pandemia de gripe: estratégias de mitigação

13

Click here to load reader

Upload: joaclamb

Post on 04-Jul-2015

79 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

Pandemia de gripe; planeamento, preparação e resposta

TRANSCRIPT

Page 1: Pandemia de gripe: estratégias de mitigação

1185

PANDEMIA DE GRIPE E ESTRATÉGIAS DE MITIGAÇÃO

Lúcio Meneses de Almeida

Departamento de Saúde Pública e Planeamento, Administração Regional de Saúde

do Centro, IP, Coimbra, Portugal

[email protected]

Resumo

Em Março de 2009 foram detectados no México os primeiros casos de

infecção humana pelo novo vírus A (H1N1). Face à existência de

transmissão mantida na comunidade em duas regiões de saúde do Mundo

(Região Pan-americana e Região do Pacífico Ocidental), a OMS declara, em

Junho de 2009, a primeira pandemia de gripe do século XXI.

As pandemias são epidemias globais, com origem em vírus completamente

novos, para os quais não existe imunidade prévia (i.e., virtualmente toda a

população mundial é susceptível). Não obstante o seu carácter global, o seu

impacte é essencialmente local.

Atendendo a que, normalmente, uma vacina pandémica só está disponível 4

a 6 meses após a emergência da pandemia, a gestão inicial das pandemias de

gripe assenta em estratégias de mitigação, cuja finalidade consiste em

minimizar a morbilidade e mortalidade associadas e promover a

disseminação dos casos ao longo do tempo.

O autor irá abordar os principais determinantes do impacte de uma pandemia

de gripe (WHO, 2009): características do vírus e da infecção viral,

características da população afectada (proporção de indivíduos com risco

acrescido de complicações) e capacidade de resposta da sociedade –

incluindo a relacionada com o sistema de saúde.

1 Gripe epidémica e gripe pandémica

A gripe é duma doença respiratória aguda provocada por vírus da família

Orthomyxoviridæ e do género influenza. Os primeiros relatos da gripe

sazonal são atribuíveis a Hipócrates (século V a.C.) ao referir-se a “catarros

epidémicos sazonais” (De Jong, 2007).

Riscos Industriais e Emergentes, C. Guedes Soares, C. Jacinto, A.P. Teixeira, P. Antão (Eds),Edições Salamandra, Lisboa, 2009, (ISBN 978-972-689-233-5), pp. 1185-1197

livro riscos II vol_1151_1198 art108-7-147.indd 1185 25-10-2009 16:12:11

Page 2: Pandemia de gripe: estratégias de mitigação

1186

O termo italiano influenza (derivado do Latim influentia e adoptado pelo

léxico anglo-saxónico) reflecte a pretensa “influência” causal das estrelas ou

a influência de condições meteorológicas como o frio (“influenza di

freddo”) (Doebbeling, 1998, Steinhoff, 2007, George, s.d.), tendo sido

atribuído a Buonissequi no decurso de uma epidemia no século XIV

(Doebbeling, 1998).

A gripe sazonal traduz-se por surtos de extensão e gravidade variáveis que

resultam em morbilidade significativa na população em geral e por um

excesso de mortalidade em indivíduos pertencentes a grupos com risco

acrescido de complicações, em particular pulmonares (Dolin, 2005).

Apesar de se tratar duma doença frequentemente benigna e auto limitada

com uma letalidade de 1-2 / 2000 casos, em determinados grupos de risco,

como os idosos ou os doentes crónicos, a letalidade pode alcançar os 30%

(Doebbeling, 1998).

As variações dos antigénios de superfície hemaglutinina (HA) e

neuraminidase (NA) são responsáveis por vírus epidémicos, sendo mais

frequentes nos vírus A do que nos vírus B e não tendo sido identificadas nos

vírus C (Doebbeling, 1998).

No hemisfério Norte, a época gripal tem início em meados de Novembro e

dura entre 3-4 meses podendo, no entanto, ocorrer casos esporádicos de

gripe durante o Verão (Doebbeling, 1998).

A um nível comunitário, o impacte das epidemias de gripe traduz-se,

inicialmente, por absentismo escolar e laboral (nomeadamente industrial),

seguido por um aumento da procura dos serviços de saúde e por um aumento

dos internamentos hospitalares (e óbitos) por pneumonia ou gripe (Couch et

al, 1986). Localmente, as epidemias de gripe têm um início súbito, atingem

o pico de incidência pelas 3 semanas e extinguem-se às 8 semanas de

evolução (Steinhoff, 2007).

