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PARANGOLÉ-GRAFFITI
Sandra Regina Facioli Pestana
(Programa de Pós-Graduação em Artes,
Escola de Comunicação e Artes,
Universidade de São Paulo).
RESUMO
Este artigo analisa as práticas empregadas e os conceitos contidos na
intervenção urbana Parangolé-Graffiti, do Teatro de Senhoritas, criada por
Sandra Pestana.
ABSTRACT
This paper examines the practices used and the concepts contained in
the urban intervention Parangolé-Graffiti, by Teatro de Senhoritas, created by
Sandra Pestana.
PALAVRAS-CHAVES: Parangolé; Graffiti; Figurino; Arte Vestível.
INTRODUÇÃO
Parangolé-Graffiti é uma intervenção artística que pode ser realizada
em diferentes tipos de espaços, sejam públicos ou institucionais.
A ação foi criada por Sandra Pestana em 2010 e integra o repertório do
Teatro de Senhoritas, companhia da qual é fundadora.
No mesmo ano criou-se a performance Habitar é Deixar Vestígios, que
partiu dos princípios do Parangolé-Graffiti e realizou duas intervenções na
cidade de São Paulo (Largo de Pinheiros e na Estação de Trem Lapa) e uma
na cidade de Praga, República Tcheca, dentro da Scenofest, evento da
Quadrienal de Cenografia de Praga dedicado a estudantes de cenografia.
A performance Habitar é Deixar Vestígios foi criada em parceria com
Flaviana Benjamin, Flor Dias, Rafael Bicudo e Rosane Muniz1, dentro da
disciplina O espaço e o design da performance: abordagens contemporâneas
de cenografia, figurino e técnicas teatrais, da Escola de Comunicação e Artes
da Universidade de São Paulo, ministrada pelo Prof. Dr. Fausto Viana
(ECA/USP) e pelos professores Helô Cardoso e Márcio Tadeu
(IAR/UNICAMP).
Além da performance Habitar é Deixar Vestígios, ocorreram quatro
outras edições de Parangolé-Graffiti, sendo três em unidades do Serviço Social
do Comércio – SESC em São Carlos, Campinas e São Paulo, entre dezembro
de 2010 e fevereiro de 2012, e uma no Festival Encanta Vale, todas realizadas
em parceria com Luis Birigui, grafiteiro fundador da CausaEfeito Spray Art, e
com assistência do grafiteiro Diego Polonês.
1 As três edições da performance contaram com a colaboração de Dalmir Rogério, Marta Travassos, Renata Berenstein, Ana Paula Guilherme, Diego Martínez, Isis Madi, Débora Zamarioli, Elinaldo Santos, Felipe Souza, Livi, Luis Valls, Guto Martins, Elisete Jeremias e Caio Sanfelice.
A intervenção propõe um encontro entre as obras do artista plástico
Hélio Oiticica denominada Parangolés; a arte de rua, mais precisamente o
graffiti e figurinos teatrais. O ponto de encontro entre essas propostas está
justamente na interação, através da ressignificação e da transformação do
espaço. O graffiti possibilita uma nova interação das pessoas com a cidade, ao
alterar visualmente uma fração dela. Da mesma forma que o Parangolé, uma
espécie de vestimenta que a partir da interação com o público completa-se
como obra de arte, tornando-se um objeto plástico livre para evoluir e intervir
pelo espaço.
O presente artigo visa analisar as práticas empregadas e os conceitos
contidos nesta intervenção urbana do grupo Teatro de Senhoritas.
OS CONCEITOS
1.1 Parangolé
Artistas brasileiros de diversas áreas, desde os anos 1950, primaram
por renovações artístico-culturais. Após o golpe militar de 1964 questões
sociais foram somadas às estéticas. O Tropicalismo é uma das
manifestações deste período.
