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OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE Artigos Versão Online ISBN 978-85-8015-080-3 Cadernos PDE I

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OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE

Artigos

Versão Online ISBN 978-85-8015-080-3Cadernos PDE

I

Leitura e Análise Linguística: a abordagem de crônicas no Ensino Fundamental

Simone Müller1

Orientadora: Sonia Merith Claras2

Resumo: Este artigo traz reflexões e mostra os resultados obtidos na utilização de diferentes recursos didáticos como pesquisa, slides, vídeos, música, textos para leitura e análise linguística de crônicas, em turma do 9º Ano do Colégio Estadual do Campo de Rio da Prata, de Nova Laranjeiras, Paraná. Durante os

últimos anos, foi possível perceber, nas atividades em sala de aula e através dos índices de avaliações externas, que os estudantes demonstram dificuldade em práticas de leitura que exigem um nível além da decodificação. Diante da concepção de linguagem como uma forma de interação/dialógica, é importante criar oportunidades para o estudante refletir, construir, considerar hipóteses a partir da leitura e análise linguística de diferentes textos que deverão trazer sensibilidade, fascinar e encantar, mas também promover o interesse e o desejo para a reflexão. Assim, objetivou-se abordar a leitura de diferentes crônicas, na busca de uma construção de sentidos que focalize a reflexão acerca da linguagem, ou seja, análise linguística. Palavras-chave: Ensino de Língua Portuguesa; Leitura; Análise Linguística; Crônica.

1 INTRODUÇÃO

Uma das maiores necessidades do mundo globalizado é que indivíduos

aprendam a compreender amplamente o seu meio e, para isso, faz-se

necessário utilizar mecanismos que proporcionem essa compreensão.

A comunicação é o motor da inter-relação entre os homens. Ela é

contínua, permanente e de certa forma obrigatória. A linguagem é o

combustível da comunicação e um instrumento que o indivíduo utiliza desde o

nascimento até os mais elevados níveis de aperfeiçoamento intelectual. Sendo

assim, é fundamental, em todos os âmbitos, o domínio da língua falada e

escrita.

1 Professora de Língua Portuguesa e Língua Estrangeira Moderna- Inglês do Ensino Fundamental da rede

pública do Estado do Paraná, Núcleo Regional de Educação de Laranjeiras do Sul, participante do Programa de Desenvolvimento Educacional- PDE.

2 Professora do Departamento de Letras da UNICENTRO. Doutora em Estudos da Linguagem pela UEL.

Na visão de Silva (1994, p.24),

Em essência, a leitura caracteriza-se como um dos processos que possibilita a participação do homem na vida em sociedade, em termos de possibilidade de transformação sociocultural futura. E, por ser um instrumento de aquisição, transformação e produção de conhecimento, a leitura, se acionada de forma crítica e reflexiva dentro ou fora da escola, levanta-se como um trabalho de combate à alienação, capaz de facilitar às pessoas e aos grupos sociais a realização da liberdade nas diferentes dimensões da vida.

Adquirir habilidades em leitura é sempre um desafio e requer dedicação

do professor ao desenvolver atividades que estimulem o gosto pela leitura e

que visem à superação das defasagens, fazendo os alunos serem melhores

observadores dos fatos e da realidade, despertando interesse pelas leituras.

Ler um texto implica não só em aprender o seu significado, mas também

em trazer para esse texto a experiência e a visão de mundo do leitor. Nesse

processo dinâmico, pode priorizar a formação de um leitor crítico e criativo e a

formação desse leitor não depende exclusivamente da escola, mas cabe a ela

uma parcela da responsabilidade desse trabalho.

Diante da necessidade de transformar a leitura em algo agradável,

significante e que realmente leve os estudantes a construírem novas

significações, refletirem, capacitando-os e transformando-os em leitores

críticos, optou-se então, pela leitura do gênero crônica, por ser um texto

organizado de forma não muito extensa, relacionado a fatos do cotidiano.

