polifasia cognitiva nas representações sociais do alcoolismo

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    Polifasia cognitiva nas representaes sociais do alcoolismo

    Cognitive polyphasia in the social representations of alcoholism

    Luiz Gustavo Silva Souza1Maria Cristina Smith Menandro2Paulo Rogrio Meira Menandro3

    RESUMO:Diferentes racionalidades agem na construo de representaes sociais, por meio doprocesso de polifasia cognitiva. Parte-se da hiptese de que profissionais de sade no serestringem ao saber tcnico-cientfico ao construir suas representaes. Esta pesquisa teve oobjetivo de compreender as representaes sociais do alcoolismo construdas por profissionaisde Sade da Famlia, em especial a dimenso da polifasia cognitiva. Participaram 40 profissionais,recrutados igualmente quanto a gnero e profisso (mdicos e no-mdicos). Eles responderama entrevistas semiestruturadas e os dados foram analisados com Classificao Hierrquica

    Descendente com auxlio do software ALCESTE. Os resultados mostram que o alcoolismo foirepresentado simultaneamente como 1) doena multifatorial a ser tratada de forma integral: ascausas so conhecidas e a equipe de sade deve adotar procedimentos tcnicosmultiprofissionais; e 2) como problema social, relacionado pobreza das comunidades, a sertratado com os (poucos) recursos disponveis e com fora de vontade: as causas so obscuras, oalcoolista no recebe cuidados, h motivaes contraditrias entre usurios e profissionais, otratamento depende da fora de vontade e de recursos alheios. Discute-se a presena de crenasque associam o alcoolismo pobreza. Os profissionais recorreram implicitamente aos universosreificado e consensual para a construo das representaes sociais, caracterizando a incidnciada polifasia cognitiva. So realizadas sugestes metodolgicas para uso do ALCESTE: um quadropara interpretao das Classes de trechos de discurso geradas com auxlio do software e o usodos conceitos de universo reificado e universo consensual para interpretao de seus grficos

    (dendrogramas).

    Palavras-chave: representao social; alcoolismo; ateno primria sade; polifasia cognitiva;ALCESTE.

    ABSTRACT: Different rationalities participate in the construction of social representationsthrough the process of cognitive polyphasia. We considered the hypothesis that healthprofessionals do not use only technical-scientific knowledge to construct their representations.This research aimed at understanding the social representations of alcoholism constructed byBrazilian Family Health professionals, especially the dimension of cognitive polyphasia. Fortyhealth professionals equally sampled by gender and profession (physicians and non-physicians)participated in this research. They answered to semi-structured interviews. We analyzed the datawith the Top-down Hierarchical Classification implemented in the software ALCESTE. Results

    show that professionals simultaneously represented alcoholism as: 1) a multifactorial disease tobe treated with a comprehensive approach, its causes are known, the health team must applymulti-professional procedures. 2) A social problem related to the poverty of communities, to betreated with the (few) available resources and with willpower. Its causes are obscure, thealcoholic patient does not receive health care, there are contradictory motivations betweenpatients and professionals and treatment depends on willpower and non-available resources. Wediscuss the possible influence of cultural beliefs that associate alcoholism to poverty.

    1Doutor em Psicologia; Professor do Departamento de Psicologia (CPS) da Universidade Federal Fluminense - Campos dosGoytacazes, RJ, Brasil. E-mail: [email protected].

    2 Doutora em Psicologia; Professora do Programa de Ps-Graduao em Psicologia da Universidade Federal do Esprito

    Santo - Vitria, ES, Brasil.

    3Doutor em Psicologia; Professor do Programa de Ps-Graduao em Psicologia da Universidade Federal do Esprito Santo -Vitria, ES, Brasil.

    mailto:[email protected]:[email protected]
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    Professionals implicitly considered the reified universe and the consensual universe to constructtheir social representations, what characterizes the influence of cognitive polyphasia. We makemethodological suggestions regarding the use of the software ALCESTE: a chart for theinterpretation of Classes of simple statements generated by the software and the use of theconcepts of reified universe and consensual universe for the interpretation of its graphics(dendrograms).

    Keywords:social representation; alcoholism; primary health care; cognitive polyphasia; ALCESTE.

    Introduo

    A pesquisa relatada neste artigo teve o objetivo de compreender as representaessociais do alcoolismo construdas por profissionais brasileiros de Sade da Famlia e,especialmente, a dimenso da polifasia cognitiva (Moscovici, 1961) na construo dessasrepresentaes. O artigo faz tambm proposies metodolgicas para uso do softwareALCESTE, desenvolvido por Reinert (2000): um quadro para facilitar a nomeao das Classesgeradas com auxlio do software (Anexo 1) e uma forma de interpretao dos resultados

    baseada nos conceitos de universo reificado e de universo consensual (Moscovici, 2007).Com isso, apresenta-se uma proposta de articulao terico-metodolgica entre o ALCESTEe a Teoria das Representaes Sociais.

    H algumas dcadas, em todo o mundo, a Ateno Primria Sade (APS) concebidacomo nvel estratgico de ateno sade, tendo em vista sua capacidade singular de agirsobre os modos de vida das populaes atendidas. Caracteriza-se pela proximidade, tantogeogrfica quanto afetiva, entre profissionais e usurios e pelo carter longitudinal doatendimento (World Health Organization, 2008).

    No Brasil, a Estratgia Sade da Famlia foi proposta como conjunto de princpios e

    aes prprios da APS para orientar todo o sistema de sade. A assistncia deve deixar deenfocar a cura de doenas, caracterstica do persistente modelo biomdico tradicional, emfavor de abordagens centradas na promoo de sade e transformao de estilos de vida(Viana & Dal Poz, 1998). Esses objetivos so particularmente importantes para o cuidadodirigido a problemas com o lcool e a condies crnicas como o alcoolismo (Brasil, 2004;Kanno, Bellodi & Tess, 2012; Souza, 2012).

    Na produo cientfica contempornea sobre o alcoolismo, a etiologia descrita como

    gradual e multifatorial, incluindo fatores genticos, sociais e psicolgicos (Rotgers & Davis,2006; Souza & Noto, 2013). Intervenes breves e aconselhamento so indicados, em APS,para diminuir riscos associados ao consumo, para promover a motivao, a mudana de

    comportamentos ou, dependendo do caso, a adoo de tratamentos mais intensivos emcentros especializados. Para o dependente de lcool, indica-se desintoxicao com manejode sndrome de abstinncia e complicaes associadas. So utilizados recursosmedicamentosos e (psico) teraputicos. Intervenes buscam construir ou fortalecer redessociais. Relaes de parceria podem ser estabelecidas entre profissionais de sade e gruposde mtua ajuda como os Alcolicos Annimos. O conjunto de atores e servios a serenvolvido em atividades de promoo de sade, preveno, tratamento e reabilitaopsicossocial potencialmente grande (Heather & Stockwell, 2004).

