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SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros HILLESHEIM, L.P. Formação de professores-educadores do campo. In: DAVID, C., and CANCELIER, J.W., eds. Reflexões e práticas na formação de educadores [online]. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2018, pp. 12-31. ISBN 978-85-7511-475-9. https://doi.org/10.7476/9788575114759.0002. All the contents of this work, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution 4.0 International license. Todo o conteúdo deste trabalho, exceto quando houver ressalva, é publicado sob a licença Creative Commons Atribição 4.0. Todo el contenido de esta obra, excepto donde se indique lo contrario, está bajo licencia de la licencia Creative Commons Reconocimento 4.0. Parte I – Formação inicial de professores Capítulo 1. Formação de professores-educadores do campo Luis Pedro Hillesheim

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SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros HILLESHEIM, L.P. Formação de professores-educadores do campo. In: DAVID, C., and CANCELIER, J.W., eds. Reflexões e práticas na formação de educadores [online]. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2018, pp. 12-31. ISBN 978-85-7511-475-9. https://doi.org/10.7476/9788575114759.0002.

All the contents of this work, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution 4.0 International license.

Todo o conteúdo deste trabalho, exceto quando houver ressalva, é publicado sob a licença Creative Commons Atribição 4.0.

Todo el contenido de esta obra, excepto donde se indique lo contrario, está bajo licencia de la licencia Creative Commons Reconocimento 4.0.

Parte I – Formação inicial de professores Capítulo 1. Formação de professores-educadores do campo

Luis Pedro Hillesheim

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PARTE I

FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES

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CAPÍTULO 1

Formação de professores-educadores do campo

Luis Pedro Hillesheim

Contexto de uma educação rejeitada

Por culpa das famílias, educadores, professores, monitores, educandos, escolas, associações de famílias, universidades, secretarias de educação, agri-cultura, enfim, organizações sociais de ordem pública e privada, a educação do campo está proibida. Minha convicção é de que somos culpados, por não reagirmos às reais necessidades dos que trabalham no campo, mas como re-agir se a prática do discurso de mais produção e menos educação corrompe tudo e todos?

A educação do campo deixa de existir quando: a) não escutamos nin-guém, não entendemos a realidade dos envolvidos no processo de educação do campo; simplesmente virando os olhos para o lado, não vemos, fingi-mos não ver, ficamos míopes, cegos para o que precisa ser visto; b) possu-ímos uma enorme ausência de trajeto, nossas metas são confusas, nossos olhares não focam, andamos sem saber o caminho e sem ter noção de para onde caminhar; c) temos e vemos enormes desafios ao experimentar novas ideias, novos caminhos, novas formas de construir a sociedade, a educação do campo. Permanecemos demasiadamente distantes desses elementos apon-tados e que fragilizam a educação do campo. Mas por que não escutamos? Por que não possuímos um foco? Por que novas ideias não são aceitas?

Precisamos pensar na educação a partir da sua origem, no momento em que ela consistia na ideia de momentos de estudo e debates, espaços de refle-xão. Quando obrigatória, era para escravos e caracterizava sofrimento, im-posição. No século XVIII, tem-se o conceito de educação pública gratuita obrigatória, no sentido de obediência e docilidade, que passa a ser internacio-nalizada com o objetivo de igualdade de classes sociais; mais tarde, a educa-ção passa a seguir o modelo de divisão de classes, tornando-se elitista.

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14 REFLEXÕES E PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE EDUCADORES

Na França, no período do império de Napoleão (1804-15), surgem as pri-meiras experiências de ensino com corpo docente, séries escolares, conteúdos determinados por alguém, um docente por ano, por disciplina, por turma (Cambi, 1999). Uma resposta ideal para formar trabalhadores diante de um modelo industrial, para o qual os alunos deveriam seguir regras, ser condu-zidos, em seus estudos, por um mestre que os ensinaria a desenvolver uma cultura de reprodução de conhecimento, fruto de um sistema de produção em que todos devem aprender o mesmo.

Substituímos esse modelo de educação que prepara as pessoas para repro-duzir um sistema de produção, consumo e que ameaça o sistema hegemôni-co? Temos uma escola fechada para o mundo exterior, que ensina “verdades” pensadas por alguém, e não pelos territórios criados tendo em vista as neces-sidades das pessoas.

