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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6Cadernos PDE
OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE
Artigos
_______________________________________
¹Artigo vinculado ao curso de formação profissional do Programa de Desenvolvimento Educacional - PDE, da Secretaria do Estado do Paraná, realizado durante o período de 2013/2014 na Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE, campus Cascavel/PR. ²Professora da Educação Básica da rede pública de ensino do estado do Paraná, com especialização em Língua e Literatura e em Educação Especial. ³Professora Doutora do Curso de Graduação em Letras e do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu Mestrado e Doutorado em Letras da UNIOESTE.
As redes de conexão da inferenciação no gênero textual artigo de opinião¹ Marilene da Silva²
Sanimar Busse³
Resumo: Pretende-se, com este artigo, apresentar reflexões a respeito de uma proposta metodológica de ensino da leitura e da escrita, organizada sob forma de Unidade Didática, durante o período de estudos do Programa de Desenvolvimento Educacional - PDE, e implementada em uma turma de alunos do 9º ano do Colégio Estadual Monteiro Lobato - EFM, situado no município de Céu Azul - Pr. Por meio da aplicação da produção didático-pedagógica objetivou-se desenvolver uma proposta de trabalho com a compreensão do texto, pautada na concepção interacional (dialógica) da língua e nos estudos sobre estratégias de leitura, mais especificadamente sobre as inferências - estratégias cognitivas imprescindíveis ao processamento textual. Constatou-se que apesar de avaliações externas como a Prova Brasil e o SAEP exigirem do aluno a utilização de inferências, essa estratégia, muitas vezes, é pouco privilegiada nas atividades com o texto, especialmente no livro didático. Visando contribuir com a formação de leitores mais proficientes que pudessem vivenciar com a leitura uma forma de interação com o texto, seu autor e o mundo, elegeu-se como “instrumento" o gênero textual artigo de opinião, buscando estimular não só a reflexão e produção de sentido sobre o texto, mas também a capacidade argumentativa dos educandos.
Palavras-chave: Leitura- inferências- artigo de opinião
Introdução
A leitura é uma forma de interação entre sujeitos ativos que dialogicamente se
constroem e são construídos por meio do texto. Descortinar o texto, em um processo
de construção de sentidos e de interação entre os sujeitos, significa superar a visão
de texto como um depósito de ideias e informações a serem meramente
decodificadas. Quando a leitura se reduz a essa finalidade contribui-se com a
formação de pseudo-leitores - sujeitos que leem, mas não compreendem e não
interagem com o lido.
A compreensão de textos escritos e o aperfeiçoamento da autonomia leitora
representa ainda um dos grandes desafios para a escola, mobilizando esforços na
tentativa da superação das dificuldades de leitura e escrita. Diversos são os fatores
que contribuem para essas dificuldades apontadas no cotidiano escolar e nos
resultados de avaliações internas e externas como a Prova Brasil e o SAEP. Esse
panorama evidencia a importância da ação dos sujeitos envolvidos no processo de
ensino e aprendizagem, especialmente da função do professor enquanto mediador,
leitor mais experiente, que valoriza no aluno seus conhecimentos prévios e propicia
a interação com o saber sistematizado, por meio de um processo reflexivo e de
constante reformulação.
Nesse sentido, as atividades implementadas, por meio da Unidade Didática,
pretenderam efetivar a práxis da concepção interacional dialógica de língua e de
texto que, segundo Koch (2012, p.11), concebe a leitura como uma atividade
interativa e complexa de produção de sentidos que se efetua com base nos
elementos linguísticos presentes na superfície textual e na sua forma de
organização, exigindo a mobilização de um vasto conjunto de saberes no interior do
evento comunicativo.
Este artigo, portanto, propõe-se a apresentar em um primeiro momento, uma
breve discussão teórica sobre a concepção de leitura adotada e sobre a função das
inferências enquanto estratégias de leitura e compreensão textual. Em seguida, à luz
da reflexão teórica discutida, serão explicitados os encaminhamentos aplicados aos
alunos do 9º ano do Ensino Fundamental, e socializados com os colegas de área da
escola e durante o GTR - Grupo de Trabalho em Rede - um curso no qual
professores das diversas áreas analisam e discutem a fundamentação teórica
apresentada, bem como a viabilidade e a relevância das atividades sugeridas.
1. Inferências e compreensão leitora
O conceito de inferências está diretamente relacionado ao conceito de
compreensão textual, uma vez que a leitura pode ser vista como uma atividade
inferencial. Em contraposição a noção de leitura como decodificação, Marcuschi
(2008) apresenta a noção de compreensão como inferência, pois "toda
compreensão será sempre atingida mediante processos em que atuam planos de
atividades desenvolvidos em vários níveis e em especial com a participação decisiva
do leitor ou ouvinte numa ação colaborativa" (MARCUSCHI, 2008, p.238).
A língua é vista como uma atividade interativa na qual o processo de
compreensão ocorre como uma construção coletiva. Esse caráter de coletividade na
compreensão é decorrente do fato de que os textos apresentam por característica
sua implicitude, ou seja, ao pressupor informações que não precisam ser ditas, o
autor explicita somente o que julga necessário supondo que o leitor completará o
não dito no texto, tornando a atividade de produção de sentido uma atividade que
Marcuschi chama de coautoria. Nessa atividade, os sentidos "são parcialmente
produzidos pelo texto e parcialmente completados pelo leitor" (MARCUSCHI, 2008,
p.241).
Com esse enfoque, ressalta-se a concepção de leitura enquanto ato de
produção, por isso não apresenta um sentido único e imutável. Dell'Isola (2001,
p.28) ressalta que texto quer dizer "tecido", porém, não sendo visto como um
produto, mas como uma produção. Da mesma forma, a leitura se constitui uma
produção, sendo efetivada à medida que o leitor interage com o texto.
A compreensão textual, nesse sentido, é um processo que exige a
mobilização de diversas estratégias como: a seleção, a antecipação, a inferência, a
verificação entre outras categorizações. Dentre essas será destacada, neste artigo,
a atividade inferencial, considerada fundamental para a compreensão.
Marcuschi (2008) afirma que com essa posição admite-se que compreender
significa "partir dos conhecimentos (informações) trazidos pelo texto e dos
conhecimentos pessoais (chamados de conhecimentos enciclopédicos) para
produzir (inferir) um sentido como produto de nossa leitura" (MARCUSCHI, 2008, p.
239). Segundo o autor, compreender um texto é realizar inferências a partir das
informações dadas e situadas em contextos mais amplos.