O objetivo desse trabalho é incentivar a prática de leitura através de

crônicas e reconhecer a força da linguagem, seus sentidos e significados,

visando reflexão e criticidade por meio da análise linguística. Partindo da

premissa da indissociabilidade das práticas pedagógicas e explorando, com

maior intensidade, as práticas de leitura e análise linguística como

sinalizadoras dos sentidos que podem ser construídos a partir dos discursos

materializados nos textos, coloca-se como questão norteadora deste trabalho:

A leitura e a análise lingüística de crônicas contribuirão para que os estudantes

passem a ter maior interesse pela leitura, tornando-se leitores atentos e

críticos?

Sabe-se que as atividades pedagógicas, nas aulas de Língua

Portuguesa, devem considerar as práticas de leitura, escrita, oralidade e

análise linguística inter-relacionadas e, também, que a prática da leitura só se

dará efetivamente quando os estudantes construírem significados a partir do

que leem. Portanto, a análise linguística será uma ferramenta indissociável do

ensino e aprendizagem de leitura. Tem-se como pressuposto que pela análise

dos aspectos linguísticos e discursivos e sinalizadores de sentido que podem

ser construídos, os estudantes passem a ver e ter a leitura como algo que

acrescente conhecimentos.

De acordo com as Diretrizes Curriculares para a Educação Básica do

Paraná (DCEs - 2008, p.60),

os alunos trazem para a escola um conhecimento prático dos princípios da linguagem, que assimilam pelas interações cotidianas e usam na observação das regularidades, similaridades e diferenças dos elementos linguísticos empregados em seus discursos. O trabalho de reflexão linguística a ser realizado com esses alunos deve voltar-se para a observação e análise da língua em uso, o que inclui morfologia, sintaxe, semântica e estilística; variedades linguísticas; as relações e diferenças entre língua oral e língua escrita, querem no nível fonológico-ortográfico, quer no nível textual e discursivo, visando à construção de conhecimentos sobre o sistema linguístico.

Diante da concepção de linguagem como uma forma de

interação/dialógica é importante criar oportunidades para o estudante refletir,

construir, considerar hipóteses a partir da leitura e análise linguística de

diferentes textos, para que se possa chegar à compreensão de como a língua

funciona. Assim, o trabalho de análise e reflexão na e sobre língua constitui-se

como uma prática fundamental para que os estudantes tomem consciência da

língua portuguesa refletindo sobre os seus diversos usos. “Busca-se, na

análise linguística, verificar como os elementos verbais (os recursos

disponíveis da língua), e os elementos extraverbais (as condições e situação

de produção) atuam na construção de sentido do texto” (PARANÁ, 2008, p.60).

Segundo Antunes (2003, p.67),

A atividade de leitura completa a atividade da produção escrita. É, por isso, uma atividade de interação entre sujeitos e supõe muito mais que a simples decodificação dos sinais gráficos. O leitor, como um dos sujeitos da interação, atua participativamente, buscando recuperar, buscando interpretar e compreender o conteúdo e as intenções pretendidas pelo autor.

De uma experiência significativa, surge a possibilidade de conhecer algo

novo, uma relação que resulta em conhecimento, transformação e capacidade

de reflexão. Sabe-se que o êxito na leitura, depende em grande parte da

orientação que o estudante recebe do professor. Tendo as crônicas como

instrumento e utilizando-se das várias possibilidades de leitura, o aluno leitor

terá condições de adquirir novos e significativos conhecimentos que lhe

proporcionarão uma visão mais ampla e amadurecida diante do mundo, que

contribuirá para torná-lo capaz de como cidadão crítico, participar do processo

de desenvolvimento da sociedade e posicionar-se diante dos fatos de forma

reflexiva. Consequentemente, tal hábito poderá se estender aos diversos

gêneros literários levando a uma prática constante.

