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154
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Clara Freire Filgueiras Faro GOSTO POPULAR NA PROPAGANDA TELEVISIVA Mestrado em Ciências Sociais São Paulo 2014

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Clara Freire Filgueiras Faro

GOSTO POPULAR NA PROPAGANDA TELEVISIVA

Mestrado em Ciências Sociais

São Paulo 2014

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Clara Freire Filgueiras Faro

GOSTO POPULAR NA PROPAGANDA TELEVISIVA

Mestrado em Ciências Sociais

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Ciências Sociais, sob a orientação da Profa. Dra. Maria Celeste Mira.

São Paulo 2014

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1

ERRATA

FARO, Clara. Gosto Popular na Propaganda Televisiva. 2014. 153 f. Dissertação

(Mestrado em Ciências Sociais) – PUC SP, São Paulo, 2014.

Folha Linha Onde se lê Leia-se

28

12

Não só a estética e forma, mas

também, cores, linguagem e

música foram analisadas.

Foram analisadas a estética e a

forma: cores, linguagem e

música.

82

6

E o que antes era a distinção –

“Padrão Globo de Qualidade” –

agora é uso e apropriação (...)

Ou seja, é observada a

apropriação (...)

150

1

FONTENELLE, I. A. O nome da

marca. São Paulo: Boitempo

editoria, 2002.

FONTENELLE, I. A. O nome da

marca: McDonald's,

fetichismo e cultura

descartável. São Paulo:

Boitempo editoria, 2002.

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BANCA EXAMINADORA

___________________________________________

___________________________________________

___________________________________________

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A Luiz Fernando.

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AGRADECIMENTO

Luiz Fernando, meu esposo e meu melhor amigo. Meu maior alicerce, meu

chão, minha paz. Obrigada por me esperar pacientemente tantos finais de semana e

feriados, por me escutar, incentivar, torcer, consolar. Agradeço, sobretudo, por me

apoiar cega e incondicionalmente.

Tereza, Sergio e Pedro, minha família e minha inspiração. Meu norte, minha

estrela guia. Obrigada pelas lições da paixão pelo que se faz e da curiosidade de

buscar sempre o próximo projeto. Agradeço, sobretudo, por não me deixarem

desistir.

Cecília, Fernando e Alexandre, minha segunda família. Um ombro pra

desabafar, um almoço de domingo pra esquecer. Obrigada pelo apoio a cada

mudança, a cada novo projeto de vida. Agradeço, sobretudo, pelo carinho

aconchegante.

Bernardo, meu colega e amigo. Um incentivo, uma torcida, uma troca, uma

boa discussão. Agradeço, sobretudo, pela companhia na caminhada solitária do

conhecimento.

Celeste, minha orientadora e mestre. Obrigada por me acolher, me ensinar e

me desafiar a fazer melhor. Agradeço, sobretudo, por acreditar.

A todos os outros amigos queridos. Obrigada por, compreensivamente, me

esperarem terminar o mestrado para ter de volta minha companhia integral.

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RESUMO

O presente trabalho é estimulado pela reflexão sobre o impacto na televisão e na propaganda causado pelo crescimento da importância econômica e aumento do consumo da camada média da população brasileira, chamada de classe C. Em busca de indícios do uso do gosto popular na propaganda, o estudo se concentra na televisão como principal meio. Os dados coletados neste trabalho permitem evidenciar que as empresas estudam o gosto popular e o utilizam em seus comerciais com o objetivo de gerar identificação da classe C com suas marcas e, em última instância, conquistá-la. Apesar do crescente esforço da Rede Globo de se aproximar desse público, o estudo conclui que o SBT mantém sua posição de referência quando se trata de audiência popular. A Rede Globo tem uma audiência mais abrangente e, portanto, não se destaca no que tange à veiculação específica de comerciais com características populares.

Palavras-chave: Consumo; publicidade; televisão; classe C; gosto popular.

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ABSTRACT

This dissertation is inspired by the potential impact on Brazilian television and advertising caused by the middle class rising economic power and consumption increase. Seeking signs of the popular taste usage on advertising, this study is concentrated on the television and key medium. Researched data evidences that corporations study popular taste and apply it inside its advertising pieces pursuing middle class identification towards their brands. Despite growing Rede Globo efforts to approach this group, this dissertation concludes that SBT remains positioned as main reference when it comes to popular audience. Rede Globo has a bigger therefore broader audience; hence not a noticeable broadcaster of popular taste embedded advertisement.

Keywords: Consumption; advertising; television; C Class; taste; popular.

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Programas de maior audiência por emissora

Tabela 2: Importância de diferentes fontes para composição e crescimento da renda

Tabela 3: Número de pontos acumulados por quantidade de bens e grau de instrução do chefe de família

Tabela 4: Cortes do critério Brasil

Tabela 5: Renda familiar média mensal segundo diferentes critérios

Tabela 6: Composição da classe C segundo nível de escolaridade do chefe de família, taxa de ocupação e formalização do trabalho

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1: Programas escolhidos do SBT e seu perfil de audiência

Gráfico 2: Evolução da inflação anual, índice IPCA Gráfico 3: Evolução do Produto Interno Bruto do Brasil Gráfico 4: Evolução da renda média domiciliar per capita (R$ de 2009) Gráfico 5: Evolução das transferências para o Programa Bolsa Família Gráfico 6: Evolução do salário mínimo mensal Gráfico 7: Variação per capita da renda média por décimos de renda

(2001/2009) Gráfico 8: Desigualdade Índice de Gini Gráfico 9: Evolução das classes econômicas segundo critério CPS/FGV Gráfico 10: Evolução das classes econômicas em número de indivíduos Gráfico 11: Proporção das mulheres de 10 anos ou mais de idade ocupadas,

segundo os grupos de idade Gráfico 12: Representatividade das famílias que têm mulheres como principal

responsável Gráfico 13: Porcentagem de mulheres que são principais provedoras da

família Gráfico 14: Importância do trabalho mulher por setor Gráfico 15: Presença de computador com internet Gráfico 16: Presença de máquina de lavar Gráfico 17: Presença de diferentes bens de consumo, por classe, em 2005 e

2009 Gráfico 18: População com acesso a rede de esgoto Gráfico 19: Lixo coletado diretamente Gráfico 20: Utilização de serviços privados

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Gráfico 21: Porcentagem de pessoas que avaliam o ensino na escola pública como bom ou ótimo

Gráfico 22: Porcentagem de pessoas que concordam totalmente que

hospitais privados são melhores que hospitais públicos Gráfico 23: Evolução dos índices de renda per capita nacional e do grau de

desigualdade de renda pessoal (Gini) (1960=100) Gráfico 24: Penetração de televisores em lares brasileiros Gráfico 25: Numero de assinantes de TV por assinatura (em milhões) Gráfico 26: Lares com TV por assinatura, por classe Gráfico 27: Importância de cada classe na população brasileira Gráfico 28: Importância de cada classe na audiência do SBT e da Rede

Globo Gráfico 29: Importância da classe C na audiência de cada gênero Gráfico 30: Importância da classe C na audiência de cada programa Gráfico 31: Importância da classe C na audiência de cada programa Gráfico 32: Importância da classe C na audiência de cada programa Gráfico 33: Mercado de celulares por classe

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LISTA DE FIGURA

Figura 1: Principais ocupações da classe média Figura 2: Comercial Apracur Figura 3: Comercial Apracur Figura 4: Comercial Apracur Figura 5: Comercial Assolan Figura 6: Comercial Assolan Figura 7: Comercial Assolan Figura 8: Comercial Assolan Figura 9: Comercial Assolan Figura 10: Comercial Telesena de São João Figura 11: Comercial Telesena de São João Figura 12: Comercial Telesena de São João Figura 13: Comercial Telesena de São João Figura 14: Comercial Telesena de São João Figura 15: Comercial Casas Bahia Figura 16: Comercial Casas Bahia Figura 17: Comercial Casas Bahia Figura 18: Comercial Casas Bahia Figura 19: Comercial Extra Figura 20: Comercial Extra Figura 21: Comercial Extra Figura 22: Comercial Extra Figura 23: Comercial Extra

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Figura 24: Comercial Extra Figura 25: Comercial Chevrolet Figura 26: Comercial Chevrolet Figura 27: Comercial Chevrolet Figura 28: Comercial Chevrolet Figura 29: Comercial Chevrolet Figura 30: Comercial Chevrolet Figura 31: Comercial Walmart Figura 32: Comercial Walmart Figura 33: Comercial Vivo Figura 34: Comercial Vivo Figura 35: Comercial Vivo Figura 36: Comercial Vivo Figura 37: Comercial Sonho de Valsa Figura 38: Comercial Claro Figura 39: Comercial Claro Figura 40: Comercial Claro Figura 41: Comercial Claro Figura 42: Comercial Claro Figura 43: Comercial Pinho Bril Figura 44: Comercial Pinho Bril Figura 45: Comercial Coca-Cola 2013 Figura 46: Comercial Coca-Cola 2013 Figura 47: Comercial Coca-Cola 2013 Figura 48: Comercial Coca-Cola 2013

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Figura 49: Comercial Coca-Cola 2013 Figura 50: Comercial Coca-Cola 2013 Figura 51: Comercial Coca-Cola 2013 Figura 52: Comercial Coca-Cola 1989 Figura 53: Comercial Coca-Cola 1989 Figura 54: Comercial Coca-Cola 1989 Figura 55: Comercial Vanish 1 Figura 56: Comercial Vanish 1 Figura 57: Comercial Vanish 2 Figura 58: Comercial Vanish 2 Figura 59: Comercial Vanish 2 Figura 60: Comercial Brilhante Figura 61: Comercial Brilhante Figura 62: Comercial Brilhante Figura 63: Comercial Brilhante Figura 64: Comercial Brilhante Figura 65: Comercial Brilhante Figura 66: Comercial Jequiti 2 Figura 67: Comercial Jequiti 2 Figura 68: Comercial Jequiti 2 Figura 69: Comercial Jequiti 2 Figura 70: Comercial Coristina D Figura 71: Comercial Anhanguera Figura 72: Comercial Anhanguera Figura 73: Comercial Anhanguera

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Figura 74: Comercial Anhanguera Figura 75: Comercial Uninove Figura 76: Comercial Uninove Figura 77: Comercial Uninove Figura 78: Comercial Uninove Figura 79: Comercial Uninove Figura 80: Comercial Anhembi-Morumbi

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................ 17

Problema de pesquisa ................................................................................. 19

Conceitos que nomeiam este trabalho ........................................................ 21

Metodologia ................................................................................................. 25

CAPÍTULO 1 – UMA BREVE DISCUSSÃO SOBRE O FENÔMENO

“CLASSE C” ................................................................................................... 29

1.1. Razões para o aumento da renda média e outros indicadores de

desigualdade ................................................................................................ 31

1.2. As manchetes da “ascensão da nova classe média” ...................... 34

1.3. Definições de classe C ou classe média ......................................... 36

1.4. Um breve perfil da classe C ............................................................ 42

1.5. Classe C e o consumo .................................................................... 46

1.6. Acesso e “consumo” de serviços públicos ...................................... 51

1.7. Ponto e contraponto: um diálogo entre autores contemporâneos

brasileiros ..................................................................................................... 54

CAPÍTULO 2 – PUBLICIDADE: A INTERSEÇÃO ENTRE TELEVISÃO E

CONSUMO ...................................................................................................... 58

2.1. Consumo: berço do nascimento da publicidade .............................. 58

2.2. Cultura de massa e consumo de imagens ...................................... 63

2.3. Identidade na sociedade contemporânea: o papel do consumo e da

publicidade ................................................................................................... 65

2.4. A publicidade se transforma com o consumo: de anúncio a sistema

simbólico ....................................................................................................... 68

2.5. Por fim, desejos e sonhos são explorados ou construídos? ........... 71

CAPÍTULO 3 – TRANSFORMAÇÕES NA TELEVISÃO BRASILEIRA APÓS

O PLANO REAL .............................................................................................. 73

3.1. Década de 1990 e a perda de audiência da Globo ......................... 74

3.2. A busca pela audiência e reconquista do público ........................... 77

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3.3. A audiência e a importância da classe C ........................................ 82

3.4. Novos anunciantes para audiência popular .................................... 87

CAPÍTULO 4 – A ANÁLISE DA PUBLICIDADE ............................................ 90

4.1. O uso da música sertaneja na propaganda .................................... 91

4.2. Cores primárias e a lógica simples da repetição ........................... 100

4.3. A festa e a comicidade popular ..................................................... 112

4.4. Elenco, figurino e locação como geradores de identificação......... 117

4.5. A brancura e sua importância na autoestima ................................ 125

4.6. Batalhadores: a narrativa de vida e a luta por um futuro melhor ... 130

CONCLUSÃO ................................................................................................ 142

BIBLIOGRAFIA ............................................................................................. 146

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17

INTRODUÇÃO

A curiosidade foi o marco zero deste trabalho. Por que as casas sem reboco

têm dentro uma televisão com a mais nova tecnologia? Por que as marcas líderes,

de maior preço, parecem estar presentes na vida dos mais pobres? Por que o garoto

propaganda das Casas Bahia e o Sílvio Santos repetem tantas vezes a mesma

mensagem? Todas essas perguntas somadas à experiência prévia da autora com

pesquisa de mercado direcionada à “classe C” pediam um aprofundamento que só o

mestrado proporcionaria.

Quando a curiosidade se transformou em um projeto de pesquisa, todas as

perguntas culminaram em uma questão central, que se trata do gosto popular

aparecendo nos espaços onde não era bem-vindo até então na indústria cultural,

mas especialmente na propaganda.

Artistas de sucesso nacional recente trazem consigo traços característicos do

gosto popular. A banda Calypso com suas cores e a extravagante vocalista Joelma,

bem como a cantora Gabi Amarantos são exemplos desse gosto que vem ocupando

cada vez mais espaço no mundo da música e da televisão.

A televisão tem papel central nesta transformação. A Rede Globo, emissora

de maior audiência atualmente no Brasil, traz cada vez mais ao ar programas com

características populares. Suas novelas passam a possuir um núcleo central

localizado na periferia, atores e atrizes de primeira linha desempenham papéis antes

considerados secundários, tais como empregada doméstica ou garçom, e os

personagens principais passam a estar fora do mundo da elite rica da zona sul do

Rio de Janeiro como antes era de praxe. Novos programas e novos quadros são

constantemente inseridos em programas antigos, e assim vão transformando a

televisão brasileira.

Além da Rede Globo, canais da TV fechada também apresentam mudanças

nos últimos anos. O aumento do número de filmes dublados e a sincronização de

seus horários com os da TV aberta são sinais importantes de que um novo público

se integra à sua audiência. Essas evidências mostram um interesse crescente pelo

público popular e uma apropriação e uso do seu gosto na programação e enredo

dos programas de televisão.

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18

Entretanto parece existir uma apropriação desse gosto popular não só na

televisão como também na publicidade,1 o gosto popular aparece cada vez mais nos

anúncios televisivos. Marcas de produtos mais caros estão anunciando em

programas populares. Ou mesmo marcas líderes de mercado assimilando nos seus

comerciais elementos que são claramente do gosto popular, como música, cores e

outros elementos estéticos e de linguagem. Por esse motivo, a publicidade se

mostra cada vez mais uma maneira importante de se entender o que as empresas

anunciantes querem dizer e com quem querem se comunicar. Através da análise

dos comerciais veiculados na televisão, este trabalho irá abordar a questão da

apropriação nos dias de hoje, de elementos populares antes inexistentes na

publicidade. Mostrando dessa forma que é o reconhecimento desse gosto pelos

anunciantes e pelas agências de publicidade que emerge através da propaganda

televisiva.

A temática do consumo é de extrema importância neste trabalho, nela está a

origem e a razão de existir da publicidade. E se o consumo no Brasil sofre

transformações nas últimas décadas com a “ascensão da nova classe C”,2 a

propaganda também muda. O uso do gosto popular na propaganda ganha

importância econômica devido ao aumento do consumo da classe C. Logo, este

trabalho discute essas transformações e as suas possíveis causas e consequências.

Sem dúvida uma das consequências é o aumento do acesso ao crédito e ao

consumo que faz com que o mercado no Brasil se expanda, a partir do surgimento

dessa nova faixa de consumidores. Seria esse fato o responsável pelo interesse dos

anunciantes no gosto popular?

Certamente para vender seus produtos para esse novo grupo de

consumidores, as empresas anunciantes precisam fazer com que sua publicidade

seja relevante a ponto de chamar sua atenção, o que pode significar a apropriação

de sua linguagem e gosto. Este trabalho, então, discutirá não só a questão da

“ascensão da nova classe C”, como também a questão do consumo e da publicidade

1 Os termos propaganda e publicidade são usados neste trabalho como sinônimos. Embora existam autores da área de marketing que os diferenciem explicando que, ao contrário da publicidade, a propaganda é sempre patrocinada pelo anunciante (BENNET, 1995). O CONAR – Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária não pressupõe essa distinção. Segundo o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, artigo 8º: “O principal objetivo deste Código é a regulamentação das normas éticas aplicáveis à publicidade e propaganda, assim entendidas como atividades destinadas a estimular o consumo de bens e serviços, bem como promover instituições, conceitos ou ideais”. 2 Termo está entre aspas porque será discutido mais adiante dentro do capítulo 1.

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à luz da bibliografia das ciências sociais. Por fim, como problema central, abordar-

se-á a análise da publicidade em si e a apropriação do gosto popular pelos

anunciantes.

Além de tudo que já foi abordado, um fator que muito contribuiu para a

escolha da publicidade como objeto de análise precisa ser acrescentado: a

experiência anterior da autora em desenvolvimento e análise da publicidade já

previamente realizada, em empresas, como experiência profissional.

Problema de pesquisa

Desde 1994. com a implantação do Plano Real, o Brasil passou por

transformações econômicas consideráveis que possibilitaram o crescimento da

economia. Além disso, diversas políticas públicas de transferência de renda, bem

como a geração de milhões de empregos e o aumento considerável do valor do

salário mínimo mensal tiveram consequências diretas no aumento da renda média

mensal das famílias.

O aumento da renda se transformou em consumo. Através de incentivos do

governo ao consumo e do interesse das próprias empresas, o consumo se torna um

tema central da discussão sobre a classe C. A Secretaria de Assuntos Estratégicos

do Governo Federal, o Instituto Datapopular e uma lista de outras instituições

ganham relevância na mídia tratando desse tema. Um dos argumentos é que essa

classe C já não quer copiar aquilo que vem da elite, mas sim ter seu próprio gosto,

de origem popular da base da pirâmide, de onde ascendem as famílias de “classe D”

para classe C, engordando esse grupo de consumidores.

É natural, portanto, que o gosto e comportamento da classe C se tornem

objeto de interesse daqueles grupos que produzem o que é consumido, desde

sabonete até novela. Empresas de bens de consumo, agências de publicidade e

emissoras de televisão passam a estudar esse grupo de consumidores com novos

olhos, dando origem a uma série de mudanças na televisão brasileira e na

propaganda.

Nos últimos anos foi observado o fenômeno de apropriação do gosto da

classe C pela indústria cultural. Este trabalho visa estudar uma dessas

manifestações, que é o reconhecimento desse gosto pelos anunciantes e pelas

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20

agências de publicidade, que emerge através da propaganda. Entender as

mudanças sofridas pela televisão brasileira nas últimas décadas é, contudo,

fundamental para a compreensão do contexto maior onde a propaganda se situa.

Na medida em que a renda da classe C aumenta, seu gosto e estética se

tornam mais relevantes no cenário nacional. Esse grupo passa a representar um

público relevante para a indústria cultural que procura agradá-lo com programas de

televisão e músicas direcionados a ele. A classe C também ganha importância como

grupo consumidor e, consequentemente, como audiência publicitária, sendo a

publicidade o meio através do qual as empresas anunciantes comunicam seus

produtos. Fontenelle nos ajuda a compreender que a propaganda nada mais é do

que a integração entre a indústria cultural e a produção de mercadorias; que visa

diferenciar a mercadoria através do desenvolvimento de signos.

Foi nesse momento [surgimento da publicidade] que a produção da cultura começou a ser integrada à produção de mercadorias em geral, pois a concorrência entre as empresas passou a ocorrer no plano da produção e veiculação das imagens, quando o capitalismo passou a se voltar para a importância do desenvolvimento de signos por meio do forte investimento em propaganda e publicidade. (FONTENELE, 2002, p. 145)

Fica claro que, a propaganda surge integrando a indústria cultural e a

produção de mercadorias, criando e desenvolvendo signos que passaram a

representar a mercadoria através das imagens. A partir do momento em que a

classe C ganha importância como mercado consumidor, passa a existir interesse

das empresas anunciantes em construir seus anúncios publicitários voltados para

ela, logo os signos e imagens precisam fazer sentido para essa audiência. Dessa

forma ocorre o uso e apropriação do gosto da classe C pelas empresas anunciantes

e agências, através da propaganda. Tal fenômeno é resultado do aumento da renda

e consequentemente do consumo da “nova classe C”, o que a torna um público

relevante para as empresas anunciantes.

Emerge, portanto, o problema de pesquisa desta dissertação de mestrado: a

apropriação do gosto popular é o que acontece quando as empresas, interessadas

na “classe C” como consumidora, adotam o discurso, a simbologia e a estética

desse grupo, fazendo uso deles na propaganda e, dessa forma, buscando gerar

identificação com seus produtos.

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21

Conceitos que nomeiam este trabalho

Dois conceitos que dão nome a este trabalho serão tratados aqui: gosto e

popular. A compreensão do popular e seu gosto são de extrema importância para o

entendimento da própria televisão e seus fenômenos, como cita Canclini a respeito

da obra de Martín-Barbero:

Até a obra de Martín-Barbero quase nenhum especialista em comunicação da América Latina havia se dado conta de que para interpretar o rádio ou a televisão teria primeiro que averiguar como se manifestava a cultura popular na igreja, nas bruxas, nos anarquistas e movimentos proletários. (CANCLINI, 1998, p. 3)

Por isso, os autores usados como base são Bourdieu, pelo gosto, e Martín-

Barbero, pelo popular, embora outros autores brasileiros ajudem a explicar o popular

no Brasil: Mira e Martins. Naturalmente outros autores de extrema importância

aparecerão ao longo do trabalho, desde a bibliografia sobre consumo, como Ortiz,

Featherstone, Campbell e Baudrillard, até sociólogos críticos da contemporaneidade

como Giddens e Bauman, passando pela bibliografia da propaganda nas ciências

sociais como Almeida, Rocha, Fontenelle, entre outros autores que surgirão nesta

dissertação como arcabouço teórico. Contudo os dois conceitos que nomeiam o

trabalho e norteiam o fio condutor da pesquisa são: gosto e gosto popular.

O gosto é a propensão à apropriação de determinadas práticas e tem como

determinantes a estrutura e o montante de capital cultural acumulado. Uma prática

cultural pode ser entendida como consequência de determinadas condições de

existência. Segundo Bourdieu (1983), uma prática é resultado de um habitus,

“sistema de disposições (...) que exprime, sob a forma de preferências sistemáticas,

as necessidades objetivas das quais ele é produto”. Sendo assim, observa-se uma

correspondência entre posições sociais e estilos de vida,3 que resultam em habitus

semelhantes e, portanto, práticas encerradas nos limites das próprias condições de

existência.

3 Segundo Bourdieu, estilos de vida são “sistemas de desvios diferenciais que são a retradução simbólica de diferenças objetivamente inscritas nas condições de existência” (BOURDIEU, 1983, p. 1).

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22

O gosto, propensão e aptidão à apropriação (material e/ou simbólica) de uma determinada categoria de objetos ou práticas classificadas e classificadoras, é a fórmula generativa que está no princípio do estilo de vida. O estilo de vida é um conjunto unitário de preferências distintivas que exprimem, na lógica específica de cada um dos subespaços simbólicos, mobília, vestimentas, linguagem ou hexis corporal. (BOURDIEU, 1983, p. 2)

Sendo assim, cada dimensão do estilo de vida simboliza todas as outras. E as

oposições entre diferentes condições de existência se expressam, por exemplo, no

uso da fotografia, na escolha de uma bebida e nas preferências artísticas. Dessa

forma o gosto surge como forma de expressão e diferenciação. A trajetória de uma

classe proporciona certo capital – cultural, social. Ao se formar o habitus de classe,

forma-se também o capital que lhe proporciona um determinado julgamento estético.

Se esse julgamento chegar a um nível de entendimento da arte pela arte, ele

chegará ao gosto legítimo. Bourdieu se inspira em Kant para definir o julgamento

estético legítimo. Para ele, o julgamento estético não se submete às questões

morais e não está ligado ao prazer sensorial imediato, não subordinando, assim, a

forma à função.

Esse julgamento estético é ditado pela classe dominante. O gosto legítimo é o

gosto pelas obras legítimas – obras clássicas, óperas, pinturas, etc. Existe também o

gosto médio, o gosto pelas obras menores das artes maiores, e as obras mais

importantes das artes menores. E, por fim, o gosto popular: o gosto pela música

ligeira ou pela música culta desvalorizada pela divulgação, mas, sobretudo, o gosto

pelas canções totalmente desprovidas de ambições ou pretensões artísticas.

Segundo Bourdieu, o gosto popular ou gosto bárbaro é a negação do gosto legítimo,

é a recusa da experiência formal.

Bourdieu analisa o gosto popular do ponto de vista da luta simbólica entre as

classes sociais. Porém, de acordo com Jesus Martín-Barbero, para compreender

melhor o gosto popular, é preciso buscar nas suas matrizes culturais suas formas de

expressão, bem como, os elementos que as compõem, como o melodrama, a festa,

o espetáculo, a mistura, as cores, a repetição, além da lógica da cultura oral. O

popular na cultura é também algo moderno, ligado à mestiçagem e ao urbano. Por

isso, Martín-Barbero indica a

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necessidade de incluir no estudo popular não só aquilo que culturalmente produzem as massas, mas também o que consomem, aquilo de que se alimentam; e a de pensar o popular na cultura não como algo limitado ao que se relaciona com o passado – e um passado rural – mas também e principalmente como algo ligado à modernidade, à mestiçagem e à complexidade do urbano. (MARTIN-BARBERO, 2009, p. 70)

Nesse sentido, o autor discute alguns elementos que formam a base do gosto

popular. São eles: a espontaneidade, manifestada através dos eixos grotesco-

cômico, expressivos da cultura popular, além de uma forte valorização do círculo

familiar, com uma grande permeabilidade às relações de grupo, especialmente as de

vizinhança. O gosto popular é baseado em um “moralismo que mistura o gosto do

concreto com certo cinismo ostentatório, uma religiosidade elementar e um saber

viver o dia, que é a capacidade de improvisação e sentido de prazer” (ibid., p. 117).

