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Lucas Martins Sorrentino
PANORAMA CRÍTICO DE ALGUMAS OBRAS LITERÁRIAS E CIENTÍFICAS SOBRE OS IMIGRANTES ALEMÃES E DESCENDENTES ESCRITAS ENTRE
1900-1945
Trabalho de conclusão do curso de graduação em ciências sociais apresentado ao Departamento de Ciências Sociais, do Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, da Universidade Federal do Paraná.
Orientador Márcio Sérgio Batista Silveira de Oliveira / Departamento de Ciências Sociais
Curitiba 2012
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RESUMO
A imigração e colonização alemã, dentre todas as etnias que migraram para o Brasil, foi uma das mais polêmicas da nossa história. Vários fatores contribuíram para isto, principalmente em um período crítico de que culminam nas duas grandes guerras de nossa história mundial, e que é recorte de meu trabalho. Estes são umas das coisas que eu trato neste trabalho, mas principalmente sob o ponto de vista de pensadores brasileiros agrupados em ciências sociais e literatura. As problemáticas sociológicas que se desenvolvem em tais literaturas sobre questões de nacionalidades, identidades, raça, miscigenação, assimilação de elementos estrangeiros, choque de etnias e culturas diferentes em momentos que tais pensadores buscavam uma definição de Brasil. Sobretudo meu este trabalho trata de uma minoria diferente das outras imigravam para cá e que tinha, por diversos motivos que também trabalho, uma carga simbólica significativamente alta para os então nativos os quais chamo de “luso-brasileiros”. Coloco esta definição e não apenas “brasileiros” porque uma das questões centrais é a questão da identidade e nacionalidade brasileira, e no caso os teuto-brasileiros, segundo nossa lei baseada no jus-solis já seria suficiente para ser brasileiro, porém os teuto-brasileiros ainda estavam ligados à cultura e sua pátria de origem, e gostariam de assim continuar, apesar de leais ao Estado brasileiro. Esta noção dos alemães se baseia no jus-sanguines, tal como Giralda Seyferth classifica, ou seja, suas identidades estavam ligadas ao sangue, a sua origem e na hereditariedade. A situação se agrava em épocas de guerras e ditaduras, como iremos ver, porém nem sempre esta questão foi um problema, durante longos períodos a imigração e colonização alemã eram muito bem vistas e desejáveis, e existem casos de autores que mudam drasticamente de opinião no decorrer da história. O recorte do trabalho se baseia em quatro obras de autores consagrados da literatura brasileira, e três autores das ciências sociais e do pensamento social brasileiro.
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO..........................................................................................................4
2 Uma breve revisão sobre o tema.......................................................................7
2.1 Por que imigraram?..............................................................................................7
2.2 Por que o Brasil?..................................................................................................8
2.3 Segmentação Interna.........................................................................................11
2.4 Nacionalismos; assimilação, aculturação e integração.................................12
3 Na Literatura...................................................................................................17
3.1 A terra prometida de Graça Aranha..............................................................17
3.2 O Idílio de Mário de Andrade pelos alemães...................................................24
3.3 O Lugar ao Sol dos alemães segundo Veríssimo...........................................28
3.4 Um rio imita o Reich (Vianna Moog).................................................................31
4 Nas Ciências Sociais......................................................................................40
4.1 O Perigo Alemão (Sylvio Romero)....................................................................40
4.2 O longo tempo para a assimilação (Oliveira Vianna)......................................49
4.3 Uma cultura ameaçada: a minha (Gilberto Freyre e outros autores)............63
5 Esboço de uma análise...................................................................................72
6 Considerações Finais...........................................................................................84
7 REFERÊCIAS.........................................................................................................86
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INTRODUÇÃO:
Este panorama se tornou necessário para mim depois que já estava a certo
tempo estudando o tema da imigração alemã para o Brasil. Lendo muito autores que
hoje são consagrados, muitos deles não apenas em relação ao tema da imigração
alemã, e que são referências neste tema, descobri que me faltavam algumas coisas
essenciais para poder entrar no campo.
Existe uma infinidade de material sobre o assunto que vão desde relatos de
viajantes da época, passando pelo material que os próprios imigrantes escreveram,
muitos destes em alemão, até publicações trabalhos atuais dos mais diversos níveis
estilos, incluindo memórias e trajetórias de família de imigrantes. A princípio pensei
em fazer algum trabalho etnográfico, e observação participante, mas me descobri
não muito afeiçoado ao campo etnográfico e a tal metodologia, ou ao menos
naquele momento e naquele campo, acabei me voltando para a bibliografia, foi
então que encontrei aquela deficiência.
Acontece que senti que para entrar no campo sobre um assunto específico,
ao menos nas ciências sociais, eu deveria conhecer não apenas os trabalhos das
ciências sociais sobre aquele tema, mas também o que aqueles autores conheciam
do tema. Decidi então refazer alguns passos daqueles autores com a finalidade de
fazer uma releitura de alguns pontos específicos e para entender melhor o que eles
queriam dizer. Uma metodologia um tanto pascaliana, retornar a origem das
verdades para ver como foram construídas.
Como não sei nada da língua alemã, resolvi me limitar pelos autores (luso)-
brasileiros que escrevem sobre o tema. Escrevo “luso” porque, pela tradicional lei
nacional, estrangeiros nacionalizados, descendentes de imigrantes, são todos
brasileiros, mas sabemos que se ele fosse um brasileiro com estes vínculos que não
luso, escrevendo sobre tal assunto naquela época, a chance do material ser em
alemão é muito grande. Ou seja, apenas para ajustar o recorte.
Escolhi uma literatura recorrente, que apareceram algumas vezes em alguns
dos autores consagrados sobre o tema. Em especial a Marionilde Brehpohl de
Magalhães, que por acaso tem um capitulo inteiro dedicado a como os intelectuais
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brasileiros percebiam os imigrantes e a imigração alemã, assim como suas colônias.
Este capítulo do livro “Pangermanismo e Nazismo: A Trajetória Alemã Rumo Ao
Brasil” da autora, foi a minha principal inspiração, com exceção de poucas obras e
autores que eu usei e ela não. Por outro lado há outros autores como Emilio
Willems1 que frequentemente ilustra seu trabalho com algumas daquelas obras.
Outros autores, em menor grau, também, muitas vezes não fazem referencia direta,
ou não citam, mas certamente é do conhecimento de todos eles, pois foram obras
de peso que tratavam direta ou indiretamente da questão das colônias alemães no
Brasil, ou ao menos da presença deles aqui.
Bem, eu começo com uma breve revisão sobre o tema para aqueles que
desconhecem problemáticas e os efeitos da imigração alemã para o Brasil, pensada
pelos que já são referência, para só então entrar no panorama das obras daqueles
autores (luso)-brasileiros. Primeiro naqueles que versaram na literatura, e depois
naqueles das ciências sociais. O último capítulo tenta juntar os dados que me
pareceram mais interessantes, elaborando questões que possam elucidar/provocar
futuros trabalhos.
A importância deste tema para mim se relaciona com a problemática em
primeiro lugar da imigração em geral, que altera as regiões de origem e destino,
provocando, por exemplo, os regionalismos do país. Em segundo lugar a imigração
alemã em específico foi bastante emblemática no período do recorte de tempo que
escolho, coloca as identidades nacionais, os nacionalismos, a construção do Estado-
nação e seus moldes tais como se pensava no Brasil, além de conflitos étnicos-
culturais e problemáticas de raças. Tal como veremos no decorrer do trabalho, os
alemães foram contraste ideal para estas problemáticas que mencionei.
Para este trabalho escolhi algumas obras literárias e científicas, como eu já
mencionei, por causa da recorrência delas em trabalhos de outros autores
expressivos. O período do recorte a princípio foi apenas para enquadrar as
1 Autor de especial importância para os estudos de imigração e colonização alemã no Brasil, assim como
imigração em geral, e diversos outros temas. Alemão imigrado para o Brasil ao princípio ascensão nazista, viveu
primeiramente em Brusque, depois em São Paulo, lecionando na escola de Sociologia e Política de São Paulo.,
em 1941 torna-se catedrático de Antropologia da USP, e em 1949 ele muda pra os Estados Unidos. Em relação a
sua contribuição aos estudos de imigração ver: SEYFERT, G. (2004). A imigração no Brasil: comentários sobre
a Contribuição das Ciências Sociais. BIB, nº 57, p. 7-47. E um pouco sobre sua história : Emilio Willems e Egon
Schaden na história da Antropologia, escrito por João Baptista Borges Pereira, disponível em:
http://www.scielo.br/. E também http://pt.wikipedia.org/wiki/Emilio_Willems.
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principais destas obras antes do termino da Segunda Guerra Mundial, pois após
este período é possível notar que as obras sobre alemães mudam significativamente
de origem e finalidade. Quer dizer, outros autores, com outros pontos de vista,
passam a escrever sobre imigração alemã de um modo todo diferente, tal como
notei em meu trabalho de iniciação científica de 2010 a 2011. Não saberia dizer
exatamente o porquê as principais obras sobre imigrantes alemães escritas por luso
brasileiros só começam na primeira década do século XX, imagino que esteja
relacionado com o despertar para o Brasil república e a preocupação da elite e
intelectuais com a construção da nação, somado ao imperialismo alemão que estava
no auge expansionista e, também, das teses pangermanistas que começavam a
ganhar força em todo o mundo, isso tudo influenciando tanto os teuto-brasileiros e
alemães recentemente imigrados, quanto os brasileiros mais eruditos, como os que
trabalho, que tinham acesso a teses pangermanistas e a imaginação suficiente para
temer/admirar/respeitar o império alemão. E também tenho que considerar que a
proliferação de tal obras neste período que escolhi, que em si reúnem opiniões
diversas sobre a questão da imigração alemã, muitas tem ligação direta a um
momento histórico de crise mundial, que culminam em duas guerras mundiais. O
certo é que tal questão me renderia uma nova pesquisa.
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Uma breve revisão sobre o tema.
Por que emigraram?
Vários são os fatores de expulsão que levaram os alemães a emigrarem para
várias partes, seja para dentro da própria Europa (incluindo o “êxodo rural”), ou para
as Américas, sendo que estas não são excludentes, muitos chegam a emigraram
para varias cidades da Europa e depois para as Américas, e muitos também
retornaram a Europa voltando da América. Segundo os dados de Seyferth (1974, p.
33) cinco milhões de falantes de língua alemã emigraram de lá entre 1824 e a
Segunda Guerra Mundial, sendo que uma parcela mínima veio ao Brasil.
O fator mais importante que levam as pessoas a emigrarem, segundo Klein
(2000), é o econômico, no que consiste a emigração de falantes de língua alemã,
entre o começo do século XIX e sua unificação em 1871, os camponeses se viram
forçados a deixar em razão da concentração fundiária agravado por uma serie de
reformas que visavam inclusive acabar com a servidão - acabaram por prejudicar os
camponeses, que passaram a ter que pagar fiscos aos Junkers, acabando por
ficarem endividados e tendo de vender suas terras - ou devido ao fracionamento das
terras por herança e também pela perda de fertilidade de muitas delas (Seyferth,
1974). Soma-se a isto o aumento do crescimento demográfico histórico - dado que a
taxa de natalidade sempre foi muito alta, possivelmente para compensar a taxa de
mortalidade, quando esta diminuiu progressivamente, por diversos fatores, em
meados do século XVIII na Inglaterra e França, e no século XIX se estendendo pelo
resto da Europa, provocando um grande adensamento populacional (KLEIN, 2000,
p. 14)
A introdução de maquinaria na agricultura também foi um fator menor que
levou os camponeses a deixarem o campo. Maquinaria que também começava a se
desenvolver aos poucos na indústria alemã, levando artesões e artífices à miséria
por não terem condições de concorrer com os produtos manufaturados das fábricas,
o que leva Seyferth (1974) a concluir que a principal massa de imigrantes alemães
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foram os camponeses e artesões, confirmando isto os dados que tinha de seu
estudo no Vale do Itajaí-Mirim.
Porém, emigram também por fatores nacionais, de perseguição, é o caso
das minorias sejam étnicas, religiosas, ou políticas, como é o caso de milhares de
socialistas e liberais que após o relativo fracasso da revolução de 1848 (para os
não-burgueses) foram paulatinamente emigrando. Há um caso que é discutido por
Seyferth (idem. 2003, p. 38) de um representante do governo imperial brasileiro que
recrutou na Alemanha 1.800 soldados e sargentos e 50 oficiais da chamada Legião
Alemã (esta que entre outras guerras haviam tomado partido em 1848), para lutar na
guerra contra Rosas, uma figura notória dentre estes estaria Carlos von Koseritz2.
um famoso liberal responsável por uns dos jornais de língua alemã de mais longa
duração, foi também importante no cenário político, chegando a ser deputado, algo
excepcional para a época, sendo ele um imigrante e não católico, algo que se foi
possível a partir de uma mudança na legislação da qual ele fez parte. Depois da
guerra alguns voltaram para Alemanha, outros permaneceram, e ficaram conhecidos
como os Brummers.
No caso das minorias há também a dos “Alemães de Volga” (Volga é uma
região da Rússia), que se viram primeiro coagidos a emigrarem por perseguição do
pan-eslavismo e depois pelos bolcheviques, trata-se de alemães, em sua maioria
menonitas, imigrando primeiro para Alemanha, onde inclusive eram discriminados, e
pela incapacidade da época de absorção destes pelo mercado de trabalho no país,
foram obrigados a remigrar, muitos vieram para o Paraná (Brepohl de Magalhães,
1998).
Por que o Brasil?
Uma questão difícil de responder partindo dos diversos grupos que
escolheram vir para o Brasil, imagina-se que para aqueles que queriam terra seria
2 Carlos von Koseritz foi, entre diversas outras coisas durante sua longa vida, um escritor influente, trabalho par
ao Jornal do Commercio, foi redator do Deutch Zeitung, importante jornal teuto brasileiro da época, além de
criar outros jornais ele mesmo. Foi uma figura polêmica, influente e importante de sua época, não só entre os
teuto-brasileiros como também para os brasileiros de um modo geral.
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interessante vir ao Brasil, já para aqueles que buscavam trabalho, talvez não fosse
uma boa ideia. Possivelmente um dos fatores que mais pesam na escolha de pra
onde emigrar são as próprias redes sociais da parte de quem vai deixar sua região
de origem, questão que, por ora (e por falta de referência teórica e bibliográfica),
deixarei de lado, me limitando a esboçar alguns dos principais motivos do por que
era interesse ao Brasil atrair a imigração europeia, assim como a alemã em
particular, por estes serem representados como bons agricultores, resignados,
sóbrios, com amor ao trabalho e a família, com espírito pacífico e conservador assim
como por “respeitadores” das autoridades (SEYFERTH, 2003, p. 23)
Foi sustentada ideologicamente a imigração europeia pela “política de
branqueamento”, quando em determinado momento uma grande massa de mão-de-
obra negra foi jogada à margem da sociedade, priorizando a mão de obra branca e
europeia3. Mas isto não explica tudo, para além da política de branqueamento, os
primeiro imigrantes que vieram muito antes da república e da abolição, serviram,
provavelmente, para reforçar a economia interna (produzindo elementos básicos que
o Brasil ainda carecia), assegurar fronteiras, preenchendo vazios demográficos,
abrindo caminho para as “tropas” (no Sul), e também para mão-de-obra para o café.
A imigração alemã começa muito cedo, em 1824, e se no começo a
imigração alemã fora muito bem vinda, pela elite e administradores em geral,
elogiados eram o quão laboriosos os componentes de tal raça, em muito momentos
desde o seu início até 1945, ela sofreu diversas críticas e resistências por muitas
partes. Por exemplo se para alguns racialistas em O temor é a ideia era que através
da miscigenação o elemento branco por ser naturalmente superior sobressairia
sobre as outras raças inferiores, através da preponderância da raça ariana, os
alemães decepcionaram muito por serem demasiado endogâmicos em suas
primeiras gerações de imigrantes aqui no Brasil. Também o fato da maioria deles
serem luteranos, o que provocou a muita contestação da igreja católica. Houve
também o problema do “perigo alemão”, ou “mito do perigo alemão”, que sendo mito
ou não, essa concepção tinha influência francesa como reação ao pangermanismo,
além dos outros conflitos históricos que os dois países participaram, já quase no
século XX. Mas isto pouco pesará no fluxo da imigração alemã para o Brasil, no
3 -
Como referência e precursor da discussão de tais políticas racialistas FERNANDES, Florestan. O negro no
mundo dos brancos. São Paulo: Global, 2007.
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máximo em momentos de “crise”, como durantes a Primeira Guerra Mundial e a
Segunda, quando os governos, tanto provinciais quanto nacional, tomariam medidas
mais radicais para assimilar os alemães. Tampouco diminuiu o fluxo de imigração a
proibição que Bismarck impôs ao seu povo de emigrarem para o Brasil – que num
futuro breve abriria exceção permitindo emigração para a região sul - aconteceu que
além das políticas de incentivo a imigração provincial da época, ainda havia, desde
1850, as iniciativas privadas, como a Sociedade Colonizadora de Hamburgo e a
Sociedade Colonizadora Hanseática, o que faz imaginar que eram atividades
suficientemente lucrativas, além de que com o pangermanismo passaram a ser
empreendimentos também ideológicos e nacionalistas, de um imperialismo que
prescindia conquista territorial (MAGALHÃES, M. B. de, 1998), ou seja, a exceção
dada para alemães virem para o sul do Brasil está vinculada a motivos de
imperialismo econômico, e também por outras questões, que vermos mais tarde.
Segundo Seyferth (1990) a imigração alemã para o Brasil foi das que teve
fluxo mais constantes de duradouro desde seu inicio (no Sul com São Leopoldo em
1824) até seu declínio com a Segunda Grande Guerra4, se alterando pouco apenas
no período das “Grandes Migrações” de 1880 a 1915 (KEIN, 2000)
Apesar da grande dificuldade de estimar números de acordo com os dados
que se tem sobre a quantidade de imigrantes e seus descendentes, tanto pela
precariedade dos documentos como pelo fato de que os filhos dos imigrantes já
eram considerados brasileiros, Brepohl de Magalhães (1998) considera bastante
razoável os números estimados por René Gertz, que considera que em 1935 no
Brasil haveria cerca de 1.020.000 de alemães e descendentes em todo o país,
sendo que a maior concentração seria de 600 mil no RS, SC tendo 220.000, SP com
90 mil e o Paraná, em quarto lugar, com 70.0005. É importante destacar que em
1824 o poder imperial passou às províncias “a iniciativa de fomentar a imigração por
conta própria. (...) Além dos governos provinciais, a partir de 1882 era dado também
aos poderes municipais o direito à colonização autônoma de seus territórios”
(ibidem, p. 22)
4 - Na verdade os dados em relação a imigração alemã são um completo caos, Seyferth contradiz os dados de
1974 em 1990, e Brepohl de Magalhães chega a se contradizer no mesmo livro (1998). 5 - Porém, em relação ao Paraná, esta estimativa é a mais baixa em números comparada a de outros autores.
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Segmentação interna:
Ao contrário do que muitos autores, intelectuais e cientistas sociais que
descrevem as colônias alemãs e seus imigrantes como estritamente homogêneas -
como Graça Aranha, Sylvio Romero, Gilberto Freire, Oliveira Vianna, entre outros -
os trabalhos de Brepohl de Magalhães e, em menor grau, o de Willems e Seyferth6,
contrariam esta ideia, mostrando que os imigrantes alemães estiveram muito longe
de constituírem um grupo homogêneo, ou ainda, nas palavras de alguns mais
radicais e menos familiarizados à época com a realidade dos imigrantes, retratavam-
nos como: altamente enquistado, isolado e indiferente das questões públicas e
políticas do Brasil, puras personificações de Bismarck e do Deutschtum, ou ainda
como se fossem todos pangermanistas desde sempre, além de afirmação como do
tipo: “devido a não se adaptarem ao clima estavam naturalmente propensos a
agressividade”7.
Tais discursos surgem no começo do século XX, num contexto em que o
Brasil vira república e sente gradativamente a necessidade maior de se afirmar
como nação, e na medida em que as colônias alemãs expandem seus limites e
aumentam o contato com a sociedade receptora. Dessa forma os alemães são
tomados como o “outro” dentro do ideal de nação e identidade nacional. Dada as
condições de relativo isolamento de várias colônias alemãs em “vazios
demográficos” ou em “terras devolutas”, Brepohl de Magalhães (ibidem p. 45) afirma:
que o deslocamento transcontinental realizado pelos imigrantes, possivelmente
fugidos da proletarização, permitia que vivessem mais de acordo com suas origens -
e Seyferth: que estes atualizassem naturalmente sua cultura de origem (SEYFERTH,
G. 2003) - do que se tivessem emigrado para Berlim ou Hamburgo. Somando a isto
a grande falta de apoio e infraestrutura estatal, os imigrantes pioneiros, tenderam a
construir suas comunidades da forma como a conheciam, da forma alemã.
6 - A autora define várias vezes, durante muitas de suas obras, aos alemães como um grupo homogêneo, ou
melhor, étnicamente homogêneo, inclusive por no princípio estarem isolados, é claro que a todo tempo está a
apontar segmentação interna, assim como Willems. Porém Seyferth quando escreve sua tese de doutorado, mais
especificamente sobre a campanha denacionalização do Estado Novo, ela percebe uma segmentação interna
muito próxima da que percebeu Magalhães. 7 - A princípio a maioria deste possui também admiração aos alemães (como raça, inclusive) e ao nacionalismo
alemão, como demonstra Brepohl Magalhães, e a literatura obviamente tem de ser considerada à parte. Mas
segunda a autora, estas manifestações começam apenas a partir de 1900, com um romance de Graça Aranha
Canaã.
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Até agora usei um pouco indiscriminadamente os termos “alemão”,
“alemães”, e até “Alemanha”, mas é fato que a Alemanha só foi unificada em 1871,
antes disto, mesmo que fosse parte de uma “mesma etnia”, ou raça - indiferente ao
território como queriam os pangermanistas - os imigrantes pioneiros que vieram ao
Brasil não tinham tal sentimento nacionalista, tinham, é certo, amor pela gleba, pelos
laços de parentesco, terra, e etc., mas divergiam, ao menos a princípio, daqueles
que emigraram após o advento da nação alemã, e com ela, toda carga sentimental
da qual haviam experimentado. É importante destacar ainda que Bismarck
considerasse traidor todo aquele que emigrava, e que tal unificação se deu sob
hegemonia prussiana, então possivelmente há dentre os imigrantes desta época
vários que não estavam satisfeitos com a unificação da nação tal como se deu, e/ou
tampouco se importavam muito com o que Bismarck achava. Além destes há
também aqueles que emigraram já no século XX e especialmente no período entre
guerras, tendo as próprias guerras como fatores de expulsão. Em geral todos estes
segmentos tinham divergências entre si.
Além das diferenças dos vários territórios de origem entre os falantes de
língua alemã, seus descendentes, dos católicos e luteranos (entre estes e aquele
várias outras subdivisões e “ordens”), há os “refugiados” políticos (socialistas e
liberais, que emigraram por razões políticas ligado ao malogro de 1848), os
Brummers8, Reichsdeutsch (alemães do império, cidadãos alemães)9, os
Neudeutsche (novos alemães), sem contar a ascensão social de vários teutos
(criando diferença de classe entre o teutos no Brasil), a remigração para cidades, o
crescimentos das próprias zonas de colonização chegando a se tornarem até
municípios médio porte (SEYFERTH, G. 1990, e MAGALHÃES, M. B, 1998)10, isso
pra não falar de poloneses e russos que a certos olhos luso-brasileiros tanto quanto
aos precários registros da época muitas vezes passavam também por alemães.
