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RMDCB Nº 70019197383 2007/CÍVEL 1 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS PELO ESTADO. BLOQUEIO OU SEQÜESTRO DE VALORES. JURISPRUDÊNCIA DO STF. POSSIBILIDADE. ENTREGA À PARTE. IMPOSSIBILIDADE. PRAZO DE ENTREGA. ORDEM LIMINAR DE FORNECIMENTO DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS. Em tese, impõe-se ao ente público o dever de fornecer medicamentos de que tem necessidade a pessoa que não pode por eles pagar, sem prejuízo de seu sustento e da família, diante de risco de vida não infirmado até o presente momento processual. Está presente a verossimilhança exigida pelo art. 273 do CPC. SEQÜESTRO DE VERBA PÚBLICA. Segundo jurisprudência do STF, não se confundem o seqüestro em situação de descumprimento de sentença transitada em julgado e da ordem cronológica dos precatórios com o deferido em sede de liminar. O bloqueio de valores é meio alternativo adequado de garantir o cumprimento de determinação judicial e dar-lhe eficácia, conforme o disposto no art. 461, § 5º, do Código de Processo Civil, podendo ser determinado de ofício. ENTREGA DE DINHEIRO. Não se coaduna com os princípios de direito público entregar à parte interessada no tratamento a verba do ente público. OPERACIONALIZAÇÃO DA ENTREGA DO MEDICAMENTO. Oportuniza-se o prazo de dez dias para entrega dos produtos pelo Estado, com a comprovação do atendimento da ordem nas sucessivas 24h, após o que caberá ao Coordenador Regional da Saúde adquiri-lo mediante prévia e imediata pesquisa de preços em distribuidoras e farmácias, entregando-o em 48 horas e prestando contas, em três dias. AGRAVO PARCIALMENTE PROVIDO. VOTO VENCIDO. AGRAVO DE INSTRUMENTO VIGÉSIMA SEGUNDA CÂMARA CÍVEL

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Nº 70019197383

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ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS PELO ESTADO. BLOQUEIO OU SEQÜESTRO DE VALORES. JURISPRUDÊNCIA DO STF. POSSIBILIDADE. ENTREGA À PARTE. IMPOSSIBILIDADE. PRAZO DE ENTREGA. ORDEM LIMINAR DE FORNECIMENTO DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS. Em tese, impõe-se ao ente público o dever de fornecer medicamentos de que tem necessidade a pessoa que não pode por eles pagar, sem prejuízo de seu sustento e da família, diante de risco de vida não infirmado até o presente momento processual. Está presente a verossimilhança exigida pelo art. 273 do CPC. SEQÜESTRO DE VERBA PÚBLICA. Segundo jurisprudência do STF, não se confundem o seqüestro em situação de descumprimento de sentença transitada em julgado e da ordem cronológica dos precatórios com o deferido em sede de liminar. O bloqueio de valores é meio alternativo adequado de garantir o cumprimento de determinação judicial e dar-lhe eficácia, conforme o disposto no art. 461, § 5º, do Código de Processo Civil, podendo ser determinado de ofício. ENTREGA DE DINHEIRO. Não se coaduna com os princípios de direito público entregar à parte interessada no tratamento a verba do ente público. OPERACIONALIZAÇÃO DA ENTREGA DO MEDICAMENTO. Oportuniza-se o prazo de dez dias para entrega dos produtos pelo Estado, com a comprovação do atendimento da ordem nas sucessivas 24h, após o que caberá ao Coordenador Regional da Saúde adquiri-lo mediante prévia e imediata pesquisa de preços em distribuidoras e farmácias, entregando-o em 48 horas e prestando contas, em três dias. AGRAVO PARCIALMENTE PROVIDO. VOTO VENCIDO.

AGRAVO DE INSTRUMENTO

VIGÉSIMA SEGUNDA CÂMARA CÍVEL

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COMARCA DE SANTA MARIA

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

AGRAVANTE

ALZIRA SANTOS DE MEDEIROS

AGRAVADA

A C Ó R D Ã O

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam as Desembargadoras integrantes da Vigésima

Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, por maioria, em

dar parcial provimento ao agravo, vencida a Des.ª Presidente.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além da signatária, as eminentes

Senhoras DES.ª MARIA ISABEL DE AZEVEDO SOUZA (PRESIDENTE) e

DES.ª MARA LARSEN CHECHI.

Porto Alegre, 21 de junho de 2007.

DES.ª REJANE MARIA DIAS DE CASTRO BINS, Relatora.

R E L A T Ó R I O

DES.ª REJANE MARIA DIAS DE CASTRO BINS (RELATORA)

Trata-se de agravo de instrumento interposto pelo ESTADO

DO RIO GRANDE DO SUL em face da decisão em que, nos autos da ação

ordinária que lhe move ALZIRA SANTOS DE MEDEIROS, objetivando o

fornecimento de medicamentos para o tratamento de asma, o Magistrado a

quo deferiu o pedido de antecipação dos efeitos da tutela, determinando a

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dispensação dos fármacos pleiteados, sob pena de bloqueio de valores para

o caso de descumprimento.

