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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
ESCOLA DE ARTES, CIÊNCIAS E HUMANIDADES
USO DE INDICADORES DE SUSTENTABILIDADE NA GESTÃO
MUNICIPAL: ANÁLISE DA APLICABILIDADE DO DASHBOARD OF
SUSTAINABILITY
GUSTAVO DA COSTA MEYER
JULIANA YURI NAKAYAMA
Orientadora: Profa. Dra. Helene Mariko Ueno
Trabalho apresentado como
requisito da disciplina ACH1088-
Projeto de Formatura II do curso
Bacharelado em Gestão Ambiental.
SÃO PAULO
JULHO/2012
USO DE INDICADORES DE SUSTENTABILIDADE NA GESTÃO
MUNICIPAL: ANÁLISE DA APLICABILIDADE DO DASHBOARD OF
SUSTAINABILITY
GUSTAVO DA COSTA MEYER
JULIANA YURI NAKAYAMA
Orientadora: Profa. Dra. Helene Mariko Ueno
Trabalho apresentado como
requisito da disciplina ACH1088-
Projeto de Formatura II do curso
Bacharelado em Gestão Ambiental.
SÃO PAULO
JULHO/2012
Dedicamos este trabalho aos
nossos pais e irmãos, os quais nos
dedicaram todo o amor e carinho e
que foram nossas colunas de
sustentação e abrigo em meio à
tormentas e tempestades.
AGRADECIMENTOS
Gustavo da Costa Meyer
Estes não são agradecimentos somente por este trabalho, mas sim, por um ciclo que se
encerra juntamente com este.
Aos meus pais e irmãos, por todo suporte e apoio que me deram no decorrer da graduação e
no desenvolvimento deste trabalho, sempre com palavras de carinho e incentivo, mesmo quando eu
não as merecia.
A todos os meus amigos queridos, aqueles que ainda vejo com frequência e aos que, apesar
do distanciamento, sempre se encontram presentes de algum modo, não citando-os pelo risco e pela
injustiça de me esquecer de algum deles. Em especial, à minha amiga Juliana Yuri Nakayama, que
me aguentou durante toda a graduação e no decorrer deste trabalho, por estar em importantes
reuniões nas quais eu não pude comparecer e por, apesar de todos os (des)caminhos que a
graduação e esta pesquisa seguiram, sempre se manter firme e tranqüila, muito mais do que eu
consegui.
À nossa orientadora e amiga Professora Helene Mariko Ueno, pelo incentivo, assistência e
paciência ao longo do desenvolvimento do presente estudo, sempre solícita para o esclarecimento
de dúvidas e oferecendo sugestões que enriqueceram nosso trabalho. Além disso, não poderia deixar
de ressaltar seu lado humano, sempre nos tratando com educação, com respeito e, principalmente,
de maneira horizontal.
Ao professor André Felipe Simões por dispor de seu tempo para avaliar nosso trabalho.
Por fim, mas não menos importante, ao professor Evandro Mateus Moretto, que nos auxiliou
no delineamento de nosso projeto com orientações de grande valor e indicação do caminho que
deveríamos seguir.
Juliana Yuri Nakayama
Espero poder expressar ao menos uma parte da minha gratidão por todos que, de alguma
forma, me ajudaram durante todos esses anos e peço desculpas por colocar em meras palavras o que
é indizível.
Agradeço aos nossos queridos professores Evandro Mateus Moretto, que, mesmo com a
agenda lotada, dispunha de seu tempo para nos ajudar e guiar na elaboração deste trabalho, e André
Felipe Simões, que, mesmo com inúmeros trabalhos, abdicou de seu tempo e aceitou examinar
nosso trabalho.
À nossa amiga e professora Helene Mariko Ueno, que deu sentido à palavra orientadora, ao
nos guiar em cada passo que dávamos sem tirar nossa autonomia, dando-nos a liberdade de
discutirmos cada ponto, cada caminho que queríamos seguir, de igual para igual, se preocupando
não apenas com nosso trabalho, mas com nosso bem-estar. Agradeço, particularmente, por
reacender, em cada aula de epidemiologia e toxicologia, minha paixão pela área da saúde e pelas
inúmeras caronas, que confesso, nem sempre precisava, mas pela companhia, aceitava.
Aos meus amados amigos Ariane, Bruna, Evelyn, Gustavo, Júlio, Marcel, Mariana, Melissa,
Sâmia, Sara e tantos outros que conheci nesses anos de graduação, pelos momentos em que
choramos, rimos e choramos de rir juntos. Pelas festas-surpresas (não tão surpresa assim), viagens,
emails e sms. Sem vocês, esses quatro (?) anos de graduação teriam sido realmente monótonos e
sem cor. Entretanto, é necessário que dentre todos, eu ressalte meus agradecimentos ao Gustavo da
Costa Meyer, que foi muito mais que um parceiro para elaboração deste trabalho. Foi um amigo,
que me ouvia o tempo todo e um irmão, que puxava minha orelha de vez em quando. Obrigada por
me aturar durante todo esse tempo e por toda essa alegria de viver...
A todos da minha família, avós, tios, tias, primos e primas. Mas principalmente ao meu pai,
Jorge, e minha irmã, Natália, por serem a maior família que alguém poderia ter. Embora muitas
vezes sejamos apenas nós três, vejo vocês se multiplicarem em mil todos os dias, principalmente
durante a execução deste trabalho, para que nenhuma falta seja sentida. Obrigada pelo apoio, amor e
paciência!
E por fim, mas mais importante, ao Senhor Jesus, pelo Seu sacrifício por mim, por ser minha
verdadeira fortaleza e refúgio e sem o qual eu não teria tantas pessoas maravilhosas para agradecer.
Gustavo da Costa Meyer
A minha raiva, minha justa ira, se funda na minha revolta em
face da negação do direito de ―ser mais‖ inscrito na natureza
do seres humanos. Não posso, por isso, cruzar os braços
fatalistamente diante da miséria, esvaziando, desta maneira,
minha responsabilidade no discurso cínico e ―morno‖, que
fala da impossibilidade de mudar porque a realidade é
mesmo assim. O discurso da acomodação ou de sua defesa,
o discurso da exaltação do silêncio imposto de que resulta a
imobilidade dos silenciados, o discurso do elogio da
adaptação tornada como fado ou sina é um discurso negador
da humanização de cuja responsabilidade não podemos nos
eximir.
(Paulo Freire, pedagogia da autonomia)
Juliana Yuri Nakayama
A esperança sabe que, se forem evitadas as grandes
provações, os grandes feitos permanecem por fazer e aborta-
se a possibilidade de a alma ser grande."
(Brennan Manning)
RESUMO
Com a discussão sobre desenvolvimento sustentável, na II Conferência Mundial das Nações Unidas
para o Meio Ambiente e Desenvolvimento em 1992, fez-se necessária a elaboração de indicadores
do desenvolvimento sustentável para aferir os progressos obtidos em relação à sustentabilidade.
Propõe-se analisar dois sistemas de indicadores: o PEIR e o Dashboard of sustainability visando
identificar as convergências, divergências e complementaridades entre eles e discutir sua
aplicabilidade conjunta na gestão em escala municipal. O estudo levantou as principais
características conceituais e metodológicas dos dois sistemas de indicadores para elaborar uma
matriz comparativa entre eles. Para tanto, efetuou-se uma busca na base de dados do Sistema
Integrado de Bibliotecas da Universidade de São Paulo (SIBi/USP), Biblioteca Virtual em Saúde
(BVS) e PubMed, da US National Library of Medicine para revisão da literatura, além de uso do
software livre The Dashboard of Sustainability. Discutiu-se sobre a crise ambiental e o
desenvolvimento, retomando conceitos da economia neoclássica e economia ecológica, buscando
identificar o marco conceitual que fundamente cada sistema de indicadores analisado. Observou-se
que os dois sistemas de indicadores compartilham basicamente o mesmo marco conceitual e
analisam não somente a dimensão ambiental, mas a socioeconômica e institucional. Apesar de
divergirem na forma de tratamento de dados, os sistemas podem se complementar e serem aplicados
na gestão local, contribuindo, ainda, para a participação pública nas tomadas de decisões. Para
estudos futuros, sugere-se que seja realizada a aplicação dos dois modelos no município de São
Paulo para verificar, na prática, a aplicabilidade constatada na revisão metodológica.
Palavras-chave: Indicadores de sustentabilidade, Dashboard of sustainability, PEIR.
ABSTRACT
In response to the discussion on sustainable development at the United Nations Conference on
Environment and Development in 1992, the creation of sustainable development indicators was
needed to measure progress towards sustainability. We analyze two systems of indicators: PSIR and
Dashboard of sustainability in order to identify the convergences, divergences and
complementarities between them and to discuss their applicability in the management at the
municipal level. This study describes the main conceptual and methodological characteristics of the
two systems of indicators in order to compare them. For this purpose, we performed a search in the
database of the electronic library system of the Universidade de São Paulo (Sistema Integrado de
Bibliotecas da USP), Virtual Health Library (Biblioteca Virtual em Saúde), and the database
PubMed, by the U.S. National Library of Medicine to review the literature, relevant institutional
websites and the free software The Dashboard of Sustainability. We discussed about the
environmental crisis and development, resuming concepts of neoclassical economic and ecological
economic, identifying the conceptual framework of each system of indicators. It was observed that
the two systems of indicators share basically the same conceptual framework and they analyze not
only the environmental dimension, but also the socioeconomic and the institutional dimensions too.
In despite of the systems diverging about data processing, they can complement each other and can
be applied in local management, contributing to public participation in decision making. For future
studies, we suggest a case study of São Paulo city to verify, in practice, the applicability found in
the methodological review.
Descriptors: Sustainability indicators, Dashboard of Sustainability, PSIR.
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO .......................................................................................................................................... 1
2. JUSTIFICATIVA ....................................................................................................................................... 2
3. OBJETIVOS ............................................................................................................................................... 4
3.1. OBJETIVO GERAL .............................................................................................................................. 4
3.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS ................................................................................................................. 4
4. CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS .............................................................................................. 4
5. REFERENCIAL TEÓRICO ..................................................................................................................... 5
5.1 REFLEXÕES QUANTO À CRISE AMBIENTAL ................................................................................ 6
5.2 REFLEXÕES SOBRE A CRISE AMBIENTAL: FALÁCIAS E CONCEITOS DE
DESENVOLVIMENTO............................................................................................................................. 11
5.3 INDICADORES DE SUSTENTABILIDADE ..................................................................................... 15
6. RESULTADOS E DISCUSSÃO .............................................................................................................. 20
6.1 O DASHBOARD OF SUSTAINABILITY E O PEIR ......................................................................... 20
6.2 O DASHBOARD OF SUSTAINABILITY .......................................................................................... 21
6.2.1 Aspectos históricos ........................................................................................................................ 21
6.2.2 Aspectos teóricos e conceituais ..................................................................................................... 22
6.3 O PEIR ................................................................................................................................................. 32
6.3.1 Aspectos históricos ........................................................................................................................ 32
6.3.2 Aspectos teóricos e conceituais ..................................................................................................... 33
6.4 DASHBOARD OF SUSTAINABILITY E PEIR: ASPECTOS COMPARATIVOS ........................... 40
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................................... 45
8. REFERÊNCIAS ....................................................................................................................................... 47
SIGLAS UTILIZADAS
ANS – Adjusted Net Saving (Poupança Líquida Ajustada)
BVS – Biblioteca Virtual em Saúde
CFC – Clorofluorcarboneto
CGSDI – Consultative Group on Sustainable Development Indicators
CSD – Commission on Sustainable Development (Comissão de Desenvolvimento Sustentável)
DBO – Demanda Bioquímica de Oxigênio
DS – Dashboard of Sustainability
EEA – European Environment Agency (Agência Ambiental Europeia)
EPI – Environmental Performance Index (Índice de Desempenho Ambiental)
ESI – Environmental Sustainability Index (Índice de Sustentabilidade Ambiental)
FMPEIR – Força Motriz-Pressão-Estado-Impacto-Resposta
FMPER – Força Motriz-Pressão-Estado-Resposta
GEO – Global Environment Outlook
GPI – Genuine Progress Indicator (Indicador de Progresso Genuíno)
IDH – Índice de Desenvolvimento Humano
IISD – International Institute for Sustainable Development (Instituto Internacional para o
Desenvolvimento Sustentável)
ISEW – Index of Sustainable Economic Welfare (Índice de Bem-estar Econômico Sustentável)
ISIC – International Standard Industry Classification
IUCN – International Union for Conservation of Nature (União Internacional para a Conservação
da Natureza)
JRC – Joint Research Center
MDG – Millennium Development Goals (Metas de Desenvolvimento do Milênio)
MEW-S – sustainable measure of economic welfare (Medida de Bem-estar Econômico Sustentável)
OECD – Organisation for Economic Cooperation and Development (Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico)
ONU – Organização das Nações Unidas
PEIR – Pressão-Estado-Impacto-Respostta
PER – Pressão-Estado-Resposta
PIB – Produto Interno Bruto
PNB – Produto Nacional Bruto
PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
PNUMA – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
SDI – Sustainable Development Index (Índice de Desenvolvimento Sustentável)
SIBi/USP – Sistema Integrado de Bibliotecas da Universidade de São Paulo
STAMP – Sustainability Assessment and Measurement Principles
UN CSD – United Nations Commission on Sustainable Development (Comissão de
Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas)
UNECE – United Nations Economic Commission for Europe
EUROSAT – European Union's Statistical Office
1
1. INTRODUÇÃO
Em 1992, durante a II Conferência Mundial das Nações Unidas para o Meio Ambiente e
Desenvolvimento, também conhecida como Eco-92, representantes de 176 países discutiram a
respeito da degradação ambiental crescente e seus impactos sobre a sociedade. Dentre os diversos
acordos firmados nesse encontro, um dos mais importantes foi a Agenda 21, um documento
estratégico com ações a serem adotadas global, nacional e localmente para modificar os padrões de
produção e consumo, de forma a atender as necessidades da humanidade sem comprometer as
futuras gerações.
Assim, a Agenda 21 incorporou o conceito de desenvolvimento sustentável, citado pela
primeira vez em 19801, e consagrado após a publicação do Relatório Brundtland, em 1987, quando
as discussões acerca do meio ambiente integraram questões ecológicas, fatores econômicos e
sociais, e projeções para as gerações futuras (COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE
E DESENVOLVIMENTO, 1991).
A Agenda 21 estabeleceu compromissos para o século XXI, que abrangem temas como
biodiversidade, recursos hídricos, educação e habitação, e é utilizada em discussões de políticas
públicas em todo o mundo, inspirando ações locais visando um crescimento econômico atrelado à
qualidade do desenvolvimento social e ambiental. Além disso, em seu capítulo 40, fica clara a
necessidade de se estabelecer indicadores de desenvolvimento sustentável:
―(...)É preciso desenvolver indicadores do desenvolvimento sustentável que sirvam de
base sólida para a tomada de decisões em todos os níveis e que contribuam para uma
sustentabilidade auto-regulada dos sistemas integrados de meio ambiente e
desenvolvimento.‖ (UNCED, 1992, p. 365)
Indicadores são ferramentas para representação da informação, permitindo organizar,
sintetizar e utilizar informações que auxiliem no planejamento, estabelecimento de metas e controle
de desempenho, viabilizando, desse modo, a análise de decisões estratégicas e a tomada de decisão;
assim, os indicadores possibilitam também a visualização das tendências através do tempo
(KLIGERMAN et al., 2007).
Como uma das respostas às ações propostas na Agenda 21, em 1995, o Programa das Nações
Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) criou o projeto Global Environment Outlook (GEO) para
avaliar o estado do ambiente em escalas global, nacional e local (GEO MANAUS, 2002). A partir
1 Ver a publicação World conservation strategy: living resource conservation for sustainable development (1980),
elaborada pela International Union for Conservation of Nature and Natural Resources – IUCN, com a cooperação do
Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente – PNUMA, World Wildlife Fund – WWF, Food and Agriculture
Organization – FAO e United Nations Educacional, Scientific and Cultural Organization – Unesco.
2
desse projeto, foram elaborados alguns relatórios municipais, os quais buscaram, além da avaliação
do estado do meio ambiente, o fornecimento de informações sobre os municípios de uma maneira
facilmente compreensível, tanto para gestores de políticas públicas quanto para a população em
geral. Os relatórios basearam-se na metodologia PEIR (Pressão-Estado-Impacto-Resposta),
proposto pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD –
Organisation for Economic Cooperation and Development) em 1993, que originalmente não incluía
o fator ―impacto‖ socioambiental.
