os desafios da escola pÚblica paranaense na … · fortalecer seus argumentos internos contra o...
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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6Cadernos PDE
OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE
Artigos
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REPENSANDO O ENSINO DE HISTÓRIA DA CULTURA AFRO-BRASILEIRA
A PARTIR DAS MÚSICAS DE CAPOEIRA1
Mariangela Polese Magalhães2
Resumo A finalidade deste artigo é fazer alguns apontamentos acerca do tema do ensino de história da cultura afro-brasileira. Esta temática sempre foi um desafio para os professores de História, e só a partir da Lei nº 10.639, de 09 de janeiro de 2003, que tornou obrigatório o ensino da história da cultura afro-brasileira na disciplina de História, é que foi possível repensar recursos didáticos como livros, textos, vídeos, atividades e avaliações que possibilitam o ensino e a produção de conhecimentos acerca da história da cultura africana e sua influência na formação da sociedade brasileira, bem como discussão sobre o racismo, o preconceito e a discriminação racial. Os procedimentos metodológicos do estudo incluíram a leitura de textos sobre a História do Brasil, com ênfase para a questão racial, a escravidão e a cultura afro-brasileira, a análise da Lei 10.639, pesquisas sobre filmes, documentários e a análise de letras de músicas de capoeira com aplicação de aulas teóricas e práticas para alunos do 9º ano do Ensino Fundamental do Colégio Estadual Arnaldo Busato, no município de Coronel Vivida, Paraná. Esse artigo é o resultado da observação e da discussão desse material, sobretudo do uso de letras de músicas de capoeira, o que permitiu despertar o interesse discente acerca da temática proposta à luz dos elementos que as letras dessas músicas nos apresentam enquanto documento para a pesquisa histórica. Palavras-chave: Ensino de História; Cultura afro-brasileira; Capoeira.
1 Artigo apresentado como trabalho final do PDE (Programa de Desenvolvimento Educacional),
sob orientação do Professor Dr. Vanderlei Sebastião de Souza do Departamento de História da Universidade Estadual do Centro-Oeste. 2 Licenciada em História pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Palmas - FAFI. Pós-
graduada em Supervisão Educacional pela Universidade Salgado Filho - UNIVERSAL. Professorada da Secretaria de Educação do Estado do Paraná desde 1992, Núcleo de Educação de Pato Branco, PR.
2
1 Introdução
Como resultado das atividades desenvolvidas no Programa de
Desenvolvimento Educacional (PDE), este artigo expõe aspectos teóricos e
metodológicos em torno da temática do Ensino de História da Cultura Afro-
Brasileira a partir das letras de músicas de capoeira. A temática se apresenta
como um grande desafio para a aprendizagem na disciplina de História. Esse
trabalho também apresenta e discute sobre a criação da Lei 10.639, de 09 de
janeiro de 2003, sua obrigatoriedade e aplicação prática no cotidiano escolar
para os alunos do 9º ano do Colégio Estadual Arnaldo Busato, de Coronel
Vivida-PR, tendo como objetivo refletir sobre a história da capoeira no Brasil
como elemento para pensar a história da cultura afro-brasileira, bem como a
sua importância na História do Brasil, contribuindo assim no processo de
ensino/aprendizagem.
A proposta deste estudo foi auxiliar no ensino da história e da cultura
afro-brasileira, trabalhando com letras de músicas de capoeira, arte criada
pelos escravos negros no período do Brasil colônia e que ainda hoje representa
uma das maiores manifestações culturais da sociedade afro-brasileira.
Conforme explica Menezes (2007, p. 9):
A capoeira faz parte do folclore, da cultura, mas principalmente, da história do Brasil. Aprender a capoeira é aprender todo contexto histórico, seja ele social, econômico, político ou cultural, que envolve a história do negro no país, desde a sua vinda como escravo, até a sua influência na cultura e nos hábitos brasileiros.
É comum encontrar nas letras de músicas de capoeira, narrativas que
cantam e contam aspectos centrais na vida social e cultural afro-brasileira,
como fatos relacionados ao passado escravo, o cotidiano das senzalas, os
sofrimentos da escravidão, a libertação da escravatura e a discriminação, nos
mais diferentes estilos de música.
