os santuÁrios de asclÉpio:

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  • 1

    OS SANTURIOS DE ASCLPIO:

    EXPRESSES ARQUITETNICAS, SOCIAIS E

    RELIGIOSAS NOS SCULOS V, IV E III A.C.

    Scheila Rotondaro Koch

    Orientadora: Profa. Dra. Maria Beatriz Borba Florenzano

    Linha de Pesquisa: Espao, Sociedade e Processos de Formao do

    Registro Arqueolgico.

    2012

    Dissertao apresentada ao Programa

    de Ps-Graduao em Arqueologia do

    Museu de Arqueologia e Etnologia da

    Universidade de So Paulo

  • 2

    RESUMO

    Os Santurios de Asclpio:

    expresses arquitetnicas, sociais e religiosas nos sculos V, IV e III a.C.

    Esta pesquisa de mestrado tem como objetivo uma melhor compreenso do

    culto dedicado a Asclpio no contexto da plis grega dos sculos V, IV e III a.C.

    Pretendemos captar as transformaes decorridas no culto neste perodo de grandes

    mudanas no mundo grego. Para tanto, analisaremos os santurios de Asclpio em Epidauro,

    Atenas, Corinto, Prgamo, Messene, Cs, Agrigento, Paros, Delos e Velia no que diz respeito

    arquitetura, ao seu posicionamento no espao e em relao planimetria da respectiva plis.

    As fontes textuais, sobretudo Pausnias, sero um apoio importante no decorrer do trabalho.

    Palavras-Chave

    Asclpio Santurios Estruturas Arquitetnicas Polis - Religiosidade.

    ABSTRACT

    Asclepius Sanctuaries:

    architectural, social and religious expressions during the 5th, 4

    th and 3

    rd centuries B.C.

    This master research aims at a better understanding of Asclepius Cult within

    the Greek polis context of the fifth, fourth and third centuries B.C.

    We intend to apprehend the transformations occurred in this period of great changes

    within the Greek World. In order to so do, we will analyze ten Sanctuaries dedicated to

    Asclepius, from Epidaurus, Athens, Corinth, Pergamum, Messene, Kos, Agrigento, Paros,

    Delos and Velia. We will study their architecture, their geographical location (spatial

    ositioning) and their planimetry correlating to their poleis. The ancient textual sources, above

    all Pausanias, will be an important aid through this work.

    Keywords

    Asclepius Sanctuaries Architectural Structures Polis - Religiosity

  • 3

    AGRADECIMENTOS

    Gostaramos de agradecer algumas pessoas sem as quais este trabalho no teria sido

    possvel.

    Em primeiro lugar, Profa. Dra. Maria Beatriz Borba Florenzano, minha orientadora,

    pelo acolhimento, incentivo e sbia orientao, e a Deus, sem Ele isso realmente no teria

    sido possvel.

    Em segundo lugar, aos colegas e, principalmente, amigos Alex dos Santos Almeida,

    Lilian de Angelo Laky, Cludio Walter Gomez Duarte, Irmina Doneux Santos, Paola Zappa

    Lopez, Conceio Gomes dos Santos Borges, Leila pelo apoio nos momentos em que mais

    precisei.

    Agradecemos especialmente a Banca de Qualificao Profa. Dra. Maria Isabel

    DAgostino Fleming e Dra. Patrcia Pontin pela anlise atenta do trabalho, pelos conselhos e

    sugestes. Esperamos ter seguido as suas sugestes. E tambm Dra. Silvana Trombetta. E

    aos professores e colegas do Labeca, especialmente Ana Paula Morelli Tauhyl, pelo trabalho

    com as imagens e a elaborao da capa.

    Tambm no podemos deixar de agradecer ao pessoal do Museu de Arqueologia e

    Etnologia da USP: aos amigos da Biblioteca, Eleuza, Vanuza Gregrio, Cida Santos,

    Taia e Sandra. E a todos que nos ajudam no dia-a-dia do MAE.

    Por fim, agradecemos CAPES, pela bolsa concedida. E a minha famlia.

  • 4

    NDICE

    Resumo .................................................................................................................................... 2

    Agradecimentos ...................................................................................................................... 3

    Mapa: Localizao dos Asklepieia estudados ..................................................................... 6

    Introduo: Asclpio e Sociedade Grega................................................................................ 7

    Captulo I. Descrio da Proposta e objetivos da pesquisa.....................................................14

    Captulo II. O Culto de Asclpio............................................................................................ 22

    Captulo III. A Documentao: Apresentao dos Santurios de Asclpio

    no Mundo Grego ............................................................................................ 28

    Tabela 3.1 Quadro comparativo dos Asklepieia ..........................................................29

    Descrio dos Asklepieia ............................................................................................30

    Asklepieion de Epidauro ............................................................................... 30

    Tabela 3.2. .......................................................................................... 35

    Asklepieion de Atenas ................................................................................... 37

    Tabela 3.3. .......................................................................................... 39

    Asklepieion de Corinto .................................................................................. 43

    Tabela 3.4. .......................................................................................... 48

    Asklepieion de Prgamo ................................................................................ 50

    Tabela 3.5. .......................................................................................... 54

    Asklepieion de Messene ................................................................................. 56

    Tabela 3.6. .......................................................................................... 59

    Asklepieion de Cos ......................................................................................... 61

    Tabela 3.7. .......................................................................................... 62

    Asklepieion de Agrigento .............................................................................. 64

    Tabela 3.8. .......................................................................................... 65

    Asklepieion de Paros ..................................................................................... 69

    Tabela 3.9. .......................................................................................... 72

    Asklepieion de Delos ...................................................................................... 74

    Tabela 3.10. ........................................................................................ 74

    Asklepieion de Velia ...................................................................................... 77

    Tabela 3.11. ....................................................................................... 78

  • 5

    Captulo IV. Asclpio, a cura e o apoio religiosos em uma sociedade em transformao.

    .................................................................................................................................80

    Votos a Asclpio: os passos do caminhante em direo cura ..................................80

    Desenvolvimento do culto e do ritual de Asclpio .................................................. 86

    Transio do sculo IV para o sculo III a.C.: oficializao do culto no

    contexto da cidade helenstica ........................................................................ 94

    O Culto de Asclpio e os Cultos Orientais ...............................................................98

    Os Asklepeieia em Perodo Romano ........................................................................ 99

    Consideraes finais ............................................................................................... 101

    Bibliografia........................................................................................................................... 103

    Fontes Literrias ..................................................................................................... 103

    Referncias .............................................................................................................. 104

    Sites Consultados ..................................................................................................... 111

    Pranchas ............................................................................................................................... 112

    Prancha I Epidauro ..................................................................................................112

    Prancha II Atenas ................................................................................................... 113

    Prancha III Corinto ................................................................................................. 114

    Prancha IV Prgamo ............................................................................................... 115

    Prancha V Messene ................................................................................................ 116

    Prancha VI Agrigento ............................................................................................ 117

  • 6

    Mapa: Localizao dos Asklepieia estudados

  • 7

    INTRODUO. ASCLPIO E A SOCIEDADE GREGA

    Desde o incio deste trabalho mostramos a importncia de Asclpio como deus da

    cura, especialmente no perodo estudado e principalmente a partir do sculo V a.C., quando a

    sociedade grega vivia um momento de grave crise. Esse processo iniciou-se bem antes, no

    sculo VI a.C., com a consolidao da expanso grega pelo Mediterrneo, movimento que

    gerou modificaes importantes nas tradicionais relaes econmicas. Isto provocou nas

    cidades oligrquicas reaes que iam desde a reivindicao de direitos polticos por parte

    daqueles que enriqueceram com o comrcio at os pequenos camponeses e a mo-de-obra

    urbana, que desejavam uma revoluo social.

    Legisladores como Slon, em Atenas, e tantos outros em plis por todo o

    Mediterrneo, foram encarregados de julgar os conflitos e redigirem leis que, a partir de

    ento, eram aplicveis a todos (nomoi). Contudo, essas reformas foram insuficientes, fazendo

    surgir uma forma poltica nova: em diversas cidades, um tirano passou a ser encarregado de

    toda a autoridade para reequilibrar as instituies sociais.

    Os regimes tirnicos, mesmo o de Pisstrato fundado em Atenas, no puderam resistir

    vontade dos cidados de assumirem suas responsabilidades polticas. Atenas, tomada aqui

    como exemplo das transformaes que geraram o sistema poltico-social representado pelas

    pleis, fundou no incio da dcada de 470 a.C., em Delos, uma nova aliana ou liga de

    cidades, com um tesouro pblico comum, obtido atravs de impostos, e uma poltica militar

    tambm comum, cada vez mais determinada por Atenas.

    A guerra do Peloponeso teve como estopim a disputa pela hegemonia territorial entre

    Atenas e Esparta e a origem do confronto est no descontentamento dos espartanos com a

    atuao de Atenas na administrao do esplio da guerra contra os persas.

    A cidade de Atenas esteve em ascenso entre 463 e 454 a.C., tendo chegado muito

    prximo a total supremacia. Muitos autores denominam esse perodo como a poca

    imperialista de Atenas. Nesse momento, os atenienses afirmavam essa supremacia que

    nenhuma outra cidade conseguiu atingir e, embora o mar e as rotas comerciais estivesse sob

  • 8

    seu domnio, bem como as minas e as riquezas da terra, no conseguiram eliminar a

    concorrncia espartana no Mediterrneo Oriental.

    Ainda que vigorasse o sistema de plis, ficava evidente que a disputa entre Atenas e

    Esparta e depois entre Atenas e Siracusa eram meros reflexos da existncia de um mundo

    muito maior criado por esse mesmo sistema e que ultrapassava em muito a ideologia que

    imperava nas pequenas cidades autnomas e autossuficientes.

    As cidades gregas, de maneira geral, foram perturbadas por conflitos sociais,

    consequncia das guerras; a uma minoria de ricos comerciantes, de manufatureiros e de

    grandes proprietrios opunha-se o povo, frequentemente privado de suas terras e sofrendo

    com a concorrncia do trabalho escravo.

    A moeda de Atenas tornou-se obrigatria em todas as cidades que compunham a liga

    de Delos e a poltica imperial ateniense era determinada por Pricles. Uma brilhante poltica

    de obras pblicas foi posta em prtica.

    Passo a passo, a prpria Atenas se tornou uma cidade fortificada tanto quanto era

    possvel numa rea to extensa e com grande poderio militar; era uma cidade plena em

    obras de arte, democrtica, com dinheiro abundante, alm de ter conseguido garantir o

    comrcio com cidades norte-africanas.

    A invaso da tica pelos peloponsios, na segunda metade do sculo IV a.C., foi

    marcada por grandes destruies. Ao mesmo tempo em que a cidade era destruda por terra,

    os atenienses com seus navios sitiavam o litoral do Peloponeso; por um tempo, os atenienses

    tiveram relativo sucesso, porm, com uma segunda invaso da tica e com a desapropriao

    da zona rural, a cidade comeou a enfrentar uma epidemia de peste. Atenas definhava por

    dentro e por fora, pois enquanto os atenienses caam por terra devido guerra, a peste

    dizimava a populao no interior da cidade.