Com base nas Diretrizes Curriculares da Educação Básica Língua

Portuguesa, e em alguns autores importantes para a proposta, este artigo

apresenta uma possibilidade de trabalho que busca oferecer situações que

possam suscitar nos alunos o interesse pela leitura, bem como ampliar as suas

capacidades, a fim de que se tornem leitores autônomos. A leitura e a análise

linguística de crônicas deverão trazer sensibilidade, fascinar e encantar, mas

também promover o interesse e o desejo para a reflexão.

2 REVISÂO DE LITERATURA

2.1 Concepções de Linguagem e o ensino de leitura em Língua

Portuguesa

A linguagem sempre foi utilizada pelo homem em sua comunicação e

passou por várias adaptações e modificações ao longo do tempo. Na

contemporaneidade, a linguagem é o local das relações sociais em que os

falantes atuam como sujeitos e a leitura é vista como co-produtora de sentidos.

Nem sempre as metodologias utilizadas no processo de leitura são

conhecidas ou consideradas pelos envolvidos no processo de ensino e

aprendizagem dessa prática pedagógica. É muito importante ter consciência

dos fatores cognitivos que estão envolvidos nesse processo e, além destes,

há, também, os aspectos externos, sociais, históricos, ideológicos e

linguísticos.

De acordo com Geraldi (1991), “toda e qualquer metodologia de ensino

articula uma opção política - que envolve uma teoria da compreensão e

interpretação da realidade – com os mecanismos utilizados em sala de aula”

(p.42), pois, ainda para o autor, o eixo norteador do trabalho do professor, em

sala de aula, diz respeito à sua concepção de linguagem. Assim, é importante

discorrer alguns pontos sobre o objeto da pesquisa, que tem como concepção

de linguagem a perspectiva interativa-dialógica.

A leitura constitui uma das atividades mais importantes na retenção do

saber, de acordo com as DCEs (2008), “ ... compreende-se a leitura como um

ato dialógico, interlocutivo, que envolve demandas sociais, históricas, políticas,

econômicas, pedagógicas e ideológicas de determinado momento”(p.56).

Por fazer parte das práticas discursivas das diferentes esferas sociais, a

leitura é responsável pelas variadas possibilidades de entender o texto, os

sentidos, as intenções e as visões de mundo, assim como a reflexão e uso da

linguagem nas mais diferentes situações. Sendo assim, as possibilidades de

leitura se traduzem nas várias formas de se estabelecer o processo de

interlocução entre leitor e autor através do texto.

As atividades de leitura, para que façam sentido para o aluno, devem

responder a objetivos de realização imediata, resolver um problema prático,

informar-se, divertir-se, etc. Para tal, é necessário trabalhar com a diversidade

de textos e de combinações entre eles, trabalhar com a diversidade de

objetivos e modalidades que caracterizam a leitura, com as diferentes formas

de leitura em função de diferentes objetivos e gêneros, ler buscando as

informações relevantes, com o significado implícito nas entrelinhas, ou dados

para a solução de um problema, entre outros.

2.2 Gêneros do discurso: linguagem e interação

Os gêneros discursivos são os conteúdos básicos nas práticas de leitura

e são selecionados pelo professor de acordo com as esferas sociais de

circulação, abrangendo além dos textos escritos e falados, a integração da

linguagem verbal com outras linguagens.

Pode-se considerar que o discurso se manifesta através de textos e

todos os textos se materializam ou concretizam em diferentes gêneros.

De acordo com Marcuschi (2006, p. 25),

Todas as nossas manifestações verbais mediante a língua se dão como textos e não como elementos lingüísticos isolados. Esses textos são enunciados no plano das ações sociais situadas e históricas. Bakhtinianamente falando, toda a manifestação linguística se dá como discurso, isto é, uma totalidade viva e concreta da língua e não como uma abstração formal que se tornou o objeto preferido e legítimo da linguística.