    Entretanto, o alcoolismo foi, ao longo da histria, alvo de persistente condenaomoral, inclusive por parte de pesquisadores e profissionais das cincias mdicas e da sade

    (Sournia, 1986; Ronzani & Furtado, 2010) e foi tradicionalmente associado pobreza e ateses sobre a degenerescncia, crenas sobre a degradao fsica e moral das classespopulares (Sournia, 1986; Matos, 2000).

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    O alcoolismo construdo socialmente como desvio, ou seja, como uma afronta aospadres morais e aos valores da sociedade que o (re) produz (Conrad & Schneider, 1992).Para o senso comum, explicaes cientficas do alcoolismo (genticas, psicolgicas, sociais)parecem menos convincentes que a imagem concreta da queda do alcoolista, de sua(auto) segregao e degenerao moral e social. A percepo social do alcoolista no recorre

    necessariamente quantidade de lcool ingerida, nem a critrios descritos em manuaismdicos. O alcoolista identificado quando seu consumo de lcool associado degradao de papis sociais. Para identificar o alcoolista, destaca-se a percepo de seudescontrole, da vontade, da fala, do comportamento, e de seu isolamento social, solido equebra de protocolos (Ancel & Gaussot, 1998; Souza, 2012).

    Dentre os conhecimentos cientficos e aqueles produzidos pelo senso comum sobre oalcoolismo, que elementos adotam os profissionais de APS, especialmente de Sade daFamlia, para construir a realidade objetiva-subjetiva do fenmeno? Essa questo, quenorteou a presente pesquisa, relevante, tendo em vista o importante papel atribudo APS

    pelas polticas pblicas dirigidas a usurios de lcool e outras drogas (Brasil, 2004).

    Fundamentao terica

    Representaes sociais so teorias de senso comum, elaboradas por sujeitos e grupos

    sociais acerca de um objeto, que integram saberes de diferentes ordens, conhecimentoscientficos, crenas e imagens, alm de padres afetivo-avaliativos, e que contribuem paradefinir o objeto, para construir sua realidade, para aferir seu valor e para prescrever e

    justificar comportamentos em relao a ele (Moscovici, 1961, 2007).

    Nas sociedades industrializadas, marcadas pela presena das cincias, as

    representaes sociais integram conhecimentos cientficos e outros tipos de sabereseruditos. Entretanto, no se restringem a esses saberes. Elas possuem carter inventivo,capaz de recriar saberes especializados para favorecer a adaptao a contextosheterogneos e para integrar experincias vividas. A Teoria das Representaes Sociaisreconhece duas classes distintas de universos de pensamento (S, 1993, p. 28) queoperam na percepo e na construo da realidade social: o universo reificado e o universoconsensual. Enquanto no primeiro, buscam-se verdades, no segundo, buscam-sesentidos (Moscovici, 2007).

    O universo reificado corresponde s formas de posicionamento quanto aoconhecimento e s prticas que delimitam aspectos formais da realidade, s verdades

    definidas por instncias normalizadoras como as instituies religiosas, as instituiesjurdicas e a cincia. Estabelece hierarquias, indicando representantes legtimos do saber, osnicos considerados aptos a falar em seu nome (por exemplo, representantes religiosos,

    juzes ou mdicos). O sujeito que se expressa no registro do universo reificado age, ou tentaagir, como porta-voz autorizado e imparcial de conhecimentos aos quais ele se submete,conhecimentos consagrados por instncias coletivas, impessoais (S, 1993; Moscovici, 2007).

    Em contraste, o universo consensual corresponde s formas de posicionamento

    quanto ao conhecimento e s prticas que delimitam aspectos informais da realidade, aosconhecimentos construdos por pessoas e grupos em sua dinmica recorrente de interao ecomunicao. Essas formas geram conhecimentos utilitrios, representaes sociais. O

    sujeito que se expressa no registro do universo consensual age como erudito amador,porta-voz de sua prpria experincia, veiculando sua viso pessoal em nome de grupos nosquais se insere (S, 1993; Moscovici, 2007). O erudito amador integra, de forma mais ou

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    menos precisa, conhecimentos cientficos e outros tipos de saberes institucionalizados ainformaes adquiridas em sua prpria vivncia, permeada por pertencimentos grupais epor crenas consagradas pela histria e pela cultura. Tudo o que dito ou feito ali [nosuniversos consensuais] apenas confirma as crenas e as interpretaes adquiridas,corrobora, mais do que contradiz, a tradio (Moscovici, 2007, p. 54).

    A lgica que rege as representaes sociais no exclusivamente formal, hipottico-dedutiva. As representaes integram tipos de raciocnio tradicionalmente atribudos aopensamento dito primitivo ou pr-formal (animismo, finalismo, realismo,antropomorfismo). A atividade representacional se caracteriza pelo carter fragmentrio esincrtico dos conhecimentos produzidos e pela coexistncia, no mesmo grupo ou nomesmo sujeito, de tipos mltiplos e heterogneos de racionalidade, o que foi chamado deestado de polifasia cognitiva (Moscovici, 1961; Jovchelovitch, 2008, 2011).

    Neste artigo, dedicado a compreender representaes sociais construdas porprofissionais de sade, privilegia-se o que Provencher, Arthi e Wagner (2012) denominaram

    perspectiva diacrnica para emergncia da polifasia cognitiva. Os autores chamam a atenopara a persistncia dos conhecimentos ditos tradicionais no pensamento moderno, esseltimo marcado pelo domnio tcnico-cientfico, e para as profundas e contnuas imbricaesentre esses tipos de conhecimentos.

    Moscovici (1961) nota que o pensamento de senso comum opera de forma simultneacom sistema e metassistema. O sistema cognitivo, operatrio, produz categorizaes,associaes e diferenciaes, mas no funciona sozinho. Ele est inscrito em ummetassistema que controla e verifica sua ao, por meio da incidncia de normas e valoressociais, de regras que podem ser lgicas ou no (Doise, 2002). Valentim (2013) destaca que aTeoria das Representaes Sociais deve ser valorizada como instrumento para analisar aparticipao desse metassistema na construo das teorias de senso comum, com suavalidade e com suas lgicas prprias.