De acordo com o autor, é possível dizer que as inferências realizam conexões
entre o conhecimento prévio do leitor, as informações textuais e as novas
informações produzidas, construindo sentido ao texto.
Não há consenso entre os autores sobre um conceito exato de inferências. Na
condução das atividades propostas neste trabalho optamos pelas noções
apresentadas por Marcuschi (2008), Koch (2003), Coscarelli (2002), Dell'Isola (2001)
e, principalmente, por Abarca e Rico (2003), por se tratar de autores que analisaram
conceitos anteriores e atualmente apresentam uma definição abrangente e,
supomos, mais completa sobre inferências.
Coscarelli (2002) conceitua inferências como operações cognitivas que o
leitor realiza para construir proposições novas a partir de informações encontradas
no texto. Koch (2003) e Marcuschi (2008) acrescentam a importância do contexto no
qual a informação dada está inserida para gerar significado e informação semântica
nova.
Nesse sentido, para Marcuschi (2008), inferência consiste em uma
informação semântica nova a partir de informação semântica velha num dado
contexto. O autor também esclarece que as inferências são processos cognitivos
nos quais uma nova representação semântica é construída a partir da informação
textual considerando o contexto.
Em consonância com o conceito asseverado por Marcuschi, Dell'Isola (2001)
afirma que a inferência revela-se como conclusão de um raciocínio, como
elaboração de pensamento e uma expectativa. Segundo essa autora, um ponto que
é consenso na definição de inferência é o fato de que ela ocorre na mente do leitor.
Ela não "está no texto. É uma operação que os leitores desenvolvem enquanto estão
lendo o texto ou após terem completado a sua leitura. O texto serve de estímulo
para a geração de inferências" (DELL'ISOLA, 2001, p.43).
Sendo assim, a autora adota um conceito de inferência que será utilizado
neste trabalho, por ser convergente com as definições apresentadas por Marcuschi
(2008) e Koch (2003):
Inferência é, pois, uma operação mental em que o leitor constrói novas proposições a partir de outras já dadas. Não ocorre apenas quando o leitor estabelece elos lexicais, organiza redes conceituais no interior do texto, mas também quando o leitor busca extratexto, informações e conhecimentos adquiridos pela experiência de vida, com os quais preenche os "vazios" textuais (DELL' ISOLA, 2001, p.44).
Dessa forma, como estratégia cognitiva, as inferências têm a importante
função de permitir ou facilitar o processamento textual tanto no momento da
produção quanto na compreensão do mesmo.
Diversas tentativas foram empreendidas por diferentes autores com o intuito
de conceituar inferências e apresentar classificações que envolvessem todos os
seus tipos. Apesar de não se constituir como um tema novo, muitos estudos ainda
precisam ser realizados para que haja uma melhor compreensão desse processo.
Marcuschi (2008) divide as inferências em três grandes grupos: as de base
textual, de base contextual e as sem base textual e contextual. O último grupo
corresponde às inferências falseadoras e extrapoladoras. Os dois primeiros grupos
se dividem em subtipos sendo assim organizados de acordo com o autor:
a)Inferências lógicas: dedutivas, indutivas, condicionais [...]. São baseadas
sobretudo nas relações lógicas e submetidas aos valores verdade na relação entre
as proposições.
b)Inferências semânticas: associativas, generalizadoras, correferenciais. São
sempre baseadas no input textual (informação nova que se está adquirindo), no
conhecimento de itens lexicais e nas relações semânticas.
c)Inferências pragmáticas: intencionais, conversacionais, avaliativas e
experienciais. Segundo Dell'Isola (2001), essas são as inferências que mais se
fazem presentes na leitura de textos. Estão relacionadas com os conhecimentos
pessoais, as crenças e as ideologias.
d)Inferências cognitivas: são classificadas como esquemáticas, analógicas e
composicionais.
Na elaboração das atividades propostas na Unidade Didática recorremos
principalmente à classificação apresentada por Vidal Abarca e Martinez Rico (2003,
p. 144), que dividem as inferências em dois grandes grupos:as de ligação textual e
as extratextuais.
Para os autores, são chamadas inferências de ligação textual as que
permitem ao leitor inferir a relação entre as ideias do texto que são sucessivas ou
muito próximas. Nesse tipo de inferência percebe-se que duas ideias têm um
referente comum, que uma é causa da outra ou que são exemplos de uma mesma
categoria, sem precisar recorrer a informações extratextuais para a compreensão.
O segundo grupo é constituído pelas inferências extratextuais, que são
aquelas que envolvem um processamento mais profundo da informação, pois vão
além da análise do explícito no texto, exigindo a ativação de conhecimentos prévios.
Essas inferências, para Abarca e Rico (2003, p.146), permitem relacionar ideias
distantes e entender que dois acontecimentos textuais estão relacionados. A partir
das inferências extratextuais é possível estabelecer relações mais globais entre as
ideias do texto, isso porque o leitor compreende com mais profundidade a situação
descrita na passagem. Os autores sintetizam os conceitos apresentados dizendo
que enquanto as inferências de conexão textual estabelecem ligações entre as
ideias sucessivas buscando tornar explícitas as relações que estão implícitas no
texto, por meio das inferências extratextuais
estabelecem-se relações entre ideias relativamente distintas, sendo mais dependentes da ativação do conhecimento prévio e de uma representação mental mais global da situação explicada e descrita no texto. É pouco provável que essas inferências ocorram durante a leitura, a menos que o leitor tenha um grande conhecimento do tema (ABARCA; RICO, 2003, p.146).
Os dois tipos de inferências, definidos pelos autores, podem ser regulados de
maneira estratégica pelo leitor e facilitados pelo texto. No que se refere ao papel do
leitor, quanto maior for seu grau de conhecimento prévio sobre o assunto tratado no
texto, maiores serão os níveis de interação e compreensão desse texto. Com
relação ao texto, os autores perceberam que quando este promove a configuração
de uma rede mais coerente de ideias, o leitor vai além da informação explícita, ou
seja, a informação introduzida pode, ou não, estimular um processamento mais ativo
e facilitar, ou não, a produção de inferências.
Inseridas no vasto e, por que não dizer, complexo universo da leitura, as
inferências constituem-se como um aspecto fundamental e decisivo para a
construção do sentido textual, sendo um único texto suscetível à geração de
diversas inferências.