É possível dominar bem a língua e não participar efetivamente de

determinada esfera de comunicação ou atividade humana, se não conhecer o

gênero que ela requer, ou seja, cada esfera de atividade humana exige um

domínio discursivo.

O estudo de textos, muitas vezes, torna-se complexo, pois pertence a

um determinado gênero, com uma forma própria, porém o conhecimento das

formas discursivas e estilo do gênero é importante para o conhecimento do

aluno conforme enfatiza Bakhtin (2003, p. 285):

Quanto melhor dominamos os gêneros tanto mais livremente

os empregamos, tanto mais plena e nitidamente descobrimos

neles a nossa individualidade (onde isso é possível e

necessário), refletimos de modo mais flexível e sutil a situação

singular da comunicação; em suma, realizamos de modo mais

acabado o nosso livre projeto de discurso.

O professor deve selecionar e oferecer materiais estimulantes e de boa

qualidade, de preferência quando os alunos não encontram motivação para

participar de práticas de leitura essenciais. Possivelmente será uma

oportunidade singular para que os alunos possam interagir de forma

significativa com textos onde a finalidade não seja apenas a resolução de

pequenos problemas do cotidiano.

É preciso, portanto, oferecer-lhes os textos do mundo. Não se formam

bons leitores solicitando aos alunos que leiam apenas durante as atividades na

sala de aula, apenas no livro didático, apenas porque o professor pede. Eis a

primeira e talvez a mais importante estratégia didática para a prática de leitura,

o trabalho com a diversidade textual. Sem ela pode-se até ensinar a ler, mas

certamente não se formarão leitores competentes.

Lopes-Rossi (2006) afirma que o trabalho pedagógico com gêneros

discursivos proporciona ao aluno o desenvolvimento da autonomia no processo

de leitura e, como consequência, tem o domínio do funcionamento da

linguagem nas situações de comunicação. A autora salienta, ainda, que cabe

ao professor criar as condições para o aluno se aproprie das características

discursivas e lingüísticas de diversos gêneros em situações de comunicação

real.

Para o estudante aperfeiçoar sua capacidade lingüística, o professor, na

sala de aula, deve desenvolver um trabalho tendo como base os gêneros

discursivos. E segundo as Diretrizes Curriculares para a Educação Básica do

Paraná (DCEs - 2008, p.53),

O aprimoramento da competência linguística do aluno acontecerá com maior propriedade se lhe for dado conhecer, nas práticas de leitura, escrita e oralidade, o caráter dinâmico dos gêneros discursivos. O trânsito pelas diferentes esferas de comunicação possibilitará ao educando uma inserção social mais produtiva no sentido de poder formular seu próprio discurso e interferir na sociedade em que está inserido. (PARANÁ, 2008, p.53).

No intuito de dialogar com as DCEs, neste projeto se optou pela

abordagem da crônica a qual contribui para o aprimoramento da competência

lingüística. A crônica é um gênero que tem relação com a ideia de tempo e

consiste no registro de fatos do cotidiano em linguagem literária, conotativa e

possibilita uma forma diferente de se narrar os fatos do cotidiano, é um gênero

híbrido, uma intersecção entre o Jornalismo e a Literatura. Embora o jornal ou

a revista sirvam de suporte para a circulação da crônica, e ela apresente,

muitas vezes, o mesmo assunto tratado em uma reportagem ou notícia, os três

gêneros são bem diferentes, pois a ação prática, a finalidade, entre outros

aspectos, garante que em uma há a finalidade de informar e em outra provocar

uma reflexão através de um conteúdo expresso de forma engraçada.

Assim o gênero discursivo crônica pode contribuir para que o estudante

perceba a grande contribuição da esfera da criação literária e para a formação

ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico.

2.3 Análise Linguística: muito além do ensino de gramática

contextualizada

Por muitos anos o ensino da gramática normativa era o principal objetivo

do professor de língua Portuguesa, mas tal função se mostrou ineficaz, pois

classificar e nomear as estruturas linguísticas não proporcionou ao aluno um

bom desempenho em atividades de leitura e escrita de textos.