As epidemias de gripe são responsáveis, todos os anos, por doença

clinicamente aparente em cerca de 5% dos adultos e 20% das crianças (De

Jong, 2007). Estas últimas têm um papel “amplificador” da infecção gripal

na comunidade por exibirem um shedding viral de maior duração e

intensidade (Meneses de Almeida, 2007).

A primeira manifestação de gripe numa comunidade consiste, tipicamente,

num surto explosivo numa escola ou infantário, estimando-se entre 40-60%

ou mais o risco de incidência de gripe em crianças que frequentam

transportes escolares sobrelotados (Doebbeling, 1998). As famílias com

filhos em idade escolar apresentam taxas de infecção mais elevadas do que

as restantes famílias (Chiu, 2002).

livro riscos II vol_1151_1198 art108-7-147.indd 1186 25-10-2009 16:12:11

Page 3: Pandemia de gripe: estratégias de mitigação

1187

Apesar das taxas de ataque clínica serem mais elevadas nas crianças do que

nos adultos – em resultado da menor probabilidade de imunidade prévia, nas

crianças, decorrente de infecções anteriores ou de vacinação – a frequência

de complicações é menor (Doebbeling, 1998).

O impacte duma epidemia de gripe – em termos de incidência e gravidade -

depende do grau de variação antigénica do novo vírus (i.e., da identidade

antigénica em relação a vírus previamente circulantes), da sua virulência

(relacionada com o número e tipo de tecidos capazes de clivar a HA) e com

o grau de imunidade prévia da população infectada (Steinhoff, 2007).

2 Pandemias de gripe

As pandemias de gripe são epidemias globais provocadas por vírus influenza

do tipo A capazes de infectar o Homem e de provocar doença clinicamente

aparente e grave. Atendendo a que são provocadas por vírus completamente

novos, em resultado de variações major, virtualmente todos os indivíduos

são susceptíveis a estes vírus.

Um pressuposto fundamental para que um vírus apresente potencial

pandémico consiste na capacidade de transmissão interpessoal de forma

eficiente e sustentável (WHO, 2005), traduzida por um número reprodutivo

básico (Ro) superior a 1 (epidemia auto-sustentável).

A primeira pandemia de gripe (a “peste de Atenas”) terá sido reportada por

Tucídides, contemporâneo de Hipócrates (De Jong, 2007). Nos últimos três

séculos verificaram-se 10 pandemias de gripe (Osterholm, 2005).

Durante o século XX houve 3 pandemias de gripe: 1918, 1957 e 1968. A

pandemia de 1918, a mais mortal de toda a História Moderna, terá sido

responsável por mais de 100 milhões de mortes em todo o Mundo (Johnson

& Mueller, 2002, De Jong, 2007). Em 1918, foram registados em Portugal

55 780 óbitos por gripe e 6 730 óbitos por pneumonia (Lacerda Rascoa et

al., 2007).

Atendendo à sua elevada transmissibilidade e ao facto de virtualmente toda a

população ser susceptível à infecção, as pandemias disseminam-se

globalmente com elevada rapidez (i.e., em menos de um ano), causando

doença em pelo menos 25% da população mundial (WHO, 2005).

A emergência dos vírus influenza pandémicos resulta de dois processos

principais: recombinação genética (reassortment) e mutação adaptativa

(WHO, 2005). As pandemias de 1957 e 1968 emergiram de vírus

recombinantes, enquanto que o vírus pandémico de 1918 terá evoluído por

um processo de mutação adaptativa (WHO, 2005, De Jong, 2007, George,

s.d.).

livro riscos II vol_1151_1198 art108-7-147.indd 1187 25-10-2009 16:12:11

Page 4: Pandemia de gripe: estratégias de mitigação

1188

A elevada letalidade do vírus A(H1N1) responsável pela pandemia de 1918

pode ser explicada pelo facto de se tratar de um vírus aviário que, não

obstante este facto, adquiriu a capacidade de reconhecer os receptores

humanos da hemaglutinina (De Jong, 2007).

A pandemia de 1957 beneficiou da rede global de vigilância da gripe criada

10 anos antes quando da fundação da OMS, facto que aliado à menor

virulência do vírus A(H2N2) teve como consequência um excesso de

mortalidade global estimado em 2 milhões de mortes (WHO, 2005).

Ao contrário da pandemia de 1918 que causou um excesso de mortalidade

fundamentalmente em indivíduos jovens e previamente saudáveis, a maior

parte das mortes associadas ao vírus pandémico H2N2 de 1957 ocorreu em

indivíduos com antecedentes patológicos (WHO, 2005), tendo sido evidente

o papel amplificador da infecção na comunidade pelas crianças em idade

escolar.