2. As inferências nas avaliações externas - Prova Brasil e SAEP e o
trabalho em sala de aula
A necessidade de pesquisar sobre o tema abordado neste artigo surgiu da
análise dos constantes resultados insatisfatórios da escola nas avaliações externas,
primeiramente, a Prova Brasil e, atualmente, o SAEP, sistema de avaliação adotado
pelo governo paranaense que segue os mesmos parâmetros da Prova Brasil e a
mesma Matriz de Referência. Em 2013, os professores tiveram acesso à revista
pedagógica do SAEP, por meio da qual é possível analisar os conteúdos avaliados,
os resultados obtidos e os encaminhamentos possíveis de serem trabalhados a
partir dos tópicos e descritores sugeridos.
Segundo o SAEP (2012), dominar as estratégias permite reunir
conhecimentos que possibilitam ao aluno/leitor utilizar diversos recursos para
compreender textos de diferentes gêneros.
De acordo com a matriz de referência desse sistema de avaliação, fazer
inferências é uma capacidade ampla e que caracteriza leitores mais experientes,
que conseguem ir além das informações explícitas no texto, atingindo camadas mais
profundas de significação. No processo de construção de sentidos, o leitor precisa,
para realizar inferências, considerar as pistas fornecidas pelo texto, os seus
conhecimentos prévios e a sua experiência de mundo.
A observação, nas avaliações externas, dos descritores que envolvem
processos inferenciais permite ao professor adaptar mais uma possibilidade de
trabalho explorando as inferências como estratégia de leitura. No 9º ano, série a qual
se destinaram as atividades implementadas por meio da Unidade Didática, os
descritores nos quais predominam processos inferenciais são:
D02- Realizar inferência do sentido de uma palavra ou de uma expressão em texto; D03- Realizar inferência de uma informação implícita em texto; D06- Interpretar texto com auxílio de material gráfico diverso (propagandas, quadrinhos, foto, etc.). D16- Identificar efeitos de ironia ou humor em textos variados. D17- Reconhecer o efeito de sentido decorrente do uso da pontuação e de outros recursos gráficos; D18- Reconhecer o efeito de sentido decorrente da escolha de uma determinada palavra ou expressão. D19- Reconhecer o efeito de sentido decorrente da exploração de recursos estilísticos (PARANÁ, 2012, p. 20).
Esses são os descritores que explicitamente exigem do aluno a realização de
inferências, contudo, se observados atentamente os demais descritores, percebe-se
que muitos deles também envolvem tal estratégia de leitura, como nota-se em: D04
(Identificar o tema de um texto); D07 (Identificar a finalidade de textos de diferentes
gêneros); D12 (Estabelecer relação entre a tese e os argumentos oferecidos para
sustentá-la); D14 (Estabelecer relação causa/consequência entre partes e
elementos do texto) etc.
O SAEP também avalia a capacidade do aluno realizar inferências
consideradas mais elaboradas como: inferir o sentido de uma expressão metafórica
ou efeito de sentido de uma onomatopeia; o efeito de sentido produzido pelo uso de
uma palavra em sentido conotativo e pelo uso de notações gráficas, e ainda, o efeito
de sentido produzido por expressões em textos pouco familiares e/ou com
vocabulário mais complexo (PARANÁ, 2012, p. 29).
Mais do que dados estatísticos o que se espera é que a escola consiga
desenvolver seu papel contribuindo com o desenvolvimento das habilidades leitoras,
favorecendo a mediação entre texto-autor-leitor, a princípio tendo o professor como
mediador nesta interação, mas permitindo que o aluno construa suas próprias
leituras e interaja com os textos de maneira cada vez mais autônoma.
Assim como a linguagem e a leitura, o ensino e aprendizagem também são
processos que possibilitam transformações, ao mesmo tempo em que também são
transformados. Dessa forma, o trabalho desenvolvido de compreensão e estratégias
de leitura com enfoque nas inferências, não pretende constituir-se como um produto
concluído, mas um processo que, no dialogismo estabelecido com os leitores reais e
virtuais, certamente também será transformado, aperfeiçoado e adaptado.
Abarca e Rico (2003) apontam três caminhos para que o professor possa
favorecer as produções de inferências pelos alunos. Esses caminhos são: a
formulação de perguntas, a ativação de conhecimentos prévios e a autoexplicação.
A formulação de perguntas consiste em um recurso pedagógico efetivo para a
produção de inferências, no entanto, isso dependerá do tipo de perguntas
formuladas, da informação que o texto deixa implícita e dos conhecimentos do leitor
sobre o assunto tratado. As perguntas elaboradas devem favorecer e estimular os
dois tipos de inferências mencionados anteriormente: as de conexão textual e as
extratextuais.
As perguntas de conexão textual, segundo os autores, devem motivar
respostas que impliquem a relação entre as ideias do texto, assumindo como regra
básica o fato do leitor manter a progressão temática e estabelecer vínculos entre os
diferentes ciclos de informação.
Para estimular as inferências extratextuais, as perguntas elaboradas exigem
"um processamento mais profundo da informação que implica a ativação de ideias
prévias, tudo isso voltado à compreensão da situação descrita ou explicitada no
texto" (ABARCA; RICO, 2003, p.150). Por meio desse tipo de perguntas, o leitor
deve estabelecer relações globais entre as ideias e gerar outras novas.
A segunda intervenção pedagógica sugerida para estimular a produção de
inferências pelos leitores consiste em ativar o conhecimento prévio para relacionar
informações, ou seja, ativar os conhecimentos relevantes que o leitor já possui sobre
o tema tratado pelo texto.
Como terceira intervenção para auxiliar os leitores a realizarem inferências,
os autores sugerem um procedimento bastante simples: incentivá-los a explicar o
texto que leem. Conforme o nível de leitura, podem ser produzidas, nesse caso,
explicações ou simplesmente paráfrases sobre o texto. Um dos benefícios da
autoexplicação é fato de que realizar inferências permite que a leitura seja "uma
construção do leitor na qual se ativam conhecimentos prévios e integram-se as
novas ideias com as que se tinham previamente" (ABARCA; RICO, 2003, p.152). O
segundo benefício é que à medida que o conhecimento que vai sendo elaborado se
torna explícito, o leitor percebe que esse conhecimento pode entrar em contradição
com suas ideias anteriores, ou com outras ideias do texto. Dessa forma, ocorre um
diálogo entre o texto e o leitor transformando a leitura em uma "autêntica atividade
de comunicação".
Quando o resultado da autoexplicação for apenas a paráfrase, o professor
pode intervir solicitando aos alunos para irem além do texto, que expliquem a
relação de uma ideia com outra do texto ou esclareçam determinada afirmação
apresentada.