Sustentou o agravante que a medida de seqüestro de verbas

feriria os princípios constitucionais da independência, da harmonia dos

poderes e da legalidade, porquanto não existiria previsão legal para a

cominação da penalidade fixada pelo juízo singular, só sendo possível a

medida em caso de quebra da ordem de pagamento de precatórios (art. 100,

§ 2º, da Constituição Federal). Referiu que a sanção comprometeria as

rubricas orçamentárias. Colacionou julgados. Postulou a concessão do efeito

suspensivo ao recurso, pugnando, ao final, pelo seu provimento.

Encontram-se nos autos cópia da decisão agravada (fls. 14-6)

da certidão de intimação, de 9/3/2007, segunda-feira (fl. 22v.), entre outros

documentos. O agravo é tempestivo, interposto em 26/3/2007, segunda-feira

(fl. 2), não sendo caso de preparo.

O recurso foi recebido, com a concessão parcial do efeito

suspensivo postulado (fls. 30-54).

Com a resposta (fl. 57) e parecer da Dr.ª Procuradora de

Justiça, opinando pelo parcial provimento do agravo (fls. 58-66), vieram-me

conclusos os autos. Submeto-os à apreciação da Col. Câmara.

É o relatório.

V O T O S

DES.ª REJANE MARIA DIAS DE CASTRO BINS (RELATORA)

Eminentes colegas.

Ao receber a inicial, assim me posicionei:

Trata-se de hipótese que refoge ao novel princípio do regime de retenção do agravo, sob pena de se

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concretizar a ordem judicial antes de qualquer outra análise.

O agravo mostra-se tempestivo e acompanhado dos documentos necessários.

Passo, assim, ao exame do mérito.

Inicio manifestando que estou alterando posição anterior, em que vedava o seqüestro de verbas do ente público, e o faço em razão de posicionamento do Eg. Supremo Tribunal Federal sobre o tema da saúde e do fornecimento de medicamentos, sendo ele o guardião da Constituição Federal e responsável pela correta interpretação de seus dispositivos.

Verifica-se que, no processo em curso, estão em conflito dois interesses protegidos constitucionalmente: o da liberdade de ação da Administração, segundo critérios técnicos, dados os reflexos no conjunto social, onde há escassez de recursos para um número quase infinito de cidadãos, e o direito à saúde, pressupostos da liberdade e da igualdade1, sempre recordando que o art. 196 da Constituição Federal dá ênfase ao acesso universal e igualitário às ações e aos serviços da saúde, ou seja, de todos os membros da sociedade.

Tangente ao seqüestro de valores e à entrega ao particular, é certo que, contra a Fazenda Pública, penaliza toda a comunidade, que depende do Estado.

Releva registrar, neste passo, a jurisprudência do Eg. Supremo Tribunal Federal, retratada na Suspensão de Segurança nº SS 2708/RS2, que conduziu à modificação do posicionamento original:

“Despacho: 1. Trata-se de suspensão de segurança ajuizada pelo Estado do Rio Grande do Sul com o objetivo de

1 “Os direitos sociais, como dimensão dos direitos fundamentais do homem, são prestações positivas estatais, enunciadas em nomas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais. São, portanto, direitos que se conexionam com o direito da igualdade. Valem como pressupostos do gozo dos direitos individuais na medida em que criam condições materiais mais propícias ao auferimento da igualdade real, o que, por sua vez, proporciona condição mais compatível com o exercício efetivo da liberdade” (SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 15.ed. rev. ampl. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 289).

2 DJ 01/08/2005, p. 00067.

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sustar o bloqueio em suas contas do valor de R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais) determinado nos autos do MS 70010099190 impetrado por Erick Stefene Cardoso Pinheiro no Tribunal de Justiça daquele Estado. Narra o requerente que "o autor ingressou com mandado de segurança requerendo fosse o Estado do Rio Grande do Sul condenado a fornecer o remédio Pregomim 400g, tendo em vista ser portador de intolerância à lactose, necessitando fazer uso de alimentação especial. Foi concedida a segurança, determinando-se ao ente público o fornecimento de 'Pregomim lata 400g, 12 latas por mês, até 28 de junho de 2006'." Explica que, em abril de 2005, o impetrante, alegando descumprimento do acórdão proferido no MS, requereu o bloqueio do valor necessário à aquisição do remédio, o que foi deferido. Alega ainda que esse bloqueio causa grave lesão à saúde pública já que existe uma receita prevista no orçamento anual e, "A cada demanda que exige o pronto fornecimento de medicamento, cirurgia ou mesmo numerário, parte desta receita é desviada para o cumprimento da determinação judicial. Não existe aporte de recursos suplementares, por simples inexistência dos mesmos. Na medida em que os pleitos judiciais se avolumam, o montante de recursos dependidos, por óbvio, atinge valores que comprometem o próprio funcionamento da Secretaria Estadual da Saúde." (Fl. 04) Distribuídos os autos, o Ministro Presidente abriu vista à Procuradoria-Geral da República, que se manifestou pelo indeferimento do pedido. 2. Compete ao Presidente do Supremo Tribunal Federal examinar o pedido de suspensão de segurança, pois a causa tem fundamento constitucional (art. 196 da Lei Maior). Entendo correto o posicionamento da