O movimento tropicalista, que eclodiu de fato apenas em 19672, pode
ser entendido como “ponto de convergência” (LONTRA In CYNTRÃO, 2000,
2 Pode-se dizer que o Tropicalismo teve um período embrionário sintetizado nas ideias do trio Rogério Duarte (designer gráfico), Hélio Oiticica (artista plástico, responsável pela revolucionária instalação Tropicália, exposta no MAM-Rio em 1967) e Luis Carlos Saldanha (fotógrafo) (CORREA in LEAL, 2009,Terra Magazine). A influência dos três marcou toda uma geração de artistas. Entre eles o cineasta Glauber Rocha, que após o golpe militar fez Terra em Transe. O filme provocou total identificação no elenco do grupo Teatro Oficina, ao ponto da companhia dedicar a Glauber a estreia de O Rei da Vela, que ocorreu em 1967. A peça, por sua vez, foi assistida por Caetano Veloso antes de compor Tropicália (CORRÊA, 1972, in STAAL, 1998, p. 163), música cujo título faz referência à obra de Oiticica.
p.53) das varias manifestações de vanguarda3 que nos anos 1950 e 1960
fervilharam nas artes, literatura e moda.
Utilizando-se dos meios de comunicação de massa agregou “numa
postura sinergética, características de cada uma dessas vanguardas,
oferecendo-se, portanto, como síntese de um período e perspectiva de
atualizar, em plenitude, o ideal modernista” (idem, p. 32), principalmente no que
tange alguns alicerces desses movimentos como a liberdade formal e o
nacionalismo crítico (idem, p. 13), preceitos que a partir dos anos 1950 foram
abafados pelos projetos desenvolvimentistas do governo de Juscelino
Kubitscheck4 (idem, p.14).
Nesse contexto, Hélio Oiticica realizou diversas invenções5
denominadas de arte ambiental, entre elas os Parangolés.
Expandindo seus estudos de estrutura-cor6 (OITICICA, 1986, p.51),
Oiticica coloca-as em relação ao espaço e ao público por meio de composições
com diversos materiais como tecidos e plásticos que formam uma espécie de
3 Nas artes plásticas: Concretismo e Neoconcretismo (1956-1959). Na literatura: Concretismo (1956), Neoconcretismo (1959), Revista Tendência (1957), Poesia Práxis (1962), Revista Violão de Rua do CPC-UNE (1962), Poema-Processo (1967) (LONTRA In CYNTRÃO, 2000) 4 A primeira investida para modificação desse quadro deu-se através da literatura por meio dos Concretistas que, embora tenham sido criticados por não se deterem sobre questões sociais, mas apenas sobre temas estéticos e formais, desvelaram a crítica ao processo de “culturalização de massas, oficializado e ufanista” (idem, p. 22), realizado por meio de linguagem simples, tradicionalmente acessível e de fácil decodificação que respaldava a ideologia do desenvolvimento (ibidem). A iniciativa foi seguida de outros movimentos e grupos literários, tais como Neoconcretismo (1959), Tendência (1957), Poesia Práxis (1962), Violão de Rua, vinculada ao CPC (1962) e Poema Processo (1967). (LONTRA in CYNTRÃO, 2000, p.18-29). 5 Na busca do objeto e da negação e superação do cavalete (OITICICA in BASUALDO, 2005, p. 221) Oiticia realizou Núcleos, também denominados Manifestações Ambientais e Penetráveis, “placas de madeira pintadas com cores quentes penduradas no teto por fios de nylon. Neles tanto o deslocamento do espectador quanto a movimentação das placas passam a integrar a experiência” (ENCICLOPEDIA ITAU CULTURAL); e Bólide, caixas de vidro, madeira, cimento ou plástico preenchidas com pigmentos, que constituíam “espaços poéticos-táteis e pigmentares de contenção” (OITICICA, 1977, p.1 in LAGNADO, 2002). 6 “A chegada à cor única, ao puro espaço, ao cerne do quadro, me conduziu ao próprio espaço tridimensional, já aqui com o achado do sentido de tempo. Já não quero o suporte do quadro, um campo “a priori” onde se desenvolva o “ato de pintar”, mas que a própria estrutura desse ato se dê no espaço e no tempo. A mudança não é só dos meios mas da própria concepção da pintura como tal; é uma posição radical em relação à percepção do quadro, à atitude contemplativa que o motiva, para um percepção de estrutura-cor no espaço e no tempo, muito mais ativa e completa no seu sentido envolvente” (OITICICA, 1962, p.2 in LAGNADO, 2002).
capa ou de estandarte. Deste modo, propicia tridimensionalidade ao objeto
plástico e propõe uma experienciação desse objeto por parte do público, que
passa a ser fator integrante e fundamental da obra de arte, completando-a ao
vesti-la e evoluir pelo espaço. Oiticica definia sua obra como arte ambiental em
que
a cor não está mais trancada, mas no espaço circundante abrasado de um amarelo ou de um laranja violento. São cores-substancias que se desgarram e tomam o ambiente, e se respondem no espaço, como a carne também se colore, os vestidos, os panos se inflamam, as reverberações tocam as coisas (PEDROSA, 1965 in OITICICA, 1986, p. 13).