Com base nessas pontuações, o projeto de intervenção pedagógica
teve por objetivo principal desenvolver práticas de ensino após a análise das
discussões em sala de aula em torno da questão do preconceito racial, racismo
e discriminação, de modo a oportunizar uma conscientização significativa, por
meio de leitura e de atividades lúdicas como música, paródias e jogos.
3
Essa foi a finalidade de se trabalhar com letras de músicas de
capoeira, pois observou-se que é um recurso didático importante no ensino
aprendizagem do aluno nas aulas de História, considerando que os mesmos
fazem parte de uma sociedade que não problematiza a existência de
preconceito e que necessita de cidadãos críticos, uma vez que, futuramente,
estes jovens e adolescentes estarão atuando nos mais diversos setores sociais
e podem fazer a diferença na maneira de lidar com a diversidade racial.
2 História do Brasil: a cultura afro-brasileira e o racismo
Sabe-se que a História do Brasil é muito ampla, não podendo reduzi-la
somente a um conteúdo estruturante, vai muito além da simplicidade do
conteúdo, é parte fundamental na formação do aluno. O propóstio específico
deste trabalho, como já destacamos, foi discutir os assuntos referentes a
produção do conhecimento e ao ensino da história da cultura afro-brasileira.
Até poucos anos, raramente aparecia nos livros didáticos conteúdos
abordando a cultura afro-brasileira. Nem mesmo na disciplina de História havia
um planejamento de conteúdos minimamente adequado para o conhecimento
da história e das expressões culturais desse grupo social. Nos últimos anos, no
entanto, a disciplina de História vem discutindo com mais frequência, e de
forma mais profunda, as características e contribuições da cultura afro-
brasileira para os alunos do ensino fundamental e médio, como é possível
perceber na explicação de Lima:
Sabemos que será nas salas de aula que grande parte dos jovens brasileiros poderá tomar contato pela primeira vez com o continente africano visto como local de produção de saberes, técnicas, ideais e riqueza humana. Isso certamente contribui não apenas para ampliar seus conhecimentos sobre a história da humanidade, mas também para adquirir outra visão da África e dos africanos, ou seja, para fortalecer seus argumentos internos contra o racismo, visando uma compreensão da identidade brasileira (e latino-americana, e também americana) com todos seus matizes (LIMA, 2009, p.152).
Até poucas décadas atrás, professores e alunos evitavam discutir sobre
o preconceito racial presente nas escolas, no ambiente familiar e na sociedade
4
em geral, presos muitas vezes à ideia de que no Brasil vivia-se uma plena
“democracia racial”. De acordo com a historiadora Emilia Viotti da Costa (1999),
essa ideia é um mito antigo que remonta ao século XIX e é reforçado ao longo
do século XX por autores como Gilberto Freyre, cuja obra reafirmava a ideia de
que a sociedade brasileira construiu relações raciais relativamente integradas,
onde negros, indígenas e brancos viveriam em harmonia e tinham
possibilidades semelhantes de ascensão social. Para Emilia Viotti da Costa, o
mito da democracia racial ainda está presente na cultura brasileira de maneira
difusa, apresentando-se como um elemento estruturante das relações raciais.
Na compreensão dessa autora:
Combater mitos que ainda estão vivos na sociedade é sempre uma tarefa difícil e perigosa. No Brasil, o mito da democracia racial não está completamente morto. Embora profundamente enfraquecido nos centros urbanos, o sistema de clientela e patronagem ainda sobrevive no Brasil - quase intacto, como em algumas regiões do interior, ou remodelado para ajustar-se à sociedade moderna. Isso explica porque ainda hoje é difícil, no Brasil, organizar um bem-sucedido movimento negro (COSTA, 1999 p.38).
Com frequência significativa, os meios de comunicação trazem
noticiários sobre racismo, preconceito ou discriminação racial e a maior parte é
contra negros, muitos autores de músicas de capoeira demonstram sua
indignação e fazem seu desabafo, como na música “As vezes me chamam de
negro”, do Mestre Barrão3:
As vezes me chamam de negro Pensando que vão me humilhar
Mas o que eles não sabem É que só me fazem lembrar Que eu venho daquela raça
Que lutou pra se libertar. (...)