Além da metodologia PEIR, outros indicadores de sustentabilidade vem sendo propostos
desde a década de 70, sendo que o desenvolvimento e a utilização destes sofreram forte expansão
após o estabelecimento da Agenda 21. As metodologias variam de acordo com o conceito de
sustentabilidade ou dimensão avaliada, assim como o uso que se pretende com o indicador.
Para VEIGA (2010) e GUIMARÃES e FEICHAS (2009), apesar da proposição de diversos
indicadores de sustentabilidade, não surgiu e dificilmente surgirá um indicador que possa capturar
toda a complexidade da realidade, de modo a revelar simultaneamente o grau de sustentabilidade
socioeconômica de uma região e de qualidade de vida de uma população, independentemente da
escala tratada. No entanto, a aplicação de indicadores diferentes em uma mesma localidade pode
sistematizar informações complementares, subsidiando de forma mais abrangente e completa a
tomada de decisões.
No caso específico da gestão municipal, foco deste trabalho, a comparação das informações
geradas pelo modelo PEIR com informações geradas por outro sistema de indicadores pode
contribuir, portanto, para uma melhor gestão das cidades.
Um dos sistemas de indicadores de sustentabilidade desenvolvidos durante a década de 90
foi o Dashboard of Sustainability (DS), destacado por especialistas em indicadores de
sustentabilidade como uma das principais ferramentas de avaliação da sustentabilidade (BELLEN,
2005).
Assim, a pergunta que norteou este trabalho foi a seguinte: A aplicação do DS pode
complementar as informações fornecidas pelo modelo PEIR, visando contribuir para a gestão
municipal?
2. JUSTIFICATIVA
A expansão desordenada das metrópoles brasileiras acarretou problemas ambientais e
sociais, visto que o rápido aumento populacional não foi proporcionalmente acompanhado por
ofertas de emprego e habitação, o que levou os novos habitantes das metrópoles a se instalarem em
3
regiões periféricas, com infraestrutura precária, levando a pressão e degradação dos suportes
ambientais das metrópoles. Além disso, muitas dessas regiões já possuíam passivos ambientais
anteriores ao estabelecimento dessas novas comunidades, conseqüência de terem abrigado
instalações industriais sem as devidas precauções ambientais; tais indústrias, ao se transferirem para
outros locais, deixaram externalidades negativas para os indivíduos que viriam a se instalar nessas
regiões.
Neste contexto, torna-se fundamental o uso de indicadores que permitam uma avaliação
integral da situação municipal, tendo em vista que é em escala local que os problemas realmente são
percebidos e sentidos pelos indivíduos. Tal avaliação permite a identificação de problemas
prioritários, o estabelecimento de metas e auxilia na escolha de medidas preventivas e corretivas
mais adequadas à realidade local.
Desta forma, o uso de indicadores de sustentabilidade pode proporcionar subsídios para o
entendimento da situação das cidades, não somente por parte de órgãos públicos, mas também por
parte das comunidades, emponderando-as e permitindo a elaboração de políticas públicas
condizentes com a realidade do local, tornando possível um prognóstico de desenvolvimento mais
justo, que seja social, ambiental e economicamente sustentável. Logicamente, para que tais
objetivos não se tornem vazios de conteúdos, somente a elaboração e o acesso às informações e
dados municipais não é o suficiente, porém, essa é uma condição fundamental para que demais
ações sejam tomadas.
Como já foi destacado na introdução deste trabalho, o modelo PEIR foi utilizado para
diagnosticar a situação atual (em termos socioambientais e econômicos) de alguns municípios,
brasileiros ou não. No entanto, a hipótese é que outros sistemas de indicadores, como o DS, podem
enriquecer e complementar os quadros revelados pelo sistema PEIR, contribuindo para a gestão
municipal.
A escolha do DS justifica-se pelo seu destaque por especialistas como uma das principais
ferramentas de avaliação da sustentabilidade, em conjunto com a Pegada Ecológica (Ecological
Footprint Method) e com o Barometer of Sustainability (BELLEN, 2005). Além disso, o DS é
multidimensional (e.g, a Pegada Ecológica se limita à dimensão ecológica), e disponibiliza
ferramentas gráficas que facilitam o tratamento dos dados e a visualização das informações por
parte dos tomadores de decisão, de forma inteligível para a sociedade. Segundo SCIPIONI et al.
(2009), o DS colabora com a definição de uma nova política de desenvolvimento sustentável,
apontando os pontos fortes e fracos da política de desenvolvimento local atual, possuindo um banco
de dados flexível, que possibilita a escolha e adequação de indicadores para a realidade que se quer
abordar.
O projeto inicial visava simular a aplicação dos sistemas de indicadores para o município de
4
São Paulo. Contudo, devido a dificuldades operacionais na obtenção dos dados para os prazos
estabelecidos no âmbito da disciplina, esse objetivo mostrou-se inviável, razão pela qual, optamos
pela discussão teórica mais ampla sobre os modelos.
3. OBJETIVOS
3.1. OBJETIVO GERAL
Analisar a aplicabilidade do sistema de indicadores do Dashboard of Sustainability em
escala local (gestão municipal), em comparação com o modelo PEIR, visando a discussão do uso
complementar desses dois sistemas de indicadores.
3.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS
Caracterizar os modelos PEIR e DS.
Identificar convergências, divergências e complementaridade de informações fornecidas
pelo modelo PEIR e pelo sistema DS.
Discutir a aplicabilidade do uso de indicadores de sustentabilidade na gestão pública
municipal, assim como a apropriação das informações geradas por tais indicadores pela
sociedade em geral.
4. CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS
Tendo como um dos focos de análise a discussão sobre o uso de indicadores de
sustentabilidade na gestão pública municipal, esta pesquisa se baseou em modelos teóricos de
mensuração do desenvolvimento sustentável, em suas características conceituais e metodológicas,
buscando-se a comparação entre dois sistemas de indicadores de sustentabilidade.
Dessa forma, mais especificamente, o estudo sobre as bases teóricas e de funcionamento do
modelo DS e do PEIR implicou a pesquisa de documentos elaborados pelos institutos e
pesquisadores que idealizaram tais sistemas de indicadores de sustentabilidade. A posterior análise
dos referenciais teóricos e práticos que sustentam os dois modelos, de forma comparativa, com o
intuito de identificar e analisar seus atributos convergentes, divergentes e complementares, serviu
como subsídio para uma discussão mais ampla acerca do papel e uso, de forma integrada, desses
sistemas de indicadores de sustentabilidade na gestão municipal.
Para analisar e comparar as características do DS e do PEIR foi elaborada uma matriz
5
comparativa contendo as questões teóricas e conceituais dos sistemas de indicadores, bem como
suas abordagens ou forma de tratamentos dos dados, que será apresentado nos resultados.
A pesquisa envolveu, portanto, revisão da literatura e uso do software livre The Dashboard
of Sustainability2. A revisão da literatura foi realizada nas bases de dados bibliográficos disponíveis
no Sistema Integrado de Bibliotecas da Universidade de São Paulo – SIBi/USP3, na Biblioteca
Virtual em Saúde – BVS4 e na base de dados PubMed
5 da US National Library of Medicine e outros
sites institucionais. As estratégias de busca foram feitas nos formulários avançados de cada base,
utilizando-se os campos ―palavras do título‖ e/ou ―descritores‖ ou equivalente, refinando-se as
buscas em função da quantidade e pertinência dos registros recuperados. Os resultados dos
levantamentos foram exportados para o gerenciador de referências endnoteweb6, para organização
das referências selecionadas para a pesquisa e eliminação daquelas repetidas.
5. REFERENCIAL TEÓRICO
Antes de tratarmos de maneira mais específica do histórico relacionado ao desenvolvimento
e construção de indicadores de sustentabilidade, assim como das diferentes categorizações de
indicadores existentes, faz-se necessária uma contextualização dos aspectos associados à crise
ambiental, tratando-se das relações existentes entre sociedade, natureza e tecnologia, tendo em vista
que a discussão acerca de novos modelos societários, bem como de indicadores que subsidiem
políticas públicas e ações na transição para tais modelos, surgem como resposta à problemática
socioambiental constatada.
Além disso, como colocam GUIMARÃES e FEICHAS (2009), para que se possa captar
minimamente a complexidade dos fenômenos socioambientais é necessário incluir nos processos de
mensuração ―uma interpretação que considere questões qualitativas, históricas e também
institucionais‖ (2009, p.309, destaque nosso). A ênfase dada à questão institucional vem do fato de
que, como dito por BAVA7, a discussão quanto à adoção de novos modelos de desenvolvimento
gira, substancialmente, em torno da disputa entre os vários atores sociais existentes na sociedade, na
busca pela legitimação de seus interesses.
LIMA (2011) destaca que a questão ambiental tem motivado inúmeras explicações e
soluções, que ora enfatizam um único fator causal, ora um conjunto de fatores explicativos para o
2 Disponível em http://esl.jrc.it/envind/dashbrds.htm [acesso em 1set 2011]
3 Disponível em http://www.usp.br/sibi/ [acesso em 29 ago 2011]
4 Disponível em http://regional.bvsalud.org/php/index.php [acesso em 29 ago 2011]
5 Disponível em http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/ [acesso em 26 out 2011]
6 Disponível em http://myendnoteweb.com
7 Ver em: BAVA, S. C. Pensar o desenvolvimento. Le Monde Diplomatique Brasil, Brasil, ed. 57, abr. 2012.
Disponível em: <http://www.diplomatique.org.br/edicoes_anteriores_det.php?edicao=57>. Acesso em: 02 jun. 2012.
6
processo de degradação ambiental. Dentro dessa perspectiva, reiterando a importância do fator
institucional, o mesmo autor utiliza a concepção de campo social desenvolvida por Bourdieu, na
tentativa de compreender as características complexas constitutivas da questão ambiental:
―(...) o campo social é o universo onde as pessoas, os grupos e as instituições que dele
participam se definem pelas relações de competição e poder que estabelecem, visando à
hegemonia simbólica e material sobre esse universo de atividade e saber. Compreende um
conjunto de relações de forças, interesses e conflitos, em que se estabelecem alianças e
estratégias para conquistar o objeto em disputa no campo, no caso, o capital simbólico
legitimado, fundado em atos de conhecimento e de reconhecimento pelos pares
concorrentes no interior do campo social. (...) Por ser um espaço concorrencial, o campo
pressupõe relações internas assimétricas, derivadas da desigual distribuição de poder
entre grupos dominantes e dominados.‖ (LIMA, 2011, p. 41)
Assim, sintetizando, reconhecer tais fatores qualitativos imersos no contexto da crise
ambiental é de suma importância para a análise de indicadores de sustentabilidade, dando
importante embasamento para posteriores reflexões quanto ao tema.
5.1 REFLEXÕES QUANTO À CRISE AMBIENTAL
A questão ambiental emerge de maneira mais significativa e ampla a partir dos anos 70,
expressando a contradição entre o modelo de desenvolvimento dominante e a realidade
socioambiental. No entanto, naquele período, predominava na sociedade a ideia de que a chamada
―crise ambiental‖ se devia, sobretudo, à exaustão de recursos naturais, poluição, degradação de
ecossistemas, entre outros fatores. Aspectos políticos, sociais, econômicos e éticos, de cunho causal,
ficavam em segundo plano ou eram omitidos propositadamente. No debate ecológico dos anos 70,
observa-se uma disputa de forças em busca da afirmação de uma determinada interpretação da crise
ambiental, onde o discurso ecológico oficial, produzido por órgãos governamentais nacionais ou
internacionais, constitui-se como um esforço para instituir uma interpretação sobre a crise ecológica
que se torne consensual.
Nestes documentos, tidos como os discursos oficiais, pretende-se conciliar a preservação
ambiental com o desenvolvimento industrial (com bases técnico-científicas), dentro de um modo de
produção capitalista; sendo assim, existe o predomínio de uma visão técnica e naturalizante, em
detrimento dos aspectos éticos e políticos da questão ambiental. Considera-se que soluções para a
problemática ambiental podem ser encontradas dentro do modelo de desenvolvimento existente, a
partir do contínuo desenvolvimento tecnológico.
Segundo LEFF (2003), as raízes da crise ambiental são muito mais profundas, entendendo-a
como crise de civilização, crise do pensamento ocidental. Há, portanto, uma clara crítica à ciência e
7
também à tecnologia associada a esta. No entanto, apesar de hoje a tecnologia ser vista como uma
aplicação do conhecimento científico, BRUGGER (2004) esclarece que na realidade a tecnologia
abarca a ciência, sendo assim mais ampla que a mesma; dessa maneira, a tecnologia seria o estudo
das técnicas, entendidas como ―uma sistematização de conhecimentos práticos, artefatos ou
instrumentos destinados a otimizar o trabalho humano e buscar maior produtividade‖ (p. 80).
Desse modo, compreende-se que a técnica é anterior à ciência e pode ser independente dela,
aproximando-se mais de um saber popular. A tecnologia é, atualmente, prontamente associada à
ciência por inúmeros fatores históricos, culturais e ideológicos.
A partir da Revolução Industrial nasceu um tipo de cultura ocidental pautada em uma cultura
tecnológica de dominância científica, inserindo-se a tecnologia paulatinamente em um universo
ideológico que molda um determinado tipo de pensamento e de modo de vida. Portanto, atualmente
existe uma visão de predomínio da razão tecnológica ou instrumental sobre a razão política e social,
caracterizando certo reducionismo, vinculando-se a questão ambiental da seguinte maneira:
―Esse tecnicismo que, além de simplificador é deformador, reduz a complexa
multidimensionalidade da temática ambiental à unidimensionalidade técnica. (...) A
questão ambiental é produto de um modelo de organização geral da sociedade, que
comporta decisões e escolhas político-econômicas e culturais entre várias opções
possíveis. (...) Decidir e desenhar um modelo de organização social envolve múltiplos
interesses e implica num jogo de forças que disputam a possibilidade de afirmar uma
dada interpretação de sociedade e, uma dominação sobre os demais grupos que aspiram
ao poder. (...) Não se pode negar que a questão ambiental tem, entre outras, uma
dimensão técnica, mas, esta é precedida e, condicionada, por razões políticas e sociais e
não o contrário, como pretende a redução tecnicista. (...) Essa explicação redutora da
questão ambiental obedece a um desvio tecnocrático, que substitui a razão política pela
razão técnica e, trata a técnica como um saber ‗neutro‘, acessível apenas aos
especialistas.‖ (LIMA, 1999, p. 9)
O paradigma científico materializa-se nas relações econômicas, alicerçando de maneira
teórica e prática um modo de produção que modificou profundamente a relação dos seres humanos
entre si e destes com a natureza: o modo de produção que nasceu com a Revolução Industrial,
explorando o meio de modo cada vez mais intenso, de acordo com o advento e o aprimoramento das
técnicas. É importante salientar que, neste contexto, ―meio‖ deve ser entendido a partir da visão de
CASTRO (2002), que em 1972 já caracterizava o ―meio‖ de modo multidimensional, sem
reducionismos, incluindo não somente o meio físico ou biológico, mas também o meio econômico e
cultural. Também destaca-se que não existe propriamente uma linha histórica contínua e
desumanizada, como talvez possa ser apreendido das linhas gerais do texto, sendo que tal contexto
societário foi marcado por descontinuidades e por linhas de pensamento diferenciadas que,
atualmente, podem ser sistematizadas da forma apresentada até o momento, sintetizadas no trecho a
seguir:
8
―A partir de então surgiu o capitalismo, as relações mercantis cresceram e as antigas
comunidades com suas culturas tradicionais foram se esfacelando e sendo absorvidas [ou
sendo colocadas na invisibilidade] pela ―cultura tecnológica‖. O êxodo dos campos em
direção às cidades instituiu o viver individual em detrimento do viver em comunidade. As
cidades e o estilo de vida industrial paulatinamente tornaram-se sinônimos de cultura e
civilização, opostos ao viver no campo. (...) Problemas que antes eram resolvidos
coletivamente tornaram-se os problemas de cada um. Começa assim, historicamente, um
traço marcante da sociedade industrial: o individualismo. O desenvolvimento da indústria
aprofundou a divisão do trabalho fortalecendo e fundindo fenômenos que tinham uma
evolução paralela: a visão de mundo cartesiana, a nova ordem econômica e o
individualismo. O individualismo, como ‗nova forma de viver‘, deu um vigoroso impulso
à oposição sociedade-natureza.‖ (BRUGGER, 2004, p. 58)
Ainda na perspectiva do individualismo, destacado no trecho anterior como característica
marcante da sociedade industrial, pode-se tratar, por consequência, do conceito de indivíduo bem-
sucedido predominante em nossa sociedade, onde o parâmetro é quase sempre material, ―é
demonstração de força de poder aquisitivo e de um determinado status socioeconômico, consoante
com a ordem econômica neoliberal e com o padrão de civilização do hemisfério Norte‖
(BRUGGER, 2004, p. 63). Assim, o sistema paga melhor a quem ajuda a sua perpetuação, sendo a
questão da escolha profissional também ―ambiental‖, onde, muitas vezes, ações pautadas pela falta
de ética profissional, deliberada ou não, com prevalência da eficiência técnica sobre questões
políticas e éticas, também podem gerar impactos ambientais.
