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5 5 Jornal Brasileiro de Psiquiatria ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro – IPUB volume 52 • set/out-2003 Publicação bimestral Alcebíades Gomes Festa Junina, detalhe Brazilian Journal of Psychiatry Jornal Brasileiro de Psiquiatria vol. 52 - nº 5 Setembro - Outubro 2003

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55

Jornal Brasileirode Psiquiatria

ISSN 0047-2085CODEN JBPSAX

Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro – IPUB

volume 52 • set/out-2003Publicação bimestral

Alcebíades GomesFesta Junina, detalhe

Brazilian Journalof Psychiatry

Jornal Brasileiro de Psiquiatria • vol. 52 - nº 5 • Setembro - O

utubro 2003

Jornal Brasileirode Psiquiatria

CORPO EDITORIAL

Naomar de Almeida FilhoMárcio AmaralThomas A. BanOthon BastosJ. M. BertoloteNeury José BotegaMarco Antônio Alves BrasilMax Luiz de CarvalhoRoosevelt M.S. CassorlaJuarez Oliveira CastroAristides CordioliJurandir Freire CostaPaulo DalgalarrondoCarlos Edson DuarteLuiz Fernando Dias DuarteWiiliam DunninghamClaudio Laks EizerickHelio ElkisEliasz EngelhardtRodolfo FahrerMarcos Pacheco de Toledo FerrazIvan Luis de Vasconcellos FigueiraJosimar Mata de Farias FrançaRicardo GattassWagner F. GattazValentim Gentil FilhoClarice GorensteinMauro GusLuiz Alberto HetemMiguel Roberto JorgeFlávio KapczinskiJulio LicinioCarlos Augusto de Mendonça Lima

Maurício Silva de LimaPedro A. Schimidt do Prado LimaAna Carolina LobiancoMário Rodrigues Louzã NetoTheodor S. LowenkronNelson MaculanJair de Jesus MariPaulo MattosCeline MercierEurípedes Constantino Miguel FilhoTalvane M. MoraisAntônio Egídio NardiIrismar Reis de OliveiraMarcos PalatinikAntônio Pacheco PalhaRoberto Ayrton PiedadeJoão Ismael PinheiroAna Maria Fernandes PittaJosé Alberto Del PortoBranca Telles RibeiroFábio Lopes RochaJane de Araújo RussoLuiz Salvador de Miranda Sá Jr.Benedetto SaracenoItiro ShirakawaJorge Alberto Costa e SilvaJoão Ferreira da Silva FilhoFábio Gomes de Matos e SouzaRicardo de Oliveira SouzaYves ThoretGilberto A. VelhoWalter ZinAntonio W. Zuardi

Pede-se permutaSe solicita el canje

Exchange requestedMan bittet um Austausch

On prie l’échangeSi prega lo scambio

ISSN 0047-2085CODEN JBPSAX

volume 52 • set/out 2003J.bras.psiquiatr. 52 (5): 329-396, 2003

Publicação bimestral

UNIVERSIDADE FEDERALDO RIO DE JANEIROINSTITUTO DE PESQUISA

Av. Venceslau Brás, 71 Fundos22290-140 Rio de Janeiro RJ BrasilTel: (5521) 2295-2549Fax: (5521) 2543-3101www.ufrj.br/ipube-mail: [email protected]

DIRETORMárcio [email protected]

JORNAL BRASILEIRO DEPSIQUIATRIA

[email protected]

EDITORJoão Romildo [email protected]

EDITOR CONVIDADODESTA EDIÇÃO

E. A. Carlini

EDITORA ASSISTENTEGláucia Azambuja de [email protected]

EDITORES ASSOCIADOSE. Portella Nunes [email protected]

João Ferreira da Silva [email protected]

EDITOR EXECUTIVONewton [email protected]

CIP-BRASIL-CATALOGAÇÃO NA FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

071Jornal brasileiro de psiquiatria / Instituto de

Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro. —V.1, nº 1 ( ). — Rio de Janeiro: ECN-Ed. Científica Nacional, 2000

v.50

MensalEditado pela Diagraphic a partir do V.49 (10-12), 2000Descrição baseada em: V.47, nº12 (1998)ISSN 0047-2085

1. Psiquiatria - Periódicos brasileiros. I.Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de Psiquiatria

98-1981. CDD 616.89 CDU 616.89

Programação Visual e Produção Gráfica

Diagraphic Editora

Av. Paulo de Frontin 707 – Rio CompridoCEP 20261-241 – Rio de Janeiro-RJ

Telefax: (21) 2502.7405e-mail: [email protected]

www.diagraphic.com.br

Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro – IPUB

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E. A. Carlini

Redução de danos: uma visão internacional

João Carlos Dias; Sandra Scivoletto; Cláudio Jerônimo da Silva; Ronaldo Ramos Laranjeira; Marcos Zaleski; Analice Gigliotti;Irani Argimon; Ana Cecília P. Roselli Marques

Redução de danos: posições da Associação Brasileira de Psiquiatria e da Associação Brasileirapara Estudos do Álcool e Outras Drogas

Carla Silveira; Denise Doneda; Denise Gandolfi; Maria Cristina Hoffmann; Paulo Macedo; Pedro Gabriel Delgado; Regina Benevides;Sueli Moreira

Política do Ministério da Saúde para atenção integral a usuários de álcool e outras drogas

Marcelo Santos Cruz; Ana Cristina Sáad; Salette Maria Barros Ferreira

Posicionamento do Instituto de Psiquiatria da UFRJ sobre as estratégias de redução de danosna abordagem dos problemas relacionados ao uso indevido de álcool e outras drogas

E. A. Carlini

Posicionamento da Unifesp sobre redução de danos

Edward MacRae; Monica Gorgulho

Redução de danos e tratamento de substituição: posicionamento da Rede Brasileira deRedução de Danos

André Malbergier; Arthur Guerra de Andrade; Sandra Scivoletto

Redução de danos: Departamento e Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina daUniversidade de São Paulo

Beatriz Carlini-Marlatt; Dagoberto Hungria Requião; Andrea Caroline Stachon

Redução de danos: uma abordagem de saúde pública

Marcelo Araújo Campos; Domiciano J. Ribeiro Siqueira

Redução de danos e terapias de substituição em debate: contribuição da AssociaçãoBrasileira de Redutores de Danos

335-339

341-348

349-354

355-362

363-370

371-374

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Sumário

381-386

387-393

ErE rE rE rE rrata:rata:rata:rata:rata: No artigo Transtornos Mentais e Trabalho em Turnos Alternados em Operários de Mineração de Ferro em Itabira (MG), publicado no JBP 2003;52(4): 283-89, uma correção precisa ser feita no Resumo: na p. 283, terceira linha, onde se lê n = 80, o correto é n = 580.

J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003

KNAW – Library of The Royal Netherlands Academy of Arts and SciencesLILACS – Index Medicus Latino-AmericanoNISC Pennsylvania, Inc.Periódica – CICH-UNAMPsychoinfo – American Psychological AssociationUlrich’s International Periodicals DirectoryUMI – University Microfilms International

Academia de Ciências da Rússia Biological AbstractsBLDSC – British Library Document Supply CenterCAS – Chemical Abstracts Service of American Chemical Society Chemical AbstractsEmbase/Excerpta MedicaEMDOCS – Embase Document Delivery ServiceIBICT – Sumários Correntes BrasileirosINIST – Institute de L’information Scientifique et Technique

Fontes de referência e indexação:

Apresentação

Atualmente os problemas relacionados ao uso de drogas lícitas ou ilícitas no Brasil somam-se de forma crescente a uma ampla

gama de questões sociais que exigem respostas precisas e efetivas. O debate sobre as formas de abordagem do uso abusivo de

drogas é marcada pela discussão de pontos de vista aparentemente inconciliáveis, gerando dificuldades para o estabelecimento de

consenso. Entre as questões discutidas mundialmente está a decisão de adotar ou não estratégias de prevenção e assistência

orientadas pela lógica de redução de danos. Esta ótica, em uso pelo menos desde o início do século 20, teve impulso na última

década como resposta, em grande parte, ao crescimento da ameaça representada pela epidemia da Aids. Redução de danos

constitui um conjunto de medidas preconizadas com o intuito de diminuir os prejuízos relacionados ao consumo de álcool e de

outras drogas, medidas essas que são adotadas sem que haja a exigência de os indivíduos implicados interromperem imediatamente

o uso de drogas.

A ausência de consenso ocorre porque se questiona se a utilização de estratégias de redução de danos, tanto em termos

individuais quanto no plano coletivo, poderia agir como facilitação ou autorização para o consumo de drogas, sem levar em

consideração os seus riscos e prejuízos. Também há aqueles que alegam ser a adoção dessa estratégia uma capitulação inaceitável na

luta contra as drogas. Aqueles que defendem as estratégias de redução de danos, além de não concordarem com esses argumentos,

ressaltam a diminuição dos prejuízos individuais pelo emprego de uma estratégia por eles considerada mais realista. Para dirimir este

embate de posições há questões que ainda precisam ser respondidas, como: “A utilização de estratégias de redução de danos

efetivamente diminui os prejuízos?” e “A sua adoção pode, por outro lado, aumentar o consumo de álcool e de outras drogas?”.

Várias outras questões são atualmente foco de debate e esforços no sentido de estender e aperfeiçoar os recursos de prevenção e

assistência aos problemas relacionados ao uso de drogas, como a necessidade de ampliação da rede de atenção, a relação com a

mídia e a justiça e muitas outras. A definição sobre a utilização das estratégias de redução de danos é, no entanto, inadiável, uma vez

que essa postura pode permear, como princípio, as ações em todas as demais áreas.

O Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de São Paulo

(Cebrid/FM/Unifesp), sob a coordenação do professor Elisaldo Carlini, confirmando sua excelência como centro de pesquisa nessa

área, realizou, no dia 8 de agosto de 2003, a apresentação dos pareceres de centros universitários, associações com vasta experiência

neste campo e representantes do Ministério da Saúde e da Secretaria Nacional Antidrogas sobre a adequação da adoção de

estratégias

de redução de danos e tratamentos de substituição no Brasil. Este número do Jornal Brasileiro de Psiquiatria reúne os pareceres

apresentados como uma valiosa contribuição, uma vez que constituem, no seu conjunto, extensa revisão das evidências encontradas

na literatura, além de relevante experiência com práticas de redução de danos.

Marcelo Santos CruzCoordenador do Programa de Estudos e Assistência ao Uso Indevido de Drogas do

Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Projad/Ipub/UFRJ)

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Membro titular eleito do International Narcotics Control Board (INCB), período 2002-2006.Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid), Departamento de Psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Redução de danos:uma visão internacional

Harm reduction: an international viewE. A. Carlini

R e s u m o

A técnica de redução de danos não é mencionada nas Convenções Internacionais da ONU (1961, 1971 e 1988). Portanto, deacordo com o International Narcotics Control Board (INCB), órgão que é considerado o guardião das convenções, esta modali-dade de atuação não pode ser classificada como contrária às convenções. Este órgão internacional reconhece mesmo a impor-tância da redução de danos como uma estratégia de prevenção terciária. Esta opinião é partilhada por muitos órgãos internaci-onais e nacionais. Todavia, o INCB também alerta que a redução de danos não deveria ser utilizada apenas como uma “espéciede cunha” para facilitar a pregação de alguns que são favoráveis à legalização das drogas.

Unitermosredução de danos; Convenções da ONU; INCB (JIFE); prevenção terciária; descriminalização; legalização

S u m m a r y

Harm reduction is not mentioned in the three United Nations Conventions: Single Convention on Narcotic Drugs, 1961; Convention onPsychotropic Substances, 1971; and Convention Against Illicit Traffic in Narcotic Drugs and Psychotropic Substances, 1971. As a consequence,according to the International Narcotics Control Board (INCB), a board considered as the guardian of these conventions, this form ofprevention can not be classified as contrary to the conventions. Actually, the INCB recognizes the importance of harm reduction as a form oftertiary prevention. This opinion is supported by many other international and national bodies. However, the INCB also makes clear thatharm reduction should not be utilized to help to promote movements aimed at legalization of drugs.

Unitermsharm reduction; UN Conventions; INCB (JIFE); tertiary prevention; drug discriminalization; drug legalization

Introdução e definições

Em fevereiro de 2002, assim declarava oInternational Narcotics Control Board (INCB) dasNações Unidas:

“As Convenções Internacionais (1961, 1971,1988) não mencionam a redução de danos (...);portanto, esta modalidade não pode ser classifi-cada como contrária às Convenções.”

E em abril de 2003, o presidente do INCB,prof. Philip Emafo, assim se pronunciou na reu-nião da Comissão de Drogas Narcóticas (CND –Commission of Narcotic Drugs):

“O INCB reconhece a importância da redu-ção de danos em uma estratégia de prevençãoterciária (...)”

A fim de melhor entender o que foi dito aci-ma, é oportuno definir o que são os órgãos ouestruturas mencionadas.

O INCB, constituído de 13 membros eleitospelo Conselho Econômico e Social das NaçõesUnidas, é um órgão independente, mas mantidopelas Nações Unidas, que tem como função ser oguardião das convenções, isto é, verificar se a co-munidade mundial obedece aos ditames das con-venções. Foi criado em 1961 pela Convenção Úni-

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ca de Entorpecentes. Ele pode ser considerado ojudiciário das Nações Unidas em relação ao pro-blema das drogas.

As três convenções da ONU (1961, sobre entor-pecentes; 1971, sobre psicotrópicos, e 1988, sobresubstâncias químicas e precursores) são documen-tos que, através de seus artigos, dão regras aos paí-ses signatários sobre como controlar a produção, adistribuição, o uso, o armazenamento e os estoquesde drogas narcóticas e psicotrópicas. Mais de 90%dos países são signatários desses documentos. Paraexemplificar, 179 dos 192 países ou territórios já ade-riram à convenção de 1961. Acresce-se que os 13países/territórios que ainda não aderiram têm pe-quena representatividade no concerto das nações.São eles: Angola, Congo e Guiné Equatorial, na Áfri-ca; Butan, Cambodja, Coréia do Norte e Timor Les-te, na Ásia; Andorra, na Europa; Kiribati, Nauru,Samoa, Tuvalu e Vanuatu, na Oceania. O Brasil ésignatário das três convenções.

A Comissão de Drogas Narcóticas (CND –Commission of Narcotic Drugs) é o órgão da ONU,com mais de 50 membros, onde são tomadas de-cisões que poderíamos chamar de legislativas . É aCND que pode, em assembléia, tomar decisõescomo incluir ou excluir substâncias das conven-ções (retirando ou determinando modificações naslistas). A CND seria o braço político, o legislativo,das Nações Unidas, em relação às drogas.

E finalmente temos o braço executivo da ONU,o United Nations Office on Drugs and Crime,(UNODC) que substituiu o United Nations DrugControl Programme (UNDCP).

Por fim, cabe também esclarecer as técnicasde prevenção adotadas pelas Nações Unidas atra-vés da Organização Mundial da Saúde (OMS), quesão as que se seguem:

Prevenção primária:Prevenção primária:Prevenção primária:Prevenção primária:Prevenção primária: tem por finalidade as-segurar que uma desordem, um processo ou pro-blema não ocorrerão, ou seja, impedir o primeirouso de uma droga.

Prevenção secundária: Prevenção secundária: Prevenção secundária: Prevenção secundária: Prevenção secundária: procura identificare abolir ou modificar para melhor uma desordem,um processo ou problema o mais precocementepossível. Vale dizer: a prevenção secundária estáindicada para aqueles que tiveram contato com adroga e visa a impedir ou diminuir este uso oupelo menos impedi-lo de aumentar.

PrPrPrPrPrevenção terevenção terevenção terevenção terevenção terciária: ciária: ciária: ciária: ciária: propõe interromper ou re-tardar o progresso de uma desordem, um proces-so ou problema e suas seqüelas, mesmo que as con-

dições básicas do fenômeno ainda persistam. Emoutras palavras, a prevenção terciária não tem maiscomo condição básica e prioritária reduzir ou abo-lir o uso de drogas, mas sim interromper ou dimi-nuir as seqüelas do uso, mesmo que este (as con-dições básicas) ainda persista.

R. L. Dupont (1987), ex-diretor do NationalInstitute on Drug Abuse (Nida) dos EUA suma-riou os três tipos prevenção:

• primária – prevenir o uso antes que ele seinicie;

• secundária – impedir a progressão do uso, umavez já iniciado;

• terciária – impedir as piores conseqüências douso contínuo.

É nessa última técnica de prevenção, aterciária, que os órgãos internacionais colocam aredução de danos, conforme já mencionado pelopresidente do INCB.

Redução de danos: uma visão internacional Carlini

Histórico da redução de danose as convenções da ONU

Mesmo antes da convenção da ONU sobrenarcóticos, de 1961, a redução de danos (embo-ra sem esta designação) já era praticada em vári-os países. Por exemplo: ópio, heroína e morfinajá eram administrados como terapêutica de adic-tos em países da Europa, pelo menos desde a dé-cada de 1920; a administração de ópio a pessoasadictas a esta substância já era prática comum naÁsia pelo menos a partir de 1914.

E em 1965 iniciou-se a utilização da metadonapara dependentes de opiáceos.

Hoje em dia essas modalidades de interven-ção terapêutica são chamadas de tratamento desubstituição ou de manutenção, sendo formas deredução de danos.

O termo redução de danos (RD) ainda nãoexistia quando a Convenção de Drogas Narcóti-cas da ONU – 1961 foi estabelecida. Nessa con-venção, o artigo 38 diz apenas: “medidas paraprevenir o abuso e identificação precoce do mes-mo, tratar e reabilitar o dependente”.

A Convenção de Psicotrópicos de 1971 tam-bém não menciona RD. No seu artigo 20 constaapenas: “para prevenir o abuso, identificar, tratare reabilitar o dependente”.

A Convenção de Precursores, de 1988, já se apro-xima um pouco da concepção de RD: no seu artigo

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14 diz que medidas devem ser adotadas, visando a“eliminar ou reduzir a demanda ilícita (...) com ofito de reduzir o sofrimento humano” (grifo meu).

Há ainda a consignar que em uma seção es-pecial da Assembléia Geral da ONU, em junho de1998, o parágrafo 8 (b) pode ser interpretadocomo indiretamente referindo-se às medidas deRD: “A redução de demanda visa a prevenir o usode drogas e a reduzir as conseqüências adversasdo abuso de drogas” (grifo meu).

Foi baseado nesses fatos que o INCB já haviaconcluído anteriormente que:

“As Convenções Internacionais não mencio-nam a redução de danos (...); portanto, esta mo-dalidade de terapêutica não pode ser classificadacomo contrária às Convenções”.

“O INCB, portanto, não se opõe à redução dedanos, dado ser ela parte do tratamento médico(grifo meu) e uma estratégia coerente de redu-ção de demanda (...)”.

“O INCB, entretanto, está preocupado comque algumas intervenções de redução de danospossam ser utilizadas com o propósito de advo-gar uma legalização da droga para uso não-mé-dico, com o que não concorda”.

dução de danos, embora mostrasse uma certapreocupação:

“INCB reconhece a importância de certos as-pectos da redução de danos como uma estraté-gia de prevenção terciária (grifo meu) para pro-pósitos de redução de demanda. Todavia o INCBconsidera como seu dever chamar a atenção parao fato de que programas de redução de danosnão são substitutos para programas de reduçãode demanda (...). O fato de que programas deredução de danos devem ser considerados ape-nas como um elemento de uma estratégia maisampla e abarcante de redução de demanda temsido negligenciado”.

Carlini Redução de danos: uma visão internacional

Definição e filosofiada redução de danos

O UNODC, quando ainda UNDCP, na sua pu-blicação Redução de Demanda – Um Glossário deTermos, assim define a redução de danos:

“Redução de danos refere-se a políticas ou pro-gramas que visam diretamente a reduzir o danoresultante do uso de álcool ou outras drogas, tantopara o indivíduo como para a sociedade. O ter-mo é usado particularmente para programas quevisam a reduzir o dano sem necessariamente exi-gir abstinência” (grifo meu).

O UNODC diz mais: “A extensão do desen-corajamento do uso continuado da droga variagrandemente de acordo com a filosofia do cen-tro que aplica redução de danos”; e ainda: “A re-dução de danos é neutra em relação à sabedoriae à moralidade do uso continuado de drogas, enão deveria ser vista como sinônimo de movimen-tos que procuram descriminalizar, legalizar oupromover o uso de drogas”.

O INCB, já em 1993, em seu relatórioanual, também reconhecia a importância da re-

Objetivos e exemplosda redução de danos

De acordo com o governo suíço, “intervençõesde RD são aquelas planejadas para atingir as pessoasdependentes que não poderiam ser contatadas deoutra maneira. Por exemplo, os programas de trocade agulhas e as salas de injeções são algumas vezesplanejados com o objetivo adicional de se chegaraté os dependentes fim de linha (hard core abusers)para motivá-los a iniciar tratamentos” (relatório damissão do INCB à Suíça, ano 2000).

Essa explicação do governo suíço encaixa-sebem dentro da definição de RD dada peloUNODC.

O que parece ser relevante nos programas deredução de danos é exatamente o que afirmou ogoverno da Suíça (e o de vários outros países), ouseja, são ou deveriam ser programas destinados aatingir usuários que não poderiam ser contatadospor outros meios. Tanto assim é que o desenvolvi-mento de programas de redução de danos:

• deve ter suas ações exercidas no próprio ambi-ente freqüentado pelos usuários de drogas; e

• deve atingir ambientes de profunda exclusãosocial, exatamente o local onde se encontramos usuários fim de linha ou com comprometi-mento grave.

Por outro lado, no sentido mais amplo, e seguin-do as características de uma prevenção terciária (evi-tar as piores conseqüências do uso de drogas), vári-as estratégias ou programas de redução de danospodem ser estabelecidos, como, por exemplo:

1. programa de troca ou doação de seringas;

2. escolha (sorteio) de motorista sóbrio;

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Redução de danos: uma visão internacional Carlini

3. servir bebidas em copos e recipientes que nãosejam de vidro, em casos de bares freqüenta-dos por bebedores-problema violentos;

4. adesivos de nicotina para fumantes; e,

5. instituir tratamentos de manutenção ou de subs-tituição. Seguramente, esta última é uma das maisdifundidas formas de redução de danos.

Deve ser ressaltado que, em todas essas estra-tégias, não se procura diminuir ou parar o uso dedroga, mas fazer com que o usuário evite danos asi e a outros.

de danos à base de terapêutica de substituição pormetadona. Por exemplo, o INCB diz sobre isto: “Emquase todos os indivíduos dependentes de opióides,a metadona, quando corretamente prescrita, re-duz e freqüentemente elimina o uso de opióidesnão-prescritos (...) um efeito indireto do uso legalda metadona é a redução do crime associado”.

Deve-se também ressaltar que nos EstadosUnidos uma conferência de consenso, patrocina-da pelo National Institutes of Health (NIH), em1998 (JAMA 280,1936-1943,1998), concluiu que:

“Embora um estado livre de drogas seja o ob-jetivo ideal de tratamento, as pesquisas mostramque este estado não pode ser atingido pela maio-ria dos pacientes. Todavia, outros objetivos im-portantes de um tratamento podem ser atingi-dos, tais como diminuição do uso de drogas,diminuição da atividade criminosa erestabelecimento de emprego, como acontececom a maioria dos pacientes sob a metadona”.

Mais recentemente, a própria substânciaindutora de dependência tem sido dada aos pacien-tes sob supervisão médica. Esses programas são cha-mados tratamento de manutenção. É o caso da he-roína sendo fornecida, sob contrato, para osdependentes desta substância na Holanda, na Suí-ça, na Alemanha e no Reino Unido; do ópio sendoadministrado sob supervisão aos dependentes des-ta substância na Índia, no Irã, em Mianmá, na Laos ena Tailândia; da morfina para os dependentes destasubstância na Austrália, na Guatemala, no México eSuíça.

Tratamento desubstituição/manutenção

De acordo com a OMS: “Para uma pessoa de-pendente de uma substância psicoativa, a pres-crição de uma outra substância psicoativa,farmacologicamente relacionada àquela produzin-do a dependência, para atingir objetivos defini-dos de tratamento, usualmente melhora a saúdee o bem-estar do paciente”.

Para o INCB, um tratamento de substituiçãotem por finalidade:

1. reduzir o uso ilícito da droga (o paciente rece-be a droga e a utiliza sob orientação);

2. reduzir o risco de infecções pela viaendovenosa;

3. melhorar o estado físico e psicológico do usu-ário; e

4. reduzir a criminalidade.

Ainda, para o INCB:

“O programa de tratamento de substituiçãodeve ser a última providência para os dependen-tes pesados (hard core) que não tiveram sucessoem tratamentos anteriores. Tal programa deveriaser encarado como última tentativa, mas, mesmoassim, como um programa provisório que deverálevar a um estilo de vida livre de drogas (...)”.

Finalmente, o INCB assim define um tratamen-to de substituição: “pode ser definido como aprescrição de uma droga com ação similar à dro-ga de dependência, mas com menor grau de ris-co, com a finalidade específica de tratamento”.

Entre as substâncias usadas para a terapêuticade substituição destaca-se a metadona (emboraoutras drogas estejam mais e mais conquistando oreceituário, como no caso da codeína e dabuprernorfina). Existem opiniões taxativas a res-peito das vantagens de um programa de redução

Da troca de seringasàs salas de inalação

Distribuição/troca de seringas e agulhas

Uma das formas mais utilizadas de redução dedanos é a distribuição ou troca de agulhas e serin-gas. Em relação a esse programa, já em 1987 o INCB,em seu relatório anual, assim se expressava: “É claroque a adoção de medidas que possam diminuir ocompartilhamento de seringas entre os usuários dedrogas por via endovenosa é um passo necessáriopara limitar a propagação da AIDS. Ao mesmo tem-po, essas medidas profiláticas, que são urgentementenecessárias, não deveriam permitir ou mesmo facili-tar o abuso de drogas”.

Dezesseis anos mais tarde, ou seja, no ano de2003, o INCB novamente se posiciona favoravel-

339J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003

Carlini Redução de danos: uma visão internacional

mente ao programa, dizendo: “Decisão 76/19 – Emrelação à troca de seringas e agulhas, o INCB reafir-ma sua posição anterior, já apresentada em relatóri-os anuais, de que, embora concorde que tais pro-gramas possam ser necessários para limitar adisseminação de HIV/AIDS, cuidados devem ser to-mados para tais medidas não provocarem o abusode drogas”.