    Os filsofos manifestavam-se com relao necessidade de reformas. O indivduo

    reivindicava seus direitos e sua liberdade contra a lei cvica; o processo de Scrates em 399

    a.C. traduzia esta questo.

  • 9

    O mundo grego, ento, sentiu sua falncia poltica: oradores, Iscrates, sobretudo,

    pregavam a necessidade da unio e o fracasso das antigas alianas fez com que se pensasse

    que apenas um rei poderia agrupar o que denominavam como as foras vivas do helenismo.

    Uma contradio se estabeleceu entre o que os gregos almejavam e o que pregavam

    como ideal de vida da plis, a realidade se mostrava muito mais complexa e deficiente frente

    aos novos problemas que eles passaram a enfrentar; isso acabou levando expanso de

    prticas de religiosidade entre as quais podemos situar a difuso do culto de Asclpio.

    Com relao ao panteo grego, o sistema dos deuses era aparentemente inaltervel,

    embora todos seus elementos fossem variveis: os nomes dos deuses individuais cobriam

    mais de uma funo e seus papis variavam. Uma atribuio de Zeus em lis, por exemplo,

    poderia ser tambm uma atribuio de Atena em Atenas. O que era esperado e exigido dos

    deuses, de maneira geral, era o mesmo: chuva, po, vinho, sade fsica, curas, sabedoria

    oracular e paz.

    As contradies na natureza dos deuses individuais perturbavam apenas os filsofos,

    j que os indivduos adquiriam a sua sabedoria religiosa a partir da tradio e faziam a sua

    seleo automaticamente.

    De forma geral possvel notar que, com relao a Atenas e aos atenienses, estes

    estavam mais abertos a concepes ousadas para esse perodo, como as de Aristfanes e

    Plato. Para eles, nenhum deus era o mais importante e no seguiam um credo determinado.

    O elemento dominante neste momento de transio era a desorientao, que foi aos

    poucos geradora de uma perda de identidade. E, a partir da, podemos registrar esse apego

    renovao da religiosidade. As antigas formas da religio grega, os rituais pblicos e coletivos

    que abrangiam toda a sociedade e correspondiam a um modo de vida particular vinham

    perdendo sua fora desde o fim do sculo IV a.C., assim como muitas de suas funes vieram

    sendo assumidas pelo estado.

    Os atenienses talvez j no entendessem mais que rituais estavam praticando. Um

    claro exemplo deste quadro foi o dramaturgo Eurpedes, para quem os mitos eram colees de

    histria que perpetuavam crenas sobre concepes primitivas; o alvo de suas peas o

    negado, o vencido e sua histria.

  • 10

    Este quadro de fadiga nervosa, de ansiedade generalizada que foi sendo desenhado, foi

    a causa do posterior incremento de uma maneira diferente dos gregos vivenciarem sua

    religiosidade. Havia diversos deuses e heris que tambm atendiam s necessidades de cura

    da populao, como era o caso de Anfiarau e do prprio Apolo; curar era uma das principais

    prerrogativas de um deus, assim como a clera de um deus ou de um heri poderia

    desencadear alguma doena.

    O que particularmente surpreendente no caso de Asclpio que ele era um deus

    especializado em curar, sem outras tarefas especficas: curar sua principal e nica funo. E,

    para tanto, Asclpio estava acompanhado de suas quatro filhas, fruto de sua unio com

    Epone: ceso (a que cuida de), Iaso (a cura), Panacia (a que socorre a todos) e

    Hygieia (a sade).

    A expanso do culto a Asclpio e a fundao de novos santurios eram, levando-se em

    considerao alguns dos templos estudados como o caso do Asklepieion de Prgamo,

    prerrogativas de pessoas que tinham sido curadas e se propunham a propagar, em sinal de

    reconhecimento, o culto do deus, exaltando sua importncia (BURKERT, 2009:19).

    Ao levar isto em conta, importante considerar o potencial do apelo individual

    exercido pelo deus que, de alguma forma, atendia s necessidades das pessoas que viveram

    nos sculos V, IV e III a.C., aqui analisados, onde se deu a enorme difuso do culto.

    Um indcio interessante dessa constatao so as variaes que o nome de Asclpio

    atingiu, indo desde Asklepios forma usada em Atenas, assim como por Homero, com

    variantes como Aschlapios, Askalapios, Aisklapios, Aischlabios, Aischlapios, Aiglapios a

    Aesclapius em etrusco e Aesculapius em latim (BURKERT, 2009: 18). Isto mostra que o

    nome do deus, diferente de Heitor ou dipo, no se fundamentava em uma obra literria, mas

    tem sua funo na prtica da invocao cultual: o deus da cura necessrio na realidade

    quotidiana e seu nome difcil vem envolvido no sofrimento das doenas, sendo invocado com

    um fervor especial (BURKERT, 2009: 18).

    Asclpio atende a necessidade humana de apoio e reconforto num perodo em que o

    modelo da plis grega entra em declnio e a sociedade vem sendo sacudida por inmeras

    mudanas, tendo como principal ponto de abalo a cidade de Atenas, assolada pela peste.

  • 11

    Para compreender o desenvolvimento que atingiu o culto de Asclpio necessrio ir

    alm da preocupao com a manipulao da crena dos fiis, com o questionamento acerca do

    conceito de milagres, bem como do suporte poltico do qual ao longo do tempo muitos dos

    Asklepieia foram alvo durante a sua estruturao e desenvolvimento, o que poderia ser, em

    muitos casos, uma consequncia do aumento da demanda populacional nas pocas estudadas.

    Se partirmos do princpio da manipulao da crena, analisando a questo de maneira

    ctica, possvel ento tratar o surgimento das curas como uma coincidncia: um sucesso

    casual isolado pode promover um sucesso que vai sendo difundido, amplificado e

    multiplicado, como visto hoje em dia em certos lugares de cura.

    No caso dos santurios de Asclpio, esses pequenos sucessos se deram em diferentes

    regies do mundo antigo, com suas populaes com costumes e culturas diferentes num

    perodo total de mil anos, dos quais analisamos aqui apenas trs sculos: V, IV e III a.C. Isso

    pressupe elementos de estabilizao, a formao de uma imagem do deus, a constncia de

    interpretaes, a formao de uma estabilidade de mtodos e uma continuidade na

    organizao e na transmisso da prtica (BURKERT 2009:18).

    Se for levado em conta esse ponto de vista, possvel atribuir grande parte do crdito

    aos sacerdotes profissionais, por um lado, que viviam no santurio a custa de seus

    proventos, j que celebravam os cultos quotidianos, fenmeno estranho em relao aos

    santurios tradicionais de outras divindades. Mas, por outro lado, a propaganda exercida por

    essa casta sacerdotal surgiu e se desenvolveu graas demanda populacional grega e ao

    tratamento de cura oferecido no santurio, da a situao mercadolgica de oferta e procura

    vista posteriormente em muitos Asklepieia.

    A maneira como o culto se desenvolveu demonstra que quem o procurou estava

    atendendo, tambm, a uma necessidade humana individual: a de socorro, de ajuda num

    momento de crise, e esta necessidade pairava por toda vrias regies gregas nos sculos V, IV

    e III a.C.

    No sculo IV a.C., os orculos gregos respondiam j a questes individuais, mesmo

    em pequena escala. Neste mesmo perodo houve um considervel aumento no nmero de

    pequenos mercadores e de estabelecimentos comerciais pouco slidos na Grcia: era possvel,

  • 12

    em uma cidade, ascender ou decair na escala social com facilidade, e as polis, de maneira

    geral, prosperavam ou arruinavam-se com maior facilidade.

    Esses acontecimentos sociais provocaram novas concepes mitolgicas, novas

    formas de entend-las e explic-las. Assim, para uma anlise sria e crtica da vida, os gregos

    voltaram-se para os filsofos. Os pensadores gregos que desejassem ter suas teorias aceitas

    pelos outros precisavam emoldur-las de modo a torn-las acessveis discusso racional e

    pblica (CARTLEDGE, 2002: 383).

    Aos poucos, principalmente depois de Plato, uma relao literria foi desenvolvendo-

    se com tudo o que se referia mitologia antiga. Foi Scrates quem apresentou a filosofia a

    Plato; nativo de Atenas, Scrates tinha grande preocupao com a virtude moral ele no

    alegava conhecer a virtude, mas argumentava que o conhecimento da virtude faria a pessoa

    comporte-se virtuosamente. Agir errado, segundo Scrates, feria a alma do indivduo a

    verdadeira pessoa dentro do corpo e ningum gostaria de se ferir, ningum faria o mal a si

    prprio ou aos demais voluntariamente. O nico motivo para algum agir errado era o

    desconhecimento da verdadeira virtude. O objetivo de Scrates em suas discusses era

    dissuadir os ouvintes de que soubessem o que era a virtude, incitando-os a buscar por si

    mesmos a natureza da virtude verdadeira (CARTLEDGE, 2002: 402-405).

    A cincia e a filosofia ocidentais desenvolveram-se a partir de uma base

    fundamentalmente emprica. Os primitivos filsofos gregos tomaram como dado da realidade

    a existncia deste mundo e preocuparam-se em explicar por que era assim. Mas tambm

    partiram da suposio de que o conhecimento fazia parte do real e do eterno. Como as coisas

    deste mundo esto em constante mudana, a sua aparncia em determinado momento no

    correspondia ao que elas verdadeiramente eram. Ento, o conhecimento do mundo

    precisava identificar uma substncia fundamental que permanecesse constante, por trs de

    todas as mudanas (CARTLEDGE, 2002: 383).

    Asclpio se propunha a curar todas as doenas e os doentes se deslocavam por longas

    distncias para encontrar-se com o deus em sua busca pela cura. O mundo grego antigo foi

    aos poucos se movimentando na direo da cura; contemporaneamente a este movimento, os

    filsofos baseavam suas arguies na convico de que a razo humana pode compreender a

    ordem existente por trs das mudanas do mundo.

  • 13

    A aplicao da palavra filosofia como a conhecemos hoje nasceu no final do perodo

    clssico, principalmente sobre a influncia de Plato e Scrates, sendo aplicada investigao

    e a teorizao a respeito do conhecimento, do ser, da natureza do divino e da moral.

    Scrates, j sofrendo os efeitos provocados do envenenamento pela cicuta, pediu aos

    seus discpulos e amigos para que no se esquecessem de oferecer um galo em sacrifcio a

    Asclpio em seu nome (PLATO, Apologia). Temos aqui uma comprovao de que um

    cidado ateniense, contemporneo ao importante momento de transio mencionado, no

    gostaria de deixar sem pagamento uma dvida com o deus da cura.

  • 14

    CAPTULO I. DESCRIO DA PROPOSTA E OBJETIVOS DA PESQUISA

    A pesquisa aqui desenvolvida prope uma investigao do culto dedicado a Asclpio

    no contexto da plis grega dos sculos V, IV e III a.C. Atravs desse estudo buscamos uma

    melhor compreenso desse culto, sua estrutura, seu desenvolvimento bem como de suas

    variaes, tendo em vista o nvel de difuso atingido, que chegou a ultrapassar as fronteiras do

    mundo grego antigo.

