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PLURIATIVIDADE NA AGRICULTURA FAMILIAR: TECENDO RENDA E
(RE)CONSTRUÍNDO IDENTIDADE?
Lucivalda Sousa Teixeira e Dantas Membro do GEPRU
Universidade Federal do Sergipe - UFS [email protected]
Diana Mendonça de Carvalho
Membro do GEPRU Universidade Federal do Sergipe – UFS
Ramon Oliveira Vasconcelos Universidade Federal do Sergipe - UFS
Membro do GEPRU/UFS/CNPq [email protected]
José Eloizio da Costa
Universidade Federal do Sergipe - UFS [email protected]
Resumo O trabalho em tela tem como objetivo analisar a pluriatividade no espaço rural de Ribeirópolis com ênfase no artesanato confeccionado pelas mulheres na reprodução e permanência da família no espaço rural. Os pressupostos teóricos estão respaldados em autores interdisciplinares que discutem as questões relacionadas ao espaço rural, à agricultura familiar, a pluriatividade, gênero e identidade. A metodologia utilizada está pautada em dados secundários coletados em instituições de pesquisa, além de entrevistas e relato de experiências realizadas com artesãs cooperadas e não-cooperadas no povoado Serra do Machado. Resultados preliminares permitem constatar que diante dos desafios enfrentados no espaço rural algumas mulheres, de famílias agrícolas, ao entrar no mundo do trabalho acabam responsáveis pela reprodução, renda e permanência da família no campo, constroem identidade e buscam emancipação. Palavras-chave: Pluriatividade, Agricultura Familiar, Artesanato, Identidade, Gênero. Introdução
A diversidade do espaço rural brasileiro tem evidenciado mudanças expressivas nas
últimas décadas através de interações multissetoriais em diferentes escalas. O campo
deixa de ser estritamente agrícola ligado às atividades primárias. Cresce a combinação
de atividades agrícolas com não-agrícolas através de ocupações pluriativas presentes na
agricultura familiar.
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Diante dos desafios de reprodução e permanência no campo, as famílias sofrem
mudanças de perfil e possível transformação na relação de gênero, com a saída da
mulher para exercer atividade remunerada dentro e/ou fora da propriedade.
Diante dos impasses enfrentados na agricultura familiar algumas práticas tradicionais
são ressignificadas pelas famílias no espaço rural de Ribeirópolis, a exemplo da
confecção de artesanato. A combinação de múltiplas inserções produtivas por um
indivíduo ou uma família compõe fonte de renda de muitas pessoas residentes no
campo. Diante disso, adquire outras funções a partir de atividades que levam a uma
diversidade, ainda que desarticulada de formas de produção.
As formas de inserção das mulheres no mercado de trabalho em atividades não-
agrícolas fora da propriedade familiar começam a ganhar visibilidade. As relações
familiares e a diversificação das fontes de rendas na agricultura conduzem a perspectiva
de fixação e bem-estar social da família. No entanto, em diferentes contextos sociais há
evidências de desigualdades salariais e hierárquicas nas relações de poder entre homens
e mulheres em diferentes contextos sociais.
Diante disso, o artigo em tela tem como objetivo analisar a importância da atividade do
artesanato confeccionado pelas mulheres na reprodução e permanência da família no
espaço rural de Ribeirópolis/SE. Bem como a visibilidade do trabalho feminino na
sociedade e na construção da identidade.
Caracterização da área estudada
O município de Ribeirópolis está localizado na faixa centro-ocidental do Estado de
Sergipe perfazendo uma área de 263 Km², estando a sua sede a 75 km da capital do
estado, Aracaju. Localizado entre as faixas do agreste e do sertão, a uma altitude de 293
metros, o município apresenta características heterogêneas em uma faixa de transição
morfoclimática na qual se encontra a diversidade nas formas naturais do clima, relevo,
vegetação, hidrografia e solos. CPRM (Serviço Geológico do Brasil).
