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PERFIL DAS ENTIDADES ASSOCIADAS À REDE DE
INFORMAÇÕES DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL
RITS
Novembro de 2007
Perfil das Entidades Associadas à Rede de Informações do Terceiro Setor no Brasil
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1. INTRODUÇÃO
O presente estudo traz os resultados da pesquisa “Perfil das Entidades
Associadas à Rede de Informações do Terceiro Setor – RITS”, conduzida pelo Centro
de Estudos Direito e Sociedade (CEDES-IUPERJ) em parceria com o Núcleo de
Pesquisas, Estudos e Formação (NUPEF-RITS). A pesquisa foi realizada entre 04/2006
e 10/2007, período no qual se coletou e analisou informações acerca de 2182 entidades
associadas à RITS.
Não faz muito tempo, antes da expansão das chamadas “ONGs” no final dos
anos 1980, a terminologia para designar este universo confundia o conjunto das
organizações não-governamentais com o “terceiro setor”. Essa dificuldade era evidente,
por exemplo, na designação escolhida por Leilah Landim em sua tese de doutoramento
de 1993, quando a autora associa o terceiro setor ao universo das ONGs. Tal associação
mostrou-se problemática no decorrer do tempo, principalmente a partir dos anos 1990,
quando a juridificação das formas de incentivo estatal ao associativismo – e as leituras
que decorriam desse fenômeno – deslocaram o sentido pragmático (ainda que
impreciso) da expressão “ONG”, dando lugar à necessidade de uma consolidação das
formas associativas e sua adequação à legislação vigente.
A emergência do termo “terceiro setor” respondeu, principalmente, aos
imperativos sociológicos de buscar uma interpretação consolidada das atividades de fins
públicos realizadas por entidades de direito privado, as quais nem sempre eram
facilmente enquadráveis no marco legal do associativismo vigente até a década de 1990.
Estes imperativos também traduziam demandas que emanavam de agências de fomento
privadas, especialmente agências internacionais, cujas diretrizes de investimento em
projetos sociais reorientavam-se rapidamente no sentido de fazer chegar os recursos
investidos nas atividades-fim desses projetos. Além disso, a multiplicação de entidades
realizando atividades públicas (fundações, entidades de voluntariado, setores de
responsabilidade social de empresas, instituições semi-estatais como o chamado
“Sistema S”) tornou mais difícil definir o escopo das entidades que podiam ser
identificadas como “sem fins lucrativos”. O que era, de fato, sem fins lucrativos, era a
ATIVIDADE, não a entidade. Em nosso entender, o que define o terceiro setor são
atividades públicas de entidades privadas, não o enquadramento jurídico destas
entidades neste ou naquele marco regulatório, vigente ontem ou hoje.
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A principal inovação proposta pela pesquisa aqui relatada consiste, portanto, em
uma nova metodologia decorrente da inflexão teórica na compreensão do conceito de
“terceiro setor”. Ao focar as atividades das entidades associadas à RITS, foi possível
delimitar estas entidades enquanto um campo de atividades com fins públicos levadas a
cabo por entidades privadas, independente de seu estatuto jurídico ou identidade
associativa. A principal conseqüência dessa inovação teórico-metodológica, do ponto de
vista das conclusões da pesquisa, é que o terceiro setor associado à RITS tem forte
envolvimento em atividades de desenvolvimento social e defesa de direitos, mesmo
quando suas atividades-fim estão vinculadas à educação e/ou orientação social. Essas
atividades têm, em geral, jovens como público-alvo, estabelecendo parcerias públicas e
privadas diversificadas para sua consecução. Vale notar o surpreendente número de
entidades não encontradas, denotando a precariedade jurídico-institucional do marco
regulatório hoje vigente.
Os dados relatados a seguir visam demonstrar a validade dessa inflexão teórica e
permitir uma autocompreensão do lugar que a RITS ocupa na rede de entidades que
exercem atividades no terceiro setor. Do ponto de vista do perfil da associada à RITS,
podemos afirmar que os dados indicam para uma entidade sem fins lucrativos, com
algum título de utilidade pública, com predominância dos títulos locais,
geograficamente próximas à RITS, com boa infra-estrutura e fundadas a partir da
década de 1990. A combinação dessas informações sobre as atividades das associadas
da RITS e sobre o seu perfil nos permite concluir que a RITS desempenha hoje
importante papel na construção da capilaridade de um determinado campo de atividades
do terceiro setor, particularmente aquele vocacionado para ações sociais que buscam
dotar cidadãos já mobilizados em modelos associativos dos instrumentos necessários
para o efetivo exercício de direitos civis e sociais.
2. MARCO TEÓRICO
Nos últimos anos, a expressão terceiro setor (TS) ganhou espaço na mídia e na
academia. Ao mesmo tempo, conceitos como sociedade civil, esfera pública,
organizações não-governamentais e novos movimentos sociais têm recebido releituras e
ressignificações.
A idéia de um terceiro remete diretamente ao Estado (primeiro setor) e ao
mercado (segundo setor). O TS é entendido sempre em relação a estes dois setores,
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mesmo que em chave negativa. A entrada de um tertius, inicialmente, vem associada à
“descompressão” conceitual da dualidade Estado versus Sociedade Civil. Em um
segundo momento esse terceiro componente passa a agregar uma compreensão
amalgamada com as esferas estatais e mesmo com o mercado, seja enquanto elemento
desruptivo ou como elemento corretivo da realidade sistêmica.
Há pouco consenso entre os estudiosos do TS quanto às características do
mesmo. Ainda assim, na maior parte das interpretações ele é descrito como o conjunto
de organizações privadas, que não visam lucro e são voltadas para fins públicos. Esse
conjunto costuma ser compreendido como uma esfera da sociedade que não se confunde
nem com o Estado e nem com o mercado, mas que está em constante relação tanto com
este quanto com aquele. O conceito de TS é, assim, muitas vezes associado ao conceito
de sociedade civil nas suas mais recentes acepções.
Esse conceito, como se sabe, é mais antigo do que o de TS. Havendo, pois, uma
associação entre eles, cabe aqui fazer uma pequena introdução ao conceito de sociedade
civil com o intuito de se compreender melhor o modo pelo qual foi se construindo uma
idéia de TS.
No jusnaturalismo moderno, o conceito de sociedade civil era entendido em
oposição ao “estado de natureza”, e, nesse sentido, sua conformação aparece como
sinônimo de Estado, enquanto conceito de uma forma racionalizada de uma comunidade
política constituída de forma pactuada. Em um segundo momento, o termo aparece
como oposição ao Estado. Hegel é o autor responsável por tal virada interpretativa.
Enquanto que para os teóricos jusnaturalistas o Estado é a suplantação do estado de
natureza, para Hegel o Estado representa o ápice do processo de racionalização e
superação da sociedade civil.
A partir de Marx e Engels, a leitura universalista do Estado é ressignificada numa
chave particularista. O Estado é entendido aí como reflexo e aparelho de conservação da
sociedade, como “violência concentrada e organizada da sociedade1”. Ele começa a ser
visto, então, como momento subordinado à sociedade civil.
Gramsci, ao defrontar-se com a teoria marxista do Estado, analisa-o em
consonância com o materialismo histórico, no contexto do surgimento de sujeitos
coletivos de massa. Nesse sentido, “os aparelhos privados de hegemonia”2, ou, nas
1 BOBBIO, Norberto (1989). O Futuro da Democracia. Brasiliense, São Paulo. 2 GRAMSCI, A. (1995) Concepção dialética da história. Ed. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro. trad. N. Coutinho, 10A edição.
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palavras de Carlos Nelson Coutinho, “os organismos sociais coletivos voluntários e
relativamente autônomos em face da sociedade política”3, representam a materialidade
da mediação necessária entre estrutura e superestrutura.
Gramsci ainda propõe uma segunda antítese, aquela entre sociedade civil e
sociedade política, na qual o primeiro termo representa o conjunto de organizações
privadas, responsáveis pela difusão de ideologias (“aparelhos privados de hegemonia”),
enquanto a sociedade política identifica-se com os aparelhos institucionais e coercitivos
do Estado. Assim, a “supremacia” deriva do jogo de correlação de forças entre as
classes sociais e do grau de autonomia em relação ao Estado-coerção. Em certo sentido,
a conquista da hegemonia torna-se desejável e até mesmo estimulada fora dos
“aparelhos ideológicos de Estado”4, como classificaria Althusser.
Dentre as interpretações mais recentes da sociedade civil, cabe destacar aquela
produzida por Cohen e Arato5. Esses autores afirmam que o conceito de sociedade civil
está contemporaneamente ligado à luta dos movimentos sociais contra o autoritarismo
dos regimes comunistas e das ditaduras militares em várias partes do mundo. Nesse
sentido, o discurso da sociedade civil não se refere a um mero revival dos movimentos
democráticos dos séculos XVIII e XIX, os quais criaram uma dualidade entre Estado e
sociedade civil.
Assim, ainda que para esses autores, nas democracias liberais do Ocidente o
conceito tenha sido considerado por muito tempo como desprovido de potencial crítico
para examinar as contradições da sociedade, ou como um conceito ultrapassado,
relacionado a questões irrelevantes para as sociedades complexas de hoje, pode-se dizer
que ele vem sendo cada vez mais usado para tratar do espaço social acossado de um
lado pela burocracia estatal e de outro pela economia. O discurso atual sobre a
sociedade civil chega mesmo a tratá-la “como elemento essencial para a democracia e o
processo de democratização e como fonte principal da solidariedade e da integração
social”6. Em certa medida, pode-se afirmar que a sociedade civil hoje é mais
comumente encarada como instrumento de socialização do poder sem que isso indique
um processo de dissolução do Estado.
3 COUTINHO, Carlos Nelson (1981). Gramsci. Porto Alegre, L & PM, p. 92. 4 ALTHUSSER, Louis. (1985) Aparelhos ideológicos de Estado: nota sobre os aparelhos ideológicos de Estado. Edições Graal, Rio de Janeiro. 5 COHEN, Jean; ARATO, A. (1992) Civil society and political theory. The MIT Press, Cambridge. 6 COHEN, Jean (2003) Sociedade civil e globalização: repensando categorias. Dados, v 46 n. 3, RJ, p. 419.