    A opo por tal recorte temtico para o desenvolvimento de uma pesquisa de mestrado

    est relacionada, por um lado, ao interesse suscitado pela trajetria mitolgica da divindade e

    tambm ao interesse pelo culto atravs de suas particularidades contrastantes em muitos

    aspectos com a tradicional religio grega.

    O culto de Asclpio foi muito estudado, sobretudo, com relao histria da medicina

    e neste estudo muitas fontes escritas foram manuseadas.

    A proposta neste caso de tomar como objeto de estudo outro aspecto do culto que o

    estudo dos santurios, na tentativa de melhor descrever as fases dos ritos e suas

    transformaes no tempo. Isto visa o estudo da sociedade dentro do espao cronolgico dos

    sculos V, IV e III a.C., atravs da observao dos templos de Asclpio.

    O critrio para a escolha destas cidades estudadas teve por base, a disponibilidade de

    informaes suficiente que permitisse o estabelecimento de uma correlao entre elas, bem

    como de uma anlise conclusiva. A localizao geogrfica foi um fator importante, pois

    permitiu uma apreciao geral do panorama do culto no mundo grego antigo.

    Pretendemos descrever sistematicamente os santurios dedicados a Asclpio em

    Epidauro, Atenas, Corinto, Cs, Prgamo, Messene, Velia, Agrigento, Paros e Delos no

    tocante aos itens dos objetivos da redao proposta. Assim nessa descrio sistemtica a ser

    desenvolvida, procuramos estabelecer a cronologia destes santurios a partir das fontes

    materiais e textuais disponveis, comparando os vestgios arqueolgicos com as informaes

    oferecidas nas fontes textuais relacionadas a este contexto. As informaes sobre os

    santurios situados nas cidades de Epidauro, Atenas, Corinto, Messene, Paros e Delos, foram

  • 15

    obtidas basicamente na obra da autora Milena Melfi (I Santuari di Asclepio in Grecia.I), em

    que foi feita a descrio da documentao arqueolgica encontrada neles, relacionada a fontes

    literrias e epigrficas. Este contedo foi tambm relacionado a obras de autores como Roland

    Martin e Henri Metzer (La Religion Grecque), onde no captulo II e III intitulado

    Levolution Du culte dAsclepios em Grce des origines lpoque romaine, e La

    personalit dAsclepios os autores fazem uma anlise do mito do deus-heri Asclpio e

    relacionam sua trajetria mtica ao desenvolvimento do seu culto em algumas das cidades

    acima citadas, como Epidauro, Corinto, Atenas e Pergamo. As informaes relacionadas ao

    santurio de Cs ficaram restritas basicamente a relatrios de escavao, com o qual tivemos

    contato apenas parcial em funo da dificuldade de acesso e conhecimento prvio do

    contedo integral; no caso do Asklepieia de Vlia, as informaes obtidas foram extradas em

    guias arqueolgicos da regio, e finalmente no caso de Agrigento pudemos contar com o texto

    da autora Valentina Cal Santuari e Culto di Asclepio in Sicilia, inserido na publicao Il

    Culto di Asclepio nellArea Mediterranea. Atti del Convegno Internazionale. Agrigento 20-22

    novembre 2005.

    Grande parte do material mencionado na bibliografia trouxe, com relao as

    informaes sobre os santurios, no mbito de suas estruturas arquitetnicas, informaes

    fragmentadas, apenas pequenas menes a este respeito, mas servindo como base de

    confrontao para suposies levantadas em outras obras sobre o mesmo assunto. Esse foi o

    caso, por exemplo, da obra de Cerchiai, L. The Greek Cities of Magna Graecia and Sicily,

    onde, o que constava sobre o Asklepieion de Velia no passava de dois pargrafos,

    confirmando a suposio de guias arqueolgicos da regio de que, o que se considerava a

    gora da cidade antiga era, na verdade o Asklepieion.

    Acreditamos que esse culto exerce um papel de referncia para a compreenso das

    grandes alteraes na sociedade grega que se deram paulatinamente ao longo dos trs sculos

    aqui propostos para estudo. Acreditamos que o estudo das transformaes desse culto e a

    histria de sua aceitao nos permitiro uma aproximao s mudanas ocorridas na prpria

    sociedade grega.

    As bases do culto a Asclpio no recorte cronolgico aqui proposto trazem tona

    importantes manifestaes de sua forma particular e so indicaes de concepes sociais

    coletivas que se apresentavam de vrias maneiras, surgindo como referncias importantes

  • 16

    para conhecermos melhor o mundo grego do perodo em estudo, em sua ampla variao

    religiosa e cultural.

    A importncia do perodo escolhido liga-se divindade e seu contexto, em termos

    gerais, pelo processo de transformao que a medicina grega trilhou desde a sabedoria e a

    magia tradicionais das sociedades primitivas no perodo arcaico at o incio da chamada

    medicina cientfica, em que os templos de Asclpio apresentam-se como referncia e

    nascedouro de uma medicina disciplinada com conhecimentos e mtodos a serem

    transmitidos.

    A popularidade de Asclpio e a difuso de seu culto devem-se principalmente sua

    funo, j que a cura das doenas particularmente importante para os homens (BURKERT,

    1993: 416).

    Ao longo de sua expanso, o culto a Asclpio, em muitos santurios, tomou o lugar do

    culto de um deus ou de um heri j existente sem, contudo controlar totalmente os locais de

    peregrinao (SISTEGRAF & VILEDEC, 1984: 128). Em outros santurios, compartilhou

    espao com outras divindades como o caso de Apolo. Em Corinto, por exemplo, uma das

    cidades aqui propostas para o estudo, o culto a Asclpio foi articulado com um culto de Apolo

    mais antigo (BURKERT, 1993: 418).

    O culto a Asclpio, como citado anteriormente, divergia em muitos aspectos da

    chamada religio grega tradicional: pois esta no mantinha uma classe de sacerdotes como um

    grupo fechado, com processos de iniciao e com hierarquia rgidos, ao contrrio do que

    ocorria nos templos dedicados a Asclpio.

    O sculo V a.C. traz consigo um perodo de certa desorientao devido Guerra do

    Peloponeso que mobilizou boa parte dos gregos.

    Muitos camponeses abandonaram suas terras para fazer parte do exrcito; outros se

    dirigiam aos centros urbanos para fugir do ataque inimigo, como foi o caso de Atenas. Ali

    amontoados e sem condies mnimas de higiene, a peste pode proliferar. Tradicionalmente

    se explica a difuso do culto de Asclpio por essas contingncias. Por outro lado, este o

    contexto geral de incio do declnio da plis grega, modelo organizacional que vinha tendo

    sucesso j desde o sculo VIII a.C. Nesse contexto social, a tradicional religio grega com

  • 17

    seus rituais pblicos e com sua importncia no modo de vida j comeava a perder seu vigor.

    A instabilidade social se mostrava um fator resistente e generalizado. Nesse quadro o recurso

    ao panteo das tradicionais divindades gregas diminua constantemente.

    O interesse, por outro lado, crescia particularmente pelas filosofias e religies de retiro

    que propunham uma espcie de salvao individual e paz de esprito. As cosmogonias rficas

    em especial que, como outros modelos mticos que se mantiveram fixados na escrita,

    chegando aos dias de hoje, podem ser citadas como um exemplo que ilustra essa necessidade.

    Especula-se que este movimento religioso, florescido por volta do sculo VI a.C.

    sendo, portanto, ulterior aos poemas homricos e hesidicos tenha como seu fundador o

    poeta mtico Orfeu (BATISTA, 2003:74).

    Orfeu era filho de Calope a mais importante das nove musas e do rei Eagro,

    estando sempre vinculado ao mundo da msica e da poesia. Tinha como caractersticas a

    pureza sexual, os dotes musicais e o dom da profecia. As doutrinas rficas influenciaram

    vrios pensadores pr-socrticos como Pitgoras e Empdocles, por exemplo, no que se refere

    formao do Cosmos em quatro pontos:

    1. No ser humano habita um princpio divino damon, o qual se encontra cado

    no corpo por conta de uma culpa originria;

    2. Esse damon imortal e, portanto no perece com a morte do corpo, devendo

    reencarnar, sucessivamente, para que sua culpa seja expiada;

    3. O modo de vida rfico, purificador por excelncia, a nica forma de se

    interromper o ciclo de reencarnaes; e

    4. Deste modo, os iniciados recebem o merecido prmio aps a morte: a

    libertao definitiva de ciclo de reencarnaes.

    Outro exemplo claro desta crescente necessidade mostra-se no destaque dos princpios

    difundidos por Epicuro, que nasceu em Samos no ano de 341 a.C., e morreu em Atenas, em

    270 a.C. Uma forte tendncia austeridade e necessidade de reflexes mais apuradas

    pairavam em vrias partes do mundo grego neste perodo. Muitas outras concepes bastante

    semelhantes de Epicuro ganhavam vulto paralelamente (SISTEGRAF & VILEDEC, 1984:

  • 18

    128). neste contexto de desenvolvimento filosfico que podemos inserir a expanso do

    culto de Asclpio.

    A importncia do espao dos santurios de Asclpio no se restringe unicamente

    questo religiosa, mas levanta possibilidades de anlise em mbito scio-cultural relevantes.

    Atravs do perodo proposto para este estudo, e considerando as alteraes sofridas no culto

    em si, percebe-se que este espao de culto abriu-se para as mais variadas expresses humanas,

    tpicas da sociedade grega na antiguidade.

    Vinculadas ao culto de Asclpio, tinham lugar manifestaes scio-culturais que iam

    dos desportos ao canto, dana, ao teatro, e assim por diante. Eram grandes festivais que

    passaram a integrar nas pocas que propomos estudar de forma relevante a sociedade

    grega. Neste sentido, este era um culto que promovia uma grande mobilizao populacional.

    Cada templo dedicado a Asclpio os Asclepieia mobilizava nesses festivais um

    grande nmero de pessoas que vinham no apenas das proximidades, mas tambm de locais

    distantes. Assim, essa divindade promovia uma conexo, um intercmbio entre cidades. Esse

    fenmeno se repetia em vrias cidades, onde haviam se fixado templos dedicados divindade

    que se propunha a curar todas as doenas.

    Lembramos tambm que o papel de cura no se restringia apenas a Asclpio, pois

    muitos deuses atendiam aos fiis na cura de determinadas doenas. Seus templos, inclusive,

    funcionavam em muitos casos nos mesmos moldes que o santurio de Asclpio, como o

    caso do heri Anfiarau, tendo se consagrado com notveis dons profticos (RIBEIRO Jr., a).