Segundo Mira, o popular dentro da indústria cultural é feito da exacerbação

das emoções que se manifestam através do sensacionalismo, da comicidade e do

melodrama como três elementos básicos. A inspiração vem de Martin-Barbero, que

sumariza a estrutura da narrativa popular numa matriz de quatro sentimentos

básicos, o quais dão origem a quatro tipos e situações, vividas por quatro tipos de

personagens, em quatro gêneros distintos de narrativas dentro do melodrama:

Tendo como eixo principal os quatro sentimentos básicos – medo, entusiasmo, dor e riso – a eles correspondem quatro tipos de situações – terríveis, excitantes, ternas e burlescas – personificadas ou vividas por quatro personagens – o traidor, o justiceiro, a vítima e o bobo – que ao se juntarem realizam a mistura de quatro gêneros – romance de ação, epopeia, tragédia e comédia. Essa estrutura nos revela no melodrama essa tal pretensão de intensidade que só se pode alcançar às custas da complexidade. (Ibid., p. 115)

A importância do melodrama como matriz popular, que dá origem ao massivo,

também é explicada por Martín-Barbero: no melodrama, fundem-se, pela primeira

vez, a memória narrativa, que vem dos romances e da literatura de cordel, e a

memória gestual, que vem dos espetáculos populares, do circo e da festa. Dessa

forma, dando origem ao “melo-teatro”, primeira manifestação do massivo. No

melodrama, manifestam-se alguns sinais da identidade popular, como ver e sentir a

realidade através das relações familiares (MARTIN-BARBERO, 1988).

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Além do melodrama, o ethos da festa está fortemente presente. Nele está o

fundamento da estética popular. O espetáculo, o jogo, ócio, música, dança, bebida,

desperdício são elementos da festa que compõem a ética e estética popular (MIRA,

1995). Mira, em O Circo Eletrônico (ibid.), faz uma análise do programa de auditório

relacionando-o ao circo popular, caracterizado por um apresentador que traz ao

palco palhaços, animais e outras atrações como dramas, comédias, chanchadas, os

quais, de forma pouco ordenada, montam o entretenimento popular. Eles – tanto o

circo quanto o programa de auditório – carregam em si a lógica da festa, que,

deslocada do tempo das colheitas, situa-se agora no novo eixo da organização da

temporalidade social. Segundo Martin-Barbero (2009), a festa é transformada em

espetáculo, algo que não é para ser vivido, mas para ser visto e admirado.

Convertida em espetáculo, a festa que no mundo popular constituía o tempo e o espaço de máxima fusão do sagrado e do profano, passará a ser o tempo e o espaço em que se fará especialmente visível o alcance de sua separação: opondo festa e vida cotidiana como separação nítida do ócio e do trabalho. (Ibid., p. 137)

O grotesco também é um elemento-base da estética popular. Segundo

Martin-Barbero (ibid.), o grotesco é uma linguagem na qual predominam, no

vocabulário e nos gestos, expressões ambíguas e ambivalentes, que dão vazão ao

proibido. E também, ao operar como paródia, como degradação-regeneração,

grosserias, injúrias e blasfêmias condensam as imagens da vida material e corporal,

liberam o grotesco e o cômico, os dois eixos expressivos da cultura popular. O

humor surge então como par do grotesco, o riso popular, segundo Bakhtin (apud

MARTIN_BARBERO, 2009), é uma vitória sobre o medo. Nesse sentido, o riso se

relaciona com liberdade.

Featherstone, em sua obra Cultura de Consumo e Pós-modernismo, também

aborda algumas origens do popular, como, por exemplo, o carnavalesco e as feiras.

Segundo ele, as feiras proporcionavam um imaginário espetacular, justaposições

bizarras, confusão de fronteiras e um mergulho numa mistura de sons estranhos,

gestos, imagens e pessoas, animais e coisas (FEATHERSTONE, 1995). As feiras

eram, portanto, espaços de mistura, não apenas guardiãs das tradições locais, mas

espaços de transformação da tradição popular mediante a intersecção de diferentes

culturas, espaços de “hibridização”, agências de pluralismo cultural.

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Já o carnaval envolve a celebração do “corpo grotesco”, comida farta,

embriaguez e promiscuidade sexual. Esse autor também se inspira no Rebelais de

Bakhtin para explicar como o popular faz uso de símbolos de transgressão para

causar escândalos e se opor ao controle das emoções pregado pelos costumes. Os

carnavais, festivais e feiras são transgressões simbólicas, nas quais as distinções

superior/inferior, erudito/popular e clássico/grotesco são mutuamente construídas e

deformadas. O carnaval envolve a celebração do “corpo grotesco” – comida farta,

embriaguez, promiscuidade sexual. “O corpo grotesco do carnaval é o corpo inferior

da impureza, desproporção, imediatez, dos orifícios, o corpo material que é oposto

ao ‘corpo clássico’ belo, simétrico, superior”. (FEATHERSTONE, 1995, p. 113).

De forma que as matrizes do popular, que se manifestam na televisão

contemporânea e, portanto, serão estudadas na publicidade ao longo deste trabalho,

são o sensacionalismo, a comicidade e o melodrama, além da festa como elemento

principal do exagero, do sentido de prazer e da espontaneidade.

Metodologia

O caminho metodológico escolhido para a realização deste estudo passa por

três etapas: pesquisa bibliográfica, hemerográfica e análise da publicidade em si.

A pesquisa bibliográfica deu-se desde os críticos da contemporaneidade,

como Bauman, Baudrillard e Giddens; passando pela bibliografia do consumo e da

publicidade dentro das ciências sociais, como Ortiz, Featherstone, Fontenelle,

Campbell e Arruda; pelos autores que escrevem sobre a questão popular e suas

origens, como Martin-Barbero; pela bibliografia que aborda transformações da

televisão brasileira, como Mira e Borelli; até o autor que trabalha especificamente

com o conceito que nomeia este trabalho, Bourdieu.

Durante o processo, um caminho adicional se somou à metodologia: a

hemerografia. Foram adicionados à análise mais de cinquenta reportagens de

jornais e revistas, publicadas nos anos de 2010 a 2013, além, claro, de outros

documentos encontrados na internet, como publicações da Secretaria de Assuntos

Estratégicos do Governo Federal sobre “classe média”, publicações do Ibope e do

Instituto Datapopular.

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Para a análise da publicidade, foram gravados mais de 30 h de programas de

televisão, durante o mês de junho de 2013, para que os anúncios veiculados nos

intervalos fossem analisados.

A escolha dos programas a serem gravados passou por algumas etapas.

Inicialmente foi coletado, da página do Ibope na internet, o dado dos programas de

maior audiência por emissora na cidade de São Paulo. Dados semanais, de outubro

de 2012 a maio de 2013, foram compilados com o fim de encontrar os programas de

maior audiência no período. Dentre esse grupo das maiores audiências, os 17

primeiros da lista eram da Rede Globo. Em seguida, SBT e Record se intercalavam

até a posição 60ª, onde começaram a surgir TV Band, Rede TV! e TV Gazeta,

totalizando 127 programas de televisão mais assistidos de outubro a maio em São

Paulo.

A segunda etapa foi a escolha dos programas dentro desde grupo de 127

programas. Para encontrar o popular em meio a tantas opções, o critério foi buscado

na bibliografia. Mira, inspirada em Martin Barbero, chega a três elementos básicos

do gosto popular que busca fortes emoções: sensacionalismo, comicidade e

melodrama. Além disso, a festa é elemento fundamental no tempo de descanso do

trabalhador e suas características se remetem ao circo: a música, o grotesco, a

espontaneidade, a continuidade entre a arte e a vida.

Os quatro elementos básicos do gosto popular, festa, sensacionalismo,

comicidade e melodrama foram traduzidos nos termos da televisão de hoje em

programas de auditório, jornalismo sensacionalista, humorísticos e as novelas.

Utilizando-se dos programas listados da maior para a menor audiência, foram

escolhidos aqueles que se enquadravam em um dos quatro gêneros descritos, por

exemplo: o primeiro humorístico que aparece percorrendo a lista da maior para a

menor audiência é Zorra Total, este foi escolhido. Outros programas humorísticos da

Rede Globo aparecem depois, como A Grande Família e Tapas e beijos, porém

estes não foram gravados, pois Zorra Total era o de maior audiência e, portanto, foi

o humorístico da Globo escolhido para esta análise.

É importante ressaltar que embora a Record também aparecesse com

audiência relevante após a 17ª colocação, nenhum programa dessa emissora foi

gravado para evitar viés religioso na veiculação dos comerciais. A tabela abaixo

(Tabela) mostra a escolha dos programas, listados por audiência média.

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Tabela 1: Programas de maior audiência por emissora

Fonte: Dados semanais Ibope, Grande São Paulo, de outubro de 2012 a maio de 2013. *O Fantástico e o Jornal Nacional foram acrescentados com o propósito de investigação. Foi levantada a questão se esses programas teriam adicionado à sua pauta elementos do jornalismo sensacionalista.

Posteriormente o Jornal Nacional foi acrescentado à lista dos programas

gravados com o objetivo de buscar o contraponto – encontraríamos também

publicidade destinada ao público de classe C em um programa historicamente

destinado às elites? Sendo assim, os seguintes programas foram gravados: no SBT,

Programa Silvio Santos, Carrossel, Ratinho, Conexão Repórter e A praça é Nossa;

na Rede Globo, novela Amor à vida, Zorra Total, Fantástico e Jornal Nacional.

ProgramaMedia audiência Out/12

a Maio/13Emissora Gênero

      NOVELA III 35    Globo melodrama

      GLOBO REPORTER 28    Globo

      ZORRA TOTAL 27    Globo humorístico

      VEM AI 26    Globo

      JORNAL NACIONAL 25    Globo *

      SHOW DE TERCA FEIRA 1 - TAPAS E BEIJOS 25    Globo

      FANTASTICO 25    Globo *

      A GRANDE FAMILIA 24    Globo

      BIG BROTHER BRASIL 24    Globo

      VIDEO SHOW RETROSPECTIVA 24    Globo

      NOVELA IV - GABRIELA 24    Globo

      TELA QUENTE 24    Globo

      NOVELA II 24    Globo

      PREMIERE NACIONAL 23    Globo

      CINEMA ESPECIAL NOT 22    Globo

      SPTV 2A EDICAO 22    Globo

      FESTIVAL NACIONAL 20    Globo

      NOVELA NOITE 1 - CARROSSEL 12    SBT melodrama

      PROGRAMA SILVIO SANTOS 10    SBT auditório

      VAMOS BRINCAR FORCA 9    SBT

      A PRACA E NOSSA NOT 9    SBT humorístico

      PROGRAMA DO RATINHO 9    SBT auditório/sensacionalista

      CINE ESPETACULAR 9    SBT

      RODA A RODA JEQUITI 8    SBT

      ELIANA 8    SBT

      AMIGOS DA ONCA 8    SBT

      TELA DE SUCESSOS 8    SBT

      TELETON NOT 8    SBT

      ASTROS 8    SBT

      REALITY SHOW 8    SBT

      CANTE SE PUDER NOT 8    SBT

      CONEXAO REPORTER 8    SBT Sensacionalismo

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Em seguida, os dados de perfil de audiência, segundo a classe social (critério

Ibope), foram incorporados ao trabalho. Com eles, as novelas vespertinas do SBT,

Rubi e Cuidado com o Anjo, surgiram como programas de maior participação da

classe C e também foram gravadas.

Gráfico 1: Programas escolhidos do SBT e seu perfil de audiência

Fonte: Dados Ibope cidade de São Paulo, cedidos pelo SBT, maio 2013,

Os comerciais veiculados nesses programas foram o objeto de estudo, dando

origem à análise desta dissertação de mestrado. A escolha dos comerciais a serem

analisados ocorreu à luz da bibliografia estudada e deu origem ao capítulo 4. Não só

a estética e forma, mas também, cores, linguagem e música foram analisadas. O

conteúdo do comercial também foi levado em conta para a compreensão completa

da mensagem. E por fim surgiram outras questões, tais como, a presença de

produtos que apresentam versões mais sofisticadas e mais caras do que as suas

versões básicas, como, por exemplo, o sabão líquido, sendo anunciado em

programas de audiência popular.

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CAPÍTULO 1 – UMA BREVE DISCUSSÃO SOBRE O FENÔMENO

“CLASSE C”

Até 1994, o Brasil sofreu com a hiperinflação por algumas décadas, num

círculo vicioso extremamente prejudicial à economia. Além de diminuir o valor real

dos salários, a inflação fazia com que os produtos básicos, como alimentos e

combustíveis, tornassem-se mais caros, prejudicando o poder de compra das

famílias e consequentemente o crescimento econômico.

Após 1994, com a implantação do Plano Real, o Brasil passou por profundas

transformações econômicas, como redução e estabilização da inflação, conforme

ilustra a Gráfico 2.

Gráfico 2: Evolução da Inflação Anual, índice IPCA

Fonte: Elaborado pela autora a partir de dados disponíveis no site do IBGE.

Com a estabilização da inflação, iniciou-se então um novo ciclo econômico. A

credibilidade da moeda aos poucos se reestabeleceu. O preço dos alimentos e

combustíveis, por exemplo, adquiriu certa estabilidade. O aumento do poder de

compra da população permitiu o crescimento da economia como um todo.

Para avaliar esse fenômeno, existe um indicador importante que é o Produto

Interno Bruto. Após o plano real, a curva de aceleração de crescimento do PIB

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brasileiro mudou, como é possível observar na Gráfico 3. Depois, novamente, em

2002, houve uma nova aceleração.

Gráfico 3: Evolução do Produto Interno Bruto do Brasil

Fonte: IBGE.

Com o fim da hiperinflação, o surgimento de uma moeda estável e uma

economia que cresce e se solidifica entre as dez maiores economias do mundo, as

famílias se beneficiaram com o aumento da renda média per capita, conforme

mostra a Gráfico 4.

Gráfico 4: Evolução da Renda média domiciliar per capita (R$ de 2009)

Fonte: Neri (2010b), a partir dos dados PNAD/IBGE.

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1.1. Razões para o aumento da renda média e outros

indicadores de desigualdade

Não é só o cenário macroeconômico positivo do Brasil que fez com que a

renda familiar aumentasse nesse período. Existe uma série de outros fatores que

influenciaram direta ou indiretamente o aumento da renda média domiciliar per

capta. Após a posse do presidente Lula, em 2003, as políticas de distribuição de

renda e o incentivo ao crescimento da economia se intensificaram com a

implantação de programas sociais como o Fome Zero e, em 2004, o Bolsa Família,

ambos os programas de transferência de renda (Error! Reference source not

found.).

Gráfico 5: Evolução das Transferências para o Programa Bolsa Família

Fonte: Controladoria Geral da União.

Já, em 2007, surgiu o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) com o

objetivo de intensificar os investimentos do governo em infraestrutura social, urbana,

logística e energética do país. O PAC, até abril de 2013, havia investido quase R$

390 bilhões, com meta de R$ 557 bilhões até 2014 (BRASIL, s/d.c). Dentro do

escopo do PAC, desenvolveu-se o programa Minha casa Minha vida, que oferece

juros subsidiados para famílias de baixa renda no financiamento da casa própria. Até

2014, esse programa tem como meta entregar mais de 2,4 milhões de moradias

urbanas (ibid.).

Outros fatores também mudaram o cenário do trabalho na última década,

influenciando o aumento da renda média. Segundo o Ministério do Trabalho, mais de

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15 milhões de postos de trabalho foram criados nesse período, aumentando em 20%

o número de vagas formais existentes no mercado (BRASIL, 2013a). O salário

mínimo mensal teve um aumento em média de 12% ao ano, acima do crescimento

da economia ou da inflação, o que significou um aumento da renda real e

consequentemente do poder de compra do brasileiro (Gráfico 6).

Gráfico 6: Evolução do salário Mínimo Mensal

Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego (BRASIL, s/d.d.).

O aumento da renda média tem sua causalidade em diversos fatores tanto

microeconômicos como de incentivos do governo, conforme análise anterior. Mas,

qual foi o fator que mais contribuiu? A Tabela, apresentada por Neri (2010b) mostra

nas colunas as diversas fontes que compõem a renda total domiciliar: a renda vinda

do trabalho, outras rendas privadas, renda vinda de programas de transferência de

renda do governo, renda vinda de previdência vinculada ao salário mínimo

(aposentadorias) e previdência acima do salário mínimo. Nota-se que a fonte de

renda que mais cresceu de 2003 a 2009 foram as transferências públicas (12,93%).

Porém na última linha, que mostra a contribuição de cada tipo de renda para o

aumento da renda total, fica claro que o trabalho é o fator que mais contribui para o

aumento da renda domiciliar como um todo. Isso pode ser devido tanto ao aumento

do número de postos de trabalho, quanto ao aumento do salário mínimo em si.

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Tabela 2: Importância de diferentes fontes para composição e crescimento da renda

Fonte: Neri (2010b, p. 52) a partir dos dados PNAD/IBGE.

O aumento da renda não foi uniforme para todas as camadas da sociedade,

pelo contrário, ele aconteceu de forma mais intensa naquelas que possuíam a

menor renda como se pode ver na Gráfico 7.

Gráfico 7: Variação per capita da renda média por décimos de renda (2001/2009)

Fonte: Neri (ibid., p. 56) a partir dos dados PNAD/IBGE.

O índice de Gini4 também apresentou melhorias, nas últimas décadas,

decorrentes da maior distribuição de renda e das mudanças no mundo do trabalho

conforme a Gráfico 8.

4 O índice de Gini mede a desigualdade na distribuição de renda – quanto mais próximo de um mais desigual.

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Gráfico 8: Desigualdade Índice de Gini

Fonte: Neri (ibid., p. 11) a partir dos dados PNAD/IBGE.

Enfim, mudanças consideráveis aconteceram no Brasil nas últimas décadas,

desde o Plano Real, que possibilitaram o crescimento da economia e, mais

intensamente, durante o governo Lula, com os programas de distribuição de renda e

principalmente com o aumento no salário mínimo aliado ao aumento no número de

postos de trabalho. Tudo isso culminou no aumento da renda média que acontece

mais intensamente nas camadas mais pobres da sociedade, diminuindo a

desigualdade na distribuição da renda no país. Com uma renda média maior e uma

inflação estável, há um aumento no poder de compra das camadas em questão.

1.2. As manchetes da “ascensão da nova classe média”

Por volta dos anos 2008-2009, emergiu uma nova discussão relacionada ao

aumento da renda e do poder de compra, o aumento da chamada classe C ou

classe média. Em 2011, em seu discurso de posse, Dilma Roussef mencionou o

momento econômico vivido pelo Brasil que culminou no “resgate de milhões de

brasileiros da miséria e ajudando outros milhões a alcançarem a classe média”.

Vivemos um dos melhores períodos da vida nacional: milhões de empregos estão sendo criados; nossa taxa de crescimento mais que dobrou e encerramos um longo período de dependência do FMI, ao mesmo tempo em que superamos nossa dívida externa. Reduzimos, sobretudo, a nossa histórica dívida social, resgatando milhões de brasileiros da tragédia da miséria e ajudando outros milhões a alcançarem a classe média. 5

5 Trecho do discurso de posse da presidente Dilma Roussef.

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O tema da “ascensão da classe média” ganhou importância no cenário

nacional. Em 2011, foi criada a Comissão para Definição da Classe Média pela

Secretaria de Assuntos Estratégicos do Governo Federal. Essa comissão é formada

por intelectuais de diversas áreas, de dentro ou de fora do governo, e tem como

objetivo entender e definir a classe média no Brasil de forma a ajudar a estruturar

políticas públicas direcionadas a ela. Essa comissão não só publicou um relatório

definindo estatisticamente o que é classe média, como também apresentou outras

seis publicações sobre o tema, que são: Perguntas e Repostas sobre a definição da

Classe média, 45 curiosidades sobre a nova classe média e quatro versões do

Caderno Vozes da classe média, com dados demográficos e de comportamento

acerca desse grupo.

Outros fatos além das prioridades da Secretaria de Assuntos Estratégicos

evidenciam o ganho de importância do tema no Brasil. O instituto Datapopular, de

Renato Meirelles, ganhou importância na mídia e no cenário político. Renato

Meirelles faz parte da Comissão para Definição da Classe Média do governo federal.

No dia 31 de maio de 2009, a Folha de São Paulo publicou um caderno

especial na Revista da Folha, em parceria com o Instituto Datapopular, o qual trouxe

na capa e contracapa os seguintes textos: “Fator c: Com renda de R$1.500 Daniella

Reis faz parte de uma clientela que dita novos valores de consumo em SP” e “De

olho neles. Como a classe C virou a grande vedete do consumo de tecnologia e de

moda e provocou a expansão de serviços na área de educação e lazer”

(BALSEMÃO e BARMANT, 2009). Ficou claro não só na reportagem da Folha, como

também em dezenas de matérias de jornais e revistas a temática do consumo

presente nas manchetes da “ascensão da classe C”.

A discussão ao redor desse tema é complexa e intensa. Tanto do ponto de

vista de definições quanto da crítica em relação ao projeto político e ao fato de a

temática mercadológica do consumo estar tão presente. Existem definições e

críticas de diversas correntes de pensamento e a cada dia um novo livro é lançado

com esse tema.

A seguir, este trabalho procurará iluminar alguns dados e pontos de vista

sobre a definição de classe C.

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1.3. Definições de classe C ou classe média

Antes de iniciar a jornada pelas definições de classe C, ou classe média ou

qualquer que seja o nome desse grupo, é importante esclarecer que não existe hoje

uma única definição aceita nem um consenso sobre os melhores critérios, não existe

sequer consenso sobre o nome do grupo. Em algumas publicações, ele é chamado

de classe C, em outras de classe média, em outras de nova classe de trabalhadores.

Algumas publicações chamam essa estratificação da sociedade, com base na renda

ou no consumo, de classes sociais, outras chamam de classes econômicas e ainda

outras de classe de renda. Portanto, este trabalho não tem a pretensão de esgotar

essa polêmica, somente de trazer à tona suas diferentes facetas e apresentar dados

e argumentos para melhor compreensão da discussão.

A tentativa de definir essa camada da sociedade brasileira, que chamaremos

aqui de classe C, com o propósito único de nomeá-la e não de concordar ou criticar

as definições, não pode ser iniciada sem esclarecer que a chamada classe C não é

de fato uma classe, segundo a definição sociológica clássica marxista, que entende

classe social em termos referentes ao seu papel no processo de produção e posse

do capital.

Existem hoje diversos critérios para segmentação da sociedade brasileira,

sendo dois deles mais usados: pela renda e pela aquisição de bens.

O critério de estratificação pela renda tem como base os dados da Pesquisa

Nacional por Amostra de Domicílios. O Centro de Políticas Sociais da FGV,

coordenado por Marcelo Neri, apresenta seu cálculo de estratificação da sociedade

brasileira. Segundo Neri, algumas considerações devem ser tomadas em conta no

uso da renda “seja na definição de classe ou da sua tradução no potencial de

consumo e de capacidade de geração (e manutenção) de renda” (NERI, 2010a). Em

primeiro lugar, a unidade considerada é sempre a família, não os indivíduos.

Entretanto, é necessário usar a renda per capita para distinguir famílias que

possuem a mesma renda e diferente número de indivíduos.

Tendo o micro dado de renda domiciliar per capita em mãos, cada família ou

parcela da sociedade é posicionada sobre um eixo de renda. Uma vez que está

sobre esse eixo, a faixa central fica definida como classe C. Esse eixo não está,

contudo, dividido em faixas de mesmo tamanho em número de famílias, e sim de

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forma a maximizar a distância entre as faixas e minimizar a distância dentro delas.

Depois disso, os dados são ajustados com base na POF – Pesquisa de Orçamento

Familiar do IBGE – que, embora feita a cada cinco anos, tem dados detalhados

sobre renda total e informal, muito importantes principalmente para os mais pobres.

Dessa forma a classe C, segundo Neri, está imediatamente acima dos 50%

mais pobres e abaixo dos 10% mais ricos. “A classe C aufere em média a renda

média da sociedade, ou seja, é a classe média no sentido estatístico. A classe C é a

imagem mais próxima da média da sociedade brasileira” (NERI, 2010b, p. 24).

Usando esse critério, de fato, é possível observar um aumento da importância

da classe C ou camada média nos últimos anos, conforme Gráfico 9.

Gráfico 9: Evolução das classes econômicas segundo critério CPS/FGV

Fonte: Neri (ibid.) a partir dos dados PNAD/IBGE

Em número de pessoas, é possível observar que a classe C incorporou quase

30 milhões de indivíduos, além do fato de que as classes D e E perderam 23

milhões de indivíduos, que ascenderam nessa mesma pirâmide (Gráfico 10).

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Gráfico 10: Evolução das classes econômicas em número de indivíduos

Fonte: Neri (ibid., p. 33) a partir dos dados PNAD/IBGE.

A Comissão para definição da classe média, em seu relatório de definição da

classe média no Brasil, publicado em outubro de 2012, também utiliza dados de

renda do IBGE para o cálculo e estratificação da sociedade brasileira. Um dos

argumentos que se apresenta para escolha desse critério é:

Embora estejamos longe de um mundo com mercados completos, boa parte do que as pessoas mais valorizam (inclusive saúde e educação) pode ser obtida no mercado. Nesse ambiente, apesar de a renda não ser o indicador sintético perfeito, dentre os indicadores unidimensionais disponíveis ela tende a ser o mais próximo do ideal. (BRASIL, 2012a, p. 16)

Da mesma forma que Neri, esse relatório defende que a renda deve ser

familiar, per capita, total e bruta. O relatório reconhece que mesmo não sendo um

critério perfeito, dentre os critérios unidimensionais possíveis, é o mais completo.

Uma vez escolhida a renda como critério, o relatório discute como dividir a

sociedade em grupos. Uma forma de fazê-lo é dividir a população em percentis de

renda, de forma que a classe média sempre esteja entre o percentil 25 e 75,

ocupando 50% da população. O critério que prevaleceu, porém, foi aquele mesmo

usado por Neri, onde se busca similaridades e se procura dividir, de forma a

minimizar a desigualdade interna do grupo e maximizar a desigualdade entre

grupos.

Dessa forma, o Relatório para Definição da Classe Média, da SAE, chegou à

conclusão que a classe C, que representava 38% da população em 2001, passou a

representar 49% da população em 2009 (ibid., p. 29).