    Mtodo

    Participantes

    Participaram desta pesquisa 40 profissionais de Sade da Famlia que trabalhavam

    em 11 diferentes USF localizadas em bairros de classe popular de um mesmo municpio dosudeste brasileiro, urbano, com populao de cerca de 330 mil habitantes. A distribuio dos

    participantes foi equivalente quanto a gnero (20 homens e 20 mulheres) e quanto categoria profissional (20 no-mdicos e 20 mdicos). Essa distribuio consideradaapenas como equalizadora dos participantes da pesquisa quanto s categorias consideradas.No h inteno aqui de fazer comparaes entre esses grupos.

    Os participantes tinham idades que variaram de 26 a 61 anos, com mdia de 36,4 anos(DP = 8,7). A mdia do tempo de profisso foi de 11,1 anos ( DP = 8,7). A maioria (67%)declarou usar bebidas alcolicas (33% declararam-se abstinentes) e 52% afirmaram ter casode alcoolismo na prpria famlia (pais, irmos, tios, primos ou cunhados). A maior partedeclarou pertencer classe mdia (70%) ou mdia-alta (22%).

    O projeto foi aprovado por um Comit de tica de uma Universidade Federalbrasileira. Foram respeitadas todas as diretrizes de tica em pesquisa (Resoluo 466/12 do

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    Conselho Nacional de Sade). Os participantes foram entrevistados aps terem assinadoTermo de Consentimento Livre e Esclarecido.

    Instrumentos e procedimentos de coleta de dados

    Os participantes foram abordados em seus locais de trabalho e foram entrevistadosindividualmente. Um questionrio especfico foi utilizado para coletar dadossociodemogrficos. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas com os 40 participantes,com roteiro de entrevista que continha as seguintes questes: 1) Como o alcoolismo aparecena Unidade de Sade? Como a equipe lida com os casos? 2) Que fatores voc destaca comoimportantes para entender porque algum se torna alcoolista? e 3) Que tipo de tratamentovoc acredita que deve ser adotado para pessoas que desenvolveram alcoolismo?4O roteiroabordou, portanto, trs tpicos: o fenmeno do alcoolismo nas Unidades, suas causas e seutratamento.

    O nmero de questes do roteiro foi pequeno, mas o carter semiestruturado da

    entrevista permitiu a ampliao e o aprofundamento das respostas. As questes pr-estabelecidas foram feitas a todos os participantes, mas o pesquisador formulou perguntas ecomentrios singulares a cada um deles, no intuito de explorar com detalhe aspectosinteressantes das falas, promovendo o envolvimento e a expresso dos participantes. Opesquisador pediu que experincias vividas pelos profissionais fossem descritas, queexpresses e metforas fossem explicadas. As entrevistas tiveram durao mdia de 11,4minutos (DP= 4,7).

    Mtodo de anlise

    As entrevistas foram transcritas integralmente e as respostas dos participantes foramagrupadas em trs corporadistintos, relativos aos trs tpicos do roteiro de entrevista: ofenmeno do alcoolismo nas USF, causas do alcoolismo e tratamentos preconizados. Essescorpora foram submetidos separadamente Classificao Hierrquica Descendente pormeio do programa ALCESTE v. 4.7 (Analyse des Lexmes Co-occurants dans les EnoncsSimples dun Texte Anlise de Lexemas Coocorrentes nos Enunciados Simples de um Texto)proposto por Reinert (2000). Seguindo indicaes de Camargo (2005), o vocabulrio doscorpora foi padronizado e homogeneizado, para permitir que o ALCESTE considerasseexpresses (por exemplo, a expresso dependente qumico foi grafada dependente-

    _qumico) e sinnimos (por exemplo, as expresses agentes de sade, agentes

    comunitrios e agentes foram grafadas agente_de_sade).O ALCESTE realiza uma anlise lexicogrfica, por meio de testes de qui-quadrado,

    que indica vocbulos de um discurso que apresentam coocorrncia significativa. Mostra osmundos lexicais que compem um discurso e certas relaes entre esses mundos (Reinert,2000; Lima, 2008). Segundo Kronberger e Wagner (2008), O pressupostode ALCESTE quepontos diferentes de referncia produzem diferentes maneiras de falar, isto , o uso de umvocabulrio especfico visto como uma fonte para detectar maneiras de pensar sobre umobjeto (p. 427).

    4O roteiro completo contou ainda com a seguinte questo composta, formulada aps a primeira: Voc j precisou atenderprofissionalmente algum que estava alcoolizado naquele momento? Como foi a experincia? Que sentimentos associa aesse atendimento? . Os dados gerados por essa questo, analisados alhures, no foram considerados neste artigo.

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    Inicialmente, o software converte as palavras de cada corpus em formas reduzidas(lematizao). Os smbolos +,

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    produzir. Os mundos lexicais so delimitados uns por oposio aos outros. A proximidade oudistncia entre as Classes, evidenciada pelos dendrogramas, permite identificar quais delesso particularmente semelhantes ou particularmente diferentes (Reinert, 2000; Lima, 2008).

    Adota-se, neste trabalho, o tipo de interpretao dos resultados obtidos com auxlio

    do ALCESTE sugerido por Lima (2008). Os falantes ocupam diversos lugares comuns deenunciao, aos quais aderem de forma no-consciente. Os lugares comuns so panos defundo cognitivo-discursivo-pragmticos prprios a um grupo social. Aderir a um lugarcomum estimula o recurso a certas combinaes lexicais e a prticas discursivas habituais.Essas ltimas, por sua vez, indicam elementos cognitivos compartilhados pelo grupo, queso testemunhas de vivncias coletivas e que so integrantes de representaes sociais. Naspalavras de Lima (2008):

    O lugar comum de um grupo ou comunidade releva os hbitos lingusticos e sociocognitivospartilhados por um ou por outro, e, mediante seu estudo, o pesquisador atinge os ndulosculturais das representaes sociais: a cognio partilhada, a experincia conjunta marcada poruma prtica ritualizada (repetitiva, no necessariamente mstica ou religiosa), por sua vez

    geradora de um lxico prprio, distinguido pela reiterao de certas expresses, combinaeslexicais (p. 88).

    Quando o sujeito fala, ele habita certos lugares mentais em que se articulamperceptos e afetos conscientes e inconscientes referentes atividade atual, aopertencimento a grupos, memria e s projees para o futuro. As Classes do ALCESTE sotraos desses lugares que, em grupos como o que foi investigado, adquirem propriedadescomuns, compartilhadas. No processo de enunciao, o sujeito fala em parte a partir delugares cognitivo-afetivos-comportamentais produzidos coletivamente, que remetem asistemas de significao e de experincias compartilhadas. Representaes sociais soconstrudas por processos de comunicao e de interao, organizados e mediados pela

    linguagem. A anlise dos padres lexicais recorrentes, permitida pelo ALCESTE, revela traosde como elas ganham estabilidade em certo grupo social.