8 - Magalhães utiliza o termo indiscriminadamente como “refugiados de 1848”, enquanto Seyferth utiliza para
aqueles da forma como já mencionei. 9 - Estes que por sua vez se dividiam entre Reichsfiend e Reichfreund, respectivamente inimigos e amigos do
império (Brepohl de Magalhães, 1998). 10
- Ambas as autoras mencionam o fato de que tais mudanças acompanharam a tendência e bom momento
nacional, não sendo nenhum grande mérito espontâneo de uma raça superior.
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Nacionalismos; assimilação, aculturação e integração:
O enquistamento étnico das colônias alemãs, para a elite brasileira, ou a
ênfase dos teuto-brasileiros na manutenção da germanidade, de sua língua e
religião, não ocorreram apenas por estes estarem a princípio relativamente isolado
em grupos “etnicamente homogêneos”, mas também por outros diversos fatores,
dentre eles as missões religiosas protestantes que sempre que possível promoviam
a fé em conjunto com a germanidade, que segundo eles seriam indissociáveis, ao
mesmo tempo com as diversas associações promovidas pelo Reich, além das
religiosas, que a partir da Alemanha zelavam pelo seu rebanho, incentivavam os
teuto-brasileiro inclusive com apoio financeiro, se intensificado principalmente com o
pangermanismo e o nacional socialismo. Dessa forma os teuto-brasileiros passaram
a comercializar produtos com a Alemanha em quantidade considerável se tomarmos
por exemplo o Rio Grande do Sul, onde a população teuta era parte significativa do
PIB.
Acontece que a unificação alemã, de uma forma ou de outra, acabou por
conquistar grande parte dos teuto-brasileiros de todos os segmentos que aqui
haviam, com a virada para o século XX há um grande florescimento de associações
teuto-brasileira, em muitos lugares o número de associações mais que duplicou, e a
quantidade de jornais e periódicos também. Como já afirmei, o pangermanismo se
baseava num conceito comunidade étnica/racial que prescindia de conquista
territorial, uma nação alemã que ultrapassa suas fronteiras através de um
“imperialismo informal” (MAGALHÃES. M. B., 1998, e SEYFERTH, 2003 p. 45).
Acho interessante analisar as transformações dessa consciência nacional
seguindo os passos de Benedict Andersen (ANDERSEN, B. 1989), e resumindo-o: o
contexto que deu origem ao Estado nação moderno foi um complexo contexto de
saída da idade média em que, dentre vários outros fatores, a comunidade religiosa e
os reinos dinásticos começaram a perder espaço dentro da organização das
diferentes etnias e “grupos lingüísticos” europeus através, e por meio de, uma
concepção diferente e nova de espaço-tempo que permitiam tais etnias comunicar-
se e criarem identidade e unidade, grande parte graças a revolucionária imprensa e
sua utilização “capitalista” (de forma específica, que o autor coloca como uma das
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14
empresas mais antigas do capitalismo) que buscou mais mercado se expandindo
nas línguas vulgares (já que o Latim era restrito a uma pequena classe letrada
católica transeuropeia). Essa nova noção de espaço-tempo originada do
compartilhamento “imaginado” de dramas e experiências entre pessoas de grupos
lingüísticos semelhantes, geralmente de uma mesma etnia, e que freqüentemente
compartilhavam um espaço/território (geralmente político) em comum, influenciou
significativamente a origem do Estado-nação e da consciência nacional.
É interessante a forma como os discursos pangermanistas são aceitos
entre os teuto-brasileiros, de certa forma eles preservaram certa uma consciência de
espaço-tempo aqui no Brasil, com a manutenção do deutschtum através dos
periódicos e almanaques, assim como pelos sínodos luteranos. Assim se
configuravam no Brasil como uma minoria étnica que, segundo a elite brasileira,
deveria ser assimilada, ou seja, queriam apenas o sangue (da raça branca) e o suor
dos alemães (seu trabalho), ou seja, que eles se miscigenassem e trabalhassem
sem qualquer interferência na cultura de dominância do elemento luso. Nesse
contexto, aos teuto-brasileiros, era preferível a identificação étnica e nacional ao
Estado Alemão, o que na prática se traduziu pela expansão e uniformização de
conteúdos do editorial teuto-brasileiro (MAGALHÃES, M. B. 1998) e um intercambio
deste com o alemão, e com as coisas que aconteciam na volkgemanechaft
(comunidade étnica) em geral.
Para entender esse movimento é interessante perceber alguns fatores que
não o político, como o religioso, a própria Igreja Católica preocupada com a
homogeneização religiosa do Brasil deu origem a alguns movimentos como: Ação
Nacionalista, Legião Cruzeiro do Sul e Partido Nacionalista Regenerador, que se
integrariam à Ação Integralista Brasileira na década de 1920. (ibidem, p. 67) Ao
mesmo tempo em que o movimento modernista, encabeçado por Mário de Andrade,
que colocavam junto ao fator político a raça, etnia, nação e a da identidade no centro
do palco. A construção de todo este cenário cria a necessidade dos alemães de se
identificarem, como por diversos motivos os alemães não teriam, e nem queriam,
responder da forma que o crescente nacionalismo brasileiro queria assimilar-los, só
restando a própria identificação e auto-representação étnica, suas associações e a
reivindicação por uma integração política e econômica a nação brasileira.
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15
No contexto que se encontravam entre o crescente nacionalismo brasileiro
com o imperativo de que se assimilassem e aculturassem e os discursos
pangermanistas que adaptavam o espaço-tempo da nação alemã com o imperativo
de que fossem mais alemães, obviamente boa parte ficou com o segundo, mas não
só, o conflito descrito em maior medida entre jus solis e jus sanguinis (SEYFERTH,
G. 2000) no fim, para a maioria dos teutos-brasileiros, significou mais um
reivindicação de pluralidade étnica, pretendendo integração a nação brasileira
(política e economicamente), mas também ao direito de preservarem sua cultura, ou
ainda, seu sangue, para o grande desgosto dos teóricos do branqueamento. Por
diversos motivos lograram pouco do que pretendiam tendo em vista o que se passou
após a Segunda Guerra e ao fim do Estado Novo quase não havia mais periódicos
em língua alemã ou mesmo em português, e muitas das associações deixaram de
existir ou perderam em grande parte cunho étnico. Vitória do Estado mono nacional
e mono étnico11, como é de se esperar. Mas isso não significa que os alemães se
aculturaram, ou que sua “contribuição” não foi, ou não viria a ser, contemplada por
outros intelectuais noutros momentos.
Nos movimentos regionalistas que, em contraposição aos movimentos
nacionalistas e de unidade nacional, destacavam as diferenças e peculiaridades
regionais12, no que concernem os Estados do sul, em alguns momentos os
imigrantes (em especial os de origem teuta) foram, e possivelmente ainda são,
valorizados. No Paraná houve dois momentos do paranismo (Oliveira, 2009), num
primeiro, especialmente Romário Martins, iria incluir no ideal de região, a partir de
uma historiografia baseada em percepções de estrangeiros como o naturalista
Frances August de Saint-Hilaire, a figura do imigrante como parte integrante da
identidade paranaense, destacando, além do fato de o Paraná ser um Estado
inclusivo:
11
- Conceito de Estado mono-étnico da forma como Pablo Casanova e Marcos Rosenmann (1996) o concebem,
em contraposição à utopia do Estado multi-etnico, e o segundo da forma como Isidoro Moreno (1998) o concebe.
Tratam-se do modelo hegemônico e coercitivo pelo qual, em toda a história, uma etnia ou uma nação, detentores
do Estado sempre tratram através da violência todas as outras que coabitam um mesmo território. 12
- Cujo um emblemático exemplo é o confronto de Freyre e Mário de Andrade, movimento regionalista e o
nacionalismo expresso pela “arte moderna” de Andrade. (Zarur, George de Cerqueira L. 2000)
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“Era o anúncio, sem formalidades, da tese da diferença social e cultural do Paraná –
o ‘Brasil diferente’ – amparada por uma análise que conjugava dados históricos,
demográficos e étnicos associados a questão do clima, mas que tinha por base a
incorporação social do imigrante não nativo” (Ibidem, p. 24)
Brepohl de Magalhães (1998) também cita a forma diferenciada como Érico
Veríssimo, ao contrário de Graça Aranha e Mário de Andrade, retrata os imigrantes
alemães enquanto co-regionalistas, apesar dele atentar para os conflitos de relações
entre indivíduos mestiços que se sentiam inferiorizados frente ao alemão, que além
de ser valorizado pela ideologia étnica e racial que permeia todo o Brasil na primeira
metade do século XX, e com a expansão da própria ideologia étnica alemã e do
deutschtum, fazia com que seus membros de comunidade étnica (da
volkgemainechaft) ficassem mais presos do que nunca a sua terra natal, provocando
auto-enclausuramento frente à comunidade brasileira, principalmente no que se
refere à endogamia.
No segundo momento do paranismo, já em 1950, Wilson Martins e
Temístocles Linhares retomam a figura do imigrante como tese de diferença só que
desta vez valorizando o imigrante teuto e desvalorizando o polonês13 (Oliveira,
2009). Ou seja, o “Brasil diferente” em ambas as teses configura a ideologia étnica,
racial e cultural, do projeto de Estado nação branco e desenvolvido, que permeava a
muito o ideário nacional, no contexto do Paraná, valorizando o elemento estrangeiro
branco (alemão no segundo momento), de modo que por si já determinaria seu
sucesso na diferença, ou ao menos sairiam na frente.
13
- Se num primeiro momento do paranismo o caboclo ainda era lembrado e valorizado, os mulatos e negros já
eram considerados população em declínio, com segundo momento o negro e mulato “sumiriam”, gerando a
crítica atual da “invisibilidade” dessas raças e etnias, fruto de um discurso oficial racista.
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17
Na Literatura:
A terra prometida de Graça Aranha:
Diante destas preocupações a questão do imigrante alemão é
contemplada de diversas formas, e por diferentes motivos, por escritores e
intelectuais nacionais durante o período em questão. Um dos primeiros deles foi
Graça Aranha, em seu romance Canaã lançado em 1902, que começa seu livro
contrastando as ruínas de um mundo brasileiro arcaico de senhores e escravos,
fruto de miscigenação raças indolentes, humildes e primitivas, com um mundo, a
terra que está sendo conquistada pelos laboriosos, fortes e caprichosos
colonizadores alemães. A descrição é dada na medida que o protagonista, um
alemão erudito e sonhador, se desloca pelo ordinário velho mundo, agora em ruínas,
em direção à próspera colônia alemã de Porto do Cachoeiro. Referindo-se
brevemente de suas antigas glórias e de uma boa vida nos engenhos, narradas por
um ex-escravo:
“Ah! Tempo bom da fazenda! A gente trabalhava junto (...) tudo parceria, bandão de
gente, mulatas, cafuzas... Que importava o feitor?... Nunca ninguém morreu de
pancada. Comida sempre havia, e quando era sábado, véspera de domingo, ah! Meu
sinhô, tambor velho roncava até de madrugada.
E assim o antigo escravo ia misturando no tempero travoso da saudade e da
lembrança dos prazeres de ontem, da sua vida congregada, amparada na
domesticidade da fazenda, com o desespero do isolamento de agora, com a
melancolia de um mundo desmoronando.(...)
- Qual terra, qual nada... (...) Hoje em dia tudo aqui é de estrangeiro, governo não faz
nada por brasileiro, só pune por alemão...”(ARANHA, Graça. 2005, p. 18)
Ou ainda nas conjecturas de Milkau, o protagonista, desenhadas pelo
autor com esperanças e preocupações:
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“Milkau nesse panorama aberto lia a história simples daquela obscura terra. Porto
Cachoeiro era um limite de dois mundos que se tocavam. Um trazia, na paisagem
triste e esbatida do nascente, o passado, onde a marca do cansaço se agrava nas
coisas minguadas. Aí se viam destroços de fazendas, casas abandonadas, senzalas
em ruínas, capelas, tudo com o perfume e a sagração da morte. A cachoeira é um
marco. E para o outro lado dela o panorama rasgava-se mais forte, mais tenebroso.
Era uma terra nova, pronta a abrigar a avalancha que vinha das regiões frias do outro
hemisfério e lhe descia os seios quentes e fartos; e ali havia de germinar o futuro
povo que cobriria um dia todo o solo, e a cachoeira não dividiria mais dois mundos,
duas histórias, duas raças que se combatem, uma com pérfida lascívia, outra com
temerosa energia, até se confundirem num mesmo grande e fecundante
amor”.(ibidem, p. 28. Grifos meus)
O livro segue numa descrição naturalista das imensas belezas das terras
brasileiras, mas em todo momento o autor volta a focar o caráter alemão, quase
sempre em contraste com o brasileiro, numa íntima discussão do futuro do país. O
autor discute muito a questão da raça, principalmente nas opiniões dos personagens
Lentz e Milkau, se para ao primeiro só a raça branca era capaz de civilização, e por
isto deveria tomar comando de sua responsabilidade frente às raças inferiores, para
o segundo a civilização e seu rejuvenescimento, portanto sua utopia que dá nome
ao livro, estava no encontro das raças adiantadas com as “raças virgens”, criando
um mundo próspero e sem sofrimento para os homens (ibidem, p. 38). Em relação
ao caráter do alemão - e por conseguinte muitas vezes, por contraste, também o do
brasileiro -, que mais me interessa aqui, exibe-se em muitas passagens em certa
dualidade, como na percepção de Milkau durante o almoço na pensão em que
chegara da longa viagem ruma a Porto Cachoeiro:
“(...) os criados serviam, automáticos, como soldados, ao regimento de caixeiros que
comiam silenciosos. Em todas fisionomias daqueles homens (...) via-se estampado o
pensamento único de cumprir o dever prático, de caminhar para frente no conjunto
harmônico de um só corpo. Milkau lia naquele ajuntamento de alemães o caráter
camponês e militar que fundou a obediência e a tenacidade na sua raça e reduziu
tudo o que ela podia ter de beleza, de elevação moral, à monotonia de um precipitado
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único. Onde estava a Alemanha sagrada, a pátria do individualismo, o recanto suave
do gênio livre?, perguntava a si mesmo Milkau no sussurro regular do almoço,
contemplando o esquadrão de homens louros; e refletindo sobre a alma alemã,
pensava que talvez somente se pudesse explicar a incógnita dessa alma pelas
imagens e expressões incertas da vaga e simbólicas metafísica. (...) quem sabe se
não foram um dia dois espíritos que se encontraram disparatados num mesmo corpo,
um à servil matéria, ambicioso, cúpido, procurando absorver o outro que voava
docemente, e pairava sempre no alto, zombando de tudo, de homens e deuses,
gerando puramente, sem conjunções torpes, nas regiões plácidas do ideal, as figuras
da poesia e do sonho. E quem sabe como foi longo e pertinaz o combate entre as
duas forças!... Mas houve um momento que o demônio da terra venceu o espirito de
beleza e de liberdade, e o corpo aí está hoje sossegado, sem ânsias, sem lutas, ,
qual uma massa de escravos, a devorar os últimos restos do gênio do passado,
divino alimento donde brota essa luz que ainda o ilumina na sua lúgubre e
devastadora marcha sobre a terra...” (ibidem, p. 23, 24)
O autor descreve bem a posição que os imigrantes alemães tinham a
principio aos olhos da elite nas palavras de Milkau: “(...) está escrita nossa grande
responsabilidade. É provável que nosso destino seja transformar de cima abaixo
este país, de substituir por outra civilização toda cultura, religião e tradição de um
povo (...) Por hora somos apenas um solvente de raça desta terra.”(ibidem, p. 34)
Também a do personagem Juiz Paulo Maciel, de índole justa e bem educada: “É
admirável a ordem e o asseio desta colônia, nada falta aqui, tudo prospera, tudo nos
encanta... que diferença viajar em terras cultivadas por brasileiros... só desleixo,
abandono, e, com a relaxação, a tristeza e a miséria. E ainda se fala contra a
imigração!”(ibidem, p. 126), e um pouco mais adiante: “(...).Que podemos fazer para
resistir aos lobos? Com a bondade ingênita da raça, a nativa fraqueza, a descuidada
inércia, como nos oporemos a que eles venham?... Tudo vai acabar, e se
transformar. Pobre Brasil, Foi uma tentativa falha de nacionalidade.”(ibidem, p. 131).
De forma semelhante fala outro personagem, o agrimensor cearense, bajulador
incurável, de nome Felcíssimo, destacando o caráter dos alemães em contrapartida
ao brasileiro, começa falando do “chefe da oposição” entre os alemães:
- “Chegou aqui sem nada; hoje, veja como está rico! E aqui são todos assim, todos
tem muito dinheiro. Pode-se dizer que o comércio de Porto Cachoeiro é mais forte
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que o da Vitória... ainda não se deu caso de quebra... Estes alemães tem olho... Se
fossem brasileiros estava tudo arrebentado.
E o agrimensor continuava, nesse tom, a fazer o elogio das virtudes germânicas
para os negócios, a economia, a facilidade de assimilação, a energia para o trabalho,
dando como contraste a elas, as qualidades inferiores dos brasileiros, (...)” (ibidem, p.
26)
Dentro do romance é possível ver que o autor caracteriza o alemão na
dualidade dos amigos Lentz e Milkau, parecida com aquela citada por Milkau entre
dois espíritos que se encontram num mesmo corpo, enquanto este é sonhador e
busca equidade num mundo justo e humanista, penetrando num complexo mundo
filosófico a respeito da humanidade e da individualidade, em seus pensamentos e
discursos, aquele, posto como mais realista, incorpora o espírito prático, bélico e
militar alemão, acreditando na força e na superioridade dos alemães, tendo estes
que governar e dirigir o destino humano. A força expressa por Lentz, que era filho de
um grande general alemão, reflete também o caráter de que no Brasil se tinha
receio, do famigerado perigo alemão. Lentz sobre o assunto:
“Mas isso é a lei da vida e o destino fatal deste país. Nós renovaremos a nação, nos
espalharemos sobre ela, a cobriremos com os nossos corpos brancos e a
engrandeceremos para a eternidade. (...) Porto do Cachoeiro tem mais significação
moral hoje pela força da vida, de energia que em si contém do que lugares mortos de
um país que se vai extinguir... Falando-lhe com maior franqueza, a civilização desta
terra está na imigração do europeus; mas é preciso que cada um de nós traga a
vontade de governar e dirigir.”( ibidem, p. 33,34 grifos meus)
É significativo também o espaço que o restante dos colonos caracterizados
pelo autor, muitos deles, por um lado, apenas camponeses comuns e ignorantes,
apesar de que, ainda assim, laboriosos e caprichosos, e de outro lado àqueles mais
ligados ao comércio, finanças e gerências, de grande sucesso econômico. E em
relação aos brasileiros caracterizados, alguns deles já citados, existe também Joca,
um mulato do Norte, muito inteligente e perspicaz, que fala alemão e se mistura
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muito bem dentro da comunidade, e por esta ele é muito bem quisto. Há também os
representantes do poder público da colônia, pessoas corruptas, que negociam
diretamente com os chefes administrativos e comerciais dos alemães, em troca de
votos da comunidade aos seus políticos. São eles, além do juiz municipal Paulo
Maciel que já citei e que se caracteriza numa exceção, e que apesar de ter um cargo
superior é marginalizado e impotente frente ao poder político do mulato Pantoja (o
escrivão), que possuí como lacaios o promotor, o juiz de direito e o meirinho. Todos,
exceto Maciel, corruptos que abusam da autoridade explorando os ignorantes
colonos, incapazes de falar e ler em português, e a mercê das arbitrariedades de
tais autoridades. Pantoja negociava os votos de toda a colônia com alguns de seus
dirigentes, em troca de favores para seus empreendimentos, e também em troca de
subornos. Estes representantes do poder público brasileiro, apesar da grande
corrupção, e com a exceção de Paulo Maciel, consideravam-se muito patriotas, e
alimentavam certa raiva e receio dos alemães.
A raiva vinha de inveja da prosperidade da colônia em comparação ao resto
do Brasil, e também da ideia de força, de superioridade, em relação a suposta
fraqueza de seu povo, relação possivelmente iminente de raças, e o consequente
patriotismo do receio de um dia uma grande nação, como a Alemanha, pudesse
tomar tudo que quisessem no país. Há demasiados e longos discursos entre os
quatro principais representantes do poder público da colônia (aqui excluindo-se o
meirinho) durante algumas partes do livro, porém aquele que mais tinha raiva dos
alemães era o promotor. E sua raiva durante o livro tem uma agravante motivação
pessoal, ele é continuamente rejeitado em suas afeições por uma personagem que é
fundamental ao enredo do livro, uma criada de uma casa da qual foi “invadida” e
espoliada por tais representantes do poder público para abertura de inventário por
motivos de herança, o promotor começa sua paixão/ódio pela criada, que chegou a
tal posição no infortúnio de acabar órfã logo que sua família chega ao Brasil
imigrada da Alemanha. O promotor chega ao intento de violação, mas fracassa,
aumentando continuamente o ódio aos alemães.
Apesar do autor do livro defender a fusibilidade das raças, não a caso de tal
matrimônio no livro, e, pelo contrário, além dele destacar a exótica sensualidade
alemã para os brasileiros, é o protagonista, também alemão, que acaba ficando
com esta personagem, libertando-a ilegalmente da prisão por um crime que ela não
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cometeu, e depois fugindo da terra que, por fim, não era Canaã. Pois tal
personagem foi perseguida por ser vista como a representante da miséria naquela
comunidade, que não podia aceitar a diferença e a compaixão, e também por ter
rejeitado as afeições do promotor, agravando sua situação.
É de especial importância o debate final entre Paulo Maciel e Milkau, pois
revela de certa forma a concepção do autor sobre o Brasil e sobre a mistura das
raças, começa com Milkau:
“(...)O povo brasileiro foi por logos anos apenas uma expressão nominal de um
conjunto de raças e castas separadas. E isso se manteria assim por muitos séculos,
se a forte e imperiosa sensualidade dos conquistadores não se encarregasse de
demolir os muros da separação, e não formasse uma raça intermediária de mestiços
e mulatos, que é o laço, a liga nacional, e que, aumentando a cada dia, foi ganhando
os pontos de defesa de seus opressores... E quando o exercito deixou de ser uma
casta de brancos e passou a ser dominado pelos mestiços, a revolta não foi mais que
a desforra dos oprimidos, que fundaram desde logo instituições destinadas a
permanecer algum tempo, pela sua própria força de gravidade, numa harmonia
momentânea com os instintos psicológicos que a criaram... Era preciso esse choque
do inconsciente para se fazer o que se buscava desde séculos por outros meios: a
nacionalidade...
- Bravo – aplaudiu Maciel. – Está aí a explicação do triunfo e do prestígio do nosso
“Maracajá”.
- É o representativo – afirmou Milkau, também gracejando.
- Vejo que é isso mesmo - comentou o juiz. – Era preciso formar-se do conflito de
nossas espécies humanas um tipo de mestiço, que se conformando melhor com a
natureza, com o ambiente físico, e sendo expressão das qualidade médias de todos,
fosse o vencedor e eliminasse os extremos geradores. Perfeito... Reparemos que
Pantoja não é um caso isolado. Os que tendem a nos governar, e os que governam
com maior aceitação e êxito, são desse mesmo tipo de mulatos. O Brasil é, enfim,
deles...