As Diretrizes Curriculares para a Educação Básica do Paraná (DCEs -

2008, p.78) ressaltam:

Considerando a interlocução como ponto de partida para o trabalho com o texto, os conteúdos gramaticais devem ser estudados a partir de seus aspectos funcionais na constituição da unidade de sentido dos enunciados. Daí a importância de considerar não somente a gramática normativa, mas também as outras, como a descritiva, a internalizada e, em especial, a reflexiva no processo de ensino de Língua Portuguesa.

Sob este aspecto, atualmente as aulas de língua portuguesa têm como

objetivo central refletir sobre os elementos e fenômenos linguísticos,

priorizando o desenvolvimento das habilidades de falar, ouvir, ler e escrever os

textos. Isso não significa eliminar o estudo das nomenclaturas e classificações

das aulas de língua portuguesa, mas estudar juntamente com a gramática

normativa os aspectos discursivos da língua a partir do texto, portanto, uma

prática nomeada análise linguística.

Segundo Mendonça (2006, p. 205),

O termo análise linguística não foge à regra, ou seja, surgiu para denominar uma nova perspectiva de reflexão sobre o sistema linguístico e sobre os usos da língua, com vistas ao tratamento escolar de fenômenos gramaticais, textuais e discursivos.

Compreende-se, deste modo, as atividades de análise linguística como

um trabalho de reflexão sobre a organização do texto, trabalho este voltado

para que o aluno perceba o texto como resultado de opções feitas pelo autor,

tendo em vista o seu interlocutor. Sob tal enfoque, o texto deixa de ser pretexto

para se estudar a nomenclatura gramatical e a sua construção passa a ser o

objeto de ensino.

A compreensão da importância e da necessidade de que o ensino deixe

de ser descontextualizado e seja fundamentado na reflexão da linguagem, no

aprendizado sistemático do aluno, especialmente, na realidade que ele está

inserido, é fundamental para a realização do trabalho do professor. Pois,

conforme Antunes (2003, p.36),

Já não há mais lugar para o professor simplesmente repetidor, como disse acima, que fica, passivo, à espera de que lhe digam exatamente como fazer, como “passar” ou “aplicar” as noções que lhe ensinaram. Os princípios são o fundamento em que o professor vai apoiar-se para criar suas opções de trabalho. O novo perfil do professor é aquele do pesquisador, que, com seus alunos (e não, “para” eles), produz conhecimento, o descobre e o redescobre. Sempre.

A variedade de recursos expressivos da linguagem é responsável por

ações de reflexividade que permite remeter a si mesma. Geraldi (1997, p.16-

17) explica que,

Com a linguagem não só representamos o real e produzimos sentidos, mas representamos a própria linguagem, o que permite compreender que não se domina uma língua pela incorporação de um conjunto de itens lexicais (o vocabulário); pela aprendizagem de um conjunto de regras de estruturação

de enunciados (gramática); pela apreensão de um conjunto de máximas ou princípios de como participar de uma conversação ou de como construir um texto bem montado sobre determinado tema, identificados seus interlocutores possíveis e estabelecidos os objetivos visados, como partes pertinentes para se obter a compreensão.

A linguagem como forma de interação/dialógica, em suas práticas de

leitura, escrita, oralidade e análise linguística inter-relacionadas, deve ser

trabalhada paralelamente com atividades metalinguísticas e epilinguísticas. A

análise linguística deve se dar de forma reflexiva sobre as normas de uso,

assim como se combinam para produzir efeitos de sentidos de acordo com o

contexto inserido.

Ao distinguir as atividades linguísticas Geraldi (1997) afirma que

atividades linguísticas são as praticadas no processo interacional e referem-se

ao assunto em pauta, as atividades epilinguísticas resultam de uma reflexão

que toma os recursos expressivos como objeto e as atividades metalinguísticas

são as que tomam a linguagem como objeto.

