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Os 20 capítulos deste livro, no todo ou em partes, podem ser reproduzidos para fins educacionais e de pesquisa, desde que sejam dados os devidos cré-ditos aos autores. Porém, é vedada sua comercialização, nos termos da Lei dos Direitos Autorais, Lei 9.610/98.

Ficha catalográfica

Seminário BH pelo Parto Normal Coordenação Sônia LanskyMiriam Rego de Castro Leão

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Apresentação

Seminário BH Pelo Parto Normal

Paradoxo perinatal brasileiro: mudando paradigmaspara a redu-ção da mortalidade materna e neonatal

Entre os dias 19 e 23 de agosto de 2008 foi realizado, em Belo Horizonte, o Seminário BH Pelo Parto Normal – Paradoxo perinatal bra-sileiro: mudando paradigmas para a redução da mortalidade materna e ne-onatal. O evento, financiado pelo Departamento de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde / Organização Pan-americana de Saúde (OPAS), foi promovido pela Comissão Perinatal da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte e contou com o apoio das seguintes instituições: Agên-cia Nacional de Saúde Suplementar, Associação Brasileira de Enfermagem Obstétrica; Associação Médica de Minas Gerais; Frente Parlamentar de Saúde da Mulher da Assembléia Legislativa de Minas Gerais; Hospital Sofia Feldman; Instituto Brasileiro para o Estudo e o Desenvolvimento do Setor de Saúde (IBEDESS); Rede FHEMIG; Rede Unidas; Secretaria do Estado da Saúde de Minas Gerais; Sindicato dos Médicos; Socieda-de Mineira de Ginecologia e Obstetrícia; Sociedade Mineira de Pediatria, Academia Mineira de Pediatria e demais parceiros do Movimento BH pelo Parto Normal. O objetivo do Seminário BH Pelo Parto Normal foi socializar informações e experiências por meio do debate entre os participantes e apontar estratégias e ações, orientando a produção do conhecimento e as políticas públicas nos temas em questão. Durante quatro dias, profissionais de saúde, pesquisadores e ges-tores de todo o país, mulheres, profissionais de comunicação e demais in-teressados discutiram o modelo e a qualidade da assistência obstétrica e neonatal. Além das exposições dos/as convidados/as, todos os participantes contribuíram com reflexões e sugestões no sentido de contribuir para uma melhor assistência obstétrica em nosso País e enfrentar a grave situação relativa aos índices alarmantes e crescentes de ceariana. Esta publicação reúne tanto as exposições do Seminário BH Pelo Parto Normal quanto as considerações e recomendações - a “Carta de BH” - elaboradas a partir das discussões entre os participantes, e pretende con-

Sumário

Abertura do Seminário ........................................................11

1. Parto e nascimento no mundo contemporâneo: Confe-rência de abertura do Seminário BH pelo Parto Normal

Michel Odent ............................................................................13

2. Oficina I: Aumento da prematuridade no país: melhoria de acesso à tecnologia ou prematuridade evitável?

2.1. Aumento da prematuridade no país: melhoria de acesso à tec-nologia ou prematuridade evitável? Lacunas para a pesquisa e di-vulgação para a assistência

Maria do Carmo Leal ...............................................................23

2.2. Aumento da prematuridade - prematuridade evitável? Alicia Matijasevich ....................................................................29

2.3. Nascimento pré-termo: melhoria de acesso à tecnologia ou ia-trogenia evitável?

Antônio Augusto Moura da Silva4 ...........................................31

2.4. Nascimento pré-termo e baixo peso ao nascer em Ribeirão Preto Marco Antônio Barbieri ............................................................33

3. Oficina II: Evitabilidade de óbitos infantis e perinatais

3.1. Classificação das principais causas de mortalidade neonatal no Brasil

Elisabeth França ........................................................................35

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tribuir ao avanço necessário e urgente rumo à qualificação da atenção obs-tétrica e neonatal, redução da morbi-mortalidade materna, fetal e infantil no Brasil e ao parto autônomo e prazeroso.

Sônia LanskyMônica Maia

Miriam Rego de Castro Leão

3.2. O quanto a vigilância dos óbitos infantis pode contribuir na melhoria da qualidade da informação e da assistência: a experiên-cia do Recife

Paulo Germano de Frias ............................................................44

3.3. Resultados do Comitê BH-Vida: Comitê de Prevenção do Óbito Infantil e Fetal de Belo Horizonte

Isabel Triani ...............................................................................49

3.4. Rede Norte-Nordeste de Saúde Perinatal Álvaro Jorge Madeiro Leite .......................................................51

3.5. Mortalidade infantil em São Luis, Maranhão Antônio Augusto Moura da Silva .............................................53

3.6. Mortalidade infantil e perinatal evitável Alicia Matijasevich ....................................................................54

4. Oficina III: Experiências de redução da mortalidade ma-terna

4.1. Trajetória dos Comitês de Prevenção da Mortalidade Materna do Paraná

Vânia Muniz Nequer Soares ......................................................59

4.2. A experiência do Comitê Estadual de Pernambuco no enfren-tamento da mortalidade materna

Sandra Valongueiro ...................................................................64

4.3. Morte Materna – Experiência do Comitê de Prevenção de Óbitos BH Vida

Rosangela Durso Perillo ............................................................68

5. Oficina IV: Práticas baseadas em evidências científicas no parto e nascimento: experiências no setor público e privado

5.1. Parto Normal está no meu Plano: Movimento da Agência Na-

cional de Saúde Suplementar (ANS) em favor do Parto Normal Cláudia Soares Zouain ..............................................................72

5.2. Experiência do Setor Privado Stella Safar Campos ..................................................................75

5.3. Maternidade do Hospital Universitário da Universidade Fe-deral de Santa Catarina

Marcos Leite .............................................................................77

5.4. A experiência do Hospital Sofia Feldman Ivo de Oliveira Lopes ................................................................81

5.5. Práticas baseadas em evidências científicas no parto e nasci-mento: a experiência da Maternidade Risoleta Tolentino Neves

Patrícia Pereira Rodrigues Magalhães .......................................84

5.6. Experiência do Hospital Maternidade Leonor Mendes de Barros

Corintio Mariani Neto ..............................................................87

6. Mesa Redonda: Atenção Obstétrica e Neonatal

6.1. Pacto Nacional de Redução da Morte Materna e Neonatal Regina Viola ..............................................................................89

6.2. Políticas Públicas na Atenção ao Recém-Nascido Elsa Regina Giugliani ...............................................................95

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6.3. Parto Normal está no meu Plano: Movimento da Agência Nacional de Saúde Suplementar em favor do Parto Natural

Alexia Luciana Ferreira ...........................................................100

7. Mesa Redonda: A cessariana desnecessária em questão: evidências científicas e experiências das mulheres

7.1. Riscos da cesariana sem indicação precisa Alicia Matijasevich ..................................................................106

7.2. Estudo(s) sobre parto cesáreo indesejado André Junqueira Caetano ........................................................109

8. Mesa Redonda: Assistência no parto e nascimento: mo-delo humanístico e as práticas baseadas em evidências científicas

8.1. Cesarianas nas maternidades do Rio de Janeiro Marcos Dias ............................................................................116

8.2. Experiência das mulheres em rede Ana Cristina Duarte ...............................................................120

8.3. Direitos reprodutivos e sexuais e integridade corporal no parto Simone Grilo Diniz ................................................................123

8.4. Atenção humanizada ao recém-nascido Zeni Carvalho Lamy ...............................................................130

9. Oficina V: Roda de Conversa: Valorização do parto e nascimento como evento fisiológico – o papel da mídia e a experiência das mulheres ................................................138

10. Considerações e Recomendações: Seminário BH pelo parto normal – “Carta de BH”

10.1. Oficina I - Aumento da prematuridade no país: melhoria de acesso à tecnologia ou prematuridade evitável? ........................140

10.2. Oficina II – Evitabilidade dos óbitos infantis e fetais .....143

10.3. Oficina III – Experiência de Redução da Mortalidade Materna ...................................................................................146

10.4. Oficina IV- Práticas Baseadas em evidências científicas no parto e nascimento: experiências no setor público e privado ....149

10.5. Oficina V – Roda de Conversa - Valorização do parto e nas-cimento como evento fisiológico: o papel da mídia e a experiência das mulheres ............................................................................151

11. Mesa redonda •Políticaspúblicasdeatençãoobstétricaeneonatal •ACesarianadesnecessáriaemquestão:evidênciascien-

tíficas e a experiência das mulheres .................................153

12. Mesa redonda - Assistência no parto e nascimento: mo-delo humanístico e as práticas baseadas em evidências científicas .............................................................................155

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Abertura do Seminário

19 de agosto de 2008 – 19 horasAssociação Médica de Minas Gerais

Mesa de Abertura

Secretário Municipal de Saúde de Belo HorizonteDr. Helvécio Magalhães

Presidente da Associação Médica de Minas GeraisDr. José Carlos Vianna Colares Filho

Presidente do Sindicato dos Médicos de Minas GeraisDr. Cristiano Gonzaga da Matta Machado

Presidente do Conselho Municipal de SaúdePaulo Carvalho

Presidente do Conselho da Criança e do AdolescenteLúcia Helena de Santos Junqueira

Presidente do Conselho Municipal dos Direitos da MulherIsabel Cristina de Lima

Coordenadoras do Seminário BH pelo Parto NormalSônia Lansky e Miriam Rego de Castro Leão

Abertura do Seminário

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1. Parto e nascimento no mundo contemporâneo: Conferência de abertura do Seminário BH pelo Parto Normal

Michel Odent1

Não podemos começar essa Conferência sobre “Parto e nascimen-to no mundo contemporâneo” sem nos referirmos aos inúmeros avanços técnicos e científicos que vão, sem dúvida, influenciar e acelerar a história do parto e nascimento. Temos que mencionar como as técnicas de cesárea foram, recentemente, simplificadas. Hoje, devido ao trabalho em especial do professor Michael Stark, de Berlim, é possível fazer uma cesárea em 20 minutos. Quando eu fiz minha primeira cesárea, há meio século, nós precisávamos de uma hora, e isso acelerado. A técnica foi dramaticamente simplificada. Talvez, possivelmente, é mais seguro que já mais foi. A cesárea é simples e rápida, mas é muito difícil avaliar a segurança da cesárea porque precisamos levar em consideração a razão pela qual a cesárea foi feita. Por exemplo, se o critério para avaliar a segurança da cesárea é o óbito materno, você tem que levar em consideração o motivo pelo qual a cesárea foi feita ao invés de avaliar a técnica por si só. No caso de uma apresentação pélvica, a termo, uma nova doutrina em praticamente todos os lugares do mundo é oferecer uma cesárea eletiva programada na 39ª semana de gestação, antes do trabalho de parto. Temos à nossa disposição hoje estudos de grandes séries temporais de cesáreas todas realizadas pela mesma razão: apresentação pélvica a termo. Em um estudo canadense publicado em 2007 que incluía 46 mil cesáreas a termo em apresentação pélvica não houve nenhum óbito materno. Teria sido ina-creditável isso, mesmo há 20 anos atrás. Quando falamos de parto e nascimento, hoje, precisamos olhar esse ponto da virada da história da humanidade. Podemos dizer que hoje a ce-sárea é uma operação fácil, rápida e segura. Temos que aprender a formular questões novas. No mês que vem um livro será publicado, uma coletânea com vários autores, cujo organizador é Michael Sark, o pai da nova técnica fácil, veloz e segura de cesárea. Ele me pediu para escrever os últimos dois capítulos do livro. O objetivo do livro, publicado originalmente em alemão, é discutir, formular novas questões dentro de um novo contexto. No novo contexto em que estamos, se levarmos em consideração somente os critérios 1Obstetra, Diretor do Primal Health Research Center, Londres

1. Parto e nascimento no mundo contemporâneo: Conferência de abertura do Seminário BH pelo Parto Normal

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convencionais de avaliar a prática da obstetrícia – morbidade e mortalidade perinatal e a relação custo e benefício – seria aceitável oferecer cesárea para todas as mulheres grávidas. A questão do momento é que, ao mesmo tempo em que existem tais avanços técnicos, existem outros avanços científicos oferecidos por disciplinas fora do campo da medicina que sugerem novos critérios para avaliar as práticas da obstetrícia e a arte de partejar. Por exemplo, hoje, devido a um braço da epidemiologia, temos um acúmulo de dados seguros sugerindo que a forma como nós nascemos tem conseqüências duradouras por toda a vida. Na realidade essa é a razão para a base de dados estabelecida no nosso centro de pesquisa em Londres, onde nós coletamos na literatura científica e médica todos os estudos explorando as conseqüências em longo prazo de como começamos nossa vida. Essa perspectiva sugere que precisamos aprender a pensar no longo prazo, pois até agora nós só pensamos no curto prazo. Os resultados nos fazem pensar, por exemplo, que a forma como a mulher deu à luz pode influenciar a qua-lidade e a duração da amamentação. Também estamos aprendendo como a flora intestinal é importante, e nossa saúde depende da interação entre a flora intestinal e nosso sistema imunológico. A flora intestinal se estabelece imediatamente após o nascimento, mas quais são os primeiros micróbios que o bebê vai encontrar? Já que o recém-nascido tem os mesmos anticor-pos IgG da mãe, faz uma grande diferença o bebê encontrar primeiro os germes transmitidos e carregados pela mãe, germes já conhecidos e fami-liarizados pelo bebê, ou se ele vai ser colonizado imediatamente por germes de fora, não conhecidos pela mãe. Temos que levar em consideração esse critério, já que a nossa saúde depende muito de como nossa flora foi esta-belecida desde o começo da nossa vida fora do útero. Como seres humanos, diferentes de outros mamíferos, precisamos incluir outras dimensões para pensar como os bebês nascem, considerando a civilização. Quando você estuda o parto de outros mamíferos, você pensa apenas no nível individual. Seja como for o parto, quando você prejudica o processo de nascimento de um mamífero não-humano, o efeito é que a mãe não cuida do recém-nascido. Por exemplo, no caso das ovelhas, se você interrompe o parto, a mãe simplesmente não vai aceitar o bebê. No ser hu-mano é mais complexo, tudo é diluído pelo meio cultural. Então, no futuro, é possível pensar que todos os bebês pudessem nascer pela via abdominal. Por outro lado, várias disciplinas científicas nos informam que temos boas razões, mudando os critérios de avaliação, para tentar redescobrir as neces-sidades básicas da mulher em trabalho de parto e do bebê recém-nascido.

Eu uso a palavra “redescobrir” porque é uma tarefa difícil entender essas necessidades depois de milhares de anos de controle cultural do processo de nascimento, com rituais e com a interferência no processo de nasci-mento em todas as sociedades. Para redescobrir as necessidades básicas da mulher em trabalho de parto e dos bebês recém-nascidos, não temos um modelo cultural para isso. Precisamos perceber o que podemos aprender no presente a partir de uma disciplina básica que é a fisiologia. Podemos aprender muito quando pensamos como cientistas que estudamos a fisio-logia. Assim, vou tentar resumir como poderemos explicar, no contexto científico atual, quais as necessidades básicas da mulher em trabalho de parto e dos bebês recém-nascidos a partir de dados fornecidos por fisiólo-gos e influenciados por minha própria experiência de estar envolvido com parto desde 1953, em maternidades, hospitais e parto domiciliar. Quando falo como fisiologista, também me sinto influenciado pela minha experiên-cia pessoal. Eu sugiro quatro pontos que facilmente explicam e nos ajudam a redescobrir as necessidades básicas da mulher em trabalho de parto e do bebê recém-nascido. O primeiro ponto é lembrar que a ocitocina, principal hormônio do parto, é especial quando nós consideramos as condições de sua liberação. A ocitocina é necessária para a contração uterina e é o principal hormônio do amor. A ocitocina é o hormônio-chave no processo de nascimento, mas a ocitocina é especial quando consideramos a condição para sua liberação, porque depende de fatores ambientais para sua liberação. Uma forma fácil de resumir é dizer que a ocitocina é um hormônio tímido. Se entendermos esse ponto, podemos explicar tudo. Podemos comparar a ocitocina com uma pessoa tímida que não aceita se mostrar para estranhos e observadores, evita se mostrar. Da mesma forma é a ocitocina, um hormônio tímido, e isso é algo que nos esquecemos com relação ao parto? Nós até entendemos o papel do ambiente na liberação da ocitocina em outras situações que não o parto, como na relação sexual, e que você não tem como fazer amor em qualquer ambiente. Em todas as sociedades que conhecemos as pessoas precisam de privacidade para fazer amor, e isso já foi observado por an-tropólogos mesmo em culturas com sexualidade precoce ou livre. Há uma regra universal na qual casais sempre se isolam para a relação sexual, como se soubessem que a ocitocina é um hormônio tímido. Com relação ao parto, podemos dizer que os mamíferos humanos não conhecem essas regras em termos de explicá-las com palavras, mas

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comportam-se de uma maneira tal que mostra que as pessoas entendem o que é importante: que a ocitocina é um hormônio tímido. Todos os mamí-feros têm uma estratégia de não serem observados no momento do parto. E quanto ao parto em seres humanos? Parece que houve uma fase, na his-tória da humanidade, nas culturas pré-alfabetizadas e não literárias, em que as mulheres se separavam do grupo e iam para o mato na hora do parto, comportando-se como outros mamíferos, como se soubessem que a ocito-cina é um hormônio tímido. Em sociedades mais sofisticadas, as mulheres se separavam do grupo, mas iam para uma cabana especial ou uma área separada do grupo. Parece, entretanto, que em todas as sociedades em que as mulheres se separavam do grupo para dar à luz, elas não ficavam muito longe de suas mães ou de uma mulher com experiência que as protegiam contra a presença de animais ou de algum homem. Essa, provavelmente, é a origem da parteira. Nós não temos timidez com relação à nossa mãe e o hormônio aceita aparecer na sua presença. É importante perceber que uma parteira é sempre, ou normalmente, uma figura materna. Depois disso tivemos uma socialização cada vez maior do parto. O papel das parteiras mudou e em muitas sociedades ela deixou de ser a mãe protegendo a mulher em trabalho de parto e gradualmente se tornou uma agente do meio cultural, transmitindo crenças e rituais, funcionando como uma guia e dizendo à mulher o que precisava ser feito. Às vezes um guia invasivo, apertando o abdômen ou realizando outras atividades. E em uma outra fase da socialização do parto as mulheres passaram a dar à luz no local onde viviam, ou seja, o parto domiciliar é recente na história da humanidade, e é um novo passo na socialização do parto e na nossa falta de compreensão da ocitocina como um hormônio tímido. Depois chegou o século XX e a história nesse período passa muito rápido. Na maior parte das sociedades, até então, o controle do processo de nascimento se dava via o meio cultural e era feito, principalmente, por crenças e rituais. Em meados do século XX surgiu algo novo: teorias con-sideradas científicas – mas que representaram um passo para amplificar a nossa falta de compreensão da ocitocina como um hormônio tímido – e que direta ou indiretamente influenciaram a maior parte das escolas de parto natural, como a teoria de reflexos condicionais e da psico-profilaxia. A idéia na origem dessas teorias é de que a dor no parto não era fisiológica e sim cultural, um reflexo condicionado. Desta forma, as mulheres precisa-vam ser recondicionadas e ensinadas a como dar à luz, como respirar, como apertar, o que levou à introdução de pessoas adicionais na cena do nasci-

mento. Tais teorias abriram o espaço para a idéia de que, durante o parto, a mulher precisa de um guia, de alguém que lhe diga como respirar ou como fazer força. Em inglês, usa-se inclusive o termo “coach”, ou seja, um treina-dor para ajudar no parto. Isso faz parte da nossa história da incompreensão da ocitocina como um hormônio tímido. Até recentemente era compreendido que a ocitocina seria menos tímida no ambiente feminino comparado ao masculino e, embora o parto já venha sendo socializado há milhares de anos, os homens quase sem-pre estavam excluídos da cena. Mas houve um passo novo na metade do século XX, que foi a masculinização da cena do parto. Além de cada vez mais médicos se especializaram em obstetrícia, subitamente, na década de 1970, havia uma nova doutrina do pai participando do processo de parto. Também foi o momento em que as máquinas eletrônicas e a alta tecnologia foram introduzidas na cena do parto. Ou seja, o ambiente do nascimento se tornou altamente masculino, o que foi um outro passo nesse processo de socialização do parto. Recentemente há ainda uma nova fase: uma epidemia de vídeo. Hoje é fácil fazer um vídeo e no movimento do parto natural ficou co-mum filmar o nascimento. Quando olhamos esses vídeos é quase sempre a mesma história: você vê uma mulher dando à luz cercada de três ou quatro pessoas, observando, além da câmera. E isso tem sido chamado de parto natural porque a mulher está na banheira, ou está de cócoras ou está de quatro, mas o ambiente é tão não natural quanto possível. Quem olha acha que parto natural significa parto domiciliar ou na banheira, e deixam de perceber o que era importante: a ocitocina é um hormônio tímido. Isto é algo que precisamos redescobrir em todas as fases do parto, mas particular-mente na fase logo após o nascimento do bebê. Este é o momento quando a mãe tem a capacidade de liberar os níveis mais altos de ocitocina, mais do que durante o parto, mais do que durante o orgasmo, mais do que em qualquer outra situação. Esse pico de ocitocina é vital e necessário para que haja um pós-parto sem sangramento. Além disso, por ser a ocitocina o hormônio do amor, é importante saber que o maior pico de sua liberação ocorre imediatamente após o nascimento do bebê. Uma vez que a ocitocina é um hormônio tímido, é preciso pensar: o que torna possível esse pico de ocitocina? Hoje esse pico é praticamente impossível de acontecer porque a condição para ele ocorrer é o contato pele-a-pele com o bebê, que a mãe pudesse olhar nos seus olhos, sentir seu cheiro, sem qualquer distração. Mas os cientistas tornaram isso impossível com as crenças e práticas de separar

