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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6Cadernos PDE
OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE
Artigos
AS DIFERENTES INFÂNCIAS NO BRASIL NUMA PERSPECTIVA HISTÓRICA: SUAS TRAJETORIAS, CULTURAS E IDENTIDADES
Neli Burtet Dalmagro1 Sonia Maria dos Santos Marques2
RESUMO: No artigo apresentamos uma abordagem teórico-metodológica sobre as diferentes infâncias no Brasil, objeto de estudo que norteou o Projeto de Pesquisa e Intervenção, a Produção Didático-Pedagógica, bem como a proposta de Implementação em uma escola no município de Marmeleiro, Paraná. As atividades foram pautadas na pesquisa qualitativa e utilizando-se da observação, entrevistas, diálogo, estudos, intervenções e pesquisa bibliográfica. No texto apontamos elementos e contribuições que percebemos ao longo do período que estivemos como professora-PDE. Para uma melhor compreensão das diferentes infâncias inseridas no contexto escolar e busca responder o problema de pesquisa: Qual o conceito de infância presente nas praticas pedagógicas dos professores que atuam no 6º Ano do Ensino Fundamental? Não tivemos a intenção de fazer um simples relato de cada etapa do estudo, mas refletir teoricamente a problemática levantada no Projeto de Pesquisa que se pautou na ideia de diferentes autores, os quais trouxeram suas contribuições sobre o tema Diferentes Infâncias. A pesquisa utilizou-se do aporte teórico dos autores: ARROYO (2004), ARROYO E SILVA (2012), DEL PRIORE (2010), ARIÉS (1981), SILVA (2003), entre outros. Busca ainda, assinalar as possíveis causas das dificuldades e desafios constatados na implementação no que se refere às práticas pedagógicas com as crianças que ingressam nos Anos Finais do Ensino Fundamental, bem como propor alternativas, caminhos e estratégias, que possibilitem a reflexão e a organização do trabalho pedagógico de forma mais articulada. Palavras-chave: Criança, Diversidade, Infância, Trabalho Infantil, Cultura. INTRODUÇÃO
O que eu pediria à escola, se não me faltassem luzes pedagógicas, era considerar a poesia como primeira visão direta das coisas, e depois como veículo de informação prática e teórica, preservando em cada aluno o fundo mágico, lúdico, intuitivo e criativo, que se identifica basicamente com a sensibilidade poética.
(Drummond, 1979, p.11)
1 Professora PDE, Graduada em Pedagogia – Orientação Educacional- Pela Fafi-Faculdade de
Filosofia Ciências e Letras de Palmas-PR. Pós-Graduada em Psicopedagogia pela Facibel-nicentro/Guarapuava. 2 Professora graduada em História Mestrado e Doutorado em Educação atua no Curso de
Pedagogia e Programa de Mestrado em Educação na Unioeste, campus de Francisco Beltrão. Orientadora PDE.
Drummond, ao fazer este apelo à escola, chama a atenção para o
caráter lúdico, intuitivo e criativo do saber e do fazer pedagógico. Ele não
apenas traz a poesia para o universo do cotidiano como também elege a
vivência poética como aliada indispensável do conhecimento e possibilidade de
estimular as potencialidades inventivas das pessoas, especialmente das
crianças.
A escola, na sua trajetória histórica se preocupa com o ensino e a
aprendizagem objetiva do mundo, esquecendo-se das contribuições que o
entendimento poético oferece. O autor enfatiza a poesia como modo de
percepção da realidade pela relação lúdica e mágica que a criança tem com o
mundo.
Partimos dessa reflexão porque está organicamente relacionada ao
problema de pesquisa do Projeto de Intervenção, assim expresso: qual o
conceito de infância presente nas práticas pedagógicas dos professores que
atuam no 6º Ano do Ensino Fundamental do Colégio Estadual do Campo Bom
Jesus de Ensino Fundamental e Médio e ainda, por acreditarmos que a escola
como espaço privilegiado de transposição do conhecimento historicamente
produzido, pode ser um lugar de acolhimento das diferentes infâncias, lugar
que impulsiona sonhos e potencializa o imaginário criativo. É nesse contexto
que as crianças podem aprender com prazer e ter acesso ao conhecimento
mediado pela ludicidade.
A pesquisa partiu de uma indagação sobre a realidade escolar, para
compreensão desse contexto algumas variáveis são significativas: o diálogo
com os interlocutores, proposição de alternativas e oferta de suporte
pedagógico. Tais questões podem subsidiar a organização sistemática das
atividades pedagógicas bem como analisar os desafios e as possibilidades
inerentes ao objeto de estudo.
Pensar essa problemática levantada no Projeto de Pesquisa e
implementada na escola implica, entre outros fatores, a desconstrução de
estereótipos que naturalizam as diferenças e as desigualdades sociais. A
desconstrução de tais posturas e das perspectivas que lhes são subjacentes
exige a articulação e a formulação de um saber escolar que favoreça a
compreensão das diferentes infâncias como uma construção histórica, de tal
forma que abordar a questão exige romper com idealizações construídas em
torno dessa faixa etária e redimensionar a função da escola no que concerne
ao acesso dos desejos, necessidades e possibilidades da escola.
