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Universidade Estadual de Maringá 02 a 04 de Dezembro de 2015 1 POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO PARA O ENSINO BÁSICO NOS ANOS DE 1990: A REDEFINIÇÃO DE VALORES LUIZ, Jessica Martins Marques CARVALHO, Elma Júlia Gonçalves de 1. Introdução Este texto apresenta os resultados parciais da pesquisa de mestrado desenvolvida no Programa de Pós Graduação em Educação (PPE) da Universidade Estadual de Maringá (UEM), na linha de Políticas e Gestão em Educação (POL). O nosso interesse pelo tema surgiu após percebermos que na década de 1990 os valores presentes nos documentos apresentavam mudanças, quando comparados aos que eram discutidos até o momento. E também, devido à participação no projeto “Formação do Professor de Educação Física: introdução aos aspectos teóricos e filosóficos”, onde estudamos a gênese e função social dos valores e como estes são influenciados pelas atuais relações sociais. Nos estudos realizados constatamos que a década de 1990 foi marcada por transformações no papel do Estado, consequentemente houve reformas no campo político e educacional marcadas pela formulação de documentos que expressavam a nova reorganização político-social desenvolvida pelo neoliberalismo. Em meio às reformulações dos documentos de políticas públicas educacionais para a educação básica 1 , observa-se uma reorientação dos valores, de um viés econômico para um viés humanístico (SHIROMA; CAMPOS; GARCIA, 2005). De acordo com Shiroma, Campos e Garcia (2005) dentre os valores voltados ao viés econômico, pode-se citar: qualidade, competitividade, eficiência, dentre outro, como expresso, no documento “Plano decenal de Educação para todos” (1993-2003): 1 A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), nº 9.394/96 define que educação básica é composta pela educação infantil, ensino fundamental e ensino médio.

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Universidade Estadual de Maringá 02 a 04 de Dezembro de 2015

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POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO PARA O ENSINO BÁSICO NOS ANOS DE 1990: A REDEFINIÇÃO DE VALORES

LUIZ, Jessica Martins Marques

CARVALHO, Elma Júlia Gonçalves de

1. Introdução

Este texto apresenta os resultados parciais da pesquisa de mestrado desenvolvida

no Programa de Pós Graduação em Educação (PPE) da Universidade Estadual de

Maringá (UEM), na linha de Políticas e Gestão em Educação (POL).

O nosso interesse pelo tema surgiu após percebermos que na década de 1990 os

valores presentes nos documentos apresentavam mudanças, quando comparados aos que

eram discutidos até o momento. E também, devido à participação no projeto “Formação

do Professor de Educação Física: introdução aos aspectos teóricos e filosóficos”, onde

estudamos a gênese e função social dos valores e como estes são influenciados pelas

atuais relações sociais.

Nos estudos realizados constatamos que a década de 1990 foi marcada por

transformações no papel do Estado, consequentemente houve reformas no campo

político e educacional marcadas pela formulação de documentos que expressavam a

nova reorganização político-social desenvolvida pelo neoliberalismo. Em meio às

reformulações dos documentos de políticas públicas educacionais para a educação

básica1, observa-se uma reorientação dos valores, de um viés econômico para um viés

humanístico (SHIROMA; CAMPOS; GARCIA, 2005).

De acordo com Shiroma, Campos e Garcia (2005) dentre os valores voltados ao

viés econômico, pode-se citar: qualidade, competitividade, eficiência, dentre outro,

como expresso, no documento “Plano decenal de Educação para todos” (1993-2003):

1 A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), nº 9.394/96 define que educação básica é composta pela educação infantil, ensino fundamental e ensino médio.

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“[...] faz-se necessário ampliar a disponibilidade e a qualidade das informações sobre o desenvolvimento dos sistemas educativos, permitindo melhor monitoramento e avaliação de sua distribuição social e espacial. qualidade e eficiência.” (BRASIL, 1993, p. 49, grifo nosso).

No que se refere ao viés humanístico, os valores encontrados são: justiça,

equidade, coesão social, inclusão, oportunidade, segurança, dentre outros. Como

apresentado no item de objetivos e metas para a educação superior do Plano Nacional de

Educação, “32. Estimular a inclusão de representantes da sociedade civil organizada

nos Conselhos Universitários.” (BRASIL, 2000, p. 46, grifo nosso). No mesmo

documento, no item de objetivos e metas do financiamento e gestão, encontra-se: “14.