Parcialmente inserido na área do Polígono das Secas, apresenta um regime
pluviométrico marcado por extrema irregularidade de chuvas. Vale frisar que os
aspectos físicos interferem na produção, mas não determinam diretamente as safras. A
pequena propriedade geralmente na porção agreste do município, segundo JESUS
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(2006. P. 18) “caracterizam por pouca terra e não produz o suficiente para a sua
reprodução, necessitando complementar a renda familiar vendendo força de trabalho.”
No espaço rural de Ribeirópolis a agropecuária constitui uma importante atividade
desenvolvida no meio rural, mas não é a única fonte de renda para manutenção e
permanência das famílias no campo. A diversidade de realidades dos atores sociais
presentes nesse município demonstra a necessidade de investigá-las.
A indústria e o comércio tem registrado um crescimento no que se refere ao nível de
empregos e número de estabelecimentos distribuidos em espaços híbridos. A produção
agropecuária não perdeu espaço, visto que continua gerando a renda de algumas
famílias tanto da zona rural como urbana. A renda no meio rural passou a ter fontes
distintas evidenciadas no aumento de benefícios previdenciários e sobretudo no trabalho
feminino.
Parafraseando Doreen Massey (2000, p. 179), no espaço geográfico, muitos fatores
estão fortemente determinados pelas forças econômicas, mas não é só a acúmulo
material que defini “nossa experiência de espaço e lugar”. Nesse compasso, a cidade
atrai os serviços e o campo atrai as indústrias. Os setores secundário e terciário vêm
ganhando espaço no município empregando principalmente a população jovem.
Atualmente existem três fábricas em Ribeirópolis: uma indústria beneficiadora de
algodão, uma fábrica de calçados e uma fábrica de brinquedos instalada no povoado.
A pluriatividade na agricultura familiar brasileira
No Brasil, as discussões sobre a pluriatividade na agricultura familiar começaram,
sistematicamente, em meados da década de 90 com estudos de Schneider e Sacco dos
Anjos entre 1994 e 1995 na conjuntura sulista ao retrataram situações típicas de part
time farming praticadas por agricultores familiares do Brasil meridional.
Nos últimos anos, os estudos desenvolvidos sobre esse tema vêm ganhando espaço nos
projetos e trabalhos científicos acerca dos novos segmentos da agricultura e as
perspectivas de desempenho econômico como estratégia de reprodução social nas
unidades familiares.
Na segunda metade dos anos 90, o Projeto Rurbano, concebe um importante marco com
o desígnio de pesquisar as tendências de ocupação no meio rural brasileiro a partir das
análises dos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), do IBGE
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aproximando ao estudo da emergência do que se convencionou chamar de "novo rural
brasileiro".
Destarte, muitos autores têm debatido o significado deste "novo rural brasileiro", bem
como questionado se “a pluriatividade é um novo fenômeno ou um novo olhar sobre o
mesmo rural.” (LOPES, 2009). Graziano (2000) explica o termo “novo rural”
colocando-o entre aspas porque muitas dessas atividades, na verdade, são seculares no
país, mas não tinham até recentemente importância econômica. Sacco dos Anjos (2001)
entende o “novo rural” como a expressiva emergência e/ou ampliação de atividades não
agrícolas no campo nacional e da pluriatividade praticada pelos residentes no meio
rural.
Carneiro (1996) argumenta que a pluralidade tanto pode ser vista como um fenômeno
antigo, como recente. Estes tipos de rendimentos exteriores sempre estiveram presentes
na sociedade rural. Por outro lado, podemos considerá-los como aspecto recente "se
atentarmos para suas características específicas, decorrentes do contexto econômico e
social que as engendrou na atualidade" (Carneiro, 1996, p.94).