    Asclpio est profundamente ligado ao domnio ctnico, apesar de transcend-lo,

    sendo considerado como ser duplo ctnico-olmpico (BURKERT, 1993: 405-415). Ele nasceu

    de uma mortal como filho de Apolo, teve filhos e morreu, ficou assim pertencendo ao

    domnio dos heris (BURKERT, 1993: 415-416). Assim na condio de heri deificado, que

    lhe foi conferida aps sua morte, constituiu-se a sua natureza ambivalente que gerou duas

    manifestaes cultuais diferentes no espao do santurio, atendendo a ambas vertentes do

    deus: no Templo, as oferendas eram trazidas a divindade; no tholos tinham lugar os sacrifcios

    ou enaugusmata que eram ofertados a Asclpio como heri atravs de um culto secreto

    (BRANDO, 1993, II: 91).

  • 19

    No tholos (rotunda) havia tambm um labirinto que provavelmente guardava a

    serpente, rptil que entre suas principais caractersticas, tinha para os antigos o dom da

    adivinhao ligado a seu aspecto ctnico simbolizando o renascimento ininterrupto da vida

    (BRANDO, 1993, II: 91).

    Na entrada do Hiron (recinto sagrado) em Epidauro estava gravada no alto de um

    arco com duas fileiras de colunas de mrmore a seguinte mensagem: Puro deve ser aquele

    que entra no Templo perfumado. E pureza significa ter pensamentos sadios. Baseavam-se

    nesse princpio as curas que aconteciam nos templos dedicados a Asclpio: a cura da mente

    (nooterapia); s haveria cura quando houvesse a metania (transformao dos sentimentos)

    (BRANDO: 1993, II: 91-2).

    As curas no eram efetuadas com medicamentos, mas to somente com o juzo, a

    interveno divina e a transformao dos sentimentos (metnoia); essas tcnicas eram bem

    conhecidas dos asclepades, ou sacerdotes de Asclpio, muito mais pensadores profundos que

    mdicos, haviam feito um grande progresso no que tange psicossomtica e a nooterapia.

    Os asclepades partiam do princpio de que a Harmonia e a Ordem divina exercem

    influncia sobre a sade psquica e corporal, assim recomendavam sempre aos doentes que

    pensassem santamente, acreditando que, quando nossa conscincia se mantm em estado de

    pureza e harmonia, o fsico torna-se, necessariamente, so e equilibrado (BRANDO, 1993,

    II: 92).

    Um bom exemplo para a validao desses conceitos encontrado em Plato em O

    Banquete (186 d) pelas palavras do mdico-filosofo Erixmaco. Era, portanto, o equilbrio

    psquico o medicamento de uma cura irreversvel (BRANDO, 1993, II: 92).

    Os sonhos, por sua vez, tinham tambm sua importncia ligada a esse contexto. Esse

    processo conhecido como Enkomesis (ao prtica de deitar e dormir) aconteciam no baton

    (santurio) sendo atravs deles que, muitas vezes acreditava-se acontecer o contato entre a

    divindade e o enfermo.

    Os santurios dedicados a Asclpio como Epidauro, contavam com um Odon,

    pequeno teatro fechado, onde se ouvia msica e se ouviam poetas; um estdio para as

  • 20

    competies esportivas que se realizavam de quatro em quatro anos; um ginsio para

    exerccios fsicos e um teatro (BRANDO, 1993, II: 92).

    Havia assim uma comunho entre cerimnias cultuais e culturais; as doxologias (hinos

    laudatrios) eram entoados pelos sacerdotes que dessa forma reforavam o sentimento

    religioso dos peregrinos e, o ritmo da msica, da dana e da poesia eram utilizados por seu

    alto valor tranqilizante e seu efeito teraputico imediato sobre a alma e o corpo

    (BRANDO, 1993, II: 93).

    O culto dos heris, tal como o culto dos mortos classificado como o plo oposto

    ctnico da venerao dos deuses. Contudo, mesmo que seu tmulo no tivesse qualquer

    papel como no caso dos tmulos de heris, Pndaro tambm o denomina hers. O culto aos

    mortos e o culto de mistrio eram parte do componente ctnico de origem Neoltica (anterior

    a 3000 a.C.), portanto ligado fertilidade da terra (BURKERT, 1993: 388-400).

    A venerao a Asclpio em toda a Grcia esta diretamente ligada a Apolo

    (BURKERT, 1993: 416). Em Epidauro, Apolo Maleatas que tem seu santurio ligado

    tradio micnica. Portador da sade e da salvao pessoais nesse mundo (BURKERT, 1993:

    418), Asclpio mencionado na Ilada relacionado a seus filhos mdicos, Podalrio e

    Macaon, como sendo o mdico sem mcula, sendo da Ilada provenientes as mais antigas

    informaes sobre os chamados heris-mdicos (RIBEIRO Jr., b).

    A Asclpio, Homero dedica um hino:

    O mdico das doenas, Asclpio, comeo a entoar,

    filho de Apolo, que diva Corina, filha de Flgias,

    o rei, deu luz, no plano de Drio,

    para grande alegria dos homens; alvio das ms dores.

    Tambm tu assim te alegra, Senhor, suplico-te como canto.

    (apud MASSI, 2006)

  • 21

    Na medida em que nosso objetivo de estudo est situado simultaneamente no mbito

    da historiografia e da arqueologia, sob o olhar da cultura material respectiva estruturao

    arquitetnica e distribuio no contexto da cidade grega, de grande valia ter-se como

    referncia o papel dos templos dedicados a Asclpio, inseridos nos domnios da histria da

    cidade grega.

    Atravs desse foco possvel traar uma trajetria que possibilita a compreenso do

    perodo histrico que encerra os sculos V, IV e III a.C., permitindo-nos observar o

    desenvolvimento do culto, dentro de um quadro histrico entre os acontecimentos que

    movimentaram a sociedade grega naquela poca.

    A importncia de um contato mais prximo com a maneira como se estruturava a

    cidade grega, em suas mais diversas nuances apresenta ao estudioso do mundo grego uma

    possibilidade de compreenso espacial de grande importncia para o nvel de aprofundamento

    que atinge o interesse pela sociedade grega e suas repercusses no mundo ocidental de forma

    geral.

    No caso da proposta aqui sugerida possvel ainda contarmos com referncias

    materiais, como sinetes e lacre de nfora que foram encontrados no santurio de Agrigento,

    oferecendo tambm uma generosa possibilidade de aprofundamento no tema graas aos

    trabalhos de pesquisa nos stios arqueolgicos, o que permitiu uma melhor compreenso do

    contexto estudado.

    Procuramos atravs desta pesquisa estabelecer a planimetria dos santurios na plis, e

    atravs do material obtido promover a comparao entre os vrios vestgios arqueolgicos e a

    definio de um padro para cada perodo dentro do espao de tempo sugerido.

    O corpus documental a ser estudado consiste basicamente em duas sries: de natureza

    arqueolgica, os relatrios/ plantas de espaos ocupados pelos templos de Asclpio nas

    correspondentes cidades propostas para o estudo; de natureza bibliogrfica, as fontes escritas

    so de fundamental importncia para este trabalho. Pretendemos usar todos os autores que

    mencionam informaes a respeito dos templos e das cidades propostas para estudos dos

    respectivos templos em cada uma delas, citados posteriormente na bibliografia.

  • 22

    As obras de autores relacionadas a Asclpio como divindade e s variaes na

    trajetria do mito, toda a espcie de referncia espacial e arquitetnica a respeito do templo

    em sua respectiva cidade, estilo da construo, alteraes na arquitetura, foram de

    fundamental importncia.

  • 23

    CAPTULO II. O CULTO DE ASCLPIO

    No que se refere a Asclpio, ou a Esculpio dos latinos, existe uma grande disparidade

    com relao s lendas de seu nascimento. O deus-heri da medicina na verso mais

    frequente de Pndaro era filho do deus Apolo e de Cornis, filha do rei Flgias da Tesslia.

    Grvida de Apolo, Cornis ento cedeu ao amor de um mortal, squis, filho de lato

    (GRIMAL, 2000: 49-50).

    Tendo sido avisado por uma gralha, um corvo (ou ainda por sua intuio), Apolo

    matou-a e, no momento em que seu corpo seria queimado, arrancou-lhe do ventre a criana

    ainda viva.

    Outra verso do nascimento de Asclpio existia para explicar por que razo Asclpio

    era o grande deus de Epidauro, no Peloponeso: nela, Flgias descrito como ladro que

    chegara a esta regio para se inteirar de suas riquezas e dos meios delas se apoderar. Flgias

    vinha acompanhado de sua filha que fora, no decurso da viagem, seduzida por Apolo, dando

    luz em segredo a um filho, na regio de Epidauro, junto a uma montanha chamada Mrtio,

    onde em seguida o abandonara (GRIMAL, 2000: 49-50). Mas uma cabra veio amamentar a

    criana e um co guard-la. Um pastor de nome Arestanas, a quem pertencia a cabra e o co,

    encontrou o menino e espantou-se com o brilho que o envolvia. Compreendeu que estava

    diante de um mistrio, no ousando recolher o beb, prosseguiu sozinho.

    Havia ainda outra verso em que Arsone, filha de Leucipo, era apresentada como me

    de Asclpio. Esta vinha de tradio micnica que procurava harmonizar-se com as outras,

    assegurando que a criana era filha de Arsone, mas tinha sido alimentada por Cornis

    (GRIMAL, 2000: 49-50).

    Conta a tradio que Asclpio foi confiado ao Centauro Quron, que lhe ensinou a

    medicina. Asclpio teria adquirido grande destreza nesta arte, descobrindo inclusive como

    ressuscitar os mortos (GRIMAL, 2000: 49-50).

    Na verdade, ele recebera de Atena o sangue que escorrera das veias da Grgona;

    enquanto as veias do lado esquerdo espalharam um veneno violento, o sangue do lado direito

  • 24

    era benfico e Asclpio sabia utiliz-lo para dar vida aos mortos. O nmero de pessoas que ele

    ressuscitou, deste modo, teria sido considervel.

    Zeus, o pai dos deuses temendo que fosse alterada a ordem do mundo com essas

    ressurreies fulminou Asclpio com um raio. Por vingana, Apolo matou os Ciclopes, os

    ferreiros que fizeram o relmpago, e Zeus estava beira de destruir Apolo quando Leto se

    interpe entre eles e conseguiu a reconciliao: Apolo teve de evitar os deuses durante um ano

    e trabalhar como servo a servio de Admeto, o mortal marido de Alceste. Assim o mito

    regressa a Tesslia. Existe assim uma correspondncia curiosa entre o incio e o fim do mito:

    Apolo salva uma vida da pira de fogo, mas a vida que aspira imortalidade interditada pelo

    fogo celeste que lhe impe um limite irrevogvel (BURKERT, 1993: 417).

    Alguns testemunhos tardios mostram Asclpio participando na caada de Clidon na

    expedio dos Argonautas. Mas, de maneira geral Asclpio permanece afastado dos ciclos

    lendrios.

    So atribudos a Asclpio dois filhos, como j dissemos acima, os dois mdicos

    Podalrio e Macaon, j referidos na Ilada. Fases posteriores da lenda atribuem-lhe uma

    esposa, pione, e as filhas Aceso, Iaso, Panacia, Egle e Higiia (GRIMAL, 2000: 49-50).