Percebe-se, portanto, pelo que foi exposto até o momento, que é um erro atribuir as
responsabilidades pelos problemas ambientais ao homem enquanto espécie, devendo-se deslocar o
foco para a dinâmica sociedade x natureza, e não ser humano x natureza, apesar das incoerências
que caracterizam todas essas oposições, como será explicitado posteriormente. Nessa mesma linha,
também se constitui um equívoco responsabilizar a todos pela degradação ambiental, dentro de uma
sociedade marcada pela disparidade nas relações de poderes, onde a grande maioria dos indivíduos
está imersa ―na ação ingênua, mecânica e controlada ideológica e politicamente pelos ‗opressores‘‖
(PITANO e NOAL, 2009, p. 293).
Cabe relembrar e aprofundar, no entanto, que apesar de muitos problemas ambientais terem
se materializado através do modo de produção dominante, foi a ciência e o método científico que
subsidiaram teórica e filosoficamente tal modelo. Sendo assim, o cerne da questão ambiental
encontra-se na forma de pensamento ocidental, em suas características e maneiras de enxergar a
realidade complexa:
[o pensamento ocidental] ―ao pensar o ser como ente abriu a via da racionalidade
científica e instrumental que produziu a modernidade como uma ordem coisificada e
fragmentada, como formas de domínio e controle sobre o mundo. Por isso, a crise
ambiental é sobretudo um problema de conhecimento. (...) Esta racionalidade dominante
9
descobre a complexidade em seus limites, em sua negatividade, na alienação e na
incerteza do mundo economizado, arrastado por um processo incontrolável e
insustentável de produção.‖ (LEFF, 2003, p.16, destaque nosso)
Nesse contexto do pensamento ocidental, surge uma distinção importante para a maneira
como a sociedade se relaciona com a natureza, a distinção entre o mundo da natureza e o mundo da
cultura. Segundo CARVALHO (2005), é na filosofia dos antigos gregos em que desenvolvem-se os
argumentos teóricos que caracterizam tal distinção, resultando na definição hegemônica de natureza
como oposta a de homem, de cultura e de história, e, portanto, vista como objeto de estudo:
―Com Tales [de Mileto] funda-se aquela que é considerada a primeira Escola filosófica –
a Escola de Mileto – e a natureza enquanto corpo distinto da sociedade humana, passa a
ser um dos principais temas da reflexão filosófica. Com Aristóteles [de Estagira], o último
dos grandes filósofos da Antiguidade grega, a physis (natureza em grego) adquire alguma
de suas definições mais usuais.‖ (CARVALHO, 2005, p.339)
No entanto, em um sentido estrito, tais oposições homem-natureza, sociedade-natureza ou
cultura-natureza não fazem sentido, visto que o homem também faz parte da natureza, é produto
desta. Mesmo que seja considerada a ideia de uma primeira natureza, sem a interferência dos seres
humanos, e de uma segunda natureza, artificial, com a influência do ser humano por meio de
técnicas específicas, ainda haverá uma contradição intrínseca; o homem originou-se da natureza,
pertence e é pequeno em relação a grandiosidade desta, e não o contrário.
Assim, a concepção hegemônica da natureza de oposição à sociedade ocidental, de
diferença, se ―transforma em hierarquia através do evolucionismo linear, o ecocídio e etnocídio
caminham juntos‖ (BRUGGER, 2004, p. 59). Evidentemente, toda sociedade, toda cultura, possui
uma determinada ideia do que seja a natureza, no entanto, a definição simplista destacada
anteriormente é a que tem prevalecido.
A partir de tal hierarquia colocada entre sociedade e natureza, esta foi considerada objeto a
ser dominado por meio da ciência e da razão tecnológica. É bem verdade também, que existe uma
visão contra-hegemônica de natureza na sociedade ocidental, uma visão dita romântica, onde o
homem, de maneira genérica e abstrata, seria o responsável por destruir a natureza.
Assim, a dicotomia sociedade-natureza continua, sendo que em dado momento a natureza
deve ser suprimida pela cultura, e em um segundo momento é a cultura e o homem que devem ser
suprimidos pela natureza. Ignora-se o ponto central da questão, que diz respeito à rediscussão de
nossa relação com a natureza, sem oposições ou extremos, mas com diálogos entre os diferentes
saberes.
Essas dicotomias são exemplos de uma das características marcantes do pensamento
ocidental, a fragmentação histórica do saber com vistas à compreensão da realidade complexa.
10
Nesse contexto de fragmentação, a questão ambiental é abarcada e tratada de diferentes maneiras
pelas Ciências Humanas ou pelas Ciências Naturais e Exatas, sem que exista a real inter e
transdisciplinaridade que a problemática ambiental exige.
Desse modo, destacam-se duas abordagens mais gerais da questão ambiental no âmbito
científico. Em uma dessas visões, geralmente oferecida pelas Ciências Humanas, é dada ênfase aos
fatores histórico-sociais, em detrimento dos aspectos técnicos e naturais da questão ambiental; a
outra visão, que não pode ser relacionada a uma área do conhecimento em específico, enfatiza as
dimensões naturais e técnicas da questão ambiental, destacando-se os temas ecológicos. Dentre as
duas abordagens, a visão técnica e naturalizante é aquela que tem prevalecido.
De maneira geral, portanto, o conceito de meio ambiente, multidimensional, incluindo os
aspectos naturais e os resultantes das atividades humanas (resultado da interação de fatores
biológicos, físicos, sociais, econômicos e culturais), é comumente confinado às suas dimensões
naturais ou técnicas. Desse contexto emergem certas expressões ou termos relacionados ao meio
ambiente, como a ―aplicação de soluções eficazes; a proteção; a administração e o treinamento de
recursos (naturais e humanos respectivamente), o saneamento, a manutenção de um nível ótimo de
produtividade, [entre outros]‖ (BRUGGER, 2004, p. 54).
O conceito de meio ambiente acaba, assim, sendo confundido com o de natureza, chegando-
se a colocá-los mesmo como sinônimos:
―Prevalecem as necessidades de preservação do potencial produtivo dos ecossistemas, dos
recursos naturais e o estudo de seus distúrbios, como a poluição ou a extinção massiva de
espécies, e não um conceito total, que inclui o ser humano e sua dimensão histórico-
social. Embora a dimensão técnico-natural seja legítima, ela não pode ser tomada como a
questão ambiental no seu todo, ou tampouco favorecida às expensas de outras.‖
(BRUGGER, 2004, p. 55)
Portanto, a questão ambiental diz respeito ao modo como a sociedade se relaciona com a
natureza – qualquer sociedade ou natureza – incluindo as relações dos seres humanos entre si; como
destaca MORAES (2005), baseado originalmente no marxismo, ―a estruturação da sociedade define
a relação dos indivíduos com a maior parte dos recursos naturais, ao normatizar as suas relações
entre si‖ (p. 75). Nesse contexto, expressões como ―proteger, preservar ou sanear o meio ambiente‖,
por exemplo, apresentam certa incoerência, já que o que deve ser protegido, saneado ou preservado
são os recursos naturais, ou um dado ecossistema ou bioma, e não todas ou quaisquer relações com
a natureza.
Buscando-se um fechamento do que foi tratado até o momento neste capítulo, poderíamos
usar o que afirmou LEFF (2003), ao articular questões referentes ao pensamento ocidental, ao modo
de produção predominante, e a visão de natureza hegemônica:
11
―A problemática ambiental, mais que uma crise ecológica, é um questionamento do
pensamento e do entendimento, da ontologia e da epistemologia com as quais a
civilização ocidental compreendeu o ser, os entes e as coisas; da ciência e da razão
tecnológica com as quais a natureza foi dominada e o mundo moderno economizado.‖
(LEFF, 2003, p. 19)
5.2 REFLEXÕES SOBRE A CRISE AMBIENTAL: FALÁCIAS E CONCEITOS DE
DESENVOLVIMENTO
No contexto de termos relacionados à questão ambiental, o ―desenvolvimento sustentável‖,
tido como o ideal a se alcançar em termos societários num contexto de crise ambiental, é marcado
pela ambigüidade, abrangendo dois significados: um, que inclui a dimensão política e ética; e o
outro, que se refere unicamente ao gerenciamento adequado (ou sustentável) dos recursos naturais.
Em ambos os casos, aposta-se no desenvolvimento do patamar tecnológico, necessário à superação
da crise do capital.
O Relatório Brundtland foi aquele que cunhou e elaborou o conceito de desenvolvimento
sustentável:
―Desenvolvimento sustentável é um processo de transformação no qual a exploração dos
recursos, a direção dos investimentos, a orientação do desenvolvimento tecnológico e a
mudança institucional se harmonizam e reforça o potencial presente e futuro, a fim de
atender as necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações
futuras atenderem as suas próprias necessidades.‖ (COMISSÃO MUNDIAL SOBRE
MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO, 1991, p.49)
De acordo com LIMA (2011), baseando-se no fato de que os modelos de desenvolvimento
praticados desde o pós-guerra falharam em seus objetivos, a Comissão Brundtland procurou avaliar
as relações críticas entre o meio ambiente e o desenvolvimento, entendendo que os problemas
ambientais não decorrem apenas da dinâmica de desenvolvimento adotada; eles também
condicionam o tipo de desenvolvimento possível numa dada conjuntura. Entende-se, portanto, que o
fator ambiental é inerente ao desenvolvimento, não sendo ―apenas‖ uma questão a mais a ser
considerada. O mesmo autor também destaca que a principal realização do discurso do
desenvolvimento sustentável foi combinar integrada e sistematicamente questões que eram
frequentemente abordadas isoladamente, ou como concorrentes: preservação ambiental,
crescimento econômico, desigualdade e participação social, dívida externa, relações norte-sul,
tecnologia, energia e população, globalização e cooperação internacional; porém, por não avançar o
suficiente para demonstrar a viabilidade dessa visão, o discurso da sustentabilidade tornou-se
ambíguo e contraditório, instaurando-se uma disputa sobre o significado legítimo da
sustentabilidade proposta e sobre os melhores meios de atingi-la.
12
Nesse ponto, tendo em vista uma reflexão mais profunda quanto ao termo e suas
contradições, deve-se analisar as palavras ―desenvolvimento‖ e ―sustentável‖ separadamente.
O termo desenvolvimento pode ser entendido de três maneiras, que muitas vezes se
confundem. A primeira visão, mais freqüente, é a de tratá-lo como sinônimo de crescimento
econômico. Segundo VEIGA (2005), até o início dos anos 60, essa forma de ver o desenvolvimento
era a mais comum, visto que as nações consideradas mais desenvolvidas eram aquelas que
possuíam um melhor desempenho econômico, enquanto que os países de pior desempenho
econômico permaneciam em um estágio de ―subdesenvolvimento‖. A segunda visão de
desenvolvimento é a de que ele é apenas uma ilusão, manipulação ideológica, quimera,
estabelecendo uma simples equivalência entre desenvolvimento e riqueza. De certa forma, essa
segunda visão também remete ao crescimento econômico. A terceira visão foi resumida por
FURTADO (2004, p.484):
―(...) o desenvolvimento se caracteriza pelo seu projeto social subjacente. Dispor de
recursos para investir está longe de ser condição suficiente para preparar um melhor
futuro para a massa da população. Mas quando o projeto social prioriza a efetiva melhoria
das condições de vida dessa população, o crescimento se metamorfoseia em
desenvolvimento.‖
CASTRO (2002), de maneira precursora, já tratava da falsidade existente na avaliação do
desenvolvimento tomando-se como base somente a expansão da riqueza material, propugnando a
necessidade de mudanças sociais sucessivas e profundas. Dessa forma, para o autor, o mundo todo
continua relativamente subdesenvolvido, visto que nenhum país atingiu um patamar equilibrado de
desenvolvimento, em termos que não sejam meramente quantitativos.
Assim, a palavra ―desenvolvimento‖ pode tanto ser associada a ideias positivas, no sentido
qualitativo ou de incremento, como pode ser confundida com questões quantitativas de crescimento
econômico. Todavia, o cerne da questão em torno da palavra ―desenvolvimento‖ encontra-se no fato
de qual tem sido, historicamente, o significado de ―desenvolver‖, já que, muitas intervenções
antrópicas que degradam recursos naturais e desrespeitam comunidades tradicionais, tem sido feitas
em nome do ―progresso‖ e do ―desenvolvimento‖. Para BRUGGER (2004), o sentido de
desenvolvimento hegemônico tem sido o de converter todos os padrões culturais em apenas um:
―Como ‗civilizado‘ e ‗desenvolvido‘ assim o são em função da adequação a um
determinado parâmetro, é lícito questionar se desenvolver não teria sido, na maioria dos
exemplos históricos, (des)envolver, isto é, romper o elo de envolvimento de determinados
povos com a sua cultura no sentido mais amplo – fragilizar e ‗pasteurizar‘ tanto a
diversidade biológica quanto cultural, até que todos os padrões se convertam em apenas
um. (Des)envolver, nesse sentido que tem sido hegemônico, encontra assim uma
convergência filosófica surpreendente com a tese (...) do pensamento unidimensional.
Sem exagero algum, essa foi a História da colonização da maior parte dos povos
13
primitivos (...) do hemisfério Sul, que graças aos povos civilizados do hemisfério Norte
foram aculturados e puderam decolar então para níveis superiores de existência (...). Por
trás dessa ‗aculturação‘, contudo, sempre houve motivos nada altruísticos.‖
(BRUGGER, 2004, p.73)
Está associada à palavra ―desenvolvimento‖, portanto, um caráter evolucionista,
distinguindo-se, na sociedade, fases infantis ou primitivas, fases de desenvolvimento e fases
maduras. Assim, o falacioso objetivo de um futuro melhor sempre está em vista. Nesse sentido,
CASTRO (2002), por exemplo, destaca que o subdesenvolvimento é uma forma de poluição
humana, conseqüência do crescimento econômico de regiões mais ricas, não sendo, portanto, uma
fase ou caminho para o desenvolvimento (em um sentido associado ao crescimento econômico), e
sim um subproduto deste:
―Para que não se reste a menor dúvida de que o subdesenvolvimento é, na civilização de
consumo, um produto do desenvolvimento, basta verificar que antes da explosão
capitalista e industrial de nosso século não existia esta divisão entre países desenvolvidos
e subdesenvolvidos, separados uns dos outros por um largo fosso econômico. Foi depois
da revolução industrial que se exteriorizaram as disparidades extremas dos ritmos de
crescimento e dos níveis econômicos de ambos os grupos de países.‖ (CASTRO, 2002, p.
96)
Já a palavra ―sustentável‖ origina-se da Ecologia (ciência natural), sendo relacionada,
geralmente, à natureza homeostática dos ecossistemas naturais, englobando, ainda, conceitos como
o de ―capacidade de suporte‖, por exemplo.
O termo sustentabilidade também pode ser visto de três modos. A primeira visão é a de que
não existe dilema entre conservação ambiental e crescimento econômico. Segundo essa hipótese,
mais conhecida como ―curva ambiental de Kuznets‖, o crescimento econômico prejudica o meio
ambiente (em um sentido puramente físico ou biológico) até que um certo nível de riqueza seja
alcançado; após atingir-se esse patamar, o crescimento econômico auxiliaria na conservação
ambiental (VEIGA, 2005).
Em contrapartida a esse pensamento, está a relação entre economia e termodinâmica,
hipótese de Nicholas Georgescu-Roegen. Baseado na segunda lei da termodinâmica (entropia), as
atividades econômicas são energias convertidas em formas de calor difusas, tornando-as
inutilizáveis. Assim, em algum momento, segundo Georgescu, a humanidade deverá retrair o
consumo dos produtos para que o desenvolvimento possa continuar a ocorrer. Essa vertente inclui
também Herman E. Daly, que possui uma visão ainda mais cética, em que só a ―condição
estacionária‖ pode evitar a decadência ecológica, ou seja, que a economia só melhoraria em termos
qualitativos quando se substituísse uma atividade econômica por outra de melhor tecnologia e
menor impacto na natureza (e.g. energia fóssil por energia limpa) (VEIGA, 2005).