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Uma apreensão ampla do conceito de sociedade civil leva a referi-la a tudo o que
não é Estado e nem diz respeito à vida privada dos cidadãos, mas nas últimas três
décadas a idéia de sociedade civil tem servido para designar o campo formado por
associações voluntárias das mais diversas naturezas até redes mundiais, organizações
não-governamentais, grupos de defesa dos direitos humanos, entre outras coisas. Para
Cohen e Arato, “o atual ‘discurso da sociedade civil’ (…) se concentra nas novas
formas de ação coletiva, geralmente não baseadas na classe, orientadas e conectadas às
instituições públicas, legais e associativas da sociedade.” 7 Para os autores, falar hoje em
sociedade civil significa, pois, remeter-se às lutas que se dão fora do âmbito da
economia e do Estado – não necessariamente sem comunicação com essas duas esferas
– pela expansão dos direitos e à construção de instituições e fóruns de crítica pública.
Cohen nos lembra que para além das características pluralidade, privacidade e
publicidade, outros elementos são ainda fundamentais para a compreensão da sociedade
civil.
Uma outra discussão importante quando se busca trabalhar a idéia do tertius – de
algo que se dá fora do âmbito do mercado, bem como do Estado – diz respeito à ação
coletiva. Alberto Melucci8, ao tratar desse tipo de ação na atualidade, apresenta a idéia
de que ela não está voltada a um fim único, a uma revolução que destrua a burocracia
estatal e ponha em xeque um modo de produção capitalista. Grupos se organizam hoje
de várias maneiras em torno das mais diversas questões. Segundo ele, a importância
desses movimentos não está propriamente nos objetivos que eles perseguem, mas nas
práticas que eles criam. O que eles fazem, acima de tudo, é desafiar os padrões
dominantes9.
O autor considera tais formas de ação como sementes de uma mudança
qualitativa na ação coletiva contemporânea. Apesar de não necessariamente orientados
para a mudança política – uma vez que, aparentemente, não há grandes líderes para
levá-la a cabo, a organização parece ineficiente e o desencantamento parece ter
superado os grandes ideais –, tais movimentos produzem efeitos nas instituições
políticas: modernizam-nas, fornecem novas elites que renovam a organização, afetam o
significado da ação individual e os códigos que moldam o comportamento.
7 COHEN, J.; ARATO, A. (1992) Civil society and political theory. The MIT Press, Cambridge, p. 2. 8 MELUCCI, Alberto. (1985) Invenção do presente: movimentos sociais nas sociedades complexas. Vozes, Petrópolis. 9 MELUCCI, Alberto. (1985) The symbolic challenge of contemporary movements. Social Research, v.52, n.4, p.789-815, Winter , p. 801.
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Melucci sugere ainda que um novo espaço político está surgindo, o qual não
pode ser compreendido a partir da distinção tradicional entre Estado e sociedade civil.
Ele afirma, portanto, a existência de um espaço público intermediário, “cuja função não
é institucionalizar os movimentos ou transformá-los em partidos, mas fazer a sociedade
ouvir suas mensagens e traduzi-las em decisões políticas, enquanto os movimentos
mantêm a sua autonomia”10.
Numa interpretação convergente com a de Melucci, Leonardo Avritzer e Sérgio
Costa11 relacionam as transformações atuais da vida associativa ao conceito de esfera
pública, produzindo uma releitura da concepção habermasiana. Para os autores,
“a esfera pública diz respeito mais propriamente a um contexto de relações difuso no qual se concretizam e se condensam intercâmbios comunicativos gerados em diferentes campos da vida social. Tal contexto comunicativo constitui uma arena privilegiada para a observação da maneira como as transformações sociais se processam, o poder político se reconfigura e os novos atores sociais conquistam relevância na política contemporânea”12.
Avritzer e Costa sugerem que algumas correções devam ser feitas ao modelo
discursivo de espaço público, quais sejam: a incorporação dos “novos públicos” (new
publics - novos e múltiplos atores urbanos, novas subculturas); a relevância dos
“contrapúblicos subalternos” (subaltern counterpublics - grupos excluídos que
denunciam a delimitação do espaço público, tal como o Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra); a emergência de “públicos diaspóricos” (diasporic publics - novos
públicos que apresentam uma inserção ambivalente no espaço público nacional: “ao
mesmo tempo que partilham dele, compartilham redes transnacionais e se constituem
como agentes permanentes de introdução de inovações sociais no contexto nacional”); e
a multiplicação dos “públicos participativos ou deliberativos” (deliberative ou
participatory publics). Tal proposta de leitura acerca da esfera pública se pauta na
referência ao contexto específico latino-americano, pois, ao contrário da clara
delimitação entre sociedade civil e política contida em contextos europeus ou mesmo
estadunidenses, Avritzer e Costa afirmam que na América Latina a esfera pública, por
10 idem, p. 815. 11 AVRITZER, Leonardo e COSTA, Sérgio (2004). Teoria Crítica, democracia e Esfera Pública: concepções e usos na América Latina. Dados, Vol. 47, no.4, p.703-728, Rio de Janeiro. 12 AVRITZER, Leonardo (2002). Democracy and The Public Space in Latin America. Princeton University, Inglaterra.
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sua indefinição, possui uma constituição mais porosa e pulsante, na qual existe a
possibilidade de interpenetração de temas sociais na esfera estatal.
Em todas as discussões acima aventadas, tratem elas de espaços, atores ou
práticas, o que se vê é uma preocupação com uma movimentação que se dá fora do
âmbito da economia e do Estado. É justamente nessa zona nebulosa que se inscreve o
conceito de terceiro setor.
Autoras como Ruth Cardoso e Simone Coelho apontam para a pertinência do
conceito de TS enquanto instrumento de interpretação, apesar de criticarem, tal como o
faz o antropólogo Jorge Eduardo Durão, sua profunda imprecisão. Isso ocorre
freqüentemente pela indistinção conceitual entre sociedade civil e TS, pela
multiplicidade de agendas e formas legalmente estatuídas.
Segundo Durão13, o uso do termo TS não se justifica por não este não possuir
consistência teórica, ao contrário do já enraizado conceito de sociedade civil. “Essa
qualificação de ‘terceiro setor’ – que não é Estado nem mercado – serve para igualar
coisas diferentes e organizações que têm trajetórias históricas completamente diversas”.
Ruth Cardoso aponta da mesma forma para a falta de coesão identitária do TS.
De acordo com a autora,
“[é] possível que o conceito de Terceiro Setor deva seguir o mesmo percurso histórico que foi trilhado pela noção de Terceiro Mundo. Pode ser que sua diferenciação interna se acentue de tal forma que, no futuro, essa designação já não sirva como conceito unificador e identificador”14.
Com essa afirmação, pode-se perceber a indicação de que o conceito de TS pode
implicar em um reducionismo, caso analisado por parâmetros de um tempo quando este
indicava apenas o mundo associativo das ONGs.
Já Simone Coelho, Ilse Scherer-Warren e Sônia Dagnino apontam para uma
leitura positiva do conceito. Coelho ressalta que a constituição da identidade do TS
brasileiro é importante não apenas para as próprias organizações interessadas, e enfatiza
que este processo faz parte de uma convergência em entender sua expansão enquanto
“tendência mundial de enxergar no seu desenvolvimento uma via segura para a solução
13 DURÃO, Jorge Eduardo Saavedra (2003). O Estado da Questão. In: GARCIA, J.; LANDIM, L.; DAHMER, T. (orgs.) Sociedade e Políticas. Novos Debates entre ONGs e Universidades. Revan, Rio de Janeiro, p. 32. 14 CARDOSO, Ruth C. L (1997) “Fortalecimento da sociedade civil”. Em IOSCHPE, Evelyn Berg (org.). 3º setor: desenvolvimento social sustentado. Gife/Paz e Terra, São Paulo/Rio de Janeiro, p. 8.
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dos problemas sociais”15.
Como se pode observar há uma concordância entre os autores de que o TS não
possui uma identidade constituída em função da multiplicidade de atores e das diversas
atividades ali desenvolvidas. Conforme expressa Dagnino (2004)16, percebe-se,
“[d]e um lado, um processo de alargamento da democracia, que se expressa na criação de espaços públicos e na crescente participação da sociedade civil nos processos de discussão e de tomada de decisão relacionados com as questões e políticas públicas. (...) De outro lado, (...) e como parte da estratégia do Estado para a implementação do ajuste neoliberal, há a emergência de um projeto de Estado mínimo que se isenta progressivamente de seu papel de garantidor de direitos, através do encolhimento de suas responsabilidades sociais e sua transferência para a sociedade civil.”
Dagnino17 expõe bem a perversidade e o dilema que essa “confluência” instaura
ao mostrar que, se por um lado, a constituição e expansão do espaço público no Brasil
representam um saldo positivo decorrente de décadas de lutas pela democratização, por
outro elas denotam o processo de encolhimento do Estado e a progressiva transferência
de suas responsabilidades para a sociedade civil. As parcerias entre ONGs e Estado são,
para a autora, o claro exemplo da aposta em um projeto político participatório que
representa o encolhimento da própria participação estatal.
A autora expõe ainda que essas parcerias apontam para a perda ou reorganização
da identidade de instituições que lutavam contra o sistema capitalista. Formar parcerias
com empresas e governos de diferentes matizes significa para as ONGs abrir mão, em
certo sentido, de convicções que talvez um dia já lhe foram caras. Significa, em nome
da sobrevivência destas organizações, trabalhar em projetos por vezes pouco ousados,
visando pequenas melhorias.