Salas de injeção

Outra iniciativa de alguns governos europeusque vem despertando a atenção refere-se a salasde injeção. São ambientes onde os usuários po-dem injetar-se com as drogas que eles mesmosadquiriram. Não existe aconselhamento ou equi-pe de saúde nessas salas, apenas um local mais dis-creto e, portanto, mais protegido, para a práticade administração endovenosa de drogas. Essas se-riam as razões aventadas para a existência da salade injeção: os dependentes não mais injetar-se-iamnas ruas ou praças públicas, o que, certamente,confere certo grau de proteção. Mas alguns comen-tam que, na realidade, a verdadeira razão para oaparecimento dessas salas de injeção seria de or-dem econômica. Algumas das cidades onde essaprática (salas de injeção) está sendo incentivada(por quem? só governo?) já haviam antes adotadoo programa das praças de drogas, locais públicosonde usuários de drogas por via endovenosa sereuniam para auto-administrarem-se. A grandeconcentração de dependentes nessas praças e avisão deprimente de pessoas intoxicadas fez comque houvesse uma tremenda queda no comércioe no valor dos imóveis locais. As salas de injeçãoteriam então sido organizadas com o fito de dimi-nuir a presença de dependentes endovenosos emum único local (a praça), diluindo a população paradiferentes pontos (as salas de injeção).

O INCB não concorda com a existência des-sas salas de injeção, pois elas ferem as conven-ções, e assim se pronuncia no seu Relatório Anualde 1999: “O estabelecimento de salas de injeção,onde dependentes podem abusar de drogas obti-das ilicitamente, mesmo sendo estas salas diretaou indiretamente supervisionadas pelo governo,é contrário às Convenções Internacionais. A au-toridade que autoriza as salas de injeção, e assimpermitindo o uso (sem supervisão) de drogas,estará facilitando ou permitindo o cometimentode crime envolvendo a posse e o uso de drogas,(...) encorajando o tráfico. As salas de injeção de-vem ser claramente distinguidas (grifo meu) dos

locais medicamente supervisionados, onde dro-gas são prescritas para o uso dos dependentes (tra-tamento de substituição ou manutenção)”.

O INCB novamente examina o problema, emnovembro de 2002, e emite duas decisões a respeito,confirmando o que foi dito anteriormente: “Decisão76/18 – em relação às salas de injeção, o INCB opinaque tais programas estão em desacordo com as Con-venções e são uma violação das mesmas”; “Decisão76/17 – em relação aos tratamentos de substituição emanutenção, o INCB opina que são legítimos em facedas Convenções, desde que o objetivo último de taistratamentos seja a abstinência”.

Salas de inalação

Em algumas cidades na Europa foi aberta umavariante das salas de injeção, são as salas de inala-ção, onde os usuários podem fumar ou inalarcrack e heroína que são adquiridos ilicitamente.Essas salas, que foram abertas em caráter experi-mental, não têm o aval do INCB, que as condenacomo fez com as salas de injeção.

Controle de qualidade das drogas

Na Holanda (e possivelmente em outros paí-ses europeus), o governo colocou junto às salasde injeção/inalação equipamentos que permitemaos usuários avaliar a pureza das drogas que com-pram ilicitamente no mercado negro. Em relaçãoa este tópico, o INCB tomou duas decisões. A pri-meira é condenando tal prática: “Decisão 76/20– Em relação ao controle de qualidade de drogas,o INCB opina que tais programas estão em desa-cordo com as Convenções”.

A segunda decisão foi a inclusão, em seu relató-rio anual (de 2003), a ser publicado no início de 2004,de um ou dois parágrafos sobre esse programa.

Finalmente deve ser mencionado que o gover-no holandês descontinuou o programa de controlede qualidade, pois surgiram evidências de que o mes-mo estava incentivando o uso indevido de drogas.

Endereço para correspondência

E. A. Carlini

Centro Brasileiro de Informações sobre DrogasPsicotrópicas (Cebrid)Departamento de PsicobiologiaUniversidade Federal de São PauloRua Botucatu 862/1º andar – Ed. Ciências BiomédicasCEP 04023-062 – São Paulo-SP

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Redução de danos: posições daAssociação Brasileira de Psiquiatria

e da Associação Brasileira paraEstudos do Álcool e Outras Drogas

Harm reduction: perspectives for the Brazilian reality. Positionof the Brazilian Association of Psychiatry and the BrazilianAssociation for Studies of Alcohol and Other DrugsJoão Carlos Dias1; Sandra Scivoletto1; Cláudio Jerônimo da Silva1; Ronaldo Ramos Laranjeira2; Marcos Zaleski2; Analice Gigliotti2;Irani Argimon2; Ana Cecília P. Roselli Marques2

R e s u m o

Este artigo tem como objetivo apresentar princípios, conceitos, fundamentos e principais diretrizes da redução de danos.Aborda as definições de risco e dano e a relação entre dano e uso de drogas, bem como a associação entre as perspectivas dedanos individuais e coletivos. Sublinha que a redução de danos é um conjunto de estratégias que visa minimizar os agravos àsaúde relacionados ao uso de drogas, quer sejam lícitas ou ilícitas, devendo ser encarada como uma das possíveis estratégias deabordagem no tratamento e na prevenção do uso de drogas. Suas ações devem estabelecer com precisão quais os tipos e quala dimensão de danos que pretende minimizar e estar embasadas em evidências científicas. Enfatiza-se, contudo, a necessidadede serem devidamente explicitadas as suas indicações e o seu público-alvo em nosso país e que evidências científicas embasarãoa prática, levando em consideração riscos e benefícios individuais e coletivos.

Unitermosredução de danos; drogas lícitas e ilícitas; uso nocivo de drogas; dependência de drogas; risco; dano; abstinência; saúde pública

S u m m a r yThe purpose of this article is to present the principles, concepts, basis and the guidelines of the harm reduction strategy. It also presents

the definitions of risk and damage and the relation between damage and drug use, as well as the association of the individual and communitarydamage. It emphasizes that harm reduction strategy is one of the possible approaches in the treatment and prevention of drug use and itsactions must establish which kinds and dimensions it supposes to minimize based in scientific evidences. It also stresses, however, the needof its targets in our country taking into consideration risks and benefits to the individual and to the population.

Unitermsharm reduction; licit and illicit drugs; drug abuse; drug dependence; risk; damage; abstinence; public health

J . b r a s . p s i q u i a t r . vol. 52 (5): 341-348, 2003

1. Departamento de Dependência Química da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP).2. Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas (Abead).

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Introdução ciais causados pelo uso de drogas. A Organiza-ção Mundial da Saúde propõe política neste cam-po. Exemplificando no caso do álcool, as políti-cas globais que visam a diminuir o consumo geraldo álcool são: aumento do preço das bebidas;proibição da propaganda do álcool; controle deacesso e disponibilidade do álcool; leis mais atu-antes sobre beber e dirigir. No Brasil não temosuma política sobre o álcool que objetive diminuiro consumo e o dano desta substância na nossapopulação, e, portanto, uma das prioridades deuma política racional sobre drogas deveria ser criaras condições para que esta política fosseimplementada. Seria a mais importante medidapara diminuir o custo social do álcool. Nos pou-cos exemplos onde algumas dessas políticas fo-ram implementadas temos resultados substanci-ais. Por exemplo, há um ano a cidade de Diadema,na Grande São Paulo, aprovou o fechamento dosbares a partir das 23 horas. Desde então a morta-lidade por causas violentas caiu em mais de 50%.

O primeiro conceito, baseado em princípiosmais estritos, também pode ser entendido, segun-do alguns autores, como ações dentro do campopreventivo, que é a melhor forma de reduzir ouevitar danos. Por este ângulo, podemos lembraros seguintes dados:

• as políticas de redução de danos para gruposespecíficos, como crianças e adolescentes, de-veriam buscar ações sociais com vistas a esti-mular padrões de abstinência. Deveríamos en-tender um pouco mais as razões pelas quais amaioria dos adolescentes não usa drogas. Exis-tem fatores de proteção nestes indivíduos queos mantém longe do consumo. Políticas quevisem a ampliar estes fatores de proteção aouso de drogas e a diminuição dos fatores deriscos do consumo deveriam ser estimuladase implementadas;

• o tratamento baseado na abstinência para a de-pendência química funciona e pode ser enten-dido, por este conceito mais ampliado, como a

Cada indivíduo traz consigo uma bagagemdiferente a respeito do uso de drogas e, conse-qüentemente, diversa atitude sobre redução dedanos. Alguns apresentam posições e condutasinfluenciadas por suas próprias experiências de tra-tamento; outros tomam por base sua própria vi-são e formação, estando incluída a bagagem mo-ral-religiosa sobre o uso de droga; outros, ainda,trazem uma visão menos estereotipada ou me-nos rígida do que é adequado em termos do usode drogas para determinado indivíduo; ou aindauma visão pró-legalização das drogas4.

Qual a atitude e a característica das diversasvisões sobre o uso de drogas e sobre os proble-mas a ele relacionados que caminham em sintoniacom o movimento de redução de dano? E quaissão as áreas em desacordo entre si ou que neces-sitam de maiores explorações e pesquisas?

A redução de danos, portanto, pode ser en-tendida atualmente por, pelo menos, duas ver-tentes diferentes: (a) a primeira, mais fidedignaaos conceitos primordiais de sua criação, parareduzir danos de HIV e DST em usuários de dro-gas injetáveis e (b) a segunda, cujo conceito maisabrangente inclui ações no campo da saúde pú-blica preventiva e de políticas públicas que visama prevenir os danos antes que eles ocorram.

Para o segundo conceito, que parte do pontode vista mais abrangente, alguns princípios base-ados em evidências devem ser destacados.

A melhor forma de reduzir os danos de todas asdrogas à sociedade é estimular padrões de abstinên-cia em todas as comunidades, famílias e indivíduos.

Não existe uso de drogas isento de riscos. Da-dos recentes mostraram que doses relativamentebaixas de álcool expõem adolescentes a maioresriscos de acidentes e a outros problemas.

As políticas de redução de danos, neste senti-do mais amplo, deveriam diminuir os danos so-

“As melhores estratégias para conscientizar a sociedade e as autoridades competentes da importânciada questão das drogas não se resumem a um só golpe de mestre. Na verdade, é um grito de guerra longo e firme.

Quando apresentar sua argumentação sobre o caso, é fundamental se ater aos fatos, apresentá-los com sinceridade,e nunca parecer radical ou ter se deixado levar pela paixão em relação a esta questão. Acredito que

também é importante formar alianças com outros assuntos de interesse de saúde pública mais amplos.”

Griffith Edwards, entrevista para o Griffith Edwards, entrevista para o Griffith Edwards, entrevista para o Griffith Edwards, entrevista para o Griffith Edwards, entrevista para o Boletim da ABEAD, Boletim da ABEAD, Boletim da ABEAD, Boletim da ABEAD, Boletim da ABEAD, 20012001200120012001

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melhor política de redução de danos. Inúmerasevidências têm mostrado que as diferentes for-mas de tratamento funcionam. Infelizmente nãofuncionam tanto como gostaríamos, mas, quan-do existe um sistema diversificado de tratamentonuma comunidade na qual os profissionais sãobem treinados, as taxas de sucesso aumentammuito. No Brasil não temos essa rede de trata-mento, que deveria ser prioridade absoluta parauma política de redução de danos neste grupo.Não podemos deixar de notar que um bomnúmero de pacientes não apresenta uma boaevolução, mesmo com a oferta ideal de trata-mento. Estes pacientes deveriam receber um tra-tamento especial. Todo sistema de tratamentodeveria basear-se numa política de inclusão da-queles pacientes que não estivessem tendo umaboa evolução, quer porque tenham uma co-morbidade psiquiátrica associada, quer por fal-ta de apoio social, ou por dano cerebral decor-rente da própria dependência química. Estespacientes deveriam ser incluídos no sistema detratamento com programas especiais para eles.Nesta situação específica poderíamos falar emredução de danos no sentido estrito da palavrae oferecermos a possibilidade de o paciente ado-tar objetivos diferentes da própria abstinência.A recusa do paciente a se tornar abstinente nun-ca deveria ser motivo para a exclusão do trata-mento;

• portanto, a redução de danos, no sentido es-trito da palavra, deveria ser uma das formasde tratamento oferecida aos pacientes. Existemevidências de que estas políticas podem salvarmuitas vidas. Por exemplo, na década de 1980o oferecimento de agulhas e seringas na Ingla-terra poupou muitas vidas ao permitir que aspessoas não utilizassem material contaminadopelo HIV. Mas foi somente com a demonstra-ção científica que essa política salvou vidas. Sóentão essas políticas foram incorporadas, naprática, no governo conservador da primeira-ministra Margareth Tatcher, na Inglaterra;

• em uma política de drogas deveríamos evitarideologias e seguir os avanços conceituais. Asevidências científicas ainda são os melhores cri-térios para adotarmos na prática de saúde. Cor-remos o risco de o termo redução de danosacabar virando mais uma ideologia que venhaa produzir, ela mesma, um grande dano a umapolítica de drogas que ainda não se desenvol-veu no Brasil.

Assim, estabeleceu-se na literatura, ao longodos anos, duas ou mais correntes de idealizadoresda redução de danos. Procuraremos aqui retomaralguns conceitos iniciais, salientando a necessi-dade de esclarecimento dos princípios da redu-ção de danos, de sua definição e de suas práticas,as quais muitas vezes se contradizem.

Voltando, então, ao princípio, é importanteque se esclareça que o fundamento da reduçãode danos não estabelece, necessariamente, umaposição contra nem tampouco a favor do usode drogas4. A redução de danos está focalizadano aumento ou na diminuição dos agravos con-seqüentes ao uso de substâncias psicoativas. Aposição predeterminada do uso de drogas comointrinsecamente bom ou ruim não tem signifi-cado neste contexto. Assim, a discussão sobreesta questão pressupõe a isenção de posiçõesideológicas.

Esta posição tem base nos primórdios da re-dução de danos na Europa; entretanto algumasreflexões foram sendo acrescentadas ao longo dosúltimos anos, colocando em xeque tal princípio.Um profissional da saúde comprometido com aética e com a medicina, baseado em evidências,poderia argumentar que as substâncias psicoativaspodem levar a uma doença de princípiosbiopsicossociais – a dependência – que pode terconseqüências danosas para indivíduo. Portanto,ao não se assumir uma posição sobre a droga,poder-se-ia estar incorrendo em má prática damedicina. Ressalte-se aqui que a posição do pro-fissional de saúde pode ser contrária às substân-cias, mas não aos indivíduos que as utilizam.

Uma confusão conceitual, então, foi se esta-belecendo ao longo dos anos em torno da redu-ção de danos: alguns se mantendo nos princípiosde sua criação, mais praticados na Europa, e ou-tros, incluindo práticas já existentes no campo daprevenção e do tratamento, no conceito e na prá-tica da redução de danos.

Portanto, numa primeira instância, faz-se ne-cessário o estabelecimento de uma definição maisprecisa, clara e uniforme sobre o termo reduçãode danos. Desta forma, as discussões a respeitodas visões e ações acerca do assunto poderão es-tar devidamente fundamentadas. Deve-se levarem consideração o contexto social, a atitude, acultura, os comportamentos, os hábitos, a epide-miologia e os padrões do uso de drogas. Estesúltimos, especificamente, sofrem influência dire-

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ta da disponibilidade e das tradições com relaçãoà formulação e fiscalização de políticas públicasrelacionadas ao uso.

De acordo com Griffith3, o uso de drogaspode ser entendido em duas dimensões distin-tas. De um lado está o uso da droga que variaao longo de um continuum, e de outro, suasconseqüências. A redução de danos tem primor-dialmente o seu foco no eixo dos problemas as-sociados ao uso de drogas. Entretanto é neces-sário sempre considerar a relação direta existenteentre a gravidade das conseqüências e o padrãodo uso de droga. Portanto, mesmo que os con-ceitos se entrecruzem com prevenção e trata-mento, não deveríamos expandi-los?

onados ao próprio efeito da droga no organis-mo. Outros danos, porém, estão associados coma forma de utilização (por exemplo, os utensíliosutilizados). Fazem parte deste grupo as infecçõespor hepatite B, HIV e hepatite C porcompartilhamento de equipamentos de injeção.Outro exemplo se relaciona às drogas de aspira-ção, como aerossóis, resultando em laringoes-pasmo. Existem, ainda, os danos associados como contexto no qual a droga é usada, como, porexemplo, acidentes automobilísticos associadosao comportamento de beber e dirigir.

No estabelecimento de políticas públicas deredução de danos é preciso ter em foco qualo tipo da relação existente entre as drogas eos danos associados ao uso, e quais danos se pre-tendem minimizar.

A política de redução de danos, estabelecidaem 1996 pelo governo do estado de São Paulo,por exemplo1, visava a minimizar o contágio porHIV, hepatites B e C associado ao uso de drogasinjetáveis por compartilhamento de seringas ouagulhas, bem como as doenças sexualmente trans-missíveis pelo comportamento sexual de risco,comum entre os usuários de drogas injetáveis. Es-sas ações podem ser entendidas como preventi-vas se tivermos como foco o indivíduo: são açõesque objetivam diminuir o risco de os indivíduoscontraírem HIV ou outras doenças transmissíveispor contato sangüíneo e sexual. Entretanto o focoda redução de danos está na população, ou seja,do ponto de vista epidemiológico, a redução dedanos visa a minimizar danos à sociedade que so-fre uma epidemia de HIV e outras doenças.

A troca de seringas e agulhas foi uma estraté-gia que claramente tinha em vista minimizar odano relacionado à contaminação por HIV, sífilise hepatite numa população bem definida e queobteve resultados positivos, demonstrados em di-versos trabalhos científicos.

Redução de danos: posições da Associação Brasileira de Psiquiatria e da Associação Brasileira para Estudos do Álcool e Outras Drogas Dias et al.

Definição de risco e danoRisco pode ser definido como a possibilidade

ou probabilidade da ocorrência de um evento. Odano prevê a ocorrência do evento em si4. Assim,esses termos não deveriam ser usados como si-nônimos porque, inclusive, estão relacionados acampos diferentes de atuação dentro do contex-to de uso de droga. A redução do risco está nocampo da prevenção e visa a evitar ou diminuiras chances de que um evento perigoso à saúdeocorra. A redução de danos prevê ações que di-minuam os danos inerentes a um evento perigo-so que já vem sendo praticado por indivíduos ougrupos de indivíduos.

Relação entre usode drogas e danos

Comportamentos de risco não resultam ne-cessariamente em danos. Existem, por exemplo,indivíduos que fumam por muitos anos e se man-têm saudáveis, ou ainda indivíduos que nãousam capacete ao pilotar suas motocicletas e nãosofrem acidentes. Contudo esses fatos não alte-ram a relação clara desses comportamentos derisco com a possibilidade de danos. Além disso,alguns comportamentos de risco, sabidamenterelacionados com danos, podem ser praticadospor muitos anos antes que ocorra o dano pro-priamente dito.

Que tipos de dano podem ser associados aouso de drogas? Alguns tipos de danos hepáticose cerebrais, por exemplo, estão associados ao usoe álcool ou barbitúricos. Estes danos estão relaci-

Definição: redução de danos

Uma confusão freqüente se dá entre os termosminimização de danos e redução de danos. Redu-ção de danos pode ser considerada algo essencial-mente operacional (por exemplo, política de re-dução de danos, programa de redução de danos);a minimização de danos pode ser considerada umameta global, um end point a ser alcançado atravésdas estratégias de redução de danos4.

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Outro aspecto importante diz respeito ao ter-mo dano. As políticas de redução de danos pre-tendem minimizar quais tipos de danos, relativosa que áreas da vida do indivíduo e em quais seg-mentos da população? Outra indagação que me-rece destaque é se a própria dependência deveser considerada um dano.

Dano pode ser definido como o resultado pre-judicial à saúde, de gravidade alta e que decorredo uso de uma substância psicoativa, afetandoum grande número de pessoas. Neste sentido, aredução de danos estabelece políticas e ações paraminimizar estes danos que tenham representaçãoepidemiológica.

Negrete6, em editorial publicado na revistaAddiction, afirma: “Como pode alguém sugerirque a escravidão proporcionada pela droga nãoé um dos maiores danos no qual incorre o de-pendente?”.

A vida de uma pessoa que depende de drogaestá direcionada pela urgência em obter nova-mente a experiência dos efeitos da droga, ou pelanecessidade de se livrar dos desconfortos causa-dos pela ausência da substância, decorrentes dealterações fisiológicas cerebrais. Ademais, a gra-vidade da dependência é um dos preditores debaixa adesão tanto para a troca de seringa comopara a prática de sexo seguro entre os usuáriosde heroína, por exemplo2.

Neste sentido, a própria dependência quími-ca poderia ser entendida como um dano, alémdo fato, já apontado, da íntima relação da de-pendência com outros danos. Aqui está uma con-fusão que precisa ser esclarecida, porque, na de-finição de dano, pode ser incluída a dependência,e isto fugiria do conceito histórico inicial da re-dução de danos. Mas, por outro lado, como nãoconsiderar a dependência química um dano? Faz-se necessária uma definição mais clara de quaisos tipos de danos fazem parte do enfoque daredução de danos.

Sendo a redução de danos também umaestratégia de saúde pública, não se devenegligenciar o dano da dependência química.Educação, informação adequada, inclusão so-cial, acesso aos serviços de saúde são algumasdas ações que poderiam ser incluídas na redu-ção de danos, e a estas deve ser acrescentadoo acesso fácil e irrestrito ao tratamento da de-pendência química.

Princípios básicos deredução de danos

Dias et al. Redução de danos: posições da Associação Brasileira de Psiquiatria e da Associação Brasileira para Estudos do Álcool e Outras Drogas

A redução de danos é fundamentada nos se-guintes princípios:

1. a redução de danos é uma alternativa de saú-de pública para os modelos moral, criminal ede doença do uso e da dependência de droga.O modelo moral defende a proibição do usoou da distribuição de certas drogas, atos con-siderados crimes sujeitos a punição. Como ex-tensão do modelo moral (pressuposto: o usode drogas ilícitas é moralmente incorreto), osistema de justiça criminal tem colaborado comos formuladores de políticas nacionais de guer-ra às drogas, cujo objetivo aparente é promo-ver o desenvolvimento de uma sociedade livrede drogas. Já o modelo doença enfatiza os pro-gramas de tratamento e de prevenção que pro-curam remediar o desejo ou a demanda pordrogas por parte do indivíduo (redução dademan- da), tendo como objetivo primordiala abstinência. A redução de danos desvia-sede tais princípios, evitando julgamentos mo-rais de certo ou errado e oferecendo uma vari-edade de políticas e de procedimentos que vi-sam à redução das conseqüências prejudiciaisdo comportamento dependente. A redução dedanos aceita o fato concreto de que muitaspessoas usam drogas e a maioria delas apre-senta outros comportamentos, também de altorisco. Assim, a redução de danos trabalha comprogramas de baixa exigência, sem perder devista a possibilidade ideal da abstinência5;

2. a redução de danos reconhece a abstinênciacomo resultado ideal, mas aceita alternativas queminimizem os danos para aqueles que permane-cem usando drogas. O princípio de tolerânciazero estabelece uma dicotomia absoluta entrenenhum uso e qualquer uso, sem distinguir o usoexperimental, os usos moderados, pesados e asdiferentes dimensões de danos associados aos dis-tintos padrões de uso. A redução de danos não écontra a abstinência. Contudo acredita que osefeitos prejudiciais do uso de drogas e outros ris-cos associados, como a atividade sexualdesprotegida, podem ser colocados em umcontinuum. Quando há comportamento muitoperigoso, a redução de danos propõe reduzir onível da exposição ao risco. A abordagem de re-dução gradual estimula os indivíduos que tenhamcomportamento excessivo ou de alto risco a dar

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um passo de cada vez para reduzir as conseqü-ências prejudiciais de seu comportamento5. Es-tratégias de redução de danos também têm apli-cação no uso de drogas legais, incluídos o tabacoe o álcool, para, por exemplo, tabagistas incapa-zes de abandonar o uso de maneira abrupta edefinitiva. Existem, como alternativas disponíveis,os adesivos de nicotina, as gomas e outras for-mas de administração de nicotina menos noci-vas do que o fumo. Embora as terapias de substi-tuição de nicotina tenham sido criadas como umauxílio para deixar de fumar, algumas pessoasusam estes produtos para manter o uso de nico-tina num nível mais seguro6;

3. a redução de danos surgiu principalmentecomo uma abordagem de baixo para cima, ba-seada na defesa do dependente, em vez de umapolítica de cima para baixo, promovida porformuladores de políticas de drogas5;

4. a redução de danos promove acesso a serviçosde baixa exigência como uma alternativa paraabordagens tradicionais de alta exigência. Osprogramas comunitários de rua oferecem umexemplo de abordagem de baixa exigência naredução de danos. Em vez de estabelecer a abs-tinência como um pré-requisito de alta exigên-cia, para receber o tratamento para dependên-cia ou outro tipo de assistência, os defensoresda redução de danos estão dispostos a reduzirestes obstáculos. Deste modo, os necessitadostêm mais possibilidade de aderir, iniciar, envol-ver-se com a mudança do comportamento. Osprogramas de baixa exigência fazem isto de di-versas formas5. Em primeiro lugar, os defenso-res de abordagem de baixa exigência estão dis-postos a encontrar o indivíduo em seus própriostermos – encontrá-lo onde estiver, em vez deonde você deveria estar. Informações de mem-bros da população-alvo são bem-vindas e, por-tanto, estimuladas, na tentativa de estabeleceruma parceria ou uma aliança entre os que for-necem os serviços e os que recebem (mesmoquando ambos os grupos consistem em usuári-os de drogas ativas). Novos programas são de-senvolvidos com a colaboração de pessoas di-retamente envolvidas e afetadas. Por meio dodiálogo, da discussão e das iniciativas de plane-jamento mútuo (por exemplo, uso de gruposfocais para reunir informações iniciais e fixaçãode metas), programas comunitários e serviçosassociados continuaram a emergir nos segmen-tos comunitários5;

5. a redução de danos baseia-se no pressupostodo pragmatismo empático versus idealismomoralista. Um adesivo para carros, popularem meados da década de 1990, proclama“Merda acontece”6. Sendo uma abordagemprática, a redução de danos aceita esse fatodesagradável da vida como premissa básica.O comportamento prejudicial acontece, sem-pre foi assim e sempre será. Uma vez aceitaesta premissa, a meta torna-se a dopragmatismo empático: o que pode ser feitopara reduzir o dano e o sofrimento tanto parao indivíduo quanto para a sociedade? Opragmatismo não pergunta se o comporta-mento em questão é certo ou errado, bomou ruim, doentio ou saudável. O pragmatismopreocupa-se com o manejo das questões co-tidianas e das práticas reais, e sua validade éavaliada por resultados práticos5.