Para sabermos se a educação de hoje avançou no sentido da formação de professores-educadores e da valorização do ser humano, precisamos respon-der a algumas questões:

a. Conhecer os alunos: as escolas, as universidades e os professores-edu-cadores conhecem os alunos? Conseguimos viver sem saber logaritmo, mas não sem se relacionar com as pessoas. Que ambientes estamos ofe-recendo para que os adultos pensem diferente em nossas universida-des? A escola é uma espécie de programação linear, aprende e repete, mas como isso é possível se somos diferentes?

b. Respeitar o pensar das pessoas: por que precisamos e/ou insistimos em interferir no processo de constituição de um ser humano, incluir o aluno na cultura e não deixar fluir a cultura do aluno? Ele precisa estudar, ter uma profissão a fim de ser alguém na vida, ir à escola como se ainda não fosse ninguém e lá se constituir ser humano. Dessa forma, estamos cuidando e respeitando os anseios dos alunos?

c. Desenvolver a autonomia: dividimos as ciências, separamos tudo em conteúdos e queremos formar sujeitos integrais. Seria, então, a educa-ção apenas o transmitir de conhecimentos estabelecidos por outros? E caberia aos alunos a simples reprodução de aprendizagens, com dis-ciplina e comportamento mecânicos.

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Formação de professores-educadores do campo 15

Quando parte de mecanismos de controle ou qualquer forma de imposição, a própria educação não é ética consigo. Se deixa de ser natural, passa a existir um aprendizado por ameaça, e a diversidade, que é a riqueza da sociedade, de-saparece.

Uma escola que decide pelos seus alunos nunca vai deixá-los serem o que são e o que desejam ser, e estes nunca serão capazes de decidir pelos próprios atos, pois não desenvolveram a autonomia. Sem ter sido estimulado a ser autônomo, o alunoterá mais dificuldade em estabelecer um projeto profissio-nal e, por consequência, de vida.

Qual o conceito de educação que temos reproduzido? Chegamos ao cú-mulo de diferenciar educação formal de educação informal. Qual a efetiva diferença, se é que se pode estabelecê-la? E mais, isso faria a diferença na vida prática do aluno? Precisamos primeiro reconhecer que educação é reconhe-cer-se, é ter amor, é comunicar-se, é desenvolver as capacidades humanas, é deixar o aluno aprender porque quer aprender. Em uma verdadeira educação, os alunos devem construir, com auxílio dos professores-educadores, o plano de formação a partir das especificidades regionais.

Finalizamos, portanto, essa provocação inicial, procurando entender de onde vem o formato de escola do campo, que parece ser menos do campo do que deveria ser. E aqui está um dos grandes desafios dessa educação proibida.

Formação dos professores-educadores do campo

A mudança na estrutura formativa de profissionais que atuam no ensino voltado a alunos provenientes do campo é urgente. Apresentaremos, então, elementos de uma formação de professores-educadores que atuam em um cur-so superior de Tecnologia em Agropecuária1 da Universidade Regional Inte-grada do Alto Uruguai e das Missões, campus de Frederico Westphalen – RS (URI/FW)2, e que propõem formação de agricultores de nível superior, com base nas formações em alternâncias.

1 Portaria n.º 299, de 7 de julho de 2016.2 Portaria n.º 665, de 5 de novembro de 2014: a secretaria de regulação e supervisão da educação superior, no uso de suas atribuições e considerando as disposições da Lei n.º 12.881, de 12 de novembro de 2013, e da Portaria n.º 863, de 3 de outubro de 2014, do Ministério da Educação, e com fundamento na Nota Técnica n.º 1.031/2014-DPR/SERES/MEC, resolve: Art. 1º - Fica

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16 REFLEXÕES E PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE EDUCADORES

Inicialmente, precisamos retomar a ideia de que a educação do campo foi historicamente negada, considerada arcaica, atrasada, porque seus for-madores raramente tiveram origem no campo. Portanto, não conhecendo o campo, sua cultura, sua tecnologia, seu manejo, como poderiam auxiliar na educação dos que lá trabalham?

Auxiliar no desenvolvimento do campo significa estar educado pelo cam-po, mas como propor isso se estamos diante de um mundo em que o discurso pedagógico sobrepõe o sujeito pedagógico? Para Díaz (1999, p. 15), “não exis-te sujeito pedagógico fora do discurso pedagógico”, isto é, aquele é formado e regulado por esse, pelo que está na ordem do dia; enfim, o que o sistema, as agências de controle preconizam.

Para Foucault (2013), a prática do discurso é um conjunto de enunciados que existem e se apoiam na mesma formação do discurso:

Chamaremos de discurso um conjunto de enunciados, na medida em que se apoiem na mesma formação discursiva; ele não forma uma uni-dade retórica ou formal, indefinidamente repetível e cujo aparecimento ou utilização poderíamos assinalar (e explicar, se for o caso) na história; é constituído de um número limitado de enunciados para os quais podemos definir um conjunto de condições de existência (Foucault, 2013, p. 143).