Paulo Maciel deteve-se um momento, e depois, enquanto olhava para as mãos
brancas e longas, continuou com um sorriso irônico:
- Não há dúvida... Se eu tivesse algumas gotas de sangue africano, com certeza não
estaria aqui a me lamentar... O equilíbrio com o país seria então definitivo... Pantoja,
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Brederodes.... Estes não marcham firmes e seguros?... Não são os donos da terra?...
Por que não nasci mulato?...
O pequeno mundo da colônia, tangido pelo escrivão, representou-se no espírito de
Milkau como um resumo bem claro de todo o país. Todos os nacionais que ali
dominavam saíam fatalmente do núcleo da fusão das raças, enquanto aquele jovem
de uma inteligência mais fina, de uma sensibilidade maior e mais distinta, era
aniquilado, vencido pelos outros. Tinha razão? Faltava-lhe uma gota de sangue negro
para que tudo nele se equilibrasse?” (ibidem, p. 192,193)
“- Vê, meu amigo. É fatal – disse Maciel negligentemente - ; não há salvação possível
para o nosso caso, é uma incapacidade de raça para a civilização...
- Oh! Não. Isso não se pode concluir dos meus pensamentos. A crise da cultura aqui
é motivada pela divergência dos estados de civilização das várias classes do povo. É
preciso um pouco mais de identificação, como dolorosamente já se está fazendo. Não
há raças capazes ou incapazes de civilização, toda trama da história é um processo
de fusão: só as raças estacionadas, isto é, as que se não fundem com outras, sejam
brancas ou negras, se mantem no estado selvagem. Se não tivesse havido a fatal
mistura de povos mais adiantados com populações mais atrasas, a civilização não
teria caminhado no mundo. E no Brasil, fique certo, a cultura se fará regularmente
sobre esse mesmo fundo de população mestiça, porque já houve o toque divino da
fusão criadora. Nada mais pode embaraçar o seu vôo, nem a cor de pele, nem a
aspereza dos cabelos. E no futuro remoto a época dos mulatos passará, para voltar a
idade dos novos brancos vindos da recente invasão, aceitando com reconhecimento
o patrimônio dos seus predecessores mestiços, que terão modificado alguma coisa,
porque nada passa inutilmente na terra.”( ibidem, p. 193,194)
Quando Paulo Maciel afirma o perigo de dominação vindo da Europa, Milkau
logo retruca dizendo que esta está velha, infecunda, e que não é necessário temer
suas armas nem invejar sua vida, pois ela definha “Não a temais, que vos não pode
escravizar; antes que se erga contra vós, ela se despedaçará.”(ibidem, p. 195). Em
seguida, depois da partida de Milkau, Graça Aranha descreve o ambiente familiar de
Paulo Maciel, sua esposa pálida entra no ambiente, demonstram significativo afeto,
logo após entra a sua filha adotiva, e segue-se uma cena em que a filha delira sobre
um trauma vivido com seus pais biológico, imigrantes espanhóis, mendigos e
ladrões de rua. O conjunto revela uma sutil decadência, revelada também sob o
signo da infertilidade, daquele ambiente familiar de um casal branco, pálido, com
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ares refinados de europeu, que no “desespero de infecundidade” adotou aquela filha
“E agora, das células obscuras e implacáveis dela, surgia-lhes como um castigo,
uma existência de outros, de um passado alheio...” (ibidem, p. 199). É interessante
como Graça Aranha coloca um personagem europeizado, com pensamentos
democráticos e republicanos, por vezes um tanto progressistas, como uma figura
decadente e impotente, sem paixão, talvez por não ter aquela gota de sangue negro.
O Idílio de Mário de Andrade pelos alemães:
Mário de Andrade discursa muito também sobre alemães em geral, a partir
da personagem principal de seu romance “Amar, verbo intransitivo”, já no começo do
livro ele descreve laconicamente o quarto da pensão de Elza: “Penca de livros sobre
a escrivaninha, um piano. O retrato de Wagner. O retrato de Bismarck.” (ANDRADE,
Mário de, 2011, p. 19). Já a partir daqui pode-se compreender que este autor
também se preocupa em estabelecer certa dualidade no modo de ser alemão, uma
mistura de simplicidade prática e requinte sonhador, de forma semelhante à Graça
Aranha, mas aqui ela é representada por Wagner e Bismarck, porém em uma única
personagem, ao invés de dois personagens cada qual com um ‘caráter’.
O livro começa com Elza se preparando para conhecer a nova família para
quem iria trabalhar, fora contratada pelo marido, Souza Costa, sem que sua mulher,
dona Laura, soubesse de seu real serviço na casa que, além do que as governantas
comuns fazem, e com a exceção de que esta iria ensinar alemão aos seus três
filhos. A família que o autor descreve seria uma tipicamente burguesa de São Paulo,
como ele mesmo ressalta em muitas passagens do livro, e seus serviços foram
indicados por um suposto amigo de Souza Costa, como a governanta que ensina
lições de amor, além de ensinar alemão. O modo como ela se prepara ao seu
primeiro encontro com a família: “Alisou os cabelos, deu à gola da blusa, às pregas
do casaco uma rijeza militar. Nenhuma faceirice por enquanto. No princípio tinha de
ser simples. Simples e insexual. O amor nasce das excelências interiores.
Espirituais, pensava. O desejo depois.”(ibidem, p. 21).
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A dualidade a que me referi surge mais clara e é explicada da seguinte
forma: “No filho da Alemanha tem dois seres: o alemão propriamente dito, o homem-
dos-sonhos; e o homem-da-vida, espécie prática do homem-do-mundo que Sócrates
dizia”(ibidem, p. 32). O homem-do-sonho se manteria sempre intacto, seria como o
espirito, independente do que fizesse o homem-da-vida, sendo este, como diz o
autor de forma aparentemente irônica, a característica de tal raça em adaptar-se,
muito prático, e a razão de uma suposta superioridade, inclusive em relação a outros
povos europeus:
“O alemão propriamente dito é o cujo que sonha, trapalhão, obscuro, nostalgicamente
filósofo, religioso, idealista incorrigível, muito sério, agarrado com a pátria, com a
família, sincero e 120 quilos. vestindo o tal, aparece outro sujeito, homem-da-vida,
fortemente visível, esperto, hábil e europeiamente bonitão. em princípio se pode dizer
que é matéria sem forma, dútil h²o se amoldando a todas as quartinhas. não tem
nenhuma hipocrisia nisso, nem máscara. se adapta o homem-da-vida, faz muito bem.
eu se pudesse fazia o mesmo, e você, leitor. porém o homem-do-sonho permanece
intacto. nas horas silenciosas da contemplação, se escuta o suspiro dele, gemido
espiritual um pouco doce por demais, que escapa dentre as molas flexíveis do
homem-da-vida, que nem o queixume dum deus paciente encarcerado.
O homem-da-vida é que a gente vê. ele criou no negócio dele artigo tão bom como o
do inglês. cobra caro. mas não vê que um comprador saiu com as mãos abanando
por causa do preço. adapta-se o homem-da-vida. no dia seguinte o freguês encontra
artigo quase igual ao outro, com o mesmo aspecto faceiro e de preço alcançável. sai
com os bolsos vazios e as mãos cheias. o anglo da fábrica vizinha, ali mesmo, só
atravessar um estirão de água zangada, não vendeu o artigo dele. não vendeu nem
venderá. E continuará sempre fazendo-o muito bom.
Eu admirava mais o inglês se só este conseguisse manipular a mercadoria excelente,
porém o alemão homem-da-vida também melhora as coisas até a excelência. apenas
carece que alguém vá na frente primeiro. Isso o próprio Walter de Rathenau
observou, grande homem!... Homem-do-sonho. Os outros que inventem. O alemão
pega na descoberta da gente e a desenvolve e melhora. e a piora também,
estabelecendo uma tabela de preços a que podem abordar bolsas de todos os
calados. Daí, aos poucos, todo o mundo ir preferindo o comerciante alemão.
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Os países de exportação industrial viam o fenômeno, de cara feia. O homem-da-vida
observava a raiva da vizinhança... e se lá nas trevas interiores, onde se reúnem as
assombrações familiares, o homem-do-sonho também cantava o seu "Home, sweet
home" que a nenhuma raça pertence e é desejo universal, o homem-da-vida se
adaptava ainda. Construía canhões pelas mãos brandas duma viúva. Armazenava
gases asfixiantes, afiava lamparinas pra cortar futuramente os imaginários bracinhos
de quanto Haensel e quanta Gretel imaginários e franceses produz o susto razoável
de Chantecler. Bárbaro tedesco, infra terno germano infraterno!
Aceitemos mesmo que engordasse a idéia multissecular, universal e secreta, da
posse do mundo... Não culpe-se por ela o homem-do-sonho. O da-vida é que se
observando vitorioso no mundo concluía que era muito justo lhe caber a posse do tal.
quem que errou forte e incorrigivelmente? Só Bismarck. Alguém chamou esse homem
de "último Nibelungo"... Nibelungo, não tem dúvida conseguiu Alsácia, ouro do Reno,
pela renúncia do amor.
Enquanto isso todos os países da terra, abraçados, se amavam numa promíscua
rede comum, não é? Estávamos no primeiro decênio deste século que deu no vinte.
todos os abraçados perdiam terreno. o homem-da-vida ganhava-o. por adaptação? É.
será? vejo serajevo, apenas como bandeira. Nas pregas dela brisam invisíveis as
ambições comerciais. Pum! Taratá! Clarins gritando, baionetas cintilando, desvairado
matar, hecatombes, trincheiras, pestes, cemitérios... Soldados desconhecidos. A
culpa era do homem-da-vida, não é? Porém a guerra foi inventada pelos proprietários
das fábricas vizinhas, isso não tem que güerê nem pipoca! Não foi.
Culpa de um, culpa de outro, tornaram a vida insuportável na Alemanha. mesmo
antes de 14 a existência arrastava difícil lá, fräulein se adaptou. Veio pro brasil, rio de
janeiro. Depois Curitiba onde não teve o que fazer. rio de janeiro. são paulo. agora
tinha que viver com os sousa costas. se adaptou. — ... der Vater... die Mutter... Wie
geht es ihnen?... A pátria em alemão é neutro: das Vaterland. Será! Vejo serajevo
apenas como bandeira. Nas pregas dela brisam... etc.
(Aqui o leitor recomeça a ler este fim de capítulo do lugar em que a frase do etc.
principia. e assim continuará repetindo o cânone infinito até que se convença do que
afirmo. se não se convencer, ao menos convenha comigo que todos esses europeus
foram uns grandessíssimos canalhões.) (ibidem, p. 33, 34,35)
Nesta citação o autor revela uma intepretação interessante, e muito ao seu
jeito, das questões europeias no entre guerras. Os alemães então vistos como os
derrotados, porém geniais, homens-da-vida, que se destacaram significativamente
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na corrida industrial, imperial e comercial, culminando na guerra que tornou a vida
insuportável na Alemanha do entre guerras. Além da dualidade que queria deixar em
destaque, prolonguei a citação para essa interessante percepção do entre guerras.
Mário de Andrade destaca em muitos momentos a frieza, a técnica e a
eficiência da personagem em cumprir seu serviço, mesmo quando, como é no caso
de sua principal tarefa, ensina a amar, ensinar o amor ao filho mais velho do casal
que a contrata como governanta. No fim, mesmo que o homem-do-sonho se debata
loucamente dentro de si, como é o caso quando ela se apaixona pelo garoto, de
nome Carlos, não a impede que ela termine o que começou com a despedida, que
fazia parte da lição do amor.
O autor também ressalta tais traços do caráter alemão, ressalta também o
que seria uma latinidade, o modo de ser latino em geral. Enquanto o primeiro sente
os eventos numa continuidade continuada, pra utilizar suas próprias palavras, o
outro se admira na exclamação, e é espontâneo na improvisação que é parte de sua
vida enquanto, o alemão, possui um “desembaraço premeditado” da continuidade
contínua: “O desembaraço era premeditado, mas lhe saia natural e discreto. Isso se
descontaria dentre as facilidades das raças superiores...”. E um pouco mais adiante:
“Mas não tem dúvida: isso da vida continuar igualzinha, embora nova e diversa, é um
mal. Mal de alemães. O alemão não tem escapadas nem imprevistos. A surpresa, o
inédito da vida é para ele uma continuidade a continuar. Diante da natureza não é
assim. Diante da vida é assim. Decisão: Viajaremos hoje. O latino falará: Viajaremos
hoje! O alemão fala: Viajaremos hoje. Ponto-final. Ponto-de-exclamação.... É preciso
exclamar para que a realidade não canse.” (ibidem, p. 26)
Em todo o romance Elza tem a esperança de voltar para Alemanha, sonha
em casar com um tipo de intelectual, filosofo e acadêmico alemão típico, “bem
raçado” e de “brancura transparente” (ibidem, p. 147), ela pensava a todo tempo
“mais um trabalho e eu posso voltar para Alemanha, se ao menos as coisas por lá
não estivessem tão ruins”. Mesmo quando se apaixona por Carlos ainda sonha com
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o seu tipo ideal de futuro marido, e assim como Bismarck, pela renúncia do amor,
segue seu caminho com convicção.
Elza tinha poucas relações com na colônia, diz o autor, não faziam o tipo da
heroína, “(...) achava interesseira e inquieta [referindo-se a colônia]. Sem
elevação”(ibidem, p. 43). Sua relação com outros imigrantes alemães no Brasil se
resumia a algumas saídas casuais e raras com um grupo de amigos e camaradas,
também cultos, onde discutiam música, filosofia e literatura alemã, e também sobre o
futuro da Alemanha:
“Uma frase sobre Mahler associava à conversa a idéia de política e dos destinos do
povo alemão, o tom baixava. o mistério penoso das inquietações baritonava aquelas
almas, inchadas de amor pela grande Alemanha. Frases curtas. Elipses. Queimava
cada lábio, saboroso, um gosto de conspiração. Que conspiram eles? Sossegue,
brasileiro, por enquanto não conspiram nada. Mas a França... Tanta parolagem
bombástica. Humanidade, Liberdade, Justiça... não sei que mais! e estraçalhar um
povo assim... lhe dar morte lenta... Por que não matara duma vez, quando pediu
armistício o invencido povo do Reno?... die fluten des rheines.” (ibidem, p. 43,44).
Mário de Andrade estudou e publicou mais coisas sobre arte e cultura
alemã, e diz seu comentarista Telê Porto Ancona Lopes que “o contato com a arte e
cultura alemã surgira da necessidade de desviar o ‘exagerado francesismo’ que
percebera em si.”14, como ele mesmo havia declarado em publicação para o jornal O
Estado de S. Paulo, 31 de dezembro de 1939. No livro fica evidente a analise do
autor sobre os acontecimento e disputas políticas e econômicas que ele verificava
na época, e suas consequências para o Brasil. Mário de Andrade fica com um
espaço menor para ele não pela sua menor importância, mas porque ele não se
dedicou diretamente a questão das colônias de alemães e descendentes.
O Lugar ao Sol dos alemães segundo Veríssimo:
14
O artigo deste comentarista se encontra na própria edição do livro de Mário de Andrade que eu trabalho, das
páginas 159 a 174, cujo título é Um idílio no modernismo do Brasil. A citação se encontra na página 16o.
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No romance de Érico Verissimo “Um Lugar ao Sol” de 1938, não temos
como personagem principal um alemão, mas um brasileiro que se chama Vasco, e
este tem uma aventura amorosa com uma alemã chamada Annelise, de família rica,
apesar de ele não deixar claro se ela ou sua família (praticamente ausentes de
descrição) tem algum vínculo com imigração. O maior motivo de este livro ser parte
de meu trabalho é que o autor descreve, na maior parte do livro, uma Porto Alegre
com sua diversidade provocada pela intensa imigração de vários povos europeus,
com suas templos protestantes, uma capital que tem em suas ruas letreiros e
sotaques nas mais diversas línguas, e um confronto de culturas pelo qual passam
muitos de seus personagens, mas por ele não tratar diretamente do tema, assim
como Mário de Andrade, merece um espaço menor. Ilustrando o que quero dizer na
passagem a seguir em que o protagonista, vindo recentemente de uma pequena
cidade imaginária do interior do Rio Grande do Sul, acompanha seu novo amigo
num passeio pela capital, um Conde austríaco que ganhava a vida dando aulas de
línguas:
“Entraram em uma casa de chá que tinha um nome alemão. (...) Quase todos os
homens ali se achavam pareciam estrangeiros: alemães, austríacos, ingleses. Louros
na maioria. Falavam em voz baixa. Tudo aquilo era novo e perturbador para Vasco.
Ele seguia o conde com a estranha e aflitiva sensação de ser um brutamontes que ali
entrara com os sapatos embarrados; ia sujar tudo, virar as mesas, quebrar as
lâmpadas, manchar os vestidos claros das mulheres, as calças de linho branco do
homens, os tapetes... (...) Quanto as mulheres, pareciam de mármore, de gelo, de
gesso, de qualquer coisa, menos da matéria de que ele era feito.” (VERISSIMO,
Érico, 2006 p. 116,117)
Annelise, a “alemãzinha moderna”, é na visão de Vasco uma relíquia de
beleza e civilização, fazendo-o se sentir no ambiente dela, além de estrangeiro, um
bruto e um selvagem. Quando ele visitou a casa de Annelise tão arrumada e
civilizada, com cheiros e estilos estrangeiros em todos os móveis, arquitetura, e o
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imenso jardim e quintal: “Ele se sentia bruto e selvagem no meio daquilo tudo. Como
um touro numa loja de louças.”(ibidem, p. 171), e mais adiante:
“Vasco apanhou distraído uma revista de capa colorida. Eram prospectos das
Olimpíadas de Berlim. Suspirou. Berlim... Folheou a revista. Vistas de Colônia, de
Frankfurt, de cidade das margens do Reno... Tudo aquilo pertencia a um mundo
sonhado mas nunca visto. Annelise pertencia a este mundo: a sua figura esbelta, a
sua cara branca, os seus cabelos louros eram produto daquela paisagem fria,
daquela terra onde caía neve no inverno...
Vasco sentiu-se estrangeiro. Trazia ainda o ranço de Jacarenga. Era um provinciano
que nunca tinha viajado. Um brutamontes, um...
(...) Vasco de repente se sentiu inferior, muito inferior... E essa sensação lhe deu um
desejo de ser bruto, de começar a quebrar os moveis, os vidros, a rasgar os
retratos... um touro.” (ibidem, p. 172)
Tal sensação o personagem teve muitas vezes durante a aventura, e para
piorar ambos se comunicavam parcamente pois ela não falava português, e ele
muito menos falava alemão. Annelise chamava Vasco, latino imprevisível e de pele
morena, de mein wilde (meu selvagem). Mas por fim, de certa forma, era o que ele
sentia de si mesmo naquela relação:
“(...) Sentia necessidade de se afirmar de qualquer forma. Não podia ser pelas boas
maneiras, pela boa aparência, pela palestra agradável? Seria pela brutalidade, pela
selvageria. Não era nem queria ser aristocrata. Seus antepassados por parte da mãe
eram tropeiros, gente do campo; se quisesse ir mais fundo em sua árvore
genealógica, na certa terminaria em alguma tribo de charruas... E por parte do pai?
Talvez engraxates vagabundo napolitanos, bandidos da Calábria...” (ibidem, p. 117)
Essa necessidade de afirmação de sua identidade perante o outro belo,
polido e civilizado, mesmo bruto e selvagem, ainda assim é digna de certo orgulho
para o personagem, também de outra forma, não se explicaria a vergonha que
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sentia no fim de alguns encontros desta aventura amorosa, Vasco sentia-se “traidor”:
“Tudo era imprevisto, tão novo... Vasco ainda trazia consigo o perfume daquela
mulher, daquela casa, daquele mundo. Sentiu-se um traidor. Traía seu clã, seu
bando. O que fizera de alguma forma era traição ao espírito de seu grupo, da sua
gente.” (ibidem, p. 173). Porque também, se certa forma, na medida que essa
aventura com tons de ilusão para o protagonista se perlongava, ele passava a
negligenciar suas obrigações morais com sua família, agora mais pobre do que
nunca e em cidade estranha, e que confiava nele para a melhoria de seu futuro. Por
fim a alemã volta a Europa, sem muitas cerimônias, pois achava o Brasil um “tera de
bárbaros”, e odeiava o calor. (ibidem, p. 177)
Um rio imita o Reich:
Em 1939 Vianna Moog lançou seu primeiro romance “Um rio imita o Reno”,
que se passa numa fictícia cidade do Rio Grande do Sul chamada “Blumental”, que
provavelmente é alusão direta a cidade de Santa Catarina, Blumenau15. Este
romance se destaca dos outros pelo fato de o autor gaúcho ser natural e ter vivido
em cidades de forte colonização alemã, como São Leopoldo, e pelo tom “profético”
em vésperas de guerra tendo em vista que o livro é repleto de discursos um tanto
panfletários a respeito do enquistamento de raça alemão e de um crescente nazismo
da população da cidade (discurso panfletário decorrente provavelmente do histórico
de ensaísta do autor, como a sua crítica bem destaca).
O protagonista Geraldo é moreno e filho de um cearense com uma índia
nhengaíba que se conheceram quando o pai foi expelido a imigrar pela seca para o
amazonas durante o surto da borracha, se enriquece para perder maior parte de seu
capital ao fim com a queda súbita do preço da borracha. O engenheiro vai a
Blumental para executar o projeto de uma hidráulica, que venceu por licitação
15
Blumenau ganhou o nome de seu fundador, Hermann Bruno Otto Blumenau, e é emblemática por ter sido
erigida desde os seus princípios pelo empreendimento dos próprios imigrantes alemães e de sua recém criada
companhias de colonização. Também se destaca por ter recebido uma grande porcentagem de todos alemães que
viram para o Brasil durante algumas décadas, principalmente a partir dos anos 1860. SINGER, Paul Israel.
Desenvolvimento Econômico e Evolução Urbana: análise da evolução econômica de Sào Paulo, Blumenau
Porto Alegre, Belo Horizonte e Reicfe. São Paulo: Editora Nacional, Segunda Edição,1977.
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32
urgente feita pelo prefeito da cidade para conter o tifo que se alastrava. Chegando à
cidade Geraldo sente-se estrangeiro, não tendo Blumental nada de semelhança com
as outras cidades por qual passou, a começar pela arquitetura e pela maioria loura e
que só falava em alemão, pelos jardins geometricamente divididos das mais
diversas espécies e muito colorido, dos templos protestantes: “Nada que pudesse
lembrar, senão fugidiamente, os sobrados do Norte ou a arquitetura colonial
portuguesa. O conjunto era tipicamente germânico”(MOOG, Vianna. P. 67, 68). E
mais adiante:
“Geraldo sentiu um ligeiro mal-estar... (...) Parecia-lhe que havia cruzado os oceanos
e estava longe da pátria.
Em vão procurava dentro de si reminiscências onde ajustar aquela paisagem.
Percorreu mentalmente as cidades que conhecia. Todas elas guardavam entre si um
ar de família. Mal conseguia situar no espaço certos recantos guardados na memória,
recantos de sobrados e mocambos, de solares batidos de sol e vielas estreitas
povoadas de sombras, tanto essas imagens eram comuns às cidades que conhecia.