Que fez surgir de uma dança Luta que pode matar
Capoeira, arma poderosa Luta de libertação
Branco e negros na roda Se abraçam como irmãos
4.
3 Marcos (Mestre Barrão) DaSilva é um mestre de capoeira e fundador do Grupo Axe Capoeira, que tem escolas em todo o mundo.Ele começou Grupo Axe oficialmente em 1982 em Vancouver e desde então tem tido escolas estabelecida em todo o mundo. 4 Mestre Barão. “As vezes me chamam de negro”. In:
https://capoeiradb.wordpress.com/category/as-vezes-me-chamam-de-negro/ (acessado em 10/07/2015).
5
Conforme a letra deixa entrever, ao expressar-se o negro deixa de ser
uma vítima e passa a se sentir parte da sociedade, formador de opinião, sujeito
da própria história.
3. Lei 10.639 de 09 de janeiro de 2003: aspectos conceituais
Atualmente, no Brasil, a discriminação racial é um ato que pode ser visto
e punido por lei, ao passo que o preconceito não, pois tem relação com
emoções e pensamentos profundos, conforme pontua Espí, 2007, p.22:
Dificilmente você vai encontrar alguém, no Brasil, que assuma ser racista. O racismo no Brasil, diferentemente de outras localidades, tais como nos Estados Unidos e na África do Sul, é velado. Encontra-se escondido nas piadas, na falta de oportunidades, situando os negros num lugar de desigualdade perante os demais grupos étnicos-raciais. Essa forma de racismo é bastante perversa, pois faz com que muitos acreditem que ele não existe, e, se ele não existe, por que deveríamos, por exemplo, desenvolver um trabalho com ele na escola?
Resgatar a história do negro e seu papel na formação do povo brasileiro
promove uma oportunidade de interação do aluno com a diversidade étnica e
cultural à qual ele está inserido e essa é a função do professor em sala de aula
enquanto mediador.
Estudar a história da cultura afro-brasileira acabou se tornando
indispensável para a aprendizagem e para a produção de um pensamento
crítico dos alunos e na formação dos professores, conforme expõe Lima, 2009
p.149:
A aprovação da Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que tornou obrigatório nas escolas de todo o país o ensino de história da África e da história dos africanos no Brasil, além de atender a uma antiga e justa reivindicação, trouxe uma série de consequências para o ensino de da disciplina em sua totalidade e para a formação dos profissionais que atuam no magistério, em especial aqueles dessa área específica – a história. As mudanças ocasionadas pela lei ainda estão em processo e não influenciarão apenas os educadores. Elas podem trazer resultados para a ampla clientela que pretende atingir. Crianças, adolescentes, jovens, adultos entrarão em contato com o tema. O alcance das transformações pode ser grande e muito positivo.
6
Neste sentido, considerando a necessidade de rediscutir a questão racial
no Brasil, de compreender e valorizar as tradições culturais e a diversidade
étnica do país, o assunto cultura afro-brasileira passou a fazer parte dos
conteúdos do Ensino Fundamental, conforme a lei no 10.639, de 09 de janeiro
de 2003:
Art. 1o A Lei n
o 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar
acrescida dos seguintes arts. 26-A,
"Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio,
oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e
Cultura Afro-Brasileira.
§ 1o O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo
incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos
negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da
sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas
áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil.
§ 2o Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira
serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial
nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras.
§ 3o (VETADO)"
"Art. 79-A. (VETADO)"
"Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como
‘Dia Nacional da Consciência Negra’."
Art. 2o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.” (PARANÁ,
2006, p.13)
Com a publicação dessa lei, uma das tarefas de professores,
pesquisadores e instituições responsáveis pelo ensino de história foi a
necessidade de repensar a produção de livros didáticos e a produção de
recursos didáticos que possibilitassem o ensino e conhecimento da história e
da cultura afro-brasileira, aplicados especialmente a alunos da educação
básica, conforme determina a lei acima citada.