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o bebê da mãe após o parto. Isso é prejudicial. Da mesma forma, o colostro, que o bebê busca quase imediatamente após o parto, mas que para achá-lo precisa estar nos braços da mãe. O segundo ponto a ser lembrado é bastante simples quando con-sideramos as ncessidades da mulher em trabalho de parto. Quando nós, os mamíferos, liberamos adrenalina, não conseguimos liberar ocitocina. A adrenalina é o hormônio da emergência, e os mamíferos a liberam em cer-tas situações: quando estão assustados, ou com frio, ou com medo. Ou seja, para o parto a mulher precisa se sentir segura sem se sentir observada; e há o antagonismo adrenalina-ocitocina. Existem vários dados científicos que não estão digeridos ou integrados à prática obstétrica, e esse é um bom exemplo. Há livros sobre parto natural que comparam dar à luz com correr uma maratona, e o conselho para a mulher em trabalho de parto é uma alimentação rica em carbohidratos. Entretanto, esse tipo de recomendação é inaceitável no contexto científico atual, uma vez que o pré-requisito para que o parto ocorra adequadamente é um baixo nível de adrenalina para garantir que os músculos voluntários estejam em repouso, relaxados, ou seja, não necessitem de glicose, é o oposto de correr uma maratona. Esse tipo de recomendação além de ser contraproducente, pode ser até perigoso. Nós aprendemos com os estudos da década de 1980 que glicose e açucares durante o parto é perigoso, soro com glicose na veia é um fator de risco para icterícia e hipoglicemia no recém-nascido, pois o bebê é inundado com glicose, mas a insulina materna não atravessa a placenta. Esse é só um exemplo para mostrar como dados científicos simples, como o antagonis-mo ocitocina-adrenalina, não são bem divulgados e disseminados. O terceiro ponto necessário para redescobrir as necessidades bási-cas de mulheres em trabalho de parto é aquele que faz os seres humanos especiais. Os seres humanos têm mais propensão para partos difíceis, em comparação com outros mamíferos e outros primatas. Uma das razões da dificuldade humana no período do trabalho de parto advém do nosso gran-de neo-córtex, o cérebro novo, o cérebro do intelecto. Nós humanos somos chipanzés com grandes neo-córtex. Mas por que o grande neocórtex é uma deficiência durante o processo de parto? Porque durante o processo de par-to, ou de uma experiência sexual, as inibições vêem do neo-córtex. Se olharmos uma mulher em trabalho de parto do ponto de vista do fisiólogo, nós vamos ver que a parte primitiva do cérebro, uma estrutura arcaica chamada hipotálamo, é a mais ativa durante o trabalho de parto. O fluxo de hormônios que a mulher tem que liberar para o trabalho de parto

vem dessa parte profunda e primitiva do cérebro. Ao mesmo tempo, vamos conseguir visualizar as inibições vindo do neo-córtex. Mas a natureza achou uma solução para superar essa deficiência: durante o parto o neo-córtex deve parar de funcionar. O nascimento é um processo primitivo e durante esse processo o neo-córtex deve estar desligado. Quando a mulher está em trabalho de parto sozinha, ela se desconecta do nosso mundo e esquece o que está acontecendo à sua volta. Seu comportamento pode, inclusive, ser considerado inaceitável para uma mulher “civilizada”: ela grita, xinga, é pouco polida, assume diferentes posições. Ela fica em outro planeta. Isso significa que o neo-córtex reduziu sua atividade, o que é essencial na fi-siologia do parto. Uma mulher em trabalho de parto precisa, em primeiro lugar, de ser protegida contra qualquer estímulo do neo-córtex. Na prática isso significa que temos que lembrar quais são os estimulantes do neo-cór-tex para evitá-los. Um desses estimulantes é a linguagem, que é processada no neo-córtex. Se utilizarmos a perspectiva fisiológica vamos reconhecer que é preciso cautela para usar a linguagem durante o trabalho de parto e vamos redescobrir o silêncio. Vamos demorar muito a aceitar o silêncio na sala de parto depois de séculos de socialização. Recentemente, assistindo a um desses vídeos de parto natural, assim chamado porque era domiciliar e a mulher estava de quatro, pudemos observar que a parteira não parava de falar. Precisamos redescobrir que a linguagem estimula o neo-córtex e interfere na liberação da ocitocina e a importância da privacidade. O neo-córtex também é estimulado pela luz, é muito sensível ao estímulo visual em geral. É interessante observar como uma mulher em trabalho de parto que não é guiada, não é observada e não é orientada por nenhum plano pré-concebido, geralmente encontra, por conta própria, uma posição tal, na qual ela elimina os estímulos visuais. Ela se acocora, se inclina para frente, deixa os cabelos caírem sobre o rosto e assim não enxerga nada e pode esquecer o resto do mundo. O quarto ponto para podermos redescobrir e atender as necessi-dades da mulher em trabalho de parto e do bebê recém-nascido é seguir uma regra simples: aprender a eliminar, no período perinatal, tudo que é especificamente humano. O que isso significa? Que devemos eliminar to-das as crenças e rituais que interferem com o processo de nascimento, como alguns que eu mencionei. Nós constantemente reproduzimos tais rituais. Por exemplo, em algumas sociedades a mãe não está autorizada a pegar o bebê se não tiver recebido a permissão para tal de outra pessoa. Entre os Arapesch, da Nova Guiné, a condição para a mãe ser autorizada a tocar o

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bebê é que o pai receba a notícia do sexo do bebê e decida se ele vai viver ou não e se a mãe está autorizada a cuidar do bebê, sendo que essa ordem é transmitida da parteira para o pai. Essa situação se reproduz em todas as sociedades.No Brasil podemos mencionar um grupo étnico indígena do Mato Grosso, entre os quais a mães não está autorizada a pegar no bebê enquanto o líder espiritual, o Xamã, não decidir se o bebê deve viver. Entre um grupo étnico da Amazônia a permissão tem que ser dada pelo padrinho, que tem que chegar com a roupa cerimonial, decidir se o bebê vai viver para a mãe poder cuidar dele. Sempre reproduzimos o mesmo ritual. Recentemente eu visitei uma maternidade no Rio de Janeiro e na sala de parto tinha uma janela de vidro. Mas por que a janela? Porque assim que a criança nasce, a atendente corta o cordão umbilical e passa o bebê por essa janela, sendo que do outro lado está o pediatra. A mãe não pode cuidar do seu bebê até que o pediatra permita. É o mesmo ritual. Nós sempre encontramos desculpas para sepa-rar a mãe do bebê recém-nascido. No movimento do parto natural, uma nova teoria surgiu há um tempo atrás, uma idéia de que seria possível, imediatamente após o parto, induzir uma ligação entre o pai e o recém-nascido semelhante à ligação entre a mãe e o bebê. Isso é irrealista. A razão pela qual este é um período crítico para a mãe e o bebê está no equilíbrio hormonal especial que nunca mais vai acontecer. E esse período crítico não pode ser o mesmo para o pai. O efeito foi de introduzir outra pessoa que distrai a mãe no momento exato que ela deve liberar um alto pico de ocitocina. É a reprodução do mesmo ritual. Estamos, sempre, introduzindo rituais e crenças com o efeito de separar a mãe do bebê, e temos que redescobrir na ciência que o bebê recém-nascido precisa, em primeiro lugar, da sua mãe, e a mãe precisa do bebê recém-nascido. Vai levar tempo redescobrir esta verdade. Por isso, devemos eliminar o que é especificamente humano, as crenças e os rituais do parto. Eliminar o que é especificamente humano significa que durante o processo do nascimento o neo-córtex deve parar de funcionar. Ao mesmo tempo, temos que redescobrir, atender e satisfazer as necessidades universais que todos os mamíferos em trabalho de parto têm, que é se sentir seguro – se existe um predador em volta, a fêmea libera adre-nalina para ter energia para lutar ou fugir, e vai adiar o parto até se sentir segura – e ter privacidade – todos as fêmeas de mamíferos têm estratégias para não se sentirem observadas quando dão a luz. Essas são as regras sim-ples que devemos seguir.

No contexto científico atual pode-se dizer que a mulher foi pro-gramada para liberar um coquetel de hormônios do amor quando está em trabalho de parto. Mas hoje, a maioria das mulheres tem seus bebês sem depender da liberação desse coquetel de hormônios, muitas por fazerem cesárea e, entre as que dão a luz por parto vaginal, por não poderem facil-mente liberar os hormônios em ambientes inapropriados. E como não con-seguem liberar facilmente os hormônios naturais, precisam de medicamen-tos que os substituem: precisam de ocitocina sintética no soro, precisam da analgesia peridural para substituir as endorfinas, precisam de medicamen-tos para eliminar a placenta. Tudo isso bloqueia a liberação dos hormônios naturais. Estamos em um momento hoje em que o número de mulheres que dão a luz e que eliminam os hormônios naturais do amor está tendendo a zero. Isso é uma situação sem precedentes. Os seres humanos são tão inteli-gentes e tão espertos, devido ao seu neo-córtex, que conseguiram tornar os hormônios do amor em hormônios inúteis. Precisamos levantar questões sobre isso em termos da nossa civilização, não agora, não para esse bebê ou essa mulher, mas o que vai acontecer daqui a três ou quatro gerações se con-tinuarmos nessa direção? Se fizermos a pergunta dessa forma e percebendo que precisamos redescobrir as necessidades básicas da mulher em trabalho de parto e do bebê recém-nascido e atender às regras básicas e simples, po-demos dizer que a prioridade hoje não é humanizar o parto. A prioridade hoje é mamiferizar o parto.

1. Parto e nascimento no mundo contemporâneo: Conferência de abertura do Seminário BH pelo Parto Normal

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2. Oficina I: Aumento da prematuridade no país: me-lhoria de acesso à tecnologia ou prematuridade evitável?

Data e hora:20 de agosto, das 8h às 12h

Coordenação: Fábio Augusto Guerra (Sociedade Mineira de Pediatria)

Expositora: Maria do Carmo Leal (Fiocruz)

Debatedores externos: Alicia Matijasevich (UFPel) Antônio Augusto Moura da Silva (UFMA) Marco Antônio Barbieri (USP Ribeirão Preto)

Participantes do debate:Andréa Chaimowicz; Daphne Rattner (Ministério da Saúde); El-len; Esther Vilella (Ministério da Saúde); João Batista Lima (Hos-pital Sofia Feldman); José Orleans da Costa (Hospital Mater Dei); Marcos Dias (Escola Nacional de Saúde Pública - Fiocruz); Ma-ria Albertina S. Rego (Sociedade Mineira de Pediatria e UFMG); Maria Helena (Universidade de São Paulo); Navantino Alves Fi-lho (Academia Mineira de Pediatria); Simone Diniz (Faculdade de Saúde Pública - Universidade de São Paulo); Sônia Lansky (Coordenadora da Comissão Perinatal de Belo Horizonte); Zeni Carvalho Lamy (Universidade Federal do Maranhão).

2Médica, doutora em Saúde Pública pela Fundação Oswaldo Cruz. Pesquisadora da Fun-dação Oswaldo Cruz, integrante do Comitê editorial da Revista Materno Infantil de Pernambuco, editor associado da Revista Brasileira de Epidemiologia (ABRASCO) e diretora da Editora Fiocruz.

2.1. Aumento da prematuridade no país: melhoria de aces-so à tecnologia ou prematuridade evitável? Lacunas para a pesquisa e divulgação para a assistência

Maria do Carmo Leal2

O Brasil vive, no momento atual, um grande processo de inclusão social por meio do Sistema Único de Saúde, o que resulta em aumento da cobertura da assistência pré-natal e do parto hospitalar, da cobertura de vacinal e de procedimentos de maior complexidade, como UTI Neonatal. Entretanto, o SUS mantém e reproduz iniqüidades, que devem ser vistas como pano de fundo na abordagem sobre a prematuridade. A prematuridade é o maior determinante da morbidade e da mor-talidade do recém-nascido e vem aumentando no mundo contemporâneo. As causas desse aumento não são totalmente conhecidas, mas podem estar relacionadas, também, com o fato das mulheres estarem tendo filhos mais velhas, com as condições da vida urbana, com o padrão de alimentação, com o ideal estético da magreza, entre outros. O principal componente da prematuridade é a prematuridade tar-dia, onde o recém-nascido tem entre 34 e 36 semanas de gestação. Mas, apesar de compor quase 70% de toda a prematuridade, nada sabemos sobre ela, ao contrário da prematuridade precoce, que tem seus prejuízos mais bem documentados. Estudos recentes apontam para o risco de efeitos ad-versos em qualquer nível de prematuridade, e as intervenções obstétricas têm sido responsabilizadas por uma parte do crescimento da prematurida-de no mundo. Segundo dados americanos, a prematuridade aumentou em 30% entre 1981 e 2004. Os precursores obstétricos da prematuidade nos EUA estão assim distribuídos: 45% resulta de trabalho de parto espontâneo com membranas intactas (mantém-se inalterado ao longo do tempo); 25% re-sulta de trabalho de parto espontâneo com rutura de membranas (que vem diminuindo com o tempo); e 30% decorrem da decisão médica de intervir e adiantar o parto com o objetivo de diminuir riscos maternos e/ou infantis – este é o componente que vem aumentando ao longo do tempo (Golden-berg et al., 2008). Os resultados indicam que um componente importante no aumento da prematuridade está relacionado com a forma como a me-dicina e o sistema de saúde vem assistindo ao risco obstétrico, ou seja, uma

2. Oficina I: Aumento da prematuridade no país: melhoria de acesso à tecnologia ou prematuridade evitável?

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assistência voltada para as intervenções, tanto por indução do trabalho de parto quanto por cesárea. No Brasil não existem informações nacionais acerca do componen-te da prematuridade que resulta da intervenção médica e essa é uma ques-tão para a qual urge o desenvolvimento de pesquisas: qual a intensidade da prematuridade, no Brasil, pode ser atribuída à intervenções médicas no trabalho de parto ou mesmo à cesárea eletiva? Segundo os dados do SINASC de 2005, o Brasil teria uma taxa de prematuridade de 6,6% (Andrade, Szwarcwald e Castilho, 2008), o que é baixo. É sabido que o SINASC apresenta problemas na conformação das informações, principalmente sobre peso ao nascer e idade gestacional. Identifica-se que a sub-notificação desses dados é maior nas regiões Norte e Nordeste, e nas cidades pequenas. Os dados também apresentam um im-portante paradoxo: onde os indicadores de saúde são melhores (maior nº de consultas pré-natal pe.), a prematuridade é maior. Além disso, a forma como os dados são agrupados pelo SINASC não permite um olhar sobre a prematuridade limítrofe, entre 34 e 36 semanas de gestação. Analisando os dados do SINASC do município do Rio de Janeiro – cujo SINASC já foi validado em estudo prévio – tem-se um aumento de 30% na prematuridade entre 1996 e 2006. Quando se considera o tipo de parto, há diminuição de 2,4% da prematuridade no parto vaginal e aumen-to de 70,6% na prematuridade em mulheres que realizaram cesárea. Consi-derando o tipo de parto por estabelecimento de saúde, tem-se que, no SUS, a prematuridade no grupo que fez parto vaginal cai 7,1% e a prematuridade no grupo que fez cesárea aumenta 55,3%. Já nos estabelecimentos privados, a prematuridade no grupo do parto via vaginal aumenta 51% e por cesárea, 98%, apesar de se tratar de um grupo social com melhores condições de saúde. Analisando as características das mães, por estabelecimento de saú-de (público e privado) e por tipo de parto, no período entre 1996 e 2006, observa-se que apesar da melhora de alguns indicadores de condição de vida e de acesso aos serviços de saúde na área obstétrica – aumento do nível de instrução das mães, queda na taxa de gravidez na adolescência e melho-ria do acesso ao pré-natal – vem ocorrendo aumento da prematuridade, au-mento do baixo peso ao nascer e melhoria do Apgar no 7º minuto de vida do recém-nascido. É provável que estejamos provocando uma epidemia de prematuridade iatrogênica, no município do Rio de Janeiro, principalmen-te entre as mulheres que são clientes do Sistema de Saúde Suplementar. Outro dado disponível é o das três coortes da cidade de Pelotas/

RS (1982, 1993 e 2004), nas quais se observa diminuição do número de nascidos vivos, aumento de cesáreas e aumento da prematuridade tardia (Barros et al., 2005). Os resultados apontam para uma provável intervenção no padrão de nascimento das crianças. Buscando evidências sobre os prejuízos da prematuridade, Toma-shek et al. (2007) estudaram as diferenças entre as taxas de mortalidade infantil entre bebês nascidos a termo (37 a 41 semanas de gestação) e bebês pré-termo tardio (34 a 36 semanas de gestação). Os autores identificaram que a mortalidade é sempre maior entre os pré-termos tardios: a taxa de mortalidade do pré-termo, entre 0 e 6 dias de vida, é o dobro do que no nascido a termo e a taxa de mortalidade entre 28 e 364 dias de vida chega a ser 5 vezes maior no pré-termo do que no nascido a termo. Os estudos atuais estão mostrando que a prematuridade tardia é um fator de risco para a mortalidade infantil, apesar de o senso comum ainda acreditar que ela não seja um problema. Swamy et al. (2008), em estudo sobre a mortalidade a curto e longo prazo entre nascidos vivos das coortes de nascimento de 1967 a 1988, na Noruega, identificaram que o risco de morrer, entre os pré-termos, é sem-pre maior do que entre os nascidos a termo, risco esse que se mantém maior até a adolescência. O estudo indica que a prematuridade é uma marca que interfere no padrão futuro de saúde e doença do indivíduo. O mesmo es-tudo observou as características reprodutivas e educacionais das mulheres dessas coortes de nascimento e identificou que o nascimento pré-termo impacta, de maneira negativa, a escolaridade de mulher, que tem um risco maior de ter uma escolaridade menor. A prematuridade também impacta a vida reprodutiva da mulher, que tem menos filhos e maior risco de ter história de morte fetal e infantil na sua prole. Barros e Velez-Gomez (2006), estudando a prevalência de nasci-mentos prematuros por subgrupos de causas, entre 1985 a 2003, na Amé-rica Latina (Sistema de Informação Perinatal), identificaram que diminui a prematuridade por causas espontâneas sem complicações maternas e por rutura de membranas, ao passo que aumenta a prematuridade por indução e cesárea eletiva. Desta forma, a cesárea está relacionada com o aumento da prematuridade. No Brasil, são cerca de 3 milhões de nascimentos por ano, 43% por cesárea. No SUS, a taxa de cesárea é de 29%, enquanto na saúde suplemen-tar ela é de 80%. Quanto maior a população inserida no sistema de saúde suplementar, maior será o índice de cesárea. Mas muitos são os fatores

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que influenciam as taxas de cesárea, no Brasil: a localização geográfica de residência da mãe, as condições socioeconômicas da clientela, as fontes de financiamento dos serviços de saúde e o modelo vigente de atenção médi-ca. Por outro lado, a explicação do aumento das cesáreas por “deman-da” das mulheres não encontra respaldo nos estudos realizados, tanto nos serviços públicos quanto nos privados. Em estudo recente realizado pela Fiocruz e financiado pela ANS, foram entrevistadas mais de 430 mulheres, após o parto, em duas unidades de saúde do Sistema Suplementar, localiza-das na cidade do Rio e na Região Metropolitana do Rio (Leal et al., 2007). As mulheres foram inquiridas sobre o seu desejo quanto ao tipo de parto. Os resultados mostraram que, no início da gestação, 70% das multíparas e 80% das primíparas queriam ter um parto normal. Ao chegarem à mater-nidade, no momento do parto, apenas 30% delas ainda queriam ter par-to normal. Ao saírem da maternidade, apenas 10% tiveram parto normal. Uma parte dos motivos referidos pelas mulheres para a realização da cesá-rea não coincidiam com o que estava escrito no prontuário (1/3 deles sem anotações) nem com os resultados perinatais observados (ex: desproporção céfalo-pélvica, hipertensão arterial materna, etc.). Resultados semelhantes foram obtidos por Maluf, para a cidade de São Paulo, em sua tese de dou-toramento (Maluf, 2008). Hansen et al. (2007), estudando a coorte de Aarhus – que con-tém dados de 34.458 nascimentos sem malformação congênita entre 1998 a 2006, na Dinamarca –, avaliaram a morbidade respiratória (taquipnéia respiratória, síndrome de insuficiência respiratória, hipertensão pulmonar persistente), a necessidade de oxigênio por mais de dois dias, a ventilação mecânica e o uso de oxigênio nasal por pressão positiva nos recém-natos de cesáreas eletivas. Os resultados indicaram que os nascidos de cesárea eletiva, quando comparados com os nascidos de parto vaginal, apresentaram risco mais elevado de morbidade respiratória. O risco aumentava à medida que diminuía a idade gestacional: com 37 semanas, o risco era 3,9 vezes maior; com 38 semanas o risco era 3 vezes maior; com 39 semanas, o risco era 1,9 vezes maior. O mesmo padrão foi encontrado para morbidade respiratória grave, sendo que o risco foi 5 vezes maior para os recém-nascidos de 37 semanas de gestação. Os resultados sugerem que o trabalho de parto tem uma função na maturação pulmonar da criança. Ou seja, o bebê que não passa pelo trabalho de parto não termina o seu amadurecimento pulmonar e, mesmo que nasça a termo, apresenta chance maior de ter problemas res-

piratórios. Estudo de Kennare et al. (2007) com coorte retrospectiva de nasci-mentos únicos de secundíparas, entre 1998 a 2003, na Austrália, comparou as conseqüências de um segundo parto normal em mulheres com cesárea prévia e em mulheres com parto vaginal prévio. Os resultados mostraram que as mulheres que fizeram um parto normal após uma cesárea prévia apresentaram risco mais elevado de: mal-apresentação (1,8); placenta pré-via (1,7); hemorragia anteparto (1,2); trabalho de parto prolongado (5,9); cesárea de emergência (9,4); ruptura uterina (84,4); óbito materno (7,6); baixo peso ao nascer (1,3); nascimento morto inexplicável (2,3). Ou seja, a cesárea prévia resulta em prejuízo posterior para a história reprodutiva da mulher. Por fim, estudo transversal acerca da admissão de recém-nascidos a termo em UTI Neonatais de nascidos únicos de mulheres de baixo risco gestacional, entre 1999 a 2002, na Austrália (Tracy et al., 2007), identificou que a taxa de admissão em UTI foi de 8,9% para primíparas e de 6,3% para multíparas. Para as mulheres que fizeram uma cesárea eletiva, sem entrar em trabalho de parto, as taxas de internação do bebê na UTI foram de 15,4% para 37 semanas de gestação, 12,1% para 38 semanas de gesta-ção e 5,1% para 39 semanas de gestação. Não houve diferença importante para a idade gestacional de 40 semanas e mais. Nos Estados Unidos se determinou que a cesárea eletiva só deve ser realizada após 39 semanas de gestação. Para conhecer melhor a situação brasileira é preciso: documentar as evidências dos prejuízos da prematuridade para os recém-nascidos e para as mulheres; realizar, urgentemente, investigações de abrangência nacional, em parceria com a Agência Nacional de Saúde e o Ministério da Saúde; e estabelecer estratégias para redução das cesáreas eletivas, em parceria com as sociedades médicas.

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Referências bibliográficas

Andrade CLT, Szwarcwald CL, Castilho EA. Baixo peso ao nascer no Bra-sil de acordo com as informações sobre nascidos vivos do Ministério da Saúde, 2005. Cadernos de Saúde Pública, 2008 (no prelo).Barros FC, Velez-Gomez MP. Temporal trends of preterm birth subtypes and neonatal outcomes. Obstet Gynecol. 107(5): 1035-1041, 2006.Barros FC, Victora CG, Barros AJ, Santos IS, Albernaz EP, Matijasevich A, et al.. The challenge of reducing neonatal mortality in middle-income countries: findings from three Brazilian birth cohorts in 1982, 1993, and 2004. Lancet 365(9462): 847-854, 2005.Goldenberg RL, Culhane JF, Iams JD, Romero R. Epidemiology and cau-ses of preterm birth. Lancet 5(371): 75-84, 2008.Hansen AK, Wisborg K, Uldbjerg N, Henriksen TB. Risk of respiratory morbidity in term infants delivered by elective caesarean section: cohort study. BMJ 336(7635): 85-87, 2007.Kennare R, Tucker G, Heard A, Chan A. Risks of adverse outcomes in the next birth after a first cesarean delivery. Obstet Gynecol. 109(2): 270-276, 2007.Leal MC et al.. Avaliação da demanda por cesariana e adequação de sua indicação em unidades de saúde suplementar do Rio de Janeiro. Fundação Oswaldo Cruz: Rio de Janeiro, 2007. Mimeo.Maluf, LE. Por que 90? Uma Análise das Taxas de Cesariana em Serviços Hospitalares Privadas no Município de São Paulo. USP, 2008PatahSwamy GK, Østbye T, Skjærven R. Association of preterm birth with long-term survival, reproduction, and next-generation preterm birth. JAMA 299(12): 1429-1436, 2008.Tomashek KM, Shapiro-Mendoza CK, Davidoff MJ, Petrini JR. Diffe-rences in mortality between late-preterm and term singleton infants in the United States, 1995-2002. J Pediatr. 151(5): 450-456, 2007. Tracy SK, Tracy MB, Sullivan E. Admission of term infants to neonatal in-tensive care: a population-based study. Birth-issues in perinatal care 34(4): 301-307, 2007.