Dessa forma, de acordo com Paro (1992), se quisermos caminhar nessa
direção, precisamos criar mecanismos que construam um processo
inerentemente democrático e articulado. Embora esta não seja uma tarefa fácil,
acreditamos ser este um importante passo na busca de práticas pautadas em
relações humanizadas que possibilitem identificar os condicionantes históricos,
sociais e pedagógicos que interferem na sistematização de ações voltadas para
as demandas atuais das diferentes infâncias.
A pesquisa na qual essa reflexão se insere, a relevância e complexidade
de que se reveste esta temática, constitui um instrumento demarcador de
novas posturas e olhares para a educação ofertada, em especial, no que se
refere à forma pela qual as questões históricas e seus desdobramentos são
concebidos e trabalhados no contexto escolar.
Uma escola comprometida com sua função social é aquela capaz de
reconhecer que é constituída por diferentes sujeitos o que exige novas
estratégias de ação para (re)significar o trabalho pedagógico. Uma escola
capaz de romper com paradigmas que invisibilizam a diferença e mantém e
práticas pedagógicas engessadas que padronizam o jeito de ensinar
desconsiderando a multiplicidade de sujeitos, os espaços e tempos de ensinar
e aprender.
Ramos (2011) enfatiza a importância da organização de situações
educativas socialmente relevantes e pessoalmente significativas que ampliem
as possibilidades de expressão das crianças, oportunizem as brincadeiras entre
pares, o exercício da autonomia, a construção de conhecimento e a partilha de
significados num contexto sócio afetivo favorável à formação de vínculos
sociais que esturrem relações sociais mais solidárias.
Nesse sentido, Arroyo (2004) destaca que conhecer as trajetórias
humanas e os tempos dos educandos será uma condição para reconstruir as
trajetórias profissionais e os tempos dos educadores. Assim, não dará para
sobreviver nas escolas pedagogias superadas. Isso significa dizer que é
preciso reinventar convívios e a própria dinâmica do trabalho docente.
Eu gostaria de uma escola onde as crianças não tivessem que
saldar as alegrias da infância, apresando-se em fatos e pensamentos, rumo à idade adulta, mas onde pudessem apreciar, em sua especificidade, os diferentes momentos de suas idades (SNYDERS, 1993, p. 29).
As relações vividas no contexto escolar e fora dele, são reveladoras da
carência e da falta de atitudes e gestos mais humanos para tornar a vida do ser
humana mais completa. As atividades lúdicas são elementos motivadores da
capacidade humana em criar formas para reinventar a vida. Brincando a
criança exercita seu imaginário e faz arte. Fazendo arte, transforma aquilo que
está pronto, muitas vezes, sem cor, sem detalhes, sem nuances, sendo capaz
de provocar uma verdadeira metamorfose reordenando as coisas e
reinventando o mundo.
A partir dessas considerações apresentamos no artigo reflexões teóricas
e práticas referentes ao objetivo de estudo, na intenção de subsidiar o trabalho
pedagógico na escola, contribuindo na organização e melhoria do mesmo.
TRAJETÓRIA HISTÓRICA DAS DIFERENTES INFÂNCIAS
Quem se sente fascinado pelo mar acaba por descobrir as maneiras de construir barcos e de navegar. Se o mar não me fascina, se ele me dá medo, por que razão haveria de querer aprender a arte de construir barcos e de navegar? É o fascínio que acorda a inteligência. O conhecimento surge sempre no desafio do desconhecido. Essa frase deveria estar escrita em algum livro de psicologia da aprendizagem. Pena que eles digam muito sobre ciência de construir navios e nada sobre o fascínio de navegar (ALVES, 2008, p. 12).
O pensamento do autor nos desafia e aponta a necessidade de pensar,
planejar e efetivar ações pedagógicas que fascinem às crianças e
adolescentes e agucem a curiosidade na busca do desconhecido. pois, é
naquilo que a criança desconhece que se encontra o fascínio para aprender o
significado que atribui ao conhecimento produzido historicamente.
Conforme, referimos, a infância se constitui numa trama social e
histórica, teia de relações cujos fios se entrelaçam, ora, aprisionando-a em
conceitos demasiado simplistas, ora, deixando-a escapar, desconsiderando
que a vida e seus desdobramentos são mais complexos que a nossa
capacidade de apreensão. É nesse emaranhado, nesse ir e vir histórico, que
buscamos o fio condutor para a investigação e compreensão do conceito de
infância construído historicamente.
Nesse contexto Lopes (1984), afirma que à medida que puxamos este
fio histórico mergulhamos nos diferentes contextos marcados por
condicionantes sociais, sem necessariamente, seguir uma direção cronológica
e linear. As relações com as temporalidades envolvem movimentos de ir e vir,
de considerar como os diferentes tempos negociam entre si para alcançar certa
inteligibilidade sobre a temática a ser investigada.
Isso nos remete à amplitude de que se reveste a temática em estudo
pois o conceito de infância é noção que se modificou através dos tempos.
Sabemos que, não é possível abarcar tal discussão de forma generalizada uma
vez que, em trabalhos de pesquisa precisamos voltar e olhar para o particular
e, a partir deste patamar realizar inferências e lançar olhar sobre outras
pesquisas que tomaram o mesmo objeto de análise. Assim, priorizamos o
enfoque na história da infância brasileira, sem, no entanto descontextualizar de
outras realidades e contextos que podem contribuir para que possamos ver
com mais clareza o objeto de pesquisa.