Também na Lei 10.639 foi instituído o dia 20 de novembro como o dia da
Consciência Negra, escolhida essa data para lembrar a morte de Zumbi dos
Palmares, negro que lutou tanto pelo fim da escravidão como a letra da música
“Zumbi 300 anos”, de Mestre Jairão, mestre do grupo de Capoeira Navarra, da
Argentina:
Zumbi negro valente e guerreiro Que fugiu do cativeiro para a uma luta começar
Ele fundou o Quilombo dos Palmares, Onde tinha liberdade e poder de se expressar
Lá eles viviam em grande comunidade, Não existia desigualdade, nem tronco para apanhar
7
(...) Aconteceu a traição.
Zumbi morreu, mas nada disso adiantou Hoje fazem 300 anos,
Todos cantam em seu louvor5.
4 História de Capoeira: da senzala a universidade
O Brasil é o país que por mais tempo e em maior quantidade recebeu
pessoas escravizadas vindas da África, como afirma Figueiredo (2009, p.12):
“Aproximadamente 40% de todos os escravos africanos que deram entrada em
portos do Novo Mundo foram trazidos para o nosso país. Desse total uma
ampla maioria embarcou em cidades do litoral da atual Angola”. Segundo o
historiador Philip Curtin, o Brasil recebeu 1.685.200 escravos no século XVIII,
dos quais 550.600 vindos da Costa da Mina e 1.134.600 de Angola. O tráfico
angolano abastecia principalmente o porto do Rio de Janeiro, e, em segunda
escala, Bahia e Pernambuco. As capitanias de Pernambuco, Maranhão e Pará
detinham 20% do tráfico de escravos de Angola no fim do século XVIII e
começo do XIX.
Os negros bantos, vindos principalmente da Angola, não aceitaram
pacificamente o cativeiro, em seus rituais religiosos praticavam danças num
ritmo frenético, ao som de instrumentos de percussão. Tais danças eram
coreografadas com gestos, saltos e ginga de extraordinária flexibilidade e
agilidade, conforme Silva, 2003, p. 35:
A capoeira tem sua origem, ou pelo menos os primeiros sinais de
luta, no Brasil colônia em que os negros escravos, trazidos à força da
África Ocidental a este país tropical, descobriam em seus corpos um
grande aliado para extrapolar seus sentimentos, expressar
corporalmente sua indignação.
Mais tarde, para escaparem de seus feitores, os escravos aliaram sua
destreza de movimentos a golpes de lutas africanas e desenvolveram uma
5 Mestre Jairão. “Zumbi 300 anos”. http://musica.com.br/artistas/oficina-da-capoeira.html.
(Acesso em: 04 out. 2014).
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técnica de defesa e ataque surpreendentemente inovadora, era a capoeiragem,
como o trecho da música “Tem do bom tem do ruim”, do Mestre Brasília6:
Era uma vez na senzala Entrei na escuridão
Uma raça escravizada Buscava libertação
Para vencer a batalha Houve bastante ação
Sem que eu soubesse o dia No meio da maldição
Veio na mente de um negro Uma grande criação
Junto com seus companheiros Deram início à capoeira
Sem que avistassem o capitão7.
Ao estudar a origem da capoeira é necessário lembrar que ela faz parte
da nossa história. Foi introduzida no Brasil no século XVIII. No decorrer dos
anos, a capoeira foi se aprimorando e daí surgiu os grandes mestres, Mestre
Pastinha e Mestre Bimba, primeiros de muitos outros que foram contribuindo
para o aprimoramento da arte. Segundo Couto, há uma divisão da capoeira:
Atualmente a capoeira é dividida em duas modalidades distintas: a capoeira Angola de origem africana, que apresenta movimentos mais lentos e rentes ao solo, é um jogo mais solene, onde os jogadores ficam agachados esperando sua vez de jogar. A capoeira Regional criada pelo Mestre Bimba em Salvador na Bahia tem movimentos mais rápidos e violentos (Couto, 1999).
Por constituir-se como uma manifestação cultural, a capoeira foi passível
de apropriações, redefinições e, principalmente, de transformações. Ocupação
lugar de interesse entre os historiadores, sociólogos, antropólogos, educadores
e professores de Educação Física, a capoeira perpassou as
instâncias acadêmicas, educacionais, políticas e foi além, instalou-se também
nas áreas relacionadas ao teatro, ao cinema e à publicidade.