3. Artigo de opinião: percursos de leitura e de escrita no trabalho com as
inferências
Para o desenvolvimento das atividades trabalhadas com os alunos elegeu-se
o aporte teórico sobre os gêneros do discurso, por compreendê-los, assim como
postula Bakhtin, como enunciados concretos e únicos que refletem as condições
específicas e as finalidades de cada campo da atividade humana, por meio do seu
conteúdo temático, do estilo da linguagem e da construção composicional
(BAKHTIN, 2011, p. 261).
Segundo o autor, o estudo da natureza dos enunciados e dos gêneros
discursivos é "de importância fundamental para superar as condições simplificadas
da vida do discurso, do chamado fluxo discursivo, da comunicação [...] daquelas
concepções que ainda dominam a nossa linguística" (BAKHTIN, 2011, p.269).
Desenvolvendo a metáfora do gênero como megainstrumento para agir em
situações de linguagem, SCHNEUWLY (1994, apud KOCH, 2003, p.55), entende o
domínio do gênero como o próprio domínio da situação comunicativa. Esse fator,
segundo o autor, pode ocorrer por meio do ensino das capacidades de linguagem,
ou seja, ao ensinar as aptidões exigidas para a produção - e por que não dizer, para
a compreensão - de um gênero determinado. Sobre esse ensino, Koch (2003) afirma
que:
O ensino do gênero seria, pois, uma forma concreta de dar poder de atuação aos educadores e, por decorrência, aos seus educandos. Isso porque a maestria textual requer - muito mais que outros tipos de maestria - a intervenção ativa de formadores e o desenvolvimento de uma didática específica (KOCH, 2003, p. 55).
Apesar de não falar em ensino, Bakhtin (2011) enfatiza a importância do
conhecimento sobre os gêneros dizendo que:
Quanto melhor dominarmos os gêneros tanto mais livremente os empregamos, tanto mais plena e nitidamente descobrimos neles a nossa individualidade (onde isso é possível e necessário), refletimos de modo mais flexível e sutil a situação singular da comunicação; em suma, realizamos de modo mais acabado o nosso livre projeto de discurso (BAKHTIN, 2011, p.285).
Nesse sentido, a partir desse momento, propomo-nos a realizar um estudo da
natureza de um gênero textual que possibilita um grande nível de interação e
dialogismo, o artigo de opinião. Por meio dele, foram elaboradas as atividades de
estratégia de leitura e compreensão textual, acreditando que o estudo mais
aprofundado de um gênero, e não apenas o trabalho com quantidades deles,
permite ao leitor a utilização e a generalização de habilidades desenvolvidas para
compreender gêneros de outros campos da atividade humana.
Ao realizar o trabalho com o gênero textual em sala de aula é preciso
lembrar que o enunciado, neste caso o texto, não pode ser analisado de maneira
isolada, deslocada, como se apenas no próprio texto houvesse todas as condições
para a interação e compreensão. Compreender a natureza do enunciado significa
buscar compreender como o texto se organiza, em que contexto está inserido, qual
é a sua finalidade, seu propósito, o que diz e para que diz, fazendo recorrência ao
extralinguístico. Não levar aspectos como esses em consideração e focar somente
no texto é reduzir o trabalho com o gênero ao mero formalismo.
Nesse sentido, o aporte teórico utilizado visa compreender melhor a natureza
do gênero textual artigo de opinião.
Segundo Rodrigues (2005), a interação autor/leitor é mediada
ideologicamente pela esfera jornalística "que regulamenta as interações, as
diferentes interpretações, filtra, interpreta e põe em evidência os fatos, saberes,
opiniões que farão parte do universo temático-discursivo jornalístico" (RODRIGUES,
2005, p. 171-172).
Isso significa que, embora o jornal tente se demonstrar isento com relação à
responsabilidade sobre as opiniões expressas no artigo de opinião, sua postura não
é neutra à medida que seleciona, organiza e destaca fatos, acontecimentos e
opiniões que farão parte dele. A própria organização do jornal em cadernos, seções
e suplementos, a permissão ou não para publicar (na íntegra ou parcialmente) um
texto enviado, demonstra a tomada de posição do jornal, enquanto empresa e,
portanto, a sua não neutralidade.
Bakhtin (2011) ressalta em vários momentos a relevância de se conhecer a
natureza do enunciado e assevera que:
O desconhecimento da natureza do enunciado e a relação diferente com as peculiaridades das diversidades de gênero do discurso em qualquer campo da investigação linguística redundam em formalismo e em uma abstração exagerada, deformam a historicidade da investigação, debilitam as relações da língua com a vida (BAKHTIN, 2011, p. 264-265).
O espaço ocupado pelo artigo de opinião no suporte de circulação evidencia a
sua finalidade. Está localizado na seção opinião, juntamente com os outros gêneros
"que historicamente têm seu horizonte temático e axiológico orientado para a
manifestação da expressão valorativa a respeito de acontecimentos sociais que são
notícia jornalística" (RODRIGUES, 2005, p.171).
Segundo a autora, a interação estabelecida pelo artigo de opinião está
ancorada na presença de alguns participantes: o autor, o interlocutor e a empresa
jornalística. É interessante que se perceba como estas relações estão constituídas,
para que seja superada a condição de ingenuidade na leitura.
O primeiro participante - mencionado nessa ordem apenas para fins didáticos-
é o autor do artigo. De acordo com Rodrigues (2005), o autor é alguém que ocupa
posição social e profissional de destaque, o que exclui os considerados sem
prestígio social. Ele é "convidado pela empresa para expor seu ponto de vista
(acento de valor) sobre determinado assunto da atualidade e de sua competência"
(RODRIGUES, 2005, p.171). Pode ser um colaborador eventual ou pode tratar-se de
um escritor com espaço fixo no jornal, podendo publicar o mesmo texto em jornais
distintos. Para a autora, esses fatores limitam a noção de pluralidade ideológica e
restringem a manifestação de opinião externa à da empresa. Isso significa que a
empresa cria uma imagem ideologicamente de pluralidade e democracia que pode
não possuir.
A posição social e profissional de destaque do autor confere credibilidade e
autoridade ao que diz, dessa maneira, o seu posicionamento "sobre determinado
acontecimento social constitui-se em tema de interesse para o público leitor"
(RODRIGUES, 2005, p. 172).
Para produzir um artigo o autor assume um posicionamento axiológico que se
configura como uma ação-resposta a algo que foi dito, define-se enquanto sujeito no
contexto da comunicação - "quem sou eu para dizer o que pretendo", dialoga com
outras vozes para refutá-las ou buscar adesão e dialoga também com o seu
interlocutor selecionando suas estratégias argumentativas. Dessa forma, pode-se
dizer que a autoria e a compreensão do texto são atitudes repletas de dialogismo.