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douta Procuradoria-Geral da República quando afirma que "O requerente não logrou demonstrar, de forma cabal e inequívoca, a situação de grave ameaça à saúde pública, que o cumprimento da decisão ora impugnada estaria a causar. Ao contrário, percebe-se que o deferimento da medida de contracautela, in casu, acarretaria o chamado periculum in mora inverso ao impetrante, pois, segundo consta dos autos, foi comprovada a necessidade vital do medicamento para a criança, bem como também foi comprovada a impossibilidade de a família custear com a aquisição da medicação ora pleiteada." (Fls. 43/44) A jurisprudência deste Supremo Tribunal é no sentido de que a lesão a ensejar a suspensão deve ser inequivocamente demonstrada, o que não ocorreu no caso. Há precedentes, entre os quais, cito a SS 1.140, rel. Min. Celso de Mello, DJ 7.6.1999, e a SS 1.185, rel. Min. Marco Aurélio, DJ 4.8.1998. 3. Ante o exposto, indefiro o pedido. Publique-se. Brasília, 13 de julho de 2005 Ministra Ellen Gracie Vice-Presidente (Art. 37, I, do RISTF).”

Inúmeros outros são os precedentes, in verbis:

“RECURSO. Extraordinário. Inadmissibilidade. Fornecimento de medicamentos. Bloqueio de verbas públicas. Direito à saúde. Jurisprudência assentada. Art. 100, caput e parágrafo 2º da Constituição Federal. Inaplicabilidade. Ausência de razões novas. Decisão mantida. Agravo regimental improvido. Nega-se provimento a agravo regimental tendente a impugnar, sem razões novas, decisão fundada em jurisprudência assente na Corte. 2. RECURSO. Agravo. Regimental. Jurisprudência assentada sobre a

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matéria. Caráter meramente abusivo. Litigância de má-fé. Imposição de multa. Aplicação do art. 557, § 2º, cc. arts. 14, II e III, e 17, VII, do CPC. Quando abusiva a interposição de agravo, manifestamente inadmissível ou infundado, deve o Tribunal condenar o agravante a pagar multa ao agravado. (AI-AgR 597182/RS, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 10.10.2006, Segunda Turma, DJ 06-11-2006 PP-00042, EMENT VOL-02254-07 PP-01384, sendo agravante o Estado do Rio Grande do Sul).

DECISÃO: O Relator da Apelação Reexame Necessário n.º 70011096161, no TJ-RS, em razão do não cumprimento pelo ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL de tutela antecipada que determinou o fornecimento de medicamentos à interessada, decidiu pelo bloqueio do valor do menor orçamento [R$ 1.074,63 - mil e setenta e quatro reais, sessenta e três centavos] em conta-corrente do ESTADO (fls. 34-36). O fundamento da decisão de bloqueio foi a "recalcitrância dos requeridos no cumprimento da decisão antecipatória da tutela" (fl. 34-verso). O ESTADO requer a suspensão dessa decisão sob o argumento de ofensa aos arts. 5º, II e 100, § 2º da CF e 730 do CPC. Sustenta, ainda, que a manutenção do bloqueio "implicaria ... grave prejuízo ao interesse e à saúde públicos" (fl. 3). Formula o pedido no art. 4º da Lei 8.437/92. O PGR opinou pelo não conhecimento do pedido (fls. 63-67). Síntese dos fatos. Ação ordinária, em 22.7.2004, para que o ESTADO e o MUNICÍPIO DE SOLEDADE fornecessem medicamentos à autora. Tutela antecipada deferida em 27.7.2004 (fl. 19). Sentença julga procedente o mérito em 25.10.2004 (fls. 44-49). Apelação do ESTADO em 30.11.2004 (fls. 50-60). Em 18.3.2005,

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petição da autora requerendo cumprimento da tutela (fl. 29). Em 31.3.2005, pedido deferido com bloqueio do valor do menor orçamento (R$ 1.074,63). É essa decisão que o requerente pretende suspender. Análise. O PGR sustenta a exigência do esgotamento de instância como pressuposto de conhecimento desta suspensão. Equivocado esse entendimento. Trata-se de liminar em desfavor do Poder Público. O REQUERENTE pode ajuizar pedido de suspensão de liminar ou interpor agravo nos termos do § 6º( ) do art. 4º da Lei 8.437/92. Afasto a preliminar. A causa tem fundamento constitucional (arts. 194, 195 e 196). Conheço do pedido. Examino a lesão à saúde pública. O REQUERENTE aduz: "............................. ... conforme informação publicada no Jornal Zero Hora do dia 21 de março de 2004, previa gastar no exercício entre R$ 120.000,00 e R$ 150.000,00, ou seja, mais de 25% do orçamento anual estadual da saúde, para o fornecimento de medicamentos excepcionais, em detrimento aos demais programas desenvolvidos pela Secretaria da Saúde. ............................." (fl. 3) E, ainda, que a "............................. ... escassa verba pública está sendo direcionada ao atendimento de poucos usuários, muitas vezes pessoas com condições financeiras privilegiadas, em prejuízo de muitos que efetivamente necessitam de atendimento hospitalar ou de fornecimento de medicamentos pelo Poder Público. ............................." (fl. 3) Tais alegações não prosperam. O REQUERENTE não demonstra objetivamente essa lesão. Inexistem elementos, nos autos, a fundamentar o alegado. Ademais, o bloqueio do valor de R$ 1.074,63 (mil e setenta e quatro reais, sessenta e três centavos), por ser irrisório, não causa grave lesão à saúde.