Numa tentativa de fugir de tamanha indefinição acerca da composição identitária
do TS, Salamon e Anheier18 propuseram cinco características que definiriam o
15 COELHO, Simone de Castro Tavares (2000). Terceiro Setor: um estudo comparado entre Brasil e Estados Unidos. Editora SENAC, São Paulo, p. 193. 16 DAGNINO, S. (2004). Sociedade Civil, participação e cidadania: de que estamos falando? In: Politicas de Ciudadania Y Sociedad Civil en Tiempos de Globalizacion, Daniel Mato e Illia Garcia (coords.), Caracas, UCV. 17 idem. 18 SALAMON e ANHEIER, H. (1992). "In search of the non-profit sector: the questions of definitions. Voluntas, vol.3, No 2, Manchester, Manchester Un. Press.
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pertencimento de uma entidade ao TS: serem entidades estruturadas que possuem certo
nível de formalização de regras e procedimentos, ou algum grau de organização
permanente; serem entidades privadas; serem sem fins lucrativos; serem autônomas, ou
seja, devem controlar sua própria gestão e, por fim, serem entidades que envolvem um
grau significativo de participação voluntária.
Rubem César Fernandes19 parte da descrição acima e conceitua o termo como
“um conjunto de organizações e iniciativas privadas que visam à produção de bens e
serviços públicos”. Para o autor “[e]xercitar e promover a adesão voluntária aos valores
enquanto fins em si mesmos é a sua razão de ser específica”20. Mais adiante ele afirma
ainda que
“(...) pode-se dizer que o Terceiro Setor é composto de organizações sem fins lucrativos, criadas e mantidas pela ênfase na participação voluntária, num âmbito não-governamental, dando continuidade às práticas tradicionais da caridade, da filantropia e do mecenato e expandindo o seu sentido para outros domínios, graças, sobretudo, à incorporação do conceito de cidadania e de suas múltiplas manifestações na sociedade civil” 21.
O autor aponta ainda para o fato de que as entidades do TS fazem contraponto às
ações de governo e de mercado e projetam uma visão integradora da vida pública22.
Como se pode observar, tanto Fernandes quanto Salomon e Anheier destacam a
utilização de trabalho voluntário e a condição formal de organização sem fins lucrativos
como traços fundamentais para se caracterizar uma entidade como pertencendo ao TS.
Coelho23 faz uma caracterização do TS muito semelhante à dos autores acima
apresentado. Sua contribuição à discussão diz respeito à distinção que a autora faz entre
TS e movimentos sociais, pois, conforme Salamon propõe como critério de pertença,
estes não são estruturados.
Essa distinção é endossada por Leilah Landim24 uma vez que, embora ela afirme
19 FERNANDES, Rubem César (1994). Privado porém Público. O Terceiro Setor na América Latina. Relume Dumará, Rio de Janeiro, p. 21. 20 idem, p. 25. 21 ibidem, p. 27. 22 FERNANDES, R. (1997). O que é Terceiro Setor? In: IOSCHPE. Terceiro Setor: Desenvolvimento Social Sustentado. Rio de Janeiro, Paz e Terra, p. 29-32. 23 FRANCO, Augusto de (1997). A questão do fim público das organizações do terceiro setor. São Paulo, PNUD/IPEA. Apud COELHO, Simone de Castro Tavares (2000) Terceiro Setor: um estudo comparado entre Brasil e Estados Unidos. Editora SENAC, São Paulo, p. 59. 24 LANDIM, Leilah. (1993). A invenção das ongs: o serviço invisível à profissão sem nome. Tese de Doutoramento apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional e
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haver uma formação identitária de um “campo” delimitado, sendo esse formado por
“[e]spécies particulares de profissionais da política”25, ela também concorda que existe
uma distinção entre entidades pertencentes ao TS, como as Organizações Não
Governamentais (ONGs), e os movimentos sociais. Para ela, as ONGs “(...) não são
entidades representativas, e ligam-se aos movimentos sociais sem se confundirem com
eles”26.
Nota-se, a partir das leituras mais correntes sobre o tema, que o TS, além de
muitas vezes ser identificado conceitualmente com a sociedade civil, o termo é
freqüentemente confundido com as ONGs e/ou com o universo de entidades privadas
sem fins lucrativos. A falta de clareza sobre essas definições acaba obscurecendo a
compreensão de um fenômeno que muitas vezes se esconde atrás de intenções
divergentes, ofuscando os sentidos da disputa política que hoje se trava. Por esse
motivo, alguns autores de inspiração marxista, como Montaño, procuram demonstrar a
ineficácia conceitual da idéia de TS, enfatizando uma falta de rigor teórico. Ele afirma
que “o termo é construído a partir de um recorte (...) claramente neopositivista,
estruturalista, funcionalista ou liberal, que isola e autonomiza a dinâmica de cada um
[dos setores], que, portanto, desistoriciza a realidade social”27. Tal reducionismo,
segundo essa leitura, desconsidera qualquer tipo de interpenetração entre o político, o
social e o econômico, relegando cada uma dessas esferas ao seu campo conceitual.
É, portanto, para uma interpretação mais acurada do TS que se propõe o marco
teórico analítico aqui detalhado.
Como se pode observar, não há concordâncias entre as diversas propostas
teóricas acerca do TS. Advém dessa constatação a tentativa de justificação de um marco
teórico para o TS e, a partir deste, a construção de uma ferramenta de análise apropriada
para interpretação das atividades ali desenvolvidas com o propósito de desmistificar as
ações levadas a cabo por um campo que demarca com contrastes suas orientações.
Tendo como ponto de partida a contingência de toda (re)definição conceitual
argumenta-se que os processos político-econômicos atuais influenciam no modo como
os atores se inserem no mundo levando à busca de estratégias para enfrentamento,
compreensão e transformação de suas realidades. É nesse sentido que a teorização e a
da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 25 idem p. 6. 26 idem, p. 51. 27 MONTAÑO, Carlos (2002). Terceiro Setor e Questão Social. Crítica ao padrão emergente de intervenção social. Cortez, São Paulo, p. 53.
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mudança conceitual aqui propostas são entendidas como reflexos de ações práticas
despertadas pelos agentes em um contexto específico.
A idéia que aqui é levada a cabo partiu da observação do cadastro das entidades
associadas à RITS. Tal banco de dados possuía uma multiplicidade de tipos
institucionais e mesmo pessoas físicas, ainda que a incidência de entidades sem fins
lucrativos fosse muito superior. A partir dessa observação, questionou-se o porquê de
entidades com diversos tipos de filiações institucionais ou mesmo informais estarem
inscritas no referido cadastro.
A resposta a essa pergunta perpassa a questão acerca da identidade das
entidades ali associadas. Tal identidade não pode ser demarcada por uma identificação
com seus “estatutos legais”. A inscrição dessas agências na sociedade civil é aqui
percebida como o ponto de partida das condensações ideológicas ao qual giram em seu
entorno. A partir desse fiat parte-se para a análise das atividades desempenhadas por
994 associadas da RITS e suas reais inscrições e discursos dentro de um contexto muito
específico da realidade brasileira.
O TS é apreendido aqui no contexto mais amplo da ressignificação do papel da
sociedade civil. Em outras palavras, o TS é discutido tendo em vista os tipos de ação
coletiva surgidos principalmente a partir do início dos anos 1970 e amplamente re-
significados a partir dos anos 1990. Procura-se, pois, estabelecer uma conceituação do
TS que tenha em vista novas práticas de ação social e política. Dessa forma, mais do
que definir um setor que se diferencia do Estado e do mercado, a intenção é apontar
para novos tipos de relações que vêm se estabelecendo entre a sociedade e o complexo
político institucional. Não se busca, portanto, identificar se uma instituição pertence ao
primeiro, ao segundo ou ao terceiro setor; o que se quer identificar são os tipos de ações
que delimitam e caracterizam as atividades que são características do TS e que a ele dão
sentido.
Para tanto, é importante ressaltar que o campo de ação do TS não se encerra em
arenas delimitadas, mas transita em canais diversos nos quais atores põem em prática
atividades com caráter público, podendo ser estas atividades de caráter particularista ou
universalista. Tais atores não se confundem com sujeitos particulares distribuídos em
grupos com uma identidade institucional previamente delimitada. Sua arena de
atividades é um universo coabitado por atores individuais ou institucionais cuja pertença
subjetiva ou elo institucional não são pré-requisitos para que possam ser agentes
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“vocacionais” do TS.
Assim, a definição aqui proposta de TS procura adequar-se às mudanças
simbólicas tendo em vista a reorganização do modo de ação dos atores, a partir do
surgimento de novos movimentos e de novas demandas. Desse modo, pensar o TS
enquanto método analítico implica considerar que seu emprego enquanto instrumento
analítico e sua própria relevância no campo dos conceitos estão intimamente associados
a uma reorientação das práticas de agentes sociais, ainda que estes continuem os
mesmos.
Cabe ainda explicar porque o Estado não atua no TS. Isso se dá pelo fato de que
as ações executadas por ele definem diretamente o tipo de atividade que caracteriza
propriamente o TS. Ou seja, as atividades definidoras desse setor são aquelas que
emulam as ações estatais, indicando mesmo uma arbitrariedade na conversão do que é
privado no que é público. O que distingue, portanto, uma ação de TS de uma ação
estatal é sua filiação na sociedade civil e não sua vinculação à sociedade política. Isso
não se dá somente por uma questão ideológica, mas também pela diferença das lógicas
de funcionamento. Nesse sentido, há uma valorização do caráter voluntário/espontâneo
para se caracterizar uma ação no TS, visto que as práticas do TS, somente em alguma
escala, derivam de decisões tomadas pelas instituições estatais (e não são desejadas que
assim o sejam).
Esta interpretação privilegia, portanto, uma leitura que identifica o TS como o
amplo espaço de ação no qual diversos atores, sejam eles ONGs, entidades sem fins
lucrativos, empresas do segundo setor ou mesmo indivíduos, operam no sentido de
provisionar serviços com características de bens públicos (saúde, educação etc) ou
mesmo instrumentalizar o acesso a esse tipo de bens. Assim, analisar o TS através de
uma metodologia que privilegie o exame das práticas de seus agentes, implica também
em uma análise sobre seus discursos, bem como das formas como essas atividades são
desempenhadas.