As práticas discursivas não podem ser confundidas com a formulação de ideias, uma atividade prática, um desejo. Diaz (1999) afirma que não existe sujeito pedagógico fora de um discurso pedagógico. Entretanto, precisamos tomar o cuidado para que esse discurso não seja entendido como menciona Foucault:

Finalmente, o que se chama de “prática discursiva” pode ser agora pre-cisado. Não podemos confundi-la com a operação expressiva pela qual um indivíduo formula uma ideia, um desejo, uma imagem; nem com a atividade racional que pode ser acionada em um sistema de inferência (Foucault, 2013, p. 143).

qualificada como Instituição Comunitária de Educação Superior (ICES) a Universidade Regio-nal Integrada do Alto Uruguai e das Missões - URI, Código e-MEC 423, mantida pela Funda-ção Regional Integrada - FURI, CNPJ n.º 96.216.841/0001-00. Art. 2º - Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.

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Precisamos, então, avançar no sentido de falar em múltiplas pedagogias, a fim de entender as práticas pedagógicas e como se apoiam na mesma for-mação discursiva, o que, no conjunto, constituirá a formação de professo-res-educadores. Deve-se ter em mente que, de alguma maneira, as práticas educativas voltadas para o campo podem constituir-se de um jogo de poder, originadas de forças externas, e que, por consequência, corroemos valores culturais internos da educação do campo. Assim, ser um professor-educador do campo contando apenas com uma didática tradicional não basta: faz-se necessário o entendimento do discurso pedagógico, que fragiliza o campo. Para Miguel Arroyo:

Esta pode ser uma característica fundamental da educação básica do campo, porque essa é uma característica dos movimentos sociais, ser feitos por sujeitos, valorizar as pessoas, respeitar suas diversidades, seus direitos. Então, a primeira característica: vincular a educação com os di-reitos, vincular a educação com os sujeitos. Os sujeitos concretos, histó-ricos tratados como gente na escola (Arroyo, 2004, p. 76).

Sem respeitar os espaços do campo e vincular a educação à sua realidade, não é possível pensar na formação dos sujeitos do campo; portanto, a úni-ca saída é respeitar a diversidade do campo e formar professores-educadores com um discurso voltado àquele espaço.

Formação do professor-educador: a primeira proposta pedagógica de Ensino Superior do Pronera, com beneficiários do crédito fundiário

Desenvolver um Curso Superior de Tecnologia em Agropecuárias, com beneficiários do crédito fundiário, por meio do Pronera (Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária),3 em formação por alternância, foi um de-safio para URI/FW. O referido programa foi construído com a comunidade

3 São beneficiários do Pronera, conforme art. 13 do Decreto n.º 7.352/2010: “População jovem e adulta das famílias beneficiárias das Áreas de Reforma Agrárias criadas ou reconhecidos pelo INCRA e do Programa Nacional de Crédito Fundiário (PNCF), de que trata o parágrafo 1º do art. 1º do Decreto nº 6.672, de 02 de dezembro de 2008”.

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18 REFLEXÕES E PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE EDUCADORES

regional, os agricultores e os movimentos sociais que atuam junto a esses be-neficiários.

Mesmo oferecendo uma formação voltada à sucessão do campo e já contan-do com um curso superior na área de Agropecuária com um histórico de for-mação voltado ao campo, com perfil de formação avaliado pelo INEP/MEC como inovador e recomendado para todas as regiões eminentemente rurais do Brasil, com conceito 5 (em escala de 1 a 5) nos objetivos do projeto pedagógico, não nos parece suficiente. As tecnologias vão tomando outras forma e os pro-fessores, sujeitos pedagógicos, facilmente poderão ser tomados pelo discurso pedagógico, bem como repetir erros crassos na formação de seus educandos.

Para tanto, elaborou-se um plano de formação dos professores-educado-res, também em alternância, a fim de que exercessem, no decorrer do ano, uma vivência real dos instrumentos da formação em alternância e de que, ao viverem essa experiência, pudessem entender o processo de formação dos professores-educadores em alternância. Já no final do primeiro encontro, não restava dúvida de que havia o desejo do coletivo de professores-educadores em dar continuidade à “formação dos formadores em alternâncias”.

O objetivo passou a ser possuir uma dinâmica de formação em alternân-cia para os professores-educadores que atuam no Curso Superior de Tecno-logia em Agropecuária – URI/FW. Essa dinâmica já havia sido entendida pela coordenação, NDE – Núcleo Docente Estruturante–, e seu colegiado como necessária, mas ainda não havia sido praticada. Estávamos, então, dian-te de uma oportunidade: o início da formação de beneficiários do crédito fundiário por meio do Pronera. A partir disso, foi implementada a formação de professores-educadores em uma educação conquistada a duras lutas, mas proibida pelo discurso hegemônico de uma sociedade que tem a educação voltada à produção e não à emancipação dos sujeitos.