Promover a eqüidade entre os alunos dos sistemas de ensino e das escolas pertencentes

a um mesmo sistema de ensino” (Idem, p. 95, grifo nosso).

Tais mudanças, no campo das políticas públicas educacionais também são

observadas no campo político-econômico, ambos, influenciados por agências

internacionais, (CURY, 2004; NEVES, 2010). Essas agências tinham por fim último o

que Shiroma, Campos e Garcia (2005, p. 428), denominam de: a “homogeneização das

políticas educacionais em nível mundial”.

A homogeneização como finalidade, pode ser constatada nos anos de 1990,

quando a política neoliberal começou a ser implementada em diversos países, incluindo

o Brasil provocando reformas no Estado e nas políticas públicas educacionais. Em

meados dessa década o neoliberalismo muda de estratégia política e passa a adotar as

orientações da Terceira Via, passando a influenciar as reformas até o momento atual.

De acordo com Andery e colaboradores (1996), as mudanças ocorridas no

Estado, ao longo da história, refletem na educação, na política, na ideologia e também

nos valores. Como exemplo tem-se o fim do processo de transição do feudalismo para o

capitalismo, onde a classe dominante que emergia do comércio e da produção buscava

efetivar seus interesses por meio da afirmação de seus valores. Pois, “era interessante

para a burguesia uma renovação de valores, de forma que estes representassem melhor

seus interesses que os até então vigentes [...]” (ANDERY, et al, p. 176, 1996).

Portanto, em regra, a reformulação do Estado se dá quando o modelo vigente já

não supre as novas necessidades econômicas e sociais. De acordo com Neves e

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colaboradores (2010) e Perry Anderson (s/d) foi devido às derrotas do comunismo e à

crise estrutural do capital, após a II Guerra Mundial, que em 1970 o neoliberalismo

emergiu na Europa e na América do Norte com Friedrich Hayek que formulou e

sistematizou o neoliberalismo, com destaque para sua obra “O Caminho da Servidão”

publicada em 1944.

Aos poucos esta política ganhou espaço no cenário mundial, provocando

profundas transformações no Estado, cabendo a ele: [...] a definição de políticas públicas por meio do ajuste fiscal; descarta seu papel protecionista com a liberalização comercial; se conscientiza que é necessário a privatização das empresas estatais ao passo que estas acirram a crise fiscal e dificultam a capacidade de o Estado promover a poupança; destina os serviços ao setor privado em nome da maior eficiência; estabelecimento de uma parceria entre Estado e sociedade para que provessem os serviços não-exclusivos do Estado, como a educação, a saúde, a habitação. (MORGADO; LARA, 2009, p. 10866).

As mudanças no papel do Estado provocadas pela teoria neoliberal passaram a

interferir nas relações sociais e a classe trabalhadora, foi amplamente prejudicada. Pois,

As políticas e medidas de ajustes neoliberais, do final do século XX, acarretaram ao Brasil os mais perversos índices de desigualdade social, perda de conquistas significativas para a classe trabalhadora e desestruturação do mercado de trabalho com as políticas macroeconômicas, o que colocou o país em uma situação vulnerável frente às crises mundiais. (ALMEIDA; LARA, 2005, p. 110).

Com isso, além de provocar altos índices de desigualdade social, as medidas

políticas não conseguiram responder a nova crise do capital. Onde as políticas

Keynesianistas2 adotadas a partir do pós Segunda Guerra Mundial seguido pelo

neoliberalismo ortodoxo, não conseguiram assegurar ao capital condições para

continuar se reproduzindo. Ou seja,

2 O Keynesianismo surge no começo do século XX, com o inglês John Maynard Keynes. É uma teoria econômica que se coloca em oposição ao liberalismo, propondo a intervenção estatal na vida econômica tendo por objetivo ultimo conduzir para um regime de pleno emprego.