Criados em 1964, os Parangolés surgiram a partir do contato de
Oiticica com a realidade dos morros do Rio de Janeiro, com o universo do
samba presente no cotidiano de seus moradores. Além disso, segundo Waly
Salomão, foram calcados: "na visão de um pária da família humana que
transformava o lixo que catava nas ruas num conglomerado de pertences"
(CÍCERO, 1992, s/p).
Os Parangolés são uma espécie de capa ou bandeira ou estandarte ou
tenda, “que não revela totalmente suas cores, formas, texturas, grafismos ou as
impregnações dos seus suportes materiais (pano, borracha, tinta, papel, vidro,
cola, plástico, corda, esteira) senão a partir dos movimentos - da dança - de
alguém que a vista” (idem).
Esta convergência entre os Parangolés e outros objetos já existentes,
dá-se, segundo o artista, pois
o estandarte é por excelência um elemento ou objeto ultra espacial; há nele, implícito na sua estrutura objetiva, elementos que seriam os mesmos exigidos, p.ex., para exprimir uma determinada ordem espacial da estrutura-cor dada pelo objeto em si e pelo ato do espectador carrega-lo. A obra tendo tomado, pois, a forma de um estandarte não quis figura-lo ou transpor o que já existe para uma outra (sic) visão, para um outro plano, mas se apropria dos
seus elementos objetivo-construtivos ao tomar corpo, ao plasmar-se na sua realização. Também a “tenda” é erigida pela relação ambiental que exige aqui um ‘percurso do espectador’. Essa relação é pois contingente, inevitável e perfeitamente coerente dentro da dialética do “Parangolé” (OITICICA, s/d, p.3).
Os Parangolés são trabalhos significativos de um momento de busca
por diferentes relações com o público. Algumas obras desse período podem
ser denominadas de arte-vestível ou vestido-de-artista, trabalhos que só se
constituíam como tal se integradas a um corpo humano.
Nessa perspectiva, também surgiram experiências como as dos norte-
americanos Jeanne Claude e Christo7 (SANT’ANNA, 2010, p. 82) e dos
brasileiros Lygia Clark8 e Rubens Gerchman9 que criaram obras para serem
vestidas, experimentadas tatilmente, desenvolvidas pelo ambiente e não
apenas apreciadas pelo olhar.
7 A obra Vestido de Casamento (1967) “demonstra não só a constante temática do casal em cobrir objetos e monumentos com tecidos criando uma ‘roupa’ que lhes transforma, ou melhor, revela (e mesmo constrói) a silhueta do objeto, como todo vestuário faz – como também evoca, a um mesmo tempo, tanto o peso do casamento quanto a liberdade dos minivestidos, tão em voga na moda jovem dos anos sessenta (SANT’ANNA, 2010 , p. 71.) 8 As experiências de Lygia Clark transportam o artista para função de propositor que deve induzir os participantes “através da percepção sensorial e da atuação sem constrangimentos” (MILLIET, 1992, p.3), como é possível perceber na obra O Eu e o Tu: Série Roupa-Corpo-Roupa (1967), em que duas pessoas vestem trajes confeccionados por Clark: “(...) e cujo forro comporta materiais diversos. Fendas na vestimenta dão acesso ao privilégio exclusivo de tocar o outro, porém, transformando e trazendo a sensação táctil feminina ao homem e, à mulher, uma sensação masculina” (MILLIET, 1992 apud SANT’ANNA, 2010, p.97). 9 Rubens Gerchman desenvolve os projetos Casas Abrigos construindo estruturas de tecidos ou tiras de taquara para serem vestidas pelo espectador, cobrindo-o até os joelhos. O projeto partia de um levantamento de diferentes “concepções e enfrentamentos que artistas e críticos de momentos diversos da História da Arte expressaram sobre o vestuário, a moda e a arte vestível/roupa-de-artista9” (SANT’ANNA, 2010, p. 98).
