os fungos na pesquisa em ensino de ciÊncias
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS
CIÊNCIAS BIOLÓGICAS
Barbara Baccin dos Santos
OS FUNGOS NA PESQUISA EM ENSINO DE CIÊNCIAS: PROBLEMATIZANDO
PERSPECTIVAS E ABORDAGENS
Ilha de Santa Catarina
2019
Barbara Baccin dos Santos
OS FUNGOS NA PESQUISA EM ENSINO DE CIÊNCIAS: PROBLEMATIZANDO
PERSPECTIVAS E ABORDAGENS
Trabalho Conclusão do Curso de Graduação em
Ciências Biológicas do Centro de Ciências Biológicas
da Universidade Federal de Santa Catarina como
requisito para a obtenção do Título de Licenciada em
Ciências Biológicas. Orientador: Prof. Dr. André Luís Franco da Rocha Coorientadora: Profª. Dra. Maria Alice Neves
Ilha de Santa Catarina
2019
Ficha de identificação da obra
Barbara Baccin dos Santos
OS FUNGOS NA PESQUISA EM ENSINO DE CIÊNCIAS: PROBLEMATIZANDO
PERSPECTIVAS E ABORDAGENS
Este Trabalho Conclusão de Curso foi julgado adequado para obtenção do Título de
Licenciada em Ciências Biológicas e aprovado em sua forma final pelo Curso de Ciências
Biológicas
Ilha de Santa Catarina, 20 de dezembro de 2019.
________________________
Prof. Carlos Roberto Zanetti, Dr.
Coordenador do Curso
Banca Examinadora:
________________________
Prof. Dr. André Luís Franco da Rocha
Orientador
Prefeitura Municipal de Florianópolis
________________________
Prof.ª Dra. Maria Alice Neves
Coorientadora
Universidade Federal de Santa Catarina
________________________
Prof.ª Ana Paula Tridapalli de Almeida, M. a
Avaliadora
Prefeitura Municipal de Florianópolis
________________________
Prof.ª Beatriz Biagini, M.a
Avaliadora
Prefeitura Municipal de Florianópolis
________________________
Prof.ª Mariana Fernandes, M. a
Avaliadora
Instituto de Botânica de São Paulo
Este trabalho é dedicado à bisa Marica, educadora de vida.
Também a todas as outras marias, mulheres, mítias, migas,
marielles, mães, muitas, que me ensinam tanto
AGRADECIMENTOS
Para além do período criando essa pesquisa, agradeço aqui a todas que participaram do meu
processo formativo como um todo nesses anos todos de graduação…
Agradeço a todas as funcionárias e funcionários do Restaurante Universitário e todas as outras
terceirizadas que trabalham na UFSC em condições precárias e sobrecarga de trabalho, sem
elas não tem permanência, pesquisa, ensino, nem extensão. Agradeço às outras funcionárias
da universidade, secretárias da bio, parceiros do xerox do CFH, por toda a correria!
Minha família urso, minha mãe - amiga forte de riso fácil - e meu pai - amigo forte de
coração de manteiga - e a nossa Sharezinha, agradeço por me darem tanto amor e o apoio de
uma vida toda. Ao meu benzinho, Dani, por todo o companheirismo carinhoso, por se jogar
comigo em tantos aprendizados.
Famílias que construímos nesse caminhar, que nunca se fez só. Minhas amigas-irmãs queridas
que dividiram colo, choro, teto e tantos cafés. Sou grata às girassóis, pelos melhores cafés da
manhã, que poderiam durar o dia todinho, Cami bruxinha conselheira, Fezita e os risos e
conversas inesgotáveis. Às abacateiras, Gabi pra sempre anja deusa do autoconhecimento,
Larica estrelinha de arte e inspiração. Danipapo meu irmão peixinho, pelos mapas riscados e
parceria. Amandita por sempre dançar a vida comigo. Rá por ensinar tanto sobre dizer o que
precisa ser dito, do jeito que precisa ser dito. Sami por tudo que temos construído. Livinha
minha inspiração como educadora e pedaleira.
A força da coletividade foi condutora da minha formação, então agradeço a todas as pessoas
que constroem os coletivos que tanto me ensinaram e ensinam… ao CABio e toda sua gente,
um ser coletivo que sente a necessidade de lutar. A Coletiva Feminista Mítia Bonita e sua
potência transformadora. Às facilitadoras dos EREBs 2016 e 2019, pelo apoio mútuo e
eventos tão bonitos construídos. Esses espaços autogestionados são responsáveis pela minha
formação política, pela sensibilização e por germinar em mim a vontade de criar um mundo
onde caibam vários outros mundos.
À Resistência Popular Estudantil - Floripa (antiga Coletiva Centospé) que surgiu a partir da
Ocupação do CCB em 2016 e segue na luta dentro do movimento estudantil da UFSC.
Agradeço todas que fizeram e fazem parte, mais fortes são os poderes do povo!
Às biozoeeires, turma querida, por terem me acolhido com tanto carinho, comida e música
boa ao longo da graduação: Anselmo, Cami, Elô, Isinha, Linoca, Má, Raque, Taisoca.
Ao Micolab (laboratório de micologia) sempre tão cheio de vida que me despertou o
encantamento pelos fungos. Os grupos de pesquisa NUEG e A Ponte, por todas as orientações
coletivas. O Grupo de Estudos em Paulo Freire, pelas horas de conversas e planos para
transformar o mundo. Ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência pelas
reflexões e pelos primeiros contatos com a escola.
Ao meu orientador e amigo André, por sempre explodir minha mente com perguntas
absurdas, por ser tão atencioso e paciente. Minhas outras orientadoras e colegas, por criarmos
juntas tantas pesquisas pertinentes e formativas, sem vocês esse trabalho não existiria, Ju,
Linoca, Taisoca e Yuri. Minha coorientadora Maria Alice, por me sensibilizar e me levar de
carona na sua paixão em ensinar e aprender.
Finalizo agradecendo às mulheres incríveis que toparam ler e contribuir com esse trabalho,
Mari (no projeto de TCC) e para o trabalho final Bia, Aninha e Maruca.
RESUMO
Fungos são seres vivos transformadores e coletivos, que comunicam, nutrem, transportam,
fazem parte da história de muitos povos, são alimento e dão alimento. Apesar disso, nas
escolas os Fungos - quanto conteúdo escolar - são abordados partindo de concepções que os
reduzem aos seus papéis ecológicos, ou relacionados a alguma utilidade para o ser humanos,
até mesmo como meros agentes causadores de doenças. Partindo da concepção pedagógica
crítico-transformadora, problematizadora ou dialógica de Paulo Freire - que tem como
horizonte a reflexão crítica e a transformação da realidade - e do levantamento bibliográfico
feito, esta pesquisa busca identificar e problematizar as perspectivas e abordagens do ensino
de fungos na área de pesquisa em Ensino de Ciências. Foram nomeadas concepções de ensino
que categorizam as duas perspectivas de ensino encontradas. Para a perspectiva bancária
nomeamos as concepções: ambientalista e antropocêntrica. Já para a perspectiva crítico-
reflexiva: natureza da ciência e valorização sociocultural. Ao longo trabalho discutiremos por
quê e para quê ensinar sobre fungos, assim como propor algumas possibilidades para um
ensino crítico-reflexivo de fungos.
Palavras-chave: Ensino de fungos. Ensino crítico-reflexivo. Ensino de Ciências.
RESUMEN
Los hongos son seres vivos transformadores y colectivos, ellos comunican, nutren,
transportan y son parte de la historia de muchos pueblos, son alimento y proveen alimento. A
pesar de esto, los hongos en cuanto contenido escolar en la escuela son abordados a partir de
concepciones que los reducen a sus papeles ecológicos o relacionados a alguna utilización
para los seres humanos, inclusive como meros agentes que causan enfermedades. Partiendo de
la concepción pedagógica crítica-transformadora, problematizadora o dialógica de Paulo
Freire - cuyo horizonte es la reflexión crítica y la transformación de la realidad - y del
levantamiento bibliográfico, esta investigación busca identificar y problematizar las
perspectivas y abordajes de la enseñanza de hongos en el área de investigación en Enseñanza
de las Ciencias. Fueron elencadas concepciones de enseñanza que categorizan las dos
perspectivas de enseñanza encontradas. Para la perspectiva bancaria designamos las
concepciones: ambientalista y antropocéntrica. Para la perspectiva crítico-reflexiva:
naturaleza de la ciencia y valorización sociocultural. A lo largo del trabajo discutiremos por
qué y para qué enseñar sobre hongos, así como proponemos algunas posibilidades para una
enseñanza crítica-reflexiva de los hongos.
Palabra clave: Enseñanza de hongos. Enseñanza crítica reflexiva. Enseñanza de la Ciencia.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1- Cesto sendo feito com Përɨsɨ ..................................................................................... 33
Figura 2 - Përɨsɨ segurados por mulher Yanomami. ................................................................. 34
Figura 3 – Diagrama das relações entre as perspectivas identificadas nos artigos e suas
características de ensino e como essas podem ser expressas através de diferentes abordagens.
.................................................................................................................................................. 55
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Número de artigos encontrados e artigos selecionados na busca feita em eventos. 46
Tabela 2 - Número de artigos encontrados e artigos selecionados por periódico selecionado. 47
Tabela 3 - Tabela contendo títulos resumidos de todos os artigos analisados, suas respectivas
autoras e ano de publicação, tema das pesquisas, perspectiva de ensino da qual se aproxima e
abordagens de ensino presentes no trabalho. ............................................................................ 73
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO ................................................................................................................. 15
1. CAPÍTULO I - O ENSINO DE FUNGOS NA EDUCAÇÃO BÁSICA .............. 22
1.1 POR QUE E PARA QUE PRECISAMOS APRENDER SOBRE OS FUNGOS? .... 22
1.2 O ENSINO DE CIÊNCIAS E SUA IMPORTÂNCIA PARA O
DESENVOLVIMENTO HUMANO: EDUCAÇÃO BANCÁRIA X EDUCAÇÃO
PROBLEMATIZADORA ........................................................................................................ 23
1.3 DIFERENÇA ENTRE CONHECIMENTO ESCOLAR E CIENTÍFICO: QUAIS
SÃO SUAS CONTRIBUIÇÕES PARA O DESENVOLVIMENTO DA SOCIEDADE? ...... 29
1.4 CIÊNCIA E MICOLOGIA ........................................................................................ 31
1.5 MICOLOGIA E ESCOLA ......................................................................................... 36
1.6 POTENCIALIDADES DO ENSINO DE FUNGOS ................................................. 40
1.7 ENSINO DE FUNGOS EM UMA PERSPECTIVA CRÍTICO-REFLEXIVA ......... 42
2. CAPÍTULO II - A PESQUISA EM ENSINO DE FUNGOS ............................... 44
2.1 POR QUE E PARA QUE PRECISAMOS PESQUISAR SOBRE ENSINAR E
APRENDER CIÊNCIAS? ........................................................................................................ 44
2.2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA NA ÁREA DE PESQUISA EM ENSINO DE
FUNGOS .................................................................................................................................. 45
2.3 O QUE TRAZEM AS PESQUISAS SOBRE O ENSINO DE FUNGOS? ............... 49
3. CAPÍTULO III - Entre perspectivas e abordagens: Uma análise da produção da
área de pesquisa em ensino Fungos ...................................................................................... 51
3.1 PERSPECTIVAS DE ENSINO DE FUNGOS .......................................................... 51
3.1.1 Perspectiva bancária do ensino de Fungos ............................................................ 51
3.1.2 Perspectiva crítico-reflexiva do ensino de Fungos................................................. 53
3.2 ABORDAGENS DO ENSINO DE FUNGOS ........................................................... 54
3.3 PERSPECTIVAS E ABORDAGENS DO ENSINO DE FUNGOS
IDENTIFICADAS NAS PESQUISAS SOBRE ANÁLISES DE LIVRO DIDÁTICO .......... 55
3.4 PERSPECTIVAS E ABORDAGENS DO ENSINO DE FUNGOS
IDENTIFICADAS NAS PESQUISAS SOBRE PRÁTICAS PEDAGÓGICAS ..................... 61
3.4.1 Perspectiva bancária de ensino ............................................................................... 61
3.4.2 Perspectiva crítico-reflexiva de ensino ................................................................... 63
3.4.3 Abordagens do ensino .............................................................................................. 67
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 73
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 75
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APRESENTAÇÃO
serei professora a favor da luta constante contra qualquer forma de
discriminação, contra a dominação econômica dos indivíduos ou das classes
sociais. Serei professora contra a ordem capitalista vigente que inventou
esta aberração: a miséria na fartura. Serei professora a favor da esperança
que me anima apesar de tudo. Serei professora a favor da boniteza de minha
própria prática, boniteza que dela some se não cuido do saber que devo
ensinar, se não brigo por este saber, se não luto pelas condições materiais
necessárias sem as quais meu corpo, descuidado, corre o risco de se
amofinar e de já não ser o testemunho que deve ser de lutadora pertinaz,
que cansa mas não desiste.
Adaptado de Freire (1996).
Quando fecho os olhos e tento lembrar da escola, penso em barulho de fábrica e luzes
claras de shopping center. Parece estranho ou algum tipo de metáfora, mas não, são só as
lembranças mais vivas dos meus três últimos anos de ensino médio…
Sou de uma família de classe média baixa que vem das frias terras lageanas, minha
mãe engravidou cedo e fomos viver afastados do resto da família, no outro lado do estado, em
São Bento do Sul, terras também geladas. Minha mãe, depois de repetir de ano várias vezes,
largou a escola na oitava série, meu pai tinha terminado o ensino médio e era atleta. Juntos, os
dois resolveram vender cachorro-quente. Assim foram os anos da minha infância, indo para
escola de tarde, e indo para a rua de noite, passando horas sentada na calçada conversando
com os clientes dos meus pais e observando o transitar das pessoas.
Com uns 7 anos de idade, lembro de em algumas noites frequentar a sala de aula com
a minha mãe, ela fazia o ensino médio na EJA. O professor parecia me entender como uma de
suas alunas e minha mãe parecia feliz com a minha presença, sempre fomos e seremos
grandes amigas. Fico pensando se ela tinha consciência do que isso representava e representa
para mim: Ela me ensinava tanto com o seu ato de aprender. Via ela revezar entre preparar
alimentos para o trabalho da noite e o fazer das tarefas da escola, e aí ficou a certeza de que a
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educação era, de fato, muito importante para minha mãe e para o meu pai. Ambos
queriam que fosse importante para mim também. Enquanto minha mãe tinha as aulas do
ensino médio comigo do lado, meu pai começava a graduação.
Dessa cidade nos mudamos para Joinville, que é conhecida por ter muitas fábricas,
muitas indústrias, por ser uma cidade chuvosa, cinzenta, mas de gente que trabalha, pedala e
dança. Vivi por lá até entrar na graduação. Desde que entrei na antiga quinta série, atual sexto
ano, estudei em uma escola privada que fica dentro de uma das maiores indústrias de fundição
do país. A escola foi criada para filhas e filhos de operários estudarem, mas nela estudam
também filhas e filhos dos cargos mais altos da indústria e pessoas que moram na região (era
o meu caso), aprendi muito com essas relações.
O ensino médio dessa escola tinha um objetivo nítido: inserir alunas e alunos no
“mercado de trabalho”. Para isso, deveriam cursar o ensino técnico junto do ensino médio e,
quem sabe, fazer graduação naquela mesma instituição. Não quis fazer nenhuma daquelas
opções, eu tinha dúvida entre ser jornalista, arqueóloga ou fotógrafa. O bairro em que
morávamos tinha alto índice de poluição que vinha da indústria onde eu estudava, um cheiro
horrível, os carros (e as vidas) deterioram ao passar os dias em contato com o ar da região.
Pedi pela chance de estudar em outra escola.
A mudança não foi fácil, meus pais tinham uma percepção diferente da que têm
atualmente sobre o ensino público. Então, apesar de cada centavo contado, fizeram o que
puderam para me manter em outra escola de ensino privado. De uma indústria, passei a
estudar em um shopping. As salas de aula não tinham janelas, o recreio era na praça de
alimentação e a educação era mais uma das coisas que poderiam ser consumidas naquele
lugar frio e iluminado. Lá, eu era um número, as paredes tinham fotos de pessoas com caras
pintadas: 1º lugar na UFSC, 2º lugar não sei onde. Apesar de um ensino pautado única e
exclusivamente no vestibular, passei a me encantar pelas aulas de biologia, entender meu
corpo, gostar das discussões sobre questões socioambientais, era uma pequena parte dos dias
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que fazia sentido. Foi nas aulas de biologia que passei a problematizar minha existência e as
consequências dela, uma reflexão pouco crítica que, mais tarde, me abriu para outros
questionamentos.
Hoje, reconheço os privilégios de ter estudado nessas escolas e agradeço à família por
tudo, por serem apoio, carinho e inspiração. Mas educação de qualidade não tá no shopping,
ela te faz entender que sala de aula tem que ter janela, que estudante e professora precisam
olhar para fora, que estudante tem que aprender a se relacionar, com estudante, consigo
mesma, com professoras, com o mundo. Escola não tem que ser para o lucro, tem que ser para
as pessoas, para criar, para fortalecer, para emancipar.
Então saí das paredes da fábrica e do shopping, entrei nos muros da universidade
federal, um lugar que deveria ser acessado por todas as pessoas, afinal é pública. Mas não é o
que acontece, tendo em vista que no Brasil 75% das matrículas na Educação Superior são
feitas na rede privada1, em faculdades pagas. Durante os primeiros anos de graduação o
encantamento estava nas aulas de campo - que, em 2013, ainda aconteciam com transporte
financiado pela universidade, não pelas estudantes2 -. Depois de anos fechada nas salas, ter
aulas em mangues, matas, praias e campos despertaram em mim a sensibilidade pelas
bonitezas da vida.
