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POLÍTICA NACIONAL DE ATENÇÃO INTEGRAL À SAÚDE DO HOMEM
(PNAISH): UMA ANÁLISE A PARTIR DA TRANSVERSALIZAÇÃO DE GÊNERO
Jamile Peixoto Pereira/UFRGS
Carin Klein/ULBRA
Este artigo se desdobra de uma investigação de mestrado e da articulação com um
projeto de pesquisa mais amplo que busca problematizar as interfaces entre gênero e políticas
públicas, no Brasil, na perspectiva dos Estudos de Gênero e Culturais pós-estruturalistas. As
análises levam em conta a proposta estratégico-política da transversalização de gênero,
assumida pelo governo brasileiro, e examina os documentos da Política Nacional de Atenção
Integral à Saúde do Homem (PNAISH),1 destinados a instituir a política, bem comoorientar a
formação dos/as profissionais de saúde que atuam no Sistema Único de Saúde (SUS).2
De modo mais específico, o foco desse trabalho consiste em compreendermos como a
transversalização de gênero é pautada nos textos programáticos da PNAISH, a partir de um
contexto em que as palavras integralidade e equidade são reiteradamente acionadas ao
instituir as propostas educativas e de cuidado, voltadas à saúde dos homens. A PNAISH visa
concretizar a parceria com a Atenção Básica em Saúde, estimulando os/as seus/suas
usuários/as a reformular e investir sobre aspectos importantes de suas vidas.
Cabe salientar que partimos de um entendimento onde os usos dos termos
integralidade e equidade tratam de expressar e/ou comunicar sentidos específicos que passam
a assumir valor ao serem nomeados, legitimados e aproximados de outros termos, na buscapor
ampliação da “igualdade de gênero” no âmbito da saúde. Podemos pensar quea equidade pode
estar sendo acionada na política para falar da necessidade em responsabilizar os homens pelo
seu próprio cuidado, assim como pela responsabilização no cuidado com os/as seus/suas
filhos/as, tarefas antes definidas e delegadas fundamentalmente às mulheres.
1Recente no cenário político brasileiro, a política propõe o cuidado integral dos homens entre 20 a 59 anos. A
institucionalização formal da política no âmbito do SUS foi conferida pela Portaria nº 1.944, de 27 de agosto de
2009. 2O Sistema Único de Saúde (SUS) nasceu na efervescência do movimento da reforma sanitária e foi instituído
pela Lei nº 8.080/1990, que “dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a
organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências” (BRASIL, 1990).
2
Outro exemplo diz respeito aos usos dos termos integralidade e equidade, ao
desdobrarem-se na formulação e organização de atividades, na descrição de orientações
específicas, na criação dos espaços institucionais, no planejamento e na execução de temas e
vivências com os/as usuários/as, propondo, assim, a responsabilização de indivíduos em
assumir uma determinada forma de viver e gerir suas vidas, ou seja, a partir de sentidos
veiculados por meio de políticas governamentais, como a PNAISH.
Assim, a partir de um mapeamento dos documentos da PNAISH acerca dos termos
integralidade e equidade buscamos discutir os sentidos e as relações que podem pôr em
circulação. Para isso, lançamos o nosso olhar sobre os seguintes documentos: Política
Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem: princípios e diretrizes (BRASIL, 2009), o
Perfil da Situação de Saúde do Homem no Brasil, produzido pela Fundação Oswaldo Cruz
(MOURA, 2012) e o folder “Pai - Uma Nova Vida Precisa de Você” (BRASIL, 2013).
Tomamos os documentos que compõem a PNAISH como material empírico para
análise, por entendê-los como artefatos culturais, uma vez que veiculam ensinamentos
produzidos em um determinado tempo e lugar. Os materiais da política são instrumentos de
trabalho dentro do SUS e, por meio da linguagem, tornam-se potentes na direção de nomear,
orientar e tornar dizível, orientando como devem ser os/as usuários/as e os/as profissionais da
saúde, por meio de sistemas de representação que delimitam lugares dos quais a política pode
posicionar e fazer falar.
