pequena história das conservas de frutas

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PEQUENA HISTÓRIA DAS CONSERVAS DE FRUTAS Compotas - Geléias - Frtas Cristali!a"as A origem das conservas de frutas - compotas, geléias, doces em barras, fru muito antiga e creditada aos árabes, mais exatamente aos mesopotâmios que, utilizavam com fins medicinais. Todas essas iguarias e o próprio a!car, d medicamentos importantes da farmacopéia árabe e da medicina medieval europ árabes os introdutores do a!car tanto na farmacopéia quanto na cozin$a. A arte de conservar e confeitar frutas foi introduzida na %uropa pelos cru tradicional de prepara"o dessas iguarias n"o se alterou por séculos, cont simples e rápido. & odor dos frutos de ver"o misturado com a!car continua reconfortando os $omens até $o'e. As primeiras re#eitas & primeiro texto con$ecido aparentando uma compota - marmelos confitados n remonta ao século (, figurando num dos )* volumes da +istória atural do a romano l nio, o antigo. /ais tarde, no século 0, o agr1nomo alladius, outras receitas de marmelos confitados em mel. um manuscrito batizado de 2 otas de 3ucina de 4eonardo da 5inci2, do céle artista renascentista 6(078-(7(9:, entre ;< receitas 6a maioria salgada 'á feitos com a!car eram pouco presentes na dieta cotidiana européia.daquela alto preo do doce ingrediente: destaca-se uma receita de 2marmelada de co feita com mel e a partir de técnicas presentes em muitos outros livros de posteriormente. A receita era da cozin$eira de 4eonardo que, apesar de gar provaria a iguaria, afirmava ser ela 2ideal para acompan$ar pratos de carn a =dade /édia, a denomina"o 2compota2 designava todas as confeitarias re de alimentos cozidos em a!car ou mel> as frutas em calda, os bombons, fru geléias, etc... Até o século (7, as receitas evoluem e outras frutas s"o c marmelo> peras, am?ndoas e até mesmo nabos, cenouras, sals"o e erva doce. O Trata"o "e Nostra"ams /as primeira obra publicada que trata da arte e a maneira de fazer compota do século (@, e deve-se ao médico, astrólogo e praticante da alquimia /ic$ ame, mais con$ecido por ostradamus 6(7<)-(7@@:. =nteressado no estudo da efeitos na cura das doenas, ele passou uma temporada de dois anos na =tál onde se dedicou a aprofundar seus con$ecimentos em alquimia vegetal, desco /il"o, um boticário especializado nessa matéria, que o inicia na arte das curativas. e volta B #rana, estudou e fez experi?ncias com os doces de f medicamentosos e, em (778, publicou o resultado de suas pesquisas com o t des #ardements et des 3onfitures2. Cua receita de geléia de marmelo valeu- n!ncio papal de Avignon, pela doura celestial.

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PEQUENA HISTÓRIA DAS CONSERVAS DE FRUTAS

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PEQUENA HISTRIA DAS CONSERVAS DE FRUTASCompotas - Gelias - Frutas CristalizadasA origem das conservas de frutas - compotas, gelias, doces em barras, frutas cristalizadas - muito antiga e creditada aos rabes, mais exatamente aos mesopotmios que, entretanto, a utilizavam com fins medicinais. Todas essas iguarias e o prprio acar, de fato, so bases de medicamentos importantes da farmacopia rabe e da medicina medieval europia. Foram os rabes os introdutores do acar tanto na farmacopia quanto na cozinha.A arte de conservar e confeitar frutas foi introduzida na Europa pelos cruzados. O mtodo tradicional de preparao dessas iguarias no se alterou porsculos, continuando a ser simples e rpido. O odor dos frutos de vero misturado com acar continua seduzindo e reconfortando os homens at hoje.As primeiras receitas

O primeiro texto conhecido aparentando uma compota - marmelos confitados no mel - remonta ao sculo 1, figurando num dos 37 volumes da Histria Natural doautor romanoPlnio, o antigo. Mais tarde, no sculo 4, o agrnomo Palladius, cita, tambm, duas outras receitas de marmelos confitados em mel.Num manuscrito batizado de "Notas de Cucina de Leonardo da Vinci", do clebre e polivalente artista renascentista (1452-1519), entre 80 receitas (a maioria salgada j que os alimentos feitos com acar eram pouco presentes na dieta cotidiana europia.daquela poca devido ao alto preo do doce ingrediente) destaca-se uma receita de "marmelada de couve"que era feita com mel e a partir de tcnicas presentes em muitos outros livros de cozinha editados posteriormente. A receita era da cozinheira de Leonardo que, apesar de garantir que jamais provaria a iguaria, afirmava ser ela "ideal para acompanhar pratos de carne".Na Idade Mdia, a denominao "compota" designava todas as confeitarias realizadas a partir de alimentos cozidos em acar ou mel: as frutas em calda, os bombons, frutos confitados, gelias, etc... At o sculo 15, as receitas evoluem e outras frutas so citadas alm do marmelo: peras, amndoas e at mesmo nabos, cenouras, salso e erva doce.O Tratado de NostradamusMas primeira obra publicada que trata da arte e a maneira de fazer compotas e gelias data do sculo 16, e deve-se ao mdico, astrlogo e praticante da alquimia Michel de Nostre-Dame, mais conhecido por Nostradamus (1503-1566). Interessado no estudo das plantas e seus efeitos na cura das doenas, ele passou uma temporada de dois anos na Itlia (1547-1549), onde se dedicou a aprofundar seus conhecimentos em alquimia vegetal, descobrindo, em Milo, um boticrio especializado nessa matria, que o inicia na arte das compotas e gelias curativas. De volta Frana, estudou e fez experincias com os doces de frutas medicamentosos e, em 1552, publicou o resultado de suas pesquisas com o ttulo de "Trait des Fardements et des Confitures". Sua receita de gelia de marmelo valeu-lhe elogios do nncio papal de Avignon, pela doura celestial.A obra de Nostradamus,atingiu, no espao de trinta e cinco anos, doze edies, um recorde absoluto para a poca. Apresenta trinta receitas de compotas, gelias e xaropes de frutos diversos. Muitas vezes ele indica as qualidades alimentcias e medicinais dos doces, assim como a forma de ingeri-los. Mas quase sempre os doces no tm apenas utilidade farmacutica. So alimentos agradveis ao paladar, suaves e aconselhados para serem consumidos em qualquer oportunidade.A importncia da obra de Nostradamus repousa, assim, na forma simples com que divulga seu saber e sistematiza as indicaes teraputicas das conservas de frutos. Por meio da utilizao adequada de produtos disponveis nas dispensas das casas mais remediadas, era possvel confeccionar a maior parte das receitas prescritas, j que os doces presentes nesse receiturio podiam ser feitos com mel ou mosto, alm de acar. Em uma poca em que o acar ainda era bastante caro e raro, o autor tornava acessvel a um pblico amplo o que at ento era consumido apenas pela elite. Este talvez seja o segredo de tantas edies do livro.O avano ao longo dos sculosNos sculos 17 e 18, os conhecimentos medicinais das compotas de frutas, assim como o uso do acar na alimentao, j estavam bem disseminados entre a populao e a arte da doaria. a confeitaria e a conservaria j haviam conquistado definitivamente seu lugar de celebrao, distino e sociabilidade na boa mesa europia, como atestam os livros antigos de receitas com sua variedade de receitas de bolos, tortas e cremes. As variedades de gelias so cada vez mais numerosas. As descobertas de regies remotas e a instalao de comrcios em vrias partes do mundo, permitem a introduo de frutos exticos na Europa.Em 1788, de um autor annimo, publicado, em Portugal, o livro " Arte Nova e Curiosa para Conserveiros, Confeiteiros e Copeiros e mais Pessoas que se Ocupam em Fazer Doces e Conservas com Frutas". Altamente especializada, compilando o que havia de mais tradicional e caracterstico na confeitaria e conservaria portuguesas, a obra apresenta 162 receitas de doces, nas quais predominam os chamados "preparados pequenos", entre eles, biscoitos, broas, farteis (um doce delicado, envolvido em capa de massa de trigo), e pastis e uma grande variedade de doces de frutos. Em menor quantidade, registram-se as receitas de "doces de colher" (doces pastosos), base de ovos e tpicos da doaria conventual portuguesa, bem como os "doces de bacia" (bolos e tortas).

No caso das conservas de frutas, algumas das informaes sobre sade disponveis na obra de Nostradamus so reafirmadas, mas as receitas no possuem mais a preocupao com a natureza dos alimentos e sua disgestibilidade. Os ensinamentos tcnicos sobre a arte de conservar, por sua vez, embora no sejam to detalhados quanto os de Nostradamus, so o grande destaque da obra, pois permitem a avaliao, ao longo do tempo, das prticas alimentares, do modo de cozinhar e dos equipamentos de cozinha.Tcnicas e procedimentos da arte de conservar os frutosEntre o final do sculo 15, poca do suposto registro da marmelada de couve nas anotaes de cozinha de Leonardo da Vinci, e o sculo 18, muitas coisas mudaram nas cozinhas das grandes casas europias, mas no que tange arte da conservaria, o princpio bsico de preservar os frutos em caldas doces (feitas com mel ou acar) pouco mudou. As alteraes ficam por conta de produtos novos, dos utenslios de cozinha que foram aprimorados e da forma de servir os doces e compotas, j que o ritual das refeies, o servio de mesa e as normas de etiqueta passaram por transformaes intensas entre o incio e o final da Idade Moderna.