Em Portugal, a 1ª onda pandémica verificou-se em Agosto de 1957, tendo

atingido o seu pico em Outubro desse ano (George, s.d.). A taxa de ataque

nacional foi estimada em 20% (George, s.d.), tendo sido substancialmente

superior na cidade de Lisboa, com mais de 41% de afectados (George, s.d.,

George, Rodrigues e Carreira, s.d). As autoridades determinaram a 8 de

Outubro, uma semana após o início do ano lectivo, o encerramento das

escolas com um absentismo superior a 50% (George, Rodrigues e Carreira,

s.d.).

Já a pandemia de 1968, causada pelo vírus recombinante H3N2, teve um

impacte ainda mais moderado, estimando-se em 1 milhão o excesso de

mortes relacionadas observado em todo o Mundo (WHO, 2005).

2.1 Determinantes do impacte das pandemias de gripe

As pandemias são acontecimentos globais cujo impacte é essencialmente

local, reflectindo-se no dia-a-dia dos indivíduos e das comunidades. Assim, a

estratégia de planeamento preconizada a nível internacional assenta na

transectorialidade (“whole of society” approach).

Não obstante o papel central desempenhado pelo sector da saúde, os

restantes sectores da sociedade (nomeadamente, as empresas, as

comunidades e as famílias) têm um papel significativo a desempenhar na

preparação e resposta pandémicas (WHO, 2009).

A instalação das pandemias é um fenómeno abrupto, sendo que as ondas

subsequentes apresentaram, muitas vezes, maior gravidade do que a onda

inicial (WHO, 2005). A 2ª onda da pandemia de 1918, com início em finais

livro riscos II vol_1151_1198 art108-7-147.indd 1188 25-10-2009 16:12:11

Page 5: Pandemia de gripe: estratégias de mitigação

1189

de Agosto, traduziu-se por uma letalidade 10 vezes superior à da 1ª onda

(WHO, 2005).

Por outro lado, até ser alcançada a imunidade de grupo, várias ondas

pandémicas “varrem” sub-populações diferentes daquela inicialmente

afectada (Steinhoff, 2007).

Ao contrário do observado na gripe sazonal, em que a mortalidade se

concentra nas idades extremas e em indivíduos com patologias prévias, a

maior parte dos óbitos em 1918-20 ocorreu em indivíduos previamente

saudáveis do grupo etário dos 15-35 anos (WHO, 2005).

A gravidade e o impacte em saúde pública das pandemias do século XX

variaram significativamente em função de características locais ou nacionais

(WHO, 2009b).

Além das especificidades geográficas (locais ou nacionais) - relacionadas,

designadamente, com as características demográficas e o estado de saúde da

população afectada - há que considerar a possibilidade da gravidade da

pandemia variar ao longo do seu curso, tornando relevante um sistema de

monitorização em saúde sensível e um sistema de avaliação do impacte

robusto (WHO, 2009b).

Do ponto de vista da saúde pública, o impacte duma pandemia de gripe

depende de três determinantes major (WHO, 2009b): o vírus pandémico e

suas características clínicas, epidemiológicas e intrínsecas (estas últimas

relacionadas com a vigilância laboratorial e incluindo a sensibilidade aos

antivirais); a vulnerabilidade da população afectada (designadamente,

decorrente do grau de imunidade pré-existente e da proporção de indivíduos

com risco acrescido de complicações); capacidade de resposta da sociedade

em geral e do sector da saúde em particular (que deverá considerar a

comunicação do risco e a capacidade de mobilização social) (Meneses de

Almeida, 2009).

A vulnerabilidade da população afectada é um dos principais determinantes

do impacte duma pandemia. Relativamente ao vírus da gripe pandémica

(H1N1) 2009 consideram-se os seguintes grupos com risco acrescido de

complicações decorrentes de infecção: grávidas, crianças (em especial com

idade inferior a 2 anos) e doentes crónicos (designadamente, portadores de

patologia respiratória ou cardiovascular grave, metabolopatias como diabetes

mellitus, deficits imunitários congénitos ou adquiridos, doenças neurológicas

ou neuromusculares e obesidade mórbida) (Nicoll e Coulombier, 2009).