Para o escritor Rubem Alves:
Ou você tem o barco amarrado no cais, ou você tem o barco no mar aberto. A Vantagem do barco amarrado no cais é que você tem segurança. Contudo, tem o problema do tédio. A alternativa é o barco navegando mar adentro. Aí você tem a excitação do mar aberto, mas tem também o perigo do naufrágio. Isto vale tanto para vida como para o pensamento (ALVES, 2008, p.28).
Em outras palavras, significa não ter medo de abandonar o porto seguro
na busca daquilo que desconhecemos ou, que necessitamos aprimorar.
Significa também, correr os riscos necessários para deixar o terreno que nos dá
segurança, o que pode significar a mesmice, as justificativas para não mudar, a
rotina, o tédio, a repetição ou pior ainda, limitar-se a identificação dos culpados
para determinada situação, sem estruturar alternativas que permitam intervir
em tal realidade. .
Em relação a história da infância é expressivo a iconografia analisada
por Ariés, na obra História Social da Criança e da Família (1978), que se
constitui como importante referência sobre o conceito de infância, considerada
por autores como Del Priore (2004), Freitas (2001), como um trabalho
precursor na concepção da infância.
Desde a antiguidade, mulheres e crianças eram consideradas seres
inferiores que não mereciam tratamento diferenciado. A criança era vista como
uma espécie de instrumento de manipulação ideológicas dos adultos. O
sentimento de infância, a concepção de uma faixa etária diferenciada com
interesses próprios, a preocupação com a educação, o comportamento com o
meio social, só aconteceu com a Idade Moderna.
Ariés (1978), esclarece que a particularidade da infância não será
reconhecida e nem praticada para todas as crianças, pois algumas não vivem a
infância devido as suas condições econômicas, sociais e culturais.
Segundo Ariés (1981), em função da crescente dependência das
crianças em relação ao adulto surgiu, na França do século XVII, uma
percepção que ele nomeia de paparicação, um sentimento superficial da
criança reservado aos primeiros anos de vida. Práticas estas, de cuidado e
atenção manifestadas pelas amas ou mães em seus gestos ao carregá-las,
naná-las, mimá-las e sentirem-se alegres com suas alegrias e inocência.
No Brasil do século XIX, se observa a paparicação através do afeto dado
“às crianças pelas mães e amas negras, que inclusive criaram uma linguagem
especial para as crianças pequenas, cujas palavras eram pronunciadas com
especial encanto: dodói, cacá, bumbum, tentem, dindinhi” (DEL PRIORI, 2000,
p. 96).
Essa prática causou reações principalmente dos educadores membros
do clero - padres ao afirmar que, os mimos estragariam as crianças, tendo em
vista que, para eles, a boa educação implicava o disciplinamento em forma de
castigos, palmadas e beliscões.
O olhar sobre a infância não foi sempre o mesmo, acreditamos que os
significados também não. Modificações ocorreram e ocorrem por
condicionamentos culturais e mudanças estruturais na sociedade. Neste
aspecto, Kramer (1982), nos fornece elementos para melhor compreender este
fenômeno chamado infância, pois para a autora:
[...] a ideia de infância não existiu sempre e da mesma maneira. Ao contrário, ela aparece com a sociedade capitalista urbano-
industrial na medida em que mudam a inserção e o papel social da criança na comunidade. Se, na sociedade feudal a criança exercia um papel produtivo direto (de adulto) assim que ultrapassava o período de alta mortalidade, na sociedade burguesa ela passa a ser alguém que precisa ser cuidada, escolarizada e preparada para a atuação futura. Este conceito de infância é, pois, determinado historicamente pela modificação nas formas de organização da sociedade (KRAMER, 1982, p. 18).
É nos movimentos da história como já mencionamos e nos diferentes
contextos econômicos, sociais e culturais, marcados por injustiças e
desigualdades, que se delineia o conceito de infância construído social e
historicamente.
Para Mary Del Priori (2010), a história das crianças no Brasil como no
resto do mundo, vem mostrando que existe uma enorme distância entre o
mundo infantil descrito pelas organizações internacionais, pelas organizações
não governamentais e pelas autoridades, daquele no qual a criança encontra-
se cotidianamente imersa.
Nossas crianças estão nas ruas, nas praças, nas praias, nas saídas das escolas. Há aquelas que estudam, as que trabalham, as que cheiram cola, as que brincam, as que roubam. Há aquelas que são amadas e, outras, simplesmente usadas. Estão nos anúncios da mídia, nos rótulos dos mais variados gêneros de consumo, aumentando o comércio e a indústria de produtos infantis (DEL PRIORI, 2010, p.7).
Nesta disparidade de vivências da infância encontramos crianças diante
de sofisticados computadores e garotos descalços que puxam carrinhos de
papel com a força de homens, nas ruas sem calçamento, com os pés na lama,
sob as marquises nos centros da cidade, nos faróis... São muitos, são
diferentes, são crianças. São sujeitos de infância múltipla, contextos que
diferem práticas discursivas que se contrapõem. As marcas dos contextos
sociais gritam suas diferenças e imprimem novos contornos às infâncias na
sociedade atual.