O início da formação de beneficiários do crédito fundiário por meio do Pronera deu-se a partir do primeiro semestre de 2014, e foi no decorrer deste ano que se constituiu a ideia de formação dos professores-educadores. A dinâmica de formação dos cursos do Pronera exige planejamento, orga-nização e acompanhamento social do processo educacional, que é princípio básico do programa nacional. Por essa razão, com o constante diálogo entre o colegiado, levado frequentemente ao NDE do curso, observa-se a necessidade de ampliar o conceito de aprendizagem existente nos professores-educadores, pois muitos ainda trazem arraigadas em suas práticas docentes uma educação tradicional, distante da realidade do campo.

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Formação de professores-educadores do campo 19

A caminhada se fez caminhando; e é no decorrer do ano de 2014 que sur-ge a necessidade de uma formação dos professores-educadores. Importante destacar que a proposta de mudanças nas práticas docentes não foi imposição do programa, coordenação, direção da universidade, mas do coletivo de pro-fessores, por meio do debate regional e social, que constatou a necessidade de avanços pedagógicos e práticos. Também é importante destacar que o pro-cesso anterior existente em nossa universidade, de ação do Curso Superior de Tecnologia na área de Agropecuária já existente, possui bagagem de aproxi-mação de uma formação voltada ao campo, à sucessão do campo, à formação de nível médio e superior para o campo. Ressalta-se que essa experiência do curso foi preponderante na iniciativa de formação dos professores-educado-res. Durante o ano de 2014, foram ocorrendo reuniões e atividades de for-mação conforme a necessidade. A reunião que estabeleceu a ideia de formação em alternâncias para os professores-educadores se deu em 15 de agosto de 2014, com o primeiro plano de estudo sobre os princípios da pedagogia da alternân-cia e que seriam, então, o tema gerador da primeira alternância no início de 2015. Em 12 de fevereiro de 2015, inicia a primeira alternância de formação de professores-educadores, com um plano de formação previamente estabelecido, fruto das discussões anteriores.

A seguir, apresenta-se uma tabela que demonstra a organização das al-ternâncias de formação de professores-educadores nos anos de 2015, 2016 e 2017.

A formação dos professores, seguindo os princípios da pedagogia da al-ternância, divididos dois tempos e espaços de formação, um denominado TC (Tempo-Comunidade)4 e outro TU (Tempo-Universidade),5 passa a ser vivido, pelos professores, com um plano de formação, resultante do levanta-mento da realidade em curso, com um tema gerador. A cada alternância, é elaborado um plano de estudo no final do TU, a fim de ser estudado, vivido, compreendido, investigado, discutido, sistematizado no TC, que passa a ser

4 O Tempo-Comunidade é o período em que o estudante permanece em seu espaço socioprofis-sional, cultural, e desenvolve suas atividades profissionais, mediante um plano de estudo, com instrumentos pedagógicos da alternância; portanto, período de estudo no Tempo-Comunidade é momento de observar, mas também de implementar ações individuais e coletivas.5 O Tempo-Universidade é o momento de reflexão sobre as suas ações implementadas e as nova-mente observadas, é o período em que o estudante está com seus colegas, professores e com ins-trumentos pedagógicos da alternância. Esse tempo possibilita ao educando refazer seus estudos e implementá-los no Tempo-Comunidade.

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20 REFLEXÕES E PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE EDUCADORES

apresentado individualmente ou coletivamente na colocação em comum da alternância seguinte, no TU, como ponto de partida do estudo.

Quadro 1: Síntese do plano de formação, dos professores-educadores no Curso Superior de Tecnologia em Agropecuária, da URI/FW, nos anos de 2015, 2016, 2017.

Alternâncias Temas em estudo no Tempo-Comunidade (TC) e no Tempo-Universidade (TU)

Carga horária

TC TU

I semestre de 2015

(12 de fevereiro de 2015)

• Origem da Pedagogia da Alternância (PA)• Princípios da PA• Instrumentos pedagógicos da PA• Realidade e perspectivas da agricultura familiar• Perfil do Curso Superior de Tecnologia em

Agropecuária e os alunos em formação

04 08

II semestre de 2015

(15 e 16 de julho de 2015)

• Característica da região e identidade regional dos beneficiários do crédito fundiário

• Qual a realidade regional?• Curso como um projeto de mudança econômi-

ca e social da região• Projeto profissional e de vida

08 16

I semestre de 2016

(17 e 18 de fevereiro de

2016)