4. METODOLOGIA
As pesquisas mais completas sobre o TS no Brasil estão baseadas no “Manual do
Terceiro Setor no Sistema de Contas Nacionais” (Handbook on Non-Profit Institutions
in the System of National Accounts) recomendado pela Organização das Nações Unidas
(ONU) para ser aplicado pelos 180 países membros.
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Este Manual considera como Entidades Sem Fins Lucrativos aquelas que se
enquadram nos seguintes cinco critérios:
“(i) privadas, não integrantes, portanto, do aparelho de Estado; (ii) sem fins lucrativos, isto é, organizações que não distribuem eventuais excedentes entre os proprietários ou diretores e que não possuem como razão primeira de existência a geração de lucros – podem até gerá-los desde que aplicados nas atividades fins; (iii) institucionalizadas, isto é, legalmente constituídas; (iv) auto-administradas ou capazes de gerenciar suas próprias atividades; e (v) voluntárias, na medida em que podem ser constituídas livremente por qualquer grupo de pessoas, isto é, a atividade de associação ou de fundação da entidade é livremente decidida pelos sócios ou fundadores”.28
De acordo com essa matriz metodológica, enquadram-se na categoria de entidade
sem fins lucrativos notadamente os seguintes tipos de organizações:
(a) Provedores de serviços não-lucrativos como hospitais, instituições de educação superior, creches, escolas, serviços sociais e grupos ambientais; (b) Organizações não governamentais que promovem o desenvolvimento econômico ou a redução da pobreza em áreas menos desenvolvidas; (c) Organizações de arte e cultura, incluindo museus, centro de artes dramáticas, orquestras, corpo de baile e ópera, sociedades históricas e literárias; (d) Clubes esportivos envolvidos em esporte amador, treinamento, condicionamento físico e competições; (e) Grupos de defesa que trabalham na promoção de direitos civis e outros direitos, ou na defesa de interesses sociais e políticos gerais ou de grupos específicos de cidadãos (f) Fundações, i.e., entidades que têm a sua disposição propriedades ou fundos e usam a renda gerada por esse patrimônio tanto para fazer doações para outras organizações ou para financiar seus próprios projetos e programas; (g) Associações comunitárias ou étnica-culturais, associações baseadas em filiação e que oferecem serviços ou defendem os interesses dos membros de uma vizinhança em particular, comunidade ou povoado; (h) Partidos políticos que apóiam a eleição de seus candidatos para cargos políticos;
28 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE (2002). As Fundações Provadas e Associações sem Fins Lucrativos no Brasil 2002. Estudos e Pesquisas Informação Econômica, número 4.
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15
(i) Clubes sociais, incluindo clubes automotivos e clubes de campo e que oferecem serviços e oportunidades de recreação para seus filiados e comunidades; (j) Sindicatos, associações de profissionais e de classe que promovem e protegem o trabalho, os negócios ou interesses profissionais; (k) Congregações religiosas, como paróquias, sinagogas, mosteiros, templos e santuários que promovem crenças religiosas e administram serviços e rituais religiosos. Contudo, uma igreja oficial incorporada à administração do Estado, particularmente aquela apoiada por impostos obrigatórios, não se enquadraria no critério de “institucionalmente separada do governo” e, portanto, seria excluída do setor. Deve-se notar que as congregações religiosas são diferentes das instituições de serviços filiadas a religiões que atuam em áreas como saúde, educação ou serviço social. Da mesma forma, organizações de serviços relacionadas a uma igreja estatal podem ser consideradas dentro do setor não-lucrativo, desde que seja uma unidade institucional separada e atenda a todos os critérios definidos”.29
As principais aplicações desse Manual podem ser encontradas na pesquisa "As
Fundações Privadas e Associações sem Fins Lucrativos no Brasil" (FASFIL 2002),
realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e no “Mapa do
terceiro Setor”, elaborado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).
No relatório FASFIL 2002 as entidades são classificadas, como se disse, segundo
a metodologia presente no “Manual do Terceiro Setor no Sistema de Contas Nacionais”.
Assim, foram consideradas Entidades Sem Fins Lucrativos, as entidades enquadradas
entre as 14 categorias30 do CEMPRE e em consonância com a metodologia
desenvolvida pela Johns Hopkins University31.
São três as figuras jurídicas correspondentes a esses critérios, de acordo com o
Novo Código Civil: as associações, as fundações e as organizações religiosas. Nessas
categorias estão enquadradas na pesquisa como FASFIL as seguintes entidades:
Organização Social; Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP); 29 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE (2002). As Fundações Provadas e Associações sem Fins Lucrativos no Brasil 2002. Estudos e Pesquisas Informação Econômica, número 4. 30 As cooperativas não foram incluídas por terem objetivos de caráter econômico, visando a partilha de seus resultados entre os membros cooperados. 31 De acordo com a classificação destes cinco pré-requisitos, as demais entidades foram excluídas das 14 categorias acima descritas: Serviço Notarial e Registral (Cartório); Serviço Social Autônomo; Condomínio em Edifícios; Unidade Executora (Programa Dinheiro Direto na Escola); Comissão de Conciliação Prévia; Entidade de Mediação e Arbitragem; Partido Político; Entidade Sindical; e, Fundação ou Associação Domiciliada no Exterior.
Perfil das Entidades Associadas à Rede de Informações do Terceiro Setor no Brasil
16
Outras Fundações Mantidas com Recursos Privados; Filial, no Brasil, de Fundação ou
Associação Estrangeiras; e Outras Formas de Associação.
Seguindo esses critérios, o IBGE chegou ao número de 275.895 FASFIL no
Brasil no ano de 2002.
O “Mapa do Terceiro Setor” desenvolvido pela Fundação Getúlio Vargas (FGV)
(www.mapadoterceirosetor.org.br) possui hoje aproximadamente 5000 organizações
cadastradas em seu banco de dados. A metodologia de pesquisa empregada aí é muito
semelhante àquela utilizada na elaboração do relatório sobre as FASFIL. No Mapa, são
aceitas como entidades do TS aquelas que têm seu registro no CNPJ iniciado pelo
código 3, ou seja, instituições que são as consideradas “sem fins lucrativos”. Segue-se aí
também a metodologia proposta no “Manual do Terceiro Setor no Sistema de Contas
Nacionais”, que determina como organizações do TS aquelas privadas, sem fins
lucrativos, institucionalizadas, auto-administradas e voluntárias.
É preciso ressaltar, entretanto, que há nessas pesquisas diferenças de
interpretação dos cinco critérios do Manual produzido pela Johns Hopkins University.
O IBGE, por exemplo, excluiu sindicatos, federações, confederações e centrais sindicais
de trabalhadores ou profissionais do grupo das FASFIL por entender que tais entidades
não atendem “ao critério de organização voluntária, na medida em que não podem ser
livremente constituídas por qualquer grupo de pessoas, pois a sua criação é
condicionada a uma categoria profissional específica e a não existência de uma outra
entidade sindical na mesma base territorial”32. Tal critério de exclusão, por sua vez, não
foi utilizado pela FGV na construção de seu mapa.
O “Manual sobre Organizações Não Lucrativas no Sistema de Contas
Nacionais” define o setor não lucrativo como aquele “formado por (a) organizações que
(b) são sem fins lucrativos e que, por lei ou costume, não distribuem qualquer excedente
que possa ser gerado para seus donos ou controladores; (c) são institucionalmente
separadas do governo, (d) são auto-geridas; e (e) não-compulsórias”.33 Como se poderá
observar nos parágrafos que seguem, há algumas contradições na aplicação desses
32 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE (2002). As Fundações Provadas e Associações sem Fins Lucrativos no Brasil 2002. Estudos e Pesquisas Informação Econômica, número 4. 33 JOHNS HOPKINS UNIVERSITY, UNITED NATIONS STATISTICS DIVISION, (Tradução e revisão: Georgiana Esteves e Ofélia Lopes). Manual sobre Organizações não Lucrativas no Sistema de Contas Nacionais. p. 1 Disponível em http://www.mapadoterceirosetor.org.br/conteudo.aspt?pg=21, acessado em 04/10/2007.
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17
critérios.
Conforme tradução da FGV, o Manual considera que o critério (a) define que as
organizações informais sem uma situação legal definida “estão especificamente
incluídas”, desde que atendam ao critério de serem organizações “com um grau
significativo de estrutura interna e permanência temporal” 34. Entretanto, tanto no mapa
produzido pela FGV quanto no relatório produzido pelo IBGE não é aceita a inclusão de
entidades informais, mesmo que estas possuam “identidade organizacional”. Essa
exclusão impede, do ponto de vista do marco teórico aqui elaborado, um fiel retrato dos
atores que exercem atividade no TS.
O critério (b) diz que
“onde os salários excessivos e privilégios podem fazer parecer que as organizações estão fugindo de sua ‘restrição de não distribuição [de lucros], existe embasamento para tratar a organização como com fins lucrativos. As leis nacionais têm habitualmente dispositivos para desqualificar, da condição de sem fins lucrativos, as organizações nessas situações, embora a implementação dessas leis seja freqüentemente imperfeita”.35
Esse item não foi levado em consideração por nenhuma das duas pesquisas aqui
analisadas.
O terceiro critério (c), que versa sobre a autonomia das organizações, é talvez o
mais controverso, pois estabelece que estas devam possuir uma “identidade institucional
separada do Estado”, podendo, entretanto, “exercer a autoridade que lhe foi delegada
pelo Estado ou administrar um conjunto de regras determinadas pelo Estado, mas sem
soberania própria”36. Parece ser essa a razão pela qual a FGV aceita a inclusão dos
sindicatos em seu banco de dados, diferentemente do que faz o IBGE. Nesta pesquisa,
“foram excluídas as entidades sindicais do grupo das Fundações Privadas e Associações sem Fins Lucrativos, por não atenderem ao critério de organização voluntária, na medida em que não podem ser livremente constituídas por qualquer grupo de pessoas, pois a sua criação é condicionada a uma categoria profissional específica e a não existência de uma outra entidade sindical na mesma base territorial”37.