6 Antônio Cardoso Andrade, mais conhecido como Mestre Brasília (Alagoinhas, 29 de maio de 1942) é um capoeira brasileiro. 7 Mestre Brasília. “Tem do bom tem do ruim”. http://musica.com.br/artistas/oficina-da-
capoeira.html (Acesso em: 04 out. 2014).
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5 Aspectos metodológicos
Este trabalho foi realizado por meio de um levantamento bibliográfico
seguido por uma sequência didática compondo-se de quatro etapas: para
iniciar a apresentação do trabalho aos alunos, foram feitas leitura de textos,
pesquisa em laboratório de informática e biblioteca sobre a História do Brasil,
da Lei 10.639 de 9 de janeiro de 2003 e da história da capoeira.
Na segunda etapa, os alunos tiveram a oportunidade de conhecer
mais sobre a capoeira com filmes, palestras e interpretação de letras de
músicas de capoeira. Na terceira etapa os alunos tiveram que sintetizar todo o
conteúdo estudado e transforma-lo em letras de músicas.
Por fim, na quarta etapa houve a exposição e as apresentações do
trabalho realizado, como cartazes, paródias, jogos, músicas e roda de
capoeira.
A forma de avaliação foi um processo formativo, contínuo e dialógico,
verificando toda a aplicação do projeto, em coerência com os objetivos
propostos e analisados durante todo o processo de ensino-aprendizagem com
as atividades que foram desenvolvidas com os alunos.
6 Aplicação prática da proposta
6.1 Descrição e reflexão das atividades desenvolvidas
Paralelamente a Implementação, disponibilizou-se o Projeto e a
Produção Didático-Pedagógica aos professores da rede estadual de educação
do Paraná, que se escreveram no curso do GTR (Grupos de Trabalho em
Rede) proporcionado on line para os professores, para apreciação, discussões
e possíveis sugestões que são de grande importância na implementação.
As atividades desenvolvidas compreenderam um total de 32
horas/aulas em uma turma de 9º ano do ensino fundamental do Colégio
Estadual Arnaldo Busato-EFMNP, no município de Coronel Vivida – PR,
correspondendo o interstício de 02/2014 à 05/2014.
10
O projeto aplicado, “Repensando o ensino de História a partir das
músicas de capoeira”, abordou temas de extrema relevância na
contemporaneidade, como o ensino da História do Brasil, a Lei 10.639, a
capoeira como cultura nacional, a questão do racismo, do preconceito e da
discriminação racial enquanto discussão pedagógica.
6.1.1 Primeiro encontro
No primeiro encontro foram utilizadas três aulas, apresentou-se o
projeto a turma, bem como a entrega de um texto explicativo sobre o projeto
para ser entregue aos pais. Visando motivar a curiosidade e a participação dos
alunos, deixou-se a mostra diversos instrumentos musicais usados na
capoeira, como berimbau, atabaque, pandeiro e caxixi, observando se os
alunos conheciam tais objetos.
Inicialmente foi explicado a História do Brasil em forma de linha do
tempo no quadro, usando o mapa mundi e o mapa do Brasil, começando com o
Descobrimento do Brasil, as Capitanias Hereditárias, a vinda dos primeiros
negros africanos para trabalhar como escravos, a vinda da Família Real para o
Brasil, a Independência, a Abolição da Escravatura, a Proclamação da
República, até os dias atuais. Depois dessa explanação foi entregue aos
alunos um texto retirado da página 179 do livro Casa Grande e Senzala (2004),
do historiador e sociólogo Gilberto Freyre, o qual descreve a prosperidade dos
senhores de engenho de Pernambuco e da Bahia às custas do açúcar e do
trabalho escravo dos negros vindos da África. Depois da leitura, foi feito uma
explanação sobre a importância da mão de obra escrava para o
enriquecimento dos senhores de engenho e da corte portuguesa. Como
complemento a explanação do texto de Gilberto Freyre, os alunos reunidos em
grupos discutiram sobre as relações étnicas e sociais e a forma de vida nas
fazendas de açúcar no nordeste brasileiro durante o período colonial e depois
registraram suas anotações no caderno.
