleo dirigente estagnado, deu lugar, nesse período, a uma
organização que destruiu o projeto histórico que era pautado na perspectiva da
luta revolucionária do PCB. Consolidou-se, assim, uma nova organização para
atuar no processo político institucional brasileiro a partir do critério da
integração a ordem social da democracia formal.
O roteiro dessa ação desenvolvida pelo núcleo dirigente majoritário do
PCB - não sem resistência interna, das bases ao Comitê Central - aprofundou a
política de alianças com o bloco burguês, reafirmou o taticismo politicista que
foi articulado a partir do VI Congresso e que pautou as políticas do partido já
nos anos 1970, escolheu o lado liberal-democrático no processo de transição,
aprofundou os erros estratégicos nos Congressos de 1984 e 1987 e não soube
se colocar como alternativa na longa crise de hegemonia que adveio da
ditadura e prosseguiu na Nova República.
A crise político-orgânica do PCB fechava seus últimos movimentos no
final dos anos 1980, tendo, para isso, a corroboração da contrarrevolução
vitoriosa na URSS e no leste-europeu. Esse processo acirrou as contradições
internas, fazendo surgir um forte questionamento que iria colocar o futuro do
187
PCB em disputa. O partido se colocou diante dos acontecimentos do
“Socialismo real” da mesma forma que sempre se orientou, ou seja, pela
conduta seguidista.
A crise porque passa o PCB, é sem dúvida a maior e mais dramática de toda sua história. O desmantelamento do chamado “socialismo real” pôs a nu e acelerou um processo de desintegração que se dava lentamente na estrutura do Partido. Encastelado há mais de 30 anos na direção do partido, o núcleo dirigente hegemônico do PCB já não conseguia responder às questões fundamentais, seja as referentes ao projeto socialista, seja em relação às questões da realidade nacional. Atrelado ao passado, seguidor mecânico da política do PCUS e informado por um instrumental teórico exaurido e cristalizado nos anos 50, o núcleo majoritário do Comitê Central do PCB ruiu juntamente com o Muro de Berlim e com a velha e carcomida burocracia soviética (MAZZEO, 1995, p. 70-71).
O grupo dirigente hegemônico tentou sua última cartada naquele
processo de crise: lançou a candidatura do deputado Roberto Freire à
Presidência da República para tentar manter o controle interno dentro do
partido diante de uma massa crítica que ganhava corpo e com grande
movimentação política. Era a perspectiva de sanear os problemas que
contribuíam para a ruptura da unidade partidária a partir de uma candidatura
redentora que unificasse o PCB e solidificasse o orgulho comunista.
No entanto, o que se consolidou foi a ruptura da tradição dos
comunistas brasileiros, enquanto bloco militante que sempre questionou e
enfrentou a ordem.
Com este quadro interno se pintou a desfiguração do partido e a batalha
interna ganharia contornos nunca antes vistos na história do Partido Comunista
Brasileiro76.
4.1 O VII Congresso – o que fazer?
Após uma série de dificuldades internas, impostas pela incapacidade de
entender os acontecimentos políticos e as transformações do capitalismo no
Brasil, mas também, pelo ataque violento da repressão sobre o partido, seus
quadros e militantes, dirigentes intermediários e membros do Comitê Central,
realizou-se a última etapa do VII Congresso do PCB, em 1984. 76 Vide o debate que se abriu em torno do IX Congresso.
188
O Brasil vivia um novo ciclo de lutas que impactaram a cena política a
partir da presença dos trabalhadores que se levantaram contra o arrocho
salarial e pela liberdade de organização sindical. Era a inflexão da classe
operária dos setores dinâmicos do capitalismo brasileiro, exigindo participação
social e política a partir das greves do ABC paulista no final da década de 1970
e começo dos anos 1980.
O debate do VII Congresso ocorreu durante um longo período, em
virtude da disputa interna e pelas ações do aparato repressivo que interrompeu
a reunião congressual. Esse debate começou no final dos 1970, continuou com
o que seria a abertura formal dos debates em maio de 1981 e se desenvolveu
com a divulgação das teses de setembro de 1981 a fevereiro de 1982.
Esse debate foi impactado pela saída de Luiz Carlo Prestes, Secretário-
Geral do partido, situação que envolveu um forte e conturbado processo
político interno. No entanto, o congresso foi marcado pelo acerto de contas da
velha burocracia do núcleo dirigente estagnado, que dirigia o partido há mais
de 30 anos, com o agrupamento de militantes e dirigentes que se guiavam pela
posição qualificada como “Eurocomunista”. Estes últimos mostraram maior
capacidade para interpretar a realidade brasileira, localizando nela as
características modernas do capitalismo e suas relações com o Estado.
Chamado de “renovador”, esse grupo identificou o papel dos trabalhadores e
dos novos atores sociais no Brasil, todavia, do ponto de vista estratégico,
subordinava o processo de transformação social à luta pela democracia de
caráter progressivo através do processo eleitoral. Era o embrião do chamado
“reformismo revolucionário”77 disputando a política do PCB, para transformá-lo
em um operador político que se aproximasse das características desenvolvidas
pelo PCI na luta política dentro da sociedade italiana.
No outro lado da disputa se encontrava o núcleo dirigente estagnado
com ampla maioria no CC - mantendo uma linha política reboquista que no
essencial não conseguia interpretar a realidade brasileira – precisando dar
respostas orgânicas à esquerda para recuperar um conjunto de militantes que
não acompanharam Prestes, mas que apoiavam as teses dele dentro do
partido e que se encontravam entre continuar ou sair do PCB. Contudo, esse 77 Conceito político, de inspiração “eurocomunista”, para embasar uma proposta de luta pela democracia progressiva e
de massas, que no Brasil foi introduzido pelo cientista político Carlos Nelson Coutinho.
189
processo congressual foi interrompido pela invasão da Polícia Federal no local
onde ele estava se realizando, levando presos todos os delegados78. Tratou-se
de um fenômeno instigante, pois, naquele momento diversas forças políticas
atuavam de forma aberta, inclusive o PT, que tinha uma postura mais radical
na luta política do que o partido dos comunistas brasileiros.
4.2 Ditadura e transição: os erros da linha polític a se aprofundaram no VII
Congresso
As teses partem do processo político que construiu uma inflexão na
sociedade brasileira, a partir das eleições de 1974. Porém, é importante
registrar que o VII Congresso continuou caudatário da longa formulação
histórico-política que paulatinamente comprometeu a tradição de luta do
partido, transformando-o numa legenda reformista.
Contudo, voltemos à análise do que o PCB considerou uma inflexão na
política brasileira: a vitória da oposição nas eleições de 1974. Este é um ponto
da reflexão do partido que conseguiu ser iluminado pelos efeitos da realidade
concreta. O partido conseguiu entender as contradições entre as frações de
classe da burguesia no interior do bloco de forças no poder, passando a
identificar a importância dos trabalhadores naquele processo. Então a presença
política dos trabalhadores foi, embora de forma não linear, crescendo dentro da
realidade brasileira que avançou com as greves dos metalúrgicos no ABC
paulista e com as mobilizações pela organização da classe que levou à
organização do I CONCLAT em 1981.
Para o PCB, as mudanças políticas produzidas por essas eleições
modificaram a correlação de forças na cena política brasileira, proporcionando
uma ação mais crítica sobre o Congresso Nacional, incentivaram mudanças no
quadro político, na luta das massas e no papel das forças democráticas. Ou
seja, permitia entender as contradições da burguesia, acossadas pela crise
econômica, e a pressão internacional sobre a ditadura militar, em virtude das
práticas repressivas e autoritárias. Todavia, outro aspecto importante da
78 No dia 13 de dezembro de 1982, o local onde estava ocorrendo, “disfarçadamente” o VII Congresso do PCB, foi
invadido pela Polícia Federal que levou preso todos os participantes. A conjuntura política da época era de distensão
política, inclusive com o funcionando de partidos de esquerda: PT e PDT.
190
conjuntura política do período pós eleições foi analisado: tratava-se de
entender as contradições do regime político e a intensa repressão que o partido
sofreu pela ação da “Operação Radar”79 (MIRANDA & TIBÚRCIO, 2008), que
abalou violentamente a estrutura do partido de 1974 a 1976. Operação que
prendeu, processou, torturou, matou e exilou milhares de militantes e dirigentes
do PCB. Ficou um questionamento sobre a necessidade de a ditadura destruir
o partido em virtude, em tese, do papel protagonista que o mesmo teve na
vitória da oposição, não mais consentida. No entanto, uma inquietação a
respeito do partido ter sido facilmente atingido por essa operação de
aniquilamento: teria sido infiltração, frouxidão orgânica, ilusão de classe,
leniência com as questões de segurança? Ou algo mais grave? Foi esse o
conjunto articulado de questionamentos.
As resoluções congressuais identificaram a crise econômica que se
aprofundou desde o início dos anos 1980. Procurou entendê-la como uma
circunstância do processo político acirrado e que esse processo vinha desde o
final de 1973 com a crise promovida pela alta dos preços do petróleo, pela
inflação, pelo cenário econômico de recessão, desemprego, altas taxas de
juros, crise no balanço de pagamentos, crise da dívida externa e crise fiscal
(para subsidiar os monopólios, latifúndios, usando os recursos públicos). A
análise do PCB, que localizou as questões centrais da crise, se deslocou da
realidade brasileira para afirmar que a crise era motivada pelas incertezas
políticas, mesmo tendo como pano de fundo a crise econômica e a complexa
articulação de múltiplos fatores. Portanto, era uma análise politicista que
garimpava pistas para apresentar a saída negociada para os problemas
brasileiros.
Diante dos impasses nacionais, as forças políticas podem investir em várias alternativas. Aquela que mais convém aos trabalhadores, aos democratas e aos patriotas – num potencial e urgente bloco democrático e nacional – é a negociação dirigida a romper com a dependência e o modelo econômico e retomar o desenvolvimento, promovendo a reorganização democrática da sociedade brasileira. [...] habilitado a lutar para negociar, negociar para mudar (VOZ da UNIDADE, 1983, nº 161, p. 3).
79 Operação organizada pelo DOI-CODI/SP que teve ramificações, com outros nomes, por vários estados brasileiros
de 1973 até 1977. Tinha por objetivo destruir o aparato político-orgânico do PCB através de prisões, torturas e
assassinatos. Além da ação clandestina da repressão, foram autuados na primeira etapa, apenas policial, 1.279
militantes e mais 783 réus, em 66 processos de acordo com o levantamento do Dossiê sobre a ditadura do IEVE.
191
A crise avançou de maneira cruel sobre os trabalhadores, atacando-os
com demissão e violenta exploração. O consórcio da burguesia interna com o
capital imperialista era analisado pelo PCB pelo viés da dependência. Essa
interpretação permitia manter a contradição política central que informava a sua
ação: o antagonismo entre o imperialismo e a nação. Essa análise sobre a
contradição principal se perdia quando o documento afirmava que existia
grande concentração de renda e de propriedade, uma economia monopolizada,
que a concentração capitalista do latifúndio era violenta, uma gritante
desigualdade regional e tudo isso agravado pela crise mundial.
Com essa conjuntura de crise econômica, a orientação recessiva do
governo levou a uma política de desastre nacional para preservar os interesses
das frações de classe da burguesia do bloco no poder, em especial, a fração
bancária. Portanto, a ditadura preservava os seus interesses originários - e a
sua direção estatal – desenvolvendo funções para a manutenção do consórcio
dos monopólios internos e do capital imperialista. Toda essa ação da gerência
governista, a partir do seu caráter de classe, estava submetida aos ditames das
políticas executadas pelo FMI que solicitava a manutenção do constante
arrocho salarial sobre os trabalhadores. Fica, então, comprovado que não
existia contradição entre a burguesia interna e o capital imperialista. Mas sim,
uma ação subordinada da burguesia interna dentro do consórcio que dividia os
interesses econômicos da burguesia no Brasil.
A crise vai empurrar a tática do PCB para uma profunda conciliação.
Como pensavam os comunistas naquela conjuntura? A visão politicista do
partido foi sendo aprimorada na perspectiva de uma saída negociada para a
crise que contemplasse a superação das dificuldades de natureza econômica
e, ao mesmo tempo, possibilitasse a superação da ditadura num processo de
transição negociada. A transição sempre se apresentou para o partido como
um compromisso político que deveria corresponder ao estabelecimento de um
pacto que modificasse as características do regime político e retomasse os
contornos balizadores da tese do Estado de direito democrático. Portanto, o
Estado da democracia formal. Sem se permitir notar que o poder de Estado é
sempre a obtenção do aparelho de Estado por uma das classes antagônicas
(SAES, 1987, p. 89) o PCB, ajudava a operar um projeto de transição que
192
apenas rearticulava o bloco de forças burguesas no poder para fazer
modificações no regime político, com a perspectiva de corresponder ao
desenvolvimento da ação efetuada pelo rearranjo de forças político-partidárias
para a nova implementação da política de Estado (SAES, 1987, p. 89).