Convém considerar que desde o início da colonização, as escolas
jesuítas eram escassas e para poucos. O ensino público só foi instalado e de
forma precária, na segunda metade do século XVIII. No século XIX, a
alternativa para os filhos dos pobres não seria a educação, mas a sua
transformação em trabalhadores úteis e produtivos na lavoura, enquanto filhos
da elite eram ensinados por professores particulares. No final do século XIX, o
trabalho infantil continua sendo visto pelas camadas subalternas como “a
melhor escola”. Assim, o trabalho infantil como forma de complementação
salarial para famílias pobres ou miseráveis, sempre foi priorizado em
detrimento da formação escolar.
No Brasil, após a abolição da escravidão, as crianças das antigas
senzalas, continuaram a trabalhar nas fazendas de cana. Ainda hoje, temos
crianças trabalhando no corte de cana e em outras atividades não condizentes
com sua faixa etária, desprovidas das condições básicas de alimentação,
moradia, saúde, educação.
Para muitas crianças, forçadas a trabalhar desde muito cedo, sobra
pouco tempo para as brincadeiras. Com frequência presenciamos a barbárie
materializada nos números sobre o trabalho infantil, exploração sexual, no uso
das drogas, na crescente multiplicidade de organizações familiares. Neste
contexto,colocam-se em jogo novos conceitos de infância no mesmo momento
que observamos à explosão urbana, a globalização cultural, a crise do ensino
ante os avanços tecnológicos.
Del Priore (2010), ao abordar a história da criança brasileira vai para
além do lado escuro desta história feito de tragédias anônimas – como a venda
de crianças escravas, a sobrevida nas instituições, a violência sexual, a
exploração de sua mão-de-obra. A autora mostra a história da criança
“simplesmente criança, suas formas de existência cotidiana, as mutações de
seus vínculos sociais e afetivos, sua aprendizagem da vida” (DEL PRIORE,
2010, p. 17).
Assim, a autora assinala que “parece evidente que querer conhecer
mais sobre a trajetória dos comportamentos, das formas de ser e de pensar
das nossas crianças, é também uma forma de amá-las todas, indistintamente
melhor” (DEL PRIORE, 2010, p. 17).
Como podemos perceber os recortes da obra de Del Priore (2010)
indagam acerca da história da infância e de como essa vem se constituindo ao
longo dos séculos. Sentimentos de indignação e de perplexidade vêm à tona
ao constatarmos as barbáries cometidas contra as crianças, principalmente as
mais pobres.
Desde as embarcações lusitanas, século XVI, crianças trazidas para o
Brasil na condição de grumetes ou pajens, eram vítimas de atos de sodomia
tolerados até pela inquisição. Eram obrigadas a aceitar abusos sexuais.
Quando piratas atacavam as embarcações, os adultos pobres eram com
frequência assassinados. Os poderosos eram aprisionados e trocados por ricos
resgates, e as crianças escravizadas. Outro fator corriqueiro em meio à
confusão, desespero e tentativas para salvar a própria vida, pais esqueciam
seus filhos nos navios. As crianças sobreviventes acabavam entregues a sua
própria sorte. Eram as primeiras vítimas, tanto em terra, como no mar.
Uma história marcada pela dor, traumas e conflitos. Trauma em deixar
de ser criança, vendo seu universo de sonhos, esperança e fantasias
desmoronar diante da cruel realidade do cotidiano das naus do século XVI,
perder sua inocência para nunca mais recuperá-la. Em relação a esta questão
convém considerar que o “sentimento de impotência diante de um mundo que
não sendo o seu tinha que ser assimilado independentemente de sua vontade.
Combater o universo adulto desde o início seria tentar vencer uma batalha que
já estava perdida” (DEL PRIORE, 2010, p. 49).
E o que dizer sobre a infância na sociedade atual? Quais são as
indagações? Quais as possibilidades? O que a difere da infância do passado?
Que olhares, sentimentos e concepções são necessários para entendê-la?
Como conviver com as diferentes infâncias?
Para Bazílio e Kramer (2006), embora seja possível afirmar que a
legislação tenha avançado significativamente no estabelecimento de direitos
das crianças e adolescentes, o quadro que se apresenta está muito longe
daquele idealizado, pois, existe um enorme distanciamento entre o que está
descrito na legislação e o que presenciamos na prática.
Sabemos que o problema da infância tem raízes profundas. Num país
em que a primeira medida voltada para a infância abandonada foi a Roda dos
Expostos3 e os índices de mortalidade infantil ainda figuram dentre os mais
altos do mundo, a solução não está em medidas pontuais, ações individuais, e
nem mesmo em iniciativas de pesquisadores e movimentos sociais.
3 Assim como era a prática em Portugal, as primeiras iniciativas assistenciais em relação ao
recém-nascido no Brasil se deram instalando-se Rodas dos Expostos nos hospitais das Misericórdias ou em prédios anexos. No século XVIII, três foram as Rodas criadas no Brasil: Salvador (1726), Rio de Janeiro (1738) e Recife (1789), sendo as demais criadas no século XIX (ARANTES, 2010, p. 6).
Embora essas formas de inserção e intervenção sejam fundamentais,
sabemos que a origem do problema se encontra na desigualdade econômica
estrutural, na longa história de escravidão, agravada pelo empobrecimento
recente e crescente, pelo êxodo rural, pela miséria das periferias urbanas e
favelas, e ainda pela ausência de políticas públicas.