34 Idem. 35 ibidem. 36 ibidem. 37 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. op. cit .
Perfil das Entidades Associadas à Rede de Informações do Terceiro Setor no Brasil
18
O quarto critério (d) também oferece pistas das incoerências teórico-
metodológicas encontradas no Mapa. Segundo esse critério, uma organização é auto-
gerida quando ela é capaz de controlar suas próprias atividades, não estando sob o
controle efetivo de qualquer outra entidade. “No entanto, para ser considerada como
auto-gerida, a organização deve controlar sua administração e operações numa extensão
significativa, ter uma regulamentação interna de governança e desfrutar de um grau
significativo de autonomia.” Acrescenta:
“[a] ênfase aqui não está na origem da organização, i.e., qual instituição a ‘criou’; ou no grau de regulamentação governamental de suas atividades; ou qual sua fonte principal de receita. A ênfase é na capacidade de governança e de estrutura organizacional: A organização está geralmente no comando de seu próprio ‘destino’, i.e., ela pode se dissolver, estabelecer ou mudar seu regimento interno, alterar sua missão ou estrutura interna sem ter que obter permissão de qualquer outra autoridade além do registro oficial normal? Se a resposta for sim, então é não lucrativa”.
Ou seja, o critério de inclusão ou exclusão está ancorado numa questão de
“grau” de autoridade que seus representantes possam exercer e sobre o “grau” de
autonomia que a organização possui. “Isto significa que uma fundação corporativa,
fortemente controlada pela empresa-mãe, deve ser excluída. No entanto, uma fundação
corporativa, que controla suas próprias atividades e não está sujeita no dia-a-dia ao
controle da empresa-mãe deve ser incluída”38. Como pensar sobre a inclusão dos
sindicatos como entidades sem fins lucrativos de acordo com esse princípio? Além de
ser um critério altamente subjetivo e muito dependente das realidades institucionais
nacionais, essa variação de grau pode ser um grande fator comprometedor, visto que
encontramos uma grande diversidade de “grau de democratização” em vários países.
O último critério (e), que define a não-compulsoriedade de uma entidade, define
que a “filiação, contribuição de tempo e dinheiro não é requerida ou obrigatória por lei e
nem fazem parte da condição de cidadania”39. A própria tradução do Manual cita como
exemplo a Ordem dos Advogados Brasileiros que gera obrigatoriedade de registro para
38 JOHNS HOPKINS UNIVERSITY, UNITED NATIONS STATISTICS DIVISION, (Tradução e revisão: Georgiana Esteves e Ofélia Lopes). op. cit., p. 2 39 idem.
Perfil das Entidades Associadas à Rede de Informações do Terceiro Setor no Brasil
19
o exercício da profissão, mas que entende que isso não é uma “condição para a
cidadania”.
Cabe dizer, por fim, que tanto a FASFIL quanto o Mapa do Terceiro Setor não
incorporam entidades informais ou com outra forma de atuação não considerada como
sendo sem fins lucrativos. Ou seja, a flexibilidade que um cadastramento espontâneo
poderia oferecer, como é o caso do cadastro da RITS, acaba por não permitir a
localização da multiplicidade de atores do TS.
Para empreender um censo que incluísse entidades informais, seria necessário
inicialmente uma pesquisa qualitativa que mapeasse as atividades do TS. A escassez de
pesquisas qualitativas nessa área acaba por comprometer a realização das próprias
pesquisas quantitativas. Dessa forma, apontamos para uma metodologia de pesquisa que
esteja pautada nas atividades desenvolvidas por entidades que eventualmente ou
permanentemente estejam atuando no terceiro setor.
A pesquisa mais recente localizada foi a pesquisa da Fundação Instituto de
Pesquisas Econômicas (FIPE) em parceria com o Ministério Público de Minas Gerais,
intitulada Diagnóstico do Terceiro Setor de Belo Horizonte (2006) sobre o universo das
ONGs na cidade de Belo Horizonte. A metodologia adotada assemelha-se muito à
metodologia dessa pesquisa para analisar as entidades sem fins lucrativos: questionário
semi-aberto com perguntas concentradas nas áreas de atuação dessas entidades.
Coincidem também alguns dados importantes, como o alto número de entidades não
encontradas (acima de 50%). O alcance geográfico diferenciado das duas pesquisas
limita, entretanto, comparações e conclusões que possam ser verificadas40.
4.1. Metodologia Adotada
Tendo em vista os problemas encontrados nas metodologias das pesquisas acima
analisadas e as questões apontadas no marco teórico (seção 3), decidiu-se construir o
perfil das entidades associadas à RITS privilegiando a análise das atividades por elas
desenvolvidas, em detrimento de sua identidade institucional. Foram consideradas
entidades do TS todas aquelas que desempenham atividades características desse setor,
tal como definido na seção 3. Entretanto, deve-se ressaltar que o universo das entidades
aqui analisadas restringiu-se às entidades sem fins lucrativos, visto que as demais 40 Maiores informações sobre essa pesquisa podem ser acessadas em: http://www.fundata.org.br/CD_MG_CAOTS_INTERNET/index.htm
Perfil das Entidades Associadas à Rede de Informações do Terceiro Setor no Brasil
20
entidades presentes no banco de dados eram apenas residuais.
Tal opção teórico-metodológica resultou na elaboração da seção 6 do presente
relatório, onde são apresentados os cruzamentos realizados a partir das respostas às
questões relativas às ações concretas desenvolvidas pelas associadas da RITS. Dessa
forma, além de um perfil geral das entidades, foi construído um perfil que tem como
foco as atividades e suas relações de causalidade com as demais variáveis.
5. RESULTADOS OBTIDOS
Após o processo inicial de limpeza e das análises de consistência, chegou-se a
um universo de 2242 casos a serem entrevistados.
Durante o processo de realização das entrevistas, sessenta novas duplicações
foram encontradas e o número total de casos passou a ser 2182. Ao todo foram
encontradas 1308 entidades. Não foi possível aplicar o questionário a 230 destas, de
modo que no total foram realizadas 1078 entrevistas. Desse total, 994 correspondem a
entidades sem fins lucrativos, 37 a empresas, 11 a grupos informais/sem natureza
jurídica definida, 5 a organizações internacionais, 1 a pessoa física, 1 a cooperativa e em
29 casos não foi possível identificar a natureza jurídica da entidade.41 Houve ainda 874
entidades que figuravam no catálogo de associadas à RITS, mas que não foram
encontradas.
Em prejuízo ao marco teórico aqui proposto, que privilegia a análise das práticas
exercidas no TS, a pesquisa teve seu alcance limitado em função do banco de dados das
associadas da RITS, restringindo a investigação ao universo das 994 entidades sem fins
lucrativos encontradas, já que os demais tipos de entidades apareciam residualmente ou
continham informações de busca muito limitadas.
Antes, porém, de tratar dos dados obtidos, cabe fazer uma observação quanto às
874 entidades não encontradas. Nas pesquisas de busca das entidades pelo endereço, na
Internet e em catálogos telefônicos, constatou-se que muitas delas não possuem sequer
página na rede, impedindo o trabalho de coleta de dados. Muitas delas, entretanto,
apareceram citadas em outras páginas eletrônicas, na maior parte das vezes em páginas
eletrônicas de órgãos governamentais e de instituições ligadas ao terceiro setor.
Em virtude desse alto número de entidades, decidiu-se fazer uma caracterização 41 Vale ressaltar ainda que se encontrou 60 entidades do setor público, as quais não foram entrevistadas. 24 empresas não foram incluídas no banco de dados porque não exerciam atividades no terceiro setor. Das 53 organizações internacionais encontradas, entrevistou-se as 5 que mantêm escritório no Brasil.
Perfil das Entidades Associadas à Rede de Informações do Terceiro Setor no Brasil
21
das mesmas, tendo-se em vista o fato de que, muitas delas eram citadas em algum meio
eletrônico de informação. 18,4% das entidades não encontradas eram citadas em alguma
página eletrônica ligada a órgãos públicos e 7,9% delas eram mencionadas em páginas
ligadas ao terceiro setor. A maior parte – 60,1% –, entretanto, não foi encontrada em
nenhuma instância, o que leva a crer que estas de fato não mantêm atividades
continuadas ou simplesmente não existem.
Chama atenção o fato de muitas entidades não possuírem formas de contato, mas
aparecerem recentemente em processos de pedidos de títulos de utilidade pública ou
mesmo em matérias jornalísticas que citam suas atividades.
Passando-se agora propriamente à descrição dos dados obtidos ao longo da
pesquisa, cabe começar com aqueles referentes ao estatuto jurídico das entidades. 83,3%
(N=741) das entidades entrevistadas são associações e 10% são fundações. Apenas
3,6% das entidades são organizações religiosas.
Como já se disse anteriormente, nos anos 1990 intensificou-se a juridificação
das formas de incentivo estatal ao associativismo. Um marco importante desse processo
foi a Lei n.º 9.790/99, que define o processo de qualificação de uma entidade enquanto
Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP). Esse título pode ser
obtido por associações civis e fundações de direito privado e prevê termos de parceria
entre as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público e o Estado, não havendo,
nesses casos, necessidade de licitação.
Quase 30% (N=657) das entidades pesquisadas declararam ter recebido tal
qualificação. Lembrando-se que a lei das OSCIPs é recente, é possível afirmar que esse
número é relativamente alto, indicando que as associadas à RITS já buscam com
bastante freqüência esse instrumento. Infelizmente não foi possível fazer uma
comparação com os dados nacionais contidos na pesquisa do IBGE, pois, mesmo tendo
sido as OSCIPs incluídas nessa pesquisa, não há informação de quantas elas eram até o
ano de 2002.
Quando se trata de títulos de utilidade pública, percebe-se uma incidência
consideravelmente superior da resposta afirmativa, o que não surpreende, uma vez que
tais títulos correspondem a um marco regulatório das entidades sem fins lucrativos
muito mais antigo – o título de Utilidade Pública foi criado em 1935 – que a lei
supracitada. Em mais de 55% dos casos (N=675) a entidade respondeu possuir algum
desses títulos.
Perfil das Entidades Associadas à Rede de Informações do Terceiro Setor no Brasil
22
Dentre os títulos obtidos, o mais freqüente é o de utilidade pública municipal.