O partido, a partir da política aplicada pelo núcleo dirigente estagnado
(CC), não demonstrou aptidão para se deslocar no sentido de uma postura que
fosse marcada por ações que o colocasse no campo da esquerda que se batia
por um projeto de classe. Sendo assim, a tese da transição que movimentou o
PCB não contemplava qualquer radicalização à esquerda, preocupado que
estava, com as desventuras do processo que, se acirrado, poderia criar
instabilidade política e criar dificuldades para as forças oposicionistas.
Analisando dessa forma a conjuntura, o partido não se inseriu no centro da luta
de classes que mobilizava os trabalhadores. A leitura anacrônica do golpe de
1964 transportava o partido para uma posição de excessiva preocupação com
atos que pudessem avolumar as contradições de classe e, caso isso ocorresse,
criar obstáculos para o processo de transição, impedindo o retorno ao Estado
de Direito formal, com a possibilidade de recrudescimento da ditadura.
A proposta dos comunistas se distingue destas. Entendemos que é necessário aprofundar e ampliar a mobilização, mas não como um fim em si ou como único meio para a conquista de um instituto democrático. A complexidade estrutural e institucional do Brasil infirma esta ilusão que quer se passar como ‘radical’. Desenvolver a campanha cívica, para nós significa impedir a articulação de um pacto elitista e, ao mesmo tempo, abrir a via para uma solução positiva para o conjunto de impasses já visível (VOZ da UNIDADE, 1984, nº 198, p. 3)
A política de “defesa” da articulação “pelo alto” contribuiu para proteger
os acordos que contavam com a participação dos articuladores do governo
burgo-militar; mesmo tendo o governo, cada vez mais, uma margem muito
pequena de apoios. Essa postura conciliatória dos comunistas diante da
transição jogava uma carga de dubiedade sobre o processo de
redemocratização. Contudo, o PCB ferido pelos processos anteriores integrou-
se ao conjunto de forças que apoiou a política de transição da ditadura para um
governo transitório através do colégio eleitoral. Mesmo essa articulação sendo
marcada pelo pacto das frações de classe da burguesia com a burocracia das
forças armadas que exercia a gerência do poder de Estado, para manter a
193
autocracia burguesa no controle do Estado capitalista (CHASIN, 2000;
FERNANDES, 1979).
Embora o PCB, nas resoluções do VII Congresso, descarte a
possibilidade do pacto “pelo alto” que seria motivado pela auto-reforma do
regime - ao colocar a necessidade da luta de massas para derrotar a ditadura -
isso não fez parte da centralidade política do partido no pós 1964. Apesar da
retórica discursiva sempre conter algo sobre o papel de vanguarda do partido.
O PCB se considerava um partido forte e rearticulado no processo de
transição, era essa a informação que passava através do jornal a “Voz
Operária”, que funcionava como porta-voz dos comunistas brasileiros. A partir
dessa perspectiva, a luta principal do partido, do ponto de vista interno, era a
organização das bases partidárias para se integrar ao processo de luta que
deveria culminar com a legalização institucional, que em tese, sairia de um
acordo dentro do processo de transição.
Com o avanço das forças do campo liberal-burguesas e com a presença
dos trabalhadores na cena política, o PCB sinalizou na perspectiva de que era
necessária a presença da classe operária naquele processo histórico. São os
relâmpagos da realidade iluminando, em poucos momentos, mais uma vez, a
realidade para o partido. E a estrutura partidária vai, de certo modo, estimular a
presença dos seus quadros do movimento operário e sindical, participando de
forma relevante nos CONCLAT de 1981 e 1983, onde teve uma respeitável
bancada no primeiro e, após o racha com os segmentos que formariam a CUT,
um grande protagonismo no segundo, quando para Ivan Pinheiro80, agiu com
“unidade, firmeza e combatividade” (VOZ da UNIDADE, 1983, nº 176, p. 11).
No entanto, apesar dessa sinalização, continuou trabalhando no cenário da luta
institucional para garantir, nas eleições de 1982, o voto útil nas forças da frente
democrática, contribuindo, assim, para consolidar as vitórias de amplas
coalizões do campo do PMDB que formaram governos estaduais de extração
liberal burguesa.
Trata-se de um arco de forças heterogêneas, vinculadas por uma dialética de unidade e luta, e que se solda na necessidade de derrotar a atual orientação econômico-financeira do governo. No plano
80 Dirigente sindical bancário no Rio de Janeiro e membro da direção do partido na época. Hoje, Secretário-Geral do
PCB.
194
institucional, tais forças se manifestam pelos partidos de oposição democrática e, inclusive, por segmentos do PDS (PCB [Giocondo Dias], 1985, p. 28).
O estoque de propostas do partido para responder aos acontecimentos
políticos e sociais que movimentavam o Brasil era pautado na solução
negociada.
Consideramos, ao contrário das Cassandras de plantão e dos catastrofistas de sempre, que o Brasil é um país viável e que, pela larga estrada da democracia, é possível transitar para uma solução positiva e progressista para a crise (PCB [Giocondo Dias], 1985, p. 30).
Essa era a saída para o processo de transição e para os descalabros da
crise social, política e econômica. Foi a partir desse arcabouço operativo que o
PCB desenvolveu o lastro principal da nova formulação e das suas ações. Essa
orientação teórico-política se firmou em contradição com a história do partido
como operador político dos trabalhadores, que tinha como perspectiva concreta
a luta pelo socialismo. Portanto, nesse período se consolidou o ciclo do partido
como agência de articulação da transição: “lutar para negociar, negociar para
mudar”. Era a ruptura com a tradição histórica do PCB para concretizar o
desmonte político e orgânico.
Partindo da consigna que articulava negociação e conciliação, o partido
dos comunistas brasileiros agiu para se diluir na ampla frente que fazia a
disputa conflitiva com a ditadura dentro das balizas políticas da ordem
burguesa. Sem nenhuma perspectiva de se desvincular do projeto geral, que
fora montado pelas frações de classe da burguesia, para ser determinantes
dentro do novo bloco no poder, o partido se transformou em linha auxiliar desse
modelo de transição e de uma análise daquela conjuntura que ficou conhecida
na Ciência Política como “transitologia” (SKIDMORE, 1988; O’DONNELL, 1988;
KINZO, 2001; LAMOUNIER, 1988). No entanto, esse ponto de vista da
“transitologia” foi criticado.
A necessidade de resgatar e dar maior atenção às variáveis estritamente políticas – antes não tidas em conta – não pode autorizar que a democratização seja vista apenas como resultado de uma eleição ou opção estratégica das elites dirigentes, omitindo o restante da sociedade, os setores populares e a própria história, [...] cujo objetivo primordial parece ser o de adotar o compromisso das
195
elites como pré-condição fundamental para a consolidação da democracia (VITULO, 2001, p. 56).
Aquela conjuntura, que foi modificada pelas características da transição
e pela presença dos trabalhadores, ganhou um novo contorno estratégico de
natureza formal nas formulações do PCB: a estratégia passou de nacional-
democrática para democrática e nacional. Fato que não modificou em
absolutamente nada a orientação tática do partido, continuou em evidência a
inconsistente linha política que já havia sido suplantada pela realidade. No
entanto, uma perspectiva se mantinha: a direção da transição e do pacto
proposto continuava sob a direção da burguesia.
O PCB, a partir dos atentados terroristas que marcaram o começo dos
anos 1980 no Rio Centro, nas bancas de revistas que divulgavam a imprensa
alternativa81 e na sede da OAB, ficou muito preocupado que os últimos
suspiros da extrema direita pudessem causar algum tipo de impedimento para
o pleno desenvolvimento do processo de transição. O partido via nessas ações
terroristas uma tentativa de construir um novo ciclo reacionário na política
brasileira. Pouco percebeu que esses atos, isolados, apesar de contar com a
leniência do governo, não tinham consistência para ganhar os setores
majoritários da ditadura e os tradicionais golpistas de 1964. O projeto do
regime era de liberalização política controlada e concessões às formas
clássicas de democracia burguesa.
[...] com o projeto distensionista, quando a institucionalidade autoritária estabelecida entre os anos de 1964 e 1974 começou a ser reformada por iniciativa do próprio governo militar e pela própria dinâmica do processo de disputa política, culminando com o fim dos governos militares em 1985 (MACIEL, 2012, p.19).
A ditadura, executando algumas de suas manobras políticas, tentou
controlar o processo em curso através de medidas de caráter autoritário
aprovadas no parlamento. Era o uso e abuso dos decretos-lei; os pacotes de
novembro de 1981 e junho de 1982 afirmaram a profunda rendição aos
interesses do FMI e aos monopólios internos em consórcio externo; criaram
casuísmos e medidas restritivas para a ação política das massas; fez ataques
81 Jornais (Voz da Unidade, Hora do Povo, Em Tempo, Movimento, Tribuna da Luta Operária, O Trabalho,
Companheiro, etc.) das organizações de esquerda que ainda eram clandestinas no Brasil e jornais de setores culturais
críticos (Pasquim, Inimigo do rei, Lampião, etc.).
196
ao movimento sindical e popular, e de cima para baixo aplicou a lei da
dissolução dos partidos. Para o PCB, essa ação terminal do regime, era
entendida como um regime contra as forças da frente ampla organizadas,
principalmente, no MDB. Não conseguiu analisar que os interesses da
burguesia estavam preservados e que era o momento de afirmar uma
perspectiva à esquerda, como fez o próprio Partido dos Trabalhadores (PT),
recém fundado (MENEGUELLO, 1989).
Contudo, mesmo com esse panorama político, o partido aprofundou a
tática politicista no rumo da conciliação. Participando de uma articulação feita
“pelo alto”, que pode ser interpretada como uma ação da lógica política
burguesa de inspiração bonapartista; faltava apenas o líder carismático e a
presença de uma forte base de apoio popular. Porém, isso não era problema,
foi logo sugerido/construído um personagem para cumprir esse papel:
Tancredo Neves (BARSOTTI, 2002).
O impacto da crise econômica, social e política floresceu a insatisfação
coletiva por eleições, renovação sindical e reorientação da economia. No
entanto, a ditadura e as diversas frações de classe da burguesia projetavam,
com algumas variações, um lento e conservador processo de transição que
desse segurança política para o rearticulado bloco de forças.
Neste contexto, é importante averiguar as resoluções que foram
apresentadas pelo partido. A marca decisiva do documento “Uma alternativa
democrática para a crise brasileira” é a ruptura do partido com a revolução
brasileira, esse tema foi debatido e aprofundada no Congresso que se chamou
de “Encontro Nacional pela Legalidade do PCB”. O esgotamento teórico-
analítico das formulações do partido, e o tipo de direção política que era
executada, não contribuíram para que se percebesse o crescimento das forças
sociais e políticas de esquerda que lutavam, também, pela democracia e
terminou por optar por uma postura de conciliação de classe na disputa pela
transição.
A saída política colocada pelo PCB para a transição seria a Assembléia
Nacional Constituinte e a incorporação da frente democrática ao processo de
fusão do PP ao PMDB e que esse instrumento político deveria sofrer a pressão
de massas através das ações dos trabalhadores e da CONCLAT. É nesse
processo político que o PCB vai afirmando a sua subalternidade aos interesses
197
da burguesia, embora continuasse fazendo um discurso difuso em defesa dos
trabalhadores. Desde as eleições de 1982 que a forma-partido ganhou outra
postura orgânica, baseada em agrupamentos que discutiam a presença no
PMDB e na frente policlassista, em detrimento da organização por células e
dos espaços da militância operária, sindical, estudantil e popular.
O Brasil já tinha lutas concretas de caráter emancipatório; a militância
política se apresentava com grande importância; surgiram diversas opções
partidárias e ideológicas. Porém, o PCB estava centrado em ações que
afirmassem a centralidade nas articulações frentistas de caráter burguês, no
voto útil para o campo da frente democrática e nas articulações para governos
de ampla coalizão e centrado na disputa nacional.
Agora, a definição passa pela construção de uma alternativa de poder viável, que enfrente o projeto do regime no terreno em que ele se apresentar, nas condições institucionais existentes. Trata-se, neste momento, de colocar na mesa e nas praças a candidatura única dos democratas não mais como uma proposta, mas como uma realidade imediata, com todas as conseqüências que dela decorrerem (VOZ da UNIDADE, 1984, nº 207, p. 3).
A partir de 197382, o PCB qualificou o regime como de caráter fascista e
lutou para superar as suas ações. Essa formulação e as ações daí derivadas
partiram das resoluções construídas pelo Comitê Regional do partido no Rio de
Janeiro, inspiradas em formulações de Prestes e militantes próximos a ele, no
começo dos 1970. Mas, no período em questão, afirmava que aquele
componente fascista colocado na caracterização da ditadura já estava
superado. Sendo assim, o partido procurou, a partir de uma consistente ilusão
de classe, articular novos componentes para realinhar a política ao espaço
onde operava a sua ação, desconsiderando a ampla trilha por onde
caminhavam os novos sujeitos que estavam realizando uma profunda
modificação na qualidade da luta de classes e impactando a cena política.
O PCB prosseguiu na vertente da subordinação de classe, para evitar os
riscos que a radicalização poderia trazer para a transição, reafirmando que a
centralidade de qualquer luta passava pela procura por soluções negociadas.