Relativamente às características epidemiológicas associadas ao vírus, a OMS

refere um conjunto de indicadores relevantes que incluem a distribuição dos

casos por sexo e grupo etário e por estado de saúde, a taxa de ataque clínica,

livro riscos II vol_1151_1198 art108-7-147.indd 1189 25-10-2009 16:12:11

Page 6: Pandemia de gripe: estratégias de mitigação

1190

a letalidade, bem como o período de incubação e o número reprodutivo

(WHO, 2009b).

A caracterização clínica, no que diz respeito à evolução clínica e outcome e

aos indicadores de gravidade como a proporção de casos hospitalizados e

casos requerendo ventilação assistida estão, igualmente, entre as

características associadas ao vírus com relevância no seu impacte societal

(WHO, 2009b).

A acessibilidade a cuidados de saúde de qualidade é um dos determinantes

do impacte duma pandemia: enquanto que nos países com sistemas de saúde

robustos e equitativos o impacte duma pandemia (em termos de morbilidade

e mortalidade) pode ser modesto, em países com sistemas débeis e carentes

em recursos humanos e materiais esse impacte pode ser elevado (WHO,

2009b).

A robustez de um sistema de saúde durante uma pandemia instalada

pressupõe a capacidade de prestar os cuidados usuais de saúde à população

e, simultaneamente, garantir a prestação de cuidados ao elevado número de

doentes com gripe (WHO, 2009b).

Tendo em consideração o aumento exponencial da procura e a redução

significativa da oferta (em resultado do absentismo laboral), a resposta

apropriada poderá implicar a redistribuição de recursos e serviços, visando

assegurar a prestação de cuidados de saúde aos doentes com gripe e a

prestação de cuidados inadiáveis de saúde aos restantes doentes.

No actual contexto demográfico e assistencial, e de acordo com cenários

“pessimistas” (worst case scenario), o excesso de mortalidade atribuível a

uma pandemia de gripe pelo vírus de 1918 na actualidade e no nosso País

seria de 25 100 óbitos (Murray et al, 2006) - i.e., cerca de 2,5 vezes inferior

aos óbitos por gripe e pneumonia registados em 1918.

A elevada mortalidade verificada em 1918 dificilmente se repetirá no nosso

País e no Mundo. De acordo com Francisco George “a participação na

Guerra, um sistema de saúde sem infraestruturas hospitalares, sem

condições, sem médicos, sem enfermeiros preparados, na ausência de

medicamentos para tratar as complicações (os antibióticos não tinham

ainda sido descobertos), com poucos recursos financeiros, com grande parte

da população em extrema pobreza, a situação de Portugal era, na época,

particularmente vulnerável. Os meios disponíveis não permitiam organizar

respostas” (George, s.d.).

livro riscos II vol_1151_1198 art108-7-147.indd 1190 25-10-2009 16:12:11

Page 7: Pandemia de gripe: estratégias de mitigação

1191

3 Emergência do novo vírus A(H1N1): a pandemia de gripe de 2009

Em Março de 2009 foram capturados pela vigilância epidemiológica casos

de síndrome gripal no México, cujo número aumentou de forma sustentada

durante o mês de Abril (WHO, 2009). A 23 de Abril, foram detectados mais

de 854 casos de pneumonia na capital, dos quais 59 faleceram (WHO,

2009c).

A 24 de Abril a OMS informa que dos 18 casos mexicanos confirmados

laboratorialmente, 12 são geneticamente idênticos aos vírus de origem

porcina influenza A(H1N1) isolados de doentes da Califórnia, EUA (WHO,

2009). Este país notificou à OMS, nesta data, 7 casos confirmados de

infecção humana por este novo vírus (5 casos na Califórnia e 2 casos no

Texas) (WHO, 2009c).

Dos 45 casos fatais ocorridos no México até 20 de Maio, mais de metade

(54%) ocorreram em indivíduos previamente saudáveis, com idades

compreendidas entre os 20 e os 59 anos (WHO, 2009d).

A 27 de Abril é declarada a fase 4 do período de alerta pandémico

(correspondente a um risco médio a elevado de pandemia), tendo sido

notificados 73 casos confirmados por 4 países (Canadá e Espanha, além dos

EUA e México).

Dois dias depois (29 de Abril), em virtude da evidência relativa à

transmissão sustentada na comunidade da infecção nos EUA e México

(Região Pan-Americana de Saúde), a OMS declara a fase 5 do período de

alerta pandémico, correspondente a uma pandemia iminente.

A 11 de Junho, e cumpridos os critérios da OMS relativamente à avaliação

do risco pandémico (transmissão sustentada na comunidade em países de,

pelo menos, duas regiões mundiais de saúde) e perante quase 30 000 casos

confirmados em 74 países, a directora-geral desta agência internacional

decide declarar a fase 6 (pandemia).