Diante das diferentes convicções sobre essa configuração do rural a pluriatividade surge
como uma estratégia de manutenção das famílias rurais no campo. Ao considerar a
pluriatividade como uma “nova perspectiva de reprodução social”, Carneiro (1996),
pautada em literatura nacional e internacional, discute a emergência de uma nova
categorial social a partir da articulação das unidades de produção com o sistema
nacional, de acordo com as condições de produção no nível local. Segundo Carneiro,
um dos traços característicos desse debate é sua interdisciplinaridade, que comporta
tanto uma perspectiva histórica quanto análises de economistas rurais, agrônomos,
geógrafos e sociólogos. Se a pluriatividade for entendida como um fenômeno que ultrapassa a necessidade de uma resposta à crise atual da agricultura, a tendência é considerar o pluriativo como embrião de uma nova camada social, “moderna”. Retomando H. Lamarche, essa nova categoria social se distinguiria das outras por ser portadora de um sistema de valores próprios, que não corresponde nem ao urbano nem ao rural. Assim, é por meio dela que se operam as grandes transformações da sociedade rural. (CARNEIRO, 1996)
Portanto, muitos autores que discutem as questões relacionadas à agricultura familiar e
o mundo rural na sociedade contemporânea consideram o fenômeno da pluriatividade
como uma categoria social. Assim, torna-se necessário compreender o conceito de
pluriatividade para se investigar a importância e as características das atividades
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pluriativas como instrumento de compreensão das transformações socioeconômicas
vigentes. O conceito de Pluriatividade permite a conjunção das atividades agrícolas com outras atividades que gerem ganhos monetários e não-monetários, independentemente de serem internos ou externos à exploração agropecuária. Isso permite considerar todas as atividades exercidas por todos os membros dos domicílios, inclusive as ocupações por conta própria, o trabalho assalariado e o não-assalariado, realizados dentro e/ou fora das explorações agropecuárias. ”(Graziano da Silva, 2000, p. 9).
Esse tipo de atividade praticada fora do domicílio rural denominada pluriatividade
refere-se, em linhas gerais, a situações em que os indivíduos que fazem parte desses
domicílios, buscam por atividades econômicas e produtivas não diretamente ligadas ao
cultivo da terra, ou seja, não exclusivamente agrícolas. A pluriatividade pode ser
entendida também, segundo Schneider (2001), como Uma estratégia de reprodução social da qual se utilizam as unidades agrícolas que operam, fundamentalmente, com base no trabalho da família, em contextos onde sua integração à divisão social do trabalho não decorre exclusivamente dos resultados da produção agrícola, mas, sobretudo, através do recurso às atividades não-agrícolas e mediante a articulação com o mercado de trabalho. Nesse sentido, o autor argumenta que, embora integradas ao ordenamento social e econômico, essas unidades familiares encontram espaços e mecanismos não apenas para subsistir, mas para se afirmar como uma forma social de organização do trabalho e da produção de características multivariadas. (SCHNEIDER, 2001, p. 32)
Em outros casos, a pluriatividade serve, ainda, para mostrar a transição da própria
função da agricultura. Segundo Mattei (2005), A pluriatividade se apresenta hoje como
um setor “plurifuncional”, que não deve ser analisado apenas pela sua eficiência
produtiva, mas também pela sua contribuição na preservação ambiental e na própria
dinamização do espaço rural. (MATTEI, 2005)
Nos estudos de Wanderley (1997), a pluriatividade é entendida como a prova da
capacidade de adaptação da agricultura familiar aos novos contextos sociais, sendo um
mecanismo pelo qual pode-se assegurar a permanência dessas famílias na agricultura e
no meio rural. Desse modo, Nascimento (2005) enfatiza que,
O termo pluriatividade se refere à análise das atividades realizadas, em adição à atividade agrícola stricto sensu, tais como o assalariamento em outras propriedades, o processamento de alimentos, outras atividades não agrícolas realizadas na propriedade, como o turismo rural e as atividades fora da fazenda, referentes ao mercado de trabalho urbano, formal ou informal. Enfim, trata-se, grosso modo, da combinação de atividades agrícolas e não agrícolas no interior da unidade familiar – dentro ou fora do estabelecimento. (NASCIMENTO, 2005, p. 8)
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Segundo Alentejano (1999) a pluriatividade é tida como a diversificação das formas de
organização na agricultura, com multiplicação de estratégias de produção dos
agricultores, incluindo o recurso a outras formas de atividades, seja assalariamento
urbano, transformação industrial ou artesanal da produção agrícola, seja o
desenvolvimento de atividades terciárias.