Em 2015, com a greve das Trabalhadoras Técnico-Administrativas em Educação da
UFSC (TAEs) e professoras, frente aos mais de 12 bilhões de cortes anunciados, entendi que a
universidade pública e de qualidade estava sendo ameaçada. Naquele momento, aprendi sobre
a importância de lutar, coisa que aula nenhuma havia ensinado. Não aprendi sozinha, mas sim
com um coletivo de relações horizontais, autogestionado, de estudantes: o Centro Acadêmico
de Biologia, que tanto me ensinou (e ensina) durante os anos da graduação, principalmente
1 http://portal.mec.gov.br/docman/setembro-2018-pdf/97041-apresentac-a-o-censo-superior-u-ltimo/file 2 Opto por escrever em uma linguagem combativa às opressões, diferente da linguagem patriarcal pela qual nos
comunicamos que, principalmente em escritas científicas, usa das flexões de gênero sempre para o gênero
masculino. Será utilizado sempre a flexão para o feminino, buscando uma leitura mais fluida. É sobre chamar
atenção para as relações de poder e machismo carregados na linguagem. É sobre dar voz a mulheres e pessoas de
identidades e sexualidades que não se encaixam nas normas binárias impostas, entendendo o poder do discurso e
o que ele carrega.
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sobre a potência da coletividade para a transformação da realidade. Assim como me ensinam
a Coletiva Feminista Mítia Bonita e a Coletiva Centospé, atual Resistência Popular Estudantil
- Floripa.
Uma das disciplinas preferidas foi a de Biologia e Sistemática de Algas, Fungos e
Briófitas. Como eu nunca tinha ouvido falar do mundo dos fungos antes? Eles estão em toda
parte, são os maiores transformadores da natureza, são místicos, coloridos, de vários
tamanhos, comestíveis, tóxicos. Gostei tanto da disciplina, da professora e daqueles seres
curiosos que decidi fazer minha primeira iniciação científica no Micolab (Laboratório de
Micologia 3da UFSC). Naquele período, pude entender como a pesquisa científica é feita e
tive a oportunidade de organizar o VIII Congresso Brasileiro de Micologia.
Decidi ser monitora de uma Atividade de Ensino e participei da construção dela. Foi
neste momento que aconteceram meus primeiros contatos com os pensamentos freireanos e as
reflexões sobre a importância do ensinar e aprender de forma crítico-reflexiva da realidade,
assim como os primeiros contatos com professoras da educação básica de Florianópolis.
Minha segunda experiência com pesquisa foi no NUEG (Núcleo de Estudos em Ensino de
Genética, Ciências e Biologia), pesquisando sobre o ensino de Fungos.
A ideia de me tornar professora começou a tomar forma no decorrer das minhas
disciplinas pedagógicas, sendo bolsista de um projeto de extensão - onde tive minha primeira
experiência como professora - e, mais tarde, sendo bolsista do PIBID (Programa Institucional
de Bolsas de Iniciação à Docência). Mesmo com a ideia tomando forma, a reflexão sobre ser
professora e o que isso significa, começou na pesquisa feita no NUEG. Foi onde aprendi
outros jeitos de fazer pesquisa e outras perspectivas para a educação, partindo também da
orientação coletiva, do acolhimento do grupo e das leituras feitas no Grupo de Estudos em
Paulo Freire.
3 Micologia é a ciência que pesquisa sobre os fungos
19
O grupo de pesquisa usava o referencial freireano também como fio condutor teórico e
metodológico das discussões e pesquisas do grupo, ressignificando o papel social, político e
pedagógico dos processos investigativos (MAESTRELLI et al., 2017). Desse modo, havia a
preocupação de que os trabalhos científicos feitos por nós fossem atividades formativas para
todos e todas envolvidas naquelas pesquisas, construindo investigações acadêmicas
humanizadoras de forma coletiva. Esta pesquisa está sendo feita desde 2016, através das
orientações coletivas do grupo de pesquisa, espaço onde entrei em contato com o diálogo
problematizador e onde passei a me entender enquanto um ser inconcluso, o que implica no
meu permanente processo social de busca por ser mais (FREIRE, 1996).
Sendo assim, conforme minhas ideias e ideais foram se transformando, minhas
vontades de estudar e entender outras coisas transformavam-se também. A cada apresentação
de TCC de alguma amiga que eu assistia, surgiam muitos elementos e inspirações para o meu.
Minha pesquisa inicial buscava compreender as concepções prévias de estudantes do ensino
fundamental sobre os fungos, movida por uma vontade eufórica de estar na escola em contato
com as crianças. Hoje analiso que isso acontecia por estar dando os primeiros passos no
movimento estudantil, o que fazia e faz gritar em mim o desejo de ouvir estudantes, de estar
em contato com elas e isso ficava nítido, também, nos meus anseios da pesquisa de procurar
entender as concepções desses sujeitos.
Mas no decorrer da pesquisa e no cursar da disciplina de Estágio Obrigatório em
Ensino de Ciências, minha euforia se transformou em cuidado. Entendi que me faltavam
muitos passos formativos anteriores à entrada em sala de aula, uma relação de
responsabilidade com aqueles sujeitos e com suas formações. Passei a entender que muitas
escolas têm relações desgastadas com a Universidade, pois é comum que elas sejam usadas
como banco de dados para as pesquisas acadêmicas. Tendo maior contato com a área de
pesquisa em Ensino de Ciências, principalmente nas orientações coletivas, entendi que
pesquisas podem acontecer de várias outras formas pertinentes à escola e às estudantes.
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Outras formas que não envolvam necessariamente coleta de dados feitas diretamente com
estudantes. Entendi que não queria fazer uma pesquisa sobre a escola, mas sim uma pesquisa
com e/ou para a escola.
Em um levantamento exploratório, no início da pesquisa, encontrei o trabalho de
Rodrigues e colaboradoras (2016) que pesquisou sobre a concepção prévia de estudantes
sobre os fungos, assim como o trabalho de Trivelato (1995) que pesquisou a concepção de
alunos sobre fungos e bactérias. Encontrei outros trabalhos sobre o ensino de Fungos na
escola, como análises de livros didáticos, propostas de sequências didáticas, jogos e outras
atividades.
Partindo desse levantamento e das leituras coletivas de Paulo Freire, algumas
inquietações começaram: se já existem trabalhos trazendo as concepções de estudantes sobre
os fungos, por que nenhum deles busca entender os motivos dessas concepções? Quais são as
origens dessas concepções? Por que não encontrei nenhum trabalho que refletisse sobre os
problemas no Ensino de Fungos, para além de diagnósticos sobre dificuldades no processo
pedagógico de ensino-aprendizagem? Por que as pesquisas sugerem como ensinar sobre
fungos, mas não por quê ensinar sobre fungos? Então, decidi partir dos dados de pesquisas
que já foram feitas para construir meu trabalho.
Para tentar responder algumas dessas questões era preciso compreender a história do
Ensino de Fungos, tanto para entender melhor esse campo de pesquisa, que está em
construção, como para entender como os fungos se tornaram um conteúdo específico da
educação básica e foco das pesquisas em Ensino. Para isso, busquei pela história da Micologia
no Brasil. Ela começou a ser feita por estrangeiros, exportando fungos brasileiros para
herbários no hemisfério norte, com pouco ou quase nada de devolutiva sendo dada para o
Brasil.
O conhecimento científico da micologia (como em vários outros campos da ciência)
foi construído como se aqueles fungos fossem uma descoberta, algo que ninguém conhecia ou
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sabia sobre, negando os conhecimentos dos povos originários que viviam (e vivem) por aqui.
Comecei a questionar sobre o apagamento desses conhecimentos e o que disso tudo é refletido
na escola e está presente nos problemas encontrados no Ensino de Fungos.
Então, minha pesquisa - que era sobre concepções de estudantes - teve que dar um
passo atrás… afinal, como é feita a pesquisa em Ensino de Fungos no Brasil? Quem pesquisa
sobre o Ensino de fungos? Quantos trabalhos têm sido publicados sobre isso? Quais são as
perspectivas de ensino desses trabalhos? Quais são os problemas do Ensino de Fungos
encontrados pelas pesquisadoras? Quais são as abordagens de ensino utilizadas pelas
pesquisadoras? Quais são os problemas que eu identifico a partir da leitura dessas pesquisas?
Neste sentido, o objetivo deste Trabalho de Conclusão de Curso é identificar e
problematizar quais são as perspectivas e abordagens do ensino de fungos na área de
pesquisa de Ensino de Ciências.
Procurar entender quais são as perspectivas de ensino e as abordagens presentes nas
pesquisas em Ensino de Fungos é buscar entender se existem outras pessoas pensando no
ensino de uma forma crítico-reflexiva, procurar parcerias que construam pesquisas pertinentes
à escola. É, também, buscar por pesquisadoras que não vejam nos fungos meros conteúdos
científicos, esvaziados do seu real potencial para a problematização e transformação da
realidade.
Para melhor compreensão do meu trabalho ele é dividido em três capítulos: No
primeiro busco compreender como os fungos tornaram-se um conteúdo escolarizado, assim
como discutir por quê e para quê ensinar sobre fungos. O segundo capítulo contextualiza a
pesquisa em Ensino de Fungos e a metodologia utilizada no trabalho. O terceiro capítulo tem
como objetivo apresentar as perspectivas e abordagens do ensino de fungos na área de
pesquisa em Ensino de Ciências, além de propor possibilidades para um ensino crítico-
reflexivo de Fungos.
22
1. CAPÍTULO I - O ENSINO DE FUNGOS NA EDUCAÇÃO BÁSICA
organismo unitário, célula coletiva, rebelião explosiva,
coluna zapatista, transfeminista, antifascista,
ressignifica, protagonismo organizado contra o
patriarcado imperialista.
organização só acontece com diálogo, que firma
conexão, nossa linguagem libertária não é monólogo, é
conversação, administração.
democracia não é só representação, é autogestão
comunitária, coletividade incendiária.
põe pra correr tubarão que bate o martelo, não seja
prego, nem seja pego, nos querem em cativeiro, mas
nossa voz vai ecoar, igual jogral, greve geral, alastrando
multidão, novo lugar.
nenhuma isca me fisga, nenhuma rede me engana,
nenhum cargueiro me leva, não nado só, não nado só,
não nado só.
(RAP PLUS SIZE, 2019)
1.1 POR QUE E PARA QUE PRECISAMOS APRENDER SOBRE OS FUNGOS?
Neste capítulo inicial buscamos discutir perspectivas sobre a ciência e como
entendemos a importância do ensino de ciências. Trazendo um resgate da história da
micologia no Brasil e traçando um paralelo com a história do ensino de Ciências, para que
possamos compreender como os fungos tornaram-se um conteúdo escolar. Tendo esse
apanhado e partindo de leituras freireanas pretendemos discutir por quê e para quê ensinar
sobre fungos, de forma a trazer sua relevância dentro de uma perspectiva crítico-reflexiva de
educação.
23
1.2 O ENSINO DE CIÊNCIAS E SUA IMPORTÂNCIA PARA O DESENVOLVIMENTO
HUMANO: EDUCAÇÃO BANCÁRIA X EDUCAÇÃO PROBLEMATIZADORA
Em um mundo de tantas culturas e histórias, os seres humanos têm construído
diferentes cosmovisões, jeitos de entender o mundo e a própria realidade. Nesse contexto, a
ciência vem como uma forma de compreender e explicar a natureza e suas relações, uma
forma de construir conhecimento. E a ciência, como sendo algo feito por seres humanos, faz
parte de um desenvolvimento histórico e de uma cultura própria. Sendo assim, ela tanto sofre
influências, como também é um fator de influência em vários aspectos da sociedade
(MARTINS, 2006).
Concordo com Ramos (2018) - mulher, amiga, cientista, feminista - sobre sua
percepção da ciência enquanto uma maneira de explicar o mundo que foi desenvolvida a
partir do pensar europeu, antropocêntrico, reduzido ao racionalismo. A ciência hegemônica é
carregada de racionalidade técnica atrelada à produção científica de formação técnico-
profissional (ligada às lógicas de progresso econômico e eficiência) invés de estar atrelada ao
desenvolvimento humano, de acordo com Van Manem (1977) apud Rocha (2013). Essa
mesma ciência hegemônica é excludente às classes oprimidas, por ser feita - em sua maioria -
pela elite, a favor do lucro, estando longe de um horizonte popular. Além disso, é uma ciência
que se construiu no domínio da natureza ao seu favor, para seu próprio conhecimento e
valorização.
Portanto a ciência, enquanto instituição que produz conhecimento e tecnologia, deve
ser reinventada, ela precisa existir a favor dos seres humanos, precisa estar à disposição do
povo. Ou seja, à disposição daquelas que vêm de baixo, as oprimidas pelas classes
dominantes, as que são deixadas de lado, também, pelo Estado e suas políticas públicas,
partimos dessa perspectiva para pensar o ensino de Ciências.
Como trazem em sua pesquisa, Nardi e Almeida (2004), o ensino de Ciências nas
escolas passou a acontecer no início do século XX. Então, a partir de 1950, as políticas
24
científicas e tecnológicas brasileiras se efetivaram de maneira mecanicista, com a falsa ideia
de neutralidade da ciência. Essa não considerava os “interesses e hábitos de diferentes atores
sociais em suas múltiplas relações, constituindo uma debilidade importante do pensamento
dessa época” (NASCIMENTO; FERNANDES; MENDONÇA, 2010, p. 226). Ou seja, não
estava em pauta como era produzida a ciência, nem quem utilizava os conhecimentos
científicos ou os acessava nas escolas ou na mídia.
Essa percepção sobre a ciência passa a ser questionada criticamente com mais
frequência por volta dos anos 60 e 70, a partir da degradação do ambiente visivelmente
acontecendo, junto ao desenvolvimento científico emergente. Então, “Ciência e Tecnologia
(CT) deixam o estado de desenvolvimento constantemente positivo e sua suposta neutralidade
para um estado em constante debate quanto à real eficiência desse modelo no
desenvolvimento humano.” (ROCHA; DUSO; MAESTRELLI, 2013, p.2).
As mudanças na ciência e em como ela era vista pelas pessoas interferem até hoje no
ensino de Ciências. E começa também na educação, na década de 70, a preocupação de inserir
nos currículos do ensino de Ciências tópicos sobre os impactos da ciência na sociedade:
Essa preocupação tem sua gênese em meados do século XX, quando em países
capitalistas centrais cresce um sentimento de insatisfação quanto ao
desenvolvimento científico, tecnológico e econômico, que não contribuía
efetivamente para um bem-estar social. […] Logo, o objetivo inicial da introdução
de temáticas em Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) na educação básica seria
promover uma educação científica e tecnológica que auxilie o cidadão a construir
conhecimentos, habilidades e valores necessários para tomar decisões na Sociedade
[…] ampliar a capacidade de participação democrática das camadas sociais distintas
à elite tecnocrata dominante, nas questões sociocientíficas relevantes a toda a
sociedade (ROCHA; DUSO; MAESTRELLI, 2013, p.2).
Apesar de muitas reformas curriculares e mudanças na educação, atualmente o ensino
de Ciências nas escolas costuma ser trabalhado numa perspectiva descontextualizada da
realidade do país. Desta forma, as alunas não têm acesso às condições necessárias para
relacionar seu cotidiano e o que estudam em Ciências (ROCHA; DUSO; MAESTRELLI,
2013). Esse ensino de Ciências corrobora com uma formação tecnicista das estudantes,
através de uma supervalorização do conhecimento científico e da compreensão da professora
25
enquanto uma especialista que apenas aplica técnicas de ensino e conteúdos cientificamente
fundamentados (BAPTISTA, 2018). Esse aprender descontextualizado da realidade das
estudantes pode ter como fim (mesmo que essa não seja uma intenção consciente) a mera
transferência de conhecimentos científicos esvaziados de sentido para elas.
Apesar da ciência ser uma atividade humana sócio-historicamente determinada, muitas
vezes, o ensino escolar dessa atividade pode estar reduzido a procedimentos, prescrições,
modelos e teorias científicas. É o que Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2011) explicam ser
o senso comum pedagógico do ensino das Ciências. Esse senso comum pedagógico faz
referência também a uma perspectiva de que para ser uma professora de ciências de
qualidade, basta dominar o conteúdo científico envolvido nas aulas. A partir do senso comum
pedagógico, presente em algumas abordagens do ensino de Ciências, o conteúdo passa a ser
inquestionável, sendo ele confundido com o conhecimento científico, reforçando a ideia
conturbada da neutralidade da Ciência e da hierarquização desse conhecimento sobre os
outros.
O Ensino de Ciências que é pautado na incontestabilidade da ciência - reduzido a um
ensino de procedimentos e conceituações - não busca a apropriação crítica desses
conhecimentos pelas estudantes, mas sim a mera memorização mecânica e reprodução dos
conteúdos. Então, uma relação de narradora-ouvinte é estabelecida para efetivar a
memorização, ou “absorção” de informações. As narradoras seriam as professoras, detentoras
do conhecimento; e as ouvintes as estudantes, passivas e vazias de conhecimentos (FREIRE,
2005).