Em outras palavras, na epilinguística a reflexão está voltada para o uso

no interior da atividade linguística. Aqui se faz necessário o planejamento de

situações didáticas que possibilitem a reflexão sobre os recursos utilizados pelo

produtor do texto. Porém, na metalinguística estão voltadas para a análise da

descrição, categorização e sistematização dos elementos linguísticos.

As atividades epilinguísticas agem sobre a própria linguagem, comparam

e transformam as expressões, é uma maneira simples e bastante eficaz de

ensinar língua portuguesa aos alunos, levando-os a uma reflexão sobre a

própria língua e seus recursos, para melhorar o domínio da linguagem nas

mais variadas esferas sociais.

As atividades metalinguísticas são aquelas realizadas conscientemente

pelo sujeito e que exigem habilidades de reflexão e autocontrole, ou seja, trata-

se de uma análise voltada para a descrição, classificação e sistematização dos

elementos linguísticos.

De acordo com as Diretrizes Curriculares para a Educação Básica do

Paraná (DCEs - 2008, p.54),

O estudo dos conhecimentos linguísticos, sob esse enfoque, deve propiciar ao aluno a reflexão sobre as normas de uso das unidades da língua, de como elas são combinadas para produzirem determinados efeitos de sentido, profundamente vinculados a contextos e adequados às finalidades pretendidas no ato da linguagem.

Sendo assim, as práticas cuja tradição determina o ensino da gramática

normativa como foco principal, muitas vezes deixando de lado o

desenvolvimento das habilidades de ler e escrever, imprescindíveis à formação

do aluno, deverão ser abandonadas para que se efetivem práticas de ensino

que focalizem a reflexão sobre a língua da qual os alunos são falantes.

O ensino de gramática contextualizada, não é apenas para mostrar o

que se considera certo ou errado, regras e nomenclaturas gramaticais, mas

para compreensão do que é a língua e do que é gramática e proporcionar a

eficácia discursiva.

Antunes ( 2007, p.22) esclarece que,

A análise linguística possibilita formar cidadãos capazes de compreender os diferentes textos com os quais se defrontam, pois trata do trabalho com questões de gramática e com questões sobre o propósito do texto. Para isso é preciso organizar ensino e aprendizagem para que experimentem e aprendam isso na escola.

3 RESULTADOS E DISCUSSÕES

3.1 ANÁLISE DAS ATIVIDADES REALIZADAS

Este artigo relata os resultados obtidos na utilização de diferentes

recursos didáticos como pesquisa, slides, vídeos, música, textos para leitura e

análise linguística de crônicas, em uma turma do 9º Ano do Colégio Estadual

do Campo de Rio da Prata, de Nova Laranjeiras, Paraná.

Com o objetivo de despertar o interesse e a curiosidade dos alunos

sobre leitura e análise linguística de crônicas, realizou-se discussões,

questionamentos e reflexões sobre a importância desse conhecimento,

discussões essas que permitiram que os alunos reconhecessem ou admitissem

a importância da leitura em suas vidas. O questionário sobre seus

conhecimentos em relação à leitura e crônicas proporcionou situação de

“autocrítica”, pois alguns admitiram que nunca tinham observado a frequência

que costumavam realizar leitura que não fosse a solicitada pelos professores e

que realizavam leitura superficial na maioria das vezes, porém ficou óbvia a

preocupação que os próprios alunos têm em relação a isso.