Diante das diversas abordagens e concepções teóricas acerca do entendimento da
pluriatividade na agricultura familiar é possível perceber há consenso entre os atores
citados sobre o fenômeno da pluriatividade, embora cada um defenda a abordagem de
acordo com suas matrizes teórica e métodos que podem ser aplicadas a realidades
distintas.
Procedimentos metodológicos
Segundo Milton Santos (2009), a técnica é “a principal forma de relação entre o homem
e a natureza” definida como “um conjunto de meios instrumentais e sociais, com os
quais o homem realiza sua vida, produz e, ao mesmo tempo, cria espaço.” (p.29). Torna-
se importante compreender que na organização do espaço esse conjunto de
“instrumentos”, denominado técnica, ao ser utilizado pela sociedade permite a relação
do homem com a natureza e com seu semelhante através da produção do trabalho
construindo e reconstruindo o espaço geográfico.
A pesquisa está estruturada em levantamento bibliográfico sobre as diversas abordagens
interdisciplinares que permitem entender o processo e a dinâmica do espaço rural.
Foram realizados estudos sobre as temáticas pluriatividade, agricultura familiar, gênero,
identidade, artesanato a partir referências teóricas basilares: Blay (2009), Bruschini
(1998), Castells (1999), Cruz (2002, 2005, 2009), Graziano da Silva (1996, 2000),
Giddens (2000), Guimarães (2001), Hirata (1999, 2010), Lopes (2009), Moreira (2007),
Nascimento (2005); Neves (2000), Schneider (1994, 1999, 2003, 2006), Teixeira
(2009), Veiga (2002).
A família rural constitui uma unidade de análise nessa pesquisa por ser considerada
uma instituição social capaz de acompanhar a dinamicidade das relações
socioeconômicas, políticas e culturais que possam retratar a pluriatividade. Chayanov
(1974) foi um dos primeiros estudiosos a estudar a organização interna das famílias
camponesas. Autores como Schneider (2003), Carneiro (1996), Del Grossi; Graziano
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da Silva (1998), Nascimento (2005) tem como unidade central em seus estudos a
família com uma abordagem direcionada ao estudo dos elementos internos da unidade
familiar.
Segundo Moreira (2007, p. 65) “De fato, a família constitui-se numa unidade analítica
para o estudo da pluriatividade, mas não deve ser o único elemento, porque a
pluriatividade e o desenvolvimento de atividades não-agrícolas incorporam variáveis
endógenas (família) e exógenas (contexto regional e local).
Com respaldo nesses autores, nas famílias agrícolas da comunidade Serra do Machado
foram estudadas as artesãs cooperadas e não-cooperadas por meio de entrevistas e
relato de experiências, por amostra aleatória.
Na realização da pesquisa de campo foram seguidos alguns pressupostos
metodológicos de Bruschini (1992, 1994) privilegiando os estudos qualitativos, as
histórias de vida e as pesquisas-participantes. Nessa fase foram entrevistadas nas
unidades familiares 16 artesãs vinculadas à cooperativa, 4 artesãs não cooperadas e 6
artesãs que deixaram o ofício para tornarem-se assalariadas no setor industrial.
Adotou-se como unidade de escala o município de Ribeirópolis com trabalho de campo
realizado no povoado Serra do Machado nas unidades familiares e Cooperativa das
Produtoras de Artesanato Serra do Machado. Vale frisar que a cooperativa conta com o
trabalho e presença de mulheres residentes em povoados circunvizinhos como Esteios,
João Ferreira e Fazendinha, além de artesãs do município de Moita Bonita/SE.