[...] a questão permanece e permanecerá no centro da cena política, e mesmo político-eleitoral, enquanto persistir as causas que engendram a injustiça e a desigualdade que, ao expropriar crianças e jovens de seus direitos básicos, exibe a pior face da história social de exclusão e violência a que a população brasileira tem sido submetida (BAZÍLIO E KRAMER, 2006, p. 13).
Trazendo essa reflexão para a escola e, mais especificamente, para a
questão da interdisciplinaridade, constatamos como é precário o diálogo entre
os vários campos do saber, e como estamos longe de um conhecimento
articulado sobre o tema da infância, nas suas múltiplas facetas.
As muitas e relevantes pesquisas e discussões acumuladas sobre a
infância como categoria social, parecem não afetar os estudos e a reflexão
sobre as crianças que frequentam a escola regular e obrigatória, principalmente
os anos finais do Ensino Fundamental.
Se o brincar é hoje visto com expressão e experiência de cultura nas
creches, pré-escolas, e ainda presente nos anos iniciais do Ensino
Fundamental embora com menor frequência, por que ao ingressar nos anos
finais desse nível de ensino, as diferentes etapas da escolaridade são vistas de
forma desarticulada?
[...] que todas as crianças possam ouvir histórias, andar na chuva e brincar de adivinhação. Porque simplesmente a infância é o tempo em que começamos a perceber o tamanho do mundo e descobrir quem somos. [...], “embora eu não seja rei, decreto neste país, que toda, toda criança, tem direito a ser feliz!” (ROCHA, 2002, p. 55).
A autora, em suas muitas obras sobre literatura infantil destaca o
significado do ouvir e contar histórias, do brincar e das formas lúdicas de
apreensão do mundo para a construção da personalidade da criança. Quando
deslocamos esta reflexão e voltamos o olhar para a escola parece que tudo se
passa como se fosse necessário deixar de “ser” crianças para tornarem-se
alunos. As brincadeiras, a contação de histórias, os cantos, músicas, enfim,
tudo o que a ludicidade pode proporcionar de enriquecedor no processo de
ensino aprendizagem passa a ser desconsiderado ou visto como algo não
pertinente ou como atividade que aparece nos interstícios dos conteúdos
formais.
É a partir deste parâmetro que podemos analisar o texto disponibilizado
pela Secretaria de Estado da Educação do Paraná – Semana Pedagógica
/Fevereiro/2013, ao descrever as discussões que norteiam a organização do
trabalho pedagógico nos anos iniciais, tem por objetivo dar início ao movimento
de reflexão sobre a articulação entre os anos iniciais e finais do Ensino
Fundamental. Embora assumido por redes de ensino municipal e estadual, é
uma única etapa de ensino, que requer articulação entre as duas redes para
assegurar a continuidade do processo educativo, garantindo a organicidade e
totalidade do processo de formação. Primando pela reflexão sobre a
articulação entre os anos iniciais e finais do Ensino Fundamental e
considerando sua ampliação para nove anos de duração, o texto acentua a
necessidade de pensar a organização de um planejamento curricular integrado.
Assim, é imprescindível que o coletivo da escola reflita sobre as
variáveis que permeiam o trabalho pedagógico no 6º Ano, enxergando a
criança que está no aluno, com suas singularidades e especificidades próprias
da infância, como ludicidade, interação e diferentes formas de expressão.
De acordo com as Diretrizes Orientadoras da Educação Básica do
Paraná (2008, p. 17):
Um projeto educativo [...] precisa atender igualmente aos sujeitos, seja qual for sua condição econômica, seu pertencimento étnico e cultural e as possíveis necessidades especiais para a aprendizagem. Essas características devem ser tomadas como potencialidades para promover a aprendizagem dos conhecimentos que cabe à escola ensinar a todos.
Aprendemos com a infância a refazer o caminho e, recompondo,
descobrimos possibilidades de se estabelecer outras relações com o presente
e com o passado, ver e compreender melhor a realidade social, perseguindo
nela uma comunicação que permita construir novas propostas educativas, a fim
de compreendermos que somos feitos de pluralidade e constituídos nas
diferenças.
Destacamos que como sujeitos inacabados, nos construímos a cada dia,
na e pela história, bem como pelos seus condicionantes. Assim, como a
história, o conhecimento não é estático, imutável e acabado. Nesse contexto de
rápidas transformações a escola, bombardeada diariamente por uma gama de
informações, que trazem em seu bojo novas exigências que não damos conta.
Esse bombardeio gera inquietações e indagações. Como lidar com essas
novas realidades e demandas? Que olhares e estratégias são necessários?
Onde estão as respostas?
Para Morin (2000), o desafio da globalidade é também o desafio da
complexidade. Os problemas só podem ser posicionados e pensados
corretamente em seus contextos e no contexto planetário. Para o autor, o
retalhamento das disciplinas torna impossível aprender o que é tecido junto,
isto é, o complexo. Segundo o mesmo autor, existe complexidade quando os
componentes que constituem um todo (econômico, político, sociológico,
psicológico, afetivo, mitológico) são inseparáveis e existe um tecido
interdependente entre as partes e o todo, o todo e as partes.