O segundo participante da interação é o interlocutor do gênero. Ele é
formado pelo leitor das diferentes classes sociais, e também pela própria empresa
jornalística. Essa, como terceiro participante, lê o texto e aprova previamente a sua
publicação assumindo a dupla função de leitor e autor interposto entre o articulista e
os leitores.
Assim como o articulista, a empresa jornalística também funciona como um
argumento de autoridade assumindo, ou não, credibilidade para o seu dizer.
De acordo com o método sociológico de trabalho com o gênero, os elementos
que constituem a natureza do artigo de opinião são: o conteúdo temático, o estilo e a
estrutura composicional. Esse método, segundo Bakhtin (2004), parte do
pressuposto de que "A língua vive e evolui historicamente na comunicação verbal
concreta, não no sistema linguístico abstrato das formas da língua nem no
psiquismo individual dos falantes" (BAKHTIN, 2004, p.124). Por isso, ao estudar a
língua, o autor assevera que a ordem metodológica deve ser primeiramente a
análise do conteúdo temático e o seu contexto e, em seguida, a construção
composicional e o estilo.
O conteúdo temático do artigo de opinião constitui-se da análise dos
acontecimentos sociais e do posicionamento do autor. O que é mais relevante não é
a informação sobre os fatos, pois essa pode ser encontrada em outros gêneros, mas
o ponto de vista do autor sobre o tema.
Segundo o Caderno Pedagógico de Sequência Didática (2009, p.17), a
construção composicional caracteriza o gênero, isto é, corresponde ao plano global
mais comum que organiza seus conteúdos, à estrutura, ao arranjo interno dos textos
pertencentes ao mesmo gênero. É importante ressaltar que a estrutura
composicional constitui os gêneros escritos, os orais e também os não-verbais.
O estilo é definido pela SD como as "marcas linguísticas e enunciativas, ou
seja, recursos gramaticais empregados, tais como: sinais de pontuação, estrutura
das frases, seleção do léxico, entonação, ritmo, ou recursos não verbais [...]"
(AMOP, 2009, p. 17).
Apesar de o encaminhamento metodológico de compreensão textual muitas
vezes explorar esses três elementos - conteúdo temático, estilo e construção
composicional - em atividades distintas, eles estão, segundo Bakhtin (2011),
"indissoluvelmente ligados no todo do enunciado e são igualmente determinados
pela especificidade de um determinado campo da comunicação" (BAKHTIN, 2011, p.
262).
Nesse sentido, Rodrigues (2005), refere-se aos dois últimos elementos como
configurações estilístico-composicionais. Fazem parte dessas configurações, as
estratégias de inter-relações do discurso do autor com o discurso já dito, a maneira
como o articulista enquadra, introduz e organiza o discurso do outro. O uso de
verbos introdutórios do discurso alheio, de palavras e expressões avaliativas, a
negação, as aspas, os operadores argumentativos, a ironia, os pronomes
demonstrativos, o discurso relatado direto e indireto para a incorporação ou
desqualificação de outras vozes podem, entre outras, ser estratégias estilístico-
composicionais de manifestação dos movimentos dialógicos de assimilação ou de
distanciamento. No trabalho com o texto é importante possibilitar ao aluno a
percepção desses, entre outros, aspectos que configuram o artigo de opinião.
4. Processos argumentativos e a construção da noção de inferência em
produções escritas dos alunos
O Programa de Desenvolvimento Educacional - PDE lança-nos um importante
e necessário desafio: a efetivação da práxis pedagógica sistematizando e
vivenciando a articulação entre a teoria e a prática. Essa sistematização ocorreu
com a elaboração de uma Unidade Didática na qual contém um encaminhamento
metodológico que visou estimular a compreensão, a reflexão e a criticidade sobre o
texto escrito por meio do trabalho com o gênero artigo de opinião. Como são
diversas as estratégias que envolvem o ato de ler, elegeu-se prioritariamente o
acionamento de inferências.
O público-alvo para a implementação do projeto constituiu-se de uma turma
de alunos do 9º ano do Ensino Fundamental do período vespertino do Colégio
Estadual Monteiro Lobato - EFM. Traçando um breve perfil desses alunos podemos
dizer que, assim como a maioria, apresentavam uma grande heterogeneidade com
relação ao rendimento, à capacidade de compreensão e de assimilação de novos
conceitos, porém de maneira geral, foram muito participativos e se envolveram com
a discussão de cada tema. Fizeram parte do projeto 32 alunos, entre eles, dois com
deficiência visual, um com disgrafia e um com dislexia. O desafio foi grande, uma
vez que é necessário que se respeite e valorize a individualidade, buscando avanços
no desenvolvimento da leitura e da escrita de maneira que cada sujeito possa evoluir
a partir do próprio nível em que se encontra, mas que haja avanços no resultado
coletivo, pois a expectativa era de que a turma como um todo apresentasse melhor
desempenho e autonomia leitora.
É importante salientar que as atividades planejadas na Unidade Didática
compõem um projeto articulado com os conteúdos precedentes e consequentes da
série, não constituindo-se como aulas isoladas das demais. Sendo assim, foi preciso
analisar o percurso dos conteúdos como um todo, introduzindo o desenvolvimento
da argumentação e a utilização das inferências com os diversos gêneros
trabalhados e dando continuidade ao processo durante todo o ano letivo na série.
Para atingir os objetivos, elegeu-se como ferramenta principal o gênero artigo
de opinião, primeiro, por ser altamente argumentativo e, segundo, por ampliar o
repertório de gêneros conhecidos pelos alunos, uma vez que a análise de artigos
ainda não fazia parte da sua prática de leitura.
O projeto foi organizado teoricamente em 13 momentos aplicados em,
minimamente, 69 horas-aula. Embora o artigo de opinião fosse o foco principal,
como nos propusemos a um desenvolvimento gradativo das habilidades de leitura e
escrita, incluímos outros gêneros que poderiam contribuir com esse processo como:
a notícia, a carta do leitor, a charge e vídeos sobre os temas.
Entre os assuntos polêmicos discutidos recentemente abordamos os
seguintes temas: a redução da maioridade penal, o uso da internet, a pesquisa
científica em animais e a vinda dos médicos cubanos ao Brasil. Foram selecionados
para serem analisados os seguintes textos:
Texto Gênero
(01) Redução da maioridade penal, a grande falácia de Dalio Zippin
Filho (Jornal Gazeta do Povo, 10/06/2013)
Artigo de opinião
(02) Adolescentes são alvo na internet de Diego Ribeiro (Jornal
Gazeta do Povo, 28/10/2013)
Notícia
(03) Monitoramento dos pais na internet x invasão de privacidade?