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No plano econômico, as políticas Keynesianista demonstravam-se incapazes de recuperar o ritmo de crescimento da economia do capitalista mundial e manter o controle sobre o processo acelerado de financeirização da economia, depois das medidas de elevação da taxa de juros e da liberalização dos fluxos de capitais, tomada pelos Estados Unidos com o apoio da Inglaterra. (MARTINS, 2007, p. 45).

Diante da crise, a direita não conseguiu atender às novas necessidades do capital.

A política de esquerda também não foi capaz de reunir um grande contingente das

camadas populares. A esse respeito Martins comenta: No plano político, as organizações de esquerda mostravam-se incapazes de oferecer saídas que aglutinassem uma parcela significativa da sociedade. A demonstração mais sensível dessa incapacidade foram as eleições que permitiram, através do voto popular, o crescimento das forças políticas mais conservadoras e identificadas organicamente com o capital financeiro, em vários países do centro do capitalismo, ao longo dos anos de 1980. (Idem, p. 46).

Em função dos efeitos negativos das políticas Keynesianas e do neoliberalismo o

programa político da Terceira Via, também denominado de social-liberalismo se

diferencia tanto da política de esquerda como a de direita e se coloca como uma saída de

sucesso para os impasses políticos e econômicos. Em última instância esse programa

tem por fim último a reorganização da hegemonia burguesa, bem como preservar o

sistema capitalista de produção.

Neste novo programa político, dentre as reformas necessárias, a mais expressiva

é no papel do Estado, sendo indispensável ao capitalismo global, onde [...] deve responder com maior rapidez e eficiência às constantes mutações do mercado global e às demandas sociais, exercer um papel mais decisivo na reestruturação produtiva e diversificar as fontes de financiamento. Vê-se na reforma a possibilidade de se flexibilizar a ação estatal e de se liberar a economia, conduzindo-a a um novo ciclo de crescimento econômico e, ao mesmo tempo, proporcionar ao Estado maior governabilidade.[...] (CARVALHO, 2009, p. 1145).

O idealizador da Terceira Via, Anthony Giddens acredita que, para suprimir os

conflitos e eliminar a oposição ao neoliberalismo, era preciso se estabelecer diretrizes

para a modernização do capital, onde se consideraria a valorização dos indivíduos, a

preservação do meio ambiente e também a mobilização cívica. Segundo Martins (2007,

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p.65), essa nova roupagem do neoliberalismo, possui “[...] um vigoroso programa

político que visa, sobretudo, ordenar a construção de um compromisso social amplo que

viabilize a realização dos desejos históricos da burguesia mundial [...]”, a partir da

formação de uma nova subjetividade coletiva.

Esses conceitos e finalidades abordados pela Terceira Via influenciam de

maneira significativa os valores expressos nos documentos da época. Certamente os

valores vão em direção aquilo que o novo projeto político propõe, abordando valores de

caráter mais humanísticos, na tentativa de tornar os antagonismos em apenas diferenças,

como se estes fossem específicos de alguns grupos de indivíduos e não frutos das

relações sociais estabelecidas.

As reformulações da política neoliberal no papel do Estado passam a ser

verificadas nas políticas públicas educacionais. Segundo Campos e Shiroma (1999) as

reformas educacionais explicitavam que a função da instituição escolar estava voltada, [...] 1) a necessidade de a educação desenvolver hábitos, atitudes e comportamentos nos indivíduos, adequados aos novos tempos, cumprindo, portanto, sua função de criar disposições subjetivas, adaptativas e 2) a idéia de que a educação escolar deve ser uma educação para a vida, ligando-se de forma estreita às necessidades do mercado de trabalho e aos processos de modernização industrial. (CAMPOS; SHIROMA, 1999, p. 486-487).

Dentre as transformações propostas encontra-se a necessidade de “(re) significar

os conteúdos curriculares como meios para constituição de competências e valores, e

não como objetivos do ensino em si mesmos” (BRASIL, 1998, p. 28), ou seja, o

objetivo da educação está voltado para a construção de um novo homem, que atenda aos

novos moldes da sociedade.

Sobre a formação humana a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

(LDB), nº 9.394/96, assegura que, “Art. 22. A educação básica tem por finalidades

desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o

exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos

posteriores.” (BRASIL, 1996, p. 20). E o capítulo III, Artigo 3.2, Seção III expressa que

a formação do cidadão será mediante “o desenvolvimento da capacidade de

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aprendizagem, tendo em vista a aquisição de conhecimentos e habilidades e a formação

de atitudes e valores;” (BRASIL, 1996, p. 27).