Cerca de 41% das entidades que responderam a essa pergunta revelaram possuí-lo. Em
seguida, vêm os títulos de utilidade pública estadual e federal, com 32,5% e 27,2%,
respectivamente. Os demais certificados totalizam apenas 10,7% das respostas. A partir
desses dados, pode-se observar que grande parte das entidades pesquisadas encontra
legitimação jurídica particularmente em nível local. Além disso, percebe-se que são
poucas as entidades menos estruturadas que procuram a RITS.
Quanto à distribuição regional das entidades associadas à RITS, os dados da
pesquisa mostram que há uma grande concentração na Região Sudeste, onde estão
localizadas mais de 60% (N=966) das entidades pesquisadas. A Região Nordeste
também aparece destacadamente, com 20% dos casos. As regiões Sul e Centro-Oeste
figuram, respectivamente, com 9,3% e 6,7% dos casos. A mais baixa concentração está
na Região Norte: apenas 26 entidades pesquisadas se situam lá, o que corresponde a
2,7% dos casos.
Esses dados aproximam-se muito dos encontrados na pesquisa do IBGE
(FASFIL). Dentro do universo total de entidades sem fins lucrativos no país, o relatório
mostra que há uma grande concentração na região Sudeste, com quase 44% das
instituições. Os números referentes às regiões Norte e Centro-Oeste no âmbito da
pesquisa do IBGE (4,25% e 6,58% respectivamente) também se assemelham aos
encontrados na pesquisa.
Não se pode dizer o mesmo, entretanto, em relação à Região Sul. De acordo com
o IBGE, 23% das entidades sem fins lucrativos do país se encontram nessa região, ao
passo que apenas 9,3% das entidades associadas à RITS estão sediadas lá. Tal
discrepância sugere um baixo alcance da RITS nessa região.
Analisando a figura 1, algumas observações quanto à distribuição das entidades
por unidade da federação são necessárias. Um dado importante é que os estados do Rio
de Janeiro e de São Paulo concentram sozinhos cerca de 53% das entidades que
responderam a essa pergunta. Surpreende a baixa capilaridade da RITS no estado de
Minas Gerais, sendo que apenas 6,1% (N=966) das entidades pesquisadas se encontram
nesse estado, número bem inferior ao apresentado no relatório sobre as FASFIL. Neste,
Minas Gerais aparece com quase 13% das fundações e associações sem fins lucrativos
do país.
Na Região Nordeste, destaca-se o estado da Bahia, com 5,7% das entidades,
Perfil das Entidades Associadas à Rede de Informações do Terceiro Setor no Brasil
23
seguido pelo estado de Pernambuco, que conta com 4,1% das entidades. Juntos esses
estados respondem por mais de 50% dos casos dessa região. É importante ressaltar
ainda que na Região Centro-Oeste a grande concentração de entidades está no Distrito
Federal (4,7%), enquanto o estado Goiás conta apenas com 1,2% das entidades.
Apenas em Rondônia não foi encontrada nenhuma entidade.
Figura 1
Outro dado importante diz respeito ao período em que surgiram as entidades
pesquisadas. Os dados obtidos na pesquisa mostram que foi na década de 1990 que a
maior parte delas surgiu (43,1%, N=900).
Essa informação se aproxima, em grande medida, daquilo que diz a literatura
Perfil das Entidades Associadas à Rede de Informações do Terceiro Setor no Brasil
24
sobre entidades sem fins lucrativos. Segundo o relatório do IBGE (2002), 50% das
entidades sem fins lucrativos do país foram fundadas na década de 1990.
Pode-se observar nos gráficos 1 e 2 que o ponto de inflexão no ano de fundação
das associadas à RITS se dá a partir do período de redemocratização. Na seção 6 será
explorada a diferença de perfil das entidades mais jovens em relação às entidades mais
antigas no que tange ao tipo de atividade que elas desempenham.
Gráfico 1
Entidades sem fins lucrativos segundo Ano de Fundaç ão da Instituição
57 45 51
160
388
199
0
50
100
150
200
250
300
350
400
450
Fundada até1960
Fundada de1961 até 1970
Fundada de1971 até 1980
Fundada de1981 até 1990
Fundada de1991 até 2000
Fundada apóso ano 2000
Ano de Fundação
FRE
Q.
De acordo com o que se disse anteriormente, as entidades associadas à RITS
contam com boa infra-estrutura. Isso pode ser demonstrado com base nos dados
referentes à situação do endereço e à posse de página eletrônica. Cerca de 86% (N=957)
das entidades declararam possuir página eletrônica e 87,7% (N=636) funcionam em
endereço comercial. Apenas 12,3% delas declararam funcionar em endereço residencial.
Outro dado interessante: 40,4% (N=611) das entidades informaram possuir sede
própria.
Vale mencionar que ter patrimônio é mandatório apenas para as fundações.
Estas, entretanto, representam somente 13,1% (N=741) das entidades pesquisadas. É
possível afirmar, assim, que muitas associações consideram importante a estabilidade
que um imóvel próprio confere. Isso também pode demonstrar que, no momento da
fundação de uma entidade, o aporte de recursos possibilitava a compra de um imóvel
Perfil das Entidades Associadas à Rede de Informações do Terceiro Setor no Brasil
25
próprio.
No que tange à área de atuação das entidades pesquisadas, é preciso mencionar
que ela corresponde ao campo no qual a missão principal da entidade (em geral
estatuído legalmente) se enquadra.
Como se pode ver no gráfico 3, na questão referente à principal área de atuação,
independente da área-foco nas atividades continuadas ou nos projetos temporários,
35,3% (N=970) das entidades declararam atuar na área de desenvolvimento social e
defesa de direitos. Aparece também com destaque a área de atuação educação e
pesquisa (26,1%) e assistência social (19%).
Gráfico 2
Freqüência da principal área de atuação (%)
35,3
26,1
19
15,2
12,9
11,8
3,7
2,2
1,8
1,3
0 5 10 15 20 25 30 35 40
Desenvolvimento Social e Defesa de Direitos
Educação e Pesquisa
Assistência Social
Saúde
Meio Ambiente
Cultura, Recreação e Esportes
Voluntariado, Terceiro Setor, Responsabilidade Social
Religião
Outros
Organizações Profissionais, de Classe e Sindicatos
É preciso mencionar que apesar de a pergunta ser referente à principal área de
atuação, a entidade podia declarar até cinco áreas.
Na questão referente a todas as áreas da atuação em que a entidade se enquadra,
o resultado se mostrou um pouco diferente, como se pode observar no gráfico 4. Nesse
caso, 45,1% (N=954) das entidades responderam trabalhar com educação e pesquisa,
44,1% com desenvolvimento social e a defesa de direitos, e 22,4% com saúde. Vale
lembrar que nesse caso também se aceitavam múltiplas respostas.
Perfil das Entidades Associadas à Rede de Informações do Terceiro Setor no Brasil
26
Gráfico 3
Freqüência de todas as áreas de atuação (%)
45,1
44,1
22,4
21,7
19,3
15,7
4,8
3
2,3
1,6
0 10 20 30 40 50
Educação e Pesquisa
Desenvolvimento Social e Defesa de Direitos
Saúde
Assistência Social
Cultura, Recreação e Esportes
Meio Ambiente
Voluntariado, Terceiro Setor, Responsabilidade Social
Outros
Religião
Organizações Profissionais, de Classe e Sindicatos
Ainda que haja mudanças nas respostas referentes à principal área de atuação e a
todas as áreas de atuação, é possível notar a força do discurso do empoderamento
(empowerment), relativo às áreas de atuação de desenvolvimento social e defesa de
direitos e educação e pesquisa.
Um segundo tipo de categorização utilizado na pesquisa diz respeito às ações
concretas realizadas. Essa categoria indica que tipo de atividade é desenvolvida pela
entidade pesquisada.
Como se pode observar no gráfico 5, desenvolvimento social, político e
econômico é a ação concreta que aparece com mais relevo, sendo que 29,7% (n=944)
das entidades declararam ter esse tipo de atividade. É também alto o número de
entidades que fazem orientação social (28,1%). Destaca-se ainda o número de entidades
que trabalham com ‘capacitação para o mercado de trabalho’, ‘outras ações em
educação’ e ‘atendimento e orientação médica e odontológica’ (respectivamente, 25%,
24,4% e 18,1%).
Perfil das Entidades Associadas à Rede de Informações do Terceiro Setor no Brasil
27
Gráfico 5
Freqüência das Ações Concretas
29,7
28,1
25
24,4
20,9
18,1
15,4
12,5
12,1
10,9
10,7
10,6
8,9
0 5 10 15 20 25 30 35
Desenvolvimento Social, Político e Econômico
Orientação Social
Capacitação Para o Trabalho e Colocação No Mercado
Outras Ações em Educação
Atividades Culturais
Atendimento e Orientação Médica e Odontológica
Emergência e Amparo
Assessoria e Consultoria
Educação Infantil, Fundamental e Média; Alfabetização
Pesquisa, Divulgação Científica
Produção de Vídeo, Tv, Rádio, audiovisual, Sites e Jornais
Atividades Esportivas e Recreativas
Educação Ambiental
O público-alvo das entidades também foi objeto dessa pesquisa. Esta é a
categoria que trata dos grupos para os quais se voltam preferencialmente as ações
concretas desenvolvidas pelas entidades. Crianças e adolescentes são o principal
público-alvo das entidades (30,8% dos casos, N=945). Em seguida, com 24,5% e com
20,2%, os públicos-alvo mais citados foram população em geral e comunidades urbanas
periféricas. Jovens e famílias também aparecem com destaque, totalizando 16,9% e
14,6%, respectivamente. Vale ressaltar novamente que eram aceitas múltiplas respostas
a essa questão.
Perfil das Entidades Associadas à Rede de Informações do Terceiro Setor no Brasil
28
Gráfico 6
Freqüência de Público Alvo (%)
30,8
24,5
20,2
16,9
14,6
0 5 10 15 20 25 30 35
Crianças e Adolescentes
População em Geral
Comunidades Urbanas Periféricas, Populaçãoem Risco
Jovens
Famílias
Mais adiante, tratar-se-á da relação que há entre o público-alvo e as ações
concretas desenvolvidas pela entidade. A partir dessa análise, será possível entender
algumas das razões que levam as entidades a terem como foco o atendimento a crianças,
adolescentes e jovens.