    Os lugares comuns, dos quais as Classes geradas pelo ALCESTE so pistas,correspondem a um ponto de vista ou lugar de pensamento a partir do qual e por meio doqual se produzem sentidos, que podem ser, inclusive, discordantes (Reinert, 2000; Lima,2008). As Classes no so categorias puramente semnticas (Lima, 2008, p. 90), elas sotambm vestgios da atividade de enunciao, que implica recurso a diferentes pontos devista. Ao mesmo tempo em que podem ser vistas como abrigos de sentido, podem serinterpretadas como indicadoras de lugares comuns, campos representativo-discursivos

    geradores de sentidos. Esse duplo carter importante para sua interpretao e serretomado na discusso.

    Resultados

    Cada um dos corpora (o fenmeno, as causas, os tratamentos), foi submetido aoALCESTE de forma independente. Eles apresentaram, respectivamente, 1.147, 638 e 826linhas de texto. Os dois ltimos no cumpriram o critrio de cerca de 1.000 linhas comotamanho mnimo para funcionamento timo do programa. Entretanto, isso no inviabilizoua anlise (Cf. Camargo, 2005). As porcentagens de UCE aproveitadas foram,respectivamente, 69%, 89% e 58%. Segundo Kronberger e Wagner (2008), uma soluo

    aceitvel (p. 439)requer o mnimo de 70% de aproveitamento das UCE, o que sinaliza queos resultados relativos ao ltimo corpustm que ser encarados com reservas. Fez-se aqui aopo de expor, ainda assim, esses resultados, tendo em vista sua correspondncia emprica

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    e analtica com os resultados relativos aos outros dois corpora, notadamente a mesma lgicade separao em Eixos que ser retomada na discusso.

    Como o alcoolista aparece

    A anlise das respostas relativas primeira questo, sobre como o alcoolista aparecena Unidade e sobre como a equipe lida com os casos, originou quatro Classes. So descritos,a seguir, alguns termos que caracterizaram essas Classes, retidos segundo o critrio dedefinio desses termos como presenas significativas pelo ALCESTE5. Para diferenci-los,no texto, so adotadas duas convenes: marcao por sublinhado e ligao de locuescom hfen. Os sinais +,

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    A palavra mais caracterstica da Classe 1 foi o verbo quer+ (quer, querer), que indica adireo da interpretao adotada: o mundo lexical correspondente se organizou pela noode vontade, palavra tambm associada Classe. Os tpicos evidenciam que se tratava dedescrever aes do usurio alcoolista: ele chega bbado+, quer ou no quer se tratar. Essasaes foram expressas por diversos verbos caractersticos da Classe: quer+, volta, beber,

    parar-de-beber, ouvir, chegou, etc.

    A palavra voc designou alternadamente os usurios alcoolistas e os prpriosprofissionais. Em certos trechos de discurso, fica explcita a oposio entre a (s) vontade (s)(propsitos) desses atores: vou falar, mas sei que no vai mudar nada, ele no tomaremdio, a e vai pro bar beber. De um lado, os profissionais prescreviam orientaes,acompanhamento contnuo, cumprimento de regras, abstinncia e manuteno da vida. Deoutro, alcoolistas negavam-se a seguir orientaes e regras, demandavam atendimentospontuais, chegavam Unidade alcoolizados e podiam vir a bito.

    Ao mesmo tempo, o mundo lexical evocou a ideia de impossibilidade: foram

    numerosas as palavras caractersticas da Classe relativas negao: no, nada, nunca,nenhum, nem, ningum. Para a pergunta sobre como o alcoolista aparece e sobre como aequipe lida com ele,os profissionais responderam em parte: no possvel, no h lugar, eleno quer. Tendo em vista esse conjunto de tpicos, decidiu-se atribuir o seguinte ttulo Classe: Vontades contraditrias entre bbados e profissionais. Destaca-se a presena dapalavra bbado+ no s como adjetivo (ocorrncia mais frequente), mas tambm comosubstantivo.

    No que tange Classe 2, verifica-se que as palavras outr+, problem< e consequncia+

    so fundamentais para a interpretao. O alcoolista aparece na Unidade-de-Sade, masaparece por outros problemas. Trata-se de quadros de sade associados, como indicam, por

    exemplo, as palavras hipertenso, doena+, ferida, diabete+, intercorrncia+; de problemasfamiliares (esposa, familiar+, filho+) ou problemas sociais (socia+l, rua, populao). Falou-seainda sobre outras drogas.

    Certos vocbulos prprios a esse campo lexical evidenciam a associao do alcoolismoa outros problemas: ou, por-exemplo, quando, tanto, junto+. Quanto aos verbos, o discursodessa Classe enfatizou profissionais que veem, percebem (mesmo quando a demanda diretapara tratamento do alcoolismo no feita) e alcoolistas que aparecem, chegam(principalmente por outros problemas de sade). A Classe 2 foi intitulada Consequncias eoutros problemas de sade, familiares e sociais.

    Se a Classe 1 abrigou certa consternao frente s vontades do alcoolista, a Classe 3remeteu a reflexes sobre dificuldades dos prprios profissionais e dos servios de sade. Aspalavras falta, despreparo, difcil e dificuldade so centrais para compreender essa Classe. Oque estava em questo aqui eram as formas assumidas pelos profissionais para lidar com ofenmeno. A grande maioria dos sentidos produzidos por meio desse mundo lexical sereferiu a problemas dos profissionais ou dos servios de sade (rede) para forneceracolhimento e tratar. Isso pode ser ilustrado pelos seguintes trechos de discurso: noexiste, tem que haver uma estruturao melhor dos programas, porque tem os CAPS, mas uma coisa que deveria ser mais descentralizada e ter uma ateno melhor por parte dosprofissionais; questo de negligncia da SEMUS; acho que isso acontece porque falta um

    pouco mais de entrosamento entre as equipes.Destacou-se o despreparo para lidar com drogadio, a discriminao e a excluso.

    Mas, falou-se tambm sobre acolhimento e lidar bem, como, por exemplo no trecho: existe

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    uma excluso, um despreparo, mas existe tambm um acolhimento. A Classe 3 foinomeada Formas ambguas de lidar com alcoolistas: entre acolhimento e excluso.Notou-sea associao do verbo existir a diferentes dificuldades (excluso, despreparo, falaspreconceituosas). Sua presena sugere que o mundo lexical respectivo foi utilizado paradescrever certo status quo. J a presena do verbo deveria indica a percepo deinadequao do que existe.