• Instrumentos pedagógicos da PA• O futuro da região e dos beneficiários do crédi-

to fundiário: que região queremos?• Princípios de desenvolvimento do campo:

Pronera - seus objetivos e fundamentos de formação do campo

08 16

II semestre de 2016

(18 e 19 de julho de 2016)

• Realidade da região dos acadêmicos e suas fa-mílias

• Conceitos e princípios do projeto profissional e de vida

• Instrumentos pedagógicos da PA • Revisão do roteiro para o projeto profissional e

de vida

08 16

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Formação de professores-educadores do campo 21

I semestre de 2017

(11 de janeiro de 2017)

• Comunidade educativa• Parceiros do Curso Superior de Tecnologia em

Agropecuária da URI-FW• Revisão dos fundamentos e princípios da PA

04 08

II semestre de 2017

(06 de julho de 2017)

• Qual o mecanismo que motiva o aluno a seguir na sucessão rural – “Psicologia de ser agricul-tor”?

• Os sujeitos em formação estão diante de uma modernidade cada vez mais líquida

04 08

I semestre de 2018

(a realizar-se nos dias 22 e 23 de fevereiro de

2018)

• Continuidade dos estudos sobre o tema “Psico-logia de ser agricultor”

• Com quem dialogam os agricultores familiares?• Diferentes aprendizagens na formação do su-

jeito• Características do mundo contemporâneo e a

sucessão do campo

08 16

II semestre de 2018

(a data será defi-nida no final da 7ª alternância)

(tema será definido no final da 7ª alternância)

Total de horas - 2015, 2016 e 2017 44 88

Fonte: elaborada pelo autor, a partir dos registros dos livros de atas do Curso Superior de Tecnologia em Agropecuária (URI/FW).

Esse princípio, base da alternância de partir da realidade existente, é importante para de gerar reflexão no TU e, consequentemente, novas ações no TC e na vida futura do educando. Ao todo, durante os três anos de exis-tência do projeto de formação de professores, foram seis alternâncias, totali-zando 44 horas no TC e 88 no TU. Elas foram construídas de forma semes-tral, possibilitando ao professor observar, refletir e agir sobre suas atividades socioprofissionais, vivendo as formações em alternâncias.

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22 REFLEXÕES E PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE EDUCADORES

A formação seguiu uma organização resultante da realidade existente – no primeiro ano, foram temas voltados para o conhecimento da origem e de princípios da formação em alternância, da realidade dos educandos e da região em que o curso está inserido. No segundo ano de formação, os temas se voltaram aos instrumentos pedagógicos da alternância, ao projeto profis-sional e de vida dos educandos. No terceiro, os temas foram direcionados para o estudo da comunidade regional, para os parceiros do curso e apro-fundamento dos instrumentos pedagógicos deste. Por sua vez, o quarto ano de formação teve início com o debate de como pensam os agricultores, a sua psicologia diante de um mundo contemporâneo, extremamente fluido, com inúmeras tecnologias e fortemente influenciado por agentes externos à vida do campo.

É importante lembrar que os temas geradores das alternâncias vão sendo construídos no decorrer dos anos, de acordo com os desafios do mundo con-temporâneo e as necessidades reais do curso, sempre observando a realidade dos educandos e seus professores-educadores.

Formações em alternâncias

Iniciamos apontando que, de maneira geral, toda formação de professores tem um princípio de “alternância” (Couceiro, 2002), pois parte dos educa-dores está em atividade socioprofissional, espécie de tempo de comunidade, e outra parte, em tempo de universidade, em formação continuada. Porém, parece que a alternância de sucessão de tempos e espaços é uma falsa alter-nância. De acordo com os postulados de Gimonet (2007), seria a alternância justaposta apenas uma sucessão de estudos, com idas e vindas.

Alternâncias,6 entendidas como ideia de conjunto e continuidade, existem a partir da interdependência entre si, ou seja, uma alternância inicia antes de a outra estar concluída, e a próxima somente existirá em função de a anterior ter existido. Ainda, é necessário considerar que não existem tempo e espaço de estudo únicos; o que existe é um coletivo de temas, teorias e práticas que constituem, pouco a pouco, o conhecimento necessário para o desenvolvi-mento de algo inovador. Para Nosella (2014, p. 172), “é com esse objetivo de

6 Duffaure e Robert, 1955.

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Formação de professores-educadores do campo 23

integração do tempo de escolaridade obrigatória com o tempo da ‘liberdade’ formativa que o movimento pedagógico da Pedagogia da Alternância nasceu e se desenvolveu”.