Adotou-se como variável metodológica a atividade do artesanato realizada por
mulheres do território batizado por elas como “A Grande Serra”. A organização do
espaço é determinada pela tecnologia, pela cultura e pela dinâmica da sociedade.
Atividades não agrícolas na reorganização do espaço rural de Ribeirópolis/SE
O espaço rural está submetido a mudanças socioespaciais, econômicas e culturais a
partir da composição de novas funções, novas relações de trabalho que implicam nas
relações de gênero. Portanto, em Ribeirópolis as famílias rurais produzem e
reorganizam o espaço construindo territorialidades a partir da socialização.
As mulheres, geralmente restritas aos espaços privados e ao cumprimento de tarefas
domésticas vivem um processo de simbiose ao incorporar novas ocupações, quase
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sempre fora de seus lares, mas sem abandonar práticas reminiscentes. Seja no setor
formal ou informal a presença da mulher é marcante e significativa.
Castells (1999), assume que a participação das mulheres nos espaços públicos é um
indicativo do enfraquecimento do patriarcalismo. Segundo o autor,
A entrada maciça de mulheres na força remunerada, de um lado, deve-se à informatização, interação em rede e globalização da economia e, de outro, à segmentação por gênero que aproveita de condições sociais específicas da mulher para aumentar a produtividade, o controle gerencial e, consequentemente, os lucros (CASTELLS, 1999, p. 194-197).
O poder patriarcal ainda presente na sociedade é questionado e refutado, sobretudo pela
presença das mulheres no mundo do trabalho. Parafraseando Gouveia (2003, p. 48), nas
famílias rurais, geralmente as mulheres, ao desenvolverem atividades não-agrícolas e
pluriativas estão buscando a emancipação e cidadania. Gouveia (2003) argumenta que,
Ainda que os dados apresentados não façam referência direta à dimensão da pluriatividade na agricultura familiar, pode-se fazer inferências sobre quem são as pessoas que, com mais frequência, atuam para além do especificamente agrícola, principalmente no contexto dos debates sobre o “novo rural” e os modos como outras dimensões econômicas – como serviços, turismo, artesanato, gastronomia e até mesmo um certo modo de vida – vêm sendo reforçadas nos discursos e políticas como alternativa eficaz para o desenvolvimento rural. (GOUVEIA, 2003, p. 46).
Para algumas gerações bordar e costurar eram atividades de laser de cunho cultural.
Hodiernamente, essa ocupação passa por um processo de ressignificação conquistando
caráter socioeconômico simbólico. Com a iniciativa da Fundação Pedro Paes
Mendonça, a Cooperativa das Produtoras de Artesanato Serra do Machado foi criada no
ano de 2004. Bordadeiras e costureiras do povoado e comunidades circunvizinhas foram
reunidas no prédio da antiga mercearia do Sr. Pedro Paes Mendonça onde dispunham de
máquinas de costura e outros equipamentos.
Anos depois foi construída, no povoado, a Galeria Serra do Machado transferindo a
cooperativa. A maioria das cooperadas expõem suas peças artesanais tanto na Galeria da
Serra como em um dos Shoppings de Aracaju, onde contam com uma loja para vendas,
outras mantêm um ateliê em sua própria residência.
O saber fazer é transmitido para as mais jovens que aprendem a bordar, fazer crochê,
pintar tecidos, costurar, criar bonecas de pano dentre outras atividades. A geração de
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meninas artesãs aprende a fazer as peças motivas na renda que pode ajudar a manter
alguns gastos sejam pessoais ou da própria família. Durante algumas entrevistas foi
comprovado que os rendimentos das jovens artesãs estudantes é difere substancialmente
do auferido pelas artesãs profissionais que passam parte do dia trabalhando em suas
criações e encomendas.