Redução de danos: posições da Associação Brasileira de Psiquiatria e da Associação Brasileira para Estudos do Álcool e Outras Drogas Dias et al.

Perspectiva pessoal xsaúde pública

Grande parte dos problemas de infecção porHIV e hepatite C entre usuários de drogasinjetáveis tem simultaneamente satisfeito as con-siderações tanto da saúde individual como da saú-de pública. A redução de danos deve considerartanto o nível individual quanto o público daminimização do dano. O balanço dos benefíciosdos danos para a população como um todo e oconhecimento dos danos totais individuais forne-cerão o resultado dos benefícios públicos4. Entre-tanto, como política pública, na prática a redu-ção de danos tem um olhar epidemiológico. Estaconfusão entre danos individuais e danos para asociedade precisa ser mais bem esclarecida, por-que nem sempre é possível contemplar as duasperspectivas em questão. Falta uma resposta, ba-seada em evidências, sobre qual é a perspectivada redução de danos.

Tipos e dimensão dos danose população-alvo

Os danos em um nível mais simples podemocorrer como um único evento. Já em outras cir-cunstâncias os danos são cumulativos4. A gravi-dade do dano relacionado ao uso da droga, bemcomo os tipos de dano, deve ser cuidadosamenteavaliada no estabelecimento de programas oupolíticas de redução de danos. Na Europa os pro-gramas de redução de danos tinham o seu foco

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no usuário de droga que apresentava dependên-cia grave, que recusava o tratamento e que au-mentava as estatísticas dos diversos problemas as-sociados ao uso de droga.

Entretanto, gradualmente as ações de redu-ção de danos foram se expandindo para públi-cos cuja gravidade da dependência era menor.Existem evidências de que, quanto menor a gra-vidade do uso de droga, mais eficaz é o trata-mento. A questão não respondida claramente épara qual público as políticas de redução de da-nos devem estar voltadas? Seria para os usuári-os que não querem tratamento. Mas seria éticaa prática de ações de redução de danos sem to-car no uso da droga? Como definir claramentequem são os usuários que definitivamente nãoirão ao tratamento? Se a redução de danos estávoltada aos problemas do uso e evita sugestões,opções e reflexões sobre o uso da droga, comosaber se o indivíduo é elegível para um progra-ma de redução de danos?

gência focados unicamente na abstinência;(2) proporcionar uma visão realista que re-conhece que o uso de drogas ocorre, quenem todos os usuários estão em estágios deprontidão para mudança e que estas pesso-as têm direito ao acesso aos serviços de saú-de; (3) a redução de danos não é contra aabstinência e não deve ser confundida comatitudes ou posições ideológicas contra nema favor do uso de drogas;

6. as ações de redução de danos devem ter clarosquais os tipos e a dimensão de danos que sepretendem minimizar e estar embasadas em evi-dências científicas. As práticas de redução dedanos mostraram-se eficazes através de pesqui-sas bem conduzidas em minimizar os danoscausados pelo HIV e outras doenças infecciosas,mas para estabelecer novas ações é necessárioum maior número de pesquisas. Desta forma sequestiona se a medicina deve colocar em práti-ca as intervenções ainda não-testadas e compa-radas com outras intervenções já existentes;

7. a redução de danos reconhece que não é pos-sível impor mudanças ao comportamento deterceiros, mas é possível dar acesso à infor-mação a todos os cidadãos, com respeito, semdiscriminação, e com isso minimizar os da-nos à saúde associados ao uso de drogas. En-tretanto a recusa do tratamento não deveriaser motivo imediato para a exclusão do trata-mento. Todos deveriam ter acesso às infor-mações referentes a ele;

8. a redução de danos deve ser considerada umadas possíveis estratégias de abordagem ao tra-tamento e prevenção do uso de drogas. Destaforma, hão que se tornar explícitas suas indi-cações e seu público-alvo. Entretanto algumasquestões permanecem pouco claras: (1) o focodas estratégias de redução de danos está emnível pessoal ou social? Ou como se dá essaponderação entre o que é bom para o indiví-duo ou para a sociedade? (2) Sabendo pelasevidências que a dependência é um dano à saú-de, estaria o profissional eticamente autoriza-do a não informar ao paciente sobre os riscosde uso da droga e não deixar claro que a metaideal é a abstinência? (3) Para qual público deusuários as políticas de redução de danos sevoltam, e como identificá-los?;

9. finalmente, a ABP e a ABEAD sugerem, forte-mente, a realização de um consenso nacional,

Dias et al. Redução de danos: posições da Associação Brasileira de Psiquiatria e da Associação Brasileira para Estudos do Álcool e Outras Drogas

Conclusões e recomendações1. A redução de danos pode ser entendida por

uma ótica mais abrangente, envolvendo açõesde políticas públicas e tratamento ou a partirde uma ótica mais restrita, como a troca deseringas, mas também ações que minimizemdanos antes que estes ocorram, estabelecendoprogramas, por exemplo, sobre beber e diri-gir;

2. a redução de danos é um conjunto de estraté-gias que visa a minimizar os agravos à saúdeassociados ao uso de drogas, quer sejam líci-tas ou ilícitas;

3. a redução de danos está focada no eixo dosproblemas associados ao uso de drogas, masnão deve desconsiderar a existência da clararelação entre estes problemas e o uso, ao lon-go de um continuum, e que a própria depen-dência pode ser entendida como um dano;

4. é necessária uma definição objetiva do que sejadano, qual tipo de dano se pretende minimi-zar com as estratégias de redução de danos equais as evidências científicas que embasarãoa prática, levando em consideração riscos e be-nefícios para o indivíduo e para a sociedade;

5. os princípios da redução de danos são: (1)estabelecer uma abordagem de baixa exigên-cia em alternativa aos serviços de alta exi-

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Redução de danos: posições da Associação Brasileira de Psiquiatria e da Associação Brasileira para Estudos do Álcool e Outras Drogas Dias et al.

Referências

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6. Negrete JC. Harm reduction: quo vadis? Addiction 2001;96: 543-5.

Endereço para correspondência

João Carlos Dias

Avenida Nossa Senhora de Copacabana 788/1202-1204CEP 22050-001 – Rio de Janeiro-RJ

Tel./fax: (21) 2548-3616

e-mail: [email protected]

com a participação de todas as entidades re-presentativas, para a discussão ampla e cientí-fica do tema com a finalidade de serem

estabelecidas metas, prioridades, bem como oesclarecimento de conceitos dúbios e proto-colos de atuação.

349

R e s u m o

Os desafios colocados pela realidade contemporânea exigem esforços para construção de políticas públicas de atenção àsaúde. Historicamente, a questão sobre a temática droga foi vista exclusivamente pela ótica predominantemente psiquiátrica oumédica. O uso e/ou abuso e/ou dependência de álcool e outras drogas representam um problema que é do âmbito da saúdepública, que pressupõe necessária interface com outros programas do Ministério da Saúde, de outros ministérios (Justiça, Educa-ção, Secretaria de Direitos Humanos), organizações governamentais e não-governamentais e demais representantes da socieda-de civil organizada, garantindo, assim, a intersetorialidade na construção de uma política de prevenção, tratamento e educaçãopara o uso/consumo de álcool e outras drogas. Entendemos que sobre este tema há predomínio da heterogeneidade, já queafeta diferentes pessoas de diferentes maneiras, por diferentes razões, em diferentes contextos e circunstâncias. As ações desaúde devem atender às diferentes especificidades (isto é: eqüidade, universalidade e integralidade do Sistema Único de Saúde[SUS]) apresentadas pelo consumidor. Portanto, para que esta política de saúde seja coerente, eficaz e efetiva, devemos ter emconta que as distintas estratégias (retardo no consumo de drogas, redução de danos associada ao consumo e superação doconsumo) são complementares e fundamentais para a sua construção.

Unitermossaúde pública; redução de danos; usuários de álcool e outras drogas

S u m m a r yThe challenges put by the contemporary reality demand efforts for the construction of public politics of attention to health. Historically, the

subjects on the theme drugs were seen exclusively through the optics of psychiatrics or doctors. The use and/or abuse and/or dependence ofalcohol and other drugs represent a problem that is of public health extent, that presuppose necessary interface with other programs of theMinistry of Health, other Ministries (Justice, Education, General Office of Human Rights), government and non-government organizations andother representatives of the organized civil society, so guaranteeing the participation of all the sections in the construction of politics of prevention,treatment and education for the use and/or abuse of alcohol and other drugs. We understand that on this theme there is a prevalence of theheterogeneity, since it affects different people in different ways, for different reasons, in different contexts and circumstances. The actions of health

Assessores do Ministério da Saúde.

Política do Ministério da Saúde paraatenção integral a usuários de álcool e

outras drogasPolitics of the Ministry of Health for integral attention to usersof alcohol and other drugsCarla Silveira; Denise Doneda; Denise Gandolfi; Maria Cristina Hoffmann; Paulo Macedo; Pedro Gabriel Delgado; Regina Benevides;Sueli Moreira

J . b r a s . p s i q u i a t r . vol. 52 (5): 349-354, 2003

350 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003

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Introdução A política de promoção, prevenção, tratamen-to e educação voltada para o uso de álcool e ou-tras drogas deverá necessariamente ser construídanas interfaces intra/intersetoriais. Visto que o usode álcool e outras drogas é um grave problemade saúde pública, o Ministério da Saúde, pautadono compromisso ético de defesa da vida, apre-senta as diretrizes para a construção de uma polí-tica de atenção integral, assumindo completamen-te o desafio de prevenir, tratar e reabilitar osusuários de álcool e outras drogas e enfocando aimplementação e a implantação de ações com es-tratégias mais amplas, que possam contemplargrandes parcelas da população e que nãopriorizem a abstinência como única meta viável.

A realidade contemporânea tem colocado no-vos desafios no modo como certos temas têm sidohabitualmente abordados, especialmente no cam-po da saúde. A construção de diretrizes para a saú-de deve ser coletiva. Os modelos assistenciais de-vem ser revistos, objetivando contemplar as reaisnecessidades da população, o que implica desen-volver ações que possam atender igualmente ao di-reito de cada cidadão. Este é um preceito da Consti-tuição brasileira: a saúde deve ter abrangênciauniversal, não existindo critérios que permitam aexclusão de qualquer segmento social de possíveisbenefícios ou, ainda, que releguem grupos ou indi-víduos a intervenções preventivas ou assistenciais dequalidade inferior ou de menor abrangência do queaquelas oferecidas aos seus concidadãos.

O Sistema Único de Saúde (SUS), instituído pelaConstituição em 1988 e regulamentado pelas Leis8.080/90 e 8.142/90, a Lei 10.216 (marco legal dareforma psiquiátrica) e o relatório da ConferênciaNacional de Saúde Mental (dezembro/2001) vêmreforçando e fomentando o que é hoje tomadocomo imperativo: a elaboração de estratégias e pro-postas para efetivar e consolidar o modelo de aten-ção aos usuários de álcool e outras drogas, de modoa garantir seu atendimento pelo SUS.

De acordo com a Organização Mundial deSaúde, cerca de 10% das populações dos centrosurbanos de todo o mundo consomem substânci-as psicoativas de forma abusiva, independente-mente de sexo, idade, nível de instrução e poderaquisitivo. Isso nos mostra que estamos diante deum problema de grandes proporções. Frente à au-sência de políticas claras e concretas de atençãovoltadas para esse segmento, surgiram, no Brasil,alternativas de atenção pautadas pelo resultadode abstinência.

Contexto nacional: impacto do usode álcool e outras drogas

Pesquisas e estudos realizados observaram osseguintes pontos:

1. a Organização Mundial de Saúde apontou que10% das populações que vivem em centros ur-banos de todo o mundo consomem abusiva-mente substâncias psicoativas, sendo que o ál-cool e o tabaco possuem maior prevalênciaglobal, trazendo conseqüências graves para asaúde pública mundial23;

2. estudo conduzido pela Universidade deHarvard apontou o álcool como responsávelpor 1,5% de todas as mortes no mundo e por2,5% do total de anos vividos ajustados paraincapacidade21;

3. há uma tendência mundial que aponta parao uso cada vez mais precoce de substânciaspsicoativas, sendo que tal uso ocorre de for-ma cada vez mais pesada. Estudo realizadopelo Centro Brasileiro de Informações sobre

Política do Ministério da Saúde para atenção integral a usuários de álcool e outras drogas Silveira et al.

should assist the different peculiarities (that is, equity, universality and totality of SUS) presented by the consumer. Therefore, so thatthese politics of health are coherent and effective, we should take into account that the different strategies (the retard of theconsumption of drugs, the harm reduction associated to the consumption and the abstinence of the consumption) are complementary:they are fundamental elements in the construction of these politcs.

Unitermspublic health; reduction of damages; users of alcohol and other drugs

351J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003

Drogas Psicotrópicas (Cebrid) acerca do usoindevido de drogas por estudantes em dez ca-pitais brasileiras foi utilizado como base com-parativa para outros estudos e demonstrouque houve aumento do uso freqüente do ál-cool em seis das dez capitais brasileiras queparticiparam do estudo, e do uso pesado (20vezes ou mais) em oito;

4. vinte e cinco por cento dos casos notificadosde Aids no Brasil estão direta ou indiretamen-te relacionados à categoria de exposição ao usode drogas injetáveis (Boletim EpidemiológicoCN DST/Aids/2001);

5. estudo realizado entre usuários de drogas injetáveis(UDIs) contatados por projetos de redução dedanos aponta que 38,6% compartilharam agu-lha e/ou seringa com outra pessoa, enquanto35,9% utilizaram agulhas e/ou seringas de outrapessoa. A taxa de soroprevalência de HIV nestapopulação é de 36,5%8;

6. pesquisa encomendada pelo governo federalmostra, em seus resultados preliminares, que53% do total de pacientes atendidos por aci-dentes de trânsito no Ambulatório de Emer-gência do Hospital das Clínicas em São Pauloestava com índices de alcoolemia em seus exa-mes de sangue superiores aos permitidos peloCódigo de Trânsito Brasileiro. Das análises emvítimas fatais (IML/SP), o nível de alcoolemiaencontrado chega a 96,8%7;

7. série histórica do Sistema de Mortalidade do Mi-nistério da Saúde nos últimos oito anos sobre arelação entre o uso de álcool e outras drogas eeventos acidentais ou situações de violência evi-dencia o aumento na gravidade das lesões e adiminuição dos anos potenciais de vida da po-pulação. Os acidentes e as situações violentasocupam o segundo lugar em causa de mortali-dade geral, sendo o primeiro lugar na causa deóbitos entre pessoas de 10 a 49 anos;

8. dados do Datasus referentes ao ano de 2001notificam 84.467 internações para tratamen-to de problemas relacionados ao uso de álco-ol, número quatro vezes superior ao deinternações ocorridas por uso de outras dro-gas. Neste mesmo período foram emitidas121.901 autorizações para internação hospi-talar (AIHs) para internações relacionadas aoalcoolismo; a média de internação foi de 27,3dias, e o custo anual para o SUS foi superior a60 milhões de reais;

9. no período de 1988 a 2001, segundo oDatasus, os gastos decorrentes do uso de álco-ol representavam 87,9% contra 13% dosoriundos do consumo de outras substânciaspsicoativas;

10. no Brasil, estima-se que 20% das pessoas tra-tadas na rede pública de atenção primária be-bem em um nível considerado de alto risco,sendo que o sistema de saúde leva em médiacinco anos para diagnosticar tal situação.

Eficácia das ações de reduçãode danos e sua ampliação para a

clínica das dependências

As ações de redução de danos tiveram iníciono Brasil em 1989, em um único município,Santos, no estado de São Paulo. Esta primeira ini-ciativa teve grande resistência das autoridades ju-diciais. Somente em 1994, com o primeiro acor-do de empréstimo do governo brasileiro com oBanco Mundial, e em parceria com o Programadas Nações Unidas para o Controle Internacionalde Drogas, a redução de danos constituiu-se comouma política de governo, mas ainda de modo par-cial. O governo federal assumiu a redução de da-nos como importante ação de saúde pública. Es-sas ações foram acompanhadas pelo Ministériodas Saúde – Coordenação Nacional de DST/Aids.O primeiro programa vinculado foi o do Centrode Estudos e Terapia do Abuso de Drogas (Cetad),na Bahia, vinculado à Universidade Federal daBahia (UFBA).

O Ministério da Saúde, em parceria com o Mi-nistério da Justiça, iniciou a construção de pare-ceres para que a interpretação da antiga Lei 6.368,antidrogas, não impedisse as ações e o desenvol-vimento de trabalhos de intervenção baseados emcapacitação pelos pares e trabalho de redutoresde danos.

Constatou-se desde então que o impacto dasações de redução de danos está diretamente rela-cionado ao fato da inclusão dos usuários de dro-gas na agenda pública.

Estudos realizados pela Universidade Federalde Minas Gerais (1999/2001) demonstravam queas ações de redução de danos dirigidas a UDIspromoviam mudança de comportamento desdeo aumento consistente no uso de preservativo,de 42% para 65%, até a diminuição nocompartilhamento de material de injeção, de 70%

Silveira et al. Política do Ministério da Saúde para atenção integral a usuários de álcool e outras drogas

352 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003

para 41%. A procura para diagnóstico de HIV ehepatites, o tratamento de dependência químicae o tratamento da Aids também foram relatadosa partir da implantação dos programas de trocade seringas, diminuindo a vulnerabilidade à in-fecção pelo HIV, bem como a soroprevalência dahepatite C nos usuários de drogas injetáveis.

Atualmente contamos com 160 projetos finan-ciados pela Coordenação Nacional de DST/Aids noBrasil e que atingem 84 mil pessoas, o que equivalea 10,5% do total estimado de UDI no Brasil. Existem19 associações de usuários, ex-usuários e profissio-nais da redução de danos, sendo que duas são naci-onais e 17, estaduais. Elas têm tido papel fundamen-tal na conquista de cidadania pelos usuários dedrogas, exigindo dos profissionais de saúde novasposturas para o atendimento do usuário.

Outras estratégias e ações devem ser inicia-das e/ou implementadas, como a atenção para ocompartilhamento de seringas e agulhas para usode anabolizantes em academias de ginástica e paraaplicação de silicone e de hormônios. Bem comoações que estão sendo realizadas de forma pon-tual. Há necessidade, pois, de expandir as estraté-gias de redução de danos para outras drogas evias de administração, como o crack e o álcool.

A ampliação e a garantia da participação ativados usuários de drogas na construção de políticaspúblicas de saúde, bem como o apoio governamen-tal para a diminuição das vulnerabilidades deste seg-mento. Para tanto são necessários investimentos na-cionais e internacionais na discussão das leis em vigor,a partir dos custos sociais e econômicos que as polí-ticas repressivas (proibicionistas) fazem recair sobrea saúde.

tados e no Distrito Federal, a diversidade das ca-racterísticas populacionais e a variação da inci-dência de transtornos causados pelo uso abusivoe/ou dependência de álcool e outras drogas, oMinistério da Saúde propôs a criação de 250Centros de Atenção Psicossocial (Caps – álcool edrogas), dispositivo assistencial de comprovadaresolubilidade que pode abrigar em seus proje-tos terapêuticos práticas e cuidados que contem-plem a flexibilidade e a abrangência possíveis àsnecessidades a esta atenção específica, dentrode uma perspectiva estratégica de redução dedanos sociais e à saúde.

Os Caps ad devem oferecer atendimento diá-rio, sendo capazes de prestar atendimento nas di-versas modalidades (intensiva/semi-intensiva/não-intensiva), permitindo o manejo terapêuticodentro de uma perspectiva individualizada e deevolução contínua.

Como principais objetivos de ação, os com-promissos que se colocam hoje para a saúde é:

• alocar a questão do uso de álcool e outras dro-gas como um problema de saúde pública;

• indicar o paradigma da redução de danos nasações de prevenção e de tratamento comométodo clinicopolítico de ação territorial naperspectiva da clínica ampliada;

• formular políticas que possam rever e discutiro senso comum sobre o uso de drogas e o usu-ário destas dentro de uma ótica científica e desaúde;

• mobilizar a sociedade civil para participar daspráticas preventivas, terapêuticas e reabilita-doras, bem como estabelecer parcerias locaispara o fortalecimento de políticas municipaise estaduais.

Diagnosticamos como necessário para esta in-tegração das ações propostas:

1. construção de oportunidades de inserção dasações nos mecanismos implementados peloSistema Único de Saúde (SUS) nas esferas degoverno municipal e estadual;

2. formulação de alternativas para a sustenta-bilidade e o financiamento das ações;

3. repasse das experiências relativas às experiên-cias de descentralização e da desconcentraçãode atividades e de responsabilidades obtidaspor estados e municípios;

4. processos de formação e capacitação de pro-fissionais e de trabalhadores de saúde, com am-

Diretrizes para uma políticade atenção integral aos usuá-rios de álcool e outras drogas

A política de atenção dirigida à populaçãode usuários de álcool e outras drogas está emconsonância com os princípios da política desaúde mental vigente. Sendo assim, a Lei Fede-ral 10.21619 também vem a ser instrumento le-gal/normativo máximo para a política de aten-ção aos usuários de álcool e outras drogas, a qualestá em sintonia com os pressupostos da Orga-nização Mundial da Saúde.

Mediante a multiplicidade de níveis de orga-nização das redes assistenciais localizadas nos es-

Política do Ministério da Saúde para atenção integral a usuários de álcool e outras drogas Silveira et al.

353J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003

plo investimento político e operacional paramudança de conceitos.

O compromisso do Ministério da Saúde é de cri-ar, manter equipamentos, qualificar seus profissio-nais, formular políticas de saúde, articulando comáreas afins, e executar e avaliar tais políticas, assu-mindo o que lhe cabe no enfrentamento do que fazadoecer e morrer. Estes são os compromissos do SUS:fortalecer seu caráter de rede, incitando outras re-des à conexão; garantir o acesso aos serviços e aparticipação do consumidor em seu tratamento,através do estabelecimento de vínculos, da constru-ção da co-responsabilidade e de uma perspectivaampliada da clínica; e transformar os serviços locais

de acolhimento em lugares de enfretamento coleti-vo das situações ligadas ao problema.

Proporcionar tratamento na atenção primária, ga-rantir acesso a medicamentos e atenção na comuni-dade, fornecer educação em saúde para a popula-ção, envolver comunidade/usuário/família, formarrecursos humanos, criar vínculo com outros setores,monitorar as ações de saúde mental com a comuni-dade, dar apoio à pesquisa e estabelecer programasespecíficos são práticas que devem ser obrigatoria-mente contempladas pela Política de Atenção a Usu-ários de Álcool e outras Drogas em uma perspectivaampliada de saúde pública, como a que implanta-mos no Brasil.

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Silveira et al. Política do Ministério da Saúde para atenção integral a usuários de álcool e outras drogas

354 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003

Jornal Brasileiro de Psiquiatria

Endereço para correspondência

Denise Donedo

Coordenação Nacional DST/AidsSEPN 511 – Bloco CCEP 70750-543 – Brasília-DF

Tel.: (61) 448-8012

24. Paim, J. As ambigüidades da noção de necessidade em saúde.In Planejamento. Salvador, 8(1/2): 39-46, 1980.

25. Sampaio CMA, Campos MA (orgs.). Drogas, dignidade &inclusão social. A lei e a prática de redução de danos.

Política do Ministério da Saúde para atenção integral a usuários de álcool e outras drogas Silveira et al.

1. ed. Rio de Janeiro: Aborda/Coordenação Nacional deDST/Aids, 2003.

355

Posicionamento do Instituto dePsiquiatria da UFRJ sobre as

estratégias de redução de danosna abordagem dos problemasrelacionados ao uso indevido

de álcool e outras drogas

Marcelo Santos Cruz1; Ana Cristina Sáad2; Salette Maria Barros Ferreira2

R e s u m oO presente parecer representa uma síntese da literatura sobre as vantagens e desvantagens na adoção da política proibicionista

ou das estratégias de redução de danos na diminuição da soroprevalência de vírus HIV, das hepatites B e C e dos comportamen-tos de risco entre usuários de drogas e a ausência de crescimento do consumo de drogas como resultado destas ações. Háevidências da diminuição de riscos e danos pela utilização de terapias de substituição no tratamento de usuários de drogas. Poroutro lado, o regime proibicionista propõe a resolução dos problemas relativos ao uso de drogas através de táticas de repressãopolicial, por meio de uma concepção moral e criminal, sem se mostrar eficiente para diminuir os problemas relacionados ao usode drogas. No que se refere à assistência, redução de danos significa o emprego de técnicas que viabilizem as melhores opçõespossíveis para cada paciente, evitando uma exigência de abstinência a qualquer custo. Pelos motivos expostos, o Instituto dePsiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro é favorável à adoção das estratégias de redução de danos na abordagemdos problemas relacionados ao uso indevido de álcool e outras drogas no Brasil.

Unitermosálcool e drogas; redução de danos; política de saúde; terapia de substituição; proibicionismo

S u m m a r y

We present the synthesis of a literature review about advantages and disadvantages of drug prohibitionist politics versus harm reductionstrategies. Brazilian and international researches show the usefulness of harm reduction strategies in reducing HIV, hepatitis B and Csoroprevalence among drug abusers. These strategies diminish risk behaviors of drug abusers without resulting increased drug use. We foundevidences that substitution therapy for drug abuse results in reduction of risks and harm. On the contrary, prohibitionist politics focus theresolution of drug problems on repression using a moral and criminal conception, failing to solve those problems. In health care context,harm reduction means the use of techniques that makes possible to offer better options for each patient without the requirement of drugabstinence. Because of the mentioned reasons, Psychiatry Institute of Universidade Federal do Rio de Janeiro supports the adopotion of harmreduction strategies in the management of drug and alcohol problems in Brazil.