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O ESTADO, na verdade, utiliza o presente pedido como sucedâneo recursal, tanto que contesta o bloqueio do valor em sua conta-corrente, alegando ofensa aos arts. 2º; 5º, II; 100, § 2º, da CF que sequer foram invocados como fundamento da ação ordinária que discutiu os arts. 194, 195 e 196, da CF. O SUPREMO já decidiu que a suspensão não pode ser utilizada como sucedâneo de recurso( ). Decido. Ausentes os requisitos legais, indefiro o pedido de suspensão. Publique-se. Brasília, 22 de junho de 2005. Ministro NELSON JOBIM Presidente (STA 35/RS, Rel. Min. Nelson Jobim, j. 22/06/2005, DJ 28/06/2005, p. 00023, sendo requerente o Estado do Rio Grande do Sul).

Despacho Trata-se de agravo de instrumento contra decisão que negou seguimento a recurso extraordinário. O acórdão recorrido reafirmou decisão em que se determinou o fornecimento gratuito de medicamento em favor de pessoas hipossuficientes, bem como o bloqueio de valores. No RE, interposto com base no art. 102, III, a, da Constituição, sustentou-se a ilegalidade do bloqueio de valores por violação aos arts. 2º; 100, § 2º; e 167, II e VII, da mesma Carta. O agravo não merece acolhida. O acórdão recorrido está em harmonia com a jurisprudência da Corte no sentido de que não caracteriza violação ao princípio da separação dos poderes a possibilidade de controle judicial dos atos administrativos ilegais ou abusivos. Ademais, decidiu-se a questão com base na legislação ordinária. A afronta à Constituição, se ocorrente, seria indireta. Incabível, portanto, o recurso extraordinário (AI 597.182-AgR/RS, Rel. Min. Cezar Peluso; AI 604.949-AgR/RS, Rel. Min. Eros Grau; AI 507.072/MG,

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Rel. Min. Joaquim Barbosa). Nesse sentido, cito o acórdão da 2ª Turma desta Corte, no RE 271.286-AgR/RS, Rel. Min. Celso de Mello, assim ementado: "AIDS/HIV. DISTRIBUIÇÃO GRATUITA DE MEDICAMENTOS EM FAVOR DE PESSOAS CARENTES. LEGISLAÇÃO COMPATÍVEL COM A TUTELA CONSTITUCIONAL DA SAÚDE (CF, ART. 196). PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. - A legislação que assegura, às pessoas carentes e portadoras do vírus HIV, a distribuição gratuita de medicamentos destinados ao tratamento da AIDS qualifica-se como ato concretizador do dever constitucional que impõe ao Poder Público a obrigação de garantir, aos cidadãos, o acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde. Precedentes (STF). - O direito à saúde - além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas - representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por omissão, em censurável comportamento inconstitucional. O direito público subjetivo à saúde traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público (federal, estadual ou municipal), a quem incumbe formular - e implementar - políticas sociais e econômicas que visem a garantir a plena consecução dos objetivos proclamados no art. 196 da Constituição da República". Isso posto, nego seguimento ao recurso. Publique-se. Brasília, 1º de março de 2007. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI - Relator

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(AI 622703 / RS, Rel. MIN. RICARDO LEWANDOWSKI, j. 01/03/2007, DJ 16/03/2007, p. 00069, agravante o Estado do Rio Grande do Sul).

Despacho DECISÃO: Agravo de instrumento de decisão que inadmitiu RE, a, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul assim ementado (f. 20): "AGRAVO DE INSTRUMENTO. MEDICAMENTOS. BLOQUEIO DE VALORES. O bloqueio de valores, para assegurar a aquisição de medicamentos e equipamentos especializados encontra amparo no artigo 461, § 5º, do CPC, sendo tal dispositivo aplicado em qualquer das hipóteses em que haja risco de descumprimento da tutela antecipada, mesmo que no pólo passivo figure o Estado do Rio Grande do Sul. Agravo desprovido." Alega o RE violação dos artigos 2º; 100, § 2º; 167, II e VII; e 168, da Constituição. Decido. Inviável o RE. Os temas dos artigos 167, II; e 168 da Constituição Federal, dados por violados, em nenhum momento foram analisados pelo acórdão recorrido nem objeto de embargos de declaração: incidem, no ponto, as Súmulas 282 e 356. O art. 100, § 2o, da Constituição, não encerra disciplina que pudesse motivar a reforma do acórdão recorrido; o dispositivo somente seria invocável se se tratasse de pagamento mediante a expedição de precatório, o que não é o caso dos autos. A inadequação do dispositivo invocado é evidenciada pelos julgamentos do Tribunal nas reclamações apresentadas contra pronunciamentos judiciais que se fundamentaram no § 3A inadequação do dispositivo invocado é evidenciada pelos julgamentos do Tribunal nas reclamações apresentadas contra pronunciamentos judiciais que se