    A Classe 4, por fim, exibe lxico que ajudou a produzir sentidos particularmente

    homogneos, centrando-se na descrio de procedimentos tcnicos adotados(eventualmente demandados) frente a casos de alcoolismo. A referncia a essesprocedimentos foi feita com vrios termos caractersticos da Classe, como encaminha,acompanhamento, encaminhado, atendimento+, tratamento+, acompanhado+,encaminhamento+, grupo+, famlia+, visit+ar, discutido+, receb+er, internao, exame+,referencia+, encaminhar. Falou-se sobre receber, acompanhar, tratar, atender, examinar,internar e encaminhar usurios alcoolistas. Afirmou-se que casos eram discutidos e que

    famlias eram visitadas ou orientadas.Em consonncia com as mltiplas referncias a procedimentos, foram includas na

    Classe vrias menes a profissionais e servios, que muitas vezes caracterizaram osprocedimentos: psicloga, assistente-social, CAPS-ad, psiclogo, mdico+, enfermeiro+,prefeitura, psiquiatra+, mdica

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    contrrio, a Unidade agia sobre ele. Entre os polos passivo e ativo, as Classes 2 e 3abrigavam certa anulao do fenmeno (ele excludo, ele secundrio).

    As causas do alcoolismo

    As respostas questo sobre que fatores so importantes para entender porquealgum se torna alcoolista (as causas do alcoolismo) gerou trs Classes, que aparecem nodendrograma da Figura 2. Os universos lexicais correspondentes s Classes 1 e 3 foram osmais utilizados pelos participantes, com 38% e 49% das UCE classificadas. A Classe 2, com12% das UCE, mostrou-se particularmente diferente do resto do discurso sobre as causas.

    Figura 2 - Dendrograma das Classes geradas pelo ALCESTE a partir das respostas questo sobre que fatoresso importantes para entender porque algum se torna alcoolista (177 UCE), termos caractersticos das Classese qui-quadrado (X2).

    Por meio do contexto lexical prprio Classe 1, profissionais falaram sobre o beber

    como ato normal, aceito socialmente, s vezes incentivado, relacionado aos amigos, aobar, ao lazer, ao prazer, sendo essas algumas das causas do alcoolismo. Algumas dessasideias so expressas no trecho: o grupo inteiro bebe ento socialmente, ele passar a bebertambm pra ser aceito. Relacionam-se a esses tpicos, as palavras: bebe+, beber, bar+,socialmente, amigo+, todo-mundo. A palavra cigarro evocou outra droga lcita.

    Associaram-se alcoolizao normal algumas funes como facilitar a interao

    social e prover autoafirmao. Fugir de problemas tambm se apresentou como funo daalcoolizao, forma de suspender a realidade, de aliviar as dificuldades, as presses do dia-a-dia. O verbo comea indica o tpico do incio do alcoolismo, caracterizado como insidioso,fazendo fronteira tnue com a normalidade (comea um dia, comea no outro e depois). A

    identificao desses tpicos, todos direta ou indiretamente relacionados normalidade daalcoolizao, levou nomeao da Classe comoAceitao social do lcool e de suas funes.

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    O lxico prprio Classe 2, por sua vez, foi utilizado para falar sobre a pobreza (risco)dos bairros atendidos pelas USF (comunidade+, locais, lugar) e a sobre a cultura dessesbairros, suas condies de vida. interessante observar que o termo comunidade utilizado no Brasil sobretudo para se referir aos bairros de classe popular. O alcoolismo seriaproduto da influncia das comunidades pobres, caracterizada por cultura especfica (aoinvs de fatores que causam, fala-se de cultura que influencia). A Classe foi nomeadaCaractersticas e cultura das comunidades pobres. Seguem-se alguns trechos de discursoagrupados nessa Classe: talvez pela organizao daquela comunidade ter reforado isso;A escadaria d o acesso ao bar, ento ela vai ali naquele bar. E a cultura que ela [a pessoa]adquiriu; O risco social. Paciente sob risco social, falta de perspectiva de futuro; O meiosocial em que a pessoa vive, eu acredito que tenha forte influncia; conviver num localcomo a nossa comunidade aqui, que uma comunidade de alto risco; Muitas_vezes aspessoas comeam a ingerir bebida_alcolica pela fome, tem fome, no tem o que comer,uma cachaa por centavos, vai e toma uma cachaa; nos locais de morro, nas visitas que agente faz a gente observa que tem muitos bares.

    interessante observar a associao da palavra cachaa Classe 2, ao mesmo tempo

    em que a palavra cerveja se encontrou relacionada Classe 1. A cachaa parece ligada aobeber patolgico das comunidades pobres, enquanto a cerveja se associou alcoolizaoaceita socialmente. A percepo de que bebidas destiladas esto histrica e culturalmenteassociadas ao perigo e pobreza (Sournia, 1986) ser retomada na discusso.

    Por fim, a Classe 3 agrupou trechos de discurso referentes aos eixos demulticausalidade do alcoolismo: social/ familiar, gentico e psicolgico. Muitas palavrasassociadas Classe evocaram esses eixos: familiar+, sociais, famlia, pai, me, psicolgico+,gentica+, gentico+, sociedade, scia+l, psicolgica, etc. O recurso a palavras como fator+,

    dependncia, tendncia, dependncia-qumica, indica que, nesse mundo lexical, osprofissionais buscavam utilizar terminologia tcnica. Tratava-se de mencionar e descreverfatores que causavam uma doena, como exemplificam os seguintes trechos: eu acho quemais fatores sociais. Familiar mesmo; predisposio gentica de vir a desenvolver adependncia-qumica; psicolgicos, sociais e genticos [...] so os trs fatores. A Classe foinomeada Fatores sociais, genticos e psicolgicos.

    A palavra falta sugere que essa apreenso cientfica do dependente implicava perceb-lo como vtima de carncias. As palavras mais, principalmente e muito+ foram empregadaspara enfatizar fatores sociais e psicolgicos.

    Para a questo sobre o que causa o alcoolismo, os profissionais responderam, por umlado, que beber normal e incentivado (convm lembrar que os profissionais, em sua maiorparte, declararam ser consumidores de lcool). Associada a essa resposta, encontrou-se aexplicao multifatorialaludida na introduo (Souza & Noto, 2013): beber normal e sse tornam alcoolistas aqueles que sofrem m conjuno de fatores sociais, genticos epsicolgicos. A Classe 2, com lxico particularmente diferente, mostra elemento importantepara compreender as representaes sociais estudadas: dentre as causas, simultaneamenteao incentivo social e explicao multifatorial, encontram-se a pobreza e a cultura dascomunidades.

