policiamento baseado em evidências
TRANSCRIPT
1
Resumo
O novo paradigma da "Medicina baseada em evidências" tem implicações importantes para o
policiamento. Ele sugere que apenas fazer pesquisas não é suficiente e que são necessários esforços pró-
ativos para impulsionar as evidências acumuladas em pesquisas para a prática através de diretrizes
nacionais e comunitárias. Essas diretrizes podem focar avaliações internas sobre o que funciona melhor
nas agências, unidades e entre os próprios policiais ou com as vítimas de crimes. Padronizações sobre os
fatores de risco que moldam o crime podem fornecer comparações adequadas entre as unidades da
polícia, incluindo classificações nacionais das agências policiais por sua eficácia de prevenção ao crime.
O exemplo da violência doméstica, para o qual a pesquisa do Instituto Nacional de Justiça poderia levar
a diretrizes baseadas em evidências, ilustra a maneira pela qual a pesquisa de resultados baseada em
agências poderia reduzir ainda mais a violência contra as vítimas. A pressão nacional para adotar esse
paradigma pode vir de estudos de classificação de agência, mas a capacidade da agência policial para
adotá-lo exigirá novos sistemas de dados criando "prontuários médicos" para vítimas de crimes,
auditorias anuais de sistemas de denúncia de crimes e "políticas de evidências" que documentem os
padrões e os efeitos das práticas policiais à luz da pesquisa. Essas análises podem então ser integradas
no modelo de gestão como o Compstat1 adotado pela NYPD, para responsabilização dos gestores e
melhoria contínua da qualidade.
Policiamento Baseado em Evidências
Lawrence W. Sherman**
*Lawrence W. Sherman é o mais importante pesquisador mundial sobre Segurança Pública baseada em evidências. Em 1997 coordenou estudo solicitado pelo Congresso dos EUA sobre as evidências disponíveis sobre redução da violência, o que resultou no livro "O que funciona, o que não funciona e o que promete" (What Works, what doesn´t and what promise", no qual sistematizou junto com seus colegas mais de 600 estudos de alta qualidade científica, que se tornou uma referência na área. Atualmente Sherman é Diretor do Centro de Policiamento basea do em evidências da Universidade de Cambridge e professor emérito do Departamento de Criminologia e Justiça Criminal da Universidade de Maryland. Ele foi o diretor
de pesquisa da Police Foundation de 1979 até 1985.
Parceria:
Ideias sobre Policiamento (no original Ideas in American Policing) é uma publicação da Police Foundation
dos EUA, traduzidos para o português pelo Instituto Cidade Segura com a autorização da instituição
americana. A série apresenta textos de referência de alguns dos mais importantes pesquisadores em
Segurança Pública, abordando as descobertas científicas mais recentes na área. O ponto de vista deste
artigo é o do autor e não representa, necessariamente, a posição oficial da Police Foudantion.
A série completa em inglês está disponível on-line em www.policefoundation.org e as traduções de
algumas edições em português em www.cidadesegura.com.br
2
De todas as ideias sobre
policiamento, uma se destaca
como a força mais poderosa para a
mudança: as práticas policiais
devem basear-se em evidências
científicas sobre o que funciona
melhor. No início deste século, a
parceria do chefe de polícia de
Berkeley, August Vollmer, com a
sua universidade local, ajudou a
gerar essa ideia (CARTE and
CARTE 1975), que foi claramente
derivada da expansão do método
científico dessa época em
Medicina, gestão, agricultura e
muitos outros campos (CHEIT,
1975). Embora a ciência tivesse
maior impacto inicial nessas outras
profissões durante a primeira
metade do século, o policiamento
nas últimas décadas vem se
movendo rapidamente para
recuperar o atraso. No entanto,
qualquer avaliação dessa ideia no
policiamento moderno deve
começar com uma referência
precisa: sobre o que queremos
produzir conhecimento? Uma
evidência mais completa sobre a
ligação entre pesquisa e prática
sugere um novo paradigma para a
melhoria da polícia e para a
segurança pública em geral: a
prevenção de crime deve ser
baseada em evidências.
Durante anos, eu (1984,
1992) e outros empregamos a
Medicina como o exemplo de uma
profissão baseada em fortes
evidências científicas. Elogiei a
Medicina como um campo em que
os praticantes têm treinamento
avançado no método científico e
estão atualizados com a evidência
de pesquisa mais recente pela
leitura de revistas médicas. Citei,
para isso, o grande conjunto de
experimentos controlados e
randomizados em Medicina -
agora estimados em quase um
milhão de impressos (SACKETT
and ROSENBERG 1995) - como a
evidência científica altamente
rigorosa usada para orientar as
práticas médicas. Ele sugeriu que
o policiamento deveria se parecer
mais com a Medicina.
Eu estava certo sobre a
necessidade de mais experiências
com amostras aleatórias em
policiamento, mas errado sobre
quanto a Medicina era realmente
baseada em pesquisas científicas.
Novas evidências mostram que os
médicos resistem à mudança de
práticas baseadas em novas
pesquisas tanto quanto a polícia, se
não mais. Um exame mais
aprofundado revela que o
medicamento é um campo de
batalha entre pesquisa e prática,
com lições úteis para o
policiamento sobre novas formas
de promover pesquisas. Essas
lições provêm de uma nova
estratégia chamada "Medicina
baseada em evidências",1
"amplamente saudada como o
longo elo de pesquisa e prática"
(ZUGER, 1997) para resolver
problemas como o seguinte
(MILLENSON, 1997, 4:122-31):
. Estima-se que 85 por cento
das práticas médicas permanecem
não testadas por evidências de
pesquisa;
. A maioria dos médicos
raramente lê as 2.500 revistas
médicas disponíveis e, em vez
disso, baseia sua prática no
costume local;
. A maioria dos estudos que
orientam práticas utiliza projetos
de pesquisa fracos e sem amostras
aleatórias.
1 The term “evidence” in this
monograph refers to scientific, not
criminal,evidence.
A Medicina, de fato, parece
tão resistente ao uso de evidências
para orientar a prática quanto os
campos com requisitos
educacionais mais baixos, como o
policiamento. As diretrizes de
consenso do The National
Institutes of Health (NIH) são um
exemplo. O NIH convoca
conselhos consultivos para emitir
recomendações de médicos que se
baseiam em avaliações intensivas
de evidências de pesquisa em
práticas médicas específicas. Essas
recomendações geralmente
recebem publicidade extensa e são
reforçadas por correspondências
dos resumos de diretrizes para
cerca de cem mil médicos. Mas, de
acordo com uma avaliação da
RAND, os médicos raramente
mudam suas práticas em resposta à
publicação dessas diretrizes
(KOSECOFF et al., 1987, apud
MILLENSON, 1997). Assim, três
anos após pesquisa ter descoberto
que pacientes com ataque cardíaco
tratados com antagonistas de
cálcio eram mais propensos a
morrer, os médicos ainda
prescreviam esse medicamento
perigoso para um terço dos
pacientes infartados. Oito anos
após se demonstrar que
antibióticos curavam úlceras, 90
por cento dos pacientes com úlcera
não eram tratados com antibióticos
(MILLENSON, 1997:123-25).