82 O partido se apropriou das formulações que desde o começo de 1970 estavam pautando o debate interno sobre o
caráter da ditadura. E em novembro de 1973, lançou o documento “Por uma Frente Patriótica contra o Fascismo”,
definindo a sua posição sobre o tema em questão.
198
Era uma postura que queria ser pedagógica para orientar uma conduta social e
política que inspiraria os envolvidos na resolução das questões da transição.
Contudo, todo esse arcabouço político só serviu para fortalecer os interesses
das diversas frações burguesas e dos políticos liberais, que foram se
solidificando no comando da transição. Era a lógica, gasta e repetitiva, da
solução negociada para mudar e avançar no rumo do movimento pela
democracia e por uma vida melhor para o povo. Discurso vazio, centralidade
equivocada, esperança na conduta da ação de todo o povo e na pressão
organizada das massas: pura abstração de um partido que deixava de ser de
classe para ser partido de todo o povo, inclusive da burguesia. Era o
estabelecimento de uma leitura liberal sobre o comportamento das massas.
O PCB continuou sem fundamentos para compreender o modo de
produção determinante dentro da formação social brasileira. Essa incapacidade
gerou uma profunda distorção na tática e na estratégia, centrando a ação
política dos comunistas na subordinação aos interesses da frente democrática,
de caráter burguês, que desenvolvia uma luta apenas pela democracia formal.
Portanto, o partido optou por uma aliança política fora do seu histórico campo
de luta e não conseguia extrair conseqüências desse processo, para poder
interromper a crise político-orgânica em que estava completamente envolvido.
4.3 A nova realidade brasileira e a problemática da s teses do PCB
As resoluções do VII Congresso, com base na linha política estagnada,
apresentaram ideias sobre as transformações sociais que estavam ocorrendo
no Brasil, analisou o processo político brasileiro e suas perspectivas, fez um
debate sobre a estrutura social brasileira no cenário contemporâneo, analisou a
burguesia brasileira, teceu pontos de vista sobre o papel da oligarquia
financeira e percebeu o papel do Estado como operador da reprodução do
capital. Contudo, embora fazendo reflexões importantes sobre as contradições
do capitalismo no Brasil, o PCB não se colocou, de maneira concreta, em
contraposição à lógica da burguesia. As resoluções não apontaram o que
deveria ser feito por um partido que, em tese, se dizia revolucionário.
Mas, todavia, ainda tinham questões que contribuíram para fortalecer a
tese reformista do PCB. A análise informava que a burguesia não monopolista
199
cresceu com o desenvolvimento capitalista brasileiro e, portanto, ficaram
avolumadas as contradições entre setores da burguesia interna com o
imperialismo. Era a reafirmação de uma tese, embora há muito equivocada,
que tinha perene validade para justificar a tática e a estratégia do partido.
Todavia, mais uma vez, o partido não percebeu o que era central no
capitalismo no Brasil: a burguesia interna estava integrada no consórcio
internacional, inclusive com valorização de espaços para a burguesia não
monopolista; a oligarquia latifundiária fez de forma subordinada a
modernização agropecuária; no ambiente dos trabalhadores, o proletariado
passou a ser a maioria na população brasileira; o trabalho assalariado havia
crescido no campo; e o movimento operário fabril avançou nos setores mais
dinâmicos do emergente capitalismo brasileiro.
No entanto, apesar dessas situações serem provadas pela realidade
concreta e analisando o capitalismo no Brasil, a partir da presença do
proletariado e da classe operária, mais uma vez identificamos que o PCB não
extraiu nenhuma lição para entender as contradições. Essa recomposição das
formulações com base nos parâmetros da realidade concreta, através do
método marxista, poderia possibilitar uma releitura das teses e levar a
recomposição do PCB, enquanto operador político, para atender aos interesses
dos trabalhadores brasileiros.
A investigação nos permite perceber outro dado importante da análise
sobre as formulações do PCB no período da ditadura burgo-militar e da
transição: a dubiedade política sobre a questão agrária dentro da realidade
brasileira. Fica identificado o desenvolvimento capitalista no campo, a ação dos
monopólios sobre a agricultura, a concentração da terra e a presença das lutas
dos trabalhadores assalariados e dos camponeses. Partindo, portanto, desses
pontos que qualificavam a forte presença proletária na sociedade brasileira e
dos novos aspectos da questão agrária no Brasil, quais seriam as lutas que o
partido deveria considerar importante e participar dentro da movimentada
realidade brasileira, qual era a centralidade da luta? A resposta não aparece
nas resoluções do VII Congresso. Não porque o Congresso não tivesse
elencado bandeiras de luta, mas porque a pauta política do PCB tinha outra
centralidade, ou seja, a transição negociada que terminou se realizando “pelo
alto”.
200
A realidade brasileira movimentou, naquele período histórico, segmentos
das camadas médias da população, empregados dos serviços, extratos
intelectuais e a pequena burguesia, com suas crescentes lutas. Contudo, a
visão do partido era teoricamente frágil para entender esses segmentos
sociais. O PCB não conseguia avançar no relacionamento com esses setores
sociais, nem explicar o seu papel em virtude de duas questões, quais sejam,
não entendia o papel do trabalhador enquanto intelectual na perspectiva de
Gramsci (2007), portanto, desarticulava esses segmentos da perspectiva crítica
e, por outro lado, tinha uma simplória compreensão de que a pequena
burguesia no Brasil era muito sensível ao fascismo. Tudo isso como reflexo da
tradicional postura dos setores médios na cena política anterior ao Golpe de
1964, quando parte desse segmento serviu de base social para os golpistas.
O documento do VII Congresso aprofundou o processo de ruptura do
partido com a sua história. No entanto, essas formulações incentivaram o
surgimento de um conjunto de características que qualificaram, à direita, a
nova presença do PCB. Agora, balizado no espectro da luta que era orientada
pela lógica daqueles que se inseriram na parceria conflitiva com a burguesia e
com o centro político de caráter liberal. Era a opção pela política de reformar o
capitalismo, para transformá-lo, em algo mais ético como etapa irredutível para
uma sociedade com justiça social. Porém, sem se identificar e atuar com
aqueles que queriam fazer transformações radicais.
O PCB relacionou questões pertinentes às características da sociedade
civil brasileira ao Estado autoritário, numa troca de características simbólicas,
objetivando entender o conjunto superestrutural e as agências sociais privadas.
Sendo assim, a oposição à ditadura devia ser entendida como um conjunto
articulado e de posições variadas. Portanto, a frente contra a ditadura devia
continuar sendo policlassista, apesar da presença de novos e combativos
atores sociais na cena política. Ao tempo em que identificou, como positiva, o
desenvolvimento de uma forte relação entre a oposição, estabelecida na frente
antiditatorial e a burguesia.
A ultrapassagem do atual momento político pelo caminho das mudanças requer das forças democráticas a compreensão de que a imobilidade do quadro institucional, a formação de impasses e o confronto somente interessam à reação. A experiência do nosso povo no processo de abertura e de derrota do regime apóia-se numa
201
combinação de lutas sociais e políticas de massas com negociações, que incluem o governo (PCB, 1985, p. 42).
Na frente política, o PCB não queria a extinção do bi-partidarismo com
os argumentos de que essa ação política do governo levaria ao
enfraquecimento do MDB como desaguadouro da unidade da frente
democrática contra a ditadura, além de dizer que os dois partidos então
existentes tinham vida na sociedade. Essa postura se transformou em mais um
equívoco, a oposição, embora em diversos partidos com características de
frente, continuou em movimento e avançou na contraposição à ditadura. Os
trabalhadores se aproximaram dos partidos, especialmente do PT e do PDT, e
cumpriram um papel importante nas batalhas eleitorais de 1982, nas “Diretas
já” e na pressão sobre a transição. Mesmo sem forças para mudar os rumos do
modelo de transição, inclusive pelo comportamento político do PCB que se
somou ao campo liberal-burguês, a oposição popular cumpriu um papel de
forçar as lutas por demandas mais avançadas do ponto de vista político e
social.
Ao lado dessas questões do movimento político partidário, existia uma
movimentação da classe trabalhadora e dos setores populares que lutavam por
bandeiras corporativas e políticas. O PCB após os desencontros do processo
de formação da CUT, quando optou por não participar da sua fundação
alegando compromissos com os processos eleitorais e a transição, aliou-se
organicamente ao movimento sindical oficial e pelego, mesmo tendo alguma
presença em setores importantes da classe operária. Assim, optava por uma
unidade atrasada em torno do velho sindicalismo.
Trabalhamos pela recondução da CONCLAT ao caminho de Praia Grande, do cumprimento das resoluções unitárias, do fortalecimento de seu papel de coordenação e articulação das ações comuns, inclusive de interlocutor frente ao governo e à sociedade. Sua legitimidade deve resultar de seu respaldo real nas entidades existentes, enraizadas nas categorias de trabalhadores (PCB, 1985, p. 18).
A presença do partido entre os trabalhadores desabava (SANTANA,
2001) e a direção do PCB não tomava nenhuma medida para superar esse
impasse. Os comunistas continuaram em rota de colisão com o novo
sindicalismo brasileiro, que marcou presença nos setores mais avançados do
202
capitalismo. No campo a aliança do partido era com os setores atrasados da
CONTAG e tinha uma ação pautada pela bandeira de uma reforma agrária que
seria conquistada pela negociação. Toda essa articulação do partido no campo
não permitia que ele vislumbrasse o papel das oposições sindicais e o
surgimento de trabalhadores que estavam se organizando e lutando por terra
com o importante apoio da CPT e sem a presença da CONTAG. Mesmo assim,
a política do PCB não deu maior importância para o papel relevante que o PT e
a CUT estavam tendo na organização da classe trabalhadora e na luta política
que fazia o enfrentamento de classe com a ditadura burgo-militar.
As resoluções do VII Congresso apresentaram a análise das
transformações econômicas em curso no Brasil. Afirmavam que continuava
existindo uma forte dominação imperialista e um desenvolvimento capitalista
tardio no Brasil. Afirmava, também, que as características do desenvolvimento
capitalista ainda tinham traços pré-capitalistas, com a burguesia interna
disputando com o capital estrangeiro o processo de monopolização crescente
da economia. Os textos confirmaram a linha política reformista e também
entraram no mérito do papel monopolista exercido pelo modelo de gerência do
Estado capitalista no Brasil.
Nesse Congresso, o PCB entendia que a sociedade brasileira, apesar da
presença do modelo gestor de capitalismo de Estado e das suas características
monopolistas, passava por um profundo agravamento das desigualdades
regionais, superexploração dos trabalhadores, péssima distribuição de renda e
um mercado interno muito pequeno. Essa última afirmação carecia de um
estudo mais detalhado sobre o tema, pois, as últimas indicações do capitalismo
no Brasil apontavam para um novo cenário. As teses localizaram o aparato de
dominação imperialista, a substancial presença dos monopólios transnacionais
agindo no Brasil, porém, o PCB não conseguiu perceber que existia uma sólida
articulação desse capital internacional com a burguesia interna. Portanto, a
contradição entre a chamada “burguesia nacional” e o capital imperialista não
encontra validade diante das características do capitalismo que se afirmava no
Brasil.
A formulação do partido se perdia ao criar uma inconsistente
contradição, em tese desfeita pela realidade, entre setores da burguesia interna
e o imperialismo. No entanto, acertava ao analisar que existia uma importante
203
movimentação governista, via o Estado ditatorial, para executar uma
determinada política econômica que favorecia o imperialismo, consolidava o
poder da oligarquia financeira, concentrava o latifúndio para a exploração
capitalista, que continuava o arrocho salarial e que desenvolvia ao extremo o
endividamento externo. Os efeitos dessa política da ditadura, para o PCB,
podiam ser encontrados no aumento do número de empresas imperialistas no
Brasil, no aumento da dívida interna e no risco à soberania nacional. Portanto,
a crise brasileira ampliou-se largamente com a política econômica da ditadura,
atingiu a formação social e criou uma preocupante instabilidade política. Esse
complexo processo foi marcado por crises políticas periódicas, tensões sociais,
inadequação do Estado e do regime capitalista para atender os interesses do
povo e por um capitalismo limitado que era incapaz de resolver os problemas
brasileiros. Portanto, em mais uma saída politicista, o PCB identificava que o
sistema de governo presidencialista era inadequado e sinalizava de forma
ainda incipiente para o parlamentarismo.
Essa leitura pode ser inquirida no sentido de se tentar compreender
como, até que ponto, se poderia exigir do projeto liberal-burguês/capitalista
uma saída para a crise brasileira que atendesse aos interesses dos
trabalhadores, ficando identificada a profunda ilusão de classe que permeava o
documento congressual. Porém, alguns pontos da avaliação diagnóstica do
partido sobre a situação da crise brasileira encontravam aderência na
realidade, vale dizer, a política que a ditadura aplicou para conter a crise tinha
levado ao desemprego, à hiperinflação, à recessão e marchava para o desastre
nacional. Sempre em forte relação com o receituário proposto pelo FMI.