A ideia de formações, por um lado, está vinculada à formação profissional para satisfazer as necessidades do setor produtivo, educação-produção, em que há melhora das condições individuais; por outro, visa atender aos objetivos--fins da educação, que é a formação integral do ser humano, educação-cidada-nia, formação para democracia, com a finalidade de formar um sujeito capaz de pensar processos de desenvolvimento (Cabrito, 1994).

Então, partimos do pressuposto de que existem duas formações em um processo de formação em alternâncias. Nesse processo de formação de pro-fessores apresentado, experimentamos uma dinâmica de formação continua-da de professores-educadores capaz de elaborar, organizar usos de tecnologias e, ao mesmo tempo, democratizar a vida dos educandos, desenvolvendo no-vos sistemas produtivos sustentáveis.

Possibilitar que o sujeito se aproprie de uma formação para democracia e ainda desenvolva vivências com o setor produtivo parece ser algo extrema-mente necessário na formação de professores-educadores no mundo contem-porâneo.

Na formação em alternância, o professor é reconhecido como um edu-cador que transcende a docência e passa a ajudar o educando no processo de formação, em seu Tempo-Comunidade e Tempo-Universidade. Dessa forma, os docentes desenvolvem responsabilidade educativa de orientação e acompanhamento dos educandos nas vivências de grupo e fora delas.

Segundo Gimonet (2007, p. 146), “na pedagogia tradicional o ‘mestre’ se confunde com o conhecimento”, pois o mestre, professor, precisa saber mais que o aluno, ter mais conhecimento. No processo aqui apresentado, a postu-ra é diferente, uma vez que a ideia de professor-educador, aquele que possui conhecimento, é o que cuida do educando, da sua formação e se preocupa com a preparação da sociedade para receber quem está em formação.

O professor-educador permeia a complexidade. Portanto, atravessa as questões educacionais, sociais, pedagógicas e, principalmente, profissionais dos seus educandos. O profissional se apresenta como um conhecedor de uma determinada área, mas possui uma função interdisciplinar e transdisciplinar, que permite associar problemas do cotidiano com o científico existente.

Essa profissão de professor-educador não se improvisa, pois precisa de formação, de estudo, de observação, de aproximar-se do ensino, da pesquisa

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e da extensão. Portanto, uma formação de professores-educadores em alter-nância será sempre continuada e ampliativa da capacidade de conhecimen-tos humanos.

A educação continuada em alternância tem por objetivo desenvolver ele-mentos que possam discutir e associar, nos diferentes espaços de formação e ao longo da vida profissional do sujeito, temas, conteúdos que sirvam para atualização em seu meio socioprofissional e, ao mesmo tempo, de ordem pe-dagógica, nas atividades próprias de educação, de sua formação, como po-demos constatar no quadro que segue, que configura a ideia da sequência proposta pela formação em alternância:

Figura 1: Pedagogia da Alternância

Fonte: o autor.

Os momentos sucessivos em que os professores-educadores alternam os períodos no Tempo–Comunidade, seu meio socioprofissional, e outros no Tempo–Universidade, meio educacional, possibilitam observar, criar hipóte-ses, problematizar e não desvincular a teoria da prática. Segundo Veiga-Neto (2016, p. 20), “se os enunciados e as palavras que constituem uma teoria, só tem significado na corrente do pensamento e da vida”. Enfim, tornar possível o conhecimento, indistintamente conectado à sua realidade, aos seus afaze-res, significa estudar e trabalhar ao longo da vida.

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Aprendizagens obtidas

A formação de educadores em alternância pode ser um simples método pedagógico ou dar origem a um sistema educativo (Gimonet, 1999). Por esse viés, é uma pedagogia que passa a ser um conjunto de pedagogias, aproxi-mando a realidade vivida, uma identidade pessoal e socioprofissional do pro-fessor-educador aos problemas reais da vida do educando, do cotidiano, da sociedade.

Pensar a educação como princípio pedagógico estratégico para o desen-volvimento sustentável é partir da ideia de que o território pode e deve ser reinventado por meio das suas potencialidades. A formação de educadores deve e pode ser conduzida por meio de parâmetros existentes e vividos na própria realidade.

As alternâncias desenvolvidas apontam dois elementos fundantes na formação de professores-educadores para uma educação esquecida, negada e proibida. Um elemento está centrado no desenvolvimento local; o outro, no fortalecimento da cooperação. Observamos o primeiro em Puig-Calvó (2002, p. 126), quando afirma que “sem formação não há desenvolvimen-to pessoal. Sem desenvolvimento pessoal, não há desenvolvimento local sustentável. Sem desenvolvimento local, não há desenvolvimento pessoal integrado”.