Unitermsdrug and alcohol abuse; harm reduction; health politics; substitution therapy; prohibitionist politics

1Coordenador do Programa de Estudos e Assistência ao Uso Indevido de Drogas (Projad), do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Riode Janeiro (Ipub/UFRJ).2Professora visitante do Projad, Ipub/UFRJ.

J . b r a s . p s i q u i a t r . vol. 52 (5): 355-362, 2003

356 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003

As estratégias de redução de danos partem doprincípio de que não se pode esperar que se rea-lize o ideal de a humanidade um dia prescindirde substâncias psicoativas e de que é indispensá-vel o desenvolvimento imediato de ações paradiminuir os danos provocados para cada indiví-duo e para a coletividade. Assim, a política de re-dução de danos visa ao desenvolvimento de umasérie de ações no sentido de que o ideal é que osindivíduos não usem drogas, mas, se isto aindanão for possível, que o façam com o menor riscopossível (Marlatt, 1999; Nadelmann, 1997).

Os princípios básicos da redução de danos,segundo Marlatt18, são:

1. a redução de danos é uma alternativa de saú-de pública para os modelos moral/criminal ede doença do uso e da dependência de dro-gas;

2. a redução de danos reconhece a abstinênciacomo resultado ideal, mas aceita alternativasque reduzam os danos;

3. a redução de danos surgiu principalmentecomo uma abordagem de baixo para cima, ba-seada na defesa do dependente, em vez de umapolítica de cima para baixo promovida pelosformuladores de políticas de drogas;

4. a redução de danos promove acesso a serviçosde baixa exigência como uma alternativa paraabordagens tradicionais de alta exigência;

5. a redução de danos baseia-se nos princípiosdo pragmatismo empático versus idealismomoralista.

No caso do uso injetável de drogas, por exem-plo, se um indivíduo ainda não consegue deixar deusar uma droga, as ações são no sentido de que eleo faça de forma não-injetável. Se ele ainda não con-segue isto, que o faça sem compartilhar seringas. Seele ainda não consegue, que ele e os parceiros usemmétodos eficientes de esterilização do equipamen-to de injeção e assim por diante. A troca de seringasé apenas uma das ações nesta direção. Junto a estatarefa obrigatoriamente devem ser realizadas outras,como oferecer tratamento para a dependência dasubstância, exames clínicos para doençastransmissíveis por via venosa ou sexual, tratamentopara doenças clínicas, ensinamentos e materialeducativo sobre a prevenção de doenças de contá-gio sexual e venoso. Como afirmam Nadelmann,McNeely e Drucker22, “a prioridade é colocada namaximização da quantidade de contato que usuári-

A resposta dos responsáveis pelas políticas paraas drogas no Brasil e no restante do mundo oci-dental é ainda, predominantemente, a tentativade eliminar a oferta de drogas ilícitas e com issoperseguir o ideal de uma sociedade sem drogas.Durante a última década, alguns países respon-deram aos problemas relacionados às drogas cominiciativas diversas, que envolviam a noção de re-dução de danos16, 26. Essas iniciativas sugerem sermelhor, tanto para a sociedade quanto para o in-divíduo, diminuir os riscos e os prejuízos relacio-nados ao uso contínuo de drogas e à política decontrole de drogas do que restringir o focoobjetivado em uma sociedade livre de drogas. Opresente parecer representa uma síntese do queencontramos na literatura sobre as vantagens edesvantagens na adoção da política de uma soci-edade livre de drogas ou das estratégias de redu-ção de danos.

As noções contemporâneas de redução de da-nos surgiram na formulação da política de dro-gas holandesa durante o final da década de 1970e início da de 198014, 18. O evento que tornou estapolítica oficial em países como Austrália, Suíça eGrã-Bretanha foi o reconhecimento, durante me-ados dos anos 1980, de que injetar drogas com-partilhando agulhas dissemina o vírus HIV: “O HIVé uma ameaça maior à saúde pública e individualdo que o abuso de drogas, e a prevenção da Aidsdeve estar integrada aos esforços antidrogas”1, 31.Com o crescimento da epidemia de Aids, nos lo-cais em que já se desenvolviam atividades de re-dução de danos estas iniciativas passaram a sertambém dirigidas para a prevenção do contágiopor todas as doenças transmissíveis por via veno-sa e também sexual.

Figura 1

Posicionamento do Instituto de Psiquiatria da UFRJ sobre as estratégias de redução de danos na abordagem dos problemas relacionados ao uso indevido de álcool e outras drogas Cruz et al.

357J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003

os de drogas problemáticas têm com os serviçoscomunitários sociais, de assistência e outros”.

O risco de contágio de doenças de transmissãopelo uso de drogas injetáveis é uma preocupaçãode saúde pública, sendo esta forma de contamina-ção relevante no contágio entre usuários de drogasinjetáveis assim como a disseminação destes paraseus parceiros pela via do contágio sexual. No Bra-sil, a redução de danos é a abordagem preventivaoficial pela qual a epidemia de Aids vem sendo en-frentada, e a pretensão é que se expanda para a áreade prevenção e tratamento de usuários de drogas8.

Como a preocupação com a transmissão daAids é generalizada, a maior parte dos estudos so-bre os resultados da execução de estratégias deredução de danos é referente aos riscos de conta-minação pelo HIV. Esta preocupação é justificadapelas altas taxas de prevalência desoropositividade entre usuários de drogasinjetáveis. Um estudo realizado nas cidades deItajaí, Porto Alegre, São José do Rio Preto, SãoPaulo e Sorocaba mostra taxas que variam de18,4% a 78% de prevalência de HIV na popula-ção de usuários de drogas injetáveis27. A médiano grupo estudado (52,3%) é muito maior doque a da população em geral, da mesma formaque a prevalência de soropositividade para HTLV(17%)4, 34. Estudos realizados em Santos19, Rio deJaneiro4 e Salvador2 encontraram taxas igualmentealtas para estes vírus e para os das hepatites B eC. O mais importante é que nestas três cidadesestes estudos encontraram importante queda naprevalência destes agentes infecciosos quandocomparados com estudos realizados antes da ins-tituição, nestas cidades, de estratégias de redu-ção de danos para este grupo populacional. Em-bora não se possa afirmar que a queda nas taxasde soropositividade seja resultado da implanta-ção das estratégias de redução de danos, outrosresultados destas pesquisas apontam nesta dire-ção, como é o caso da diminuição da freqüênciado uso injetável e do padrão de compartilhamentode seringas (em Santos, Rio de Janeiro e Salva-dor) e do uso de preservativos (Salvador).

Os resultados dos estudos realizados no Brasilsão consistentes com aqueles efetuados nos Esta-dos Unidos, na Grã-Bretanha, na Holanda e naAustrália11, 15, 20. Um estudo de revisão de 14 pro-gramas de troca de seringas mostrou que dez de-les tiveram como resultado a diminuição nocompartilhamento de seringas, quatro não mos-

traram nenhuma redução e nenhum programaresultou em aumento15, 20.

O emprego da substituição de drogas por ou-tras substâncias menos associadas a danos, mes-mo quando estas oferecem risco de abuso oudependência, também pode ser compreendidoentre as ações das estratégias de redução de da-nos. No Brasil, podem ser incluídos nesta cate-goria o uso dos benzodiazepínicos nas fases ini-ciais após a interrupção do uso do álcool e aprescrição de metadona para dependentes deopióides. A substituição no tratamento de de-pendentes de opióides é utilizada em outros pa-íses desde 192323. Segundo Nadelmann,McNeely e Drucker22, os resultados positivosencontrados na l iteratura sobre o uso demetadona para usuários de heroína incluem adiminuição no uso de heroína12, 24, a diminuiçãodo uso injetável10, 30, a redução de comportamen-

Figura 2

Cruz et al. Posicionamento do Instituto de Psiquiatria da UFRJ sobre as estratégias de redução de danos na abordagem dos problemas relacionados ao uso indevido de álcool e outras drogas

Figura 3

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que podem provocar dependência, e com a pos-sibilidade de ocorrência de troca de uma drogapela outra, há evidências de que não há diminui-ção da chance de abstinência estável de metadonae outras drogas para pacientes que aderem a pro-gramas de metadona17.

Em oposição à política de redução de danos estáa guerra às drogas ou a ideologia de tolerância zero,adotada principalmente pelo governo norte-ameri-cano e baseada nas políticas de proibição,criminalização e numa ideologia rígida livre de dro-gas (Nadelmann, 1997). Este projeto, cunhado du-rante o governo Reagan, tem empregado somasvultosas em iniciativas dirigidas fundamentalmentepara a repressão de produção, comercialização econsumo de substâncias ilícitas. O regime internacio-nal de proibição de drogas promovido pelos Esta-dos Unidos desde o início de 1900 está agora firme-mente estabelecido pelo mundo: a Convenção Únicasobre Narcóticos (Single Convention on NarcoticDrugs), de 1961, e a Convenção das Nações Unidascontra o Tráfico Ilegal de Narcóticos e SubstânciasPsicoativas (Convention against Illicit Traffic inNarcotic Drugs and Psychoactive Substances), de1988, foram ratificadas em mais de cem governos21,

32. As táticas de repressão e sanções desenvolvidaspelos Estados Unidos, incluindo aparato eletrônicode vigilância, testes de drogas, novas leis, prisõescompulsórias relacionadas às drogas, foram adotadasem muitos países, e a proporção de aparato, recur-so policial e espaço em prisões destinados a esse fimaumentou dramaticamente20, inclusive no Brasil9.Como afirmam Nadelmann, McNeely e Drucker22,essas políticas “se mantêm dominantes nos EstadosUnidos, apesar das recomendações em contrário de

Posicionamento do Instituto de Psiquiatria da UFRJ sobre as estratégias de redução de danos na abordagem dos problemas relacionados ao uso indevido de álcool e outras drogas Cruz et al.

Figura 4

Figura 5

to criminoso e prisões13, a redução nas taxas demortalidade entre dependentes7 e o aumento noemprego5, 12.

Embora os críticos das estratégias de substi-tuição se preocupem com o uso de substâncias Figura 6

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Cruz et al. Posicionamento do Instituto de Psiquiatria da UFRJ sobre as estratégias de redução de danos na abordagem dos problemas relacionados ao uso indevido de álcool e outras drogas

várias instituições de alto nível científico e de con-sultores do governo ao longo de anos”.

Este tipo de abordagem entende o problemado uso de drogas através dos modelos moral/cri-minal e de doença, como cita Marlatt18: “O mo-delo moral, como expresso na política de contro-le de drogas dos Estados Unidos, é o de que o usoe/ou a distribuição de certas drogas são crimesque merecem punição... no modelo moral o usode drogas ilícitas é moralmente incorreto”. Estesmodelos também foram verificados em nosso paíscomo ideologia predominante, importados dosEUA28, 29. O objetivo final dos programas de trata-mento baseados em modelos moral e de doençaé reduzir e eliminar a prevalência do uso de dro-gas, concentrando-se no usuário.

Entre as críticas à política de guerra às drogasencontra-se o predomínio da destinação de re-cursos públicos à repressão com resultante escas-sez de recursos e esforços destinados às ativida-des de prevenção e assistência. Também équestionado o próprio objetivo da política, umavez que se discute se é possível esperar que umdia haja alguma sociedade livre de drogas.

As críticas referentes à política de redução dedanos geralmente são calcadas mais em experi-ências pessoais do que em científicas e incluem aidéia de que a redução de danos estimularia oconsumo de drogas e trabalharia visando à lega-lização das mesmas. Talvez seja este o motivo daescassez de artigos que se contrapõem às estraté-gias de redução de danos. A preocupação com apossibilidade de os programas de troca de serin-gas incentivarem o uso de drogas não é corrobo-rada por estudos no exterior25, 35. Embora aindanão existam dados nacionais disponíveis para res-ponder a esta questão, conforme Bastos e Mes-quita3 “é preciso afirmar, categoricamente, quenenhum estudo científico até hoje publicado cor-roborou a formulação de que a implantação deprojetos de trocas de seringas daria lugar a umaumento do consumo de drogas nas comunida-des por eles abrangidas”.

As estratégias de redução de danos têm sidodisseminadas mundialmente e atualmente passama ser compreendidas como uma proposta não ape-nas preventiva, mas também como uma das ba-ses que fundamentam a assistência a usuários dedrogas6. No que se refere à assistência, a utiliza-ção do modelo de redução de danos significa o

Figura 7

Figura 8

Figura 9

emprego de técnicas por profissionais e institui-ções que viabilizem as melhores opções possíveispara cada paciente, evitando uma exigência de

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Posicionamento do Instituto de Psiquiatria da UFRJ sobre as estratégias de redução de danos na abordagem dos problemas relacionados ao uso indevido de álcool e outras drogas Cruz et al.

Figura 10

Figura 11

abstinência a qualquer custo. Não se trata de des-prezar a importância da abstinência para muitospacientes, mas incluí-la como uma possibilidade

Figura 12

Figura 13

Figura 14

entre outras. A utilização deste tipo de aborda-gem torna possível que muitos pacientes se vin-culem aos profissionais e à instituição, iniciandotratamento que pode progressivamente trazermodificações importantes na forma de o pacien-te lidar consigo mesmo e com o mundo à sua

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Cruz et al. Posicionamento do Instituto de Psiquiatria da UFRJ sobre as estratégias de redução de danos na abordagem dos problemas relacionados ao uso indevido de álcool e outras drogas

volta e, inclusive, com o seu uso de drogas. Aexigência de abstinência, por outro lado, selecio-na aquela parcela do grupo de usuários de dro-gas que pode desde o início interromper o uso dasubstância, excluindo os demais do tratamento.Como enfatiza Carlini8, a adoção de uma estraté-gia de redução de danos não se trata apenas deuma mudança de paradigma, mas também da“adoção de uma política que respeite a pluralidadede modos de vida e que atue a partir da aceitaçãodesta realidade”. Esta autora descreve ainda comovantagens da estratégia de redução de danos ofato de ser menos custosa do ponto de vista dosrecursos financeiros e mais eficiente se compara-da com as abordagens tradicionais.

A opção por uma estratégia de redução de da-nos não é contraditória com a utilização de açõesno sentido de diminuir a oferta e o consumo dedrogas. Na realidade, como demonstram Stimsone Fitch33, as estratégias de redução de danos sósão opostas às posturas proibicionistas que se pro-põem a resolver os problemas relacionados ao usode drogas pela sua proibição geral.

A partir do que encontramos na literatura, oposicionamento do Instituto de Psiquiatria da UFRJé favorável à utilização das estratégias de redu-ção de danos na abordagem dos problemas rela-cionados ao uso indevido de álcool e outras dro-gas no Brasil. Pelos motivos expostos, deve-seafirmar que admitir a impossibilidade imediata deuma sociedade livre de drogas é assumir, de for-ma responsável, o papel que cada um tem no tra-tamento da dependência de drogas, tratamentoeste adequado a cada indivíduo, suas necessida-des e possibilidades. Investir em políticas públi-cas de prevenção e tratamento coerentes com arealidade do país e da sociedade é abordar de for-ma coerente os problemas relacionados ao usode drogas. Privilegiar as ações repressivas, respon-sabilizar as substâncias e aqueles que as utilizampelos problemas encontrados e estigmatizar usu-ários como moralmente criminosos ou doentessão formas parciais e preconceituosas de se en-frentar o problema do uso de drogas, propostasnão-endossadas pelas estratégias de redução dedanos.

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Posicionamento do Instituto de Psiquiatria da UFRJ sobre as estratégias de redução de danos na abordagem dos problemas relacionados ao uso indevido de álcool e outras drogas Cruz et al.

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Jornal Brasileiro de Psiquiatria

Endereço para correspondência

Marcelo Santos Cruz

Avenida Venceslau Brás 71/fundos – BotafogoCEP 22290-140 – Rio de Janeiro-RJ

e-mail: [email protected]

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Posicionamento da Unifespsobre redução de danos

E. A. Carlini

J . b r a s . p s i q u i a t r . vol. 52 (5): 363-370, 2003

R e s u m oNa Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), vários grupos atuam na área de uso abusivo e dependência de álcool e

outras drogas: a Disciplina de Medicina e Sociologia do Abuso de Drogas (Dimesad), criada pela união de dois setores – o CentroBrasileiro de Informações sobre Drogas (Cebrid) e a Unidade de Dependência de Drogas (Uded) –, e, vinculados ao Departamen-to de Psiquiatria –, os setores Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes (Proad) e a Unidade de Atendimento aDependentes (Uniad). Durante a fase de preparação da reunião, várias discussões ocorreram nesses setores, sem que existisseum consenso sobre a questão. Dada a riqueza das discussões, optamos por apresentar neste documento as diferentes reflexõese o posicionamento desses grupos.

Unitermosredução de danos; Unifesp; dependência de droga; tratamento

S u m m a r yIn the Federal University of São Paulo several groups are dealing with the problems of alcohol and drug abuse: the discipline of Medicine

and Sociology on Drug Abuse (Dimesad), composed of the Brazilian Center of Information on Psicotropic Drugs (Cebrid) and Unite ofDependence of Drug (Uded), the Program of Attendance and Orientation of Dependent Persons (Proad) and the Unity of Attendance ofDependent Persons (Uniad). Several previous meetings and discussions among these bodies were held, but a consensus was not reached onharm reduction. As a consequence of this lack of consensus, the independent opinion of each of these bodies on the subject were publishedseparately.

Unitermsharm reduction; Unifesp; drug addiction; treatment

Posicionamento da Disciplina de Medicinae Sociologia do Abuso de Drogas

Alexandro B. Guerra; Ana Cecília P. R. Marques; Ana Regina Noto; Beatriz M. V. Camargo; Eroy A. Silva; Hamer A. Palhares;José Carlos Fernandes Galduróz; Marlene Asevedo; Maria Lucia O. Souza Formigoni; Solange A. Nappo

A redução de danos não deve ser confundida comos contextos culturais, científicos e políticos nos quaisela ocorre. Considerando que a falta de conceitosclaros sobre redução de danos possa ser um proble-ma para sua aceitação, implementação e avaliação,é preciso discutir de modo aprofundado a questão eavaliar sua efetividade15. É importante ter claro qual

dano se quer reduzir e como avaliar cientificamenteo impacto de cada tipo de ação ou estratégia namudança de comportamentos de risco e na redu-ção da disseminação de epidemias, assim como suainfluência sobre os conceitos acerca do uso de dro-gas nas comunidades nas quais essas medidas sãoadotadas.

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

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como sinônimos, embora não o sejam. Riscopode ser definido como a possibilidade ou pro-babilidade da ocorrência de um evento. Danose refere a uma conseqüência de um evento jáocorrido.

4 )4 )4 )4 )4 ) Prevenção e redução de danosPrevenção e redução de danosPrevenção e redução de danosPrevenção e redução de danosPrevenção e redução de danos – – – – – ao apli-carmos os conceitos de prevenção à área deuso e abuso de drogas, podemos considerar:

š prevenção primária – não existindo o con-sumo, engloba as ações que visam a evitarou retardar o início do consumo de drogas.Ex.: campanhas educativas, divulgação deinformações, educação comunitária, limita-ções impostas pela legislação, etc.;

š prevenção secundária – existindo algum nívelde consumo, as ações de prevenção secundá-ria têm por objetivo evitar o aparecimento deproblemas decorrentes do uso, podendo en-globar tanto ações que visam à redução ou in-terrupção do consumo de drogas como açõesque visam a evitar conseqüências decorrentesdo uso, sem propor alteração do consumo. Ex.:identificação precoce de um padrão de consu-mo prejudicial, informação sobre níveis segu-ros do consumo de álcool, detecção precoceseguida por intervenções breves, campanhasque propõem se beber, não dirija;

š prevenção terciária – em geral dirigida àspessoas identificadas como dependentes, asações de prevenção terciária objetivam re-dução das conseqüências, sejam elas bioló-gicas, psicológicas ou sociais. Pode englo-bar ações que visem à redução do consumo(ex.: tratamento com meta de abstinência),ou das conseqüências, sem propor altera-ção de consumo. A prevenção terciária en-globa tratamento, reabilitação e estratégiasde redução de dano.

As especificidades culturais são de suma im-portância e devem ser consideradas nessas avali-ações à medida que as primeiras estratégias deredução de danos forem desenvolvidas, visandoa atingir usuários de drogas injetáveis, principal-mente dependentes de opiáceos.

No Brasil, a maioria dos usuários de drogasfaz uso de álcool, maconha ou cocaína, reque-rendo ações adequadas a este perfil. É preciso dis-cutir quais são os nossos principais problemas paradeterminar as ações de redução de danos prioritá-rias e permitir um adequado planejamento de in-vestimentos a curto, médio e longo prazos. Paraisso é necessário um esforço conjunto das autori-dades dos sistemas de saúde, judiciário, de assis-tência social, da comunidade universitária e deprofissionais atuantes na área, a fim de permitir aadoção de medidas cientificamente embasadasque permitam a melhor aplicação possível dos re-cursos humanos e financeiros disponíveis.

Em resumo, a redução de danos pode e deveser incluída nos programas de saúde, desde que:

• sejam desenvolvidas pesquisas que comprovemsua necessidade, sua efetividade e sua relaçãocusto/benefício;

• seja contextualizada, pois a cultura de cada lo-cal influencia o modelo e o resultado de qual-quer intervenção;

• não seja considerada o oposto de proibição, comouma proposta de legalização das drogas.

Posicionamento da Unifesp sobre redução de danos Carlini et al.

Conceitos

Antes de enfocar a redução de danos propria-mente dita, é importante elucidar alguns concei-tos sobre prevenção.

1 )1 )1 )1 )1 ) Redução da oferta – Redução da oferta – Redução da oferta – Redução da oferta – Redução da oferta – medidas repressivas quetêm como objetivo a destruição e a proibiçãode produção, importação ou venda de substân-cias psicoativas ilícitas, por meio de policiamen-to e aplicação das leis. Quanto às lícitas, emgeral, o objetivo é agilizar a vigilância sanitá-ria no controle de prescrições.

2 )2 )2 )2 )2 ) Redução da demanda – Redução da demanda – Redução da demanda – Redução da demanda – Redução da demanda – são medidas plane-jadas para diminuir os agravos à saúde decor-rentes do consumo de drogas, além dos fato-res de risco para o indivíduo na família, naescola, na comunidade, no trabalho, evitandoou diminuindo o uso.

3 )3 )3 )3 )3 ) Risco e danoRisco e danoRisco e danoRisco e danoRisco e dano – – – – – o que é dano e como isto serelaciona com risco? Ambos têm sido usados

Redução de danos

A Redução de danos (RD) é um conjunto deações ou estratégias voltadas para diminuir os ris-cos e os danos decorrentes do uso de drogas apartir de medidas que não envolvem a reduçãodo consumo, não exigindo abstinência20.

Objetivos da RD: as ações de redução de danosvisam, principalmente, a reduzir comportamentosde risco associados ao uso de drogas, sendo prag-máticas e de baixa exigência. Não têm como obje-tivo a redução do consumo, mas sim a de outros

365J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003

Carlini et al. Posicionamento da Unifesp sobre redução de danos

Quadro 1 – Estratégias de redução de danos

Prevenção Prevenção Prevençãoprimária secundária terciária

Evitação Redução Reduçãodo consumo do consumo do consumo

Estratégias que não envolvem redução do consumo = redução de danos

problemas a ele associados. Um exemplo clássicodesse tipo de ação é prover os usuários com serin-gas limpas e preservativos, a fim de se evitar a trans-missão de doenças infecto-contagiosas. Reduçãode danos e minimização dos danos também sãoexpressões usadas como sinônimas, sendo maisadequado utilizar o termo redução de danos ao sereferir ao conjunto de estratégias por meio das quaisse poderá minimizar o dano.

Outras ações de redução de danos envolvemmedidas que visam:

• à redução de acidentes (automobilísticos oupor overdose);

• à redução de conseqüências sociais (como assalas para uso de drogas supervisionadas pelosistema de saúde);

• à redução de conseqüências legais (ex.: mudan-ça da lei, diferenciando usuários de traficantes).

A Dimesad entende que estratégias de re-dução de danos podem ser utilizadas na pre-venção secundária e terciária, como resumidono QQQQQuadrouadrouadrouadrouadro 1 1 1 1 1.

Posicionamento da Unidade de Atendimentoa Dependentes (Uniad)

Marcelo Ribeiro; Ronaldo Ramos Laranjeira

Em relação à prevenção, existem dois braçosimportantes:

1) redução do suprimento – medidas repressivasque têm como objetivo a destruição, a proibi-ção da produção, a importação e a venda deSPP ilícitas por meio de policiamento e aplica-ção das leis. Quanto às lícitas, em geral o obje-tivo é agilizar a vigilância sanitária no controlede prescrições e exigir a ampliação das bulas ea capacitação dos comerciantes de remédiosquanto ao uso do álcool nas formulações;

2) redução da demanda – são medidas planeja-das para diminuir o consumo, diminuindo,conseqüentemente, os riscos para o indivíduo,para a família e para a comunidade. Essa for-ma de prevenção foi desenvolvida a partir domodelo de doença e, portanto, propõe comomedidas preventivas a abstinência (prevençãoprimária); a diminuição do uso (prevenção se-cundária) e o tratamento com abstinência (pre-venção terciária). Todos esses níveis de preven-ção adotam a abstinência como meta e, maistarde, com a evolução do modelo de uso, am-pliam sua intervenção para técnicas de redu-

ção do consumo e terapias de substituição paraalguns pacientes. A proposta de beber mode-radamente é um exemplo, assim como a tera-pia de reposição com adesivos de nicotina.

A redução de danos é um modelo de cuidadoscom a saúde cujas ações ou estratégias estão volta-das para diminuir os riscos e os danos decorrentesdo uso de drogas, a partir de medidas gerais, semreduzir o consumo8, 7, 17-19). Portanto esse modelonão exige abstinência21. A redução de danos nãodeve ser confundida com os contextos ideológicos,culturais, científicos ou políticos nos quais ela ocor-re, mas é necessário assimilá-los5, 9, 13, 14.