Essa é uma concepção “bancária” da educação, nela a educadora aparece como uma
agente que deve “encher” ou “depositar” os conteúdos nas educandas (FREIRE, 2005). Desse
modo, quanto mais se deixam encher, melhores são as educandas. E quanto mais “enchem”,
melhores são as educadoras. Na educação bancária é criada uma realidade imutável:
educadora ensina, educanda aprende, nunca o contrário. Tão incontestáveis quanto as
26
educadoras, são os conteúdos escolares, que desconectados da realidade das estudantes são
palavras ocas, alienantes que têm - como traz Freire (2005, p.66) - “mais som que significado
e, assim, melhor seria não dizê-las”.
O senso comum pedagógico do ensino das Ciências é o ensino de palavras ocas e de
conceitos complicados, isso é uma consequência da educação bancária, tão presente nas
escolas e universidades do Brasil e do mundo. Trata-se de um ensinar Ciências sem
criatividade, sem busca pela transformação, porque nesse caso a verdade é uma só: a ciência
e a educadora são incontestáveis. Nesse ensinar criam-se robôs civilizados, invés de seres
humanos inventivos e críticos. Essa concepção de ciência e a educação bancária são
opressoras, pois podam a consciência crítica das educandas, impedindo a inserção delas no
mundo e a transformação do mundo por elas (FREIRE, 2005). A opressão está também na
intenção desse tipo de educação: transformar a mentalidade das oprimidas e não a situação
que as oprime, transformar a mentalidade delas para melhor as dominarem.
Mas é importante entendermos que a educação bancária não é culpa das educadoras,
pois estas se encontram, também, em situação de opressão e submissão a um sistema que as
explora. A educação reflete a estrutura do poder e a educação bancária é uma consequência
desse sistema que não fornece condições materiais e institucionais de trabalho para as
educadoras. As professoras são submetidas a limitações em sua atuação, como salas
superlotadas, falta de incentivo da gestão escolar, pouco material didático de apoio, além da
desvalorização dessa profissão no nosso país (ROCHA; SILVA, 2013).
Para contrapor a educação bancária, Paulo Freire propôs a educação problematizadora,
transformadora ou, como traremos adiante neste trabalho, o ensino crítico-reflexivo. Na
educação problematizadora não existe a busca por domesticar educandas e por desumaniza-
las a serviço da opressão. Pelo contrário, ela está a serviço da libertação e da busca pela
transformação da realidade. O ensino crítico-reflexivo, problematizador, busca superar esta
relação de que a educadora ensina e a educanda aprende. Contrapondo a educação bancária,
27
na educação que busca pela humanização tanto a educadora, quanto a estudante, ensinam e
aprendem, numa ação dialógica (FREIRE, 2005).
Nesse sentido, no ensino de Ciências contra-hegemônico, o conteúdo escolar não se
auto justifica, não possui um fim em si mesmo. Na realidade, ele é um meio para a ampliação
da compreensão das estudantes sobre sua inserção e atuação no e com o mundo. É um meio
para processo de conscientização, de desvelamento crítico da realidade natural, social,
econômica e política em que as estudantes estão inseridas (ROCHA; SILVA, 2013).
Está no ensino de Ciências - que reflete de forma crítica sobre a realidade - a
possibilidade de ensinar sobre esta forma coletiva de construir conhecimento, sobre a
importância da rigorosidade metódica da ciência, sobre a curiosidade, o compromisso com a
objetividade e com a criticidade.
Ensinar Ciências na perspectiva crítica de educação pode ser uma forma de o próprio
sujeito se perceber diante do mundo, compreender não só a historicidade do conhecimento,
mas também sua construção, rompendo com o esvaziamento de reflexão e criticidade trazido
anteriormente, porque a ciência é contestável e mutável, feita por pessoas que têm história e
intenções. O ensino crítico-reflexivo de Ciências deve buscar romper a supervalorização da
ciência e que traga a potência deste ensino para o processo de humanização, como traz Freire
(1993) é urgente que desmitifiquemos e desmistifiquemos a ciência, e que a coloquemos em
seu lugar, que a respeitemos.
Trazer às escolas como é construída a ciência, como o pensamento científico se dá,
como as pesquisas são feitas, como as tecnologias são construídas, de forma crítica, é
possibilitar o conhecimento amplo da ciência e da tecnologia. Apropriadas desses
conhecimentos as pessoas podem se posicionar, discordar de cientistas, colocar suas
prioridades nos temas de pesquisa e financiamento, em outras palavras, fazer o controle social
da ciência. E assim, tornar possível a compreensão mais ampla do mundo e suas situações
existenciais nele.
28
Ensinar Ciências pode ser uma forma de ensinar a compreender não só a historicidade
do conhecimento, mas também sua construção. Desse modo, o ensino crítico-reflexivo de
Ciências parte do diálogo problematizador e da “ética humanizadora capaz de gerir novas
percepções e ações sobre o papel da Ciência e da Tecnologia em nossa sociedade” (ROCHA;
DUSO; MAESTRELLI, 2013, p.4).
O ensino crítico-reflexivo de Ciências tem como horizonte que os sujeitos passem a se
compreender enquanto seres inacabados, como nos ensinou Freire (1996), que estão em um
eterno processo de aprender e ensinar. Sendo assim, esse ensino contribui para o
desenvolvimento humano, entendendo também a importância dos processos educativos para a
comunicação, para as trocas entre as pessoas. Defendemos um projeto de educação que tenha
por finalidade, também, fazer com que os sujeitos compreendam sua capacidade de
participação e trabalho coletivo. Só a partir da construção desse senso de coletividade, de
apoio mútuo, que podemos superar o individualismo rumo “à ideia de mobilização e
participação popular, para que os anseios individuais possam se traduzir em projetos
compartilhados, que objetivem uma sociedade mais democrática” (SOUZA; LOHN, 2012,
p.16).
Ao passo em que fazemos nossa luta anticapitalista e antirracista, de forma coletiva,
cobrando e exigindo nossos direitos, precisamos criar soluções imediatas que impeçam mais
morte e mais miséria. As soluções podem ser propostas também pela ciência, que deve ser
feita pelo povo e para o povo, criando tecnologias sociais e pesquisas que sejam
problematizadas através do ensinar e do aprender crítico-reflexivo, demonstrando o papel da
escola neste processo.
E, por fim, resgato a experiência histórica das mulheres espanholas anarquistas na
Guerra Civil da década de 1930, que acreditavam no poder da educação emancipatória, que
também tem o papel de criar com e nas estudantes
o entusiasmo com relação ao mundo e a mensagem de que podiam descobri-lo para
além dos contextos de opressão cotidiana. As pessoas eram encorajadas a
29
questionar, a valorizar suas experiências e percepções e a aprender umas com as
outras e com os professores. Essas iniciativas também queriam comunicar um
conjunto diferente de valores morais e substituir a resignação e a aceitação da
subordinação por um compromisso com o desenvolvimento pessoal em um contexto
de mutualismo e cooperação. (ACKELSBERG, 2019, p. 150).
1.3 DIFERENÇA ENTRE CONHECIMENTO ESCOLAR E CIENTÍFICO: QUAIS SÃO
SUAS CONTRIBUIÇÕES PARA O DESENVOLVIMENTO DA SOCIEDADE?
A dialogicidade da educação libertadora começa antes da interação educadora-
educanda propriamente dita, ela começa quando a educadora se pergunta em torno do que vai
ser dialogado com as educandas, quando começa a inquietar-se em torno do conteúdo
programático da educação e quais são os conhecimentos envolvidos nesse diálogo (FREIRE,
2005). Os conhecimentos são, portanto, construídos a partir da interação não neutra entre
sujeitos sobre a apreensão não neutra de um objeto sócio-historicamente preconcebido
(DELIZOICOV, ANGOTTI & PERNAMBUCO; 2011). Além disso, existem diferenças entre
o que é um conhecimento científico e o que, desse conhecimento, é importante para o
processo de construção dos conhecimentos escolares no ensino de Ciências.
O conhecimento científico é aquele produzido pela ciência, através de métodos
científicos, permeados de uma rigorosidade objetiva. Os métodos científicos não são uma
sequência linear de etapas, incluindo uma observação neutra do objeto de estudo que culmina
na criação de leis e teorias, assim como a rigorosidade objetiva não deve ser confundida com
a neutralidade dos sujeitos, das cientistas. A cientista é, na realidade, um ser humano falível
que tem intuição, criatividade, capacidade de análise e poder de síntese. Cientistas estão
envolvidas no amplo processo coletivo de construção do conhecimento, que não é linear e não
é neutro, como trazem Peduzzi e Raicik (2016).
Pessoas que estudam as questões do conhecimento criam análises epistemológicas
sobre o conhecimento científico e têm destacado que as concepções empirista e a racionalista
não se sustentam - concepções essas marcadas por considerar a cientista contemplativamente
neutra, numa perspectiva positivista, que coloca o pensamento racional e o conhecimento
30
científico como “superior” aos outros conhecimentos. Estas pesquisadoras apontam que para
explicar o surgimento de novos conhecimentos científicos, precisamos partir do pressuposto
de que as interações nunca são neutras entre sujeito e objeto e que essas interações exercem
papel importante na produção do conhecimento científico (DELIZOICOV, ANGOTTI &
PERNAMBUCO; 2011).
O conhecimento escolar é aquele construído no chão da escola, através da relação
dialógica entre educanda-educanda; educanda-educadora; conteúdos-educanda; conteúdos-
educadora. E no ensino de Ciências, o conteúdo utilizado para a construção do conhecimento
escolar, em parte, consiste nos conhecimentos científicos. No senso comum pedagógico a
diferenciação entre conhecimento científico e o escolar não é feita, o que causa a mera
reprodução do conhecimento científico acumulado pelas docentes, contribuindo para a
desumanização de todas envolvidas no processo de ensino-aprendizagem de forma alienadora
e silenciadora (ROCHA; SILVA, 2013).
Concordamos com Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2011) no que se refere ao
caminho complexo percorrido entre o contexto de produção científica até sua inclusão nos
currículos escolares, a transposição didática, que é influenciada por muitos fatores. A
transposição parte da contextualização adequada entre os conhecimentos científicos e os
conhecimentos das educandas, onde a escola ou a educadora é responsável por tornar os
conteúdos mais acessíveis aos diferentes níveis cognitivos a realidade das educandas. São
transformações com o objetivo de tornar o saber científico um saber a ser ensinado
(BATISTA FILHO et al., 2012).
Saber o conhecimento científico, ou seja, saber a Ciência é indispensável, mas não é
suficiente para saber sobre a Ciência e sobre como ensiná-la. Concordamos com Nascimento
(2017) a respeito do papel do Ensino de Ciências relacionado à importância de uma educação
em e sobre a Ciência. E que, para isso, é necessário conhecer a História da Ciência, seus
impactos sociais, incluindo também os que endossam relações sociais desiguais. O ensino de
31
Ciências, numa perspectiva problematizadora ou crítico-reflexiva da realidade, utiliza-se dos
conhecimentos científicos para construir os conhecimentos escolares junto das educandas,
possibilitando ampliações de suas percepções de mundo e a participação social das educandas,
sempre na busca de transformar suas condições opressoras de vida (ROCHA; SILVA, 2013,
p. 136).
1.4 CIÊNCIA E MICOLOGIA
Antes de entender como o conteúdo específico sobre os fungos se instituiu na escola é
necessário analisar como a micologia, o campo científico que os estuda, se constituiu no
Brasil. Para isso, realizamos um pré-levantamento bibliográfico sobre a história da micologia
brasileira. A pesquisa foi feita na Revista de Filosofia e História da Biologia. Nos volumes 1,
2, 3 e 4, que são seleções de trabalhos de Encontros de Filosofia e História da Biologia.
Buscamos título a título e não foi encontrado nenhum trabalho sobre micologia. Nos outros
volumes, como não havia ferramenta de busca, foi utilizada a ferramenta de localização de
palavras-chave pelo navegador, buscando por “fung” e “micol”. E, mais uma vez, não foi
encontrado nenhum trabalho relacionado à micologia nos 14 volumes da revista (2006 a
2019).
Então, tivemos que fazer uma busca exploratória por sites de pesquisa, como o Google
acadêmico usando as palavras “história, micologia, histórico da micologia” onde foram
encontrados materiais utilizados como referência. Também entram nesta revisão os artigos
impressos escritos por Oswald Fidalgo para a revista Rickia, que tivemos acesso através do
apoio do MICOLAB (Laboratório de Macrofungos da UFSC).
A primeira “descoberta” micológica feita pelo homem branco no Brasil não foi feita
por um brasileiro, mas sim pelo espanhol Padre José de Anchieta em 1560, de acordo com
Viegas (1959) apud Fidalgo (1968). Sendo assim, os primeiros registros do que viria ser a
história brasileira da micologia vêm do período da colonização do país. Não são registros da
história da micologia brasileira, pois são descrições e coletas de alguns fungos feitas pelos
32
colonizadores holandeses (1648), franceses (1767), entre outros, que foram enviadas aos seus
países de origem, não constituindo de fato a micologia brasileira, mas sim a estrangeira
(FIDALGO, 1968).
Além disso, foi em uma universidade portuguesa o primeiro contato de um brasileiro
com a micologia, em 1787 (FIDALGO, 1968). Ou seja, a micologia começa a ser construída
fora do país e, em grande parte, por estrangeiros. Isso pode ter acontecido pelo surgimento
tardio das universidades e da pesquisa científica no Brasil. Como traz Rocha (2018) houve
uma resistência forte ao surgimento das universidades no Brasil, vinda do controle do Estado
português com suas políticas de colonização e a cultura pragmática da sociedade colonial, que
não via necessidade da construção dessas instituições na colônia. Sendo assim, somente
pessoas pertencentes à elite poderiam buscar se formar no ensino superior e, para isso, iam
para a Europa estudar e pesquisar.
É importante reafirmar o que Fidalgo (1985) trouxe sobre o modelo de colonização
portuguesa, pois ela tinha como o objetivo explorar a terra e as gentes brasileiras, assim como
procurar localizar e extrair as riquezas naturais dessa terra, enviando-as para Portugal. Além
da exploração dos povos originários que eram assassinados, subjugados, torturados e
utilizados como força de trabalho pelos invasores portugueses. Os colonizadores agressores
foram responsáveis, também, pelo apagamento das histórias e informações desses povos
(FIDALGO, 1985), inclusive no que é relacionado ao uso dos fungos por diversas etnias que
aqui viviam e ainda sobrevivem.
Os colonizadores não queriam e não incorporaram os hábitos dos povos originários
relacionados ao uso dos fungos, nem do seu uso como alimento, tampouco como remédio. O
epistemicídio, ou seja, a negação e extermínio dos conhecimentos dos povos dominados é um
dos instrumentos mais eficazes da dominação étnica/racial, de acordo com Sueli Carneiro
(2005) partindo dos estudos de Boaventura Sousa Santos. O epistemicídio dos povos
33
originários criou cicatrizes na história do nosso país, assim como em tantos outros países
invadidos pelos imperialistas.
Em relação à história da micologia, o que aconteceu foi a negação desses
conhecimentos já existentes sobre os fungos e seus usos. Desse modo, a relação que os
homens brancos invasores tinham com os fungos possivelmente foi a que, historicamente,
tornou-se o senso comum do Brasil. Sobre os portugueses, Fidalgo (1968; 1985) os classifica
como micófobos, ou seja, um povo que nunca manifestou interesse pelos fungos e que sente
aversão por eles.
O que é diferente de muitos povos originários do nosso país, como por exemplo os da
etnia Yanomami da região de Matucará (Amazonas). As mulheres Yanomami dessa região
tem uma relação histórica com o fungo Përɨsɨ do gênero Marasmius, depois da coleta elas
utilizam os fungos na produção de cestos (Figura 1), portanto podemos considerá-las
pertencentes a um povo micófilo, que apresenta afinidade cultural com os fungos (Figura 2).
Além disso, a Associação de Mulheres Yanomami foi responsável por apresentar esse fungo a
cientistas, que o descreveram como uma nova espécie para a ciência, carregando o nome da
etnia: Marasmius yanomami, contribuindo para os estudos taxônomicos da micologia
(YANOMAMI; VIEIRA; ISHIKAWA, 2019).
Figura 1- Cesto sendo feito com Përɨsɨ
Fonte: https://acervo.socioambiental.org/acervo/publicacoes-isa/perisi-o-fungo-que-mulheres-yanomami-usam-na-cestaria
34
Figura 2 - Përɨsɨ segurados por mulher Yanomami.
Fonte: https://acervo.socioambiental.org/acervo/publicacoes-isa/perisi-o-fungo-que-mulheres-yanomami-usam-na-cestaria
Os estudos etnomicológicos apontam para o registro de muitos povos indígenas que
são micófilos pois, somente na Amazônia, existem cerca doze grupos étnicos que consomem
cogumelos, além de populações rurais e ribeirinhas (VARGAS-ISLA; ISHIKAWA; PY-
DANIEL, 2013). Ou seja, existem povos micófilos em nosso país, mas com o epistemicídio
feito pelos colonizadores esta relação de afinidade permanece exclusivamente com os povos
originários.
Esses registros coloniais da história da micologia fazem parte da primeira etapa da
micologia brasileira (FIDALGO, 1968), que foi um período marcado pelas expedições
científicas. Ou seja, um período em que a micologia brasileira foi construída por estrangeiros,
que vinham para o Brasil em expedições para coletar seus materiais de estudo. É importante
situar que somente 1808, com a transferência da sede do governo português para o Brasil, é
que começam a ser criadas as primeiras instituições estatais de ensino superior do país
(ROCHA, 2018) e isso refletiu na história da micologia brasileira.