Peter Spink (2013) enfatiza que a linguagem de uma política pública é repleta de
alternativas, direcionamentos, articulações políticas e negociações que afetam a vida dos
sujeitos. Nessa direção, o que precisa ser problematizado são as linguagens das instituições,
das políticas, das leis, dos conhecimentos, das campanhas, assim como de outros artefatos da
cultura, que sustentam determinados regimes de verdades. Nessa direção, Dagmar Meyer
(2012) aponta que aquilo que é dito, pensado e compartilhado, através da linguagem, em um
determinado tempo histórico, está delimitado pela cultura. É a partir da centralidade que
conferimos à linguagem e à cultura que examinamos os materiais da PNAISH, a fim de
ampliarmos a compreensão sobre como a transversalidade de gênero, por meio das
representações que vão sendo constantemente significadas, pautam a política.
3
O Brasil, historicamente marcado por problemas estruturais e de violação dos direitos
humanos, tornou-se um país signatário da Plataforma de Ação, formulada em 1995, na IV
Conferência Internacional da Mulher, em Beijing, na China, onde se estabeleceu a urgência
em transversalizar o enfoque de gênero nas políticas públicas, com o propósito de “definir a
equidade de gênero como uma dimensão de relevância para toda a sociedade – e não apenas
de interesse para as mulheres – afirmando-se ser da responsabilidade dos governos [...] a
construção dessa sociedade mais justa” (SARDENBERG, 2010, p. 37).
O exame que nos propomos a realizar nesse artigo adota o conceito de
transversalização de gênero em políticas públicas, de acordo com o que Lourdes Bandeira
(2005) e Maria Luiza Heilborn (2011) discutem, quando propõem a elaboração de uma matriz
que permita incluir as discussões de gênero na própria definição das políticas públicas, no
sentido de produzir a responsabilização e o comprometimento dos serviços e agentes públicos
com a superação das assimetrias.
Isso significa que as políticas públicas necessitam estar implicadas não apenas com o
reconhecimento das diferenças entre mulheres e homens, mas, sobretudo, em considerar a
dimensão constitutiva e interdependente dessa relação (MEYER, 2014). Desde a perspectiva
de gênero que adotamos, torna-se necessário, então, problematizarmos uma matriz binária,
assumida por muitas das políticas contemporâneas, ao definir e posicionar homens e mulheres
como sujeitos de gênero, ao investir em processos cotidianos de naturalização e
hierarquização de determinados conhecimentos, atividades, atribuições, características,
comportamentos, habilidades e sentimentos como se estes fossem dados pela natureza de
homens e mulheres.
Nesse sentido, o conceito de gênero tornou-se um instrumento teórico-político, cujo
propósito central reside nas formas de resistência e desnaturalização das desigualdades de
gênero, sobretudo aquelas calcadas a partir de um suposto determinismo biológico.
Homens e PNAISH
O então ministro da Saúde José Gomes Temporão, no momento do lançamento da
PNAISH, define-a como uma resposta às necessidades sociais em saúde, afirmando que “a
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política traduz um longo anseio da sociedade ao reconhecer que os agravos do sexo masculino
constituem verdadeiros problemas de saúde pública” (BRASIL, 2009, p. 9). Como uma
medida criada, instituiu-se em meio a discussões e tensões, por parte das sociedades médicas
e da gestão federal a PNAISH, que tem como objetivo geral
Promover a melhoria das condições de saúde da população masculina do Brasil,
contribuindo, de modo efetivo, para a redução da morbidade e mortalidade dessa
população, através do enfrentamento racional dos fatores de risco e mediante a
facilitação ao acesso, às ações e aos serviços de assistência integral à saúde (BRASIL, 2009, p. 31).
As diferentes maneiras que uma sociedade utiliza para construir os modos de se
relacionar estão diretamente implicadas com as formas de produção das políticas públicas,
porém não se trata de um processo livre de contradições. Nesse sentido, Jefferson Mainardes e
col. (2011) dizem que as políticas públicas resultam de interesses, tensões e disputas que
definem tanto seus objetivos, como metas, órgãos, técnicos envolvidos, público-alvo,
recursos, espaços, etc. Assim, estão envolvidas em um campo de disputas e tensionamentos,
acerca de compreensões e sentidos específicos, em torno da configuração do cuidado, da
adesão a comportamentos saudáveis, do controle do corpo e da conduta de si, da legitimidade
dos/as experts, por exemplo, e que incidem sobre os modos como nos organizamos e
passamos a entender o mundo.