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    Os tratamentos que devem ser adotados

    O ALCESTE tambm foi aplicado ao discurso produzido pelos profissionais para aquesto sobre que tratamento deve ser adotado. A Figura 3 mostra o dendrograma gerado apartir das respostas a essa questo sobre o tratamento. Evidenciam-se dois blocos de

    respostas, com a Classe 1, por um lado e as Classes 2 e 3, que compartilham 48% dovocabulrio, por outro.

    Figura 3 - Dendrograma das Classes geradas pelo ALCESTE a partir das respostas questo sobre quetratamentos devem ser adotados para o alcoolismo (118 UCE), termos caractersticos das Classes e qui-quadrado (X2).

    A Classe 1 corresponde ao universo lexical que contribuiu para a produo das

    seguintes ideias: o tratamento deve ser multiprofissional, deve contar com recursos variadose deve incluir a famlia do alcoolista. Os termos a seguir so exemplos do vocabulrioutilizado para veicular essas ideias: psicolgico, mdico+, multiprofissional, psiclogo,assistente-social, psiquiatra+, medica

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    A Classe 2 inclui outro conjunto lexical do qual os profissionais lanaram mo para falarsobre o tratamento que deve ser adotado. A linha de interpretao que resultou nanomeao da Classe baseou-se na presena de palavras como interess+, quer+, quero,vontade. Falou-se sobre a vontade do usurio e seus suportes, incluindo procedimentos dosprofissionais. A Classe foi intitulada Existncia da vontade, promoo da vontade.

    Os profissionais falaram sobre pessoa que deve ter vontade de se tratar, vontade deparar, de parar-de-beber. Falaram sobre maneiras de promover essa vontade, o que seriafeito por profissionais, servios de sade ou outros tipos de organizao, como indicam aspalavras: trabalho+, aqui, profission+, religi

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    saberes contextualizados, associados conversao espontnea e aos diferentes tipos deinteraes grupais (fala-se como cientista amador,Cf. Moscovici, 1961). Enquanto o Eixo Aindica os lugares de enunciao associados ao universo reificado, o Eixo B faz o mesmo parao universo consensual. Sugere-se atentar novamente para as Figuras 1, 2 e 3 para verificarcomo as Classes apareceram distribudas nos Eixos.

    Os lugares discursivos centrados no universo reificado (Eixo A) incluram a imagem doalcoolista que aparece como usurio normal (ideal): ele busca o tratamento. As formas dea equipe lidar com os casos so aquelas prescritas pelas cincias e normas da sade:adotam-se procedimentos tcnicos, com vrias formas de acolhimento, exame,acompanhamento e encaminhamento (como preconizado, por exemplo, por diretrizesnacionaisBrasil, 2004). As causas do alcoolismo foram informadas pelas cincias gentico-fisiolgica, psicolgica e sociolgica: os fatores genticos, intrapsquicos, de interao sociale a aceitao do lcool como droga lcita (Cf., por exemplo, Souza & Noto, 2013). Otratamento ganhou contornos ideais: ele deve abarcar a multifatorialidade, deve ser

    completo, integral, multiprofissional e deve incluir no s o alcoolista, mas tambm suafamlia (como preconizado, por exemplo, por Heather & Stockwell, 2004). Sintetizando, comreferncia ao universo reificado, o alcoolismo foi representado como doena multifatorial aser tratada de forma integral.

    Ao assumir esses lugares de enunciao, os participantes falaram como profissionais,informados pelas diretrizes tcnico-polticas e pelas cincias da sade. Expressarampercepes e conceitos sobre as relaes formais entre os servios de sade, sobre o quedeveria acontecer, sobre o que se deveria pensar (sendo provavelmente tambm aquilo queera percebido como o que se deveria dizer ao pesquisador). Esse registro do discurso buscouminorar a expresso de elementos afetivos.

    Enquanto isso, os lugares discursivos centrados no universo consensual incluram asimagens de como os alcoolistas apareciam mais frequentemente, na percepo dosparticipantes, no cotidiano das Unidades: pela via das consequncias e dos quadrosassociados e exibindo vontades e condutas inadequadas ou at ameaadoras. As formas dea equipe lidar com os casos foram descritas eventualmente como acolhimento semdiscriminao, mas conferiu-se destaque ao despreparo do profissional e excluso doalcoolista (de qualquer maneira, todas essas formas referiam-se a experincias concretas).

    A partir desses lugares discursivos, expressou-se a crena de que a gnese doalcoolismo est associada s caractersticas e cultura das comunidades pobres. A descrio

    do tratamento que deve ser adotado se referiu ao domnio da vivncia cotidiana: oatendimento possvel na Unidade de Sade e o destaque para o encaminhamento a outrosservios. Nesse ponto, expressou-se tambm a crena sobre a importncia da existncia e dapromoo da vontade, associada, como visto, s organizaes extrassanitrias, religio eAlcolicos Annimos. Sintetizando, com referncia ao universo consensual, o alcoolismo foirepresentado comoproblema social, relacionado pobreza das comunidades, a ser tratadocom os (escassos) recursos disponveis e com fora de vontade.

    Ao assumir esses lugares de enunciao, os participantes falaram como cientistasamadores (Moscovici, 1961) que consideravam suas vivncias cotidianas. Falaram sobrepercepes do que acontecia de fato, do que realmente se pensava sobre o fenmeno, o

    que inclua medidas variveis do saber prescrito, e que certamente no se reduzia a ele.Descreveram relaes concretas com outros servios de sade e integraram mais facilmenteexpresses de elementos afetivos.

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    Representaes sociais so frutos de universos consensuais (Moscovici, 2007), ou seja,de situaes sociocognitivas em que os sujeitos podem falar no apenas como porta-vozesde um saber consagrado (a cincia, por exemplo), mas sim a partir de seus mltiplos saberese de suas mltiplas experincias. Ressalta-se que foi esse tipo de situao, a abertura para aconversao livre, que o pesquisador buscou colocar em marcha com o procedimento dasentrevistas semiestruturadas.

    Os sujeitos apropriaram-se de contedos abstratos e eruditos utilizados nos universos

    reificados, modificando-os, adaptando-os (Moscovici, 2007; Jovchelovitch, 2011). V-se queos participantes produziram representaes tendo como base esses dois universos, essesdois aspectos da realidade, esses dois sistemas de pensamento e prticas, ancorando oalcoolismo simultaneamente nas noes de doena e de problema social. Asrepresentaes articulavam dois discursos em um s.