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39

Além da estratificação pela renda, o critério mais utilizado no Brasil hoje é o

padrão de aquisição de bens, chamado de “Critério Brasil”. Esse cálculo foi criado

pela Abep – Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa – e é usado pelo Ibope

e outras instituições de pesquisa de mercado como, Ipsos, Nielsen e Datafolha.

Entretanto o fato de ser usado pelo Ibope expande a importância para este trabalho,

uma vez que o Ibope é quem mede audiências, logo, os espaços comprados pelos

anunciantes para veiculação de seus comerciais são segmentados de acordo com o

Critério Brasil. Como consequência, as empresas em si acabam usando esse

mesmo critério.

A Abep usa o sistema de pontos baseados em posse de bens e nível de

escolaridade do chefe de família, ou da pessoa de referência na família. Quanto

mais bens a família possui, e quanto maior o grau de escolaridade da pessoa de

referência, mais pontos a família possui. Posteriormente o número de pontos dará

origem à “classe”. As Tabelas 3 e 4 compõem o critério Abep.

Tabela 3: Número de pontos acumulados por quantidade de bens e grau de instrução do chefe de família

Fonte: Abep Critério Brasil (ibid.).

Ao final, as “classes” são encontradas conforme número de pontos

acumulados, como mostra a Tabela.

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40

Tabela 4: cortes do critério Brasil

Fonte: Abep Critério Brasil (ibid.).

Nesse sistema de pontos, baseado em posse de bens, a renda se torna um

produto da pesquisa, uma vez agrupadas as famílias dentro do sistema de pontos e

assim é possível chegar à sua renda média.

É importante, entretanto, observar as diferenças entre a renda média das

classes definidas por diferentes critérios. A Tabela mostra dados de diferentes

fontes, comparando os dados provenientes da Abep, critério usado pelo Ibope e

pelas empresas para definição de classe média e dados da Secretaria de Assuntos

Estratégicos do Governo Federal retirados do relatório para definição da classe

média no Brasil. A Tabela mostra comparação entre a renda média de cada classe,

segundo esses dois critérios.

Tabela 5: Renda familiar média mensal segundo diferentes critérios

Fonte: Tabela da autora, fonte dos dados SAE e O Observador.

coluna

critério

alta classe alta 12998

baixa classe

alta4845

alta classe

média2813

média classe

média1925

baixa classe

média1540

vulnerável 1030

pobre 648

extretamente

pobre227

renda

familiar

média

mensal

DE 792

C 1450

AB 2907

A B

SAE ABEP

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41

A coluna A mostra a renda média familiar, segundo o relatório para definição

da classe média da SAE, publicado em 2012, com valores expressos em reais de

abril de 2012. A coluna B mostra a renda familiar média segundo o relatório O

Observador 2012, do instituto Ipsos, que utiliza o critério Abep para definição de

classe, com dados de 2011. Apesar das diferenças entre número de faixas – a SAE

subdivide a população em mais grupos – e da diferença de período – dados de 2011

versus dados de abril de 2012, a diferença observada é grande.

Segundo os dados que usam o critério Abep, a renda da classe C é de R$

1.450 mensais, menos que a renda da baixa classe média segundo a SAE. As

classes A e B da Abep têm renda mensal de R$ 2.907, quase a metade da renda

mensal da baixa classe alta da SAE. Dessa forma é possível observar que, em

linhas gerais, a renda para cada grupo é menor que a renda apresentada pela SAE.

Isso significa que o corte feito pela Abep na pirâmide social está “mais abaixo”, em

relação à SAE: a classe C (ou média) começa e termina em um determinado nível

de renda menor no critério Abep, ou seja, classe C da Abep é mais pobre que a

classe média do Governo Federal.

Da mesma forma, as classes A e B (ou alta), segundo a Abep começa em

uma faixa de renda menor, se comparado ao critério SAE. Logo, é possível concluir

também que, se a Abep faz o corte na pirâmide de renda mais abaixo, a classe AB é

maior em número de indivíduos no seu critério. Ou seja, nesse critério usado pelo

Ibope e anunciantes, a classe C é mais pobre e as classes A e B, mais abrangente.

É importante esclarecer que, para a análise de comerciais, o critério utilizado

para este trabalho será o Critério Brasil, vigente em 2013, da Abep pela razão

simples de que esse é o critério usado pela televisão e seus anunciantes para

veicular comerciais direcionados à classe C. Entretanto, para efeito de entendimento

do fenômeno “classe C” como um todo, é importante levar em consideração também

os demais critérios descritos acima e as análises decorrentes deles, pois não existe

ainda um entendimento de qual é o critério final e o conhecimento que se constrói

sobre esse fenômeno é recente e complementar, não permitindo o descarte de

análises relevantes que utilizem um ou outro critério.

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42

1.4. Um breve perfil da classe C

Para compreensão mais profunda desse grupo, foi preciso trazer para análise

alguns dados sociais, demográficos e comportamentais que dão mais cor a esse

retrato.

Segundo o Vozes da Classe média, Edição Marco Zero, publicado pela

Secretaria de Assuntos Estratégicos do Governo Federal, a classe C tem 53% de

população negra e se concentra no sudeste (45%), nordeste (24%) e sul (16%).

Ainda, 88% da classe C se encontra em área urbana e 51% dos chefes de família

não completaram o ensino fundamental ou não tem nenhuma escolaridade. Já a

população em idade ativa dentro desse estrato está 61% ocupada, 56% de maneira

formal, como ilustra a Tabela 6 (BRASIL, 2012b, p. 20).

Tabela 6: Composição da classe C segundo nível de escolaridade do chefe de família, taxa de ocupação e formalização do trabalho

Fonte: SAE (ibid., p. 20).

Embora a escolaridade dos chefes de família seja ainda muito baixa, segundo

o Datapopular, dados indicam que esse grupo valoriza a educação dos filhos,

“Enquanto na classe alta os filhos estudaram 20% a mais que seus pais, na Classe

C, essa média fica em 68%” (ibid.).

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43

Uma evidência do aumento da escolaridade das camadas mais jovens da

classe C é a mudança na lista das ocupações mais comuns, como se pode ver na

figura a seguir. Ocupação com “serviços domésticos” e “serviços de conservação e

limpeza” continuam na lista, porém perdem importância. A ocupação “vendedor(a) e

atendente em lojas e mercados” ganha importância, tornando-se a primeira da lista.

Além dela, uma ocupação que não estava na lista passou a aparecer: o cargo de

Auxiliar Administrativo. Claramente ganham importância ocupações de maior nível e

perdem importância, embora continuem presentes, as mais simples como serviço

doméstico e de limpeza (Figura 1).

Figura 1: Principais ocupações da classe média Fonte: Datapopular a partir de cruzamentos PNAD e POF6

A mulher tem participação ativa nas transformações analisadas neste estudo:

redução do desemprego, aumento da renda do trabalho, aumento do estrato médio

da sociedade ou classe C. Aumenta também, a porcentagem de mulheres ocupadas

no Brasil, como é possível observar no Gráfico 11.

6 Classe média brasileira está mais escolarizada do que há 20 anos, diz estudo. Revista Carta capital. 18 de março de 2013. Disponível em: <http://www.cartacapital.com.br/sociedade/classe-media-brasileira-esta-mais-escolarizada-do-que-ha-20-anos-diz-estudo/>.

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44

Gráfico 11: Proporção das mulheres de 10 anos ou mais de idade, ocupadas, segundo os grupos de idade

Fonte: IBGE / PNAD 1998/ 2008 (BRASIL, 2009, p. 203).

Uma consequência direta da maior participação da mulher no mercado de

trabalho é a porcentagem das famílias que tem mulheres como principal

responsável, ou seja, onde as mulheres tem a renda mais importante da família

conforme mostra o Gráfico 12.

Gráfico 12: Representatividade das famílias que têm mulheres como principal responsável

Fonte: Ibope (2010).

Segundo o Ibope, na classe C, esse número é maior que nas classes A e B.

De acordo com a matéria publicada pela revista Exame, “As mulheres comandam

32% das famílias de classe C no Brasil, (...). Nas camadas mais altas da população,

o porcentual de mulheres que são chefes de famílias é menor: nas classes A e B,

apenas 25% delas estão à frente das famílias” (ibid.).

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45

Gráfico 13: Porcentagem de mulheres que são principal provedor da família

Fonte: Ibope (2010).

As mulheres de classe C estão presentes principalmente no comércio e nos

setores de serviços pessoais como artesãos, empregados domésticos, etc.

Gráfico 14: Importância do trabalho mulher por setor

Fonte: Ibope (2010).

Ocupação formal, jovens mais instruídos que seus pais e mulheres

contribuindo mais para a renda da família são, portanto, três das características mais

importantes desse grupo, capaz de transformá-lo economicamente e socialmente.

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46

1.5. Classe C e o consumo

Um aspecto fundamental nessa análise é a questão do consumo. Segundo a

publicação da Secretaria de Assuntos Estratégicos do Governo Federal, “45

curiosidades sobre a nova classe média”, em 2009, a classe C foi responsável por

881 bilhões de reais dos gastos com consumo no país (BRASIL, s/d.b.).

Essa nova classe social cresce cerca de 4% ao ano. Mais da metade da população brasileira se enquadra nesta nova classe média de ex-pobres que estão a cada dia que passa melhorando de vida e agora vivendo na classe média C. As pessoas que formam essa nova classe média são aquelas que antes não tinham conta em banco e só consumiam o que realmente era necessário, mas que hoje compram o primeiro carro zero e constroem a sua casa própria. Isso está acontecendo por causa do aumento de emprego e também por causa dos reajustes nos salários que também contribuem para o crescimento dessa nova classe. (Ibid.)

O próprio governo lançou uma série de medidas, em setembro de 2011, para

estimular o consumo, reduzindo o IPI dos móveis e da chamada linha branca de

eletrodomésticos. O fogão teve o IPI reduzido de 4% para 0%, a geladeira de 15%

para 5% e a máquina de lavar roupas semiautomática (tanquinho), de 10% para 0%.

Essa medida, que inicialmente seria válida até 31 de março de 2012, foi prorrogada

e teve validade até 31 de dezembro de 2012. Também foi reduzido o IOF sobre o

financiamento ao consumo de 3% para 2,5%, facilitando o acesso ao crédito.

A temática do consumo é central na mídia quando noticia a classe C. O

consumo parece ser o cerne do “subir na vida”, e sempre é trazido como exemplo

quando se fala sobre o aumento da renda ou melhoria em padrão de vida na

imprensa. Isso faz sentido ao analisar o consumo como significado de melhoria de

vida à luz de autores contemporâneos como Bauman e Campbell. Bauman faz uma

crítica à sociedade contemporânea que tem o consumo como verdadeiro propósito

de existência.

Na sociedade do consumo, as pessoas viram mercadorias, e as mercadorias,

pessoas. O consumismo chega quando o consumo assume o papel-chave na

sociedade de produtores que antes era exercido pelo trabalho, tornando-se o centro

e a mola propulsora da sociedade (BAUMAN, 2007). Campbell também discute o

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tema da centralidade do consumo na sociedade e vai além. Para ele, o consumo se

transformou em indicativo de sucesso e felicidade.

Isso significa não só que a sociedade está estruturada ao redor da venda e promoção de bens e não ao redor da produção desses bens; mas também que os membros dessa sociedade tratam alto nível de consumo como um indicativo de sucesso social e felicidade pessoal e por isso escolhem consumir como o objetivo diário de suas vidas. (CAMPBELL, 2005, p. 99)

Alguns dados encontrados em matérias de jornais e revistas, publicações da

SAE e também nos resultados na PNAD são importantes, pois ilustram como a

temática do consumo faz parte desse processo chamado de melhoria de vida.

Neri analisa dados de consumo da PNAD através da presença de alguns itens

dentro dos lares brasileiros. O computador com internet, por exemplo, que, em 2001,

era exclusividade de 8% dos domicílios, na PNAD de 2009 já aparece em mais de

28% dos lares do país, como ilustra o Gráfico 15.

Gráfico 15: Presença de computador com internet

Fonte: Neri (2010b, p. 60), a partir dos dados PNAD/IBGE

A máquina de lavar roupa foi outro item que aumentou sua presença em

lares, de 23% para mais de 44%, de acordo com o Gráfico 16.

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48

Gráfico 16: Presença de máquina de lavar

Fonte: Neri (ibid.), a partir dos dados PNAD/IBGE.

O Ibope Mídia, em parceria com Target Group Index, disponibiliza dados

interessantes sobre a evolução do consumo por classe. O gráfico abaixa compara a

presença de diferentes itens nos lares em 2005 e em 2009. É possível observar que

tanto as classes A e B quanto a C adquirem DVDs, computadores e fornos de micro-

ondas, sendo o DVD o item que mais cresceu na classe C. Telefone celular é um

item que avança tanto na classe C quanto na DE.

Gráfico 17: Presença de diferentes bens de consumo, por classe, em 2005 e 2009

Fonte: Ibope (2010)

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49

A imprensa caracteriza esse aumento do consumo de itens que não são

básicos na cesta como qualificação do consumo. Essa chamada qualificação do

consumo também se reflete nas marcas preferidas desse grupo. Entre essas marcas

são encontradas empresas e produtos líderes de mercado, que muitas vezes são

mais caros que seus concorrentes de marcas menos conhecidas.

Entre os homens, a marca preferida é a Adidas (5,8%), seguida da Nike (5,1%) e da Samsung (4,9%). Para as mulheres, a Nestlé repete a liderança (6,3%), em segundo lugar está O Boticário (4,2%) e em terceiro, a Hering (3,1%). Em relação às faixas etárias, os “maduros” preferem também a Nestlé (4,9%), depois a Sony (4,2%) e a Samsung (3,8%). Já entre os jovens, a “marca do coração” é a Nike (4,2%), seguida da Samsung (3,6%) e da Apple (3,2%). (STECANELLA, 2012)

Na mesma matéria, Renato Meirelles critica esses índices de preferência de

marca. Segundo ele, os números são muito baixos, pois nenhuma dessas marcas

conseguiu corresponder ao crescimento da classe C. Segundo o Datapopular, em

matéria do Estado de Minas, é preciso entender os hábitos da classe DE que

ascenderam à classe C para conquistar essa fatia do mercado.

Xirley, cantora de periferia, coloca seus CDs para vender em um camelô e vira popstar – com direito a neon na Imagem de Nossa Senhora Aparecida que ela mantém em cima do criado-mudo. A reluzente Nossa Senhora Aparecida no criado-mudo de Xirley é a metáfora de hábitos que vêm da base da antiga pirâmide e dão o tom desse novo consumo. “Muitas vezes há bolso de C, mas hábitos de D/E, algo que, quanto mais cedo as empresas perceberem, melhor encontrarão formas de ganhar dinheiro com esse mercado, sem preconceitos”, diz Wagner Sarnelli, diretor do Instituto Data Popular. (BOTTREL, 2012)

Um caso clássico, porém, na análise do consumo popular, é a Casas Bahia.

Luciana Aguiar analisa, em matéria da revista Consumidor Moderno, em 2009, que

“muito antes das empresas descobrirem o potencial da classe C, as Casas Bahia já

conheciam o DNA desse público e desenvolveram uma estratégia alinhada com

seus valores e sonhos, cujo slogan afirmava Aqui você pode” (AGUIAR, 2009, p.

114).

Uma série de fatores contribui para essa relevância da rede varejista para

esse público, tais como a localização das lojas na periferia, e a oferta de

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financiamento com prestações acessíveis, embora o valor total do produto não seja

mais barato. A Casas Bahia foi pioneira em oferecer esse tipo de financiamento que

tornasse possível a compra de itens antes inacessíveis. Meirelles completa essa

análise com a questão do sentido de pertencimento, “enquanto a classe A busca

exclusividade, a classe C compra para fazer parte, se sentir incluída” (apud

BALSEMÃO e BARMANT, 2012).

A estabilidade dos preços combinada com o aumento da renda média teve

um efeito, sobretudo, nos gastos da classe C. Encontrando juros mais baixos no

mercado, essa faixa de consumidores passou a gastar mais e teve acesso,

principalmente através de financiamento e crédito disponível, a uma nova

perspectiva de consumo.

A classe C que ascendeu da base da pirâmide passa a fazer parte, então, do

universo do consumo. Com ela, emergem seus hábitos, gosto e estilo de vida. Essa

grande massa consumidora que se forma no Brasil sempre existiu como um grupo

de indivíduos que se expressa e se manifesta culturalmente de forma criativa e rica

na música, estética, arte. Um grupo que tem agora acesso ao mundo do consumo e

do entretenimento, acesso permitido pelo aumento da renda, aumento do crédito, e

da disponibilidade de informação.

Certamente seus valores do cotidiano, seus sistemas simbólicos, padrões

culturais há muito tempo expressos através de arte, música e linguagem, somados

aos seus medos, anseios e busca por identidade, passam a expressar-se também

através do consumo. O pensamento crítico de Canclini nos ajuda a refletir sobre o

papel do consumo nessa nova configuração socioeconômica da sociedade

brasileira:

Comprar objetos, pendurá-los ou distribuí-los pela casa, assinalar-lhes um lugar em uma ordem, atribuir-lhes funções na comunicação com os outros, são os recursos para se pensar o próprio corpo, a instável ordem social e as interações incertas com os demais. (GARCIA-CANCLINI, 1997, pp. 51-70)

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1.6. Acesso e “consumo” de serviços públicos

Entretanto não é só com consumo que se constrói melhoria nos padrões de

vida. Outros aspectos precisam ser levados em conta como acesso a serviços

públicos básicos, como rede de esgoto, coleta de lixo, saúde e educação.

Neri (2010b) analisa dados da PNAD para mostrar que houve aumento de

acesso à rede de esgoto e coleta de lixo no país nas últimas décadas. O acesso à

rede de esgoto subiu de 36% para 51% e a coleta direta de lixo, de 58% para 82%

como se pode ver pelos gráficos abaixo.

Gráfico 18: População com acesso a rede de esgoto

Fonte: Neri (ibid.) a partir dos dados PNAD/IBGE

Gráfico 19: Lixo coletado diretamente

Fonte: Neri (ibid.) a partir dos dados PNAD/IBGE.

Embora de fato exista um aumento significativo no acesso desses serviços

básicos, a crítica precisa ser feita. Esses mesmos dados mostram que metade dos

domicílios do Brasil ainda não tem acesso à rede de esgoto e quase 20% ainda não

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tem seu lixo coletado diretamente. Esses não são dados específicos de classe C,

mas sim do total da população, contudo se ela representa hoje quase a metade

dessa população, é possível estimar que parte da classe C ainda hoje não tem

acesso à rede de esgoto.

Já a saúde e educação são serviços públicos que podem ser adquiridos no

setor privado. O Gráfico 20 mostra a utilização de serviços privados de saúde e

educação, ou seja, “tem plano de saúde” e “frequenta escola particular”. É possível

observar que a classe C já tem certa representatividade dentre aqueles que

possuem planos de saúde, porém a representatividade desse grupo é bem menor

dentre aqueles que frequentam escola particular.

Figura 21: Utilização de serviços privados

Fonte: SAE (BRASIL, 2012b, p. 34).

Esse fato provavelmente está relacionado à percepção de que esse grupo

tem dos serviços públicos e a importância dada a cada um deles. Essa análise já

mostrou anteriormente que os jovens de classe C têm nível de escolaridade mais

alto que a média desse grupo. Entretanto, esse índice ainda é baixo. E a percepção

da classe C em relação às escolas públicas ainda é relativamente boa se

comparada às A e B: cerca de 48% da classe C avalia o ensino em escolas públicas

como bom ou ótimo. Não tem sentido pagar uma escola particular para aqueles que

veem na escola pública uma boa opção (Gráfico 21).

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Gráfico 21: Porcentagem de pessoas que avaliam o ensino na escola pública como bom ou ótimo

Fonte: SAE (ibid., p. 43).

Já quando se trata de hospitais públicos ou privados, a percepção é outra. O

Gráfico 22 mostra a porcentagem de pessoas que concordam totalmente que

hospitais privados são melhores que hospitais públicos. O primeiro fato que chama

atenção é a similaridade de percepção entre as classes. Os três estratos, que são

chamados pela SAE de Classes Alta, Média e Baixa, apresentam dados

semelhantes: cerca de 60% concordam que hospitais particulares são melhores. Os

planos de saúde, que dão acesso aos serviços desses hospitais privados, ganham

importância então no gasto das famílias que podem pagar por ele.

Gráfico 22: Porcentagem de pessoas que concordam totalmente que hospitais privados são melhores que hospitais públicos

Fonte: SAE (ibid. p. 44).

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Comparando essa percepção dos hospitais com a percepção em relação às

escolas públicas, fica claro porque a classe C aparece mais entre o grupo que “tem

plano de saúde” e não tanto no grupo “frequenta escola particular”. Na medida em

que há alguma renda disponível, o serviço privado procurado primeiro é aquele onde

existe maior discrepância de qualidade entre o público e o privado, a saúde.

1.7. Ponto e contraponto: um diálogo entre autores

contemporâneos brasileiros

Há quem diga que a nova classe média não é nova nem é classe nem é

média.

Os indicadores econômicos que apontam para uma melhoria de vida são

inegáveis. Neri, em A nova classe média: o lado brilhante dos pobres, leva-nos pela

jornada dos indicadores econômicos de crescimento do PIB, do emprego e da

renda, crescimento do salário mínimo e consequentemente do aumento da renda

média proveniente do trabalho. A renda dos mais pobres cresce de forma mais

acelerada que a renda dos mais ricos. Esse fato também é destacado no caderno

Vozes da Classe média, da SAE. Tudo isso faz com que a renda aumente e o

número de pessoas desse estrato médio da sociedade aumente, estatisticamente

falando. Esse estrato médio, segundo Neri, representa 50,5% da população e detém

46% do poder de compra do país (2010b, p. 86).

Com esses dados em mãos, a chamada classe C parece ser um grupo de

grande relevância tanto para governo, do ponto de vista eleitoral, quanto para

empresas, do ponto de vista do consumo. E não há como negar que esse grupo de

fato exista e sua renda média tenha aumentado, bem como seu consumo. Em

entrevista à Folha de São Paulo, Neri fala sobre o padrão adquirido da classe C e a

redução da desigualdade.

A nova classe média constrói seu futuro em bases sólidas que sustentem o novo padrão adquirido. Isso é o que chamamos de lado brilhante dos pobres. (...) A nova classe média nasce a partir da recuperação de atrasos tupiniquins. Ela é filha da volta do crescimento com a redução da desigualdade. (2012, p. 86)

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O que é discutível, no entanto, é o argumento de que esse fenômeno

representa a ascensão de uma nova classe média. Autores brasileiros

contemporâneos como Jessé de Sousa e Marcio Pochmann fazem o contraponto.

Pochmann (2012, p. 8) começa seu livro Nova Classe Média: o Trabalho na Base da

Pirâmide Social Brasileira dizendo que não se trata da emergência de uma nova

classe média, e muito menos de uma classe média, mas sim que “o que há, de fato,

é uma orientação alienante sem fim, orquestrada para o sequestro do debate sobre

a natureza e a dinâmica das mudanças econômicas e sociais” (ibid.).

Seu argumento é de que existe sim um aumento nos postos de trabalho

oferecidos e, apesar da baixa escolaridade, o grupo que antes estava numa

condição de pobreza passa por um processo de ascensão social inegável, “embora

ainda distante de qualquer configuração que não a da classe trabalhadora” (ibid., p.

10). Segundo o mesmo autor, existem características nesse grupo que não se

encaixam em critérios objetivos do que é identificado como classe média, seja pela

renda, pelo tipo de ocupação ou perfil pessoal. Essas características se assemelham

àquelas das “classes populares” 7 que, uma vez que não poupam, gastam tudo o que

ganham e, ao aumentar a renda, aumentam imediatamente o padrão de consumo.

Souza, em entrevista para a Folha, também discorda que esse grupo deva ser

chamado de classe média. Ele argumenta que já existe uma classe média

estabelecida, detentora do capital cultural.

A classe média estabelecida é uma classe dominante porque se forma pela apropriação privilegiada de capital cultural, seja técnico e especializado, seja literário e especulativo, o qual é indispensável para o funcionamento do mercado e do Estado. Ainda que não exista acesso privilegiado a volume significativo de capital econômico, como nas classes altas, o acesso a este conhecimento altamente valorizado socialmente cria toda uma “condução da vida” em todas as dimensões que permite, quase sempre, manter o privilégio para as gerações seguintes. (SOUZA, 2011)

Souza é autor de dois livros usados neste trabalho: Ralé Brasileira (2009) e

Os Batalhadores Brasileiros (2012), trazendo um ponto de vista sobre as classes

sociais brasileiras de forma “não economicista e quantitativa”. Segundo ele, tanto

estudos baseados em renda e consumo quanto as descrições marxistas, fundadas

7 Termo usado por Pochmann.

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56

em uma única dimensão da realidade, oferecem um ponto de partida, porém não

uma leitura sociocultural da realidade.

Para que possamos explicar e compreender uma realidade social complexa é necessário penetrar na dimensão mais recôndita das motivações profundas do comportamento social e nos dramas, sonhos, angústias e sofrimentos humanos que elas implicam. (Ibid.)

Tanto Souza quanto Pochmann aprofundam suas análises na questão do

trabalho. Pochmann, através de um olhar de economista, e Souza, de um olhar

sociológico com pitadas de influência bourdiana.

Segundo Pochmann, a expansão do setor de serviços foi o principal fator que

levou ao fortalecimento do mercado de trabalho. O setor de serviços detém 90% das

novas ocupações com remuneração de até 1,5 salário mínimo. Esse fato somado às

políticas públicas de transferência de renda e aumento acelerado do valor real do

salário mínimo significou o “fortalecimento das classes populares assentadas no

trabalho” (POCHMANN, 2012, p. 10).

Souza dialoga com Pochmann nesse argumento. Segundo Souza, esse grupo

que ascendeu na pirâmide social através da renda e do trabalho se sustenta sobre

uma espécie de ethos do trabalho, foi o trabalho que trouxe o aumento da renda e

do consumo; seu próprio trabalho, com seus próprios braços, sua batalha, a batalha

do feirante, da empregada doméstica, do microcrédito; batalha que é motivo de

orgulho e dignidade. Logo, esse grupo é mais adequadamente chamado de “nova

classe trabalhadora” ou simplesmente de “batalhadores” (SOUZA, 2012).