Existem alguns pressupostos éticos e teóricosque consideramos fundamentais:

1) é importante preservar a vida humana e me-lhorar os níveis de saúde do indivíduo e da po-pulação;

2) não existem sociedades que não fazem ne-nhum uso de drogas, portanto isto não deveser ignorado ou criminalizado;

3) tanto drogas lícitas como ilícitas podem promo-ver danos com impacto individual e/ou social;

366 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003

4) as pessoas têm direito à informação sobre dro-gas com base em evidências científicas inte-gradas ao contexto social;

5) os efeitos das drogas variam de acordo comcaracterísticas individuais, podendo influenci-ar seu equilíbrio e relações sociais, gerandodano individual e/ou social;

6) em decorrência da variabilidade individual esocial, estratégias de baixa exigência precisamser utilizadas;

7) quando o indivíduo não aceita ou não con-segue reduzir o uso, aplica-se o modelo deredução da demanda de problemas, a re-dução de danos, na qual o consumo não éabordado.

Na Uniad, a estratégia de redução de danos éutilizada na prevenção terciária, dentro do trata-mento formal, cuja meta ideal é a abstinência. As-sim, é aplicada em uma etapa inicial e ou inter-mediária, visando à abstinência.

Posicionamento do Programa de Orientaçãoe Atendimento a Dependentes (Proad)

Fernanda Moreira; Dartiu Silveira

O Programa de Orientação e Atendimento aDependentes (Proad), fundado em 1987, é umserviço do Departamento de Psiquiatria da EscolaPaulista de Medicina (Unifesp). Ao longo de suaexistência, o Proad vem desenvolvendo ativida-des de assistência, ensino, pesquisa e prevençãona área das dependências de substâncias lícitas eilícitas e algumas dependências não-químicas, taiscomo jogo patológico e sexo compulsivo. O Proadfoi a primeira instituição ligada à universidade ainstituir um programa de redução de danos noBrasil. Já contávamos, desde 1990, com um pro-grama de formação de outreach workers – hojechamados redutores de danos –, profissionais quesaíam às ruas nos locais de concentração de usu-ários de drogas injetáveis para ensinar-lhes técni-cas de desinfecção de agulhas e seringas. Devidoaos impedimentos legais, não foi possível, na épo-ca, adotar a troca de seringas e agulhas, regula-mentação que ocorreu somente em 1998.

Em 1994, com o estabelecimento de um con-vênio com o Ministério da Saúde (DST/Aids), oProad passou a coordenar ações preventivas rela-cionadas ao abuso de drogas e à infecção peloHIV em nível nacional, com subsídios da Organi-zação das Nações Unidas (UNDCP-ONU)/BancoMundial. Atualmente, estamos reestruturando oprograma de disponibilização de seringas aosusuários de drogas injetáveis, o Programa de Re-dução de Danos (PRD/Proad). Nesse programa,identificamos, na rede de pacientes atendidos peloProad, aqueles com potencial para atuarem como

Posicionamento da Unifesp Carlini et al.

voluntários no PRD/Proad. Esses pacientes podemser usuários de drogas injetáveis (UDI) ou ex-UDI,ou, ainda, usuários de drogas que tenham pene-tração na rede social dessa população-alvo. A par-tir dessa identificação, os redutores de danos(agentes de saúde) serão capacitados, pela equi-pe do Proad e por profissionais colaboradores,para abordar usuários de drogas injetáveis, distri-buir seringas e agulhas estéreis e descartáveis,promovendo práticas de uso seguro de drogas eaconselhamento para a prática de sexo livre deriscos. Contamos, há cinco anos, com um grupode acolhimento de redução de danos dentro denossa sede. Esse grupo é voltado para usuários dedrogas ilícitas, entre 18 e 25 anos, que não dese-jam, em princípio, interromper o uso de drogas,mas discutir formas de uso controlado com oobjetivo de realizá-lo com o menor risco possível.Freqüentemente observamos que vários dosfreqüentadores desse grupo acabam se engajandono tratamento, visando a abandonar o uso dedrogas. Segundo dados do Ministério da Saúde,23% dos usuários atendidos pelos PRD procuramtratamento para dependência química.

Nossa instituição vem desenvolvendo trabalhosde pesquisa na área que incluem os seguintes proje-tos, concluídos ou em andamento: uso terapêuticode cannabis na dependência do crack; investigaçãodo risco de contaminação pelo HIV entre usuáriosde crack; a overdose de cocaína na perspectiva dousuário; fatores preditivos de suicídio entre depen-dentes de álcool e drogas; transtorno de atenção

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em usuários de drogas; comportamento sexual derisco para Aids entre usuários de cocaína e crack;fatores de risco para a infecção pelo HIV e outrasdoenças sexualmente transmissíveis (DST) entre de-pendentes; comportamentos autodestrutivos emusuários de álcool e drogas; violência familiar e abu-so de álcool e drogas; fatores de risco para abuso dedrogas em crianças de rua; alterações psiquiátricase neuropsicológicas em adolescentes usuários deayahuasca em contexto ritual religioso; alteraçõeseletrocardiográficas em pacientes usuários de coca-ína (monitorização eletrocardiográfica ambulatorial– holter); prevenção do uso indevido de drogas (co-nhecimentos e atitudes de coordenadores pedagó-gicos de escolas públicas de ensino fundamental dacidade de São Paulo) redução de danos ou guerraàs drogas, comparando-se modelos de prevenção;situações relacionadas ao uso indevido de drogasnas escolas públicas da cidade de São Paulo (umaabordagem do universo escolar).

Em sua tese, Bravo2 afirma existirem atualmentedois discursos contrapostos a respeito do consumode drogas: o discurso tradicional, ligado a posturasrepressivas, focalizando predominantemente as dro-gas ilegais e criminalizando o usuário – a chamadaguerra às drogas; e um novo discurso, denominadoredução de danos, que não tem como objetivo aeliminação total do consumo, mas a diminuição dosefeitos prejudiciais do mesmo, priorizando a saúdedos sujeitos e da comunidade em geral. Esse movi-mento aceita que “bem ou mal, as drogas lícitas eilícitas fazem parte deste mundo, e escolhe traba-lhar para minimizar seus efeitos danosos ao invés desimplesmente ignorá-los ou condená-los”6. Na RD,o critério de sucesso de uma intervenção não seguea lei do tudo ou nada, sendo aceitos objetivos parci-ais. As alternativas não são impostas de cima parabaixo, por leis ou decretos, mas são desenvolvidascom participação ativa da população beneficiária daintervenção. O denominador comum das ações den-tro da RD é a postura compreensiva e inclusiva, asabordagens amigáveis ao usuário12. Cabe ressaltarque, na visão partilhada pelo Proad, a RD não secontrapõe ao modelo que visa à abstinência de dro-gas, mas o considera uma das estratégias possíveisentre várias outras.

O Quadro 2 Quadro 2 Quadro 2 Quadro 2 Quadro 2 compara a política de guerra àsdrogas com o movimento de redução de danos,tendo sido elaborado com informações sintetiza-das por Wodak22 e apresentadas por Bravo2.

Segundo Silveira e Silveira16, o movimento daredução de danos apresenta como objetivos gerais:evitar, se possível, que as pessoas se envolvam como uso de substâncias psicoativas; se isto não for pos-sível, evitar o envolvimento precoce com o uso dedrogas, retardando-o ao máximo; para aqueles quejá se envolveram, ajudá-los a evitar que se tornemdependentes; para aqueles que já se tornaram de-pendentes, oferecer os melhores meios para quepossam abandonar a dependência; e se, apesar detodos os esforços, eles continuarem a consumir dro-gas, orientá-los para que o façam da maneira me-nos prejudicial possível. Dessa forma, consideramosa redução de riscos e a redução de danos partes deum mesmo continuum onde estão englobadas asestratégias de prevenção nos vários níveis – primá-rio, secundário e terciário – bem como todas as in-tervenções de atendimento ao usuário, incluindo tra-tamento e reinserção social.

Na visão do Proad, em um tratamento da de-pendência química pautado nos princípios da re-

Carlini et al. Posicionamento da Unifesp

Redução de danos:o ponto de vista do Proad

No século passado, três ocorrências favoreceramuma nova forma de abordar o problema do usoindevido de substâncias psicoativas no mundo: em1926, no Colégio de Médicos Britânicos/ComitêRolleston, começou-se a prescrever heroína e serin-gas para os dependentes de heroína; em 1984, naepidemia de HIV e hepatite B entre usuários de dro-gas injetáveis na Holanda, medidas sanitárias derru-baram o preconceito de que os dependentes quími-cos não responderiam a intervenções de prevenção;e houve expansão da estratégia de troca de seringasem vários países do mundo.

A essa nova abordagem deu-se o nome de re-dução de danos. Atualmente o movimento de re-dução de danos (RD) vai muito além dos progra-mas de disponibilização de seringas para usuáriosde drogas injetáveis. Podemos pensá-lo como umparadigma que permeia diversos aspectos do traba-lho na área de uso e abuso de substâncias psicoativas.

Segundo Andrade1, “redução de danos é umapolítica de saúde que se propõe a reduzir os prejuí-zos de natureza biológica, social e econômica douso de drogas, pautada no respeito ao indivíduoe no seu direito de consumir drogas”.

A posição do Proad foi considerar a reduçãode danos como um paradigma que permeia todoo seu trabalho.

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dução de danos, os usuários são acolhidos den-tro das suas demandas e possibilidades. Isso in-clui a possibilidade de modificação do padrão deuso e da substituição da droga de abuso por ou-tra com a qual o usuário consiga estabelecer umpadrão de uso menos danoso, sem excluir a pos-sibilidade da abstinência. A substituição de dro-gas pode incluir tanto drogas lícitas (prescriçãode metadona para usuários de opióides e de ben-zodiazepínicos para dependentes de álcool) quan-to ilícitas (acompanhar o uso de maconha queusuários de crack e cocaína fazem no sentido detentar controlar sua fissura). As metas intermedi-árias são destinadas aos pacientes que não dese-jam ou não conseguem, temporariamente ou não,abandonar o uso de drogas. A busca pelo usomoderado ou controlado da substância em ques-tão é, em princípio, uma estratégia possível noatendimento ao dependente de qualquer substân-cia. No enfoque da RD, a individualidade do usu-ário é considerada e ele participa da construçãodo seu modelo de recuperação, podendo aindavir a atuar como redutor de danos na recupera-ção de seus pares (outros usuários). O Proad con-sidera essencial a continuidade das pesquisas so-bre essas novas formas de intervenção.

Ao colocarmos o status legal das drogas emuma posição secundária nesta discussão, estamosassumindo uma posição bastante clara: no tocanteà legislação, o Proad defende a descriminalizaçãodo usuário de qualquer droga, assumindo que oato de consumir drogas, por si só, não pode serconsiderado um delito. Somente poderia ser pe-nalizado o usuário que eventualmente viesse a co-meter um crime11. Cabe esclarecer quedescriminalizar diz respeito a despenalizar (nãomais tornar alvo de sanção penal) o indivíduo queusa ou porta a droga para uso próprio, não im-portando se é um usuário ocasional ou um de-pendente. Diferentemente, legalizar refere-se amedidas mais amplas que despenalizam igualmen-te a produção e a comercialização dos tóxicos4.O Proad considera a descriminalização das dro-gas uma importante medida de redução de da-nos: “a descriminalização do uso de drogas, emnosso entender, poderia ser, por um lado, fatorde integração do usuário na sociedade e, por ou-tro, acabaria com o estigma marginalizante dadroga”4. Dentro da mesma linha de coerência, oProad coloca-se frontalmente contra intervençõescoercitivas junto a usuários, como a justiça tera-pêutica. Essa proposta “baseia-se numa relação

Posicionamento da Unifesp Carlini et al.

Quadro 2 – Comparação entre a política de guerra às drogas e o movimento de redução de danos

Redução de riscos e danos Guerra às drogas

Aceita a inevitabilidade de um determinado nível de consumo na sociedade, Parte do pressuposto de que é possível se chegar a umadefine seu objetivo primário, como reduzir as conseqüências adversas desse sociedade sem drogasconsumo

Enfatiza a obtenção de metas subótimas a curto e médio prazos Enfatiza a obtenção de metas ótimas a longo prazo

Ação dentro da visão tradicional da saúde pública Predominância de ações jurídico-políticas, sendo restritasas de saúde

Vê os usuários como membros da sociedade e almeja reintegrá-los Vê os usuários de drogas como marginais perante aà comunidade sociedade

Enfatiza a mensuração de resultados no âmbito da saúde e da vida em Enfatiza o enfoque na mensuração da quantidade desociedade, freqüentemente com metas definidas e objetivos determinados droga consumida

Implementa as suas intervenções com envolvimento relevante As intervenções são planejadas fundamentalmente porda população-alvo autoridades governamentais

Enfatiza a importância da cooperação intersetorial entre instituições do âmbito Orientação política populistajurídico-político e da saúde

Enfatiza a prevenção e o tratamento de usuários de drogas, fazendo com que Enfatiza a eliminação da oferta de drogas sem admitir aas atividades de repressão se dirijam basicamente ao tráfico em grande escala existência de diferentes padrões de uso das mesmas

Julga que as atividades educativas referentes às drogas devam ser de As atividades educativas veiculam uma mensagem única:natureza factual, ter credibilidade junto à população-alvo, basear-se em Não às Drogaspesquisas e traçar objetivos realistas

Inclui drogas lícitas como o álcool e o tabaco Restringe-se ao uso de drogas ilícitas

Dá preferência à utilização de terminologia neutra, não-pejorativa e científica Dá preferência à utilização de termos veementes e valorativos

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Carlini et al. Posicionamento da Unifesp

crime e castigo, obrigatoriedade e punição, numafilosofia que ingenuamente acredita que uma leicriminal é capaz de per se inibir o uso”, não dife-renciando o dependente químico do usuário oca-sional, além de propor uma forma de tratamentoque não admite a possibilidade da recaída comofenômeno inerente ao processo de recuperação10.

Quanto às práticas de redução de danos na co-munidade, os benefícios da prática de disponibi-lização de seringas e demais insumos aos usuáriosde drogas injetáveis, de eficácia amplamente com-provada, levam o Proad a considerar imprescindívelsua adoção dentro de um modelo de intervençãoabrangente. Com relação à distribuição de cachim-bos para usuários de crack, faltam ainda pesquisasque justifiquem ou condenem a prática.

Na opinião do Proad, a redução de danos nãodeve se restringir às drogas ilícitas, defendendono entanto que as muitas iniciativas já existentesdevam ser reforçadas, como as campanhas paraevitar a direção de veículos sob efeito de álcool e

a restrição de venda de bebidas alcoólicas a me-nores e em estradas.

Indiscutivelmente, a redução de danos é umtópico importante no campo das dependências quí-micas, seja como paradigma de referência, sejacomo conjunto de estratégias de intervenção. OProad propõe ainda que a RD seja incluída no cur-rículo de todos os cursos na área de dependênciasquímicas. Defende ainda o estímulo à produçãode conhecimento no campo da redução de danos.

Segundo Carlini-Cotrim3, “houve um aumen-to de quase 12 vezes, entre as décadas de 1960 e1980, na quantidade de artigos publicados (nojornal O Estado de São Paulo) sobre drogas, álco-ol e tabaco”. Tal interesse da mídia, por outro lado,não se traduziu em melhoria da qualidade das re-portagens, que muitas vezes veiculam informa-ções distorcidas e tendenciosas. O Proad reconhe-ce, assim, a necessidade de um trabalho contínuojunto à mídia, visando a reduzir os danos relacio-nados à veiculação de informações equivocadas.

Referências

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Endereço para correspondência

Ana Cecília P. R. Marques

Rua Napoleão de Barros 925/térreoCEP 04024-002 – São Paulo-SP

Tel.: (11) 5539-0155 ramal 163

Jornal Brasileiro de Psiquiatria

22. Wodak A, Lurie P. A tale of two countries: attempts to controlHIV among injecting drug users in Australia and the UnitedStates. Journal of Drug Issues 1997; 27(1): 117-34.

Posicionamento da Unifesp Carlini et al.

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R e s u m o

A Rede Brasileira de Redução de Danos (Reduc) acredita que a questão das drogas deve ser entendida de maneira ampla, queinclua os aspectos sociais, políticos e econômicos, ao lado daqueles que enfocam a saúde em sentido estrito. Similarmente, riscose danos devem também ser entendidos de maneira ampla, cuidando-se para não impor definições demasiadamente estritassobre o que seja redução de danos. A redução de danos deve ser baseada em uma abordagem simpática, isenta de moralismo ecentrada em um trabalho comunitário que, embora possa propor novos padrões e modos de uso, reconheça a importância daescala de valores do usuário e de seu conhecimento sobre drogas. Embora favorável, em princípio, a tratamentos de substituiçãoe de manutenção, consideramos que, na ausência do uso de heroína de porte significativo no Brasil, restam ainda neste paísmuitas questões a serem abordadas sobre o tema. Quanto ao tratamento de substituição, o presente estado de ilegalidade eintolerância legal e cultural em relação ao uso da Cannabis vem impossibilitando a continuação de estudos sobre sua aplicabilidadecomo substituto do crack. Uma das medidas mais importantes a serem tomadas seria a descriminalização do uso de drogas e adiscussão ampla, informada e democrática de medidas alternativas de controle da oferta dessas substâncias.

Unitermosredução de danos; tratamento de substituição; tratamento de manutenção; descriminalização; crack; Cannabis; heroína; metadona

S u m m a r yRede Brasileira de Redução de Danos (Reduc) believes that the drug question must be understood in all its breadth, including the

cultural, social, political, economic concerns alongside those strictly focused on health. Similarly, risks and damages must also be understoodbroadly and care must be taken not to impose too restrictive a definition on harm reduction. Harm reduction must be based on a sympathetic,nonjugemental approach, centred around community work that although it may propose new patterns and modes of use, recognises theimportance of the users´ values and knowledge about drugs. Although sympathetic in principle to substitution and maintenance treatments,we consider that in the absence of a sizeable heroin problem in Brazil, many questions on the subject are yet to be further discused in thiscountry. As for substitution tratment for other substances, the present state of legal and cultural intolerance towards the use of Cannabishas been rendering it impossible to carry out further research on its use as a substitute to crack. One of the most important measures yet tobe taken would be the decriminalization of drug use and widespread informed democratic discussions on alternative measures of controlover drug supply.

Unitermsharm reduction; substitution treatment, maintenance treatment; decriminalisation; crack cocaine; Cannabis; heroin; methadone

1Vice-presidente da Rede Brasileira de Redução de Danos; doutor em antropologia social; professor adjunto da Faculdade de Filosofia e CiênciasHumanas da Universidade Federal da Bahia (UFBA); pesquisador associado do Centro de Estudos e Terapia do Abuso de Drogas (Cetad).2Mestre em Psicologia; diretora da Associação Internacional de Redução de Danos (IHRA).

Redução de danos e tratamento desubstituição: posicionamento da Rede

Brasileira de Redução de DanosHarm reduction and substitution treatment: the position ofBrazilian Harm Reduction NetworkEdward MacRae1; Monica Gorgulho2

J . b r a s . p s i q u i a t r . vol. 52 (5): 371-374, 2003

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A discussão sobre tratamento de substituiçãoainda é incipiente no Brasil, dificultando o deba-te até mesmo dentro da instituição que, por na-tureza, muito se interessa por ele, a Rede Brasilei-ra de Redução de Danos (Reduc). Não temos aindaum posicionamento sobre detalhes específicos re-ferentes a esta prática, mas somos claramente fa-voráveis a que o tratamento de substituição sejaconsiderado, quando relevante, alternativa de aten-dimento à toxicomania, em sua proposta ampla.Nestas condições, temos algumas reflexões a ofe-recer para a discussão do tema.

Primeiramente, consideramos que a redução dedanos é um conceito em aberto, ao qual podem seratribuídos diversos significados. Ilustra isso o fatode diferentes autores identificarem suas origens nasmais diferentes épocas, oscilando entre a Antigüida-de, as décadas de 1920 ou 1980. A Reduc entendeo conceito menos como uma série de diretrizes es-pecíficas para condutas no atendimento a toxicô-manos e mais como postura de princípios em rela-ção aos inúmeros problemas relacionados à maneiracomo nossa sociedade vem abordando a questãodas drogas. Concebemos que as noções de risco edano devam ser entendidas em sua relatividade. Asciências sociais, que já vêm tratando exaustivamen-te destes temas, têm mostrado como ahierarquização de riscos em geral sempre dependedo ponto de vista de quem os está avaliando e, maisimportante de tudo, que se deve ter em vista a im-possibilidade de se prever com certeza os resultadosa médio e longo prazos tanto de práticas individuaisquanto políticas. Assim, autores como a antropólo-ga Mary Douglas consideram que mais do que ten-tar prever todos os desfechos para determinadasações, a estratégia mais sensata seria reforçar aresiliência da sociedade, ou seja, a maneira de semanter a sua natureza original através da adapta-ção a novas situações1. Portanto consideramos damaior importância manter uma postura que preser-ve a diversidade de concepções sobre a questão, seusproblemas e possíveis soluções. Preocupam-nos osesforços de alguns setores que, respaldados no pres-tígio social adquirido pelo discurso médico, buscamdefinir de maneira categórica, a partir de um pontode vista estrito, quais os riscos apresentados pelo usode drogas e quais as maneiras de enfrentá-las quepossam, com legitimidade, vir a ser adotadas.

A Reduc chama atenção para a importância daampla experiência que vem sendo acumulada pelomovimento social de redução de danos. Este, alémdo crescente valor que vem adquirindo em nível in-

ternacional, já congrega no Brasil vários milhares decolaboradores dos mais diversos estratos sociais e pro-fissionais, agrupados ao redor de duas associaçõesnacionais, 17 redes regionais e mais de cem progra-mas de redução de danos espalhados por todo o país.Chama atenção também para o fato de o trabalhoque vem sendo realizado por este movimento ser atu-almente um dos mais estudados e avaliados no cam-po de saúde pública. Consolidam-se, assim, as suasposições nos debates que vem travando com outrascategorias, muitas das quais, além de carecerem demaiores experiências nesta área específica, até recen-temente se posicionavam contrárias a ele, chegando,em certos casos, a tentar desqualificar ações e discur-sos de seus proponentes.

A Reduc considera que as questões referentesao uso de drogas não podem ser restritas a dis-cussões sobre condutas a serem adotadas em re-lação a indivíduos que apresentam quadros de to-xicomania ou o risco de contraírem o HIV e outrasdoenças sexualmente transmissíveis. Atualmenteos graves problemas de segurança pública, entreos quais as crises que vem sofrendo o Rio de Ja-neiro, assim como outras cidades brasileiras, nosfornecem uma lembrança constante da varieda-de de danos necessitando de redução ouminimização. Revelam também a imbricação dosseus vários aspectos, o que torna fúteis as tentati-vas de abordá-los como se fossem estanques.

Consideramos que a humanidade sempre usousubstâncias psicoativas com as mais variadas e im-portantes finalidades, e que não seria viável, ou atédesejável, que seu uso fosse descartado, como preco-nizam alguns segmentos mais radicais da sociedade(lembremos que vinho, café e anestésicos, por exem-plo, são substâncias psicoativas essenciais à nossa vidafísica, social ou cultural). Partimos do posicionamen-to de que a abordagem mais indicada para a questãodas drogas seja aquela que prioriza a redução dosdanos decorrentes deste uso, que acreditamos ser ine-vitável para a maioria das pessoas. Entendemos que obom senso dita que a redução dos danos, concebi-dos de forma ampla e incluindo aspectos sociais, cul-turais, políticos, econômicos e sanitários, deva ser oobjetivo principal a ser atingido por uma política so-bre drogas. Cremos que os controles da oferta e doconsumo devam ser concebidos somente como pos-síveis estratégias pontuais a serem aplicadas nos ca-sos em que seja demonstrada de maneira científica areal necessidade de se restringir, desta forma, a liber-dade do conjunto dos membros da sociedade. Con-sideramos também arbitrária a diferenciação feita atu-

Redução de danos e tratamento de substituição: posicionamento da Rede Brasileira de Redução de Danos MacRae & Gorgulho

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almente entre as drogas lícitas e ilícitas e propomosque todas devam ser contempladas numa política paraas drogas (e não antidrogas). Esta deve ser regida porconsiderações de cunho estritamente democrático,assim como devem ser as medidas implementadasna sua execução.

Concebemos a questão da toxicomania e deoutros problemas decorrentes ou associados ao usode substâncias como sendo de natureza biopsicos-social, levando-nos a criticar a expressão dependên-cia química como sendo demasiadamente reduto-ra. Isso porém não significa que rejeitemos a noçãode que, certas dependências têm seu lado orgânicoe que, no caso dos opióides, por exemplo, deve-seenfrentar a questão da tolerância e, ainda, que umadas maneiras de se fazer isso seja através do uso desubstâncias que atuem como substitutas. No entan-to existem várias questões a serem ainda debatidasem maior profundidade no que concerne a trata-mento de substituição, como, por exemplo:

a) o tratamento de substituição é válido somentepara drogas que provocam dependência físi-ca, ou podemos considerá-lo útil também paratratar casos em que a dependência seja maisde ordem psicológica ou social;

b) deve-se pensar em tratamento de manutenção(onde se prevê a continuação em longo prazodo uso de uma substância causadora de de-pendência, talvez até a droga originalmenteusada pelo paciente, heroína, por exemplo) ousomente numa substituição provisória por ou-tra droga da mesma categoria. Não se podedeixar sem resposta a suspeita levantada, mui-tas vezes, contra certas drogas de substituição,como a metadona, acusadas de fazer mais maldo que as originalmente usadas pelo paciente;

c) programas de substituição devem ter alto ou bai-xo limiar? Consideramos que caracterizam bai-xo limiar: facilidade de entrada, orientação à re-dução dos danos, ter como objetivo principal oalívio de sintomas e fissura e a melhoria na quali-dade de vida dos pacientes, assim como a ofertade uma gama de opções de tratamento. Progra-mas de alto limiar seriam aqueles em que é maisdifícil ingressar, ou com critérios de seleção exi-gentes, orientados para a abstinência (incluindoabstinência de metadona ou outras drogas desubstituição), inflexibilidade nas opções de trata-mento, adoção de controles (de urina, etc.) paradetecção de uso, política de expulsão rígida pararecaídas, psicoterapia ou aconselhamento com-pulsórios;

d) um dos problemas sérios com vários programasde substituição é o seu uso como forma de con-trole social, chantageando-se o usuário com aameaça de cortar a sua prescrição da droga desubstituição se ele incorrer em deslizes, como re-caídas, violência ou tráfico. Isso nos parece agre-dir a própria dignidade do ser humano;

e) que fazer quando as drogas de substituiçãomais recomendáveis são ilícitas, como aCannabis, por exemplo?