A crise era profunda, as bases políticas dos golpistas estavam em fuga
do seu berço original e o consórcio das frações de classe da burguesia com a
burocracia militar que gerenciava o Estado capitalista também entrou em crise.
O processo político brasileiro demandava uma saída. Qual caminho seguir? Os
golpistas haviam interrompido, sem luta, o caminho da revolução brasileira em
1964. Na conjuntura anterior ao golpe, embora sofrendo os impactos da nova
formulação, o PCB acreditava ser importante avançar na luta de classes,
procurava ter protagonismo no processo político, agia com erros e acertos
como operador político dos trabalhadores e se colocava na vanguarda da luta
pelos objetivos socialistas.
204
Mesmo com seu partido vivendo as agruras da ilegalidade, os comunistas desenvolveram um trabalho que ia do interior das empresas, com os ‘conselhos sindicais’, passando pela entidade sindical propriamente dita até a criação das intersindicais que viverão seu apogeu ao longo do período. Percebemos que, embora apresentando algumas distinções, práticas estabelecidas anteriormente serão novamente utilizadas. Com seu aumento de influência sobre uma fatia considerável do movimento operário, o partido utiliza cada vez mais tal inserção como ponto de apoio para obtenção de seus objetivos mais amplos (SANTANA, 2001, p.100).
Porém, a conjuntura do pós golpe foi muito impactante para o PCB.
Perdendo-se em formulações claudicantes, divisão interna, problemas para
compreender a realidade e a intensa repressão, tudo isso fez com que o
partido assumisse um vago protocolo de intenções no campo da vanguarda
socialista em virtude da pauta imposta por sua estratégia e a incerta tática
politicista. No entanto, ainda discursava em nome da perspectiva de uma
preocupação com a revolução brasileira e com a perspectiva, cada vez mais
distante, da luta pela sociedade socialista. Todavia, acionou todas as energias
e formulações para a aplicação de uma tese superada. Orientava-se por uma
contradição que tinha como centralidade a luta política e social entre
trabalhadores e imperialismo. Portanto, derrotar a aliança do imperialismo com
os reacionários internos que controlavam a economia nacional, a sociedade
civil e o Estado, era o ponto mais importante da tática política do partido no
caminho estratégico para a revolução brasileira.
O arcabouço teórico-político equivocado e o oportunismo direitista do
núcleo dirigente estagnado operaram no sentido de colocar o partido numa
aliança espúria com setores liberais da política brasileira e com frações de
classe da burguesia. E para desenvolver essa posição, desarticulou-se das
demandas mais radicais das massas, da classe operária e dos camponeses,
procurando o caminho de um desfecho para crise que fosse dentro da ordem,
na perspectiva de consubstanciar reformas dentro do capitalismo que se
comprovou serem inócuas para resolveram as questões centrais da sociedade
brasileira. A orientação central do PCB, entendida pela linha política que se
dizia revolucionária no pós 1982, era a conquista do governo por um bloco de
forças que fizessem as reformas de caráter antiimperialista, antimonopolista e
antilatifundiário e que transformassem o sistema econômico, social e político.
205
A superação dos obstáculos históricos colocados, agora na cena política
da transição democrática, era pensada a partir do caráter nacional e
democrático da estratégia. No entanto, travestida de democrático e popular
difuso, consolidado num vago termo de estratégia democrática e nacional. Na
justificativa dessa posição, temos a afirmação de que a etapa em curso para a
revolução brasileira era o caminho democrático-nacional e a via para o
socialismo seria a luta pela democracia progressiva através dos processos
eleitorais dentro da legalidade burguesa. Essa perspectiva teórico-política
possibilitaria o instrumental necessário ao PCB para abrir as trilhas que levaria
o Brasil ao socialismo, através de profundas reformas na ordem burguesa e de
forma pacífica. Esse conjunto analítico, utilizado pelo partido, vulgarizou a
perspectiva pensada na Itália pelo Secretário-Geral do PCI, Palmiro Togliatti
(1971, 1980) e reduziu a democracia progressiva de caráter de massa a uma
articulação “pelo alto” com pressão das massas.
Os eurocomunistas, apesar de não estarem mais no partido, tinham
deixado pistas conceituais que foram utilizadas pelo núcleo dirigente estagnado
para instrumentalizar o vocabulário partidário. Partindo de uma visão
culturalista de Gramsci, introduzida no Brasil por Carlos Nelson Coutinho83 e
um grupo de intelectuais ligados ao PCB, os documentos partidários continham
aspectos dessa formulação usados de forma simplista, sobre a democracia de
massas e a questão do Estado ampliado. Todavia, o partido ainda estabeleceu
que para o bloco de forças realizar a revolução democrático-nacional e resolver
as tarefas inconclusas que a burguesia não conseguiu solucionar, seria
necessário uma frente policlassista, articulada num novo pacto histórico entre o
capital e o trabalho para combater o inimigo principal: o imperialismo norte-
americano.
Na formulação do PCB, o proletariado devia manter a unidade com as
frações da burguesia descontentes com o bloco no poder. O discurso da luta
pela hegemonia do proletariado na sociedade esvaiu-se na ação política
reformista. Toda a história do PCB estava reduzida, por essa formulação, ao
exercício de retórica discursiva. Portanto, o proletariado estava submetido à
burguesia dentro do bloco de forças da revolução democrático-nacional, 83 Professor da UFRJ e cientista político brasileiro vinculado ao PCB, vindo a se desligar do partido em 1983.
Introdutor no Brasil do pensamento de G. Lukács e A. Gramsci.
206
terminando por diluir-se nas frentes eleitorais que disputou os diversos
governos no processo de transição. Conformando-se, assim, numa profunda
derrota ideológica e numa nova inserção do partido na ordem burguesa para
consolidar o Estado de direito da democracia formal.
Ao lado do desastre político-ideológico do PCB, acentuava-se na
sociedade uma perspectiva classista acionada pela presença do PT, que
mesmo fazendo uma opção radicalizada pela social-democracia tardia,
conseguiu formar um novo bloco de forças caracterizado por uma perspectiva
contra-hegemônica que se consolidou à esquerda do PCB. O partido,
impactado pela linha política da negociação/conciliação, tentou se contrapor,
dentro da esquerda, ao papel do bloco petista/cutista. Contudo, a formulação
dos comunistas brasileiros entendia a questão da hegemonia como uma
disputa culturalista dentro do Estado ampliado pela democratização da vida
pública brasileira. Uma perspectiva reformista, profundamente equivocada que
informava uma tática submissa aos interesses da burguesia.
De inspiração reboquista, a ação política do partido decidiu combater o
que passou a ser chamado de postura esquerdista na política brasileira.
Tratava-se de repudiar às posições do PT e da CUT no movimento operário-
sindical e popular, com o frágil discurso de serem posturas divisionistas que
prejudicavam os trabalhadores na luta político-corporativa. A preocupação
central do partido, apesar de nomear o movimento operário, sindical e popular,
era com a transição. Para isso repetia insistentemente o papel transcendente
da negociação política, afirmando que os caminhos da transição poderiam
trilhar por três vias: repressão política por parte do regime, conciliação nacional
como pacto da burguesia e solução política negociada. A repressão política por
parte do regime não se consolidou, mas o que se apresentou com força,
inclusive contando com o apoio do PCB, foi a conciliação nacional através de
um pacto político negociado (PCB, 1984, p. 175-176).
Tivemos, então, a junção de duas das possibilidades aventadas pelo
PCB para a transição. Embora criticando o pacto da burguesia informada pela
segunda proposta, o partido considerou positiva a junção das duas últimas
propostas e fez um programa de frente democrática para a Constituinte. A
partir dessa perspectiva, o partido colocou na cena política brasileira a
efetivação do processo de conciliação através da proposta de uma Assembléia
207
Nacional Constituinte, no intuito de fortalecer o Estado da democracia formal e
lutar por amplas “liberdades democráticas” dentro da legalidade burguesa.
O ciclo inspirado nas resoluções do VII Congresso do PCB se
consolidou e criou-se as condições político-orgânicas para a integração do
partido aos aparatos ideológicos da ordem burguesa. As resoluções afirmaram
as posições que conduziriam o partido ao desmonte da condição histórica de
operador político dos trabalhadores e estabeleceu um pacto interno, através
das ações do núcleo dirigente estagnado, para construir uma nova opção
política, apesar da manutenção do dogmatismo discursivo entendido pelo CC
como marxismo-leninismo e os chavões, em tese, de inspiração socialista: era
o reformismo prático balizando as bandeiras do PCB.
4.4 O VIII Congresso: um partido para a legalidade burguesa
As resoluções teórico-políticas apresentadas pelo VIII Congresso dos
comunistas brasileiros, ocorrido com caráter extraordinário em julho de 1987,
se defrontaram com uma conjuntura política de transição da ditadura burgo-
militar para a democracia formal, após a campanha das “diretas já”, da vitória
da Aliança Democrática no colégio eleitoral que elegeu Tancredo Neves e
depois da morte do presidente eleito e da posse de seu vice, José Sarney. Mas
também, da legalização institucional dos partidos comunistas: PCB e PC do B.
O Brasil tinha um novo regime político, entendido aqui como uma
articulação da classe dominante em sua estrutura partidária para o
desenvolvimento de uma nova política de Estado, efetivado por um pacto
político feito “pelo alto” que rearranjou a presença de frações de classe da
burguesia no poder e modificou o bloco de forças políticas no controle do
governo. Essa transição se realizou como um pacto de extração prussiana
(MACIEL, 2013), desenvolvido por frações de classe da burguesia, forças
políticas liberais, personalidades da oposição progressista à ditadura e,
perifericamente, com a presença do PCB e outras forças políticas no campo da
esquerda, a exemplo do PC do B e MR-8. Todavia, essa operação de
consolidação da transição foi acompanhada pela pressão dos novos
movimentos populares, pela postura combativa e militante do novo movimento
208
operário e sindical, assim como, pela inovadora presença na cena política do
PT e da CUT.
Mesmo sendo extraordinário, o VIII Congresso consolidou a ruptura do
partido com a sua tradição revolucionária e a inserção frágil e subordinada na
legalidade da nova (velha) ordem. Esse é o marco definitivo da política do PCB
que se diluiu nas estruturas das instituições burguesas dentro da sociedade
capitalista, trazendo graves conseqüências histórico-políticas para o partido.
Na apresentação das resoluções políticas do Congresso84, Salomão
Malina, o Secretário-Geral, que substituiu Giocondo Dias no comando do
partido, travestido na nova nomenclatura de presidente do PCB, afirmou que o
objetivo central do partido era realizar um (...) “esforço coletivo dos comunistas
para adequar os parâmetros da sua concepção estratégica à dinâmica do
processo de transição” (MALINA, 1987). Confirmando-se a tese do desmonte e
da diluição na transição para postular um novo formato político e orgânico para
o PCB. Ainda sobressaía, nessa apresentação do presidente do partido, a
nítida perspectiva de se inserir no jogo eleitoral pautado pela burguesia,
quando disse que era necessário (...) “converter o PCB, a curto prazo, num
grande partido de massas e um protagonista efetivo da dinâmica político-
eleitoral brasileira (por isto, a campanha de filiação, em nível nacional, é uma
prioridade imediata)” (MALINA, 1987). Esse processo interno confirmava o
surgimento de um novo partido, sem caráter revolucionário, sem perspectiva de
dar contribuição para a revolução brasileira, sem compromisso com a
possibilidade de horizonte socialista e conformado na lógica da parceria
conflitiva dentro da ordem burguesa para reformar o capitalismo.
O VIII Congresso do PCB, “sem colocar em questão aquela concepção,
objetivada no texto fundamental estabelecido pelo nosso VII Congresso, uma
alternativa democrática para a crise brasileira” (MALINA, 1987), retirou
programaticamente e ideologicamente o partido do campo da revolução
socialista. A centralidade do PCB era a estabilidade da transição, o princípio
que deveria nortear as lutas político-sociais era o da negociação, aos
trabalhadores caberia apenas o papel de pressionar para modificar a qualidade
da negociação e preparar o partido para ter novos “signos” discursivos no
84 Texto em página sem numeração.
209
sentido de participar dos processos eleitorais. Procurava, ainda, com a
campanha nacional de filiação, modificar o perfil orgânico do partido para
integrá-lo ao modelo dos partidos da ordem burguesa. Contudo, continuavam
os pressupostos de um vago dogmatismo anacrônico, sem perder as noções
do que se chamava de “marxismo-leninismo”.
A declaração política do VIII Congresso, apresenta a análise do
processo que levou à transição e à passagem para a democracia formal.
Contudo, o PCB não entendeu que diante da grave crise social que atingia os
trabalhadores, o projeto do novo regime político só iria acentuá-la. Portanto, era
incompreensível o apoio dos comunistas ao governo que dirigia o país e a esse
modelo de transição. Naquele novo contexto, o PCB reafirmou o mesmo bloco
histórico do Congresso anterior, travestido, novamente, como um conjunto de
forças políticas e sociais que levaria a cabo as tarefas da etapa democrático-
nacional da revolução brasileira. “A magnitude do desafio e das resistências
que o povo brasileiro enfrentará vai exigir um novo bloco político e social, um
novo bloco histórico, democrático e nacional, construído por uma política de
amplas alianças” [...] (PCB, 1987, p. 7).