Para os batalhadores, o trabalho árduo e esforço individual são protagonistas

na trajetória que os levou pelo caminho da luta a uma “vida melhor”. Por esse motivo

se torna tão importante à narrativa de vida de cada indivíduo. A religião é, na análise

de Souza, a estrutura que ajuda a consolidar essa nova classe trabalhadora. Uma

das possíveis razões estaria na doutrina das religiões neopentecostais, que se

expandiram nas últimas décadas, onde a salvação divina se dá pelo trabalho

realizado na Terra.

A discussão sobre nova classe média, sobre nomenclaturas, origens,

questões políticas e, ainda, sobre veracidade ou ilusão da melhoria de vida dessa

população, é complexa e tem muitas facetas. Porém, não é possível negar que, de

fato, houve um aumento da renda média e redução da desigualdade nas últimas

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décadas. O dado novo que Pochmann traz e que ilumina essa discussão para um

prazo mais longo é a renda média e o índice de Gini desde 1960. Nessa curva, fica

clara a melhoria que as últimas décadas apresentam.

Entretanto, também fica claro que o Brasil apenas se recuperou de décadas

de aumento da desigualdade, período que se iniciou em 1964 e foi até 2001, quando

a curva do índice de Gini de fato começou a cair e chegar novamente aos patamares

da década de 1960, e a renda média voltou a crescer após décadas de estagnação,

conforme apresenta o Gráfico 23.

Gráfico 23: Evolução dos índices de renda per capita nacional e do grau de desigualdade de renda pessoal (Gini) (1960=100)

Fonte: POCHMANN (2012, p. 17).

Por fim, é importante encerrar com a crítica de Pochmann em entrevista para

a revista Caros Amigos. A melhoria de renda e consequentemente de vida das

camadas sociais menos favorecidas foi sem dúvida um fato de extrema relevância

para o país nas últimas décadas. Mas para onde vamos agora?

A inteligência da política pública desde o início do governo Lula foi de viabilizar maior renda para esses segmentos da base da pirâmide social para ampliar o consumo, e ao ampliar o consumo nós fomos gradualmente ocupando a capacidade ociosa das empresas sem a necessidade de grandes investimentos. Agora estamos em condições mais difíceis para viabilizar essa perspectiva porque já há certa saturação da capacidade ociosa, e o grande desafio colocado é o do investimento, da ampliação da capacidade produtiva para atender as possibilidades de incorporação de novos segmentos. (POCHMANN, 2013)

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CAPÍTULO 2 – PUBLICIDADE: A INTERSEÇÃO ENTRE TELEVISÃO

E CONSUMO

É lugar comum nas ciências sociais dizer que vivemos numa sociedade de

imagens. A questão aqui é que, hoje, vivemos também numa sociedade de

consumo, e não basta entender a imagem sem entender sua relação com o

consumo. Neste capítulo, será aprofundada a relação entre a televisão, como

principal manifestação da cultura de massas, e sociedade de consumo, para

entender que a publicidade é o ponto fundamental dessa relação e por isso é objeto

de pesquisa deste trabalho.

2.1. Consumo: berço do nascimento da publicidade

Definir consumo não é uma tarefa fácil, afinal é difícil superar o já aceito

conceito de que consumo é exclusivamente uma atividade econômica. “Consumo

pode ser definido como a seleção, compra, uso, manutenção e descarte de qualquer

produto ou serviço” (CAMPBELL, 2005).

Mas seria realmente só isso? Definições utilitaristas vêm sendo criticadas

pelos cientistas sociais nos últimos anos, numa tentativa de encontrar as

verdadeiras razões do consumo.

Slater é um sociólogo inglês que se contrapõe à teoria utilitarista8 e que

defende que o consumo é sempre cultural e os significados envolvidos são

necessariamente significados partilhados. As preferências individuais são, elas

mesmas, formadas no interior de culturas. “A cultura não influencia o consumo, nem

dá formas específicas a uma necessidade básica, mas sim a cultura constitui as

necessidades, os objetos e as práticas de que se compõe o consumo” (SLATER,

2002, p. 132).

Campbell também critica o utilitarismo na medida em que ele

8 Utilitarismo ou explicação utilitarista clássica para o consumo, no qual este nada mais é do que o meio para satisfação das necessidades. O consumidor nesse caso busca a maximização da satisfação da sua necessidade ao menor custo possível. Os primeiros filósofos e economistas explicavam dessa forma o fenômeno do consumo que surgia no início da sociedade capitalista. Ainda hoje a maximização da utilidade é estudada na microeconomia.

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não oferece perspectiva para origem das necessidades ou dos gostos. Embora ofereça prognósticos do grau de interesse que o consumidor tem por um produto, não oferece explicação para as diferenças preferenciais que um consumidor pode ter para satisfação das necessidades. Portanto sob essa ótica todas as necessidades tem a mesma urgência. (CAMPBELL, 2001, p. 63)

Esse autor busca no “instinto que visa aquietar carências biológicas” um dos

componentes do pensamento sobre a origem das necessidades do consumidor.

Tendo como fato que o instinto de suprir carências biológicas acompanha o ser

humano desde o primeiro dia de sua existência, pode-se dizer que o consumo, de

certa forma, sempre existiu. O alimento que mata a fome e o abrigo que protege do

frio são providos pela natureza que é consumida com o objetivo da manutenção da

existência. Já nessa explicação simplista do consumo da sobrevivência, emerge a

questão cultural como ponto central.

No entanto o problema central desses argumentos em favor das necessidades básicas é seu pressuposto de que podemos identificar as necessidades básicas, como a fome, independente das formas culturais que assumem (...). Vivenciamos todas as nossas necessidades (inclusive as físicas) no interior de uma cultura. (SLATER, 2002, p. 133)

Entretanto, essa sociedade que era preocupada somente com as

necessidades biológicas não se estruturava ao redor do consumo, e o consumo não

constituía o principal motor de seu funcionamento e sua economia. A questão que

permanece aqui é quando teve inicio o consumo como conhecemos hoje.

A Revolução Industrial é sem dúvida uma das origens do consumo, ou ainda

um pré-requisito, sem ela o consumo em larga escala não seria possível. Segundo

Campbell, a Revolução Industrial se firmou na venda de artigos da vida diária para o

mercado interno, para a parcela da sociedade que não era nem muito pobre, nem

muito rica. Isso possibilitou o ganho de escala em número de artigos vendidos. “Em

outras palavras, um mercado de renda mediana, uma burguesia nascente composta

por comerciantes, artesãos, agricultores com mais recursos, engenheiros e

funcionários públicos” (ibid., p. 41). O ganho de escala e novos meios de produção

passam a ser então a centralidade da sociedade na época, que ganhava capacidade

de produzir e vender artigos em grande escala, para uma população que apenas

aprendia a consumir.

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Ortiz (1991) analisa esse fenômeno na história europeia para compreender a

origem do consumo. O autor busca no luxo e, em seguida, em sua expansão,

através da Revolução Industrial e produção em massa de objetos, o surgimento do

consumo no sentido moderno do termo. Segundo ele, na sociedade medieval, as

procissões e rituais dos cavaleiros estampavam o luxo. A emergência do poder

monárquico, entretanto, e o ganho de poder dos príncipes e reis em detrimento dos

cavaleiros, além da erosão do monopólio da Igreja Católica na Europa, fazem com

que esse luxo impessoal se individualize e se torne privado, inicialmente exclusivo

da nobreza, e em seguida da burguesia (ibid., p. 121).

Essa privatização do luxo começa a se manifestar em vários âmbitos da vida

doméstica, como móveis, decorações, a maneira de por a comida sobre a mesa e de

se sentar à mesa. Todas essas mudanças implicam num processo de refinamento

do gosto do qual deriva o conceito de civilidade que emerge na sociedade da época.

“Os novos hábitos como: se portar à mesa, caminhar, se vestir, não decorrem de

uma mera vontade pessoal, o conceito de civilização rege a multiplicidade das ações

do mundo aristocrático” (ibid., p. 122).

Ao longo do século XIX, houve um aumento no consumo de vários gêneros

alimentícios; vinho, batata, carne, etc. Produtos como chocolates, açúcar, banana e

chá passaram a ser correntes. Isso foi proporcionado não só pelo aumento da

produção, como também da capacidade de transporte, crescimento de redes

ferroviárias e distribuição, além de profundas mudanças no varejo comerciante. A

família francesa adquiriu o hábito de se abastecer nesses comerciantes.

O surgimento dos Grand Magazin, na França do século XIX, fundou um novo

modelo cujos volumes de negócios eram infinitamente maiores, o número de itens

negociados se multiplicou e a experiência da compra se modificou, tornando-se mais

autônoma, sem balcões. As vitrines se embelezaram e os templos do consumo9

surgiram grandiosos em Paris.

Os Grand Magazin passaram a comercializar todo tipo de mercadoria,

inclusive aqueles “luxos” que proporcionam conforto à vida cotidiana. Ortiz discute,

então, a diferenciação entre luxos. Surge a questão da utilidade ou inutilidade do

luxo. Instaura-se o debate entre necessidades legítimas e fictícias. Sendo o luxo útil

e sua história contada a partir da noção de conforto, seja ele privado, através do

9 Termo usado por Ortiz.

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consumo, ou público, com os novos serviços de saneamento oferecidos pelos

municípios.

Sendo o “luxo” parte da essência da origem do consumo, é fundamental

entender como caminhou esse conceito até os dias de hoje. Campbell apresenta

uma perspectiva distinta e mais contemporânea de “luxo”, no qual este pode ter dois

significados. Primeiro refere-se ao consumo supérfluo, desejado, indo além da

carência, “o luxo é qualquer despesa maior que o necessário” (CAMPBELL, 2001, p.

88). Já o segundo remete a uma experiência sensorial e agradável: desfrutar a

dimensão agradável de uma experiência. A partir dessa perspectiva, o luxo é tudo

aquilo que proporciona prazer, uma experiência agradável, um estímulo, o inicio da

compreensão da função do hedonismo para o consumo.

De acordo com Campbell, o hedonismo moderno, diferentemente do

tradicional, baseia-se não nas sensações causadas por estímulos externos, mas sim

na maximização emocional de uma experiência. Dessa forma as emoções podem

ser criadas dentro de um individuo a partir de pouco ou nenhum estímulo externo,

através de devaneios ou ilusões. “É esta forma altamente racionalizada de

hedonismo autoilusivo que caracteriza a moderna procura do prazer” (ibid., p. 112).

Ele é autocontrolado e permite a cada individuo provocar estímulos na ausência de

qualquer fator externo. Nesse sentido, é o próprio devaneio, a expectativa de um

futuro prazeroso que nunca chega. Essa expectativa é chamada, por Campbell, de

anseio. É a expectativa do prazer que detona o desejo de realizá-lo, mas, ao realizá-

lo, provoca uma frustração, pois o prazer está justamente na expectativa.

A consumação do desejo é portanto uma experiência necessariamente desencantadora, uma vez que põe o devaneio à prova quando encontra a realidade. (...) É mais provável portanto que o sonho seja levado adiante e ligado a um novo objeto de desejo de tal modo que os prazeres ilusórios possam, uma vez mais, serem re-experimentados. (CAMPBELL, 2001, p. 126)

Dessa forma, dá-se o ciclo de consumo que parece infinito, que mostra

consumidores eternamente insatisfeitos. Cada novo produto é visto como se

oferecesse a possibilidade de concretizar essa ambição. Porém cada compra leva à

desilusão. O anseio fundamental permanece.

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O discernimento essencial que se exige é a compreensão que os indivíduos não procuram tanta satisfação dos produtos quanto do prazer das experiências autoilusivas que constroem com suas significações associadas. A atividade fundamental do consumo, portanto, não é a verdadeira seleção, compra ou uso dos produtos, mas a procura do prazer imaginativo a que a imagem do produto se empresta sendo o consumo verdadeiro, em grande parte, resultante desse hedonismo “mentalistico”. Encarada dessa maneira, a ênfase tanto na novidade quanto na insaciabilidade se torna compreensível. (CAMPBELL, 2005, p. 130)

Assim, Campbell conclui que o espírito do consumismo moderno é tudo

menos materialista. Nesse sentido, o autor conclui também que as imagens dos

produtos são mais importantes que os próprios produtos, pois são elas que fazem

parte do hedonismo imaginativo, do devaneio prazeroso de um dia possuir. A

imagem é consumida antes do próprio produto.

Baudrillard é o primeiro autor que entende o consumo além da mercadoria em

si, atribuindo a ela um significado não material. Ele argumenta que o consumo é um

fenômeno onde os signos relacionados aos bens são consumidos, portanto a

mercadoria não é valorizada pelo seu uso ou seu atributo físico, material, mas sim

pelo significado que ela carrega, determinado pela sua posição em um sistema de

significados autorreferenciados. Para o autor, na sociedade de consumo, cuja

centralidade é a manipulação ativa de signos, a infinita reprodução de imagens e

signos apagou toda a distinção entre o real e a imagem.

Não se trata pois dos objetos definidos segundo sua função, ou segundo as classes em que se poderia subdividi-los para comodidade de análise, mas dos processos pelos quais as pessoas entram em relação com eles e da sistemática das condutas e das relações humanas que disso resulta. (BAUDRILLARD, 2006, p. 11)

Sendo assim, a mercadoria se transforma em signo, e o consumo é a

atividade de manipulação sistemática de signos cuja lógica reside na ambiguidade

onde o sistema de signos é um código criado pela sociedade capitalista e, ao

mesmo tempo, manipulado pelos indivíduos ao consumir.

O consumo como manipulação ativa de signos se torna central na sociedade

contemporânea, onde o signo e a mercadoria se juntam para produzir a mercadoria

signo. “A autonomia do significante, mediante a manipulação dos signos na mídia e

na publicidade, por exemplo, significa que os signos podem ficar independentes dos

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objetos e estar disponíveis para uso numa multiplicidade de relações associativas”

(FEATHERSTONE, 1995, p. 33).

Dessa forma, Baudrillard apresenta o conceito de sociedade de consumo

(BAUDRILLARD, 1981). Uma sociedade que está estruturada ao redor da venda e

promoção de bens e não ao redor da produção desses bens, mas também que seus

membros tratam alto nível de consumo como um indicativo de sucesso social e

felicidade pessoal e por isso escolhem consumir como o objetivo diário de suas

vidas.

Nos anos recentes, Bauman aprofunda a crítica a essa sociedade que se

estrutura ao redor do consumo, tendo este como sua força motriz, sua economia e

dos indivíduos que a compõem.

Os encontros dos potenciais consumidores com os potenciais objetos de consumo tendem a se tornar as principais unidades na rede peculiar de interações humanas conhecida, de maneira abreviada, como “sociedade de consumidores”. Ou melhor, o ambiente existencial que se tornou conhecido como “sociedade de consumidores” se distingue por uma reconstrução das relações humanas a partir do padrão, e à semelhança, das relações entre os consumidores e os objetos de consumo. (BAUMAN, 2007, p. 19)

Segundo o autor, numa sociedade de consumidores, consumir parece,

portanto, ser o investimento e “vendabilidade” de si próprio para obter qualidades

para as quais já existe uma demanda no mercado. O indivíduo é o produto, ao

mesmo tempo que a mercadoria ganha personalidade. Bauman diz ainda que o

consumismo “é um tipo de arranjo social resultante da reciclagem de vontade,

desejos e anseios humanos rotineiros, permanentes, e assim dizer ‘neutros quanto

ao regime’, transformando-os na principal força propulsora e operativa da sociedade”

(ibid., p. 99).

O consumo se tornou, portanto, não só o cerne e centro da sociedade

contemporânea, como também a razão de viver dos indivíduos e objetivo de suas

vidas.

2.2. Cultura de massa e consumo de imagens

O consumo é essencialmente cultural. Se o consumo “é um sistema de

significação e a verdadeira necessidade que supre é a necessidade simbólica”

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(DOUGLAS e ISHERWOOD, 2009, p. 16), os bens se tornam parte integrante e

fundamental da rede de signos culturais, e a função essencial do consumo é fazer

sentido, construindo um universo inteligível (ibid.).

Segundo Douglas e Isherwood, o consumo é um sistema de significação, é

um código através do qual são traduzidas muitas de nossas relações sociais. Os

bens são, portanto, parte visível da cultura e são arranjados em um código, em

perspectivas e hierarquias de significação. Sendo assim, a publicidade, através da

comunicação de massa, amplifica esse código cultural criando necessidades

simbólicas semelhantes.

Cultura, segundo Morin, constitui um complexo sistema de normas e símbolos

que estrutura e orienta os instintos e emoções dos indivíduos. “Uma cultura oferece

pontos de apoio imaginários à vida prática e também pontos de apoio práticos à vida

imaginária” (MORIN, 1994, p. 15). Dessa forma, a cultura de massas é alimentada

pela via de mão dupla onde o imaginário imita o real e vice-versa, sempre

veiculando valores do consumo, em busca de maximizá-lo.

A cultura de massas nasce nos Estados Unidos após a Segunda Guerra

Mundial num complexo contexto de reafirmação do capitalismo, democratização do

consumo, formação e desenvolvimento de um novo grupo assalariado. Nesse

sentido, cultura de massas é o produto de um diálogo entre produção e consumo.

Para entender a cultura de massas, é necessário voltar até onde Edgar Morin

inicialmente traz uma perspectiva sobre a origem do lazer. Lazer surge a partir do

momento em que o tempo do trabalho é enquadrado em horários fixos,

independente das estações, diferentemente dos tempos das festas do modo antigo

de vida quando trabalhavam no verão para se resguardar no inverno ou

descansavam nas festas dos solstícios, ou ainda, quando o descanso celebrava

comunhões coletivas e ritos sagrados.

No sentido moderno, o lazer é o tempo ganho sobre o trabalho. O

desenvolvimento do lazer tende a diminuir a intensidade afetiva ligada ao trabalho.

“O trabalho em migalhas faz com que a seiva da vida encontre novas irrigações fora

do trabalho. (...) [os trabalhadores] se refugiam no lazer e no movimento no sentido

da vida privada” (ibid., p. 42).

Na ética do lazer, abrem-se horizontes para a cultura de consumo, do bem-

estar e do entretenimento. Com o advento dos meios de comunicação eletrônicos na

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sociedade norte-americana, inicia-se uma nova fase de expansão da cultura de

massas, a qual se irradia a partir dos Estados Unidos para todas as partes do

mundo. Para Morin (ibid., 42), ela pode ser considerada a propagadora de uma

gigantesca ética do lazer.

A cultura de massas se desenvolve principalmente com o advento e

massificação da televisão. Produzida industrialmente e distribuída no mercado de

consumo, a cultura de massas se apresenta particularmente sob a forma do

espetáculo transmitido pela TV. Ou seja, a cultura de massas emerge dentro do

contexto do lazer e entretenimento e transforma-os em consumo, veiculando filmes,

novelas, músicas e comerciais de acordo com as necessidades culturais que

emergem do público. Alimentando, assim, a dialética entre o sistema de produção

cultural e as necessidades do público, de forma a fortalecer a vida privada nas

imagens, modelos e aspirações.

Assim como a Revolução Industrial proporcionou a produção e oferta em

massa de mercadorias, a cultura de massas produz e entrega de forma massificada

o conteúdo do lazer e as propagandas. No pós-guerra norte-americano emergiu

essa cultura de massas, ao mesmo tempo que a televisão ganhou espaço dentro

dos lares e o consumo se tornou a mola propulsora da sociedade. Nesse momento a

produção da cultura começou a ser integrada à produção de mercadorias e a

publicidade se sofisticou (ibid.). Esta se torna, então, parte integrante da cultura de

massas numa via de mão dupla. A cultura de massas é, de certa forma, a

publicidade do desenvolvimento do consumo e do capitalismo, ao mesmo tempo que

a publicidade é um prolongamento da cultura de massas, trabalhando a favor do

mesmo consumo (ibid.).

2.3. Identidade na sociedade contemporânea: o papel do

consumo e da publicidade

Uma questão adicional deve ser acrescentada ao bojo da complexidade do

consumo e da publicidade: o seu papel na construção da identidade do indivíduo na

sociedade contemporânea. Autores como Bauman e Giddens abordam as questões

contextuais da sociedade, no início do século XXI, os quais têm profundas

implicações sobre o indivíduo e consequentemente sobre a questão identitária.

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Zygmunt Bauman, em Modernidade Líquida, argumenta que na sociedade

contemporânea os riscos e as contradições produzidas socialmente recaem cada

vez mais sobre os ombros do indivíduo que passa a ter, sozinho, a carga de

enfrentá-los. A própria ideia de modernização, antes considerada uma tarefa coletiva

para a razão humana, é individualizada e “juntamente, o que é importante, com o

peso da responsabilidade, se transladou decisivamente para a autoafirmação do

indivíduo” (BAUMAN, 2001, p 38). Quando a responsabilidade e o risco das

decisões recaem unicamente sobre o indivíduo, uma das consequências é a busca

pela certeza num ambiente de incertezas e dúvidas.

Quando “cada indivíduo deve ir em frente e tentar sua sorte”, quando “ele tem que nadar ou afundar” – “a busca compulsiva da certeza” se instala, começa a desesperada busca por “soluções” capazes de “eliminar a consciência da dúvida” – o que quer que prometa “assumir a responsabilidade pela ‘certeza” é bem-vindo. (ibid., p. 28)

Anthony Giddens, em Modernidade e Identidade, dialoga com Bauman,

mostrando que a alta modernidade10 introduz riscos que as gerações anteriores não

tinham que enfrentar, colocando o indivíduo diante de uma complexa variedade de

escolhas e ao mesmo tempo oferecendo pouca ajuda sobre as opções que devem

ser selecionadas (GIDDENS, p. 2002, p. 79). Nesse contexto o indivíduo se sente só

e privado de referências, num mundo onde falta sentido de segurança, culminando

numa insegurança ontológica onde o eu é visto como um projeto reflexivo, uma

interrogação contínua, pela qual o indivíduo é responsável.

Assim, os indivíduos partem em busca de sua autoidentidade,11 construindo

narrativas na tentativa de dar sentido à vida, que são concretizadas através do estilo

de vida e do consumo de produtos que lhes proporcionam a ilusão de afirmação

identitária.

Os regimes [alimentares] têm uma importância central para a autoidentidade precisamente porque ligam os hábitos a aspectos

10 O conceito de alta modernidade de Giddens será usado somente no contexto do pensamento desse autor. O objetivo deste trabalho não é discutir conceitos de modernidade tardia ou pós-modernidade, apenas entender as consequências para o indivíduo no contexto do consumo. Por isso, usa-se, neste trabalho, sempre o termo mais geral sociedade contemporânea. 11 Da mesma forma, o conceito de autoidentidade do Giddens é usado aqui somente no contexto do pensamento desse autor. Já que não é objetivo discutir a questão da identidade autorreferenciada ou identidade inserida no grupo ou sociedade. Somente mostrar como o consumo e a propaganda podem ter um papel fundamental na crise identitária da sociedade contemporânea.

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visíveis da aparência do corpo. Regimes de autoenfeite são também ligados a dinâmicas centrais da personalidade. A roupa é um meio de autoexibição, mas também se relaciona diretamente à ocultação / revelação a respeito das biografias pessoais – liga as convenções a aspectos básicos de identidade. (ibid.)

Na alta-modernidade, o estilo de vida adquire primazia, não nos termos do

consumismo superficial, mas no sentido de que o indivíduo é obrigado a escolher um

estilo de vida, o qual Giddens define como: “um conjunto mais ou menos integrado

de práticas que o indivíduo abraça não só porque essas práticas preenchem

necessidades utilitárias, mas porque dão forma material a uma narrativa particular

de autoidentidade” (ibid., p. 79), tais como hábitos de vestir, comer e agir.

Campbell também sugere que o próprio consumo pode propiciar a

significância e a identidade que os indivíduos modernos tanto desejam e que é em

grande parte através desse ato de consumir que eles combatem seu senso de

insegurança ontológica. Ele mostra como os indivíduos se autodefinem em função

do seu gosto, seus desejos e hábitos de consumo, como comidas e bebidas, lazer,

etc.

Dessa forma, inevitavelmente, chegamos à conclusão de que as atividades dos consumidores devem ser entendidas como uma resposta à postulada “crise de identidade”, e também como uma atividade que, na verdade, só serve para intensificar essa crise (...) eu compro a fim de descobrir quem eu sou. (CAMPELL, 2007, p. 49)

Maria Eduarda Mota Rocha aprofunda essa discussão ao analisar o consumo

em São Miguel dos Milagres, mostrando que, na pobreza, o consumo assume o

papel de reelaboração das identidades sociais, na medida em que é a partir dele que

o estigma da pobreza é deixado de lado. O consumo surge como atestado de

integração mais favorável dessas populações à sociedade brasileira, ou seja, de

pertencimento. Rocha traz também a importância do discurso publicitário na questão

da reelaboração das identidades sociais. “De modo rápido, ele traduz e promove

códigos através dos quais o consumo de produtos é acionado na construção de uma

imagem adequada à identidade pretendida” (ROCHA, 2002, p. 141).

Logo, se a publicidade codifica a questão do consumo como significado de

pertencimento, a marca é o signo que carrega o código. Ela não só representa o

produto na publicidade, como também é elemento fundamental nesse processo de

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busca da identidade, por portar uma carga imagética com a qual o consumidor

identifica-se.

A marca pode não ter nenhuma relação com o produto ou serviço por ela representado. Melhor dizendo, sua intenção não é refletir uma “realidade objetiva” e, sim, ser capaz de falar de como “os consumidores veem a si mesmos ou da maneira como gostariam de ver a si mesmos”. (...) A marca é um símbolo complexo onde as diferentes imagens que opera precisam ser coerentes entre si, cuidadosamente remetidas à imagética principal com a qual a marca quer se ver identificada. (FONTENELLE, 2002, p. 177; grifos meus)

As necessidades simbólicas do indivíduo na sociedade contemporânea estão

na busca por sua identidade. Se essa é uma das questões centrais da sociedade

hoje e essa mesma sociedade tem como cerne e centro o consumo, é lógico que

este tende a ser uma das possíveis saídas para essa busca simbólica. Sendo assim,

a propaganda passa então a compor uma rede de signos e atua como código, dando

sentido ao consumo na jornada da construção identitária.