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fundamentaram no § 3o do art. 100 da Constituição, por violação ao que decidido na ADIn 1.662, Maurício Corrêa, RTJ 189/469, em que foram definidas as hipóteses que autorizam o seqüestro de verbas públicas em razão de preterição da ordem de precedência no pagamento de precatórios, v.g. Rcl 2.951, Ellen Gracie. Ademais, o acórdão recorrido dá efetividade ao texto constitucional, conforme a jurisprudência desta Corte, v.g. RE 271.286-AgR, 12.09.2000, 2ª T, Celso de Mello, DJ 24.06.1994: "...O DIREITO À SAÚDE REPRESENTA CONSEQÜÊNCIA CONSTITUCIONAL INDISSOCIÁVEL DO DIREITO À VIDA. - O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular - e implementar - políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, inclusive àqueles portadores do vírus HIV, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. - O direito à saúde - além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas - representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. A INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE TRANSFORMÁ-LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL

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INCONSEQÜENTE. O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro - não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado. DISTRIBUIÇÃO GRATUITA DE MEDICAMENTOS A PESSOAS CARENTES. O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes, inclusive àquelas portadoras do vírus HIV/AIDS, dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, caput, e 196) e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade. Precedentes do STF." Nego provimento ao agravo. Brasília, 26 de fevereiro de 2007. Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE – Relator (AI 635766/RS, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, sendo agravante o Estado do Rio Grande do Sul, j. 6/02/2007,DJ 13/03/2007, p. 00049).

DECISÃO: 1. Trata-se de agravo de instrumento contra decisão que, na origem, indeferiu processamento de recurso extraordinário interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul assim ementado: "AGRAVO DE

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INSTRUMENTO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. MEDICAMENTOS E SERVIÇOS DE SAÚDE. BLOQUEIO DE VALORES. Aplicabilidade de bloqueio de valores pelo juiz para assegurar o atendimento médico urgente a paciente necessitado, com o fornecimento de medicamentos e serviços, medida excepcional que se justifica pela relevância dos bens jurídicos em liça (vida e saúde). Menor onerosidade para o Estado do que a imposição de "astreintes". Inteligência do art. 461, §5º do CPC. Precedentes do STJ e desta Câmara. Decisão mantida. Negado seguimento ao agravo em decisão monocrática." No recurso extraordinário, o recorrente alega violação ao disposto nos arts. 5º,II, 100, ,§2º, 165 e 167, da Constituição Federal. 2. Inviável o recurso. Com efeito, os temas constitucionais agora suscitados não foram objeto de consideração no acórdão recorrido. Falta-lhes, assim, o requisito do prequestionamento, que deve ser explícito (súmulas 282 e 356). Ademais, o acórdão impugnado decidiu a causa com base só na interpretação da legislação infraconstitucional, de modo que eventual ofensa à Constituição Federal seria, aqui, apenas indireta. Ora, é pacífica a jurisprudência desta Corte, no sentido de não tolerar, em recurso extraordinário, alegação de ofensa que, irradiando-se de má interpretação, aplicação, ou, até, de inobservância de normas infraconstitucionais, seria apenas indireta à Constituição da República. 3. Ante o exposto, nego seguimento ao agravo (art. 21, § 1º, do RISTF, art. 38 da Lei nº 8.038, de 28.05.90, e art. 557 do CPC). Publique-se. Int.. Brasília, 09 de fevereiro de 2006. Ministro CEZAR PELUSO Relator AI 572782/RS, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 09/02/2006, DJ 21/02/2006, p. 00041, agravante o Estado do Rio Grande do Sul).”

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No caso, a medida foi concedida para impedir a violação do direito, pois como leciona Luiz Guilherme Marinoni3,

“Se o ordenamento jurídico afirma determinados direitos – como o direito à honra, o direito à imagem, o direito à higidez do meio ambiente etc. [entre eles também pode ser incluído o direito à saúde e à vida] –, e estes, por sua natureza, não podem ser violados, o legislador infraconstitucional está obrigado a predispor uma tutela jurisdicional capaz de impedir a prática do ilícito. Na verdade, se a existência do direito material, em nível de efetividade, depende da efetividade do processo, não há como se negar que a instituição de direitos que não podem ser tutelados através da técnica ressarcitória faz surgir, por conseqüência lógica, direito a uma tutela que seja capaz de evitar a violação do direito material.”

Continuo entendendo que, em saúde pública, a pessoa litiga contra a sociedade e não contra outra pessoa. Trata-se da justiça distributiva. Há que ter em vista realizar a justiça pública de saúde, não só individual, buscando-se um processo progressivo e permanente de construção do acesso.

Contudo, cuida-se de matéria delicada como é a do direito à saúde, que, em última análise, é garantia do direito à vida, assegurado primordialmente na Constituição Federal, como alicerce sobre o qual se constroem os demais direitos resguardados no art. 5º. Trata-se de implementar o estado democrático de direito pretendido pelo constituinte de 1988, explicitado já no preâmbulo da Constituição Federal. Tais direitos integram a dignidade da pessoa humana, que fundamenta a República, a qual se reconhece no

3 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo de Conhecimento. São Paulo: ed. Revista dos Tribunais, 3º edição revista, atualizada e ampliada, 2004, p. 487.