O novo projeto era o velho projeto da frente democrática, com
hegemonia de frações de classe da burguesia, com a integração subordinada
dos trabalhadores e que, em tese, teria o importante papel de vanguarda do
PCB para impulsionar e resolver os problemas das tarefas inconclusas daquela
etapa da revolução brasileira. Pois bem, a realidade derrotou sumariamente
essa perspectiva. Naquele contexto, o instrumental analítico do partido não
conseguiu entender as contradições do capitalismo brasileiro, o papel da
Aliança Democrática, as características da nova institucionalidade democrático-
liberal e o governo Sarney. A política dos comunistas ficou refém de uma
assustadora preocupação com a estabilidade política do bloco no poder e do
governo que gerenciava a transição.
O capitalismo no Brasil, caracterizado por novos fatores, não foi
desvelado pela interpretação do PCB que não teve instrumental teórico-político
para entender essa situação concreta, além de não ter conseguido ler as
relações políticas colocadas em ação pelo modo de produção predominante na
formação social brasileira. Para o PCB, a crise social e econômica brasileira da
década de 1980 era produto da falta de uma pedagogia da negociação, que
210
esgarçava as relações sociais, políticas e econômicas. Era uma visão
radicalmente politicista do processo. No entanto, o partido procurou criar uma
pedagogia da negociação que impactou a forma de fazer política dos
comunistas, sem, contudo, obter qualquer repercussão no movimento popular,
operário e sindical. Porém, é importante registrar que essa pedagogia da
negociação, como produto vulgar da degeneração ideológica que o partido
estava consolidando, encontrou muita resistência nas bases que tinham
militância concreta nas frentes de massa onde o PCB, através desses
militantes, atuava.
Essa resistência, que não era pequena, não transparece nas teses
aprovadas nos Congressos, pois, a dinâmica organizativa dos comunistas, com
o princípio do “centralismo democrático”, só permite aparecer a posição política
momentaneamente vitoriosa no Congresso. Além disso, essa militância
resistente à política defendida pelo núcleo dirigente estagnado encontrava-se
na base partidária, no movimento de massas e não dispunha de forças dentro
do aparelho partidário para fazer prevalecer suas posições críticas às posturas
assumidas até então pelo partido.
Com essa perspectiva de “signo” político para operar na transição, o
partido entendeu que a negociação resolveria o problema da crise na economia
brasileira. A partir dessa postura, propõe um amplo pacto entre burguesia e os
trabalhadores para construir um programa nacional que modificasse os rumos
da crise. A questão era saber quem seria privilegiado dentro dessas propostas
e a realidade deu a resposta: a burguesia. O PCB estava subsumido na
ideologia do capital, distanciado do seu projeto histórico e integrado no apoio à
ordem burguesa que operava a transição para a democracia formal. No
entanto, como exercício retórico para animar o ambiente interno, o documento
do VIII Congresso informava que o partido venceu: foi vitorioso porque a
ditadura acabou e o Brasil estava caminhando para a democracia.
Os comunistas brasileiros alcançaram êxitos importantes no período que estamos avaliando (de fins de 1983 a meados de 1987). Dentre eles, cumpre ressaltar sua contribuição à derrota do regime ditatorial e à conquista das liberdades democráticas, tarefas centrais colocadas pelo nosso VI Congresso. A contribuição dos comunistas à transição democrática tem se revelado valiosa, particularmente no plano das articulações no plano político-institucional [...] (PCB, 1987, p. 46).
211
Portanto, a centralidade da luta na trilha para a democracia era a
retirada da legislação autoritária. Passo importante, nesse mesmo sentido,
seria destruir os planos econômicos vinculados ao FMI e democratizar as
instituições da legalidade burguesa.
4.5 A continuação da longa crise econômica e social
A transição não conseguiu estancar o processo de crise. A elevada
inflação se transformou numa hiperinflação crônica, não debelada nem mesmo
após cinco planos econômicos cuja finalidade exclusiva era a estabilidade
monetária; as contas externas colapsaram, em decorrência do brutal aumento
das taxas de juros dos títulos do governo norte-americano, que levaram o país
decretar a moratória da dívida externa; a estagnação econômica com as mais
baixas taxas de crescimento da produção dos últimos 50 anos, cuja
consequência para os trabalhadores foi um alto nível de desemprego
prolongado; a dívida externa teve, também, como consequência a escalada da
dívida pública interna e alimentou a “ciranda financeira” que beneficiou os
rentistas em detrimento do capital produtivo; este último aspecto deu início a
um processo de reestruturação produtiva, cujos impactos serão sentidos pelos
trabalhadores por mais de duas décadas (MANZANO, 2005; SOUZA, 2007).
A partir desse cenário econômico em profunda crise, o bloco de forças
no poder se articulou para intervir na disputa constitucional. Essa agitada
conjuntura econômica e política desvelou a subalternidade da postura do
partido que sucumbiu às propostas da Aliança Democrática. Essa posição ficou
bem definida nas eleições de 1986, quando os comunistas disputaram as
eleições com legenda própria - após quase 40 anos de dura clandestinidade –
em completa articulação com o bloco de forças políticas que transitavam na
base de apoio da aliança governista.
Em linguagem usada historicamente pelos próprios comunistas, era o
reformismo e a conciliação de classe no comando da política partidária. O PCB
foi derrotado dentro do próprio campo que ele escolheu para atuar, elegeu
apenas três deputados federais e outros poucos deputados estaduais. Mesmo
assim, o partido marcava posição ao lado do PMDB e desenvolvia uma dura
212
crítica contra o PT. Com o decorrer desse processo de transição, após vários
rearranjos internos do governo Sarney, o PCB, tardiamente, mais uma vez,
considerou que o governo havia mudado de posição. O partido não queria
entender que a transição era conservadora e cumpria o seu papel contra os
trabalhadores, era o preço pago pelo profundo apego à luta pelo Estado de
direito da democracia formal. Começou a se esfacelar o discurso projetado pela
pedagogia da negociação. Mesmo nesse campo, o PCB não vislumbrou a ideia
de que a burguesia não iria negociar com quem já não tinha força social e
política. Os trabalhadores e os lutadores populares tinham feito outra opção.
Na conjuntura de crise que o PCB se encontrava no VIII Congresso, as
resoluções apresentaram uma avaliação sobre os partidos que atuavam na
cena política, discorrendo sobre o comportamento conservador do PFL,
sugerindo bandeiras para o PMDB e uma séria crítica aos partidos de centro-
esquerda – particularmente ao campo brizolista (PDT), para reafirmar a defesa
da aliança democrática como um instrumento diferenciado, agora, do bloco de
forças governistas, por conter segmentos mais progressistas do que aqueles
do governo e por avaliar que o governo estava fazendo uma inflexão à direita
para rearticular forças que integraram o bloco no poder durante a ditadura.
Mais uma vez, de acordo com as resoluções, o antigo bloco de forças queria se
beneficiar das políticas do Estado brasileiro. Mesmo assim o partido continuava
com uma conduta dúbia em relação ao governo Sarney e tinha apoiado
integralmente o conjunto de forças do bloco político no governo85, tendo o
PMDB à frente, que teve uma vitória expressiva nas eleições de 1986.
Portanto, o partido apoiou e participou de governos estaduais com
substantiva presença de setores conservadores da política brasileira, a
exemplo dos de Moreira Franco no Rio de Janeiro, Orestes Quércia86 em São
Paulo, Newton Cardoso em Minas Gerais, Carlos Bezerra no Mato Grosso e
Álvaro Dias no Paraná (Voz da Unidade, 1986). 85 Através do jornal Voz da Unidade, porta-voz oficial do Comitê Central (CC) do PCB. Surgiu em março de 1980 e
deixou de existir em 1991.
86 O Comitê Regional do PCB em São Paulo fez uma ampla e prolongada articulação para que o partido definisse o
apoio ao candidato do PTB, o empresário Antônio Ermírio de Moraes, em detrimento do candidato do PMDB. Essa
movimentação do CR paulista causou uma série de problemas a seção do PCB no estado. Desde ao desligamento de
centenas de militantes a desgaste público na esquerda brasileira, gerando um debate interno de caráter nacional que
contribuiu para aprofundar a crise que já estava instalada no partido. No entanto, depois, o partido se recompôs com
Quércia.
213
O governo Sarney aprofundou a crise econômica brasileira e entrou,
paulatinamente, em contradição com o partido. No entanto, era nítido o
compromisso daquele governo com a direita através das ações que foram
desenvolvidas para beneficiar frações de classe da burguesia e, ao mesmo
tempo, aplicar uma política recessiva que prejudicava os trabalhadores.
Contudo, a vitória do bloco burguês nas eleições de 1986, de certo modo,
motivou o PCB a acreditar que essa articulação política fosse realmente o do
bloco de forças que iria restabelecer a democracia e retirar o chamado “entulho
autoritário” das instituições brasileiras. E passou a defender um processo
constituinte que fosse representativo da frente policlassista, balizada pela
presença dos setores conservadores burgueses, inclusive reacionários, liberais
progressista até os comunistas. Portanto, sempre lutando para que a transição
não tivesse nenhum abalo político e fosse preservada a estabilidade do
processo.
O partido sempre via, pelo foco na história pretérita, as crises políticas
do passado e considerava que era o sistema político brasileiro que alimentava
a instabilidade que regularmente atingia a democracia. Contudo, se equivocou
seriamente ao não analisar que era o papel da burguesia que regularmente,
para defender seus interesses, atacava o Estado da democracia formal para
aprimorar o processo de exploração.
Com uma ação pautada pelos impasses da cena política, o PCB
apresentou uma proposta para a Constituinte, intitulada Novos Rumos:
Constituição Nova para o Brasil. Tratava-se de uma plataforma de unidade
para o bloco de forças que dirigiu a transição, que contemplava os mais vastos
interesses que iam do bloco no poder aos trabalhadores que faziam uma
combativa pressão na luta política e corporativa. No entanto, mantinha a
sucateada premissa tática: a negociação por um pacto político social.
O projeto de reformas contido no programa era um vago plano de
emergência, que acenou para a possibilidade da burguesia sair da crise pela
tática proposta que submetia o movimento de massas e os trabalhadores ao
processo de transição, pregava a unidade das forças burguesas e
progressistas, afirmava que era necessária a estabilidade do governo Sarney e
da frente democrática. Portanto, a esquerda não poderia atacar o governo, nem
o bloco de forças da frente. Essa política de acordo e conciliação de classes
214
introduziu o partido na vala comum do pacto social, da ilusão de classe e da
integração, mais uma vez, à ordem social capitalista.
No entanto, seguem as avaliações baluartistas: as resoluções
consideraram exitosa a intervenção do PCB entre 1983 a 1987. Mais uma vez
o PCB apontava que foi vitorioso na transição política, mesmo a transição
sendo controlada pelo bloco liberal-burguês. A afirmação em ter sido vitorioso
fica explícita na medida em que o partido considerava que as suas formulações
políticas e seu empenho pela negociação pautaram o processo de transição,
independente de quem tenha sido o operador político e da classe social que
conquistaram a hegemonia no poder de Estado. Ao lado do baluartismo, mais
uma vez, se afirmou a retórica discursiva de que o partido tinha desenvolvido
esse papel para defender os interesses da classe operária, [...] “enquanto força
política que se propõe a contribuir para a articulação da frente democrática e a
lutar pelos objetivos históricos do proletariado” [...] (PCB, 1987, p. 3).
Mas, concretamente, o que se efetivou foi a derrota política do partido
que também se deu no campo onde ele se integrou como linha auxiliar e
imaginava dar orientação, ou seja, na frente policlassista que realizou a
transição. Isso foi determinante para a crise político-orgânica do PCB e as
debilidades vieram a público numa célere movimentação de problemas.
Pressionado internamente pelas bases que contestavam essa política e a ação
subalterna do partido, a direção despertou para possibilidade de alianças no
movimento de massas e sindical. No entanto, continuou procurando forças
atrasadas e pelegas (CGT) para responder ao questionamento interno. Era
muito pouco, boa parte da militância acossada pela presença do PT, da CUT e
até do PC do B, que havia preservado sua presença no movimento operário-
sindical e popular, cobrava mudanças na orientação do partido em várias
frentes e bases.
Para José Paulo Netto, o partido apresentava muitas possibilidades de êxito para superar seus problemas e assumir sua posição devida na conquista de uma sociedade socialista; porém, ele assinala, que ‘também nunca foi tão forte a pressão (externa e interna) para convertê-lo num partido da ordem’ (SANTANA, 2001, p. 256).
O instrumental teórico-político tinha colocado o partido na mais
completa subordinação para preservar a estabilidade da transição e, para
215
concretizar essa postura, fez uma correia de transmissão da sua linha política
para a atuação no sindicalismo brasileiro. Tentando tornar o sindicalismo
subordinado à frente democrática e ao processo de transição, o PCB procurou
movimentar os setores envelhecidos e atrasados da estrutura sindical para
tentar modificar a contínua perda de sua influência na sociedade.