    Como prev a TRS (Moscovici, 1961, 2007), operava-se uma passagem do no-familiar,as categorias abstratas do universo reificado, ao familiar, os conhecimentos pragmticos

    adotados para perceber o objeto e orientar condutas sobre ele no cotidiano. Teoriasvivenciais recriavam teorias cientficas incorporando-as. Apesar de os profissionais seremlegitimados socialmente, por sua formao, como portadores do saber cientfico, possvelafirmar que seu pensamento sobre os usurios alcoolistas no era pautado unicamentepelas diretrizes e cincias da sade. Para emitirem suas falas, faziam recurso no s a umsistema cognitivo capaz de conceituar e de operar, mas tambm a um metassistemasociocognitivo, com caractersticas normativas e valorativas (Moscovici, 1961; Doise, 2002).

    Sobre a ao desse metassistema nas representaes sociais investigadas, interessante ressaltar a hiptese de que ele integrava julgamentos sobre as classespopulares. Os raciocnios empregados fizeram referncia a causas eficientes (as causassecundrias das quais fala Moscovici, 2007), ultrapassando inclusive a causalidadetipicamente biomdica e incluindo fatores psicolgicos e sociais, tal como prope aabordagem tcnico-cientfica atual sobre o alcoolismo (Heather & Stockwell, 2004; Rotgers& Davis, 2006). Mas eles tambm evocaram outra forma de perceber o fator social doscasos de alcoolismo, com a associao de palavras como comunidade, influncia,cultura, risco, bares, cachaa.

    A hiptese de que crenas e julgamentos implcitos sobre a pobreza agiam nos

    sistemas sociocognitivos investigados condizente com a constatao de Conrad eSchneider (1992) de que os desvios, dentre eles o alcoolismo, so atribudos via de regra

    aos estratos sociais mais desfavorecidos; esses estratos so percebidos como seu lugarnatural.

    Sournia (1986) destaca que a massificao do consumo de bebidas alcolicas naEuropa e o grande aumento do uso de destilados, processos que ocorreram do sculo XVIIem diante, foram acompanhados de grande alarme das autoridades quanto aos perigos dolcool. Governantes e especialistas defenderam as crenas de que as nicas bebidasperigosas seriam os destilados, de que o alcoolismo levaria forosamente ao pecado, luxria e s doenas venreas e de que ele seria essencialmente problema dos pobres.

    No sculo XIX, o alcoolismo foi descrito como causa e efeito da degenerescncia,definida como degradao biolgica e moral dos indivduos que poderia lev-los adeficincias fsicas, intelectuais e a diversos tipos de desvio social. Os desvios, por sua vez,poderiam ser transmitidos aos filhos, hiptese que embasou a eugenia. A degenerescncia

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    era percebida, portanto, como ameaa sria e iminente contra toda a espcie e,particularmente, contra a integridade e o poder do Estado-nao (Sournia, 1986). O quepode ser chamado hoje de ponto de vista moral sobre o alcoolismo guarda crenas e afetosligados ao tema oitocentista da degenerescncia. A nfase no atentado contra a espcie oucontra a nao foi substituda (e ao mesmo tempo, de certa forma, mantida) pela nfase na

    degradao do indivduo (Sournia, 1986; Ancel & Gaussot, 1998).

    No discurso mdico-higienista brasileiro, o alcoolismo tambm foi tradicionalmenteassociado misria, precariedade dos bairros pobres e de suas habitaes, a seus bares, cachaa, bebida tpica dos bbados-pobres do Brasil. Os bares da periferia foramdescritos como antros de degradao, contrapostos ao trabalho e famlia (Matos, 2000).Ancel e Gaussot (1998) demonstraram que, para explicar o alcoolismo, o senso comumconsidera menos as explicaes cientficas que a imagem concreta da sarjeta social doalcoolista. Estudos como o de Matos (2000) mostram que s o homem pobre, o homem dasclasses populares, pde ser percebido tradicionalmente como alcoolista de fato.

    Nas anlises apresentadas pela presente pesquisa, o jogo entre sistema emetassistema (Doise, 2002) indicou que as representaes sociais do alcoolismo construdaspelos profissionais (membros das classes mdia e mdia-alta) poderiam estar ancoradas emarraigadas crenas sobre a pobreza e sua suposta degradao moral (Sournia, 1986; Matos,2000). A Teoria das Representaes Sociais mostra-se profcua para a anlise das crenasinconscientes que povoam a realidade social e psicossocial.

    Consideraes finais

    Com a Teoria das Representaes Sociais, ressalta-se a validade do conhecimento de

    senso comum (Jovchelovitch, 2008, 2011; Valentim, 2013): ele permite construir a realidadedo fenmeno sobre bases seguras (transformar o no-familiar em familiar, Moscovici,1961, 2007).

    Espera-se que esse relato tenha demonstrado a polifasia cognitiva nas representaessociais do alcoolismo estudadas. O pblico pesquisado particularmente interessante, poisso credenciados socialmente como legtimos portadores do saber tcnico-cientfico sobresade, aqueles que supostamente pautariam apenas nesse saber seu pensamento eatuao. Foi possvel constatar que se misturavam aos conhecimentos tcnico-cientficos,conhecimentos de outras ordens, advindos dos vrios domnios do cotidiano e das crenasscio historicamente bem estabelecidas sobre o alcoolismo e a pobreza. Pode-se inferir que

    so fontes desses conhecimentos as opinies veiculadas no cotidiano, as informaes damdia, as imagens das telenovelas e dos filmes e as experincias profissionais e pessoais dosparticipantes, formaes culturais e experincias que se do no presente e que atualizamcrenas tradicionais.

    Com os dois discursos sobre o alcoolismo, alternaram-se e combinaram-se ascrenas na onipotncia (atividade absoluta do profissional que lida com uma doenamultifatorial com um tratamento multidimensionado) e na impotncia (passividade absolutado profissional frente a um problema social, cuja resoluo depende de recursos de outrosservios e da vontade dos usurios). Trata-se de ponto particularmente importante para aprtica profissional, para a educao permanente e para os demais tipos de intervenodirigidos aos profissionais: tanto a onipotncia quanto a impotncia so ilusrias. No

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    verdade que os profissionais podem tudo frente aos alcoolistas, mas tambm no verdadeque eles nada podem, como atesta a literatura sobre o tema.