O Policial de evidências
A luta para mudar a prática
médica com base em evidências de
pesquisa tem uma longa história,
com implicações valiosas para o
policiamento. Na década de 1840,
Ignaz Semmelweiss encontrou
evidências de que a morte materna
no parto poderia ser reduzida se os
3
médicos lavassem as mãos antes
de entregar bebês. Ele tentou,
então, aplicar esta pesquisa à
prática médica em Viena, o que
levou a sua expulsão da cidade
pelo obstetra-chefe. Centenas de
milhares de mulheres morreram
porque a profissão se recusou a
cumprir suas diretrizes baseadas
em evidências por cerca de
quarenta anos. A história mostra a
distinção importante entre
meramente fazer pesquisas e tentar
aplicar pesquisa para redirecionar
práticas profissionais.
Uma maneira de descrever
as pessoas que tentam aplicar a
pesquisa é o papel do "policial de
evidências". Mais como um
policial de trânsito do que como o
detetive Javert, personagem de
Victor Hugo, o trabalho do policial
de evidências é redirecionar a
prática através de conformidade e
não de punição. Embora este
trabalho possa ser tão desafiador
quanto nadar contra a correnteza,
ele ainda consiste em apontar
profissionais para praticar "dessa
maneira, não assim". Como em
todos os policiais, a taxa de
sucesso para este trabalho varia
muito. Felizmente, as falhas
iniciais de pessoas que tentaram,
como Semmelweiss, abriram o
caminho para um maior sucesso na
década de 1990.
Considere Scott
Weingarten, M.D., do Hospital de
Cedars-Sinai, em Los Angeles.
Como diretor do Centro de
Pesquisa em Serviços de Saúde
Aplicada do hospital, Weingarten
é um “policial de evidências” em
residência. Seu trabalho é
monitorar o que os 2.250 médicos
estão fazendo aos pacientes do
hospital e detectar práticas
contrárias às recomendações com
base em evidências de pesquisa.
Ele faz isso através de instigação
em vez de castigo, convocando
grupos de médicos que tratam
doenças específicas para discutir a
evidência da pesquisa. Esses
grupos, então, produzem suas
próprias diretrizes de consenso
para práticas que se tornam
políticas hospitalares. Trinta e
cinco desses conjuntos de
diretrizes foram produzidos nos
primeiros quatro anos de
Weingarten no trabalho
(MILLENSON, 1997:120).
O que NIH, Weingarten e os
fundadores de 1995 da nova
revista chamada Medicina Baseada
em Evidências estão tentando
fazer é impulsionar a pesquisa para
a prática. Assim como o
policiamento tornou-se mais pró-
ativo em lidar com o crime, os
pesquisadores estão se tornando
mais proativos sobre lidar com a
prática. Essa tendência se
desenvolveu em muitos campos,
não apenas na Medicina. A
pressão crescente para "reinventar
o governo" para que ele se
concentre em resultados
mensuráveis é refletida na Lei de
Resultados do Desempenho do
Governo dos Estados Unidos de
1994 (GPRA), que exige que todas
as agências federais apresentem
relatórios anuais sobre indicadores
quantitativos de suas realizações.
A educação está sob crescente
pressão para aumentar os
resultados dos exames como prova
de que as crianças estão
aprendendo, o que levou a uma
maior discussão da evidência de
pesquisa sobre o que funciona na
educação (RASPBERRY, 1998). E
o Congresso dos EUA exigiu que a
eficácia dos programas de
prevenção de crime financiados
pelo governo federal seja avaliada
usando "padrões e metodologias
rigorosos e cientificamente
reconhecidos" (HOUSE, 1995,
art.116). Tudo isso prepara o
cenário para um novo paradigma
que promove a utilidade da
pesquisa para o policiamento
como até então nunca se havia
cogitado.
Questões chaves
Ao sugerir um novo
paradigma chamado policiamento
baseado em evidências, há quatro
questões-chave para responder: o
que é isso? O que há de novo
nessa abordagem? Como ela se
aplica a um exemplo específico de
prática policial? Como tal
paradigma pode ser
institucionalizado?
O que é?
O Policiamento Baseado em
Evidências é o uso da melhor
pesquisa disponível sobre os
resultados do trabalho da polícia
para implementar diretrizes e
avaliar agências, unidades e
funcionários. Falando em palavras
Uma maneira de descrever as pessoas
que tentam aplicar a pesquisa é o
papel do "policial de evidências"
4
mais simples: o Policiamento
Baseado em Evidências usa
pesquisa para orientar práticas e
avaliar profissionais. Ele usa a
melhor evidência para moldar as
melhores práticas. É um esforço
sistemático para analisar e
codificar a experiência não
sistemática como base para o
trabalho policial, refinando-a
através de testes sistemáticos
contínuos de hipóteses.
A avaliação das operações
em curso tem sido o elo perdido
crucial em muitas tentativas
recentes de melhorar o
policiamento. Se é verdade que a
maioria dos trabalhos policiais
ainda tem que ir "além do 190"2
(SPARROW, MOORE and
KENNEDY, 1990), a razão
subjacente pode ser a falta de
sistemas de avaliação que
vinculem claramente diretrizes
baseadas em pesquisa e resultados.
É somente com essa adição que o
policiamento pode se tornar uma
instituição pensante ou inteligente,
melhorando continuamente através
de avaliação permanente.
A premissa básica da prática
baseada em evidências é a der que
todos temos direito a nossas
próprias opiniões, mas não aos
nossos próprios fatos. No entanto,
abandonados a sua própria prática,
os profissionais das mais diversas
áreas apresentam seus próprios
"fatos", que muitas vezes se
revelam errados. Uma pesquisa
recente de 82 médicos do Estado
de Washington encontrou 137
estratégias diferentes para o
tratamento de infecções do trato
urinário (BERG, 1991). Sem
dúvida, o mesmo resultado pode
2 Usamos aqui o número para chamada
das PMs no Brasil. No texto original, aparece o
nº 911, equivalente dos EUA (NT).
ser encontrado para lidar com
violência doméstica. Um estudo
avaliando a precisão dos
diagnósticos de inflamação de
garganta com base em exame não
estruturado por pediatras
experientes encontrou uma lista de
verificação sistemática muito
menor e baseada em evidências
usada pelos enfermeiros. O poder
mítico da sabedoria subjetiva e não
estruturada deprecia todos os
campos e evita a descoberta e a
implementação sistemática do que
funciona melhor nas tarefas
repetidas.