Diante deste cenário, caracterizado por mudanças significativas, verifica-se que

no fim do século XX e início do século XXI, aconteceram mudanças não apenas no

papel do Estado, mas consequentemente, nos valores que constam nas políticas públicas

nacionais da educação básica. Surgem alguns questionamentos: Qual a finalidade das

mudanças de valores presentes nos documentos que norteavam as políticas públicas

educacionais nacionais para a educação básica na década de 1990? Por que houve uma

redefinição do viés econômico para uma face mais humanitária dos valores que constam

nos documentos de políticas públicas da época? Qual a ideologia que sustentou a

reforma desses valores? Qual o legado da ressignificação dos valores para as políticas

públicas da educação básica nacional?

2. Justificativas

Para Frigotto e Ciavatta (2003), Deitos e Lara (2012), a interferência das

organizações internacionais na política brasileira implicou na reforma do Estado.

Embasados no Relatório de Desenvolvimento Mundial do Banco Mundial publicado em

2000, Shiroma, Campos e Garcia (2005), afirmam que, houve uma transformação nos

discursos de instituições nacionais e internacionais sobre a política educacional. Pois, No início dos anos de 1990, predominaram os argumentos em prol da qualidade, competitividade, eficiência, e eficácia; ao final da década percebe-se uma guinada do viés explicitamente economicista para uma face mais humanitária na politica educacional, sugerida pela crescente ênfase nos conceitos de justiça, equidade, coesão social, inclusão, empowerment, oportunidade e segurança. (SHIROMA; CAMPOS; GARCIA, 2005, p. 02).

Há, portanto, uma redefinição dos valores presentes nos documentos de políticas

públicas educacionais nacionais dos anos finais do século XX para os documentos

formulados nos anos iniciais do século XXI. Consideramos que, não apenas a

redefinição deva ser compreendida, mas também as finalidades de tais reformas e quais

as implicações que trazem para a educação.

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A relevância social de nossa pesquisa verifica-se na importância de compreender

as transformações ocorridas nas políticas públicas educacionais, pois o contexto social

interfere diretamente nos objetivos, princípios e valores presentes em tais documentos.

Em nossa análise importa considerar que, a sociedade encontra-se dividida

socialmente entre os possuidores de propriedade privada dos meios de produção

(burgueses) e aqueles que possuem apenas sua força de trabalho (trabalhadores). Essa

diferença implica em um antagonismo de interesses entre a burguesia e os trabalhadores

que gera luta de classes e, ao mesmo tempo, transforma o Estado em uma arena de

confrontação na defesa de interesses distintos. Esse aspecto, interfere diretamente na

formulação e implementação das políticas públicas, por isso, a importância de saber,

quem produz os documentos e a quem são dirigidos.

No desenvolvimento de nossa pesquisa buscaremos desvelar os interesses em

atribuir novos significados aos valores e quais são as consequências dessa proposta para

o campo educacional e social. Portanto, em nossa investigação buscaremos apoiar

nossas análises na teoria materialista histórica para compreender as relações

estabelecidas entre valores, ideologia e interesses presentes nos documentos de políticas

públicas.

Compreender o processo de transformações do Estado, bem como das políticas

públicas para a educação brasileira, buscando esclarecer o discurso fundador que nem

sempre está explicito, pode contribuir, para desvelar os verdadeiros interesses daqueles

que constroem tais documentos educacionais e encontrar na realidade concreta as

consequências da implementação desta política de cunho neoliberal.

3. Objetivos

3.1 Objetivo Geral:

Compreender as mudanças dos valores presentes nos documentos de políticas

públicas educacionais nacionais para a educação básica ocorridas no contexto da década

de 1990.

3.2 Objetivos Específicos:

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Verificar o contexto social, político e econômico do início e fim da década

de 1990 no qual se deu a formulação dos documentos de políticas públicas

educacionais nacionais da época, bem como os valores instituídos nos

mesmos.

Identificar a finalidade da redefinição dos valores instituídos nos documentos

de políticas públicas educacionais nacionais.