2.2. Aumento da prematuridade - prematuridade evitável?

Alicia Matijasevich3

Segundo os dados das coortes de Pelotas (tabela 1), pode-se obser-var que diminui o número de nascimentos na cidade em 19% entre 1982 e 2004. No mesmo período, enquanto o baixo peso ao nascer permaneceu constante, a prematuridade aumentou muito: mais do que dobrou em 22 anos, tanto no parto normal quanto na cesárea.

Tabela 1 - Dados dos nascimentos em 3 coortes de Pelotas. 1982, 1993 e 2004.

3Doutora em Medicina pela Universidad de la República Oriental del Uruguay. Professora visitante do Programa de Pós-graduação em Epidemiologia da Universidade Federal de Pelotas.

1982 1993 2004

Número de Nascidos vivos 6.011 5.302 4.287

Proporção de baixo peso ao nascer (< 2.500 g) 9,0 9,0 10,0

Proporção de nascimento pré-termo (< 37 sem.) 6,3 11,4 14,5

Proporção de nascimento pré-termo conforme tipo de parto

Pré-termo por parto vaginal 6,3 10,8 14,1

Pré-termo por parto cesárea 6,4 12,7 15,3

Proporção de nascimento pré-termo conforme renda familiar

< 1 SM 7,7 13,3 19,8

1,1 – 3,0 SM 5,9 11,8 13,8

3,1 – 6,0 SM 5,8 10,1 12,1

6,1 – 10,0 SM 6,8 10,3 11,1

> 10,0 SM 5,7 9,3 13,5

Proporção de cesárea 27,2 30,5 45,2

Proporção de cesárea conforme renda familiar

< 1 SM 16,9 23,4 36,4

1,1 – 3,0 SM 25,3 25,1 42,3

3,1 – 6,0 SM 36,2 33,3 55,0

6,1 – 10,0 SM 41,3 45,1 74,7

> 10,0 SM 46,7 55,7 79,1

Proporção de cesárea conforme níveis de risco

Alto 26,1 28,2 41,3

Médio 25,9 29,1 44,5

Baixo 33,0 37,2 53,6

Composição dos recém nascidos pré-termo

< 33 semanas de idade gestacional 1,1 2,3 3,5

34-36 semanas de idade gestacional 5,2 9,1 11,0

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O nascimento pré-termo variou pouco conforme a renda familiar, em 1982; já em 2004, o nascimento pré-termo é um problema para duas faixas de renda, as mulheres muito pobres e as muito ricas. O mais provável é que a causa da prematuridade nos dois extremos de renda sejam diferen-tes. Ainda não é possível provar, mas a hipótese é que as infecções sejam as causas mais importantes entre as mulheres pobres e as cesáreas eletivas sejam o mais importante entre as mulheres ricas. As taxas de cesárea dobraram em 22 anos, em todas as faixas de renda, em Pelotas. Mas o interessante é que as cesarianas não se relacionam com os níveis de risco da mãe: as cesarianas têm sido mais freqüentes em mulheres de risco baixo. Por fim, a prematuridade que mais cresce, em Pe-lotas, é a prematuridade tardia. Entre as ações que podem prevenir a prematuridade está o tra-tamento das doenças de transmissão sexual, da infecção urinária e dos corrimentos. Além disso, para prevenir os pré-termos tardios (late preterm births), ou seja, para evitar o nascimento de crianças saudáveis com menos de 40-41 semanas de idade gestacional, deve-se evitar as cesarianas pro-gramadas, principalmente aquelas baseadas em datação pelo ultrassom, já que o ultra-som superestima a idade gestacional, ainda mais quando feito depois da 20ª semana de idade gestacional. Nosso último trabalho (Santos et al., 2008), comparando prematu-ros limítrofes com recém-nascidos a termo, observamos que os prematuros limítrofes apresentam 5 vezes mais risco de morte neonatal, 2 vezes mais risco de morte infantil, quase 3 vezes mais risco de ter um Apgar ao cinco minutos menor do que 7 e 3 vezes mais risco de receber outro leite que não o leite materno nas primeiras 24 horas de vida.

Referências bibliográficas Santos IS, Matijasevich A, Silveira MF, Sclowitz IKT, Barros AJ, Victora CG et al.. Associated factors and consequences of late preterm births: re-sults from the 2004 Pelotas birth cohort. Paediatr Perinat Epidemiol. 22(4): 350-359, 2008.

2.3. Nascimento pré-termo: melhoria de acesso à tecnologia ou iatrogenia evitável?

Antônio Augusto Moura da Silva4

Apesar do aumento na taxa de nascimento pré-termo estar ocor-rendo em vários países do mundo, no Brasil a elevação parece ter se dado de forma mais rápida. Este aumento parece estar relacionado tanto com a melhoria de acesso à tecnologia quanto à iatrogenia evitável. Comparando-se indicadores perinatais de duas cidades brasileiras (Ribeirão Preto/SP e São Luis/MA), na década de 1990, observou-se o paradoxo de que em Ribeirão Preto, uma cidade mais rica, o baixo peso foi maior (10,7%) do que em São Luis (7,6%), uma cidade mais pobre, contra-riando as expectativas de que o baixo peso deveria ser mais prevalente em localidades mais pobres. Por outro lado, a taxa de nascimento pré-termo foi igual nas duas cidades. Entretanto, usando-se o método de Wilcox para estimativa de pré-termos pequenos, confirmou-se que a taxa de pré-termos pequenos foi maior em Ribeirão Preto e menor em São Luis. Dada a forma como o SINASC disponibiliza a informação sobre idade gestacional (em intervalos e não em semanas completas), o peso ao nascer é melhor indicador para se avaliar, indiretamente, a taxa de nas-cimentos pré-termos. Utilizando-se dados do SINASC de 1996 e 2004, para as capitais brasileiras – considerando-se que sejam dados de melhor qualidade – a taxa de baixo peso ao nascer aumentou de 8,5% para 9,2%. Observou-se que ao mesmo tempo em que a taxa de baixo peso ao nas-cer foi maior nas capitais dos estados mais desenvolvidos, o acréscimo de pré-termos pequenos foi maior no Nordeste do que no Sudeste. Ou seja, o aumento do nascimento pré-termo também está relacionado com a in-tervenção médica que visa a salvar a vida de mães e bebês, principalmente daqueles que iam morrer intra-útero. A melhor assistência perinatal nas cidades mais ricas parece estar se refletindo no aumento de bebês de baixo peso, que sem a assistência adequada seriam natimortos. Nesse sentido, as duas hipóteses para o aumento da taxa de nasci-mento pré-termo – maior intervenção médica (cesárea e indução do parto) e prematuridade iatrogênica por cesárea eletiva – devem ser consideradas como explicativas. Estudando-se os fatores de risco para cesárea, em São Luis, entre

4Doutor em Medicina Preventiva pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto. Profes-sor da Universidade Federal do Maranhão. Revisor dos periódicos Revista de Saúde Pú-blica, BMC Public Health, Paediatric and Perinatal Epidemiology e Cadernos de Saúde Pública.

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1997 e 1998, verificou-se que ter sido atendida pelo mesmo médico no pré-natal e no parto aumentou em nove vezes a chance da mulher ser sub-metida à cesárea. Ser atendida em hospital privado veio em segundo lugar, aumentando em cinco vezes a chance de cesárea. Em terceiro lugar, a hora do nascimento também foi um fator de risco para a cesárea, indicando a prática de se agendar a cesárea, de acordo com a conveniência. Outro dado importante é a desnutrição intra-uterina entre pré-ter-mos e a termos. A taxa de desnutrição intra-uterina foi maior nos nascidos a termo em São Luis do que nos de Ribeirão Preto, conforme se esperava. Por outro lado, a desnutrição intra-uterina dentre os pré-termos de Ribei-rão Preto foi mais do que o dobro do que entre os pré-termos de São Luis. Tal dado pode indicar que nas cidades mais desenvolvidas, a detecção e o diagnóstico das condições de desnutrição intra-uterina são melhores. Considerando-se uma série histórica do SINASC em São Luis, de 1994 a 2003 houve aumento do baixo peso ao nascer de 8,3% para 10% e a curva da distribuição do peso ao nascer foi deslocada para a esquer-da. No mesmo período, aumentou a proporção de crianças que nasceram em maternidades que dispõem de UTI Neonatal, de 15% para quase 60%. Também houve aumento da taxa de baixo peso ao nascer, diminuição da mortalidade infantil (de 50 para 20 por 1.000 nascidos vivos) e da nati-mortalidade. Possivelmente, parte das crianças que morreriam no útero está deixando de morrer porque intervenções salvadoras estão sendo feitas. Nos estados brasileiros, em 2005, observou-se que onde havia mais leitos de UTI Neonatal maior foi a taxa de baixo peso ao nascer. Em uma correlação não linear, mas significante, maiores taxas de baixo peso foram observadas em locais com maior razão entre leitos de UTI neonatal por mil nascidos vivos, maior taxa de nascimento pré-termo e menores taxas de natimortalidade e mortalidade neonatal. Este é o fenômeno que parece que estamos vivendo hoje.

2.4. Nascimento pré-termo e baixo peso ao nascer em Ribeirão Preto

Marco Antônio Barbieri5

Apesar da cesárea eletiva estar relacionada com o aumento da prema-turidade; isto também tem ocorrido no parto normal, indicando um compo-nente diferente da prematuridade iatrogênica associada com cesárea eletiva. Com relação à epidemiologia do baixo peso ao nascer, é esperado que o baixo peso ao nascer seja um indicador de desenvolvimento social, associado com a mortalidade infantil e com tendência a diminuir com o desenvolvimento. Entretanto, o que se observa é que o baixo peso ao nascer está aumentando em cidades brasileiras nas quais o padrão de vida está me-lhorando, é mais alto nas cidades ricas e onde a mortalidade infantil é mais baixa. Está criado o paradoxo?! Em Ribeirão Preto, entre 1978/1979 e 1994, o baixo peso ao nascer (retirados os gemelares) passou de 7,2 para 10,6% e a prematuridade dobrou, de 7,6 para 13,6%, indicando uma mudança na cultura de intervenção tec-nológica no período perinatal. Os principais determinantes do baixo peso ao nascer, em 1978/1979 foram: idade materna acima de 35 anos; escolaridade da mãe menor do que 4 anos e fumo na gravidez. Já em 1994, os principais determinantes foram: parto cesárea e fumo na gravidez. A cesárea, que não tinha importância na primeira coorte, foi determinante na segunda. Com os dados oficiais, há grande dificuldade de relacionar o peso com a idade gestacional, ocorrendo grande discrepância entre as duas va-riáveis registradas pelos serviços (há absurdos como 1.100 gramas e 39 se-manas). Quando se confronta o dado do prontuário com a informação da puérpera sobre a data da sua última menstruação, a freqüência maior de idade gestacional fica entre 35 e 36 semanas, mostrando uma discrepância entre o registro e a realidade. Concluindo, em Ribeirão Preto em 2004, a cesárea esteve associada ao baixo peso após o controle das variáveis de confusão. O aumento do baixo peso ao nascer foi no grupo social mais elevado, onde a cesárea foi mais fre-qüente. O aumento da cesárea foi maior no período gestacional de 35 a 40 semanas e nos bebês de 1.500 a 2.499g (cesárea eletiva?!). Por fim, a cesárea teve impacto não somente no aumento do baixo peso, mas também diminuiu a média e a mediana do peso ao nascer.

5Doutor em Pediatria pela Universidade de São Paulo. Professor Titular do Departamento de Puericultura e Pediatria da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto-USP.

2. Oficina I: Aumento da prematuridade no país: melhoria de acesso à tecnologia ou prematuridade evitável?

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3. Oficina II: Evitabilidade de óbitos infantis e pe-rinatais

Data e hora:20 de agosto, das 14h às 18h

Coordenação:Maria da Conceição Juste Werneck (Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Medicina da Universidade Fe-deral de Minas Gerais)

Expositor:Elisabeth França (Universidade Federal de Minas Gerais)

Debatedores externos:Paulo Frias (Instituto Materno Infantil de Pernambuco e Secreta-ria Municipal de Saúde de Recife)Isabel Triani (Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte)Álvaro Madeiro Jorge (Universidade Federal do Ceará)Antônio Augusto Moura da Silva (Universidade Federal do Maranhão)Alicia Matijasevich (Universidade Federal de Pelotas)

Participantes do debate:Daphne Rattner (Área técnica de Saúde da Mulher do Ministé-rio da Saúde); Esther Vilella (Política Nacional de Humanização do Ministério da Saúde); Fátima Guedes (Secretaria Estadual de Saúde); João Batista Marinho (Hospital Sofia Feldman); Marcos Dias (Instituto Fernandes Filgueiras da Fiocruz); Maria Albertina S. Rêgo (Sociedade Mineira de Pediatria e Universidade Federal de Minas Gerais); Simone Diniz (Universidade de São Paulo); Sônia Lansky (Coordenadora da Comissão Perinatal da Secretaria Mu-nicipal de Saúde de Belo Horizonte).

3.1. Classificação das principais causas de mortalidade neonatal no Brasil

Elisabeth França6

A mortalidade neonatal (0-27 dias) adquire cada vez maior impor-tância na mortalidade infantil, sendo que atualmente cerca de 70% dos óbi-tos infantis são neonatais e 50% são neonatais precoces (0-6 dias). Quando se analisam as causas das mortes neonatais a partir dos capítulos da Classifi-cação Internacional de Doenças (CID), as afecções perinatais representam a principal causa (81% dos óbitos em 2003-2005), seguida pelas anomalias congênitas (14% dos óbitos). Entretanto, o grupo “afecções perinatais” re-úne causas que demandam intervenções bastante diferenciadas, algumas delas com maior potencial de evitabilidade. Por isso, uma abordagem mais detalhada das causas dos óbitos neonatais torna-se necessária, levando em conta o conceito de evitabilidade, com o objetivo de propor intervenções mais específicas e efetivas. O grupo das “afecções perinatais” encontra-se no Capítulo XVI da CID-10 e contém 58 códigos de 3 caracteres (P00-P96) e 327 códigos de 4 caracteres (P00.0-P96.9). No capítulo, a própria CID-10 lista grupos de 3 caracteres para as “afecções perinatais”, dentre eles um grupamento (có-digos P00-P04), que se refere ao feto e recém-nascido afetados por fatores maternos e por complicações da gravidez, do trabalho de parto e do parto, e um grupamento (P20-P29), que se refere a transtornos respiratórios e car-diovasculares. São grupamentos de causas de óbito que demandam inter-venções muito diferentes quando se considera o enfoque da evitabilidade. Analisar as principais causas de mortalidade significa avaliar pri-meiramente as formas de tabulação a serem utilizadas. A ordenação das principais causas depende da lista usada e a hierarquia de determinada ca-tegoria de causas depende de sua freqüência relativa e também de todas as outras categorias definidas. Ou seja, o processo de criação de listas con-densadas de tabulação deve ser baseado no objetivo da análise e uma lista deve conter categorias relevantes do ponto de vista da saúde pública e da prevenção (Becker et al., 2005). A 9ª. Revisão da CID recomendou que cada país criasse suas listas, levando em consideração os principais problemas de saúde pública, e no final de década de 1980 foi criada a CID-BR para o Brasil. Pela CID-BR,

6Professora Associada do Programa de Pós-graduação em Saúde Pública do Departamen-to de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais. Pesquisadora do Grupo de Pesquisas em Epidemiologia e Avaliação em Saúde (GPEAS/UFMG).

3. Oficina II: Evitabilidade de óbitos infantis e perinatais

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40% das mortes neonatais em 2005 são classificadas no grupamento P20-P29 (transtornos respiratórios e cardiovasculares específicos do período perinatal), que é uma categoria muito ampla e pouco específica. Há listas de tabulação de causas de mortalidade infantil e perinatal que incorporam o conceito de evitabilidade. Uma das mais utilizadas no Brasil é a de Wigglesworth, da década de 1980, específica para mortes pe-rinatais (Lansky et al., 2002). Uma limitação para o uso generalizado desta lista, entretanto, é que depende da investigação dos óbitos e não utiliza a CID para a classificação. Outra lista de óbitos evitáveis é da Fundação SEADE (Ortiz, 1996, 2001) e, mais recentemente, a do Ministério da Saúde com uma lista de causas de mortes evitáveis pelo SUS (Malta et al., 2007). Essas listas não são específicas para mortalidade neonatal e classificam as causas em cate-gorias nomeadas segundo a proposta de intervenção. Assim, temos o agru-pamento das causas redutíveis por imunoprevenção, o de causas redutíveis por adequado controle da gravidez, o de causas redutíveis por adequada atenção à mulher no parto, e assim por diante. Nesta lógica, a prematurida-de, por exemplo, ficou classificada em grupamento diferente da síndrome de angústia respiratória do recém-nascido, quando deveriam estar agrupa-das. Buscando superar essas limitações, foi recentemente proposta uma lista reduzida de tabulação das causas de óbitos neonatais no Brasil (França & Lansky, 2009) que não classifica as causas segundo grupos nomeados a partir da intervenção, já que isso tem pouca relação com o significado do problema para os profissionais de saúde, em particular os médicos, respon-sáveis pelo preenchimento das declarações de óbito (DO). A lista proposta se baseou na lista de Wigglesworth ampliada (Confidencial Enquiry into Maternal and Child Health, 2005), na proposta da Organização Mundial da Saúde (WHO, 2007) e na de Lawn et al. (2006), considerando também a magnitude das causas de óbito neonatal no País e a avaliação por um consenso de especialistas. A lista de Wigglesworth ampliada apresenta sete grupamentos para óbitos neonatais: anomalias congênitas, asfixia, prematuridade, infecção, causa externa, morte súbita e outras causas específicas. Já a lista de Lawn et al (2006) define os seguintes grupamentos: 1) anomalias congênitas; 2) tétano neonatal; 3) prematuridade (menos de 33 semanas de gestação ou menos de 1.800 g para idade gestacioanal desconhecida), ou suas compli-cações (síndrome da angústia respiratória do recém-nascido, hemorragia

intraventricular, enterocolite necrotizante, etc); 4) asfixia ao nascer, baseado no Apgar (excluídos prematuros) ou em história de complicações no parto ou recém-nascido a termo grave nos dois primeiros dias do nascimento; 5) septicemia/pneumonia (septicemia, pneumonia, infecção neonatal, me-ningite); 6) diarréia (que pode ficar separada ou ser incluída nesse grupo, dependendo da realidade de cada país); e 7) outras causas. A proposta da Lista reduzida visa destacar os grupamentos segun-do sua importância na orientação das ações de saúde dirigidas à prevenção da mortalidade neonatal, incluído também o grupamento de causas rela-cionadas com as afecções respiratórias, que se relacionam com diferentes momentos da assistência à saúde da gestante e da criança. Foram definidos seis grupamentos de causas: prematuridade, infecções, asfixia/hipóxia, mal-formações congênitas, fatores maternos e relacionados à gravidez, e afec-ções respiratórias do recém-nascido. Para todas as causas foram utilizados códigos da CID tradicionalmente registrados e códigos relacionados, exce-to para as malformações congênitas. A conformação da proposta da Lista reduzida de tabulação das causas de óbitos neonatais e a distribuição dos óbitos no Brasil, em 2005, está apresentada na Tabela 1.

Tabela 1 - Causas de mortalidade neonatal segundo a Lista Reduzida de Tabulação de Causas. Brasil, 2005.

Grupamen-tos de cau-sas pela Lista e códigos

Códigos da CID-10 Frequência

N %

1. Prematuridade 8.274 24,0

P07 Transt rel gest curt dur peso baix nasc NCOP 2.876 8,4

P22.0 Síndrome da angústia respiratória do RN 4.446 13,0

P25 Enfisema intersticial e afecções correlatas 151 0,4

P26 Hemorragia pulmonar 274 0,8

P52 Hemorragia intracraniana não-traumática 195 0,6

P77 Enterocolite necrotizante 312 0,9

2. Infecções 5.858 17,0

P35-P39 Infecções específicas do RN 4.913 14,3

P23 Pneumonia congênita 532 1,6

A00-A09 Doenças infecciosas intestinais 79 -

A40-A41 Septicemia 20 -

A33 Tétano recém-nascido 4 -

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Tabela 1 - Continuação.

Grupamen-tos de cau-sas pela Lista e códigos

Códigos da CID-10 Frequência

N %

A50 Sífilis congênita 60 -

B20-B24 Doença pelo vírus da imunodeficiência humana 3 -

J12-J18 Pneumonia 190 0,6

G00, G03, G04 Meningite, encefalite mielite e encefalomielite 57 -

3. Asfixia/Hipóxia 4.923 14,3

P20-P21 Hipóxia intra-uterina e asfixia ao nascer 2.713 8,0

P01.7 Fet rec-nasc afet apres anor antes trab part 12 -

P02.0 Fet rec-nasc afetados p/placenta previa 44 -

P02.1 Fet rec-nasc afet outr form descolamento plac e hemor 523 1,5

P02.4 Fet rec-nasc afet prolapso cordão umbilical 68 -

P02.5 Fet rec-nasc afet outr compr cordão umbilical 116 -

P02.6 Fet rec-nasc afet outr afecc cordão umb NE 29 -

P03 Fet rec-nasc afet out compl trab parto e parto 355 1,0

P10-P15 Traumatismo de parto 85 -

P24 Sindr de aspiração neonatal (exceto P24.3) 978 2,8

4. Malformações congênitas 5033 14,6

Q00-Q07 MC do sistema nervoso 1015 2,9

Q10-Q18 MC do olho, ouvido, face e pescoço 6 -

Q20-Q28 MC do aparelho circulatório 1568 4,6

Q30-Q79 Demais MC especificadas 1331 3,9

Q80-Q89 Outras MC 908 2,6

Q90-Q99 MC não classificadas em outra parte 205 0,6

5. Fatores maternos e relacionados à gravidez 2.703 8,0

P00 RN afetado por afecções maternas 1.002 2,9

P01RN afetado por complicações maternas da gravidez(exceto P01.7)

1.140 3,3

P02RN afet compl plac e membranas(exceto P02.0, P02.1, P02.4-P02.6)

370 1,1

P04 RN afet influências nocivas transm plac leit mat 45 -

P05 Crescimento fetal retard e desnutric fetal 111 -

P96.4 Interrupção de gravidez afet feto rec-nasc 35 -

Tabela 1 - Continuação.