14
Por fim, a terceira visão de sustentabilidade tenta avançar pelo ―caminho do meio‖, entre as
duas hipóteses opostas. No entanto, ainda é apenas uma tentativa.
O adjetivo ―sustentável‖ associado ao termo ―desenvolvimento‖, assim como a questão
ambiental em si, tem uma forte dimensão técnica naturalista, insuficiente para dar conta da
complexidade inerente às relações entre sociedade e natureza. Neste padrão de soluções técnicas, a
preservação de potenciais produtivos aparece como o principal critério de sustentabilidade do
pensamento hegemônico, o que, apesar de ser uma condição necessária, não é suficiente, agradando
muito mais a grupos de poder em específico, do que a sociedade de maneira geral, como se observa
na passagem:
―A tecnologia não é boa nem má. É a sua utilização que lhe dá sentido ético. Se nos
países do Terceiro Mundo a tecnologia age contra os povos subdesenvolvidos é porque
foi utilizada unicamente para produzir o máximo de vantagens e lucros para os grupos da
economia dominante.‖ (CASTRO, 2002, p. 97)
Questões sociais, éticas e ecológicas acabam, dessa forma, sendo relegadas a segundo plano,
ou seja, esse padrão alternativo de desenvolvimento chamado sustentável acaba se tornando uma
roupagem nova do padrão de desenvolvimento tradicional, utilizando-se de recursos técnicos no
gerenciamento de recursos naturais tido como importantes para certos grupos hegemônicos. A
conversão de padrões culturais, portanto, permanece travestida de uma nova roupagem verde ou de
uma dita responsabilidade ambiental.
Cabe destacar que, anteriormente ao surgimento do conceito de desenvolvimento sustentável
e de sua difusão, o economista Ignacy Sachs apropriou-se do termo ―ecodesenvolvimento‖, lançado
por Maurice Strong em 1973, desenvolvendo-o conceitualmente e criando estratégias para alcançá-
lo. O ecodesenvolvimento seria um estilo de desenvolvimento onde cada ecoregião procuraria
soluções específicas para seus problemas particulares, levando em conta dados ecológicos e
culturais, necessidades imediatas e de longo prazo. Assim, na operacionalização do termo, seria
necessário um amplo conhecimento do ambiente e cultura locais, bem como o envolvimento dos
indivíduos na elaboração do planejamento das estratégias (LAYRARGUES, 1997).
O conceito de desenvolvimento sustentável é muitas vezes considerado uma versão evoluída
e melhor lapidada em relação ao conceito de ecodesenvolvimento; todavia, LAYRARGUES (1997)
destaca que, apesar das semelhanças nas idéias contidas nos termos, existem diferenças importantes.
De forma geral, o desenvolvimento sustentável e o ecodesenvolvimento compartilham o
mesmo fim: atingir o patamar de sociedades sustentáveis. Para tanto, possuem estratégias
diferenciadas. O desenvolvimento sustentável, como já dito, mantém a ideologia dominante,
acreditando amplamente no desenvolvimento tecnológico e na busca da eliminação da pobreza nos
15
países subdesenvolvidos (na busca da elevação do teto de consumo destes, e não na redução do
consumo dos países ditos desenvolvidos) como estratégias para a ―preservação ambiental‖. Já o
ecodesenvolvimento, apesar de também reforçar a importância da tecnologia, prega o
desenvolvimento tecnológico endógeno, respeitando necessidades socioculturais, e não a simples
transferência de tecnologia exógena.
Nesse sentido, muitos autores sugerem a substituição do conceito de desenvolvimento
sustentável pelo de sociedade sustentável, tendo em vista que o conceito de sociedade sustentável
converge com o ecodesenvolvimento à medida que ―permite a cada sociedade definir seus modelos
de produção, consumo e bem-estar a partir de sua cultura, de sua história e de seu ambiente natural,
abandonando a transposição imitativa de soluções padronizadas para contextos e realidades bastante
diferenciadas‖ (LIMA, 1999, p.5). Contudo, talvez o debate sobre a terminologia seja uma questão
menor, no sentido que a manutenção do conceito de desenvolvimento sustentável depende muito
mais do seu conteúdo e uso real, do que da forma em si.
SACHS (2004) considera que entre a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente
(de 1972, em Estocolmo) e a Cúpula sobre Desenvolvimento Sustentável (de 2002, em
Joanesburgo), o conceito de desenvolvimento sustentável foi refinado, com importantes avanços
epistemológicos, sendo a sustentabilidade social um componente essencial. Sabe-se que a
sustentabilidade não é uma ciência e não possui, portanto, conceitos e metodologias definidas. No
entanto, atualmente existe quase um consenso no que tange ao fato de que a sustentabilidade abarca
dimensões variadas, não somente a dimensão técnica, mas também a ambiental, a social, a
econômica, a cultural, a institucional, entre outras.
A discussão em torno do conceito de desenvolvimento sustentável, assim como os
entendimentos acerca da crise ambiental e suas possíveis resoluções, acaba interferindo amplamente
nos indicadores que visam mensurar tal forma de desenvolvimento, os chamados indicadores de
sustentabilidade, que não estão isentos, portanto, do jogo de forças políticas, econômicas e teóricas.
5.3 INDICADORES DE SUSTENTABILIDADE
Historicamente, os sistemas de indicadores de sustentabilidade fundamentaram-se
principalmente em teorias da economia e da ecologia. Dessa forma, surgiram indicadores com
ênfase em aspectos determinados, dependendo da visão que possuíam acerca da ideia de
sustentabilidade e de como representá-la sintética ou sistematicamente.
Na ecologia, segundo VEIGA (2010), a convergência teórica acerca do conceito de
resiliência e quanto à ideia da capacidade de suporte do ambiente como provedor e receptor de
matéria e energia deu origem a indicadores de perspectiva biofísica, como o Ecological Footprint
16
ou Pegada Ecológica. Tais indicadores refletem a ideia de que o sistema econômico nada mais é do
que um subsistema inserido em um sistema ambiental mais amplo e finito, sendo afetado pelas
limitações de tal sistema.
Na verdade, esse conceito de sistema econômico, assim como o desenvolvimento de
indicadores de perspectiva biofísica (visando mensurar a sustentabilidade ou a insustentabilidade),
não é próprio da ecologia em si, mas sim da Economia Ecológica, campo transdisciplinar que vem
se consolidando desde os anos 80 e que procura estudar o enfrentamento entre a expansão
econômica e a conservação dos recursos naturais. Segundo ALIER:
―Os economistas ecológicos questionam a sustentabilidade da economia devido aos
impactos ambientais e as suas demandas energéticas e materiais, e igualmente devido ao
crescimento demográfico. As pretensões de atribuir valores monetários aos serviços e às
perdas ambientais, e as iniciativas no sentido de corrigir a contabilidade macroeconômica,
fazem parte da economia ecológica. Todavia, sua contribuição e eixo principal é, mais
precisamente, o desenvolvimento de indicadores e referências físicas de
(in)sustentabilidade, examinando a economia nos termos de um ‘metabolismo social’. Os
economistas ecológicos também trabalham com a relação entre os direitos de propriedade
e de gestão dos recursos naturais, modelando as interações entre economia e meio
ambiente, utilizando ferramentas de gestão como avaliação ambiental integrada e
avaliações multicriteriais para a tomada de decisão, propondo novos instrumentos de
política ambiental.‖ (ALIER, 2011, p.45, destaque nosso)
Para VEIGA (2010), na macroeconomia ecológica existem mais divergências do que
convergências teóricas acerca do conceito de sustentabilidade e de como ela deve ser auferida,
resultando em duas vertentes teóricas principais, chamadas de sustentabilidade forte e fraca. Ambas
se baseiam na manutenção do estoque de capitais (natural, humano), mas a sustentabilidade forte
considera o capital natural imprescindível e, portanto, insubstituível (ou substituível somente em
partes), enquanto a sustentabilidade fraca considera a manutenção total do estoque de capital o mais
importante. Dessa maneira, enquanto a sustentabilidade forte refere-se à conservação dos recursos e
serviços do ambiente natural, implicando uma mensuração e avaliação através de uma bateria de
indicadores e índices biofísicos, a sustentabilidade fraca permite a substituição do capital natural
pelo capital manufaturado, implicando, portanto, uma unidade comum de mensuração, geralmente
monetária.
ALIER (2011) coloca que a sustentabilidade fraca, por utilizar unidades comuns de
mensuração, tanto para aspectos econômicos como para aspectos naturais, implica uma
comparabilidade forte de valores; enquanto a sustentabilidade forte, por admitir a irredutibilidade
entre formas distintas de valor, implica uma comparabilidade fraca de valores.
Sendo assim, uma variante importante da sustentabilidade fraca encontra-se centrada nos
fluxos monetários, assim como o PIB, que busca avaliar o desempenho econômico dos países. Por
17
seu uso histórico mais consagrado, indicadores puramente econômicos, como o PIB, possuem
metodologias mais consolidadas, enquanto os indicadores ambientais de base biofísica ―ainda são
passíveis de críticas quanto às suas metodologias de mensuração e gradação, e mesmo quanto aos
seus significados‖ (RIBEIRO e TAYRA, 2006, p. 86).
As críticas ao fato do PIB não considerar aspectos socioambientais deram origem a
indicadores tidos como extensões ou complementações ao PIB, incorporando preocupações com a
depreciação de recursos naturais e humanos. Um exemplo é o indicador de progresso genuíno
(IPG), que agrega outras variáveis ao PIB em termos monetários.
A valoração em termos econômicos de bens e serviços ambientais, implicando em
compensações monetárias por danos socioambientais causados, é altamente discutível, tanto em
termos políticos e metodológicos, como, e principalmente, em termos éticos e realísticos. Parte-se
do princípio que a sociedade independe da natureza, bem como desconsideram-se outras formas de
valoração da natureza por parte de culturas e grupos. Além disso, ALIER (2011) destaca que a
tentativa de internalizar as ―externalidades negativas‖ em termos monetários, não considera o fato
de que a formação dos preços das externalidades depende, muitas vezes, de relações sociais de
poder econômico e político, não somente baseando-se em aspectos científicos.
Apesar de também procurar valorar os recursos e serviços ambientais em termos monetários
a Economia Ecológica busca a discussão sobre a incomensurabilidade dos valores e a aplicação de
métodos de avaliação baseados em vários critérios, tendendo a preferir a construção e utilização de
indicadores e índices biofísicos para julgar o impacto da economia humana no meio ambiente.
Dessa forma, a Economia Ecológica refere-se a um tipo de sustentabilidade forte, enquanto a
sustentabilidade fraca estaria mais ligada à economia neoclássica.
No entanto, deixando um pouco de lado aspectos metodológicos e conceituais, de forma
geral, nota-se no histórico dos indicadores de sustentabilidade elaborado por VEIGA (2010), que
ainda existem muitas dúvidas acerca da real capacidade dos indicadores atuais, divididos em grupos
com características específicas, de efetivamente mensurarem a sustentabilidade de determinado
local, integrando as dimensões econômica, social e ambiental.
Nesse contexto de dúvidas relacionadas à capacidade de mensuração dos indicadores de
sustentabilidade, GUIMARÃES e FEICHAS identificaram, a partir do estudo de cinco índices
(Índice de Desenvolvimento Humano, Indicador de Progresso Genuíno, Pegada Ecológica,
Indicadores de Desenvolvimento Sustentável, e Matriz Territorial de Sustentabilidade), alguns
desafios para a implementação de indicadores de sustentabilidade:
―(...) o rompimento com a hegemonia da dimensão econômica para medir o
desenvolvimento; a possibilidade de comparabilidade [não necessariamente em termos
econômicos] que cada proposta analisada proporciona e, relacionado a isso, as dimensões
18
mensuradas em cada proposta; a participação da comunidade na sua definição e
operacionalização‖. (GUIMARÃES e FEICHAS, 2009, p. 317)
Tanto VEIGA (2010) como RIBEIRO e TAYRA (2006) apresentam um histórico e uma
discussão detalhada sobre os indicadores de sustentabilidade. VEIGA (2010) apresenta os
indicadores em ordem cronológica, identificando três marcos históricos: discussão acerca da
obsolescência do crescimento econômico e a correção do PIB para incluir medidas de bem-estar
(1972); construção de indicadores econômicos que incluíssem, além de medidas de bem-estar,
formas de valoração ambiental (1989); e, por fim, na contemporaneidade (a partir de 1995), são
identificadas três abordagens na construção dos indicadores de sustentabilidade: 1) construção de
grandes e heterogêneas coleções; 2) índices compostos ou sintéticos, multidimensionais; e 3)
índices focados no grau de pressão sobre os recursos.
RIBEIRO e TAYRA (2006) classificam os indicadores de sustentabilidade em três gerações:
1) indicadores ambientais clássicos – e g. emissões de CO2, desmatamento, erosão, entre outros; 2)
indicadores multidimensionais – econômicos, sociais, institucionais, ambientais, porém, sem
vinculação entre os temas; e 3) indicadores síntese ou índices, que agregam em uma única unidade,
dados de ordem biofísica, econômica, social e institucional, buscando maior transversalidade e
sinergia entre os atributos ou dimensões do desenvolvimento sustentável.
Percebe-se que as três abordagens contemporâneas identificadas por VEIGA (2010)
possuem muita semelhança com as duas últimas gerações apontadas por RIBEIRO e TAYRA
(2006); assim, existe uma convergência para dois grandes grupos atuais de indicadores de
sustentabilidade: 1) sistemas de indicadores multidimensionais e 2) indicadores síntese ou índices.
O presente trabalho abordará dois sistemas de indicadores de sustentabilidade: o Dashboard
of Sustainability (DS) e o PEIR (Pressão, Estado, Impacto e Resposta). O DS pode ser considerado
um indicador síntese ou índice, enquanto o PEIR se encaixa na abordagem de sistema de
indicadores multidimensionais; contudo, essa classificação não é tão clara, como se verá mais
adiante na análise específica dos mesmos. Todavia, antes de tratar mais especificamente desses dois
indicadores contemporâneos, apresentamos uma breve retrospectiva dos indicadores de
sustentabilidade e suas respectivas abordagens e críticas, com base nos marcos históricos
identificados por GUIMARÃES e FEICHAS (2009) e VEIGA (2010).
Pode-se considerar que os indicadores de sustentabilidade surgiram a partir de 1972, apesar
do conceito de desenvolvimento sustentável em si ter sido formalizado apenas em 1987, com o
Relatório Brutland, sendo amplamente difundido a partir da Eco-92. Os indicadores nesse contexto
passado, portanto, buscavam correções nos instrumentos de medidas econômicas (PNB ou PIB),
sem uma noção clara da sustentabilidade, a partir de trabalhos de economistas que criticavam a
19
obsessão pelo crescimento econômico, necessitando de uma medida que incorporasse o bem-estar
humano (GUIMARÃES e FEICHAS, 2009).
Desenvolveu-se nessa época a Medida de bem-estar econômico sustentável (MEWS-S –
sustainable measure of economic welfare), a partir dos trabalhos de Nordhaus e Tobin, que
introduziram ―uma série de correções no método de cálculo do produto (...), de maneira a – por um
lado – retirar componentes que não contribuem para o bem-estar; e – por outro – acrescentar alguns
dos que o fazem, mesmo que não entrem no cálculo convencional por não fazerem parte da
produção‖ (VEIGA, 2010, p. 42). No entanto, não foram inseridos no instrumento cálculos sobre
danos ambientais ou depleção de recursos naturais.
A partir de 1989, surgiram indicadores de sustentabilidade com outra abordagem, incluindo
a valoração ambiental e a precificação dos danos ambientais nos cálculos de contabilidade nacional.
O economista ecológico Herman Daly, por exemplo, desenvolveu o Índice de Bem-estar Econômico
Sustentável (ISEW – index of sustainable economic welfare), que se transformou, em 2004, no
Indicador de Progresso Genuíno (GPI – genuine progress indicator), englobando as dimensões
econômica, ambiental e social na sua elaboração. Tais indicadores mostravam uma discrepância
entre o aumento do PNB per capita e o aumento do bem-estar sustentável por habitante, ou seja, o
crescimento econômico não representava melhorias socioambientais proporcionais. A principal
crítica a tais modelos de indicadores referiam-se aos cálculos utilizados para a valoração econômica
de elementos que não possuem valor definido pelo mercado, como danos ambientais, ganhos de
lazer e de trabalho doméstico ou voluntário. Além disso, uma evolução díspar entre crescimento
econômico e bem-estar ou qualidade de vida não significa, necessariamente, uma medida de
sustentabilidade ou insustentabilidade, visto que o conceito de desenvolvimento sustentável possui
características temporais, em termos de um entendimento mais completo sobre o termo (VEIGA,
2010).