    Por volta de 500 a.C. foi construdo o santurio de Epidauro, plis que, alm de

    remeter todos os outros santurios a segundo plano visto ser pan-helnico (HANSEN &

    NIELSEN, 2004: 607) e assumir-se como centro e ponto de partida de toda a venerao de

    Asclpio, tambm se apoderou do mito de nascimento desta divindade.

    O culto de Asclpio, que se verifica na Tesslia, em Trica, onde uma das tradies

    aponta a sua origem, fixou-se a partir daqui principalmente em Epidauro, no Peloponeso,

    onde se desenvolveu uma verdadeira escola de medicina, cujas prticas eram, sobretudo,

    mgicas, mas que preparou o advento de uma medicina mais cientfica. Esta era praticada

    pelos Asclepades, ou descendentes de Asclpio (GRIMAL, 2000: 49-50).

    Assim, no sculo IV a.C., Epidauro construiu, atravs da propaganda e confirmao

    dirigidas aos visitantes e dos registros dos feitos do deus, um dos santurios mais suntuosos

    da Grcia, com o mais belo dos teatros gregos. O culto de Asclpio, no sculo IV a.C., j

  • 25

    havia chegado a Atenas vindo de Epidauro, tendo sido nesse perodo que ocorreu a grande

    peste.

    As insgnias usuais de Asclpio eram a serpente ao redor de um basto, as pinhas, a

    coroa de loureiro, uma cabra, um co e um galo.

    Ao contrrio de outros deuses com suas personalidades complexas, Asclpio deve seu

    estatuto e sua popularidade a uma nica funo particularmente importante para os homens, a

    cura de doenas (BURKERT, 1993: 417).

    A par da tradio da Tesslia, existiam pretenses especiais da Messnia em relao a

    Asclpio. No sculo V a.C., os mdicos de Cs alcanaram grande fama, entre os quais se

    destacou o nome de Hipcrates. Esses mdicos denominavam-se Asclepades, sucessores de

    Asclpio. Nessa localidade, organizavam-se em tribos, onde cada novo discpulo que

    ingressava na tribo era adotado (BURKERT, 1993: 417).

    Aps a construo da capital de Cs, em 366/5 a.C., foi fundado tambm um novo

    santurio em honra a Asclpio, o qual gradualmente tornou-se cada vez mais suntuoso. Por

    volta de 500 a.C., foi construdo o Santurio de Epidauro, plis que, alm de remeter todos os

    outros santurios a segundo plano, tornou-se o centro e o ponto de partida de toda a venerao

    a Asclpio, apoderando-se, tambm, do mito de nascimento da divindade.

    Mais tarde foi fundado um Asclepieion em Prgamo que, no perodo Imperial

    Romano, superou todos em importncia (BURKERT, 1993: 417). Os templos dedicados a

    Asclpio se multiplicaram muito na Grcia e Pausnias menciona sessenta e trs em sua obra

    (SAGLIO, 1892: 470-472).

    No princpio os Asclepades ou sacerdotes mdicos do santurio de Asclpio

    ensinavam apenas a seus filhos os conhecimentos medicinais que haviam recebido de seus

    pais, de modo que a arte da medicina passava de pai para filho e se conservava nas famlias

    sacerdotais. Era uma educao domstica e de iniciao que no saa dos templos dos quais os

    sacerdotes tinham o monoplio (SAGLIO, 1892: 470-472). Os testemunhos de Hipcrates e

    de Galieno no deixam ponto de dvida sobre este fato. Mas igualmente certo que muito

    tempo antes do tempo de Hipcrates, os profanos conheciam a arte de curar como o caso do

  • 26

    heri Anfiarau. J Licurgo queria que os mdicos fossem ligados s armadas da Lacedemnia;

    diversos autores acreditam que estes mdicos seriam os Asclepades.

    Acreditamos que estes sacerdotes exerciam a medicina fora dos templos como prova o

    exemplo de Hipcrates (SAGLIO, 1892: 470-472). Com efeito, Hipcrates pertencia ao

    sacerdcio medical e viajava pela Grcia praticando a medicina como ele prprio nos informa

    em seus textos.

    Os Asclepades saam dos templos para ver os doentes e tambm para ensinar alunos

    estranhos casta sacerdotal, como mostrou Plato com relao a Protgoras (SAGLIO, 1892:

    470-472).

    Os Asclepieia em geral se estabeleciam em lugares salubres e agradavelmente

    situados. Em frente ao templo estavam as dependncias onde ficavam os doentes suplicantes

    do deus; mais adiante poderia ser construda uma edificao circular em mrmore branco,

    chamada tholos, dentro da qual se achava um grande nmero de colunas sobre as quais se

    inscrevia os nomes dos doentes curados pelo deus, as doenas pelas quais eles haviam vindo

    ao templo e a maneira como eles haviam sido tratados (SAGLIO, 1892: 470-472). Assim a

    descrio do Asclepieion em Epidauro dada por Pausnias.

    Antes de serem aprovados no templo ou nas consultas, os doentes que procuravam o

    Santurio eram submetidos s prticas higinicas revestidas de um ritual religioso. Durante o

    processo de preparao, passavam por jejuns mais ou menos rigorosos e prolongados que

    chegavam a durar vrios dias, pela lavagem do corpo com finalidade de purificao religiosa,

    alm de banhos, unes e purificaes variadas aps os sacrifcios (SAGLIO, 1892: 470-472).

    Essa preparao j consistia no incio do tratamento, devendo ser pontualmente

    executada pelos doentes. Uma vez completados estes atos preliminares permitiam ao doente

    ou suplicante ser admitido no templo para pernoitar que era chamado a incubao.

    Frequentemente seu local de descanso no templo era a pele do animal levado pelo prprio

    doente para o sacrifcio. Havia casos em que existiam leitos no espao ao lado da esttua de

    Asclpio.

    Durante a noite, o deus aparecia-lhes prescrevendo os remdios necessrios. No dia

    seguinte os doentes contavam aos sacerdotes a viso que haviam tido e o tratamento ordenado

  • 27

    pelo deus. Os sacerdotes faziam a interpretao e submetiam os pacientes a prescries

    determinadas. Os tratamentos prescritos por Asclpio eram frequentemente inofensivos certas

    circunstncias eram prescritas fortes sangrias, cicuta, vomitrios e purgativos.

    Os doentes curados faziam quase sempre oferendas e deixavam os ex-votos ou ainda

    jogavam peas de ouro ou prata na fonte.

    Para compreendermos como se davam estes acontecimentos, no captulo seguinte

    detalharemos atravs dos dados levantados as informaes relativas ao desenvolvimento dos

    dez templos aqui estudados, analisando-as atravs da documentao coletada em sua relao

    com o espao da cidade em que est localizado.

  • 28

    CAPTULO III.

    A DOCUMENTAO: APRESENTAO DE DEZ SANTURIOS DE

    ASCLPIO NO MUNDO GREGO

    Neste captulo pretendemos analisar a documentao que reunimos em nosso

    levantamento. Com base nessa anlise e nas questes propostas, procuramos entender o

    processo de surgimento e desenvolvimento dos dez santurios de Asclpio aqui propostos

    para estudo dentro do perodo escolhido para anlise.

    Para tanto, baseamo-nos no material encontrado que estruturamos, de acordo com os

    dados cronolgicos, as concluses descritas em relatrios de escavao por estudiosos que

    foram a campo, alm das fontes literrias. Procuramos estabelecer conexes que possam nos

    levar a compreender o processo de criao, desenvolvimento e abandono dos santurios em

    questo.

    Os santurios propostos para esse estudo so os das cidades de Epidauro, Atenas,

    Corinto, Messene, Prgamo, Cs, Agrigento, Paros, Delos e Vlia. Apresentaremos um

    quadro comparativo inicial desses dez santurios (Tabela 3.1) para, a seguir, descrevermos

    cada um deles individualmente.

  • 29

    Tabela 3.1. Quadro Comparativo dos Asklepieia

    Santurios Localizao

    Cronologia Estruturas Templos

    de Divindades Componentes

    Fontes (autores) Vestgios que apontam

    para perodos anteriores na cidade no relevo

    Epidauro Fora da cidade Plancie IV a.C. a IV d.C.

    Katagogeo, banheiros, ginsio, templos de rtemis,

    de Tmis, de Apolo, de Asclpio, epitodeo, tholos,

    encoimeterion, estdio, BAnhos, biblioteca, templo de Afrodite, cisterna, poo e

    propileu

    rtemis, Tmis, Apolo, Afrodite e deuses

    desconhecidos; Musas

    Plutarco: Quaest. Conv. IX 14, 3-4; Sylla 12; Pomp. 24; Diod. 38,7; Liv. XLV, 28; Pausnias II 27,1-7; II 27, 25; II 26,4; II 10,2; II 30,4; II 30, 7 e 32,10; III 17,9; IX

    7,5; VIII 37,1; X 24,4

    Vestgios cultuais do perodo micnico e

    geomtrico

    Atenas Dentro da cidade Plancie, ao

    lado da acrpole

    V a.C. a 267 d.C.

    Templo de Asclpio e Higieia

    Asclpio-Higieia, Tmis Xenof. Mem. III, 13,3; Pausnias I 21; I

    22,1; Dio Cass. XLII 14, 1 Inexistente/no encontrados

    Corinto Dentro da muralha

    da cidade Planalto

    V a.C. a III d.C.

    Templo de Asclpio, altar, thesauros,fonte, baton ou encoimeterion, sala lustral,

    Lerna e hestiatoria

    Asclpio e Apolo (depsito votivo)

    Pausnias II 4,5 Inexistente/no encontrados

    Prgamo

    Fora da cidade Cercado por uma barreira rochosa

    (perodo helenstico)

    Plancie IV a.C. a

    II d.C.

    Templo, fonte, uma barreira rochosa e os

    cmodos ou cmaras de incubao

    Asclpio Soter, Apolo Kalliteknos, Cornis, Panacia, Eurostia

    (sade forte), Telesforo, rtemis, Leto, Hcate,

    entre outros

    Inexistente Vestgios de assentamento

    da Idade do Bronze

    Messene Inserido na malha urbana da cidade

    Plancie III a II a.C. Templo de Asclpio, altar

    (bomos), sto, oikoi, propileu, eclesiastrio

    Asclpio e esttuas de Apolo, Hracles, rtemis

    e Epaminondas (?)

    Pausnias II 11,8; IV 31,6-7; IV 31,10; IV 31, 11

    Vestgios de perodo arcaico (sculo VII a.C.)

    Cs Fora da cidade Plancie IV a II a.C. Varanda menor (terrao II)

    e os edifcios E, C e D Asclpio Inexistente Inexistente/no encontrados

    Agrigento Fora dos muros da

    cidade Plancie V a.C.