(Blog Direito e Tecnologia, Gazeta do Povo, 04/09/2012)
Artigo de opinião
(04) Vida moderna e internet, e-cérebro, Computador é bom mas... Charge
(05) A fadiga da informação de Augusto Marzagão ( Folha de São
Paulo, 22/10/1996)
Artigo de opinião
(06) Animais de laboratório de Paula Louredo (site Brasil Escola) Artigo de opinião
(07) A ética no uso de animais em pesquisas de Marta Luciane
Fischer (Jornal Gazeta do Povo, 23/10/2013)
Artigo de opinião
(08) Pesquisas com animais (Jornal Gazeta do Povo, 25/10/2013) Carta do leitor
(09) Carta aos médicos cubanos de David Oliveira de Souza (Folha
de São Paulo, 31/08/2013)
Artigo de opinião
A partir dos encaminhamentos de introdução à argumentação realizamos a
leitura e a compreensão dos textos citados na tabela utilizando estratégias como a
ativação de conhecimentos prévios sobre os temas e a compreensão por meio da
formulação de perguntas, com o predomínio de questões que acionassem as
inferências de ligação textual e extratextual, e a autoexplicação. Não deixamos de
empregar também as questões de decodificação por percebermos que a depender
da linguagem e do conhecimento acionado pelo texto, decodificá-lo constitui-se
como um primeiro nível de leitura.
À medida em que se realizavam as atividades de compreensão do texto 01,
foram introduzidos conceitos como: pé biográfico, articulista, argumentos e contra-
argumentos, as vozes no artigo de opinião, o contexto de produção, as
características do gênero, modalizadores e operadores discursivos.
A respeito da estratégia de formulação de perguntas citamos alguns exemplos
de questões que acionam a produção de inferências extratextuais, as que exigem
um processamento mais profundo da informação, pois vão além do que está
explícito:
01- Qual é o assunto do artigo? Por que esse assunto foi abordado pelo autor? 02- Qual é o posicionamento do articulista sobre o assunto tratado no texto? Por que, possivelmente, ele apresenta esse posicionamento? 03- Estabeleça uma relação entre o título e os argumentos apresentados no decorrer do texto. Explique o significado da palavra falácia nesse contexto em que foi utilizada: 04- O uso da palavra apenas e a porcentagem apresentada revelam a utilização de mais uma voz no primeiro parágrafo. Esse dado foi utilizado com que intenção para a construção do sentido do texto. (Unidade Didática p.24-27, 2013)
Constatamos que muitos alunos tiveram dificuldades em compreender não só
as questões que envolviam inferências, mas também as de decodificação (como as
primeiras perguntas das questões 8 e 10). Isso significa que, dependendo do texto,
das informações nele contidas e da linguagem utilizada, não só o implícito e o
inferido são desafiadores, mas também o que está dito, o que está posto no
enunciado.
No desenvolvimento das atividades com os textos 02 e 03 foram analisados
os conceitos de recurso expressivo e de movimento dialógico de distanciamento e
de assimilação para que percebessem melhor a estratégia de utilização de vozes no
artigo de opinião. Para contribuir com a compreensão do propósito discursivo do
gênero analisamos também a estrutura do artigo.
Os textos do grupo 04, constituídos por quatro charges, possibilitaram que
as inferências fossem acionadas por meio da análise da linguagem não verbal
percebendo as estratégias argumentativas presentes na sua estrutura
composicional.
Foram exploradas também (texto 05) as ideias de distinção entre fato e
opinião, o estabelecimento da relação entre causa e consequência entre as partes e
os elementos do texto e a função dos conectivos. Realizaram inferências sobre o
sentido de uma palavra e de uma expressão no texto e do efeito de sentido
decorrente do uso da pontuação.
No texto 06, a produção de inferências foi estimulada por meio da estratégia
de autoexplicação, solicitando aos alunos que elaborassem uma síntese utilizando
modalizadores e articuladores. Além disso, deveriam fazer uso da paráfrase e do
discurso indireto relatado - recurso necessário para a incorporação de vozes aos
argumentos.
Em seguida, o encaminhamento de leitura exigiu que confrontassem um
artigo de opinião (texto 07) e uma carta do leitor produzida em resposta a esse artigo
(texto 08). Nessa confrontação foi necessário que fizessem uso da argumentação
para explicar a finalidade e o posicionamento desses textos.
As atividades que seguiram de leitura estimularam o uso de inferências de
ligação textual que permitiram inferir a relação entre as ideias do texto que são muito
próximas ou sucessivas. Como as ideias estão explícitas, o processamento da
informação exigido por essas inferências não é tão profundo quanto o das
inferências extratextuais:
a) A palavra contudo (linha 5) introduz uma ideia de: ( ) adição ( ) oposição/ contradição ( ) explicação b) Qual foi a ideia anterior a essa palavra apresentada pela bióloga? c) E a ideia posterior a essa palavra? (Unidade Didática p.48, 2013)
O terceiro parágrafo do texto apresenta a seguinte ideia:
A comunidade internacional, buscando regulamentar o uso de animais para finalidade acadêmica e científica - através da contenção de abusos e, principalmente, estimulando a postura ética por parte daqueles que têm os animais como seus objetos de pesquisa -, conduziu à exigência legal de que instituições que usam animais estruturem comitês científicos (Gazeta do Povo, 23/10/2013, Marta Luciane Fischer).
Sobre esse parágrafo levantamos as seguintes questões: a) Qual foi a
exigência estabelecida pela comunidade internacional para regulamentar o uso de
animais? b) Com qual finalidade foi feita essa exigência?. Embora fosse preciso
acionar apenas as inferências de ligação textual, os alunos tiveram dificuldades para
responder a essas perguntas, talvez porque o período mais extenso não tenha
contribuído para a recuperação imediata da informação ou porque as respostas não
poderiam ser encontradas no texto na mesma ordem em que foram realizadas as
perguntas. Esses fatores, aliados ao uso de uma linguagem mais formal
demonstram que, conforme o texto, utilizar as inferências de ligação não é uma
tarefa simples para o leitor em formação.
O texto 09 aborda o tema a respeito da saúde pública no Brasil devido à
polêmica gerada pelo programa Mais Médicos do Governo Federal que contratou
médicos cubanos. Com esse texto, os alunos puderam perceber o uso do gênero
intercalado no artigo.