Para os atores sociais de Ribeirópolis, especialmente as mulheres o trabalho autônomo é
um desafio diário que precisa de empenho e dedicação. Embora ainda configure-se
como renda complementar, o artesanato praticado ao longo de gerações é ensinado pelas
artesãs mais velhas aos mais jovens mantendo a tradição e significado da cultura
popular.
Por meio de relatos de algumas artesãs pode-se constatar que, geralmente a técnica
desenvolvida pelas artesãs depende da criatividade individual, assim, cada uma é
responsável por todas as fases da produção da mercadoria. No entanto, o vínculo delas
constitui o fortalecimento da cooperativa e um sentimento de pertencimento e
identidade.
Na comunidade de Serra do Machado a identidade manifestada entre as pessoas que
vivem ou viveram parte da vida nesta localidade é algo significativo. A expressão “sou
da Serra” usada inclusive por pessoas que migraram há muitos anos pode ser entendido
como manifestação da identidade.
Segundo Tuan, os vestígios materiais e imateriais da cultura e economia de cada povo
revelam a sua topofilia, ou seja, “o elo afectivo entre a pessoa e o lugar ou ambiente
físico”(Tuan, 1980, p. 13).
Com a instalação de uma fábrica nacional de brinquedos no povoado Serra do Machado
há pouco mais de um ano muitas artesãs deixaram seus ofícios em busca do emprego
assalariado com regulamentação trabalhista. O setor industrial atrai mão de obra jovem,
sobretudo feminina, residente nos povoados e na zona urbana. Com funcionamento
contínuo, além de movimentar a economia do município a fábrica aumentou o fluxo de
transportes e migrações pendulares de funcionários residentes na cidade.
De acordo com informações obtidas em entrevista com um dos dirigentes da fábrica,
85% dos postos de trabalho estão ocupados pelo sexo feminino, entre 18 e 24 anos
residentes no município. De acordo com o dirigente entrevistado não é exigido
experiência profissional para ocupar alguns postos de trabalho na fábrica por isso a
maioria dos funcionários garantiu o primeiro emprego. Quanto à seletividade de gênero
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o entrevistado afirmou que não existe, haja vista que homens e mulheres ocupam
funções e recebem salários semelhantes. Porém, de acordo com as funcionárias
entrevistadas os homens que operam as máquinas tem salários diferenciado das
mulheres que ficam na produção de bonecas.
À luz dos dados transversais colhidos em pesquisas domiciliares, na cooperativa de
artesanato e na fábrica as informações foram articuladas. Os relatos de experiências das
artesãs demostraram que a princípio a maioria almeja um trabalho formal registrado em
carteira com todos os direitos usuais de seguridade social. Porém manter o vínculo
formal no “circuito relativamente mais protegido do mercado de trabalho”
(GUIMARÃES, 2001, p. 96) da localidade é uma tarefa desafiadora para as mulheres
que obtinham uma renda “razoavelmente equilibrada” com autonomia e flexibilidade de
tempo na cooperativa.
Um número significativo de artesãs empregadas na indústria, sobretudo aquelas que
aplicam a técnica do patchwork pediram demissão logo nos primeiros meses e voltaram
a confeccionar suas peças na cooperativa. A maioria das entrevistadas relatou ter origem
em família de pequenas propriedades agrícola. As atividades agropecuárias geralmente
são realizadas por seus pais ou cônjuges embora sejam pouco comercializados, visto
que a maioria dos produtos é consumida pela família.
O mapeamento das atividades realizadas pelas artesãs entrevistadas permite classificar o
setor de serviços e comércio como o mais ocupado por elas. Na cooperativa
identificamos artesãs com múltiplas técnicas desde práticas tradicionais como o crochê,
rendendê, tricô, ponto cruz a técnicas modernas como os bordados de fitas, apliques em
petchwork, confecção de bonecas e enxovais. Algumas são cabeleireiras, comerciantes,
funcionárias públicas, operárias dentre tantas outras profissões.