Um excelente exemplo do
poder das avaliações sistemáticas e
contínuas vem novamente da
Medicina. Em 1990, o
Departamento de Saúde do Estado
de Nova York começou a publicar
taxas de mortalidade por cirurgia
de revascularização miocárdica
agrupada por cirurgiões e por
hospitais. Esta ação foi motivada
por pesquisas mostrando que,
embora a taxa de mortalidade
média estadual fosse de 3,7%,
alguns médicos chegavam à taxa
de 82% . Além disso, depois de
ajustar o risco de morte pela
condição de pré-operação do
paciente, os pacientes
apresentaram 4,4 vezes mais
probabilidades de morrer em
cirurgia nos piores hospitais do
que nos melhores. Apesar da
enorme oposição dos hospitais e
dos médicos, esses dados se
tornaram públicos, revelando um
efeito de prática forte: quanto mais
operações realizadas a cada ano,
por médico e por hospital, menor a
taxa de mortalidade ajustada ao
risco. Usando esta clara correlação
para impulsionar cirurgiões e
hospitais de baixa frequência para
fora desse negócio, os hospitais
conseguiram baixar a taxa de
mortalidade nessas operações em
40% em apenas três anos
(MILLENSON, 1997:195).
O Policiamento Baseado em
Evidências utiliza dois tipos de
pesquisa muito diferentes:
a) pesquisa básica sobre o
que funciona melhor quando
implementado corretamente em
condições controladas e
b) pesquisa de resultados
contínuos sobre os resultados que
cada unidade está realmente
alcançando por meio da aplicação
(ou ignorando) pesquisas básicas
na prática.
Esta combinação cria um
círculo virtuoso (fig. 1) que
começa com estudos sugerindo
como o policiamento pode obter os
melhores efeitos. A revisão dessas
evidências pode levar a diretrizes,
levando-se em conta as leis, os
princípios éticos e a própria
Figura 1. Policiamento Baseado em Evidências
Literatura
Melhor
Evidência
Diretrizes
Produto
s
Resultados Gestão Interna
5
cultura comunitária. Essas
diretrizes especificariam
resultados mensuráveis, ou
práticas que a polícia deve seguir.
Os diferentes graus de sucesso na
prática policial podem então ser
avaliados pelo rastreamento de
resultados ajustados ao risco, ou
por resultados medidos durante um
período de acompanhamento
razoavelmente longo. Esses
resultados podem ser definidos por
vários indicadores: taxas de delitos
por 1.000 habitantes, repetição de
vitimização para cada 100 vítimas,
reincidência para cada 100
condenados, e assim por diante. A
observação de que algumas
unidades estão obtendo melhores
resultados do que outras poderá ser
usada para identificar mais os
fatores associados ao sucesso, que
podem ser devolvidos como uma
nova pesquisa interna para refinar
as diretrizes e elevar o nível geral
de sucesso da agência. Essa
pesquisa também pode ser
publicada em revistas nacionais
ou, pelo menos, mantida em uma
base de dados de agências como
memória institucional sobre o
sucesso e taxas de falha para
diferentes métodos.
O que há de novo?
Os céticos podem dizer que
não há nada de novo no
Policiamento Baseado em
Evidências e que outros
paradigmas já adotam esses
princípios. Em um exame mais
atento, no entanto, veremos que
nenhum outro paradigma contém
os princípios para sua própria
implementação. Nenhum outro
paradigma contém um princípio
para as duas exigências: mudar as
práticas e medir o sucesso das
mudanças a partir de pesquisas de
resultados com ajuste de risco
(como nas taxas de mortalidade
por cirurgia de derivação).
Nenhum outro paradigma - nem
mesmo a estratégia de estatísticas
de comparação de crimes
computadorizados da NYPD
(Compstat) (BRATTON and
KNOBLER, 1998) - usa
evidências científicas para
responsabilizar os profissionais
pelos resultados em discussões
revisadas por pares e até públicas.
O Policiamento Baseado em
Evidências é muito útil para os três
novos paradigmas policiamento
proativo.
a) O Policiamento por
Ocorrência (respostas ao 190)3 não
possui, atualmente, qualquer
medida de resultados, exceto o
tempo fora de serviço. Os policiais
que lidam de forma vagarosa com
um chamado são por vezes
acusados de esquivar-se e os
supervisores os exortam a
trabalhar mais rápido. Mas
ninguém rastreia a taxa de
repetição de chamadas por
escritório ou unidade para ver
quão eficaz a primeira resposta foi
na prevenção do futuro problemas.
O Policiamento Baseado em
3 This sounds oddly like the pressure
for drive-in, drive-out childbirth health
insurance now barred by federal law.
Evidências poderia usar esses
resultados para justificar o tempo
gasto em cada chamada com base
nos resultados médios de um
oficial, em vez de emitir uma
ordem excessiva para que ele
permaneça dentro de um prazo
médio. Também poderia colocar
mais ênfase em aprender a lidar
com cada chamada de forma mais
eficaz e preventiva, uma questão
que atualmente recebe pouca
atenção.
b) O Policiamento
Comunitário, embora definido, não
está claramente ligado a
evidências sobre eficácia na
prevenção de crimes. É muito mais
sobre como fazer o trabalho da
polícia - um conjunto de resultados
- do que os resultados desejados.
Trabalhar com a comunidade e
ouvir e respeitar os membros da
comunidade são elementos
importantes do paradigma. Mas
esse paradigma, por si só,
terminou sendo facilmente
ignorado por muitos policiais. Já a
conquista dos sistemas de
responsabilização propostos pelo
paradigma do Policiamento
Baseado em Evidênciaspoderia
realmente tornar a polícia muito
mais ativa no trabalho com a
comunidade.
O Policiamento Baseado em
Evidências é muito útil para os
três novos paradigmas de
policiamento proativo.
6
c) O Policiamento Orientado
para o Problema é claramente a
principal fonte de Policiamento
Baseado em Evidências. Os
escritos de Herman Goldstein
(1979, 1990), bem como o modelo
SARA4 de John Eck e William
Spelman (1987), enfatizam
claramente a avaliação das
respostas de resolução de
problemas como parte
fundamental do processo. No
entanto, não há uma declaração
clara sobre o uso de evidências
científicas na seleção de
estratégias para responder a
problemas ou no monitoramento
da implementação e resultados
dessas estratégias (SHERMAN,
1991). Os relatórios sobre o
Policiamento Orientado para o
Problema até agora produziram
poucas evidências, quer de testes
controlados quanto de pesquisa de
resultados. Como o paradigma
enfatiza as características únicas
de cada padrão de crime, a
abordagem não tem sido usada
para responder a situações
altamente repetitivas, como
agressões domésticos ou rixas.
Poucas comparações de diferentes
métodos para atacar o mesmo
problema foram desenvolvidas.
Poucos policiais são até
responsabilizados por não
implementar um plano de
resolução de problemas que eles
concordaram em realizar. O
Policiamento Orientado para o
Problema revolucionou claramente
a forma como muitos policiais
pensam sobre seus objetivos,
afastando-os de um foco estreito
em cada incidente para um foco
mais amplo de padrões e sistemas.
4 Sigla para: Scanning, Analysis,
Response and Assessment (Escaneamento,
Análise, Resposta e Avaliação) (NT).
Mas, na ausência de pressão de
uma abordagem baseada em
evidências para avaliar o sucesso e
a responsabilidade da
administração, o Policiamento
Orientado para o Problema foi
mantido à margem do trabalho da
polícia.