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dever de promover o bem de todos, de forma justa e solidária (art. 3º). O art. 196 da Constituição Federal também prevê os direitos à vida e à saúde como essenciais.

[...]

Lembre-se que o Estado, recebendo ordem judicial, pode dispensar licitação. Também o art. 24, inc. IV da Lei nº 8.666/93 o admite, quando impositivo em face da segurança de pessoas. O valor do remédio a ser adquirido não ultrapassa os limites previstos na Lei nº 8.666/93, se considerado necessário o certame (ver no momento). Nem aquele previsto no art. 87 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, na redação da Emenda Constitucional nº 37/02.

Não há ferimento às disposições orçamentárias que vinculam o ente público, aos art. 37, 165, 167 e 169 da Constituição, nem qualquer limitação do Poder Executivo pelo Poder Judiciário que fosse vedada pelo art. 2º, no que diz com o fornecimento em tela. Ao contrário, não se pode afastar o dever de atendimento ao art. 5º, inc. XXXV desse Diploma, precípuo do órgão julgador, que tem obrigação inafastável de prestar a jurisdição, tudo previsto constitucionalmente, cumprindo amoldar todas as disposições.

Na verdade, o exame de determinados atos públicos pelo Poder Judiciário, seguido de ordem compatível, não malfere o princípio constitucional da separação dos poderes. Consoante dicção de PEKELIS4:

“Uma atividade legislativa ou administrativa eficaz de modo algum é incompatível com o controle judiciário da própria atividade, [...] antes a coexistência equilibrada de tal atividade e de seu controle representa a essência mesma do regime constitucional.”

[...]

4 PEKELIS, Alessandro apud CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores. Porto Alegre: Fabris, 1999, p. 53.

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Pelo princípio da proporcionalidade, entendido por Willis Santiago Guerra Filho, nos seus Ensaios de Teoria Constitucional, como “um mandamento de otimização do respeito máximo a todo direito fundamental, em situação de conflito com outro ou outros, na medida do jurídico e faticamente possível”, solucionam-se essas situações de tensão e ultrapassa-se eventual veto legal. Percorrendo-se os passos indicados por Suzana de Toledo Barros5, constata-se que a conduta regulada pela legislação está contemplada no âmbito de proteção do direito fundamental, a disciplina estabelecida configura uma intervenção no âmbito de proteção do direito individual, não há autorização constitucional expressa para a restrição, identificando-se o conflito ou a colisão de direitos a justificar o estabelecimento de uma restrição, incumbindo analisar se a medida adotada é apta a atingir o fim proposto.

A função do princípio da proporcionalidade é ressaltada por PAULO BONAVIDES6:

“Uma das aplicações mais proveitosas contidas potencialmente no princípio da proporcionalidade é aquela que o faz instrumento de interpretação toda vez que ocorre antagonismo entre direitos fundamentais e se busca daí solução conciliatória, para a qual o princípio é indubitavelmente apropriado. As cortes constitucionais européias, nomeadamente o Tribunal de Justiça da Comunidade Européia, já fizeram uso freqüente do princípio para diminuir ou eliminar a colisão de tais direitos.”

O princípio, por seu conteúdo, se reporta a três subprincípios: a) da proporcionalidade em sentido estrito, ou máxima do sopesamento, b) da adequação e c) da exigibilidade, ou máxima do meio mais suave.

5 BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 1966, p. 177-9.

6 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, 9. ed., São Paulo: Malheiros, 2000, p. 386.

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Através deles, determina-se a correspondência entre o fim almejado por uma norma e o meio empregado, que deve juridicamente ser o melhor possível, dentro do faticamente possível, ou seja, o meio escolhido deve prestar-se para atingir o fim, mostrando-se adequado, não havendo outro, igualmente eficaz e menos danoso a direitos fundamentais.

Dessa forma, é cabível a determinação de bloqueio de valores, que só ocorrerá no caso de descumprimento da obrigação garantida na Constituição Federal e determinada pelo Magistrado. A medida, permitida pela Lei Adjetiva, servirá, conforme já dito, como meio de assegurar a ordem judicial. Se a execução contra a Fazenda exige o precatório, salvo hipóteses de requisição de pequeno valor, fazendo-se pelo modo do art. 730 do CPC, aqui não se cuida de execução, mas de meio sub-rogatório de obrigação ordenado judicialmente. Da mesma forma, não se versa alienação de bens ou penhora.

Feitas essas considerações, autorizei a continuidade do

bloqueio por dois meses, por tratar-se de caso de risco de vida, mostrando-

se esse período suficiente para ser feito novo requerimento administrativo a

quem competia alcançar o Ipratrópio, e, em caso de negativa de

fornecimento, o ajuizamento de nova ação, providência que entendi

justificada pela necessidade de se efetivar a responsabilidade solidária por

tempo adequado.

Tendo por cumprida a decisão, já transcorridos os dois meses

mencionados, ausente argumentação na resposta da agravada no que tange

a irresignação com essa medida específica, ou qualquer manifestação que

pudesse conduzir a outro entendimento, estou confirmando a permissão de

bloqueio com relação aos quatro primeiros medicamentos.