Essa política havia modificado radicalmente a estrutura interna do
partido, no entanto, militantes resistiam ao fim do partido como operador
político dos trabalhadores e procuraram disputar, no espaço interno, os
destinos do PCB. Tarefa das mais complexas diante do avançado estágio de
subalternidade ideológica a que o partido fora colocado e diante da sua
estrutura interna de funcionamento bastante rígida em decorrência de ter
passado a maior parte da sua história na clandestinidade.
O partido perdeu um grande patrimônio ao afiançar uma perspectiva de
luta contra a ditadura burgo-militar e ao optar por uma transição sem
protagonismo dos trabalhadores. Contudo, é correto afirmar que mesmo com
essas vicissitudes políticas o partido dos comunistas brasileiros - que foi
massacrado pela ditadura com prisões, torturas, assassinatos e exílio forçado -
entregou seu patrimônio histórico e seu futuro político às jornadas de luta pela
busca constante das liberdades democráticas. Essa ação não conseguiu
preservar o protagonismo do partido e criou dificuldades para sua
sobrevivência.
4.6 A crise do PCB ao final dos anos 1980
A situação de profunda crise do PCB, nos estertores dos anos 1980 é
herdeira de um longo período de contradições que marcaram as formulações
teórico-políticas do partido em consonância dialética com uma práxis que era
subordinada ao campo liberal-burguês da democracia formal. Este complexo
arcabouço, que relacionou formulação e ação políticas, se consolidou a partir
da direção dada ao partido por um núcleo dirigente estagnado (maioria do CC)
que se mostrou completamente apático para ação e equivocado na
interpretação da realidade concreta. Essa direção não teve capacidade para
desvelar a cena política da transição democrática, muito menos o fechamento
do último ciclo da revolução burguesa no Brasil. Não compreendeu, o PCB de
216
então, que o desenvolvimento capitalista entre 1964-1979 negou o projeto do
partido.
A etapa burguesa, ao contrário das expectativas do PCB se completara, mas não eliminara os problemas essenciais da sociedade nacional, pelo contrário, se fizera em cima da conservação de estruturas arcaicas e impulsionada por essas estruturas. Ao contrário do que acreditava o PCB, a presença do imperialismo e a manutenção do latifúndio não se constituíram em obstáculos para o desenvolvimento conservador orientado pelos interesses das frações burguesas que sustentaram o golpe militar. Ou seja, o desenvolvimento impulsionado pelo regime militar não havia sido feito em nome de uma revolução nacional e muito menos democrática e antiimperialista, pelo contrario, conduzira a uma crescente dependência externa e associação entre as burguesias interna e externa. Isso desmistificava a ilusão comunista de uma ‘burguesia nacional’ interessada no desenvolvimento autônomo e progressista do país e, portanto, interessada na efetivação de uma revolução nacional-democrática no Brasil (MOURA, 2005, p. 66).
Esse conjunto de posições erráticas afirmou algumas características que
nos chamaram à atenção durante a pesquisa. O PCB da longeva luta
revolucionária na história do século XX não existia mais. O projeto não
deliberado da direção caracterizada como Pântano, consolidada enquanto
direção tardia e estagnada, havia sido vitorioso ao afastar o partido de uma
vida orgânico-política revolucionária. No entanto, não obteve nenhum respaldo
dentro do processo de integração à ordem burguesa. Tratou-se de uma
ardilosa articulação para integrar o PCB na institucionalidade burguesa e
depois descartá-lo, mesmo com o seu interesse de ser parceiro sem conflito do
bloco liberal-burguês. Faz-se saber, quem ou quais elementos desenvolveram
essa ação destrutiva?
Optamos por procurar razões teórico-políticas para explicar essa derrota
dos comunistas brasileiros na sua ação dentro da realidade brasileira e
deixamos para a história o julgamento de quem operou essa destruição.
O PCB, com erros e extraordinários acertos na história da luta de
classes no Brasil, transformou-se durante grande parte do século XX naquilo
que caracterizo como operador político da classe operária, compreendendo
essa categoria explicativa como uma construção dialética, que a partir das
formulações políticas e da práxis social, gera um arcabouço de impacto teórico-
político e cultural de forte conotação ideológica que marcou com esta presença
a luta pela transformação da realidade brasileira na perspectiva da revolução
217
socialista (PINHEIRO, 2011, p. 02-03). No entanto, a subordinação das
formulações ao taticismo politicista de uma leitura vulgar sobre a questão da
democracia, feita a partir da “Declaração de Março de 1958”, derrotou
paulatinamente a condição histórica de ser operador político dos trabalhadores.
Transformou-se em mais um partido que atuava dentro da ordem. Porém, sem
o consentimento da ordem. Este é um detalhe importante para entendermos
esta história.
Entrando no debate sobre a questão da democracia aberto pela crise
que se estabeleceu no “Socialismo real” a partir das contradições do XX
Congresso do PCUS, o PCB fez um enorme esforço intelectual e político para
construir uma nova perspectiva política para a sua prática social. Todavia, o
seguidismo de partidos e governos (socialistas) não possibilitou uma
interpretação da realidade brasileira e da formação predominante no
capitalismo interno que respondesse a um salto de qualidade na formulação e
na ação concreta. A todas essas questões, somaram-se ao parco
entendimento sobre as características do capitalismo, o comportamento
oportunista e carreirista de uma direção que visava apenas a manutenção do
aparelho e que começava a nutrir profundos interesses reformistas.
É com base nessas contradições que a nossa pesquisa levantou alguns
pontos para explicar as razões dessa crise e da derrota que concluiu o
processo de ruptura da transição e do exílio da política dos comunistas
brasileiros87.
As contradições que permearam o debate sobre a questão da
democracia colocaram o partido numa situação de profunda ambiguidade para
realizar o conjunto das suas ações político-sociais. Esta ambiguidade também
se manifestava nas resoluções que foram formuladas sobre a centralidade da
tática e estratégia que deveria orientar o PCB.
Antes de mais nada, para esse projeto de dimensão estratégica, é fundamental a existência de um Estado de Direito democrático. E para conquistarmos é preciso que a transição, que se desenvolve num quadro de contradições, consolide-se e avance enfrentando os graves problemas políticos, econômicos e sociais, que ameaçam paralisá-la ou desviá-la, com respostas eficazes e vinculadas aos objetivos democráticos, que uniram amplas forças contra o autoritarismo (PCB, 1987, p. 3).
87 Fato ocorrido entre o período de 1971 a 1991.
218
A nova estratégia, definida no VII Congresso, de caráter democrático-
nacional como etapa da revolução brasileira, em nada modificava as balizas
táticas e de ação político-social do partido. Era apenas, em última instância,
uma inversão semântica para tentar valorizar o papel que o partido estava
dando para a questão da democracia. Vulgarmente copiada do PCI para
ganhar contornos de massa com caráter progressivo que, no caso do PCB,
apenas adjetivava o debate e a prática política. Estava longe de ter contornos
de centralidade político-ideológica para avançar na luta de classes.
As desventuras da questão democrática colocada pelo partido e a
ossificação da estratégia, assim como da ditadura politicista da tática,
subalternizaram os interesses da classe operária dentro da linha política do
PCB. Portanto, “Os comunistas, coerentes com a sua estratégia para a
transição, buscavam ‘balizas mínimas do espaço de conflito’. Era preciso fazer
acordos para reordenamento político-social” (SANTANA, 2001, p. 259).
Diante desta opção, colocar o programa da classe em segundo plano
passou a ser uma condição de cláusula pétrea dentro da linha política que
orientava a ação do partido para a negociação como o único instrumento capaz
de dar consistência à ação do PCB no processo da longa transição
democrática e que depois se consolidou como objetivo que norteava a atuação
do partido. Era a ditadura taticista do “Lutar para negociar, negociar para
mudar” impregnando o partido de uma nova cultura política pautada no
reformismo e na conciliação de classe.
As hipóteses de trabalham vão se confirmando, o PCB foi derrotado na
transição democrática. E a opção por apoiar e participar do governo burguês da
“Nova República” foi o último grande lance da subordinação do partido ao bloco
do poder. “A ‘Nova República’ com Tancredo e Sarney, ao contrário do que
seria com Paulo Maluf e Flávio Marcílio era vista pelo partido como uma grande
vitória política das forças democráticas e oposicionistas” (VOZ da UNIDADE
[Salomão Malina], 1986, p. 8). O PCB naquela perspectiva dava centralidade à
coesão daquela transição.
Movido pelas esperanças no processo que se iniciava e pela necessidade de garantir a estabilidade da transição para um regime democrático, o PCB reiteraria a necessidade de se manter a unidade
219
das forças democráticas e a frente utilizada na luta contra a ditadura (MOURA, 2005, p. 124).
Mesmo com a campanha e o processo negociado de legalização do
partido, que em tese contribuiria para que o PCB voltasse à disputa pelo
protagonismo dentro da esquerda brasileira, não possibilitaram nenhuma
chance para o PCB se recolocar. O espaço já estava ocupado pelo PT, o PC
do B e as diversas correntes clandestinas que atuavam a partir de um projeto
classista dentro da sociedade brasileira. Em especial o PT, que já vinha com
uma postura de demarcação de espaço que, paulatinamente, o transformava
em força hegemônica na esquerda brasileira. Portanto,
Na direção contrária, encontramos o PT. No período da articulação da chamada candidatura única das oposições, o PT deixava clara a sua discordância acerca dos princípios norteadores dos arranjos em efetivação. O partido verá a saída via o colégio como um engodo e se posicionará pelo boicote aos candidatos (SANTANA, 2001, p. 251).
Vinha à tona, com força, a política que dava prioridade para uma
atuação junto aos setores pelegos e atrasados do movimento operário e
sindical. Já havia passado o momento no qual o PCB deveria ter tomado
algumas decisões: ser governo ou oposição, ir para a CUT ou para a CGT, ter
como central os objetivos da reforma ou da revolução, optar pela classe
operária ou pelo povo e por fim, lutar para defender o programa de um partido
revolucionário ou se estabeler no campo da ordem institucional. Pelo
desenrolar desta pesquisa fica fácil responder: o PCB optou pelo convívio com
o governo burguês, pela CGT, pelo genérico discurso em defesa do povo e por
interagir politicamente no campo da ordem institucional da democracia formal.
Era a ironia da história que “opera através do material humano que encontra
disponível” (DEUTSCHER, 1968, p. 53).
4.7 Uma candidatura “redentora” para o PCB: Roberto Freire
Diante desse quadro, em que a perspectiva revolucionária estava
totalmente impossibilitada de ter qualquer protagonismo dentro do PCB e da
opção por outro objetivo político que radicalizava a nova política com a sua
conseqüente atuação, o núcleo dirigente estagnado – impactado pela
220
resistência interna – apresentou ao partido uma candidatura para a Presidência
da República como instrumento para costurar a unidade interna e reacender o
ânimo que havia sido perdido pelos comunistas brasileiros (BARBEIRO, 1989).
Contudo, escolheu uma candidatura para as eleições de 1989 que
representasse a afirmação de todo o arcabouço pretérito que havia levado o
partido à derrota. No entanto, modificado pelo discurso de tipo moderno e
colocado na perspectiva de um Partido Novo que fazia autocrítica da herança
marxista-leninista e do socialismo chamado de “real”.
O Comitê Central do partido escolheu o nome público que mais
representava essas modificações e capitulações políticas, tratava-se de
Roberto Freire que era deputado federal pelo estado de Pernambuco. Era a
expressão mais aperfeiçoada da síntese dialética entre forma e conteúdo.
Roberto Freire representava uma perspectiva política cujo objetivo era diluir o
PCB na participação eleitoral para todos os níveis das eleições burguesas.
Para ele a dimensão da luta por mudanças políticas estava submetida na
centralidade das disputas eleitorais, essa era a convulsão política que
guardava a ligação da estratégia com a tática do PCB.
Era a primeira eleição direta para Presidente da República depois da
substituição da ditadura burgo-militar. O Brasil demonstrou profundo interesse
no debate político, os trabalhadores e as camadas populares se
movimentavam para compreender o processo e escolher seu candidato. O
PCB, alheio a esse processo de engajamento estava interessado em debater a
estabilidade política da democracia formal, as pequenas modificações
institucionais e o novo projeto de partido.
Sendo assim, o PCB realizou uma cruzada nacional para divulgar o
programa da candidatura, mobilizar a militância do partido e procurar ganhar
setores médios que se orientavam pelo chamado voto de opinião. A campanha
galvanizou amplos setores do mundo intelectual e artístico. Todavia, não teve
maior expressão entre os trabalhadores e as camadas populares.
O candidato considerou mais importante afirmar um perfil pessoal do
que representar um programa. No entanto, mesmo com essa característica
marcante, aparecia por trás do candidato um genérico programa reformista
sem substância para qualificar uma proposta para o Brasil. Contudo, a
221
campanha fez um difuso discurso por direitos pautado em subjetividades que
apenas empolgou pequenos setores da sociedade.