Apesar das críticas citadas, GUIMARÃES e FEICHAS (2009) destacam algumas
contribuições positivas do ISEW-GPI, como: a incorporação de aspectos sociais do
desenvolvimento sustentável na sua metodologia; e o avanço conceitual e metodológico ao incluir a
distribuição de recursos na sociedade e as transações fora do mercado que aumentam o bem-estar e
o uso do capital natural.
Nesse contexto histórico sobre indicadores, não poderíamos deixar de destacar o Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH), desenvolvido em 1990 pelo economista Mahbud ul Haq com a
colaboração de Amartya Sen entre outros, no Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
(PNUD). Apesar de não incluir a dimensão ambiental em sua mensuração e avaliação, contribuiu
amplamente na mensuração do desenvolvimento sustentável ao incorporar variáveis sociais,
―tirando de foco a dimensão econômica, o que foi fundamental por permitir uma discussão sobre
20
sustentabilidade‖ (GUIMARÃES e FEICHAS, 2009, p.311).
O IDH considera três componentes: o PIB per capita, a longevidade e a educação, sendo que
a longevidade é medida através da expectativa de vida ao nascer e a educação é medida por meio do
analfabetismo e da taxa de matrícula nos três níveis de ensino. Sem entrar em maiores
considerações metodológicas, GUIMARÃES e FEICHAS (2009) consideram que os grandes
problemas do IDH, fora sua desconsideração pela dimensão ambiental, é o fato de que, ao ser
calculado nacionalmente, ele desconsidera diferenças e desigualdades regionais, além de que o IDH
não incorpora questões de desigualdade na distribuição de recursos na área de educação e saúde.
A partir de 1995 surgiram os indicadores de sustentabilidade contemporâneos, tratados
anteriormente, nos respectivos grupos em que se inserem. Exemplos desses indicadores são: o
Índice de Sustentabilidade Ambiental (ESI – environmental sustainability index), o Índice de
Desempenho Ambiental (EPI – environmental performance index), a Poupança Líquida Ajustada
(ANS – adjusted net saving), a Pegada Ecológica (Ecological Footprint), e os indicadores que são
foco deste trabalho, o Dashboard of Sustainability e o PEIR.
6. RESULTADOS E DISCUSSÃO
6.1 O DASHBOARD OF SUSTAINABILITY E O PEIR
Buscaremos nos próximos capítulos o tratamento mais específico do DS e do PEIR, não
somente em termos do funcionamento instrumental desses sistemas de indicadores, mas,
principalmente, em relação aos componentes históricos, teóricos e conceituais que embasaram a
construção dos mesmos. Como dito anteriormente, a compreensão de fatores causais da
problemática socioambiental, bem como dos aspectos que envolvem o chamado ―desenvolvimento
sustentável‖, varia amplamente, influenciando a construção e o desenvolvimento dos indicadores de
sustentabilidade. A utilização ingênua de indicadores de sustentabilidade, com o desconhecimento
de suas bases teóricas e conceituais, eleva as chances de interpretações errôneas dos dados
disponíveis e, como consequência, os resultados esperados para certas medidas tomadas podem ser
insatisfatórios ou, até mesmo, totalmente antagônicos.
Além disso, a compreensão dos aspectos teóricos e conceituais do DS e do PEIR
possibilitará a discussão de suas potencialidades e limitações internas, bem como a comparação
entre os dois sistemas de indicadores para a identificação e análise de suas convergências e
divergências.
21
6.2 O DASHBOARD OF SUSTAINABILITY
6.2.1 Aspectos históricos
Antes de tudo, é necessário destacar que não foram encontradas muitas publicações que
tratem diretamente do DS. Todavia, as publicações analisadas foram suficientes para o propósito
desta pesquisa.
Segundo BELLEN (2003), as pesquisas sobre o desenvolvimento do DS e seu respectivo
software para cálculo dos índices iniciaram-se na segunda metade dos anos 1990, através do esforço
concentrado de diversas instituições de pesquisa, visando-se a construção de uma ferramenta de
indicadores de sustentabilidade robusta e que fosse aceita internacionalmente. Esse conjunto de
instituições tinha como lideranças o Consultative Group on Sustainable Development Indicators
(CGSDI) em parceria com o Joint Research Center (JRC).
Criado em 1996, o CGSDI funciona através de uma rede de instituições que utilizam
sistemas de indicadores de sustentabilidade. Esse grupo de trabalho formou-se em decorrência de
um projeto desenvolvido pelo Wallace Global Fund, cujo objetivo era articular trabalhos
internacionais sobre indicadores de sustentabilidade, visando a criar um sistema que capturasse a
complexidade da realidade e, ao mesmo tempo, fosse simples. O JRC teve como principal
incumbência o desenvolvimento do software que possibilita a síntese de dados e informações
ecológicas, sociais e econômicas, por meio de gráficos e avaliações numéricas.
Inicialmente, o CGSDI buscou revisar índices agregados já existentes, além de realizar
discussões conceituais e técnicas sobre diferentes sistemas de indicadores. BELLEN (2003) relata
que o CGSDI organizou seu primeiro encontro em Middleburg, Vírginia, em janeiro de 1998.
Segundo o mesmo autor, ―após inúmeros debates o grupo decidiu pela criação e desenvolvimento
de um sistema conceitual agregado que fornecesse informações acerca da direção do
desenvolvimento e seu grau de sustentabilidade‖ (BELLEN, 2003, p. 75). Tal sistema ficou
conhecido como Compass of sustainability (Bússola da Sustentabilidade), sendo uma prévia do que
seria o DS.
Entre janeiro e março de 1999, a partir da articulação desses trabalhos iniciais já citados, o
Dashboard of Sustainability foi proposto, com a iniciativa de desenvolvimento de indicadores do
Bellagio Forum for Sustainable Development:
―Em resposta à necessidade de melhores indicadores, o Instituto Internacional para o
Desenvolvimento Sustentável (IISD) recebeu apoio da Fundação Rockefeller para reunir
um grupo de profissionais e pesquisadores em avaliação dos cinco continentes para
analisar as iniciativas em andamento e os progressos alcançados até o momento. A
reunião ocorreu em novembro de 1996, no Centro de Conferências e Estudos da
22
Fundação Rockefeller em Bellagio, Itália.‖8 (HARDI & ZDAN, 1997, p.8)
Importante salientar que os documentos elaborados no fórum em Bellagio, como o
―Assessing Sustainable Development: Principles in Practice‖ e sua posterior revisão – ―Bellagio
STAMP: Principles for Sustainability assessment and measurement‖ – deram o principal suporte
teórico e conceitual para o desenvolvimento do DS.
6.2.2 Aspectos teóricos e conceituais
Como citado anteriormente, os documentos elaborados no fórum em Bellagio fornecem as
bases teóricas e conceituais do DS. De maneira resumida, em 1996, um grupo de pesquisadores da
temática da avaliação e mensuração do desenvolvimento formulou os princípios de Bellagio
(Bellagio Principles), os quais, segundo os próprios pesquisadores, fornecem orientação precisa
sobre como medir e avaliar o progresso para a sustentabilidade (PINTÉR et al., 2012); ou seja, os
princípios não são indicadores em si, mas auxiliam a construção de sistemas de indicadores de
sustentabilidade que possuam um certo aporte teórico, condizente com o que os autores entendem
acerca da problemática socioambiental e que conceitos e ideias possuem sobre a temática do
desenvolvimento:
―A ideia por trás dos Princípios de Bellagio era que a harmonização não é simplesmente
uma questão de selecionar quadros e indicadores comuns, mas de seguir uma abordagem
comum de desenvolvimento e utilização de sistemas de avaliação como parte integrante
do funcionamento das instituições e da sociedade. Os Princípios não pretendiam chegar a
um conjunto comum de indicadores, mas orientar um sistema global de indicadores e
análises que – ao longo do tempo – convergissem e tivessem maior confiabilidade.‖9
(PINTÉR et al., 2012, p.21)
Os princípios de Bellagio foram reformulados em 2009, sendo renomeados para
Sustainability Assessment and Measurement Principles (STAMP). Com a eliminação de algumas
ambigüidades e duplicações, e com novas ênfases, o número de princípios passou de dez para oito.
Os princípios de Bellagio ou STAMP, e seus fundamentos filosóficos e científicos, orientaram a
formulação e desenvolvimento do DS.
8 Tradução livre de: ―In response to the need for improved indicators, the International Institute for Sustainable
Development (IISD) sought and received support from the Rockefeller Foundation to bring together an international
group of measurement practitioners and researchers from five continents to review progress to date and to synthesize
insights from practical ongoing efforts. The meeting took place in November, 1996 at the Rockefeller Foundation‘s
Study and Conference Center in Bellagio, Italy.‖ (HARDI & ZDAN, 1997, p.8) 9 Tradução livre de: ―The idea behind the Bellagio Principles was that harmonization is not simply a matter of selecting
common frameworks and indicators, but of following a common approach of developing and using measurement
systems as an integral part of how institutions and society function. The Principles were not expected to lead directly to
common indicator sets, but to help guide overall indicator system design and analysis that—over time—will result in
convergence and better accountability.‖ (PINTÉR et al., 2012, p.21)
23
Primeiramente, pode-se dizer que, da perspectiva da ciência, os STAMP se sustentam em
dois aspectos relevantes: a emergência da ciência pós-normal e a crescente demanda por ciência
política relevante.
- Ciência pós-normal e ciência política relevante
Essa nova tendência de prática científica, denominada por FUNTOWICZ e RAVETZ (1993)
como ciência pós-normal, surge da necessidade de uma nova ciência em contraposição à chamada
ciência normal.
Apesar dos inúmeros benefícios que os avanços científicos e tecnológicos acarretaram para
as sociedades humanas até os dias atuais, existem muitos aspectos inerentes à ciência e ao método
científico tradicional, ou ciência normal, com implicações consideradas problemáticas para o meio
ambiente e para a sociedade. Historicamente, considera-se que o grande êxito da ciência européia
moderna foi a simplificação da complexidade, fragmentando a ciência em disciplinas e separando
os objetos de estudo do sujeito que os estudava. Tal método entra em desacordo com uma realidade
complexa em diferentes níveis. Além disso, outras formas de conhecimento, de saberes, foram
marginalizados.
SANTOS, ao tratar das tensões entre ciência, filosofia e teologia, coloca que a ―visibilidade
[dessas tensões] assenta na invisibilidade de formas de conhecimento [populares, leigos, plebeus,
camponeses ou indígenas] que não se encaixam em nenhuma dessas modalidades‖ (2007, p.72).
Esses conhecimentos estão para além do universo do verdadeiro e do falso científico, e de sua
objetividade e racionalidade instrumental.
Acredita-se que, para fazer frente às novas questões socioambientais emergentes, ou à ―crise
do conhecimento‖ nas palavras de LEFF (2003), a ciência fragmentada em disciplinas deveria
converter-se em ciência inter e transdisciplinar, mas, além disso, a ciência moderna deve ser
encarada como promotora de um diálogo entre os saberes ou ―ecologia de saberes‖ segundo
SANTOS (2007), reconhecendo-se a pluralidade de conhecimentos diversos e as interações entre
eles, sem comprometer suas autonomias.
Neste contexto relacionado à ciência normal, de fragmentação e reducionismo da realidade,
além da desconsideração por outros saberes, surge a idéia de ciência pós-normal. Para a ciência pós-
normal, de acordo com FUNTOWICZ e RAVETZ (1993), a busca de verdades instrumentais e
conquista da natureza já não são mais as metas do novo conhecimento científico, mas a necessidade
de se buscar uma relação de harmonia entre a humanidade e a natureza. Além disso, PINTÉR et al.
(2012) destacam que essa nova tendência de prática científica se contrapõe às ―certezas‖ científicas,
sublinhando a importância da incerteza e da necessidade de se reconhecer múltiplas perspectivas na
busca pelo entendimento da natureza de uma realidade complexa e cada vez mais interligada.
24
ALIER (2011) sintetiza o aspecto da incerteza e da consideração por outros saberes que não
somente o científico, presente na ciência pós-normal:
―Em muitos problemas atuais, importantes e urgentes, nos quais os valores estão em
disputa e as incertezas, que não se restringem a riscos probabilísticos, são altas, é possível
observar especialistas ‗qualificados‘ desafiados em muitas ocasiões por cidadãos comuns
ou por integrantes dos grupos ambientalistas. (...) Na ciência pós-normal, diferentemente
da ciência normal, os não-especialistas são incluídos, manifestadamente, pela razão de
que os especialistas oficiais ou qualificados são incapazes de oferecer respostas
convincentes aos problemas que enfrentam.‖ (ALIER, 2011, p. 67)
Com relação ao segundo aspecto primordial que sustenta os STAMP, a demanda por ciência
política relevante refere-se ao papel crescente e à responsabilidade da ciência no enfrentamento de
problemas do mundo real, os quais requerem abordagens integrativas e adaptativas, tanto em
relação à transversalidade aos diversos campos disciplinares, quanto em termos de escala temporal e
espacial. Destaca-se também a possibilidade de articular informações de instituições científicas com
outras, e a consequente necessidade de ampla abertura dessas informações à sociedade, objetivando-
se o controle social das políticas públicas integradas ao modelo de desenvolvimento pretendido.
A partir destes dois aspectos da ciência tratados, a questão da ciência pós-normal e a ciência
política relevante, é que foram desenvolvidos os princípios de Bellagio, ou os STAMP, os quais
deram subsídios teóricos para a elaboração do Dashboard of Sustainability.
- Os princípios para avaliar e mensurar a sustentabilidade (STAMP) e o Dashboard of
Sustainability
Como citado anteriormente, inicialmente foram desenvolvidos dez princípios para o subsídio
de ferramentas de avaliação e mensuração da sustentabilidade, sendo tal número reduzido para oito
em revisão posterior. Trataremos brevemente do conteúdo desses oito princípios, bem como,
abordaremos o DS em suas características específicas, suas relações com tais princípios e o
conjunto de indicadores principais que fazem parte do sistema DS; ou seja, utilizaremos o STAMP
como forma de trazer à tona e discutir algumas características do DS.
Segundo PINTÉR et al. (2012), o princípio 1 refere-se à visão norteadora do chamado
desenvolvimento sustentável, estabelecendo que a ―avaliação do progresso em direção ao
desenvolvimento sustentável será guiada pelo objetivo de oferecer bem-estar, dentro da
capacidade da biosfera de sustentá-lo para as gerações futuras‖10
(p. 22). Portanto, deriva-se desse
princípio que se deve ter a clara noção do que ―desenvolvimento‖ significa para a sociedade, bem
como o tipo de desenvolvimento que pode ser sustentado em termos intergeracionais. Dessa forma,
10
Tradução livre de: ―Assessment of progress toward sustainable development will be guided by the goal of delivering
well-being within the capacity of the biosphere to sustain it for future generations.‖ (PINTÉR et al., 2012).
25
STIGLITZ et. al. (2009) apud PINTÉR et. al. (2012) destacam que, ao mensurar a sustentabilidade,
os indicadores devem informar minimamente sobre mudanças quantitativas nos fatores
determinantes do bem-estar futuro, o que implica conceituar bem-estar, e identificar os fatores
necessários para atingi-lo e mantê-lo no presente e no futuro.
Apesar de considerarem que o entendimento de ―bem-estar‖ e ―desenvolvimento‖ variam de
acordo com as concepções políticas dos atores sociais, PINTÉR et al. (2012) destacam que o
―desenvolvimento sustentável‖ é um conceito integrador. Consequentemente, qualquer avaliação de
progresso em direção à sustentabilidade também deve estar inserida em um processo integrado, com
uma ferramenta correspondente para a tomada de decisão.
Buscando entender o desenvolvimento de forma multidimensional e integrada, o DS utiliza-
se, originalmente, de quatro dimensões ou temas da realidade com o intuito de avaliar e mensurar o
progresso em direção à sustentabilidade; são elas: a dimensão econômica, a social, a ambiental e a
institucional. Tais dimensões são mensuradas através de um conjunto de indicadores considerados
centrais (Quadro 1), de acordo com estudos e pesquisas da Comissão de Desenvolvimento
Sustentável das Nações Unidas (no original, UN CSD).