O Estado ocupa um espaço legitimado de significação e de poder no que se refere à
constituição das políticas públicas direcionadas para o atendimento de demandas sociais de
determinados grupos ou regiões. Genilda Darc Bernardes (2004) afirma que as políticas
públicas devem ser entendidas como práticas orientadas para um conjunto de sujeitos, e é
fundamental pensar nesses sujeitos enquanto produtos e produtores da cultura e das relações
de gênero que nela se articulam. Ao se voltarem para o atendimento de demandas sociais e
estruturais, muitas vezes relacionadas com a pobreza, a falta de segurança pública, baixa
escolaridade, vulnerabilidade social, pode-se dizer que as políticas públicas de inclusão social,
entre elas a PNAISH, instituem ações e ensinamentos direcionados aos sujeitos de gênero, a
fim de que eles e elas incorporem, reproduzam e modifiquem representações de
masculinidade e feminilidade, aliadas as formas de responsabilização desses indivíduos. De
fora, ficam reflexões importantes em torno da vulnerabilidade programática (inoperância e
5
escassez) que, em nosso país, parece inerente a grande parte dos serviços básicos de atenção
(KLEIN, 2010; 2012; PEREIRA, 2015).
A PNAISH acena para uma atenção integral como uma medida criada para dar conta
do cuidado dos homens. O excerto abaixo sublinha que a masculinidade hegemônica é tomada
como um entrave para a integralidade, na medida em que compromete e sua efetivação.
A Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem, portanto, além de
evidenciar os principais fatores de morbimortalidade explicita o reconhecimento de
determinantes sociais que resultam na vulnerabilidade da população masculina aos
agravos à saúde, considerando que representações sociais sobre a masculinidade
vigente comprometem o acesso à atenção integral, bem como repercutem de modo
crítico na vulnerabilidade dessa população às situações de violência e de risco para a
saúde(BRASIL, 2009, p. 7).
Na medida em que se busca facilitar a entrada dos homens nos serviços de saúde
torna-se importante re/conhecer o contexto em que as políticas de saúde são produzidas,
tornando-se importante indagar: quais são os ensinamentos e imperativos que as políticas
públicas instituem e veiculam em relação a saúde de homens e mulheres? Quais
características, comportamentos, habilidades e capacidades os homens necessitam incorporar
e/ou desenvolver para atingir as metas da PNAISH? Com que efeitos? Ou, que mecanismos e
estratégias são acionadas para interpelar os homens a se inserirem na esfera do cuidado de si,
dos/as filhos/as e da família? Quais pressupostos de masculino e feminino a PNAISH
pretende investir e/ou modificar? Ao considerarmos que as formas de “educar” e de atingir os
objetivos formulados por meio das políticas públicas operam no sentido de posicionar os
sujeitos, relacionando-os a funções específicas e tornando-os sujeitos corresponsáveis por
metas sociais amplas, é que se torna relevante a realização dessa discussão.
Integralidade e equidade na PNAISH: caminhos para a transversalização de gênero?
Ao estudarmos o material empírico produzido, tornou-se evidente a importância das
noções de integralidade e equidade para a proposição da política estudada, bem como fomos
tecendo discussões e análises a partir do que tais conceitos podem produzir. Dessa forma,
passamos a descrever e colocar em pauta os modos como essas palavras/conceitos foram/são
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lançados nos textos oficiais da PNAISH, por entender que eles direcionam a um caminho em
que a transversalização de gênero pode ser incorporada em suas ações.
Roseni Pinheiro (2009) salienta que a integralidade em saúde é um dos princípios
doutrinários para o SUS, visando configurar práticas dirigidas a um modo de materializar a
saúde como um direito e como uma oferta, no sentido de oferecer à população um serviço de
atenção. A conformação do termo denota a própria história do Movimento de Reforma
Sanitária no Brasil, entre as décadas de 1970 e 1980, que abarcavam demandas por melhorias
nas condições de vida, de trabalho na saúde e pela formulação de políticas públicas
direcionadas à atenção aos/as usuários/as. O termo integralidade foi cunhado a fim de
articular três conjuntos de sentidos: integralidade voltada às práticas de saúde; integralidade
voltada à organização das práticas e dos serviços; e por fim, ligada à eficácia das respostas
governamentais a problemas específicos de saúde (MATOS, 2005).