2.4. A publicidade se transforma com o consumo: de

anúncio a sistema simbólico

Voltando um pouco na história da publicidade, antes de se tornar detentora

dos signos do capitalismo, ela surgiu como facilitadora de circulação das

mercadorias. “A publicidade, juntamente com os sistemas de crédito, contribuem

para abreviar o tempo de circulação das mercadorias, acelerar a rotação do capital e

reforçar as necessidades de consumo” (ARRUDA, 2004, p. 72). Segundo Arruda, a

publicidade nos Estados Unidos se desenvolveu em três fases. A primeira fase foi a

publicidade artesanal, os anúncios “classificados”. Em seguida, surgiram os agentes

que separavam os produtores dos veículos que anunciavam. Depois, na terceira

etapa, as agências se configuraram como empresa. As mensagens se tornaram

sofisticadas e adquiriram nova roupagem, tornando-se mais sutis, mais elaboradas,

abandonando o conteúdo enumerativo, buscando influenciar as pessoas.

No Brasil, entretanto, o mercado publicitário já nasceu organizado em termos

empresariais, copiando o modelo americano. Em 1914, surgiu a primeira agência no

Brasil, A Eclética, que começou representando o jornal Estado de São Paulo para

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anúncios classificados (ibid.). Mas somente na década de 1970 ficou estabelecida a

primazia da televisão diante dos demais veículos escolhidos pela publicidade, que,

além de alcançar mais lares com apenas uma veiculação,12 produz uma

remuneração maior para as agências.13

No meio publicitário, considera-se que a televisão é a maior mídia do Brasil e capaz de vender uma ampla gama de produtos. Ao se espalhar pelo país em quase toda sua extensão e pela sua penetração em lares brasileiros, torna-se a mídia mais usada pela publicidade. (ALMEIDA, 2007, p 180)

Utilizando meios de grande penetração em lares, como principalmente a

televisão e sob o intermédio das agências, as empresas produtoras investem em

publicidade com a finalidade de tornarem conhecidas suas mercadorias, facilitando

sua circulação. Logo, a tarefa de relacionar essas duas esferas, produção e

consumo, aparece como algo fundamental no anúncio (ROCHA, 2006, p 17).

Na medida em que os meios se sofisticaram, passaram de impressos a

eletrônicos, unindo assim o som à imagem, as produções dos comerciais também se

sofisticaram, a publicidade também se transformou , tornando-se mais complexa em

relação aos anúncios classificados no início do século XX (ARRUDA, 2004, p. 18). A

publicidade começou então a transbordar sua função básica de conectar produção e

consumo, ela tornou-se mais elaborada e complexa.

Ao apresentar um produto com nome, identidade própria, história, posição específica diante de outros produtos, ao acentuar cores, forma, estilo, gosto, visual, o anúncio humaniza, por assim dizer, algo possuído em série, impessoal, múltiplo e anônimo. Nessa operação ele relaciona elementos intrínsecos à vida social e ao universo psicológico, fazendo com que o produto transite na direção de um domínio específico do humano, do social, do cultural. (ROCHA, 2006, p. 18)

No entanto não é apenas o desenvolvimento dos meios, da indústria cultural e

das agências que transforma a publicidade. Na medida em que ela media produtores

12 Embora o rádio ainda seja naquele momento o meio de maior penetração, sua atuação é pulverizada enquanto uma emissora de TV como a Rede Globo sozinha alcança todo o país. (ARRUDA, 2004). 13 Uma porcentagem da verba publicitária das empresas cabe às agências, o que explica a concentração dos investimentos em TV, cujo preço de veiculação é superior em relação aos demais veículos, garantindo às agencias uma remuneração absolutamente maior.

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e consumidores, também se transforma com as mudanças no universo do consumo,

já analisados neste capítulo. o consumo como ponto-chave na sociedade que antes

era exercido pela produção, tornando-se o centro e a mola propulsora da sociedade.

Nesse contexto, a publicidade torna-se mais complexa não somente pelos novos

meios de veiculação, mas também porque se torna símbolo que carrega e divulga o

significado da mercadoria.

No mundo onde mercadoria é signo, Fontenelle contribui com o conceito de

marca como condensador do significado de uma mercadoria, “A marca publicitária

seria por essência o lugar da ‘alma das coisas’. É a marca que define, particulariza,

diferencia um produto dos outros além de seu aspecto físico, material.”

(FONTENELLE, 2002, p 177). A autora faz uma análise profunda da construção da

marca McDonalds, e como a publicidade se situa nesse contexto. Ela compreende o

capitalismo imagético através da análise da própria marca e o papel que ela

desempenha no interior do capitalismo contemporâneo.

E é através da publicidade que o consumo é capaz de adquirir esse tom

cultural, por meio dela que são construídas as marcas, os signos e códigos de

imagem.

Nesta perspectiva, o discurso publicitário seria uma expressão importante da “cultura de consumo”, o conjunto de práticas e representações que promove uma nova relação com os bens. Então, o papel da publicidade (...) seria a promoção de uma cultura de consumo que, por sua vez, sustenta uma expansão e diversificação do consumo entre os diversos segmentos sociais. (ARRUDA, 2004, p. 18)

O consumo se torna, então, um sistema cultural onde a publicidade tem papel

fundamental. A publicidade é a narrativa que dá sentido ao consumo e está,

seguramente, entre as principais produtoras de sistemas simbólicos presentes em

nosso tempo (ROCHA, 2006, p. 12).

Até agora a publicidade foi apresentada em sua historicidade, além da

evolução em relação à complexidade técnica e complexidade de signos. Ela evoluiu

com os meios de comunicação e se tornou um sistema simbólico que traduz as

relações sociais na sociedade de consumo, mas, sobretudo ela se tornou uma

complexa rede de signos que tem como objetivo conectar o consumo com a

construção de identidade da sociedade contemporânea. Sendo esta também uma

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sociedade de consumo, tendo este como cerne e centro, o consumo passa a ser,

então, um possível recurso para a busca da identidade do sujeito.

2.5. Por fim, desejos e sonhos são explorados ou

construídos?

Existe uma questão final, porém fundamental, na construção da

argumentação deste trabalho. Até aqui a publicidade foi tratada como articuladora de

signos que geram identificação com o indivíduo, com o objetivo de promover o

consumo.

Se a insegurança ontológica e busca por identidade são inerentes à

sociedade contemporânea e à sociedade de consumo, a publicidade precisa

entendê-las para que as marcas respondam a elas e tenham sentido simbólico para

o indivíduo como consumidor. O que a publicidade faz é entender as inseguranças

no mundo contemporâneo e fazer uso delas, modificando a mensagem relacionada

ao seu produto. Assim, a publicidade não transforma as inseguranças do indivíduo,

pois estas já são parte integrante da sociedade contemporânea. “Percebendo o

vácuo na orientação das relações pessoais, (os publicitários) começaram a oferecer

seus produtos como resposta ao descontentamento moderno. A publicidade adquiriu

assim um valor compensatório e pedagógico. Ela é modelo de referência” (ORTIZ,

2003, p. 120). Portanto, ela ultrapassou a intenção simples do ato promocional e

criou referências e valores.

Campbell é quem formula esse argumento em “A ética romântica e o espírito

do consumismo moderno”. Ele começa admitindo que “para uma pessoa ser bem

sucedida em fazer as outras agirem conforme seu desejo é necessário, portanto,

que conheça algo sobre seus motivos” (CAMPBELL, 2001, p 72). Logo, na

publicidade, não é a motivação individual que está sendo modificada, ao contrário, é

a essa motivação que a publicidade está sendo adaptada. Assim é possível

sustentar que os desejos e sonhos são explorados, mas não construídos pelos

anunciantes (ibid.). O que os produtores realmente modificam em primeiro lugar são

os significados simbólicos vinculados aos seus produtos.

É completamente possível aceitar, por exemplo, que os agentes dos produtores, na forma de publicitários, façam realmente a tentativa de

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manipular os significados simbólicos das “mensagens” que são ligadas aos produtos, num esforço para induzir os consumidores a terem necessidades deles, e que procurem fazer isso tentando identificar seu produto com os desejos mais comuns das pessoas. (Ibid.)

Pode-se dizer, portanto, que os desejos são estudados, explorados e até

aumentados pela publicidade, bem como aquilo que está numa camada mais

profunda que os desejos, os anseios inerentes à vida do indivíduo, sua crise e busca

por identificação e pertencimento intrínsecos ao modo como a sociedade

contemporânea se organiza. O que os anunciantes fazem, em busca da preferência

do indivíduo como consumidor e indubitavelmente para convencê-lo a comprar, é:

estudar, entender, analisar, dissecar esses anseios; compreender o gosto estético, o

estilo de vida, o grupo onde o indivíduo está inserido; e, por fim, associar seu

produto a esse universo e modificar a imagem de sua marca, para enfim acender no

indivíduo a centelha do desejo e do prazer associado ao consumo daquele produto

especificamente.

Esse argumento é fundamental para compreensão da questão da apropriação

do gosto popular pelos detentores do capital.

Se é a “classe C” que agora detém poder de consumo, ela carrega consigo o

gosto e a simbologia de suas origens em suas escolhas de consumo. As empresas,

buscando ampliar seu mercado consumidor, estudam esse gosto e simbologia

próprios da “classe C”. Não só estudam o gosto, como tentam entender seus

valores, anseios e inseguranças para adotá-los em sua publicidade, associando-os

aos produtos e marcas que comunicam para que se tornem objetos desejados por

esse grupo. Isso de modo que suas marcas anunciadas, e seus produtos, tenham

significado na vida desse grupo e, portanto, passem a ser consumidas por ele.

Por isso, a apropriação do gosto popular é o que acontece quando as

empresas, interessadas na “classe C” como consumidora, adotam o discurso, a

simbologia e a estética desse grupo, fazendo uso deles na propaganda, e dessa

forma, buscando gerar identificação desse grupo com seus produtos. Essa análise

será feita nos capítulos seguintes desta dissertação.

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CAPÍTULO 3 – TRANSFORMAÇÕES NA TELEVISÃO BRASILEIRA

APÓS O PLANO REAL

Surpreendente número de antenas parabólicas indica que a casa incompleta e precária e a mesa pobre não entram a tecnologia sofisticada do satélite e o imaginário luxuoso e manipulável da televisão. É como se as pessoas morassem no interior das imagens e comessem as imagens. A imagem tornou-se, no imaginário da modernidade, um nutriente tão ou mais fundamental do que o pão, a água e o livro. (MARTINS, 2000, p. 42)

A citação de José de Souza Martins é escolhida para abrir este capítulo por

apresentar emblematicamente a centralidade tomada pelo consumo e pela imagem

– sobretudo pelo consumo da imagem – na vida de cada indivíduo e as mudanças

que essa centralidade provoca no todo da sociedade. “O ‘império das imagens’ é um

sintoma de nossa época, podendo ser o ponto de partida para que possamos pensar

uma nova forma de representação da realidade” (ADORNO apud FONTENELLE,

2002, p. 19). Nossa sociedade hoje é permeada pelo predomínio da imagem e

substituição das coisas pela própria imagem.

No império das imagens, que se construiu durante o século XX, a televisão se

tornou o principal meio de comunicação e de manifestação da indústria cultural, não

só por sua altíssima penetração em lares, como também pela capacidade de

combinar imagem e som, o que permite a emissão de mensagens mais complexas

que o rádio e publicações impressas (Gráfico 24).

Gráfico 24: Penetração de televisores em lares brasileiros

Fonte: IBGE, PNAD 1992/2007.

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Em 1992, a penetração de televisores nos lares brasileiros já era de 74%,

aumentando para 96% até 2009. Isso significa que quase todos os domicílios do

país, do mais rico ao mais pobre, tem pelo menos um aparelho televisor. Significa

também que ele está estabelecido há muitas décadas como parte integrante dos

lares brasileiros.

3.1. Década de 1990 e a perda de audiência da Globo

Na década de 1990 esse boom de vendas de televisores após o Plano Real

significou a compra do primeiro aparelho pelas classes D e E, provavelmente do

segundo aparelho da classe C e do terceiro ou quarto das classes A e B (BORELLI,

2000, p. 115). Nesse mesmo momento que o número de televisores por domicílio

cresceu e provavelmente as crianças passaram a ter seu próprio aparelho,

começaram a surgir no horário nobre opções para o público infanto-juvenil, como

Castelo Ra-tim-bum, na TV Cultura, e Carrossel, no SBT. Na década de 1990, a

Rede Globo perdeu audiência e essa é uma das possíveis razões, na análise

apresentada no livro de Borelli.

Outra hipótese para a perda de audiência da Rede Globo, na década de

1990, foi o aumento da importância do público adolescente / jovem na audiência da

televisão. Esse público, em busca de emoções fortes, não se prende a uma grade

de programação, ao invés de assistirem uma emissora, zapeiam por diversos

programas. Em 1991, surgiu o Programa Livre, no SBT, que, até o ano 2000, foi o

programa direcionado ao público jovem mais bem sucedido da televisão brasileira.

Seu dinamismo, rapidez das entrevistas, em meio à música e diversão, além do

comando de Serginho Groisman pareciam ser sua fórmula de sucesso. Houve

também um aumento de audiência do público jovem em programas como Ratinho

Livre, que exploram o grotesco popular. Em 1999, 36% do público desse programa

tinham menos de 24 anos de idade (Ibid., p. 112).

Houve ainda as mudanças ocorridas no horário vespertino que minaram a

audiência do horário nobre da Rede Globo através de programas em horários

próximos. Um exemplo disso foi a apresentadora Ana Maria Braga que, antes de se

mudar para a Rede Globo, apresentava o programa Note e Anote na Rede Record.

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Seu programa ganhou audiência ao longo da década de 1990 e possivelmente

ajudou a aumentar a audiência do jornal local que era veiculado em seguida na

Record (ibid.).

Canais como a Record ganharam audiência vespertina com o Note e Anote, o

SBT ganhou audiência do público jovem com o Programa Livre. A Rede Globo, que

antes reinava sozinha, começou a ter concorrência. A CNT e a Gazeta se fundiram

no início dos anos 1990. Em 1995, a Record inaugurou novos estúdios após a

entrada do capital do bispo Edir Macedo. A Rede Bandeirantes passou a segmentar

como o canal do esporte com foco no público masculino. Surgiram os canais UHF

que iniciaram suas operações no Brasil em 1990: MTV, Rede Mulher, Redevida,

Rede Gospel e Shoptour são alguns dos canais segmentados veiculados através do

UHF. O aumento da concorrência certamente contribuiu para a perda da audiência

da Rede Globo nesse período (ibid.).

A TV a cabo também ganhou mercado, na década de 1990, e principalmente

nos anos 2000, tirando audiência da TV aberta. Dados da Associação Brasileira de

Televisão por Assinatura mostram número de assinantes quintuplicando do início

dos anos 2000 até o ano de 2013.

Gráfico 25: Numero de assinantes de TV por assinatura (em milhões)

Fonte: Associação Brasileira de Televisão por assinatura.

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Segundo a Anatel (2013), em março de 2013, 28% dos lares brasileiros

possuíam algum tipo de TV por assinatura. Nos últimos anos, o crescimento é ainda

mais acentuado nas classes C, D e E, como mostra o Gráfico 26.

Gráfico 26: Lares com TV por assinatura, por classe

Fonte: Associação Brasileira de Televisão por Assinatura.

Mira em sua análise acerca do SBT e suas influências nas mudanças

ocorridas na televisão na década de 1990, apresenta um panorama da emissora que

surgiu, no início da década de 1980, ancorada em programas popularescos, e com

isso ganhando audiência. No início da sua operação no SBT, Silvio Santos procurou

compor seu quadro de funcionários, produtores e diretores com profissionais de

dentro do seu grupo de origem, ou seja, vindos de funções mais simples, isso fez

com que sua programação, linguagem e estética sempre agradassem ao público

mais popular (MIRA, 1995).

Já o padrão Globo de Qualidade começou a ser construído no final da década

de 1960 e início da década de 1970 e na época conferiu uma mudança importante

na televisão brasileira.

O salto qualitativo da Globo, no final dos anos 60 e começo dos anos 70, ancorou o posterior desenvolvimento da emissora. Técnicas e técnicos formados pelos campos do cinema foram gradativamente sendo incorporados à produção. Da mesma forma, atores e autores provenientes dos campos da literatura, cinema e teatro foram

75%

46%

17%

5%

78%

51%

24%

8%

88%

63%

31%

10%

Classe A Classe B Classe C Classes D e E

2010 2011 2012

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constituindo o maior e melhor elenco da TV brasileira, oferecendo também, nesse sentido, um alto padrão de qualidade. (Ibid., p. 85)

A construção de cenários e cidades cenográficas e a posterior eliminação de

programas de cunho popularesco14 transformaram a Rede Globo em uma emissora

direcionada ao público médio. Enquanto, nos anos 1980, o SBT se estabeleceu

como emissora direcionada ao público popular com boa penetração nos lares de

classe CD nos grandes centros. Dessa forma, criou-se uma bipolaridade, entre o

gosto médio e gosto popular, na televisão brasileira. E, com o aumento do número

de televisores e perda da audiência da Globo na década de 1990, o SBT aumentou

sua importância como canal de televisão (MIRA, 1995).

Também na década de 1990, após o Plano Real, ocorreu o aumento da renda

média das famílias brasileiras e consequentemente o aumento do poder de consumo

das classes C e D. Isso fez com que as empresas de bens de consumo passassem

a se interessar por esse público como consumidor e como audiência publicitária para

os comerciais dos seus produtos.

Embora ainda líder absoluta de audiência, a perda de telespectadores fez

com que o preço cobrado dos anunciantes pelo espaço de veiculação na Rede

Globo fosse questionado. Assim, o SBT ganhou participação no bolo da verba

publicitária, subindo de 15% para 19%. Enquanto isso a Globo de 60% para 45% de

participação (BORELLI, 2000, p. 112).

Isso acabou obrigando a própria Globo a se adaptar à nova realidade, em um

processo que se iniciou nos anos 1990 e se estende até hoje, como nos fatos

observados e colocados a seguir.

3.2. A busca pela audiência e reconquista do público

A partir do momento em que a perda da audiência começa a prejudicar o

investimento publicitário, a Globo começa a fazer mudanças em sua programação

para se adaptar ao novo cenário.

O Jornal Nacional foi o primeiro a sofrer mudanças profundas na década de

1990, após perder audiência para os telejornais sensacionalistas de outras

14 Ocorre após intervenção governamental nos anos 70 que visava tirar do ar aquilo que considerava de baixo nível cultural. (BORELLI, 2000).

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emissoras. Para recuperar seu público, o telejornal inseriu em sua programação

diária regras próprias do melodrama popular: o conflito entre o bem e o mal, a

presença da “moral da história” e do tom emocional, que substituiu o tom racional

anterior.

No lugar da política, entraram as imagens da emoção, câmeras ocultas, a

violência (ibid.). No lugar de Cid Moreira, o casal William Bonner e Fátima Bernardes

são escolhidos para conquistar o público. O Fantástico também passou por

transformações semelhantes na busca da audiência perdida, incorporando pitadas

de sensacionalismo velado em sua pauta, simplificando os temas e priorizando o

tom emocional, como foi feito no Jornal Nacional.

Os programas de auditório haviam sido tirados do ar pela Rede Globo na

década de 1970 com o objetivo de manter o Padrão Globo de Qualidade. Entretanto

já na década de 1980, novas versões voltam à programação. Em 1989, o Domingão

do Faustão entra no ar e, em seguida, variações infantis como Xuxa e Sérgio

Malandro (MIRA, 1995). Em 1999, o humorístico Zorra Total passa a fazer parte da

programação, mostrando a intenção da emissora de atingir o público popular, apesar

da falta de espontaneidade e improviso, característicos do universo popular.

No início dos anos 2000, mais um programa de auditório é adicionado à

programação da Rede Globo: o Caldeirão do Hulk, liderado por Luciano Hulk que,

até 1998, estava à frente do Programa H, dirigido ao público jovem, na TV

Bandeirantes e que havia lançado personagens de sucesso como Tiazinha e

Feiticeira. Como uma versão renovada do clássico programa de auditório, o

programa mistura humor, música, participação do público, jogo e câmeras

escondidas.

Além de Luciano Hulk, a Rede Globo contratou outros profissionais que

faziam sucesso em outras emissoras e roubavam sua audiência. Serginho

Groisman, que ganhava audiência do público jovem no SBT foi para a Rede Globo

no ano 2000, além de Ana Maria Braga que apresentava o programa Note e Anote

na Record e que, em 1999, mudou-se para a Globo.

Uma década após a estreia de Caldeirão do Hulk, em 2011, duas novas

atrações entram no ar: o TV Xuxa, um programa de auditório para toda a família, e o

Esquenta, liderado por Regina Casé cuja identificação com a periferia é a marca

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registrada, segundo a própria Rede Globo.15 O Esquenta tem como característica

principal, dar voz ao público, trazendo a música e a cultura da periferia para a

televisão de forma extravagante e colorida. Além disso, o programa discute de forma

leve e divertida questões de desigualdade social.

Essa mudança da Rede Globo pode ser observada, sobretudo, nas novelas.

Em 2012, foi ao ar a novela Cheias de charme, sobre a vida de três empregadas

domésticas que, nas horas vagas, eram cantoras. Penha, Rosário e Cida são as três

personagens principais desse enredo. Elas trabalham muito, são bonitas e

admiradas e, para conseguir pagar as contas, decidem cantar no trio “Empreguetes”,

que acaba fazendo um grande sucesso e mudando a vida das empregadas

domésticas. A vilã é Chayene, cantora de lambada, Techno forró e brega pop

piauiense, que atribui sua má fase na indústria fonográfica ao sucesso das

Empreguetes. As cores e os exageros confirmam a tentativa de atribuir uma “origem

popular” à novela.

Nesse mesmo período, começaram a surgir, em outras novelas, empregadas

domésticas, mecânicos e outros personagens populares como núcleos centrais da

história. Atores e atrizes do primeiro escalão passaram a fazer papéis antes

deixados para atores menos conhecidos. Um exemplo disso é Malu Mader que

interpretou Rosemere, garçonete em um bar da zona Norte e mãe solteira na novela

Sangue Bom. O núcleo central da própria novela Sangue Bom se localizava na

periferia da cidade de São Paulo.

Também a novela Avenida Brasil trouxe sinais claros de que a Rede Globo

estava interessada em ganhar a audiência de classes C e D. Tufão, personagem do

núcleo central da novela, ficou rico, mas não saiu da periferia, e tinha orgulho de sua

história e sua origem (CARNEIRO, 2012). A novela tinha “79% de seus

personagens, entre jogadores de futebol e cabeleireiras, com os pés firmemente

plantados no cotidiano da classe C” (ZYLBERKAN, 2012).

A questão mais importante é a mudança da centralidade dos enredos e

personagens principais das zonas centrais para a periferia, do rico para o pobre, em

busca da identificação da audiência. Segundo o sociólogo Helder Rodrigues, a

idealização das classes C e D não ocorre somente mostrando o lado bom da

periferia. Segundo ele, a intenção das emissoras é criar uma “possibilidade utópica”

15 REDE GLOBO, Página da Rede Globo para o público. Disponível em: <http://tvg.globo.com>. Acesso em: 25 dez. 2013.

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de representar essa audiência. “Dos nomes dos personagens à trilha sonora, tudo

busca fazer referência aos subúrbios. Este compromisso com a realidade fica por

conta do cenário, do figurino, e principalmente das atitudes e do cotidiano tanto dos

protagonistas quanto dos coadjuvantes” (MEDEIROS, 2013, p. 8).

É importante ressaltar que este trabalho não tem como objetivo avaliar a

efetividade dessa adaptação da Rede Globo, muitas vezes criticada por continuar

sendo produzida sob o olhar preconceituoso das classes A e B. A intenção aqui é

somente verificar o fato de que, para manter seus níveis de audiência, ela passou a

apropriar-se do popular em sua programação e em suas escolhas.

A televisão paga, a cabo ou por satélite, também apresenta mudanças que

podem ser interpretadas como interesse na audiência mais popular que passa a ter

acesso a esse serviço. Canais de filmes como TNT e Megapix passam a apresentar

a versão dublada como padrão, disponibilizando o áudio original como alternativa. O

canal Megapix, do grupo Globosat, anuncia “todos os dias, depois da novela, um

grande filme pra você”.

Outro fenômeno que evidencia essa apropriação e uso do gosto e cultura das

classes populares pela indústria cultural é a ascensão de músicos e gêneros

musicais de preferência popular, que são contratados por grandes gravadoras,

ganhando espaço na televisão e eventos antes restritos ao gosto da elite. Um bom

exemplo disso foi a indicação de Michel Teló às categorias melhor álbum sertanejo e

melhor canção brasileira do ano no prêmio Grammy Latino, em 2012. Além de

receber duas indicações, Teló encerrou a festa. Gaby Amarantos, que canta o brega

paraense, já tem seu contrato assinado pela Som Livre. A novidade. no entanto. é

que Gaby foi capa da Revista da TAM. em outubro de 2013. e diz em entrevista: “A

periferia me ensinou tudo que sei”. Outros artistas e gêneros musicais emergem

desse mesmo fenômeno, como: funkanejo, pagonejo e outras misturas populares.

São apenas exemplos do gosto popular que ganhou importância com o aumento da

renda da classe C.

Valorização do gosto popular e diferenciação são faces do consumo que

aparecem em reportagens recentes de jornais e revistas. Segundo reportagem da

revista Exame, de 3 de setembro de 2012, houve um tempo em que o consumo

representava a busca pela elitização, atualmente os consumidores que emergem da

base da pirâmide sabem o que querem.

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No passado, o aumento da renda fazia com que essas pessoas assumissem padrões que não eram de sua classe. Um exemplo claro é daqueles que ‘enricavam’ e para mostrar status, saíam de seus bairros. Hoje, além do consumidor ficar na periferia, ele faz questão de lembrar suas raízes e usar suas referências. (BOTTREL, 2012)

Bottrel, em seu artigo no jornal O Estado de Minas, de 5 de fevereiro de 2013,

mostra Xirley, cantora de periferia, que colocou seus CDs para vender em um

camelô – com direito a neon na Imagem de Nossa Senhora Aparecida, que ela

mantém em cima do criado-mudo (ibid.).

A curiosidade que surge é: o fenômeno de valorização da cultura da periferia

e apropriação dessa cultura pela televisão pela indústria cultural vai na contramão

da lógica bourdiana da distinção?