Investigaram-se também as parcerias estabelecidas pelas entidades. Parceria é
entendida aqui como qualquer forma de cooperação ou ajuda prestada à entidade na
realização de suas atividades, podendo envolver recursos financeiros ou não.
De acordo com os dados obtidos, é possível dizer que as entidades estabelecem,
majoritariamente, parcerias com canais institucionalizados nacionais. Em primeiro lugar
vêm as parcerias com instituições do setor público, com 78,5%, (N=786) seguido de
parcerias com empresas (71,3%, N=764) e com ONGs no Brasil (67,8%, N=785).
Apenas 53,6% (N=741) das entidades afirmaram estabelecer algum tipo de contato com
movimentos sociais para o desenvolvimento de seus projetos. 40,4% (N=728) fazem
parcerias com ONGs no exterior.
A partir desses números, é possível inferir que as entidades associadas à RITS
em geral não trabalham sozinhas, mantendo quase sempre algum vínculo com outras
instituições. Pode-se dizer ainda que esse vínculo é maior com o primeiro e o segundo
setores do que com outras entidades ligadas ao próprio TS. Não é demasiado arriscado
afirmar, pois, que o TS não funciona de forma autônoma, recorrendo constantemente
aos primeiro e segundo setores. É de se estranhar, entretanto, a menor ligação dessas
entidades com o TS, visto que todas elas foram encontradas no banco de dados da RITS,
Perfil das Entidades Associadas à Rede de Informações do Terceiro Setor no Brasil
29
ponto central de uma rede de interessados no campo.
Com relação aos recursos humanos é possível afirmar que a maior parte das
entidades utiliza tanto trabalho voluntário (79,8%, N=619) quanto trabalho remunerado
(77,7%).
Quando se observa a mediana do número de voluntários e remunerados, 10 e 6
respectivamente, vê-se que as entidades costumam trabalhar com um maior número de
voluntários do que de remunerados. Os dados mostram ainda que o trabalho remunerado
é mais utilizado para a realização de atividades-meio, enquanto que o trabalho
voluntário é mais utilizado para a realização das atividades-fim. Esse é um dado pouco
surpreendente, uma vez que é mais fácil recrutar voluntários para atividades-fim, na
medida em que o indivíduo se sente mais motivado com a possibilidade de ver a
materialização de um benefício ao próximo por meio do seu trabalho.
A partir dos dados sobre recursos humanos é possível fazer inferências também
sobre o tamanho das entidades. Conforme se vê no gráfico 7, referente ao número de
trabalhadores – voluntários e remunerados – quase 30% (N= 643) das entidades são de
pequeno porte, contando com até 10 trabalhadores. Grande parte das entidades
pesquisadas pode ser tida como de médio porte, uma vez que 48,5% delas têm entre 11
e 50 trabalhadores.
Gráfico 7
Freqüência de Pessoas Envolvidas nas Atividades da Entidade (%)
28,8
48,5
9,6
9,6
1,7
1,7
0 10 20 30 40 50 60
Até 10 Pessoas
Entre 11 e 50 Pessoas
Entre 51 e 100 Pessoas
Entre 101 e 500 Pessoas
Entre 501 e 1000 Pessoas
Mais do que 1000 Pessoas
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30
A origem dos recursos é principalmente proveniente de fundos privados
(empresas no país, pessoas físicas no país e fundações ou entidades sem fins lucrativos
no país e no exterior), sendo que 58% das entidades (N=688) declararam receber
recursos de empresas no Brasil e 51,9% de pessoas físicas no país (N=671). Outro dado
relevante é que um número também expressivo de entidades declarou ter recebido
fundos de governos municipais, estaduais e/ou federal, respectivamente, 38% (N=668);
24,9% (N=666) e 36,5% (N=672).
Considerando-se esses dados, cabe dizer que as entidades pesquisadas contam
menos com os governos estaduais, o que pode estar relacionado ao fato de muitas vezes
o governo federal repassar recursos destinados a ações sociais diretamente aos
municípios. É possível afirmar ainda que a iniciativa privada é uma grande fonte de
recursos para a sustentação das atividades das entidades pesquisadas.
Quanto ao orçamento das entidades pesquisadas, os dados obtidos apresentam
renda média anual de R$ 5.318.013. A mediana do orçamento das entidades, no entanto,
é de cerca de R$ 200.000. O uso da mediana é mais indicado na presente análise, uma
vez que há entidades com orçamentos muito altos que “puxam” a renda média para
cima. É o caso, por exemplo, da Bahia, onde a média encontrada foi de R$ 61.059.371 e
a mediana R$ 130.00042.
Pernambuco, dos estados com número de casos superior a 10, tem a maior das
medianas informadas, R$ 412.500, seguido do Distrito Federal, com R$ 300.000. São
Paulo e Rio de Janeiro possuem uma mediana de R$ 200.000. Apenas sete entidades
declararam orçamento superior a R$ 10.000.000 (dez milhões de reais).
O gráfico 8 ilustra bem a distância entre a média e a mediana dos orçamentos
das entidades nas diferentes unidades federativas. À exceção da Bahia, os estados de
PE, MG, DF, SP e RS são os que mostram maior disparidade.
42 Essa discrepância se dá em grande medida devido ao orçamento informado pelo SEBRAE desse estado, que apresenta um valor muito superior à média das outras entidades pesquisadas.
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31
Gráfico 8
Estimativa dos Orçamentos segundo UFUFs com 10 ou mais entidades (sem BA)
RS
SC
SP
DFMG
PE
CE
RJ
PR
0
50
100150
200
250
300350
400
450
0 500 1.000 1.500 2.000 2.500
Milh
ares
MilharesMédia dos Orçamentos
Med
iana
dos
Orç
amen
tos
Fazendo-se uma análise dos orçamentos a partir de faixas (ver Gráfico 9), o que
se pode afirmar é que a maior parte das entidades pesquisadas tem orçamento médio
anual entre R$ 100.000 e R$ 999.999. Pode-se dizer, a partir desse dado, que a maior
parte das entidades associadas à RITS corresponde a entidades de médio porte.
Gráfico 9
Faixas das Estimativas de Orçamento Total das Entid ades
35
106
165
76
7
0
20
40
60
80
100
120
140
160
180
Até 9.999 reais De 10.000 até99.999 reais
De 100.000 até999.999 reais
De 1 milhão até9.999.999 reais
10 milhoes oumais
Faixas de Orçamento
Fre
qüên
cia
Perfil das Entidades Associadas à Rede de Informações do Terceiro Setor no Brasil
32
Como se sabe, é comum que o índice de resposta a esse tipo de questão nas mais
variadas pesquisas seja baixo. Menos de 40% (N=994) das entidades forneceram dados
sobre o seu orçamento.
Um bloco específico da pesquisa foi dedicado à investigação do acesso à justiça
por parte das entidades pesquisadas. 23,9% (N=571) delas recorreram ao Ministério
Público, 22,8% recorreram ao judiciário e 7,3% recorreram aos juizados especiais
(7,3%).
Apesar do número de entidades que declararam as razões que levaram à
mobilização do judiciário ter sido muito reduzido (N=67), vale notar que o motivo mais
freqüente dado por essas entidades diz respeito a questões trabalhistas (37,3%), em
seguida vindo a defesa de direitos humanos, sociais e civis (28,4%). Devido à variedade
considerável de respostas a essa questão, o percentual dessas que entraram na categoria
“outros” é significativo (22,4%).
Em relação à mobilização do Ministério Público (MP), a quantidade de respostas
também é baixa, mas as razões para essa mobilização diferem consideravelmente.
25,8% (N=66) das respostas obtidas se referem a denúncias e/ou fiscalização do
cumprimento da legislação vigente. Em segundo lugar, aparecem a defesa do meio
ambiente e a defesa dos direitos de grupos específicos, ambas correspondendo a 15,2%
das respostas. Assim como no caso do judiciário, o percentual de respostas que se
enquadram na categoria “outros” é significativo (24,2%), confirmando a grande
variedade de razões que levaram à mobilização do MP por parte das entidades.
O índice de resposta a essa pergunta foi, como já se disse, relativamente baixo.
Porém, se mantido fosse um padrão, seria possível inferir que, ao recorrerem ao
Judiciário, as entidades o fazem, na maior parte dos casos, com o intuito de resolver
questões de funcionamento interno, notadamente, causas trabalhistas. Quando, no
entanto, elas mobilizam o Ministério Público, a intenção está mais ligada a causas de
interesse público, ligadas à sua área de atuação.
6. PERFIL DAS ATIVIDADES DAS ENTIDADES ASSOCIADAS À RITS
Tendo em vista o marco teórico aqui proposto, as análises dos cruzamentos
abaixo foram realizadas privilegiando as ações concretas desenvolvidas pelas entidades
entrevistadas. Os cruzamentos demonstram que as entidades que trabalham com
educação ambiental são as que mais possuem títulos de OSCIP (quase 34% dos casos),
Perfil das Entidades Associadas à Rede de Informações do Terceiro Setor no Brasil
33
seguidas daquelas que trabalham com desenvolvimento social, político e econômico
(23,6% dos casos). O menor índice de entidades qualificadas como OSCIP foi
encontrado entre as entidades que trabalham com emergência e amparo (apenas 10,3%
dos casos). Observa-se uma porcentagem baixa também no caso das entidades que
trabalham com educação infantil, fundamental e média e alfabetização (11,4%).
Quanto aos títulos de utilidade pública, vê-se que eles são atribuídos com mais
freqüência às entidades que de alguma forma prestam atendimento direto ao seu público
alvo. Destacam-se as que trabalham com atendimento médico e odontológico (55,6%),
atividades de educação (54,4%), bem como atividades esportivas e recreativas (53,3%)
e de emergência e amparo (51%).