    Espera-se tambm que o relato tenha trazido contribuies para o uso do ALCESTEcomo metodologia de anlise, com o Quadro descrito no Anexo 1, com a anlise que

    integrou a perspectiva pragmatista referida por Lima (2008) e com os conceitos de universoreificado e universo consensual (Moscovici, 1961, 2007).

    interessante relembrar o que afirmou Durkheim (1912/1968) sobre a oposioabsoluta entre o sagrado e o profano: No existe na histria do pensamento humanooutro exemplo de duas categorias de coisas to profundamente diferenciadas, toradicalmente opostas uma a outra (pp. 43-44, traduo feita pelos autores). Sobre adistino entre a esfera sagrada e a esfera profana, Moscovici (2007) afirma: Essadistino foi agora abandonada. Foi substituda por outra distino, mais bsica, entreuniversos consensuais e reificados (p. 49) e afirma que a sociedade, no universoconsensual, possui uma voz humana e vista como portadora de sentido e finalidade;

    enquanto que, no universo reificado, a sociedade um sistema de entidades slidas,bsicas, invariveis (p. 50) descritas por saberes cientficos que estabelecem as verdades aserem impostas s experincias individuais.

    Prope-se aqui que o ALCESTE seja um instrumento particularmente adaptado paraidentificar, no discurso de certo grupo sobre certo objeto, a presena simultnea desses doisregistros, dessas duas vises da sociedade. A Classificao Hierrquica Descendenterealizada pelo ALCESTE inclui a diviso inicial dos conjuntos de UCE (trechos de discurso) emdois grandes grupos seguindo o critrio de diferena mxima entre o vocabulrio,considerado aqui como trao do processo de enunciao. Os dois grandes grupos foramnomeados Eixo A e Eixo B. Prope-se aqui a hiptese de que essa diferena mxima seja umtrao do recurso (inconsciente para o falante, pelo menos em parte) s duas vises desociedade referidas, aos universos reificado e consensual. interessante notar que apossvel confirmao dessa hiptese reafirma a pertinncia do ALCESTE para a anlise derepresentaes sociais.

    No entanto, possvel que o ALCESTE seja sensvel a essa diferena apenas se o corpussubmetido anlise tenha a homogeneidade prescrita. Na pesquisa relatada aqui, porexemplo, se todo o discurso dos profissionais sobre fenmeno, causas e tratamento doalcoolismo tivesse composto um nico corpus (em vez de trs), as Classes obtidasprovavelmente no corresponderiam aos Eixos A e B e provavelmente refletiriam as trs

    categorias identificadas de antemo (fenmeno, causas e tratamento).

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    Souza, L. G. S., Menandro, M. C. S., & Menandro, P. R. M. 243

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    Apresentao: 11/08/2015Aprovao: 25/11/2015

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    Psicologia e Saber Social, 4(2), 224-245, 2015.doi: 10.12957/psi.saber.soc.2015.18122

    Anexo 1

    Quanto interpretao das Classes, importa considerar ao menos trs questes: sobreo que falaram os participantes? Utilizando quevocabulrio? Com que tipos de combinaeslexicais? Elucidar essas questes revela prticas discursivas recorrentes, que indicam

    elementos cognitivos compartilhados, integrantes de representaes sociais. Revelatambm a adeso no-consciente dos participantes a lugares comuns (Lima, 2008) scio -cognitivo-discursivos.

    Importa, primeiro, identificar os tpicos do discurso (sobre o que se falava) e osprincipais sentidos compartilhados (o que se falava). Para realizar essa tarefa, precisoconsiderar o vocabulrio de cada Classe e seu uso nas respectivas Unidades de ContextoElementar (UCE). Recorreu-se ento a quadro desenhado especificamente para essa anlise,o quadro auxiliar para interpretao de Classes geradas pelo ALCESTE (Quadro AICLA),composto por duas colunas: Trechos de Unidades de Contexto Elementar e Tpicos domundo lexical.

    Esse quadro no pretende ser exaustivo quanto s UCE das Classes. Entretanto,considera os tpicos abordados pela grande maioria delas e capaz de mostrar que asinterpretaes tm base emprica consistente. Os Quadros AICLA permitem operar umaespcie de anlise de contedo cujo corpus se constitui dos conjuntos de UCE isolados peloALCESTE para cada Classe. Entretanto, diferentemente da anlise de contedo, os Quadrosno visam principalmente identificao de contedos como opinies, ideias, crenas,percepes (embora isso tambm esteja presente), mas sim de tpicos. Busca-se identificarquais foram os assuntos, mais do que quais foram as opinies.

    A palavra tpico tem sentido espacial: um assunto que abriga contedos (que podem

    ser discordantes). Por meio da abstrao dos tpicos, chega-se nomeao da Classerespectiva (assim como na anlise de contedo, trata-se de articular de forma lgica nveismenores a nveis maiores de abstrao). Os nomes das Classes so, portanto, metatpicosque revelam regies scio-cognitivo-discursivas mobilizadas para responder s perguntas dopesquisador. Mostra-se a seguir um exemplo, com o Quadro AICLA utilizado para nomear einterpretar a Classe 3 gerada a partir da questo sobre que fatores causam o alcoolismo,intitulada Fatores sociais, genticos e psicolgicos:

    Trechos de Unidades de Contexto Elementar Tpicos do mundo

    lexical

    eu acho que mais fatores sociais. Familiar mesmo

    falta de estrutura familiar

    acho que primeiramente a histria familiar

    se tem um pai que bebe, uma me que bebe, o filho vai querer seguir o exemplodo pai e da me

    as suas dificuldades dirias, sociais, a procura de emprego

    a falta de dinheiro, a fuga dos problemas

    social, falta de perspectivas pro futuro

    fatores sociais que levariam marginalizao

    tem o meio, produto do meio

    Fatores sociais efamiliares

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    Souza, L. G. S., Menandro, M. C. S., & Menandro, P. R. M. 245

    fatores sociais, econmicos, acredito, falta de dinheiro

    mais o meio social que a pessoa vive

    tem o fator gentico

    predisposio gentica de vir a desenvolver a dependncia-qumica

    questo da dependncia do lcool, dependncia fsica do lcool

    Fatores genticos e

    biolgicos

    uma desvalorizao muito grande quanto a si prprio mesmo

    quero diminuir minha ansiedade, quero diminuir minha insnia, quero diminuirminha falta de me concentrar

    sofrendo de dificuldade de se expressar

    desenvolve associao. O uso da bebida alcolica produz sensaes boas

    a pessoa tem uma parte psicolgica ou psiquitrica mais fraco que o outro

    Fatores psicolgicos

    psicolgicos, sociais e genticos [...] so os trs fatores

    o alcoolismo uma doena multifatorial [...] ela tem vrios fatores

    Multicausalidade