O desenvolvimento próprio do nosso século e de nossa era planetária
nos confrontam, inevitavelmente e com frequência com os desafios da
complexidade.
Efetivamente, a inteligência que só sabe separar fragmenta o complexo do mundo em pedaços separados, fraciona os problemas, unidimensionaliza o multidimensional. Atrofia as possibilidades de compreensão e de reflexão eliminando assim, as oportunidades de uma visão a longo prazo. Sua insuficiência para tratar nossos problemas mais graves constitui um dos mais graves problemas que enfrentamos […]. Uma inteligência incapaz de perceber o contexto e o complexo planetário fica cega, inconsciente e irresponsável (MORIN, 2000, p.14)
Morin (2000) questiona o trabalho pedagógico fragmentado na escola e,
consequentemente, a fragmentação do saber. Uma das saídas talvez a mais
importante seja pensar a escola, o currículo, o planejamento enfim, o fazer
pedagógico no e pelo coletivo. Acreditamos que o fortalecimento do trabalho
coletivo não como um dos modismos da educação, mas como uma proposta
embasada teoricamente, possa corrigir rumos, apontar caminhos, definir
estratégias viáveis para esse momento crucial no trato com nossas crianças e
adolescentes.
No que se refere a importância da cultura lúdica, no processo de ensino
e aprendizagem, buscamos as contribuições de Mauricio R. Da Silva (2003),
que em seu livro “Trama Doce - Amarga Trabalho Infantil e Cultura Lúdica”,
narra sua rica experiência vivida com as crianças e adolescentes
empobrecidos da Zona da Mata Canavieira Pernambucana. Essa realidade
retrata e se assemelha à situação de milhões de crianças no país e no mundo.
O autor destaca que a eliminação do lúdico, no cotidiano do universo
infantil, e que converte o corpo brincante infantil em corpo produtivo e
coisificado pelo capital. Considera que todas as formas de exploração do
trabalho infantil podem vir a sonegar ou comprometer o tempo para a vivência
das culturas lúdicas, comprometendo a escolarização e determinando
situações de constrangimento que repercutem na construção da identidade do
ser social criança.
Para o autor, esse possível processo de sonegação da infância pode ser
considerado como um tempo de oportunidades perdidas, que impõe às
crianças possíveis sequelas nutricionais, cognitivas, psicossociais e culturais
que comprometem o presente e o futuro das gerações.
Silva (2003) centra suas excursões epistemológicas nas consequências,
constrangimentos e dilemas provocados pela precoce e perversa exploração
da força humana de trabalho das crianças. Denuncia com veemência a
alienação imposta pela lógica do capital, apontando a miséria das condições
de vida, assim como o processo histórico de exclusão. Ao mesmo tempo em
que denuncia esses fatores que desumanizam anuncia e sinaliza outros
horizontes e utopias, marcados pela gestualidade, estética, vozes e sons e
fantasias, eivados de outro projeto histórico de homem educação, infância e
sociedade a caminho.
Mesclando realidade e fantasia, parte da lógica que o sujeito-sonhador
não precisa da interpretação de seus sonhos por outrem, uma vez que ele
mesmo possui a chave da interpretação. Para ele, o imaginário da criança não
é mero acervo das fantasias, mas a realidade pelo avesso. Afirma que
brincando com as crianças e escutado suas histórias de vida é possível
compreender o papel e a força do sonho aliada ao desejo, fonte indiscutível de
inspiração, desenvolvimento. Luta e esperança que somente o sonho viabiliza
a construção da melhor e mais ousada realidade.
Para Jobin e Souza (1996), o sonho pode também captar elementos da
cultura e a história cotidiana, constituindo-se num jogo dialético entre ficção e
realidade, além de subverter a ordem e desarticular o conformismo com base
na inquietação. Nessa ideia está implícita a concepção dialética da história,
que permite ao sujeito sonhador (desejador) buscar as representações
passadas, revivendo-as no agora em direção ao futuro numa perspectiva
revolucionária.
Lispector (1993), fala do sonhar acordado e não do sonhar adormecido,
portanto, do sonho etnologicamente compreendido como desejo, aspiração,
aquilo que se quer fazer, alcançar, aprofundar, conquistar, vir - a – ser, do
sonho utopia, do sonho ativo cuja lança certeira da palavra indica a construção
concreta de um novo tempo no presente, no agora, no instante já.
Costuma-se dizer que a árvore impede a visão da floresta, mas o tempo maravilhoso da pesquisa é sempre aquele em que o historiador mal começa a imaginar a visão de conjunto, enquanto a brisa que encobre os horizontes longínquos ainda não se dissipou totalmente, enquanto ele não tomou muitas distâncias do detalhe dos documentos brutos, e estes ainda conservam todo o seu frescor. Seu maior mérito talvez seja menos defender uma tese do que comunicar aos leitores a alegria de sua descoberta, torná-los sensíveis, como ele próprio o foi, às cores e aos odores das coisas desconhecidas (ARIES, 1981, p.9)
Silva (2003), Lispector (1993), Jobin e Souza (1996), não falam do
sonho como algo distante e utópico, mas do sonho que nasce no chão da
escola, nas relações e interações vividas nesse contexto, do sonho que
impulsiona o desejo da descoberta.
No entanto, não basta ser um sujeito sonhador, propor, contribuir, fazer
escolhas, tomar decisões, é preciso reconhecer o significado que essas
escolhas têm para as crianças.