A estratégia do Compstat da
NYPD (BRATTON and
KNOBLER, 1998) impulsionou o
princípio da responsabilidade dos
resultados mais longe do que
nunca, mas não usou o método
científico para avaliar causas e
efeitos. Os gestores bem sucedidos
são recompensados, mas os
métodos bem-sucedidos não são
identificados e codificados.
O que o Policiamento
Baseado em Evidências acrescenta
a esses paradigmas é um novo
princípio para a tomada de
decisão: evidências científicas. A
maioria das práticas policiais,
como a prática médica, ainda é
moldada pelo costume local,
opiniões, teorias e impressões
subjetivas. O Policiamento
Baseado em Evidências desafia
esses princípios de tomada de
decisão e cria avaliação
sistemática para proporcionar uma
melhoria contínua da qualidade na
consecução dos objetivos da
polícia (ver: HOOVER, 1996). Daí
que a inspiração para este
paradigma não deriva apenas da
Medicina e de seus ensaios
randomizados, mas também dos
princípios do controle de
qualidade na fabricação
desenvolvido por Walter Shewhart
(1939) e W. Edwards Deming
(1986). Esses princípios foram
inicialmente rejeitados pelos
líderes empresariais dos EUA, mas
foram finalmente adotados na
década de 1980, depois que as
indústrias japonesas os
empregaram para ultrapassar os
fabricantes dos EUA na qualidade
de seus produtos.
O que faz o policiamento e a
Medicina diferentes da fabricação,
é claro, é a grande variabilidade na
matéria-prima a ser processada: os
seres humanos. Isso é o que
permite o padrão-ouro das
pesquisas de avaliação, o teste
controlado randomizado5, com sua
força e também com suas
limitações. A força do projeto de
pesquisa, pioneira no policiamento
pela Police Foundation6, é sua
capacidade de reduzir a incerteza
sobre os efeitos médios de uma
política em grande número de
pessoas. A limitação do projeto de
pesquisa é que não pode escapar à
variabilidade em tratamentos,
respostas e tipos de execução.
A variabilidade dos
tratamentos no policiamento é
muito parecida com aquela comum
5 Testes controlados randomizados são
estudos científicos realizados com amostras
populacionais aleatórias e com controle de
variáveis entre grupos que recebem a
intervenção e grupos de controle (que não
recebem a intervenção). Mais comuns nas
ciências da Saúde, são fundamentais para a
medição dos resultados obtidos por programas
ou por políticas públicas (NT).
6 A Police Foundation é uma
organização independente, não-governamental,
criada, nos EUA, em 1970, a partir de uma
doação da Fundação Ford. Ela desenvolve
pesquisas para o aperfeiçoamento das atividades
de policiamento e orienta seu trabalho com base
em evidências. Sua missão é a de “desenvolver
o policiamento através da inovação e da
ciência”, aproximando policiais, pesquisadores,
gestores e suas instituições. Seus princípios
envolvem o compromisso como o policiamento
democrático e com as liberdades civis, ao lado
dos esforços para a aplicação da Lei, a
investigação dos crimes e o encaminhamento
das provas à Justiça. Mais detalhes sobre a
Police Foundation em:
https://www.policefoundation.org/ O Reino
Unido também possui sua Police Foundation,
fundada em 1979. Ver: http://www.police-
foundation.org.uk/ No Brasil, essas experiências inspiraram a formação do Fórum Brasileiro de Segurança Pública em 2006 (NT).
7
aos procedimentos cirúrgicos, o
que contrasta fortemente com a
prescrição de remédios. Embora o
conteúdo químico dos
medicamentos seja quase sempre
idêntico, o conteúdo processual da
cirurgia varia muito. Da mesma
forma, o estilo e o tom que cada
um dos policiais aporta em seus
encontros com a cidadania variam
enormemente e podem fazer uma
grande diferença no resultado de
um caso específico. A dosagem, o
tempo e o acompanhamento de
ambos, medicamentos e trabalho
policial, costumam também variar
amplamente na prática.
Mesmo mantendo o
tratamento constante, há
evidências de que pacientes e
pessoas envolvidas com o crime
respondem a tratamentos com
grandes variações. Algumas dessas
respostas, reações alérgicas,
podem matar algumas pessoas,
enquanto o mesmo tratamento cura
a maioria. É sabido que os autores
de atos delituosos variam em suas
respostas às ações policiais, o que
se percebe em uma base
individual, mas também a
depender de outras variáveis como
bairro ou cidade. A implementação
de novas práticas baseadas em
experiências controladas em
Medicina e policiamento, por sua
vez, varia de acordo com a forma
como os resultados da pesquisa
são divulgados, quanta informação
é disponibilizada sobre o quanto as
práticas policiais realmente
mudam e quanto há de reforço
quanto à mudança, tanto positivo
como negativo.
O Policiamento Baseado em
Evidências pressupõe que as
experiências por si só não são
suficientes. Colocar pesquisas em
prática requer tanta atenção à
implementação como às avaliações
controladas. Sistemas contínuos
para pesquisa de implementação
podem fechar um círculo virtuoso
para criar o princípio da melhoria
da qualidade industrial.
Como se aplica a um exemplo
específico de prática policial?
O policiamento da violência
doméstica oferece uma clara
ilustração do que é novo sobre o
paradigma baseado em evidências.
A violência doméstica tem sido
objeto de mais pesquisas sobre
práticas policiais do que qualquer
outro problema de criminalidade.
A pesquisa provavelmente
prejudicou a prática da polícia,
pelo menos pelos novos padrões
de Medicina baseada em
evidências. No entanto, a
evidência disponível oferece uma
abordagem justa e cientificamente
válida para manter as agências
policiais, as unidades e os policiais
responsáveis pelos resultados do
trabalho policial, conforme
medido pela repetida violência
doméstica contra as mesmas
vítimas.
O National Institute of
Justice (NIJ) e a Police
Foundation forneceram amplas
informações sobre o que funciona
para prevenir a violência repetida.
A pesquisa também mostrou que,
como a cirurgia,
as práticas
policiais variam
muito em sua
implementação.
Essas variações,
na prática, causam
resultados
diferentes para
reincidência
contra as vítimas.
Mesmo mantendo
a prática constante, as respostas à
prisão variam de acordo com o
perfil do ofensor, da vizinhança e
da cidade. Finalmente, as
pesquisas mostram um
cumprimento muito fraco das
diretrizes de prisão obrigatória
após serem adotadas (FERRARO,
1989).
Existem uma gama de
prisões em casos de menor
gravidade envolvendo violência
doméstica. O agressor pode ou não
ser algemado, preso na frente da
família e vizinhos, tendo a
oportunidade de explicar sua
versão dos eventos à polícia, ou
tratado com cortesia ou
descortesia. Essas variações na
forma como se efetua a prisão
fazem diferença? Sim, de acordo
com a teoria dos efeitos da sanção
criminal (SHERMAN, 1993), elas
fazem muita diferença. Foi assim,
por exemplo, m Milwaukee, de
acordo com Raymond Paternoster
e seus colegas (1997). A evidência
de Milwaukee revelou, após
controle de outros fatores de risco
entre cerca de 800 delinquentes
presos, que aqueles que se
sentiram tratados de forma não
justa e educada pelos policiais
quando da prisão eram 60% mais
propensos a cometer um ato de
violência doméstica relatado no
futuro (fig.2). Essa descoberta
Figura 2. Reincidência em violência doméstica
e confiança na Polícia
50%
40%
30%
20%
10%
0%
25%
40%
Source: Paternoster, et al.