Cerca de 50% das entidades pesquisadas utilizam trabalho voluntário. Quando se
faz o cruzamento desse dado com os referentes às ações concretas, percebe-se algumas
variações. Destacam-se as entidades que trabalham com atendimento direto ao seu
público-alvo, como, por exemplo, emergência e amparo. Neste caso, quase 65% das
entidades declararam utilizar trabalho voluntário. Percentuais semelhantes são
encontrados em entidades que trabalham com educação infantil, fundamental e média
(61,4%), atendimento e orientação médica e odontológica (60,8%). Um percentual
consideravelmente inferior a 50% é encontrado quando se trata de entidades que atuam
na produção de vídeo, TV, rádio, audiovisual, sites e jornais. Dessas, cerca de 45%
declararam contar com voluntários.
Nota-se, portanto, ser mais comum mobilizar voluntários em ações em que estes
entram em contato direto com o público atingido. Desse modo, as atividades de
emergência e amparo; educação infantil, fundamental e média e atendimento e
orientação médica e odontológica são aquelas que mais contem com trabalho voluntário.
As atividades ligadas à produção de vídeo, TV, rádio, audiovisual, sites e jornais podem
ser tidas predominantemente como atividades-meio, o que dificulta o recrutamento de
voluntários.
Vale ressaltar, porém, que as entidades que desenvolvem atividades de educação
infantil, fundamental e média também se destacam pelo uso de trabalho remunerado.
Cerca de 60% delas remuneram seus funcionários. Isso possivelmente está ligado ao
fato de que as entidades com esse perfil de atividade também necessitam de muitos
trabalhadores ocupando-se de atividades-meio, tais como merendeiros(as),
faxineiros(as), entre outros.
Perfil das Entidades Associadas à Rede de Informações do Terceiro Setor no Brasil
34
No que tange às atividades de produção de vídeo, TV, rádio, audiovisual, sites e
jornais, pode-se dizer ainda que estas entidades são as que possuem em média o menor
número de trabalhadores envolvidos, uma vez que se trata de uma atividade que exige
pouca mão-de-obra .
Uma característica marcante é a presença do setor público, bem como de
empresas, enquanto parceiros das entidades para a realização de atividades relacionadas
à educação infantil, fundamental e média e alfabetização; educação ambiental e
atividades culturais. As empresas são as parceiras mais importantes quando se trata da
realização de atividades de emergência e amparo.
As entidades que realizam atividades de produção de vídeo, TV, rádio,
audiovisual, sites e jornais destacam-se por realizar mais parcerias com movimentos
sociais e ONGs no Brasil. Pode-se imaginar que as entidades que realizam essas
atividades estejam preocupadas com a divulgação de uma agenda social ligada a
atividades provenientes do TS, tal como os movimentos sociais e as ONGs.
Chama atenção o fato de haver poucas parcerias para as atividades das
associadas à RITS com ONGs no exterior.
O cruzamento entre data de fundação e ações concretas aponta para diferenças
entre entidades com perfis distintos de atividades. Chama atenção o número
relativamente alto de entidades fundadas até 1960 (15,8%) que trabalham com educação
infantil, fundamental, média e alfabetização. Dentre essas, apenas 26,3% - número
baixo em relação à média - foram fundadas nos anos 1990. Destacam-se também as
atividades de emergência e amparo. Nesse caso, 11,8% foram fundadas antes de 1960 e
28,5% nos anos 1990.
Uma inferência passível de ser feita a partir destes dados diz respeito às
características do TS no Brasil no período anterior ao da redemocratização. Tratava-se
de um setor mais assistencialista, ligado também à educação infantil. É grande, por
exemplo, o número de creches fundadas no período anterior aos anos 1960.
Já as entidades que trabalham com desenvolvimento social, político e econômico
e educação ambiental possuem um perfil mais jovem e ligado a uma agenda de direitos
das gerações futuras.
Já se observou anteriormente que as entidades pesquisadas estão sediadas
majoritariamente nos estados do Rio de Janeiro e de São Paulo. Por conta disso, esses
estados concentram a maior parte das atividades desenvolvidas. Entretanto, as entidades
Perfil das Entidades Associadas à Rede de Informações do Terceiro Setor no Brasil
35
que desenvolvem atividades de educação ambiental, desenvolvimento social, político e
econômico e assessoria e consultoria concentram-se majoritariamente fora de São Paulo
e do Rio de Janeiro.
Pode-se dizer que as entidades mais expressivas no estado de São Paulo são
aquelas cujas atividades são consideradas assistencialistas, como educação infantil,
fundamental, média e orientação social. É importante frisar que as atividades de
educação infantil, fundamental, média, bem como orientação social se aproximam mais
da área de atuação “Assistência Social”.
No estado do Rio de Janeiro as atividades esportivas e recreativas e a produção
de vídeo, TV, rádio, audiovisual, sites e jornais são as mais destacadas.
Emergência e amparo; educação infantil, fundamental e média; e atividades
esportivas e recreativas, são aquelas que mais se destacam quando se trata do
atendimento a crianças e adolescentes.
Educação ambiental; pesquisa e divulgação científica; e produção de vídeo, TV,
rádio, audiovisual, sites e jornais são atividades que não estão voltadas a públicos
específicos, mas à população em geral.
Um dado interessante se refere às comunidades urbanas periféricas. Observando-
se os dados, vê-se que esse público-alvo é, de alguma forma, “disputado” por entidades
que trabalham com emergência e amparo e por aquelas ligadas ao desenvolvimento
social, político e econômico.
As entidades que praticam capacitação para o trabalho e colocação no mercado
de trabalho têm como principal foco os jovens, bem como aquelas que trabalham com
atividades culturais e com atividades esportivas e recreativas.
As famílias são o público atingido majoritariamente por aquelas entidades com
um perfil mais assistencialista, destacando-se as que trabalham com emergência e
amparo e com atendimento e orientação médica e odontológica.
6.1. Proximidade entre as Atividades
Observando o cruzamento de todas as ações concretas entre si, observam-se
alguns padrões entre as atividades43. São eles:
43 Vale mais uma vez ressaltar o caráter preliminar das análises aqui feitas tendo em vista que a precariedade das informações obtidas restringiu o universo de investigação às entidades sem fins lucrativos.
Perfil das Entidades Associadas à Rede de Informações do Terceiro Setor no Brasil
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1. Maior proximidade entre ações voltadas para atividades culturais e esportivas;
2. Em um segundo nível, outros dois grupos de ações: Atendimento Médico e
Emergência e Amparo, por um lado, Consultoria ou Assessoria e Pesquisa por
outro;
3. As mesmas entidades que realizam atividades culturais e de recreação também
aparecem relacionadas às ações de capacitação e outras ações direcionadas para
educação (categoria outras formas de educação);
4. A categoria Orientação Social, assim como a que representa as ações relativas à
Educação nos Ensinos Fundamental e Médio (inclusos os trabalhos com
alfabetização) aparecem em alguma medida agrupados com as categorias das
ações em saúde;
5. Em âmbito maior, existe uma divisão entre dois grandes grupos mais distantes,
um que parece mais relacionado à produção do conhecimento e outro que
representa ações mais voltadas para o atendimento direto ao público-alvo;
6. Vale ainda ressaltar que as entidades com ações na área de meio ambiente
aparecem como mais isoladas em relação aos outros tipos de ações concretas.
Têm, contudo, afinidade com ações voltadas para o Desenvolvimento Social,
Político e Econômico, com a publicação e produção de material audiovisual e
jornalístico, assim como ações relacionadas à pesquisa, divulgação científica e
consultorias.
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O perfil geral das associadas à RITS mostra que elas são, em sua maioria
associações, pouco menos de 30% delas possuem o título de OSCIP e mais da metade
das entidades pesquisadas possui outro título de utilidade pública, em geral, o título de
utilidade pública municipal. As associadas são entidades laicas e estão localizadas
principalmente no Rio de Janeiro e em São Paulo.
65,2% das associadas da RITS são entidades jovens, criadas a partir da década
de 1990. Essas entidades são em geral bem estruturadas, com sede comercial própria e
com acesso à Internet. 80% das associadas à RITS informaram utilizar trabalho
voluntário, seja na execução direta das ações, seja em setores administrativos.
Com relação às suas áreas de atuação, pode-se dizer que um número bastante
Perfil das Entidades Associadas à Rede de Informações do Terceiro Setor no Brasil
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expressivo tem como missão o desenvolvimento social e a defesa de direitos. As
atividades desta área, que a literatura costuma chamar de empoderamento
(empowerment), abarcam também ações de educação para crianças e adolescentes e
entidades que desenvolvam atividades relacionadas com orientação social e educação
em geral.
As parcerias estabelecidas por essas entidades são majoritariamente com
instituições do setor público, com empresas e com outras entidades sem fins lucrativos
no Brasil. O mesmo se dá com relação às fontes de financiamento, que são pra maioria
delas de fontes privadas, provenientes de empresas e pessoas físicas no país.
Apesar do alto índice de não resposta em relação ao orçamento, pode-se afirmar
que as entidades têm uma mediana orçamentária em torno de duzentos mil reais. Poucas
são as entidades que possuem orçamento superior a um milhão de reais. Somando-se
essa informação ao número expressivo de atividades desenvolvidas em cada entidade,
pode-se especular que sejam ações de curto prazo.
Como já se disse acima, apesar de se ter tratado do TS a partir das atividades e
não da questão da identidade legal das entidades, o universo de associadas da RITS se
compõe majoritariamente de entidades sem fins lucrativos, de modo que não se pôde
trabalhar com ações de terceiro setor realizadas por outros tipos de agentes. Ainda que
estes não estejam contemplados aqui, sabe-se, por exemplo, que as empresas envolvem-
se crescentemente com essas ações, vide o aparecimento do Grupo de Institutos,
Fundações e Empresas (GIFE) no mesmo período do “boom das ONGs”, bem como o
crescimento do número de afiliadas dessa entidade (de 1995 a 2005 a rede cresceu
208%). Nesse sentido, apontamos para a necessidade de pesquisas que contemplem
melhor a multiplicidade de atividades desenvolvidas no terceiro setor.