AS PRÁTICAS
A intervenção Parangolé-Graffiti utiliza-se de técnicas de modelagem
plana, graffiti e stencil art. E conta com a seguinte estrutura:
A) Escolha do espaço urbano a ser utilizado, pode ser o muro de
uma estação de trem, os pilares de um viaduto ou um painel construído
em um centro cultural;
B) Elaboração dos desenhos e Parangolé-Graffitis crus (ainda sem
pintura): de acordo com cada espaço são criados os desenhos para
serem grafitados e os Parangolé-Graffitis crus que serão fixados no
muro;
C) Confecção dos Parangolé-Graffitis crus: são cortados em algodão
cru em formado que complementa o desenho que será grafitado,
formando um stecil;
D) Performers do Teatro de Senhoritas e voluntários do público vestem
os Parangolé-Graffitis crus que são pregados no muro que será
grafitado;
E) O graffiti é feito ocupando o muro e os Parangolé-Graffitis crus;
F) Os espectadores e transeuntes são convidados a participar vestindo
os parangolés-graffitis crus, grafitando, vestindo parangolés-graffitis e
integrando o cortejo final;
G) Performers e participantes, vestindo os Parangolé-Graffitis, se
desprendem do muro (os pregos, grampos e fitas adesivas são
arrancados pelos movimentos corporais);
H) Os parangolé-graffitis formam um cortejo, fazem com que o colorido
da parede se espalhe pelas ruas, pelo asfalto, entra nos semáforos,
respingue nos carros e nos pontos de ônibus... Parangolé-Graffiti é um
graffiti para ser vestido e dançado.
A
A1
2.1 Modelagem plana (bidimensional)
Esta técnica de modelagem parte de medidas e cálculos de proporção
do corpo humano que ao serem traçados em papel (e posteriormente
transferidos para o tecido plano) preveem a tridimensionalidade do corpo que
usará aquele traje. A profundidade das peças criadas a partir desse tipo de
modelagem é alcançada através da junção das partes complementares e da
modelagem por pences10 (BORBAS/BRUSCAGIM, 2007, p.160).
Para modelagem dos parangolés-graffitis crus leva-se em consideração
que o tecido não envolverá totalmente um corpo, apenas sua parte anterior e
as laterais, estendendo-se, então, pelo muro.
Os recortes feitos no tecido respeitaram uma distância mínima de 55
cm do eixo central para as laterais, prevenindo que o volume do corpo do
performer impeça as bordas do tecido de serem fixadas no muro.
Para evitar que todos os parangolés-graffitis adquiram a forma de um
avental ou uma capa ao se desprenderem do muro, são desenvolvidos croquis
que contam com pelo menos 50 cm de tecido acima da linha da cabeça. Assim,
ao desprender-se do muro, essa porção de tecido tem a função de cobrir as
costas ou o peito do performer, conforme a posição que o parangolé-graffiti é
colocado sobre o corpo.
Escolheu-se para modelagem dos parangolé-graffitis o algodão cru,
pela facilidade de manipulação e corte, ausência de brilho, caimento denso e
neutralidade da cor.
10 “Prega pontiaguda feita no avesso de uma peça de roupa para amoldá-la às linhas do corpo” CALLAN, 2007, p. 245).
2.2 Graffiti
Arte urbana, com forte sentido de intervenção na cena pública11,
realizada com a utilização de tinta, giz, canetão ou tinta spray. Movimento
originalmente marginal, realizado por jovens sem outros meios de expressão e
que tomam o espaço urbano como suporte de expressão artística (GITAHY,
1995, s/p). Dos metrôs de Nova York e do cais do porto de Santos (VILLAÇA,
s/d, s/p) o graffiti brasileiro vem tomando corpo nos muros da cidade, colorindo,
protestando, ironizando.
Segundo Bruno Giovanetti em seu estudo Graffiti: do subversivo ao
consagrado, o termo é muito genérico e não traz a dimensão da diversidade de
tal manifestação, sendo preferidas por alguns praticantes as denominações
piecing ou writing (2011, p. 19). Entretanto, por ser o termo mais o conhecido
optou-se por utilizá-lo.