Segundo a lógica bourdiana, as elites detentoras do capital cultural usam o

gosto puro e práticas culturais inerentes a ele como forma de distinção. A origem do

gosto puro estaria na estética erudita que é a recusa de tudo aquilo que é “humano”:

emoções e sentimentos que homens comuns experimentam. Nesse sentido, a

estética popular, ou gosto bárbaro, é a negação da negação, ou seja, a recusa da

estética erudita, remetendo ao humano, aos sentimentos e à diversão pura: “O

desejo de entrar na representação, identificando-se com as alegrias ou sofrimentos

dos personagens, interessando-se por seu destino, desposando suas esperanças e

causas” (BOURDIEU, 2007, p. 36). A distinção acontece na aversão pelos estilos de

vida diferentes e sem dúvida é uma das maiores barreiras entre classes. “A

hierarquia socialmente reconhecida das artes (...) dos gêneros, escolas ou épocas,

corresponde à hierarquia social dos consumidores. Eis o que predispõe os gostos a

funcionar como marcadores privilegiados da ‘classe’” (ibid., p 9).

No Brasil, a Rede Globo ditou por décadas as regras da televisão, com o

“Padrão Globo de Qualidade”, o “bom gosto”, as cenas ensaiadas e cidades

cenográficas, produzidas pelos detentores do capital cultural. Os programas de

auditório e de natureza popularesca foram retirados de sua programação.

No entanto, desde a década de1990, ela – e indústria cultural, em parte de

suas produções – traz de volta o gosto popular. Os programas de auditório voltam

ao ar e as matrizes populares voltam a ser valorizadas. Esse fenômeno tem

claramente cunho econômico, já que a chamada classe C é agora maioria de

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audiência e público. Fica pendente a questão se existe de fato uma legitimação

dessa cultura da periferia, dessa estética extravagante, colorida e enfeitada que

domina a televisão, a música, as revistas.

Este trabalho não encontra evidencias de legitimação, mas sim de

apropriação com fins econômicos de retomada de audiência e conquista do público

de classe C. E o que antes era a distinção – “Padrão Globo de Qualidade” – agora é

uso e apropriação do gosto popular para sobrevivência e reconquista da audiência.

A apropriação dos elementos do popular com fins econômicos pode ser

comprovada com a análise das audiências atuais das duas maiores emissoras de

televisão do país: a Rede Globo e o SBT.

3.3. A audiência e a importância da classe C

Não é possível falar em presença da classe C na audiência dos veículos sem

antes entender como esse grupo cresceu relativamente à população brasileira. O

gráfico abaixo tem como fonte os dados da pesquisa O Observador, conduzida pelo

instituto de pesquisa Ipsos em parceria com a Cetelem, o qual usa o CCEB (Critério

de Classificação Econômica Brasil), o mesmo utilizado pelo Ibope, para definição de

classes. É possível observar como a classe C que, em 2005, representava 35% da

população, hoje representa 54%, como é possível observar no Gráfico 27.

Gráfico 27: Importância de cada classe na população brasileira

Fonte: Cetelem e Ipsos - O Observador 2012 .

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E dado que a televisão é um meio de comunicação de presença em quase

100% dos lares, o perfil de sua audiência se assemelha ao da população. É natural

que a classe C represente cerca de metade da audiência. Entretanto, nos gráficos

abaixo, fica claro que no SBT tem mais peso as classes C e DE, enquanto na Globo

tem mais peso as classes A e B.

Gráfico 28: Importância de cada classe na audiência do SBT e da Rede Globo

Fonte: Cálculo ponderado com base nos dados IBOPE de audiência e perfil dos programas, disponibilizados pelas emissoras.

Apesar das diferenças entre emissoras, os dados não deixam dúvidas que a

classe C é a audiência preponderante na televisão brasileira hoje e, , tanto as

emissoras com sua programação, quanto os anunciantes com sua propaganda,

precisam atender e agradar a esse público.

Por outro lado, ao analisar a importância da classe C para cada um dos

gêneros da televisão brasileira, utilizando dados da Globo e do SBT, algumas

conclusões importantes surgem.

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Gráfico 29: Importância da classe C na audiência de cada gênero

Fonte: Cálculo ponderado com base nos dados Ibope de audiência e perfil dos programas, disponibilizados pelas emissoras. * No período analisado a Rede Globo não estava transmitindo nenhum programa do gênero reality show.

Inicialmente chama a atenção o fato de, em ambas as emissoras, o gênero de

maior importância da classe C ser o de programas Infantis. O crescimento da TV por

assinatura e a importância dos canais infantis dentro dela podem ser as causas

desse fenômeno. Segundo reportagem da Folha de São Paulo (FELTRIN, 2011),

com base nos dados Ibope, dentre os dez canais mais assistidos da TV por

assinatura, cinco são da TV aberta, um é de esportes e os outros quatro são infantis.

Ou seja, com o crescimento da TV por assinatura e seus canais infantis, a audiência

infantil da TV aberta é composta pelo público que não tem TV por assinatura.

Continuando a análise dos gêneros de maior público de classe C (Gráfico 30),

as novelas vespertinas, séries e filmes estão entre os gêneros com maior publico de

classe C em ambas as emissoras. As novelas vespertinas têm um público

majoritariamente feminino e infantil. Já as séries e filmes podem representar o

entretenimento familiar daqueles que não têm acesso a TV paga, cinema ou teatro.

É importante observar que as emissoras pouco se diferenciam quando se

trata da audiência de classe C no gênero filmes.

*

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85

Figura 30: Importância da classe C na audiência de cada programa

Fonte: Dados Ibope disponibilizados pelas emissoras.

O gênero humorístico é onde as duas emissoras mais se assemelham em

importância da classe C para a audiência, um indício de que a Globo foi capaz de

adequar sua programação humorística para esse público, dado o perfil mais popular

que o SBT historicamente tem. Nesse gênero, a Globo tem 54% de classe C e o

SBT, 53%.

Em outro extremo estão os gêneros jornalístico (49% classe C, na Globo,

versus 58% no SBT) e esportivo ( 49%, na Globo, e 61% no SBT). Apesar das

mudanças de pauta e tom da Rede Globo, analisados neste capítulo, que buscaram

gerar identificação com o público popular, seus programas jornalísticos ainda

apresentam baixa participação de classe C na audiência em relação à média. Todos

os programas do gênero jornalístico do SBT se destacam em relação à Globo no

que tange a importância da classe C para a audiência, exceto o Profissão Repórter,

da rede Globo, que se aproxima do sensacionalismo, este apresenta 53% da

audiência na classe C, mesmo índice do Conexão Repórter, do SBT.

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Figura 31: Importância da classe C na audiência de cada programa

Fonte: Dados IBOPE disponibilizados pelas emissoras.

Os dados dos programas de auditório, um gênero historicamente popular,

também mostram que, apesar dos esforços da Globo, o SBT ainda se destaca pela

importância da classe C em sua audiência. O Altas Horas, comandado por Serginho

Groismann, é o único programa da Rede Globo que se diferencia, com 54% de

audiência de classe C. O apresentador faz parte da Rede Globo desde 2000, até

então, ele era parte do SBT e estava a frente do Programa Livre.

Figura 32: Importância da classe C na audiência de cada programa

Fonte: Dados IBOPE disponibilizados pelas emissoras.

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As novelas noturnas merecem menção nessa análise, uma vez que a novela

Carrossel tem 58% da sua audiência de classe C. Já a Avenida Brasil tinha 52%

desses telespectadores. Isso não significa, porém, uma relativa importância ou

relevância da novela para a classe C. A questão aqui é que, com mais de 40 pontos

de audiência, qualquer programa tende a se aproximar da média da população, que

foi o que aconteceu com a novela Avenida Brasil, com 41 pontos de audiência.

Após a análise dos dados de perfil de audiência, é possível concluir que,

apesar dos esforços nas últimas décadas em trazer elementos do gosto popular

para sua programação e torná-la mais próxima da classe C, a Rede Globo ainda não

atinge os mesmos patamares que o SBT em relação à participação da classe C na

audiência. A Globo não só tem participação da classe C semelhante à média da

população, como também maior peso das classes A e B em comparação com o

SBT, que ainda tem maior audiência de classe C em todos os gêneros, além de

maior participação das classes D e E.

3.4. Novos anunciantes para audiência popular

ALMEIDA (2003) em Telenovela, Consumo e Gênero, apresenta entrevistas

feitas com profissionais de agências de publicidade. Em sua análise, a autora

conclui que a qualidade da audiência é um fator de grande importância para os

anunciantes. Essa qualidade da audiência é dada tanto por seu poder de consumo,

quanto pelo conteúdo do programa em si. Existe uma percepção comum entre as

entrevistadas de que somente produtos direcionados especificamente para as

classes populares ou produtos de empresas menores, sem condições financeiras de

anunciar em programas “de mais qualidade”, anunciariam em programas de menor

prestígio como, por exemplo, o Programa do Ratinho.

Programas de “segunda classe”, feitos para camadas populares, então, parecem atingir anunciantes de segunda classe. O problema de programas como Ratinho, ou alguns de auditório no SBT estaria no fato de gerarem grande público, mas não o qualificado. É o público aparentemente de menor poder aquisitivo. No entanto, nos dados que consegui, o perfil de audiência em termos de classe social não parece ser tão diferente do que o da novela das oito na Globo. (Ibid., p. 138)

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No entanto, passados dez anos após a publicação do livro de Almeida, parece

existir um maior interesse por parte dos anunciantes em programas de “segunda

classe”. Programas de cunho popularesco como o do Ratinho ou outros de

audiência majoritariamente de classes CDE agora vendem espaço para anunciantes

de grandes empresas, grandes marcas, inclusive anunciando as versões mais caras

de duas marcas, como Omo Líquido, da Unilever, e Vanish, da Reckitt Benckiser.

O SBT cobra hoje por um anúncio de 30 segundos, no Programa Ratinho, R$

131.307,16 mais caro, por exemplo, do que no Caldeirão do Hulk, da Rede Globo,

que custa R$ 109.700 por 30 segundos anunciados. Se dividido pelo número de

pontos de audiência, o Programa do Ratinho é mais caro que todos os espaços da

Rede Globo, custando R$ 23.668 por ponto de audiência. Esse programa tem 57%

de sua audiência de classe C e 18% de classe DE. Durante a pesquisa para este

trabalho, foi anunciado, no intervalo comercial desse programa, o produto Diet

Shake, alimento para dietas de emagrecimento, cujo preço pode variar de R$ 15 a

R$ 35. Outras marcas que anunciaram, durante essa pesquisa, foram: Bom Bril,

Vivo, Omo Liquido, Vanish e Ultrafarma.

O Programa Sílvio Santos também se destacou pelo custo do anúncio e

presença de anunciantes de grande porte. Com perfil semelhante ao Programa

Ratinho: 57% de audiência de classe C e 19% DE, o custo de 30 segundos no

intervalo comercial é de R$ 351.674, ou R$40.206 por ponto de audiência. A título

de comparação, um anúncio no Globo Repórter tem custo semelhante R$ 319.400,

custo por ponto de audiência substancialmente menor, R$12.285, porém não

entrega o mesmo perfil de audiência popular. O Globo Repórter tem apenas 50% da

audiência de classe C e 11% DE, 15 pontos percentuais a menos que o Silvio

Santos, somando as classes CDE.

No Programa Silvio Santos, durante a pesquisa, foram vistos anúncios dos

seguintes produtos: CIF cremoso, Ninho fases 1+ e Knorr meu frango assado. É

chave observar que nenhum desses produtos é a versão mais comum de suas

marcas. Todos eles têm algo a mais, uma versão diferente, mais premium, que

atribui a cada um deles um valor de mercado superior a suas versões mais

corriqueiras: saponáceo em pó, leite em pó tradicional ou caldo de galinha em

cubos.

16JOVEDATA – tabelas de preços de mídia no Brasil. Disponível em http://www.jovedata.com.br/. Acesso em 26 dez 2013.

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Também da novela Carrossel, de audiência 58% de classe C e 19% DE,

alguns produtos de maior valor ou de marcas mais caras apareceram como

anunciantes nesta pesquisa. Sabonete Lifebuoy e creme dental Sensodyne são

produtos reconhecidamente mais caros que outras marcas comuns (sabonete ou

creme dental comuns) por apresentarem um beneficio adicional, ativo antibacteriano

ou cuidado com os dentes sensíveis. Ambos anunciaram na novela Carrossel

durante esta pesquisa. Ketchup HEINZ e OMO Líquido também apareceram nos

intervalos comerciais dessa novela, mostrando o interesse das empresas pelo

público popular e não somente com versões mais baratas de seus produtos. Muito

pelo contrário, os produtos anunciados são de alto valor e, na maioria das vezes,

mais caros que suas versões tradicionais ou de seus concorrentes.

O interesse de grandes anunciantes pelo público de classe C sem dúvida faz

parte do bojo das transformações sofridas pela televisão brasileira nas últimas duas

décadas. A audiência se transformou e as emissoras passaram por mudanças para

reconquistar essa audiência, principalmente a Rede Globo que, apesar do esforço,

ainda mostra distância do SBT em alguns gêneros, como, por exemplo, o jornalismo,

no que tange à importância da audiência de classe C. O poder econômico dessa

classe parece se sobrepor à tradicional distinção imposta por aqueles que produzem

o conteúdo, trazendo destaque e importância ao gosto de raízes populares na

indústria cultural brasileira. Esse gosto também aparece na propaganda, como será

discutido no próximo capítulo.

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90

CAPÍTULO 4 – A ANÁLISE DA PUBLICIDADE

Este capítulo aprofunda a análise da publicidade em si. Para a realização da

pesquisa, foram gravados cerca de 30 horas de programas de televisão com a

finalidade de se analisar os comerciais veiculados nos espaços destinados à

publicidade, existentes entre as programações exibidas. A escolha dos programas a

serem gravados se deu inicialmente por meio das matrizes do gosto popular

descritos por Mira: a festa, o sensacionalismo, a comicidade e o melodrama,

traduzidos nos termos da televisão de hoje em programas de auditório, jornalismo

sensacionalista, humorísticos e novela. Dentro dessas características, foram

escolhidos os programas de maior audiência (audiência média de outubro de 2012 a

maio de 2013, dados do Ibope de audiência semanal, na cidade de São Paulo,

exibidos em junho de 2013). Sendo assim, os seguintes programas foram gravados:

no SBT, Programa Silvio Santos, Carrossel, Ratinho, Conexão Repórter e A praça é

Nossa; na Rede Globo, novela Amor à Vida, Zorra Total, Fantástico e Jornal

Nacional. Sendo os dois últimos escolhidos para fins de investigação, uma vez que

apresentam, nos últimos anos, alguns indícios de jornalismo sensacionalista.

Em seguida, os dados de perfil de audiência segundo a classe social (critério

Ibope) foram incorporados ao trabalho. Com eles, as novelas vespertinas do SBT,

Rubi e Cuidado com o Anjo, surgiram como programas de maior participação da

classe C e também foram gravadas.

Os comerciais veiculados nesse conjunto de programas foram o objeto de

estudo, dando origem à análise que se segue. Não só a estética e forma, mas

também, cores, linguagem e música foram analisadas. O conteúdo do comercial

também foi levado em conta para a compreensão completa da mensagem. Portanto,

este capítulo analisa os comerciais tanto sob a perspectiva da forma e da linguagem

usada para comunicação com a classe C, tais como cores, locação da gravação,

elenco, etc.; como também sob a perspectiva da mensagem e conteúdo direcionado

a esse público.

Depois de gravados, assistidos e escolhidos, os comerciais foram agrupados

de acordo com o elemento do gosto popular que se sobressai em sua composição, e

que se repete em outros comerciais. Foram estes que deram origem aos grupos de

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comerciais: a música sertaneja, as cores primárias e a repetição, a festa e a

comicidade popular, elenco, figurino e locação, a questão da autoestima,

relacionada à brancura, e a construção da narrativa de vida na busca por um futuro

melhor. Esses elementos são claramente estratégias de comunicabilidade17 usadas

pelos anunciantes, onde eles absorvem e reciclam as demandas do público usando

as referências do próprio grupo social (ou público que o comercial pretende atingir)

com o objetivo de se fazer entender, de estabelecer uma comunicação clara entre

emissor e receptor.

Em seguida, analisados os comerciais agrupados de acordo com o elemento

do gosto popular preponderante.

4.1. O uso da música sertaneja na propaganda

Música sertaneja hoje abarca uma ampla gama de artistas e ritmos que vai

desde clássicos da música caipira, como a dupla Tonico e Tinoco, que mantém a

linguagem caipira e uso do violão, passando por duplas mais jovens como Fernando

e Sorocaba, que usam recursos eletrônicos, até cantores solo, como Paula

Fernandes e Gustavo Lima, os quais animam grandes plateias.

Segundo Martins, a música sertaneja é um gênero de origem urbana que

surge em São Paulo, no final dos anos 1920, em meio à industrialização e às

vésperas da revolução de 30. Embora esse gênero musical tenha mudado muito

desde então, algumas características que remetem à vida no campo permanecem

importantes para um determinado grupo de artistas (alguns deles presentes neste

trabalho), como o chapéu, a roupa e a viola.

A música sertaneja, um gênero musical aparentemente de origem rural, mas de fato urbana, inspirada nas tradições musicais caipiras, que surgiu em São Paulo ao final dos anos vinte, às vésperas da revolução de 30, uma revolução modernizante, foi, desde o início, uma ácida critica aos elementos mais expressivos da modernidade na cidade e ao mesmo tempo um meio de compreendê-la. Um gênero de música que combinava as possibilidades discrepantes do antigo circo itinerante e as novas possibilidades modernas do disco e do rádio. Portanto um gênero que emerge no momento de melhor e

17 Estratégias de Comunicabilidade é um conceito de Martin-Barbero: “maneiras como se fazem reconhecíveis e organizam a competência comunicativa os produtores e os destinatários” (2009, p. 240).

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mais completa definição dos contornos da modernidade no Brasil no contraste com o mundo rural e tradicional que estava ruindo. (MARTINS, 2000, p. 31)

Um gênero musical, como prática cultural, pode ser entendido, portanto, como

consequência de determinado habitus e condições de existência, conforme

destacado anteriormente. Sendo assim, observa-se uma correspondência entre

posições sociais e estilos de vida18 que resultam em habitus semelhantes e,

portanto, práticas encerradas nos limites das próprias condições de existência.

Portanto, cada dimensão do estilo de vida simboliza todas as outras e as oposições

entre diferentes condições de existência se expressam, por exemplo, no uso da

fotografia, na escolha de uma bebida e nas preferências artísticas. Dessa forma, o

gosto surge como forma de expressão e diferenciação.

A música sertaneja, portanto, é uma manifestação importante do gosto

popular urbano brasileiro e, por isso, é utilizada pelas agências e pelos anunciantes

em sua propaganda com o objetivo de chamar a atenção e buscar a identificação do

público popular. Esse gênero musical surge como elemento fundamental de

diferenciação e geração de identificação com o público de classe C nos comerciais

selecionados.

Três comerciais veiculados nos programas selecionados usam a música

sertaneja e seus representantes como recurso estético para passar suas

mensagens: Telesena de São João, Apracur e Assolan, descritos abaixo.

O comercial de Apracur, veiculado no SBT, nos intervalos da novela Carrossel

e do Programa Ratinho, é estrelado pelo cantor Leonardo: “Apracur, vortei. Eu tava

com saudade, rapaiz“.

18 Segundo Bourdieu, estilos de vida são “sistemas de desvios diferenciais que são a retradução simbólica de diferenças objetivamente inscritas nas condições de existência” (BOURDIEU, 1983, p 1).

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Figura 2: Comercial Apracur

E canta em ritmo de música sertaneja: “Tá gripado? Tá resfriado? Tomou,

apracurou, tá apracurado”.

Figura 3: Comercial Apracur

Um locutor surge ao fundo: “Apracur. Tomou, apracurou”.

Figura 4: Comercial Apracur

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Por fim, a mensagem exigida pelo Ministério da Saúde fica dois segundos no

ar, em silêncio.

Alguns elementos podem ser ressaltados como características que fogem à

estética erudita e aproximam a mensagem do público popular e mais precisamente

do migrante vindo da zona rural. Além do gênero musical e da presença do cantor

famoso, são percebidos erros deliberados que ferem a norma culta da língua

portuguesa, como a palavra “vortei” e a pronúncia da palavra “rapaiz” equivocada. A

presença do próprio instrumento musical remete à origem caipira do gênero musical:

“entre os tropeiros, geralmente mestiços oriundos da escravidão indígena, os

verdadeiros caipiras, era frequente a presença de violeiros tangendo a viola nos

ranchos de estrada” (MARTINS, 2013).

Outro anunciante que usa a música sertaneja em seu comercial é Assolan,

veiculado no SBT durante a novela Carrossel. Estrelado pela humorista Heloísa

Pérrissé, o comercial tem como trilha sonora a música Pega eu da dupla sertaneja

Fernando e Sorocaba. Heloisa abre a peça: “Gente, Assolan agora é da Ypê!”.

Figura 5: Comercial Assolan

Heloísa toca o personagem que representa o produto, colando nele um selo

da marca Ypê. Imediatamente o cenário muda para um palco que aparentemente se

situa numa cozinha e três personagens – um, à frente, masculino e dois, atrás,

femininos – cantam e dançam ao som da música de Fernando e Sorocaba: “Cê tá

querendo eu, eu também to te querendo. Pega eu, leva eu, chama eu que eu vou

correndo. Cê tá querendo brilho, eu também quero ir brilhando. Pega eu, usa eu,

passa eu que eu vou limpando. ô ô ô...”.

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Figura 6: Comercial Assolan

Figura 7: Comercial Assolan

Heloísa entra em cena novamente e confidencia em tom de segredo, ao

telespectador: “Pega o seu, leva o seu. Mais qualidade, preço justo e respeito pela

natureza”.

Figura 8: Comercial Assolan

“Duvidar porquê? Assolan é da Ypê”.

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Figura 9: Comercial Assolan

A música Pega eu é cantada inicialmente com seus versos originais, em

seguida com novos versos que remetem ao produto, na tentativa de associá-lo ao

ritmo já conhecido. Além disso, a humorista certamente não é escolhida por acaso.

Sua voz característica e credibilidade apresentam a mensagem do produto. Heloisa

representa a comicidade e aproximação com o público.

As ciências sociais procuram entender o uso de artistas e principalmente da

música popular na propaganda. Adorno analisa e explica porque a publicidade

sempre utilizou o recurso da musica popular e pessoas famosas para passar sua

mensagem. A musica popular, ao contrário da erudita, é padronizada

estruturalmente e manipulada de maneira que, ao ouvi-la, os ouvintes a coloquem

em estruturas subjetivas estereotipadas, preexistentes, facilitando a compreensão e

consequente aceitação (ADORNO, 1998). Se a forma facilita a compreensão e a

aceitação, a publicidade lança mão de recursos como pessoas famosas, a música e

a comicidade para que, em poucos segundos, o telespectador tenha absorvido sua

mensagem.

Outro comercial, o da Telesena de São João, veiculado no SBT durante o

Programa Ratinho, também conta com a participação da dupla sertaneja Fernando e

Sorocaba. Eles se aproximam de um pipoqueiro na porta do que parece ser uma

escola.

“- E aí pipoqueiro tá de olho em alguma gatinha da faculdade, né?

- Nada, eu to precisando estudar.

- Olha que eu posso te dar a chance de ganhar uma bolsa de estudos”.

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Figura 10: Comercial Telesena de São João

E entrega para o pipoqueiro um bilhete da Telesena.

“- Serve?

- Claro que serve!”.

Figura 11: Comercial Telesena de São João

Imediatamente o pipoqueiro se transforma e aparece vestido de outra forma,

como um estudante.

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Figura 12: Comercial Telesena de São João

Fernando e Sorocaba voltam à tela para traduzir de forma simples a

mensagem do comercial. “A Telesena tem tantos prêmios que certamente um deles

serve pra você. Tem bolsas de estudo pra você crescer na vida e ainda casa, carro,

apartamento, pagamento de aluguel e um ano de salário extra de seis mil reais por

mês. Telesena de São João: compre já a sua!”.

Figura 13: Comercial Telesena de São João

Enquanto a dupla declara a lista de prêmios, cada um desses prêmios

aparece escrito em um quadro negro de sala de aula, remendo à bolsa de estudos,

porém tendo a cor verde como fundo.

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Figura 14: Comercial Telesena de São João

Além do uso de figuras da música sertaneja, outras simbologias são extraídas

da análise desse comercial. “Uma bolsa de estudos pra você crescer na vida” é o

prêmio que aparece em destaque por servir de contexto para toda a peça analisada,

isso mostra a importância que a educação, como caminho para uma vida melhor,

ganhou para os jovens desse grupo.

Esta dissertação passou pela análise do grupo que hoje é chamado de classe

C e um dos dados encontrados nos documentos da Secretaria de Assuntos

Estratégicos do Governo Federal, Vozes da Classe Média (BRASIL, 2012a), é que

os jovens dessa classe apresentam nível de escolaridade superior aos de seus pais.

Além disso, reportagens de jornais e revistas mostraram que o perfil dos tipos de

trabalho mais comuns está se profissionalizando: auxiliar administrativo ganha

espaço enquanto serviço de limpeza perde importância dentre as ocupações mais

comuns da classe C. Esse fato comprova que esse grupo está buscando educação

como forma de ocupar posições mais qualificadas no mercado de trabalho.

O fato de envolver sorte e representar um jogo em si também adiciona outros

elementos do universo popular à Telesena. O jogo é esperança, ilusão, evasão à

vida real. “O jogo provoca emoções, gera incertezas, cria tensões. Envolve

sensações de perigo, sorte, risco, desafio” (MIRA, 1996, p. 64). Esses elementos

fazem do jogo um elemento próprio do universo popular. Além disso, a escolha da

cor verde para compor a estética do comercial certamente é deliberada. Ela não só

remete à escola, como também faz parte do universo do jogo, representando a

fortuna e a esperança por uma vida melhor que é depositada no jogo (GUIMARÃES,

2004, p. 116).

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4.2. Cores primárias e a lógica simples da repetição

É possível observar que se destacam, dentre as estratégias de

comunicabilidade usadas pelos anunciantes, as especificidades estéticas como

veículo da mensagem. Desde a música, até as cores, a escolha do elenco, a

repetição e a comicidade como maneiras de se comunicar. José de Souza Martins,

em A sociabilidade do homem simples, mostra como as formas e cores podem atrair

o público da periferia das grandes cidades:

Por toda parte, na zona rural ou na periferia pobre das grandes cidades é possível ver frases e palavras em inglês que chegam aí com a globalização como signos da modernidade: chega a palavra mas não chega a língua nem chega o significado. (...) porque o que atrai o usuário é a forma e cor das letras, embora ignore completamente o significado das palavras. (MARTINS, 2000. P. 40)

Além do verde da fortuna e da esperança, as cores primárias fazem parte do

universo da estética popular. O vermelho e o amarelo são comumente encontrados

principalmente no mundo da publicidade. Um exemplo disso é o comercial de

Assolan analisado anteriormente, cujo cenário é amarelo e vermelho. Amarelo e

vermelho são cores do espectro “quente”. A ideia de temperatura da cor está

relacionada ao comprimento da onda, cores quentes, por exemplo, derivam do

alaranjado. Segundo Guimarães, a cor vermelha está no limite do espectro visível

ao olho humano e aí reside sua agressividade e carga emocional (2004, p. 114).