As atividades realizadas sobre “A última crônica” de Fernando Sabino

principalmente as questões de interpretação e análise linguística possibilitaram

observar as primeiras dificuldades interpretativas. Palavras como “depreciativa,

diminutivo, complexa” foram obstáculos para entender os questionamentos em

relação ao vocabulário e análise linguística. Neste momento podemos destacar

a importância da intervenção do professor no processo de leitura. De acordo

com as Diretrizes Curriculares para a Educação Básica do Paraná (DCEs -

2008, p.78),

O professor poderá instigar, no aluno, a compreensão das semelhanças e diferenças, dependendo do gênero, do contexto de uso e da situação de interação, dos textos orais e escritos; a percepção da multiplicidade de usos e funções da língua; o reconhecimento das diferentes possibilidades de ligações e de construções textuais; a reflexão sobre essas e outras particularidades linguísticas observadas no texto, conduzindo-o às atividades epilinguísticas e metalinguísticas, à construção gradativa de um saber linguístico mais elaborado, a um falar sobre a língua.

Após a apresentação do conceito de crônica em slides foi possível que

os alunos fizessem um paralelo comparando as crônicas e identificando cada

uma das características quanto ao gênero discursivo. As atividades

surpreenderam pela facilidade com que os alunos se apropriaram do conceito e

pelo desempenho em relacioná-lo ao texto propriamente dito. As características

do gênero favoreceram decisivamente nesse sentido. Conforme aponta

KÖCHE ( 2012, p.69),

Uma das marcas desse gênero é abarcar o comentário do fato jornalístico, a ficção, a ironia, o humor diante da sociedade e a defesa de ideias, tendo como sempre um olhar crítico e inesperado. A crônica tem uma estrutura livre, e pode valer-se do diálogo, do monólogo, da entrevista, da resenha e de personagens reais ou fictícios.

As atividades em grupo para analisar e identificar o gênero crônica e

suas características, verificar os vários recursos utilizados por diferentes

autores e caracterizar o narrador também transcorreram naturalmente. Cada

grupo realizou a leitura e análise de uma crônica a partir de um roteiro e após a

análise, cada grupo realizou a leitura para a turma da crônica em estudo e

apresentou suas conclusões a partir do roteiro de questões.

As atividades de análise linguística de crônicas tiveram boa

receptividade pelos alunos, alguns chegaram a afirmar que eram “apenas

questões de interpretação”. Isso se deve ao fato de que a análise linguística

trata de reflexão dos recursos lingüísticos e seus efeitos de sentido como

aponta Mendonça (2006). Dessa forma a análise linguística possibilitou refletir

sobre os fenômenos gramaticais textuais e discursivos de maneira

contextualizada e dinâmica.

A análise paralela da notícia de jornal e da crônica produzida a partir da

notícia proporcionou reflexão e comentários sobre o potencial criativo de

cronista e sobre a relação que ainda é possível fazer entre os elementos

composicionais dos dois gêneros textuais

Para a leitura dramatizada de crônicas dividiu-se a turma em grupos e

cada grupo fez uma análise mais aprofundada da crônica. Para a apresentação

de cada grupo foi possível certa “adaptação” da crônica. O desempenho dos

alunos na leitura dramatizada de crônicas foi uma grande surpresa. Tornou-se

concreta a teoria o conceito apresentado por Geraldi (1997), ao escrever sobre

a prática de leitura na escola, explica que a leitura constitui uma forma de

interlocução que se estabelece entre o leitor e o autor, mediada pelo texto. Ele

afirma que, na leitura, o leitor reconstrói o sentido intencionado pelo autor,

dando sua própria significação ao texto lido. Ficou evidente o comprometimento

e o prazer em desenvolver essa atividade.

Para a conclusão da implementação realizou-se a produção de murais e

exposição para a comunidade escolar onde cada grupo faz uma breve

explanação da temática de seu mural. As visitas aos murais foram organizadas

pela equipe pedagógica, que optou por levar uma turma cada vez. Em grupos

menores houve explanação e questionamentos sobre as temáticas. Para

concluir a atividade cada aluno visitante recebeu um “marca página”

relacionado ao tema. Atividade como esta é pouco comuns e talvez por isso foi

bem recebida pelos alunos que aceitaram as lembrancinhas como verdadeiros

presentes.