Quadro 1 – Indicadores ou variáveis que compõem as dimensões social, ambiental, econômica
e institucional abordadas pelo DS
Dimensão ou Tema Indicadores ou variáveis
So
cia
l
1. População vivendo abaixo da linha da pobreza (1PPP$/Day)
2. Coeficiente de Gini de distribuição de renda
3. Desemprego
4. Relação salário masculino/feminino do setor manufatureiro
5. Crianças com baixo peso ao nascer
6. Taxa de mortalidade infantil
7. Expectativa de vida ao nascer
8. Esgotamento sanitário adequado
9. Acesso à água encanada
10. Acesso aos cuidados de saúde
11. Imunização infantil
12. Prevalência de uso de contraceptivos
13. Escolaridade básica (equivalente a 5ª série no sistema
educacional americano)
14. Escola secundária (ensino médio)
15. Taxa de alfabetização, total de adultos
16. Área residencial na principal cidade
17. Crimes e homicídios
18. Taxa de crescimento populacional
19. % da população em áreas urbanas
Am
b. 20. Emissões de CO2
21. Emissões de outros gases de efeito estufa
22. Emissões de CFC
26
(continuação) Quadro 1 – Indicadores ou variáveis que compõem as dimensões social,
ambiental, econômica e institucional abordadas pelo DS
Am
bie
nta
l
(co
nti
nu
açã
o)
23. Poluição atmosférica urbana
24. Terras aráveis e com culturas permanentes
25. Consumo de fertilizantes
26. Pesticidas
27. Área de floresta
28. Intensidade de colheita de madeira
29. Desertos e terras áridas
30. Assentamento urbano informal
31. Fósforo na água urbana
32. População em áreas costeiras
33. Produção pesqueira da aqüicultura
34. Uso de água renovável
35. DBO nos corpos hídricos
36. Coliformes fecais na água urbana
37. Ecossistemas chaves (IUCN I-III)*
38. Áreas de terras protegidas
39. Mamíferos e aves
Eco
nô
mic
a
40. Renda per capita
41. Investimentos
42. Balanço do pagamento (saldo em conta corrente)
43. Dívida externa
44. Ajuda oficial ao desenvolvimento
45. Intensidade do uso de metais e minerais
46. Consumo de energia comercial
47. Recursos energéticos renováveis
48. Eficiência energética do PIB
49. Descarte adequado dos resíduos sólidos
50. Resíduos perigosos gerados
51. Resíduos nucleares
52. Reciclagem de resíduos
53. Uso de automóvel privado para trabalhar
Inst
itu
cio
na
l
54. Estratégia de Desenvolvimento Sustentável
55. Membros em ONGs ambientais
56. Usuários da internet
57. Principais linhas de telefone
58. Despesas com pesquisa e desenvolvimento
59. Custo humano de desastres naturais
60. Danos causados por desastres naturais
61. Número de séries na abordagem CSD ** * A União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN – International Union for Conservation
of Nature) classifica áreas protegidas em categorias. O DS utiliza as três primeiras categorias: Ia) reserva
natural estrita, Ib) área selvagem, II) parque nacional e III) monumento natural. Os maiores detalhes
sobre cada categoria pode ser encontrado no site oficial da União:
<http://www.iucn.org/about/work/programmes/pa/pa_products/wcpa_categories>.
** CSD – Commission on Sustainable Development (Comissão de Desenvolvimento Sustentável)
FONTE: EUROPEAN STATISTICAL LABORATORY, s/d.
A agregação de todos os indicadores das quatro dimensões resulta no Sustainable
Development Índex – SDI (figura 1). Além disso, buscando uma maior inter-relação entre as
dimensões, principalmente em termos socioecológicos e econômico-ecológicos, o DS possibilita
que sejam feitas relações entre os diferentes indicadores (figura 2), sem que isso seja sinônimo, em
27
caso de correlação positiva, de causalidade.
Figura 1 – Dimensões abordadas pelo DS e exemplos de
indicadores que compõem as dimensões social e ambiental, cuja
interpretação, em termos quali ou quantitativos, depende da cor
do painel, e seu peso em relação aos demais indicadores depende
do tamanho de seu espaço no painel.
FONTE: EUROPEAN STATISTICAL LABORATORY, s/d.
Dessa forma, assim como preconizado pelo princípio 1 dos STAMP, percebe-se que o DS
procura abordar a questão do desenvolvimento de maneira sistêmica, integrando múltiplas
dimensões. Apesar disso, o DS não possibilita o acompanhamento do dinamismo territorial,
observando a existência de mudanças no território de forma estática, mesmo que com intervalos
temporais estabelecidos; ou seja, através do DS torna-se difícil o acompanhamento dos processos
(ou fatores causais) que levam a certas mudanças em um espaço. No entanto, o DS permite a
visualização clara dos resultados (ou consequências) de tais processos. Além dessas considerações,
não estavam explícitos nos documentos pesquisados os critérios utilizados para a escolha dos
indicadores que compõem o DS. Apesar de tais indicadores serem frutos de pesquisas da UN CSD,
as escolhas de alguns, em meio a outras possibilidades, não foram esclarecidas.
Outra questão a ser ressaltada, de maneira positiva, é o fato dos indicadores ambientais do
DS serem abordados em suas unidades biofísicas características, sem que se busque a tradução ou
28
valoração de tais informações ambientais em termos monetários, o que evita que tal ―capital
natural‖ possa ser simplesmente substituído por outras formas de capitais. Essa característica
aproxima o sistema de indicadores do DS do conceito de sustentabilidade forte e da Economia
Ecológica, na busca de uma avaliação multicriterial da realidade, evitando-se possíveis
reducionismos em aspectos monetários ou econômicos.
Figura 2 – O DS permite correlações entre os indicadores que o compõem; como
exemplo, na figura abaixo é feita uma correlação entre desemprego e PIB.
FONTE: EUROPEAN STATISTICAL LABORATORY, s/d.
O princípio 2 dos STAMP trata de algumas questões essenciais que as avaliações de
progresso em direção ao desenvolvimento sustentável devem possuir, como considerar: o sistema
social, econômico e ambiental como um todo, além das interações entre seus componentes,
incluindo questões relacionadas à governança; as dinâmicas e as interações entre as tendências
atuais e os condutores de mudança; os riscos, as incertezas e as atividades que possam ter um
impacto além das fronteiras; e as implicações para a tomada de decisão, incluindo os trade-offs e as
sinergias (PINTÉR et al., 2012).
De certa forma, as implicações desse princípio para o DS já foram tratadas anteriormente,
como sua característica multidimensional, sua dificuldade em representar as dinâmicas territoriais e
os condutores de mudança processuais, e as ferramentas que fornece para a correlação entre
indicadores (com aspectos sinérgicos ou não). Acrescenta-se, porém, que, o DS permite levar em
consideração os riscos, as incertezas e as atividades que possam ter um impacto além das fronteiras,
tendo em vista que seu caráter multicriterial possibilita diminuir algumas incertezas, o que não
aconteceria se fossem utilizados somente alguns indicadores e fossem esquecidos outros de grande
importância (EUROPEAN STATISTICAL LABORATORY, s/d).
29
Todavia, talvez o grande problema do DS, no que tange levar em consideração
externalidades negativas que ultrapassam fronteiras, esteja no fato deste sistema de indicadores
levar em conta somente fatores de sustentabilidade do território, tendo como parâmetro uma
pontuação específica, sem considerar a insustentabilidade em outras escalas espaciais que tal
território possa causar ao utilizar recursos naturais e humanos de outras localidades, buscando suprir
suas próprias necessidades. Assim, como possibilidade de corrigir tal deficiência, o DS incorporou,
em suas versões mais recentes, a Pegada Ecológica (Ecological Footprint), buscando mensurar o
nível de insustentabilidade dos territórios. Segundo ALIER (2011), a Pegada Ecológica ―representa,
em hectares de terra, alguns aspectos importantes do impacto ambiental humano (...)[sendo que] sua
virtude é a de constituir um índice territorial‖ (p.72).
Ainda em relação do princípio 2 com o DS, outro ponto a se destacar é a questão da
governança preconizada pelo princípio, que pode ser encontrada nos indicadores da dimensão
institucional do DS, mesmo que de maneira incompleta, através, por exemplo, da presença ou não
de atores sociais em específico, ou então, na existência ou ausência de políticas ambientais. A
dimensão institucional é de extrema importância, já que pode vir a destacar os atributos das
políticas de desenvolvimento de curto a longo prazo, planejadas ou em andamento, sendo que, os
resultados de tais políticas podem vir a se refletir nos indicadores das dimensões econômica, social
e ambiental.
O princípio 3 dos STAMP trata do escopo adequado em uma tentativa de avaliação do
progresso em direção ao desenvolvimento sustentável, necessitando-se de: um horizonte de tempo
apropriado para capturar efeitos de curto e/ou longo prazo das decisões políticas atuais, bem como
das atividades humanas; e de um escopo geográfico ou espacial adequado (PINTÉR et al., 2012).
O DS, apesar de ter sido desenvolvido para escalas nacionais em seu modelo padrão, pode
ser utilizado para escalas menores, como municípios, por exemplo, desde que existam dados
adequados, em formatos compatíveis, para os indicadores, o que é algo extremamente difícil e raro
de acontecer (figura 3). Além disso, o DS, caso exista uma série de dados ao longo do tempo,
possibilita uma análise anual dos indicadores, mesmo que de forma relativamente estática.
O princípio 4 dos STAMP trata da abordagem metodológica e dos indicadores que devem
subsidiar uma avaliação do progresso em direção ao desenvolvimento sustentável, destacando-se a
necessidade de: um quadro conceitual, que identifica os domínios nos quais os indicadores
fundamentais para avaliar o progresso devem ser buscados; e de métodos padronizados de medição
sempre que possível, no interesse da comparabilidade; comparação dos valores dos indicadores com
metas, quando possível (PINTÉR et al., 2011).
30
Figura 3 – o DS e suas possíveis escalas geográficas de utilização.
FONTE: EUROPEAN STATISTICAL LABORATORY, s/d.
No caso do DS, a questão do quadro conceitual, dos domínios e dos indicadores utilizados já
foi abordada, sendo destacado o fato de serem utilizados pelo DS indicadores considerados centrais
pela UN CSD, mesmo que os critérios de escolha não tenham sido explicitados. Com relação à
comparabilidade dos dados representados pelos indicadores, com metas previamente estabelecidas,
o DS, por utilizar indicadores elaborados pela UN CSD, baseia-se nos valores-parâmetros, tidos
como adequados ou não por essa instituição, apresentando fórmula própria na atribuição de pontos
para cada indicador, visando ordená-los:
Assim, para um dado indicador x, os termos descritos na fórmula anterior são definidos
como:
(pontuação DS)i: a pontuação DS atribuída para o indicador x no contexto i;
(valor)i: o valor do indicador x no contexto i;
(valor)b: o melhor valor de x entre todos os contextos;
(valor)w: o pior valor do indicador x entre todos os contextos.
A versão mais recente do DS também apresenta como opção um modelo baseado nas Metas
de Desenvolvimento do Milênio da ONU, o MDG Dashboard, que é baseado nos indicadores e
National level: Italy
Regional level:
Subregional:
Urban level:
31
metas específicas desse programa.
O princípio 5 dos STAMP trata da transparência que a avaliação do progresso em direção ao
desenvolvimento sustentável deve ter, garantindo que os dados, indicadores e resultados da
avaliação sejam acessíveis ao público; devem estar claras as escolhas, suposições e incertezas que
determinam os resultados da avaliação, divulgando as fontes de dados e métodos, e declarando
todas as fontes de financiamento e potenciais conflitos de interesse (PINTÉR et al., 2012).
O sistema de indicadores do DS permite ao público o acesso aos dados, indicadores e
resultados, possibilitando que outros indicadores sejam utilizados, em outras escalas de espaço
geográfico. Todavia, como já visto, sua forma de trabalhar e processar os dados, para a produção do
índice e das pontuações e rankeamentos, é interna, através da fórmula específica anteriormente
apresentada, não permitindo sugestões ou acréscimos nesse ponto.
O princípio 6 trata da necessidade de efetiva comunicação, na tentativa de avaliar o
progresso em direção ao desenvolvimento sustentável, sendo necessário: utilizar linguagem clara e
simples; apresentar informações de forma justa e objetiva (sendo uma ferramenta confiável para
gestores públicos e sociedade); usar ferramentas visuais inovadoras e gráficos para facilitar a
interpretação e contar uma história; tornar os dados disponíveis em tantos detalhes quanto for
viável, confiável e compreensível (PINTÉR et al., 2012).
O DS possui todas as características visuais previstas no princípio 6; todavia, a comunicação
efetiva é muito subjetiva e pode não ser alcançada. Além disso, alguns indicadores do DS não são
textualmente claros, com abreviações de difícil compreensão, para pessoas leigas ou especialistas.
O princípio 7 trata da necessidade de ampla participação da sociedade no processo de
avaliação do progresso em direção ao desenvolvimento sustentável. Com relação a esse ponto, o DS
pode ser considerado um processo fechado ou aberto, pois possibilita a escolha aberta de
indicadores mais adequados ao contexto espacial que se quer avaliar; ao mesmo tempo, o DS
impossibilita o trabalho com outras dimensões além das quatro apresentadas, até porque possui as
fórmulas de processamento dos dados embutidas, sem a possibilidade de alterações (PINTÉR et al.,
2012).
Por fim, o princípio 8 trata da necessidade de continuidade e capacidade na avaliação do
progresso em direção ao desenvolvimento sustentável, através: da medição repetida; da capacidade
de resposta à mudança; de investimentos para desenvolver e manter a capacidade adequada; e de
aprendizagem e melhoria contínua (PINTÉR et al., 2012).
O DS possui uma manutenção e continuidade garantidas pelo seu gerenciamento através do
Consultative Group on Sustainable Development Indicators (CGSDI).
32
6.3 O PEIR
6.3.1 Aspectos históricos
Abordadas as características principais relacionadas ao DS, trataremos dos atributos
específicos relacionados ao PEIR, para que, posteriormente, possamos comparar os dois sistemas de
indicadores, em suas complementaridades e divergências.
O PEIR (Pressão-Estado-Impacto-Resposta) é uma das variações do PER (Pressão-Estado-
Resposta), que foi proposto pela primeira vez por Tony Friend e David Rapport, que tinham como
objetivo analisar as interações entre pressões, estados e respostas do ambiente (modelo stress-
response) (OECD, 1998; CARR et al., 2007).
Embora a OECD utilizasse a estrutura PER desde a década de 1970, somente em 1989
iniciou um programa de indicadores ambientais, buscando um grupo de indicadores que pudesse ser
utilizado, tanto em âmbito internacional quanto nacional, para medir desempenho ambiental e
auxiliar no planejamento de uma nação, clarificando os objetivos da política e definindo
prioridades. Tudo isso, sem, porém, deixar de reconhecer que não existe um conjunto de
indicadores que seja universal, sendo necessários vários conjuntos para fins específicos.
Apesar de sua relevância, o modelo PER, por se focar apenas em pressões e respostas
antropocêntricas, acabava por deixar de fora as variabilidades naturais. Assim, a UN CSD, em
1997, modificou o modelo, expandindo-o para Força Motriz-Pressão-Estado-Resposta (FMPER),
no qual a força motriz inclui não somente sistemas sociais, políticos, econômicos e demográficos,
como também pressões resultantes dos sistemas naturais (CARR et al., 2007).
Ainda assim, algumas críticas que haviam sido feitas sobre o PER não foram resolvidas com
a introdução da força motriz. As críticas eram que tanto o PER quanto o FMPER não possuíam uma
categoria focada nas razões da pressão e que não conseguiam motivar a mudança do estado do
ambiente pelas respostas. Assim, em 1999, a Agência Ambiental Européia (EEA - European
Environment Agency) incluiu o fator impacto, resultando em Força Motriz-Pressão-Estado-Impacto-
Resposta (FMPEIR). Esse novo modelo foi adotado pelo PNUMA, em 2007, na Avaliação Global
GEO-4, trabalho principal em que o GEO Cidades baseia-se, mais especificamente no município de
São Paulo. No Brasil, todavia, o modelo mais utilizado é o PEIR, excluindo a força motriz, devido,
principalmente à época em que esta foi incorporada pelo PNUMA.
A concepção do modelo foi focada para auxiliar na tomada de decisão em diversos âmbitos,
local, nacional, regional e global.
Pode-se considerar, independente da variação a ser utilizada (PER, PEIR, FMPER ou
FMPEIR), que os aspectos teóricos e conceituais de cada modelo seguem o mesmo raciocínio,
33
baseado no que o modelo inicial11
considera por desenvolvimento sustentável e outros conceitos
embutidos.