A elaboração dos graffitis a serem executados durante a intervenção
parte do princípio do stencil, técnica de impressão que aplica tinta em uma
superfície sobreposta por uma máscara recortada que ao ser retirada revela
uma imagem e/ou letras.
Desta forma, entende-se que o parangolé-graffiti cru funciona no muro
como um stencil e que ao ser descolado da parede revela uma forma que
dialoga com as partes do desenho que ali ficam.
O graffiti quando executado por um grafiteiro experiente é free hand, ou
seja, a mão livre, permitindo maior liberdade e rapidez para o artista. Quando
realizada com a participação da plateia, em alguns casos, opta-se pelo uso de
stencils e objetos que funcionem como tal, pois essa técnica “permite a
11 Enciclopédia Itaú Cultural: verbete “Graffiti”.
inserção de pessoas que não tem o dom do desenho rápido” (GIOVANNETTI,
2011, p. 70).
Nas diversas edições do Parangolé-Graffiti realizou-se diferentes
experiências com relação à elaboração e execução das pinturas e dos
parangolés-graffitis crus:
Nas primeiras edições da performance Habitar é Deixar Vestígios,
cortou-se o algodão cru livremente criando formas geométricas. O graffiti
foi realizado em uma jam composta por grafiteiros convidados que não
tinham um desenho previamente estabelecido, grafiteiros que passaram
pelo local e transeuntes que nunca haviam manipulado uma lata de tinta
spray. Resultou em um grafite colorido e organizadamente caótico que
continha no centro um mosaico que recordava a cinzenta forma anterior
do muro.
Em edições do Parangolé-Graffiti criaram-se sinuosos e sugestivos
parangolés-graffitis crus que contavam com o talento e capacidade de
improviso do grafiteiro Luis Birigui para completarem-se como
parangolés-graffitis. Deste modo, logrou-se divertidos seres abstratos.
Em outras ocasiões elaborou-se previamente toda pintura para que a
ausência do parangolé-graffiti revelasse uma figura facilmente
reconhecível. Desta forma, para Quadrienal de Praga o parangolé-graffiti
cru foi cortado como um mapa da América Latina, e para o Festival
Encanta Vale, cuja temática era as culturas afrodescendentes, ao retirar
o parangolé-graffiti tinha-se a silhueta de Ogum, entidade do
Candomblé.
PARANGOLÉ-GRAFFITI
Propõe intervir no espaço urbano através de um ato perfomático aberto
à participação do público.
A ação, através da interação entre artes plásticas, arte de rua,
performance e figurinos teatrais, propõe uma maneira de ressignificar e
transformar o espaço urbano e a noção de espaço cênico.
O Parangolé-Graffiti intervém no espaço não somente através do
graffiti que é deixado no muro, mas também por meio do descolamento das
partes dessa pintura que são vestidas pelos participantes, bem como por meio
da ação cênica que ali ocorre.
Desta forma, a noção de espaço cênico também é transformada,
convertendo uma parede de estação de trem ou uma área de convivência de
um centro cultural em espaço cênico.
Além disso, modifica o papel do espectador, colocando-o como
elemento essencial e participante ativo do acontecimento teatral.
A ação, o mesmo tempo que expõe parte do processo de criação dos
parangolé-graffitis (pois eles são vestidos, fixados e pintados em cena),
convida o público a atuar, seja diretamente vestindo um parangolé-graffiti ou
grafitando; seja indiretamente no papel da “personagem”
transeunte/observador.
Deste modo, pessoas da audiência e/ou transeuntes tornam-se
performers que se valem do parangolé-graffiti, criado sobre seus corpos, como
um objeto sensorial e plástico.
As sensações são geradas por estímulos físicos: o cheiro da tinta; o
contato com o muro, o tecido e os equipamentos de proteção; a relação teti-a-
teti com o grafiteiro; a imobilidade. Após ficar vinte minutos imóvel, o
participante é convidado a espalhar pelo espaço todas as suas cores, formas,
cheiros e sensações.
Além disso, gradativamente o participante adquire a consciência de
fazer parte de um acontecimento teatral e, conforme a pintura se materializa,
percebe que se realiza uma simbiose entre seu corpo e a obra plástica.
O participante deixa de estar exposto no sentido de ter se destacado
da massa genérica “audiência” e passa a estar exposto como obra de arte.