No início do encontro, os alunos permaneceram em total silêncio, o
que aos poucos foi se rompendo, na medida em que entendiam a proposta de
11
trabalho. Não demorou muito e o receio e a desconfiança foram substituídos
pela curiosidade e pela participação com perguntas, comentários e relatos.
Além disso, inicialmente, percebeu-se certa individualidade e também
a socialização de alunos em pequenos grupos fechados, o que se dissipou ao
longo das atividades, fazendo com que toda a turma se integrasse.
6.1.2 Segundo encontro
O segundo encontro iniciou com o questionamento aos alunos da
turma: Você conhece a Lei nº 10.639? Sabe do que essa lei trata? Sabiam que
a partir de 09 de janeiro de 2003, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva
sancionou a lei que institui a obrigatoriedade da inclusão do ensino de História
da África e da cultura afro-brasileira nos currículos nas escolas públicas e
particulares do ensino fundamental e médio?
Depois do questionamento foi analisada a Lei nº 10.639, de 9 de
janeiro de 2003, que altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que
estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo
oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura
Afro-Brasileira”. Junto com os alunos foi feita a leitura das partes principais da
lei o acréscimo dos arts. 26-A, 79-A e 79-B, para entender a importância da lei
para o contexto sócio-político da cultura afrodescendente e a afro-brasileira e
os avanços da luta contra o racismo e o preconceito no Brasil. Para finalizar
houve um debate entre os alunos sobre a obrigatoriedade do ensino. Para isso
foi necessário duas aulas.
6.1.3 Terceiro encontro
No terceiro encontro, que durou duas aulas, foi apresentada a história
da capoeira aos alunos, seu surgimento nas senzalas como forma de defesa,
como se espalhou pelo Brasil, a importância dos quilombos nesse período, a
fase da proibição na época do segundo Reinado, sua legalização com o
Presidente Getúlio Vargas até 2008 quando se torna Patrimônio Cultural
12
Brasileiro. Depois utilizando CDs com músicas de capoeira os alunos tiveram a
oportunidade de ouvir e acompanhar as letras, a principio apenas ouviam a
música, depois começaram a cantar. O objetivo dessa atividade era que os
alunos conhecessem as letras e as melodias das músicas que contam a
história dos escravos, seu lamento e sofrimento e outras letras que falam sobre
racismo, discriminação e preconceito. Durante a música fizemos algumas
pausas para esclarecer dúvidas sobre algumas palavras ou termos
desconhecidos. Nesse encontro os alunos estavam mais socializados e
expressaram suas dúvidas e ideias sobre o assunto.
6.1.4 Quarto encontro
Para o quarto encontro, convidamos o Professor Mozar Davi
Magalhães que é formado em Educação Física e professor graduado em
capoeira. Durante três aulas o professor falou sobre a arte da capoeira,
explicou sobre os instrumentos musicais usados na bateria em uma roda de
capoeira, que são três berimbaus, o Gunga que tem o som mais grave, sempre
é tocado pelo mestre, professor, ou aluno mais graduado, o Médio que tem o
som médio, a função desse berimbau é a marcação do ritmo e por último o
berimbau Viola que tem o som mais agudo e sua função é o repique e a dobra
do som. Outro instrumento é o atabaque tocado como forma de marcação,
além de dois pandeiros, um reco reco e um agogô. Alguns desses instrumentos
estavam expostos na primeira aula. Também diferenciou os dois estilos de
capoeira, que são o Angola e o Regional. Com o fim da escravidão a
capoeiragem começou a cair no esquecimento. Mestre Pastinha, considerado o
guardião da capoeira raiz, tentava manter a chamada Capoeira Angola, com
jogo lento, de chão, onde prevalecia a malandragem, os floreios; os
capoeiristas trajavam ternos brancos e chapéu e no final do jogo a roupa devia
estar impecavelmente limpa. Já Mestre Bimba, destacado no Nordeste como
lutador de ringue nos anos 30, insatisfeito com o preconceito e a
marginalização criou a Luta Regional Baiana, ou simplesmente Capoeira
Regional. Embora preservasse a movimentação e os antigos rituais, era uma
luta mais agressiva, menos acrobática, com chutes e golpes de mão e
13
cotoveladas. Mestre Bimba conseguiu que o presidente Getúlio Vargas
assinasse a legalização da capoeira.