Mas o que tinha diante dos olhos era diferente.
(...) Blumental dava-lhe a impressão de uma cidade do Reno extraviada em terra
americana. Desde o gótico da igreja até a dura austeridade das fachadas, tudo nela,
à exceção do jardim, era grave, rígido, tedesco. (...) Sentia saudades do Brasil.”(
ibidem, p. 73,74)
O livro é construído aos olhos deste brasileiro de terra tão distante para
fazer o contraste cultural do país, fazendo os estereótipos mais agudos, ainda mais
quando esse “estrangeiro” dentro do próprio país se apaixona por Lore, da família
Wolff, a mais rica da região, dona de uma fábrica de calçados. Família esta que
além de ser economicamente a mais poderosa, Frau Marta, a matriarca, além de
descende dos muckers16, era grande simpatizante do Reich alemão, assim como
seu filho o irmão de Lore, consequentemente, não aceitando a relação de sua filha.
16
Os Muckers foram um movimento messiânico composto por imigrantes alemães e descendentes pobres ou
empobrecidos no Rio Grande do Sul, no Vale dos Sinos, que se reunia em torno da liderança Jacobina, que
supostamente teria poderes mágicos. Fizeram expressiva parte do conflito regional conhecido como “A revolta
dos muckers”. (http://pt.wikipedia.org/wiki/Revolta_dos_Muckers)
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33
As relações entre brasileiros e teuto-brasileiros se desenvolvem de forma
complexa no livro, apesar de, muitas vezes, um tanto estereotipadas. Ainda que as
relações e matrimônios inter-étnico existissem e nem sempre fossem mal vistos na
sociedade de Blumental. O autor mostra isso em certas passagens, como em
relação aos empregados que trabalhavam para Geraldo na construção da represa, e
as famílias destes empregados que, eram de certa forma, do mesmo pessoal
daqueles que trabalhavam nas fábricas dos Wolff:
“(...) Loiros, morenos, caboclos, mulatos, cafusos, negros, alemães, polacos, teut-
brasileiros, luso-brasileiros, viviam todos em perfeita comunhão. Uma variedade
humana como Geraldo nunca tinha visto. Muitos deles manejavam indiferentemente o
português e o alemão, mas a maioria deles falava uma língua à parte, um dialeto feito
dos outros dois idiomas. Tratavam-se entre si com afetiva rudeza. ‘Seu alemão de
uma figa’, ‘negro do diabo’ era expressões que, à força de repetidas, haviam perdido
entre aquele gente todo o poder agressivo. E não tinham eles preguiça de trabalhar,
de resto, o capataz, um alemão retaco, gritalhão, amigo dos palavrões, não lhes dava
tréguas.
Moravam nas circunvizinhanças, ao redor da fábrica, no bairro operário. Havia ali
casais curiosos: teutos e alemães casados com cabrochas; alemães repolhudas
casadas com morenos e mestiços. A garotada que brincava junto às obras afinava
pelo mesmo diapasão: meninos loiros, morenos, tipos claros de cabelo vermelho,
faces cheias de sardas; sararás de olhos muito azuis. Ao recolher do trabalho,
Geraldo se dava ao jogo de adivinhar a quem pertenciam as casas no caminho.
Estabelecera um critério que reputava seguro. Onde houvesse um chalé com
jardinzinho na frente, cortinas nas janelas, uma aparência agradável de anseio, lá
devia morar uma dona de casa loira; nas casas descuidadas, de pintura desmaiada,
com portões a cair, a dona havia de ser morena.”(ibidem, p. 75,76) 17
No desenvolver do livro, mesmo sem o autor colocar diretamente a questão,
da o entender que é uma questão de classe. Assim como entre os operários, nas
regiões mais rurais, os relacionamentos inter-étnicos são muitas vezes até bem
17
É interessante notar a semelhança que tal quadro descritivo possui com a análise feita por Giralda Seyfert em
sua tese de doutorado: “A fábrica passou a ser o principal local de contato entre diversas etnias. Sob este aspecto
(contato interétnico), as classes média e alta eram bastante homogêneas.” (SEYFERTH, Giralda. 1982, p. 198) E
também em todo seu quarto capitulo de nome “As consequências da industrialização e os efeitos da campanha de
nacionalização a longo prazo.”. Entre outros elementos ambos os livros, guardadas suas devidas especialidades,
possuem semelhanças descritivas muito interessantes.
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34
vistos, porém já nas classes médias e urbanas “É só para o grupinho... Eles se
entendem entre si, mas não querem conversa com brasileiros. É o diabo, porque são
boas mesmo...”(ibidem, p. 77). E quando chega à classe alta, como o caso do
protagonista e Lore Wolff, sua família com sua influência fazem com que o prefeito,
que por sinal é brasileiro, embargue a obra e mande o engenheiro embora. A
mesma coisa acontece com a outra família mais rica da região, os Kreutzer, que faz
o papel dos imigrantes pioneiros que enriqueceram com mérito e trabalho duro:
“Estão podres de ricos, estes rapazes. (...) E dizer-se que o velho Kreutzer chegou
aqui com os primeiros imigrantes, com uma mão da frente e outra atrás...
Economizou no duro.”(68). Eram estes sabidamente germanófilos, protegiam os
teutos, empregando-os e só promovendo a estes, como dizia o promotor: “Ah, filho,
aqui é assim, quem não souber falar alemão come do duro”.
Além disso, o livro começa apresentando uma rivalidade entre a elite
econômica que era exclusivamente teuto da cidade, com a elite política e
exclusivamente luso-brasileira. A elite econômica da cidade não tinha nenhum
interesse na política nacional, desprezava a elite política da cidade por ser
significativamente corrupta, além de manter a força por meio de capangas (que são
no livro os bombachudos) para “garantir a política”. A elite política de Blumental
demonstravam raiva e indignação quanto aos alemães e teuto-brasileiros em geral,
pelo enquistamento étnico e pela crescente corrente nazista que permeava a colônia
teuto. Porém, o autor com algumas passagens demonstra que isto seria em grande
parte fachada, porque quando a elite política necessitava de apoio para as eleições
não tinham papas nas línguas ou amor algum ao Brasil dos luso-brasileiros para
conseguir votos e dinheiro para campanha. Uma dessas passagens tem especial
importância por que reúne diversos pontos de vista em uma discussão clássica do
Rio Grande do Sul, que é a do separatismo e em relação ao desenvolvimento
econômico das diversas regiões do país, e também com a questão da raça ariana,
tendo em vista que na discussão estavam o prefeito e o primogênito da família Wolff,
aquele, junto com o secretário e o promotor que eram seus subordinados, bajulando
Karl Wolff, o primogênito, por causa influência econômica de sua família.
Durante esta discussão sobre política nacional que o promotor, secretário e
prefeito travavam com o protagonista e com Armando (fiscal da receita e amigo
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intimo de Geraldo), os primeiros defendendo o separatismo e outros dois
argumentando que o Sul só tinha a perder, porém a postura de Karl Wolff era:
“(...) Depois, em que é que podia interessar-lhe aquela conversa sobre política
nacional, a ele que vivia com os olhos voltados para os problemas europeus? Se
falassem sobre o velho mundo ainda podia dar sua opinião. A Inglaterra e a França
estavam perdidas: faziam o jogo dos judeus. Os Estados Unidos, uma vergonha.
Queriam a guerra para dar trabalho aos seus milhões de desocupados, movendo uma
campanha desleal e miserável contra os produtos alemães. Felizmente na Alemanha
velava um homem forte, batalhando em várias frentes e tendo atrás de si uma nação
invencível. Um homem extraordinário, que de simples pintor de paredes, de simples
soldado na Grande Guerra, se transformara pelo próprio gênio no maior dos alemães.
(...) Karl Wolff procurava interessar-se, mas não conseguia. Um Brasil do Amazonas
ao Chuí (...) era-lhe indiferente.
Karl estava neste momento pensando que a riqueza do Sul era produto exclusivo do
trabalho alemão. Com os colonos alemães é que tinha aparecido as indústrias no
Brasil. E considerava com orgulho a ascensão de Blumental, de mera feitoria a cem
anos, até parque industrial que lhe valia o nome de Manchester do Brasil. Tudo
trabalho dos alemães, como dizia o pastor: ‘O que é o Sul do Brasil deve-o ao
trabalho alemão. Se fizermos abstração dos alemães, restará apenas uma mísera
carcaça.’” (ibidem, p. 119, 120, 121)
Karl Wolff só se interessa e participa da discussão quando Geraldo compara
os muckers com o “fanatismo religioso” do norte do país após o promotor ter inferido
negatividade do norte do país quanto à religiosidade: “Dessa gente (a do Sul do
país) não sai Antonio Conselheiro ou Padre Cícero.” (ibidem, p. 124). Karl defende
os Muckers como verdadeiros mártires. Mas Geraldo já havia desistido de
argumentar quando o promotor resolveu avançar - após a interferência do fiscal e
seus contundentes incontestes argumentos de que a indústria do Sul só existe
porque seu mercado consumidor sem concorrência dado ao protecionismo, é o
Norte do país - com o seguinte argumento:
“- A prosperidade so Sul vem da raça. Somos um povo mais forte e decidido.
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Geraldo permanece calado.
- Então lá se pode comparar a nossa gente – continuou o outro – uma mistura de
açorianos, de charruas, de bandeirantes, alemães e italianos, com a mestiçagem do
Norte? Note-se, falei de açoriano. Não confundir com português... É outra coisa.
Açoriano é celta... Não, não me venha defender esse pessoal de perna fina e cabeça
chata.” (ibidem, p. 123,124)
Geraldo arrependeu-se amargamente que deixassem insultar o seu povo, a
sua raça, durante boa parte do resto do livro ele guarda rancor de tais insultos, que
se somaram com tantos outras coisas relacionadas a rejeição do que ele era por
causa da sua raça e de sua origem:
“A discussão lhe fizera mal. E ele afinal, se conduzira como um covarde. Para não
comprometer a sua situação, o seu emprego, umas relações que para ele não tinham
significação, deixara insultar a sua terra e a sua gente. (...) Geraldo lembra-se do pai,
que fazia parte desta sub-raça que ele deixara impunimente insultar. Preguiçoso, o
seu pai... (ibidem, p. 126)
Todos defendiam a sua raça, Todos reconheciam como sagrado os seus
compromissos de sangue. O velho Cordeiro jurara ódio aos alemães. O velho
Treptow jurara ódio aos brasileiros. Eram todos solidários com sua gente. (...) Karl
Wolff defendia os Muckers, defendia Hitler, defenderia com bravura os seus
dolicoféfalos loiros de olhos azuis, contra tudo, contra todos, contra os fatos, contra a
própria evidência. Que desprezo não deveria nutrir por ele, Geraldo, ao ver o seu
recuo, a sua covardia. O próprio Bem-Turpin, um vagabundo, um aventureiro sem
princípios, um fanático da liberdade, ficava com Mussolini, porque Mussolini era de
sua raça, do seu povo. Para isso não precisava de razões.” (ibidem, p. 130)
Este sentimento que o protagonista experimenta no desenvolver da história,
junto a sua rejeição quanto ao matrimônio com a filha dos Wolff por parte da família
dela, que tinham por ele a mais completa repulsa, um “negro com sífilis” (ibidem, p.
145) diria Frau Marta18, se costura com a construção que o autor pretende da
18
Emilio Willems trata deste assunto inclusive o ilustrando com uma citação deste livro, em que Frau Marta se
utiliza do estereótipo da sífilis para desqualificar moralmente o brasileiro. “(...) ‘O brasileiro’ é avesso ao
trabalho, ‘a brasileira’ goza de má fama como Hausfrau (dona de casa). Um papel importante na representação
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identidade nacional, com orgulho da raça e da cultura nacional. O personagem, filho
do cearense guerreiro com a índia “bom selvagem”, marca sua presença em
contraposição a todo o racismo que havia contra ele, e em conversas com Armando,
o fiscal da receita, tem discussões filosóficas dos mais diversos autores alemães,
como Goethe e Nietzsche, o segundo em especial as partes em que fala como o
povo alemão é horrível.
Lore Wolff acaba se apaixonando por Geraldo também, e um dos
pensamentos e lembranças que ela guardava de seu amor, a partir do isolamento de
seu quarto, era do jogo de tennis que o protagonista teve com o seu irmão nazista,
Karl Wolff. É de particular importância a narração desta passagem, porque nela o
autor resume e destaca as qualidades dos dois povos, sejam elas raciais ou
culturais, mas como em outras partes do livro, ele recorre a passados históricos do
Brasil para confirmar as qualidades brasileiras:
“Lore recompunha a partida mentalmente. No começo, o domínio completo de Karl.
Saques violentos, jogo de fundo fulminante. Geraldo, percebia-se logo, parecia jogar
menos, seria derrotado. Karl venceu com facilidade o primeiro set. Gabou-se. Geraldo
não devia aborrecer-se, porque em Blumental ninguém ganhava de Karl Wolff. Veio o
segundo jogo. Na primeira metade, Karl ainda dominou, mas não com a mesma
facilidade. Geraldo percebeu que o estilo do adversário era um estilo metódico,
violento, invariável. O seu forte era a direita. Nas bolas baixas, irresistível. Geraldo
não lhe dava mais bolas de fundo na direita. Começou a carregar pela esquerda, Karl
teve de recuar, pendia demais para esquerda afim de evitar o back-hand; então ele
voltava a entrar do lado direito, obrigando Karl correr de uma lado para outro, sem
descanso. Karl ofegava de cansado. Ganho o segundo set, Geraldo quis dar o
empate.... estavam fatigados, tinham qeu ir ao baile, à noite...para que se fatigarem
ainda mais? Nào era nenhum campeonato. Mas Karl não concordou, insistiu na
continuação da partida. Os que aguardavam a cancha que esperassem. Geraldo teve
que ceder. Esteve maravilhoso. Quando viu que ela, Lore, torcia por ele, transfigurou-
se. Desenvolveu um jogo desconcertante. Ora defendia na rede, ora corri para o
fundo, devolvendo a bola em cortadas imprevistas. Um jogo de imaginação que ela
nunca vira. Todos aplaudiram. Ninguém podia deixar de aplaudir. Lore lembrava-se
agora da idéia engraçada que lhe viera durante a fase final da partida. Fora no
estereotipada ‘do brasileiro’ têm as doenças venéreas. Na Alemanha liga-se um estigma social às enfermidades
venéreas, sobretudo a sífilis. Essa concepção transferiu-se aos teuto-brasileiros.” (WILLEMS, Emilio. 1980, p.
328)
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colégio, na aula de história do Brasil, no ponto das guerras holandesas. Os
holandeses eram muito mais fortes, tinham melhores armas e munições: dominaram
no princípio. Mas depois os índios, que conheciam o terreno, e resistiam melhor ao
calor, acabaram vencendo com as guerrilhas, um gênero de lutas que os holandeses
não conheciam. Uma vitória da imaginação sobre o método. Geraldo devia ser
descendente de Felipe Camarão. E como estava bonito, na sua pele bronzeada,
reluzindo ao sol! Tipos de índio como Geraldo é que decerto os exploradores tinham
encontrado no Amazonas para dizerem que viram entre eles exemplares tão perfeitos
de beleza humana, que lembravam os discóbolos de Atenas.” (ibidem, p. 137,138)
O livro ainda contem mais um monte de elementos interessantes, mas acho
que já consegui resumir a maior parte deles. Faltou falar apenas da grande e
interessante diversidade de personagens, mesmo que boa parte deles seja planos,
estereotipados, ainda assim dentro das relações produzem um rico aspecto de
complexidade social. Além dos alemães da cidade, há aqueles do campo, mas
propriamente “colonos”, que aparecem no livro como uma feliz experiência dos
personagens principais a confraternizar com tais colonos numa festa típica alemã, a
kerp, e são retratados aquele tipo ideal de alemão do campo, feliz, festeiro e
beberão, sem preconceitos com luso-brasileiros e nem um pouco ascéticos nazistas
como aqueles representados na cidade. O autor narra também uma passagem de
algo que parecia um grupo de escoteiros adolescentes, imagino que algo similar a
juventude Hitlerista, que de fato, há evidencias reais deste tipo de associações que o
partido Nacional Socialista Alemão ramificou até o Brasil. Há também os alemães
que nada simpatizam com o nazismo, como o Fogareiro, amigo de farra de Armando
e contrabandista (sim, Armando, fiscal da receita e amigo íntimo de Geraldo,
também faz parte dos representantes de Estado corruptos, encomendava
contrabando pessoalmente com Fogareiro). Há também um antigo companheiro de
luta de Koseritz, que assim como ele era um Brummer, que possuía significativo
prestígio na cidade, e um médico dedicado, tinha opiniões políticas bastante
polêmicas, inclusive ele era estreitamente anti-nazista, denunciava o nazismo e o
financiamento que as associações da cidade recebiam diretamente do Reich
alemão, achava isso uma vergonha. Há a amiga de Lore Wolff, uma professora luso-
brasileira que casa com um alemão e ambos sofrem certa coerção da sociedade
média quanto ao matrimônio. Esta professora começa a dar aula em uma escola,
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aula em português que da a entender que já é coisa da campanha de nacionalização
de Vargas, e ela sofre resistência perversa do pastor daquela comunidade, antigo
professor e orientado de ensino (de uma comunidade visinha a Blumental). Há
também o velho Cordeiro, orgulhoso luso-brasileiro, que odeia o enquistamento
étnico alemão e tenta alertar a todos todo o tempo sobre tal perigo, e é o maior
entusiasta da campanha de nacionalização naquela região.
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40
Nas Ciências Sociais:
O Perigo Alemão (Sylvio Romero):
Saindo um pouco da literatura e entrando nos primórdios das ciências
sociais do Brasil, uns dos primeiros autores brasileiros a refletirem sobre a
imigração alemã para o Brasil foi Sylvio Romero, em 1906, com o livro “O
Allemanismo no Sul do Brasil”. O autor, longe de ter sido apenas filósofo, se
envolveu na política e na vida pública do país durante longos anos, daí o teor crítico
de seu livro, no compromisso que assume como intelectual em alertar e atentar por
organizar o país. Neste livro ele revela grande preocupação não apenas com a
imigração alemã, que representam para ele, como veremos, um grande risco
enquanto tais imigrantes ainda representem um temeroso e ambicioso império,
sendo a ele fieis, e sem muita tendência a assimilação, mas também com “no que
concerne ao nosso viver social e político, á nossa existência como nação”
(ROMERO, Sylvio. 1910, p. 116).
Segundo ele a imigração deveria ser espalhada por todas as zonas, pois “o
desequilíbrio entre o norte e o sul do paiz com o desastrado regimen de colonização
que se tem seguido” (ibidem, p. 116). Desta forma nos aproximaríamos de um
sistema norte-americano, onde “É salutar, com a condição de inoculação de
elementos ethnicos de primeira ordem, por todas as regiões do paiz, de forma que
sejam assimilados a nossa gente pelo uso de nossa língua” (ibidem, p. 117, grifos do
autor).
O perigo dos imigrantes germânicos no Brasil ficarem concentrados é que
aqui, diferente do que aconteciam com os imigrantes germânicos nos Estados
Unidos, eles continuavam leais a sua antiga pátria. Nos Estados Unidos já na
segunda geração os imigrantes já eram considerados assimilados, enquanto que no
Brasil nem a língua portuguesa eles aprendiam. Segundo o autor isto somado aos
ímpetos expansionistas da Alemanha consistia num real e iminente risco ao território
e a soberania nacional. Segundo o autor este ímpeto expansionista se explicaria por
que: “Assim, de todos os povos aryanos – os germânicos, portadores de qualidades
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de primeira ordem, são os peor aquinhoados no tocante a terra. E essa
desproporção torna-se ainda mais chocante, se é comparada á de certos povos que,
com razão ou sem ella, os germanicos julgam seus inferiores.” (ibidem, p. 119). Ou
seja, estariam eles “condemnados á busca de melhores terras”, pois apenas teriam
as “ásperas terras do norte da Europa.”( ibidem, p. 118)
Para reforçar tal tese ele enfoca no período entre 1884 e 1888 quando a
Alemanha: “até então não possuía um palmo de terra fora da Europa - nos
continentes longínquos, se fez a terceira potencia colonial do mundo.” (ibidem, p.
124). E tal proeza do imperialismo feita conscientemente pelos dirigentes daquela
nação o autor elogia: “No gênero, não se tinha visto nunca egual testemunho de
força de vontade, segurança de planos e rapidez de acção”(124), e também:
“Aquelle é que é um povo. Vejam a grandeza, a audácia dos planos, o desassombro
com que fala. E há mais uma singularidade: ali os governos ouvem os chefes
intelectuaes da nação e tomam-lhes os conselhos” (ibidem, p. 126,127. Grifos do
autor). Acontecia que dentro do plano imperialista e colonizador alemão levado a
cabo conscientemente, também passou a lidar com a “população excedente” que de
lá emigravam, e segundo mostra as referencias trabalhadas pelo autor, preteriam a
imigração para os Estados Unidos, pois “os allemães, uma vez estabelecidos, não
ficam mais allemães de nação. A vida fácil que encontram os leva a aceitar a
nacionalidade estranha (...) os filhos nascem americanos e, depois de uma ou duas
gerações, os descendentes allemães não sabem mais falar a língua de seus
maiores.”. Então o autor cita trabalhos dos próprios alemães, por sinal era
pagermanistas, que recomendam a imigração daquele excedente populacional para
a América do Sul, em específico para a região da Plata e para o Sul do Brasil. Dado
o caso singular de que o povo alemão naquelas terras não se assimila, ainda que se
estabeleçam em colônias que não se constituem como dependência política direta
da Alemanha, caso que o autor considera muito singular do Brasil e considera, de
certo modo, uma fraqueza e um defeito do país.
Uma das maiores evidências da problemática da imigração alemã no Sul do
Brasil para o autor está na manutenção do uso da língua alemã:
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“Para eles, esse homens que sabem o que querem, o critério supremo da
nacionalidade, o signal revelador, o expoente excelso da raça é a língua, ouçam bem
- é a língua. Este signal é tudo. Onde é a pátria allemã? Perguntava o poeta, e ele
mesmo respondia: - É onde se fala a língua allemã...
Entre nós, a língua é apenas um instrumento para rhetoricas e parlapatices; não tem
outro préstimos, e tanto não tem, e aqui chego ao ponto onde queria aportar, que nas
colônias allemãs do Brasil não se falla portuguez....
Proh pudor! Falla-se nelas allemão. É dizer tudo; não precisa juntar mais nada pra
quem comprehende a gravidade deste facto.
(...) e só se encontra, como padrão imorredoiro da inépcia brasileira, uma exceção,
uma só, a única em todo o mundo de uma paiz estranho onde os descendentes dos
emigrantes allemães conservam o uso completo, exclusivo de sua língua: é no sul do
Brasil...”( ibidem, p. 127,128 grifos do autor).
O autor se baseia em várias publicações no Jornal do Commércio daquela
época, que trata o assunto no mesmo tom que o autor, cita e traduz artigos e obras
de pangermanistas alemães, e de outros brasileiros que também consideram as
colônias alemãs um risco. Os pangermanistas citados acreditam que o império
alemão tem o dever moral e econômico para com estas colônias, por elas se
manterem fieis a sua indústria e impregnada de seu espirito nacional (ibidem, p.