As cores vermelha e amarela são amplamente usadas pelas redes de varejo

para chamar atenção do telespectador e destacar os números que mostram preço.

Os comerciais da Casas Bahia são um exemplo disso. Veiculados no SBT e na

Globo no horário nobre, foram gravadas quatro versões de comerciais desse mesmo

anunciante no mês de junho de 2013. Todos tinham a mesma estrutura, porém cada

um anunciava uma mercadoria diferente: lavadoras, televisores, geladeiras ou

móveis. Para ilustrar a análise será usada a versão que anuncia móveis. Começa

com um garoto propaganda anunciando o saldão de móveis dessa rede varejista.

“Móveis Casas Bahia. Você leva muito mais qualidade e design pelo melhor preço

do Brasil”. As palavras destacadas estão sempre na cor amarela.

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Figura 15: Comercial Casas Bahia

Figura 16: Comercial Casas Bahia

Em seguida, os produtos são mostrados e seu preço anunciado e escrito na

tela em amarelo. “Amanhã você vai comprar beliches grandes marcas a partir de

299 a vista cada. Tem também cama box de casal Inducol por apenas 89 mensais e

cama box de casal medida especial com molas ensacadas a partir de 149 mensais,

só 149 mensais”.

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Figura 17: Comercial Casas Bahia

O apresentador volta à tela com a mesma frase que abriu o comercial,

destacada em amarelo novamente. “Saldão de móveis casas Bahia. É amanhã, não

perca”.

Figura 18: Comercial Casas Bahia

Outra rede varejista que usa cores como artifício em seus anúncios é o Extra.

Neste comercial, veiculado na Globo durante a novela Amor à Vida, o fundo

vermelho está sempre presente. A abertura do comercial é o próprio slogan da rede:

“Extra. Mais barato, mais barato”.

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Figura 19: Comercial Extra

Um locutor surge com a mensagem: “Ganha ganha Brasil.A sua família ganha

muito mais no Extra”.

Figura 20: Comercial Extra

“Ganha vantagens, descontos, produtos grátis”.

Figura 21: Comercial Extra

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104

Figura 22: Comercial Extra

Figura 23: Comercial Extra

Então as ofertas são anunciadas: “Só nesta quarta extra. Sacolão é no Extra.

Alface unidade ou laranja quilo e muitos outros produtos por 98 centavos. Cebola ou

cenoura, um e 98 o quilo. Ovos dúzia dois e 78. Uva 500 gramas ou kiwi quilo dois e

98. Maçã ou ameixa três e 98 o quilo. Alcatra 12 e 90 o quilo. Frango dois e 99 o

quilo”.

Figura 24: Comercial Extra

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105

Para cada produto anunciado, aparece a foto do produto e novamente a

imagem que diz “ganha ganha Brasil”. A palavra “ganha” surge mais de dez vezes

ao longo de 30 segundos, entre os momentos em que foi pronunciada ou escrita na

tela. Não só as cores amarela e vermelha aparecem como artifício de comunicação,

mas fica claro um elemento importante: a repetição. A repetição e os números

mostrados grandes e sozinhos na tela, para garantir a compreensão, são lugar

comum entre comerciais de redes de varejo, como Extra e Casas Bahia.

A repetição característica da narrativa popular está claramente presente na

publicidade direcionada à classe C. Martin-Barbero em sua análise da retórica

popular aponta para a lógica da repetição, própria da tradição oral: cordel, canções

populares, repente, hip hop.

Em lugar de inovar, estereotipa. Mas na qual essa mesma estereotipia da linguagem ou dos argumentos não vem só das imposições cerradas pela comercialização e adaptação do gosto a alguns formatos, mas também do dispositivo da repetição e dos modos de narrar popular. (MARTIN-BARBERO, 2009, p. 151)

A simplicidade da repetição aparece também nos números, formas de mostrar

preços e condições de pagamento. Segundo o Instituto Datapopular, 77% dos

brasileiros não possuem habilidades matemáticas básicas, tais como capacidade de

ler gráficos e tabelas. Isso ajuda a explicar a forma com que os números são

mostrados nos comerciais, além de deixar clara a necessidade da repetição para

que a mensagem seja compreendida pelo telespectador.

No comercial da Chevrolet, veiculado no SBT durante a novela Carrossel, a

frase “taxa zero, 36x” é colocada na tela e repetida quatro vezes ao longo dos 30

segundos de comercial. “Os imperdíveis Chevrolet. Taxa zero e trinta e seis vezes,

juntos”.

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106

Figura 25: Comercial Chevrolet

“Classic 2014, o sedan mais vendido do Brasil, com taxa zero em trinta e seis

vezes”.

Figura 26: Comercial Chevrolet

“Agile completo. Com taxa zero em trinta e seis vezes”.

Figura 27: Comercial Chevrolet

“Ator convidado. Rodrigo Faro. Agora você vai fechar negócio”.

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107

Figura 28: Comercial Chevrolet

“Os imperdíveis Chevrolet. Taxa zero e trinta e seis vezes na mesma

condição. São só poucos dias”.

Figura 29: Comercial Chevrolet

O comercial termina com uma tela preta que mostra a logomarca da Chevrolet

e um enorme texto – que provavelmente explica as restrições das condições

financeiras anunciadas. Esse texto certamente não é compreendido.

Figura 30: Comercial Chevrolet

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108

Como contraponto, um exemplo de comercial de varejo que não é destinado à

“classe C” é do Wal-Mart.com, veiculado na Globo durante o Jornal Nacional. O

anúncio não mostra ou pronuncia palavras a respeito dos produtos anunciados, não

mostra preços ou menciona parcelas.

Em uma tela azul, mostra uma série de figuras ilustradas como bicicleta,

geladeira, fogão, celular, etc.

Figura 31: Comercial Walmart

Ao final, mostra na tela: “10% de desconto”. “Estes e outros milhares de

produtos estão com dez por cento de desconto no Wal-Mart ponto com. Todo o site

em promoção. Acesse e aproveite.”

Figura 32: Comercial Wal-Mart

Exceto pela cor amarela, esse comercial não apresenta nenhum dos

elementos citados como características da estética popular. Inclusive, a cor amarela

é mostrada sobre fundo azul, uma cor fria não associada a emoções fortes. Se 77%

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109

dos brasileiros não entende gráficos ou tabelas, certamente uma porcentagem de

desconto não é algo amplamente compreendido.

Números absolutos, reinando na tela como protagonistas, são também um

recurso utilizado pelas empresas de telefonia de celular, cada vez mais interessadas

na classe C, para anunciar seus preços. A figura abaixo mostra que a classe C

representa quase 55% do mercado de celulares e mais de 56% dos celulares pré-

pagos.

Gráfico 33: Mercado de celulares por classe

Fonte: Cruz (2010).

O comercial da Vivo, veiculado no SBT durante o Programa Ratinho, mostra

duas domésticas conversando ao telefone celular sobre como conseguiram um

aumento. “Quitéria?”

Figura 33: Comercial Vivo

“Oi, Eulália. E aí conseguiu o aumento?”

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110

Figura 34: Comercial Vivo

“- Ai foi chorado, viu! O moço é bonzinho, mas aquilo num abre a mão nem pa

dá tchau.

- E quê que cê feiz?

- Busquei na internet. Cada estória que ele me contava eu pá, abria um site.

- Poxa Eulália cê sabe tudo viu.

- Eu tô conectada, Quitéria. Ocê conecta aí tamém.

- Ah, eu tô conectano!”

Locutor ao fundo: “Essa ligação foi só cinco centavos”.

Figura 35: Comercial Vivo

“E a internet só nove e noventa por mês. Vivo Sempre, ligue asterisco nove

mil e três e cadastre-se”.

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111

Figura 36: Comercial Vivo

Outro comercial da Vivo que também apresenta o mesmo plano Vivo Sempre,

destaca-se pelo mesmo recurso de números grandes pronunciados e mostrados na

tela. Ao invés de mostrar as personagens, o anúncio gasta mais tempo com

explicações mais detalhadas para facilitar a compreensão: “cada ligação é 5

centavos, se você fizer 10 ligações, só gasta 50 centavos” e “a internet é 9,90 por

mês, 33 centavos por dia”.

Outras empresas fazem uso da importância do celular para a classe C. Sonho

de Valsa apresenta a promoção Mais crédito mais amor, que dá como prêmio

créditos para celular pré-pago. Um locutor apresenta a promoção: “Todo romance

precisa de crédito. Promoção Sonho de Valsa mais crédito mais amor. São mais de

um milhão de prêmios em bônus de celular de até cem reais. Basta encontrar o

código na embalagem e enviar o sms grátis. Quanto mais Sonho de Valsa, mais

chance de ganhar, participe!”.

Figura 37: Comercial Sonho de Valsa

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112

Com assuntos relevantes para o público, poucas palavras, números absolutos

de fácil compreensão e utilizando o recurso da repetição, muitas empresas que

fazem comerciais destinados à classe C esperam ter mais chances de que sua

mensagem seja compreendida ao final.

4.3. A festa e a comicidade popular

Assim como a repetição tem origem na cultura popular, na narrativa, tradição

oral e cordel, outros elementos usados atualmente na televisão se aproximam do

universo popular de distintas maneiras. Um exemplo são os programas de auditório,

comparado anteriormente com o circo (MIRA, 1995). Ambos – tanto o circo quanto o

programa de auditório – carregam em si a lógica da festa.

Segundo Mira (ibid.), nos programas de auditório não há sofisticação da

produção, “o que se valoriza na verdade é a descontração, animação, intimidade,

proximidade, espontaneidade, improvisação” (p. 187). Praticamente não há edição,

apenas uma colagem das cenas gravadas. Os erros e imperfeições fazem parte da

veracidade do espontâneo, como se o programa fosse exibido ao vivo. Quanto mais

editado, mais frio e distante. “Tudo se passa como se a ‘estética popular’ (...)

estivesse baseada na afirmação da continuidade entre a arte e a vida que implica a

subordinação da forma à função” (BOURDIEU, 2007, p. 12).

A publicidade usa esse formato como cenário para passar sua mensagem e

buscar identificação com o público. No comercial da Claro, veiculado na Globo

durante a novela Amor à Vida, o humorista Marco Lucci se transforma em

apresentador de programa de auditório. O palco se situa na rua, a plateia está

próxima do apresentador, o que também é uma característica dos programas de

auditório. Segundo Mira, a relação de proximidade palco/público se estreita para

possibilitar a relação público/artistas e incentivar assim a participação do público nos

quadros.

No comercial da operadora de celulares Claro, o humorista Marco Lucci

apresenta uma brincadeira clássica dos programas de auditório, onde a audiência

participa para ganhar um prêmio. Nesse caso, os participantes deveriam acertar qual

a menor tarifa por chamada do Brasil para ganhar um beijo da atriz Fernanda Lima.

Marco Lucci começa perguntando ao participante:

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“- O negócio é o seguinte: quer ganhar um beijo da Fernanda Lima?

- Pô, com certeza!”

Figura 38: Comercial Claro

“Então responde essa pergunta: qual pré-pago tem a tarifa mais barata por

chamada?”

Figura 39: Comercial Claro

Após cinco respostas censuradas através de um ruído sobreposto à resposta

dos participantes, para esconder nomes de outras operadoras, um finalmente acerta:

“- A Claro.

- E a tarifa?

- Vinte e um centavos”.

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Figura 40: Comercial Claro

“Ah garoto! Muito bem!” Então a festa enche o cenário, com música, fogos de

artifício e confetes.

Figura 41: Comercial Claro

O participante, então, ganha seu prêmio. Enquanto o apresentador anima e

narra: “Olha olha... ah rapaz! Vem você também pra Claro. A tarifa por chamada

mais barata do Brasil”.

Figura 42: Comercial Claro

Além da repetição, que tem origem na narrativa popular, e da festa, no “circo

contemporâneo”, traduzido em programa auditório, mais um elemento fundamental

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do universo popular é usado pela publicidade para chamar atenção para sua

mensagem: a comicidade popular.

Baseada no grotesco-cômico como eixo expressivo da cultura popular, a

comicidade nesse caso encontra o humor como par do grotesco. O humor está

presente em grosserias, injúrias, paródia e expressões ambíguas e ambivalentes

que dão vazão àquilo que é proibido. “Carnaval é o tempo em que a linguagem da

praça alcança sua plenitude – a afirmação do corpo do povo e seu humor” (MARTIN-

BARBERO, 2009, p. 102).

A partir do Carnaval, é possível compreender o humor popular em seus

aspectos fundamentais. Primeiro, que ele tem dois dispositivos básicos: o riso e a

máscara. O riso popular representa uma vitória sobre o medo, já a máscara oculta,

dissimula, é o engano da autoridade (ibid.). Segundo, que o carnaval, assim como

festivais e feiras, envolve a celebração do “corpo grotesco” – a comida farta, a

embriaguez, a promiscuidade sexual. Sendo assim, o humor popular se relaciona

intimamente com a comicidade ligada ao baixo corporal.

Para exemplificar a linguagem cômica popular, destacamos o comercial da

marca Bombril, veiculado no SBT durante o Programa Ratinho, que anuncia o

produto Pinho Bril Acept. A humorista Dani Calabresa, como garota propaganda,

atua como se houvesse o seguinte diálogo com a telespectadora: “Amiga, cê sabe

que tem tudo que é tipo de homem, só não tem homem Pinho Bril Acept, já

pensou?”

Figura 43: Comercial Pinho Bril

“Um homem que mira na privada, não mija fora e ainda deixa o banheiro

limpo e perfumado. Nossa, mas os homens têm muito pra evoluir! Pô...”

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116

Figura 44: Comercial Pinho Bril

O uso do verbo “mijar” chama atenção, é um verbo de uso popular, mas não

comumente usado na televisão – principalmente em comerciais que representam

produtos e empresas. Seu uso para promover o produto chama atenção para uma

função corporal dita sem rodeios ou escrúpulos e ainda de forma bem-humorada,

uma apropriação da forma popular de se referir a essa função corporal.

É surpreendente, entretanto, que um anunciante de grande porte lance mão

desse artifício. Heloisa Buarque de Almeida, em Telenovela, Consumo e Gênero,

analisa como a publicidade evita abordar questões delicadas ou polêmicas. Ao

entrevistar publicitários, ela aprende que “a publicidade deve sempre agradar e que,

idealmente, não deve gerar polêmica” (ALMEIDA, 2003, p 112). Almeida ressalta

também a aversão que ainda existia em relação ao popularesco. Apenas

anunciantes de pequeno porte ou produtos específicos para classe C anunciavam

em programas como Ratinho, conforme visto no capítulo anterior.

Entretanto, hoje, outros anunciantes não só estão presentes nos intervalos

desse tipo de programa como também empregam sua linguagem. Reforçando o

vocabulário e a estética populares em seus comerciais, os anunciantes mostram

julga-los adequados pelo público não só para programas como também para

comerciais de televisão, revelando uma mudança nos paradigmas anteriores. Nesse

ciclo, a publicidade utiliza valores que julga serem aqueles aceitos pela sociedade e,

numa via de mão dupla, acaba reforçando-os e naturalizando-os.

Para acoplar imagens e significados aos produtos, a publicidade recorre aos valores sociais em questão, pelo menos aqueles que julga serem os dos prováveis consumidores do produto (...). Porém, isso não significa que a publicidade apenas reflete tais construções

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117

simbólicas, pois trata-se de uma via de mão dupla: não só o anúncio utiliza de certa ideologia, mas certamente também aceita estes valores e, ao representa-los, os naturaliza e reforça. (Ibid.)

4.4. Elenco, figurino e locação como geradores de

identificação

Da mesma forma que elementos do universo popular como o circo e o

grotesco são apropriados pela publicidade de forma a falar a mesma língua do

público de classe C, potencial consumidor de seu produto, a escolha das imagens

que compõem o anúncio passa pelo mesmo processo: a escolha da locação das

cenas, do elenco, do figurino, dos objetos que irão compor as cenas, todos os

detalhes são deliberadamente e detalhadamente escolhidos para se aproximar do

público que se pretende atingir.

O comercial da Coca-Cola, por exemplo, veiculado no SBT durante a novela

Carrossel, começa mostrando a paisagem de uma cidade grande como São Paulo.

A cena se fecha na varanda de um prédio, onde um rapaz grita “Vai Brasil!”. Nessa

tomada já é possível observar, ao fundo, as antenas de TV em outro edifício, que

tem sua fachada manchada e descascada. Esse tipo de “imperfeição”, que na

verdade retrata a realidade, não era aceitável na publicidade em décadas passadas.

Figura 45: Comercial Coca-Cola 2013

Em seguida, a câmera se fecha numa rua estreita, como o beco de uma

favela com paredes descascadas, um menino negro corre por essa ruela, ora

levando uma bandeira do Brasil, ora levando uma pipa ou um skate. Outro menino,

dessa vez branco, leva uma bicicleta.

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118

Figura 46: Comercial Coca-Cola 2013

Figura 47: Comercial Coca-Cola 2013

Os meninos se unem numa nuvem verde e amarela e começam a pintar: a

bola, os pneus das bicicletas. Fazem parte da cena objetos simples do cotidiano. A

bola é cinza, o balde é dos mais simples e baratos que se pode encontrar.

Figura 48: Comercial Coca-Cola 2013

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Suas bicicletas colorem a pista, os paralelepípedos da rua são pintados de

verde e amarelo. A bola pintada suja o muro com as cores da bandeira do Brasil.

Figura 49: Comercial Coca-Cola 2013

Figura 50: Comercial Coca-Cola 2013

Novamente podemos ver as imperfeições da realidade raramente vistas na

propagada. O muro sujo, descascado e imperfeito vira o mural para as cores verde e

amarela.

A cena se transforma numa festa cheia de jovens. “A Coca-Cola coloriu as

latas. Agora, vamos juntos colorir o Brasil na Copa das Confederações da FIFA”. E

encerra o comercial com os jovens se abraçando em comemoração e o slogan

aparece escrito “Abra a felicidade”.

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120

Figura 51: Comercial Coca-Cola 2013

Alguns detalhes desse anúncio são relevantes na análise. A presença das

imperfeições da realidade é uma característica marcante e contemporânea. Ao

comparar esse comercial com outro da mesma marca, porém de mais de vinte anos

atrás, é possível notar que essa aproximação da realidade não era permitida. A peça

de 1989, que era assinada com o slogan “Emoção pra valer”, mostrava tomadas

cinematográficas de praia e calor, amigos se divertindo, num verão perfeito.

Algumas cenas se distanciam da realidade através de técnicas de pós-produção que

dão a ilusão de um mundo sem imperfeições.

Figura 52: Comercial Coca-Cola 1989

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121

Figura 53: Comercial Coca-Cola 1989

Figura 54: Comercial Coca-Cola 1989

O comercial de 1989 foi escolhido deliberadamente para mostrar o outro

extremo das escolhas de locação, elenco, figurino e tratamento de imagens: aquela

que se distanciava da realidade e mostrava pessoas excessivamente felizes em

cenas perfeitas e imagens trabalhadas, o que contrasta com a propaganda dos dias

de hoje, que tenta se aproximar da realidade do público ao mostrar imperfeições

sem maquiagem ou pós-produção.

Almeida, ainda em seu livro Telenovela, Consumo e Gênero, faz uma análise

semelhante da novela O Rei do Gado. “A pobreza é um estado comparativo

reforçado pela riqueza que se vê na televisão” (ALMEIDA, 2003, p. 172). Segundo a

pesquisa da autora, a novela é um luxo danado, e as imagens são tratadas para

mostrar cenas “melhoradas” que acabam se afastando da realidade. Esse luxo é ao

mesmo tempo motivo de crítica e de admiração do público. Fato é que o

distanciamento da realidade é percebido.

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122

Os personagens Donana e Zé do Araguaia acima citados levam uma vida simples num cenário maravilhoso de casa de fazenda, com fogão à lenha sempre funcionando, cercados pela natureza do pantanal. As cenas em que aparecem mostram um belo tratamento de imagens, sempre com cores amareladas. (Ibid., p 176)

E é justamente nas imagens tratadas que está o distanciamento da realidade

que o comercial da Coca-Cola busca diminuir ao mostrar o balde barato, o muro

descascado, a fachada manchada, o beco estreito da favela. O afastamento do “luxo

danado” e das imagens tratadas, presentes no comercial dos anos 1980. aproxima o

produto da realidade das favelas e da realidade urbana da própria classe C.

Pesquisa divulgada pelo Instituto Datapopular mostrou que, em 2013, 65%

dos moradores das favelas são de classe C, enquanto dez anos antes esse mesmo

percentual era de 33%. Ou seja, hoje, 11,7 milhões de brasileiros moram nas

favelas, o que poderia representar o quinto maior estado do país (QUAINO, 2013).

Outro detalhe importante é a presença da moça negra nas cenas finais do

comercial. Iara Beleli, em seu artigo “Cenários marcados pela cor, a inclusão do

negro na publicidade brasileira” (2006), faz uma crítica não só à ausência de atores

negros na publicidade brasileira, como também às formas de uso quando eles estão

presentes. Em 848 peças analisadas pela autora de 1973 a 2003, apenas sete

usaram atores negros e em todas elas (exceto as que mostravam Pelé) associavam

esses atores ou modelos a situações de pobreza e violência.

Embora reconheça que os publicitários contratam atores negros para gerar

identificação com a “classe media negra”, que adquire poder de compra, sua

questão central é que a abertura de espaço para atores e modelos negros não

modifica, mas acentua as diferenças sociais.

A utilização de imagens de “pretos, pardos, mulatos, crioulos, morenos” agrega alguns quesitos ao padrão estético hegemônico há tempos promovido pela propaganda, mas não o modifica. A ascensão de classe não significa que a “cor” desapareça como um fator de distinção social. (Ibid.)

Almeida também analisa a questão da presença de atores negros na

publicidade brasileira, especificamente. Na opinião da autora os negros estão mais

presentes em anúncios que buscam certa representação do Brasil, como por

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123

exemplo: em anúncios de varejo ou de cerveja, ou ligados à elementos de

“brasilidade” como carnaval, verão, futebol, praias (ALMEIDA, 2003).

Embora a Coca-Cola seja uma das poucas marcas que historicamente usou

atores negros (bem como orientais, ruivos, morenos, loiros) em sua publicidade, o

caso do comercial analisado, veiculado em junho de 2013, é bem explicado por

ambas as autoras, Beleli e Almeida: aqui a atriz negra é colocada num cenário

urbano que se aproxima da pobreza das favelas e também no contexto de

brasilidade ligada ao futebol.

Outros casos de escolha do elenco podem ser colocados nessa análise.

Sotaques antes ausentes na publicidade começam a aparecer. No comercial de

Vanish, por exemplo, veiculado no SBT durante a novela Carrossel, a escolha de

uma atriz com um sotaque tipicamente paraibano chama atenção. Como grande

parte das empresas e agências de publicidade estão localizadas no eixo Rio-São

Paulo, dificilmente encontra-se na publicidade um sotaque de região diferente do

país.

O comercial começa com um depoimento de um personagem apresentado

como Claudia Louize. Além do nome, também faz parte da apresentação da

personagem sua origem – Paraíba.

A escolha desse Estado certamente não se deve ao acaso. Segundo a

publicação do Governo Federal Vozes da Classe Média (BRASIL, 2012a), o

Nordeste foi a região onde mais cresceu a população de classe C. Em 2002, esse

grupo representava 22% da população da região, em 2012, passou a representar

42%.

Claudia Louize, da Paraíba, conta sua experiência com clareamento de

roupas brancas. “Quando você bota água sanitária na roupa branca, ela fica

amarela. E quando você cheira assim, a pessoa sabe logo, cê usou água sanitária

né. Foi muito fácil pra mim depois do Vanish lavar roupa. Menina, aquele grosso sai

todo assim ó. E além de ficar branco, ele conserva a roupa”.

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Figura 55: Comercial Vanish 1

As cenas seguintes mostram a personagem utilizando o produto: “Dou uma

esfregadinha, deixo a roupinha de molho lá, ponho na máquina, e aí faz o ciclo

normal. Uma boa roupa branca é a melhor aparência que a pessoa pode dá”.

Uma voz diferente encerra a peça: “Vanish Crystal White. O branco até três

tons mais branco”.

Figura 56: Comercial Vanish 1

Todos os detalhes de uma peça publicitária são escolhidos deliberadamente

com o objetivo de capturar a atenção do seu público-alvo, gerando identificação.

Desde os cenários, a locação da filmagem, até o elenco, seu sotaque, maquiagem,

penteado e figurino. Após a filmagem, o tratamento das imagens também cumpre

um papel de acordo com o objetivo daquele comercial, podendo esconder

imperfeições ou valorizá-las, criar uma atmosfera de fantasia ou limpeza. Nesta

sessão foi possível analisar comerciais que lançam mão desse tipo de artifício para

atrair o público de classe C.

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125

4.5. A brancura e sua importância na autoestima

O comercial de Vanish aborda outro aspecto importante: a questão da

brancura como sinal de limpeza. Barbosa (2006) analisa as relações entre cultura,

consumo e identidade a partir da estrutura simbólica e prática da higiene e limpeza

no Brasil, focando, especificamente, no processo da lavagem de roupa. Este está

historicamente ligado ao reconhecimento do bom trabalho da mulher como dona de

casa.

Os dados sugerem também que, além da maciez, a brancura e o brilho serem importantes ingredientes nas identidades dessas mulheres como mães, donas de casa e “pessoas limpas”, também têm aspecto estético e de bem estar muito valorizado por todas. Aqui entramos numa dimensão do processo identitário na qual este não se encontra ligado unicamente à exposição e à apreciação do self por terceiros, mas tem a ver com sua dimensão cognitiva e emocional/subjetiva de gostos, preferências e sensações com os quais essas mulheres se identificam. Maciez, brancura, cheiro gostoso, roupa bem lavada são, assim, fontes tanto de oportunidades de apreciação de si mesmas pelo dever cumprido quanto de prazer sensorial e emocional. (Ibid., p. 117)

A lavagem de roupa, bem como higiene pessoal e higiene doméstica,

funcionam assim como um código moral, que orienta a restringe o comportamento

dos indivíduos na área de higiene e limpeza.