Falou também que os movimentos e golpes da capoeira recebiam nomes
de animais ou de objetos relacionados ao cotidiano dos negros como
macaquinho, beija flor, rabo de araia, martelo, tesoura, etc.
6.1.5 Quinto encontro
No quinto encontro, os alunos da turma assistiram o filme “Besouro”,
do diretor João Daniel Tikhomiroff (2009), que trata sobre um lendário
capoeirista chamado Besouro Magangá, que viveu no Brasil durante a Primeira
República. A história de Besouro é cercada de mistérios como a lenda de que
ele podia voar ou que tinha o corpo fechado. A historia se passa na Bahia, nos
anos 1920, e mostra o cotidiano de uma sociedade que não havia ainda
aceitado o fim da escravidão e a população negra ainda não tinha encontrado
seu lugar e a capoeira representava uma forma de expressão.
Antes de iniciar o filme foi feito um resumo da história, uma explanação
sobre a produção, o contexto social, econômico, cultural e político daquele
momento histórico, bem como a história, a vestimenta, a linguagem, a
cenografia.
Para assistirem o filme foram usadas quatro aulas, depois pedimos
emprestado para o professor seguinte mais uma aula para que os alunos
confeccionassem uma ficha organizando os conceitos e os detalhes do filme,
depois disso as fichas foram trocadas e iniciando uma discussão sobre o
entendimento do filme e a relação com o tema estudado.
6.1.6 Sexto encontro
Já no sexto encontro com a turma, os alunos foram divididos em
dois grupos; um dos grupos trabalharam na biblioteca com uma variedade de
livros, e o outro grupo foi reunido no laboratório de informática para
pesquisarem sobre a História do Brasil, onde puderam destacar a escravidão, o
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contexto histórico, social, político e econômico da época, a vinda dos negros
africanos para o Brasil, o trabalho escravo nos canaviais, nos cafezais e na
mineração, os castigos que recebiam por mau comportamento, desobediência,
bem como as diferentes formas de resistência dos escravos, desde resistência
expressa no cotidiano até a organização de fugas e construção de quilombos.
A pesquisa, as observações e as anotações foram registradas no caderno e
depois passadas para uma folha em forma de ficha onde os alunos montaram
um quadro com as informações pesquisadas. Depois, reunidos em grupos, os
alunos selecionaram os trabalhos e transformaram em cartaz. Para isso foram
utilizadas três aulas.
6.1.7 Sétimo encontro
No sétimo encontro, os alunos reunidos em equipes, utilizando todo o
material trabalhado como leitura, pesquisa, palestra, música, filme,
confeccionaram paródias utilizando a melodia das músicas de capoeira e
acrescentando letras que citavam os assuntos estudados na disciplina de
História. Algumas letras de música de capoeira podem ser encontradas na
internet, em domínio público. Foram escolhidas as que falavam sobre a
escravidão, sobre as características da cultura e da sociedade afro-brasileira e
sobre o preconceito racial. Para isso foram usadas duas aulas. Nas três aulas
seguintes foi convidado o Grupo de Capoeira Cultura e Artes, do município de
Coronel Vivída, para fazerem uma apresentação de capoeira para a turma.
Nessa oportunidade, os integrantes do grupo de capoeira tocaram
berimbau, atabaque e pandeiro e fizeram uma roda de capoeira, na qual se
apresentaram em grupo e depois individualmente. Os alunos da turma foram
convidados a participar da roda cantando suas paródias, jogando e batendo
palmas.