A formação pessoal leva o sujeito a desenvolver, mediante suas capacida-des, o poder de agências (Schneider, 2014), a ampliação do capital humano (López-Ruiz, 2007), que melhora a capacidade das pessoas em lidar com as diferenças humanas. Portanto, estamos diante do segundo elemento, a co-operação, e buscamos em Sennett uma breve contextualização: “as pessoas perdem a capacidade de lidar com as diferenças insuperáveis, à medida que a desigualdade material as isola, que o trabalho de curto prazo torna mais superficiais os contatos sociais e gera ansiedade a respeito do outro” (Sennett, 2013, p. 20).

O fortalecimento da cooperação está em primeiro lugar. No momento em que nos aproximamos da formação, observando a realidade existente, a potencialidade de cada indivíduo coletivo, entendemos que precisamos co-operar, a fim de não ampliar o individualismo material que gera ansiedade a respeito do outro.

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Portanto, o principal aprendizado dessa formação de educadores, em um curso superior que trabalha a formação de agricultores para sucessão do campo, nos parece diretamente ligado à cooperação e ao desenvolvimento lo-cal. Apontamos, aqui, inúmeras contribuições no processo de formação dos professores-educadores que servirão de instrumentos pedagógicos na prática docente e de desenvolvimento local:

1. No ensino, seja de educação básica ou superior, é necessário que os gestores gastem 50% do seu tempo pensando na formação dos pro-fessores-educadores;

2. A formação dos professores-educadores contribui para efetivar os ob-jetivos de um curso, do ensino, do perfil de sociedade que desejamos;

3. Uma maneira de integrar ensino, pesquisa e extensão às atividades de formação;

4. Rápida aproximação da equipe de formadores com a comunidade regional;

5. Possibilidade de atender ao chamado da comunidade no desenvolvi-mento de projetos e pesquisas;

6. Valorização dos egressos, que são a comunidade na abrangência da es-cola, da universidade, reforçando a ideia de aprendizado continuado;

7. Desenvolvimento da inter e da transdisciplinaridade, momento em que os educandos aprendem, participam e transformam as suas vidas e as da comunidade por meio da ciência;

8. Consolidação da ideia de que a prática se origina a partir das reflexões teóricas, e as reflexões teóricas, de inúmeras práticas feitas;

9. A possibilidade de fazer reunião de pais, colegiado, apresentação de trabalho de conclusão de curso, ciclo de experiências, pois ensino se faz dentro e fora da escola, da universidade;

10. Oportunidade de fazer a formação em alternância como dinâmica pedagógica, que ultrapassada os campos da educação e produção; com isso, há a integração, a associação e a criação de mecanismos de mediação, fortalecendo-se a vida humana.

Estamos diante de uma formação de professores-educadores em alter-nâncias, que apresenta o ontem, o hoje e o amanhã (Gimonet, 2007). O on-tem, nas experiências vividas, construídas a duras penas, pois não podemos esquecer que estamos diante de um sistema que se opõe à ideia de construir

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conhecimento, de desenvolver o espírito da coletividade; do hoje, pela exis-tência de uma prática ainda inconclusiva e de que temos o desafio de fazer o futuro melhor, sob a ótica personalista e construtivista. O desafio maior é trabalhar em prol de uma cidadania planetária, num mundo cada vez mais líquido (Bauman e Donskis, 2014), com tecnologia de informação, mas que, mesmo com toda a dinâmica que a pós-modernidade subentende, necessita que a formação seja permanente ao longo de toda a vida.

Os desafios seguem

As escolas e universidades estão entre quatro paredes, exercendo o poder sobre indivíduos, por meio de julgamento, controle, punição, mediações, in-dividualizando a sociedade, tornando-a objeto de futuras ações da maquina-ria do poder. Para Foucault (1997), no momento em que as pessoas não são consultadas, interrogadas para dizer sobre si mesmas, não estão possuindo oportunidades de construir a sua identidade; então, o poder exercido sobre elas é que constrói o regime de verdade sobre o indivíduo.

Como estamos diante de seres humanos, dotados de capacidades de aprendizagem, devemos formar educandos com capacidades cognitivas frente a um mundo cada vez mais fluido, mergulhados em uma moder-nidade líquida (Bauman, 2016). Como estamos vendo esse sujeito diante deste mundo de oportunidades e ameaças? O que estamos fazendo para capacitá-lo a interagir no/com o mundo que o cerca? Estamos ouvindo nos-sos educandos?

Acredito na formação de professores-educadores, e os gestores precisam, sim, dedicar parte do seu tempo pensando no sistema, criando projetos e to-mando parte na formação continuada, a fim de vermos as escolas e universi-dades ressurgirem, desenvolverem novas verdades, frutos de novos mecanis-mos de educação, voltados à vida humana. Vemos, em Donskis, mais que um desafio: “observar as universidades morrerem lentamente, ou criar algumas alternativas que irão durar mais tempo que os poucos mandatos cumpridos por políticos no parlamento e no governo?” (Bauman e Donskis, 2014, p. 163).