De acordo com as orientações da OMS, tal pressupõe a activação dos planos

nacionais de contingência no que diz respeito a esta fase e a transição de um

estado de prontidão (fase 5) a um estado de resposta iminente (WHO, 2009).

O Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC) prevê que

a 1ª onda pandémica ocorra nos países europeus no Outono de 2009 sem

que, contudo, seja possível prever qual a proporção de infectados nesta onda

nem tão pouco quando a sua instalação ao nível de cada país (Nicoll e

Coulombier, 2009). Mesmo dentro de cada país, será de esperar que esta

onda ocorra de forma assíncrona e heterogénea (i.e., não haverá uma única

onda nacional mas antes um “somatório” de várias ondas locais, de

instalação, intensidade e duração variáveis) (Nicoll e Coulombier, 2009).

livro riscos II vol_1151_1198 art108-7-147.indd 1191 25-10-2009 16:12:11

Page 8: Pandemia de gripe: estratégias de mitigação

1192

3.1 Estratégia nacional de resposta: da “contenção” à mitigação

A 28 de Abril, a Ministra da Saúde determina a activação do Plano Nacional

de Contingência para a Pandemia de Gripe (PNCPG), documento normativo

elaborado em Março de 2007 na sequência da emergência do vírus aviário de

alta patogenicidade A(H5N1) e do alerta mundial da OMS, em Janeiro de

2005, que se lhe seguiu.

O PNCPG, elaborado pela Direcção-Geral da Saúde num contexto de

incerteza relativamente ao novo vírus pandémico, remete para as

administrações regionais de saúde, na pessoa do seu dirigente máximo, o

planeamento, preparação e resposta à pandemia de gripe no que diz respeito

ao sector da saúde e às respectivas áreas de jurisdição territorial.

Este normativo encontra-se estruturado em 4 áreas funcionais: informação

em saúde; prevenção, contenção e controlo (que inclui os planos específicos

Medidas de saúde pública, Cuidados em ambulatório, Cuidados em

internamento e Vacinas e medicamentos); comunicação; avaliação (Garcia,

2007).

Enquanto que a área funcional da prevenção, contenção e controlo está

relacionada com a resposta (pretendida) dos serviços de saúde, as áreas de

informação e comunicação estão relacionadas com as acções de apoio

necessárias a uma organização e resposta efectivas por parte dos serviços de

saúde, não só no que diz respeito à fase pandémica, mas também a todas as

outras fases de actividade gripal, incluindo a gripe sazonal (Garcia, 2007).

A 29 de Abril de 2009 é confirmado o primeiro caso de gripe A (H1N1)

2009 em Portugal (importado), sendo identificado o primeiro caso

secundário a 4 de Julho e o primeiro cluster a 5 de Julho (George et al.,

2009).

Quanto à evolução do número de casos, verificou-se um aumento

exponencial a partir de 14 de Julho (100 casos confirmados

laboratorialmente até essa data): 1000 casos um mês depois, a 14 de Agosto,

e 2000 casos na semana seguinte, a 21 de Agosto (George et al., 2009).

Em termos de distribuição etária, 78,1% dos casos (confirmados) ocorreram

em indivíduos com idade inferior a 30 anos e, no que diz respeito à sua

gravidade clínica, 95% dos casos apresentaram um quadro ligeiro (84%) ou

moderado (11%), consistente com o facto de que apenas 30% dos doentes ter

sido objecto de terapêutica específica (antiviral) (George et al., 2009).

A estratégia de gestão da pandemia assentou na sua adequação à situação

epidemiológica nacional. Até 20 de Agosto de 2009, data em que a

proporção de casos importados (i.e., de infecção adquirida no estrangeiro) é

ultrapassada pelos casos de infecção adquirida no nosso País (secundários e

livro riscos II vol_1151_1198 art108-7-147.indd 1192 25-10-2009 16:12:11

Page 9: Pandemia de gripe: estratégias de mitigação

1193

terciários) a estratégia em vigor consistiu na “contenção” mediante a

identificação de casos (e sua confirmação em laboratório de referência) e

quimioprofilaxia dos contactos próximos (a cargo das autoridades de saúde).

A partir dessa data (21 de Agosto), e por determinação da Ministra da Saúde,

a estratégia transitou para a “mitigação” mediante o tratamento e vigilância

de doentes e a gestão clínica dos casos.