6.3.2 Aspectos teóricos e conceituais
Antes de aprofundarmos a análise do PEIR, é necessário compreendermos o que a
organização que o utiliza entende por desenvolvimento sustentável. Já discutimos sobre as várias
possibilidades de interpretação do termo e a importância do embasamento teórico entre os dois
modelos de indicadores serem convergentes, como parte da verificação da complementaridade entre
eles.
Sendo a OECD uma organização formada por vários grupos de trabalho, espera-se que a
maioria das pessoas compartilhem os diversos conceitos utilizados, porém, nem sempre existe
unanimidade sobre estes. Segundo a UNITED NATIONS (2008)12
, muitos dos especialistas, apesar
de concordarem com o conceito de desenvolvimento sustentável dado pelo Relatório Brundtland e o
aceitarem como ponto de partida, consideram que existem duas vertentes quanto a sua
interpretação.
Uma das vertentes enfatiza a dimensão inter-gerações que o conceito aponta, enquanto outra
defende a ênfase equilibrada intra e inter-gerações. Embora pareça uma pequena diferença de
opinião, é importante que se discutam esses dois pontos, porque têm marcos conceituais que
divergem, podendo, na elaboração final e utilização do modelo, haver diferenças na análise de cada
item. Quando se dá ênfase em atender as necessidades básicas humanas para futuras gerações, pode-
se ter planos somente a longo prazo, desprezando questões pontuais que necessitam ser tratadas
rapidamente. Por outro lado, a ênfase nas necessidades humanas desta geração pode ocasionar o
esgotamento de recursos para as futuras gerações, entre outras consequências.
Para a UNITED NATIONS (2008), o termo desenvolvimento está relacionado com o
aumento do bem-estar de uma sociedade, caracterizando, assim, aquela terceira visão de
desenvolvimento tratada no começo do trabalho e definida por FURTADO (2004), desraigando-se
do cunho econômico.
Outra questão interessante tratada pela UNITED NATIONS (2008) é a questão de bem-
estar. Em inglês, há dois termos – well-being e welfare – que, embora pareçam ter o mesmo
significado, podem ter conotações diferentes. Enquanto welfare tem um significado mais
11
Apesar de Rapport & Friend (1979) serem os precursores do modelo, consideramos nesse trabalho os conceitos
trabalhados pela OECD, visto que, mesmo com as modificações ao longo do tempo, acabou por ser um modelo mais
próximo do atual, sendo que ainda é utilizado. 12
Relatório elaborado pelas Nações Unidas em conjunto com United Nations Economic Commission for Europe
(UNECE), OECD e Eurostat.
34
econômico ligado ao consumo, well-being não se refere apenas a questão econômica, incluindo
questões psicológicas e sociais, e sendo, portanto, mais abrangente, embora não haja um consenso
sobre as diferenças entre os dois termos. De qualquer forma, a UNITED NATIONS (2008) faz uma
afirmação que confirma sua visão de sustentabilidade forte:
―Economistas se interessam principalmente pelo bem-estar decorrente do consumo, como
tradicionalmente é definido: o prazer dos bens e serviços adquiridos no mercado. Mas, se
é para ser útil para medir o desenvolvimento sustentável, bem-estar deve ser visto como
uma função do consumo no sentido mais amplo possível. Consumo, nesse sentido, deve
incluir o usufruto de qualquer bem ou serviço que contribua para o bem-estar, incluindo
coisas oferecidas pela natureza gratuitamente, como produtos florestais e belos pores do
sol. É possível até pensar na satisfação em ter os benefícios dos direitos humanos ou da
aptidão psicológica como formas de consumo‖13
(2008, p.20).
Se definir desenvolvimento sustentável envolve divergências, mensurá-lo também não é
simples. Os estudos sobre esse modelo apontam vantagens e desvantagens.
O PER se baseia no conceito de causalidade, em que atividades humanas exercem uma
pressão sobre o ambiente e mudam o estado, a qualidade e quantidade de recursos naturais, havendo
assim, uma resposta ambiental, econômica e setorial da sociedade (OECD, 1993; OECD, 1998).
Pode-se observar na figura 4 as interações entre as estruturas do PER e na figura 5 as interações
entre as estruturas do FMPEIR. A seguir, explanaremos sobre cada variável do modelo:
A força motriz está relacionada aos processos fundamentais da sociedade, que dirigem as
atividades humanas que impactam diretamente o ambiente, como a distribuição de riquezas, padrões
de produção e consumo, crescimento demográfico, inovação científica e tecnológica, demanda
econômica, mercados e comércios, modelos institucionais e político-sociais e os sistemas de valores
(CARR et al., 2007; PNUMA, 2007).
A pressão está relacionada às pressões que as atividades humanas exercem no ambiente,
incluindo as pressões sobre a qualidade e a quantidade de recursos naturais. Podem ser diretas,
imediatas, ou seja, que atingem diretamente o ambiente (e.g. emissões de poluentes ou desperdício
de recursos naturais); e indiretas, ou seja, refletem as atividades humanas que levam a pressões
ambientais imediatas. Estão intimamente ligadas aos padrões de produção e consumo, já que
refletem a emissão de poluentes e a utilização de recursos (OECD, 1993; OECD, 1998). Segundo a
OECD (1998), a pressão também pode mostrar o progresso em dissociar as atividades econômicas
de pressões ambientais, além do progresso no cumprimento dos objetivos nacionais e dos
13
Tradução livre de: ―Economists are interested mainly in the well-being derived from consumption as traditionally
defined: the enjoyment of goods and services purchased in the market. But if it is to be useful for measuring sustainable
development, well-being must be seen to be a function of consumption in the broadest sense possible. Consumption in
this sense must include the enjoyment of any good or service that contributes to well-being, including things freely
provided by nature like forest products and beautiful sunsets. It is possible even to think of the enjoyment of the benefits
of human rights or psychological fitness as being forms of consumption‖ (UNITED NATIONS, 2008, p.20).
35
compromissos internacionais (e.g. metas de redução de emissões). CARR et al. (2007) apontam
como exemplos o crescimento de uso de fertilizantes e o aumento da produção de gases de efeito
estufa.
Figura 4 – Interações entre as estruturas do PER
FONTE: Adaptado de OECD (1993); (1998).
Figura 5 – Interações entre as estruturas do FMPEIR
FONTE: CARR et al., 2007.
36
O estado, que, segundo a OECD (1993), pode ser considerado em termos de indicadores de
condições ambientais, compreende a qualidade ambiental, e a relação de efeito ou impactos com a
quantidade e qualidade dos recursos naturais. Assim, além de abranger ecossistemas e condições do
meio ambiente natural, o estado também dá uma visão geral da situação da qualidade de vida e
aspectos da saúde humana. Refletem, portanto, o objetivo final da política ambiental. Alguns
exemplos de indicadores de condições ambientais seriam a concentração de poluentes no meio
ambiente e a ultrapassagem de níveis críticos, a exposição da população a certos níveis de poluição
ou degradação da qualidade ambiental, modificação da biodiversidade, o aumento da eutrofização e
a situação dos estoques de recursos naturais. O objetivo do estado é mostrar uma visão geral da
situação do meio ambiente, e não das pressões exercidas sobre este. No entanto, na prática, muitas
vezes o estado e as pressões se confundem, são ambíguos, além da medição ser difícil ou muito
cara. Assim, em muitos casos, a medição das pressões é utilizada como substituto do estado (CARR
et al., 2007; OECD, 1993; OECD, 1998).
Os impactos são as maneiras pelas quais as mudanças no estado influenciam o bem-estar da
sociedade. Exemplos de impactos seriam o declínio da disponibilidade de alimentos e o aumento da
vulnerabilidade a doenças (CARR et al., 2007).
A resposta, ou, como a OECD (1993) denomina, indicadores de respostas sociais, mostra a
resposta da sociedade frente às alterações ambientais. Podem ser ações individuais ou coletivas, que
visam prevenir, adaptar ou mitigar os impactos causados pelo homem sobre o meio ambiente,
buscando deter ou reverter os danos ambientais. A prevenção de danos ambientais inclui ações de
preservação e conservação do meio ambiente e de recursos naturais (OECD, 1993; OCED,1998).
CARR et al. (2007) completam a definição afirmando que são esforços para modificar o estado do
ambiente, a partir dos impactos verificados neste.
Se comparados com indicadores de pressão e alguns indicadores de estado, a maioria dos
indicadores de resposta tem uma história curta, ainda em fase de desenvolvimento, tanto
conceitualmente quanto em termos de disponibilidade de dados. Isto deve ser levado em conta para
evitar erros de interpretação (OECD, 1993). Além disso, há ainda dois pontos a se destacar com
relação à resposta:
1. Em primeiro lugar, pode haver uma confusão entre indicadores de pressão e de
resposta, quando os indicadores de resposta capturam efeitos de respostas da
sociedade sobre pressões ambientais. Para exemplificar, podemos considerar a
redução na emissão de gases de estufa ou a melhoria na eficiência energética. Isso
poderia ser interpretado como uma pressão ou resposta para a mudança do clima.
Idealmente, o indicador de resposta deve refletir esforços da sociedade na luta contra
um problema ambiental específico (OECD, 1993). Na prática, os indicadores
37
referem-se principalmente a medidas de redução e controle. Os que apresentam
medidas preventivas e de integração de ações são mais difíceis de obter, pelo
segundo ponto a ser explicado a seguir.
2. Indicadores são de natureza quantitativa, portanto, indicadores de resposta estão
limitados a respostas que são mensuráveis em termos quantitativos. Assim, respostas
que só podem ser expressas em termos qualitativos (e.g. se um acordo internacional
ambiental tem sido ratificado ou não) estão, portanto, ausentes no presente conjunto
de indicadores. Em alguns casos, as respostas podem até serem mensuráveis a
princípio, mas, ou são muito específicas, ou então, demasiado numerosas para serem
medidas na prática. Um exemplo é a área de tecnologia relacionada com os
regulamentos e normas abrangentes, com regras difíceis de expressar de maneira
concisa ou para comparar internacionalmente. Em avaliações de desempenho, as
informações qualitativas e científicas geralmente complementam os indicadores
quantitativos (OECD, 1993).
Outros exemplos de indicadores de respostas são despesas ambientais (impostos e subsídios
relacionados com o ambiente), estruturas de preços, quotas de mercado de bens e serviços
ecológicos, taxas de redução da poluição e taxas de reciclagem de resíduos (OECD,1998).
Apesar de o PEIR ser flexível, sendo realizado conforme o que o gestor público entende
como importante para o desenvolvimento sustentável, a OECD estabelece algumas diretrizes em
seu programa de indicadores ambientais: um conjunto central de indicadores (core set) e vários
conjuntos de indicadores setoriais (socioeconômicos), além de indicadores de contabilidade
ambiental (econômico-ecológicos) (OECD,1993; OCED,1998).
O conjunto central de indicadores é uma síntese; um conjunto mínimo comum entre os
países da OECD. Aqui estão inseridos indicadores derivados dos indicadores socioeconômicos e
econômico-ecológicos, publicado regularmente. Seria o primeiro passo para a verificação do
progresso ambiental e os fatores a este envolvidos, sendo uma importante ferramenta para medir o
desempenho ambiental. As principais características do conjunto central de indicadores são (OECD,
1998):
- número limitado de indicadores (cerca de 50);
- indicadores amplos, abrangendo uma gama de questões ambientais;
- indicadores demonstrativos, ou seja, refletem uma abordagem comum para a maioria dos países da
OECD.
Para desenvolver esse conjunto básico de indicadores ambientais, a OECD se baseou em
alguns elementos estruturais:
38
o uso do modelo PSR para fornecer uma classificação em indicadores de pressões
ambientais, indicadores das condições ambientais e indicadores de respostas da sociedade
(OECD, 1998);
o uso de uma série de questões ambientais que reflete grandes preocupações ambientais nos
países da OECD. Para cada questão, foram definidos indicadores de pressões ambientais,
condições e respostas sociais (OECD, 1998). Conforme a figura 6, podemos observar que as
questões de 1 a 9 lidam com questões de qualidade ambiental, considerados pela OECD
como sink-oriented, ao passo que as questões de 10 a 13 focam na quantidade de recursos
naturais, denominados source-oriented. A questão 14 engloba problemáticas como o
crescimento da população, a economia de toda despesa com o ambiente ou a opinião pública
sobre o meio ambiente, já que são indicadores que não estão diretamente associados a uma
questão ambiental específica. É preciso salientar que essa lista não é definitiva, pois essas
questões dependem de mudanças. Novos problemas, então, podem ser incorporados e
antigos abandonados, de acordo com sua relevância ambiental (OECD, 1993).
Figura 6 – Core set de indicadores da OECD para questões ambientais
FONTE: OECD, 1998.
A possibilidade de desagregar os principais indicadores a nível setorial (OECD, 1998), que
será melhor explicado a seguir.
O conjunto de indicadores setoriais é uma ferramenta para analisar as pressões ambientais
exercidas por diferentes setores econômicos e as respostas governamentais, distintas das do setor
39
privado ou com interesses financeiros. Indicadores setoriais são úteis na análise da integração das
políticas ambientais e setoriais, e na utilização de recursos de monitoramento e intensidades de
emissão em diferentes setores econômicos. Além de facilitar a integração com sistemas de
informação e modelos econômicos, os indicadores setoriais buscam integrar melhor as
preocupações ambientais às políticas setoriais (OECD, 1998). Essa divisão por setores pode ser
efetuada em:
um sentido funcional (relativa às fontes de poluição): refere-se a setores específicos,
atividades ambientalmente relevantes. Um exemplo é o setor de transportes, que
compreende todas as atividades de transporte, independente de serem realizadas pela
indústria ou empresas de transporte especializadas (OECD,1993);
um sentido institucional (referente à atividade econômica): setores relacionados com as
atividades primárias de estabelecimento econômico ou empresas. Neste caso, o setor de
transportes ficaria restrito ao setor de serviços, lidando com serviços de transporte como
uma atividade primária. As atividades de transporte relacionadas à fabricação seriam
registradas no setor de indústria transformadora. Classificações industriais, como a ISIC
(International Standard Industry Classification) são baseadas neste princípio (OECD,
1993).
Nessas duas abordagens, as pessoas ou famílias são incluídas como um setor. Esta categoria
difere dos outros setores, pois não há um impacto significativo como um setor de produção, mas
salienta o papel das famílias enquanto consumidores. Cada questão pode ser considerada e
desenvolvida em um sentido funcional ou institucional. No entanto, deve ser evitada a sobreposição
de questões (OECD, 1993).
A estrutura conceitual adotada para os indicadores setoriais provém do modelo PSR, mas foi
ajustado para dar conta das especificidades de cada setor (OECD,1998). A classificação dos setores
pode refletir:
tendências setoriais e padrões de significado ambiental (ou seja, pressões indiretas e/ou
relacionados com forças motrizes) (OECD,1998);
interações entre o setor e o meio ambiente, incluindo os efeitos positivos e negativos da
atividade setorial no ambiente (ou seja, pressões diretas, como lançamentos de poluentes e
utilização de recursos e efeitos relacionados e resultantes das condições ambientais, como
concentrações de poluentes e de exposição da população), bem como efeitos das alterações
ambientais sobre a atividade setorial (OECD,1998);
vínculos econômicos entre o setor e o ambiente, bem como considerações políticas. Esta
categoria inclui dano ambiental e despesas ambientais, instrumentos econômicos e fiscais, e
questões comerciais (OECD, 1998).
40
Portanto, os indicadores setoriais podem complementar o conjunto central de indicadores
ambientais com outros que descrevem aspectos específicos, sociais e econômicos do próprio setor.
6.4 DASHBOARD OF SUSTAINABILITY E PEIR: ASPECTOS COMPARATIVOS
A partir do que foi apresentado e analisado, referente aos atributos teóricos, conceituais,
filosóficos e operacionais do DS e do PEIR, procurou-se uma maneira de se sistematizar tais dados
em uma matriz (Quadro 2), tendo em vista a comparação dos dois sistemas de indicadores e a
análise de em que medida eles convergem, divergem ou se complementam. Importante relembrar
que o PEIR, como abordagem metodológica, foi utilizado nos relatórios GEO elaborados para
alguns municípios, como São Paulo, por exemplo. Através da comparação do PEIR com o DS,
pode-se ter uma maior clareza se, primeiramente, o DS pode complementar as informações
fornecidas pelo PEIR e, caso exista essa possibilidade, de que maneira o DS poderia auxiliar em tal
complementação. Analisando-se a matriz, podem-se perceber aspectos importantes e interessantes.
Nota-se a convergência da base teórica, filosófica e conceitual dos dois sistemas de indicadores,
mesmo que tal convergência não esteja explícita ou diretamente apontada pela linguagem utilizada.