3.2 SOBRE O GTR

O grupo de Trabalho em Rede, GTR, proporcionou análise, reflexão e

discussão sobre o processo de Ensino e Aprendizagem de leitura. Foi uma

oportunidade interessante de troca de experiência, atividades e pesquisas

sobre a temática e a fundamentação desta pesquisa.

Foi possível perceber que a angústia em relação a leitura superficial

realizada pelos alunos atinge a grande maioria dos cursistas, grupo que

compõe-se não apenas por professores de Língua Portuguesa, mas também

por Pedagogos, professores da Educação Especial e Diretores de escolas. Nos

relatos muda-se o posicionamento, mas os depoimentos compõem-se

igualmente preocupados e empenhados em buscar superar as dificuldades.

De maneira quase unânime, os cursistas concordam quanto à relevância

da pesquisa e da mesma maneira concordam que as práticas cuja tradição

determina o ensino da gramática normativa como foco principal, devem ser

abandonadas para que se efetivem práticas de ensino que focalizem a reflexão

sobre a língua da qual os alunos são falantes.

Foi uma experiência significativa e gratificante que contribui com a

pesquisa além do esperado.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo é resultado das atividades desenvolvidas no Programa de

Desenvolvimento Educacional – PDE no período de 2014 – 2015. A pesquisa

demonstrou a importância e a eficácia da análise linguística de crônicas no

processo de ensino e aprendizagem de leitura.

Alguns obstáculos surgiram durante as atividades que exigiam

conhecimento de vocabulário diferenciado para entender os questionamentos

sendo necessária a intervenção da professora. Neste sentido as atividades de

análise linguística proporcionaram compreensão e reflexão quanto aos

recursos lingüísticos e seus efeitos de sentido, pois trata do trabalho com

questões de gramática e com questões sobre o propósito do texto.

Observou-se que o gênero crônica estimulou os alunos que encontraram

motivação para participar das práticas de leitura e análise linguística. Foi uma

oportunidade singular para que os alunos pudessem interagir de forma

significativa com textos.

Conclui-se com essa pesquisa que a leitura e a análise linguística de

crônicas trazem sensibilidade, fascinam e encantam, promovem o interesse e o

desejo para a reflexão além de contribuir para que os estudantes passem a ter

maior interesse pela leitura, tornando-se leitores atentos e críticos.

As possibilidades de pesquisa não se esgotam aqui, ainda há muitas

possibilidades de abordagens a serem estudadas para desenvolver habilidades

em leitura que é uma prática muito importante, pois possibilita a participação do

homem na vida em sociedade.

5 REFERÊNCIAS ANTUNES, Irandé. Aula de português: Encontro &interação. São Paulo: Parábola Editorial, 2003. ______. Muito além da gramática: por um ensino de línguas sem pedras no caminho. São Paulo: Parábola Editorial, 2007. BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. GERALDI, João Wanderley. Concepções de linguagem e ensino de português. In:GERALDI, J.W. (org.). O texto na sala de aula. 7. ed. São Paulo: Ática, 1991. p.41 – 47.

______. Portos de Passagem. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

KÖCHE, Vanilda Salton. MARINELLO, Adiane Fogali. BOFF, Odete Maria Benetti. Estudo e Produção de Textos - Gêneros Textuais do Relatar, Narrar e Descrever. Petrópolis, Rj: Vozes, 2012.

MARCUSCHI, Luiz Antônio. Gêneros textuais: configuração, dinamicidade e circulação. In: KARWOSKI, Acir Mário; GAYDECZKA, Beatriz; BRITO, Karim Siebeneicher. (Orgs). Gêneros textuais: reflexões e ensino. 2. ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2006.p.23 – 36.

MENDONÇA, M. Análise Linguística no Ensino Médio: um novo olhar, um outro objeto. Mendonça (orgs.). Português no ensino médio e formação do professor. São Paulo. Parábola Editorial, 2006.

PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação. Superintendência da Educação. Diretrizes Curriculares da Educação Básica Língua Portuguesa. Paraná. 2008.

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