    Templo, altar, thesauros, cisternas, poos, prtico com oikoi, katagogeos e

    baton com dois hestiatoria, propileu e fonte

    Asclpio, Juno da Concrdia e Hracles

    Inexistente

    Vestgios encontrados na rea nordeste do complexo

    que apontam para a presena de uma camada de material do perodo arcaico

    Paros Fora da cidade Colina a 100

    metros do mar

    IV (terrao inferior) e III a.C. (terrao

    superior)

    Edifcio, ptio, altar, 2 reser-vatrios dgua e 2 xedras

    Asclpio e Apolo Ptio Inexistente

    Vestgios de texto em escrita local, esculpidos em

    base de pedra redonda, datados do perodo arcaico

    Delos Fora da cidade Costa

    ocidental da ilha

    IV a II a.C. Templo, propileu,

    hestiatorion, oikos, oikema, peristilos norte e sul

    Asclpio, tambm cultu-ado em santurios de

    divindades estrangeiras Inexistente Inexistente/no encontrados

    Vlia Dentro da cidade rea central

    da antiga cidade

    III a.C. Asklepieion, fonte

    helenstica Asclpio Inexistente Inexistente/no encontrados

  • 30

    DESCRIO DOS ASKLEPIEIA

    Os Asklepieia aqui estudados em suas particularidades cronolgicas e

    arquitetnicas se apresentam entrelaados atravs de conexes nestes dois aspectos. A

    anlise que se segue baseada em relatrios de escavao, estudos aprofundados sobre

    cada um deles, fontes epigrficas e referncias encontradas em outros Asklepieia.

    ASKLEPIEION DE EPIDAURO

    O santurio de Asclpio foi construdo na plancie abaixo do topo do monte

    Kynortion (Planta 1; sem informao sobre a relao com o assentamento urbano, mas

    apenas da relao do Asklepieion com o Santurio de Apolo Maleatas). Vestgios

    encontrados nas escavaes apontam para conexes cultuais com o santurio de Apolo

    Maleatas, onde foram encontradas estruturas que apontam para o perodo Micnico; este

    santurio estava localizado no topo do monte Kynortion. A Planta 2 indica os principais

    edifcios do Santurio, porm no perodo romano. Do perodo estudado, so as plantas 3

    a 5. Pausnias menciona que o Asklepieion ficava fora da cidade (PAUS. II 26,10), mas

    contava com uma via de acesso a ela que partia do propileu. Por volta do sculo V a.C.,

    o santurio j contava com os principais edifcios para que as atividades cultuais

    funcionassem plenamente.

  • 31

    Planta 1. Epidauro: Asklepieion e Santurio de Apolo Maleata (MELFI, 2007: 18)

  • 32

    Planta 2. Santurio no perodo romano, com indicao dos principais edifcios.

    (Banco de imagens do Labeca)

    Planta 3. Asklepieion de Epidauro no final do sc. V a.C. (MELFI, 2007: 26)

  • 33

    Planta 4. Asklepieion de Epidauro no final do sc. IV a.C. (MELFI, 2007: 32)

    Planta 5. Asklepieion de Epidauro no sc. III a.C. (MELFI, 2007: 46)

  • 34

    No Asklepieion de Epidauro, os restos arqueolgicos encontrados esto

    conservados, em grande parte, no nvel da fundao, tendo sido submetidos a um grande

    nmero de transformaes e reutilizaes. Os mais antigos vestgios relativos a prticas

    semelhantes s desenvolvidas no Asklepieion de Epidauro foram encontrados no topo do

    Monte Kynortion, por volta da metade do sculo VIII a.C. Segundo as referncias

    (LAMBRINOUDAKIS, 1974; PAPADIMITRIOU, 1948; apud MELFI 2007: 29), as

    caractersticas do culto vieram se mantendo as mesmas desde o perodo micnico pela

    prtica de sacrifcios e banquetes; tambm foram encontrados instrumentos mdicos, e

    os mais antigos dados epigrficos so datados entorno de 460 a.C. Da segunda metade

    do sculo VI a.C. so datadas as primeiras atestaes epigrficas de um culto na base do

    Monte Kynortion, onde foram encontrados um pequeno altar de cinzas em frente a uma

    pequena capela, um poo e vestgios de uma pequena sto feita com material perecvel.

    O santurio localizado no topo do Monte Kynortion, no sculo V a.C., apresenta

    registros de culto a Apolo definido como Ptio e as primeiras comprovaes de culto

    s musas (Mnemosina). Alm da conexo de Apolo com as musas, j conhecida desde o

    sculo V a.C., existem confirmaes da ligao com um culto dlfico por excelncia: a

    presena de Dioniso, que est intimamente ligado a Apolo no mito dlfico em uma das

    dedicatrias atribudas a Zeus nas inscries do Monte Kynortion. Assim, ao contrrio

    do que foi afirmado na literatura arqueolgica, existem dados epigrficos que nos

    permitem acreditar numa prioridade cronolgica de Apolo Kynortion a Asclpio na

    regio em que se localizam os dois santurios. O surgimento do culto de Asclpio em

    Epidauro , de fato, quase contemporneo ao de Apolo Ptio que, por sua vez, no

    parece ter uma ligao contnua desde os tempos pr-histricos para o topo do

    Kynortion (MELFI, 2007: 30).

    Na segunda metade do sculo IV a.C., foram encontradas quatro estelas

    contendo descries de curas miraculosas que teriam acontecido no Asklepieion de

    Epidauro, coincidindo com o perodo de sua monumentalizao. Em Epidauro, nota-se,

    atravs das dataes, que a maior parte das estruturas do santurio foi construda a partir

    do sculo IV a.C.: os banheiros, o Templo de rtemis, o Templo de Tmis, o Templo de

    Apolo Ptio, o Templo de Asclpio, o altar de Asclpio, o Epitodeo, o tholos, a

    Biblioteca, o Templo de Afrodite e a Cisterna, momento em que se deu um grande

  • 35

    processo de ampliao do santurio, constituindo-se no auge de sua monumentalizao

    (Tabela 3.2).

    Tabela 3.2. Asklepieion de Epidauro

    Estruturas Cronologia

    Sc. V a.C. Sc. IV a.C. Sc. III a.C.

    Katagogeo X

    Banheiros X

    Ginsio X

    Templo de rtemis X

    Templo de Tmis X

    Templo de Apolo (Ptio) X

    Templo de Asclpio X

    Altar de Asclpio X

    Epitodeo X

    Tholos X

    Encoimeterion (sto de incubao) X

    Estdio X

    Banhos X

    Biblioteca X

    Templo de Afrodite X

    Cisterna X

    Poo X

    Propileu X

    Muros no h no h no h

    Do sculo V a.C. constam apenas o encoimeterion (ou sto de incubao), os

    banhos e o poo; estas estruturas, que se mantiveram em uso para alm do sculo III

    a.C., j eram suficientes para a execuo do trabalho de cura no santurio.

    Houve, em Epidauro, no sculo IV a.C., a ampliao do santurio, com a

    renovao e reforma dos edifcios e a construo de edifcios novos. Infelizmente no

    foram encontradas descries detalhadas sobre quais construes sofreram que tipo de

    modificaes. possvel inferir, nesse caso, tendo em vista a reforma monumental que

    aconteceu nesse perodo, que houve o aumento de popularidade do culto. Em meados do

    sculo III a.C. foram construdos o katagogeo (estrutura de acolhimento dos fiis) e o

    ginsio. A construo do ginsio e do katagogeo sugere uma sofisticao do ritual

  • 36

    seguido no santurio, com pousada estruturada para a recepo de peregrinos,

    hestiatrion para banquetes sacrificiais, poos, fontes e banheiros construdos perto do

    edifcio de recepo ao santurio. Estas estruturas, entretanto, bem como o sistema de

    abastecimento de gua foram destrudas no sculo I a.C. quando houve uma destruio

    quase completa do Asklepieion, o que sugere que uma verdadeira ruptura ocorreu nas

    atividades tradicionais de culto. Essas mudanas profundas provavelmente

    pavimentaram o caminho para as formas no tradicionais de culto certificadas em

    perodos sucessivos (MELFI, 2007: 82).

    O katagogeo e o ginsio caram no abandono e sofreram renovaes e alteraes

    no perodo imperial como parte do programa de reconstruo iniciado pelo imperador

    Antonino.

    O sculo I a.C. foi um perodo em que a popularidade do culto e do Santurio de

    Asclpio parece ter chegado ao seu nvel mais baixo. H referncias epigrficas de

    apenas sete dedicatrias, sendo duas do mesmo funcionrio do santurio, duas outras de

    celebrao a um scio honorrio e as demais de homenageados entre as famlias mais

    proeminentes de Epidauro. Nesse importante perodo, perceptvel a transio da

    iniciativa pblica para a liberalidade privada, sendo caractersticas deste movimento o

    aumento das inscries relativas aos trabalhos de alguns personagens e a prtica de

    reutilizao de antigos monumentos. Estes fenmenos so confirmados pelas fontes

    literrias relativas ao Asklepieion (Diodoro, Plutarco e Pausnias), fontes estas que

    tambm descrevem um quadro de saques e destruies, confirmado arqueologicamente.

    No incio do sculo I d.C., os monumentos e as oferendas votivas foram

    saqueados pois estavam em completo abandono. A causa de tal destruio tem sido

    atribuda, com base em fontes literrias, tanto ao saque de Silas como s incurses

    piratas na regio. No ano 74 d.C., M. Antonio Creticus instalou um presdio militar

    romano na cidade de Epidauro.

  • 37

    ASKLEPIEION DE ATENAS

    O Asklepieion est localizado na encosta sul da acrpole de Atenas, portanto

    dentro da sty, entre o teatro de Dioniso e o Odeon de Herodes tico (Planta 6,

    destacado).

    Planta 6. Cidade de Atenas (Banco de imagens Labeca)

    As estruturas que compem o santurio ficavam cercadas por um muro de

    perbolo e as paredes da sto augusta, tendo como nico acesso o propileu (Planta 7). A

    primeira entrada direita do propileu d acesso ao interior da sto augusta, o templo

  • 38

    dedicado a Asclpio e Hygieia, o altar, a sto drica e o bothros (fosso para libaes e

    sacrifcios). A esquerda do propileu, a entrada pela sto jnica d acesso rea cercada

    pelo muro de perbolo e fonte. O acesso ao propileu se dava atravs do peripatos ou

    entrada principal (TRAVLOS, 1971). Pausnias menciona que o santurio era digno de

    ser visto por todas as esttuas do deus e de suas filhas e pelas pinturas, fala tambm de

    uma fonte e da existncia entre o santurio e a acrpole de um templo dedicado a Tmis

    (PAUS. I, 21.; I, 22,1).

    Planta 7. Asklepieion de Atenas (MELFI, 2007: 317)

    Com relao ao Asklepieion de Atenas, existe uma vasta literatura cientfica com

    numerosos estudos sobre questes arquitetnicas, epigrficas e histrico-religiosas

    (MELFI, 2007: 313-314).