Do ponto de vista da direção partidária, a característica central daquela
candidatura era marcada pelo interesse em deslocar o PCB do campo da luta
revolucionária e assentá-lo no bloco político da ordem burguesa. Considerava
que somente uma mudança radical nas ideias partidárias possibilitaria a
renovação da organização e o desenvolvimento da questão democrática,
possibilitando que o Brasil saísse do atraso político que marcou a sua história,
com golpes, autoritarismo e práticas políticas superadas no mundo político
ocidental. Era a perene busca pela democracia. Só que naquela conjuntura, a
procura era pela democracia formal da ordem burguesa na perspectiva de que
o PCB ainda tivesse algum crescimento e, talvez, algum protagonismo político.
A candidatura de Roberto Freire representava uma falsa renovação na
política do partido. A presença do PCB no processo eleitoral se contrapunha
aos setores da social democracia radicalizada – representada pelos setores
majoritários do PT e da CUT – e, mais uma vez alimentava a velha política da
capitulação e a postura política da parceria conflitiva com o consórcio burguês
através da proposta de pacto social.
Roberto Freire fez usos e abusos da conjuntura de crise, sempre com
um discurso que apelava para buscas de alternativas dentro da legalidade
institucional da democracia burguesa. Mas, quando o tema da crise era
debatido a partir da situação em que se encontrava o partido e/ou o mundo
socialista, a perspectiva discursiva era demonstrar que ele estava trazendo
algo novo para superar aquela situação, mesmo tendo que enterrar a história e
as lutas da tradição do PCB.
É a famosa tese de que nas crises surgem as situações mais avançadas: ‘a crise como parteira da história’. Essa crise no entanto, pode não ser parteira, mas talvez possa vir a ser o nosso coveiro. É a crise não só do PCB, mas dos PCs no mundo inclusive dos que estão no poder (FREIRE, 1989, p. 161).
A candidatura do PCB era uma tentativa de suspender a problemática
interna e, mais uma vez, tentar a unidade e o convívio político das partes em
litígio sob a direção do núcleo dirigente estagnado. Era uma forma de
suspender os debates entre “frente de esquerda” ou “frente democrática”,
222
manter distância do convívio com o PT e evitar a decisão quase que
hegemônica da base sindical de entrar para a CUT.
Na eleição de 1989, o PCB, através de Roberto Freire, tentou apresentar
um discurso que trazia algumas ambíguas novidades para consolidar um novo
perfil. Eram rótulos pouco definidos que designavam um discurso com frases
lacônicas onde apareciam palavras de ordem soltas: “esquerda moderna”,
“socialismo democrático”, “nova esquerda”, “novo socialismo” e críticas aos
regimes de Cuba e China por considerar que neles não haviam “liberdades
democráticas”.
Durante a campanha, o candidato do PCB tentou se distanciar da
perspectiva estatista que existia nos países do “Socialismo real”, considerando
que esse modelo estava superado e não mais atendia ao modelo de
organização do Estado contemporâneo. “Precisamos de um Estado forte, a
serviço do público e não do privado, em articulação com o capital particular,
numa economia mista sob controles sociais. Socialismo não se confunde mais
com estatismo” (VOZ da UNIDADE, 1989, p. 3).
Ao lado deste debate político, surgiram propostas que garantiram
repercussão em setores restritos da sociedade por tratar de questões
individuais e se apresentar como novidade, a exemplo da questão da
descriminalização da maconha e da possibilidade de legalizar o aborto.
Roberto Freire e o núcleo dirigente estagnado do PCB tergiversavam
sobre as reais condições do partido dentro da esquerda brasileira. Negando ou
descaracterizando as verdadeiras condições do partido, que já havia sido
superado há muito tempo pelo PT, na esquerda. Como demonstra a entrevista
de Roberto Freire:
Um dado importante é que na esquerda brasileira não existe ainda o que nós poderíamos chamar um partido dominante. Um partido que já tenha sido aceito pela sociedade como aquele partido da vanguarda da esquerda brasileira. Em outras palavras, não existe o partido hegemônico, aquele que dita o caminho que deve seguir todo o movimento operário, todos os trabalhadores. Isso não foi ainda definido. Quem vai definir esse aspecto é esse novo processo democrático que nós estamos vivendo. E aí nesse sentido é importante dizermos da nossa concepção, que é uma concepção, hoje, por exemplo, que tem a base maior, do ponto de vista teórico e até mesmo da grande discussão do socialismo no mundo, que é a perestroika, que é a glasnost, que é o processo de renovação por que passam a União Soviética e o mundo socialista, a partir do Presidente Mikhail Gorbachev (BARBEIRO [FREIRE], 1989, p. 5).
223
O Roberto Freire e a campanha do PCB marcaram definitivamente a rota
que o partido construiu para chegar ao ponto decisivo onde se daria a última
batalha da crise político-orgânica. As eleições no seu término criaram
expectativas diante de um resultado complexo.
A campanha presidencial, a princípio apenas uma tentativa de afirmação do partido no cenário da política brasileira (talvez apenas no cenário da esquerda) e uma tentativa de afirmação de suas fileiras, foi assumindo aos poucos uma aura de ‘novidade’ para alguns setores da sociedade brasileira, em especial da intelectualidade. Teve sem dúvida uma força simbólica maior que o resultado final alcançado (o oitavo lugar geral, com cerca de 1% da votação total ou aproximadamente 769.000 votos) (SILVA, 2005, p. 131).
4.8 Aspectos da crise do socialismo na URSS e no Le ste Europeu
A complexa e profunda crise político-orgânica que o PCB estava vivendo
ao final dos anos 1980 e o começo da década seguinte ganharam contornos de
dramaticidade com o colapso da União Soviética e das chamadas
“democracias populares” do Leste Europeu. As contradições e os aspectos
centrais da contrarrevolução na URSS impactaram e determinaram uma nova
pauta dentro da crise do partido. Contudo, o conteúdo do que poderia se
entender como mais uma questão era de conhecimento do PCB há muito
tempo.
Com o chamado stalinismo, o marxismo dado à luz pela terceira
internacional se converte numa ideologia de Estado – um discurso adequado
para legitimar aparatos de poder. É evidente que esta conversão não foi
simples nem linear, e aqui só importa assinalar seu resultado. Já nos anos 30,
o marxismo está institucionalizado: investido como ideologia oficial do Estado
autocrático stalinista, ele se torna uma linguagem e uma estratégia de poder.
Essa transformação não atinge apenas o mundo cultural soviético. Através da Terceira Internacional, os modelos políticos e ideológicos do partido soviético stalinizado se generalizam entre os comunistas de todo o mundo. Correia de transmissão da autocracia stalinista, a Terceira Internacional cumpre a função de equalizar o pensamento comunista, de uniformizá-lo e homogeneizá-lo segundo as fórmulas do marxismo institucionalizado (NETTO, 1985, p. 50-51).
224
Os anos 1980 foram devastadores para o modelo econômico usado pelo
regime político que existia na URSS, mesmo assim, não se esperava uma
derrocada tão espetacular do chamado “Socialismo realmente existente”,
naquela parte do mundo. Não pela natureza das relações sociais, mas,
objetivamente, por se tratar de uma grande potência mundial com enorme
controle interno e vasta área de influência mundial. Aparentemente, apesar da
crise no modelo de gestão do trabalho e da dinâmica política que demonstrava
uma parca socialização da participação política, não desvelava os rumos e
contornos que ganhou para colapsar o modelo como um todo.
A situação ficaria insustentável em 1989, quando os regimes socialistas do Leste Europeu caíram como ‘castelos de cartas’, numa sucessão de acontecimentos que ficou marcada especialmente pela queda do Muro de Berlim (que cortava a cidade, na fronteira entre as duas Alemanhas) em outubro. Não houve propriamente a derrubada de nenhum governo, simplesmente a desintegração de um poder corroído pela crescente crise econômica, pelo baixo apoio interno e pela perda da sustentação externa. Mesmo porque não havia oposições suficientemente organizadas para operar tais derrubadas. O que ocorreu de fato foi uma sinalização clara de suas populações de que aqueles regimes não tinham mais legitimidade. Aceitando rapidamente a derrota e sem ter a quem recorrer como no passado, as elites políticas socialistas simplesmente se retiraram (SILVA, 2005, p. 135).
A tentativa de superação dos graves problemas identificados pelo PCUS
a partir de 1985, contidos nas plataformas programáticas do que se
convencionou chamar de glasnost e perestroika, não foram suficientes para
controlar a grave situação do país.
Em um primeiro momento, a partir de 1987, as denúncias na imprensa se concentraram nas questões ecológicas, na escassez, na má qualidade dos bens e serviços. [...] Da crítica às questões do cotidiano, da economia e das greves reivindicatórias passou-se à esfera política, a denúncia das desigualdades, da injustiça, dos privilégios da burocracia, da continuidade do stalinismo (RODRIGUES, 2006, p. 231).
A palavra de ordem do governo Mikhail Gorbachev era a liberalização
do regime no campo político e econômico, enfrentando os “conservadores” e
abrindo novas perspectivas para mediar a crise diretamente com as camadas
populares insatisfeitas com o regime. No entanto, a burocracia convertida em
classe dirigente percebeu que havia começado o fim do sistema e acelerou o
225
processo de usurpação dos meios de produção. Ao tempo em que a
intelectualidade fazia uma enorme rotação para se converter ao pensamento
neoclássico.
Parte dos novos economistas e acadêmicos soviéticos, convertidos agora ao liberalismo radical de Friedrich Hayek e Milton Friedman, parecia de repente acreditar que uma economia baseada exclusivamente nas virtudes do mercado, nas leis da oferta e da procura, poderia suprir as carências dos cidadãos soviéticos e de repente encher as prateleiras das lojas, a exemplo do que viam nos países da Europa Ocidental (RODRIGUES, 2006, p. 239).
A situação convulsionada na URSS causava inflexões no debate interno
do PCB. O partido esgotado pelo seu instrumental teórico-político, pautado por
uma atuação que o subalternizava na política burguesa e derrotado nas frentes
de massas, de onde se afastou, não conseguia entender o processo em curso
na URSS e se utilizava do clássico seguidismo para se colocar ao lado do
Secretário-Geral do PCUS, Gorbatchev.
A queda do muro de Berlim havia produzido uma enorme convulsão
social no bloco socialista e a própria União Soviética não conseguia responder
à crise através das plataformas da perestroika e da glasnost. Além do mais,
ocorria uma disputa dentro do partido e do governo, e uma disputa na
sociedade com o político “reformador”, Boris Yeltsin.
Os acontecimentos políticos ganharam contornos de radicalidade no ano
de 1990 dentro dos países do chamado bloco socialista. O PCB, que apoiou de
forma subordinada o modelo socialista daqueles países, ensaiava algumas
críticas sem se deter com profundidade sobre o problema da revolução
socialista e seus descaminhos.
A revolução bolchevique com seu percurso épico-trágico construiu uma
perspectiva de socialismo em um país que, apesar dos estudos de Marx sobre
as comunas russas (2013), não tinha algumas pré-condições para aquela
revolução se concretizar. Trata-se da ausência de desenvolvimento das forças
produtivas e da existência de um numeroso proletariado politizado e com
destacado papel de vanguarda. Estes dois aspectos se somavam, antes da
Revolução, ao alto grau de analfabetismo e o nacionalismo conservador como
ideologia disseminada na sociedade russa.
226
Era um país que saiu de uma autocracia czarista, com um gigantesco
déficit de democracia, para uma revolução socialista que logo nos seus
primórdios passou por uma guerra civil e pela invasão de exércitos
estrangeiros. Quando a guerra civil acabou em 1921, tinha morrido 1/5 do
proletariado e a produção estava reduzida aos níveis de 1913. A solução
encontrada por Lenin foi desenvolver técnicas híbridas que se aproximavam do
modelo capitalista (NEP) para recuperar a produção e tirar o país da fome.
Após a morte de Lenin, sobe ao poder Stálin. A partir daquele momento
as características centrais do ideário marxista sobre a transição foram
congeladas. A URSS passou a conviver, após 1929, com baixo nível de
tolerância política e entre 1936 a 1939, com um profundo despotismo de
natureza pré-bolchevique que foi usado para a formação da autocracia
stalineana que se consolidou como herdeira da pretérita cultura política russa.
A URSS passou a conviver com um grande déficit de liberdade política e com o
equívoco da fusão entre partido e Estado, gerando uma burocracia que aos
poucos derrotou a revolução para poder manter os seus privilégios.
Aqui no Brasil, o PCB só via o lado positivo daquele processo na URSS.
O papel da União Soviética na II grande guerra, o bem estar do povo soviético,
o progresso científico, o apoio internacionalista aos povos em luta pelo mundo
afora, solidariedade aos perseguidos pelas forças reacionárias em seus países,
a agressão imperialista por parte dos EUA, etc. No entanto, nunca discutiu, a
não ser em momentos de rebelião interna (divulgação do relatório do XX
Congresso do PCUS), os crimes da era stalinista, as invasões na Hungria e na
Tchecoslováquia e demais problemas.