É possível dizer que os gêneros intercalados são aqueles que fazem parte de
um primeiro gênero interferindo em sua estrutura composicional e no estilo, porém a
situação de interação garante o predomínio do primeiro gênero. Por exemplo,
podemos encontrar textos que se anunciam como autobiografia, mas, que na
verdade, neles predominam as características da crônica ou uma charge com
característica de e-mail.
Segundo Rodrigues (2005), o gênero intercalado pode fazer parte do artigo
como o relato de fatos (vividos, presumidos), o provérbio e o resumo. Também pode
encobrir o artigo fazendo-se passar por outro gênero, caso do texto apresentado
como exemplo, Carta aos médicos cubanos de David Oliveira de Souza (2013).
Neste texto, o autor desdobra o seu suposto leitor que, em um primeiro
momento, pode parecer que se trata apenas dos médicos cubanos, mas com essa
estratégia quer persuadir o leitor em geral a perceber a necessidade da vinda dos
seus pares - médicos que, como ele um dia, chegaram em terra estrangeira.
A mediação realizada durante as atividades de compreensão textual foi no
sentido de permitir que os alunos percebessem essas estratégias de escrita.
Utilizamos a formulação de perguntas para que pudessem inferir o efeito de sentido
produzido com o uso da primeira pessoa do discurso, dos vocativos utilizados, da
reiteração de expressões e do significado de termos em uma sentença. Retomamos
a utilização de argumentos e contra-argumentos e a análise das informações do pé-
biográfico para a construção do sentido global do texto.
Para que a produção de texto fosse uma atividade repleta de sentido
estimulando a interação entre autor e leitor, os alunos deveriam realizá-la visando
comunicar-se com interlocutores reais. Em vista disso, cada texto passou pelo
processo de refacção textual e em seguida alguns foram selecionados para serem
lidos em sala e/ou publicados no Blog ConectandoInfos.
Nos encaminhamentos de produção textual, torna-se relevante a elaboração
do enunciado, pois deve ser escrito de maneira a orientar a ação do produtor
permitindo-lhe retomar as informações nele contidas. Entre os aspectos que devem
ser contemplados pelo enunciado de produção textual destacamos os seguintes: a
finalidade (para que dizer), o interlocutor (para quem dizer), o gênero discursivo ao
qual o texto deverá pertencer, a circulação (local onde o texto irá circular) e a
posição do autor (quem é ele para escrever o que pretende - aluno, professor, pai,
representante de um grupo...).
Destacamos no quadro a seguir alguns exemplos dos enunciados utilizados
para as produções dos textos:
2ª produção Agora, você está convidado para ser o articulista!
Como adolescente/jovem, escreva um artigo de opinião de pelo menos
quinze linhas para ser publicado no blog da turma, posicionando-se a favor
ou contra a redução da maioridade penal. Seu texto deve apresentar tese,
argumentos, contra-argumentos e conclusão sobre o assunto. Não
esqueça de incluir o pé biográfico.
3ª produção Escreva um resumo apresentando as ideias principais do texto que
lemos. Este texto será lido para os colegas de sala e o seu poderá ser
fixado no nosso mural. Ao citar a fala de alguém utilize o discurso
indireto. Para realizar a sua produção você pode se orientar pelo seguinte
roteiro: a) Gênero a que pertence o texto; b) Título do texto; c) Autor do
texto; d) Local de publicação; e) Assunto tratado pelo texto
(resumidamente); f) Seu posicionamento sobre o assunto.
4ª produção Escreva um artigo de opinião para ser publicado no mural da escola e/ou
no nosso blog, posicionando-se, como adolescente, sobre o bom e o mal
uso da internet por crianças e jovens, ou seja, seu texto pode falar sobre as
vantagens do uso dessa tecnologia e sobre os cuidados que se deve ter ao
utilizá-la. Você pode aproveitar os textos lidos em sala ou pesquisar em
outros, afirmações de autores sobre o assunto ou dados/estatísticas para
construir seus argumentos. Os possíveis leitores serão adolescentes e pais
da comunidade.
À medida em que os conceitos sobre os gêneros foram sendo trabalhados,
solicitamos, gradativamente, aos alunos a aplicação desses conhecimentos
adquiridos em suas produções.
A partir da terceira produção textual, a maioria dos alunos conseguiu atender
ao propósito discursivo, fez uso de pelo menos uma voz e empregou modalizadores
ou operadores discursivos - nem sempre esse emprego estava adequado, mas esse
aspecto foi discutido durante a refacção dos textos.
A última produção ainda revelou fragilidades em alguns textos como:
argumentos pouco consistentes, dificuldade de informatividade no texto e falta de
clareza em alguns trechos. Porém muitos alunos apresentaram avanços
significativos, tomando como referência sua primeira produção: atenderam ao
propósito discursivo, construíram argumentos com a utilização de dados e citação de
uma autoridade, usaram modalizadores e operadores discursivos e empregaram a
estrutura do gênero.
A seguir, na figura 01, apresentamos uma produção escrita realizada por um
aluno, sem as intervenções feitas no processo de refacção textual, observando os
principais recursos argumentativos utilizados. Esse texto faz parte do último
encaminhamento de produção, no qual o aluno poderia optar entre três temas
sugeridos e apresentados por eles em forma de debate em sala. O tema escolhido
pelo autor foi sobre a pesquisa científica em animais.
Figura 01
Podem eles sofrer?
O O uso de animais em laboratórios, é um assunto muito polêmico. Algumas pessoas dizem que o uso de animais ainda é necessário, que não é possível se basear apenas em simuladores.
Segundo o biólogo Sérgio Greif, que escreveu o livro Alternativas ao uso de Animais Vivos na Educação, os laboratórios insistem na vivissecção (ato de dissecar o animal vivo) porque já se acomodaram à essa técnica.
O biólogo também diz que alguns apontam as novas abordagens e metodologias de pesquisa que não se baseiam em animais como caras, mas esquecem do custo elevado para a manutenção de animais em biotérios.
Animais e humanos reagem diferentemente a substâncias. Algumas drogas são cancerígenas em homens, mas não em animais. Por exemplo, o arsênio pode ser aplicado em enormes doses em cabritos e não causariam nenhum mal a eles, porém no homem apenas uma gota levaria a morte.
Noventa por cento dos cânceres no ser humano são devido a medicamentos, aditivos alimentares, pesticidas, todos “testados com êxito” em animais.