A segunda etapa foi a da importação de técnicos estrangeiros, que aconteceu a partir
de 1840. Essa importação aconteceu por não haver escolas superiores no Brasil especializadas
35
no estudo de fungos na época, marcando uma tendência que inicia o debate sobre conservação
e criação de herbários particulares para conservar espécimes dentro do país. E por último, a
etapa da independência técnica, que aconteceu a partir de 1930, na qual as pesquisas
micológicas passaram a ser feitas em instituições, por técnicos brasileiros dedicados à ciência
aplicada, como a fitopatologia (FIDALGO, 1968).
Foi nas primeiras décadas do século XX que também começaram as pesquisas
brasileiras sobre os fungos agentes causais de micoses humanas. Em 1922 foi criada a unidade
de micologia e os primórdios da Coleção de Cultura de Fungos do Instituto Oswaldo Cruz.
Eram feitos estudos de taxonomia, fisiologia, morfologia de fungos e sobre agentes causais de
micoses humanas e veterinárias (INSTITUTO OSWALDO CRUZ, 2019). Sendo assim, a
micologia brasileira começou com os naturalistas pesquisando sobre morfologia, muito
relacionados aos estudos das plantas, passando pelos estudos relacionados às fitopatologias,
micoses, taxonomia e fisiologia.
Entendendo a história da micologia brasileira alguns questionamentos passam a surgir:
Essa relação íntima entre os estudos dos fungos e das plantas permanece atualmente? Quais
são as consequências de uma cultura hegemonicamente micofóbica? E quais são os efeitos da
origem da micologia (relacionada à agronomia e medicina) na concepção de ensino de Fungos
contemporânea? E também a reflexão necessária sobre a relação sócio-histórica de
substituição da possível afinidade dos povos originários com os fungos, pela relação micófoba
portuguesa que pode estar, em muito, relacionada à perspectiva utilitarista e ocidental sobre os
recursos naturais, que é condizente com a relação dos colonizadores com as
terras/gentes/histórias.
Qual é o papel da ciência na manutenção ou ruptura de uma cultura micófoba? Por que
continuamos imersas na cultura colonizadora, invés de buscarmos em nossos povos
originários conhecimentos que tenham, de fato, conexão com nosso contexto, nossa natureza e
com a nossas vidas? A relação de medo dos fungos, medo da natureza ou o entendê-la apenas
36
um recurso, disponível para ser usado, cria a separação entre sociedade humana e natureza,
como se fossem coisas distintas. Isso tudo, de acordo com Freitas, Tolentino-neto e Sano
(2011), estabelece a separação entre conhecimento popular e conhecimento científico, criando
o juízo de valores entre os conhecimentos, hierarquizando os saberes, reforçando o senso
comum pedagógico já citado. E qual o papel da escola nessa história?
1.5 MICOLOGIA E ESCOLA
A partir da última etapa da história da micologia, contada por Fidalgo, podemos
refletir sobre o ensino de Fungos, pois é nesse período em que os tempos da micologia
brasileira e do ensino de Ciências se cruzam. Um dos principais marcos da história da ciência
do Brasil, de acordo com Zarur (1994), é o surgimento de Manguinhos, em 1908, ano
próximo ao que Fidalgo classificou como a última etapa da história da micologia no Brasil.
Trata-se da primeira instituição nacional de pesquisa científica e zoológica e de saúde
pública do país. E esse surgimento acontece no momento em que doenças como verminoses,
febre amarela e chagas tomavam enorme importância no país. Esse fato acontece por conta do
movimento sanitarista, que acreditava que as doenças poderiam explicar o atraso de países
tropicais, desse modo “a ciência e as instituições científicas como Manguinhos apresentavam
não apenas soluções concretas, eliminando a febre amarela e outras doenças, como ainda
representavam uma esperança concreta de solução de problemas nacionais” (ZARUR, 1994,
p. 106).
Então, para “solucionar os problemas nacionais” as políticas públicas da época
incentivaram a produção de conhecimento científico em Manguinhos, com o horizonte de
promover ganhos para a qualidade de vida da sociedade brasileira, o que tornou essa produção
popularizada. O conhecimento científico da zoologia era carregado de uma perspectiva
utilitarista (que classifica os animais a partir de sua “utilidade” para os humanos), profilática
(relacionada à prevenção ou atenuação de doenças causada por animais), antropocêntrica (que
classifica os animais como inferiores em relação aos seres humanos) e sanitarista (que reduz
37
os animais a agentes causadores de doenças) e “tinha a missão de divulgar o higienismo e o
método científico para a população brasileira” (ROCHA; SILVA, 2013, p.143).
Como definem Rocha e Silva (2013):
A produção científica da Zoologia era objeto de dominação da elite sobre a
população brasileira, principalmente na escola, associada ao movimento sanitarista,
elitista estadual e acadêmico (...) o sanitarismo escolar é um movimento higienista
estatal que buscava impor padrões de saúde internacionais a partir de
intencionalidades de cunho econômico nacionalista comprometido com
medicalização social (p.144)
E nesse contexto político-social, envolvendo o desenvolvimento científico de
Manguinhos, junto do movimento escolar sanitarista, foi dada a inserção do ensino de
Zoologia como um dos espaços do currículo em ciências, com a função de divulgar e
contribuir para a promoção da Educação em Saúde (ROCHA; SILVA, 2013). E, não por
coincidência, é nesse momento da história que ocorreu a ascensão da micologia médica.
Adolfo Lutz - membro da Escola Micológica de Manguinhos - fez parte de uma das mais
importantes contribuições para a micologia médica da história. Em 1908, foi responsável pela
descrição dos dois primeiros casos mundiais de paracoccidioidomicose4 (SCHOENLEIN-
CRUSIUS; PAULA, 2014).
A micologia médica, enquanto campo de produção científica, teve sua ascensão no
mesmo período em que a zoologia médica, e ambas sofreram influências do movimento
sanitarista, sendo assim, teria o ensino de Fungos a mesma inserção nos espaços do currículo
escolar de Ciências que o ensino de Zoologia? Teriam ambas inserções acontecido nesse
mesmo momento? Teria o ensino de Fungos, naquele tempo, as mesmas perspectivas de
Educação em Saúde que o ensino de Zoologia? Outro ponto importante é sobre a abordagem
do tema “fungos” na educação básica, que costuma ser limitada a aspectos relacionados à
saúde/doença, partindo de uma perspectiva antropocêntrica de mundo que humanos costumam
atribuir aos fenômenos naturais (SOARES, 2014).
4 doença de pele causada por fungos.
38
Apesar de o ensino de ciências ter começado nas escolas brasileiras no início do
século XIX (SOARES, 2014), foi somente a partir de 1930 que começou a surgir uma nova
configuração das disciplinas escolares, pois foi quando começou o processo de equilibrar as
cargas horárias entre disciplinas de ciências e as de humanidades (WERTHEN; CUNHA,
2005). Isso aconteceu “sob a influência do movimento renovador da Escola Nova e do
Manifesto dos Pioneiros” (WERTHEN; CUNHA, 2005, p. 18).
Enquanto o ensino de Ciências estava ganhando mais espaço na educação, a micologia
girava em torno de pesquisas aplicadas, dentro das escolas de agronomia, estudando sobre
doenças causadas por eles nas plantas (fitopatologias) (FIDALGO, 1968). Ou seja, coincidem
os momentos em que o ensino de ciências estava em expansão - pela maior inserção de
Ciências na carga horária das escolas - com o estudo de Fungos sendo feito por agrônomos a
partir de doenças em plantas. Teriam as pesquisas científicas da época influenciado no que
estava sendo ensinado nas escolas sobre Fungos? Como era o ensino de Fungos nas escolas e
universidades no momento de ascensão da pesquisa sobre fitopatologias?
Esse contexto trouxe reflexões e corroborou com uma das características do ensino de
Fungos, a confusão entre fungos e plantas, trazida por Soares (2014):
Não é raro que organismos desse reino sejam confundidos com plantas ou mesmo
que suas características e importância biológica sejam desconhecidas por boa parte
da sociedade, mesmo a escolarizada. Sem pretender apresentar uma justificativa para
este fato, vale mencionar que sua causa pode estar na própria história da Biologia,
visto que esses seres já foram considerados plantas primitivas ou regeneradas, pela
ausência de clorofila e pelo caráter séssil dos seus representantes pluricelulares
(pg.3).
E este é um ponto importante na história da micologia: a recente a separação dos
fungos do reino das plantas, segundo Trabulsi (2005) “durante muito tempo, os fungos foram
considerados como vegetais e, somente a partir de 1969, passaram a ser classificados em um
reino à parte denominado Fungi” (apud MESSIAS; SALOMÃO, 2000, p.2). Desse modo,
tanto a pesquisa feita pela Micologia, quanto as de Ensino de Fungos estavam inseridas nas no
campo da botânica, o que pode explicar a escassez de pesquisas sobre o Ensino de fungos na
área de pesquisa em Ensino de Ciências.
39
Todos esses aspectos do campo de pesquisa acabam se transpondo na educação,
mesmo não tendo conhecimento da data de inserção do ensino de Fungos no currículo de
ciências, é possível observar similitudes entre o histórico da zoologia e da micologia. É pouco
provável que a inserção dos Fungos, como conteúdo escolar, tenha acontecido antes de sua
ascensão enquanto micologia médica e antes de haver políticas públicas incentivando essa
produção de conhecimento, entendendo que há uma relação íntima entre academia, políticas
públicas e escola (ROCHA; SILVA, 2013).
Os fungos estão entre as “habilidades recomendadas” para o ensino fundamental pela
Base Nacional Comum Curricular (BNCC). A Base deve dar direções aos “currículos dos
sistemas e redes de ensino das Unidades Federativas, como também às propostas pedagógicas
de todas as escolas públicas e privadas de Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino
Médio, em todo o Brasil” (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2019).
Por isso, é importante entender o que traz esse documento sobre o ensino de fungos.
De acordo com a BNCC, é importante que as estudantes consigam “relacionar a participação
de fungos e bactérias no processo de decomposição, reconhecendo a importância ambiental
desse processo. Verificar a participação de microrganismos na produção de alimentos,
combustíveis, medicamentos, entre outros.” (p.339, 2018).
É de se esperar que nesse documento as problematizações ou reflexão crítica a partir
de conteúdos específicos sejam evitados, pois a BNCC faz parte de uma política nacional de
reforma curricular oriunda de
uma ação coordenada pelo setor empresarial, ainda que associado diretamente a
agentes governamentais. Esta é a primeira e mais ampla dimensão da privatização,
um “movimento” de base empresarial que, “por fora” do Estado, é investido de
prerrogativas de governo. Mesmo que o texto tenha sido objeto de “consultas”
pulverizadas e on line, a participação organizada de educadores e universidades foi
insuficientemente considerada. Além disso, o documento sofreu reformulações em
decorrência de pressões de setores conservadores, resultando na exclusão de
questões relativas à identidade de gênero em sua formulação (ADRIÃO; PERONI,
2018, p.52)
40
A BNCC marca uma disputa pela privatização da educação que se pretende firmar
através da transformação de conteúdos da educação em mercadoria (ADRIÃO; PERONI,
2018). Então, é importante questionarmos a presença dos Fungos nesse documento, para
procurarmos entender quais os interesses desses setores relacionados a esse conteúdo
específico. Como prevê o documento, os Fungos devem ser ensinados esvaziados de
conhecimentos culturais e reflexivos sobre a realidade objetiva e social do país. Reforçando
uma perspectiva utilitarista e antropocêntrica do ensinar sobre os fungos.
Entendendo que a educação bancária é muito presente na prática docente, é possível
relacioná-la com um ensino de Fungos que limite os organismos a um aspecto aplicado
(fitopatologias e micoses) e, possivelmente, que deixe de lado sua diversidade e importância
na compreensão de diversos fenômenos biológicos, assim como a conexão que existe entre
esses seres e a realidade das educandas. Mas afinal, qual é a importância de aprender-ensinar
sobre os fungos distante de uma compreensão mercadológica e bancária de escola?
1.6 POTENCIALIDADES DO ENSINO DE FUNGOS
Eles estão embaixo da terra, em rede, interligando e comunicando, nutrindo,
transportando. Estão sobre a terra, crescendo, alimentando, transformando o alimento. Estão
na água, estão no ar, na areia, dentro e fora de corpos. Estão entre a vida e a morte, fazem da
morte a sua vida. São transformação, relação e coletividade. Apesar de toda sua boniteza e do
papel que têm nos processos fundamentais para a vida, muitas vezes, os fungos são lembrados
apenas como causadores de doença, com repulsa e medo.
Os fungos estão presentes no cotidiano das pessoas, mesmo que elas não percebam
a existência deles. Estão envolvidos desde a fabricação de alimentos - como os pães, queijos,
vinhos, cerveja - na forma de leveduras (fermento biológico) até a produção de antibióticos,
combustíveis, nas composteiras e dentro de nós, compondo nossa microbiota5. Eles têm uma
5 conjunto microrganismos presentes no corpo humano (TURNBAUGH, 2007).
41
biologia particular, além da alta diversidade e do fato de serem essenciais para a manutenção
de todos os ambientes naturais, através da prestação de muitos serviços ecossistêmicos -
decomposição, ciclagem de nutrientes, controle e manutenção de várias populações de outros
organismos - como traz Rosa e colaboradoras (2019).
Podemos problematizar questões que percorrem o globo e a vida das estudantes,
como a fome resultante da desigualdade social criada pelo sistema capitalista vigente,
partindo do ensino de Fungos. Afinal, esses são alimentos muito nutritivos, existem nas
florestas e podem ser cultivados em casa, com praticamente nenhum custo. Apesar disso,
seguem nas prateleiras de mercado com preços altíssimos, que não são acessíveis para todas.
Por que isso acontece? Também podemos discutir sobre a medicalização, sobre a indústria
farmacêutica e seus interesses sobre estes organismos e como se convertem em objeto de
ensino na escola.
Ensinar sobre fungos é um potencial para compreender, de fato, o que são alguns
remédios e como eles podem ser muito mais impactantes do que a bula ou a televisão nos
dizem. A partir do entendimento do papel decompositor dos fungos, podemos problematizar o
descaso das autoridades sobre os povos periféricos que caminham sobre o lixo da cidade. Por
que, mesmo sabendo da facilidade e do baixo custo para a construção de composteiras, o lixo
continua sendo todo despejado nas periferias sem qualquer tipo de cuidado? Por que há um
descaso tão grande com a existência e bem-estar desses povos? Por que em outras regiões de
uma mesma cidade existe a coleta regular de lixo?
Como essas questões podem ser resolvidas, em uma perspectiva coletiva, exigindo o
que nos é de direito? Ensinar sobre fungos para ampliar nossa percepção de mundo.
Problematizar essas questões é problematizar nossa realidade, com o horizonte de transformá-
la.
42
1.7 ENSINO DE FUNGOS EM UMA PERSPECTIVA CRÍTICO-REFLEXIVA
Apesar de toda a potencialidade do ensino de Fungos, muitas vezes, as práticas
docentes são limitadas à memorização de nomes de partes dos fungos, carregadas de
abordagens educativas pragmáticas. O que é resultado de um ensino de Fungos fruto de uma
perspectiva bancária de educação, tendo como características o ambientalismo e o
antropocentrismo, que serão trazidas adiante. Esse ensino causa o distanciamento entre
estudantes e o conteúdo específico, além de reforçar a cultura hegemônica que vê a natureza
como recursos, excluindo os seres humanos dela.
O que, de certa forma, corrobora com a cultura micófoba, que não entende os fungos
como parte de nossa cultura e da nossa história. Em contrapartida, temos o ensino contra-
hegemônico, onde os fungos são vistos como um meio para ampliação da compreensão das
estudantes sobre sua própria realidade, portanto um ensino que tem como objetivo a reflexão
crítica da realidade, a fim de transformá-la.
Pautamos o ensino crítico-reflexivo, problematizador, para superar a educação
bancária, na qual o conhecimento sobre fungos e suas minúcias (desconexas da realidade das
estudantes) são depositados nas estudantes, como se essas não tivessem algum tipo de relação
com os fungos, como se não convivessem com eles. Ensinar sobre fungos nessa perspectiva é
trazer à consciência das estudantes as relações com esses seres que elas já têm em suas
rotinas, rompendo com a herança micófoba portuguesa, se inspirando em culturas que
priorizam o contato e o respeito com a natureza, invés de sua aversão e uso como recurso.
Para que novos conhecimentos sobre o mundo e interações com ele sejam construídas a partir
do conhecimento dos fungos.
O conhecimento sobre os fungos na sua totalidade (relações com nosso corpo, com
outros seres vivos, do papel quanto decompositores, como alimento) - numa perspectiva
crítico-reflexiva da realidade - traz às educandas conhecimento sobre quem são. Existem
43
muitas espécies de fungos comensais6 no corpo humano, apesar de serem menos investigados
que as espécies bacterianas, eles habitam nossos corpos, temos em nós um microbioma. Como
Farias (2018) traz em seu trabalho o exemplo de uma estudante que pode sofrer uma crise de
candidíase, “uma infecção causada por fungos, que ainda é muitas vezes tratada como
sexualmente transmissível pela escola. Ou assim está nos livros.” (Ibid, p.26). A autora alerta
sobre a situação de desconforto em que essa aluna pode ser colocada, caso nunca tenha tido
relações sexuais e sua infecção continue sendo rotulada como “sexualmente transmissível”.