Justo Injusto
8
sugere três maneiras de colocar a
pesquisa em prática: 1) mudar as
diretrizes para fazer prisões em
casos de violência doméstica
incluindo elementos que permitam
aos suspeitos se sentirem tratados
de forma mais justa; 2)
responsabilizar a polícia pelo uso
dessas diretrizes, comparando
taxas de repetição de vitimização
associadas a diferentes unidades
policiais e 3) calcular essas taxas
usando ajustes estatísticos para o
nível preexistente de riscos de
reincidência.
A pesquisa da NIJ fornece
outras evidências sobre as formas
em que a polícia pode reduzir a
reincidência em casos de violência
doméstica. Em vez de uma política
genérica, as evidências sugerem
diretrizes específicas para serem
usadas em diferentes condições.
Os suspeitos que estão ausentes
quando a polícia chega - como
estão em cerca de 40% dos casos -
respondem de forma mais eficaz à
prisão de mandados do que
suspeitos presos em cena
(DUNFORD, 1990). Os acusados
que estão empregados são mais
facilmente dissuadidos pela prisão,
enquanto os que estão
desempregados geralmente
agravam seu comportamento se
forem presos do que se forem
tratados de outra forma (PATE and
HAMILTON 1992; BERK et al.,
1992; SHERMAN and SMITH,
1992). Os delinquentes que vivem
em áreas urbanas de pobreza
concentrada praticam mais crimes
se forem presos do que se não
forem, enquanto os agressores que
vivem em áreas mais afetadas
cometem menos ações repetidas se
forem presos (MARCINIAK,
1994). Todos esses achados para
os casos de prisão por violência
doméstica podem ser alterados por
novas pesquisas, mas, no
momento, são as melhores
evidências disponíveis.
Essas evidências poderiam
apoiar diretrizes para o
policiamento da violência
doméstica que seriam distintas por
vizinhança e nos casos de ausência
ou presença do ofensor. Também
poderiam apoiar diretrizes sobre
como ouvir o lado da história dos
suspeitos antes de tomar a decisão
de prendê-los e sobre como tratar
os suspeitos de forma respeitosa.
Outras evidências, como o período
de alto risco para a repetição da
vitimização nos primeiros dias e
semanas após o último encontro da
polícia (STRANG and
SHERMAN 1996), poderiam ser
usadas para criar novas estratégias
orientadas para o problema. Mais
importante, a pesquisa existente
pode ser usada para criar um
sistema justo para avaliar o
desempenho da polícia com base
em resultados ajustados pelo risco.
Essa evidência (figura 3) mostra
que a probabilidade de uma
reincidência está fortemente ligada
ao número de infrações anteriores
que cada infrator possui.
Uma vez que o risco de
reincidência pode ser previsto com
razoável precisão, torna-se
possível empregar tais predições
como uma referência de
desempenho policial. Assim como
no caso das taxas de mortalidade
pós- cirúrgica de Nova Iorque, os
resultados do trabalho policial
podem ser controlados pelo nível
de risco inerentes ao número de
casos que os agentes enfrentam.
Usando uma base de dados
em toda a cidade de todos as
agressões domésticas, agora com
mais de dez mil casos por ano em
cidades como Milwaukee, um
modelo pode ser construído para
avaliar o risco de reincidência em
cada caso. A combinação global
de casos em cada um dos recintos
policiais ou para cada funcionário
pode gerar um nível médio de
risco para esse número de casos.
Cada distrito de patrulha da polícia
Figura 3. Risco de Reincidência em Violência Doméstica
80%
60%
40%
20%
0%
0 1 2 3 7
42% 48%
60%
75%
Milwaukee Domestic Violence Experiment Reincidência
0%
9
pode então ser avaliado de acordo
com a taxa real contra a taxa
prevista de reincidência a cada ano
(fig. 4). Todos os distritos de
patrulha da cidade podem então
ser comparados com base na
diferença percentual relativa entre
taxas esperadas e reais de agressão
doméstica repetida (fig. 5).
Ao construir sistemas de
informação para este tipo de
pesquisa de resultados, os
departamentos de polícia podem se
concentrar em um objetivo que
apenas foi medido em
experimentos principais. Fazendo
o objetivo de policiar cada assalto
doméstico, o resultado de uma
taxa reduzida de ofensas repetidas
em vez da saída de se uma prisão é
feita teria vários efeitos. Uma é
que a prevenção do crime teria
maior atenção do que a retribuição
por sua própria causa. Embora
nem todos sejam bem-vindos, é
consistente com pelo menos a
opinião de alguns policiais sobre o
propósito da polícia como uma
agência de prevenção de crime
(BRATTON and KNOBLER,
1998). Outro efeito seria buscar e
até mesmo iniciar mais pesquisas
sobre o que funciona melhor para
prevenir a violência doméstica. No
mundo tal como o conhecemos,
ninguém no policiamento - do
chefe da polícia para o novato -
tem qualquer incentivo direto para
reduzir a reincidência contra as
vítimas conhecidas. Ninguém em
policiamento é responsabilizado
por realizar, ou mesmo medir, esse
objetivo. Como resultado,
ninguém sabe se as taxas repetidas
de vitimização ficam melhores ou
piores de ano para ano. O uso de
evidências de resultados para
avaliar o desempenho tornaria as
práticas policiais muito mais
Figura 4. Observado X Expectativa de Reincidência em
Violência Doméstica
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
25%
50%
Observado Esperado
Percentual de Reincidência
Figura 5. Observado X Expectativa por Distrito Policial
200
150
100
50
0
-50
-100
-25%
50%
PCT1 PCT2 PCT3 PCT4 PCT5
Percentual de Reincidência
-50%
150%
10
vitimadas, sendo a principal
prioridade a prevenção de novos
ataques.
Como isso pode ser
institucionalizado?
A vantagem mais
importante do policiamento
baseado em evidências é que ele
contém os princípios de sua
própria implementação. Os
princípios de utilização de
evidências para mudar e avaliar a
prática podem ser aplicados a uma
ampla análise institucional da
implementação. Assim, enquanto
as mudanças descritas acima teria
que ocorrer uma agência policial
de cada vez, existem certas forças
nacionais que podem ajudar a
começar a bola rolando. Isso pode
ser visto, por exemplo, nos
rankings nacionais das agências de
polícia das grandes cidades, bem
como dos mandatos nacionais para
melhorar os sistemas de dados
policiais para fornecer melhores
evidências. No entanto, mesmo
tais pressões externas não terão
sucesso sem evidência interna de
policiais para importar, aplicar e
criar provas de pesquisa.