O fato de apregoarmos a liberdade acadêmica, o que isso significa para uma classe política que proíbe a educação (Bauman e Donskis, 2014) e que nega à sociedade o direito de educação?

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A formação de professores-educadores precisa ser capaz de dizer, fazer, ar-ticular o que efetivamente precisa ser feito, independentemente da educação, hoje, ser quase mercado. Para Bauman (2014, p. 169), “se os professores não conseguem articular aquilo que fazem nem dizer por que isso importa em termos não contemplados pelo mercado, quem poderá fazê-lo?”. Está claro que precisamos desenvolver uma consciência planetária e de desenvolvimen-to humano, uma educação-cidadania conectada à educação-produção e sem-pre voltada à democracia.

O que normalmente temos observado é o que salienta Bauman e que se refere à dominação: as iniciativas não passam de uma forma de sobrevi-vência dentro de uma educação quase mercado, que corrompe tudo e to-dos, e “toda e qualquer pequena mudança de disposição do mercado (essa ‘mãe’ de todas as incertezas) são consequência da estratégia de dominação do deixem que flutuem (leia-se, deixe que nadem ou afundem)” (Bauman e Donskis, 2014, p. 170).

Desejamos preparar jovens para a vida, “num mundo que torna nula e vazia a própria ideia de ser preparado” (Bauman e Donskis, 2014, p. 171). Isso remete à necessidade de pensarmos sobre a formação que recebemos para sermos professores-educadores, e é urgente discutirmos isso na formação dos professores, a fim de pensarmos que estratégias que possam dar conta de uma educação para democracia devem ser construídas ao longo da formação dos acadêmicos.

O sistema atual, engendrado pelo mecanismo de produção, leva as insti-tuições de ensino a arrancar do jovem suas raízes:

Se você tira de uma pessoa discordante ou hostil o direito de ter raízes, seu solo político e cultural, se abriga a permanecer sempre em movimen-to, privando-a em última instância de um censo de lar, companheirismo, proteção, segurança e certeza, estará condenando-a a uma forma bastan-te humanitária de morte lenta (Bauman e Donskis, 2014, p. 194).

Então, estamos diante de um grande dilema movido pelo sistema de pro-dução e não da educação. E quando a educação busca elementos de acesso, a exemplo do Sisu,7 acaba respondendo justamente a esse imperativo, que é

7 Sistema de Seleção Unificada.

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tirar o jovem do seu lar, a fim de roubar a sua identidade, obrigando-o a cons-truir outra que nunca será a sua verdadeira. Será sempre um sujeito hostil e sem raízes, sem capacidade de adotar a democracia em sua plenitude. Esta-mos diante de um desafio, que é educar a partir da produção, sem perder de vista a democracia.

Os desafios seguem porque precisamos cuidar de duas questões cruciais para a formação de sujeitos do campo, a fim de construir regimes de verdade na sociedade em que constituem suas ações:

1. Uma questão está centrada na capacidade de construir saberes coleti-vamente, no sentido de encontrar tecnologias mais apropriadas para o produtivismo. A premissa é a de ter a capacidade de colegamento,8 união para construção de regimes de verdade, a partir dos sujeitos do campo. Tal atitude evitaria a falência de nós mesmos (Bauman e Donskis, 2014), e seriam os envolvidos nessa proposta as vozes críti-cas e contestadoras da sociedade.

2. Outra questão que compromete fortemente a formação dos educan-dos do campo está na capacidade dos professores-educadores de não reproduzirem a afirmação de que o problema está na sociedade, nas práticas ruins dos individualizados do campo. Parece que a culpa está nos sujeitos do campo, que são atrasados, esquecendo-se das práticas de discurso que formulam regimes de verdades.

Uma formação de professores-educadores em uma educação proibida, educação do campo, está diretamente vinculada às práticas do discurso que apontamos a partir de Foucault. Estamos diante de uma sociedade que cons-trói regimes de verdade com base no sistema de produção, não da educação, e se acentuam no campo as ideias de “eu produto”, “empresário de si” (López--Ruiz, 2007). Portanto, nosso desafio é avançar em sistemas de formação de professores-educadores de forma contínua, o que nos parece extremamente viável na ideia de “formações em alternâncias”.

8 Colegamento, no sentido de ampliar a ideia de colega de trabalho, de estudos, ir além, pensar soluções, saída que demonstre união e desenvolvimento das pessoas.

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