A estratégia adoptada pelo nosso País foi semelhante à de outros países

europeus como o Reino Unido: a abordagem inicial - de “contenção” -

consistiu na procura activa de casos (case-finding) e localização de contactos

(contact-tracing), tendo-lhe sucedido a mitigação (gestão de casos e de

surtos na comunidade de forma semelhante à da gripe sazonal). Em

contrapartida, a abordagem nos Estados Unidos foi, ab initio, baseada numa

estratégia de mitigação (Nicoll e Coulombier, 2009).

Enquanto que a finalidade da mitigação consiste em reduzir o impacte duma

pandemia, num contexto de actividade gripal correspondente às fases 5 e 6, a

“contenção” – termo inapropriado porque quando isolado em Abril de 2009

a pandemia não era passível de contenção na fonte - tem como finalidade

prevenir a disseminação da infecção no maior número possível de situações,

mediante uma estratégia vigorosa de vigilância activa (Nicoll e Coulombier,

2009).

Já o retardamento (delaying), ainda que semelhante à “contenção”, tem

como finalidade lentificar a transmissão do agente infeccioso (Nicoll e

Coulombier, 2009), visando “ganhar tempo” - essencial até ao aparecimento

de uma vacina.

O PNCPG previu, no seu plano específico de cuidados em ambulatório, os

serviços de atendimento da gripe (SAG), serviços dedicados que têm como

objectivo prestar cuidados em ambulatório a doentes com sintomatologia

gripal em fase de pandemia instalada, minimizando o risco de transmissão da

infecção ao nível das unidades prestadoras de cuidados de saúde e

maximizando a capacidade de resposta do sistema de saúde (Mendes Nunes

e Soares, 2007).

A Administração Regional de Saúde do Centro (ARSC), instituto público

responsável pela gestão da pandemia (sector da saúde) na Região Centro,

inaugurou a 13 de Agosto os primeiros SAG tendo, progressivamente,

alargado a sua rede de serviços/consultas dedicadas da gripe a todos os

centros de saúde da Região, numa lógica de prestação de cuidados de saúde

de proximidade, numa região caracterizada por uma elevada dispersão

demográfica (ARSC, 2009).

A estratégia regional deste instituto público baseia-se em três eixos

fundamentais: capacitação em saúde (do público em geral e de públicos

livro riscos II vol_1151_1198 art108-7-147.indd 1193 25-10-2009 16:12:11

Page 10: Pandemia de gripe: estratégias de mitigação

1194

específicos); maximização da resposta do sistema regional de saúde (através,

designadamente, da prontidão dos serviços de saúde pública e da

constituição da rede de SAG); externalização da preparação pandémica a

sectores relevantes como o sector da educação ou o sector produtivo

(empresas e sectores essenciais) (Meneses de Almeida, 2009b).

4 Discussão e conclusões

As pandemias são acontecimentos globais marcados pela imprevisibilidade

quanto ao agente etiológico e quanto ao seu impacte, uma vez instaladas. As

pandemias do século XX apresentaram grandes diferenças em termos de

mortalidade, gravidade da doença e padrões de disseminação (WHO, 2005).

O impacte destas epidemias globais é tanto maior quanto maior a virulência

do agente infeccioso mas também quanto mais afectados em termos de

gravidade da doença forem os grupos etários tradicionalmente “poupados” à

gripe sazonal - como é o caso dos jovens adultos (WHO, 2005).

Apesar de a gripe ser uma doença tradicionalmente “menorizada” pelos

clínicos e mesmo pelas escolas médicas, face ao seu carácter geralmente

benigno e auto limitado, a OMS estabeleceu, quando da sua fundação em

1947, o mais antigo programa de controlo de doenças, em virtude do impacte

significativo (em termos sociais e económicos) desta doença na comunidade

e ao carácter profundamente disruptor da gripe pandémica.

O impacte da pandemia de gripe (H1N1) 2009 depende de 3 determinantes

fundamentais: características do vírus (em termos clínico-epidemiológicos e

de susceptibilidade aos antivirais); vulnerabilidade da população afectada

(grupos de risco acrescido de complicações versus grupos de risco de

infecção); capacidade de resposta do sistema social, com preponderância

para o sector da saúde.

Independentemente da letalidade dos vírus pandémicos não ser

necessariamente substancialmente superior à dos vírus sazonais, o impacte

duma pandemia é muito superior ao duma epidemia sazonal, atendendo ao

grande número de casos gerados e ao correspondente acréscimo de

hospitalizações e mortes relacionadas (Steinhoff, 2007).