Além dos seis grupamentos de causas definidas de óbito neonatal, foram considerados três outros relativos a causas mal-definidas ou conten-do códigos inespecíficos: causas mal-definidas (códigos R00-R99), trans-tornos cardíacos originados no período perinatal (P29) e afecções origina-das no período perinatal não especificadas (P96.9). Reagrupando os dados do Sistema de Informação sobre Morta-lidade (SIM) de 2005 a partir da lista reduzida proposta acima, as prin-cipais causas de óbito neonatal no Brasil foram: prematuridade (24% dos óbitos), infecções (17%), malformações congênitas (14,6%), asfixia/hipó-xia (14,3%), afecções respiratórias do recém-nascido (8,7%) e os, fatores maternos e relacionados com a gravidez (7,9%) Os transtornos cardíacos originados no período perinatal representaram 3,7% dos óbitos, as afecções perinatais não-específicas 3% e as causas mal-definidas 1,5%. A Lista reduzida proposta possui algumas limitações. Primeira-mente, não foi considerado na sua criação o peso ao nascer, um critério básico para avaliar a evitabilidade do óbito. Além disso, quando se utilizam as causas básicas de óbito registradas, há sempre o problema da validade do diagnóstico médico. Vários estudos mostram que, após a investigação do óbito, as afecções maternas adquirem muito maior importância do que o previamente registrado na DO (Mendonça et al, 1994; Carvalho e Sil-ver, 1995). Por fim, as taxas de mortalidade neonatal por prematuridade e asfixia/hipóxia podem estar subestimadas. Por exemplo, em relação aos dados de mortalidade neonatal de 2005, foram identificados 1.277 óbitos classificados como “outras afecções respiratórias do recém-nascido” (códi-go P28) e 456 classificados como “transtornos cardiovasculares do período perinatal” (código P29), nos quais o recém-nascido tinha menos de 32 se-manas de idade gestacional e, talvez, o mais adequado seria classificá-los

Grupamen-tos de cau-sas pela Lista e códigos

Códigos da CID-10 Frequência

N %

6. Afecções respiratórias RN 2.988 8,7

P28 Outr afecções respirat orig per perinatal 2.536 7,4

P22.1 Taquipnéia transitória RN 14 -

P22.8 Outros desconfortos resp. RN 27 -

P22.9 Desconforto resp. NE RN 411 1,2

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no grupamento da prematuridade. Por outro lado, identificamos 195 óbitos classificados no código P28 e 107 no código P29 que eram recém-nascidos a termo e com óbito ocorrendo com menos de 5 horas de vida, um critério de asfixia segundo Lawn et al. (2006). Por outro lado, a Lista reduzida tem várias vantagens. Uma delas é a de utilizar as informações disponíveis no SIM, um sistema fantásti-co de coleta e processamento dos dados da DO, mas ainda subutilizado em trabalhos científicos no País. Mesmo que haja dúvidas com relação à confiabilidade dos dados, somente a utilização sistemática do SIM poderá melhorar a sua qualidade. Além disso, a Lista reduzida permite algumas comparações internacionais interessantes. Em relação à prematuridade por exemplo, a taxa de mortalidade nos EUA em 1999 foi de 0,23/1.000 nascidos vivos (NCHS, 2002).. No Brasil quando se usa apenas o código específico de prematuridade (P07), a taxa em 2005 é 1,2/1.000; quando se agregam os códigos relacionados, a taxa sobe para 3,4/1.000, indicando uma enorme diferença no risco de morrer por prematuridade, muito maior no Brasil do que nos EUA. Também as taxas de mortalidade por asfixia são muito diferentes: nos EUA, era de 0,13/1.000 em 2003 (CDC, 2007), enquanto no Brasil, utilizando-se apenas os códigos tradicionais (códigos P20-P21), o risco foi cerca de nove vezes maior em 2005. Por fim, os riscos de morte neonatal também são diferenciados no Brasil. Enquanto as taxas de mortalidade neonatal por causas mais evitáveis como as infecções, asfixia/hipóxia e prematuridade são muito maiores nas regiões Nordeste e Norte, as taxas por anomalias congênitas são relativa-mente semelhante, indicando que o risco de morte neonatal está associado ao nível socioeconômico.

Grupamentos de Causas BrasilRegiões

N NE SE S CO

Prematuridade 3,4 3,5 4,9 2,4 2,3 2,8

Infecções 2,4 2,8 3,5 1,8 1,1 2,1

Asfixia/hipóxia 2,0 2,3 3,3 1,2 1,3 1,9

Malformações congênitas 2,1 1,8 2,3 1,6 1,9 2,1

Afecções respiratórias RN 1,2 1,1 1,9 0,9 0,7 1,0

Fatores maternos e relacionados à gravidez 1,1 0,6 1,7 0,7 1,2 1,0

Transt card orig per perinatal 0,5 0,7 0,9 0,4 0,1 0,1

Afecções orig per perinatal NE 0,5 0,6 0,8 0,2 0,2 0,2

Mal-definidas 0,2 0,5 0,4 0,1 0,1 0,1

Demais causas 0,8 0,9 1,0 0,5 0,5 0,6

Total 14,2 14,8 20,7 9,8 9,4 11,9

Tabela 2 - Taxas de mortalidade neonatal (por 1.000 NV) segundo causas de-talhadas. Brasil, 2005.

Como conclusão, ressaltamos que a maior qualificação da informa-ção sobre as mortes neonatais no Brasil passa também pela discussão de propostas de classificação de causas. Parafraseando Duchiade e Andra-de (1994), queremos “Tornar visível o que permaneceu por tanto tempo oculto”. Só assim poderemos identificar, no estudo das causas das mortes neonatais, o que é mais relevante em saúde pública e quais ações devemos considerar como prioridade.

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Referências bibliográficas

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3.2. O quanto a vigilância dos óbitos infantis pode contribuir na melhoria da qualidade da informação e da assistência: a experiência do Recife

Paulo Germano de Frias7

O município de Recife apresenta algumas particularidades que in-terferem na gestão do sistema e organização dos serviços de saúde: uma tradição de boa formação pediátrica; a herança da 2ª maior rede pública de hospitais do país, superada apenas pelo estado do Rio de Janeiro, o du-plo comando da rede de serviços (partilhada pelo estado e município) e a ausência, até 8 anos atrás, de uma coordenação de Assistência à Saúde na Secretaria Municipal de Saúde. Em função dessas características, a Política Municipal de Atenção à Saúde da Criança vem atuando a partir da identi-ficação de problemas prioritários, por faixa etária. Nas crianças menores de um ano, o problema prioritário tem sido a mortalidade infantil, que sofreu um recrudescimento nos anos de 1998 e 1999. Entre os componentes da in-tervenção para redução da mortalidade infantil está a vigilância do óbito. No reordenamento do modelo de atenção à saúde, e suas implica-ções na assistência à saúde da criança, é preciso levar em conta a proposta do Programa de Saúde da Família (PSF), onde a criança não é mais aten-dida pelo pediatra, e sim pelo generalista, nas áreas cobertas pelo programa. Fundamental, então, tem sido garantir a formação desses trabalhadores em serviço, aumentar a cobertura do Programa e garantir a integralidade da atenção com ações de promoção e prevenção. A vigilância dos óbitos infantis passou a ser entendida como fundamental na implementação da qualidade do sistema de saúde a partir da tríade: sistemas de informação, avaliação dos serviços e formação de profissionais. A adequação dos Sistemas de Informação em Saúde (SIS) pode ser avaliada por meio da cobertura do sistema, da regularidade da informação, da definição da causa básica do óbito e da fidedignidade dos dados. Os SIS ainda são pouco utilizados para a tomada de decisão política e assistencial, não sendo considerados na definição de prioridades e na alocação de recur-sos, principalmente porque o gestor alega que a informação é indisponível, e quando disponível não o é em tempo oportuno e os dados são de baixa qualidade. Por outro lado, a cobertura dos SIS, a magnitude e variabilida-de das causas mal definidas se relacionam às condições socioeconômicas, 7Pediatra e Epidemiologista. Mestre em saúde da criança. Diretor Executivo de Atenção à Saúde da Criança e Adolescente da Secretaria de Saúde do Recife. Pesquisador do Ins-tituto Materno Infantil de Pernambuco.

culturais e de assistência à saúde. Ignorar e excluir a causa mal definida, e se ater aos óbitos com causa básica definida, altera o perfil da mortalidade descrito da localidade. As causas mal definidas devem ser vistas como uma expressão da desassistência em saúde ou acesso não oportuno aos serviços. A vigilância do óbito pode contribuir para melhorar a adequação das infor-mações. O óbito infantil é, também, um evento sentinela com o qual se pode avaliar a qualidade e efetividade do sistema de saúde. Um evento sentinela é qualquer caso de doença, incapacidade ou óbito prevenível por um siste-ma de saúde efetivo (Rustein et al, 1976). A ocorrência do evento sentinela está diretamente ligada ao acesso ao serviço de saúde (que se relaciona com a disponibilidade, a oportunidade, a conformidade e a responsividade), bem como à sua qualidade e/ou efetividade. A vigilância epidemiológica do evento sentinela identifica as falhas na assistência e permite ações para a sua correção. A vigilância do óbito infantil também pode contribuir para o pro-cesso formativo dos profissionais de saúde. No atual cenário da assistência à infância, vivemos o paradoxo no qual se garante a sobrevivência de prema-turos extremos, mas ainda não se superou as mortes por desnutrição, diar-réias e doenças imunopreviníveis. Além disso, ingressa no sistema de saúde um profissional generalista que não tem formação específica em pediatria e que estudou em escolas de medicina que separa os sujeitos de seus contex-tos, oferece um conhecimento fragmentado, atemporal, reducionista e com ênfase na especialização, no tecnicismo e no biologicismo. A questão que se apresenta é: como esperar desses profissionais o exercício de uma prática integralizadora, crítica, intencional e transformadora. Nesse contexto, a vi-gilância do óbito infantil se coloca como um instrumento na formação dos profissionais de saúde ao se investigar e refletir sobre o caso, contribuindo para que estes possam enfrentar os problemas vividos no seu cotidiano. Após as investigações domiciliares, ambulatoriais e hospitalares, o método utilizado na vigilância do óbito infantil, em Recife, inclui a cons-trução de um resumo do caso, a leitura coletiva e a discussão interdisciplinar incluindo do médico ao ACS), confrontando as diferentes compreensões e perspectivas dos envolvidos. Cada profissional traz a sua representação do óbito infantil a partir do seu conhecimento empírico e da vivência da situação que culminou na morte. O diálogo crítico-reflexivo sobre o caso favorece a criação de conflitos cognitivos internos nos envolvidos a partir dos quais se identifica o que precisa ser mudado e buscam-se os conheci-

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mentos necessários para intervir sobre essa realidade, fomentando ações nos diferentes níveis de gestão e atenção. O processo de implantação da vigilância do óbito em Recife come-çou em 2002 e foi concluído em 2006. A vigilância do óbito infantil tem por característica ser uma ação institucional da Secretaria de Saúde do mu-nicípio, multiprofissional, confidencial, não punitiva, educativa e formativa. Suas finalidade e funções são: analisar os óbitos e sua evitabilidade; corrigir a estatística oficial e divulgá-la, eliminando ao máximo as causas mal defi-nidas; formar e educar a partir da discussão e do debate; promover, prevenir e mobilizar para evitar novos eventos. A vigilância do óbito infantil possui quatro componentes (os óbitos fetais ainda não são investigados):

1º. Identificação dos óbitos infantis por meio da coleta diária da Declaração de Óbito (DO), e destas são triados os residentes da cidade, com validação do endereço. Uma cópia da DO é enviada para os Distritos Sanitários, que iniciam o processo de investi-gação.

2º. Investigação epidemiológica, que ocorre nos níveis central, dis-trital e local, no hospital, nas unidades de atendimento, no domi-cílio e nos serviços de necropsia. São investigados todos os óbitos de crianças menores de um ano de idade, exceto as com malfor-mação congênita

3º. Discussão do caso, onde se faz uma reunião com todo o grupo de técnicos e gestores de hospitais, da atenção primária, dos Dis-tritos Sanitários e do nível central. Na reunião é realizada uma re-leitura do caso, identificando as múltiplas facetas identificadas na investigação. A discussão ocorre nos Distritos Sanitários, com os agentes comunitários de saúde, os profissionais da atenção primá-ria (médicos e enfermeiros) e os gestores. Os aspectos enfatizados na discussão dos casos são as causas do óbito, sua evitabilidade e medidas de intervenção para evitar eventos futuros. A discussão gera conclusões e recomendações. O prazo para conclusão da in-vestigação é de cerca de 60 dias.

4º. Sistema de Informação, os dados da investigação são incorpo-rados ao SIM e é possível fazer uma análise da situação epide-miológica do Distrito Sanitário e do município como um todo, e dos estrangulamentos identificados. Apenas 0,2% dos óbitos infantis ficam com causas mal-definidas. O nível de especificação

da causa básica tende a aumentar bastante e a lógica da interven-ção muda completamente, e o que era prematuridade passa para afecções maternas, que abriga a maioria das causas.

Em 2007, Recife teve 284 óbitos infantis, sendo 222 elegíveis para investigação. Desses, 97,8% foram investigados, mas só 51,4% foram dis-cutidos no modelo proposto que inclui todos os profissionais envolvidos na assistência. Os demais casos foram discutidos só pelos técnicos da vigilân-cia e da assistência dos distritos e do nível central, sem a participação das unidades básicas de saúde e hospitais.

Critérios de Evitabilidade*2000 2007 Variação (%)

Nº CM Nº CM Nº CM

1. Redutíveis por imunoprevenção 1 0,04 0 0 - 100,0 - 100,0

2. Redutíveis por adequado controle na gravidez 65 2,6 104 4,8 + 60,0 + 84,6

UTI 5 0,2 13 0,6 160,0 + 200,0

Hipertensão Materna 13 0,5 25 1,1 92,3 + 120,0

Demais 47 1,9 66 3,0 40,4 57,8

3. Redutíveis por adequada atenção ao parto 65 2,6 33 1,5 - 49,2 - 42,3

Complicações da placenta, cordão e membranas 34 1,3 22 1,0 - 35,3 - 23,0

Hipoxia intra-uterina 12 0,5 4 0,2 - 66,7 - 60,0

Asfixia ao nascer 15 0,6 7 0,3 - 53,3 - 50,0

Demais 4 0,2 0 0 - 100,0 - 100,0

4. Redutíveis por ações prev dignóst e trat prec 192 7,5 49 2,3 - 74,5 - 69,3

5. Redutív p/intermédio de parcer c/outros setores 94 3,7 57 2,6 - 39,4 - 29,7

II. Não evitáveis 98 3,8 37 1,7 - 61,9 - 55,3

III Mal definidas 5 0,2 4 0,2 - 20,0 0

Total 520 20,4 284 13,0 - 45,3 - 36,2

Tabela 1 - Coeficiente de mortalidade infantil segundo critérios de evitabilida-de. Recife, 2000 e 2007.

Fonte: DVS/Secretaria de Saúde do Recife.*Adaptação da lista da Fundação Seade.

A Tabela 1 compara o coeficiente de mortalidade infantil segundo critérios de evitabilidade entre 2000, quando não havia investigação, e 2007, quando quase 98% dos óbitos foram investigados. A investigação aumenta a especificação da causa básica e mostra, com mais clareza, onde deve ser

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a intervenção, contribuindo para o planejamento das ações e alocações de recursos da gestão municipal. Assim, enquanto em 2000 as causas evitá-veis estavam localizadas em prevenção, diagnóstico e tratamento precoce, em 2007, migraram para adequado controle na gravidez, principalmente hipertensão materna. Desde que esse processo de investigação foi implan-tado, houve uma redução de 20 para 13 óbitos por mil nascidos vivos, uma queda de 36% na mortalidade infantil em Recife.

Referências bibliográficas

Rutstein DD, Berenberg W, Chalmers TC, Child CG, Fishman AP, Perrin EB. Measuring the quality of medical care: a clinical method. N. Engl. J. Med., 294: 582-8, 1976.

3.3. Resultados do Comitê BH-Vida: Comitê de Prevenção do Óbito Infantil e Fetal de Belo Horizonte

Isabel Triani8

Em Belo Horizonte, o Comitê de Prevenção do Óbito Infantil e Fetal funciona desde 2002, vinculado à Comissão Perinatal, que é subor-dinada à Gerência de Regulação da Secretaria Municipal de Saúde. Seus objetivos são analisar as circunstâncias dos óbitos, identificar os fatores de risco, analisar os óbitos com enfoque de evitabilidade, mobilizar profissio-nais e serviços de saúde e propor medidas para a redução da mortalidade. São investigados os óbitos fetais, neonatais precoces e neonatais tardios com peso ao nascimento maior ou igual a 1.500 g, bem como os óbitos pós-neonatais com qualquer peso de nascimento. Por outro lado, não são investigados os óbitos em casos de malformações congênitas graves e/ou outras doenças graves incompatíveis com a vida, declaradas na DO, e dos residentes em outro município. O processo da investigação inclui entre-vista domiciliar, levantamento dos prontuários (centros de saúde/consul-tórios, serviços de urgência, maternidades/hospitais) e verificação do laudo de necropsia. Diante das informações coletadas, os óbitos são classificados segundo sua evitabilidade a partir dos critérios da Fundação Seade e de Wigglesworth. A investigação resulta em um levantamento dos problemas – pla-nejamento familiar, pré-natal, assistência ao parto, assistência ao recém-nascido na maternidade, acompanhamento da criança no centro de saúde, atendimento de urgência, atendimento hospitalar, dificuldades da família e causas externas – que são notificados aos gestores dos Distritos Sanitários com o objetivo de gerar mudanças na assistência. Os casos são discutidos nos centros de saúde e nos Distritos Sanitá-rios de maneira mais regular e nas maternidades uma vez por ano, quando são levados os casos mais e emblemáticos. Além disso, quando pertinente, os casos são levados à Comissão Perinatal e outros fóruns técnicos com o ob-jetivo de melhorar a qualidade da assistência à gestante e ao recém-nascido por meio do monitoramento das maternidades e da revisão dos protocolos de assistência. A Tabela 1 apresenta a evolução das taxas de mortalidade pe-rinatal e infantil, por componente, entre 2000 e 2007, em Belo Horizonte. Observa-se uma tendência de queda em todos os componentes.

8Pediatra - Comitê de óbitos da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte.

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Tabela 1 - Taxas de mortalidade perinatal e infantil, por componente e por ano, dos residentes em Belo Horizonte. 2000 a 2007.

Ano FetalInfantil

PerinatalNeonatal precoce

Neonatal tardia

Pós-neonatal

Total

2000 12,3 8,5 3,0 5,3 16,8 20,7

2001 11,8 5,9 2,6 5,5 14,1 17,7

2002 13,1 5,9 2,6 4,5 13,1 18,9

2003 12,1 7,4 2,3 5,7 15,4 19,4

2004 10,7 6,5 2,5 4,3 13,3 17,2

2005 11,0 6,9 2,9 4,5 14,4 17,9

2006 12,6 5,7 2,4 4,6 12,3 18,2

2007 10,4 4,9 2,8 3,8 11,5 15,2

Fonte: SIM/SINASC/PBH;

No ano de 2007, as mortes pós-neonatais responderam por 52% dos óbitos evitáveis, segundo os critérios do comitê, enquanto as neonatais pre-coces representaram 28% e as tardias, 20%. Entre os óbitos pós-neonatais, 44% resultaram de causas perinatais, sendo a mais freqüente a asfixia (47%), seguida pelas causas específicas (33%), considerando a classificação de Wi-gglesworth. Ainda para o ano de 2007, 67% dos óbitos fetais foram anteparto, sendo que 29% ocorreram devido à asfixia e 4% por malformação congênita. Considerando a classificação de evitabilidade de Wigglesworth. A principal causa do óbito fetal é anteparto (73,4%), a do óbito neonatal precoce é a as-fixia (55,6%) e a do óbito neonatal tardio são as causas específicas (41,7%). Já pelos critérios de evitabilidade da Fundação Seade, o principal grupo de causa de óbito fetal é Reduzíveis pela adequada assistência pré-natal (68,1%), a do óbito neonatal precoce é o grupo Reduzíveis pela adequada assistência ao parto (36,8%) e a do óbito neonatal tardio é o grupo Reduzíveis pelo diagnósti-co e tratamento precoce (50%). Ou seja, os dados mostram uma coerência entre os dois sistemas de classificação. Por fim, considerando a evitabilidade do óbito segundo o peso ao nascer, entre os nascidos com 2.000 a 2.499 gramas e o nascidos com mais de 2.500 gramas, as principais causas de óbito foram relacionadas à assistência pré-natal (respectivamente 72% e 43%), assistência ao parto (10% e 30%) e diagnóstico e tratamento (7% e 25%). O Comitê não objetiva criar constrangimentos nem promover puni-ções, mas garantir que as experiências negativas do óbito possam ser fonte de crescimento e aprimoramento profissional e de melhoria da assistência à população.

3.4. Rede Norte-Nordeste de Saúde Perinatal

Álvaro Jorge Madeiro Leite9

No Brasil, nascem cerca de 3 milhões de crianças a cada ano, a maior parte em potencial situação de exclusão e cerca de 1/3 na região Nordeste. O tema das desigualdades e iniqüidades, no Brasil, é bastante complexo e nosso desafio é superar a ilusão de que soluções individuais po-dem resolver problemas coletivos. A proposta da Rede de Saúde Perinatal Norte-Nordeste busca tanto superar o isolamento profissional, gestado na formação profissional da medicina, como dar visibilidade aos problemas de uma parte importante do País, que tem cerca de 1.000 bebês internados, por mês, em unidades neonatais. Um importante problema de uma unidade neonatal é que seus pro-fissionais não sabem quem são e nem como trabalham. O profissional de uma unidade neonatal, apesar de ter competência para executar procedi-mentos para os quais está tecnicamente preparado, vê o seu saber técnico se diluir em uma atividade na qual o trabalho deveria ser essencialmente cooperativo e reflexivo. A prática não é de responsabilidade exclusiva de um único profissional, mas o profissional não vê as conseqüências das suas ações. Podemos pensar, por exemplo, no caso de um recém-nascido prematuro de 1.000 gramas que vai a óbito na UTI. Na discussão das causas do óbito, há uma dificuldade de se hierarquizar. Há os problemas de pré-natal, é lógico, mas e se o bebê não receber o surfactante no momento adequado? Há um fenômeno complexo na vida de uma UTI, onde o ocultamento prevalece, pois ninguém sabe o que acontece coletivamente. Uma recente dissertação de mestrado documentou que apenas 12% das crianças de Fortaleza faziam avaliação oftalmológica com 4 semanas de nascimento, explicitando a au-sência de avaliação da prática profissional e de suas conseqüências para os bebês. Há um claro conflito entre a formação individualista do profissional de saúde e sua atuação em um espaço radicalmente coletivo e de coopera-ção, que é a unidade neonatal. Resultado preliminar do estudo “Aspectos da Assistência à Saú-de ao Recém-nascido Gravemente Enfermo em Unidades Neonatais do Nordeste do Brasil”, realizado em sete estados no Nordeste e 30 UTI Ne-onatais, apontou que dos 3.005 recém-nascidos internados, 27% eram de muito baixo peso e o restante estava acima de 1.500 gramas. Entre os bebês internados com menos de 1.500g, apenas 36% das crianças os casos usou 9Doutor em Pediatria pela Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo. Professor da Universidade Federal do Ceará. Coordenador da Rede Norte-Nordes-te de Saúde Perinatal.