A maioria afirmou que mesmo com a inserção no mercado de trabalho continua
responsável pelas tarefas domésticos da família. Corrobora-se com Cruz (2009) ao
afirmar que, “as mulheres ainda carregam a total responsabilidade do trabalho doméstico, no
âmbito da família, executam as tarefas cotidianas, os cuidados e a educação das crianças, de tal
forma que o cotidiano daquelas que trabalham ainda está marcado no mínimo por uma tripla
jornada de trabalho.” (CRUZ, 2009, p. 113)
Resultados preliminares
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As discussões fomentadas neste trabalho permitem enfatizar que a pluriatividade e a
inserção de mulheres no mercado de trabalho constituem marcos importantes para se
pensar o desenvolvimento rural.
Com a criação da Cooperativa das Produtoras de Artesanato Serra do Machado, nos
últimos anos o artesanato ganha visibilidade e mercado. As mulheres rurais produtoras
dessa arte ao auferir renda constituem estratégias de reprodução e permanência das
famílias agrícolas no espaço rural confirmando a redução das migrações rurais.
Face às mudanças estruturais e conjunturais presentes no espaço rural, a pluriatividade
presente na agricultura familiar ganha visibilidade, todavia não é a única possibilidade
para proporcionar o desenvolvimento rural. Portanto, políticas públicas devem ser
elaboradas de modo a contemplar as diversidades locais, territoriais e regionais.
Os resultados obtidos no trabalho de campo articulado aos paradigmas teóricos
alicerçados ao longo da pesquisa permitem romper definitivamente com a visão de um
rural estritamente agrícola e setorial. Imerso nas brumas do tempo entre o tradicional e
o moderno o espaço rural torna-se plural e heterogêneo, portanto passa a incorporar
outras funções e deve ser visto além do agrícola, ou seja, há uma multiplicidade de
atividades, ocupações e atores que configuram o território.
Diante disso, a população adquire aos poucos alguns hábitos urbanos no convívio entre
o tradicional e o moderno num processo dialético de perda e (re)construção de
identidade que merece uma investigação aprofundada.
No âmbito das questões relacionadas à produção do espaço é possível compreender a
pluriatividade como um fenômeno revestido de novas dinâmicas, novas funções, novos
atores presentes nas famílias agrícolas responsáveis pela reorganização do espaço e seus
territórios capazes de gerar renda e construir identidade.
Entre o percurso da cooperativa e o chão da fábrica mulheres tecem suas histórias em
busca de remuneração própria, fora da unidade de produção familiar, para compensar a
falta de renda oriunda da agricultura e, sobretudo, para neutralizar as relações desiguais
de gênero. De fato, as mulheres entrevistadas revelaram que com o trabalho externo,
embora pouco remunerado é uma conquista almejada por aquelas que continuam
desempregadas. A maioria das artesãs relataram que contribuem com a renda e
gerenciamento, embora o homem, seja na figura do pai ou esposo, continue sendo o
chefe da família, poucas são as exceções.
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Quanto ao papel das mulheres, sobretudo artesãs, evidencia-se que o trabalho não-
agrícola remunerado contribuem de forma significativa no orçamento doméstico,
embora a maioria não responda como chefe da família.
A partir dos relatos registrados nas entrevistas percebe-se que algumas mulheres através
da entrada e permanência no mercado de trabalho conquistam, gradualmente, alguns
avanços rompendo velhas dicotomias e divergências dos resquícios patriarcais.
A contribuição das mulheres artesãs no espaço rural de Ribeirópolis demonstra
conquistas de atitudes modernas em espaços públicos e, possivelmente, a construção de
identidade a partir da valorização de práticas tradicionais. Corroborando com Giddens,
“a tradição continua a florescer em toda parte em versões diferentes”. (GIDDENS,
2000, p. 53).
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