A grande revoluo no campo da doaria e, por extenso, na arte de conservar os frutos foi, certamente, a adoo do acar de cana como substituto do mel e, com ele, a difuso da indstria conserveira e doceira. Embora a utilizao do acar refinado no fosse ainda totalmente dominante no sculo 18, haja vista a indicao da necessidade de clarificar o acar em muitas das receitas de conservas apresentadas na Arte nova e curiosa para conserveiros, o acar de cana tornou-se o produto por excelncia da arte de fazer doces e conservas de frutos. Quando o produto refinado era indispensvel ao sucesso da receita, havia a necessidade de especificaes do tipo: "acar da Ilha da Madeira" ou "acar em p".

A marmelada de couve do final do sculo 15 era, portanto, feita com mel (metade do peso da couve), j as conservas de frutos prescritas por Nostradamus podiam ser feitas com mel, mosto (lquido obtido da uva antes de terminada sua fermentao, o qual, adicionado a uvas bem maduras, proporcionava uma calda que, fervida e coada, servia como adoante para a fabricao de conserva de fruta) ou acar de cana, o que indica bem a transio importante, mas paulatina, de substituio de um produto por outro. Embora no tratado do sculo 18 poucos doces fossem ainda confeccionados com mel, o acar era "liquidificado" de modo a atingir consistncias semelhantes do tradicional adulcorante. S depois de adquirido o "ponto" certo (de cabelo, de espadana, de espelho e muitos outros) a calda de acar deveria ser adicionada mistura de ovos, farinha ou s frutas.Estas, na maior parte das vezes, j deveriam estar cozidas ou pr-cozidas no momento de receber a calda doce, como se observa na receita de perada(ver box na coluna ao lado), que levava "quatro arrteis de acar clarificado em ponto grosso", o qual, depois de esfriado um pouco, "lhe deitaro sete arrteis de peras mal pesadas, cozidas primeiro..."O processo de conservar os frutos consistia, assim, na adio de grandes quantidades de calda doce ao produto a ser confeccionado, devendo esta ser diariamente escoada e renovada. Tratava-se de um procedimento longo e trabalhoso, que comeava com os cuidados com os frutos (descascar, lavar, retirar caroos e sementes, cortar, cozinhar), o qual s seria concludo aps os frutos e as caldas passarem por vrios cozimentos, sendo retirados e recolocados em tachos com extremo cuidado e controle dos pontos de cozedura. Apenas na ltima etapa adicionavam-se as especiarias como o cravo-da-ndia, a canela eo almscar.E o acar faz a diferenaComparando-se os processos de confeco de conservas de frutos divulgados no tratado de Nostradamus com aqueles disponveis no livro de receitas do sculo 18, observa-se que a grande diferena entre eles repousa no tempo de preparao das conservas. No tratado do sculo 16, uma conserva de casca de laranjas, por exemplo, poderia levar at um ms para ser feita. A mesma conserva, no livro do sculo 18, tomava dez dias de trabalhos e atenes. Mergulhados em caldas de mel, de mosto ou de acar, tudo indica que os frutos iam ficando doces e adquirindo consistncia com o passar do tempo e das vrias cozeduras e repousos. possvel, portanto, que a aparente "rapidez" da confeco da conserva do doceiro portugus estivesse relacionada qualidade do adoante utilizado: um acar mais puro e concentrado do que o consumido no tempo de Nostradamus e mais doce do que o mel ou o mosto.Apesar da diferena no adoante utilizado, as receitas existentes nos dois tratados apresentam semelhanas, quer nos frutos utilizados, que permanecem praticamente os mesmos (laranjas, limes, ginjas, marmelos, abboras e peras), quer nas etapas e procedimentos de confeco (cozer o fruto, adicionar a calda, deixar repousar, escorrer e tornar a adicionar uma nova calda). bem provvel que o autor annimo do tratado setecentista tenha se inspirado na obra de Nostradamus ou em outras compilaes de receitas de conservas que remontavam, de alguma forma, s receitas do famoso autor das Profecias, j que, em geral, os livros de cozinha se inspiravam em um modelo anterior, muitas vezes datado de alguns sculos. O que se observa, portanto, em termos de tcnica, a existncia de uma "receita de base", que, modificada e adaptada a outros ingredientes, poderia resultar em novos sabores, novos doces e novos produtos a serem