Essa lógica popular do “sou pobre mas sou limpinho” aparece em outros

comerciais de produtos para lavagem e roupas, um do próprio Vanish e outro da

marca Brilhante.

Outro comercial de Vanish, veiculado também no SBT durante a novela

Carrossel, no mesmo modelo do anterior, começa com um depoimento de uma

mulher, dessa vez apresentada como Theca, de São Paulo. “A mais nova é um

molequinho, assim, ela chega da escola com marca de bola assim na blusa, preta. E

depois do Vanish eu não esfrego mais nada”.

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Figura 57: Comercial Vanish 2

“O Vanish, cê deixa agir sozinho. Cê só dá aquela espalhada no produto aí

depois cê lava normalmente e sai. E o detergente não, cê tinha que esfregar até

sair”.

Figura 58: Comercial Vanish 2

“Porque eu vejo ela entrando lá com os coleguinhas, né, toda lá branquinha,

toda arrumadinha, nossa, é um orgulho, né.”

Figura 59: Comercial Vanish 2

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127

Ambos os comerciais de Vanish apresentam elementos relevantes como o

depoimento em discurso coloquial com termos típicos de uma conversa entre

amigos, além de erros comuns em relação à norma culta da língua portuguesa, que

aproximam a testemunha do telespectador. Outro elemento importante de ambos

são as cenas de uso do produto. Mostram não só a mágica da roupa saindo branca

da lavadora, como é comum em anúncios desse tipo, como também o processo de

uso do produto nos seus detalhes que não são tão bonitos, mas fazem parte da

tarefa, como esfregar o produto com uma escova de dente.

O comercial da marca Brilhante, veiculado no SBT durante o Programa do

Ratinho, vai ainda mais fundo na questão da limpeza como parte do processo

identitário e de autoestima da mulher. A ambientação acontece numa rua de bairro,

a imagem tem um tratamento quase preto-e-branco. “Brilhante apresenta Mulheres

Brilhantes”. Na tela está escrito também “uma história real”.

Figura 60: Comercial Brilhante

A personagem se apresenta e conta sua história: “Meu nome é Cátia. Quando

comecei a vender Quindins, não foi fácil. Até que eu percebi que as vendas

melhoravam quando eu tava confiante, com as minhas roupas brilhando como

novas”.

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Figura 61: Comercial Brilhante

Entra em cena a voz do locutor e imagens do produto limpando as fibras do

tecido. “O novo brilhante com tecnologia brilho ativo elimina a sujeita impregnada

devolvendo o brilho original das roupas. E quem brilha é você”.

Figura 62: Comercial Brilhante

A personagem volta à cena, caminhando pela rua. Na medida em que ela

passa, as casas vão colorindo-se. “Esse foi o primeiro passo pra eu conquistar meu

sonho. Hoje eu sou dona de uma doceria”.

Figura 63: Comercial Brilhante

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Então, Cátia é identificada na tela como “Cátia Farias. Dona da doceria

Bendito Quindim”.

Figura 64: Comercial Brilhante

O locutor volta, sobre a imagem do produto. “Só com brilhante você brilha

ainda mais”.

Figura 65: Comercial Brilhante

Essa peça é relevante por diversas razões. O código moral da higiene e

limpeza, da roupa branca, apresentado anteriormente, tem aqui marcas mais

profundas no processo identitário e chega a afetar a autoestima da personagem. Ela

só se sentiu confiante para vender seu produto depois que sua roupa foi lavada com

Brilhante e ficou branca como nova. Com mais autoconfiança, as portas pararam de

se fechar para Cátia e seu negócio prosperou.

Dentro da análise do comercial de Brilhante, um aspecto adicional pode ser

destacado: a importância do “brilhante como novo”. Esse atributo do produto é citado

em dois momentos ao longo dos 30 segundos. Primeiro a personagem diz que ficou

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mais confiante com as roupas brilhando como novas, em seguida o locutor explica o

funcionamento do produto e diz que tecnologia brilho ativo elimina a sujeira

impregnada e devolve o brilho original das roupas. Martins chama atenção para a

importância do signo do novo: um rapaz num ônibus no interior do Paraná limpava

os óculos escuros com todo o cuidado para que não saísse o selo indicando que era

novo. “Indicação de que nessa periferia do mundo moderno artifícios são usados

para prolongar o estado de novo. (...) Mais do que o estado de novo, o signo do

estado de novo” (MARTINS, 2000, p. 39).

4.6. Batalhadores: a narrativa de vida e a luta por um futuro

melhor

A análise do comercial de Brilhante traz outros aspectos importantes,

presentes também em outro grupo de comerciais.

De maneira geral, a forma narrativa dos comerciais que apresentam um

testemunho de sucesso se assemelha ao relato popular. Da tradição oral, o relato

popular conta uma história com sentido moral, onde a repetição e a inovação

convivem (Martin-Barbero, 1988). É também uma das bases de origem do

melodrama, juntamente com os espetáculos populares.

Porque historicamente no melodrama (…) se fundem pela primeira vez a memória narrativa e a gestual, as duas grandes tradições populares: a dos relatos, que vem dos romances e da literatura de cordel, e das narrações de terror da novela gótica, por um lado; e por outro, a dos espetáculos populares que vem da pantomima e do circo, do teatro de feira e dos ritos de festa. (Ibid., p. 5; tradução nossa)

O melodrama, por sua vez, dá origem ao gênero de mesmo nome no teatro,

chamado por Barbero de melo-teatro, que dá origem à melo-novela, ou folhetim,

através do crescimento da imprensa. Com o desenvolvimento do rádio e do cinema,

o folhetim se transforma em radionovela e melodrama cinematográfico, como

herdeiros “naturais” da melo-novela. As técnicas de produção do cinema e o advento

da televisão, fusionados aos mecanismos do relato popular presentes na

radionovela, transformam-se na telenovela. A telenovela latino-americana é onde o

melodrama “profundamente original reencontra as massas” (ibid., p. 20).

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Borelli analisa a telenovela da Rede Globo, encontrando alguns elementos

que compõem uma produção de sucesso: atores e personagens admirados, ídolos,

pares românticos, paisagens, ficção acrescentada à realidade de maneira plausível.

Além de dramas familiares, humanos e político-sociais relevantes à época.

É possível encontrar diversas semelhanças entre a telenovela – e sua origem

no relato popular e no melodrama – e os comerciais analisados aqui. O drama

pessoal, a solução encontrada, o clímax da história, o ator famoso, o personagem

que se transforma em herói. Assim os anunciantes se apropriam de uma matriz

popular com o objetivo de se aproximar desse público.

Além da forma narrativa, relação entre autoestima e êxito profissional

aproxima esse comercial do gênero autoajuda, muito presente nas revistas

femininas. Mira, em O leitor e a banca de revistas, analisa as revistas femininas

como Claudia e Nova. Segundo a autora, o reforço da autoestima e o fortalecimento

do ego são os objetivos alegados das matérias sobre comportamento nesse tipo de

revista que buscam acompanhar a mulher após a emancipação feminina, em sua

jornada de ser independente financeiramente e tomar suas próprias decisões

independentemente de tradições. Assim essas revistas se assemelham à autoajuda

(MIRA, 1997).

Só através da autoestima é que se podem operar mudanças. A nova mulher é alguém que pode fazer compras para si, exercer sua sexualidade sem timidez, descobrir o seu próprio valor. (...) Ao tentar ajudar a leitora a enfrentar essa nova realidade, seus métodos são em tudo semelhantes aos manuais de autoajuda. É típico da revista, antes de mais nada, o abuso dos advérbios “como” e “onde”. “Como abrir um negócio em segurança”, “Onde encontrar homens interessantes” e outros. (Ibid., p. 212)

A autoajuda comumente usa o depoimento alheio para gerar aprendizado

emocional. É através das histórias de vida de outras pessoas que as leitoras

aprendem como agir numa situação semelhante, ou seja, “[as histórias] elas são

lidas como algo que ‘poderá acontecer comigo’ e, se acontecer, ‘saberei como agir’”

(ibid., p. 171). Fica clara a semelhança entre as histórias de vida presentes nas

matérias de autoajuda e os depoimentos usados nos comerciais para gerar o

interesse do público feminino e oferecer soluções práticas para o problema da

brancura na autoestima: “agora sei como agir”.

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Outro aspecto a ser analisado na narrativa da vendedora de quindim, são

“estratégias de viração”, apresentadas por Sciré: diversos artifícios tanto de

obtenção de renda quanto de maximização do consumo, que fazem o dinheiro

render.

A organização da vida cotidiana dentre as camadas populares sempre passou pelas mais diversas estratégias de fazer o dinheiro render. Dentro desse contexto, principalmente as mulheres exercem papel ativo, realizando uma série de pequenas atividades que, somadas à “renda oficial”, permitem ampliar os ganhos dentro de casa. Trata-se de atividades que vão desde a venda de bijuterias e outros produtos, bicos durante os finais de semana, além da execução de pequenos serviços para vizinhos – geralmente homens e solteiros – como lavar e passar roupas, olhar crianças, etc. (SCIRÉ, 2012, p. 94)

A figura do micro e pequeno empreendedor, como a doceira da periferia que

multiplica o tamanho de sua confeitaria, é, segundo a publicação Vozes da Classe

Média – caderno três (BRASIL, 2013b), uma realidade. Essa publicação mostra que

os pequenos empreendedores representam hoje 40% dos postos de trabalho

disponíveis e por 32% do crescimento do montante de remunerações do trabalho.

Meirelles, nessa mesma publicação, faz uma análise qualitativa desse fenômeno e

mostra como o otimismo, que faz parte dos valores da classe C, contribui não só

para o aumento do consumo, como também para o empreendedorismo em busca de

um futuro melhor.

Segundo ele, o otimista estuda mais e empreende mais. E a estabilidade

econômica, além de um ambiente mais favorável ao empreendedor, foi o gatilho que

faltava para que esse sonho se transformasse em realidade. “O resgate da

autoestima foi primordial para que este brasileiro pudesse tirar do papel as suas

metas e concretizar sonhos que pareciam inalcançáveis há anos” (MEIRELLES in

BRASIL, 2013b, p. 98).

A narrativa do sucesso é importante porque ilustra como o trabalho árduo e

esforço individual protagonizaram essa trajetória que os levou pelo caminho da luta

a uma “vida melhor”. Segundo Jessé Souza, o grupo denominado por ele de “nova

classe trabalhadora” ou simplesmente de “batalhadores” (SOUZA, 2012), ascendeu

na pirâmide social através da renda e do trabalho e se sustenta sobre uma espécie

de ethos do trabalho, foi o trabalho que trouxe o aumento da renda e do consumo;

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batalha que é motivo de orgulho e dignidade. Logo, a narrativa de vida se torna

central e aparece nos comerciais como exemplo de sucesso a ser seguido.

Outros comerciais também se destacam pela forma narrativa, pela

semelhança com o gênero autoajuda e pela importância do esforço individual do

batalhador para seu sucesso.

A marca de cosméticos Jequiti, do grupo Silvio Santos, também se apropria

dessa narrativa do microempreendedor como estratégia de “viração” financeira.

Veiculados em diversos horários e programas na emissora, os comerciais de Jequiti

convidam o telespectador a fazer parte desse sucesso, através da figura de Patricia

Abravanel, além de mostrar casos reais de consultoras Jequiti bem-sucedidas.

O comercial traz o depoimento da consultora Alene, Serra Talhada – PE. A

personagem conta como começou a vender Jequiti e como esse fato a ajudou a

realizar conquistas pessoais e de consumo, discurso carregado de um forte sotaque

pernambucano. “Era um sonho vender Jequiti, eu vi na tevê, eu digo eu quero isso

pra mim”.

Figura 66: Comercial Jequiti 2

“Tava divulgano na minha cidade que ia ter uma reunião, vou lá, e daí pra cá

conclui minha faculdade...”.

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Figura 67: Comercial Jequiti 2

“...comprei meu carro. Você tem um sonho, conquista, aumenta a clientela,

busca outro sonho, e assim sucessivamente”.

Figura 68: Comercial Jequiti 2

Ao final, a garota propaganda da marca, Patricia Abravanel, encerra o

comercial convidando o telespectador realizar seus sonhos através de Jequiti. “Tá

esperando o que pra realizar teus sonhos? Seja um consultor ou uma consultora da

Jequiti”.

Figura 69: Comercial Jequiti 2

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Jequiti é apresentada como a ferramenta para a realização pessoal e

profissional do herói que, através do esforço individual, atingiu seus objetivos.

O comercial de 15 segundos do medicamento Coristina D, veiculado no SBT

no Programa do Ratinho, também ilustra o esforço individual, a batalha do dia a dia,

que não pode ser interrompida por uma gripe. Nele, a garota propaganda Giovana

Antonelli passa pelo ambiente de trabalho, da família, até terminar num ambiente

branco ao lado do produto. “Eu sou como você, batalho e não paro por uma gripe.

Eu sou Coristina D, e você? Coristina D, cuida de você”.

Figura 70: Comercial Coristina D

Novamente aparece a temática da batalha do dia a dia e da importância do

esforço individual que não pode ser abatido por qualquer motivo, nem por uma gripe.

Por esse motivo se torna tão importante à narrativa de vida de cada indivíduo. Para

os batalhadores, o trabalho árduo e esforço individual são protagonistas na trajetória

que os levou pelo caminho da luta a uma “vida melhor”.

A questão da educação faz parte do sonho e do esforço em busca dessa

“vida melhor”. No capítulo “Uma breve discussão sobre o fenômeno da classe C”,

este trabalho trouxe alguns fatos relevantes sobre a questão da educação na classe

C. Na maioria das famílias, o chefe ou pessoa de referência no núcleo familiar

apenas concluiu o ensino médio. Porém os jovens tendem a frequentar mais a

escola que seus pais: “Enquanto na classe alta os filhos estudaram 20% a mais que

seus pais, na Classe C, essa média fica em 68%” (BRASIL, s/b).

Instituições de ensino passam então a falar diretamente com esse público em

seus anúncios, explorando o desejo da ascensão através da educação. O comercial

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das Faculdades Anhanguera, veiculado no SBT, traz Teresinha, Augusto e Kelly

como personagens, estudantes da Anhanguera, contam como Leandro se esforça

para estudar e como a Anhanguera oferece todas as ferramentas e facilidades para

que seu esforço tenha resultado, ou seja, para que ele possa concluir o curso com

tranquilidade e conseguir um emprego. O slogan ao final resume essa mensagem.

“Anhanguera. Aqui o seu esforço ganha força”.

“Mesmo trabalhando muito, Leandro nunca falta às aulas. Os professores são

muito bons, e ele diz que tem que aproveitar”.

Figura 71: Comercial Anhanguera

“Estudar não é fácil, mas Leandro sabe que vale a pena. E como as

mensalidades não pesam muito, fica mais tranquilo”.

Figura 72: Comercial Anhanguera

“E a Anhanguera até ajudou a conseguir um emprego novo”.

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Figura 73: Comercial Anhanguera

Um locutor entra em cena: “Agora é a vez do Leandro e a sua vez também.

Uma das maiores instituições de ensino do mundo dá a maior força pra você

estudar. Inscreva-se já. www.vestibulares.br. Anhanguera. Aqui o seu esforço ganha

força”.

Figura 74: Comercial Anhanguera

Outro exemplo importante é o comercial da Uninove, veiculado durante o

Fantástico. Ele traz como características principais a localização e mensalidades

que cabem no bolso, além da qualidade do ensino.

O comercial é composto do depoimento de diversos jovens. “Qualidade é ter

tradição de mais de meio século. E ser uma das maiores universidades de São

Paulo”.

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Figura 75: Comercial Uninove

“Qualidade é ter cursos dinâmicos e atualizados. Bibliotecas constantemente

renovadas e modernos laboratórios”.

Figura 76: Comercial Uninove

“Qualidade é ter um excelente conceito no MEC. Com mestrado e doutorado

recomendados pela Capes”.

Figura 77: Comercial Uninove

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“Qualidade é ter um campus sempre perto de você”.

Figura 78: Comercial Uninove

“Qualidade é ter um preço justo que cabe no meu bolso. É por isso que a

Uninove vai ser a sua universidade. É por isso que a Uninove é sempre dez”.

Figura 79: Comercial Uninove

O argumento da mensalidade que cabe no bolso, ou que não pesa no bolso, é

o mais importante para identificar o público a quem o comercial se destina. Para um

jovem de classe A não faz sentido dizer que a mensalidade tem preço justo ou que

cabe no seu bolso, afinal não é o próprio aluno que paga, e sim seus pais. Para

fazer o contraponto, é apresentado abaixo um anúncio da Anhembi-Morumbi. Ela

tem o comediante Marcelo Tas como garoto propaganda, ao contrário da Uninove e

Anhanguera, que mostram jovens comuns. Aparece no fim o argumento da

mensalidade – que seria paga pelos pais do aluno.

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“Mais uma vez a Anhebi-Morumbi está inovando e lança o vestibular Top 50.

Se você for aprovado, entra numa das universidades mais conceituadas do país. E

se estiver entre os cinquenta primeiros, ganha uma bolsa integral. É a Anhembi-

Morumbi valorizando o seu talento e convidando você a fazer diferença no mundo.

Prepare-se pra comemorar se passar. E se passar entre os cinquenta primeiros,

quem vai comemorar é o seu pai. Anhembi-Morumbi, uma universidade de fronteiras

e mentes abertas”.

Figura 80: Comercial Anhembi-Morumbi

Não existem dados neste trabalho que provam se quem paga o ensino

superior na classe C é o próprio jovem ou seus pais. Porem não há dúvidas que os

anúncios da Uninove e da Anhanguera trazem mais elementos que geram

identificação com jovens da classe C. Além da mensalidade que cabe no bolso, a

localização acessada através de transporte público aparece como elemento

principal. O trabalho concomitante ao estudo e o esforço de frequentar a faculdade,

porque estudar não é fácil, valem a pena pelo emprego novo que aparece logo

adiante. E a própria faculdade ajuda esse jovem a encontrar o caminho do emprego

novo. A mensagem da porta de entrada para uma vida melhor é sem dúvida parece

ser mais relevante para jovens batalhadores de classe C muito mais do que “estar

entre os cinquenta primeiros”.

Os comerciais descritos e analisados neste capítulo foram apenas alguns

exemplos, os mais relevantes e característicos, dentre muitos anúncios nos

intervalos da programação escolhida que pareciam ser direcionados para classe C.

Eles provam como as empresas anunciantes, junto com as agências de publicidade,

estudam esse público e procuram entender seus valores, seus sonhos, suas

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preferências estéticas. Ao associá-los a seus produtos, buscam a atenção da classe

C que ganha importância como mercado consumidor. A finalidade é a influência na

escolha do consumidor quando for comprar produtos de limpeza ou se matricular um

curso superior, e essa tentativa é feita ao imprimir dentre os atributos identitários da

marca aqueles com os quais o público se identifica.

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CONCLUSÃO

Após 1994, o Plano Real trouxe a estabilização da inflação e um ciclo virtuoso

para a economia como um todo, que voltou a crescer. O crescimento da renda

média, no início dos anos 2000, veio do aumento do emprego, do salário mínimo e

dos programas governamentais de repasse de renda. Isso fez com que milhões de

brasileiros tivessem renda disponível e ganhassem importância no mercado

consumidor. As manchetes sobre a classe C começaram a se espalhar por jornais e

revistas, destacando características desse grupo: têm orgulho de sua origem e não

querem copiar as classes A e B, gostam de marcas líderes e tem cartão de crédito,

jovens buscam educação por um futuro melhor.

Institutos de pesquisa especializados prosperaram ajudando as empresas e o

governo a entender esse grupo. O Governo Federal cria a “Comissão para Definição

da Classe Média no Brasil”, subordinada à Secretaria de Assuntos Estratégicos,

deixando evidente a importância dada pelo governo a esse tema. Essa comissão

publicou quatro edições do caderno Vozes da Classe Média, aprofundando-se no

perfil socioeconômico, demográfico e comportamental desse grupo.

Tal fenômeno mudou a dinâmica não só do mercado consumidor, que se

expandiu, como também da indústria cultural e da televisão. A audiência popular

passou a ser muito mais significante do ponto de vista econômico e cresceu o

número de empresas anunciantes dispostas a veicular seus comerciais para esse

público. As empresas e agências de publicidade passaram a estudar suas

preferências, entendê-las, dissecá-las.

Ao tratar de temas de seu interesse, organizar o enredo dos comerciais

segundo sua lógica de pensamento, falar sua língua, usar suas palavras, suas

preferências de cores e gosto musical, os anunciantes produzem anúncios mais

adequados às necessidades e motivações da classe C que emerge do universo

popular.

Ficou claro que os anunciantes se apropriam do gosto popular, de suas

matrizes culturais e questões identitárias, em busca de se aproximar desse público e

fazer com que seus produtos se tornem desejados e, em última instância, sejam

comprados por ele. Elementos semelhantes encontrados em diversos comerciais

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mostram que as empresas e agências de publicidade fizeram seu dever de casa e

estudaram sua nova audiência.

Desde o uso da música sertaneja, das cores primárias, da festa, traduzida em

programa de auditório, da comicidade popular, até a seleção do elenco, do seu

sotaque, do figurino, da locação, dos objetos cenográficos, da pós-produção e a

escolha das imperfeições a serem editadas, tudo é deliberadamente e

detalhadamente produzido para gerar identificação com a classe C. Outros assuntos

de relevância identitária também aparecem, como a questão da autoestima,

relacionada à brancura, as estratégias de “viração” financeira do dia a dia e a

construção da narrativa de vida na busca por um futuro melhor.

Ao contrário dos comerciais mais cultos, onde muitas vezes sequer existem

palavras, apenas uma sequência de imagens e sons, a forma narrativa está

presente de maneira geral nos comerciais para a classe C. A presença de elementos

como o drama pessoal, o herói e o clímax da história, aproxima-os do relato popular.

São também usados como artifícios a fim de facilitar a compreensão da mensagem:

a repetição, característica da tradição oral, bem como a utilização do testemunho

pessoal que remete ao gênero autoajuda.

Marcas líderes e grandes empresas já não hesitam em veicular seus

comerciais no intervalo de programas como Ratinho. Anunciam inclusive as versões

mais elaboradas e mais caras de seus produtos, como sabonete antibacteriano,

creme dental para dentes sensíveis e sabão líquido, pagando o altíssimo custo pelo

espaço de 30 segundos cobrado pelo SBT, muitas vezes, mais caro que em

programas da Rede Globo.

Até a década de 1990, o domínio da Rede Globo sobre a televisão e a

primazia da televisão sobre os demais meios fez com que o “padrão Globo de

qualidade” fosse sinônimo da indústria cultural brasileira. Após a década de 1990, a

emissora passou por mudanças para se adequar ao gosto da nova audiência que

ganhava poder econômico, contratando quem antes roubava sua audiência em

outras emissoras e fazendo modificações em sua programação ao inserir novos

programas humorísticos e de auditório. Também moveu a centralidade das novelas

das zonas ricas para a periferia, colocando atrizes e atores de primeiro escalão em

papéis antes considerados secundários como garçonetes ou empregadas

domésticas. Algumas mudanças foram reconhecidamente de sucesso, como a

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novela Amor à Vida, outras um tanto quanto caricaturais como a novela Cheias de

Charme. Entretanto, apesar dos seus esforços, a Globo mantém sua audiência

através das classes A e B e não se aproxima do SBT em preferência das classes

CDE.

Também devido ao tamanho de sua audiência, composta por todas as

classes, os anunciantes veem a Globo como meio para divulgação de seus produtos

de forma mais abrangente, ou seja, não focalizada no público popular. Talvez isso

explique o fato de que dos 18 comerciais escolhidos e analisados por apresentarem

características do gosto popular, apenas três foram extraídos da Rede Globo: Extra

e Claro, veiculados durante a novela Amor à Vida, e Uninove, veiculado durante o

Fantástico. Todos os demais comerciais foram veiculados no SBT.

De fato, a discussão sobre o gosto popular, presente na propaganda, ganha

força na medida em que se entende o tamanho do grupo que ganha importância no

mundo do consumo. A chamada classe C é hoje mais da metade da população do

Brasil. Ela ascendeu nas últimas décadas das classes D e E com o aumento da

renda, trazendo consigo o gosto popular, as matrizes culturais populares e suas

práticas culturais traduzidas em consumo. Consumo este que, sem dúvida,

contribuiu para a melhora na qualidade de vida do grupo.

O aumento da renda disponível possibilitou o acesso à internet, permitiu a

compra de planos de saúde, acesso à universidade privada, além, é claro, de

eletrodomésticos novos. Seja ele chamado de nova classe trabalhadora,

batalhadores, classe C ou classe média, o fato é que esse grupo passou a ter

acesso ao consumo e a ver na propaganda mensagens que compreendem melhor,

signos com os quais se identifica, bem como seu gosto e suas preferências

associados às marcas líderes de mercado.

Entretanto, a crítica precisa ser colocada. O aumento da renda vem do

trabalho e esforço individual, em busca da construção de uma narrativa de vida com

futuro melhor. Parte da população das classes CDE ainda não tem acesso às redes

de água e esgoto, ou à coleta de lixo. Ainda faltam detalhes importantes nesse

retrato. Um retrato do povo que mora longe, em Parelheiros, por exemplo, que passa

uma hora na fila para pegar o trem na marginal, que frequentou escola pública até a

quarta série, mas “o filho vai sê dotô”. É o porteiro, marido da faxineira, cunhado da

vendedora Avon, que é esposa do pedreiro, que faz churrasco na laje no fim de

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semana, de calça jeans justa e top cor-de-rosa, escutando McDaleste no telefone

novo.

“A Televisão de 42 polegadas na parede sem reboco da sala reflete a jarra

em forma de abacaxi em cima da mesa com toalha florida. Tevê ligada no Domingo

Legal, onde um novo cantor sertanejo se apresenta. Sabão em pó da melhor

qualidade lava a roupa na máquina nova. E ‘vamo comemorá’ que agora tem Amil,

não precisa ir mais no posto de Guarapiranga. Coca-Cola na mesa porque é

domingo, a moto na garagem é só 150 a parcela. A fatura do cartão do Magazine

Luiza vence amanhã, mas dá para pagar só o mínimo. Vai dar tudo certo. ‘Vamo que

vamo que dá!’”.

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BIBLIOGRAFIA

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