A Reduc considera necessário questionar a pri-mazia freqüentemente atribuída ao saber médi-co. Assim, suas propostas sempre enfatizam, alémda necessidade de combater a exclusão social, aimportância do protagonismo dos usuários dedrogas tanto através de sua participação naconceituação e discussão dos problemas quantona implementação das ações. Consideramos tam-bém da maior importância envolver as comuni-dades usuárias nesse trabalho, promovendo pa-drões de uso de menor risco. No decorrer dos anosa experiência de redução de danos vem demons-trando a importância de se estabelecer um diálo-go verdadeiro com os usuários de drogas, evitan-do estabelecer uma posição de confronto comseus valores centrais (ou seja, evitando trazer men-sagens puramente negativas ou repressivas sobreo uso de substâncias psicoativas). Devemos, aoinvés, buscar contribuir para modificações pon-tuais em certos aspectos das práticas de uso, nãodeixando de reconhecer o valor geral do seu co-nhecimento empírico de questões relacionadas aouso, lícito ou ilícito, dessas substâncias.

Sabemos que há algum tempo os centros mé-dicos de maior importância vêm adotando postu-ras deste tipo. Assim a Universidade Federal deSão Paulo (Unifesp), por exemplo, tem realizadopesquisas com populações indígenas para apren-der com elas as possibilidades de uso medicinal deuma grande variedade de plantas nativas de suasregiões. Outras pesquisas sobre o uso de cocaína eseus derivados também se voltaram para o que sepoderia chamar a cultura da coca.

Discordamos das generalizações que preconizama abstinência do uso de drogas como a meta ideal.Clínicos e pesquisadores têm constatado que fre-qüentemente o uso de drogas ilícitas consiste numaespécie de automedicação psiquiátrica por parte deusuários que encontram neste recurso uma manei-ra de aliviar seu sofrimento, e a sua interrupção podelevar a agravamentos de sua condição. Considera-

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mos que tal recurso deva ser entendido de maneirarespeitosa, e não rejeitado sumariamente com aimposição de programas de tratamento voltadosunicamente para a abstinência. Desta forma, emmuitos casos, tratamentos de substituição ou ma-nutenção seriam recomendáveis. A Reduc questio-na também a classificação automática do uso dedrogas ilícitas como uma patologia per se. Conside-ramos que o status legal de muitas substânciaspsicoativas é mais bem entendido a partir de análi-ses de cunho histórico e social do que médico.

Assim, a clínica não seria um ponto adequa-do a partir do qual realizar-se-iam estudos sobreo uso de drogas. Por isso a necessidade de se fa-zer pesquisas na população em geral, como le-vantamentos domiciliares ou escolares. Igualmen-te, devem-se evitar generalizações erecomendações sobre políticas de drogas basea-das em premissas puramente clínicas. São conhe-cidos os perigos da medicalização de problemasde ordem social. A organização da sociedade nãopode ser pautada somente por considerações desaúde pública.

Um dos fatores que mais dificultam o trabalhode redução de danos, assim como de outras abor-dagens de prevenção, é o status ilegal de diversasdrogas. Além de fomentar a arbitrariedade e a vio-lência, a criminalização do uso leva a um maior iso-lamento do usuário, dificultando o seu encaminha-mento a tratamentos de saúde, nos casos em queisso seria necessário, e o seu acesso a vários outrosdireitos que lhe deveriam ser assegurados como ci-dadão. Também torna mais difícil a prevenção atra-vés do diálogo franco e da promoção de métodosmais seguros de uso. Em relação a tratamentos desubstituição, dificulta sobremaneira a busca de subs-tâncias alternativas ou regimes de uso da droga ori-ginal que sejam mais adequados às suas necessida-des sociais ou de saúde. Assim, por exemplo, tem

sido muito difícil dar continuidade às indicações ini-ciais, vindas tanto da clínica quanto do trabalho decampo realizado com as populações usuárias, de queo uso da Cannabis poderia ser um bom auxiliar notratamento de algumas droga-dependências. O úni-co projeto nesse sentido, montado com respaldoacadêmico no Brasil, foi realizado no Programa deOrientação e Atendimento a Dependentes (Proad)da Unifesp/EPM2, mas, apesar de os estudos apon-tarem resultados positivos, têm faltado ousadia téc-nica e política a outras instituições para replicá-losperante o atual clima de intolerância.

Acreditamos que o Brasil cometeu grave equí-voco ao ceder parte de sua soberania, submetendo-se a uma convenção mundial que padroniza, de ma-neira rígida e difícil de alterar, a abordagem daquestão das drogas. Hoje já existe uma forte discus-são sobre a eficácia das convenções internacionaispara o controle de drogas, em um reconhecimentode que o modelo de tratamento tailor-made, que jáse mostrou o mais eficaz em relação ao usuário dedrogas, deve valer também para as nações, cada qualcom suas especificidades e problemas, cada qual comsuas escolhas e soluções. Entendemos, com isso, queo tratamento de substituição é mais um dos proble-mas que têm sido definidos não por suas caracterís-ticas próprias, mas exclusivamente por definições eencaminhamentos generalistas, que tanto já prova-ram sua eficácia discutível.

Finalmente, consideramos que algumas dasmedidas mais importantes a serem tomadas se-jam a revogação da criminalização do uso não-medicamentoso de drogas e a abertura de am-plas discussões sobre formas alternativas decontrolar o seu mercado. Isso possibilitaria umverdadeiro e necessário avanço na discussão so-bre a real eficácia dos modelos de atenção dirigi-dos ao uso e abuso de substâncias psicoativas,incluindo-se os tratamentos de substituição.

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Jornal Brasileiro de Psiquiatria

Endereço para correspondência

Mônica Gorgulho

Rede Brasileira de Redução de Danos (Reduc)Alameda Madeira 258/604 – AlphavilleCEP 06454-010 – Barueri-SP

Tel: (11) 4195-0335

e-mail: [email protected]

Redução de danos e tratamento de substituição: posicionamento da Rede Brasileira de Redução de Danos MacRae & Gorgulho

375

R e s u m o

O modelo de redução de danos vem sendo discutido intensamente em vários países do mundo, entre os quais o Brasil. Esteestudo, através de uma revisão de artigos listados no Medline, pretende embasar o parecer do Departamento de Psiquiatria daFaculdade de Medicina da Universidade de São Paulo sobre o tema. Observou-se que existem evidências suficientes na literaturapara se considerar o modelo de redução de danos, baseado em programas de intervenção comunitária, acesso a seringas estéreise a tratamento, eficaz como estratégia de prevenção da infecção pelo HIV em usuários de drogas injetáveis em vários países domundo. O modelo de redução de danos vem sendo estudado com resultados promissores em projetos destinados a reduzirdanos associados ao uso excessivo de álcool em populações específicas. O uso do modelo em outras situações ainda necessita deevidência empírica.

Unitermosredução de danos; HIV; drogas; álcool

S u m m a r y

The harm reduction model has been discussed in many countries around the world, including Brazil. This study, using a Medline review,intends to give support to elaborate a critical review on the subject by the Department of Psychiatry of the Faculdade de Medicina daUniversidade de São Paulo. There are sufficient evidences in the literature to consider the harm reduction model, based on community-basedintervention, access to sterile syringes and treatment, effective as a strategy to prevent HIV infection in injecting drug users in severalcountries in the world. The harm reduction model has also been studied, with encouraging results, as a strategy to reduce harm associatedto binge alcohol use in specific populations. The use of the model in other situations still needs more empirical evidence.

Unitermsharm reduction; HIV; drugs; alcohol

Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas (Grea), Departamento e Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade deSão Paulo (FMUSP).

Redução de danos: Departamento eInstituto de Psiquiatria da Faculdade de

Medicina da Universidadede São Paulo

André Malbergier; Arthur Guerra de Andrade; Sandra Scivoletto

J . b r a s . p s i q u i a t r . vol. 52 (5): 375-380, 2003

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O modelo de abordagem do uso de drogassegundo a ótica de redução de danos vem sendodiscutido nos últimos anos em vários países domundo, entre os quais inclui-se o Brasil. Este mo-delo passou a estar em evidência no final da dé-cada de 1980 como uma resposta ao aumentoda prevalência da infecção pelo vírus da Aids (HIV)em usuários de drogas injetáveis (UDI) em váriospaíses do mundo.

Neste texto, serão discutidos os principais da-dos da literatura, visando a embasar parecer, ba-seado em evidências, a respeito do tema.

A Aids foi inicialmente detectada em UDI na ci-dade de Nova York no final de 1981. Todavia os pri-meiros casos não geraram grande interesse e preo-cupação entre os profissionais de saúde pública.Naquela época, prevaleceu a idéia de que estes ca-sos eram restritos a determinada área geográfica,que seu número, comparativamente ao dos homos-sexuais, era pequeno, e ocorriam em uma popula-ção estigmatizada, marginalizada e sem poder polí-tico. Esta percepção foi rapidamente modificada apóso desenvolvimento dos testes para detecção de an-ticorpos para o HIV. Apesar de haver poucos casosde doença estabelecida entre os UDI de Nova York,os testes revelaram que aproximadamente metadedesta população já estava infectada pelo HIV20.

Estudos em diversas regiões do mundo con-firmaram a possibilidade de rápida disseminaçãodo HIV na população de UDI. Para exemplificar,Milão, Nova York e Viena apresentaram crescimen-to da seroprevalência entre UDI ao redor de 20%ao ano. Em outras áreas, como Edimburgo eBangcoc, a disseminação foi extremamente rápi-da, com a seroprevalência crescendo entre 40%e 50% em dois anos20.

No Brasil, alguns estudos apontam para altaprevalência da infecção pelo HIV em usuários dedrogas injetáveis. Esta prevalência varia de 36% a57% em grandes cidades da região Sudeste dopaís (São Paulo, Rio de Janeiro, Santos)7, 16, 23.

Após a percepção do crescimento aceleradodos casos de Aids em UDI, os profissionais de saú-de pública se defrontaram com a necessidade deestudar e elaborar estratégias mais eficazes deabordagem desta população.

Poucos anos após o aparecimento da epide-mia, a comunidade homossexual começou a semobilizar e se proteger. Este fato teve como con-seqüência a tendência de estabilização do núme-ro de casos nesta população. Por outro lado, o

número de casos em UDI em vários países nãoparava de crescer. Este crescimento veio reforçara opinião de alguns autores de que o UDI seriarefratário às campanhas de prevenção e educa-ção e incapaz de alterar o seu comportamento derisco3. Este assunto ainda gera controvérsias, ha-vendo também diversos estudos que mostram quenovas formas de abordagem têm se mostrado efi-cazes na prevenção da transmissão do HIV em UDIe que esta população tem diminuído a freqüên-cia de adoção de comportamentos de risco4.

Em vários países do mundo, a tradicionaldicotomia do tudo ou nada, que tem a total abs-tinência como meta necessária para a abordagemdo usuário, vem sendo substituída por uma visãomais pragmática: Se você não consegue parar deusar, use da maneira menos danosa possível. Ouseja, mesmo que o usuário não consiga deixar deusar, os profissionais de saúde podem ajudá-lo adiminuir a morbidade e a mortalidade relaciona-das ao consumo de drogas.

A preocupação com a disseminação do HIV en-tre os UDI estimulou o aparecimento de novas es-tratégias para atacar o problema. Provavelmente amais popular destas estratégias é a chamada harmreduction ou redução de danos. Esta é uma políticaque visa a diminuir ao máximo os efeitos negativosou lesivos do uso de drogas. Esta abordagem temsuas raízes em modelos de saúde pública com umavisão mais humanista e sem preconceitos. Contras-ta, assim, com o modelo de abstinência total, que,segundo alguns autores, teria suas raízes na repres-são e no paternalismo médico-religioso25.

Esta política é originária da Inglaterra, ondetal abordagem parece ter participado do contro-le mais eficaz da epidemia34. O chamado modeloinglês foi desenvolvido a partir de cinco concei-tos básicos:

1) o foco tem sido transferido da dependênciapropriamente dita ou do problema da drogaper se para os problemas associados a deter-minadas maneiras de usar drogas, como, porexemplo, a injeção. Há autores que defendemque as drogas não são o grande problema aser atacado, e sim a transmissão do HIV;

2) o usuário, ao contrário do que muitos acredi-tam, pode ser racional. Ele se preocupa comsua saúde, responde às campanhas educativase informativas e está disposto a adotar medi-das preventivas quando estas são adequadas asua cultura e sua linguagem;

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3) o foco volta-se para a saúde e o corpo e afas-ta-se da psicopatologia;

4) os profissionais que desejam trabalhar nestaárea também precisam mudar sua aborda-gem. Os serviços devem ir às comunidades afim de trazer os usuários para o tratamentoou assessorá-los em seu próprio meio atravésde capacitação de pessoas ligadas às associa-ções de auto-ajuda e da própria comunida-de. Isto requer a formação de educadores desaúde e muitas vezes o alistamento de ex-usu-ários para esta tarefa;

5) redução da hostilidade e da confrontação e oestímulo para que se estabeleçam relações decooperação entre os usuários e os serviços detratamento33.

Algumas condições básicas precisam ser sa-tisfeitas para que o novo modelo seja eficaz6:

• capacitação técnica dos profissionais na áreade drogas e também de Aids;

• ampla disponibilidade de preservativos;

• acesso gratuito a serviços de tratamento semlongas filas de espera;

• ampla disponibilidade de seringas e outrosequipamentos.

Este modelo teve grande penetração na Euro-pa. Inglaterra, Holanda, Alemanha, França e Es-cócia adotaram políticas de saúde pública na áreade drogas/Aids com base nos conceitos acima dis-cutidos32. Fora da Europa, a Austrália foi um dospaíses que prontamente assumiram tal modelo nocombate à infecção pelo HIV em UDI.

Em 1987-1988, nos Estados Unidos, oNational Institute on Drug Abuse (Nida – órgãomáximo no assunto de drogas naquele país) co-meçou a desenvolver projetos de prevenção deAids em UDI, com base em programas de inter-venção na comunidade. Estes projetos represen-taram uma mudança qualitativa nos programasfinanciados por este órgão. Em seguida, o Insti-tuto de Medicina dos Estados Unidos lançou re-latório concluindo que programas de trocas deseringas e agulhas são eficazes em prevenir a in-fecção pelo HIV e não aumentam o uso de dro-gas ilícitas22. A repressão ao uso e a prevençãodo uso de drogas como metas exclusivas come-çam a abrir espaço para programas de aborda-gem do usuário como ele é, isto é, usando dro-gas. Não se oferece somente ajuda para queparem de usar, mas também para que usem damaneira mais segura possível.

Estas abordagens menos tradicionais foramse tornando cada vez mais freqüentes como mo-delos de atenção à população de UDI, já quetorna-se cada vez mais evidente que os UDI nãoestão sendo atingidos pelo modelo tradicionaldo sistema de saúde. Embora não haja estatísti-cas confiáveis nesta área no Brasil, dados norte-americanos revelam que somente 10% a 17%dos UDI estão em contato com o sistema de saú-de2, 31. Soma-se a este fato o contexto social emque os UDI geralmente vivem e que podem aca-bar por prejudicar seu acesso e compreensão dasinformações e os passos necessários à mudançade comportamento29, 35.

A partir deste momento, criam-se vários pro-gramas de intervenção nas comunidades. O mo-delo de intervenção baseia-se em programas de-senvolvidos em Chicago por uma equipe lideradapelo médico Patrick Hughes, na década de 1970.Neste modelo, ex-usuários de drogas foram utili-zados como linha de frente na tentativa de com-bater uma epidemia de heroína na cidade. Na dé-cada de 1980, este modelo foi adaptado para aprevenção da Aids em UDI.

Esta estratégia utiliza-se de ex-usuários perten-centes às comunidades-alvo. Os ex-usuários sãopreferencialmente indivíduos conhecidos e comboa penetração na população que será abordada.Como estes indivíduos são vistos como líderes oumodelos que conseguiram obter mudanças emseus comportamentos de risco, eles possuem en-trada facilitada no grupo. Atingindo as redes desociabilidade e usando os métodos característicosde comunicação de cada grupo, visa-se a gerar res-postas coletivas de mudança de hábitos30.

Este modelo de intervenção por ex-usuários(outreach model) na comunidade tem se mostra-do um meio eficaz de prevenir a infecção pelo HIVem uma população que não é atingida pelos servi-ços tradicionais de saúde. Um exemplo deste tipode abordagem vem sendo desenvolvido pela Uni-versidade de Illinois, em Chicago, com sucesso naredução da freqüência de comportamentos de ris-co em UDI. O ato de compartilhar seringas era re-latado por 100% dos usuários no início da inter-venção. Este número caiu para 14% após quatroanos de programa. A taxa de aquisição da infecçãopelo HIV caiu de 8% para 4% ao ano36.

Nestes últimos anos, observou-se que investi-mentos maciços em repressão, e não em educa-ção e prevenção, não obtiveram impacto consi-

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derável na prevalência do uso de drogas em vári-as regiões do mundo. A prevenção do uso de dro-gas (visando à sua erradicação) permanece comoopção de longo prazo para evitar a transmissãoda Aids. Todavia a urgência do momento criounovas formas mais imediatas e pragmáticas deatacar a questão. A idéia de que o uso seguro dedrogas pode ser uma forma viável de prevençãode Aids neste grupo começa a se tornar realidadee está sendo posta em prática com sucesso emvários países do mundo.

A importância de programas comunitários edo envolvimento da população no problema foiressaltada por Mann em assembléia da Organiza-ção Mundial da Saúde (OMS) em Genebra: “Emprogramas relacionados à Aids, há uma relaçãodireta entre a força, diversidade e envolvimentoda comunidade e de organizações não-governa-mentais e o sucesso que pode ser alcançado”19.

Mais de 15 anos de pesquisa sobre prevençãode HIV/Aids em UDI, usuários de crack e em seusparceiros sexuais têm mostrado que programasbaseados na comunidade são eficazes. Pesquisascumulativas em 23 locais, acompanhando 18.144usuários de drogas (13.164 UDI e 4.980 usuáriosde crack) reportam que, de três a seis meses apósparticiparem de algum tipo de intervenção pre-ventiva, 72% dos UDI ou pararam de se injetarou reduziram a freqüência de injeção. Dos quecontinuaram se injetando, quase 60% pararamou diminuíram a reutil ização oucompartilhamento de seringas. Quase 25% dosindivíduos avaliados iniciaram tratamento no se-guimento destes estudos27. Outros estudos tam-bém confirmaram que a abordagem comunitáriapode ser um fator de incentivo à procura e à ma-nutenção de tratamento15.

A entrada no tratamento é, em si, um fator deprevenção do HIV nesta população, já que váriosestudos vêm mostrando que indivíduos em trata-mento apresentam menores taxas de injeção dedrogas. Um estudo mostrou que usuários de dro-gas que não estavam em tratamento tinham seisvezes mais chance de se infectarem pelo HIV dosque os em tratamento24.

Programas de troca de seringas também es-tão sendo utilizados, especialmente na Europa enos Estados Unidos, como medidas preventivascom o intuito de diminuir a proliferação do HIVna população de UDI. Em vários países o progra-ma tem sido associado à diminuição da freqüên-

cia do ato de compartilhar equipamentos11, 14. Esteefeito é, em parte, devido ao aumento da dispo-nibilidade de seringas nestes locais. Além de tro-car seringas e equipamentos usados por novos,estes programas oferecem informação, referên-cia para tratamento e contato com profissionaisda área, potencializando os efeitos preventivosdesta iniciativa. Os possíveis efeitos negativos as-sociados à troca de seringas, como o aumento doconsumo de drogas injetáveis ou o estímulo aosusuários de drogas não-injetáveis a se injetarem,não foram observados.

Projetos de acesso a seringas estéreis comoparte de um programa de prevenção de infecçãopelo HIV em UDI têm se mostrado muito úteis naabordagem de populações de difícil acesso e dealto risco para infecção. As avaliações destes pro-gramas indicam que eles são efetivos na reduçãodo uso injetável de drogas. Estudo em Nova Yorkmostrou redução de 70% na incidência de HIVatribuída a programas de acesso a seringas esté-reis10. Em 29 cidades com programas estabeleci-dos de acesso a seringas estéreis, a prevalência deHIV caiu, na média, 5,8% por ano. Por outro lado,esta prevalência aumentou 5,9% por ano em ou-tras 51 cidades que não têm este tipo de progra-ma12. Também estudos de custo/efetividade mos-tram que estes programas previnem novasinfecções e poupam gastos com os cuidados mé-dicos do tratamento para indivíduos infectados13.

O programa de acesso a seringas estéreispromove:

• aumento do número de usuários de drogas queprocuram e se mantêm em tratamento se es-tes programas estão disponíveis;

• disseminação de informações sobre redução deriscos para infecção pelo HIV, material para mu-dança de comportamento e referências para rea-lização de testagem sorológica e tratamento;

• redução da freqüência de injeção e compar-tilhamento de materiais de injeção;

• redução do número de seringas contaminadasem circulação na comunidade;

• aumento da disponibilidade de seringas esté-reis na comunidade.

Um complemento ou alternativa (onde pro-gramas de trocas de seringas são proibidos) é adescontaminação de seringas. Esta prática é esti-mulada em vários programas de prevenção e temsua eficácia comprovada com uma lavagem comhipoclorito de sódio ou três com água1. A distri-

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buição de hipoclorito de sódio é um dos aspectosenfatizados tanto em programas de troca de se-ringas como em programas comunitários17.

Estudos de custo/efetividade têm reportadoque programas estruturados de prevenção de HIVbaseados na comunidade auxiliam na redução defuturos custos associados aos cuidados e trata-mento da infecção pelo HIV28. Também os trata-mentos para dependência de drogas são custo-efetivos em reduzir o uso de drogas e os custossociais e de saúde associados quando compara-dos a não tratar ou a encarcerar os usuários26.

Em resumo, prevenir a disseminação do HIVatravés do uso injetável de drogas requer umaabordagem ampla e sincronizada com base emalguns princípios fundamentais8:

• assegurar coordenação e colaboração entre osprovedores de serviços aos UDI, seus parceirossexuais e seus filhos;

• assegurar acesso e qualidade das intervenções;

• reconhecer e superar o estigma associado aouso injetável de drogas;

• adequar os serviços para as características dosUDI.

As estratégias de prevenção devem:

• prevenir o início de uso de drogas;

• usar programas comunitários para atingir usuá-rios fora de tratamento;

• ampliar o acesso a programas de tratamentode qualidade;

• instituir programas de prevenção de HIV emcadeias e penitenciárias;

• prover cuidados médicos para UDI infectadospelo HIV;

• prover aconselhamento para redução de riscoe testagem para UDI e parceiros sexuais.

Conclui-se, através das evidências da literatu-ra, que o modelo de redução de danos, com baseem programas de intervenção comunitária, aces-so a seringas estéreis e a tratamento, é eficaz comoestratégia de prevenção da infecção pelo HIV emUDI em vários países do mundo.

As evidências sobre o uso do modelo de reduçãode danos na abordagem do uso de drogas ainda nãotêm o mesmo consenso que o seu uso como fator deprevenção do HIV em UDI. Entre esses novos usos, aestratégia de redução de danos como abordagem douso excessivo de álcool, principalmente em adoles-centes e universitários, é a que mais apresenta estu-dos e evidências de eficácia na literatura. Vários estu-dos controlados mostram que adolescentes euniversitários submetidos à intervenção focada emdiscutir os riscos do uso excessivo (grande quantida-de em pequeno espaço de tempo) mudam seu com-portamento, assumindo uma postura mais responsá-vel quanto ao uso de álcool, diminuindo episódios deembriaguez, brigas e acidentes5, 9, 21.

A abordagem de redução de danos como es-tratégia de tratamento nos leva à antiga discus-são das propostas de tratamento baseadas na abs-tinência total versus beber moderado. Ainda longede chegarmos a um consenso, parece, todavia,haver um grupo de pacientes que poderia se be-neficiar de uma proposta de beber moderado, es-tratégia considerada um modelo baseado em re-duzir danos associados ao uso de álcool18.

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Jornal Brasileiro de Psiquiatria

Endereço para correspondência

Arthur Guerra de Andrade

Departamento de PsiquiatriaFaculdade de Medicina da USPRua Ovídio Pires de Campos s/n – 1º andarConsolaçãoCEP 01060-970 – São Paulo-SP

Tel.: (11) 3062-9029

Redução de danos: Departamento e Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo Malbergier et al.

381

R e s u m oO presente artigo aborda a visão de redução de danos (RD) endossada pelo Instituto de Prevenção e Atenção às Drogas

(Ipad), reconhecendo a falta de uma definição universal do termo. Para o Ipad, a RD é uma abordagem útil para minimizar asconseqüências de diversos comportamentos de risco, principalmente na área do abuso de substâncias psicoativas. O presenteartigo caracteriza RD e a diferencia da abordagem de algumas visões simplistas e maniqueístas erroneamente identificadas coma mesma. Segundo o Ipad, cinco pontos devem ser enfatizados quando se define redução de danos: a RD é uma alternativa desaúde pública para os modelos criminal e de doença; a RD reconhece a abstinência do uso de substâncias psicoativas como ideal,mas aceita alternativas intermediárias; a RD é uma abordagem que incentiva e incorpora a participação daqueles que sofremcom o abuso dessas substâncias (abordagem de baixo para cima); baseia-se no pragmatismo empático, em oposição ao idealis-mo moralista; e promove acesso a serviços de saúde de baixa exigência. Finalmente, o Ipad rejeita a identificação de RD comlegalização de drogas ilegais, defende a inclusão de drogas legalizadas na sua abordagem (como álcool e tabaco) e criticatentativas de incluir ações de RD em grupos sociais que não se ajustam à abordagem, como é o caso de alunos do primeiro ciclodo ensino fundamental, grupo de baixo risco de uso de substâncias, ou mensagens veiculadas universalmente via meios decomunicação de massa. O artigo é concluído apresentando-se dados norte-americanos recentes que documentam a dificuldadede se conseguir apoio para projetos de pesquisa dedicado a entender comportamentos de risco não-aceitos pelo status quo.