140). Todos estes pangermanistas muito admirados com a originalidade e
autenticidade alemã das colônias, alguns chegam a dizer que nessas colônias “até
aos pretos, que se misturam com a população imigrada” falam alemão (ibidem, p.
139).
Romero afirma que os imigrantes ainda por cima desprezam tudo que é
brasileiro, a começar pela vida pública:
“Se nos estimassem, é claro, deixar-se-iam assimilar nos seios das nossas
populações. O desprezo que ostentam por nossa vida pública, da qual não participam
de propósito, é outra prova irrfragável. A abstinência é tão completa que chega a
parecer materialmente impossível.
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É assim que se porem ferir, e se teem ferido de facto, a seu lado, em torno de suas
terras, as mais intensas luctas entre populações brasileiras, sem que elles dêem o
mais leve signal de vida. Importam-les menos do que lhes importou a guerra entre
China e Japão.
Assistem impassíveis, com secreto gaudiu, ás dissensões políticas dos rio-
grandenses, dos habitantes de Santa Catharina e Paraná. É como se fossem
contendas de estrangeiros, de tribos africanas. Prova evidentíssima de que não se
interessam por nosso viver; nem fazem caso das aspirações das gentes entre as
quaes se vieram colocar.
(...)São raros moços, filhos das cidades, ordinariamente nascidos dos raríssimos
consorcios de allemães com brasileiras, desviados em parte do pensar genuinamente
germânico, que se deixam attrahir por ambição política. E excepção singular que
nada vale.
Sua aversão, seu desprezo por tudo que é brasileiro, menos a terra que chamam sua,
é attestado pelos poucos nacionaes que ousam viver no meio delles nas colonias
compactas.
Começam os nossos por ter vergonha de fallar a nossa língua, por serem
chasqueados quando o fazem.” (ibidem, p. 147,148)
Um viajante pangermanista em específico citado pelo autor, Alfredo Funcke,
chega a colocar a questão das colônias alemães no Brasil no mesmo patamar bélico
que Sylvio Romero por vezes também o faz. Muito embora tal viajante desenhe
outras considerações interessantes, que procuram resumir e justificar, por alto, o
desprezo que os colonos alemães tinham, ou deveriam ter, contra o brasileiro em
geral, dadas algumas experiências negativas que os próprios brasileiros haviam lhes
proporcionado, como também a obrigação que o governo alemão deveria ter com
tais nacionais do além mar:
“...Como representantes do povo brasileiro, o colono allemão só conhece o habitante
da serra propriamente dito, indigente e ignorante, e o funcionário publico. O serrano
hostil a lodo trabalho regular, condenado a eterna penúria, sem fé nem probidade nas
relações commerciaes e no trato, além disso não raro oriundo de sangue negro ou
mestiço de indio, vivendo vida de mancebia, entregue a todos os desregramentos dos
sentidos, não podia servir ao lavrador alemão de exemplo digno de ser imitado.
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Quanto ao funccionario publico brasileiro, que não vê no emprego senão um meio de
passar commodamenle a vida, geralmente susceptível de suborno e outras
influencias congêneres, que jamais cumpre oseu dever honradamente nem
pontualmente, o seu exemplo provoca necessariamente a comparação com os seus
collegas allemães. Semelhante cotejo era de natureza a infundir no animo do colono
o desprezo pelo brasileiro culto. A tudo isto vinham juntar-se experiências pessoaes
nas relações com as autoridades e especialmente com a magistratura, relações em
que o colono allemão sahia prejudicado e ludibriado.19
A observação de que também os brasileiros abastados iam decahindo
progressivamente devido a uma economia desordenada, além disso os casos de
parentes empobrecidos cahirem com a menor sem-ceremonia nas costas de outros e
muito freqüentemente os ajudarem a devorar minguados haveres, não podiam de
modo algum attrahir para o natural do paiz a sympathia do camponez allemão,
sempre tão econômico e poupado.
Essa protecção naturalmente só póde ter valor para o allemão emigrado se a força do
império estiver sufficientemente representada pelo pavilhão de guerra. Os americanos
do sul soffrem Iodos de exagerada presumpção e só respeitam os direitos do
estrangeiro segundo o que a amistosa visita de vasos de guerra próximos lhes
refresca na memória, com freqüência significativa, a certeza de um desforço
assustador em caso de atentado”. (Alfredo Funcke, apud ROMERO, S. 1910, p 149 e
150).20
Sylvio Romero também acusa políticos como Borges de Medeiros, por falta
de preciso critério, ou por velhacaria (ibidem, p. 156), que enquanto presidente do
estado do Rio Grande do Sul ter lançado discursos oportunistas para comunidade
teuto-brasileira como:
“Continuando, o presidente do Estado declarou não pedir aos allemães que
renunciem á sua pátria, ás suas tradições e á sua lingua; pelo contrario, é que
honrem a terra de origem, porque assim honrarão também o Rio Grande.
19
O espólio pelo poder público brasileiro aos imigrantes é um fato recorrente entre vários autores, da literatura
como Graça Aranha e Vianna Moog, e também é verificado na bibliografia científica, como Emilio Willems
(WILLEMS, Emilio. 1980, p. 364 a 391). Nos mesmos já citados também fica em evidencia a questão dos
funcionários públicos preguiçoso e dos políticos corruptos em relação aos imigrantes alemães. 20
Alfredo Funcke, apud ROMERO, S. 1910, p 149 e 150. Este artigo de Alfredo Funcke foi provavelmente
traduzida pelo jornal do Commércio, em janeiro de 1906, e é citada por Sylvio Romero no trabalho, porém não
se pode ter certeza porque este não deixa claro as datas e o local de sua publicação.
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Terminou saudando a confraternidade dos dois elementos, germânico e brasileiro,
sob o influxo da amisade reciproca”. (ibidem, p. 155, grifos do autor)
Segundo o autor a possibilidade de um povo ter duas pátrias, línguas e
tradições, seria uma “nociva ilusão” que nos custaria a perda das belíssimas terras
do sul do Brasil:
“Deveria ser mui de notar o sorriso sardônico do Teutão, illudindo esses pobres
Brasis...
Evidentemente, o sr. Borges de Medeiros não avalia a importância da pátria, das
tradições e da lingua na vida dos homens. Do contrario, não chegaria a pensar que
pudesse alguém possuil-as por partidas dobradas: da Allemanha e, ao mesmo tempo,
do Brasil.”(ibidem, p. 156, grifos do autor)
Tal perda das terras do sul seria dada quando os imigrantes alemães e
descendentes atingissem cerca de um milhão de indivíduos, e se daria não através
da própria Alemanha, e sim pelos colonos que não aceitariam ser dirigidos “pelos
mulatos” (ibidem, p. 160), e também para não entrar em conflito com a doutrina
Monroe, o auxilio da Alemanha seria apenas de segunda ordem, por segurança. Ou
seja, o autor temia que fosse feito um Estado soberano quando as colônias do sul se
arredondassem a ponto de ligar dois ou três estados do sul, sob protetorado da
Alemanha, mas ainda assim independente. O autor também argumenta que aos
próprios colonos alemães não lhes agradaria “de se colocar na dura sujeição do
império”.( ibidem, p. 161)
Para reafirmar a falsidade que Romero vê nas declarações de fidelidade dos
alemães ao Estado brasileiro, ele cita o discurso de mais um autor pangermanista,
dr. Walter Krundt, autor do livro “O Brasil, sua importância para o commércio e a
indústria allemães”, e traduzido pela referida edição do jornal do Commércio que
considera a doutrina Monroe obsoleta tendo em vista que a dominação na época
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não se procedia mais da mesma forma de quando a doutrina fora criada, e sim de
forma econômica. Ele ainda classifica os povos:
“Ha, em primeiro logar, povos que, por sua actividade e intelligencía, se collocaram
na altura de resolver os problemas econômicos que o seu paiz suscita, e neste
numero estão incluídos quasi todos os povos do continente europeu: ha, em segundo
logar, povos incapazes de aproveitar os dotes que lhes couberam em parte, que por
indolência ou por outros motivos deixam mais ou menos improductivos os thesouros
naturaes que lhes offerece o seu paiz, e a essa categoria pertencem, na Europa,
Portugal e a Hespanha e os paizes balkanicos, e na America, a totalidade dos povos,
com exceção dos de lingua ingleza. E, ha, em terceiro lugar, povos a quem o território
nacional não offerece campo sufficiente para a satisfação da sua actividade e que
estão chamados a realizar, nos paizes da ultima das categorias supracitadas, aquillo
que os habitantes desses paizes não quizeram ou não puderam fazer.
Povos taes não ha senão três; são os mais poderosos representantes da raça
germânica, os allemães, os inglezes e os norte-americanos. Esses estão chamados a
recolher a herança do decadente mundo latino e teem todo o interesse em
concertarem-se sobre o melhor processo de dividirem entre si a tarefa.
Ainda hoje, os povos hispano-lusitanos dominam um território que é maior que o
immenso império moscovita e só muito pouco inferior em tamanho ao império
britannico. A quem virão, um dia, a tocaresses paizes, ninguém o sabe: mas o que é
certo é que elles não podem continuar nas mãos do mais mesquinho e inepto ramo
da raça latina. Em futuro próximo, esses paizes vão provavelmente representar o
mesmo papel que a Turquia e a China, cuja subsistências e tem sido tornada
possivel, é só exclusivamente devido á rivalidade das potências.”(KRUNDT, W. apud
ROMERO, S. 1910, p. 163)
Finalizado seus argumentos o autor coloca vários pontos que deveriam ser
alterados para que se pudesse resistir a “estas e outras ameaça” (ROMERO, S.
1910, p. 164):
“1.° Seguir o systema faponez de nos aparelharmos por meio de todos os recursos da
sciencia no sentido de prepararmo-nos militarmente para a lucta;
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2.° Mudar a feição communaria de nosso caracter, que tudo espera do Estado, e
reformar a nossa educação no sentido anglo-saxonico da iniciativa pessoal, da
audácia no emprehendimento, da coragem na acção, da formação dum alevantado
ideal de vida e de força individual e collectiva;
3.° Ajudar a essas grandes medidas com o povoamento do solo por um regimen
systematico: immigrantes de nacionalidades diversas espalhados por todas as zonas
do nosso imenso planalto, desde as serras do Rio Grande do Sul até ás fronteiras do
valle do Amazonas, que será também povoado por gente adequada.
4.° Aproveitar, por todos os meios imagináveis, o enorme proletariado nacional, que
será transformado em elemento colonisador, posto ao lado do estrangeiro para
educar-se com elle no trabalho e o ir abrasileirando;
5.° Facilitar esse povoamento do paiz em todas as direcções, levando estradas de
ferro por toda a parte, que sirvam para articular, por assim dizer, este immenso corpo,
facilitando-lhe ao mesmo tempo a defeza.” (ibidem, p. 164)
E no que diz especificamente sobre os alemães:
“Pelo que toca directamente ás colônias allemãs, mister será embaraçar-lhes o
enthusiasmo do Deutschtum, pelo seguinte modo:
1.° Prohibir as grandes compras de terrenos pelos syndicatos allemães, maximé nas
zonas das colônias;
2 a Obstar a que estas se unam, se liguem entre si, collocando entre ellas, nos
terrenos ainda desoccupados, núcleos de colonos nacionaes ou de nacionalidades
diversas da allemã;
3.° Vedar o uso da lingua allemã nos actos públicos;
4.° Forçar os colonos a aprenderem o portuguez, multiplicando entre elles as escolas
primarias e secundarias, munidas dos melhores mestres e dos mais seguros
processos:
5.° Ter o maior escrúpulo, o mais rigoroso cuidado em mandar para as colônias,
como funcionários públicos de qualquer categoria, somente a indivíduos da mais
esmerada moralidade e de segura instrucção.
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6.° Desenvolver as relações brasileiras de toda a ordem com os colonos, protegendo
o commercio nacional naquellas regiões, estimulando a navegação dos portos e dos
rios por navios nossos, creando até alguma linha de vapores que trafeguem entre
elles e o Rio de Janeiro;
7.° Fazer estacionar sempre vasos de guerra nacionaes naquelles portos;
8.° Fundar nas zonas de oeste, tolhendo a expansão germânica para o interior, fortes
colônias militares de gente escolhida no exercito.”(ibidem, p. 165.166)
Sylvio Romero termina sua dissertação descrevendo, e apologizando, a
forma inteligente como Tobias Barreto se filiou ao germanismo sabendo dos perigos
que provinham da Alemanha para o Brasil. Sendo o germanismo uma forma de
aprender a assimilar os alemães, repelindo o allemanismo : “substituir aquelle
allemanismo da immigração pelo germanismo da sciencia, da cultura, da educação,
da fortaleza moral, único capaz de nos apparelhar para resistir ao primeiro.”(ibidem,
p. 166)
Ou ainda:
“Costuma-se dizer que se cura a mordedura do animal com seu próprio pello.
E' o que se póde imitar: reputamos as incursões de allemães e outros europeus
quaisquer com os próprios processos, delles aprendidos e assimilados.
Para isto é, porém, indispensável CARACTER...”( ibidem, p. 169)
Aqui aparece um interessante elemento sobre o que é assimilar para este
autor, pode-se assim, de certa forma, extrair uma boa definição de assimilação deste
autor.
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O longo tempo para a assimilação (Oliveira Vianna):
Oliveira Vianna tem uma bibliografia muito mais larga sobre o tema, o que
lhe rende um espaço privilegiado em meu trabalho. Este autor via a princípio com
muito bons olhos a imigração europeia em geral. Em “O tipo brasileiro e seus
elementos formadores”, que data dos anos 20, ele destaca um quadro muito otimista
em relação à migração europeia e sua assimilação (que para ele andava junto com
fusibilidade e caldeamento).
Como arianista, calcula o tempo que a “preponderância do sangue ariano”
resguardaria o país daquele destino trágico traçado por outros racialistas, como
Gobineau21. Porém, pensando em sua literatura mais vasta, compreende-se que
seu otimismo não é apenas na questão racial, apesar de muitas vezes ele tratar do
temperamento e das predisposições de cada etnia como questão racial, como citarei
em pouco breve, o Brasil que o autor sonhava indo rumo à civilização contava
também com o trabalho imigrante nos moldes europeus, ou seja, regime de
colonização em pequena propriedade, associações e agremiações de ofício, lazer, e
desporto (como sociedades de caça, pesca, tiro, clubes desportivos, canto entre
outras inclusive de cunho religioso), além de trazer povos “mais laboriosos”, ou
familiarizados com o ramo industrial. Extrapolaria um pouco o escopo de este
trabalho defender tal ponto de vista, mas o autor via a imigração para remediar
aquele “Brasil arcaico”, rumo a civilização, daquilo que nos faltava em comparação
com a Europa graças a “Função simplificadora do grande domínio rural”22, que
segundo ele levava a carência de instituições de solidariedade social (tal como as
que citei acima), e carência de classe média como pequenos proprietários rurais e
profissionais liberais que suprissem o mercado interno. E claro, creio que não cabe a
questão se os negros eram capazes ou não de tudo isso, mas para Oliveira Vianna,
assim como para muitos outros racialistas da época, a reposta óbvia é “não”. A
imigração para eles traziam as raças capazes de funções “mais elevadas”, e tal
21
A teoria da preponderância do sangue ariano combateu a noção de degeneração que ocorreria pela
miscigenação, da qual o Conde de Gobineau havia sentenciado como destino trágico ao Brasil. Gobineau foi
diplomata no Rio de Janeiro e amigo de D. Pedro II. Eugenista famoso principalmente pelo livro Ensaio sobre a
desigualdade das raças. 22
Tal como ele apresenta em VIANNA, O. 1987, v.1, em capítulos como “Função simplificadora do grande
domínio rural” e “Instituições de solidariedade social”, entre outros.
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concepção que hoje em dia bem compreendemos como racistas, somada a estas
concepções sociológicas que de Oliveira Vianna que apresentei acima, entende-se
bem o porquê preteria um recrutamento da mão-de-obra negra e mestiça que
marginalizavam as grandes cidades desde a abolição para tal empreitada. Se
queriam ser como os europeus, tinham de ter a raça europeia trabalhando nos
moldes europeus.
Para Oliveira Vianna em “O tipo brasileiro e seus elementos formadores” os
alemães que vinham para o Brasil tinham principalmente duas origens raciais, em
grande parte o dolicocéfalos loiros, e também o branquicéfalos loiros. O primeiro de
estatura mais alta, o segundo mais baixa (também seria composta por sangue Celta,
que seria o branquicéfalos morenos). Em seu interesse pela arianização do país ele
ressalta a contribuição massiva da imigração da Alemanha e da Itália para o Brasil
como:
“Dadas as condições que dominam o mundo europeu depois da grande guerra tudo
nos leva a crer que essas correntes arianas para o nosso país tenderão a avolumar-
se cada vez mais. Pelo menos, dois governos, o alemão e o italiano, estão
procurando dirigir para o Brasil os excedentes da super-população dos seus países
respectivos, o que trará a refusão da nossa raça dois sangues da melhor nobreza
étnica”(VIANNA, O. 1991, p. 31,32).23
Mais adiante o autor se preocupa com as questões psicológicas de cada
etnia/raça (que para ele são conceitos muito próximos, como explica em “Raça e
Cultura”, p.68) que estão na origem formadora (negro, índio, e branco luso), como
também das correntes imigratórias:
“O homem ariano, que é o elemento mais importante na nossa formação, contribui
com vários tipos étnicos que, por seu turno, tem cada um o seu tipo mental.(...) Essas
diversidades mentais, não só entre as três raças fundamentais, como entre os
subtipos de cada uma, difíceis de se caracterizar in abstracto, revelan-se,
23
O provável motivo dos problemas que aqueles países estavam passando eram decorrente da primeira Grande
Guerra.
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nitidamente, in concreto, no campo social. Vemos aí, então, esses tipos e subtipos
étnicos se diferenciarem perfeitamente, não só pela forma de organização social e
pelas modalidades prediletas da sua atividade econômica, como pelas suas
preferencias profissionais e pelas suas tendências sociais e intelectuais mais
acentuadas.”(ibidem, p. 43,44).
Levando-se em consideração que Vianna fala dos alemães em contraste
com o luso que nos dão o caráter nacional, e sua concepção de que os arianos no
Brasil tem que governar e dirigir a grande massa de raças inferiores e mestiços, que,
por si apenas, nada fariam para o progresso e seriam estacionárias: “Essa
desambição natural do índio, e essa mediocridade ingênita do negro se transmitem
aos seus mestiços (...) nossa massa popular só vale pela presença em seu seio de
maior ou menor número de elementos aristocráticos, isto é, capazes de ação e
comando.” (ibidem, p. 50.51) Poderemos logo entender o porquê do imigrante
alemão, apesar de Vianna não admitir diretamente, era muito bem cotado como o
progresso que ele queria ao Brasil.
Mesmo que, sobre o caráter luso da nação, Vianna tenha uma descrição
um tanto diferente de pensadores como Sérgio Buarque de Holanda (como veremos
mais adiante), ainda assim o alemão se destacará em relação ao luso. Vianna
considera que descendemos primordialmente dos portugueses agricultores dos mais
laboriosos, que cultivavam e semeavam os mais diversos produtos tradicionais da
sua terra natal (o que contraria um pouco o conceito do autor sobre os grandes
domínios rurais do Brasil e sua função simplificadora), e como rústico instinto de
raça, além de uma laboriosidade tenaz, seria dado aos hábitos domésticos e
sedentários, porém lhe faltaria senso prático e objetivo:
“O português dá-nos a modalidades essenciais do caráter nacional, especialmente
nas altas classes, e, probo e honrado transmite-nos honestidade dos sentimentos, o
pundonor de hombridade, o zelo da honra doméstica, o culto cavalheiresco da
lealdade. Também o nosso espirito se ressente da influência do seu espirito, pouco
afeito aos estudos positivos e às ideais práticas: somos inteligentes, assimilativos,
imaginosos, idealistas, brilhantes mesmo, mas, como o luso, refratário às ideias
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objetivas e mediocremente dotados do senso da positividade e da realidade”(ibidem,
p. 52)
E apesar do imigrante português que, segundo o autor, era um agricultor
rústico em sua terra de origem (ele não deixa claro se novos ou antigos imigrantes,
dá a entender que é uma cosia só), ao ter contato no Brasil com a vida litorânea de
meios urbanos no Brasil, ele transmutaria essa rusticidade de raça em comerciante,
porém um comerciante tímido “nem o alto comércio bancário, nem o grande
comércio exportador estão nas cordas do seu temperamento cauteloso, tímido,
pouco amante das operações de grade vôo.” (ibidem, p. 52,53)., ou de pequeno
agricultor, hortelão, que gravitaria perto dos núcleos urbanos.
O primeiro imigrante tratado pelo autor em suas característica psicológicas,
após o luso que nos dá o caráter nacional, é o alemão, e ele começa justamente o
comparando ao luso:
“O colono alemão, ao contrário do luso, tem o gosto e o instinto da vida rural. (...) Há,
na sua mentalidade, esse amor da solidão e do isolamento, que está no funcho do
temperamento da raça germânica. É o colono por excelência. Vem para aqui trazendo
uma finalidade, que é a conquista de um pequeno domínio, onde possa se fixar
definitivamente. O que distingue o colono alemão dos outros colonos é justamente
esse caráter definitivo da sua internação rural: onde o lote de terra não é para ee um
estado transitório, como em geral é para o colono italiano e espanhol; é um estado
permanente.
Esse espírito de independência, ínsito a raça germânica, só se desdobra plenamente
no campo; aí é que o colono alemão se sente senhor da sua autonomia, dono de seu
lar, na plena posse da sua liberdade individual. (...) Do seu pequeno domínio rural ele
só sai para posições de mando e direção; Para o alto comércio ou para a grande
indústria. Em hipótese alguma abandonaria o seu ubi no campo para exercer
empregos subalternos nas cidades – movimento que o colono português, o colono
italiano, o colono espanhol, nem sempre repugnam realizar.” (ibidem, p. 53, grifos
meus)
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Segundo o autor tal característica dos alemães é muito preciosa, em
primeiro lugar o caráter definitivo, em segundo a questão da posição que eles
assumem quando não fazem parte do grupo de colonos que vão para o pequeno
domínio, pois se projetos de “grandes ambições”, segundo ele, não era
característica do luso, eram ao menos do alemão e também do italiano, apesar de
que o italiano muitas vezes não tinha o caráter definitivo que tinha o alemão.