Podemos afirmar, de uma maneira genérica, que a problemática final da
URSS e dos países do Leste Europeu foi pautada pela disputa armamentista,
pela degeneração da burocracia no aparato do partido/Estado, pela
concorrência internacional no ambiente das mudanças de paradigma para
gerência do trabalho, pela troca de uma política revolucionária por uma ação de
coexistência pacífica (convívio conflitivo com os países capitalistas), pela
constante ameaça imperialista e pela contrarrevolução operada pela burocracia
que, contraditoriamente, se somou às profundas insatisfações populares e dos
trabalhadores.
227
A contrarrevolução surgiu do aparato burocrático do Estado e dos
organismos do partido. A burocracia convertida aos interesses do capital queria
avançar na conquista de privilégios e no controle, particular, dos meios de
produção. Para isso desenvolveu uma profunda infiltração ideológica que se
transformou em contrarrevolução. Contraditoriamente, essa característica, se
somou às profundas insatisfações das massas operárias que, com o processo
de ruptura dessas sociedades fez surgir as máfias que passaram a dominar o
mundo capitalista na Rússia e no Leste Europeu.
O ano de 1991 foi marcado por situações de bruscas movimentações
políticas na URSS. No entanto, mesmo com a tentativa de um putsch por parte
de setores do PCUS, a cena política foi desvendada pelo político Boris Yeltsin
que promoveu um acordo golpista com outras Repúblicas formando a CEI
(Comunidade de Estados Independentes), determinando com esse ato a
renúncia de Gorbachev.
A partir de fins de 1988 em diante, ele [o processo político na URSS] começou a fugir do controle partidário. A descentralização de poder vinda a reboque da introdução da economia de mercado trouxe à tona, realmente, uma sublevação contra as tentativas do partido de manter as rédeas do processo. Os comunistas passaram a ser perseguidos e achincalhados em várias repúblicas [...] países-satélites se sublevaram e, finalmente, em meados de 1991, as massas saíram às ruas para expulsar de vez o projeto nacionalista-comunista dos autores da tentativa de putsch de agosto daquele ano (SEGRILLO, 2000, p. 188-189).
No entanto, outras opiniões debateram, também, as causas da
derrocada da URSS.
A desintegração da União não se deveu a forças nacionalistas. Deveu-se essencialmente à desintegração da autoridade central, que obrigou toda região ou subunidade do país a cuidar de si mesma e, não menos, a salvar o que pudesse das ruínas de uma economia que escorregava para o caos. A fome e a escassez estão por trás de tudo o que aconteceu nos últimos dois anos na URSS (HOBSBAWM, 1997, p. 476).
O partido não procurou abrir com antecedência o debate para entender
o que se passava nessa parte do mundo com a qual mantinha fortes laços
políticos e ideológicos. No entanto, pautado pelas variadas perspectivas
eleitorais e balizado no seu projeto democrático rebaixado, resolveu fazer uma
228
confusa autocrítica que o deixava prostrado sobre a problemática e mesmo
sem nenhum instrumental analítico para reagir diante daquela situação.
O caso do PCB em relação ao internacionalismo, nesta fase da crise das esquerdas brasileiras, pode ser resumido no processo que marca a decadência do PC soviético e o fim deste partido como matriz ou modelo para o partido no Brasil. A crise do socialismo soviético rompeu os vínculos e identidades internacionais existentes entre o grupo hegemônico do PCB e o PCUS (DIAS, 2002, p. 29).
Esta nova postura do PCB era mais uma tentativa de consolidar o seu
projeto de mudança político-ideológica, objetivando sua inserção em outro
campo do exercício da política. Porém, o quadro interno era desanimador em
virtude das seqüelas que começaram a aparecer diante do colapso do bloco
socialista e das contendas abertas pela crise político-orgânica que já era de
razoável duração.
Após a tentativa de retorno da URSS ao controle do PCUS a partir de
um putsch dentro da movimentação contrarrevolucionária que fora
desenvolvida por um longo período, o PCB se manifestou contra qualquer ação
do partido dos comunistas soviéticos naquela crise política. No entanto, quando
alguns acontecimentos que anteriormente abalaram a China com as
movimentações de massas populares na Praça da Paz Celestial, o partido,
através do seu líder interno mais destacado, o presidente Salomão Malina,
reforçou a importância de mudanças. “Vêm sendo acompanhadas com atenção
e simpatia por todo o mundo, fortalecendo sempre mais a imagem do
socialismo junto a expressivos setores dos vários continentes” (MALINA, 1989,
p. 47).
Roberto Freire, liderança pública do partido, dizia que o seu socialismo
era o daqueles que lutavam contra o governo chinês, mas que lutavam
desarmados. Apresentou-se no PCB uma falsa nova perspectiva, em verdade a
nova questão era uma velha questão: o histórico seguidismo da burocracia do
partido queria transformar esse caldo de cultura dos acontecimentos que
abalaram o socialismo em um processo de renovação do socialismo. Todavia,
sem nenhum tipo de qualificação da propalada renovação. Consubstanciava-
se, assim, mais um descolamento do instrumental analítico do PCB da
229
realidade concreta dos acontecimentos em curso no bloco socialista, aí incluído
a China.
Essa lógica da maioria do CC começou a ser entendida como uma
fraude ideológica e política, que não conseguiu ir à frente. No entanto,
prosseguia o oportunismo de direita realizando as suas conjecturas para
explicar o que se passava com sua opção político-ideológica no mundo.
Contudo, ficava cada vez mais nítido para a militância, que desde muito tempo
questionava as posições da direção do partido, que existia um movimento para
se distanciar das questões que abalaram o socialismo no mundo. Para a
militância uma típica prática de quem quer pular navio.
A pesquisa nos permitiu analisar qual era a posição do PCB na
proximidade daqueles acontecimentos sobre a conjuntura internacional. Afirma-
se que era um momento de declínio do imperialismo, de lutas vitoriosas dos
trabalhadores da América Latina, de avanço nas lutas de descolonização da
África e de consolidação do Vietnã (VII CONGRESSO, 1987). Todo esse
arcabouço interpretativo sofreu um revés com os acontecimentos de 1989 a
1991. Comprovou-se a falência da análise do partido e se confirmou, mais uma
vez, a completa visão voluntarista e baluartista que o PCB tinha sobre várias
questões.
Para as resoluções do VII Congresso, a situação era de avanço do bloco
socialista e de confronto nos países capitalistas. Era a afirmação da luta dos
trabalhadores por seus direitos e de revolução democrática em Portugal,
Espanha, e Suécia. Outra questão também sobressaía, o declínio da
bipolaridade com surgimento do movimento dos países não alinhados. E ao
mesmo tempo o sistema socialista, apesar das contradições com o capitalismo,
avançava.
Tratava-se de um exercício de retórica que o PCB desenvolvia para criar
a devida argamassa objetivando solidificar uma unidade partidária que estava
em amplo processo de esgarçamento. Ao levar em consideração que para o VII
Congresso as contradições da época aproximavam uma contenda democrática,
ou seja, no campo da ordem internacional, entre socialismo e capitalismo, o
PCB não tinha fundamentação para entender as contradições que modificaram
aquele período histórico e que fizeram avançar o capitalismo. Portanto, o
partido não tirou as devidas conseqüências desse processo, nem, muito
230
menos, da crise interna que colocava definitivamente em xeque suas balizas
táticas e estratégicas.
Por outro lado, era um momento de crise do capitalismo e de
contradições interimperialistas, com um novo ciclo do capitalismo sendo
pautado pela visão imperialista de Ronald Reagan e Margaret Thatcher. Era
uma conjuntura de impacto pela nova divisão internacional do trabalho e nada
disso foi percebido de forma consistente pelo Partido Comunista Brasileiro. O
VII Congresso, apesar de se dedicar a estudar as transformações sociais no
Brasil, ou seja, analisando o processo político brasileiro e suas perspectivas,
estendendo essa análise a estrutura social brasileira, não conseguiu avançar
no desvelamento da formação social brasileira. Não entendendo os impactos
que o Brasil sofria em virtude do papel desenvolvido pela burguesia interna
consorciada ao capitalismo internacional no aprofundamento da
monopolização.
A burguesia estabelecida no novo bloco do poder, procurou no longo
processo da crise de hegemonia, aprofundar a oligarquia financeira e
desenvolver no setor industrial uma profunda extração de mais valor para
reproduzir em espaços ampliados o capital.
4.9 Convocado o IX Congresso do PCB: confrontos pre vistos para os
debates
A crise político-orgânica do PCB e os novos acontecimentos que
abalaram e o sistema socialista, terminando com seu colapso, acirraram os
debates internos dentro do partido. Naquele quadro político interno, grupos
mais ou menos articulados a partir de posições pré-estabelecidas se
organizaram para a luta política interna.
O grupo hegemônico no CC não tendo mais o controle sobre o debate e
as ações da militância, resolveu convocar o IX Congresso como forma de
aprofundar as suas formulações e enquadrar os dissidentes na lógica do
centralismo democrático. Era a velha articulação política que aplicava
novamente seu modelo de construção da unidade partidária.
No entanto, os descontentamentos internos eram muito grandes e
ganhavam contornos de rebelião. Estava em debate a forma que o partido
231
deveria ter, que tipo de socialismo iria defender, qual campo político deveria se
aliar (frente democrática ou de esquerda), o marxismo-leninismo, a transição
pacífica, centralismo democrático, nome do partido, símbolos, a questão do
mercado no socialismo, partido de classe ou partido de todo o povo, como o
partido deveria se organizar e suas referências teóricas.
Portanto, os confrontos que iriam marcar o IX Congresso eram maiores
que as forças que o PCB demonstrava ter naquele momento. Mas, algumas
preocupações floresceram naquele período ainda sobre a questão do sistema
socialista.
O PCB deve abordar a questão da atual crise do socialismo afirmando, em primeiro lugar, que não foi em vão a luta de várias gerações pela construção de uma nova sociedade, livre da exploração do homem pelo homem. As imensas conquistas sociais, econômicas, culturais e políticas alcançadas, pela primeira vez, na URSS e em outros países socialistas, [...] comprovaram a supremacia do sistema socialista sobre o capitalista [...]. É verdade que o processo de edificação do socialismo, realizado em condições extremamente adversas e sob pressão do imperialismo, deu margem a desvios e violações do marxismo-leninismo [...]. Não é possível considerar, sumária e simplesmente, mais de setenta anos de construção do socialismo como décadas de erros acumulados. Por isso mesmo estamos obrigados a investigar, em profundidade, os erros cometidos, até pela mais grave de suas conseqüências: a restauração capitalista (MILANI, 1991, p. 12-13).
232
5. Considerações Finais
Ao término deste trabalho, o conjunto desta pesquisa nos permite uma
aproximação com a verdade histórico-política e nos remete para a
comprovação da hipótese de que o PCB, no desenrolar da crise política e
orgânica, dentro da legalidade burguesa, pautado pelo arcabouço institucional
da democracia formal, foi derrotado na cena política da longa transição. Essa
derrota político-orgânica se deu por falta de capacidade teórico-política e
aderência das formulações à realidade brasileira e por uma postura reformista
e captulacionista que fora exercitada e implementada pelo núcleo dirigente
estagnado que agia no comando do partido através da sua hegemonia no
Comitê Central.
Podemos confirmar que a pesquisa identificou como elemento central da
ruptura da tradição histórica do PCB, a perda da hegemonia na esquerda
brasileira, o completo desligamento do partido das frentes de massa onde se
encontravam o conjunto dos trabalhadores e a juventude, e o afastamento
paulatino das questões que mobilizavam o movimento operário. Esse conjunto
de fatores, articulados num arcabouço complexo, dirigiu o PCB a um segundo
plano do ponto de vista da esquerda revolucionária no Brasil e o colocou em
outra perspectiva político-ideológica.
Trata-se, portanto, de uma situação em que identificamos a
subalternização do partido ao campo da política liberal-burguesa e o seu
impactante afastamento da perspectiva de continuar sendo um partido
revolucionário, com projeto e missão histórica, como afirmava sua herança
política e social.
Sendo assim, a pesquisa confirmou que o PCB, orientado pelas
formulações superadas, por um instrumental teórico-político que não respondia
às tarefas demandadas pela conclusão do longo ciclo da revolução burguesa
nas relações sociais de produção e por uma direção estagnada, sucumbiu à
ordem burguesa. Todo esse processo aconteceu no período de 1971 a 1991,
quando as formulações do exílio, amparadas na herança de 1958, contribuíram
para colocar no exílio a política dos comunistas dentro da realidade brasileira.
Portanto, objeto estudado, hipótese confirmada. O PCB, no desenrolar
da crise política e orgânica dentro da legalidade burguesa era uma derrota
233
anunciada. No entanto, só falta agora entender como e porque o PCB renasceu
das cinzas para novamente ocupar um lugar na luta dos trabalhadores e
comunistas brasileiros pela revolução e pelo socialismo. Todavia, essa questão
levanta agora uma outra história e uma nova e estimulante pesquisa que não
integra o corpo do que acabamos de concluir ao apresentar, neste momento,
os primeiros resultados.
234
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Marco Antônio Tavares Coelho. São Paulo, 29 de outubro de 2009.
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OBS: Os Jornais, revistas e documentos foram pesquisados nos Arquivos do
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Fundação Dinarco Reis (FDR) do PCB.