Nenhuma instituição
provavelmente aumentará
voluntariamente sua
responsabilidade, exceto sob forte
pressão externa. É improvável que
o Policiamento Baseado em
Evidências possa ser adotado por
um policial simplesmente porque
parece ser uma boa ideia. A
história da Medicina e da educação
baseada em evidências sugere
fortemente que os profissionais só
farão tais mudanças sob coerção
externa. Nada parece fomentar tal
pressão tanto quanto o ranking de
desempenho entre agências
(MILLENSON, 1997;
STEINBERG, 1998). Assim como
várias medidas de desempenho
público permitem que os
corretores de bolsa classifiquem as
empresas de capital aberto e
proporcionem essas empresas com
fortes incentivos para melhores
resultados, a informação pública
sobre o desempenho da polícia
criaria a maior pressão para a
melhoria.7
Um exemplo de como os
principais departamentos de
polícia da cidade podem ser
classificados por desempenho
pode ser encontrado em suas taxas
de homicídios, que já recebem
ampla publicidade. O que essas
estatísticas não têm, no entanto, é
qualquer análise cientifica do risco
7 3 The 1919 results of the first
national rankings of hospitals were deemed so
threatening that the American College of
Surgeons decided to burn the report
immediately in the furnace of New York’s
Waldorf-Astoria Hotel (Millenson 1997, 146).
esperado. O desempenho da
polícia não tem nada a ver, pelo
menos no curto prazo, com as
forças sociais, econômicas,
demográficas e do mercado de
drogas que ajudam a moldar a
taxa de homicídio de uma cidade.
Embora o desempenho da polícia
também possa afetar essas taxas
de homicídio, os outros fatores
devem ser levados em
consideração. O uso de taxas de
homicídio ajustadas ao risco
fornece uma indicação de quão
bem um departamento de polícia
pode estar fazendo coisas como
conter armas ilegais, patrulhar hot
spots, regular bares violentas e
mercados de drogas e monitorar as
gangues juvenis. Embora a
literatura de pesquisa básica
forneça cada vez mais uma fonte
de orientação para tomar
iniciativas contra o homicídio,
uma análise de resultados ajustada
ao risco (figura 6) indicaria o quão
bem essa pesquisa havia sido
implementada.
Se uma organização de
pesquisa nacional com
credibilidade produzisse esses
"rankings de ligação" entre os
departamentos de polícia das
grandes cidades a cada ano (como
os rankings de US News e World
Report de faculdades e
universidades), o resultado
previsível, no curto prazo, seria o
de ataques à metodologia utilizada.
Isto é, de fato, o que continua
ocorrendo em Nova York com as
taxas de mortalidade em cirurgias.
Mas os rankings de Nova York se
espalharam para outros estados, e
os consumidores os acharam
bastante valiosos. Os médicos e a
polícia também podem encontrar
rankings muito valiosos a longo
prazo. Ambas as profissões devem
A vantagem mais importante do
policiamento baseado em evidências é
que ele contém os princípios de sua
própria implementação.
11
ter um maior respeito público à
medida que melhoram para
produzir os resultados que seus
consumidores desejam.
Quanto mais os indicadores
de desempenho influenciarem
seriamente o destino das
organizações, mais provável será a
possibilidade da emergência de
práticas irregulares. Exemplos
recentes incluem o Serviço Postal
dos EUA na Virgínia Ocidental,
onde um esquema elaborado para
derrotar a auditoria de entrega
pontual do correio veio
recentemente à tona
(McALLISTER, 1998). Outros
exemplos incluem professores que
ajudam os alunos a trapacear em
suas respostas aos testes nacionais
de desempenho e, claro, os
departamentos policiais que
reduzem artificialmente o registro
de crimes. A polícia da cidade de
Nova York removeu três
comandantes nos últimos cinco
anos por que eles passaram a
contar as ocorrências de forma
inadequada para “melhorar” seu
desempenho (KOCIENIEWSKI,
1998) e vários chefes de polícia
em outros lugares foram
condenados criminalmente por
condutas similares.
Independentemente das
pressões para corromper os dados,
os criminologistas sabem há muito
tempo que os registros de crimes
pela polícia não são confiáveis,
com a possível exceção do
homicídio. Para começar, duas
agências não classificam os crimes
da mesma maneira. O mesmo
evento pode ser chamado de
agressão agravada em uma agência
e de "incidente misto" em outra. A
recente decisão do FBI de deixar a
Filadélfia de fora do programa
nacional de notificação de crimes
não foi uma ação isolada. Em
1988, o FBI derrubou
silenciosamente todos os números
da Flórida e do Kentucky. Uma
vez que o FBI não tem recursos
para fazer auditorias no local em
cada agência policial todos os
anos, esses exemplos são apenas a
ponta de um iceberg muito grande.
Já existem levantamentos de
suspeitas de manipulação policial
de dados de criminalidade à
medida que as taxas de
criminalidade caem em muitas
cidades. A pressão mais séria dos
rankings nacionais ameaçaria
ainda mais a integridade dos
dados.
Uma solução viável para
este problema é um requisito
federal para que os departamentos
de polícia mantenham fábricas de
CPA8 para produzir auditorias
anuais de seus dados relatados
sobre crime. Esse requisito poderia
ser imposto como condição para
receber fundos federais, assim
como muitos outros mandatos
federais já fizeram. Antecipando
desafios judiciais sobre mandatos
não financiados (como o Brady
Bill9), o Congresso também
poderia fornecer fundos para pagar
as auditorias. Os padrões de
contagem de crimes podem ser
estabelecidos nacionalmente pela
profissão contábil em colaboração
com o FBI. Alternativamente, cada
legislatura estadual poderia exigir
(ou mesmo financiar) essas
auditorias como forma de
assegurar a equidade nas
classificações de desempenho dos
departamentos policiais no estado.
As agências estatais, como os
centros estatísticos de justiça
criminal, também podem produzir
tais classificações como um
serviço aos contribuintes. Os
Estados já têm a opção de gastar
fundos federais em tal finalidade
sob a ampla categoria de fundos de
avaliação.
8 Sigla para “Certified public
accounting” – algo como Empresas de
contabilidade pública certificadas. 9 Referência ao Brady Handgun
Violence Prevention Act , lei aprovada pelo
Congresso Americano que introduziu
mecanismo de controle sobre a aquisição de
armas de fogo. O nome foi uma homenagem a
James Brady, assessor baleado na tentativa de
assassinato do presidente Reagan em 30 de
março de 1981 (NT).
Figura 6. Homicídio por cidade, Atual X Premeditado.