O quadro otimista que traça o autor também é relativo à assimilação dos
imigrantes, em primeiro lugar ele destaca a importância e a facilidade da imigração
portuguesa em relação à assimilação como um todo:
“(...) a sua assimilação é rápida e imediata. É a sua preponderância entre os
elementos formadores das correntes arianas que se orientam para o nosso país, uma
causa da persistência e vitalidade das nossas tradições diante da onda de novos
colonos, possuidores de uma civilização tão profundamente diversa daquela que
devemos a nossa formação nacional”(ibidem, p. 55)
Em seguida ele se refere a assimilação dos imigrantes alemães:
“O colono alemão, homem de outro tipo, de outra raça, de outro gênio, de outra
civilização, é de mais difícil diluição no meio brasileiro; nas suas zonas de fixação, no
Paraná, em Santa Catarina, no Rio Grande, ele forma uma sociedade inteiramente
distinta da sociedade nacional que a circunda – verdadeira ilha étnica, que cresce e
se expande lentamente, como que por intuspecção, e que, a medida que lentamente
de expande, lentamente se dilui na massa nacional, perdendo em resistência social e
étnica o que ganha em extensão geográfica e econômica. Seus descendentes, na
primeira geração, ao contrário do italiano, do espanhol e do português, mantêm ainda
muito visível na sua mentalidade e nos seus costumes, como no seu tipo
antropológico, as características germânicas de sua origem; e, somente quando na
segunda ou na terceira geração, mostram-se perfeitamente nacionalizados, filhos de
nosso meio e modelados a sua imagem.”(ibidem, p. 56)
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54
O autor também ressalta aqueles quer seriam inassimiláveis, como os sírios
e os anglo-saxões (ibidem, p. 56), os semitas (ibidem, p. 57), “insolúveis”, para usar
um outro termo do autor (ele também usa “infusível”). Ele afirma, porém, que os
anglo-saxões são extremamente benéficos, exercendo em nossa economia social
“uma ação poderosamente estimuladora e dinamogênica”(ibidem, p. 56).
Em momentos anteriores deste mesmo texto o autor coloca um quadro sobre
os matrimônio de imigrantes do Rio Grande, entre 1918-20, e destaca o fato de que:
“O próprio alemão, que geralmente pressupomos de certa infusibilidade, está, ao
contrário, como se vê, fundindo-se largamente na massa da nossa população.”
(ibidem, p. 37) É certo que tal quadro, que é parte do Relatório da Repartição de
Estatística do Rio Grande do Sul, fala apenas de brasileiro e alemães sem contar a
ascendência, ou seja, mesmo que o número de casamentes entre alemães e
brasileiras seja três vezes maior que o entre alemães e alemães, isto não significa
que a comunidade alemã, como supõe o autor, estivesse realmente se fundindo com
o que o autor chama “massa nacional” que pare ele seria feita “sangues inferiores”
com o português. Pois o quadro, nem o autor nesta parte do livro, está considerando
o hibridismo de teuto-brasileiro, ou ítalo-brasileiro, como ele mesmo considerará
mais tarde, no mesmo texto, quando fala de assimilação: “(...) o filho do italianos, o
filho do português ou o filho do alemão, isto é, o ítalo-brasileiro, o luso-brasileiro, ou
o teuto-brasileiro(...)”. (ibidem, p. 58).
Para confirmar a sua tese sobre a assimilação dos imigrantes a partir destas
gerações, o autor discorre sobre o comportamento mais “natural” sobre seus
percursos de vida. Diz que filhos e netos (netos no caso de alemães) de colonos do
campo e industriais tendem a ir para as cidades e fazerem carreira nos campos da
burocracia, política e as mais diversas profissões liberais, como por uma economia
de esforços, agora que estes possuíam menos resistência do meio para tais
atividades (ibidem, p. 60):
“O filho do estrangeiro, integrando-se no meio nacional como cidadão, vê, com efeito,
abrirem-se para ele as portas das carreiras liberais, políticas e administrativas e,
adentrando-as, segue a sugestão do meio ambiente, que faz dessas carreiras o mais
nobre meio de classificação social” (61)
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E por fim o autor considera que a imigração - nesta terra onde: “o problema
das raças não apresenta, do ponto de vista político, nenhuma complexidade. Em
nenhum país do mundo coexistem, em tamanha harmonia e sob tão profundo
espirito de igualdade, os representantes de raças tão distintas” (ibidem, p. 15) – fará
com que:
“(...) esses neobrasileiros, filhos e netos de lusos, de italianos, de alemães (...)
revelarem a soberba estrutura moral de que são dotados, as suas esplêndidas
reservas de energia e tenacidade, acumuladas pela hereditariedade. Eles serão, na
nossa economia social, o que são seus ancestrais atualmente: elementos
dinamogênicos, forças de salubrização e vitalidade, fatores de renovação e
progresso, capazes de fornecer a essa massa inumerável de mestiços
improgressivos, que formam o grosso de nossa população de Norte a Sul, esses
elementos de direção e comando, sem os quais eles jamais poderão sair daquela
“inação e indigência”, de que já falava, há século e meio, o marquês de Lavradio.”
(ibidem, p. 61,62).
Em 1932 quando o autor lança Raça e Assimilação ele ainda possui o
mesmo tom de otimismo em relação à assimilação dos imigrantes em geral assim
como a dos alemães. Como o autor assume mais tarde24 ele reagia
complementarmente à plena fase de desenvolvimento da escola culturalista
americana e alemã, isso por que, ao mesmo tempo em que se aproveitava de
muitos estudos que ele considerava interessantes, como o de Bloom Wessel, Park,
Boas, entre outros, inclusive sobre imigração para os EUA, se queixava do
desinteresse em que caiu os fatores como os de “...meio físico, a raça, influencias
biológicas...” (VIANNA, O. 1991, p. 65).
Reagia ele também, de certa forma, contra as correntes igualitaristas - que
por sua vez reagia contra as correntes mais racistas, dos “exaggeros theoristas da
superioridade”, como os pan-germanistas – que ameaçavam findar a validade dos
estudos sobre raça no Brasil e no mundo. Ele começa defendendo que para Europa
24
VIANNA, O. “Raça e cultura”, in: Ensaios inéditos. 1991.
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tais concepções são muito válidas, visto o grande intercambio e interfusões que as
raças e etnias lá se submeteram durante largo tempo, porém, nas américas, que se
poderia compreender tais diferenciações a olho nu, pelo simples bom senso, aqui é
que se deveriam haver e desenvolver tais estudos raciais.
O autor se ressente do declínio dos estudos raciais principalmente no Brasil,
e confere a causa disso nas correntes antigermanistas:
“Prova de que, para esse desinteresse que se nota aqui pelos estudos raciaes,
collaborou, senão influiu exclusivamente, a corrente antigermanista, creada pela
suggestão de orulhos nacionaes feridos, está que o abando dos estudos das
differenciações raciaes entre nós coincide exactamente com a época do advento, na
Europa, das idéas igualitaristas.” (VIANNA, O. 1934. p, 20)
Vianna termina o raciocínio desta parte exclamando que as teorias
igualitaristas que reagiam contra a teoria da superioridade racial, desenvolvida
principalmente pelos pensadores e antropologistas alemães eram no fim, eram tão
tendenciosas e excessivas quanto as teorias alemães do pan-germanismo (ibidem,
p. 23). E que foram tais teorias tendenciosas que “influenciou o espirito dos nossos
homens de sciencia” (ele se refere aos racialistas nacionais tais como Nina
Rodrigues, Sylvio Romero, José Verissimo, entre outros).
O autor também considera igualmente tendenciosos outros estudos raciais
europeus que sacrificariam o rigor científico pelos preconceitos e pelas paixões, no
caso, racialistas franceses. No capitulo “O anti-germanismo de Pittard” das notas
complementares do livro Raça e Assimilação, Vianna começa com as seguintes
palavras:
“Os nossos intelectuaes se louvam muito candidamente na sinceridade e na
probidade dos scientistas francezes – e não há dúvida que fazem muito bem. Ha, no
entanto, certos assumptos, em que um pouco de reserva e dúvida não seria
desaconselhável: os problemas de raça, por exemplo, com especialidade os
problemas referentes à raça germanica.”. (ibidem, p. 185)
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Desta forma fica claro que até então Oliveira Vianna ainda está longe de
compartilhar o receio sobre o perigo alemão com outros autores como Sylvio
Romero. Ao contrário, continua bastante otimista em ainda em relação assimilação
dos diversos grupos de imigrantes ao sul e sudeste do Brasil, sem exceção, o que
alias demonstra o título do capitulo “Os grupos aryanos ao sul e sua tendencia á
assimilação”.
A grande diferença que se passou em sua concepção, nos mais de 10 anos
que separam estes dois textos em questão que trabalhei mais a fundo até agora, é
que o autor passa a considerar a discrepância existente na geografia da imigração
europeia para o Brasil. Se antes, talvez pelo surto da borracha, ele chegou a
considerar que a aryanização se daria da forma razoavelmente homogênea de norte
a sul do país, em 1932, data da primeira edição do livro em questão, já considerava
como questão tal divisão do Brasil como:
“É possível que ao norte e ao centro do paiz, em virtude da preponderancia quase
absoluta de uma ethnia apenas, a portugueza, de morphologia mais ou menos
uniforme, o branco possa ser considerado um tipo único, em torno do qual gravitem
as variações individuais; mas, o mesmo, não se poderá dizer do sul do paiz, de São
Paulo para baixo, onde os elementos aryanos alli fixados pertencem a todas ethnias
européas. (...) Ora, esta região ao sul é justamente a zuna ethnicamente mais viva do
paiz, a mais rica para explorações anthropologicas e ethnograficas, onde grandes
problemas da biologia da raça e da sociologia da raça se estão revelando com uma
nitidez impressionante.” (ibidem, p. 63)
Ou ainda neste outro trecho, já demonstrando significativa preocupação a
respeito da assimilação e sobre a mestiçagem:
“Este constante affluir de novos elementos puros, impedindo a miscigenação
completa, é ainda mais sensível no grande grupo aryano. Este grupo, que é
presentemente mais rico de full-bloods, principalmente no Rio Grande do Sul, em
Santa Catarina e em São Paulo, já estaria inteiramente infiltrado dos dois sangues
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bárbaros, se a defesa da sua integridade caucásica stivsse ainda hoje entregue
exclusivamente áquellas forças que, durante os três século coloniais e mesmo
durante o Império, impediram a ascensão dos mestiços à “nobreza da terra” e às
classes aristocráticas (preconceitos de raça, de classe, de origem; idéas de belleza
plástica, e etc.). (...)
Dois factos, entretanto, de origem relativamente recente, que não datam de mais de
um século, vieram embaraçar e, talvez mesmo, interromper esta evolução do grupo
aryano para o melting-pot: o advento da immigração européa e a formação
consequente de nucleos coloniaes. (...)
O systema adoptado inicialmente pela nossa politica colonizadora – da formação de
colônias homogêneas, isto é, de uma só nacionalidade, como as alemãs de Santa
Catarina, por exemplo – accentuou ainda mais esta condição de insulamento e
segregação ethnica e acabou formando, no seio das populações circundantes, em
regra mestiçada, verdadeiras “ilhas ethnicas”, onde só circula o sangue puro aryano:
nem uma gotta única do sangue do negro e do índio. Equivale dizer, que nas nossas
regiões immigrantistas, o melting-pot, no sentido primitivo, ou melhor, no sentido
colonial da expressão, não se constituiu.
Estes centros demogenicos, espalhados crescentemente pelo sul do paiz, conservam
assim inteiramente indemnes de contacto bárbaros as suas matrizes fecundas.
Entretanto, é incontestável que nelles se operam phenomenos de mestiçagem. Estes
phenomenos oferencem, porém, aspectos muito differentes daquelles observados
nos velhos centros de hybridização, constituídos, desde o I século, nas “zonas
marginais” dos latifúndios.” (ibidem, p. 97, 98)
Está claro que o autor ainda não aceita a tese do “Perigo Alemão”, porém
já reconhece como problema as colônias de imigrantes ao sul do país, ainda mais
pela verificação dos problemas de segregação e conflitos decorrentes da primeira
Grande Guerra, e se no Brasil houveram problemas neste caso apenas com
alemães, como assume o autor (ibidem p. 125), graças a identificação da
nacionalidade dos imigrantes e seus descendentes que vieram dos países que
entraram em guerra, houveram também em diversos países da América, inclusive
alguns com poder de assimilação muito maior para as etnias em questão, como os
EUA (ibidem, p. 123,124 e125). O estudo de Bloom Wessel inspira Vianna que tenta
copiá-lo, e que possui provavelmente também tal problemática como pretexto.
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Tal Guerra impressionou a percepção sobre a assimilação em toda América
pois revelou um real problema de enquistamento étnico duradouro, que resistia
através das gerações, criando guetos. Bloom Wessel realizou sua pesquisa em New
London, com uma grande quantidade de famílias contando com até três gerações,
estabeleceu índices de fusibilidade e resistência de cada etnia, assim como
coeficientes de fusão e homogeneidade. Ou seja, sua ideia era de perceber não
apenas quais eram as etnias mais ou menos resistentes à assimilação, incluindo
diminuição das resistências através das gerações dado pela ‘pressão unificadora do
meio’, como também perceber qual delas contribuía mais para o melting pot
americano, de certa forma influenciando-o com suas características culturais. A partir
da terceira geração no EUA, independente da etnia, todos já eram considerados
como assimilados, ou seja, americanos.
Como o próprio Oliveira Vianna já sabia ao tentar copiar o estudo de Bloom
Wessel no Brasil, os dados disponíveis pelos institutos oficiais impossibilitavam-no
de qualquer intento mais sério ou científico, porém a principio apenas como
curiosidade, tenta realiza-lo com alguns dados do RS e de SP. A impossibilidade se
dava porque não havia diferenciação entre brasileiros, descendentes de imigrantes,
e estrangeiros naturalizados, ou seja, todos este eram considerados, pelos dados
nacionais, apenas como ‘brasileiros’. Ou seja, não acho que valha a pena reproduzir
aqui tal intento e suas longas inferências, sendo que nem mesmo seu autor o
considera válido. Apenas gostaria de citar que seu otimismo não fora abalado em
relação à assimilação dos alemães de acordo com suas inferencias, mas também
que ele notou, diferente dos EUA, que os imigrantes latinos tinham mais facilidade a
se lançar ao melting pot brasileiro do que os de outras regiões da Europa, o que
difere significativamente dos dados reproduzido por Bloom Wessel dos EUA, onde
etnias como a italiana eram dos mais inassimiláveis. A este evento de preferencias
matrimoniais para grupos etnicamente análogos, ou afins, como latinos por latino ou
de algo-saxões por anglo-saxões, Oliveira Vianna usa o conceito de polarização
étnica, e considera como uma reação a assimilação, ou a defesa quase instintiva
dos grupos em questão. Tal conceito o ajuda a definir o aquele menting pot
diferenciado dos Estados do Sul, tal como citei acima.
Oliveira Vianna neste trabalho se utiliza de um grande arsenal conceitual que
muitas vezes fica por ele indefinido, algumas vezes dá a entender que seriam
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sinônimos, em outras não. Tal observação mereceria um estudo a parte, pois é
interessante como o autor trabalha com uma grande diversidade de estudos
culturais e de raça das américas e da Europa, e busca conciliar-los.
Por fim até tal momento se poderia resumir os pretextos e preocupações de
Oliveira Vianna sobre a questão de assimilação de estrangeiros, em especial os
alemães, por ele mesmo objetificado em dois parágrafos:
“Fala-se muito, por exemplo – e há cerca de vinte annos, SYLVIO ROMERO abria
isto a sua maneira, isto é, impetuosamente, o debate – do “enkistamento” dos
allemães em Santa Catharina. É uma affirmação que ainda não foi demonstrada,
embora trombeteada pelos quatro horizontes. Ora, temos agora, com os methodos
estatísticos de Bloom Wessel e Draschler, meios seguros para a verificação
mathematica deste facto.
Há, eguamente, no Rio Grande do Sul e no Paraná, já o vimos, grandes massas
estrangeiras densamente accumuladas em zonas circunscriptas. Entretanto, ainda
nada sabemos sob que leis e fórmas as ethnias alli reunidas estão realizando sua
marcha para a assimilação e a fusão.” (ibidem, p. 167)
Demorou quase dez anos mais para este autor reconsiderar publicamente as
afirmações de Sylvio Romero, e foi após o Brasil declarar guerra a Alemanha nazista
que ele publicou uma série de artigos para o jornal A Manhã, entre março e maio de
1943, reunidos pela editora da Universidade Federal Fluminense na terceira edição,
do segundo volume, de “Populações Meridionais do Brasil”, e também nos “Ensaios
Inéditos” pela editora da Unicamp, aqui sob o título de ‘Pangermanismo’,
provavelmente organizado a parte pelo próprio autor, excluídas suas datas de
publicação original no jornal, mas nunca antes publicados juntamente sob mesmo
título.
Nestes artigos o autor considera finalmente como um real, e iminente, perigo
a invasão alemã ao Brasil caso ela vencesse a Segunda Grande Guerra, pois,
estudando a doutrina nazista o autor percebeu que segundo tais pressupostos nada
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a impediria moralmente, e caso vencesse a guerra também militarmente, de que ela
tomasse as terras que lhe conviessem. Pressupostos como o da ‘superioridade
racial’ e do ‘espaço vital’, que seriam os mesmos que a fizeram começar a Guerra.
Entre outras afirmações o autor também faz o alerta aos simpatizantes da
neutralidade e dos próprios alemães, do Brasil e das Américas, sobre tais
intransigências do expansionismo nazista (muitos por motivos de anti-yankee ou
anti-britanico) , pois tal atitude só seria possível por ignorância ou astúcia. Além
disto, a doutrina racial do nacional-socialismo, de um Estado fundado no sangue e
na raça (Idem, 1987, p. 247) traria obrigações, por si só, a todos alemães residentes
no exterior, para com o Reich, ou seja, bastaria ter sangue alemão nas veias para
que tais alemães fossem incluídos no Estado nazista e, os territórios em que
habitam, fossem reclamados pelo Reich e sua doutrina do espaço vital. (ibidem, p.
248)
No que se refere diretamente aos imigrantes alemães e seus descendentes
no Brasil, pela primeira vez, e concordando duramente com Romero, Vianna foi
intransigente:
“Os alemães, que se difundiram tão largamente no sul do país, aqui entraram e se
radicaram e se consolidaram em núcleos maciços e homogêneos unicamente porque,
da nossa parte, sempre os envolvemos - como os demais colonos – nessa atmosfera
de liberalismo, hospitalidade e mútuo acordo que caracteriza a nossa concepção de
espaço vital.
Entretanto, - único neste ponto entre todos estes colonos, - os alemães não nos
buscavam com a mesma boa-fé e animados deste mesmo espírito. Entravam a nossa
terra e penetravam as nossas florestas e planaltos trazendo outra concepção do
espaço vital: a concepção que é própria da sua raça, concepção egoísta e predatória,
que era de Bismarck e que é a de Hitler. Não vinham com o pensamento de
incorporar-se a nossa gente, de integrar-se numa outra nacionalidade, como uma
segunda pátria; vinham com o pensamento exclusivista de prolongar na nossa a sua
pátria. Cada colônia fundada deveria ser uma outra pequena Alemanha,
cuidadosamente preservada de qualquer contacto com a nossa gente e vinculada
com a sua Vaterlana pelo espírito do Deutschtum, isto é, pelo culto sistemático de
tudo que é alemão, a começar pela língua. Equivale dizerque penetravam o nosso
território e nele localizavam-se, enquistando-se sempre na expectativa de uma
acontecimento futuro (certamente um golpe de força) que viesse a coloca-lo sob a
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bandeira e soberania da sua pátria de origem. Expectativa que não trabalhava o
espírito de nenhuma das outras etnias colonizadoras...
Estas colunas não permitem das a prova documental deste pensamento oculto da
imigração alemã, que, desde os começos do século passado, aflui para o Brasil.
Limito-me a remeter o leitor a dois livros de Silvio Romero – a América Latina e
Provocações e Debates, onde estas provas são exibidas com abundância. Não
obstante o seu fascínio pela cultura alemã, Silvio foi o primeiro a dar a alarma contra
a mentalidade anti-brasileira dos nossos colonos teutos.” (ibidem, p. 243 e 244, grifos
do autor)
Acho interessante salientar uma passagem em um dos artigos que Vianna
escreveu para aquele jornal, que se intitula: “O conceito de ‘ariano’ na doutrina
nazista”. Este artigo possui algumas partes interessantes, além da qual já anunciei
que irei salientar, por serem muito exageradas e passionais, revelam contradições
interessantes no histórico do autor. Se ele outrora concordava, e ate aplicava,
determinados pressupostos, de repente, passaram a ser estranhos para o autor
(como no caso da preponderância de raças na mestiçagem, o autor aqui apresenta
como astúcia nazista, ibidem p. 254), e entre outras opiniões bastante tendenciosas
quando ele então passa a considerar, afirmando ser científica e absolutamente
correta, coisas como, por exemplo, sua análise baseada no trabalho de Bloom
Wessel, em “Raça e Assimilação” (como vimos alhures), quando antes considerava
apenas um treino de curiosidade, e limitada a apenas isso graças a abismal
precariedade dos dados de que dispunha (numa tentativa clara de deslegitimar
publicamente os pressupostos de pureza racial alemã). Pois bem, transcrevo aqui a
passagem que me é de especial interesse:
“Tendo a raça ariana tantos direitos, é natural que se pergunte o que é ou, melhor:
como os nacionais-socialistas conceituam esta raça? Porque o que importa é,
realmente, o conceito que os modernos doutrinadores do pangermanismo fazem ou
admitem da ‘raça ariana’, que é, alias, um conceito mais ‘político’ do que ‘biológico’ e,
por isto, propositalmente impreciso de modo a assegurar maior liberdade de ação aos
inspiradores e executores do expansionismo alemão.” (ibidem, p. 253, grifos meus).
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A preocupação de Oliveira Vianna era totalmente justificada com a Guerra,
se fossem verdade que todo alemão e descendente fosse cidadão do Reich nazista
o Brasil teria cerca de um milhão de inimigos em seus territórios ao sul, por isto seu
esforço de deslegitimar tais pressupostos, por um lado, e alertar o resto da
população pelo outro.
A cultura ameaçada: a minha (Gilberto Freyre e outros autores):
Gilberto Freyre um pouco antes de Oliveira Vianna, e inclusive do próprio
Brasil de Getúlio Vargas, declara guerra aos alemães, porém, como ele mesmo
define, uma guerra cultural, com Portugal como sua aliada. Isso se deu no ensaio “
“Uma cultura ameaçada: a luso-brasileira”.
Ocorreu em 1940 em uma conferência em Pernambuco de celebração de
“dois centenários portugueses que são também brasileiros” (FREYRE, G. 2010, p.
19), da fundação de Portugal e o da sua restauração em 1640. E isto fora após uma
viagem para os Estados do Sul do país Freire sentiu-se no dever de alertar o Brasil
sobre a ameaça e lutar contra ela:
“(...)venho contribuindo modesta mas conscientemente desde os primeiros estudos
de adolescente para a reabilitação da figura – por tanto tempo caluniada – do
colonizador português no Brasil; para a reabilitação da obra – por tanto tempo negada
ou diminuída – da colonização portuguesa da América; para a reabilitação da cultura
luso-brasileira, ameaçada hoje, imensamente mais do que se pensa, por agentes
culturais de imperialismos etnocêntricos, interessados em nos desprestigiar como
raça – que qualificam de ‘mestiça’, ‘inepta’, ‘corrupta’ – e como cultura - qe
desdenham como rasteiramente inferior a sua.”(ibidem, p. 21).
Freire alega que numa situação como estas, de defesa dos valores culturais
e de seu modo de vida, os intelectuais não podem temer o comprometimento de
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suas ciências, castrados “de qualquer tribuna que não fosse a universitária” (ibidem,
p. 22), investindo de forma dura contra a ameaça por ele detectada da seguinte
forma:
“Mais ainda: o tempo é dos que repelem o intelectualismo puro, o esteticismo puro, o
cientificismo puro, o historicismo puro, para impor aos que estudam problemas sociais
e questões humanas não só o dever de exprimir em voz alta clara, e não tímida e
fanhosamente acadêmica, verdade das chamadas lógicas ou experimentais – por
exemplo: a nenhuma base científica dos mitos de raças superiores ou raças puras,
hoje proclamadas com ênfase nas torres de propaganda política dos partidos racistas
da Europa – como até o de animar sentimentos que, sem serem rigorosamente
experimentais, são entretanto realidades tremendas para a vida, a sociedade, a
cultura dos povos ameaçados pela negação dos mesmos sentimentos, os quais
seriam substituídos por outros menos lógicos.” (ibidem, p. 22).