conservados.No Tratado de Nostradamus (sculo 16) por exemplo, no h registro de conservas de pssegos, damascos e ameixas, as quais so abundantes no livro de cozinha do sculo 18. Neste, tambm, se encontram compotas de frutos, cujo modo de preparar difere do das conservas doces tradicionais, j que o fruto deveria ser cozido com o acar e servido quente, diretamente da panela, como registrou seu autor: "O doce de compotas o que mais se usa nos banquetes por ir quente mesa. Este doce nomeado compotas se costuma fazer de frutos de mas, como peras". Seu preparo diferente das conservas, pois os frutos so cozidos na calda do acar e "quando esto brandas se deitam no prato com a mesma calda e vai mesa para beber gua nevada sobre a dita compota. Desta compota se fazem todas as frutas..."O tratado do sculo 18 utiliza ainda, em certas receitas, o recurso de secar os doces ao sol em tabuleiros ou caixas (doces secos), aps serem cozidos com acar em calda, como no caso dos pssegos cobertos, das ameixas cobertas ou da marmelada para caixa. Trata-se de uma outra forma de preservao dos frutos, embora apresente semelhanas com a tcnica das conservas. Nostradamus, por sua vez, fornece uma receita de acar cristalizado, mas no de frutos cristalizados. Suas receitas so basicamente de conservas, xaropes e gelias, insistindo sempre na higiene dos potes que deveriam conter as conservas e no perfeito acondicionamento em recipientes bem fechados. Esses detalhes poderiam mudar sensivelmente a aparncia e o gosto das conservas, bem como a forma de servir e consumir os doces de frutas.A evoluo dos utensliosEntre os sculos 15 e 18, tambm ocorreram mudanas nos utenslios de cozinha. A cozinha do confeiteiro do sculo 18 parece ser, sem dvida, a mais equipada das citadas pelos trs tratadistas citados acima. Alm de forno e fogo, havia alfinetes para verificar o cozimento das frutas (estes j mencionados por Nostradamus, possivelmente devido falta de garfos), panelas, balanas, tachos, palanganas (tabuleiros), peneiras, raladores, escumadeiras, facas, colheres, garfos, vasilhas de barro e metal, todos utilizados na fabricao das conservas. A do tempo de Leonardo, mesmo em se tratando de uma cozinha da nobreza, seria a mais discreta. Da, talvez, o interesse do artista "registrado nas Anotaes" em criar ele mesmo instrumentos de vrios tipos para "limpar, picar, moer, descascar e cortar" os alimentos. O registro atribui a Leonardo, inclusive, a inveno do garfo de trs dentes.

Na poca de Nostradamus, muito prxima de Leonardo, panelas de ferro, pilo de madeira, caixas de madeira ou vidro e potes de barro eram os utenslios mais citados e praticamente no apareciam equipamentos especficos para a conservaria, como formas, tachos, joeiras, peneiras etc. Lembrando que at os pratos, copos e facas individuais eram ainda raros nos banquetes da nobreza do sculo 16 e que a comida era depositada sobre uma fatia de po individualmente distribuda (no lugar de pratos), no difcil imaginar o quanto os equipamentos de cozinha se multiplicaram em quase trs sculos.Eles acompanharam as transformaes tcnicas ocorridas na culinria, mas surgiram, sobretudo, para atender arte de servir e de estar mesa, que ganhou normas rgidas de conduta, em concordncia com os cdigos de civilidade e de bom tom que despontaram no perodo.Na Pennsula IbricaEm Portugal e no restante da Pennsula Ibrica, h registros sobre o ofcio de confeiteiro e conserveiro datados do final da Idade Mdia e incio da poca moderna, j que a indstria de conservas ou de doces de frutas, de influncia rabe, desenvolveu-se associada produo de acar.Nessas regies, surgiu uma grande variedade de confeitos e doces de frutas (em calda de acar, cristalizadas) que eram, inclusive, exportados para outras partes da Europa. No incio, esses doces e confeitos destacaram-se pelo seu valor medicinal, mas rapidamente foram adquirindo outros usos e significados e estimularam uma indstria doceira que se expandiu, sendo aperfeioada nos sculos seguintes.Em Portugal, essa arte era desenvolvida domesticamente pelas mulheres, servindo de sustento a muitas famlias, mas havia tambm homens envolvidos no ofcio, como informa a documentao portuguesa ao referir-se aos "conserveiros", "confeiteiros" e "alfoeleyros" (fabricantes de alfloas, um doce de