Concordamos com a autora, principalmente sobre o papel da escola, nessa e outras situações:
A escola precisa permitir momentos em que ela possa aprender e refletir que existem
microrganismos vivendo naturalmente em seu corpo. Mas se ocorre um
desequilíbrio como estresse, ansiedade, alta concentração de glicose no sangue,
ingestão de certos medicamentos, entre outros fatores, as chances de estes fungos
causarem doença são aumentadas [...] mulheres possuem o fungo responsável pela
candidíase naturalmente vivendo em seus corpos, não precisando ser transmitido de
ninguém (FARIAS, 2018, p.26).
O ensino de fungos, nesse caso, é também para superar o que está nos livros didático e
mais importante que isso: para a aluna, aprender de forma crítico-reflexiva sobre os fungos
seria a garantia de não ter que passar por tal desconforto (além do presente na infecção por si
só), seria aprender sobre si mesma, sobre seu corpo e sobre como decidir sobre ele.
Para ensinar e para aprender, precisamos partir da apreensão da realidade, realidade na
qual educandas e educadoras estão inseridas. O conhecimento de si é o conhecimento mais
profundo de nossa própria realidade. Se o conhecimento de si é menosprezado na sala de aula,
se não é trabalhado na escola, deixamos de aprender sobre nossa existência e, assim,
perdemos parte de nossa existência por si só. Se deixamos de lado parte de nossa existência,
parte do conhecimento de nossa realidade, perdemos também o poder de decisão consciente
sobre nossa realidade, sobre nosso corpo. Se não temos conhecimento de nossa realidade e
não podemos decidir de forma consciente sobre ela, deixamos essa decisão na mão de quem
tem, de fato, esse conhecimento (como a ciência, as grandes indústrias de alimentos e
remédios, o Estado). Se perdemos o potencial de decisão sobre nossas vidas, perdemos
6 Fungos que fazem associações mutualísticas com outros organismos, inclusive seres humanos, onde
no mínimo um dos envolvidos na relação tem algum benefício.
44
também a possibilidade de termos autonomia sobre nossos corpos, não existe a compreensão
da totalidade de nossa realidade e assim não conseguimos transformá-la.
Essa perspectiva de ensino está presente nas Diretrizes Nacionais da Educação Básica
de 2013, para qual a educação ambiental deve contemplar o “aprofundamento do pensamento
crítico-reflexivo mediante estudos científicos, socioeconômicos, políticos e históricos a partir
da dimensão socioambiental, valorizando a participação, a cooperação, o senso de justiça e a
responsabilidade da comunidade educacional” (p. 530). Dessa forma, temos acordo com as
diretrizes, nesse aspecto, pois através do ensino de Fungos é possível refletir de forma crítica
sobre muitos aspectos da realidade, como a alimentação, saúde pública, sobre o lixo, sobre a
hegemonia da cultura colonizadora e seus reflexos em nosso cotidiano, sobre a
biodiversidade, sobre a importância da comunicação e da coletividade, sobre transformação
da vida. As diretrizes também trazem como objetivo de ensino a importância da compreensão
integrada do meio ambiente e suas múltiplas e complexas relações, outra possibilidade a ser
alcançada através de um ensino crítico-reflexivo dos fungos.
2. CAPÍTULO II - A PESQUISA EM ENSINO DE FUNGOS
2.1 POR QUE E PARA QUE PRECISAMOS PESQUISAR SOBRE ENSINAR E
APRENDER CIÊNCIAS?
Apesar de o Ensino de Ciências já existir desde início do século XX, como trazido no
capítulo anterior, foi somente na década de 1970 que a pesquisa em Ensino de Ciências
passou a existir. Essa área de pesquisa teve seu início marcado pela busca em sanar
inquietações de professoras e licenciandas com problemas “específicos do processo ensino-
aprendizagem de conceitos científicos e com as concepções dos alunos sobre temas
relacionados ao conhecimento científico veiculado em sala de aula impulsionaram os estudos”
(MOHR; MAESTRELLI, 2012, p.27). E é nos encontros de pesquisa que discussões sobre o
teor e a qualidade dessas investigações científicas vêm acontecendo, assim como sobre a
45
relação entre as pesquisas, a sala de aula e a prática docente (DELIZOICOV; ANGOTTI;
PERNAMBUCO, 2011).
Portanto a pesquisa em Ensino de Ciências, desde sua origem, tem o papel importante
de alimentar a reflexão de professoras e licenciandas sobre a realidade, sobre suas práticas,
formação, materiais didáticos e leis que direcionam sua profissão, entre outras questões
relacionadas ao ensinar-aprender Ciências. Apesar da suposta efetiva disseminação dos
resultados das pesquisas entre as pessoas que estão nos espaços acadêmicos - ou que têm
acesso aos congressos e revistas científicas - “a apropriação, a reconstrução e o debate
sistemático dos resultados de pesquisa na sala de aula e na prática docente dos professores dos
três níveis” não seguem o mesmo caminho (DELIZOICOV; ANGOTTI; PERNAMBUCO,
2011). Existe uma dificuldade de aproximação entre esses polos que seguem muito
distanciados e é importante termos isso em mente durante todo o processo de pesquisa. Dessa
forma, é importante ressaltar e valorizar a formação de professoras de Ciências, que consiste
num espaço privilegiado de disseminação e apropriação crítica, pelas professoras, desses
conhecimentos produzidos nas pesquisas científicas.
2.2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA NA ÁREA DE PESQUISA EM ENSINO DE FUNGOS
Esta é uma pesquisa de abordagem qualitativa (LÜDKE, 1986). Dessa forma, não
empregaremos instrumentos estatísticos como base para nossas análises, mas sim buscaremos
descrever e interpretar a complexidade dos problemas encontrados ao longo do trabalho.
Então é uma abordagem que se contrapõe à quantitativa, também, por levar em conta tudo o
que compõe uma situação, suas interações e influências, de forma subjetiva, enfatizando
dados descritivos, não necessariamente quantificáveis (MAZUCATO, 2018).
No início de 2019 - para construir um referencial teórico consistente e diverso - foi
feita uma busca em dois eventos brasileiros de pesquisa em Ensino de Ciências e Biologia,
nos quais pesquisadoras de diferentes origens (cidades, estados e outros países) apresentam
seus trabalhos de diversas linhas temáticas, construindo encontros engrandecedores para a
46
área de pesquisa. Em algumas edições dos eventos, a busca foi feita de sumário a sumário e,
em outras, pela busca de palavras-chave. As palavras-chave utilizadas foram: fungos e
micologia.
No primeiro evento, o Encontro Regional de Ensino de Biologia Sul (EREBio), das
sete edições já realizadas, seis tinham seus trabalhos disponíveis online e/ou em CD físico.
Foram encontrados 10 artigos, a partir da leitura de sumário a sumário de cada edição, usando
(quando possível) a ferramenta localizadora de palavras (nos títulos e resumos) dos arquivos
de PDF. No segundo evento, o Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências
(ENPEC), das doze edições já realizadas, onze tinham suas atas disponíveis para acesso. A
busca foi feita de formas diferentes, dependendo do formato em que os trabalhos estavam
depositados (tabela 1) e encontramos 5 trabalhos. Nos deparamos com 15 artigos nos eventos,
mas selecionamos somente os que estavam com acesso disponível e que eram sobre o ensino
de Fungos. Dessa forma, no total, selecionamos 6 artigos a partir dos eventos.
Tabela 1 - Número de artigos encontrados e artigos selecionados na busca feita em eventos.
Nome do evento Artigos encontrados Artigos selecionados
EREBio 10 2
ENPEC 5 4
Total de artigos em eventos 15 6
Fonte: Elaborado pela autora (2019).
Além dos encontros, buscando maior pluralidade de pesquisas sobre a área de Ensino
de Fungos, foi feita uma consulta na Plataforma Sucupira. Dentro da área “Ensino” foram
selecionados os periódicos de qualis A1, A2 e B1 (quadriênio 2013-2016). Foram
selecionados somente os periódicos em versões digitais, de livre acesso e que tinham escopo e
foco condizente com o tema da pesquisa. Não foram selecionados periódicos relacionados ao
Ensino de Química, Física, Matemática e Medicina. Não foram selecionados periódicos em
língua inglesa, mas sim os periódicos em português e espanhol, tanto pelo meu conhecimento
47
das línguas, quanto por uma questão de priorizar e valorizar epistemologias de povos hispano
falantes, priorizando países latino-americanos.
Anterior ao Projeto de Conclusão de Curso, em 2018, cursei a disciplina Vivência em
Pesquisa II. Na Vivência realizei um trabalho de pesquisa no Núcleo de Estudos em Ensino de
Genética, Ciências e Biologia (NUEG). Para aquela pesquisa, fiz um levantamento
exploratório sobre o Ensino de Fungos em todas as edições da Revista de Ensino de Biologia
(REnBio) da Associação Brasileira de Ensino da Biologia (SBEnBio). Então, mesmo não
estando nos critérios que usei para este levantamento (por ser uma Revista de qualis B2 para a
área de Ensino), ampliei o levantamento até a última edição da revista (2012-2019) e inclui os
trabalhos selecionados na análise deste trabalho. Assim, um total de 27 periódicos foram
selecionados.
Dentro de cada periódico a busca foi feita dependendo das possibilidades de cada site,
a partir da leitura de sumário a sumário de cada edição, usando a ferramenta localizadora de
palavras (nos títulos e resumos) e buscas pelas mesmas palavras-chave utilizadas nos eventos.
Dentre os 27 periódicos selecionados, o de número 4 (Revista de Educación de las Ciencias)
não estava disponível online, portanto não foi efetuada busca nesta revista. No total, foram
encontrados 14 trabalhos, destes Artigos Encontrados (AE), foram selecionados somente os
que tivessem relevância para a pesquisa. Ou seja, apenas artigos que tinham o ensino de
Fungos como centralidade, deixando de selecionar aqueles em que a palavra “fungo” só
aparecia no decorrer do texto e pesquisas que não eram sobre ensino. No total, foram
selecionados 14 artigos dos periódicos.
Tabela 2 - Número de artigos encontrados e artigos selecionados por periódico selecionado.
Periódico Qualis Artigos
Encontrados
Artigos
Selecionados
1.CIÊNCIA & EDUCAÇÃO A1 0 0
2. ENSAIO: PESQUISA EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS A1 0 0
48
(ONLINE)
3. ENSENANZA DE LAS CIENCIAS A1 0 0
4. REVISTA DE EDUCACION DE LAS CIENCIAS A1 - -
5. REVISTA EUREKA SOBRE ENSEÑANZA Y
DIVULGACIÓN DE LAS CIENCIAS A1 0 0
6. ALEXANDRIA (UFSC) A2 0 0
7. ARETÉ - REVISTA AMAZÔNICA DE ENSINO DE
CIÊNCIAS A2 0 0
8. INVESTIGAÇÕES EM ENSINO DE CIÊNCIAS
(ONLINE) A2 0 0
9. PRAXIS A2 0 0
10. REEC. REVISTA ELECTRÓNICA DE ENSEÑANZA
DE LAS CIENCIAS A2 1 1
11. REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE CIÊNCIA E
TECNOLOGIA A2 0 0
12. REVISTA BRASILEIRA DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS A2 0 0
13. REVISTA ELECTRÓNICA DE INVESTIGACIÓN EN
EDUCACIÓN EN CIENCIAS A2 0 0
14. ABAKÓS B1 0 0
15. BIOTA AMAZONIA B1 0 0
16. CIÊNCIA & ENSINO B1 0 0
17. CIÊNCIA EM TELA B1 0 0
18. ENSINO DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA EM
REVISTA B1 0 0
19. EXPERIÊNCIAS EM ENSINO DE CIÊNCIAS B1 9 3
20. GONDOLA: ENSENANZA Y APRENDIZAJE DE LAS
CIENCIAS B1 0 0
21. REVISTA CIÊNCIAS & IDÉIAS B1 2 1
22. REVISTA DE EDUCACIÓN EN BIOLOGÍA B1 0 0
23. REVISTA DE LA FACULTAD DE CIENCIA Y B1 1 0
49
TECNOLOGIA
24. REVISTA ELETRÔNICA DEBATES EM EDUCAÇÃO
CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA B1 0 0
25. SCIENTIAE STUDIA (USP) B1 0 0
26. TEAR: REVISTA DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E
TECNOLOGIA B1 0 0
27. REVISTA DE ENSINO DE BIOLOGIA DA
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ENSINO DE BIOLOGIA
(SBENBIO)
B2 7 7
Total de artigos nos periódicos 20 11
Fonte: Elaborado pela autora (2019).
2.3 O QUE TRAZEM AS PESQUISAS SOBRE O ENSINO DE FUNGOS?
Foi feita a leitura dos artigos selecionados no levantamento bibliográfico e, para
melhor entendimento, os categorizamos em dois grandes grupos temáticos: Análises de livro
didático e práticas pedagógicas. Dos 17 artigos selecionados, 5 são sobre análises de livro
didático os outros 12 são a respeito de práticas pedagógicas de Fungos. Desse total, apenas
dois artigos não tinham autoria ou coautoria de mulheres, 9 artigos foram escritos e
publicados no sul do país e 8 nas outras quatro regiões do Brasil. Algumas autoras pontuam a
falta de pesquisas em ensino de Fungos e, até mesmo, a falta de discussão sobre eles na
educação básica (SILVA; MENOLLI JUNIOR, 2017; ROSA; MOHR, 2011; ZAPPE;
SAUERWEIN, 2018).
Queremos ressaltar que a leitura cuidadosa destes artigos e as posteriores análises
feitas a partir disso têm a finalidade de compreender como a área de pesquisa em Ensino
concebe o ensino de Fungos, partindo da uma perspectiva teórica freireana que adotamos.
Sendo assim, os apontamentos consequentes não devem ser entendidos como críticas ou
ataques às autoras das pesquisas, mas sim uma leitura nossa do campo de pesquisa,
entendendo as contribuições desses trabalhos para o campo de pesquisa.
50
Outras pesquisas trazem reflexões sobre práticas pedagógicas tendo os Fungos como
conteúdo específico (SOARES; LEMOS, 2017; POLANCZKY; VENZKE; GÜLLICH, 2013;
BARROS et al., 2015; ZIMMERMANN et al., 2014; SILVA et al., 2016; NASCIMENTO,
2005; ZAPPE; SAUERWEIN, 2018; OLIVEIRA; GIACOMAZZO, 2015; SHUVARTZ et
al., 2010; MOREIRA; SOUZA, 2016; MARQUES; MARTINS, 2014; PEDROSO;
AMORIM, 2010).
As reflexões desses trabalhos, num sentido geral, trazem a necessidade da superação
de aulas teóricas descoladas da prática e não concordam com o ensino que preza pela
memorização de conteúdos. Ao mesmo tempo que se contradizem, afirmando que as
atividades práticas ajudam a retomar os assuntos das aulas teóricas (POLANCZKY;
VENZKE; GÜLLICH, 2013), portanto, vendo na aula prática uma possibilidade de “facilitar”
a memorização, por exemplo dos nomes das partes morfológicas dos fungos.
Dentre essas pesquisas existem também as que tem foco em outros aspectos, como a
facilitação da aprendizagem significativa desse conteúdo (SOARES; LEMOS, 2017); a
importância da pesquisa como princípio educador - utilizando os Fungos como tema da
pesquisa (OLIVEIRA; GIACOMAZZO, 2015) e concepção de estudantes sobre a
decomposição (NASCIMENTO, 2005).
Dessa forma, existem contribuições da área de pesquisa em Ensino de Ciências para o
ensino de Fungos, desde o questionamento e análise profunda do conteúdo específico nos
livros didáticos, até reflexões e proposições de sequências didáticas sobre o assunto. Apesar
disso, nenhuma das pesquisas reflete sobre as possibilidades do ensino de Fungos para um
ensino problematizador, ou crítico-reflexivo. Fica evidente a necessidade de pesquisas que
contextualizem, também, a história da Micologia e como essa pode interferir no ensino de
Fungos. Faltam pesquisas que busquem entender quais são as perspectivas e abordagens do
ensino de fungos, partindo das investigações desse campo de pesquisa para identificá-las e
analisá-las, e é o que tentaremos fazer adiante.
51
3. CAPÍTULO III - Entre perspectivas e abordagens: Uma análise da produção da
área de pesquisa em ensino Fungos
3.1 PERSPECTIVAS DE ENSINO DE FUNGOS
De acordo com o dicionário escolar (ALETE, 2012) perspectiva é uma maneira de
considerar uma situação e ação a partir de um ponto de vista. Dessa forma, uma perspectiva
de ensino está relacionada a um ponto de vista teórico e sócio-político, que confere formas
coletivas e fundamentadas frente ao ensino. Então, quando nos colocamos a entender - a partir
das pesquisas - quais são as perspectivas de ensino que direcionam o ensino de Fungos,
estamos procurando saber “por que” e “para que” procura-se ensinar sobre Fungos.
Entendemos que as perspectivas de ensino de Fungos podem ser divididas em:
Perspectiva bancária e perspectiva crítico-reflexiva e essas duas categorias foram criadas
anteriores à análise dos artigos. É importante frisar que é esperado que as pesquisas se
aproximam mais de uma perspectiva do que de outra e que essa aproximação não acontece de
forma fixa ou dicotômica, as classificando como pertencente a uma ou a outra perspectiva de
ensino. Mas sim que, a partir do conjunto de suas categorias/concepções, as pesquisas
posicionam-se dentro de um espectro, de um gradiente de perspectivas de ensino de Fungos,
que tem a perspectiva bancária de ensino num extremo, e a crítico-reflexiva no outro.
Portanto, uma pesquisa que tenha sido considerada mais próxima à perspectiva crítico-
reflexiva, não está isenta de apresentar características comuns à uma perspectiva bancária e
vice-e-versa.