A partir de então Gilberto Freire começa uma apologia apaixonada pela
cultura luso-brasileira, usando os mais diversos argumentos para tentar provar como
isto. O principal argumento vai contra a ideia de que o português era mais dado as
aventuras do que ao trabalho, ele repete isso de várias formas durante todo o
manifesto afim de reabilitar a imagem do português tentando provar que o mesmo
tinha gosto pela rotina além de ter espírito prático e científico. Além de que eles, os
portugueses, também seriam o povo mais franciscanamente cristão do mundo, e
que o Brasil seria o maior exemplo mundial de democracia social/racial (ibidem, p.
38), ou ainda : “um povo democraticamente mestiço” (ibidem, p. 42) que, pela
incrível obra dos portugueses, viera para desmitificar os mitos de superioridade
racial (ibidem, p. 32).
Afirma Freire também que, diferente dos imperialismo etnocêntricos que
então nos ameaçariam, o império português era antropocêntrico (ibidem, p. 30), e
nesta qualidade viam os negros e índios como irmãos na contribuição deste grande
Brasil democrático, que permitia a ascensão social de qualquer alma,
indistintamente. Fala da miscigenação como uma destas provas, assim como
provaria também o farnciscanismo cristão do português, que juntava o gosto pela
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aventura e o amor pela rotina e pelo trabalho, ou em suas palavras “aventura da
dissolução e rotina de conservação” (ibidem, p. 27).
Toda essa reação de Freire fora originada, segundo o próprio, naquela
viagem que ele fez aos estados do sul, onde teve a confirmação das ameaças de
desintegração da cultura nacional, feitas por “imperialismos de raça e de cultura
voltados com o empenho particular e insistência significativa para campanhas de
desprestígio das tradições luso-brasileiras do Brasil” (ibidem, p. 37). E segundo ele
esta guerra começou sob dissimulações de agentes dessas instituições
imperialistas, travestidos em pastores evangélicos, mestres, padres, frades e
professores católicos (p. 40). Além disso:
“Ainda mais: já se realizam congressos culturais e políticos direta ou indiretamente
antiluso-brasileiros em que se discutem assuntos como ‘as minorias fazem a
história’... Já se apresentam trabalhos, nesses congressos, em que os intelectuais da
obra tendente a desintegração da cultura luso-brasileira se dão como apenas
‘integrantes do Estado brasileiro’ mas membros de um outro povo ou, como julgam
eles, de outra raça e de outra cultura. Raça ou cultura pura e superior à parte da
mestiçagem luso-brasileira; das tradições democráticas e – no sentido lato, nunca no
sectário – cristãs, franciscamente cristãs, da cultura luso-brasileira; das tendências
plurais, universalistas e ao mesmo tempo regionalistas da mesma cultura.
Já se põe a questão da rebeldia do adventício à participação nos processos sociais e
nos valores de cultura que constituem a sociedade brasileira, a organização
brasileira, o Brasil - que não pode contentar-se em ser simples Estado – nestes
termos ostensivos: que o povo ou a cultura que se julga com o direito de aqui
florescer à parte da nossa cultura e sendo preciso, é claro, contra ela(...)”(ibidem, p.
40).
Freire cita diretamente alguns dos que ele chama “manifestos antiluso-
brasileiros”, em que ficam claras as ideias de que pensavam do Brasil um Estado
sem um povo único, mas sim composto por diversos povos, e teria uma cultura
oficial, que seria a lusitana, do qual exigiam filiação à todos do território como
exclusividade de nacionalismo(ibidem, p. 40, 41). A isto Freire chama de manifesto
antiluso-brasileiro, e complementa:
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“Elementos que a conservarem, todos eles - ou cada um deles -, sua língua, sua
cultura, sua raça, pura e à parte com exclusão da língua e cultura nacionais, como
língua e cultura gerais fundamentais tornariam o país simples espaço geométrico
aberto a todas intransigências de grupos étnicos e culturais: um aglomerado de
exclusivismos hostis uns aos outros. E não a democracia social, cristã,
sociologicamente cristã, que nós desejamos desenvolver aqui, sem preconceitos de
raça ou de cor; de classe ou de credo religioso.” (ibidem, p. 41)
Pretendo trabalhar mais claramente todos estes interessantes dados no
próximo capitulo, porém, no momento, vale lembrar que as ações e reações tanto
daquelas etnias teutos como a de Gilberto Freyre se processam em um momento
em que a campanha de nacionalização do Estado Novo estava em pleno vigor,
estas que, alias, foram aclamadas pelo próprio Oliveira Vianna a partir das
“(...)Constituições revolucionárias – a de 1934 e de 1937 - com suas prescrições
limitativas, controladoras e orientadoras das correntes imigratórias.” (VIANNA,
oliveira, 1991, p. 383)25, que adotariam ao mesmo tempo as estratégias do Estados
Unidos, através da “política de nacionalização pelas escolas”, e da França, pela
“proibição de colônias homogêneas”.(ibidem p. 386). E, também, 1939 foram
proibidos de falarem idiomas estrangeiros em público, assim como houve plena
censura em todos os meios de comunicações que estas populações utilizavam.
Também foram fechadas todas as associações que fossem vinculadas a outras
culturas26.
Essa guerra cultural de Freyre, não apenas neste manifesto como em vários
outros que o mesmo publicou em diversos jornais(que se intitulam: ‘Brasileirismo’,
‘Questão de Culturas’, ‘Americanismo e Lusismo’, todos reproduzidos em FREYRE,
Gilberto 2010), produziu considerável eco entre muitos intelectuais no Brasil, tais
como: Álvaro Lins, Manuel Anselmo, José Lins do Rego (todos reproduzidos em
FREYRE, G. 2010). Este último escreveu alguns trechos interessantes, que faço
questão de transcrever, começa falando de Freire:
25
Este foi um artigo publicado no jornal A Manhã, de nome “Imigração e colonização ontem e hoje”, e
republicado junto a outros artigos e ensaios do autor em VIANNA, O. Ensaios Inéditos. Campinas, SP: Editora
da Unicamp ,1991. 26
(http://pt.wikipedia.org/wiki/Campanha_de_nacionalização).
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“O que ele exprimiu com veemência foi a evidência do perigo. Ele viu que o lobo anda
solto e não ficou histericamente pedindo socorro. (...) Precisamos mostrar ao lobo
ariano que nós temos força e astúcia para caça-lo, como bicho selvagem. E temos
uma cultura, a luso-brasileira, capaz de reagir contra o barbarismo das hordas
germânicas.” (ibidem, p. 78, 79)
Mas nem todos concordam plenamente com Freyre, como Sérgio Buarque
de Holanda, que num artigo intitulado “Panlusismo” publicado em 1944 já quase no
final da segunda Grande Guerra27, discorda de Freire em um ponto muito específico,
porém muito importante. Em relação à polêmica em si ele se apresenta muito mais
moderado, reconhece uma certa variedade entre os discursos daquele imigrantes
colonos que queria simplesmente conservar sua cultura alemã “embora leais ao
Estado Brasileiro” (HOLANDA, S. 2010, p. 84), dos outros já destacados por Freire.
O ponto da grande discordância entre estes autores se situa em volta da questão
levantada por Freire, ao querer reabilitar a figura do colonizador português,
afirmando que o português gostava sim de rotina e de trabalho, tal como as outras
culturas que alegavam superioridade, ao invés de ser ‘dado’ apenas a boa
aventurança.
Então, por ainda achar “defensável e justo” (ibidem, p. 85), Holanda passa boa
parte deste artigo defendendo esta sua concepção, como já fizera anteriormente, de
que, não só o português como também seu vizinho da península ibérica, “(...)se
associou antes a mercancia e a milícia do que a agricultura e as artes mecânicas.
Em outras palavras, foi bem mais sensível às incitações do espírito da aventura do
que às do espirito do trabalho.” (ibidem, p 85). Afirma também que se Freire afirma
em seus estudos, baseado em casos particulares, constituem “generalização mal
apoiada.” (ibidem, p 85). Em sentido parecido Holanda também rejeita
categoricamente a explicação racial para este fenômeno do espirito do português,
voltado mais para aventura do que para o trabalho, recorrendo, então, a questões
histórico-culturais: “Já sabíamos até onde é falsa, do ponto de vista rigorosamente
27
E também reproduzido no mesmo livro, assim como os artigos daqueles outros autores, FREYRE, G. 2010.
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científico, a identificação entre raça e cultura. Hoje sabemos que não é somente
falsa como perigosa.” (ibidem, p. 82).
Holanda buscando uma conciliação mais justa, e de certa forma
independente da guerra, analisando os discursos de ambas as partes. Se por um
lado os portugueses:
“Por estranha fatalidade, os mesmo elementos que o habilitaram a prolongar-se tão
valentemente em outros climas são talvez os que ajudaram a atrofiá-lo na pátria
europeia. Sua força foi sua fraqueza.
Esta impermanência, este abandono de si, que podem condizer , em verdade, com as
melhores virtudes evangélicas, mas a cidade humana pede alicerces mais vigorosos.
Uma robusta afirmação nacional parece mesmo inseparável ainda hoje - e hoje,
talvez, mais do que nunca – de certa capacidade de intolerância, de certo fundo de
barbárie e de sobranceria agressiva.”(ibidem 86)
Ou seja, não eram muito afeiçoados ao trabalho e, suas características
culturais o impediam, de certa forma, de constituir uma dura afirmação nacional, ao
mesmo tempo em que o lança ao mar em busca de novas descobertas. E nisto se
inclui a falta do exclusivismo étnico/biológico que outras etnias pregavam desde o
sul do Brasil. Mas pelo outro lado, essa questão, é tratada de forma um tanto sutil
por Holanda. Este cita algumas ideias dos alemães ao sul que “defendiam” suas
culturas, com a afirmação de que os brasileiros só conseguiram:
“Verdadeiramente impor-se a negros, índio e mestiços porque o baixo grau de cultura
dos mesmos não lhes permitia oferecer resistência a lusitanização. Isso porém não
ocorre com os descendentes de alemães e italianos, que insistem e com razão –
observa - em manter sua individualidade étnica, embora dentro de um Estado
Brasileiro. ‘Em essência’ – diz dr. Oberacker – ‘a brasilidade independe da etnia lusa.
Se os negros e os índios se deixam lusitanizar, isso é da sua conta.’ ” (Ibidem, p 83).
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Freire respondeu estes argumentos como se os colonizadores lusos
tivessem se aliado tranquilamente aos índio e negros, como irmãos, na construção
do Brasil. Quanto a isto Holanda discorre com peculiar ironia, respondendo ao
mesmo tempo sobre o caráter de espirito de aventura contra o espirito do trabalho,
como não saberia reproduzir tal sutileza, em toda sua inteligência, com minha
palavras, prefiro transcrevê-la:
“Gilberto Freyre não poderia desejar melhor justificação para as ideias que
desenvolve ao longo das quatro conferências deste volume. A ação do colonizador
português no Brasil, que não teria sacrificado, como a do inglês ou mesmo a do
espanhol em outras áreas coloniais da América, as oportunidades de expressão
social e ascensão social dos demais elementos de formação das novas sociedades –
o indígena e o negro - , veio a criar entre nós uma civilização ‘ que se conserva até
hoje predominantemente portuguesa nos seus motivos mais profundos da vida’.
A própria ênfase que o autor se acostumou a assinalar a importância singular da
civilização do açúcar da formação da sociedade brasileira, e que a muitos parecerá
exagerada ou pelo menos demasiado exclusivista e parcial, pode apoiar-se bem na
interpretação sugerida por Antônio Sérgio. Impedido de exercitar-se francamente na
lavoura em seu lar europeu, o português encontraria no Brasil, sobretudo nas terras
de massapé do Nordeste e do Recôncavo, onde aplicar cabalmente suas aptidões
agrícolas.
É certo que a palavra ‘agricultura’ só se pode aplicar com moderação ao sistema de
exploração de terra que prevaleceu nos engenhos de cana e foi a principal base
econômica de uma sociedade tão magistralmente desenhada em Casa-Grande &
Senzala. Nessa exploração a técnica rural europeia só serviu pudesse fazer ainda
mais destruidores os rude métodos de que já se valia o indígena em suas plantações.
Se ela tornou possível em certos casos uma fixidez sedentária do colono, como
atribuir tal sedentariedade a esse zelo amoroso pela terra, peculiar ao homem rústico
entre povos agricultores? Em realidade, a lavoura da cana, como se praticou e como
ainda se pratica largamente entre nós, aproxima-se, por sua natureza dissipadora,
pelo espírito que a anima, quase tanto da mineração quanto da agricultura. Sem
braço negro e terra farta – terra para gastar e perder, não para proteger ciosamente –
a civilização do açúcar seria irrealizável entre nós.
Não vejo em que ponto esses fatos poderão prejudicar a sugestão inspirada a
Antônio Sérgio pelos estudos de Gilberto Freyre. Efetivamente, o colono português,
desapegado secularmente da lavoura, não se reconciliou com elas, no Brasil, senão
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quando em circunstâncias extremamente favoráveis o animaram a tanto. E ainda
nesse caso não se pode dizer que tenha havido a mesmo a concórdia espontânea e
desembaraçada que ele pôs, por exemplo, em seus contatos com povos e raças
diferentes. Mas se a rigor não foi o trabalho ‘agrícola’, foi sem dúvida o trabalho rural,
realizado alias com as mãos e os pés dos escravos, que permitiu o português criar,
ou antes, improvisar – a precisão é do próprio Gilberto Freyre – valores europeus nas
nossas regiões tropicais.” (ibidem, p. 88, 89, grifos meus.).
Holanda ainda cita um trabalho daquele autor que fala sobre a fidalguia
desenvolvida no nordeste, com características aristocráticas de cavalheirismo
mórbido e até sádico (ibidem p. 90). De todo modo Holanda ainda concorda que há
boas razões para defender nossa tradição autentica e respeitável, mas deixa claro
assinalando que neste sentido, para Freire, tais tradições lhe servem mais como
força viva e estimulante, do que como programa, princípios exigentes ou normas
compulsórias (ibidem p. 90).
O grande ponto de concordância entre Holanda e Freire, aquele se
demonstrando menos passional que este, se permitindo a um exame mais tranquilo,
e salvo tais críticas já mencionadas, e eximindo-se, curiosamente, em falar
diretamente de miscigenação, mistura de raças - sendo estes supostamente o “o
melhor ajustamento das relações entre os homens” (ibidem, p. 84) - poderia resumir
no seguinte trecho:
“Nos Estados Unidos, por exemplo, a velha teoria que recomendavam uma imposição
absoluta da cultura tradicional do país ao imigrante ou seu descendente – chamada
por sinal de teoria prussiana - já procuram sociólogos mais autorizados substituir a do
intercurso cultural mais amplo. Americanizar, para este ponto de vista, significa
oferecer ao imigrante o melhor que a América pode oferecer e reter para a América o
melhor que pode oferecer o imigrante. Nada mais de acordo que o espirito da cultura
luso-brasileira tal como explica e interpreta em sua conferência o autor de Casa-
Grande & Senzala.” (ibidem p. 84, 85)
Em suma o ”intercurso cultural mais amplo” se consumiria com aquelas
mudanças propostas pelas constituições de 1934 e 1937, pela nacionalização das
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escolas e da proibição de colônias homogêneas. Claro que as posições da maioria
destes autores são tendenciosas dadas aos tempos de guerra, assim como na
política a legislação sobre os imigrantes acabaram sendo muito coercitivas, e até
abusivas quando se pensa naqueles grupos de colonos que nada tinham a ver com
o nazismo ou pangermanismo, foram medidas que visavam remediar um problema
muito mais antigo.28
28
Para uma análise interessante e detalhada sobre o impacto da campanha de nacionalização em algumas regiões
de colonização teuta, ver capitulo V de SEYFERTH, G. Nacionalismo e identidade étnica. Florianópolis:
Fundação Catarinense de Cultura, 1981.
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72
Esboço de uma análise:
É importante notar que nenhum dos autores que trabalhei estudou de fato as
colônias de migrantes alemães, e com exceção de Viana Moog, que viveu em uma
cidade de forte imigração alemã durante longos anos, os contatos foram apenas
eventuais ou literários. Mesmo Viana Moog, caso resolvesse escrever algo mais
científico, implicaria alguns determinas questões metodológicas, e é importante
lembrar que escreveu tal literatura das lembranças de infância que possuía, e o que
vale para todos os outros vale para ele também, quero dizer, todos eles buscavam
compreender as colônias e o caráter alemão como um todo a partir dos filósofos,
cientistas sociais e literatos alemães da Alemanha. Ou foram por eles inspirados
para pensar seus romances, como é o caso de Canaã, em grande medida o
romance de Mário de Andrade. E Vianna Moog também ilustrou seu romance
largamente com os filósofos alemães, dando razão a interpretações de seu
protagonista que nos tempos vagos lia Goethe, Nietzsche, entre outros, ora de certa
forma enaltecendo a cultura, ora desvalorizando terrivelmente, muitas vezes
justificando a sua falta de sorte. Acredito que para Viana Moog isso fazia parte da
própria interpretação de sua história que ele buscava compreender.
Alguns se negaram a pensar a imigração alemã, ou a forma em que se dava
a colonização aqui no Braisl, como um problema, assim como via Sylvio Romero,
pois desconfiavam do “exagerado francesismo que já percebiam em si” (ANDRADE,
M. 2008, p. 168), ou de que não se poderia confiar nos franceses caso o assunto
fosse alemães, como afirma Oliveira Vianna (VIANNA, Oliveira, 1934, p. 185), pois
assumiam que fazia parte de um alarde de rivalidade entre as duas nações, se
constituindo aquilo o que se costumou a chamar de “o mito do perigo alemão”.
Eu tentei neste trabalho colocar os autores numa sequencia cronológica em
que escreveram suas obras, salvo as últimas publicações de Oliveira Vianna que
ultrapassam a maioria das publicações organizadas junto ao ensaio de Gilberto
Freire, estão todas nesta ordem. Desta forma dá pra perceber as mudanças de
pensamento sobre os alemães por estas categorias de escritores nacionais no
decorrer do tempo. Há claramente exceção do Silvio Romero que alias condiz com
sua trajetória polêmica, e há também Oliveira Vianna que ganha destaque pelo largo
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período em que suas ideias vão modificando. É interessante notar que este último
autor, para reforçar aquela noção que escrevi no começo desta capitulo, quando
escrever “Populações Meridionais do Brasil”, nos dois volumes da primeira edição,
havia apenas duas referências vagas sobre a imigração alemã ou das imigrações
em geral. É certo que, quanto a imigrações em geral, elas só foram se avolumar no
período da “Grande Migração”, que vai de 1880 até 1930, e que naqueles livros ele
estava mais preocupado em estabelece a sócio gênese desta parte do Brasil, ou
seja, está voltado para a história, de sua formação, dando quase nenhuma
importância para migrações em geral. Logo após a publicação do primeiro volume
de “Populações Meridionais”, publicou “O tipo brasileiro e seus elementos
formadores” focando em primeiro lugar, e majoritariamente, os três elementos
iniciais, e então passa a discorrer, muito animosamente, sobre as diferentes etnias
imigrantes e suas supostas características particulares, sendo elas inatas, de raça,
ou não. Em 1932 ele contesta anti-germanistas, inclusive o próprio Silvio Romero,
porém o mais provável foi que sua opinião se não mudou um pouco antes de 1943,
quando publica aquela séria de artigos para o jornal, uma certa desconfiança fora
crescendo. O próprio Silvio Romero se baseia exclusivamente em autores
pangermanistas alemães e em notícias de jornal, em específico, no Jornal do
Commércio, que alias, este jornal mereceria um estudo mais aprofundado, se é que
já não existe, sobre sua tendência anti-germanista já naqueles tempos, início do
século XX. Ou seja, resumindo, este trabalho se resume basicamente sobre as
idealizações que estes autores faziam sobre os colonos alemães.
Destas idealizações é possível perceber certas particularidades e
semelhanças, e são estas que gostaria de destacar primeiro do conjunto reunido
para este panorama.
No que toca os imigrantes alemães e “colonos de raça germânica” Vianna
apresenta a principio uma dualidade muito semelhante por aquelas tratadas por
outros autores, primeiro com Graça Aranha em seus personagens Lentz e Milkau,
mas não somente, como se pode ver no seguinte trecho já citado:
“(...) os criados serviam, automáticos, como soldados, ao regimento de caixeiros que
comiam silenciosos. Em todas fisionomias daqueles homens (...) via-se estampado o
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pensamento único de cumprir o dever prático, de caminhar para frente no conjunto
harmônico de um só corpo. Milkau lia naquele ajuntamento de alemães o caráter
camponês e militar que fundou a obediência e a tenacidade na sua raça e reduziu
tudo o que ela podia ter de beleza, de elevação moral, à monotonia de um precipitado
único. Onde estava a Alemanha sagrada, a pátria do individualismo, o recanto suave
do gênio livre?, perguntava a si mesmo Milkau no sussurro regular do almoço,
contemplando o esquadrão de homens louros; e refletindo sobre a alma alemã,
pensava que talvez somente se pudesse explicar a incógnita dessa alma pelas
imagens e expressões incertas da vaga e simbólicas metafísica. (...) quem sabe se
não foram um dia dois espíritos que se encontraram disparatados num mesmo corpo,
um à servil matéria, ambicioso, cúpido, procurando absorver o outro que voava
docemente, e pairava sempre no alto, zombando de tudo, de homens e deuses,
gerando puramente, sem conjunções torpes, nas regiões plácidas do ideal, as figuras
da poesia e do sonho. E quem sabe como foi longo e pertinaz o combate entre as
duas forças!... Mas houve um momento que o demônio da terra venceu o espirito de
beleza e de liberdade, e o corpo aí está hoje sossegado, sem ânsias, sem lutas, ,
qual uma massa de escravos, a devorar os últimos restos do gênio do passado,
divino alimento donde brota essa luz que ainda o ilumina na sua lúgubre e
devastadora marcha sobre a terra...” (ARANHA, G. 2005 p. 23, 24)
E também, em relação ao homem-da-vida e ao homem-dos-sonhos de Mário
de Andrade, també, já citados:
“O alemão propriamente dito é o cujo que sonha, trapalhão, obscuro, nostalgicamente
filósofo, religioso, idealista incorrigível, muito sério, agarrado com a pátria, com a
família, sincero e 120 quilos. vestindo o tal, aparece outro sujeito, homem-da-vida,
fortemente visível, esperto, hábil e europeiamente bonitão. em princípio se pode dizer
que é matéria sem forma, dútil h²o se amoldando a todas as quartinhas. não tem
nenhuma hipocrisia nisso, nem máscara. se adapta o homem-da-vida, faz muito bem.
eu se pudesse fazia o mesmo, e você, leitor. porém o homem-do-sonho permanece
intacto. nas horas silenciosas da contemplação, se escuta o suspiro dele, gemido
espiritual um pouco doce por demais, que escapa dentre as molas flexíveis do
homem-da-vida, que nem o queixume dum deus paciente encarcerado.