6.1.8 Oitavo encontro
Para o oitavo encontro os alunos tiveram uma aula de jogos:
conhecendo a origem e a história de jogos e brincadeiras coletados no livro de
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Rogerio Andrade Barbosa, intitulado “Histórias Africanas para contar e
recontar” (2001). Neste encontro, tiveram a oportunidade de confeccionar as
peças e as regras, depois foram convidados para participarem de brincadeiras
e jogos que se originaram na época da escravidão. Reunidos em grupo ou em
duplas, eles jogaram Escravos de Jó (segundo a história do jogo, era uma
brincadeira feita dentro da senzala para discutir qual escravo fugiria e a
movimentação que seria feita para despistar os feitores), brincaram de pega-
pega, Quilombo (o mesmo que pique-bandeira), Caçada noturna (o mesmo que
cabra cega), Resgate (o mesmo que esconde-esconde). Essa atividade, que
durou duas aulas, teve a participação de toda a turma.
6.1.9 Nono encontro
Nesse nono encontro, que teve a duração de duas aulas, a turma fez
uma pesquisa sobre personalidades negras nacionais e internacionais da
música, televisão, esportes, política, que se destacam na luta contra o racismo.
Os alunos tiveram a oportunidade de pesquisar e artistas que gostam ou
admiram e conhecer melhor o trabalho que fazem para conscientizar as
pessoas de como a discriminação racial é dolorosa e precisa ser enfrentada
cotidianamente e de forma consciente. Após a pesquisa, foram montados
painéis, cartazes e jogos de memória com fotos, figuras e imagens que depois
foram distribuídos pelo colégio, para possibilitar uma reflexão de todo o coletivo
que estudam ou trabalham nessa escola.
6.1.1 Décimo encontro
O décimo encontro durou quatro aulas e foi o final da Implementação
com a turma. Foi feito um encerramento com a participação de representantes
do NRE, a Direção do colégio, Equipe Pedagógica, Funcionários e alunos. Os
alunos da turma tiveram a oportunidade de apresentar os trabalhos
confeccionados durante todo o processo da aplicação. Para iniciar, cantaram a
música do Mestre Barão, “Mundo enganador”, bem como as paródias escritas
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por eles, depois os alunos das outras turmas visitaram a sala onde estavam
expostos os cartazes, painéis, frases e pesquisas feitas pelos alunos, além dos
jogos de memória com personalidades negras e escravos de Jó. As
apresentações se encerraram com uma roda de capoeira coordenada pelo
professor Mozar Davi Magalhães e com a participação de toda a turma. Sendo
este um trabalho contínuo e planejado, foi muito importante realizar esta
atividade de apresentação, exposição e oficinas, pois se verificou que os
alunos estavam satisfeitos e animados.
Ao vivenciar práticas novas e diferenciadas, os alunos aprenderam a
valorizar as etapas percorridas por eles, além de todo o seu aprendizado.
7 Considerações finais
A temática estudada levanta questionamentos que na sala de aula na
maioria das vezes passa despercebida ou ignorada. Discutir sobre a questão
racial é uma maneira de proporcionar aos alunos que sofrem qualquer tipo de
discriminação, uma oportunidade de se posicionar ou de se fazer ouvir. Além
disso, a reflexão permite formar um consciência crítica sobre a valorização da
diversidade e o combate ao preconceito racial, desde o espaço da escola até o
cotidiano dos alunos em sua relação com a sociedade a que pertencem.
Inúmeras vezes é necessário interromper uma aula, deixar de lado todo o
planejamento sobre um assunto qualquer, e aproveitar o momento e abrir a
Constituição de 1988, no capítulo l DOS DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS
E COLETIVOS, Art. 5º, parágrafo XLII – para explicar que a prática do racismo
constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos
termos da lei; e dar uma aula de respeito, igualdade e cidadania.
Durante a aplicação deste trabalho foi possível discutir diversos
assuntos sobre a cultura afro-brasileira. A análise da Lei 10.639 de 09 de
janeiro de 2003, que foi criada para tornar obrigatório um tema que é parte do
nosso cotidiano, deve fazer parte do conteúdo de História mesmo sem a
obrigatoriedade, uma vez que se trata de um tema essencial para as relações
humanas e o respeito à diversidade racial e cultural. Ao analisar as letras das
músicas de capoeira, os alunos conheceram um pouco da arte criada pelos
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negros na época da escravidão, do contexto histórico da época, do sofrimento,
da luta pela libertação. Os textos, o filme, as discussões, as atividades,
permitiram que as aulas se tornaram mais atrativas e lúdicas, com a
participação de toda a turma.
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