O primeiro consiste na capacidade em responder ao sofrimento dos/as usuários/as que
chegam até os serviços de saúde com a preocupação de não reduzir essa resposta meramente
ao olhar biológico. Aqui, integralidade pressupõe conversa, escuta, encontro na direção de ir
além das necessidades explicitadas inicialmente. O segundo vai no sentido de buscar
horizontalizar ações e programas criados, anteriormente, de forma vertical e fragmentada. Isso
significa a articulação entre demandas programadas e demandas espontâneas, visando incluir
e fortalecer a realização de atividades preventivas e coletivas junto às comunidades. E no
terceiro, as políticas seriam especialmente formuladas com o objetivo de dar respostas a
problemas de saúde que acometem grupos populacionais específicos (MATOS, 2005;
PINHEIRO, 2009). Então cabe indagar sobre como a integralidade descrita na política se
articula com a transversalização de gênero?
Numa incursão aos documentos da PNAISH pode-se dizer que a política pressupõe
encontro, escuta, quando traz orientações aos profissionais da saúde. Nessa direção, as
linguagens dos materiais de divulgação, como os folders, ajudam na compreensão de como as
representações de paternidade vão sendo re/significadas. No folder “Pai – Uma Nova Vida
Precisa de Você” (BRASIL, 2013), há orientações direcionadas especialmente “para as
equipes de saúde”, no sentido de ampliar as ações voltadas aos homens-pais, ao mesmo tempo
em que enfatiza mais uma vez o caráter construído da masculinidade e da saúde:
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Estimular a equipe uma reflexão acerca de temas relativos à masculinidade, cuidado
paterno e metodologias de trabalho com homens, incluir os homens nas rotinas dos
serviços, convidando-os para participar das consultas dos filhos e da parceira,
participar do pré-natal, parto e puerpério. Divulgar o direito de eles acompanharem o
parto e dar a eles tarefas significativas como cordão umbilical ou o primeiro banho,
acolher, preparar atividades educativas numa perspectiva de gênero, dar visibilidade
ao tema cuidado paterno, oferecer horários alternativos (BRASIL, 2013, p. 2).
Ao investir na inclusão dos homens no cotidiano dos serviços, incentivando sua
participação nas rotinas de pré-natal e divulgando seu direito de acompanhar o parto, as
orientações aos profissionais de saúde não ressaltam a garantia de livre escolha da mulher,
mesmo quando opta por ser acompanhada pelo pai do/a filho/a enfrenta barreiras
institucionais, pois muitos profissionais de saúde ainda percebem a presença do homem como
alguém que pode atrapalhar e/ou tirar a privacidade das demais mulheres dentro dos serviços.
Em relação à Lei do Acompanhante3, divulgada nesse folder (BRASIL, 2013), é indicado aos
serviços de saúde no âmbito do SUS a garantia do direito da gestante a um/a acompanhante
durante a gestação, trabalho de parto e pós-parto. Esse/a acompanhante deverá ser indicado
por ela, podendo ser o pai, um/a novo/a companheiro/a, amigo/a ou outra pessoa de sua
escolha. Nesse sentido, torna-se importante pensar sobre a tensão que se estabelece quando
pensamos nas responsabilidades e nos direitos que o pai, caso desejasse, tem em assistir e
compartilhar o nascimento de um/a filho/a e tornar-se um cuidador já a partir desse momento
ou anterior a ele.
Outro aspecto em que podemos pensar na integralidade como um caminho para a
transversalização diz respeito à capacidade em responder a problemas de saúde relacionados,
principalmente, ao universo masculino, que potencializa a masculinidade como um construto
da cultura, buscando assim também atuar sobre ela. Todavia, uma análise crítica da política
nos permitiu discutir os limites da abordagem de gênero que ela assume, pois acaba por seguir
demarcando as diferenças entre homens e mulheres, no sentido de mapear espaços, temáticas
e conhecimentos, por exemplo, ressaltando, ainda mais, a desigualdade no meio social e
3 Lei Federal nº 11.108/05 – Lei do Acompanhante.
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cultural, quando produz significados e sentidos generificados para masculinidades e
feminilidades.