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corticóide antenatal (18% de maneira completa e 18% de maneira incom-pleta); 56% usou surfactante, sendo que a média de tempo para o uso foi de 4 horas de vida; e 1/3 fez avaliação oftalmológica. Ora, quem sabe dizer se essa terapia deveria ter sido utilizada e não foi? Quando o chefe da obste-trícia está preocupado com questões administrativas, os mecanismos para a tomada de decisões ficam ocultos. A presunção de que o profissional está fazendo o bem deve ser submetida ao monitoramente e à avaliação. Saber como as coisas devem ser feitas não necessariamente implica em mudança de comportamentos e práticas profissionais, principalmente quando o trabalho coletivo se impõe sobre o individual e a competência técnica se torna insuficiente para o trabalho em unidades complexas como a UTI neonatal. Por isso, uma das iniciativas da Rede é uma intervenção de médio e longo prazo na Educação Permanente, superando a lógica da educação continuada, por meio de Círculos de Qualidade e Educação à Distância, com foco no profissional. Os objetivos da Educação Perma-nente devem ser: criar estratégias para melhorar o cuidado com o paciente; discutir formas de reduzir a variação inter-profissional da assistência e o isolamento profissional; elaborar instrumento para mudar a performance da unidade neonatal; e estimular o envolvimento e o compromisso mútuo de cada um e de todos os profissionais. Círculos de Qualidade se constituem por uma reflexão crítica, con-tínua e sistemática de um grupo de profissionais sobre a sua própria expe-riência, com o objetivo de melhorar o cuidado com o paciente por meio do trabalho multiprofissional. É uma estratégia de educação que associa au-mento do conhecimento com mudança da prática profissional. É um méto-do para aprender e para mudar. É preciso conjugar melhor a aprendizagem individual, a coletiva e a organizacional e investigar o que verdadeiramente muda a conduta dos profissionais.

3.5. Mortalidade infantil em São Luis, Maranhão

Antônio Augusto Moura da Silva10

Em São Luis a mortalidade infantil não se reduziu de 1979 a 1996, a mortalidade neonatal apresentou tendência de alta e a mortalidade pós-neonatal diminuiu pouco (Ribeiro e Silva, 2001). Esses resultados parado-xais se deveram provavelmente à melhora na notificação dos dados, histo-ricamente deficientes. Entretanto, após a universalização da notificação, já se registra queda na mortalidade infantil: usando-se a estimativa indireta, a mortalidade infantil em São Luís decresceu 52%, de 34,0 por mil em 1994 para 16,4 por mil em 2003. A redução foi mais expressiva para o compo-nente pós-neonatal (59%) do que para o neonatal (47%). Entre janeiro e junho de 2004 foram investigados 154 óbitos infan-tis, por amostragem, e as causas evitáveis detectadas foram:

• Falhasnoatendimentoaotrabalhodeparto(óbitoporasfixiape-rinatal, por aspiração meconial, por trabalho de parto prolongado, por tocotraumatismo e por circular de cordão).

• Retardonoatendimentodealtoriscoefaltadevagasnasmater-nidades, com peregrinação das mulheres em busca de leito.

•Anomaliascongênitassemdiagnósticoe/outratamento,amaio-ria por cardiopatias congênitas que vieram a óbito por falta de serviços cirúrgicos.

• Faltadeestruturanasunidadesdeemergênciaeinternaçãoparadar suporte pós-alta da UTI neonatal aos recém-nascidos de baixo peso.

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3.6. Mortalidade infantil e perinatal evitável

Alicia Matijasevich11

Os dados acerca da mortalidade perinatal e infantil do estudo da coorte de Pelotas (1982, 1993 e 2004), estão sintetizados nas Tabelas 1 e 2.

1982 1993 2004

Mortalidade (coeficiente por 1.000)

Fetal 16,1 10,5 9,6

Neonatal precoce 16,4 11,7 9,0

Perinatal 32,2 22,1 18,5

Momento dos óbitos fetais (coeficiente por 1.000)

Anteparto 13,1 6,0 8,4

Intraparto 2,5 3,6 0,7

Desconhecido 0,5 0,9 0,5

Causa da morte perinatal (coeficiente por 1.000)

Anterparto 13,1 6,0 8,4

Malformações 2,3 2,5 2,0

Imaturidade 7,3 3,9 5,7

Asfixia 4,5 8,3 1,4

Outras causas 5,0 1,4 1,0

Mortalidade em menores de 2.500 g (coeficiente por 1.000)

Fetal 87,1 28,6 59,9

Neonatal precoce 127,0 80,2 73,1

Perinatal 203,0 107,0 129,0

Mortalidade em maiores ou iguais à 2.500 g (coeficiente por 1.000)

Fetal 8,1 2,3 2,6

Neonatal precoce 4,8 2,3 1,8

Perinatal 12,9 4,6 4,5

Mortalidade perinatal conforme renda familiar (óbitos por 1.000)

≤ 1 SM 46 33 22

1,1 SM – 3 SM 34 22 21

3,1 SM – 6 SM 21 20 14

6,1 SM – 10 SM 21 18 8

≥ 10 SM 12 5 5

Tabela 1 - Mortalidade perinatal nas 3 coortes de Pelotas, 1982, 1993 e 2004.

1982 1993 2004

Mortalidade perinatal conforme renda familiar e peso ao nascer (óbitos por 1.000)

≤ 3 SM e < 2.500g 204 126 135

≤ 3 SM e ≥ 2.500g 16 4 5

> 3 SM e < 2.500g 182 58 113

> 3 SM e ≥ 2.500g 5 5 2

Tabela 1 - Continuação.

Pode-se observar que as melhorias ocorridas na mortalidade pe-rinatal e infantil entre 1982 e 1993 foram maiores que as ocorridas no período entre 1993 e 2004, sendo que alguns indicadores pioraram neste último período. Por exemplo, entre as causas de morte perinatal, aumentou a morte por prematuridade entre 1993 e 2004. Observam-se também de-sigualdades na mortalidade, com taxas mais elevadas entre as crianças de famílias com renda mais baixa. (1,2)

Tabela 2 - Mortalidade infantil nas 3 coortes de Pelotas, 1982, 1993 e 2004.

1982 1993 2004

Mortalidade (coeficiente por 1.000)

Neonatal 20,1 14,3 12,3

Pós-neonatal 16,2 6,9 7,1

Infantil 36,4 21,1 19,4

Causas de morte infantil (coeficiente por 1.000)

Perinatais 15,4 11,1 9,7

Malformações 4,5 4,8 1,9

Diarréia 4,2 1,7 0,2

Infecções respiratórias 4,2 1,3 3,1

Outras infecções 3 0,2 1,2

Outras causas 0,7 1,0 0

Mortalidade neonatal e pós-neonatal conforme o peso ao nascer (óbitos por 1.000)

BPN – neonatal 152 94 94

BPN – pós-neonatal 54 20 21

Não BPN – neonatal 6 4 3

Não BPN – pós-neonatal 12 12 5

3. Oficina II: Evitabilidade de óbitos infantis e perinatais

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Tabela 2 - Continuação

1982 1993 2004

Mortalidade infantil conforme a renda familiar (óbitos por 1.000)

≤ 1 SM 80 33 32

1,1 SM – 3 SM 34 25 19

3,1 SM – 6 SM 17 11 18

6,1 SM – 10 SM 20 12 4

≥ 10 SM 13 5 0

Como resultado dos trabalhos de pesquisa realizados em Pelotas, especialmente as coortes de nascimento e o respectivo acompanhamento dos coeficientes de mortalidade infantil, que se mantinham superiores à média do estado nos últimos anos, estabeleceu-se uma parceria entre o Programa de Pós-Graduação em Epidemiologia da UFPel e a Secretaria Estadual e Municipal da Saúde. Esta parceria impactou positivamente na mortalidade infantil da cidade, obtendo-se uma redução significativa da mortalidade infantil. No ano 2007, pela primeira vez, a mortalidade da cidade de Pelotas ficou abaixo da mortalidade infantil do Estado (12.3 vs 12.7 por mil nascidos vivos em Pelotas e no estado de Rio Grande do Sul respectivamente).

Referências bibliográficas

Santos IS, Menezes AM, Mota DM et al. Infant mortality in three popula-tion-based cohorts in Southern Brazil: trends and differentials.Cad Saude Publica 2008; 24 Suppl 3: S451-60.Matijasevich A, Santos IS, Barros AJD et al. Perinatal mortality in three population-based cohorts from Southern Brazil: trends and differences. Cad Saude Publica 2008; 24 Suppl 3:S399-408.

3. Oficina II: Evitabilidade de óbitos infantis e perinatais

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4. Oficina III: Experiências de redução da mortalida-de materna

Data e hora:21 de agosto, das 8h às 12h

Coordenação:Regina Viola (Coordenadora de Saúde da Mulher do Ministério da Saúde)

Expositor:Vânia Muniz Néquer Soares (Comitê Estadual de Prevenção da Mortalidade Materna do Paraná)

Debatedores externos:Sandra Valongueiro (Comitê Estadual de Estudo da Mortalidade Materna de Pernambuco)Rosângela Durso (Comitê Municipal de Prevenção da Mortalida-de Materna de Belo Horizonte)

Participantes do debate:Ana Cristina Tanaka (Universidade de São Paulo); Carlos Sen-ra (Hospital Municipal Odilon Behrens); Daphne Rattner (Área Técnica de Saúde da Mulher do Ministério da Saúde); Denise Kattah (Hospital Sofia Feldman); Esther Vilella (Política Nacional de Humanização do Ministério da Saúde); Márcia Rovena (Secre-taria Estadual de Saúde de Minas Gerais); Marcos Dias (Instituto Fernando Filgueiras da Fiocruz); Marli Vilela Mamede (ABEN-FO Nacional); Miriam Leão (Centro de Parto Normal David Ca-pistrano); Regina Viola (Área Técnica de Saúde da Mulher Mi-nistério da Saúde); Simone Diniz (Universidade de São Paulo); Sônia Lansky (Coordenadora da Comissão Comissão Perinatal da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte); Virgínia Fer-reira (Secretaria Municipal de Saúde e Hospital Sofia Feldman).

4.1. Trajetória dos Comitês de Prevenção da Mortalidade Materna do Paraná

Vânia Muniz Nequer Soares12

Os Comitês Estadual e Regionais de Prevenção da Mortalidade Materna no Paraná foram implantados entre 1989 e 1990, após o “I Semi-nário Estadual sobre Mortalidade Materna no Estado”, realizado em 1988 com o apoio do Ministério da Saúde. Hoje o Paraná conta, além do Comitê Estadual de Prevenção da Mortalidade Materna (CEPMM-PR), com 22 comitês regionais, 217 comitês municipais e 30 comitês hospitalares. Todos os 399 municípios do estado realizam, a partir da Vigilância Epidemiológi-ca, a investigação do óbito materno. Os objetivos dos comitês são: contribuir para redução da mortali-dade materna; corrigir a sub-notificação; avaliar a assistência à saúde ma-terna, exercendo o controle social; subsidiar as políticas públicas e ações de intervenção; contribuir para a melhoria da qualidade da assistência e da informação. O CEPMM-PR tem mais de 30 membros entre os quais se in-cluem universidades, conselhos e associações profissionais (CRM, Coren, Abenfo, Aben, Associação Médica, SOGIPA) e movimento social (Rehu-na, Rede Feminina de Saúde, Rede de Mulheres Negras, etc.). O Comitê está sediado no Departamento de Epidemiologia da Secretaria Estadual da Saúde, as reuniões são mensais, com cronograma anual, e é financiado com recursos do VigiSUS. As ações desenvolvidas pelo CEPMM-PR podem ser agrupadas em quatro grupos: vigilância epidemiológica dos óbitos; educação, infor-mação e divulgação; normatização; e assessoria. Entre as ações de Vigilância Epidemiológica do CEPMM-PR es-tão: criação da rede de vigilância dos óbitos maternos nos 399 municípios do estado, com definição do fluxo de encaminhamento das informações e elaboração do banco de dados; correção do SIM; investigação de todos os óbitos de mulheres em idade fértil (cerca de 3.000/ano); e elaboração dos “estudos de caso de óbitos maternos”, nos quais cada óbito é sintetizado pelo comitê, analisado pelas câmaras técnicas que define a causa do óbito e devolvido aos serviços de origem.

12Mestre em Enfermagem em Saúde do Adulto pela Universidade Federal de Santa Ca-tarina. Professora da Universidade Tuiuti do Paraná. Enfermeira sanitarista na Secretaria de Estado da Saúde do Paraná.

4. Oficina III: Experiências de redução da mortalidade materna

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A segunda ação mais importante da CEPMM-PR são as educa-tivas, informativas e de divulgação. Nesse sentido, têm sido realizados os Seminários anuais dos comitês do estado e o apoio à capacitação e atua-lização dos profissionais em humanização da assistência ao parto, direitos e saúde sexual e reprodutiva, redução de cesáreas desnecessárias, pré-natal de qualidade e assistência às emergências obstétricas. Outras atividades são: a instituição do Dia Estadual de Prevenção da Mortalidade Materna (28 de Maio); a divulgação de relatórios, bibliografia e estudos de caso para os membros dos comitês, entidades profissionais, mídia, universidade e Secretarias Municipais de Saúde; a elaboração de materiais educativos (folders diversos, cartaz com protocolo para tratamento de hemorragias, kit eclâmpsia com maleta de emergência, cartaz e cartilha); a criação do boletim “Vigiar para Proteger” (no momento suspenso por falta de apoio político e financeiro); bem como a produção de estudos para apresentação em eventos científicos e publicação em periódicos. Entre as ações normativas desenvolvidas, citamos a elaboração do protocolo de condutas para hemorragias obstétricas, acompanhamento e tratamento de gestantes hipertensas e o manejo da eclâmpsia. Foram ela-boradas, também, resoluções aprovadas pelo Conselho Estadual da Saúde, como o direito ao acompanhante e à humanização do parto. As ações de assessoria contemplam a participação na elaboração dos planos Estadual (Protegendo a Vida) e municipal de redução de mor-talidade materna (Programa Mãe Curitibana). Também foi criado o “kit-eclâmpsia”, que continha uma maleta de emergência com chek list e pro-tocolo para o atendimento dos casos nas maternidades. O CEPMM-PR também atua na assessoria, no apoio e no fortalecimento dos comitês re-gionais e municipais. Por fim, elabora propostas de ações estratégicas para a redução da mortalidade materna que são apresentadas anualmente ao gestor estadual. Os dados do CEPMM-PR, entre os anos de 1991 e 2006, mostram uma redução, não linear, dos óbitos maternos de 86 por 100.000 nascidos vivos para 64 por 100.000 nascidos vivos. Por outro lado, a sub-notificação do óbito materno permanece em torno de 40%, mantendo-se o fator de correção em 1,7. As principais causas de óbito continuam sendo as obsté-tricas diretas – principalmente hipertensão, hemorragias e infecção – res-ponsável por 70% dos óbitos de 2006. Setenta e seis por cento dos óbitos de 2006 eram evitáveis. Quando se considera a definição da responsabilidade pelos óbitos maternos, em 2006, 71% dos óbitos maternos foram atribuídos

BiênioÓbitos

maternosDHEG Hemorragias Aborto

Infecçãopuerperal

Outras causas

N RMM % RMM % RMM % RMM % RMM % RMM

1990-1992 518 103 23,4 24,0 16,0 16,5 8,7 8,9 8,5 8,7 43,4 44,6

1993-1995 515 91,7 23,9 21,9 10,1 9,3 6,2 5,7 8,2 7,5 51,7 47,4

1996-1998 445 77,3 17,8 13,7 15,1 11,6 4,7 3,6 7,4 5,7 55,1 42,5

1999-2001 375 70,5 18,9 13,3 16,3 11,5 7,5 5,3 6,4 4,5 50,9 35,9

2002-2004 297 61,7 16,8 10,4 15,5 9,6 4,7 2,9 9,1 5,6 53,9 33,3

2005-2006 199 63,5 17,1 10,9 13,6 8,6 7,0 4,5 11,1 7,0 51,3 32,6

Redução total % 38,2 54,8 47,7 49,9 19,5 27,0

Redução anual % 2,2 3,2 2,8 2,9 1,1 1,6

Redução até 2015 (%) 36,8% em 9 anos

Redução anual necessária 4% ao ano

Taxa esperada 39,8/100.000 NV

Tabela 1 - Evolução da mortalidade materna no Paraná, por triênio, de 1990 a 2006.

à assistência médica ou hospitalar, 34% poderiam ser evitados com melho-rias no pré-natal e 30% com melhorias na atenção hospitalar.

Os dados levantados pelo CEPMM (tabela 1) e as sugestões das estratégias de intervenção foram apresentados ao Secretário Estadual da Saúde mostrando a evolução das taxas por triênio. A maior redução foi em doenças hipertensivas, mas para atingir as metas do Pacto Nacional de Redução da Mortalidade Materna, de 39,8 óbitos por 100.000, é preciso reduzir a RMM em 37% em 9 anos, ou seja, 4% ao ano. Segundo a Organização Mundial de Saúde (2004), identificar os determinantes da mortalidade materna e agir positivamente na busca de resultados é mais importante do que saber apenas o nível preciso de mag-nitude da mortalidade materna, ou seja, é necessário saber quantas mortes maternas ocorrem, mas é muito mais relevante saber porquê morrem e de-finir estratégias para redução dessa mortalidade. Ainda segundo a OMS, há quatro grupos determinantes da mortalidade materna: desconhecimento das mulheres sobre a necessidade de cuidados durante a gravidez, falta de serviços, dificuldade de acesso a serviços de qualidade e cuidados inade-quados ou prejudiciais. No Paraná, podemos afirmar que os determinantes ainda se concentram em dificuldade de acesso a serviços de qualidade e cui-dados inadequados ou prejudiciais, dada a elevada evitabilidade dos óbitos.

4. Oficina III: Experiências de redução da mortalidade materna

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Caso exemplar são os óbitos por Doença Hipertensiva Específica da Gravidez, que somaram 56 casos entre 2003 e 2005, todos evitáveis. En-tre esses casos, 52% das mulheres não foram submetidas à sulfatação, que é o protocolo de eleição definido pelo Ministério da Saúde. Por outro lado, verificou-se o uso de uma grande variedade de outros anti-hipertensivos (metildopa/aldomet em 36 casos, adalat/nefidipina em 26 casos, captopril em 6 casos e hidralazina em apenas 4 casos). Também são usados diversos tranqüilizantes e anticonvulsivantes (diazepan, neozine/levopromazina, hi-dantal e haldol), bem como hemoderivados em 49 casos e antibióticos em 29 casos. Em suma, considerando a mortalidade materna por hipertensão na gestação, os principais determinantes estão relacionados com cuidados inadequados e dificuldades de acesso a serviços especializados de referên-cia para atenção a gestação de alto risco. Entre as medidas de prevenção incluem-se: monitoramento do uso de protocolos de tratamento consa-grados cientificamente e recursos para sua efetiva execução; implantação dos comitês hospitalares de morbi-mortalidade materna com o objetivo de avaliar a assistência, apoiar os casos graves (near miss), identificar e corrigir possíveis falhas no cumprimento dos protocolos do Ministério da Saú-de; estabelecimento de chek list, com passos do diagnóstico e tratamen-to da DHEG; criação de um “disque emergências obstétricas” para apoio, orientações e esclarecimento de dúvidas a profissionais com casos graves de DHEG. Considerando a melhoria da assistência à saúde materna, as princi-pais recomendações são:

• Estimularasuniversidadespúblicaseprivadasaadotarempro-tocolos aprovados pelo Ministério da Saúde e pela Febrasgo, dis-seminando as evidências científicas da boa prática obstétrica na formação profissional.

•Qualificaremonitoraropré-natal,comrealizaçãodebuscaativados casos de risco e acesso ao planejamento familiar imediato no pós-parto.

•Mudaromodeloobstétrico,comreduçãodecesáreasdesneces-sárias e realização de parto normal por profissionais capacitados e credenciados.

• Implantarpolíticasdehumanizaçãodopartonoshospitaispú-blicos, com prazos definidos, exigindo profissionais qualificados

para acompanhar partos normais.•Criarcampanhaspermanentesdeincentivoaopartonormal.• Promoverotreinamentopermanenteeobrigatórioparaospro-

fissionais no atendimento das emergências obstétricas.• Implantarserviçoseficienteseresolutivosparaoatendimentoda

gestação de alto risco.•AcompanharaimplementaçãodaRDC36daAnvisa,quedis-

põe sobre o funcionamento dos serviços obstétricos.•Divulgaregarantirosdireitossexuaisereprodutivos.

Os principais desafios e recomendações para os comitês seriam: co-laborar para implantação da Portaria 1.119 /08 que regulamenta a ação da Vigilância Epidemiológica na investigação do óbito materno; criar comis-sões de controle de qualidade das maternidades e auditoria dos serviços com recorrência de óbitos maternos evitáveis; ter garantida a autonomia dos comitês de prevenção de morte materna e seu exercício de controle social; realizar a vigilância da morbidade hospitalar (near miss); contribuir para a identificação dos reais determinantes da morbi-mortalidade mater-na e estabelecer parcerias para seu controle.

Referências bibliográficas

Organização Mundial de Saúde. Beyond the Numbers: Reviewing Mater-nal Deaths and Complications to Make Pregnancy Safer. Geneva: WHO, 2004.

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4.2. A experiência do Comitê Estadual de Pernambuco no enfrentamento da mortalidade materna

Sandra Valongueiro13

O Comitê Estadual de Estudos de Mortalidade Materna (CE-EMM-PE) foi criado em 1991 a partir de uma articulação entre o Depar-tamento de Epidemiologia da Secretaria Estadual de Saúde, representantes do movimento de mulheres e de professores das faculdades de medicina. Ou seja, o Comitê de Pernambuco já se iniciou com a participação do movimento de mulheres e com um “pé” dentro da epidemiologia. As ações técnicas e políticas do Comitê vêm sendo estruturadas com base em quatro dimensões da mortalidade materna: a magnitude, a subinformação, a evi-tabilidade e, mais recentemente, a violação dos direitos humanos das mu-lheres. Desde 2000 o Comitê mantém uma coordenação colegiada, sem a figura do presidente, que atualmente é formada pelo movimento feminista, a Saúde da Mulher da SES-PE e a Sociedade de Ginecologia e Obstetrícia de Pernambuco. Em 1995, a Portaria Estadual 087/1995 regulamentou as ativida-des do Comitê e definiu a obrigatoriedade da notificação e investigação dos óbitos de mulheres em idade fértil pela Vigilância Epidemiológica. Desde 1991 o Comitê definiu que não era seu papel investigar o óbito, que é uma atividade e atribuição da Vigilância Epidemiológica. Por isso, toda a ener-gia do Comitê foi dirigida na capacitação dos técnicos da Vigilância Epi-demiológica dos municípios do estado, que ocorreu durante o ano de 1997. Em 1999 foi produzido o Primeiro Relatório de Mortalidade Materna do Estado com os dados de 1997. Até 1998 o Comitê foi mais institucional. Entretanto, com a mu-dança da gestão estadual, houve um recuo na ação do Comitê porque o gestor passou a ver o Comitê como um incômodo. Nesse período, o Comitê saiu da Secretaria Estadual de Saúde e passou a atuar de forma indepen-dente. Esta foi uma fase difícil, mas também bastante profícua em termos de produção acadêmica com os dados acumulados pelo Comitê. O período de 2000 a 2008 tem sido a fase mais rica do Comitê, onde a vulnerabilida-de, a dificuldade de acesso e a má qualidade da assistência passaram a ser princípios norteadores do Comitê por serem manifestações da negação do direito à saúde e à vida.