calda de acar ou de melado em ponto). Mas foi nos conventos e recolhimentos femininos que a arte da doaria e conservaria se expandiu, notadamente em Portugal e em suas colnias, a partir do sculo 17. Essa tradio doceira marcou a culinria portuguesa at os dias de hoje, conferindo identidade doaria regional lusitana, como as queijadas de Sintra, os ovos moles de Aveiro e tantos outros doces conventuais, cujas receitas foram transmitidas atravs das geraes.Com a expanso da produo de acar, o doce foi sendo introduzido tambm nas mesas mais populares, sempre com esse carter suprfluo, comemorativo e de encerramento de uma boa refeio. Invadiu as merendas e as ceias frugais, adquirindo ainda uma conotao de mimo e de presente a ser ofertado como sinal de estima. Vasco da Gama, por exemplo, ofereceu ao xeque de Moambique conservas da ilha da Madeira. Com o tempo, o costume tomou dimenso maior, alastrando-se pela sociedade. Assim, smbolo de status, de amor, de festa e de sociabilidade, o doce conquistou muitos significados sem perder seu valor medicinal e nutritivo original.Os confeitos de frutas e as conservas doces eram afamados na Ilha da Madeira j no sculo 15, sendo muitas vezes enriquecidos com especiarias europias e orientais (amndoas, anis, gengibre, coentro seco). As frutas cristalizadas, por sua vez, so referidas pelos viajantes que visitaram a ilha no sculo 16. Pompeo Arditi, em 1567, menciona "que nela (Ilha da Madeira) ancoram todos os barcos para comprar acar, vinho e conserva de acar, que nesta cidade se fazem de grande qualidade e em muita abundncia". Nessa localidade, era tambm famosa a "casquinha", conserva feita com a casca de frutos ctricos, a qual fazia parte da proviso das embarcaes nas grandes viagens martimas, por ajudar a combater o escorbuto. Sabe-se, por outro lado, que em Valncia e na Sicilia havia uma tradio conserveira importante desde o incio da Idade Moderna.No BrasilO gosto e os conhecimentos tcnicos para fabricar conservas com frutos tropicais foram registrados tambm pelos primeiros cronistas da Amrica portuguesa, sinal de que os conquistadores preservaram, no Novo Mundo, certos saberes e hbitos alimentares europeus.Aqui ocorreu a substituio dos produtos europeus por similares da colnia. Onde a portuguesa usava mas, peras e pssegos para fazer suas conservas, passou a usar o mamo verde e o coco. As cerejas e ameixas podiam ter como similar a jabuticaba, enquanto as nozes e amndoas, o amendoim. A estrutura culinria portuguesa foi mantida mas os ingredientes foram trocados. Nas grandes fazendas ou nas minas coloniais, a culinria ganhava cara prpria, variando de regio para regio de acordo com os produtos disponveis e as caractersticas dos povos presentes como escravos, portugueses e ndios.A popularizao das Conservas de FrutasApesar de toda a evoluo nas tcnicas de preparo, nos edulcorantes (adoantes), utenslios e mesmo na variedade de frutas, at o sculo 18, as conservas doces so produtos de luxo, encontradas, sobretudo, na mesa dos nobres. Na verdade, at o sculo 19, a maioria das civilizaes no inclua as frutas na alimentao.So os avanos tecnolgicos advindos das descobertas cientficas do sculo 19 que possibilitam a popularizao das conservas de frutas. O "mtodo Appert" de conservao por esterilizao pelo calor, divulgado em 1810, a descoberta do processo de solidificao do acar de beterraba, a pasteurizao e o enlatamento, permitiram a fabricao das mais variadas conservas, em particular as de legumes, que mantinham mais ou menos o sabor do produto fresco.Ao longo dos sculos, as conservas de frutas passaram de uma presena muito tmida nas refeies a um lugar de destaque na alimentao europia, ganhando, inclusive, status de arte independente, merecedora de obras especficas que as divulgassem.Hoje, a industrializao permite fabricar grandes quantidades de conservas de frutas, mas, por outro lado, o gosto tende uniformizao. H, entretanto, atualmente, uma procura cada vez maior por aromas e sabores mais originais, mais refinados, s encontrados nas produes artesanais ou fazendo voc mesmo as suas compotas e gelias, consideradas um alimento de prazer.Fontes: *Pratique Leite* Alimentao, Sade e SociabilidadeA Arte de Conservar e Confeitar os Frutos - (sculos XV-XVIII)Leila Mezan Algranti* Thesaurus