A evolução, aparentemente favorável em termos de gravidade clínica, da

pandemia de gripe (H1N1) 2009 prognostica um impacte global moderado,

porventura semelhante ao da pandemia (H2N2) 1957, não obstante poder ser

substancialmente maior em países e regiões menos desenvolvidos.

Por outro lado, desde Setembro-Outubro do presente ano que o País e o

Mundo dispõem da única arma verdadeiramente eficaz para o controlo da

doença em termos da sua incidência: a vacina pandémica (monovalente).

livro riscos II vol_1151_1198 art108-7-147.indd 1194 25-10-2009 16:12:12

Page 11: Pandemia de gripe: estratégias de mitigação

1195

A estratégia nacional de “contenção”, que implicou um esforço notável, por

parte das autoridades de saúde, de localização e quimioprofilaxia de

contactos, revelou-se efectivo, tendo permitido “ganhar tempo” e ultimar a

preparação do sistema de saúde nacional, alicerçado num SNS que se

revelou robusto e efectivo.

A capacitação do público em geral relativamente às medidas não-

farmacológicas de saúde pública constantes do Plano Nacional de

Contingência para a Pandemia de Gripe/Plano específico de Medidas de

Saúde Pública – como a higiene das mãos, a etiqueta respiratória ou o

distanciamento social – é um “investimento” a longo prazo pela

inespecificidade das medidas de prevenção e controlo preconizadas (i.e.,

também aplicáveis à gripe sazonal e a outras doenças de transmissão

interpessoal).

Tendo em consideração que a adesão às medidas de prevenção e controlo

assenta na qualidade e adequação da informação veiculada (Pinheiro et al.

2007), a mitigação da pandemia de gripe, uma vez instalada no nosso País,

também depende de uma comunicação efectiva do risco ao público em geral.

Como exemplos de factores prognósticos “positivos” temos a rede global de

vigilância epidemiológica e laboratorial da gripe, as melhores condições de

vida na generalidade dos países, os avanços da tecnologia médica, a

prestação de mais e melhores cuidados de saúde e a preparação global

iniciada em 2005.

Em contrapartida, a maior prevalência de idosos e de imunodeprimidos, as

iniquidades dos sistemas de saúde e a maior facilidade de disseminação dos

agentes infecciosos (viagens aéreas) são factores prognósticos “negativos” a

um âmbito global.

Mais do que uma ameaça à saúde global, a presente pandemia de gripe

constitui uma oportunidade de cooperação internacional, intranacional e

intersectorial.

Referências

Administração Regional de Saúde do Centro, IP (2009), “Abrem hoje 10

serviços de atendimento à gripe A na Região Centro” [em linha]; Disponível

em http://www.arscentro.min-

saude.pt/Institucional/Documents/Comunicado%20SAG%20(Serviço%20de

%20Atendimento%20à%20gripe).pdf [acedido em 2009/10/04]

Chiu, S.S., Lau, Y.L., Chan, K.H. et al. (2002), “Influenza-related

hospitalizations among children in Hong Kong”. N Engl J Med, Vol. 347,

pp. 2097-2103.

livro riscos II vol_1151_1198 art108-7-147.indd 1195 25-10-2009 16:12:12

Page 12: Pandemia de gripe: estratégias de mitigação

1196

Couch, R. B., Kasel, W. P., Glezen, T.R. et al. (1986), “Influenza: its control

in persons and populations”. J Infect Dis, Vol. 153, pp. 431-440.

De Jong, M. D. (2007),”Avian influenza viruses and pandemic influenza”,

Fong, I.W., Alibek, K. (Eds) New and evolving infections of the 21st century;

New York: Springer; pp. 327-368.

Doebbeling, B. N. (1998), “Influenza”, Wallace, R.B. (Ed.), Maxcy-

Rosenau-Last Public health and preventive medicine; Stamford

(Connecticut): Appleton & Lange, pp. 107-112.

Dolin, R. (2005), “Influenza”, Kasper, D.N., Fauci, A.S., Longo, D.L. et al

(Ed.), Harrison’s principles of internal medicine; New York: McGraw-Hill

(Medical Publishing Division); pp. 1066-1071.

Garcia, A.C. (2007), “Introdução”, Garcia, A.C., Freitas, M.G. (Ed.),

Pandemia de gripe: Plano de Contingência Nacional do Sector da Saúde

para a Pandemia de Gripe; Lisboa: Direcção-Geral da Saúde, pp.19-25.

George, F. (s.d.), “Introdução ao estudo da gripe”; Lisboa: Direcção-Geral

da Saúde [em linha]; Disponível em

http://www.dgs.pt/upload/membro.id/ficheiros/i010874.pdf [acedido em

2009/10/04].