Unitermosredução de danos; saúde pública; legalização; pesquisa

S u m m a r y

The term Harm Reduction lacks an universal definition. In this article, Ipad (Instituto de Prevenção e Atenção às Drogas) presents itsunderstanding of the term as an useful approach to minimize the consequences of risky health behaviors, particularly in the substance abusedomain. According to Ipad, five main features should be emphasized on a HR approach: HR is a public health alternative to the moralisticand disease models of drug use and addiction; HR recognizes abstinence as an ideal outcome but accepts alternatives that reduce harm; HRhas emerged primarily as a bottom-up approach based on addict advocacy, rather than a top-down policy promoted by drug policy makers;HR promotes low-threshold access to services as an alternative to traditional, high-threshold approaches; HR is based on the tenets ofcompassionate pragmatism versus moralistic idealism. Finally, Ipad rejects the identification of HR with drug legalization, defends that legalsubstances should be included and prioritized in HR initiatives and is critical of attempts to overgeneralize HR approaches as beneficial forany social group. For Ipad, HR is a helpful strategy to be used where harm exists and not a universal panacea. The article concludes bydiscussing some of the current difficulties on getting support for doing research on ways to reduce harm among groups that display behaviorsnot accepted by mainstream values, using recent North American cases as an illustration.

Unitermsharm reduction; public health; research; substance abuse

Instituto de Prevenção e Atenção às Drogas (Ipad), Pontifícia Universidade Católica do Paraná.

Redução de danos:uma abordagem de saúde pública

Harm reduction: a public health approachBeatriz Carlini-Marlatt; Dagoberto Hungria Requião; Andrea Caroline Stachon

J . b r a s . p s i q u i a t r . vol. 52 (5): 381-386, 2003

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O Ipad defende a abordagem de redução dedanos segundo os princípios apresentados a seguir,acolhe e simpatiza com movimentos sociais de usu-ários de drogas que lutam por maior tolerância emenor estigma social, defendendo seus direitos deacesso a serviços de saúde. No entanto, essa aco-lhida não obriga a que o Ipad concorde com algu-mas bandeiras defendidas por setores desse movi-mento, como a legalização de substâncias ilegaisou o relaxamento de legislações de controle parasubstâncias legais.

“A redução de danos não é nova na medici-na. Afinal, não está longe do conselho hipocráticoaos jovens médicos de primum non nocere – emprimeiro lugar, não cause danos3.”

David Abrams e David Lewis, 1998David Abrams e David Lewis, 1998David Abrams e David Lewis, 1998David Abrams e David Lewis, 1998David Abrams e David Lewis, 1998

Redução de danos: abordagemde trabalho vs. movimentossociais

O Ipad acredita que os princípios da reduçãode danos são freqüentemente úteis para abordarcomportamentos de risco, incluindo uso de subs-tâncias psicoativas. Ele também reconhece que es-ses princípios vêm sendo utilizados muito antes dea expressão redução de danos ter sido criada. Naverdade, o que vem sendo chamado de RD é, emgrande parte, a utilização de um realismo pragmá-tico e de um bom senso que boa parte da humani-dade emprega quando se defronta com a impossi-bilidade de promover mudanças abruptas e radicaisem situações e comportamentos arriscados.

Nesse sentido, o Ipad tem se preocupado emfazer distinção entre a abordagem de redução dedanos e a história da expressão redução de danos.Esse termo foi cunhado por movimentos sociais li-derados por usuários de drogas em busca de umamaior aceitação social dos seus estilos de vida, preo-cupados com a crescente mortalidade por Aidsentre eles. Carrega, assim, no seu bojo, a bandeirade afirmação política desse grupo social.

Abordagem de redução de danosdefendida pelo Ipad

A redução de danos é umaalternativa de saúde pública paraos modelos criminal e de doença

A redução de danos oferece uma alternativa prá-tica para os modelos moral/criminal e de doença. Di-ferentemente dos proponentes do modelo moral –que vêem o uso de drogas como ruim ou ilegal edefendem a redução de oferta (via punição e proibi-ção) –, a proposta de redução de danos desvia a aten-ção do uso de drogas em si para as conseqüências oupara os efeitos do comportamento aditivo. Tais efei-tos são avaliados principalmente em termos de se-rem prejudiciais ou favoráveis ao usuário de drogas eà sociedade como um todo, e não por o comporta-mento ser considerado, em si, moralmente certo ouerrado. Além disso, em contraste com o modelo dedoença – que vê a dependência como uma patologiabiológica/genética e promove a redução da deman-da como meta primordial da prevenção e a abstinên-cia como única meta aceitável de tratamento –, a re-dução de danos oferece uma ampla variedade depolíticas e de procedimentos que visam a reduzir asconseqüências prejudiciais do comportamentoaditivo. A redução de danos aceita o fato de que muitaspessoas usam drogas e apresentam outros compor-tamentos de alto risco, e que visões idealistas de umasociedade livre de drogas não têm quase nenhumachance de se tornarem realidade3.

A redução de danos reconhecea abstinência como resultado ideal, mas

aceita alternativas que reduzam os danos

A redução de danos não é contra a abstinên-cia. Os efeitos prejudiciais do uso de drogas po-

Redução de danos: uma abordagem de saúde pública Carlini-Marlatt et al.

Introdução

O Instituto de Prevenção e Atenção às Drogas(Ipad) da Pontifícia Universidade Católica doParaná defende e valoriza a abordagem de redu-ção de danos (RD) como uma alternativa viável,humana e de resultados positivos já demonstra-dos para vários comportamentos de risco à saú-de. No entanto, a abordagem de RD não é ele-mento central ou definidor das ações do Ipad,nem vista pelos seus profissionais como a pana-céia universal que resolverá todos os impasses edesafios desta área da saúde mental.

Assim sendo, os autores deste texto considera-mos adequado, neste breve documento, caracteri-zar redução de danos e discutir alguns dos mitos eestereótipos que cercam esta abordagem como umamaneira de delinear mais claramente nossa posição.

383J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003

dem ser colocados num continuum, como as di-versas temperaturas indicadas em um termôme-tro. Quando as coisas ficam muito quentes ou pe-rigosas, a redução de danos propõe baixar o fogoa um nível mais moderado. A abordagem de re-dução gradual estimula os indivíduos com com-portamento excessivo ou de alto risco a dar umpasso de cada vez para reduzir as conseqüênciasprejudiciais de seu comportamento. A abstinên-cia como meta final reduz muito ou elimina to-talmente o risco de danos associados ao uso ex-cessivo de drogas. Nesse sentido, a abstinência éincluída como o ponto final ao longo de umcontinuum, que varia de conseqüências excessi-vamente prejudiciais a conseqüências menos pre-judiciais. Ao colocar os efeitos prejudiciais do usode drogas em um continuum, em vez dedicotomizá-lo como legal ou ilegal, ou indicativode ausência ou presença de doença aditiva, os de-fensores da redução de danos incentivam qual-quer movimento rumo à sua diminuição comoum passo na direção certa3.

A redução de danos é uma abordagem debaixo para cima, baseada na defesa das

necessidades do usuário, ao invés deuma abordagem de cima para baixo,

promovida por formuladores de políticas

A estratégia de redução de danos visa a capa-citar e a dar voz aos pacientes e clientes de servi-ços de saúde. Procura minimizar o diferencial depoder entre aqueles que administram e prestamserviços e aqueles que são contemplados por eles,para dar voz nas decisões de como, onde e deque maneira as pessoas são tratadas3.

A redução de danos promove acesso a serviçosde baixa exigência como uma alternativa

a abordagens tradicionais de alta exigência

Em vez de estabelecer a abstinência como umpré-requisito de alta exigência para receber trata-mento ou outro tipo de assistência, a abordagemde redução de danos procura reduzir obstáculos,tentando facilitar e garantir o envolvimento da-queles que precisam de ajuda dos serviços dispo-níveis. Exemplo dessa postura de baixa exigênciaé abordar os indivíduos onde eles se encontram,ao invés de onde eles deveriam estar, ou seja, ser-viços de outreach work que oferecem ajuda ao

usuário no próprio ambiente em que as drogassão consumidas3.

A redução de danos baseia-senos princípios do pragmatismo empático

versus o idealismo moralista

Comportamentos prejudiciais são um fato davida, e a abordagem de redução de danos aceitaesta realidade, não muito agradável, como uma pre-missa básica. Uma vez aceita essa premissa, a metatorna-se de pragmatismo empático: o que pode serfeito para reduzir o dano e o sofrimento dos indiví-duos e da sociedade? O pragmatismo adotado pelaRD não pergunta se o comportamento em questãoé certo ou errado, bom ou ruim, doentio ou saudá-vel, preocupa-se, isto sim, com o manejo das ques-tões cotidianas e das práticas reais, sendo sua vali-dade avaliada por resultados concretos3.

Temas polêmicos associados à abordagemde redução de danos

“A redução de danos pode ser excessivamentesimplificada, e, assim, considerada um

movimento extremista diabólico. Alternativa-mente, pode ser vista como um novo projeto

conceitual abrangente para integração do quehá de melhor em medicina, saúde pública e

política de prevenção3”

O fato de o termo RD ter sido cunhado a par-tir de movimentos sociais tem conseqüências im-portantes no debate acadêmico especializado.Talvez a mais importante delas seja a falta de umadefinição única do termo: RD tem sido definidaa partir da ótica daqueles que a defendem ou acriticam, e não a partir de uma conceituação fun-damentada em pesquisa publicada em literaturaespecializada.

Nesse contexto, o Ipad, enquanto órgão deassistência, pesquisa e prevenção, vê como perti-nente o esclarecimento do que entende ser redu-ção de danos, como foi feito nas páginas anterio-res deste texto, assim como explicitar sua posiçãoem relação a temas polêmicos que têm sido asso-ciados a RD.

Nas próximas páginas será apresentada a vi-são do Ipad sobre a relação entre RD e legaliza-ção de drogas, RD e prevenção primária (ou uni-

Carlini-Marlatt et al. Redução de danos: uma abordagem de saúde pública

384 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003

versal) e pertinência da generalização da RD ecomportamentos de risco que não sejam o usode drogas ilegais.

Redução de danos e legalização de drogasilegais

O Ipad não endossa a legalização de substân-cias ilegais no Brasil como estratégia de reduzir odano associado a seu consumo.

No entender de seus profissionais, políticas pú-blicas de RD devem ter como parâmetro medidasque reduzam o dano associado ao uso de drogas demodo coletivo, adotando-se uma perspectiva de saú-de coletiva. Assim, embora seja possível que a lega-lização de substâncias hoje consumidas e vendidasclandestinamente favoreça alguns usuários de dro-gas, que seriam menos estigmatizados e teriam aces-so mais fácil a serviços de saúde e mais difícil aosistema carcerário, é difícil imaginar que tal medidabeneficiasse de modo coletivo nossa sociedade.

O raciocínio desenvolvido por aqueles que de-fendem a legalização de substâncias para reduzirdanos é baseado na visão de que esta permitiriamelhor controle social e governamental das subs-tâncias que atualmente são consumidas ilegalmen-te, de que aproximaria usuários hoje temerosos deprocurar ajuda dos serviços de tratamento, de quepermitiria a geração de impostos que poderiam serusados para educar jovens sobre os riscos do con-sumo de substâncias psicoativas.

Se esse tipo de lógica pode ter sentido em paíseseuropeus, sua base de sustentação torna-se bastantefrágil ao cruzar o Oceano Atlântico rumo ao Sul. Aquino Brasil ainda lutamos para garantir controles míni-mos para as substâncias que são legalizadas, comoálcool, tabaco e medicamentos psicotrópicos.

Nossas leis que procuram regulamentar o aces-so ao álcool por menores de idade são raramentecumpridas (ou mesmo lembradas); a legislação decontrole das propagandas de tabaco em eventosesportivos só tem sido cumprida em eventos demenor importância, sendo informalmente revogadasem competições esportivas de calibre internacional;a tentativa de diminuir acidentes por motoristasalcoolizados esbarra no simples fato de que a exis-tência de bafômetros é quase tão rara quanto a pre-sença de policiais efetivamente conscientes do seupapel educacional de multar motoristas impruden-tes nas estradas.

O fato de que a sociedade civil brasileira e osnossos governos não têm conseguido gerar polí-

ticas de controle mais efetivas para minimizar osdanos das substâncias psicoativas legalizadas emnossa sociedade é motivo suficiente para termosmuitas reservas em relação à tentativa de legali-zação de outras substâncias.

No entanto, o Ipad vê com simpatia a dimi-nuição das penas legais associadas ao uso desubstâncias de pequeno impacto na saúde cole-tiva, como é o caso principalmente da maconha.Neste caso, parece que o dano produzido pelapunição tem sido maior do que o causado pelocomportamento, na medida em que rotula epune como criminosos jovens que poderiam sermais úteis para a sociedade se cumprissem so-mente uma pena de caráter social pelo seu com-portamento inadequado.

Redução de danos e prevenção primária

Há também quem defenda que, numa abor-dagem de redução de danos, os jovens devemser ensinados desde pequenos a usar drogas damaneira menos arriscada possível, pois no casode um dia, mais tarde, tornarem-se usuários, sa-berão ao menos evitar alguns riscos e minimizaralguns danos.

Nessa linha de raciocínio, defende-se orientarjovens nas escolas a beber com moderação; usarseringas descartáveis, no caso de quererem injetaralguma substância; evitar o uso de sacos plásticospara armazenar inalantes, no caso de quereremcheirar cola ou acetona, evitando assim o risco demorte por asfixia se ficarem inconscientes.

O Ipad entende que propostas como essas nãoestão alinhadas com a abordagem de RD, da for-ma como endossamos.

O próprio termo redução de danos é base paraexplicar este não-alinhamento: para reduzir da-nos é preciso que eles sejam uma possibilidadeconcreta. Assim, bebedores pesados e de risco,que vivenciam problemas eventuais devido a seucomportamento, podem se beneficiar de progra-mas que sugerem beber com moderação e ensi-nam como diminuir as chances de acidentes eoutras conseqüências negativas associadas ao usoabusivo do álcool. Mas para aqueles que não be-bem ou o fazem de modo muito esporádico, essetipo de orientação é não só inapropriada comopotencialmente promotora de danos.

Da mesma forma, ensinar a importância de setrocar seringas para um grupo de jovens sem ne-

Redução de danos: uma abordagem de saúde pública Carlini-Marlatt et al.

385J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003

nhum indicativo prévio de uso ou alto risco de setornarem usuários é inócuo e de certa forma ir-responsável, pois passa a mensagem de que inje-tar substâncias é algo tão corriqueiro que é preci-so orientar como fazê-lo nas escolas.

Generalização da abordagem da reduçãode danos a drogas legais

Um outro tipo de polêmica nesta área, querequer um posicionamento claro de entidades eprofissionais, é a necessidade de definir a abran-gência da abordagem de redução de danos: tra-ta-se de algo somente válido para drogas ilegais,onde o termo se originou, ou é possível estendê-lo para drogas legalizadas?

O Ipad entende que redução de danos não é sónem principalmente uma proposta de enfrentamentodo uso de drogas ilegais, mas é uma abordagem desaúde pública para comportamentos de risco à saú-de, inclusive uso de álcool e tabaco.

O tabagismo, mesmo entre os setores maisconservadores da área de tratamento, tem sidoalvo de uma abordagem clássica de RD: o uso deadesivos e gomas de mascar com nicotina. Em-bora quase nenhum profissional negocie com seupaciente que a abstinência seja a meta do trata-mento do tabagismo, o uso de adesivos e gomasde nicotina vem possibilitando uma estratégia gra-dual de mudança rumo à abstenção. Com essesrecursos, o fumante não tem que interromper ouso da nicotina – substância da qual é dependen-te –, mas somente mudar sua via de administra-ção. A nicotina continua sendo gradualmente li-berada, em quantidades negociadas, visando auma readequação de hábitos e cotidiano até quese possa interromper a administração da droga.

Da mesma forma, as estratégias de motoristadesignado, muito usadas nos EUA, no Canadá ena Europa, são exemplares de RD. É aceito quasecomo inevitável que muitas pessoas vão beberpesadamente em situações de festa, e procura-senegociar a diminuição dos riscos e das conseqüên-cias de se associar este comportamento com di-reção de veículos. Assim, campanhas educacio-nais incentivam jovens a se alternarem naabstenção de álcool por uma noite e dar caronapara seus amigos embriagados. Em retorno, estejovem poderá beber à vontade em uma outraocasião, pois um dos jovens que foi beneficiadocom sua carona cumprirá desta vez seu compro-misso de não beber.

Palavras finais: reduçãode danos e pesquisa

Carlini-Marlatt et al. Redução de danos: uma abordagem de saúde pública

Para encerrar a contribuição do Ipad para estedebate, parece importante comentar um poucoo tão usado argumento de que RD é uma abor-dagem interessante, mas ainda muito poucopesquisada para ser adotada.

O primeiro ponto a ser considerado neste tipode raciocínio é que uma série de outras abordagensvem sendo amplamente utilizada, não só no Brasilcomo no exterior, com pouquíssima pesquisa, commuito mais condescendência. Grupos de auto-aju-da do tipo AA ou NA, ou mesmo comunidades tera-pêuticas, são exemplos importantes neste sentido.

Um segundo ponto é, a nosso ver, bem maisrelevante: parece haver evidências de que proje-tos de pesquisa que se propõem investigar abor-dagens que possam beneficiar os grupos maismarginalizados da sociedade vêm enfrentandoproblemas sérios de financiamento, principalmen-te no país que financia 85% de toda a pesquisana área de drogas no mundo: os EUA.

De fato, a comunidade científica tem sido sur-preendida, dia após dia, com uma intervenção doatual governo norte-americano nas linhas de pes-quisa sem precedentes desde a era do mccarthismo,nos anos 1950. Vejamos então alguns exemplos:

• em dezembro de 2002, o dr. Willian Miller, au-tor do livro Entrevista Motivacional, foi convi-dado a compor o painel de especialistas doNational Institute of Drug Abuse (Nida), queassessora este instituto no julgamento dos mi-lhares de projetos de pesquisa que são envia-dos anualmente para renovação ou início definanciamento. Ele obviamente aceitou o con-vite, considerado de grande honra, embora comremuneração modestíssima. Dias mais tarde,um funcionário da Casa Branca ligou pessoal-mente para o dr. Miller e o sabatinou sobresuas visões políticas em relação a temas consi-derados controversos: aborto, pena de morte,programa de troca de seringas, apoio a trata-mentos baseados em fé religiosa e, finalmen-te, seu voto para presidente na última eleição.Aparentemente, o dr. Miller não respondeu àsperguntas da maneira como seria desejávelpelo funcionário da Casa Branca, pois logoapós o telefonema ele foi desconvidado a com-por o painel do Nida4;

• em abril deste ano, o New York Times publi-cou artigo sobre a censura de certos termos

386 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003

em projetos de pesquisa na área de Aids. Se-gundo o periódico, vários cientistas dessa áreareceberam alertas de funcionários do Depar-tamento de Saúde e Serviços Humanos (DHHS)ou de membros do Congresso sobre a impor-tância de evitar certas expressões em grants.Termos como trabalhadores do sexo, homensque fazem sexo com homens e troca de serin-gas seriam considerados inapropriados e pra-ticamente anulariam as chances de financia-mento dos mesmos. Obviamente, o porta-vozdo DHHS, em entrevista ao New York Times,afirmou que não havia nenhum documentoneste sentido, mas cientistas de várias parte dosEUA relataram experiências muito parecidas,sempre por comunicação verbal1;

• no mesmo 18 de abril, a revista científicaScience reforça os achados do New York Ti-mes, comentando uma visita do DHHS à Uni-versidade da Califórnia, em São Francisco. Se-gundo a Science, o pesquisador visitado foiconvidado a limpar a redação de seu projetode pesquisa e, consistente com o que o NewYork Times relatou, substituir expressões comotroca de seringas e prostitutas para aumentaras chances de aprovação de financiamento doprojeto2;

• finalmente, durante o mês de julho, pesquisado-res nos EUA foram surpreendidos com mais umatentativa de controle político sobre temas de pes-quisa: o dr. Victor Hesselbrock, presidente daResearch Society on Alcoholism (RSA), lançou car-ta de apelo a todos os cientistas norte-america-nos, no dia 21 de julho, no sentido de enviaremmoções de apelo a seus senadores contra a des-aprovação de quatro projetos de pesquisa já apro-vados pelo comitê de especialistas do National

Institute of Health (NIH), via votação de emendano Congresso Nacional. Com uma agenda re-pleta de temas mais apropriados para serem dis-cutidos na Câmara Federal, os deputados fede-rais dedicaram a tarde do dia 10 de julho àdiscussão e à votação de uma emenda que con-fere ao Congresso poder de revogar aprovaçãode projetos de pesquisa sobre sexualidade. Maisassustador ainda o fato de esta emenda, sem pre-cedentes na história da ciência norte-americana,só ter sido derrotada por dois votos. Assim, empoucas semanas, será discutida no Senado e po-derá se tornar realidade.

Em tempos de intolerância, uma abordagemtolerante e pragmática, como a redução de da-nos, precisa urgentemente de mais pesquisa parase afirmar como uma alternativa viável. E essaspesquisas têm sido conduzidas com rigor e su-cesso, mas somente quando abordam populaçõese substâncias de fácil digestibilidade política, comojovens universitários que bebem pesadamente eadultos tabagistas. Ou quando abordam epide-mias que há muito tempo deixaram de respeitaros cordões sanitários que separam os grupos so-ciais de comportamentos pouco convencionais,como é o caso da epidemia da Aids.

Muito ainda precisa ser pesquisado e nós, doIpad, temos completa ciência disto. Mas temosciência também de que as barreiras neste sentidosão grandes e vêm crescendo, e que, enquantoisto, teremos que conviver com uma certa frus-tração e uma grande esperança de que o cenáriopolítico internacional mude, rumo a uma maiorabertura a abordagens criativas que possam even-tualmente ser respostas efetivas aos desafios dasaúde coletiva na área de substâncias psicoativas.

Redução de danos: uma abordagem de saúde pública Carlini-Marlatt et al.

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Jornal Brasileiro de Psiquiatria

Endereço para correspondência

Dagoberto Hungria Requião

Pontifícia Universidade Católica do ParanáRua Imaculada Conceição 1.155 – Prado VelhoCEP 80215-901 – Curitiba-PR

Tel.: (41) 271-1515

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387

R e s u m oA Associação Brasileira de Redutores de Danos (Aborda) entende redução de danos como movimento social para a busca de

um estado de maior bem-estar social para todos, usuários ou não de drogas legais ou ilegais. As terapias de substituição (TS) sãonaturalmente entendidas como parte do repertório de ações de redução de danos ao transigir com o uso de drogas e não tercomo meta única a abstinência. Sua implantação no Brasil para drogas ilícitas – principalmente cocaína e maconha – demandadesconstrução das atitudes antidrogas, inclusão e normatização da redução de danos e das TS na rede SUS e reordenamento dapolítica nacional de drogas. Nesse sentido a Aborda pode ser um ator importante para a discussão dos marcos teóricos e da suaoperacionalização em campo, além da necessária atuação de controle social e advocacy dos direitos das pessoas que usamdrogas. Dado o enorme prejuízo que a atual perseguição penal das pessoas que usam drogas ilícitas implica para elas e para asociedade em geral, soa pouco efetivo reduzir as terapias de substituição (ou a redução de danos em geral) a atos de promoçãoda saúde stricto sensu, sendo imprescindível incluir nas discussões da sua apropriação pelo SUS alternativas para a necessáriaregulamentação, em algum grau, da produção, do comércio e do consumo dessas drogas. O melhor efeito que a implantaçãodas TS poderia trazer seria a substituição do discurso e da atitude antidrogas por um novo paradigma de maior inclusão social etolerância.

Unitermosdrogas; redução de danos; terapia de substituição; movimentos sociais

S u m m a r yAborda understands harm reduction as a social movement towards a state of greater welfare for everyone, whether they use drugs or

not. Substitution therapies (ST) are naturally considered part of the harm reduction set of strategies, inasmuch as drug use is tolerated andabstinence is not the only objective. To implement those illicit drugs therapies in Brazil – mainly cocaine and marijuana – the antidrugattitude must be deconstructed, harm reduction and ST must be included and normalized in the Public Health System (SUS, in Portuguese),and national drug policy must be reordered. In that sense Aborda can play an important part in the discussion of both its theoreticalbenchmarks and field operations, besides the necessary social control activities and drug users rights advocacy. Given the enormous damagesthe actual criminalized persecution represents to those who use illicit drugs and for society as a whole it does not seem effective to merelyconsider substitution therapies (or harm reduction in general) as health promotion activities. As the discussions about its appropriation bythe Public Health System continues, it is necessary to address alternatives to an indispensable regulation to some extent of production, sales,and consuming of those drugs. The best consequence of ST implementation would be the substitution of the antidrug discourse and attitudeby a new paradigm of greater social inclusion and tolerance.

Unitermsdrugs; harm reduction; substitution therapy; drug policy; advocacy

Associação Brasileira de Redutores de Danos (Aborda).

Redução de danos e terapiasde substituição em debate:contribuição da Associação

Brasileira de Redutores de DanosHarm reduction and substitution therapy: the Brazilian HarmReduction Outreach Workers Association point of viewMarcelo Araújo Campos; Domiciano J. Ribeiro Siqueira

J . b r a s . p s i q u i a t r . vol. 52 (5): 387-393, 2003

388 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003

É preciso superar o momento em queÉ preciso superar o momento em queÉ preciso superar o momento em queÉ preciso superar o momento em queÉ preciso superar o momento em queas drogas são inimigas da vidaas drogas são inimigas da vidaas drogas são inimigas da vidaas drogas são inimigas da vidaas drogas são inimigas da vida

O conceito de redução de danos (RD), na his-tória da Associação Brasileira de Redutores de Da-nos (Aborda), foi estratégia de saúde, passou porpolítica de saúde e agora é melhor expresso comomovimento social1.