Ambos os sistemas de indicadores aproximam-se das características ou premissas da Economia
Ecológica, apontando para um tipo de sustentabilidade forte.
No caso do DS, a aproximação com a sustentabilidade forte fica clara devido ao fato de seus
conceitos estarem embasados pela ciência pós-normal e pela busca de aspectos políticos relevantes,
no trato da questão do desenvolvimento de forma complexa, multidimensional e multicriterial. Tal
embasamento reflete-se nas dimensões e indicadores utilizados, visto que o uso de um grande
compêndio de indicadores visa garantir que todos os aspectos de uma realidade complexa e cheia de
incertezas sejam tratados, tentando-se escapar do reducionismo econômico na análise do
desenvolvimento dos territórios, incorporando outras formas de valoração que não somente a
monetária. Apesar da crítica feita por VEIGA (2010), de que os indicadores de sustentabilidade
pertencentes a uma categoria/abordagem de ―construção de grandes e ecléticas coleções, ou
dashboards‖ (p.44), são heterogêneos demais para serem considerados indicadores, pode-se dizer
que o DS utiliza como argumento a incerteza da realidade complexa e o princípio da precaução para
a utilização de um grande e variado número de indicadores.
No caso do PEIR, sua aproximação com a Economia Ecológica torna-se clara devido a sua
abordagem sistêmica e multicriterial na avaliação do progresso em direção ao ―desenvolvimento
sustentável‖, buscando, assim como o DS, não reduzir sua análise somente a termos econômicos ou
monetários.
41
Quadro 2 – Matriz comparativa entre o Dashboard of Sustainability e o PEIR
Critério Dashboard of Sustainability PEIR Convergem, divergem ou
se complementam?
Questões teóricas, filosóficas
e conceituais relacionadas ao
entendimento de
“desenvolvimento” ou
“desenvolvimento
sustentável”
Conceito de desenvolvimento é embasado
por aspectos relacionados à Ciência pós-
normal e à ciência política relevante,
principalmente;
Considera a questão do desenvolvimento
complexa e multidimensional, incluindo,
como principal meta, o bem-estar dos
indivíduos, em termos intra e inter
geracionais;
Não valora recursos naturais em termos
econômicos ou monetários, mantendo suas
unidades biofísicas, impedindo a
substituibilidade de ―capitais‖ com uma
abordagem multicriterial, o que o aproxima
de uma sustentabilidade forte;
Não considera a (in)sustentabilidade
territorial.
Estabelece como principal meta do
desenvolvimento o bem-estar dos
indivíduos, em termos intra ou inter
geracionais;
Busca abordar as problemáticas
ambientais em suas causalidades de
forma sistêmica;
Apesar de incluir instrumentos
econômicos, como possibilidade de
resposta aos problemas ambientais,
busca uma abordagem multicriterial, o
que o aproxima de uma
sustentabilidade forte
Convergem
Dimensões/Temas e
indicadores
Possibilidade de se trabalhar com 3 ou 4
dimensões (econômica, social, ambiental e
institucional);
Em seu sistema padrão, divide 61
indicadores, selecionados com base em
estudos da UN CSD, entre as 4 dimensões
analisadas;
Estruturado em pressão, estado,
impacto e resposta. Alguns trabalhos
ainda incluem a força motriz como
primeiro elemento estrutural.
Trabalha como um conjunto mínimo
de indicadores (core set)
socioeconômicos (incluindo
institucional) e econômico-ecológicos.
Cerca de 50 indicadores amplos, que
abrangem uma gama de questões
ambientais e que refletem a situação
da maioria dos países da OECD.
Convergem e se
complementam
42
(continuação) Quadro 2 – Matriz comparativa entre o Dashboard of Sustainability e o PEIR
Critério Dashboard of Sustainability PEIR Convergem, divergem ou
se complementam?
Abordagem e/ou
Tratamento de dados
Escala Espacial: possível aplicá-lo em
termos locais, nacionais ou regionais, no
entanto, possui dificuldade de aplicação
para escalas menores;
Escala temporal: anual;
Utiliza fórmula para tratar os dados e para
devidas pontuações e rankeamentos;
Possibilita correlações entre os indicadores;
Transparente, porém, pouco flexível;
Linguagem visual clara/ linguagem textual
falha
A abertura para a participação é parcial:
possível escolher os indicadores que serão
trabalhados, no entanto, os dados oriundos
desses indicadores são tratados
internamente, através de fórmula
previamente estabelecida e não editável no
sistema que calcula os indicadores.
Não possibilita acompanhamento da
dinâmica territorial, do processo: aborda as
consequências, de forma transversal, como
um retrato.
Processual e sistêmica, visualização
clara das origens e consequências dos
problemas ambientais.
Análise longitudinal: possibilita
avaliação mais precisa de todas as
fases do processo, desde o
planejamento (apontando quais são as
causas de determinada problemática
que necessitam de ações de curto ou
longo prazo) até os resultados de
determinadas ações.
Embora exista um conjunto mínimo de
indicadores, possibilita a inclusão de
outros indicadores que o gestor
considera importante, sendo um
modelo muito flexível.
Divergem e se
complementam
43
VEIGA, a partir de análise do Report by the Commission on the Measurement of Economic
Performance and social Progress (conhecido como relatório Stiglitz-Sen-Fitoussi), considera de
grande importância a manutenção de valores não-monetários na avaliação da sustentabilidade
ambiental, fator considerado no PEIR e no DS:
―A mais importante orientação do relatório sobre sustentabilidade foi enfatizar que
qualquer indicador monetário deve permanecer focado apenas em seus aspectos
estritamente econômicos. Não apenas porque grande parte dos elementos que interessam
não tem preços definidos por mercados. Também porque mesmo para os [que] tenham,
não há nenhuma garantia que os preços revelem a sua importância para o bem-estar
futuro. (...) [Assim] a maior ênfase do relatório final da Comissão está na absoluta
necessidade de que os aspectos propriamente ambientais da sustentabilidade sejam
acompanhados pelo uso de indicadores físicos bem escolhidos. E é o ‗princípio da
precaução‘ que a Comissão evoca para justificar essa ênfase, ‗dado nosso estado de
ignorância‘.‖ (VEIGA, 2010, p. 48)
Retomando, pode-se dizer que a convergência da base teórica, conceitual e filosófica do DS
e do PEIR é importante no sentido de que tal fato garante que os dois sistemas de indicadores não
são absolutamente incompatíveis, visto que possuem linhas de pensamento semelhantes. Caso o DS
e o PEIR divergissem nesse aspecto, ficaria praticamente impossível qualquer possibilidade de uso
complementar do DS nas informações fornecidas pelo PEIR.
Além disso, tendo-se em vista que a crise ambiental é, sobretudo, uma crise cognitiva, do
pensamento ocidental, atrelado a certo modo de produção, como foi apontado inicialmente neste
trabalho, o DS e o PEIR possuem uma abordagem relevante e condizente, ao buscarem
conhecimentos diversificados na avaliação de uma realidade complexa, de forma a tentarem superar
as fragmentações e reducionismos da ciência ―normal‖, que objetivou e economizou o mundo
multidimensional e sistêmico.
Percebe-se, porém, que a forma de tratamento de dados realizada pelos dois sistemas de
indicadores é completamente divergente. O DS trata seus dados internamente, sendo que, sua forma
de organizá-los, divididos em dimensões rígidas (compartimentadas), não permite uma visualização
e análise do processo de modificação de um dado território como um todo, em suas causas e
consequências (resultados), possibilitando somente a avaliação do ―estado‖ atual, sendo um retrato
amplo dos atributos positivos e negativos de dada localidade em um tempo específico. Mesmo que
os dados fossem distribuídos ao longo do tempo, sempre se teria uma avaliação do lugar naquele
tempo certo, sendo que seria extremamente difícil apontar os fatores de mudança. Ou seja, o DS
possibilita uma ampla avaliação do ―estado‖ de determinado lugar, não possibilitando uma análise
das causas que levaram a esse ―estado‖ em específico. Pode-se dizer, dessa maneira, que o DS é um
sistema de indicadores de característica transversal.
No caso do PEIR, este distribui os dados fornecidos pelos indicadores de forma diferente do
44
que o DS, colocando-os em termos processuais e sistêmicos, nas fases de determinada ingerência
sobre o território, e não compartimentado em dimensões como o DS; assim, torna-se mais clara a
visualização de origens e consequências, possibilitando-se uma análise e possível ação sobre as
causas ou fatores que acarretam determinado estado territorial, com atributos positivos e negativos.
Assim, pode-se que o PEIR é um sistema de indicadores de característica longitudinal, que inclui as
causas ou origens, processos e desfechos dos problemas ambientais.
Ao contrário do que se poderia pensar, entretanto, a divergência existente entre o DS e o
PEIR na forma de tratamento dos dados é algo positivo, já que tais sistemas de indicadores podem
complementar-se nesse aspecto. O PEIR fornece uma análise processual do território, nas origens e
consequências de suas problemáticas, enquanto o DS pode fornecer um retrato do ―estado‖, ou das
consequências e resultados, muito mais amplo e completo que o PEIR.
Se pensássemos em termos do planejamento e execução de Políticas Públicas para
determinados fatores apontados como prioritários em certo território, por exemplo, poderíamos
afirmar que o PEIR possibilita uma avaliação muito mais dinâmica de todas as fases do processo,
desde o planejamento (apontando quais são as causas de determinada problemática que necessitam
de ações de curto ou longo prazo) até os resultados de determinadas ações. Todavia, o DS pode
fornecer um retrato muito mais detalhado desses resultados, apontando o ―estado‖ de determinado
território após políticas públicas terem sido planejadas e executadas (Figura 7).
Figura 7 – O DS e o PEIR em termos de auxílio ao planejamento e execução de Políticas Públicas (PP)
Planejamento Execução Resultados
PP
PEIR
DS
45
Em termos de gestão municipal, foco deste trabalho, o grande problema do DS é que os
dados necessários ao modelo perdem sua qualidade e ficam escassos quanto menor for o nível
espacial que se quer avaliar; dessa forma, é grande a dificuldade para aplicá-lo ou utilizá-lo em
termos municipais. No entanto, isso não é totalmente inviável, como demonstra o trabalho
desenvolvido por SCIPIONI et al. (2009), na aplicação do DS para o município de Pádua, na Itália,
onde foram utilizados indicadores considerados relevantes pela Agenda 21 local.
Dessa forma, o trabalho de SCIPIONI e. al. (2009) também permite a visualização mais
clara da flexibilidade do DS, onde tal atributo é importante ao permitir que os indicadores sejam
selecionados de acordo com a pertinência e relevância dos mesmos para dado território que se
pretenda avaliar. Visto que o PEIR é igualmente flexível, é possível que um conjunto comum de
indicadores seja utilizado tanto para o DS, como para o PEIR. Além disso, como preconizado por
VEIGA (2010), essa flexibilidade dos DS e do PEIR permite que o PIB e o IDH, por exemplo,
sejam substituídos por outras formas de se avaliar, respectivamente, o crescimento econômico e a
qualidade de vida, incorporando uma medida precisa de renda familiar disponível e, também,
recentes descobertas no novo ramo chamado de economia da felicidade.
A flexibilidade de DS e do PEIR também é importante em outro ponto. VEIGA (2010)
critica o uso indiscriminado de indicadores, visto que isso pode mascarar aspectos importantes, e
pode diluir a questão ambiental em meio a outras dimensões, defendendo, portanto, um grupo
reduzido de indicadores, capaz de mensurar e avaliar a resiliência dos ecossistemas, o crescimento
econômico e a qualidade de vida. O DS e o PEIR, por serem flexíveis, podem se adaptar a um
conjunto menor de indicadores.
O grande problema do DS e do PEIR encontra-se, talvez, no fato de ambos apresentarem
problemas na medição da insustentabilidade de um território, ou seja, a contribuição de dada
localidade para a insustentabilidade regional, nacional ou global. Dessa forma, a utilização de um
indicador de sustentabilidade com essa característica, como a Pegada Ecológica, por exemplo,
poderia complementar o PEIR e o DS nesse tipo de avaliação.
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com a crescente preocupação com o meio ambiente, diversas ações em prol do
desenvolvimento sustentável são desenvolvidas, incluindo a criação de indicadores de
sustentabilidade. Esses indicadores são ferramentas úteis e importantes na gestão de um município.
No entanto, sua utilização tem sido feita de forma inadequada, assim como os conceitos que os
integram, acarretando interpretações errôneas no planejamento e execução de políticas públicas.
46
A análise do arcabouço teórico se faz necessária já que isso influencia diretamente o
diagnóstico fornecido por um indicador. Se, por exemplo, utilizássemos um indicador de
sustentabilidade tendo como marco conceitual a economia tradicional, ou economia neoclássica,
uma região que não possui ou não protege seu capital natural pode ser considerada sustentável, se o
substituiu por capital manufaturado. Já se o indicador se fundamenta na economia ecológica, o
resultado será diferente, pois esta vertente considera que o capital natural é insubstituível. O
entendimento da origem dos modelos de indicadores é fundamental para a sua aplicação em uma
boa gestão de políticas públicas.
No Brasil, o sistema de indicadores PEIR é bastante conhecido e difundido, com diversos
artigos e aplicações. Já o DS não é muito utilizado e mesmo em outros países, ainda existem poucas
publicações sobre ele. Tanto o PEIR quanto o DS apresentam marcos conceituais semelhantes e
mesmo que de forma implícita, pudemos perceber que os dois provêm da ideia de sustentabilidade
forte. As dimensões utilizadas são basicamente as mesmas também. Ambos trabalham não somente
com a questão ambiental, mas também a social, econômica e institucional. Nesse aspecto, no
entanto, o PEIR parece ser mais exigente (se analisarmos o core set elaborado pela OECD) com as
questões ambientais do que as outras, embora ele seja flexível e passível de mudanças conforme a
aplicação. O DS pode auxiliar complementando as questões que porventura não sejam tratadas
detalhadamente no PEIR e, por ser de fácil visualização e permitir a comparação entre duas
dimensões (ambiental e social, por exemplo), pode influenciar mudanças na forma de aplicação do
PEIR, ao mostrar que um problema ambiental pode ocasionar impactos sociais e econômicos ou
vice-versa.
Já a abordagem e o tratamento de dados entre ambos divergem. Porém, nesse caso, a
divergência reforça a complementaridade dos dois sistemas. Enquanto o PEIR fornece uma análise
processual, o DS detalha o ―estado‖ do local analisado. Na gestão municipal, o uso dos dois
modelos pode favorecer a elaboração de políticas públicas: o PEIR, ao mostrar todas as fases do
processo, desde o planejamento até a execução das ações determinadas; e o DS, ao fornecer um
retrato completo dos resultados, enriquecendo os dados obtidos pelo PEIR.
Quanto à apropriação das informações pela sociedade, vemos que o DS contribui com o
PEIR pela sua apresentação gráfica, que facilita a visualização das informações tanto pelos
tomadores de decisão quanto pela sociedade. O PEIR, apesar de conter detalhes importantes para
análise de uma região, é pouco atraente para a população, já que muitas vezes contém termos
técnicos e textos longos. O DS, ao trabalhar com um painel de cores, se apresenta de forma
inteligível à sociedade, contribuindo para a participação da população na tomada de decisões.
Entretanto, é preciso lembrar que, conforme discutido nesse trabalho, não existe nem existirá
um modelo de indicador de sustentabilidade que seja universal e aplicável em qualquer situação,
47
visto que além das especificidades de cada local, o mundo é dinâmico e tende a se modificar
constantemente. Além disso, se os dados para a construção desses indicadores não forem coletados
de forma sistemática e contínua, não importa o quão próximo da realidade o modelo tenta se
aproximar, o resultado não será confiável e de nada adiantará toda a discussão do marco conceitual
por trás de um bom indicador.
Assim, alguns modelos de indicadores de sustentabilidade, como o DS, são mais fáceis de
serem aplicados em escala nacional, já que os dados obtidos nesse âmbito são mais consistentes,
embora possam ser aplicados em escalas menores, como municípios. O grande desafio para a
aplicação do modelo é manter uma coleta sistemática dos dados que alimentam esses indicadores,
se possível, de forma padronizada que permita comparações no tempo (e.g. antes e após
intervenções na gestão municipal) e no espaço (município em relação à região metropolitana,
unidade da federação, região ou país).
Assim, para estudos futuros, sugere-se um estudo de caso que aplique o DS e o PEIR em
algum município como São Paulo, que, por ser uma metrópole possui dados mais consistentes, a
fim de constatar não só a convergência teórica, mas se a complementaridade entre eles se confirma
em termos práticos.
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