80
60
40
20
0
-20
-40
-60
NYC Baltimore Chicago LA Dallas
Percentual de Repetição Hypothetical Data
-50%
-25%
25%
60%
12
No processo de
revitalização da integridade dos
dados criminais, seria fundamental
reorganizar os sistemas de dados
policiais. O mais importante seria
a criação de um "quadro médico"
para cada vítima do crime. Com
registros de pacientes
computadorizados, este gráfico
mostra o diagnóstico (ofensa
descrita) para cada incidente que
uma vítima apresenta a uma
agência policial, talvez em
qualquer lugar do estado. O
gráfico também mostra o que a
polícia fez em resposta, tudo,
desde o levantamento de um
relatório de infração até a prisão
de um agressor cuja data de
liberação da prisão também é
mantida, atualizada, na tabela de
vítimas computadorizada. Esta
ferramenta de informação poderia
ajudar a desenvolver muitos
métodos policiais proativos para
prevenir a repetição da
vitimização. Permitir que os
funcionários utilizem esses dados
para manter seus próprios números
para casos de repetição da
vitimização (mesmo sem ajustar o
risco) podem encorajá-los a se
envolver e a se comprometer com
um melhor trabalho na prevenção
dos crimes.
Também são necessários
melhores registros sobre o que a
polícia faz sobre o crime de acordo
com certos padrões de infrações.
As "tabelas médicas" para bares
violentos, lojas que foram furtadas
ou roubadas várias vezes e outros
pontos críticos onde a maioria dos
crimes ocorre seriam muito úteis
para o Policiamento Orientado por
Problemas em curso tentar reduzir
a reincidência nesses lugares.
Registros semelhantes poderiam
ser mantidos sobre um padrão de
crimes distribuídos em uma área
mais ampla, como roubos de
máquinas de caixa automático. Se
as equipes oficiais ou as unidades
identificam esses lugares ou
padrões como alvos do crime e
designam um grupo de controle,
esses prontuários podem se tornar
a base para estimar a quantidade
de crime que cada unidade da
polícia preveniu.
Os computadores também
podem ajudar os policiais a
implementar diretrizes práticas. Os
sistemas de computadores médicos
agora oferecem diretrizes de
prática recomendadas em resposta
a uma lista de verificação de
dados, bem como aviso quando às
prescrições de medicamentos que
caem fora dos parâmetros
programados do tipo e dosagem da
doença. O uso de computadores
portáteis para assessorar os
funcionários no campo e para
fornecer controles instantâneos de
qualidade pode não acontecer em
breve, mas o crescimento da
pesquisa policial pode torná-lo
inevitável no longo prazo. Não se
espera que os médicos mantenham
grandes quantidades de dados de
pesquisa em suas cabeças, nem
mesmo diretrizes médicas para
cada diagnóstico. Os
computadores não substituirão o
bom julgamento, mas eles podem
melhorá-lo.
As regras federais também
podem exigir que os
departamentos de polícia indiquem
um criminologista de polícia
certificado (seja internamente ou
em parceria com uma universidade
ou organização de pesquisa), que
se tornaria o policial de evidências
da agência. Como Scott
Weingarten do Cedars-Sinai, o
criminologista departamental seria
responsável por colocar a pesquisa
em prática e depois avaliar os
resultados. Se o criminologista é
realmente um empregado ou um
professor universitário que
trabalha em parceria com a polícia
pode não importar tanto quanto o
papel em si. O criminologista
poderia ajudar a desenvolver
diretrizes mais eficazes para
prevenir a reincidência e poderia
desenvolver dados contundentes a
partir daquilo que foi esperado
versus os resultados reais por tipo
de infração para cada distrito da
polícia ou unidade de investigação.
Um criminologista poderia
adicionar o método científico ao
processo Compstat da NYPD
(BRATTON and KNOBLER
1998), fornecendo estatísticas em
cada reunião sobre as tendências e
padrões de crime de cada patrulha
No processo de revitalização da
integridade dos dados criminais,
seria fundamental reorganizar os
sistemas de dados policiais.
13
no distrito (ou mesmo de suas
queixas contra funcionários da
polícia) em relação ao nível de
risco do distrito. Construir a
capacidade de importar, aplicar e
criar provas dentro de cada
agência policial podem ser
ingredientes essenciais ao sucesso
desse paradigma.
Também podemos descobrir
que a distância tradicional entre
pesquisadores e funcionários da
polícia se reduz quando os
pesquisadores fornecem
informações gerenciais mais
imediatas. Os criminologistas há
muito se recusaram a fornecer aos
gerentes da polícia dados de
informações sobre determinados
funcionários, considerando-o
contrário à ética da pesquisa básica
(HARTNETT, 1998). Ao fornecer
finalmente os dados em um
formato cientificamente razoável,
os criminologistas podem tornar-se
muito mais efetivos para estimular
a pesquisa na prática.
Os criminologistas também
podem atuar na descoberta de que
os médicos tendem a mudar as
práticas com base na interação
pessoal e no retorno reiterado e
não em conferências, aulas ou
relatórios de pesquisa por escrito
(MILLENSON 1997:127-30).
Achados similares foram
publicados sobre a eficácia dos
serviços de extensão agrícola, em
que pesquisadores universitários
visitam fazendas e mostram aos
agricultores novas técnicas para
melhorar seus rendimentos de
culturas. Eles ecoam um provérbio
chinês: “diga-me e eu vou
esquecer; mostre-me e vou
lembrar; envolva-me e eu vou
entender”.
A única prova deste
princípio no policiamento até o
momento é a pesquisa de Alex
Weiss (1997) sobre como os
departamentos de polícia adotam
inovações. Com base em uma
pesquisa nacional dos chefes da
polícia e seus principais
assessores, Weiss descobriu que as
chamadas telefônicas de agência
para agência desempenharam um
papel vital na divulgação de novas
ideias. Embora os relatórios
escritos possam ter completado os
telefonemas, o boca-à-boca parece
ser a principal maneira pela qual
as inovações policiais são
comunicadas e adotadas.
O estudo de Weiss sugere a
grande importância de reunir mais
evidências sobre evidências. A
questão empírica para a pesquisa
baseada em evidências é: qual tipo
de prática funciona melhor para
mudar as práticas atuais? Esta
postura, inerentemente reflexiva,
pode nos levar a comparações
empíricas da eficácia de, por
exemplo, conferências do NIJ,
correspondências em massa de
relatórios de pesquisa ou novas
abordagens individuais. Um
exemplo do último seriam as
chamadas telefônicas proativas
para agências policiais nos Estados
Unidos, feitas pelos atuais ou
antigos policiais. Os “chamadores”
poderiam ser treinados por
organizações de pesquisa para
descrever novos achados. Se as
diretrizes de consenso nacional
para a prática fossem
desenvolvidas por painéis de
executivos policiais e
pesquisadores, os “chamadores”
também poderiam comunicar isso.
Outras abordagens que valem a
pena testar podem incluir
demonstrações de campo na
técnica da polícia. Este
treinamento não se basearia na
experiência, como é o atual
sistema de treinamento de campo,
mas sim com base em evidências
de que o método que está sendo
demonstrado foi
comprovadamente efetivo na
redução do processo de
reincidência.
Conclusão
O teste dos resultados deste
paradigma pode não ser adotado
este ano ou em vinte anos. Como
Lord Keynes sugeriu, a influência
das ideias pode ser muito mais
glacial do que vulcânica. A
pressão por melhores resultados
está no espírito da época, e a
polícia não poderá escapar disso
por muito tempo. Todo esse
trabalho é adicionar uma polegada
à geleira, para que possamos dizer
do policiamento o que o Dr.