Somente a partir do momento em que foi se percebendo que “muitos agravos
poderiam ser evitados caso os homens realizassem, com regularidade, as medidas de
prevenção primária” (BRASIL, 2009, p.5), tornou-se viável e estratégico pensar sob o foco da
integralidade e da equidade uma política para a população masculina, que pouco acessa os
serviços de atenção básica. Nos princípios da PNAISH, destaca-se que
A implementação da política deverá ocorrer de forma integrada às demais políticas
existentes, numa lógica hierarquizada de atenção à saúde, priorizando a atenção
primária como porta de entrada de um sistema de saúde universal, integral e
equânime (BRASIL, 2009, p.47).
Partimos da compreensão de que o termo equidade vem sendo utilizado dentro de uma
oferta de serviços de assistência à saúde, que indica a necessidade e a urgência em corrigir
desigualdades sociais, de gênero, geração, raça, classe, moradia, etc. Em um país com grandes
desigualdades sociais como o Brasil, propor ações que objetivam a integralidade e a
equidadesignifica minimizar as diferenças por meio da produção de ofertas diferenciadas para
quem está em condição de desigualdade social, ou seja, dando mais para quem tem menos, na
tentativa de propiciar igualdade, pois “atender igualmente os desiguais poderia resultar na
manutenção das desigualdades” (PAIM e SILVA, 2010, p. 4).
Conforme Cecilio (2009), a proposição da equidade se torna um caminho importante a
ser trilhado na esfera da atenção em saúde, visando a ampliação e o acesso universal na
utilização dos serviços, sobretudo ao propor formas de organizar os processos de trabalho,
incluindo o planejamento, a gestão, a construção de saberes e as práticas em saúdecom o
objetivo de ampliar a entrada dos homens. Sabemos que as propostas governamentais
emergem de demandas de atenção e de cuidado direcionadas a populações específicas, como
na PNAISH.
Nesse sentido, em relação à saúde de homens, ações referentes a “equidade de gênero”
ganham destaque, na medida em que se evidencia maior suscetibilidade a certas doenças e
mortes, bem como por que grande parte da população brasileira faz parte de um contexto
sociocultural que vivencia e naturaliza determinadas violências, associadas a uma
9
masculinidade hegemônica. Podemos ver isso no documento “Perfil da Situação de Saúde do
Homem no Brasil”:
Essa política vem ao encontro da equidade de gênero que se faz presente na agenda
mundial há mais de duas décadas, sendo o Brasil um dos países pioneiros em
instituir a Saúde do Homem enquanto área técnica do governo federal. As diferenças
de morbimortalidade entre homens e mulheres são amplamente conhecidas: os
homens morrem mais cedo, morrem principalmente por causas externas (acidentes e
violências), são mais suscetíveis as doenças cardiovasculares, possivelmente pelos
comportamentos de risco mais frequentes, procuram menos os serviços de saúde,
por limitação de tempo e, principalmente, pela falsa autopercepção da sua
infalibilidade física e mental (MOURA, 2012, p. 9).
Segundo Pedro Paulo Martins de Oliveira (2000), evidenciamos essas representações
de masculinidade associadas às estatísticas de homicídios, abuso de álcool e drogas,
incidências de doenças, acidentes de trânsito, expectativa de vida e, acrescentaríamos, do
homem trabalhador com “limitação de tempo” e daquele que não atua na prevenção de
doenças. Tais circunstâncias acabam posicionando o homem como frágil no âmbito da saúde,
no lugar da mulher, resultantes dos ensinamentos que seguem na direção de uma
masculinidade cujos sentidos ainda os aproximam de características como força física,
trabalho e renda, provisão, violências, aspectos até então desprezados no âmbito da saúde
pública, onde prevalecem ainda ações voltadas a saúde materno-infantil.
A PNAISH utiliza o termo equidade em interface com o termo gênero/masculinidade,
reconhecendo que o gênero se constitui como uma das formas de organização das relações
sociais, bem como dos seus efeitos. Como já indicamos, a perspectiva de gênero é apresentada
nos textos da política, onde se discute a masculinidade de modo plural, relacional e
constituída por meio dos processos educativos e culturais, que podem ou não envolver a
saúde. O entendimento da masculinidade como um produto da cultura e dos modos de
subjetivação presentes na sociedade é assumido em sua formulação.