Parangolé-Graffiti é um graffiti para ser vestido e dançado.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Figurinos teatrais como Arte Vestível
A partir do estudo e da experimentação de conceitos de Hélio Oiticica,
paralelamente e em confluência com os estudos para pesquisa de mestrado
sobre um dos trabalhos de Hélio Eichbauer12, mostrou-se possível fazer
conexões entre Arte Vestível e figurinos teatrais.
Primeiramente, passou-se a considerar figurino como elemento que
compõe a ceno-grafia, a escrita da cena e que pode ser tratado como um
“cromo do cenário, recortado de um cenário” (EICHBAUER, 2012, p.242).
Esta abordagem está diretamente relacionada com princípios orientais
de caracterizações visuais de atores, como expõe Eugênio Barba: “(...) no
teatro oriental encontramos a ‘cenografia em movimento’ representada neste
caso pelo figurino dos atores” (1995, p. 218).
12 Os figurinos criados por Hélio Eichbauer para o espetáculo O Rei da Vela, de Oswald de Andrade, encenado pelo Teatro Oficina em 1967, foram objeto de estudo da pesquisa de mestrado “Identidade Cultural Brasileira nos Figurinos de O Rei da Vela”, realizado na ECA/USP, sob orientação do Prof. Dr. Fausto Viana.
Proporções, cores, figurinos cintilantes, máscaras e outros acessórios que transformam o ator oriental numa ‘cenografia em miniatura’, em constante movimento no palco e apresenta uma infinita sucessão de perspectivas, dimensões e sensações (idem, p. 219).
Os mesmos princípios contribuíram para concepção do conceito de
personagens-hieróglifos de Antonin Artaud, que considerando uma ausência de
cenários13 reservaria a personagens-hieróglifos toda a carga da linguagem por
signos.
Desta forma, compreendeu-se a noção de figurino como uma obra de
arte ambiental, embora manipulada pelo ator e não pela audiência. Deste
modo, vestes, maquiagem e cabelos afastam-se do puro caráter referencial
(idade, gênero, classe social etc.), transformando-se em objeto sensorial para o
ator e objeto plástico sígnico para a audiência.
A intervenção Parangolé-Graffiti lida com essa noção de figurino de
duas formas.
Primeiramente, propõe transformar esta relação fazendo com que os
figurinos (os parangolés-graffitis) sejam objetos sensoriais para audiência,
proporcionando que ela experiencie um acontecimento teatral14 não somente
como receptor, mas como atuador, usando um parangolé-graffiti para realizar
um “ciclo de participação”:
ver alguém usar a capa, usá-la, e usá-la e ver outras pessoas usando, juntando-se em uma manifestação de grupo, (...) como uma manifestação não ensaiada mas totalmente improvisada, onde as pessoas têm de ser incentivadas a fazer uma experiência (OITICIA, 1969, p.2 in LAGNADO, 2002).
13 Para Artaud não havia necessidade de cenários: “Para esta função bastarão personagens-hieróglifos, roupas rituais" (ARTAUD, 1999, p. 112). O autor entendia personagens-hieróglifos como “outro aspecto da linguagem teatral pura, que escapa à palavra, da linguagem por signos, gestos e atitudes que têm um valor ideográfico” (idem, p.18). 14 A noção de acontecimento teatral é entendida como “criação de uma ação que reúna presencialmente seres humanos em uma relação de ação e recepção, situação que gera a necessidade de determinação de um espaço-tempo” (COHEN, 2007, p. 26).
Por outro lado, proporciona a compreensão do figurino teatral como
objeto plástico, uma peça de Arte-Vestível, que só se completa com o corpo do
ator.
De acordo com este ponto de vista, o figurino teatral, além de
estabelecer com o intérprete uma relação sensorial, gerada pelos estímulos
físicos dos materiais que compõem os trajes, acessórios e maquiagem, pode
passar a ser encarado como representação plástica tridimensional da obra e da
personagem.
Porém, como uma obra de arte-vestível, para sua completude esse
objeto plástico sensorial deve ser construído sobre um corpo humano e
explorado por ele.
As linhas, cores e formas desse objeto dinâmico podem, então,
relacionar-se com o espaço cênico e com os demais corpos-plásticos que
compõem a encenação. Expressando, desta forma, subjetividades, paixões,
objetivos ou obsessões das personagens que estes trajes ajudam a compor.
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