O homem-da-vida é que a gente vê. ele criou no negócio dele artigo tão bom como o
do inglês. cobra caro. mas não vê que um comprador saiu com as mãos abanando
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75
por causa do preço. adapta-se o homem-da-vida. no dia seguinte o freguês encontra
artigo quase igual ao outro, com o mesmo aspecto faceiro e de preço alcançável. sai
com os bolsos vazios e as mãos cheias. o anglo da fábrica vizinha, ali mesmo, só
atravessar um estirão de água zangada, não vendeu o artigo dele. não vendeu nem
venderá. E continuará sempre fazendo-o muito bom.
Eu admirava mais o inglês se só este conseguisse manipular a mercadoria excelente,
porém o alemão homem-da-vida também melhora as coisas até a excelência. apenas
carece que alguém vá na frente primeiro. isso o próprio walter de rathenau observou,
grande homem!... homem-do-sonho. os outros que inventem. o alemão pega na
descoberta da gente e a desenvolve e melhora. e a piora também, estabelecendo
uma tabela de preços a que podem abordar bolsas de todos os calados. daí, aos
poucos, todo o mundo ir preferindo o comerciante alemão.”(ANDRADE, M. 2011, p.
33)
Em outras palavras, para Oliveira Vianna, o colono alemão é tanto aquele
homem-dos-sonhos como Milkau, que vem para o Brasil em busca de sua terra
prometida, sua Canaã, instalando-se aqui de forma definitiva e criando aqui uma
nova civilização, como é também o alemão homem-da-vida que, assim como Lentz,
vem ao Brasil buscando mando e direção, os grandes vôos que ele via serem os
lusos não tão capazes em seus brilhantes, porém tímidos, espíritos. Para esclarecer
a posição de Lentz um tanto mais:
“Mas isso é a lei da vida e o destino fatal deste país. Nós renovaremos a nação, nos
espalharemos sobre ela, a cobriremos com os nossos corpos brancos e a
engrandeceremos para a eternidade. (...) Porto do Cachoeiro tem mais significação
moral hoje pela força da vida, de energia que em si contém do que lugares mortos de
um país que se vai extinguir... Falando-lhe com maior franqueza, a civilização desta
terra está na imigração do europeus; mas é preciso que cada um de nós traga a
vontade de governar e dirigir.”(ARANHA, G. 2005, p 33,34, grifos meus)
Esta posição de Lentz pode ser também interpretada como um íntimo temor
de Graça Aranha, assim como de muitos outros intelectuais brasileiros, que veremos
mais adiante. Acontecia que Lentz, e o homem-da-vida dólico-loiro, eram, segundo
algumas teorias racialistas, representantes por excelência da civilização de sucesso
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76
do ocidente, lembrando que dentro deste “aglomerado racial” estavam os anglo-
saxões, que representavam duas das nações que eram as maiores potências
econômicos do mundo, além é claro, dos alemães e dos povos nórdicos. Este íntimo
temor misturava-se com uma tímida admiração por estes povos, ou ainda, por esta
raça. O temor é provável que tenha vindo com os frutos dos imperialismos (como o
pangermanismo) dentro do famigerado “perigo alemão”, porém a ânsia de fazer do
Brasil uma grande nação civilizada, assimilando a raça emblema da civilização
ocidental, produziam-se, a princípio, quadros mais otimista para os olhos destes
intelectuais. Também, direta ou indiretamente, tais escritores tratavam da identidade
nacional, pois, ao mesmo tempo, construíam a identidade do brasileiro, mesmo que,
e quando, em oposição à alemã, ou à teuto-brasileira.
Aqui vai a posição de Vianna, naquele primeiro texto já detalhadamente
tratado, a citação que já fiz no capitulo anterior, e que se aproxima muito da de
Graça Aranha:
“O colono alemão, ao contrário do luso, tem o gosto e o instinto da vida rural. (...) Há,
na sua mentalidade, esse amor da solidão e do isolamento, que está no funcho do
temperamento da raça germânica. É o colono por excelência. Vem para aqui trazendo
uma finalidade, que é a conquista de um pequeno domínio, onde possa se fixar
definitivamente. O que distingue o colono alemão dos outros colonos é justamente
esse caráter definitivo da sua internação rural: onde o lote de terra não é para e um
estado transitório, como em geral é para o colono italiano e espanhol; é um estado
permanente.
Esse espírito de independência, ínsito a raça germânica, só se desdobra plenamente
no campo; aí é que o colono alemão se sente senhor da sua autonomia, dono de seu
lar, na plena posse da sua liberdade individual. (...) Do seu pequeno domínio rural ele
só sai para posições de mando e direção; Para o alto comércio ou para a grande
indústria. Em hipótese alguma abandonaria o seu ubi no campo para exercer
empregos subalternos nas cidades – movimento que o colono português, o colono
italiano, o colono espanhol, nem sempre repugnam realizar.” (VIANNA, Oliveira, 1991,
p.53, grifos meus)
É interessante lembrar que em “Populações Meridionais do Brasil” Oliveira
Vianna destaca o fato da imigração açoriana no Rio Grande do Sul, sendo estes
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portugueses distintos, de origem flamenga e portanto nórdica (dólico-loiro), e
consequentemente os gaúchos seus descendentes. O Brasil seria governado 15
anos por um gaúcho, governo do qual Vianna exerceria parte e boa influência. E é
mais do que sabido a reverência que Vianna tinha por Vargas.
Em Vianna Moog tal dualidade não é clara, porém existe uma grande
quantidade de alemães de diferentes personalidades, não existiria propriamente
uma só dualidade, porém uma diversidade que poderia se enquadrar próximo por
contrastes, comparando os alemães colonos do campo, mais rústicos e festeiros,
aos quais o protagonista muito se afeiçoou, com aqueles industriais da cidade,
também os políticos progressistas em contraste com os nazistas.
Em Érico Veríssimo não é possível perceber nenhuma dualidade, senão em
comparação ao caráter brasileiro. A personagem alemã daquele romance apenas
assinalava outro mundo, civilizado, frio, cheiroso e incompreensível ao protagonista,
porém altamente desejável.
Está dualidade não é nada mais que a expressão de uma alta carga
simbólica que os representantes daquele povo carregavam na idealização destes
pensadores brasileiros. Até Silvio Romero em meio a denúncia do perigo iminente
não poderia deixar de notar: : “Aquelle é que é um povo. Vejam a grandeza, a
audácia dos planos, o desassombro com que fala. E há mais uma singularidade: ali
os governos ouvem os chefes intelectuaes da nação e tomam-lhes os conselhos”
(ROMERO, S, 1910, p. 126,127. Grifos do autor). E também pela experiência de seu
amigo, Tobias Barreto, que se inclinou para o germanismo por largo tempo, e o
próprio Romero nutria a admiração e o desejo de assimilar os alemães de forma
peculiar: “substituir aquelle allemanismo da immigração pelo germanismo da
sciencia, da cultura, da educação, da fortaleza moral, único capaz de nos apparelhar
para resistir ao primeiro.”(ibidem, p. 166). Ou ainda: “Costuma-se dizer que se cura a
mordedura do animal com seu próprio pello. E' o que se póde imitar: reputamos as
incursões de allemães e outros europeus quaisquer com os próprios processos,
delles aprendidos e assimilados.(ibidem p. 169)
Silvio Romero chega a comentar sobre como os japoneses conseguiram, de
certa forma, se germanizar, assimilar o melhor que os alemães tinham a oferecer,
sem receber um único imigrante alemão ou correr risco algum, trazendo de lá
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filósofos, professores e cientistas. E não seria próxima dessa filosofia de assimilação
a proposta de Sérgio Buarque de Holanda, que alias seriam naturais ao espírito do
português, como agora era a forma adotada pelos americanos? Ou seja:
“Americanizar, para este ponto de vista, significa oferecer ao imigrante o melhor que
a América pode oferecer e reter para a América o melhor que pode oferecer o
imigrante.” (HOLANDA, S. 2010. p. 85).
Quer dizer, fica claro em muitos pontos que a imigração era muito desejada
por todos estes pensadores do Brasil, desde, é claro, houvesse a assimilação. O
grande problema decorreu da pouca preocupação com as questões referentes a
assimilação desde o princípio da imigração e, em segundo lugar, das tomadas de
posição iminentes graças a segunda Grande Guerra. Do contrário, caso fossem
gestadas independes aquelas medidas mais leves a partir do Estado Novo, da
nacionalização do ensino e da proibição de colônias homogêneas, talvez nunca
houvesse qualquer problema quanto a uma assimilação forçada e coercitiva como
se deu ao inicio da segunda Grande Guerra.
Também é necessário destacar que tal carga simbólica que receberam os
imigrantes teutos não seria possível caso o próprio Brasil não estivesse num
momento de construção de sua própria identidade. É inevitável escrever e pensar tal
trabalho sem encontrar em todo momento aquele lugar comum de “construção da
nação”, construção de uma cultura, de uma etnia, de um povo, de uma raça. Das
características e do caráter que tais pensadores imputavam e projetavam para o
futuro do país, daquele que queriam e que julgavam. Alias, não haveria título mais
sugestivo que “Canaã”.
Os alemães serviram muito bem a este proposito, eles querendo ou não.
Uma das surpresas que descobri no desenvolver do trabalho é a forma como, no
decorrer da cronologia das obras em questão, vai mudando o jeito destes
pensadores se verem em oposição, ou em contrate, aos alemães. Se a princípio
eram raças ineptas, indolentes, bárbaras, incapazes de civilização, ou, se ao menos,
isso era colocado em questão ao contraste do laborioso, civilizado e disciplinado
alemão, culminamos com Gilberto Freire e Holanda negando qualquer cientificidade,
ou lógica, nas afirmações de superioridade racial, e com um Oliveira Vianna
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bastante abalado29 sobre esta questão. Os caminhos que os levam a isto são os
mais interessantes. Gostaria de destacar Vianna Moog e Mário de Andrade, do
primeiro o mais emblemático fora o jogo de tênis, apesar de que tais componentes
estão muito bem expressos durante todo o romance:
“Lore recompunha a partida mentalmente. No começo, o domínio completo de Karl.
Saques violentos, jogo de fundo fulminante. Geraldo, percebia-se logo, parecia jogar
menos, seria derrotado. Karl venceu com facilidade o primeiro set. Gabou-se. Geraldo
não devia aborrecer-se, porque em Blumental ninguém ganhava de Karl Wolff. Veio o
segundo jogo. Na primeira metade, Karl ainda dominou, mas não com a mesma
facilidade. Geraldo percebeu que o estilo do adversário era um estilo metódico,
violento, invariável. O seu forte era a direita. Nas bolas baixas, irresistível. Geraldo
não lhe dava mais bolas de fundo na direita. Começou a carregar pela esquerda, Karl
teve de recuar, pendia demais para esquerda afim de evitar o back-hand; então ele
voltava a entrar do lado direito, obrigando Karl correr de uma lado para outro, sem
descanso. Karl ofegava de cansado. Ganho o segundo set, Geraldo quis dar o
empate.... estavam fatigados, tinham qeu ir ao baile, à noite...para que se fatigarem
ainda mais? Nào era nenhum campeonato. Mas Karl não concordou, insistiu na
continuação da partida. Os que aguardavam a cancha que esperassem. Geraldo teve
que ceder. Esteve maravilhoso. Quando viu que ela, Lore, torcia por ele, transfigurou-
se. Desenvolveu um jogo desconcertante. Ora defendia na rede, ora corri para o
fundo, devolvendo a bola em cortadas imprevistas. Um jogo de imaginação que ela
nunca vira. Todos aplaudiram. Ninguém podia deixar de aplaudir. Lore lembrava-se
agora da idéia engraçada que lhe viera durante a fase final da partida. Fora no
colégio, na aula de história do Brasil, no ponto das guerras holandesas. Os
holandeses eram muito mais fortes, tinham melhores armas e munições: dominaram
no princípio. Mas depois os índios, que conheciam o terreno, e resistiam melhor ao
calor, acabaram vencendo com as guerrilhas, um gênero de lutas que os holandeses
não conheciam. Uma vitória da imaginação sobre o método. Geraldo devia ser
descendente de Felipe Camarão. E como estava bonito, na sua pele bronzeada,
reluzindo ao sol! Tipos de índio como Geraldo é que decerto os exploradores tinham
encontrado no Amazonas para dizerem que viram entre eles exemplares tão perfeitos
de beleza humana, que lembravam os discóbolos de Atenas.” (MOOG, V. 1966 p.
137,138)
29
Marcos Almir Almeida na apresentação dos “Esnaios Inéditos” tenta mostrar como Vianna mudou de opinião
a respeito das teorias de superioridade raciais no decorrer de sua vida.
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80
Mário de Andrade caracteriza de forma muito semelhante, quiçá menos
heroica, ao menos no romance em questão. E também não foge o espírito lusitano
da boa aventurança, da improvisação, que Freyre imputa aos brasileiros, e que
Holanda consente. Seria interessante em alguma pesquisa buscar entender em que
medida a pressão da segunda Grande Guerra, e das teorias de superioridade racial,
como a dos pangermanistas/nazistas, vieram a contribuir para a formação da nossa
identidade racial, como um povo a sua particularidade. A isso eu imagino que vieram
a contribuir os alemães, eles querendo ou não.
A cultura que a colonização alemã criou no Brasil assume uma importância
estrutural para a formação da identidade nacional, e eles terem sido escolhidos por
tais pensadores demonstra isso. Se os outros imigrantes latinos eram muito
próximos, e se assimilavam rapidamente, e os asiáticos eram demasiado exóticos e
quase não se relacionavam a princípio com os brasileiros, se isolando de maiores
contatos tendo assim uma relação complicada, os alemães tinham uma posição
limiar, que permitia comparações, fazendo esses eles protagonistas ou antagonistas
nos enredos destes romances, por um lado, e assumindo uma importância simbólica
grande dentre aqueles pensadores sociais, por outro, mesmo eles sendo
numericamente muito inferiores do que outras etnias. Aconteceu no Brasil quase o
oposto do que aconteceu nos Estados Unidos, se lá o imigrante alemão raramente
foi um problema, se assimilava facilmente, eram também da maioria protestante, os
italianos em contra partida formavam guetos e eram de maioria católica, e este aqui
no Brasil foram, e ainda são até hoje, lembrados como imigrantes muito queridos,
mesmo sendo sua imigração um problema demográfico muito maior.
Não apenas por tal posição, mas também ao pensar a forma de assimilação
luso-brasileira, através não apenas do intercurso cultural mais amplo, como também
o intercurso sexual, ou seja, pela miscigenação. Os alemães eram idealizados por
muitos deste pensadores de forma, além de desejável, negativa, que se negavam a
exogamia. As teorias de superioridade racial e teses contra miscigenação
permeavam a mente destes pensadores, e aqui entra uma questão muito
interessante que descobri que pode, e até deve, ser tratada junto à questão de
gênero.
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Em todas as obras literárias em questão existe uma relação problemática
entre uma mulher alemã e um brasileiro, e em todas elas a questão de raça, cultura
e etnia é colocada como um obstáculo. No primeiro romance, de Graça Aranha, a
mulher é cortejada por vários brasileiros, inclusive um de classe muito superior a
sua, e os recusa a todos, no final ela termina humilhada e perseguida, mas entrega
seu amor à um alemão, Milkau, o protagonista da história, não ocorrendo a
miscigenação, e por outro lado, a grande revolta e indignação por parte dos
brasileiros rejeitados. Essa personagem é tida como altamente desejável e atraente
por todos brasileiros, porém em nenhum momento ela mesma considera a questão.
Em Mário de Andrade não se trata de uma colona órfã que caiu na desgraça,
mas sim de uma mulher intelectualizada que foi obrigada a migrar da Alemanha pela
terríveis condições em que se encontrava, no Brasil se tornou professora do amor
para filhos da burguesia paulista. O autor narra a vez que ela se apaixonou, por
Carlos, um garoto forte, como a protagonista o vê, porém também bruto e
indisciplinado. Longe de considerar a possibilidade de ficar com ele, ela cumpre seu
trabalho e vai embora, como próprio da lição do amor, a renúncia dele. E ela segue
sonhando com o seu alemão, idealizado todo o romance, como um professor
universitário, branco, de monóculo, magro, e de uma pele muito branca. O autor
deixa claro o racismo velado da protagonista, e considera o sucesso alemão como o
predomínio do homem-da-vida, representado por Bismarck, que prático, conquista,
através da renúncia do amor e do homem-do-sonho, este representado por Wagner.
A renúncia do amor para a protagonista é também a renúncia à miscigenação, pois
alemães deveriam casar com alemães, mesmo que seu homem-dos-sonhos
encarcerado grite por Carlos, pelo garoto que ela se apaixonou.
Em Érico Veríssimo temos o mesmo quadro, porém com uma descrição
muito mais intima de como o brasileiro moreno se sentia inferior e bárbaro frente e
branca e civilizada alemã. Eles têm um romance curto e intenso, e no final ela vai
embora fria, quase sem palavras, sem despedida, apenas dizendo que não gostou
do Brasil, que este era muito quente e incivilizado, uma terra de bárbaros. Vasco não
chega a muito sofrer, se sentia quase sempre um traidor de seu clã quando estava
com a alemã, de viver um sonho que ele mesmo não acreditava, protelando suas
obrigações de brasileiro pobre. Ele se sentia como em um filme, em uma pintura, em
um quadro irreal quando estava com ela, e isso se dava tanto pela a beleza branca
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da alemã rica, em contraste com sua selvageria morena, que ambos assim
consentiram em classificar no relacionamento.
Vianna Moog apresenta os mesmos elementos, porém de maneira um tanto
mais profunda, tendo em vista que todo romance gira em torno desta questão. O
relacionamento impossível do brasileiro típico, descendente dos três elemento
fundadores, com a alemã filha do industrial mais rico da cidade alemã do Brasil.
Quer dizer, aquele que se sente um estrangeiro no próprio Brasil, vindo de outra
terra e portador de segredos, burla as regras locais e ganha notoriedade, e a paixão
da filha do chefe da terra. O romance destaca o próprio conflito entre a cultura
brasileira com as colônias alemãs, ele é construído exatamente pra pensar e afirmar
estas identidades e diferenças, com uma crítica forte e até exagerada considerando
as colônias muito mais nazistas, xenófobas e racistas do que elas de fato eram. O
relacionamento entre Lore e Geraldo se torna irrealizável, porém desta vez não pela
renúncia do amor, porque Lore queria muito ficar com Geraldo, mas por tramas
políticas entre a elite brasileira e a elite econômica de teuto-brasileiros, que retiram
aquele estrangeiro que buscava subverter a ordem, para criar uma nova. Ao fim
mesmo Geraldo sabendo possui grandes chances de voltar para aquela cidade e
desposar Lore com sucesso, é ele, o brasileiro, quem desta vez renuncia ao amor,
se deixando levar para outros caminhos, muito orgulhoso, na boa aventurança.
Intuo que existe uma questão interessante de gênero no modo de
assimilação proposto pelos portugueses, ou em geral. Sabemos que,
tradicionalmente, a miscigenação se deu através de índias roubadas e negras
escravas, porém com os outros imigrantes, italianos, espanhóis, e portugueses, não.
Careço de dados e referencial teórico para estabelecer alguma comparação, mas o
provável é que tenha sido uma via de duas mãos, em questões de casamentos, de
ambos os sexos. Mas neste ponto de vista não se pode reter apenas aquela parte
da cultura que se espera, como acredito que é o que aconteceu com a “assimilação”
dos negros e dos índios. A questão eu acredito que seja as atribuições simbólicas
que carrega o conceito de assimilar, que no caso posto nestas literaturas, assim
como, talvez, subjetivamente na preocupação daquele que deseja assimilar, uma
carga masculina, ou masculinizadora, que deseja submeter aquela cultura, aquele
povo, conquistá-lo, semeá-lo, criar seus descendentes a partir daquela terra, com
uma aliança favorável.
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Claro que tudo isso são conjecturas, apenas uma reunião de dados
interessantes e produtivos para novas análises e releituras. Espero ter cumprido
este papel neste trabalho.
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Considerações Finais:
Diferente dos Estados-nação modernos europeus, o Estado-nação brasileiro,
assim como outros países americanos e imagino que de tantos outros lugares, não
surgiu nos mesmo moldes ou da mesma forma. Se naqueles países, durante
séculos de conflitos e comunhões as etnias e povos que lá confrontavam e
conviviam espontaneamente foram cada qual formando seus Estados, cujo projeto
exportaram para boa parte do resto do mundo30.
Acontece que há pouco mais de um século entramos em tal
empreendimento do nosso Estado-nação, portanto, é clara em meu trabalho o
esforço daqueles autores ao tentar criá-lo, construí-lo, alguns como Sylvio Romero e
Oliveira Vianna de forma extremamente racional. O problema de ter seguido os
moldes do projeto europeu fica, olhando a partir de um pluralismo e de direitos
humanos, da convivência cosmopolita e multiétnica, é que a própria constituição
daqueles Estados, assim como em seus projetos, são de Estados mono-étnicos, ou
mono-nacionais31. Daí as afirmações de Sylvio Romero quando diz que não se
poderia um indivíduo possuir duas nacionalidades, ou de Freyre ao afirmar que o
Brasil só existiria se todos fossem brasileiros.
Todas estas questões ainda são válidas e interessantes se pensarmos, por
exemplo, a questão indígena em toda América, e também as questões de imigração
mundial que nunca deixaram de ocorrer. No mundo hoje transnacional boa parte das
30
Sobre tal projeto de Estado-nação que os europeus exportaram: ANDERSEN, Benedict. Nação e Consciência
Nacional. São Paulo: Ática, 1989.
31
Tal como colocam BARCELÓ Raquel & SÁNCHEZ, Martha. (orgs) Diversidad Étnica y conflito em América
Latina.México: UNAM, 1998. CASANOVA, Pablo G & ROSENMANN, Marcos R (orgs) Democracia e
Estado multiétnico na América Latina. México: UNAM, 1996. MORENO, I. “Etnicidad, estados, migraciones y
violência: El caráter obsoleto Del modelo de Estado-nación”. In: BARCELÓ Raquel & SÁNCHEZ, Martha.
(orgs) Diversidad ´tnica y conflito em América Latina.México: UNAM, 1998.
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questões evocadas em meu trabalho se revelam, creio eu, relevantes, ou úteis, para
se pensar composição progressiva do mundo comum, independente se em um
Estado-nação ou num mundo globalizado. Com os inúmeros problemas de
imigrações existente hoje e durante toda nossa história, e em todo o mundo, em
momentos de crise geralmente quem mais sofre são os imigrantes e as demais
minorias. Foi isso que me motivou a realizar tal pesquisa, relacionado a este crítico
momento histórico, que no auge das guerras mundiais, provocou problemas diretos
na minoria alemã que existia no Brasil. E creio que tais questões que são possíveis
de evocar a partir de tais problemáticas são essenciais para se pensar em uma
sociedade quando ela está por passar em um momento de crise como guerras.
Este trabalho me deu bagagem e possibilidade para futuras pesquisas e
comparações, e apresentar coisas mais que meras conjecturas. Espero ter exposto
de modo plausível claro os problemas sociológicos, assim como suas relevâncias
para o mundo comum, sendo de alguma forma útil.
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