William Mayo, da Clínica Mayo,
disse sobre sua profissão há quase
um século: "A glória da Medicina
é que ela está constantemente
avançando, que sempre há algo a
aprender".
A questão
empírica para a
pesquisa baseada
em evidências é:
qual tipo de
prática funciona
melhor para
mudar as práticas
atuais?
14
Referências
BERG, A.O. Variations among
family physicians’
management strategies for
lower urinary tract
infections in women: A
report from the
Washington Physicians’
Collaborative Research
Network. Journal of the
American Board of
Family Practice
(September– October):
327–30, 1991.
BERK, Richard A.; CAMPBELL,
Alec; KLAP, Ruth and
WESTERN, Bruce. The
deterrent effect of arrest in
incidents of domestic
violence: A Bayesian
analysis of four field
experiments. American
Sociological Review 57:
698-708, 1992.
BRATTON, William and
KNOBLER, Peter.
Turnaround: How
America’s top cop
reversed the crime
epidemic. New York:
Random House, 1998.
CARTE, Gene, and CARTE,
Elaine. Police reform in
the United States: The era
of August Vollmer.
Berkeley: University of
California Press, 1975.
CHEIT, Earl. The useful arts and
the liberal tradition. New
York: McGraw-Hill, 1975.
DEMING, W. Edwards. Out of
the crisis. Cambridge:
Massachusetts Institute of
Technology, Center for
Advanced Engineering
Study, 1986.
DUNFORD, Franklyn. System-
initiated warrants for
suspects of misdemeanor
domestic assault: A pilot
study. Justice Quarterly
7: 631–53, 1990.
ECK, John, and SPELMAN,
William. Problem-
solving: Problem-oriented
policing in Newport News.
Washington, D.C.: Police
Executive Research
Forum, 1987.
FERRARO, Kathleen J. Policing
woman battering. Social
Problems 36: 61–74,
1989.
GOLDSTEIN, Herman. Improving
policing: A problem-
oriented approach. Crime
and Delinquency 25:
236–58, 1970.
———.Problem-oriented
policing. New York:
McGrawHill, 1990.
HARTNETT, Susan. Address to
the Third National
Institute of Justice
Conference on Police
Research Partnerships,
February, 1998.
HODGE, Melville H. Direct use
by physicians of the TDS
Medical Information
System. In: A History of
Medical Informatics,
edited by Bruce I. Blum
and Karen Duncan. New
York: ACM, 1990.
KOSECOFF, Jacqueline, et al.
Effect of the National
Institutes of Health
Consensus Development
Program on physician
practice. Journal of the
American Medical
Association, 258
(November 20): 2708–13,
1987.
McALLISTER, Bill. A “special”
delivery in West Virginia:
Postal employees cheat to
beat rating system.
Washington Post, 10
January, A1, 1998..
MARCINIAK, Elizabeth.
Community policing of
domestic violence:
Neighborhood differences
in the effect of arrest.
Ph.D. diss., University of
Maryland, 1994.
MILLENSON, Michael L.
Demanding medical
excellence: Doctors and
accountability in the
information age. Chicago:
University of Chicago
Press, 1997.
OFFICE OF TECHNOLOGY
ASSESSMENT OF THE
CONGRESS OF THE
UNITED STATES. The
impact of randomized
clinical trials on health
policy and medical
practice. Background
paper OTA-BP-H-22.
Washington, D.C.:
Government Printing
Office, 1983.
PATE, Antony M., and
HAMILTON, Edwin E.
1992. Formal and
informal deterrents to
domestic violence: The
Dade County Spouse
Assault Experiment.
American Sociological
Review 57: 691– 98.
PATERNOSTER, Ray; BRAME,
Bobby; BACHMAN,
15
Ronet and SHERMAN,
Lawrence W. Do fair
procedures matter?
Procedural justice in the
Milwaukee Domestic
Violence Experiment.
Law and Society Review,
1997.
RASPBERRY, William. 1998.
Tried, true and ignored.
Washington Post, 2
February, A19.
SACKETT, David L. and
ROSENBERG, William
M.C. On the need for
evidence-based medicine.
Health Economics 4:
249–54, 1995.
SHERMAN, Lawrence W.
Experiments in police
discretion: Scientific boon
or dangerous knowledge?
Law and Contemporary
Problems 47, no. 4: 61–
81, 1984.
———.Policing domestic
violence: Experiments and
dilemmas. New York:
Free Press, 1992.
———.Defiance, deterrence and
irrelevance: A theory of
the criminal sanction.
Journal of Research in
Crime and Delinquency
30: 445–73, 1993.
——— and SMITH, Douglas A.
Crime, punishment and
stake in conformity: Legal
and informal control of
domestic violence.
American Sociological
Review 57, 1992.
SHEWHART, Walter A.
Statistical methods from
the viewpoint of quality
control. Edited by W.E.
Deming. Lancaster,
Pennsylvania: Graduate
School of the U.S.
Department of
Agriculture, 1939.
SPARROW, Malcolm; MOORE,
Mark; and KENNEDY,
David. Beyond 911: A
new era for policing. New
York: Basic Books, 1990.
STEINBERG, Jacques. Public
shaming: Rating system
for schools: Some states
are finding that
humiliation leads to
improvement. New York
Times, 7 January, A19,
1998.
STRANG, Heather and
SHERMAN, Lawrence W.
Predicting domestic
homicide. Paper presented
to the American
Association for the
Advancement of Science,
January, in Baltimore,
Maryland. U.S. Congress.
House. 104th Congress,
1st sess., H. Rept. 104-
387, sec. 116, 1996.
WEISS, Alexander. Diffusion of
innovations in police
departments. Ph.D. diss.,
Northwestern University.
Zuger, Abigail. 1997. New
way of doctoring: By the
book. New York Times,
16 December, C1, 1992.
16
SOBRE A POLICE FOUNDATION
A Police Foundation, é uma Fundação norte-armericana sem fins lucrativos, não partidária e independente, criada em 1970 pela Fundação Ford com a missão de produzir avanços na Segurança Pública e de forma mais específica na atuação das polícias através da inovação e da ciência. Em quase cinco décadas foi uma das mais importantes catalisadoras de mudanças significativas na área de policiamento e organização das polícias, em um espírito de colaboração entre líderes policiais, pesquisadores acadêmicos, governos locais, estaduais e federal e membros da comunidade. Nos anos 1970, a Police Foundation realizou os primeiros experimentos científicos sobre policiamento e é hoje uma das mais importantes referências mundiais na área.
SOBRE O INSTITUTO CIDADE SEGURA
O Instituto Cidade Segura é uma organização da sociedade civil que tem por objetivo produzir sinergia para uma nova visão de segurança pública por meio da criação de espaços de diálogo e de ações efetivas com base em conhecimento científico voltado a qualificar as políticas públicas para reduzir a violência. Com base em produção de conhecimento, promoção de engajamento e políticas públicas, o Instituto desenvolve atividades com diferentes setores da sociedade em busca de novas alternativas para a Segurança Pública nas cidades e Estados.