George, F., Rodrigues, B., Carreira, M. (s.d.), “Gripe em Lisboa: 1957 e

2008”; Lisboa: Direcção-Geral da Saúde [em linha]; Disponível em

http://www.dgs.pt/upload/membro.id/ficheiros/i010472.pdf [acedido em

2009/10/04].

George, F., Carreira, M., Catarino, J., Rosário, P. (2009), “Situação em

Portugal” [apresentação em powerpoint], Conferência Internacional Gripe

A: Informar para agir. Lisboa: TSF e Direcção-Geral da Saúde.

Johnson, N.P., Mueller, J. (2002), “Updating the accounts: global mortality

of the 1918-20 “Spanish” influenza pandemic”, Bull Hist Med, Vol. 76, pp.

105-115.

Lacerda Rascoa, C., Valente, P.M., Freitas, M.G. (2007), “Enquadramento

epidemiológico”, Garcia, A.C., Freitas, M.G. (Ed.), Pandemia de gripe:

Plano de Contingência Nacional do Sector da Saúde para a Pandemia de

Gripe; Lisboa: Direcção-Geral da Saúde, pp. 29-52.

Mendes Nunes, J., Soares, M.G. (2007), “Cuidados de saúde em

ambulatório”, Garcia, A.C., Freitas, M.G. (Ed.), Pandemia de gripe: Plano

de Contingência Nacional do Sector da Saúde para a Pandemia de Gripe;

Lisboa: Direcção-Geral da Saúde, pp. 171-200.

Meneses de Almeida, L. (2007), “Comunicação do risco e gestão da ameaça

pandémica”, Territorium, Vol. 14, pp. 89-96.

livro riscos II vol_1151_1198 art108-7-147.indd 1196 25-10-2009 16:12:12

Page 13: Pandemia de gripe: estratégias de mitigação

1197

Meneses de Almeida, L. (2009), “A pandemia de gripe e o sistema de

saúde”, Revista da Ordem dos Médicos, Vol. 25, nº 103, pp.36-37.

Meneses de Almeida, L. (2009b), “Resposta pandémica: estratégias de

mitigação e serviços de atendimento da gripe” [em linha - apresentação em

powerpoint]; Disponível em http://www.arscentro.min-

saude.pt/SaudePublica/Material/Documents/SAG_19Jun.pdf [acedido em

2009/10/04].

Murray, C.J.L., Lopez, A.D. et al. (2006), ”Estimation of potential global

pandemic influenza mortality on the basis of vital registry data from the

1918–20 pandemic: a quantitative analysis”, Lancet, Vol. 368, pp. 2211-

2218.

Nicoll, A., Coulombier, D. (2009), ”Europe’s initial experience with

pandemic (H1N1) 2009: mitigation and delaying policies and practices”,

Eurosurveillance, Vol. 14, nº 29, pp. 1-6.

Osterholm, M.T. (2005),”Preparing for the next pandemic”, New England

Journal of Medicine, Vol. 352, nº 18, pp. 1839-1842.

Pinheiro, C.D., Mota Miranda, A., Duarte, E., Meneses de Almeida, L.

(2007), “Medidas de saúde pública”, Garcia, A.C., Freitas, M.G. (Ed.),

Pandemia de gripe: Plano de Contingência Nacional do Sector da Saúde para a Pandemia de Gripe; Lisboa: Direcção-Geral da Saúde, pp.135-168.

Steinhoff, M.C. (2007), “Epidemiology and prevention of influenza”,

Nelson, K.E., Masters Williams, C. F. (Ed.), Infectious epidemiology: theory

and practice; Sudbury (Massachusetts): Jones and Bartlett Publishers

WHO (2005), “Avian influenza: assessing the pandemic threat”; World

Health Organization.

WHO (2009), “Pandemic influenza preparedness and response”; World

Health Organization.

WHO (2009b), “Considerations for assessing the severity of an influenza

pandemic”, Weekly epidemiological record, Vol. 84, nº 22, pp.197-212.

WHO (2009c), “Influenza-like illness in the United States and Mexico” [em

linha];Disponível em http://www.who.int/csr/don/2009_04_24/en/index.html

[acedido em 2009/07/12]

WHO (2009d), “Human infection with new influenza A(H1N1) virus:

clinical observations from Mexico and other affected countries, May 2009”,

Weekly epidemiological record, Vol. 84, N.º 21, pp. 185-196.

livro riscos II vol_1151_1198 art108-7-147.indd 1197 25-10-2009 16:12:12