A medida é permitida pela Lei Adjetiva (art. 461, § 5º, do CPC)

e aplicável ao caso em tela.

Cumpre examinar, ainda, a entrega de valores para a aquisição

de medicamentos pelo particular na rede privada, se o Estado não cumprir a

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decisão monocrática, que se inclui na forma de execução da determinação

judicial.

Trata-se, mais uma vez, de examinar até qual ponto o

Judiciário pode aplicar o princípio da proporcionalidade em favor da vida e

da saúde, afastando as razões técnicas e concretas do Administrador. Isto

exige macrovisão da situação.

A entrega não corresponde ao terceiro subprincípio da

proporcionalidade, não versando o meio mais próprio e suave de afastar um

dos direitos envolvidos. O risco está na transferência da verba, sem que se

sigam critérios de custo-benefício, obtenção de preço inferior, reduzindo-se

os quantitativos a empregar em outros casos de saúde, que igualmente

devem ser atendidos.

Por essa razão, não se deve entregar o dinheiro à parte.

Oportunizam-se dez dias para que o Estado alcance os produtos

farmacêuticos que lhe compete, através da distribuidora vencedora do

certame por ele realizado, a qual se responsabilizou a entregar os fármacos

decorrentes de ordens judiciais em três dias, com desconto de 35% sobre o

preço de tabela para o pagamento à vista, meio mais suave à conciliação

dos direitos em pauta. A entrega deve ser comprovada pelo respectivo

Coordenador Regional em vinte e quatro horas. Não entregue à parte em

dez dias, prazo razoável para que se processem os mecanismos internos

necessários, por intimação no mesmo ato processual em que deferida a

liminar ou comunicada decisão sobre ela, desde logo ficará aquele

Coordenador pessoalmente obrigado à entrega nas seguintes 48 horas,

mediante prévia e imediata pesquisa de preços, quando deverá retirar o

valor necessário, adquirir o medicamento e disponibilizá-lo, prestando contas

em três dias nos autos. Anteriormente costumava deferir de imediato a

ordem de aquisição direta através da Coordenadoria Regional, que ocorreria

após pesquisa. Essa certamente não alcançaria as mesmas condições para

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o poder público que as obtidas mediante a licitação em pauta, informada

através de memoriais. De conseqüência, repercutiria em toda a coletividade,

como é da espécie.

A presente solução foi adotada pela Col. Vigésima Segunda

Câmara Cível quando do recente julgamento do Agravo de Instrumento nº

70019213222, na sessão de 31 de maio passado.

Outra solução não seria dada ao caso dos autos por este órgão

fracionário, o que se pode constatar dos seguintes precedentes:

SERVIÇO PÚBLICO DE SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. RELAÇÃO NACIONAL. LISTA DO GESTOR ESTADUAL DO SUS. BLOQUEIO. EXECUÇÃO DIRETA. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. LEI Nº 9.908/93. ENTREGA DE DINHEIRO. 1. Segundo a Constituição da República, o direito à saúde efetiva-se (I) pela implantação de políticas sociais e econômicas que visam à redução do risco de doenças e (II) pelo acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação, assegurada prioridade para as atividades preventivas. 2. O serviço público de saúde está sujeito a apenas um regime jurídico descentralizado no qual as ações e as atividades são repartidas entre os entes da Federação. 3. A distribuição dos medicamentos obedece à descentralização. Compete ao Estado do Rio Grande do Sul o fornecimento dos medicamentos excepcionais constantes da Portaria nº 2.577/06 do Ministério da Saúde e os especiais constantes da relação da Portaria nº 238, de 2006, da Secretaria Estadual da Saúde. Aos Municípios compete o fornecimento dos medicamentos essenciais constantes da Portaria 2.475/2006 do Ministério da Saúde (RENAME). 4. O artigo 100 da Constituição da República consagra a impenhorabilidade dos bens públicos e a impossibilidade de execução direta das rendas públicas ao subordinar o cumprimento das sentenças condenatórias à apresentação dos precatórios, conforme previsão orçamentária. 5. O deferimento de bloqueio de dinheiro público para efetivar o cumprimento de decisão judicial que ordenou o

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fornecimento de medicamento é medida excepcional, já que importa execução direta sobre as rendas públicas, devendo ser reservado a situações especialmente graves e urgentes. Recurso provido. Voto vencido. (Apelação Cível nº 70019316355, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relatora: Des.ª Maria Isabel de Azevedo Souza, j. em 10/05/2007).

FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS PELO ESTADO. SEQÜESTRO DE VERBA PÚBLICA. Segundo jurisprudência do STF, não se confundem o seqüestro em situação de descumprimento de sentença transitada em julgado e da ordem cronológica dos precatórios com o deferido em sede de liminar. O bloqueio de valores é meio alternativo adequado de garantir o cumprimento de determinação judicial, conforme o disposto no art. 461, §5º, do Código de Processo Civil. Em não sendo cumprida a obrigação estatal, revela-se medida alternativa necessária para conferir eficácia à decisão. ENTREGA DE DINHEIRO. Não se coaduna com os princípios de direito público entregar à parte interessada no tratamento a verba do ente público. Cabe ao Coordenador Regional da Saúde, mediante prévia e imediata pesquisa de preços, retirar o valor necessário, adquirir o medicamento e entregá-lo, prestando contas. AGRAVO PROVIDO EM PARTE. RELATORA VENCIDA. (Agravo de Instrumento nº 70018881367, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relatora Des.ª Rejane Maria Dias de Castro Bins, julgado em 19/04/2007).