Verificar o significado da redefinição dos valores para as políticas públicas

educacionais nacionais.

4. Breve revisão da literatura e fundamentação teórica

Evangelista (2008, p. 8), define que “documentos derivam de determinações

históricas que devem ser apreendidas no movimento da pesquisa, posto que não estão

imediatamente dadas na documentação”. Portanto, se faz necessário compreender o

contexto e o papel do Estado na época em que o documento foi elaborado (SHIROMA;

CAMPOS; GARCIA, 2005).

No que se refere à concepção de Estado, Karl Marx (1818 - 1883) e Friedrich

Engels (1820 - 1895) consideram que o Estado se origina na propriedade privada dos

meios de produção e em útima instância desempenha o papel de preservá-la. No

capitalismo o Estado, que possui função mediadora, faz com que a sociedade civil e

política relacionem-se mutuamente, buscando um consenso entre as ações coletivas, a

partir do qual a classe social dominante busca impor sua hegemonia e visão de mundo

sob a classe dominada (MENDONÇA, 2012).

Para manter tal função de mediador, historicamente o Estado passa por

readequações e reformulações e essas transformações também se dão tanto nas políticas

educacionais como nos documentos que orientam a educação pública na tentativa de por

em prática as novas orientações.

Essas transformações se dão em nível mundial. Segundo Shiroma, Campos e

Garcia (2005), as reformas educacionais ocorridas nos Estados Unidos e Inglaterra,

alavancaram as reformas em outros países, dentre eles o Brasil.

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Nessa empreitada, tiveram marcada influência os organismos multilaterais como o Banco Mundial (BM), Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), Organização para Cooperação e Desenvolvimento (PNUD), entre outros, que por meio de seus documentos não apenas prescreviam as orientações a serem adotadas, mas também produziam o discurso “justificador” das reformas [...]. (SHIROMA; CAMPO; GARCIA, 2005, p. 430).

Observa-se que dentre os estudiosos da área, é consenso que a reforma do

Estado brasileiro, ocorrida do início para o fim da década de 1990, interferiu

amplamente nas políticas públicas nacionais da educação básica. Neves (2004, p.1)

aponta que: Os anos de 1990 do século XX e os anos iniciais deste século no Brasil vêm sendo palco de um conjunto de reformas na educação escolar que buscam adaptar a escola aos objetivos econômicos e político-ideológicos do projeto da burguesia mundial para a periferia do capitalismo nesta nova etapa do capitalismo monopolista.

Porém, há uma escassez de estudos que analisam e discutem a finalidade e como

aconteceu tal redefinição e quais as implicações que tais transformações causaram no

campo das políticas públicas nacionais para a educação básica.

5. Descrição e fundamentação da metodologia a ser usada

No presente estudo serão analisadas as mudanças ocorridas nos valores presentes

nos documentos nacionais e internacionais de políticas públicas da educação básica.

Tomaremos por referencial teórico a perspectiva materialista-histórica

desenvolvida por Karl Marx (1818 - 1883) e Friedrich Engels (1820 - 1895). Para Marx

a teoria é a reprodução fiel do objeto de estudo realizada pelo pesquisador, portanto,

quanto mais correto for a sua análise, mais verdadeira será sua representação.

Nesses termos, o ideal - de ideação, pensamento e reflexo - é a representação do

material feita pelo pesquisador. Deve-se ainda, considerar o objeto “[...] tal como ele é

em si mesmo, na sua existência real e efetiva, independente dos desejos, das aspirações e

das representações do pesquisador.” (NETTO, 2011, p.20, grifo do autor). Sendo assim,

a existência do objeto é independente da ideação do pesquisador, com isso, buscaremos

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a essência, a estrutura e a dinâmica do mesmo. Entretanto, isso não significa

neutralidade, pois o temos uma posição teórica e mesmo que não queiramos ou não

tenhamos consciência disso, seguimos pressupostos metodológicos, pois a escolha do

caminho percorrido durante a pesquisa já é uma perspectiva metodológica (NETTO,

2011). Em nosso caso, a perspectiva adotada é a materialista-histórica.