Partindo desse pressuposto, não estaria a escola carecendo de
profissionais sonhadores capazes de impulsionar os sonhos das crianças, para
que as mesmas possam encontrar no espaço escolar mais sentido para suas
vidas, fazer descobertas, ampliando as dimensões humanas como o
imaginário, o lúdico, o artístico, o efetivo e o cognitivo?
A coletividade constitui-se como uma das atividades de grande
significação para as crianças. A vivência de papéis nas brincadeiras e a
imaginação favorecem o desenvolvimento da linguagem a interação social e
novas formas de representação do mundo.
Silva (2003), afirma que as únicas ferramentas que as crianças devem
ter na mão é um lápis, um livro, um caderno e brinquedos, para que elas
possam através da educação e da cultura ser realmente felizes.
PROJETO DE IMPLEMENTAÇÃO NA ESCOLA: DESAFIOS, LIMITES E
POSSIBILIDADES
A Produção Didático-Pedagógica intitulada Educação e Diversidade: a
multiplicidade de infâncias no Brasil, constituída por cinco Unidades Didáticas,
que contemplam propostas de atividades práticas embasadas teoricamente,
teve como local de implementação o Colégio Estadual do Campo Bom Jesus-
Ensino Fundamental e Médio, e desenvolvida com os professores que atuam
no 6º Ano do Ensino Fundamental.
Esta etapa possibilitou constatações acerca do objeto de estudo,
reflexões sobre as práticas, questionamentos e contribuições significativas e
enriquecedoras para a vida pessoal e profissional. Sabemos que toda e
qualquer experiência é passível de lacunas, provisoriedade e impasses, mas
também, carrega informações, aponta caminhos teórico-práticos, para se fazer
retomadas e construir novas práticas no cotidiano escolar.
O universo escolar, marcado por relações de diferentes sujeitos com
suas historias e concepções, que trazem para a escola suas vivências, marcas,
culturas e identidades, é revelador do distanciamento existente entre o
pretendido e aquilo que se efetiva, entre o sonhado e o possível, entre
envolvimento e alheamento dos sujeitos que constituem. A implementação das
atividades apontou elementos para a necessidade em rever continuamente o
planejamento e organização do trabalho pedagógico.
Foi possível constatar a fragilidade existente nas práticas que
acontecem de forma desarticulada, a ausência de uma base teórica
consistente, haja vista a complexidade e relevância da temática pesquisada.
Para a grande maioria dos envolvidos, os estudos e reflexões
pertinentes à temática são recentes, ou seja, trazidos para o universo escolar
após a implementação do Ensino Fundamental de nove anos. Para muitos dos
sujeitos envolvidos a falta de aprofundamento teórico era um impeditivo das
ações que possibilitassem ao coletivo da escola refletir sobre as variáveis que
permeiam o trabalho pedagógico com crianças do 6º Ano e sobre as
especificidades próprias da infância.
No desenvolvimento da ação ficou explícito que, uma base teórica
consistente pode significar um marco para novas práticas pedagógicas e sua
ausência ou fragilidade, dificulta a compreensão da infância como uma
construção histórica,. Fator este, considerado determinante para que se efetiva
um trabalho pedagógico voltado para as reais necessidades das diferentes
infâncias contemporâneas.
Na implementação constatamos que os profissionais que na sua
trajetória tiveram experiências com crianças pequenas melhor se identificam no
trabalho com crianças do 6º Ano, enquanto que os demais deixam transparecer
suas angústias, dificuldades e até mesmo frustações.
A preocupação com as atividades lúdicas, fundamentais para a
articulação entre as etapas do Ensino Fundamental, e para o desenvolvimento
das crianças, não é uma preocupação constante. Acontece com certa
frequência no início do ano letivo, deixando de acontecer quase que na sua
totalidade no decorrer do tempo escolar.
Nesse contexto, os momentos vivenciados mediados pela ludicidade:
música, contação de históricas, leitura de gibis, rodas de conversa foram
enriquecedores e estimularam as crianças em suas atividades escolares.
A importância das atividades lúdicas se confirmou nas contribuições de
Silva (2003), que ao referir-se à cultura lúdica e à infância, ressalta que em
tempos que se propõe efetuar mudanças reais, essas devem consistir menos
em opiniões dispersas e “achismos” e mais em reflexões sérias e cuidadosas
sobre o cotidiano, sonhos e direitos das crianças.
GTR-GRUPO DE TRABALHO EM REDE: AMBIENTE VIRTUAL DE
APRENDIZAGEM E SUAS CONSTIBUIÇÕES
Uma das exigências do Programa de Desenvolvimento educacional é
que o Professor-PDE oferte um curso de formação á distância nominado Grupo
de Trabalho em Rede – GTR. A participação dos cursistas foi intensa.
Recebemos afirmações que destacaram que ”ao buscar os temas dos grupos
do GTR que seriam ofertados, me guiei pelo título, porém, não pensei que o
tema tratado superasse minhas expectativas e que tivesse tamanha relevância
para nós que também somos sujeitos e fazemos parte dessa história que se
constrói diariamente” - depoimento de um professor participante.
Destacamos essa expressão que como tantos outros, evidenciaram a
relevância do tema pesquisado e proposto, ressaltando a fundamentação
teórica consistente e as reflexões da histórica da infância até os dias atuais.