3.1.1 Perspectiva bancária do ensino de Fungos
Em síntese é uma perspectiva na qual os objetivos pedagógicos são centrados no
“depósito” de conteúdos, da educadora sobre a educanda, de forma acrítica e autoritária.
Numa perspectiva bancária do ensino a educadora é a que educa, as educandas são as que são
educadas; a educadora é quem sabe, as educandas as que não sabem; a educadora é quem diz
a palavra, as educandas as que devem escutar docilmente; a educadora escolhe o conteúdo
programático e as educandas jamais são ouvidas nessa escola como partícipes de sua
52
formação, se acomodam ao currículo, a educadora é sujeito do processo de ensino e as
educandas meros objetos deste. Como se a educadora identificasse a autoridade do saber à sua
própria autoridade funcional, que opõe antagonicamente à liberdade das educandas, de forma
que estas devem adaptar-se às determinações daquela (FREIRE, 2005).
Nessa perspectiva, as estudantes e seu saber não têm importância no processo de
ensino-aprendizagem, marcando um ato desumanizador que coisifica as estudantes e as
impossibilita de tornarem-se sujeitos de sua própria história (ROCHA; SILVA, 2013). O
ensino que parte da perspectiva bancária é aquele descontextualizado da realidade das
educandas, sem compromisso com a transformação social, mas sim com a adaptação, do
ajustamento dos sujeitos a sua realidade opressora. De acordo com Freire (2005, p.68):
“Quanto mais se exercitem os educandos no arquivamento dos depósitos que lhes são feitos,
tanto menos desenvolverão sua consciência crítica de que resultaria a sua inserção no mundo,
como transformadores dele. Como sujeitos.”
Essa perspectiva, portanto, trata-se de um ensino que busca descrever, classificar,
conceituar e reproduzir conhecimentos ao invés de criar novos. Dessa forma, a escolha do
conteúdo específico - o que é ensinado - e como esse conteúdo é ensinado são o foco do
processo pedagógico definidos somente pelos sujeitos do processo, os professores. No ensino
de Fungos podemos inferir que essas características refletem num ensinar meramente
conteudista, em que a única conexão entre a realidade das estudantes e o que é ensinado é
aquela que permita a memorização do conteúdo.
Essa conexão pode ser expressa em uma concepção antropocêntrica do ensino
bancário de fungos, na qual o foco de ensino é a relação direta entre fungos e seres humanos,
não havendo espaço para relações ecológicas que não nos tragam como o “centro” da relação
com o objeto de ensino. Dessa forma, no ensino de Fungos de característica antropocêntrica
o humano é o centro das relações, então o foco desse ensinar está ligado a uma percepção
dicotômica que divide os fungos entre os que prejudicam e os que auxiliam os seres humanos.
53
Dentro dessa concepção está a característica utilitarista do ensino bancário que classifica os
fungos a partir de sua “utilidade” para os humanos. No ensino bancário de fungos é
importante, então, ensinar sobre espécies “úteis”, como aqueles utilizados na biotecnologia,
na fitopatologia, na indústria alimentícia e na produção de remédios. Também relacionada a
característica antropocêntrica e pragmática do ensino bancário de Fungos existe a concepção
sanitarista que reduz os fungos a agentes causadores de doenças, sendo um ensino
relacionado às micoses em humanos e contaminação de alimentos feito por fungos.
Dentro da perspectiva bancária também podemos encontrar uma concepção
ambientalista de ensino de Fungos que é focada nos papéis ecológicos dos fungos com
outros seres vivos, de forma desconexa da realidade das estudantes, reforçando a ideia de que
os seres humanos não são parte da natureza. Estando intimamente relacionada à educação
ambiental conservacionista, onde a natureza é vista como algo que deve ser contemplado e
conservado sem a intervenção humana, limitando o ensino de Fungos a elementos que os
colocam como parte de uma natureza distante e intocada7. A educação ambiental
conservacionista vem de um discurso de mudança de comportamento individual esvaziado de
reflexões críticas, visa a conservação da natureza e dos recursos naturais, mas não questiona a
estrutura social que influencia a produção e o desgaste do meio ambiente. Nessa concepção
ambientalista o ensino de Fungos pode apontar para medidas paliativas à degradação
ambiental, mas não questiona criticamente suas causas (LAYRARGUES; LIMA, 2011).
3.1.2 Perspectiva crítico-reflexiva do ensino de Fungos
Trata-se de uma perspectiva onde os Fungos, como conteúdo escolar específico, são
vistos como um meio para ampliação da compreensão das estudantes sobre sua própria
realidade, portanto um ensino que tem como objetivo a reflexão crítica sobre a realidade, a
fim de transformá-la. Nessa perspectiva, a realidade das estudantes e seu saber são centrais no
7 para saber mais, indico a leitura de O mito moderno da natureza intocada (Antônio Carlos Diegues,
2001)
54
processo de ensino-aprendizagem, a escolha do que é e como é ensinado também são
importantes, mas não são o foco central do processo pedagógico, sendo o conteúdo meio para
se ampliar a reflexão sobre a realidade. No ensino crítico-reflexivo, portanto, é de muita
importância o conhecimento do por que (justificativas), para quê (objetivos) e para quem
(sujeito concreto) se ensina.
A partir da análise dos artigos foi possível identificar duas características/concepções
de Ensino da perspectiva crítico-reflexiva do ensino de Fungos. São elas:
- Natureza da ciência - nessa característica o ensino de Fungos tem relação com a importância
do ensino em e sobre a Ciência. E que, para isso, é necessário conhecer a História e Filosofia
da ciência (NASCIMENTO, 2017) - portanto, a natureza da micologia, seus impactos sociais,
incluindo também os que endossam relações sociais desiguais;
- Valorização Sociocultural - a questão da valorização da identidade sociocultural faz parte de
uma dimensão individual e de classe das educandas que deve ser respeitada, sendo
fundamental ao ensino crítico-reflexivo propor a reflexão sobre as contradições presentes na
realidade de forma a tornar a aprendizagem um processo de assunção do sujeito (FREIRE,
1996). Então, partindo dessa concepção o ensino de Fungos pode se dar na contextualização
do conhecimento das estudantes que deve ser feita a partir de aspectos socioculturais
relacionados aos sujeitos, à realidade e suas contradições e aos Fungos. Logo, esse olhar pode
ser uma importante forma para a superação da hierarquia dos conhecimentos científicos, em
detrimento dos populares, valorizando outros conhecimentos e epistemologias.
3.2 ABORDAGENS DO ENSINO DE FUNGOS
Já a abordagem é uma ação ou resultado de abordar, um modo como é tratado
determinado assunto (ALETE, 2012), neste caso, um modo de ensinar sobre os fungos. Então,
quando procuramos compreender quais são as abordagens de ensino de Fungos que as
pesquisas trazem, procuramos saber como e o que é ensinado sobre Fungos. É importante
entendermos que todas as abordagens partem de alguma perspectiva de ensino. E que as
55
perspectivas do ensino são expressadas ou materializadas, através das abordagens e suas
estratégias metodológicas. Uma mesma perspectiva pode ter suas características expressadas
em diferentes tipos de abordagens. Assim como uma abordagem - dependendo do contexto e
dos objetivos de ensino - pode aproximar o ensino de uma ou de outra perspectiva (Figura 3).
Figura 3 – Diagrama das relações entre as perspectivas identificadas nos artigos e suas
características de ensino e como essas podem ser expressas através de diferentes abordagens.
Fonte: Elaborado pela autora (2019).
3.3 PERSPECTIVAS E ABORDAGENS DO ENSINO DE FUNGOS IDENTIFICADAS
NAS PESQUISAS SOBRE ANÁLISES DE LIVRO DIDÁTICO
Dentre as pesquisas sobre o conteúdo “Fungos” nos livros didáticos (ROSA; MOHR,
2010, 2011; ROSA; SILVA, 2014; MESSIAS; SALOMÃO, 2000; SILVA; MENOLLI
JUNIOR, 2017) estão algumas contribuições sobre erros conceituais presentes nos livros, que
podem reforçar a confusão entre fungos e plantas, por exemplo, inclusive para as professoras.
Nenhuma dessas pesquisas comenta sobre a necessidade de trazer nesses materiais aspectos
socioculturais relacionados aos fungos, tampouco citam a micofobia hegemônica no país.
Entendendo a importância dos livros didáticos que seguem ocupando um “papel
central nos processos pedagógicos nas escolas de Educação Básica” (ROSA et al., 2019, p.
618) é preocupante que os conteúdos dos livros didáticos estejam centralizados em aspectos
56
tão específicos dos fungos: biotecnologia, ciclo de vida, saúde. Não são os aspectos em si que
preocupam, mas sim a descontextualização dos mesmos, o que limita a atuação das
educadoras que usam o livro didático como referência. Logo, retomamos a necessidade de um
ensino crítico-reflexivo que contextualize os fungos na realidade das estudantes, de forma a
explorar as possibilidades dos livros didáticos frene as relações culturais entre os povos, seus
meios de vida, evidenciando assim o silenciamento dessas culturas pelos colonizadores.
Também é perceptível e preocupante que as pesquisas sobre tais materiais não tragam
apontamentos ou proposições pertinentes à pratica docente, centralizando as analise em erros
conceituais. A percepção dos erros conceituais é muito importante, mas pouco se discute as
potencialidades do material frente a formação discente.
É importante ressaltar que das 5 pesquisas selecionadas sobre análises de livro
didático, 3 são da autoria de Rosa e colaboradoras, autoras de vínculo com a Universidade
Federal de Santa Catarina, portanto é previsível que esses mesmos artigos não tenham muitas
divergências quanto à perspectiva de ensino. Sendo que dois - dos três artigos escritos por
Rosa - são idênticos, mas foram publicados em locais diferentes, um em evento (ENPEC,
2011) e outro em um periódico (Experiências em Ensino de Ciências, 2010). Os outros dois
artigos são de autorias diferentes e ambas vêm do Sudeste.
Em nenhum dos trabalhos de análise de livro didático é feito o questionamento do
por que ou para que ensinar-aprender sobre os Fungos, apesar de todos trazerem diferentes
importâncias dos Fungos para a manutenção de todas as formas de vida (SILVA; MENOLLI
JUNIOR, 2017), para a economia e para a saúde (MESSIAS; SALOMÃO, 2009), além da
importância relacionada ao papel desses seres vivos no meio onde se estabelecem (ROSA;
MOHR, 2011). A partir da análise dos artigos podemos inferir que a necessidade do ensino
escolar desse conteúdo específico justificasse através da importância dos papéis
desempenhados pelos Fungos no meio ambiente. Então, nos parece que para as autoras, as
educandas deveriam aprender sobre fungos devido a sua importância ecológica, econômica e
para saúde humana.
Penso que a falta de reflexão com relação ao por que ou para que ensinar sobre os
Fungos vinda das autoras dos artigos pode aproximar estas pesquisas a uma perspectiva
bancária de ensino. Assim como a falta da clareza dos objetivos nos livros didáticos
57
perceptível nas análises pode marcar uma aproximação à perspectiva bancária de ensino de
fungos na maioria dos materiais, uma vez que não superam a aquisição conceitual em direção
a uma formação sociocultural. Portanto, é possível identificar algumas concepções do ensino
bancário de Fungos nessas pesquisas que trataremos adiante.
A concepção ambientalista do ensino de Fungos está presente na pesquisa de Silva e
Menolli Junior (2017). As pesquisadoras usaram os aspectos ecológicos como um critério de
análise dos livros didáticos, elas trazem que quase todos os livros didáticos analisados
apresentam “a importância dos fungos na ciclagem de nutrientes nos ecossistemas e a
relevância dessa função para a manutenção de todas as formas de vida” (SILVA; MENOLLI
JUNIOR, 2017, p. 252). Essas autoras, mesmo verificando a presença dos aspectos ecológicos
na maior parte dos livros, ressaltam que “muitas das informações apresentadas nas obras
poderiam ser reformuladas ou mais bem discutidas” (Ibid. p. 253). A concepção ambientalista
dentro da educação bancária está intimamente relacionada à educação ambiental
conservacionista. Em oposição a ela teríamos a educação ambiental crítica, que não é
mencionada no artigo, e estaria próxima de uma perspectiva crítico-reflexiva. Essa concepção
estaria relacionada com um ensino de Fungos pautado na problematização das desigualdades
e injustiças socioambientais - como descaso do Estado com o lixo - e as possibilidades
relacionadas aos fungos e a compostagem, por exemplo. Assim como o questionamento dos
modelos de desenvolvimento e da sociedade, entendendo o ser humano como parte da
natureza, como trazem Layrargues e Lima (2011).
O mesmo artigo traz a abordagem cientificista em alguns aspectos que as autoras
classificam como “aspectos teóricos”. Nesse critério de análise são trazidos os conteúdos dos
livros relacionados às características gerais; estrutura e morfologia; classificação e evolução; e
reprodução dos fungos. Há no trabalho uma preocupação grande com estes aspectos teóricos
sobre os Fungos nos livros didáticos. Nesses aspectos o artigo traz um trabalho minucioso de
pesquisa, onde localiza todos os erros conceituais dos livros e os contrapõe com dados
recentes da micologia. Sendo assim é uma pesquisa de grande contribuição para um ensinar
com foco em conhecimentos científicos atualizados.
Já na pesquisa de Messias e Salomão (2009) - que analisa tanto livros didáticos de
Ciências do Ensino fundamental quanto livros didáticos do ensino superior - a aproximação à
perspectiva bancária de ensino está, também, no ato de ensinar: “os conteúdos científicos
58
acabam por serem transmitidos aos alunos de forma defasada, resumida ou equivocada” (Ibid,
p. 2). Nesse trecho é possível identificar um dos pressupostos do ensino bancário, no qual as
educadoras são agentes que têm como tarefa encher, depositar ou transferir conteúdos nas ou
para as educandas. Em oposição a isso temos, na perspectiva crítico-reflexiva, o pressuposto
de que ensinar não é transferir conhecimento, mas sim criar possibilidades para a sua
construção (FREIRE, 2005).
Messias e Salomão (2009) também citam aspectos econômicos relacionados aos
fungos, a existência de fungos “venenosos” e as micoses presentes nos livros didáticos
escolares, flertando com uma concepção antropocêntrica e sanitarista do ensino. A ausência
desses pontos nos livros acadêmicos é trazida como consequência da transposição didática,
que “envolve um processo de identificação e seleção de assuntos considerados importantes
para população em geral” (Ibid, p. 5). Há neste trabalho uma contribuição importante sobre as
diferenças do ensino escolar e do ensino acadêmico de fungos. Afinal “os livros didáticos
escolares dão ênfase aos tópicos relevantes para a população em massa, procurando ligações
com o cotidiano, os livros didáticos acadêmicos dão ênfase somente a aspectos científicos.”
(Ibid, p. 9). Nesse trecho, as autoras ainda trazem elementos que apontam para a necessidade
de uma abordagem relacional dos livros escolares, prezando pela relação conteúdo x
cotidiano e, em oposição a isso, a abordagem cientificista dos livros acadêmicos voltada à
micologia.
Por isso o trabalho de Messias e Salomão (2009) traz dados que corroboram para um
foco cientificista do ensino de fungos presente na abordagem do tema nos livros didáticos. É
pontuado que existem conteúdos presentes, tanto nos livros didáticos escolares, quanto nos
acadêmicos e que, portanto, de acordo com as autoras são considerados teoricamente
relevantes para o ensino. Estes conteúdos são os mesmos classificados por Silva e Menolli
Junior (2017) como os “aspectos teóricos” dos fungos e, portanto, precisam estar
cientificamente coerentes. As autoras apontam que os erros conceituais presentes nos livros
podem ter relação com o processo de transposição didática do conhecimento científico,
fazendo com que esses assuntos passem a conter erros e lacunas ao serem apresentados de
forma resumida. Dessa forma, Messias e Salomão (2009) - apesar de reconheceram a
importância de uma maior relação do conteúdo com o cotidiano - apontam para uma
59
necessidade de aprender mais sobre os aspectos teóricos, reforçando a abordagem
cientificista dos livros didáticos e do ensino de Fungos.
A abordagem presente na maioria dos trabalhos foi a experimental, valorizando a
presença dos experimentos científicos em muitos dos livros didáticos analisados (SILVA;
MENOLLI, 2017; MESSIAS; SALOMÃO, 2009; ROSA; MOHR, 2010, 2011) e ressaltando
sua importância para o ensino de Ciências (SILVA; MENOLLI, 2017; MESSIAS;
SALOMÃO, 2009). Para Silva e Menolli Junior (2017) as aulas experimentais são
importantes por tornarem a aula mais motivacional e por proporcionarem às educandas o
“desenvolvimento de habilidades relacionadas à realização de procedimentos, manipulação de
equipamentos, elaboração e teste de hipóteses, aprofundamento e consolidação de
conhecimentos” (Ibid, p. 262). Já para Messias e Salomão (2009) os experimentos são
recursos didáticos utilizados com intuito de chamar a atenção de quem faz uso do material.
Apesar das cinco pesquisas se aproximarem a uma perspectiva bancária de ensino, são
perceptíveis outras abordagens nos trabalhos com foco em aspectos mais relacionados a um
ensino crítico-reflexivo. Entre estas temos a abordagem relacional, que articula o conteúdo
escolar com o cotidiano das estudantes presente em quatro das cinco pesquisas e a valorização
dos conhecimentos prévios das estudantes (ROSA; MOHR, 2010, 2011; ROSA; SILVA,
2014).