    Durante a grande peste de 429 a.C., a Paz de Ncias restaurou o relacionamento

    amigvel entre as cidades de Atenas e Epidauro, possibilitando que, no ano 420 a.C., o

    culto de Asclpio fosse trazido para Atenas, pelo porto de Zea, no Pireu, onde o

    primeiro Asklepieion da tica foi fundado.

  • 39

    A cidade de Atenas recebe Asclpio e sua pliade de divindades salutares

    vindas de Epidauro em um momento de emergncia sanitria e desiluses profundas

    pelo curso dos eventos. Com base na documentao epigrfica, o surgimento da prtica

    do culto a Asclpio no sop da Acrpole pode ser colocado entre o sculo IV a.C. e

    meados do sculo III d.C. (Melfi 2007: 408). Dentro desse perodo, o momento de

    maior sucesso do culto se deu entre a metade do sculo IV a.C. e o sculo I-II d.C.

    (Tabela 3.3).

    Em 300 a.C. e na primeira metade do sculo I d.C., em funo da necessidade de

    expanso, reestruturao e recepo de visitantes, foram realizadas intervenes

    arquitetnicas importantes no santurio. Essas reformas foram feitas por funcionrios e

    cidados atenienses, ao contrrio do que ocorria no Asklepieion de Epidauro, onde as

    reformas foram resultado de intervenes programticas externas.

    O culto ateniense a Asclpio, ao longo de toda a sua histria, foi um fenmeno

    local, ligado ao desenvolvimento da histria e da topografia da cidade, bem longe da

    dimenso pan-helnica de um santurio como o de Epidauro.

    Tabela 3.3. Asklepieion de Atenas

    Estruturas Cronologia

    Sc. V a.C. Sc. IV a.C. Sc.III a.C.

    Templo de Asclpio e Higieia X

    Altar X

    Muro de perbolo X

    Fonte X

    Bothros (fosso para libaes e sacrifcios) X

    Sto drica (baton) X

    Pelargikon X

    Peripatos (entrada principal) X

    Katagogeo X

    Propileu X

    Sto Jnica X X

    Muro de perbolo X

  • 40

    O santurio fica a lesta do antigo perbolo do Pelargikon, ocupando o espao

    livre frontal pertencente ao Eleusnion ateniense. Foi ofertado ao novo deus pela famlia

    sacerdotal dos Kerykes, que estava frente do Eleusnion. Como indica a inscrio

    existente no Monumento a Telmaco, o Santurio possuia um propileu de madeira.

    Assim, parece provvel que o Santurio funcionasse inicialmente com construes

    provisria de madeira, que foram substituidas por edifcios de mrmore no curso do

    sculo IV a.C. Contudo, o aspecto do Asclepieion ateniense, delineado em fins do

    sculo V a.C., deve ter se mantido inalterado durante o sculo seguinte, at a construo

    da sto drica, por volta de 300 a.C., que alterou profundamente a topografia geral do

    stio (MELFI, 2007: 332).

    O Asklepieion de Atenas era cercado por um muro de perbolo do qual curtos

    trechos de sua estrutura conservam-se prximos ao analemma do Teatro de Dioniso e ao

    longo da margem sul da regio ocidental da rea sagrada. A tcnica de construo

    parece ser de fins do sculo V a.C.

    Enfim, analisando a relao Epidauro-Atenas, a construo da sto drica

    sugere um alinhamento ao modelo de Epidauro do sculo IV a.C., atravs da

    assimilao, pelo Asklepieion ateniense, desta estrutura assim como fizeram uma srie

    de outros santurios que, no mesmo perodo, adotaram o mesmo estilo construtivo de

    sto com fonte interna e estrados para o desenvolvimento da incubao. No caso de

    Atenas, o santurio adquiriu, da por diante, todas as prerrogativas que o

    caracterizariam, nos prximos sculos, como um verdadeiro Asklepieion: espaos bem

    definidos para incubao, banquete, sacrifcio e oferendas.

    Nos anos finais do sculo IV a.C., em suma, h uma expanso geral de

    Asklepieia conhecidos, onde os ncleos bsicos consistem no templo, altar, trapezai e

    pelo menos um edifcio multifuncional. Alm disto, surgem estruturas mais complexas,

    principalmente para a recepo de visitantes e o tratamento dos recursos hdricos. Isso

    se aplica ao Asklepieion de Atenas e sua sto drica, equipada com caladas e ligada

    diretamente fonte.

  • 41

    Assim, o quadro geral do culto no sculo III a.C., obtido com base na

    documentao epigrfica, faz crer em uma regulamentao das manifestaes

    devocionais, depois do grande sucesso do sculo IV a.C.

    Para o sculo II a.C., a documentao muito mais escassa do que para os

    sculos anteriores. A aparente ausncia de informao sobre construes feitas no

    santurio juntamente com o pequeno nmero de inscries encontradas levam a crer na

    reduo da popularidade do culto.

    O sculo I a.C., para o Asklepieion de Atenas, caracteriza-se por uma srie de

    projetos de construo seguidos pela destruio causada pelo saque de Silas, em 86 a.C.

    Muitos monumentos do santurio sofreram restauro, testemunhado pela documentao

    epigrfica e arqueolgica, mesmo que o culto tenha perdido seu vigor ao longo do

    sculo II a.C. Esta renovao parece ter sido conduzida atravs do custeio de poucos

    indivduos, aparentemente das famlias mais importantes de Atenas (MELFI, 2007:

    358).

    O desenvolvimento monumental do santurio parece terminar com as realizaes

    do perodo de Augusto e Tibrio; apesar de poucas obras de manuteno, a

    documentao epigrfica no conserva traos de posteriores intervenes construtivas

    nos edifcios sacros.

    A sto drica que foi construda por volta de 300 a.C. e tem um papel

    importante para a identificao dos anos finais do santurio passou por uma

    restaurao, respeitando suas estruturas originais, no perodo seguinte ao saque de Silas.

    Na regio que inclui a cidade de Atenas , de fato, comprovado o impacto

    violento causado pelas diferenas da religio crist. A apropriao do lugar de culto

    pago por parte dos cristos foi seguida por aes violentas, como a raspagem da

    superfcie das estruturas preexistentes, para transform-las em edifcios cristos, e o

    corte dos relevos e das esttuas votivas.

    Atravs das fontes neoplatnicas do sculo V d.C., possvel notar a difcil

    passagem do paganismo para a religio crist. Proclo, por exemplo, era um filsofo que

  • 42

    pregava no antigo Asklepieion, em funo da importncia desse espao como referncia

    para a vizinha escola neoplatnica (GREGORY, 1986: 237-238).

    O culto de Asclpio tal como era realizado na antiguidade terminou com a

    invaso de Atenas pelos Erulis. O lugar de culto deve ter sido deixado num estado de

    abandono ou semi-abandono, a ponto de ser usado como uma pedreira para coleta de

    material de construo (MELFI, 2007: 407).

  • 43

    ASKLEPIEION DE CORINTO

    Desde os ltimos anos do sculo IV a.C., o Asklepieion surge como um local de

    culto de pequenas dimenses construdo no limite da rea urbana (Planta 8),

    provavelmente para manter a fonte do lado interno dos muros da cidade (MELFI, 2007:

    292). A fonte, por sua vez, faz parte do lado norte da antiga Corinto e engloba o

    Ginsio, a Lerna e todos os edifcios do complexo que usam a mesma fonte de

    abastecimento de guas, ligada ao recolhimento de guas de fontes subterrneas como

    guas recolhidas da superfcie (MELFI, 2007: 292). provvel que o Asklepieion tenha

    sido destrudo por um terremoto em fins do sculo IV a.C., assim como muitos outros

    edifcios da cidade. Neste contexto, o Asklepieion foi reconstrudo de acordo com o

    cnone dos Asklepieion mais freqentados do mundo grego, assim se torna possvel

    delinear superficialmente a reconstituio, mesmo na ausncia de vestgios

    arqueolgicos e epigrficos (MELFI, 2007: 292) (Planta 9 a 11).

  • 44

    Planta 8. Localizao do Asklepieion em relao cidade (ROBINSON, 1965: 10)

  • 45

    Planta 9. Asklepieion de Corinto na primeira fase de construo (MELFI, 2007: 291)

  • 46

    Planta 10. Asklepieion de Corinto no perodo helenstico (MELFI, 2007: 294)

    Planta 11. Edifcios helensticos no nvel do ptio Lerna (MELFI, 2007: 295)

    No caso de Corinto, apesar da falta de dados epigrficos e arqueolgicos,

    h segurana suficiente para datar os monumentos permanentes do complexo em c. 300

    a.C., no s devido a sua coincidncia com a ocultao dos depsitos votivos, datados

  • 47

    entre o final do sculo IV e incio do V a.C., mas tambm pela comparao com a

    destruio e reconstruo simultnea de uma srie de outros monumentos de Corinto.

    Assim, a partir de 300 a.C. podemos dizer que o Asklepieion de Corinto entrou em uma

    segunda fase da existncia.

    A rea sagrada delimitada de forma precisa pelo nivelamento da colina,

    tradicionalmente ocupada pelos edifcios de culto, e foi entendida at uma depresso no

    terreno adjacente a ela, em direo oeste, caracterizada pela presena da fonte. O

    Asklepieion de Corinto, que fica bem prximo ao muro, teve sua localizao escolhida

    provavelmente em funo de uma nascente de gua, necessria para os trabalhos no

    santurio.

    Ao norte, a poucos metros de distncia de uma fonte, esto as muralhas da

    cidade, reconstruda em funo da reestruturao do complexo sacro. A zona oriental do

    complexo, a qual se chega pelo leste, foi delimitada, a sul e a leste, por paredes e, a

    norte e oeste, por uma colunata e uma srie de ambientes distribudos em dois andares.

    O templo, prstilo tetrastilo drico, localizado em posio central, constitua-se

    numa ampliao da capela original que obstruiu o oikos anterior.

    A falta de dados epigrficos relativos segunda fase de construo do

    Asklepieion atribuda escassez geral de tais referncias a Corinto. De fato, a

    impresso geral que, quando a cidade foi destruda pelos romanos, em 146 a.C., a

    maior parte da documentao epigrfica tambm o foi.

    Apesar da falta de dados arqueolgicos precisos, a estruturao definitiva da

    cronologia se d entorno de 300 a.C., parecendo segura no s devido ocultao de

    depsitos votivos no final do V e no IV sculo a.C., mas tambm sobre a base de

    comparao com a destruio e reconstruo simultnea de uma srie de outros

    monumentos na mesma Corinto.

    Por outro lado, a datao do complexo em torno do ano 300 a.C., alm de

    atender s exigncias da histria local, refora o desenvolvimento geral dos santurios

    na Grcia se for levado em conta que, no mesmo perodo, foi construda a sto drica do

  • 48

    Asklepieion ateniense e se deu a concluso do programa construtivo de Epidauro,

    atravs da realizao de uma srie de edifcios como o Ginsio, o katagogeo e a sto de

    Cotis, alm do Propileu e a fonte (Tabela 3.4).

    Tabela 3.4. Asklepieion de Corinto

    Estruturas Cronologia

    Sc. V a.C. Sc. IV a.C. Sc. III a.C.