Sendo assim, se a pesquisa em animais ainda não pode ser substituída, os cientistas deveriam usar os animais com a consciência de que eles também sentem dor, por isso deveriam continuar procurando métodos alternativos de pesquisa sem causar tanto sofrimento aos animais.
M. C., 13, 9º F
1 Título
2 Introdução
3 Argumentação/ Negociação
4 Argumentação
5 Conclusão
1 O título, ao inserir uma pergunta, na verdade, leva o leitor a rever, refletir sobre
a discussão e, preliminarmente, pode-se considerar que se pretende mudar uma
visão sobre a realidade: a de que os animais não sofrem tanto quanto os seres
humanos.
2 Na introdução, há uma tese ainda a ser definida. O uso do articulador
Algumas pessoas dizem que... apresenta o posicionamento de um grupo que é
favorável à pesquisa em animais, evidenciando a utilização do movimento dialógico
de distanciamento na escolha de um contra-argumento que será questionado no
parágrafo seguinte. No início, o autor já dá a tônica da discussão e apresenta o
panorama da temática.
3 O segundo parágrafo, introduzido pelo articulador Segundo o biólogo Sérgio
Greif..., traz uma voz constituída por um argumento de autoridade para rebater o
argumento citado no parágrafo anterior, recurso que caracteriza o movimento
dialógico de assimilação. O articulador porque apresenta o comodismo como
justificativa para a vivissecção.
3 O terceiro parágrafo apresenta a mesma voz de autoridade para rebater, por
meio de contra-argumento, o discurso de alguns que consideram apenas os custos
elevados com as novas alternativas à pesquisa em animais. Nesse caso, novamente
ocorre a utilização do discurso dialógico de distanciamento. O articulador mas
introduz o argumento em resposta a esse contra-argumento. Nesses parágrafos,
pode-se considerar uma tentativa de negociação na apresentação de argumentos.
Sem apresentar os argumentos mais contundentes para a tese a ser defendida, o
autor expõe dados que orientam os sentidos do texto.
4 O quarto e quinto parágrafos são elaborados com o recurso de paráfrase do
texto lido pelo articulista (citado no segundo parágrafo) e, para confirmar a tese,
apresentam um argumento por exemplificação Por exemplo... e um por prova
concreta Noventa por cento dos cânceres... Esse último, trata-se de uma voz
constituída por um dado que comprova a ineficácia da realização de testes em
animais - movimento dialógico de assimilação.
5 No último parágrafo o autor apresenta a conclusão e ao mesmo tempo a tese
utilizando os articuladores Sendo assim e por isso para esclarecer o
posicionamento desfavorável ao sofrimento causado em animais na realização das
pesquisas científicas, apontando a necessidade de que se continue buscando
métodos alternativos.
Percebemos, portanto, que grande parte do texto (parágrafos 2, 3 e 4) é
constituída por paráfrase ao texto utilizado pelo aluno como referência e fonte de
leitura, porém, conforme é citado no Caderno Pontos de Vista da Olimpíada de
Língua Portuguesa (2010), Toda argumentação é construída com informações cujas
fontes ou são mencionadas ou estão subentendidas. Em todos esses casos há
muitas vozes aliadas ao articulista (PONTOS DE VISTA, 2010, p.120). Esse aspecto
do texto, bem como a retomada pronominal e nominal do referente "animais", muito
repetido em todo o texto, foi discutido com os alunos durante a etapa de refacção
textual.
Portanto a análise dessa produção textual permite notar que, com estratégia
adotada a partir da utilização de uma voz de autoridade (biólogo) e de índices, o
autor reforça a tônica polêmica da temática. Nos operadores argumentativos,
destacados no texto, materializa um discurso modalizado que foge da polêmica. A
conclusão retoma a realidade exposta no início do texto, reforçando que diante da
polêmica, deve-se procurar alternativas. O pano de fundo do tema, que é o
sofrimento dos animais, não saiu de cena e manteve-se no texto como uma
estratégia retórica para convencer e persuadir o leitor.
Embora finalizado o projeto de implementação, as aulas continuaram a
estimular o desenvolvimento da leitura e da argumentação com os demais gêneros
contemplados no planejamento anual da série como o poema, o conto e o editorial.
As atividades de análise linguística, além das orações coordenadas, exploraram o
uso das orações subordinadas na construção da representação das ideias no texto,
permitindo assim ao aluno ler com mais destreza os diversos textos, produzir
inferências com mais eficácia e, consequentemente, escrever com maior
propriedade. Nesse sentido, as atividades de leitura, compreensão, análise
linguística e produção estão entrelaçadas não podendo ser trabalhadas de maneira
estanque.
Considerações finais
O roteiro de atividades elaboradas e implementadas proporcionou o
desenvolvimento de estratégias de ensino da argumentação e do acionamento da
inferenciação com a finalidade de levar os alunos a desenvolver uma interação mais
autônoma e crítica com o texto ampliando sua capacidade argumentativa, o domínio
sobre a língua e o seu funcionamento.
Nas atividades de produção de texto foram propostos exercícios de refacção
textual objetivando aprimorar a percepção e a utilização das estratégias
argumentativas bem como de estruturas da língua que conduzem ao
posicionamento do produtor no texto.
Os resultados obtidos evidenciaram a relevância da sistematização de um
percurso no processo de construção das habilidades de leitura e escrita permitindo
não só a constatação do nível no qual se encontra o educando, mas também o
estabelecimento de encaminhamentos de intervenção para a elevação desse nível.
Nesse sentido, o fazer docente assume um caráter investigativo e mediador. O
tempo estabelecido para a aplicação das atividades, mensurado simbolicamente,
não representa uma limitação nas estratégias de leitura, uma vez que essas
constituem-se como um processo constante e gradativo a ser adaptado ao trabalho
com cada gênero e com cada clientela, respeitando assim as especificidades dos
sujeitos envolvidos.
Ao realizar a análise das produções textuais, constatamos que muitas
dificuldades de leitura e de escrita ainda persistem, porém, é possível afirmar que o
objetivo proposto de contribuir com o desenvolvimento da autonomia leitora foi
atingido. Sabemos que essa finalidade não apresenta seu processo concluído, pois
somos leitores em formação sendo desafiados a cada texto, a cada nova situação
de interação.
Parece evidente, portanto, a necessidade de um planejamento articulado
entre as séries e os níveis de ensino para que seja proporcionada uma interação
dialógica com o texto e com o mundo por meio de estratégias que, assim como a
produção de inferências, possam favorecer a um processo gradativo de formação
leitora.
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Sites visitados
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