Mas é importante trazer que essas abordagens não garantem um posicionamento
transformador ou crítico-reflexivo de ensino. Se os aspectos do cotidiano, ou conhecimento
prévio do aluno, restringirem-se à dimensão biológica, não há a intencionalidade de
problematizar os Fungos para contextos sociais, políticos e econômicos mais amplos a qual as
educandas estão imersas.
Esse caráter transformador só pode ser atingido se o diálogo entre sujeitos e seu
conhecimento for evidenciado. Deve-se então partir da problematização de
contradições sociais, materiais, políticas e econômicas inerentes às relações entre os
seres humanos com o meio ambiente (ROCHA, 2013, p. 196).
O que poderia aproximar o trabalho de Silva e Menolli (2017) de uma perspectiva
crítico-reflexiva são os elementos sobre a aprendizagem significativa presentes nos livros
didáticos. Essa aproximação se efetivaria se a aprendizagem significativa, estivesse
comprometida com a percepção crítica da realidade (MOREIRA, 2010). Entretanto, na
60
pesquisa em questão esse ponto é citado brevemente, não sendo suficiente para inferirmos
tratar-se de uma abordagem crítica da aprendizagem significativa.
O artigo aponta os “aspectos sociais” presentes nos livros didáticos como àqueles
relacionados às doenças, indústria, alimentação e medicina. Dessa forma, fica evidente que os
“aspectos sociais” podem ser reduzidos às características sanitaristas e utilitaristas de uma
perspectiva bancária da educação. Em contrapartida poderíamos ter na perspectiva crítico-
reflexiva uma abordagem relacional comprometida com a valorização cultural das educandas,
por exemplo.
Apesar de algumas das pesquisas se aproximarem, em alguns aspectos, de uma
perspectiva crítico-reflexiva do ensino de Fungos, elas estão mais ligadas a uma perspectiva
bancária de ensino. Também é importante frisar que os livros didáticos são utilizados por
professoras da Educação Básica não somente para “consulta” dos conteúdos a serem
ensinados, mas também como “um conjunto de propostas pedagógicas que passa a influenciar
de modo decisivo a ação docente, além de esses materiais serem aceitos como substitutos de
uma preparação profissional mais completa” (MESSIAS; SALOMÃO, 2009, p. 2). Dessa
forma, é preocupante que a perspectiva bancária esteja tão presente nesses materiais e não
podemos esperar que uma subversão dessa perspectiva seja responsabilidade apenas das
docentes da educação básica. É necessária uma transformação dos livros didáticos, partindo
de uma perspectiva crítico-reflexiva do ensino de Fungos, através de concepções de
valorização da cultura, da necessidade de uma educação ambiental crítica, do ensino da
natureza da ciência e da aprendizagem significativa crítica dos conteúdos.
É preciso suscitar uma transformação na área de pesquisa, de forma a possibilitar a
emersão de trabalhos mais pertinentes à realidade escolar, e isso seria feito se as docentes
fossem consideradas mais do que objetos da pesquisa, mas os sujeitos do processo educativo.
É nosso papel enquanto pesquisadoras da área de pesquisa em Ensino de Ciências, nos
comprometermos em nossos trabalhos à provocar reflexões no campo de pesquisa e junto às
61
docentes, frente aos limites e potencialidades de suas práticas e junto aos livros didáticos.
Todas essas transformações devem acontecer, sempre, pautando-se no processo de
humanização dos sujeitos envolvidos, tanto de quem se utiliza dos materiais, quanto de quem
os analisa e os produz, para que se apropriem dessas produções de forma crítica e
contextualizada.
3.4 PERSPECTIVAS E ABORDAGENS DO ENSINO DE FUNGOS IDENTIFICADAS
NAS PESQUISAS SOBRE PRÁTICAS PEDAGÓGICAS
A perspectiva predominante do ensino de Fungos identificadas nas pesquisas que
analisam práticas pedagógicas foi a bancária, pois 7 artigos se aproximam dessa, enquanto os
outros 5 aproximam-se de uma perspectiva crítico-reflexiva. Essas perspectivas foram
identificadas a partir do que as autoras consideram ser a construção de conhecimento,
contextualização do ensino com a realidade das estudantes e objetivos de ensino.
3.4.1 Perspectiva bancária de ensino
Identificamos em 7 artigos uma aproximação à perspectiva bancaria de ensino de
Fungos (NASCIMENTO, 2005; POLANCZKY; VENZKE; GÜLLICH, 2013; MARQUES;
MARTINS, 2014; SHUVARTZ et al., 2010; SILVA et al., 2016; ZAPPE; SAUERWEIN,
2018; BARROS, 2015) e conseguimos apontar algumas semelhanças entre eles, como a
ausência de uma reflexão crítica sobre o por que e para que ensinar sobre os Fungos, o que
reflete em práticas pedagógicas descritivas, classificatórias e conteudistas. Portanto o por que
(justificativa) e para que (objetivo) ensinar alguma coisa, dentro de uma perspectiva bancária,
são fundados na racionalidade técnica, com foco na memorização de conceitos técnicos
específicos.
Apesar de apresentarem alguns aspectos que poderiam estar relacionados com uma
perspectiva crítico-reflexiva de ensino, como a importância da criticidade e da autonomia das
estudantes (ZAPPE; SAUERWEIN, 2018; BARROS 2015; SHUVARTZ et al., 2010; SILVA
62
et al., 2016), ambos aspectos são abordados de forma descomprometidas com a transformação
realidade das estudantes. A criticidade para Zappe e Suerwein (2018), por exemplo, é
importante para que as estudantes façam “produções de qualidade”, estando dentro de uma
mera lógica produtivista, sem aprofundar o que as autoras caracterizam como “qualidade”.
Para Barros et al. (2015) a autonomia das estudantes no processo de aprendizagem é reduzida
ao de ensino, responsabilizando as estudantes por sua aprendizagem frente aos Fungos. Logo,
para as autoras, tanto a criticidade, quanto a autonomia não são entendidas como
fundamentais para que estudantes possam problematizar sua própria realidade e muito menos
à possibilidade de serem agentes transformadoras delas, distanciando-se de uma perspectiva
crítico-reflexiva.
Sobre o processo de construção do conhecimento, Nascimento (2005, p.80) traz que “a
professora deve preparar suas estratégias e elaborar as mensagens que deseja transmitir”. Um
ensinar que esteja próximo a uma perspectiva bancária é justamente o que entende os
conhecimentos como algo que pode ser transferido, transmitido, depositado. Ficando nítida,
nesse aspecto, a aproximação desse trabalho com a perspectiva bancária. O que reforça,
também, que o trabalho docente deve dedicar-se na mensagem a “ser transmitida” e não
necessariamente no por que ou para que transmiti-la.
A concepção ambientalista do ensino de Fungos está presente no foco da prática
pedagógica relatada por Barros e colaboradoras (2015), onde o foco de toda a prática está
relacionado ao mofo e seu papel decompositor. Esses aspectos mostram a importância dos
fungos para o meio ambiente, e não constrói reflexões críticas sobre tal processo na realidade
das estudantes. Dessa forma o ensino de Fungos é reduzido a uma concepção ambientalista
conservacionista, aproximando-se de uma perspectiva bancária de ensino. É importante frisar
que o problema do ensino não é o papel ecológico dos fungos, mas sim reduzir a prática
pedagógica a esse aspecto, distanciando o potencial problematizador desta.
A característica ambientalista também está presente na pesquisa de Silva et al. (2016),
pois as autoras justificaram a importância do ensino dos fungos e da sua preservação para a
manutenção do habitat florestal, o que nos remete à educação ambiental conservacionista.
63
Elas propõem um foco que reduz os fungos a meros cicladores de nutrientes e
decompositores. Dessa forma, o ensino de Fungos é justificado por auxiliar na preservação do
meio ambiente, mas não questiona criticamente as causas da degradação ambiental.
Já a característica antropocêntrica está presente no conjunto de práticas propostas por
Marques e Martins (2014). As aulas permeiam somente assuntos da micologia relacionados
aos seres humanos, como a produção e decomposição de alimentos, como o pão. Dessa forma,
somente os fungos que tenham alguma relação com os seres humanos são abordados. O foco
das práticas é relacionado a uma característica sanitarista, dando ênfase para os fungos que
“prejudicam” os humanos pela decomposição dos alimentos. O problema com essas
concepções, novamente, é o fato de reduzirem o ensino a aspectos tão específicos, que não
têm como horizonte uma reflexão crítica sobre a realidade, não refletindo os possíveis
sentidos e significados da produção e consumo de alimentos.
A concepção antropocêntrica pode trazer elementos que busquem relacionar o
conteúdo escolar com a realidade das estudantes, mas não se aproxima de uma perspectiva
crítico-reflexiva de ensino, pois a realidade serve meramente para ilustrar o conteúdo. Desse
modo, os Fungos acabam evidenciados como agentes causadores de doenças ou apenas
apresentados como matéria-prima para a produção de antibióticos, de queijos, e fermentação
de bebidas” (Ibid,, p. 2). Diferente da problematização, que numa perspectiva crítico-reflexiva
buscaria a partir da realidade das estudantes entender quais conteúdos deveriam ser
trabalhados, para refletir criticamente sobre problemas de cunho socio ambiental.
No mais, é desafiador buscar refletir criticamente sobre as perspectivas de ensino
presentes no discurso e nas práticas das autoras dos artigos. Uma vez que muitos artigos só
trazem questões relacionadas às abordagens de ensino, impregnadas de o que e como ensinar,
além de muitos estarem esvaziados de posicionamentos sócio-políticos, que acabam sendo
meros relatos com o objetivo de produzir um trabalho acadêmico, não tendo como fim a
reflexão e contribuição da pesquisa para a prática educativa de quem escreve e de quem lê.
3.4.2 Perspectiva crítico-reflexiva de ensino
Entre as pesquisas que se aproximam de uma perspectiva crítico-reflexiva temos
SOARES; LEMOS, 2017; OLIVEIRA; GIACOMAZZO, 2015; MOREIRA; SOUZA, 2016;
64
PEDROSO; AMORIM, 2010; ZIMMERMANN et al., 2000). Um ponto em comum entre as
pesquisas que se aproximam da perspectiva crítico-reflexiva é o processo de construção do
conhecimento contextualizado com a realidade, apontando para a transformação da mesma.
Como trazem Pedroso e Amorim (2010, p. 3840) é o processo de ensino-aprendizagem que
“possibilitará o estudo, o conhecimento e a intervenção da realidade, além da constituição de
objetivos para sua transformação”. Ou seja, podemos relacionar esses aspectos à perspectiva
crítico-reflexiva do ensino, pois “será a partir da situação presente, existencial, concreta,
refletindo o conjunto de aspirações do povo, que poderemos organizar o conteúdo
programático da educação ou da ação política” (FREIRE, 1996, p.100).
Zimmermann e colaboradoras (2000, p. 1215), também próximas desta perspectiva,
trazem a importância da associação entre teoria e prática aliadas à reflexão “partindo do
contexto ou realidade para a significação dos conceitos”. Soares e Lemos (2017) acreditam
que a escola deve permitir que as educandas compreendam fenômenos sociais como um todo
para poder interferir nos mesmos. Além disso, é papel da escola estar comprometida com o
processo de tomada de decisão, de forma a lhes propiciar “elementos para um posicionamento
crítico e ativo socialmente, bem como perceber-se integrante e agente transformador de sua
realidade” (Ibid, p. 3). Afinal ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, mas os
seres humanos se educam entre si, mediatizadas pelo mundo (FREIRE, 2005).
Por fim, o que temos de fazer na condição de educadoras crítico-reflexivas, na
verdade, é “propor ao povo, através de certas contradições básicas, sua situação existencial,
concreta, presente, como problema que, por sua vez, o desafia e assim lhe exige resposta, não
só no nível intelectual, mas no nível da ação” (FREIRE, 1996, p. 100).
Além do processo de construção do conhecimento, da relação imprescindível do
ensinar que parte da reflexão crítica da realidade das estudantes com compromisso de
transformá-la, é necessário um exercício constante de reflexão e ação de todas as pessoas
envolvidas no processo de ensino-aprendizagem (FREIRE, 1996). Parecendo estar de acordo
65
com essa colocação de Freire, Zimmermann e colaboradoras (2000, p. 1212) relatam que
“durante as atividades desenvolvidas em sala de aula, o professor deve realizar uma reflexão-
ação, ou seja, refletir perante a sua prática”.
Sobre o processo de problematização, o trabalho de Oliveira e Giacomazzo (2015)
defende a pesquisa como um princípio educativo no ensino de Ciências, pois a aprendizagem
- nessa perspectiva - parte de um contexto real. Assim como Moreira e Souza (2016), que
propõem a necessidade de práticas pedagógicas pautadas na problematização dos conteúdos,
para superar o “(...) abismo entre o conhecimento científico escolar e os seus processos de
produção, e que questiona a postura passiva de estudantes e professores no processo de ensino
e aprendizagem” (Ibid, p. 14). A problematização é indissociável do ato de ensinar-aprender
pois, assim como esse ato, está inseparável das situações concretas e
(...) leva os sujeitos a reverem-se em sua confrontação com elas
[situações concretas], a refazer essa confrontação, a problematização
implica um retorno crítico à ação. Parte dela e a ela volta. (...) A
problematização é a reflexão que alguém exerce sobre um conteúdo,
fruto de um ato, ou sobre o próprio ato, para agir melhor, com os
demais, na realidade (FREIRE, 2011, p. 112-114).
Foi possível identificar duas características do que consideramos um ensino crítico-
reflexivo de Fungos presentes nos artigos: a categoria de natureza da ciência - no artigo de
Moreira e Souza (2016) - e a valorização cultural - no artigo de Pedroso e Amorim (2010).
Um ponto em comum entre as duas pesquisas é a estratégia didática utilizada em ambas
práticas pedagógicas. Essa é denominada de Três Momentos Pedagógicos (3MP) que serão
detalhados quando discutirmos as abordagens de ensino.
No artigo de Moreira e Souza (2016), além de trazer a importância da problematização
para o processo de ensino-aprendizagem, indicam a importância da natureza da ciência no
ensino de Fungos. As autoras apontam que a discussão sobre a natureza da ciência durante a
prática pedagógica a respeito de
66
(...) aspectos peculiares à construção do conhecimento científico,
trazendo à compreensão de que este não é algo pronto e acabado, mas
influenciado por questões sociais, econômicas, pessoais e éticas (...)
contribuiu para uma visão mais integrada sobre as Ciências e o
desenvolvimento da autonomia em relação à construção do
conhecimento (Ibid, p. 15).
O entendimento da natureza da ciência na educação pode trazer a “atenção do
estudante para questões científicas e proporcionar uma aprendizagem que favoreça o
desenvolvimento da autonomia e tomada de decisões” (MOREIRA; SOUZA, 2016, p. 2).
Para gerar essa discussão em sala de aula, as autoras utilizaram um texto sobre a História da
descoberta da penicilina que provocou nas estudantes questões sobre a construção do
conhecimento científico, relacionando cientistas e suas produções às experiências, análises,
hipóteses e curiosidade (Ibid). Todas essas questões são importantes para um caminhar
crítico-reflexivo do ensino, mas entendemos a potência natureza da ciência para o ensino está
relacionada aos impactos sociais da ciência, incluindo também os que endossam relações
sociais desiguais.
Já na pesquisa de Pedroso e Amorim (2010) existe a possibilidade de um ensino de
Fungos que abarque, não só a importância econômica, mas também a cultural dos Fungos,
como conteúdo da proposta de módulo didático apresentado pelo trabalho. A sugestão
consiste na leitura de um texto sobre a fermentação do pão em diferentes culturas, abrindo
espaço para discussões que envolvam relações sociais e culturais articulados aos Fungos:
(...) pão e vinho na missa (aspectos religiosos); vinho representa um
bem consumido, na maioria, pela classe rica (aspectos sociais); povos
que colonizaram o Rio Grande do Sul, tradicionalmente, produzem
vinho, como fonte de renda (aspectos culturais/econômicos), dentre
outros (Ibid, p. 3944).
Esse foi o único trabalho em que os aspectos culturais relacionados aos fungos
foram abordados, mesmo com a proposta de discussão fica evidente que a pesquisa só trata da
cultura hegemônica branca europeia, que se afasta de uma perspectiva crítico-reflexiva dessa
67
discussão. Pensando no contexto da pesquisa, que foi feita por pesquisadoras gaúchas, é de se
esperar que somente a cultura colonizadora seja referenciada na pesquisa. Mas é importante
reiterar que no Rio Grande do Sul existem mais de 34.0018 pessoas indígenas de diferentes
etnias e culturas, além de outras tantas culturas não europeias.
Como já referido, a concepção de valorização da cultura é uma possibilidade para o
ensino crítico-reflexivo de Fungos, que pode partir da discussão sobre a cultura de diferentes
povos na relação desses com os fungos. Evidenciando possíveis articulações com as diversas
etnias que vivem ou viviam no local, assim como problematizar o silenciamento dessas
culturas feito pelos colonizadores.
3.4.3 Abordagens do ensino
Independente da perspectiva da qual determinado trabalho se aproxima, muitas foram
as abordagens encontradas nos artigos. As abordagens são um conjunto de elementos sobre o
que é ensinado e como é ensinado. Dessa forma, uma mesma abordagem pode ser utilizada
em um ensino na perspectiva crítico-reflexiva ou em um ensino bancário, o que mudaria nas
duas situações são os objetivos (para que) e a justificativa (por que) relacionados à
abordagem escolhida, assim como as diferentes estratégias de ensino utilizadas. Um mesmo
trabalho pode fazer uso de diferentes abordagens, como traremos adiante.