Alberto Martins e Bernardo Malamut Salles (2013), em estudo sobre a análise do
discurso da PNAISH, salientam que o texto-base da política utiliza 24 páginas do diagnóstico
para apresentar o retrato do panorama de morbidade e mortalidade dos homens. Os autores
apontam que em todo o texto é destacada a culpabilização dos homens pelo próprio
adoecimento e pela ausência em serviços e ações de saúde, havendo poucas, ou quase
inexistentes, discussões sobre a organização dos processos de trabalho nesses mesmos
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serviços, contribuindo para a baixa adesão dos homens, afastando-se, portanto, de ações
pensadas sob o cunho da integralidade e da equidade, assim como da transversalização de
gênero.
Isso nos leva à compreensão de que o pressuposto da transversalização de gênero não
vem se concretizando na política, via reivindicação dos homens, e a ênfase apresentada nos
documentos recai sobre eles por meio da necessidade de ampliar e re/significar suas vivências
pessoais, familiares e públicas, incluindo a adesão aos atendimentos, a participação na
gestação, pré-natal e criação dos/as filhos/as. A PNAISH evidencia a necessidade de
construção de políticas públicas que promovam ações capazes de interpelar os homens e
aproximá-los de formas de viver “comportamentos mais saudáveis”, assim como em apontar
para a importância de que eles assumam e se tornem mais responsáveis e cuidadores, aliados
assim, as ações materno-infantis e de proteção da infância/família. Vejamos como isso é
desenvolvido no folder “Pai: uma nova vida precisa de você”(BRASIL, 2013):
RECOMENDAÇÕES Para que todo pai seja um cuidador: • Participe do período
pré-natal, do parto e do puerpério; • Faça testes de HIV, sífilis e hepatites virais; •
Esteja em dia com a sua saúde: realize os exames de rotina e siga os tratamentos
recomendados; • Divida as tarefas de cuidados e atividades domésticas; • Brinque
com seu filho e participe ativamente da sua educação; • Demonstre afeto e crie seu
filho sem violência; • Ensine para seu filho que todas as pessoas são iguais e
merecem respeito; • Tenha orgulho de ser um pai cuidador (BRASIL, 2013).
Ao mesmo tempo em que a PNAISH toma a masculinidade e a paternidade como
construtos, dando ênfase a paternidade como um momento de “mudança na vida do homem” e
de uma “transição” que “implica novas responsabilidades” investe, fundamentalmente, em um
homem-pai cuidador, responsável, participativo e afetivo, evidenciando e investindo em uma
masculinidade, que o aproxima de sentidos hegemonicamente relacionados a feminilidade,
colocando no centro de suas ações, uma certa noção de família, conjugalidade e saúde
materno-infantil.
Neste mesmo folder (BRASIL, 2013) há referência a direitos que os homens
necessitam gozar, como a licença paternidade de cinco dias, concedida por meio da
Constituição Federal de 1988.4 Então indagamos: como pensar em equidade/igualdade quando
4Constituição Federal de 1988, em seu art. 7º, inc. XIX; e art. 10, §1º.
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são concedidos cinco dias aos homens para exercer a licença paternidade e de quatro a seis
meses de licença maternidade às mulheres? Que efeitos essas diretrizes (e diferenças) trazem
para a vida de homens e mulheres? E para as crianças? Que pressupostos de gênero
atravessam e configuram a política, a lei e as normas em torno do nascimento de um/a filho/a?
Pensar em um plano coletivo para a participação dos homens nas políticas públicas,
em especial na área da saúde, significa problematizar algumas compreensões e espaços onde
elas são instituídas, bem como as próprias compreensões de gênero. A transversalização de
gênero que buscamos analisar, observando os conceitos de equidade e integralidade, nos
permitiu pensar que o ato de compartilhar implica experimentação e abertura para criação de
outros modelos oriundos do encontro entre sujeitos, práticas e vivências. Em relação à saúde
dos homens, percebemos barreiras institucionais, questões culturais e modelos de atenção,
calcados ainda, em modos de atenção que não contemplam, na prática, os conceitos de
equidade e integralidade.
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