Os depoimentos, trocas, saberes compartilhados, iniciativas e
experiências que já acontecem nas diferentes escolas da rede de ensino
demonstraram a valorização do Projeto de Pesquisa e Intervenção.
Apesar das limitações e dificuldades no trabalho com as tecnologias, os
resultados do GTR, as contribuições e o número de concluintes superou as
expectativas, nos fez perceber que são muitos os profissionais que lutam pela
melhoria da qualidade da educação e estão preocupados com a formação das
diferentes infâncias.
Outro professor cursista assim se manifestou “achismos não nos levam
a lugar algum, pois trabalhamos com crianças reais e não com as que
idealizamos. O espaço escolar é real, marcado por tradições concepções
conflitos e contradições. O acesso à escola não significa garantia de acesso ao
conhecimento”. Como podemos perceber o profissional da educação indica a
diferença entre acesso à escola e acesso ao conhecimento uma vez que
muitas vezes, na escola a criança não consegue se apropriar do que é tratado,
tampouco conferir significado ao que a escola estabelece como conhecimento
relevante para ser ensinado.
Nesse sentido, a falta de diálogo e articulação entre as redes de ensino
e na própria escola foi apontada como um dos grandes entraves no processo
de ensino e aprendizagem. Os cursistas destacaram que ações isoladas e
fragmentação do conhecimento compõem o cotidiano nas escolas que atuam.
Enfim, o que fica com experiência marcante dessa etapa de estudos, é a
certeza de que quando pensamos e trabalhamos juntos, somamos forças,
dividimos responsabilidade, multiplicamos ações e diminuímos a fragmentação
do conhecimento produzido historicamente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Partindo do pressuposto de que um trabalho investigativo chega sim a
determinadas conclusões, porém, há também limitações de ordem teórica e/ou
metodológica que indicam possibilidades de novos estudos, pois concluir é
apenas o fechamento temporário de um ciclo de conhecimento produzido,
enquanto que as Considerações Finais demarcam a continuidade como força
propulsora. .
A criança e a infâncias com suas singularidades e especificidades, serão
sempre temas de grande discussão e reflexão. A educação e a formação serão
objetos contínuos de estudos que permitam a produção de novos
conhecimentos acerca desse grupo e novas possibilidades de intervenção
profissional.
Isso nos leva a pensar a organização curricular a partir de uma
compreensão de infância e criança que contemple a visão social e cultural,
permitindo que seu modo de pensar o mundo seja considerado relevante no
processo de ensino e aprendizagem, o que é determinante para dinamizar o
currículo no sentido de se alcançar significação entre teorias e práticas
veiculadas no cotidiano escolar.
Escolher um caminho é mais do que uma opção. As práticas
pedagógicas são mediadas por sujeitos históricos que trazem consigo marcas
de suas culturas e identidades como já mencionamos. Sabemos que muitos
fatores interferem nessas práticas. O que ousamos propor aqui é que se
construam práticas a partir das perspectivas das crianças, considerando seus
saberes, suas expectativas, suas infâncias.
É possível construir novos caminhos, corrigir rumos, experimentar novas
possibilidades, rever conceitos e ideias. Pensar nessas questões nos leva a
trabalhar para que a educação das crianças no espaço escolar seja feita com e
para as mesmas.
A escola é um espaço historicamente produzido para atender às
demandas de uma cultura especifica e de uma sociedade na qual está
inserida, e a mesma tem se defrontado com diferenças sócio-econômico-
culturais em seu interior, em decorrência de multiplicidade de vivências e
realidades de seus alunos. Daí a necessidade de uma reorganização curricular
considerando as diferenças existentes, na busca de igualdade de
oportunidades.
A cultura da infância é inerente a esse processo. As ações atitudes,
posturas e intervenções, terão significados se forem pensadas e
compreendidas por meio dessa cultura, levando em consideração que a escola
é um espaço privilegiado para o reconhecimento da pluralidade cultural e para
o exercício da cidadania.
A pesquisa e implementação trouxe à tona, muitos questionamentos.
Que outros enfoques, estudos, saberes, olhares e encaminhamentos são
necessários para que o conceito de infância como construção histórica se
efetive no contexto escolar?
Acreditamos, que a compreensão das diferentes infâncias, se dá
através de uma constante reflexão que possibilite conhecer o universo das
crianças, seus anseios e desejos, buscando compreender o que fazem,
pensam e dizem, sobre o mundo vivido por elas.
Conhecer as práticas das crianças é um importante passo para poder
dialogar, orientar, acompanhar, ensinar. Para e educação importa a imagem do
conto de Eduardo Galeano (1995): diante do mar pela primeira vez,
assombrado pela sua imensidão, a criança pega a mão do pai e o pede para
ajuda-la a olhar.
Analisando esse trecho de Galeano (1995), não temos a intenção de
oferecer respostas, mas deixar convites à reflexão que podem nos ajudar a
compreender melhor esse processo e organizar nossas ações no contexto
escolar. É um convite para que adultos estendam as mãos para as crianças.
Assim podemos refletir sobre o nosso papel de guiar, mas também podemos
nos surpreender com o que podemos aprender quando pequenas mãos
também nos guiam, nos levando a enxergar o desconhecido.
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