Metade das pesquisas sobre as práticas pedagógicas trouxeram de formas diferentes
as práticas experimentais no ensino de Fungos, tanto nas argumentações teóricas, quanto no
que foi relatado em prática. A partir disso, consideramos uma abordagem de ensino voltada
para os conhecimentos de Fungos que possam ser aprendidos de forma prática através de
experimentos, são denominadas como abordagem experimental.
Algumas autoras não argumentam sobre a escolha da abordagem, nem apontam
elementos que justifiquem essas práticas, marcando uma falta de reflexão explícita sobre isso.
A esse respeito a pesquisa de Nascimento (2005) se aproxima de uma perspectiva bancária,
pois a abordagem experimental pode ser usada como uma forma de tornar o “depósito” de
8 http://www.funai.gov.br/arquivos/conteudo/ascom/2013/img/12-Dez/encarte_censo_indigena_02%20B.pdf
68
informação mais eficaz, partindo da transformação do conteúdo “teórico” em “prático”, assim
como um jeito de retomar o conteúdo (POLANCZKY; VENZKE; GÜLLICH, 2013).
Para Marques e Martins (2014) a abordagem experimental é trazida com o objetivo
transformar a estudante em um ser ativo no processo de aprendizagem e ela, dessa forma “não
será apenas um agente que só aprende conteúdos e depois prova por meio da escrita aquilo
que “aprendeu”, mas será sujeito na construção do conhecimento” (Ibid, p. 5462).
Aproximando a abordagem, nesse caso, à uma perspectiva crítico-reflexiva que não vê a
estudante como uma mera recebedora de depósitos. De forma similar, Zimmermann et al.
(2000) afirmam que atividades experimentais motivam as estudantes “para o desenvolvimento de
uma observação crítica acerca dos fenômenos naturais. Estas atividades permitem que os alunos
realizem a associação entre teoria e prática aliadas à reflexão, partindo do contexto ou realidade
para a significação dos conceitos.” (Ibid, p. 1211).
Algumas autoras defendem uma abordagem investigativa no ensino de fungos, que
parte da necessidade de assumir a pesquisa como um princípio educativo. Essa abordagem foi
identificada em três pesquisas. Em um dos trabalhos o processo investigativo é visto como “uma
modalidade de educar, que visa a formação de sujeitos críticos e autônomos, capazes de intervir na
realidade” (ZAPPE; SAUERWEIN, 2018, p. 479). Para Oliveira e Giacomazzo (2015) existe a
necessidade de formar estudantes investigadoras, mas que “para isso, é necessário que tanto
professores e alunos sejam inseridos na pesquisa” (Ibid, p. 621) considerando que a pesquisa não
está distante da prática pedagógica.
Já para Moreira e Souza (2016, p. 1211-1212):
utilizando como metodologia de ensino a investigação o estudante tem a
oportunidade de construir conhecimentos com base em sua experiência tornando as
aulas de Biologia mais dinâmicas e os assuntos mais significativos para os
estudantes (...) a investigação possibilita ao estudante aprender conteúdos de
Biologia de uma forma menos fragmentada, relevante e contextualizada, além de
desenvolver habilidades de elaborar hipóteses e propor soluções a problemas,
estimulando assim, o desenvolvimento de sua autonomia.
Dessa forma, uma abordagem investigativa tem grande potencial para gerar a
problematização de questões pertinentes à realidade das estudantes. Dentro de uma
perspectiva bancária a investigação poderia ser feita de forma descomprometida com o
processo de humanização ou pautada em uma curiosidade ingênua (FREIRE, 1996), buscando
responder perguntas que não tenham pertinência com o contexto das estudantes. Uma
abordagem investigativa pode usar de estratégias de ensino como a elaboração de
69
experimentos, assim como uma abordagem experimental pode usar estratégias investigativas,
o que muda são os objetivos de ensino em que essas abordagens são usadas.
Outra abordagem recorrente nos artigos foi a abordagem cientificista, presente em
três trabalhos. O conteúdo científico relacionado à micologia é o foco do ensino que parte
dessa abordagem, pautando um ensino sem erros conceituais sobre os fungos, apresentando
classificações taxonômicas atualizadas, estudos morfológicos aprofundados e ciclos de vida
dos diferentes tipos de fungos. Como estratégias de ensino podem ser usadas aquelas que
remetam ao trabalho feito por micólogas, como saídas de campo e análise dos fungos em
microscópio. A pesquisa de Soares e Lemos (2017, p.9), apesar de estar próxima de uma
perspectiva crítico-reflexiva, traz elementos que a aproxima de um ensino bancário, quando
reforça aspectos conteudistas relacionados à abordagem cientificista:
a evolução do conhecimento dos alunos era clara. Eles tinham uma linguagem mais
coerente com o campo da Biologia, ou seja, o vocabulário era mais rico quanti e
qualitativamente, ainda que o uso dos conceitos nem sempre fossem os mais
adequados. Os equívocos sobre os conceitos e suas relações, muito frequente no
início dos Minicursos foram diminuindo gradativamente.
As outras duas pesquisas que abordam o ensino na perspectiva cientificista estão
mais próximas à perspectiva bancária de ensino. Na primeira, a prática pedagógica relatada é
centrada na observação de fungos em lâminas no microscópio com a finalidade de aprender
somente sobre as estruturas e morfologia desses, de forma esvaziada de sentido com a
realidade das estudantes (POLANCZKY; VENZKE; GÜLLICH, 2013). Na segunda, a prática
pedagógica consiste em uma aula de campo, também tendo a finalidade de ensinar sobre
características morfológicas dos fungos (SILVA et al., 2016). Não consideramos
desnecessária uma preocupação com a atualização do conhecimento sobre os Fungos ou
aspectos biológicos relacionados a eles, a problemática está no uso dessa abordagem de forma
a não a relacioná-la com outros aspetos importantes do ensino, tornando-o esvaziado de
sentido e significado.
Moreira e Souza (2016) apontam para a necessidade de uma abordagem histórica
do ensino de Fungos, partindo de uma discussão “sobre o trabalho de um cientista, o que é
Ciência e de como se dá a construção do conhecimento científico e suas peculiaridades” (Ibid,
p.13). Utilizou-se para isso de um texto da História de Descoberta da Penicilina, tendo como
objetivo criar a compreensão de que a Ciência não é “algo pronto e acabado e, assim,
conseguem aprender não somente os conteúdos científicos, mas (...) algo acerca da Natureza
70
das Ciências” (Ibid, p. 13). As autoras também inferem que a abordagem histórica da natureza
da ciência evita a sua dogmatização.
Soares e Lemos (2016) trazem a importância de uma abordagem no próprio aporte
teórico do artigo, apesar de não projetarem isso para uma prática de ensino. As autoras
relacionam o problema do Ensino de Fungos sobre a confusão entre fungos e plantas com a
história da micologia, pois “apesar da importância biológica do Reino Fungi, esses seres e
suas características costumam ser desconhecidos por boa parte da sociedade, mesmo a
escolarizada. Uma possível explicação para esse fato pode estar na própria história da
biologia” (Ibid, p.2) que, por muito tempo, considerou os fungos como plantas. Portanto, a
abordagem histórica pode estar relacionada à contextualização histórica de “descobertas”
científicas relacionadas aos Fungos ou com a própria história da micologia, fazendo uso de
textos de divulgação científica e/ou documentários. As abordagens trazidas pelos dois artigos
aproximam-se da perspectiva crítico-reflexiva de ensino. Mas se tivessem como objetivo
trabalhar com as descobertas a fim de enaltecer as autoridades, de forma acrítica e
descontextualizada, estariam próximas da perspectiva bancária, pois a ciência perderia seu
caráter não linear e coletivo.
De acordo com Freire (1996), ensinar exige alegria e esperança, pois
(...)há uma relação entre a alegria necessária à atividade educativa e a
esperança. A esperança de que professor e alunos juntos podemos
aprender, ensinar, inquietar-nos, produzir e juntos igualmente resistir
aos obstáculos a nossa alegria”. (Ibid, . 72)
Portanto é importante e necessário que a sala de aula seja um ambiente criticamente
esperançoso e, para isso, as abordagens de ensino não podem estar esvaziadas desses
elementos. E, nesse sentido, um ensino de Fungos problematizador, ou crítico-reflexivo,
aponta para a necessidade da relação dialógica e ética entre educadora-educanda-conteúdo-
mundo vivenciados da estética e afetivamente.
Relacionado a esses pontos temos a abordagem lúdica, na qual existe a preocupação
de que para o conteúdo específico seja aprendido é necessário que as aulas sejam divertidas,
motivando as educandas a partir de diferentes estratégias de ensino. Nos artigos analisados, é
comum o uso de jogos. Sendo relatados em três trabalhos. A esse respeito, Pedroso e Amorim
(2010) usam de várias abordagens na pratica pedagógica relatada, entre elas a lúdica na
71
aplicação de um jogo sobre classificação dos fungos. Barros et al. (2015) usam da abordagem
lúdica na aplicação de um jogo para verificar os conhecimentos prévios das estudantes.
Shuvartz et al. (2010) usam como proposta didática um jogo de cartas sobre Fungos, que
abordam aspectos ambientalistas e antropocêntricos sobre eles. A problemática em reduzir o
ensino de Fungos a esta única abordagem, numa aproximação com a perspectiva bancária,
está no esvaziamento da problematização da realidade, caminhando para um mero depósito de
conteúdo de forma divertida e pouco relacionada a questões que demandam transformação
social.
Outras quatro pesquisas trouxeram como fundamental para o processo de ensino-
aprendizagem a relação dos Fungos com o cotidiano das estudantes, o que seria uma
abordagem relacional. Apesar de muitos artigos citarem a importância dos conteúdos terem
relação com o cotidiano das estudantes (BARROS et al., 2015; SILVA et al., 2016), apenas
dois usam a abordagem no ensino. Esses artigos se aproximam da perspectiva crítico-reflexiva
de ensino utilizando os Três Momentos Pedagógicos, propostos por Delizoicov (1991);
Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2009). Eles são divididos em três etapas: problematização
inicial, organização do conhecimento e aplicação do conhecimento.
Diferente de uma perspectiva bancária, que busca entender o que da realidade das
estudantes pode ajudar a fazê-las entenderem determinado conteúdo. A abordagem relacional
dentro de uma perspectiva crítico-reflexiva, parte da realidade das estudantes para buscar
entender quais conteúdos deveriam ser trabalhados, levando à reflexão crítica, a fim de
resolver os problemas sociais locais. Portanto o conteúdo passa a ser o meio pelo qual se
alcança a transformação social e não o objetivo final da aprendizagem. A partir das nossas
análises podemos inferir que os artigos se organizam dentro das abordagens listadas na Tabela
3.
Tabela 3 - Tabela contendo títulos resumidos de todos os artigos analisados, suas respectivas
autoras e ano de publicação, tema das pesquisas, perspectiva de ensino da qual se aproxima e
abordagens de ensino presentes no trabalho.
72
Título do artigo Autoras Ano Tema Perspectiva de ensino
AE AI AC AH AL AR
VISÕES DO REINO FUNGI... MESSIAS;
SALOMÃO 2009 ALD Bancária x x x
OS FUNGOS NA ESCOLA... ROSA; MOHR 2011 ALD Bancária x x
AS IMAGENS DE FUNGOS... ROSA; SILVA 2014 ALD Bancária x
OS FUNGOS NA ESCOLA... ROSA; MOHR 2010 ALD Bancária x x
ANÁLISE DO CONTEÚDO... SILVA; MENOLLI
JUNIOR 2017 ALD Bancária x x
CONCEPÇÕES DE
ALUNOS... NASCIMENTO 2005 PP Bancária x
O ENSINO SOBRE O REINO
FUNGI... SOARES; LEMOS 2017 PP Crítico-reflexiva x x
OS PRESSUPOSTOS DA
EDUCAÇÃO... ZAPPE;
SAUERWEIN 2018 PP Bancária x
EXPERIMENTO-
INVESTIGATIVO... BARROS G. et al. 2015 PP Bancária x
A PESQUISA NO ENSINO... OLIVEIRA;
GIACOMAZZO 2015 PP Crítico-reflexiva x
OBSERVANDO A
PROLIFERAÇÃO... POLANCZKY;
VENZKE;
GÜLLICH
2013 PP Bancária x x
ATIVIDADES SOBRE
FUNGOS... MARQUES;
MARTINS 2014 PP Bancária x
O USO DE ATIVIDADES... MOREIRA; SOUZA 2016 PP Crítico-reflexiva x x
UMA PROPOSTA DE
MÓDULO... PEDROSO;
AMORIM 2010 PP Crítico-reflexiva x
A ELABORAÇÃO DE UM
JOGO... SHUVARTZ et al. 2010 PP Bancária x
CONHECENDO OS
FUNGOS... SILVA et al. 2016 PP Bancária x x
OS FUNGOS E O PÃO... ZIMMERMANN et
al. 2000 PP Crítico-reflexiva x
73
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa teve como objetivo identificar e problematizar quais são as perspectivas
e abordagens do ensino de fungos na área de pesquisa em Ensino de Ciências, para isso foi
feito um levantamento bibliográfico em dois eventos brasileiros de pesquisa em Ensino, assim
como em 27 periódicos científicos de qualis A1, A2 e B1. Foram selecionados 17 artigos e a
análise foi feita a partir deles.
Nossas análises revelam que 10 das 17 pesquisas estão próximas de uma perspectiva
bancária do ensino de Fungos, na qual os objetivos pedagógicos são centrados no “depósito”
de conteúdos, da educadora sobre a educanda, de forma acrítica. As outras sete se aproximam
da perspectiva crítico-reflexiva, na qual o conteúdo escolar específico é visto como um meio
para ampliação da compreensão das estudantes sobre sua própria realidade, portanto é um
ensino que tem como objetivo a reflexão crítica da realidade, a fim de transformá-la. Entre as
abordagens de ensino identificadas estão: a experimental, investigativa, cientificista, histórica,
lúdica e relacional.
Foi possível concluir que a área de pesquisa em ensino de Fungos carece de trabalhos
num geral, principalmente de trabalhos que tenham um comprometimento com a prática
pedagógica. Carece de pesquisas feitas não só por pesquisadoras universitárias, mas também
por docentes que estão de fato inseridas na realidade escolar. Muitas pesquisas analisadas são
baseadas em relatos de experiência de práticas pontuais de ensino, esvaziadas de reflexões
sobre o cotidiano escolar, o que vem de acordo com uma ciência produtivista que visa a
publicação acadêmica, sem necessariamente estarem preocupadas com a reflexão e
transformação da realidade escolar. A pesquisa em Ensino de Ciências deveria alimentar a
reflexão de professoras e licenciandas sobre a realidade, sobre suas práticas, formação,
materiais didáticos e leis que direcionam sua profissão, entre outras questões relacionadas ao
ensinar-aprender Ciências.
Além das pesquisas não estarem sendo feitas partindo do compromisso com a
realidade escolar, elas se consistem em materiais teóricos de difícil acesso e compreensão
pelas professoras, o que acaba resultando em maior afastamento entre a pesquisa em Ensino e
as docentes. Desta forma, faço uma reflexão sobre as minhas dificuldades durante a
construção do trabalho, pois coerentemente aos meus resultados, nenhuma disciplina me
preparou para fazer uma pesquisa em Ensino, apesar de ter cursado Licenciatura. Minha
74
formação tampouco me proporcionou o contato com o “aprender a ensinar sobre Fungos” e
com os pressupostos de um ensino crítico-reflexivo. Todas essas formações vieram
descoladas do currículo prescrito, através das vivências nos coletivos, no Centro Acadêmico,
no PIBID, no Grupo de Estudos em Paulo Freire e nos grupos de pesquisa.
É importante, também, trazer as dificuldades e os desafios relacionados ao fazer
pesquisa em Ensino partindo de perspectiva crítica da realidade. Dificuldades dadas por uma
conjuntura de completo desmonte da educação pública e de qualidade, com constantes
anúncios de corte de gastos, em meio à divulgação do projeto “Fature-se9” e a onda de revolta
que emergiu das universidades no país todo, além da greve de mais de 30 dias feita por nós
estudantes da UFSC. E foi inserida nessa conjuntura que a pesquisa foi realizada.
Assim como eu, docentes e futuras docentes não tiveram a perspectiva
problematizadora, ou crítico-reflexiva de educação na sua formação formal. Dessa forma, fica
evidente a necessidade da ressignificação da formação de professoras, tanto inicial, quanto
continuada. E também a necessidade de que o campo de pesquisas em Ensino de Ciências seja
a principal fundamentação das formações de professoras das ciências da natureza. Assim
como as pesquisadoras deveriam comprometer-se em levar suas contribuições às formações
de professoras.
É necessário que superemos nosso papel de pesquisadoras para nos reconhecermos
“como educadoras em busca de alternativas para o ensino de Ciências. Pensamos que é essa
identidade construída nas necessidades locais de ensino que pode aproximar a Universidade e
a Escola na proposição de alternativas humanizadoras a todos os sujeitos envolvidos nos
processos formativos” (SANTOS et al., 2018, p.2563). Apesar de escassas, foi possível
entender que existem pesquisadoras tentando transformar o ensino de Fungos hegemônico e
própria pesquisa acadêmica, construindo pesquisas pertinentes à escola e comprometidas com
reflexão-crítica e com a transformação da realidade.
9 Para saber mais sobre o Projeto Future-se: http://www.epsjv.fiocruz.br/noticias/reportagem/o-que-
esperar-do-future-se
75
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