    Templo de Asclpio X

    Altar X

    Thesauros X

    Fonte X

    Abaton X

    Sala Lustral X

    Lerna X

    Hestiatria X

    Muro X

    Entre as construes pertencentes ao sculo IV a.C. est a Lerna, um complexo

    multifuncional usado pelos doentes no qual poderiam tomar banho, passear ao longo

    dos prticos e usar os hestiatria.

    Em perodo romano, a Lerna veio a fazer parte do complexo do Ginsio. O

    prtico norte do Ginsio foi instalado em uma rampa, bloqueando definitivamente a

    passagem externa; foi necessrio construir um acesso entre o prtico norte e a fonte

    subjacente ao ptio. Essa ligao foi mencionada por Pausnias (II 4,5): (...) prximo

    ao teatro est o antigo Ginsio e uma fonte chamada Lerna; ao redor dela esto colunas

    onde os visitantes podem se refrescar no vero.

    Em 146 a.C. se d a destruio definitiva de Corinto pelas tropas de Mmio. De

    forma geral, acredita-se que a cidade tenha sido atingida de tal forma que se manteve

    desabitada por mais de um sculo (WALBANK, 1997: 95-97).

    Assim, no contexto dos acontecimentos de 146 a.C. est a destruio do

    santurio corntio, atestada pela acumulao e planificao de vestgios sobre a rampa

  • 49

    do recinto sagrado, antes da construo de muros e cmaras que serviram de apoio ao

    prtico norte do Ginsio.

    Poucos anos depois da nova fundao da cidade, em 44 a.C., os dados

    arqueolgicos e epigrficos parecem documentar as primeiras restauraes no

    Asklepieion. A prova mais evidente o vestgio de um epistilo drico pertencente ao

    templo de Asclpio que estava revestido por uma espessa camada de gesso sobre a qual

    foi encontrada uma inscrio em Latim. A inscrio demonstra que o santurio de

    Asclpio foi o primeiro lugar de culto grego na colnia romana de Corinto a ser

    novamente fundado em nome da divindade original, recebendo as restauraes

    adequadas.

    O Asklepieion foi monumentalizado no I sculo d.C., o que ficou perceptvel

    atravs do alargamento do Ginsio, que passou a se estender da ala norte at o limite sul

    do Asklepieion. Nesse contexto se completou a separao da Lerna e do santurio. Do

    ponto de vista do culto, o Asklepieion continuou a prosperar mesmo depois do terremoto

    ocorrido em 77 d.C. e, do ponto de vista da histria construtiva, o templo de Asclpio

    teve seu teto restaurado no sculo II d.C., dado comprovado a partir de fragmentos de

    sima e terracota encontrados.

    O espao sacro ficou organizado, ento, em duas reas com nveis diferentes: a

    rea oriental, onde se localizavam os edifcios de culto, e a ocidental, com a fonte

    monumental.

    A ltima restaurao do santurio de Corinto foi no sculo II d.C., em

    coincidncia com o que acontecia em muitos outros Asklepieia na Grcia. Tais

    circunstncias podem ser confirmadas com base em documentos monetrios. As nicas

    moedas cunhadas em Corinto que representavam Asclpio e Hygieia so aquelas

    pertencentes ao perodo Antonino; em particular, bronzes (ver imagens no Quadro de

    Moedas dos Aklepieia, na PRANCHA que se encontra no final da dissertao, pgina

    107).

  • 50

    ASKLEPIEION DE PRGAMO

    Um templo dedicado provavelmente a Asclpio (ou a Apolo, cf. pginas 44 e 45)

    atestado por meio de uma modesta construo rural que, cerca de vinte anos aps a

    construo do Prtenon em Atenas (i.e., no final do sculo V a.C.), foi construdo como

    reproduo deste em escala reduzida (Plantas 12 e 13). Sua subestrutura foi

    cuidadosamente construda com blocos sobrepostos sem argamassa. Ele localizava-se

    abaixo do recinto de festas. A fonte ou poo helnico localizava-se logo ao lado da sada

    do criptoprtico, uma passagem subterrnea que se estendia desde a ala de tratamento

    at a metade do que foi posteriormente o chamado recinto de festas; l, havia uma

    escada que dava acesso a um poo de ncleo helenstico. A barreira rochosa foi includa

    em funo da existncia do templo em perodo helenstico. Os cmodos ou cmaras de

    incubao, por sua vez, em formato de U que se localizavam na parte ocidental do

    recinto de festas, indicam, nas mais profundas camadas, a existncia de paredes em

    diagonais o que acusa o uso de uma tcnica de construo do princpio do sculo IV a.C.

    Planta 12. Asklepieion, parte sul do recinto de festas. Vestgios dos sculos V, IV e III a.C.

    (BOEHRINGER, 1959: 159)

  • 51

    Planta 13. Asklepieion, plano geral; em destaque vestgios do Asklepieion mais antigo.

    (BOEHRINGER, 1959, planta 5)

    LEGENDA 1. Rua sagrada com porto de entrada

    2. trio 3. Propileu 4. Recinto de festas

    5. Nicho do culto 6. Templo de Asclpio 7. Cisterna 8. Peristilo

    9. Ala de tratamento 10. Nicho do culto 11. Salo do imperador 12. Hall norte

    13. Teatro

    14. Hall ocidental 15. Sada ocidental 16. Cmodo ocidental

    17. Salo sudoeste 18. Pequena latrina 19. Grande latrina 20. Hall sul (poro)

    21. Passagem subterrnea

    22. Poo helnico 23. Fonte romana para

    banho

    24. Barreira rochosa

    escada e fenda da barreira

    25. Barreira rochosa templo helnico

    26. Barreira rochosa

    templo helnico

    27. Complexo

    incubatrio dormitrios helnicos

    28. Complexo

    incubatrio extenso helnica

    29. Fonte rochosa 30. Hall sul helenstico 31. Hall leste

    helenstico

  • 52

    importante ressaltar, com relao ao nascimento do Asklepieion de Prgamo, a

    descrio de Pausnias (PAUS. II, 26, 8-9) que, ao visitar Epidauro, menciona que

    rquias, filho de Aristaichmon, sendo ferido durante uma caada em Pindasos, foi

    curado em Epidauro; da o culto foi levado por ele a Prgamo. Este mito de fundao

    merece ateno porque, atravs dos sculos, os Asclepades de Prgamo recorreram ao

    nome de rquias para legitimar seus direitos e privilgios sacerdotais alegando

    hereditariedade, como atesta uma inscrio de c. 133 a.C. (FRANKEL, 1895: 177-181,

    n. 25). A esse testemunho conecta-se uma inscrio de Epidauro (IG IV 1: 284, n. 928)

    que confere ao sacerdote rquias, chefe de uma embaixada no perodo de Eumenes II, a

    proxenia, apontando os mritos de seus antepassados, que trouxeram e configuraram o

    culto em Prgamo.

    No se tem certeza sobre o perodo da instituio de um culto mais

    sistematizado, mas acredita-se que no seja anterior metade do sculo IV a.C.

    Com relao ao estabelecimento e compreenso da ordem cronolgica das

    construes, segundo De Luca (2009: 98, citando Ziegenaus & De Luca, 1968 e 1975),

    os estudiosos se guiaram pelos vestgios arquitetnicos que ofereceram uma sucesso e

    uma possvel datao. Foi proposta, ento, uma periodizao em dezesseis fases

    arquitetnicas, das quais doze envolvem o perodo grego; as datas dessas fases tm um

    valor indicativo e no absoluto. Muito poucos so os remanescentes de estruturas

    murarias da fase 1, encontradas apenas no chamado Recinto de Festas. Alguns so

    datados do sculo IV a.C., da fase 2, encontrados em torno de um baixo relevo de rocha

    que o centro visvel do edifcio de culto.

    Na fase 3, correspondente ao incio do sculo III a.C., os restos dos edifcios se

    expandem para a encosta norte, onde mais tarde ser erguido o teatro, e a sul, para a

    sto de perodo helenstico. possvel notar que os restos das trs primeiras fases esto

    dispostos em diagonal, acompanhando as curvas naturais do relevo, diferentemente da

    orientao ortogonal dos edifcios a partir das fases 4 e 5, pertencentes ao perodo entre

    os anos 270 e 230 a.C. Essas linhas ortogonais, que esto na base do santurio do

    segundo sculo do Imprio, seguem as diretrizes do templo, dos altares, alm da sala de

    incubao e da fonte sagrada.

  • 53

    Com a construo do chamado edifcio norte/leste, de propores monumentais,

    mas de finalidade obscura, se inicia uma expanso constante na regio oriental da rea

    de festas, com salas e ptios provavelmente usados como abrigos para peregrinos, locais

    para refeies e lojas. Assim, o espao se tornou insuficiente e, em meados do terceiro

    sculo antes de Cristo, foi feita uma srie de preenchimentos e terraos com grande

    expanso das salas de incubao. Na fase 9, datada do sculo II a.C., foi realizado um

    ambicioso projeto com a definio do espao do temeno que permanecer assim at o

    perodo de Adriano, com a construo do grande muro Sul. Esta fase conecta-se

    incurso de Filipe V em Prgamo, em 201 a.C., quando o santurio sofreu danos. H

    detalhes que apontam para a necessidade de proteo contra um perigo iminente, que

    podem ser vistos, por exemplo, em um tesouro de vinte e duas tetradracmas escondido

    dentro de uma parede em uma sala da ala leste. As moedas estudadas apontam para o

    fim do sculo III a.C.

    No contedo pertencente fase 11, foram encontrados fragmentos de estruturas

    do sculo III a.C., como a escultura da face de Hygieia e partes de esttuas de centauros,

    provavelmente vindos do templo, talvez de um monumento de Asclpio com centauros,

    estabelecendo uma conexo com moedas encontradas do sculo II d.C. A oeste, foi

    expandida a longa sto drica, onde se supe reconhecer o ginsio. Tambm foi

    encontrada uma parede, com traos de cermica, a uma profundidade razovel, com

    vestgios de assentamentos da Idade do Bronze (com cermica tipo Tria II-III, com

    formas j conhecidas de uma srie de vestgios no Vale do Kaikos) (DE LUCA 2009:

    99).

    A fase estrutural 12, da metade do sculo II a.C., apresenta-se, do ponto de vista

    arquitetnico, como uma fase em destaque, levando-se em conta o grande muro sul e os

    ptios de S/E. Nota-se que, nesta fase, foram feitas restauraes, consequentes dos

    danos gerados por Prusias II ao Asklepieion bem como a outros santurios extra-urbanos

    em 155 a.C. Foram recuperados em escavaes restos arquitetnicos que se referem a

    trs estruturas de templo: duas em estilo jnico e uma em estilo drico, onde foram

    reconhecidos traos de lugares de culto. Esses elementos arquitetnicos entablamento,

    sima e guirlandas referem-se provavelmente ao templo jnico 2 ou templo de

  • 54

    Asclpio, prostilo tetrastilo de propores modestas. Os vestgios de arquitetura drica

    so fr