13Doutora em Sociologia (Demografia Social) pela Universidade do Texas, Austin. Médica do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco. Pesquisadora do Pro-grama de Pós-graduação em Saúde Coletiva da Universidade Federal de Pernambuco.

Em 2002 ocorreu o Caso Barreiros, onde 5 gestantes de uma mesma cidade da região metropolitana do Recife morreram em um curto espaço de tempo. A partir deste caso, denunciado pela comunidade, foi elaborado um relatório para a Plataforma DHESC (Direitos Humanos Econômicos, Sociais e Culturais) e estabelecida a parceria com Ministério Público Esta-dual. Atualmente, além do Comitê Estadual, Pernambuco tem ainda 4 Comitês regionais (2 no Sertão e 2 no Agreste) e 6 comitês municipais, lo-calizados nos grandes municípios da região metropolitana do Recife. Essa distribuição sobrecarrega o Comitê Estadual, pois todas as questões que poderiam ser resolvidas no nível local acabam sendo transferidas para o nível estadual. Apesar de todos os municípios do estado terem pactuado notificar e investigar os óbitos de mulheres em idade fértil, persistem pro-blemas, principalmente com relação à qualidade da investigação. Apenas Recife consegue investigar todos os óbitos de mulheres em idade fértil. Pernambuco tem cerca de 3.000 óbitos por ano de mulher em idade fértil, e um aumento crescente ao longo dos anos no número desses que vêm sendo investigados. O Grupo Técnico do CEEMM-PE discute semanalmente os óbi-tos maternos (declarados e presumíveis) ocorridos onde não há comitês e valida a discussão dos Comitês regionais e municipais. A partir da conclu-são dos casos, é efetuada a reclassificação do óbito em materno/não-ma-terno e obstétrico/não-obstétrico (morte por causas externas, mantidas em um banco paralelo para estudos). Também é definida a evitabilidade, sendo que o CEEMM-PE não considera o fator “responsabilidade da mulher”, pois entendemos que enquanto não se melhorar a qualidade do acesso e da assistência ao pré-natal e parto, não se pode dizer que a mulher é respon-sável pela própria morte. Desta forma, o CEEMM-PE trabalha com três fatores de evitabilidade: os institucionais, os profissionais e os sociais. Quando são identificas falhas na assistência, e geralmente elas exis-tem, as recomendações do Grupo Técnico são encaminhadas pelo Comitê aos gestores municipais, aos profissionais de saúde, ao Conselho Estadual de Saúde, aos Conselhos Regionais de Medicina e de Enfermagem e ao Ministério Público. Ainda há uma dificuldade em definir os critérios para identificar os casos que devem ser encaminhados ao Ministério Público, já que o Comitê não tem papel de denúncia. Mas esta parceria já tem rendido resultados, como no caso do fechamento de uma maternidade pela vigilân-cia sanitária onde houve a morte de uma jovem na sala de parto porque o

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médico obstetra fez a anestesia e a cesárea. Outra atividade do Comitê tem sido discutir as atribuições da Vi-gilância Epidemiológica e do Grupo Técnico do CEEMM-PE, bem como a insuficiência de Comitês Regionais e municipais em cidades com popula-ção acima de 100 mil habitantes, a falta de capacitação técnica das equipes de investigação municipais /regionais e dos profissionais do Programa de Saúde da Família, a dificuldade de acesso aos prontuários e a definição de prazos para recebimento das investigações dos municípios e sua devolução (feed-back). O CEEMM-PE tomou a decisão de trabalhar com a Razão de Mortalidade Materna Total (RMM Total), ou seja, a mortalidade precoce e tardia, para não deixar de fora as mortes que ocorrem pouco tempo após o prazo definido de 42 dias pós-parto. Pode-se perceber que a mortalidade precoce recuou mais do que a mortalidade total, que apresenta uma tendên-cia de estabilidade. Comparando as RMM brutas (declaradas) e corrigidas (investigadas), observa-se que a sub-informação se mantém nos patamares de 36 a 40%, provando a necessidade da investigação contínua.

1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006

RMM total bruta*

60,2 55,2 57,1 50,8 54,8 50,6 53,4 56,1 52,2 60,3

RMM total corrigida

88,3 80,6 71,7 64,3 67,0 72,4 81,1 80,0 71,0 81,1

RMMprecoce 86,3 74,4 62,0 61,2 63,4 62,2 67,2 73,0 64,0 75,5

Tabela 1 - Razão de Mortalidade Materna em Pernambuco, 1997-2006.

Fonte: Comitê Estadual de Estudos de Mortalidade Materna

No período 2004 a 2006, foram 343 óbitos maternos em Pernam-buco, sendo 20,7% por hipertensão e eclâmpsia e 15,5% por hemorragias. Importante chamar a atenção para 6% de óbitos por embolia, todos rela-cionados com falta de cuidados adequados após a cesárea, como a deambu-lação precoce, principalmente no interior do estado. As mulheres que morrem são, em sua maioria, mulheres de baixa renda, com idade entre 20-30 anos, agricultoras e domésticas, negras (par-das e pretas) e residentes nas pequenas cidades ou na periferia das grandes cidades. A maioria fez pelo menos três consultas de pré-natal, teve parto hospitalar e 95% foram classificadas como óbitos evitáveis. O CEEMM-

PE considera três categorias de evitabilidade: evitáveis, provavelmente evi-táveis e dificilmente evitáveis. O conceito de inevitável não tem sido usado em função da dificuldade de se obter todos os dados com relação aos casos e com a ausência de necropsia para todas as mulheres. Entre os avanços do CEEMM-PE identifica-se: a determinação de que a investigação dos óbitos de mulheres em idade fértil é atribuição da Vigilância Epidemiológica, ainda em 1995; a coordenação colegiada com independência institucional; o forte papel no controle social com a presença do movimento social (de mulheres e feministas) e a parceria com o Ministério Público. Os principais problemas do CEEMM-PE estão na articulação com os municípios para a alimentação do sistema de vigilância dos óbitos de mulheres em idade fértil e na avaliação da qualidade dos dados, na falta de apoio financeiro e na dificuldade em conseguir a adesão de médicos (as). O CEEMM-PE vem transformando o caráter do óbito materno de um problema de saúde pública para uma violação dos diretos humanos das mulheres. Além disso, tem contribuído para reduzir morte materna, o que pode ser verificado por dois indicadores: manutenção da RMM apesar do aumento da cobertura das investigações e aumento relativo das causas obstétricas indiretas em relação às diretas. Ou seja, embora independente e não-institucional, o CEEMM-PE tem contribuído muito para estruturar a vigilância dos óbitos maternos e qualificar o processo de trabalho. Por fim, é preciso rediscutir o paradigma da assistência ao parto. O modelo medicocêntrico cria a necessidade da presença do médico em to-das as unidades de assistência ao parto, o que não é possível se concretizar no interior. A ausência de médicos cria uma incapacidade de resposta das redes municipais e uma centralização nos grandes centros urbanos, o que resulta em retardo do cuidado e superlotação de leitos obstétricos. Buscan-do desafogar a pressão da demanda, o sistema responde com um aumento nas taxas de cesarianas, que foi de 46% em Recife em 2006, sendo que o Hospital das Clínicas, que recebe a maioria dessas mulheres do interior, teve uma taxa de cesariana de 63%. Outra questão importante que deve ser considerada é a situação em que a regulação de leitos rompe com o prin-cípio da humanização quando define que uma mulher que mora na região norte do Estado deve passar por quatro municípios para parir na região sul.

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4.3. Morte Materna – Experiência do Comitê de Prevenção de Óbitos BH Vida

Rosangela Durso Perillo14

Belo Horizonte tem uma população de 2.424.292 habitantes, sen-do a população feminina em idade fértil de 813.127 mulheres. O número de nascidos vivos em 2007 foi 30.316, e estima-se em 24.213 o número de gestantes usuárias do SUS/ano. A cidade teve 840 óbitos de mulheres em idade fértil em 2007. Observa-se queda no número de nascidos vivos e o aumento de taxas de cesáreas ao longo dos últimos anos. O Comitê de prevenção ao óbito materno foi instituído em 1997, vinculado à Comissão Perinatal, dentro da Gerência de Regulação, mas com técnicos da Gerência de Epidemiologia. A partir de 2007, os Comitês Infantil e Materno foram unificados em um único Comitê, em uma pers-pectiva de pensar a assistência perinatal de maneira mais integralizada. Além do Comitê Central, que conta com três técnicos, há 9 Comi-tês Distritais (constituído por técnicos da epidemiologia e da assistência e representante de Centro de Saúde) e os Comitês hospitalares (ainda inci-pientes). Na vigilância do óbito materno, o primeiro passo é a identificação do óbito por meio do recolhimento diário das DO nos cartórios, separação dos óbitos de mulheres em idade fértil, separação por tipo (materno, más-cara e outros) e por Distrito Sanitário. O que tem contribuído na agilidade do processo de investigação é a Portaria municipal, que determinou a noti-ficação do óbito materno em 24 horas, via fax, diretamente para o gabinete do Secretário de Saúde e para o Comitê. Ou seja, o Comitê toma ciência do óbito antes da DO chegar. A investigação do óbito inclui entrevista domiciliar, realizada pelo Comitê Distrital e equipe dos centros de saúde e dos distritos, com levan-tamento de prontuários nos Centros de Saúde, urgências e dados de pron-tuários hospitalares, realizado pelo Comitê Distrital ou Comitês Hospita-lares, quando existentes. Desde 2001 são investigados todos os óbitos de mulheres em idade fértil, e observa-se uma oscilação no nível de declaração do óbito materno na DO permanecendo uma porcentagem importante de sub-notificação. De posse de todas as informações, os técnicos dos Distritos Sani-tários fazem um resumo do caso. Os técnicos do nível central, junto com

14Metsre em Enfermagem pela EEUFMG; Especialista em Epidemiologia em Serviços de Saúde pela UFMG. Epidemiologista da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Hori-zonte. Professora da Fundação Mineira de Educação e Cultura (FUMEC). Coordenado-ra do Comitê de Prevenção ao Óbito Materno de Belo Horizonte.

os membros do distrito, discutem o caso e fecham a causa do óbito, em reuniões quinzenais. As conclusões e os encaminhamentos resultam em um levantamento das falhas na assistência, e os casos são retornados para discussão nas unidades de saúde (centro de saúde, distrito e hospitais). A Tabela 1 mostra a proporção de óbitos maternos segundo as ca-racterísticas da mulher. A grande maioria é preta ou parda, tem baixa esco-laridade e é solteira (ou em união estável, que não consta no dado).

Características 2006 (N=20) 2007 (N=22)

Faixa etária

< 19 anos 5,2 9,0

20 a 25 anos 10,5 27,2

26 a 30 anos 42,1 22,2

31 a 35 anos 26,3 14,6

36 a 40 anos 15,8 27,3

Raça

Branca 31,6 31,8

Parda 52,6 59,1

Preta 15,8 9,1

Escolaridade

4 a 7 anos de estudo 42,1

8 a 11 anos de estudo 47,4

Mais de 12 anos de estudo 10,5

Estado civil

Casada 31,6 36,4

Solteira/separada 68,4 59,1

Ignorado - 4,5

Tabela 1 - Óbitos maternos segundo características da mulher. Belo Horizonte, 2006 e 2007.

Na grande maioria dos casos os óbitos se devem a causas obstétri-cas diretas, principalmente hipertensão e hemorragia. Entretanto, há uma grande proporção de óbitos maternos por causas externas não obstétricas (4 casos em 2006 e 7 em 2007). A RMM apresenta uma tendência de que-da, em Belo Horizonte, e foi de 42,9 por 100.000 nascidos vivos em 2007.A discussão do óbito materno precisa avançar no enfoque de risco e no conceito de evitabilidade. Com relação ao enfoque de risco, há o risco re-

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produtivo (fatores de riscos em mulheres não grávidas) e o risco obstétrico (gestante de risco), que precisam ser melhor discutidos. Em Belo Horizonte as principais falhas na assistência pré-natal que resultaram em óbito materno foram: dificuldades da UBS em aco-lher adequadamente, se responsabilizar e vincular à paciente, com falha na busca ativa; pré-natal de início tardio, com número inadequado de consul-tas e falhas no cumprimento dos protocolos de pré-natal; incapacidade de identificar gestante de risco, resultando em acompanhamento de gestante de risco na UBS e encaminhamento de risco habitual para serviços de alto risco; falta de registro de informações e não valorização das queixas. As falhas identificadas na assistência ao parto foram: demora na tomada de decisão obstétrica ou decisão técnica inadequada; não valori-zação das queixas e do quadro clínico; falta de registro de informações e transferência sem estabilização do quadro clínico. Na assistência ao puerpério, as principais falhar foram: alta precoce; demora na liberação do leito de UTI; falta de acompanhamento após a alta, principalmente de mulheres com doença de base; não realização da consul-ta de puerpério; demora no diagnóstico de alterações e falta de registro de informações. Na assistência obstétrica (pré-natal, parto e puerpério) e no plane-jamento familiar, os principais desafios no enfrentamento do óbito mater-no são fomentar a responsabilização e vínculo do serviço com a paciente, melhorar a qualidade da assistência e a capacitação profissional e realizar o planejamento familiar com abordagem do risco reprodutivo (fatores de riscos em mulheres não grávidas). Na atuação dos Comitês, muitos são os desafios. Na sua composi-ção é preciso ter profissionais com o perfil adequado, o que muitas vezes é dificultado pela falta de apoio administrativo, a alta rotatividade de pessoal e a sobrecarga de trabalho. Na operacionalização da investigação é preci-so melhorar sua agilidade e garantir o acesso aos prontuários hospitalares, principalmente dos hospitais privados. Nos encaminhamentos das análi-ses dos óbitos, é preciso avançar na classificação quanto à evitabilidade, na sistematização das reuniões com os serviços de saúde para a discussão dos casos e na divulgação dos resultados. Só assim será possível efetivar inter-venções em tempo oportuno.

5. Oficina IV: Práticas baseadas em evidências cien-tíficas no parto e nascimento: experiências no se-tor público e privado

Data e hora:21 de agosto, das 14h às 18h

Coordenação:Carlos Henrique Mascarenhas (Sociedade de Ginecologia e Obstetrícia de Minas Gerais - SOGIMIG)

Expositor:Claúdia Zouain Soares (Agência Nacional de Saúde)

Debatedores externos:Stella Safar Campos (ABRAMGE – Associação Brasileira de Medicina de Grupo e SAMP MINAS)Marcos Leite (Universidade Federal de Santa Catarina)Ivo de Oliveira Lopes (Hospital Sofia Feldman)Patrícia Pereira Rodrigues Magalhães(Hospital Risoleta Tolentino Neves)Coríntio Mariani Neto (FEBRASGO)

Participantes do debate:Alzira Jorge (Gerência de Regulação da Secretaria Municipal de Saúde); Ana Cristina Tanaka (Universidade de São Paulo); Da-phne Rattner (Área Técnica de Saúde da Mulher do Ministério da Saúde); Esther Vilella (Política de Humanização do Ministé-rio da Saúde); Marli Vilela Mamede (ABENFO Nacional); Paulo Batistuta (Universidade Federal do Espírito Santo); Sônia Lansky (Coordenação da Comissão Perinatal da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte); Zeni Carvalho Lamy (Universidade Federal do Maranhão).

5. Oficina IV: Práticas baseadas em evidências científicas no parto e nascimento: experiências no setor público e privado

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5.1. Parto Normal está no meu Plano: Movimento da Agên-cia Nacional de Saúde Suplementar (ANS) em favor do Parto Normal

Cláudia Soares Zouain15

Segundo os dados da ANS, em março de 2008 havia 1.867 ope-radoras ativas no Brasil, atendendo um público de 49.281.416 beneficiá-rios. Até 1998 o setor não era regulado. Com o advento da Lei da Saúde Suplementar e da criação da ANS, em um primeiro momento o foco da regulação foi a saúde econômica e financeira das empresas. Atualmente, o foco prioritário da regulação é a Atenção à Saúde, e espera-se que o setor suplementar da saúde seja produtor de SAÚDE, saúde entendida como intervenção em todos os seus aspectos: promoção, prevenção, diagnóstico, tratamento e reabilitação. Para tanto, é necessário induzir a configuração de modelos de atenção à saúde que sejam centrados no beneficiário, que valorizem as ações de promoção à saúde e prevenção de doenças e que ob-servem os princípios de qualidade, integralidade e resolutividade. Segundo dados do Programa de Qualificação das Operadoras, da ANS, que monitora diversos indicadores, inclusive a taxa de cesárea, obser-va-se uma tendência de aumento nesta proporção, quando era de 64% em 2003 e passou para 81% em 2006. As taxas são muito maiores do que as do setor público de saúde e elevam a média nacional. A ANS tem incentivado o desenvolvimento de Programas de Pro-moção da Saúde e Prevenção de Riscos e Doenças por parte das operadoras de planos de saúde, e trabalhado no sentido de aumentar a disponibilidade de informações nessa área. Nesse sentido, desenvolveu um questionário, a ser preenchido on-line através do sítio da ANS, com os objetivos de: co-nhecer o número de operadoras que desenvolvem Programas de Promoção e Prevenção; identificar as estratégias de Promoção da Saúde e Prevenção de Doenças implementadas pelas operadoras; coletar informações relacio-nadas à atenção obstétrica; subsidiar a elaboração da proposta de monitora-mento e avaliação dos programas; subsidiar o planejamento de mecanismos de indução à adoção de Programas de Promoção da Saúde e Prevenção de Riscos e Doenças. Ao todo 1.842 operadoras foram convocadas a responder o ques-tionário e 1.351 efetivamente o fizeram. As operadoras que responderam

concentram 96,5% dos beneficiários do setor de saúde suplementar. Des-sas, 946 responderam sobre atenção obstétrica. Os resultados preliminares mostram que:

• 59%dasoperadoraspossuemafiguradocoordenadordeatençãoobstétrica;

• 54%dasmaternidadessãoemhospitaisgerais,35%sãomaterni-dades credenciadas, 10% são maternidades dupla-porta e só 1% tem maternidade própria;

• 91%dasoperadorasdeclararampossuirequipedeplantãocomobstetra e/ou enfermeira obstetra, mas só em 9% a enfermeira obstetra realiza partos;

•A remuneração do obstetra é por procedimento ou pacote deprocedimentos em 95% das operadores e só 0,5% paga por de-sempenho;

• 58%dasoperadorasinformaramfazerolevantamentodonúme-ro de cesáreas e de partos normais realizados por obstetra e/ou por maternidade;

• 32%responderamqueinformamosobstetrasarespeitodonú-mero de cesareanas e partos normais realizados por eles;

•Apenas 8% responderam que informam as beneficiárias a res-peito do número de cesareanas e partos normais realizados pela operadora e/ou maternidade da rede;

• 82%informaramquenãoexisteincentivoparaobstetrasquerea-lizam parto normal;

•Apenas20%informarampossuirprotocolo/diretrizescritocomboas práticas para o manejo do trabalho de parto e parto.

Na área de atenção à saúde da mulher, 76% dos programas referem-se à atenção ao pré-natal, parto e/ ou puerpério e 52% referem fazer pro-gramas de incentivo ao parto normal. Na área de atenção à saúde da criança predominam programas sobre incentivo ao aleitamento materno (62%). Apesar das operados estarem investindo em programas de preven-ção e promoção da saúde, quase 50% ainda não avaliou os seus resultados. Das que avaliaram, houve 25% de redução nas internações e 22% de redu-ção nos custos assistenciais. Com esses resultados é possível afirmar que vale a pena fazer promoção e prevenção. Para 2008, as ações prioritárias da ANS estão sendo: formação de

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força-tarefa composta por representantes do Ministério da Saúde (Campa-nha pelo Parto Normal), da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres, da ANS e da ANVISA (RDC 36); formação de um Grupo Técnico para debater o problema e estratégias de enfrentamento para o setor suplemen-tar, com representantes de entidades governamentais, sociedades de espe-cialidades, e representantes de atores do setor suplementar; publicação do material “O modelo de atenção obstétrica no setor de saúde suplementar no Brasil: cenários e perspectivas”; diagnóstico dos programas desenvolvi-dos pelas operadoras, com divulgação dos resultados; elaborar e divulgar Diretrizes/Protocolos de Promoção da Saúde e Prevenção de Doenças para o setor suplementar, em parceria com a Associação Médica Brasileira, in-clusive de atenção ao parto; implementar estratégias para programas espe-cíficos no setor de saúde suplementar que qualifiquem as ações realizadas pelas operadoras, por exemplo juntar operadoras que atuam em prevenção de tabagismo com o INCA, para qualificar suas ações. Os resultados concretos só serão alcançados quando todos os seto-res da sociedade atuarem conjuntamente.

5.2. Experiência do Setor Privado

Stella Safar Campos16

A proporção de cesárea varia entre as operadoras da saúde suple-mentar, sendo que as menores taxas de cesárea ocorrem na medicina de grupo, seguida pelas cooperativas médicas (Tabela 1).

16ABRAMGE. Enfermeira de Medicina Preventiva da SAMP.

ModalidadeTotal Proporção

de cesáreasPartos Cesáreas Normais

Autogestão 4.574 3.972 602 86,8%

Autogestão patrocinada 27.710 22.968 4.742 82,8%

Cooperativa médica 457.977 351.927 106.050 76,8%

Filantropia 12.080 10.198 1.882 84,4%

Medicina de grupo 171.703 117.610 54.093 68,5%

Segmento Esp. Saúde 63.535 50.954 12.581 80,2%

Total 737.589 557.629 179.960 75,6%

Tabela 1 - Ocorrência de partos normais e cesáreas, segundo modalidade de gestão das operadoras de saúde suplementar. Brasil, 2005.