Em que pese a utilização, no senso comum,da expressão redução de danos para qualquer si-tuação onde exista busca de diminuição de pre-juízos, ou mesmo ao se referir especificamente a(eventuais ou potenciais) prejuízos resultantes douso de psicoativos, a Redução de Danos (escritacom iniciais em maiúsculas), como movimentosocial, superou o paradigma sanitarista, sendoagora entendida como busca de estado de maiorbem-estar social para todos, com ou sem uso dasdrogas, inclusive daquelas tidas como ilegais.

Da mesma forma, as terapias de substituiçãoganham, na RD, interpretação pelo movimentosocial, ou seja, são lidas e construídas tambémpelo viés ideológico.

O objetivo deste texto, contudo, não é promo-ver debate ideológico, mas, atendendo a convitedo Centro Brasileiro de Informações sobre DrogasPsicotrópicas (Cebrid), apresentar o entendimen-to, pela Associação Brasileira de Redutores de Da-nos, das terapias de substituição como uma dasestratégias para reduzir danos, naturalmentepermeadas pelos valores eleitos pelo movimentosocial de RD, esclarecendo como estes valores im-plicam mais que colorido ideológico: eles são, nãoraro, definidores da eficácia das ações, notadamen-te daquelas construídas com o público-alvo dos Pro-jetos de Redução de Danos (PRDs) – pessoas emgeral que usam drogas e que, pelo menos em prin-cípio (a grande maioria), não estão inseridas, comindicação ou interessadas em propostas terapêuti-cas para o uso de drogas em si.

A RD contribui na busca daquele estado demaior bem-estar social para todos, indo além e até,se necessário, contradizendo o discurso sanitaristaonde este discurso estiver orientado exclusivamentepara o controle de doenças, sem buscar saúde in-tegral, ou distanciado dos direitos humanos.

psicoativos), são pensadas a partir de análise darelação triangular droga/sujeito/contexto, consi-derando operar modificações qualitativas ouquantitativas em quaisquer dos vértices, de modoa obter resultado final de melhor relação risco/benefício para quem usa e para a coletividade.

O mesmo raciocínio aplicamos às terapias desubstituição: elas devem ser fator de equilíbriobiopsicossocial na relação tríplice entre o sujeito,a(s) droga(s) e o(s) contexto(s) de sua vida. Por-tanto elas incluem a troca (quantitativa, qualita-tiva ou em modo de usar) de drogas legais ouilegais por outras, legais ou não, que melhorem ograu de compatibilidade do uso pelo sujeito emcada contexto. Tal compatibilidade inclui buscade satisfação do desejo do sujeito, a conservaçãode sua saúde e a harmonia com a coletividade. Aintervenção para reduzir danos busca convivênciamutuamente respeitosa entre as pessoas que usamdrogas e suas redes de relações, sejam familiares,no trabalho, afetivas, etc.

A atitude de disposição em construir habili-dades para aquela compatibilização, reunidas sobo nome genérico estratégias de redução de da-nos (incluindo terapias de substituição), e quetransige com a condição de usuário de drogas, éuniversalmente aplicável e, a nosso ver, direito daspessoas que usam drogas – ilegais inclusive.

Considerando a magnitude do seu potencialbenefício – para estas pessoas, suas redes de con-tatos e para a sociedade em geral –, acreditamosque a omissão das alternativas de redução de da-nos pelos responsáveis (diretos ou indiretos) peloatendimento de pessoas que usam drogas é pas-sível de questionamento ético, caracterizando im-perícia ou negligência.

Pelo olhar da Aborda, a RD inclui terapias desubstituição (TS) como uma das opções com ní-vel de exigência mais compatível com as necessi-dades, capacidades e desejos das pessoas queusam drogas do que a abstinência; é propiciadorade construção de vínculo com estas pessoas, e al-ternativa para aquelas que não têm demanda oudesejo de parar de usar não serem privadas demedidas que lhes propiciem melhor qualidade devida e menos riscos, para si próprias, sua rede derelações e sociedade em geral.

Diferentemente de Marllat, que coloca comoum dos princípios que “a redução de danos reco-nhece a abstinência como resultado ideal, masaceita alternativas que reduzam danos”4, na Abor-

Objetivos da substituição

Na Aborda, as ações de redução de danos (as-sim como qualquer construto teórico sobre

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da não só não consideramos a abstinência a úni-ca alternativa válida como sequer a temos comosempre necessária ou desejável.

Embora não persiga a abstinência, a RD tam-bém reconhece a utilidade das terapias de substi-tuição como alternativa para pessoas em situa-ção de uso problemático/danoso de drogas e comdesejo de interrompê-lo: estas pessoas podem ternas terapias de substituição um amparo eficienteno controle de sofrimento nas fases iniciais da abs-tinência (diminuição ou abolição de desconfortoda abstinência) ou como manutenção da absti-nência, como acontece, por exemplo, com a ofer-ta de nicotina inalatória, oral ou transdérmica paratabagistas em abandono do hábito.

Tanto para os que buscam abstinência comopara os que não a têm como objetivo, as terapiasde substituição podem atuar como estratégia deescalada inversa: migração de padrões de uso erelações mais problemáticas com psicoativos parapadrões mais harmônicos e menos problemáti-cos, ou seja, de deslocamento de situação de abu-so rumo ao uso.

Aceitar que este movimento é possível impli-ca também o rompimento com postulados comoo que considera o uso problemático incompatí-vel com transição para o uso controlado (ex.: al-coolismo é uma doença incurável), quando sesabe que tal transição é possível3.

No caso, por exemplo, da cocaína, não sepodem desprezar as implicações da observação deque, no caso da substituição da forma de assimila-ção (e talvez da quantidade) do psicoativo –, quan-do sugerimos uso inalado substituindo injetável –não está sendo colocada a abstinência como únicameta para todos os usuários de cocaína desejososde diminuir ou evitar os riscos do uso injetável, ain-da que para muitos a substituição seja consideradaetapa na busca de interrupção do uso. Considerarfalha terapêutica o sujeito que se mantém depen-dente da cocaína inalada seria subestimar o bene-fício de não fazer uso injetável.

ativismo, protagonismo e busca de inclusão so-cial destas pessoas, de maneira socialmentetransformadora, tanto para superação ou dimi-nuição da sua vulnerabilidade aos agravos à suaqualidade de vida como para eficácia das pró-prias ações de resgate ou promotoras de sua saú-de. As terapias de substituição podem ser maisque intervenção comportamental em muitossentidos. Sua medicalização, ao reduzi-las a atosde saúde stricto sensu, assim como algumas cor-rentes entendem a redução de danos, subesti-ma o seu valor mobilizador para superação doparadigma antidrogas e implica atraso de trans-formações benéficas para a sociedade e para asvidas das pessoas que usam drogas.

A discussão a seguir tenta apresentar as con-tribuições da Aborda tanto como movimento so-cial quanto como prestação de serviços.

Ativismo (a Aborda como movimentosocial de RD)

O norte da RD é dignidade com qualidade devida, não consideradas necessariamente incom-patíveis com a condição de usuário de álcool ououtras drogas. Para a maioria das pessoas queusam cocaína e maconha, os fatores causadoresde má qualidade de vida são mais relacionados àsua condição de usuários de drogas do que aosefeitos dos psicoativos em si, e isso deve ser con-siderado mesmo para pessoas com uso proble-mático ou dependência daquelas substâncias.

O movimento social trabalha pela construçãoda imagem dos usuários de droga como não sendonecessariamente merecedores de cuidados de saú-de e questiona as atitudes que os rotulam como dig-nos de punição e execração. Consideramos o con-ceito de dependência tão relativo e impreciso quantoo de loucura, e mesmo pessoas que se identificamcomo ou são rotuladas de dependentes nem sem-pre apresentam indicação de tratamento. A própriadesqualificação como marginal, doente ou criminosoé fonte de estresse e condição neurotizante parapessoas que usam drogas, especialmente daquelashoje tidas como ilegais no Brasil, e um dos estereó-tipos a serem combatidos com ativismo (incluindoações de advocacy dos direitos das pessoas que usamdrogas). Esse componente de advocacy deve ser con-siderado no delineamento das políticas de saúde parao reconhecimento, normatização e disponibilização,no SUS, das TS, assim como de todas as estratégiasde RD.

Possíveis contribuições daAborda para a implantaçãoe a implementação de terapiasde substituição no Brasil

Não é possível desvincular as ações de saúdeconstruídas e implantadas com usuários deálcool e outras drogas das ações de fomento ao

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Nesse caminho rumo à institucionalização dasaúde pública que contempla TS e RD, é papelda Aborda/Movimento Social demandar e auxi-liar na desconstrução de situação de conflito coma lei das orientações de substituição de drogasilegais por outras também ilegais, e no reconhe-cimento destas ações como eficazes, eticamentelegítimas e valiosas. É sabido que a TS, ao dispo-nibilizar uma fonte regulada de acesso a drogas,reduz problemas decorrentes da falta de controlesobre a qualidade do produto (p. ex.: risco deoverdose ou de danos por contaminantes) e dainteração das pessoas que as usam com o mer-cado ilícito e violento. Há estudos, por exem-plo, com a metadona, demonstrando como suaentrada no mercado ilícito e a venda com con-centração e pureza alteradas são deflagladorasde problemas com sua qualidade e crimes. Omesmo vem acontecendo com a buprenorfinaem vários contextos2, 5, 6.

Há aqui o desafio de discutir TS no Brasil para,por exemplo, cocaína e maconha, incluindo umpossível papel de disponibilização destas mesmasdrogas (como já se faz com nicotina na medicinaprivada), com qualidade controlada pelo Estadoe em contexto regulado e normatizado no Siste-ma Único de Saúde (SUS), como forma de esvazi-ar os danos causados pela condição de ilegalida-de e vinculação ao dito tráfico de drogas. Taldiscussão deve incluir a alternativa de regulamen-tação da produção e consumo em algum nível.Não nos esqueçamos da necessidade de se discu-tir a mesma disponibilização de álcool, talvez en-riquecido com tiamina, para usuários em condi-ção de indigência e que lançam mão de fontes deálcool mais tóxicas (inclusive com metanol) quan-do a decisão de como resolver o desconforto dasíndrome de abstinência é feita tendo na facilida-de do acesso a algo que contenha álcool o crité-rio definidor.

O desafio de institucionalização destas pro-postas é ampliado pelo fato de nem sempre se-rem compatíveis com a cultura institucional ondese desenvolvem as ações, além de que a própriapolítica de drogas nacional carece de definições.A nosso ver, a Secretaria Nacional Antidrogas(Senad) não tem perfil nem papel definidor destapolítica, já que não reúne o repertório real de con-tribuições dos Ministérios da Justiça, Saúde e Edu-cação para ir além da repressão e da identificaçãocom a superada política norte-americana de guer-ra às drogas, também carente de substituição.

Técnico-operacionais (a Aborda e seusassociados como prestadores de serviço)

Apenas ativismo não é suficiente: embora se-jam, em números relativos, uma minoria do totalde pessoas que usam psicoativos, o número abso-luto de pessoas em situação de uso problemáticode álcool e outras drogas no que se refere a reper-cussões negativas para sua saúde física é grande ecarente de acesso a assistência de qualidade.

A Aborda foi fundada em 1997 e hoje estápresente em 19 estados brasileiros, reunindo cer-ca de 650 membros que trabalham em diversosprojetos e programas de redução de danos, amaioria deles financiada através da CoordenaçãoNacional de DST e Aids. Em 2003 foram capaci-tados pela Aborda representantes destes 19 esta-dos a atuarem como Centros de Capacitação emRedução de Danos, criados Centros Regionais deRedução de Danos, abrangendo Norte, Nordestee Centro-Oeste (CRRD-1), Sudeste (CRRD-2) e Sul(CRRD-3), com a missão de fomentar consistên-cia ao movimento de redução de danos e apoiaros trabalhos locais, aglutinando os envolvidos edescentralizando o gerenciamento da Aborda.

O Primeiro Treinamento Nacional de Reduto-res de Danos foi organizado pela Aborda em 1999(até abril de 2003 foram capacitadas aproximada-mente 350 pessoas). Através de projetos implanta-dos com a Aborda foram abertos programas de RDem Minas Gerais, Acre, Ceará, Pernambuco, Espíri-to Santo, Paraná, Mato Grosso, São Paulo, Rio Gran-de do Sul, Santa Catarina e Rio de Janeiro, inclusi-ve com suporte para criação de associações locaisde redutores de danos. Os associados (pessoas quetrabalham em diversas instituições – governamen-tais e não-governamentais) têm na Aborda um es-paço de encontro para discutirem e aprimoraremsuas práticas, tanto como provedores de serviçosde prevenção e assistência a usuários de drogasquanto como ativistas do movimento social.

Conquanto a cobertura dos programas de re-dução de danos (PRDs) seja numérica (em númerode usuários atingidos) e geograficamente ampla, elaé ainda frágil em termos de continuidade esustentabilidade das ações. Muitos dos PRDs sãoprojetos dependentes de financiamento e não auto-sustentáveis, e a institucionalização e aprofissionalização das ações de RD são incipientes,insuficientes e pouco sólidas. Uma das propostas queestão sendo estruturadas é a busca daprofissionalização dos redutores e da inclusão de

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técnicas de RD (e de TS) nos currículos de formaçãode recursos humanos dos Programas de AgentesComunitários de Saúde (Pacs) e Programa de Saúdeda Família (PSF). Alguns dos PRDs (p. ex.: Paraná,São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Bahiae Minas Gerais) atuam com algum grau deinteratividade com o SUS, inclusive com interaçãocom PACS e PSF, além da gradativa aproximaçãocom os Centros de Atenção Psicossocial (Caps).

Esta interação é forma de equacionar o outrolado da moeda das ações de RD: a melhoria doacesso das pessoas que usam drogas aos insumose serviços de assistência em saúde, cabendo, alémde facilitar aquele acesso, trabalhar pela melhoriada qualidade desta assistência, precária qualitati-va e quantitativamente.

As terapias de substituição podem ser pensa-das como ampliação de repertório da assistênciaa pessoas que usam drogas, mesmo no contextode precariedade do SUS.

Cabe aqui a observação sobre o próprio concei-to de terapias de substituição, já que encontramosentre elas algumas que se caracterizam como atosterapêuticos (envolvem processo diagnóstico eterapêutico, inclusive com prescrição de medicamen-tos, idealmente seguindo protocolos amparados naliteratura científica) e outras que a nosso ver sãopassíveis de apropriação (e na verdade já aplicadas)pelos redutores de danos, cuja capacitação tem ní-vel de sofisticação similar ao dos agentes de saúdecomunitária (embora diferente – discussão sobre oprocesso de profissionalização dos redutores de da-nos está sendo conduzida, com participação diretada Aborda, junto ao Ministério da Saúde). É possívelque seja mais adequado reservar a expressão terapi-as de substituição para aquelas substituições que secaracterizam como atos terapêuticos complexos(estamos tentando evitar a expressão ato médicopara não haver confusão com defesa da classe dosmédicos como se fossem os únicos aptos a conduzirtais tratamentos).

As formas de terapias de substituição aplicá-veis em campo podem e devem ser consideradaspapel dos redutores de danos (e dos agentes desaúde comunitária em geral). Orientações comoa substituição do crack por maconha (ou do crackpuro por mistura com maconha) ou da cocaínainjetada por inalada são formas de substituição jáincorporadas ao repertório de alternativas ofere-cidas aos usuários de drogas, sendo tema de dis-cussões nas capacitações nacionais de redutores

de danos feitas pela Aborda desde 1999. Estassubstituições são particularmente relevantes nonosso meio, onde as terapias de substituição clás-sicas (de opiáceos) hoje quase não têm função.

Auxiliar na demarcação, no Brasil, da frontei-ra entre atos terapêuticos complexos e não-com-plexos, bem como no estabelecimento de umcorpo organizado de técnicos e conhecimentossobre substituição, a exemplo do que já existe emalguns países, é um dos papéis da Aborda.

Consideramos que o público-alvo para tera-pias de substituição pelos redutores de danos queatuam em campo não são todos os usuários e queos redutores e agentes comunitários de saúde nãoserão os mais indicados para proceder a algumassubstituições. Há usuários de álcool e outras dro-gas que necessitarão de suporte com maior nívelde complexidade. O papel dos redutores de da-nos é mais bem desempenhado onde se pode pro-mover o acesso destes usuários a serviços de saú-de (SUS), os quais são poucos e nem sempretransigem com a condição de usuários (em geral,a meta colocada é não usar drogas), sendo ne-cessário normatizar as alternativas de substituição(assim como está sendo com as alternativas deredução de danos) nestes serviços.

Existe potencial para aproveitamento da redede redutores de danos, que tem entre seus papéiso de facilitar o acesso das pessoas que usam dro-gas a insumos e serviços de saúde, na consolida-ção das terapias de substituição outras, além dasque eles já conhecem e orientam. Mais que execu-tora de terapias, a rede de redutores, que na Abor-da inclui grande número de pessoas que usam oujá usaram drogas, pode também participar direta-mente na construção de conhecimento sobre asterapias de substituição, seja como partícipe emprotocolos de pesquisa, seja como detentor de co-nhecimentos a serem cientificamente avaliadoscomo potenciais terapias de substituição.

Entre as formas de substituição e redução dedanos de que temos relatos citamos a troca decocaína por anfetaminas, o álcool por maconha,o uso de doses baixas de cocaína para contraba-lançar o efeito depressor do álcool (p. ex.: ao di-rigir), todas já apontadas em campo por usuáriosde drogas e merecedoras de avaliação quanto aoseu real valor, seja como estratégias a serem re-conhecidas e apropriadas para obtenção daquelamelhor compatibilidade entre o sujeito e a drogaem cada contexto, seja para desaconselhar subs-

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tituições tidas como vantajosas quando, após se-rem estudadas, não demonstrarem sê-lo.

Neste ponto há que se considerar maiormaleabilidade e disposição para enfrentamentode questões legais pelas organizações da socie-dade civil que possuem o já discutido papel detransformação social. Por exemplo, a troca decrack por maconha é conhecida e estimuladapelos redutores de danos em campo, mas amaioria das instituições (governamentais ounão) que realizam atendimento a usuários dedrogas, presas ao discurso antidrogas, aindareluta em admitir sua utilidade ou o faz de for-ma extremamente tímida, deixando de explo-rar esta alternativa mesmo quando potencial-mente mais benéfica para quem atende.

confusa, limitadora dos benefícios que as pessoasque usam drogas e a sociedade em geral podemobter com sua disponibilização. Esta disponi-bilização, por sua vez, implica descriminalização eregulamentação de consumo de psicoativos hojetidos como ilegais, essenciais tanto para realmenteoperacionalizar a TS destes psicoativos no SUScomo para quebrar a vinculação de pessoas que osusam (mesmo se não-formalmente inseridos emTS) com a criminalidade. Substituir a condição deincluídos na marginalidade pela inclusão social se-ria o ganho maior da implantação das TS tanto paraestas pessoas como para a sociedade em geral.

Somos uma sociedade de consumo, tendo odesejo como mola mestra desse processo que nãosobrevive sem a continuada reinvenção do dese-jo e o incitamento à busca de sua satisfação. Assubstâncias tidas como drogas podem ser vistascomo mais um produto para aquela satisfação,além de tamponamento para a insatisfação.

Em tempos de globalização há o risco de sobraraos estados menos técnica, política ou economica-mente capazes de construir e defender suas deci-sões se submeterem a interesses que não são os doseu povo, exercendo o seu poder para a repressão,o que os distancia da função fomentadora de bem-estar social para todos. Ao passar a instrumento paraservir ao fluxo de capitais, o Estado perde as suasbases, sua soberania e independência, tornando-semero serviço de segurança (policial inclusive) paraos incluídos nas relações legal e socialmente aceitas.

Os que não pertencem à elite ou não estão dis-postos a modificar seus modos de vida paracompactuar com as mesmas regras (como grandeparte das pessoas que consomem drogas ilegais) sãocontinuadamente acusados de serem ameaça ao Es-tado ou à sociedade, desqualificados e incluídos namarginalidade. Mesmo usuários de drogas de altarenda, a despeito de estarem menos vulneráveis à vi-olência das regras do tráfico, também têm seus hábi-tos estigmatizados (e bem escamoteados para os defora) e alguma vulnerabilidade ao envolvimento comoutras formas de violência, como a corrupção.

Neste contexto antidrogas, os muros dos con-troles, dos quais a política de tolerância zero (quetambém pode ser lida como intolerância 100%)é instrumento, ficam mais altos, as satisfações dossonhados desejos ficam mais distantes, as pontespara o atravessamento para uma vida mais dignae cidadã revelam-se poucas, estreitas e quebradi-ças. É tempo de inverter esse processo, e a redu-

Conclusões e consideraçõesfinais

Classificar RD (que inclui as TS) como medi-da paliativa não faz sentido, já que o seu objeti-vo não é perpetuação de situação de uso pro-blemático de drogas, o que seria manter oumesmo aumentar danos ao invés de reduzi-los.Os tratamentos de substituição podem tambémser vistos como redução de danos (ainda que nãoideologicamente identificados com o movimen-to social de RD) para os que, em sofrimento comsua condição de usuários, desejam ajuda parainterromper ou organizar o uso, e sempre lem-brando que RD, como entendida pela Aborda,não considera a abstinência a única meta válidaou estado ideal de controle sobre o uso. O obje-tivo é a convivência mutuamente respeitosa, obem-estar para os indivíduos com maior sintoniaentre direitos individuais e coletivos.

A inclusão das TS de forma mais sistematizada einstitucionalmente sustentada na rede de saúde doSUS tem no movimento de redução de danos tantoum potencial executor como um beneficiário: aomelhorar sua atuação com a inclusão das terapiasde substituição, os redutores de danos também sefortalecem como categoria profissional.

Pelo olhar da RD, as TS não devem ser confun-didas como etapas ou estratégia para busca de abs-tinência, nem justificadas ou reforçadoras de atitu-des antidrogas. Tal constructo teórico (a inclusãode TS como parte do discurso antidrogas) seria,além de cientificamente inconsistente e de lógica

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ção de danos, como movimento social – do quala Aborda é expoente – é um dos caminhos paradevolver à sociedade brasileira e ao Estado porela constituído a condução da sua política de dro-gas, com justiça e independência.

Agradecimentos

A Francisco Inácio Bastos, Christiane MoemaAlves Sampaio e Luiz Paulo Guanabara, pelas con-tribuições.

Referências

1. Campos MA, Sampaio CMA. Introdução. In: Campos MA,Sampaio CMA (orgs.). Drogas, dignidade e inclusão social:a lei e a prática de redução de danos. Rio de Janeiro: Abor-da; 2003, p. 11-2.

2. Jaffe JH, O’Keeffe C. Related articles, links: from morphine clinicsto buprenorphine – regulating opioid agonist treatment ofaddiction in the United States. Drug Alcohol Depend May21, 2003; 70(suppl. 2): S3-S11.

3. Larimer ME, Marlatt GA, Baer JS, Quigley LA, Blume WA, HawkinsEH. A controvérsia do beber controlado. (Subitem do capí-tulo 3 – Redução de danos para problemas com álcool:ampliando o acesso e a acolhida dos serviços de tratamen-to e prevenção). In: Marlatt GA et al. Redução de danos:estratégias práticas para lidar com comportamentos de altorisco. Porto Alegre: Artes Médicas Sul; 1999, p. 66-9.

Endereço para correspondência

Marcelo A. Campos

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Tel.: (31) 9128-9361/3373-8203

e-mail: [email protected]

Jornal Brasileiro de Psiquiatria

4. Marllat GA. Princípios básicos e estratégias de redução de da-nos. In: Marllat GA et al. Redução de danos: estratégiaspráticas para lidar com comportamentos de alto risco. Por-to Alegre: Artes Médicas Sul; 1999, p. 46.

5. Reilly D, Scantleton J, Didcott P. Related articles, links: magistrates’early referral into treatment (Merit): preliminary findings ofa 12-month court diversion trial for drug offenders. DrugAlcohol Rev Dec 2002; 21(4): 393-6.

6. Seymour A, Black M, Jay J, Cooper G, Weir C, Oliver J. Relatedarticles, links: the role of methadone in drug-related deathsin the west of Scotland. Addiction Jul 2003; 98(7): 995-1002.

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tica. Deve ser usado o estilo dos exemplos que se seguem:

Artigos

• Akiskal HS, Maser JD, Zeller PJ, Endicott J, Coryell W, KellerM, Warshaw M, Clayton P, Goodwin F. Switching from‘unipolar’ to bipolar II. An 11-year prospective study ofclinical and temperamental predictors in 559 patients. ArchGen Psychiatry 1995; 52:114-23.

Livro

• Goodwin FK, Jamison KR. Manic-Depressive Illness. NewYork: Oxford University Press; 1990.

Capítulo de livro

• Heimberg RG, Juster HR. Cognitive-behavioral treatments:literature review. In: Heimberg RG, Liebowitz MR, HopeDA, Schneier FR, editors. Social phobia – Diagnosisassessment and treatment. New York: The Guilford Press;1995, p. 261-309.

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• Key words should be presented in two languages, the oneof the text and in english (between 3 and 10). For thechoice of terms, the list entitled Medical Subject Headingsof the Index Medicus or the Lista de Descritores de Ciên-cias da Saúde of BIREME, for portuguese scientificliterature, are recommended.

• Tables and illustrations should be numbered and placedin separate individual pages, with the legends, in a formatthat allows its reproduction, and its inclusion in a diskette.Places for insertion in the text should be highlighted.

• Illustration in negative will not be accepted and theprinting of coloured material will be charged to the author.

• Acknowledgements should be placed prior to theReferences.

ReferencesShould be numbered and listed in alphabetical order. The

following styles for the references should be employed.

Articles

Akiskal HS, Maser JD, Zeller PJ, Endicott J, Coryell W, KellerM, Warshaw M, Clayton P, Goodwin F. Switching from‘unipolar’ to bipolar II. An 11-year prospective study ofclinical and temperamental predictors in 559 patients. ArchGen Psychiatry 1995; 52:114-23.

Book

Goodwin FK, Jamison KR. Manic-Depressive Illness. NewYork: Oxford University Press; 1990.

Book chapter

Heimberg RG, Juster HR. Cognitive-behavioral treatments:literature review. In: Heimberg RG, Liebowitz MR, HopeDA, Schneier FR, editors. Social phobia – Diagnosisassessment and treatment. New York: The Guilford Press;1995, p. 261-309.