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. SEQÜESTRO DE VERBAS PÚBLICAS. HIPÓTESE EXCEPCIONAL. PROTEÇÃO DO DIREITO À VIDA. LIMITES DA MEDIDA. A jurisprudência do Eg. Superior Tribunal de Justiça converge no sentido da licitude da constrição de ativos financeiros em contas públicas, quando indispensável para tornar efetiva a tutela do direito à vida. Todavia, não é possível entender que a ¿ordem de bloqueio¿ de tais verbas encerre autorização para subseqüente conversão em pagamento ¿ sem nenhuma contracautela, tanto em benefício do ex adverso, quanto do próprio paciente. AGRAVO PARCIALMENTE PROVIDO, POR MAIORIA. (Agravo

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de Instrumento nº 70017069956, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relatora Des.ª Mara Larsen Chechi, julgado em 22/03/2007).

AGRAVO DE INSTRUMENTO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. BLOQUEIO DE VALORES EM CONTA BANCÁRIA. POSSIBILIDADE. VEDAÇÃO DE ENTREGA DE NUMERÁRIO DIRETAMENTE À PARTE. Mostra-se adequada a determinação do alcance em dinheiro necessário para a aquisição do medicamento postulado, tendo em vista que visa compelir o Estado a cumprir a determinação judicial e ao mesmo tempo garantir a efetividade do provimento jurisdicional, observados os bens jurídicos constitucionalmente tutelados, no caso, o direito à vida e à saúde. Precedentes do TJRGS e STJ. Não se coaduna com os princípios de direito público entregar à parte interessada no tratamento a verba do ente público. Cabe ao Coordenador Regional da Saúde, mediante prévia e imediata pesquisa de preços, retirar o valor necessário, adquirir o medicamento e entregá-lo, prestando contas. Agravo de instrumento parcialmente provido, por maioria. (Agravo de Instrumento nº 70018480400, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Des. Carlos Eduardo Zietlow Duro, julgado em 12/04/2007).

Por tudo, a hipótese é de provimento parcial do agravo.

Para fins de prequestionamento, observo que a solução da lide

não passa necessariamente pela restante legislação invocada e não

declinada – arts. 2º, 5º, caput e inc. II, 100, §§ 2º e 3º, 167, incs. II, VII e VIII,

e 168 da Constituição Federal, 461, § 5º, do Código de Processo Civil, 67 e

756 do Código Civil –, seja especificamente, seja pelo exame do respectivo

conteúdo. Equivale a dizer que se entende estar dando a adequada

interpretação à legislação invocada pelas partes. Não se faz necessária a

menção explícita de dispositivos, consoante entendimento consagrado no

Eg. Superior Tribunal de Justiça, nem o Tribunal é órgão de consulta, que

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deva elaborar parecer sobre a implicação de cada dispositivo legal que a

parte pretende mencionar na solução da lide, uma vez encontrada a

fundamentação necessária.

PELO EXPOSTO, o voto é no sentido de dar parcial

provimento ao agravo.

DES.ª MARA LARSEN CHECHI

De acordo com a Relatora.

DES.ª MARIA ISABEL DE AZEVEDO SOUZA (PRESIDENTE)

A realização de despesa pelo Estado está sujeita às exigências

constitucionais e legais específicas.

De acordo com o inciso XXI do artigo 37 da Constituição da

República, “ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços,

compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que

assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que

estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta,

nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e

econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações”. O artigo 100

da Constituição da República consagra a impenhorabilidade dos bens

públicos e a impossibilidade de execução direta das rendas públicas ao

subordinar o cumprimento das sentenças condenatórias à apresentação dos

precatórios, conforme previsão orçamentária.

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Em princípio, portanto, afigura-se incabível o bloqueio de

dinheiro público para garantir a ordem de fornecimento de medicamento à

parte.

O Superior Tribunal de Justiça tem admitido o emprego desta

via para efetivar o cumprimento das ordens judiciais.

Deve, todavia, ser encarado como meio excepcional de

cumprimento de decisão judicial, já que importa execução direta sobre as

rendas públicas, destinando-se a situações especialmente graves e

urgentes.

Essa, contudo, não é a hipótese dos autos, em que se pede a

aquisição de fármacos (formoterol 12 mcg, budesonida 400 mcg, fenoterol,

ipratrópio e soro fisiológico) necessários ao tratamento da moléstia que

acomete a Agravada (asma – CID J 45.9).

Ante o exposto, rogando vênia à Eminente Relatora, dá-se

provimento ao recurso para sustar a ordem de bloqueio de valores.

DES.ª MARIA ISABEL DE AZEVEDO SOUZA - Presidente - Agravo de

Instrumento nº 70019197383, Comarca de Santa Maria: "POR MAIORIA,

DERAM PARCIAL PROVIMENTO, VENCIDA A DES.ª PRESIDENTE."

Julgador(a) de 1º Grau: VANDERLEI DEOLINDO Anf/