A Abramge (Associação Brasileira de Medicina de Grupo) lançou, no final de 2006, a campanha “Parto é Normal” para estimular as operado-ras no incentivo ao parto normal e reduzir em 15% a taxa de cesariana, em 3 anos. A campanha tem três frentes principais: junto aos beneficiários de planos de saúde, com trabalho educativo; junto aos médicos, com um pro-jeto de educação continuada; e junto às operadoras associadas, propondo mudanças em processos de gestão. Além disso, em 2007, a ABRAMGE concedeu o Prêmio anual de Medicina e Jornalismo – que tem o objetivo de destacar a atuação da imprensa e estimular a divulgação de assuntos das áreas médica e de saúde, contribuindo assim para melhor informar, orientar e conscientizar o público em geral – com o tema “Parto é Normal”. Entre as estratégias da ABRAMGE para educação em saúde para as usuárias está disponibilização de material informativo (folheto “10 mo-tivos para fazer um parto normal”) que pode ser enviado por correio ou distribuído no grupo de gestantes, bem como banners para sala de espera de consultórios. Para o pós-parto, foi criado um pingente que é entregue às gestantes que optaram pelo parto normal. Também são produzidas ma-

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térias para as revistas Medicina Social e ABRAMGE, publicações trimes-trais distribuídas para todo o público. Entre as estratégias de educação continuada para os profissionais está a promoção de cursos, palestras e aulas, bem como a produção de mate-riais educativos impressos. Por meio do controle do número e da indicação das cesarianas por profissional, pode-se fazer sugestões de novas condutas. Há também o incentivo financeiro, baseado no menor custo do parto nor-mal no que diz respeito à redução do custo hospitalar em função do menor tempo de internação e menor uso de equipamentos e medicamentos. Por fim, um trabalho com a auditoria permite o estabelecimento de metas, a definição dos critérios para autorização da cesárea e o monitoramento da utilização de horário noturno para cesariana eletiva, que tem por objetivo otimizar o tempo do médico. Entre as estratégias para os hospitais próprios estão: estabelecimen-to da meta de redução de 5% ao ano na freqüência de cesarianas, ou 15% em 3 anos; manutenção de equipamentos para acompanhamento do traba-lho de parto (cardiotocógrafos); instituição do partograma no acompanha-mento do trabalho de parto; e criação de salas adequadas de pré-parto, para melhorar o bem estar da gestante e garantir espaço de deambulação e para o acompanhante. Quando o hospital não é próprio, sugere-se um controle da taxa de cesárea no momento do credenciamento e um monitoramento permanente dessa taxa. No final de 2008, a ABRAMGE vai elaborar um questionário com o objetivo de avaliar a adesão das operadoras ao programa, quais as ações foram implementadas e quais resultados já foram auferidos. Os resultados dessa pesquisa serão publicados no início de 2009. A SAMP, uma operadora de medicina de grupo filiada à ABRA-MGE, adotou o Programa “Parto é Normal”. Entre as atividades realizadas pela SAMP estão: curso de gestantes com distribuição de material educati-vo; envio de material educativo pelo correio para as gestantes; proposta de elaboração de um curso para os médicos; levantamento da taxa de cesariana de cada profissional; parceria da medicina preventiva com o setor de au-ditoria e de internação; proposta de aumento da remuneração do médico; envio de materiais educativos para o profissional, inclusive o do Ministério da Saúde; pagamento do hospital por pacotes de serviços e avaliação da qualidade do hospital com monitoramento das taxas de cesáreas.

5.3. Maternidade do Hospital Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina

Marcos Leite17

Triste Época! Mais fácil desintegrar um átomo que um preconceito.

Albert Einstein

Toda verdade inédita começa como heresia e acaba como ortodoxia.

Thomas Huxley

A maternidade do HU da UFSC tem 13 anos de existência e seu principal objetivo é a mudança de modelo na assistência obstétrica. Por isso, a inauguração da maternidade foi precedida por 10 anos de discussão, por um grupo multidisciplinar, acerca da filosofia da nossa assistência. De-finida a filosofia, a rotina do serviço teve que se adaptar a ela. Essa filosofia já nasce em um paradigma que não o biomédico e que valoriza a mulher como protagonista do seu parto. Além disso, vem tentando quebrar a hie-rarquia que coloca o hospital em primeiro lugar, seguido dos médicos, e que esquece que a estrutura existe para assistir à mulher com qualidade. A maternidade recebeu o título de Hospital Amigo da Criança em 1997; o Prêmio Galba em 2000; e em 2001 foi considerada Centro de Referência da Região Sul no Método Mãe Canguru. Nessa lógica de mudança do modelo, a triagem é nosso cartão de visita e o primordial é o acolhimento das mulheres, centrado na lógica de que cada mulher é diferente, e cada parto é único. Nas nossas rotinas, o enema só é realizado a pedido, depois da informação da mulher de que não há necessidade e que pode atrapalhar o trabalho de parto. A tricotomia e a punção venosa não estão na rotina, e a dieta padrão é líquida, sendo que gradativamente vem sendo implementada a dieta livre, de acordo com o desejo da mulher. A mudança nessas rotinas não se deu sem conflitos e emblemática foi a fala de um médico na discussão sobre enema: “eu não me formei em medicina para assistir parto cheirando a merda”. Ou seja, para quebrar mitos e preconceitos, o trabalho é hercúleo. Com relação ao pré-parto, já existe um projeto arquitetônico para a criação dos quartos PPP – pré-parto, parto e pós-parto no mesmo ambien-te – um com banheira, e manutenção de apenas um ou dois leitos de pré-17Médico ginecologista e obstetra. Mestre em Saúde Pública. Integrante da ReHuNa – Rede pela Humanização do Parto e Nascimento.

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parto para gestante de risco. No pré-parto não se faz mais aminiotomia de rotina, estimula-se a presença de um acompanhante e a adoção de posições não supinas, são oferecidos métodos não farmacológicos e não invasivos de alívio da dor (acompanhante, compressas, banhos, mudança de posição, massagem, música, contrapressão). A analgesia continua sendo oferecida quando a mulher realmente demanda, não suporta a dor após oferta dos outros métodos de alívio. A atenção ao parto normal não tem como ser individual, e deve ser multidisciplinar. Entre 2002 e 2003, 16% dos partos do HU eram assisti-dos por enfermeiras, mas houve alguma dificuldade com esse modelo de assistência quando a maternidade recebeu o residente, que, regra geral, quer assistir todos os partos. Ainda com relação à assistência ao parto, as mulheres são estimu-ladas a adotar qualquer posição que lhes agrade, evitando longos períodos em decúbito dorsal. Ou seja, as mulheres são estimuladas a experimentar aquilo que for mais confortável, e suas escolhas são apoiadas, já que os prestadores de serviço devem ser treinados a assistir os partos em outras posições além da supina, a fim de não ser um fator inibidor na escolha de posições. O estímulo das posições verticais se baseia nos estudos que mos-tram as suas vantagens: diâmetros do canal de parto maiores; melhor ângu-lo de encaixe da apresentação; menor pressão intravaginal; ação da gravida-de mais favorável; não compressão dos grandes vasos maternos; contrações uterinas mais eficazes; forças de puxo maiores; melhor oxigenação e equi-líbrio ácido-básico materno e fetal; menor duração do período de dilatação e expulsivo, e menor utilização de drogas e anestesias. Como faltam estudos acerca das vantagens das posições verticais para o recém-nascido, uma pesquisa conduzida na maternidade chegou às seguintes conclusões: as condições neuro-cárdio-respiratórias dos recém-nascidos (Apgar no 1º e no 5º minuto) foram discretamente melhores quan-do a mulher assumiu a postura vertical no segundo período do trabalho de parto; os recém-nascidos de parturientes entre 15 e 20 anos de idade que assumiram a postura vertical apresentaram condição neuro-cárdio-respi-ratória significativamente superior aos dos nascidos de partos horizontais; os recém-nascidos com mais de 4.500g apresentaram pior condição neuro-cárdio-respiratória, em comparação aos de 4.500g ou menos, independente da posição adotada pela mulher no segundo período do trabalho de parto (Santos, 2007).

Na maternidade do HU, a taxa de partos em posição não supina é ascendente, passando de 1% por ocasião da inauguração da maternidade, em 1985, para 73% em 2007. Não há mais nenhum parto em posição dei-tada, no máximo ela está em posição semi-sentada. Outra mudança importante, e difícil, na assistência ao trabalho de parto foi a eliminação da episiotomia de rotina. A posição oficial da ins-tituição é de uso restrito da episiotomia com registro obrigatório da indi-cação do procedimento. Observamos que a possibilidade de uma auditoria alavancou a mudança na assistência, e uma prática que era de 40% em 1999 passou para cerca de 5% em 2007. Esta mudança em um hospital escola é muito importante, pois os residentes já saem da universidade com essa formação e espalham essa filosofia para outros serviços. Com relação ao momento para clampeamento do cordão, a rotina é que o clampeamento tardio é a forma fisiológica de tratar o cordão e o clampeamento precoce é uma intervenção que deve ter motivos para ser realizada (parto prematuro, doenças com possibilidade de transmissão ver-tical). Apesar das mudanças significativas em várias das práticas da assis-tência, persiste no HU uma taxa de cesárea em torno de 30%. Interessante observar que entre meia-noite e cinco horas da manha os partos quase não complicam, mas entre 21 e 23 horas, há um altíssimo risco de complicação, ou seja, há práticas da ordem do pessoal, mais difíceis de serem mudadas.Para terminar, Robbie Davis-Floyd nos ensina que “o útero, muito mais do que um músculo involuntário, é uma parte responsiva do todo; as atitudes racionais e emocionais da parturiente, assim como os sentimentos e ações do pai ou de outro acompanhante, afetam sua performance durante o tra-balho de parto. O corpo feminino ‘sabe’ como gerar o bebê e como parir; a mulher deve confiar neste conhecimento por pertencer a ela própria. Os sentimentos e necessidades desta parturiente, assim como os fluxos de sua experiência, são importantes e devem sobrepor-se às rotinas e procedimen-tos da instituição. Esta instituição, a ciência e a tecnologia devem estar disponíveis para servir a esta mulher, não para se sobrepujar a ela. Espera-mos desta forma contribuir concretamente para uma mudança de paradig-ma, encarando o parto e o nascimento como um momento privilegiado de fortalecimento (empowerment) da mulher que deverá ser cuidada, nutrida, amparada, e, principalmente, respeitada e celebrada!”

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Referências bibliográficas

Fraser WD, Turcot L, Krauss I, Brisson-Carrol G. Amniotomy for shor-tening spontaneous labour. Cochrane Review. In: The Cochrane Library, Oxford. 2008.Simkin PP, O’Hara M. Nonpharmacologic relief of pain during labor: sys-tematic reviews of five methods. American Journal of Obstetrics and Gy-necology 186(5): S131-S159, 2002.Gupta JK, Hofmeyr GJ. Position for women during second stage of labour. Cochrane Review. In: The Cochrane Library, Oxford. 2004.Santos PQ. Avaliação do recém-nascido segundo a postura materna no momento do parto [TCC]. Florianópolis: UFSC; 2007.WHO. Care in normal birth. Geneva: World Health Organization, 1996. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Área Técnica de Saúde da Mulher. Parto, aborto e puerpério. Assistência humanizada à mu-lher. Brasília: Ministério da Saúde, 2001.Davis-Floyd R. Birth as an american rite of passage. 1s ed. Berkley. Lon-don: University of California Press; 1992.

5.4. A experiência do Hospital Sofia Feldman

Ivo de Oliveira Lopes18

Construir nesse País uma mudança no modelo de assistência à saú-de é uma responsabilidade de todos nós, dos profissionais e das mulheres. O Hospital Sofia Feldman atende, por opção, exclusivamente ao SUS-BH. Enquanto administrador, preocupa-me o processo de institucionalização das nossas práticas, de forma que mudanças no quadro de pessoal não im-plique no fim ou na suspensão dessas práticas. O que nossas maternidades vão se tornar quando formos substituídos por outros profissionais? Sabemos que nos hospitais a autonomia dos médicos se impõe. Por isso, as mulheres e os pacientes precisam de autonomia para se contrapor a este grupo. Em busca de construir um melhor balanço de forças, o Sofia atua com uma gestão colegiada forte, que para se viabilizar precisa garantir a democracia interna da instituição, bem como o compromisso e a respon-sabilização dos profissionais. Ao abrir o hospital e comprometer todos os trabalhadores com a gestão, a autonomia exclusiva de uma categoria não se impõe na estrutura, e aumentamos a possibilidade de manter a mudança. A humanização da assistência pressupõe relações solidárias no co-tidiano dos provedores de cuidados. É necessário cuidar e valorizar o tra-balhador da saúde para que ele preste uma assistência de qualidade e hu-manizada. A humanização não se sustenta se não houver políticas para os trabalhadores da saúde. O desafio da cidadania é de toda a sociedade e foi buscando implementar essa filosofia que o hospital passou a oferecer aos seus funcionários serviços que, por não estarem previsto pelo SUS, agora nos pedem para que sejam extintos. Entre 70 e 80% de nossos trabalhadores são mulheres. Quais são os interesses delas? Como atender esses interesses? Não é fácil, mas é neces-sário. A questão não deve ser reduzida ao custo dessa opção, e sim ao seu ganho, pois são investimentos que se fazem para a valorização do trabalha-dor. Deve ser nossa preocupação prover a estas mulheres condições para que trabalhem com tranqüilidade quando têm filhos, por exemplo. Por que não cumprimos a lei de creches? Como defender a amamentação exclusiva até os 6 meses se nossas trabalhadoras são impedidas de amamentar? Foi pen-sado nisso que o hospital criou a sua creche. Por outro lado, somos trabalhadores da saúde e estamos adoecendo, ficando obesos, hipertensos e diabéticos. O Espaço “Sofia em Forma”, a 18Médico ginecologista e obstetra. Diretor Administrativo do Hospital Sofia Feldman.

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promoção de caminhadas ao ar livre e a realização de atividades laborais foram as estratégias criadas para ajudar o trabalhador a cuidar da sua saúde. O Espaço “Sofia em Forma” é uma mini-academia de ginástica que fica à disposição do trabalhador. Quando o trabalhador se vê como cidadão-usuá-rio, ele trabalha para construir um serviço melhor para todos. E, quando vai para casa, se sente comprometido com a construção da cidadania. Para a humanização também deve ser garantida a vinculação das redes básica e hospitalar, fundamental para a segurança da gestante e a ga-rantia do acesso. Não é possível mais ficar nesse jogo de empurra de res-ponsabilidades entre a assistência básica e a hospitalar; somos uma rede única que deve conversar sobre suas deficiências. A vinculação se constrói no cotidiano, por meio de contatos e visitas, bem como de oficinas e reuni-ões para a construção conjunta do diagnóstico da situação e de protocolos de atendimentos viáveis e eficazes. Nesse sentido, a vinculação da gestante com a maternidade, a partir do pré-natal, foi um passo fundamental na humanização da assistência em Belo Horizonte. Além disso, para garantir o acesso da gestante é preciso fortalecer as centrais de regulação, que devem ter o controle de todos os leitos, bem como das altas. Ainda na atenção à gestante, todas as cidades pólos das regiões me-tropolitanas e das regionais de saúde devem ter Casa de Gestantes para receber mulheres que precisam de um atendimento mais complexo longe de suas casas e que não podem ficar viajando. A manutenção do apoio às ges-tantes de risco em locais sem recurso para seu atendimento e/ou sua trans-ferência aumenta a morbi-mortalidade materna e perinatal. Não é possível um País tão rico alegar que não tem condição de manter Casa de Gestan-te! As doulas comunitárias e a presença do acompanhante de livre es-colha da mulher são práticas bastante antigas no hospital. Entretanto, ainda falta garantir o acompanhante do bebê internado na UTI neonatal, já que o SUS-/Secretaria de Saúde não reconhece esse direito, pois não há financia-mento para o acompanhante da criança internada. Ora, como uma criança de 29 semanas, toda entubada, não pode ter acompanhante? Nós temos que tomar a decisão pessoal de garantir esse direito, que é violado no cotidiano dos serviços. Isso é uma questão de humanização. Quando a mulher mora longe, ela precisa estar em um lugar próximo ao hospital para acompanhar o seu bebê internado. Se o hospital vai alugar um local, se vai comprar, como vai pagar é outra história, tem que ser garantido esse direito!

A mesma situação deve ser enfrentada para o PID-Neo, quando a mulher não reside perto do hospital. Além da carência do leito hospitalar, o seu custo é muito alto, e há um momento em que o bebê precisa ganhar peso, mas não necessariamente precisa do leito hospitalar. Quando a mulher reside no distrito sanitário do hospital, o atendimento a esse bebê é domi-ciliar. Mas e quando a mulher mora no interior? O mesmo direito deve ser garantido a ela, por meio da manutenção de um espaço próprio próximo ao hospital que a receba, junto com o seu bebê, até que possam ter a alta defi-nitiva. Muitas vezes nossos recursos são poucos e as soluções dependem de criatividade e de um olhar atento. Aprendi certa vez com um especialista em aleitamento materno que a cama do hospital era alta demais e restringia a mulher ao leito. A solução era serrar o pé das camas do hospital para que elas ficassem na altura da cama que a mulher tem em casa. Com relação ao berço para o recém-nascido, eu observava que a mulher colocava a sacola no berço, e o bebê na cama com ela. Então, era melhor eu colocar uma cama maior (de 1 metro de largura) e tirar o berço. Para caber o acompanhante no pós-parto eu tive que tirar a mesinha de cabeceira (substituída por pra-teleiras na parede) e no lugar colocar a cadeira do acompanhante. Também foi preciso inserir divisórias entre as camas no pós-parto para garantir a privacidade das mulheres. Outras ações podem ser bastante humanizadoras, como oferecer um lanche para a mulher que acabou de ter um bebê, inde-pendente da hora que for, e propiciar banho de sol para os recém-nascidos. O corte do cordão umbilical deve ser entendido como um momento de grande carga simbólica, que contribui para criar uma rede de proteção social e apoio para a criança. Ou seja, quem corta o cordão do bebê vai olhar a criança com responsabilidade: “eu cortei o seu cordão, sua história está junto da minha”. Por isso, estimulamos a participação do pai nesse momen-to, ou de outra pessoa da confiança da mulher. O parto é um evento social e biológico, que acontece em um contexto único de cada mulher, que tem sua história de vida, suas crenças, seus valores e seus desejos. Esse contexto precisa ser reconhecido, respeitado e atendido para que a mulher se torne a protagonista deste momento tão esperado. A gente tem que evoluir para saber ouvir a mulher, ter paciência e esperar. Cada nascimento é um momento especial que deve ser compartilhado com os entes queridos da mulher. Possibilitar que o nascimento ocorra em um ambiente humano, vinculante, seguro, acolhedor e prazeroso é permitir que o potencial do nascimento de mudar o mundo e construir a paz, aconteça.

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5.5. Práticas baseadas em evidências científicas no parto e nascimento: a experiência da Maternidade Risoleta Tolentino Neves

Patrícia Pereira Rodrigues Magalhães19

A maternidade Risoleta Tolentino Neves é nova, tem exatamente um ano de funcionamento, com início das atividades em Agosto de 2007, e se localiza dentro de um hospital de pronto socorro universitário, vinculado à UFMG, na região de Venda Nova, em Belo Horizonte. A idéia inicial é que o funcionamento da maternidade neste hospital seja provisório, e que ela seja transferida para o Hospital Municipal Dom Bosco, que está em fase final de reforma. O modelo de assistência da maternidade é hospitalar e considera a humanização como a legitimidade científica da medicina, ou da assistência baseada na evidência científica. A prática é orientada por revisões sistemá-ticas de ensaios clínicos randomizados. Trata-se de um modelo novo de assistência que vem sendo implantado no dia-a-dia da maternidade. A humanização do parto é realizada através do respeito à gestante, obedecendo suas preferências, e do respeito à fisiologia do parto, com uma redefinição das relações humanas na assistência, como revisão do projeto de cuidado, e mesmo da compreensão da condição humana e de direitos humanos, evitando-se imposições e intervenções desnecessárias. A assistência à gestante é multidisciplinar, realizada por equipe composta por médico obstetra, enfermeira obstetriz, residente de GOB, acadêmico de medicina, anestesiologista, neonatologista e doulas. Na ad-missão, todas as pacientes são avaliadas pelo médico obstetra, juntamente com o estudante de medicina, e a indicação de internação também é rea-lizada pela equipe médica. Após a internação, obstetras, residentes, estu-dantes e enfermeiras acompanham conjuntamente o trabalho de parto e parto das gestantes, discutindo as condutas e dividindo responsabilidades e tarefas. Encontramos ainda alguma resistência em relação ao trabalho multidisciplinar, principalmente porque a maioria dos profissionais não está habituada a trabalhar em conjunto, por não terem recebido esta for-mação em suas escolas. No entanto, estamos buscando, a cada dia, construir uma equipe integrada, com bons resultados. É importante enfatizar, neste momento, a importância do exemplo e do ensinamento deste tipo de in-

tegração aos futuros profissionais, lembrando que estamos dentro de um hospital universitário. Na assistência clínica às gestantes em trabalho de parto, foram abo-lidos da rotina o enteroclisma e a tricotomia. Realizamos o uso obrigató-rio do partograma, que estabelece a indicação para aceleração do trabalho de parto com ocitocina e amniotomia. Realiza-se monitorização fetal com ausculta intermitente e monitorização contínua do parto, com cardioto-cografia, quando necessário. Preconizamos o uso seletivo da episiotomia, embora ainda tenhamos resistência de alguns profissionais em abolir a epi-siotomia de rotina. Na assistência ao recém-nascido, há presença obrigatória de neo-natologista na sala de parto em todos os nascimentos. O clampeamento do cordão umbilical ocorre após 30 segundos, exceto nas indicações clássicas de clampeamento precoce. Realiza-se contato pele a pele imediato e efetivo da mãe com o recém-nascido, bem como amamentação na primeira hora de vida. Evita-se o uso de práticas desnecessárias para o recém-nascido normal na primeira meia hora de vida, como aspiração de vias aéreas, pesa-gem, antropometria, credê e vitamina K. Pela filosofia da maternidade, consideramos que a mulher, gestante, é a protagonista do processo de parturição, tendo autonomia para tomar decisões sobre sua saúde. A posição central da mulher no processo de nas-cimento e sua dignidade estão na sua autonomia e seu controle sobre a situ-ação. Para tanto, busca-se garantir o exercício da escolha pela deambulação, ingestão livre de líquidos e posicionamento durante o trabalho de parto e parto, com incentivo do parto em posição não litotômica. Para alívio da dor, contamos com a realização de analgesias, realizada conforme desejo da paciente, e não de rotina, além de recursos como banho, massagem, bola do nascimento, escada de Ling e banco. Ainda não contamos com banhos de imersão, banheiras. Os partos são realizados no modelo PP (pré-parto e parto), conta-mos com três salas de PP, cada uma com um banheiro individual. Estimula-mos a presença de um acompanhante durante todo o processo do trabalho de parto, de livre escolha da paciente, pois “... a presença de acompanhante contribui para a melhoria dos indicadores de saúde e do bem-estar da mãe e do recém-nascido. A presença do acompanhante aumenta a satisfação da mulher e reduz significativamente o percentual das cesáreas e a duração do trabalho de parto (Hotimski Apud Rede Nacional Feminista de Saúde e Direitos Reprodu-tivos, 2002)” .

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Por sermos um hospital universitário, relembramos o nosso com-promisso de reproduzir este modelo para nossos residentes. Nós não tive-mos essa formação, e é fundamental que acadêmicos e residentes aprendem a trabalhar e equipe multidisciplinar, a respeitar os seus colegas de trabalho e, principalmente, a respeitar a paciente gestante, vendo-a como sujeito central do trabalho de parto. Neste um ano de funcionamento (agosto de 2007 a Julho de 2008), a maternidade realizou 2.975 nascimentos, sendo 2.241 (75,33%) partos normais, e destes 1.376 (61,4%) foram assistidos por médicos obstetras e 865 (38,6%) por enfermeira obstetriz. Os médicos residentes assistem os partos tanto com médicos quanto com enfermeira, visando o aprendizado de técnicas diversas. A taxa de episiotomia ficou entre 25 e 30% e a analge-sia entre 15 e 20%, valores próximos aos preconizados pela OMS.