Para melhor compreender nosso objeto de estudo é indispensável o

entendimento de abstração que “é a capacidade intelectiva que permite extrair de sua

contextualidade determinada (de uma totalidade) um elemento, isolá-lo, examiná-lo; é

um procedimento intelectual sem o qual a análise é inviável” (Netto, p. 44, 2011). Ou

seja, escolhemos, dentre uma totalidade, um objeto de estudo, em particular, os valores,

para analisá-los e obter assim, o conhecimento teórico concreto que constitui a realidade

e é por meio do “caminho inverso” que se tornará possível a reprodução fiel. Assim,

para entendermos a totalidade precisamos ir ao conhecimento das partes, para depois

fazer o caminho oposto, das partes para a totalidade.

Na perspectiva teórica Materialista-Histórica tem-se por objetivo, conhecer as

categorias3 que compõe a sociedade burguesa, sendo essas, próprias de tal relação

social, ou seja, elas não são eternas, pois acompanham a forma de organização da

produção, considerando sua historicidade e seu caráter transitório (Netto, 2011).

Portanto, se faz necessária a compreensão das relações de trabalho na sociedade

do capital. No estudo de Lukács (s/d), sobre o trabalho, verifica-se que este é o ato

fundante do ser social, é ele que proporciona um salto qualitativo, onde o homem passa

a ser regido, não apenas, por leis biológicas, mas predominantemente por leis sócio-

históricas.

Com isso, as demais categorias, possuem autonomia relativa e dependência

ontologia com a categoria trabalho, ou seja, nenhuma categoria pode ser adequadamente

compreendida de forma isolada, apesar de terem especificidades estão estreitamente

relacionadas á organicidade do trabalho.

Nas palavras de Tonet (2013), para o pesquisador que se põe no campo marxista,

a abordagem da problemática do conhecimento, que se pretende desvendar, deve ser 3 Para Marx as categorias “exprimem [...] formas de modo de ser, determinações de existência, frequentemente aspectos isolados de [uma] sociedade determinada” (Marx apud Netto, 2011). Ou seja, são categorias ontológicas, reais e objetivas.

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realizada do ponto de vista ontológico4. É preciso, ainda, ter clareza do que é o ser

social e as relações no qual este está inserido. Em última instância, tais relações sociais

expressam a forma como o trabalho se estrutura em cada sociabilidade.

Tendo em vista todos esses elementos da perspectiva materialista-histórica,

buscaremos nesta pesquisa, analisar os valores expressos nos documentos de políticas

educacionais, considerando-os em sua totalidade, que está diretamente relacionada às

relações de produção e reprodução do capital.

Pretendemos também conhecer o contexto e o processo histórico no qual os

documentos foram constituídos para, assim, entender quais as intenções daqueles que

elaboraram os documentos. Em nossa discussão, buscaremos analisar os valores, para

além de sua aparência, deixando em evidência as implicações que as mudanças,

ocorridas nos valores presentes nos documentos dos anos de 1990 trouxeram para a

educação pública.

REFERÊNCIAS ALMEIDA, S. V.; LARA, A. M. B. A educação infantil na década de 1990: algumas reflexões em tempos de ajustes neoliberais. Revista HISTEDBR On-line, Campinas, n. 17, p. 106 - 117, mar. 2005. Disponível em: <http://www.histedbr.fe.unicamp.br/revista/revis/revis17/art10_17.pdf>. Acesso em: 30 jul. 2014. ANDERY, M. A.; et al. Para compreender a ciência: uma perspectiva histórica. 6. ed. revisada e ampliada, Rio de Janeiro: Espaço e Tempo: São Paulo: EDUC, 1996. BRASIL. Ministério da Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Distrito Federal, 1998. Disponível: <http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/1998/pceb015_98.pdf>. Acesso em: 28 de Ago. de 2014. ______. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. 5° ed.1996. Disponível em: <http://bd.camara.gov.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/2762/ldb_5ed.pdf>. Acesso em: 31 de Jul. 2014. 4 Tonet (2013, p. 12), explica que: “Por sua vez, a ontologia é o estudo do ser, isto é, a apreensão das determinações mais gerais e essenciais daquilo que existe. A ontologia poder ter um caráter geral, quando diz respeito a uma esfera determinada do ser, como, por exemplo, o ser natural ou ser social.”.

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