5.6. Experiência do Hospital Maternidade Leonor Mendes de Barros

Corintio Mariani Neto20

O Hospital Maternidade Leonor Mendes de Barros é um hospital público estadual com 64 anos de existência. É mais difícil de trabalhar em uma instituição antiga porque conceitos, costumes e tradições estão bastante arraigados. O hospital recebe residentes, é referência para gestantes de alto risco e realiza uma média de 6.000 partos por ano, sendo que entre 30 e 35% são cesáreas. Entre os fatores que podem contribuir para reduzir a cesárea em hospitais públicos com pré-parto coletivo estão: boxes individuais com cortinas, a presença de acompanhantes de parto, tanto institucionais, quanto trazidos pelas parturientes, a educação continuada do corpo clínico, o domí-nio das técnicas tocúrgicas vaginais para corrigir distócias, a sistematização de indução eletiva de parto, participação ativa de enfermeiras obstétricas e a criação do Centro de Parto Normal. Na maternidade, uma intervenção bem sucedida na redução da cesá-rea foi a implantação de protocolo para pós-datismo. O que se verificava era que, nos casos de pós-datismo, a gestante era avaliada e marcada para retor-no. Em muitos casos as mulheres voltavam com sofrimento fetal, mecônio ou óbito do bebê. O protocolo para pós-datismo estabeleceu que em gestantes com idade gestacional maior ou igual a 41 semanas completas, em caso de colo favorável realiza-se indução eletiva com ocitocina e em caso de colo des-favorável realiza-se indução com misoprostol ou dinoprostone. Em dois anos, a taxa de cesáreas nos casos de pós-datismo passou de 60 para 25%. Mas nossa menina dos olhos é o Centro de Parto Normal (CPN). Localizado fora do centro obstétrico convencional, iniciou suas atividades em 2005. Um importante objetivo do CPN é inserir este modelo na forma-ção do acadêmico de medicina e do médico residente. No fluxo assistencial da maternidade, a gestante é avaliada por en-fermeira obstétrica e residente, e em caso de baixo risco, é encaminhada para o CPN. Como o hospital é referência para alto risco, antes do CPN as ges-tantes de baixo risco eram encaminhadas para outra instituição. Agora, com o “Programa Transferência Zero”, é proibida a transferência sem justificativa prévia, e os partos normais no CPN passaram de 400, no primeiro ano, para 1.073 no terceiro ano. A instalação do CPN impactou as taxas de cesárea e de fórcipe da instituição.

5. Oficina IV: Práticas baseadas em evidências científicas no parto e nascimento: experiências no setor público e privado

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6. Mesa Redonda: Atenção Obstétrica e Neonatal

Data:22 de agosto, das 8h às 12h

Coordenadora:Sônia Lansky (Comissão Perinatal da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte)

Políticas Públicas de Atenção Obstétrica e Neonatal:Pacto Nacional de Redução da Morte Materna e Neonatal – Re-gina ViolaPolíticas Públicas na Atenção ao Recém-nascido – Elsa Regina GiuglianiPolíticas para o Setor Privado – Alexia Luciana Ferreira

A cesariana desnecessária em questão: evidências científicas e experiências das mulheres

Riscos da cesariana sem indicação precisa – Alícia MatisajevitchEstudo sobre cesarianas não desejadas – André Junqueira Caetano

6.1. Pacto Nacional de Redução da Morte Materna e Neonatal

Regina Viola21

Consideramos muito importante debater o plano de trabalho do Ministério da Saúde, já que os indicadores de resultado da atenção obsté-trica (Razão de Morte Materna e Taxas de Cesárea), no Brasil, são bastante desconfortáveis. A avaliação sistemática e permanente das políticas é fun-damental para avançarmos de forma mais ágil no processo de mudança do modelo de assistência. A Razão de Morte Materna vem se mantendo estável no País nos últimos anos, em um patamar muito alto para a nossa realidade social e econômica: em 2005, a RMM corrigida foi de 75 óbitos maternos por 100.000 nascidos vivos, sendo que nos países desenvolvidos a RMM fica entre 8 a 20 óbitos por 100.000 nascidos vivos. Também o componente neonatal da mortalidade infantil não sofreu grandes mudanças nos últimos anos, devido à sua grande relação com a atenção que é dada à mulher du-rante a gestação e o parto. Para a Comissão Nacional de Mortalidade Materna, a manuten-ção da alta RMM resulta, também, da falta de reconhecimento da morte materna como um problema social e político, além da persistência do sub-registro e da sub-informação do óbito materno e da baixa qualidade da as-sistência obstétrica e do planejamento familiar. Os acordos internacionais, principalmente a Conferência Internacional sobre População e Desenvol-vimento, do Cairo (1994), e a IV Conferência Mundial sobre a Mulher, Beijing (1995), consolidaram a concepção de que os direitos sexuais e os direitos reprodutivos são direitos humanos e que a morte materna é uma violação de direitos. Buscando dar maior visibilidade à questão e colocá-la na agenda nacional, por meio da mobilização dos diversos atores envolvidos com o tema, foi lançado o Pacto Nacional de Redução da Morte Materna e Neonatal. O Pacto é um exemplo de como as políticas públicas devem ser construídas, ou seja, de maneira coletiva e com a contribuição de uma gama ampla de parceiros. Só assim uma política pode avançar no sentido de não ser apenas uma política de governo para se tornar uma política de Estado já que, apesar dos avanços dessa gestão, o problema não será resolvido em curto prazo.

21Médica, Coordenadora da Área Técnica de Saúde da Mulher do Ministério da Saúde.

6. Mesa Redonda: Atenção Obstétrica e Neonatal

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A elaboração do Pacto Nacional de Redução da Morte Materna e Neonatal partiu da análise preliminar dos dados obtidos por intermédio dos estudos e pesquisas promovidos pela Área Técnica de Saúde da Mulher para avaliar as linhas de ação desenvolvidas, tendo destaque as pesquisas acerca do Programa de Humanização do Parto e Nascimento, das causas da mortalidade de mulheres em idade fértil e da avaliação da estratégia de dis-tribuição de métodos anticoncepcionais, entre outros. Em seguida, a Área Técnica buscou a parceria dos diferentes departamentos, coordenações e comissões do Ministério da Saúde. Um documento básico foi construído por um grupo constituído por todos os setores do Ministério da Saúde. Posteriormente, o Pacto foi discutido e consensuado em no e amplamente debatido durante o Seminário Nacional de Atenção Obstétrica e Neonatal, quando o pacto foi consensuado com representações dos diferentes atores envolvidos com o tema. O documento, então, foi submetido à aprovação da câmara técnica da Comissão de Intergestores Tripartite. De fato, as políticas públicas de saúde não podem ser implementadas sem serem anteriormente pactuadas pelos três entes federados (União, estados e municípios) que compõem o SUS. A pactuação na CIT é tanto um compromisso de implantação quanto um instrumento de controle social. Além disso, a pactuação na CIT pos-sibilitou a inclusão da redução da morte materna no Pacto pela Vida, bem como a definição do financiamento das ações, que é a expressão objetiva do compromisso com a implantação de uma política de saúde, haja visto que muitas são as prioridades de saúde no País. A partir da aprovação na CIT, diversos eventos (27 seminários es-taduais, 18 seminários municipais, 78 debates nacionais, bem como encon-tros internacionais) foram promovidos em parceria com gestores estaduais e municipais, para definir os termos de Pactos Estaduais de Redução da Mortalidade Materna e Neonatal; ou em parceria com sociedades cien-tíficas, feministas ou movimento organizado de mulheres para debater e divulgar o pacto. O objetivo do Pacto é articular ações do governo e da sociedade civil, envolvendo diferentes atores sociais na expansão e/ou qualificação da atenção às mulheres e aos recém-nascidos, visando à redução da mortalida-de materna e neonatal. Foram definidas as seguintes áreas estratégicas de atuação: planejamento reprodutivo; abortamento; humanização da atenção obstétrica e neonatal; urgências e emergências maternas e neonatais; aten-ção ao recém nato; estimular a formalização da referência e contra-referên-

cia na atenção à mulher durante a gestação; expansão e/ou qualificação de bancos de sangue; expansão da oferta de exames; redução da transmissão vertical da sífilis e HIV; redução das cesáreas desnecessárias; vigilância epi-demiológica do óbito materno e infantil; aleitamento materno; banco de leite; surfactante; saúde da mulher trabalhadora e saúde das mulheres e recém-natos negros e indígenas; saúde da mulher privada de liberdade e fortalecimento de projetos de premiação de serviços exemplares. Além de ações em todos os níveis da assistência, a política incorpo-rou como diretriz o recorte de raça e etnia. Para garantir que a iniciativa do Pacto se tornasse uma política de Estado, foi instituída a Comissão Nacional de Monitoramento e Avaliação da Implementação do Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade Ma-terna e Neonatal, que conta com cerca de 40 representantes de diferentes setores da sociedade, com o objetivo de propor estratégias de ação, diretri-zes, instrumentos legais e princípios éticos que concretizem a implementa-ção do Pacto. Uma das ações estratégicas do Pacto é a expansão e a qualificação da Política Nacional de Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos e da Po-lítica Nacional de Planejamento Familiar. Além da produção de materiais educativos (Manual de Assistência ao Planejamento Familiar, Manual do Gestor, Cartilha de Direitos Sexuais e Reprodutivos, folder de métodos anticoncepcionais, Cadernos da Atenção Básica), o Ministério da Saúde ampliou o leque de opções contraceptivas (diafragma, contracepção de emergência e injetáveis) e centralizou a compra e distribuição dos métodos, disponibilizando em 2007 para a farmácia básica dos postos de saúde cerca de 50 milhões de cartelas de pílula combinada e 4,3 milhões de ampolas de injetável mensal ou trimestral, entre outros métodos, em um investi-mento de R$ 100 milhões. Além disso, as pílulas anticoncepcionais foram introduzidas no programa Farmácia Popular com preço abaixo do preço de custo em mais de 3.700 pontos de venda. Outras ações em planejamento familiar foram: desburocratização do credenciamento e ampliação dos serviços credenciados para esteriliza-ção; liberação do teto para pagamento da vasectomia e aumento do valor de pagamento do procedimento de R$20,00 para R$108,00; desenvolvimento de campanha publicitária para esclarecimento e estímulo ao planejamento familiar; aumento da produção nacional de anticoncepcionais com criação de uma fábrica de preservativos em Xapuri, no Acre; apoio a pesquisas; e monitoramento da distribuição de insumos com avaliação de satisfação da

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usuária. Com relação à atenção obstétrica e neonatal, a mudança do modelo para a assistência humanizada é o centro das ações. Nesse contexto, conso-lidou-se a atenção humanizada ao abortamento inseguro, que é o segundo procedimento obstétrico mais realizado no SUS. Para tanto, foi elaborada a norma de atenção ao aborto inseguro e foram capacitados 1.857 profis-sionais das 457 maiores maternidades do País. Há ainda uma parceria com o IPAS Brasil22 para a capacitação de profissionais de mais de 20 estados brasileiros. Com relação ao abortamento previsto em lei, o objetivo é ga-rantir a qualidade da atenção e a ampliação da rede de serviços de atenção à violência contra a mulher – foram financiados 133 projetos para organi-zação desses serviços e a proposta da Rede Nacional de Atenção Integral às Mulheres em Situação de Violência prevê a criação de mais 270 serviços.Com relação ao pré-natal, além do fortalecimento da atuação no Programa de Saúde da Família, uma ação mais complexa que demanda o investimen-to dos municípios, o Ministério da Saúde investiu na expansão do Progra-ma de Humanização do Pré-natal e Nascimento, que atingiu a quase tota-lidade dos municípios brasileiros (5.067 municípios aderidos) e elaborou a Norma Técnica de Pré-natal e Puerpério. Com relação à humanização da assistência obstétrica, foi adota-da a estratégia de realização de Seminários Estaduais de Boas Práticas na Atenção Obstétrica e Neonatal Baseadas em Evidências Científicas (31 seminários realizados e 457 maternidades sensibilizadas), com posterior financiamento de 27 projetos de humanização elaborados a partir dos se-minários. Outras ações foram: estimular a formação de enfermeiras obs-tétricas; estimular a formação de doulas; qualificar o parto domiciliar; re-gulamentar imediatamente a lei do acompanhante no pré-parto, parto e puerpério; apoiar a criação e a avaliação de Centros de Parto Normal bem como revisar a Portaria 985/1999. Uma importante ação estratégia na hu-manização foi a elaboração da Resolução-RDC 36 pela ANVISA de 3 de junho de 2008,, que determina parâmetros de ambiência e de processo de trabalho na atenção ao parto para as organizações hospitalares. Para a redução das cesáreas desnecessárias, um indicador claro da falência do modelo atual de assistência obstétrica, foi realizado um fórum de escolas médicas sobre cesáreas, durante a II Conferência Internacional sobre Humanização do Parto e Nascimento, bem como o lançamento da campanha do parto natural, em parceria com a Agência Nacional na Saúde (ANS). Também está em construção um documento para ser pactuado na 22Organização não-governamental internacional que trabalha com os objetivos de reduzir o número de mortes e danos físicos associados a abortamentos; expandir a capacidade da mulher no exercício de seus direitos de natureza sexual e reprodutiva; e melhorar as condi-ções de acesso a serviços de saúde associados à reprodução (www.ipas.org,br).

CIT, com o objetivo de comprometer os gestores estaduais e municipais com estratégias específicas de redução da cesárea. Na qualificação do atendimento às urgências/emergências obsté-tricas, foram capacitados os serviços de atendimento móvel de urgência (SAMU) e ampliados os leitos de UTI, ultrapassando as metas estabeleci-das. Há, ainda, o projeto de levar o ALSO – Suporte Avançado de Vida em Obstetrícia – para mais de 720 profissionais de saúde. Com relação à redução da transmissão vertical de HIV/AIDS e sífilis foi lançado o Projeto Nascer, com a meta inicial de atingir 262 ma-ternidades e garantir diagnóstico e tratamento para 100% das gestantes portadoras de HIV e crianças verticalmente expostas ao HIV e à sífilis congênita, mas que acabou por atingir 1.142 maternidades. Na discussão acerca da expansão e qualificação da rede de bancos de sangue, tivemos uma importante experiência de mobilização e diálogo intersetorial, fundamental para o sucesso de qualquer política pública. Foi possível discutir internamente no Ministério da Saúde o fato de a hemor-ragia ser a segunda causa de morte materna e realizar levantamento dos municípios com maior número de morte materna por hemorragia. Foram investidos R$ 3 milhões na organização e/ou qualificação de bancos de sangue e/ou unidades transfusionais. Com relação à vigilância do óbito materno, estamos em um mo-mento singular no qual o Ministério da Saúde regulamentou a investigação epidemiológica do óbito materno, após pactuação na CIT, determinando que essa investigação é uma responsabilidade da vigilância epidemiológica dos municípios e definindo prazos com o objetivo de agilizar a disponibili-dade de dados. Como em saúde pública, sem números não há o problema, espera-se que a regulamentação da investigação pela vigilância epidemioló-gica permita aos comitês de prevenção da morte materna exercer, na pleni-tude, o seu papel de estudar os óbitos, monitorar e avaliar a implementação das políticas e propor medidas para reduzir esta mortalidade. O Pacto também avaliou como importante investir na premiação de ser-viços que possam servir como exemplos das políticas que são preconizadas pelo Ministério da Saúde, uma experiência bem sucedida com o Prêmio Galba Araújo. Foram criados os Prêmios Fernando Figueira (qualificação e humanização da atenção à criança) e Davi Capistrano (ações de huma-nização). Para oferecer atenção às mulheres e recém-nascidos negros e in-dígenas, respeitando suas particularidades étnicas e culturais, bem como o

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perfil de morbi-mortalidade destes segmentos, foram realizadas as seguin-tes ações: lançamento do Programa Nacional de Atenção aos Portadores de Anemia Falciforme; capacitação de profissionais de saúde em atenção integral a saúde da mulher índia dos distritos sanitários especiais indíge-nas; capacitação para parteiras índias e quilombolas; e criação da Comissão Nacional de Morte Materna e Infantil de Indígenas. O primeiro passo na busca do envolvimento dos diversos setores da sociedade com o Pacto Nacional de Redução da Morte Materna e Neona-tal é o de conhecer o que ele preconiza; e o Pacto é uma estratégia que se não obtiver adesão, em todos os níveis da sociedade, não conseguirá alcan-çar os resultados a que se propõe.

6.2. Políticas Públicas na Atenção ao Recém-Nascido

Elsa Regina Giugliani23

Há um compromisso político do estado brasileiro com a redução da mortalidade infantil. A evolução das taxas de mortalidade infantil mostra que, mantida a velocidade de declínio, já em 2012 será atingida a Meta do Milênio – redução de 2/3 da taxa de mortalidade infantil em 2015 com relação à taxa de 1990 (Tabela 1). O Brasil é o segundo País do mundo onde as taxas caem mais rapidamente. Entretanto, este cenário nacional guarda grandes desigualdades, sendo que a região Norte só atingirá a meta em 2018.

Tabela 1 - Taxas de Mortalidade Infantil por 1.000 nascidos vivos. Brasil e Grandes Regiões.

Tabela 2 - Taxas de Mortalidade Infantil por 1.000 nascidos vivos. Brasil, 1997 a 2005.

1990 2007 2014 Meta

Brasil 47,1 18,8 12,9 14,4

Norte 45,9 22,3 16,9 14,4

Nordeste 75,8 28,0 18,7 23,5

Sudeste 32,6 12,4 8,2 9,8

Sul 28,3 12,5 9,2 8,8

Centro-Oeste 34,3 15,8 11,7 10,7

Fonte: SVS/MS

Fonte: IBGE. Anos de 1980 a 1995, Censos Demográficos, PNAD´s e Resultados Preli-minares do Censo Demográfico de 2000. Anos de 1996 a 2005, MIX SVS-MS IBGE.

Observa-se que o componente neonatal cai menos do que a morta-lidade infantil como um todo (Tabela 2). Por isso, para acelerar esse proces-so de redução da morte infantil é preciso concentrar esforços na melhoria da atenção ao pré-natal, ao parto e ao recém-nascido.

1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005

Pós-neonatal 11,9 12,2 10,3 9,8 9,2 8,5 8,5 7,5 7,0

Neonatal precoce 15,3 14,1 14,1 13,6 13,4 12,7 12,2 11,4 10,8

Neonatal 19,4 17,9 17,8 17,3 17,1 16,4 15,8 15,0 14,1

Infantil 31,3 30,0 28,2 27,1 26,2 25,1 24,4 22,5 21,1

6. Mesa Redonda: Atenção Obstétrica e Neonatal

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Comparando os anos de 1990 e 2005, observa-se um aumento da contribuição da mortalidade por afecções perinatais (de 39,9% para 57,5%) como principal causa de óbito em menores de um ano, enquanto outras causas como diarréia (11,3% para 3,7%) e infecções respiratórias (9,9% para 4,9%) reduzem sua ocorrência. A prematuridade é a principal causa da mortalidade neonatal, sendo que a asfixia é ainda muito importante e apresenta estreita relação com a qualidade da assistência ao parto. Considerando a taxa de mortalidade infantil segundo causas evitá-veis, a maioria dos óbitos evitáveis são redutíveis com adequada atenção à mulher na gestação e no parto e ao recém-nascido. Por outro lado, as taxas de mortalidade neonatal são bastante desiguais nas diversas regiões do País, sendo que Norte e Nordeste apresentam taxas mais altas do que a média nacional (Tabela 3). Ou seja, tão importante quanto reduzir as taxas globais é reduzir a desigualdade entre as regiões.

1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005

Brasil 19,4 17,9 17,8 17,3 17,1 16,4 15,8 15,0 14,1

Norte 20,4 18,1 18,5 18,5 17,7 17,3 17,3 16,3 16,2

Nordeste 26,6 23,4 24,6 24,6 24,1 23,5 22,2 22,0 20,6

Sudeste 15,4 14,2 13,6 12,9 12,4 14,5 13,9 10,3 9,7

Sul 10,9 11,2 11,1 10,9 10,6 10,5 10,2 10,0 9,4

Centro-Oeste 15,2 14,8 14,6 14,1 14,4 13,3 13,1 12,5 11,9

Tabela 3 - Taxas de Mortalidade Neonatal, por 1.000 nascidos vivos. Brasil e grandes regiões, 1997 a 2005.

Fonte: IBGE. Anos de 1980 a 1995, Censos Demográficos, PNAD´s e Resultados Preli-minares do Censo Demográfico de 2000. Anos de 1996 a 2005, MIX SVS-MS IBGE.

As iniqüidades nas taxas de mortalidade infantil no Brasil são enor-mes. Segundo dados publicados pela Rede de Monitoramento Amigo da Criança (Um Brasil para as Crianças - A Sociedade Brasileira e os Objeti-vos do Milênio para a Infância e a Adolescência – 2004), em 2004, quando a taxa média nacional de mortalidade infantil era de 29,7 (segundo a fon-te), observou-se que as taxas são mais altas entre residentes de áreas rurais (35,2) do que urbanas (27); entre os 1/5 mais pobres (39,4) do que entre os 1/5 mais ricos (15,8); entre negros (39,4%) do que entre brancos (22,9); entre filhos de mães com até 3 anos de estudo (40,2) do que entre filhos de mães com mais de 8 anos de estudo (16,7) – fator que, isoladamente, mais contribui para a redução da mortalidade infantil; e entre residentes do

Nordeste (44,7) do que entre residentes do Sul (18,9). Um fator importante na diferença das taxas de mortalidade infantil é a cobertura da Estratégia Saúde da Família: a cada 10% de cobertura do PSF, há uma redução de 4,3 pontos percentuais na mortalidade infantil. A mesma desigualdade se repete entre crianças indígenas, que em 2004 apre-sentaram um coeficiente de mortalidade infantil de 48,6. Outro dado da desigualdade é obtido comparando-se o acesso a serviços de saúde das crianças da população 20% mais pobre com a 20% mais rica. Observa-se que 92% da população mais rica têm acesso a seis ou mais das seguintes intervenções: pré-natal, vacina anti-tetânica no pré-natal, profissional capacitado no parto, vacinas BCG, DTP e de sarampo, vitamina A e água potável, contra 48% da população mais pobre. Entre as Linhas de Cuidado Prioritárias definidas pela Área Téc-nica de Saúde da Criança e Aleitamento Materno do Ministério da Saú-de, estão: Incentivo e Qualificação do Acompanhamento do Crescimento e Desenvolvimento; Atenção à Saúde do Recém-Nascido; Vigilância do Óbito Infantil e Fetal; Prevenção de Violências e Promoção da Cultura de Paz; e Promoção, Proteção e Apoio ao Aleitamento Materno. Na Atenção à Saúde do Recém-Nascido, e as ações têm sido:

1) Atendimento humanizado ao recém-nascido de baixo peso, com expansão e fortalecimento da estratégia do Método Canguru, para o qual já foram capacitadas equipes de 329 hospitais, envol-vendo mais de 7.000 profissionais.

2) Fomento e apoio à Rede Norte-Nordeste de Saúde Perinatal, da qual fazem parte at 43 maternidades, com o objetivo de promover a melhoria das UTI Neonatais de Médio e Alto Risco e reduzir a morbi-mortalidade evitável na região Norte-Nordeste.

3) Incentivo à Iniciativa Hospital Amigo da Criança, que até março de 2008 contava com 335 hospitais credenciados, o que garante uma cobertura de 25% dos nascimentos.

4) Estímulo ao aleitamento materno na primeira hora de vida, que em 2006 apresentou prevalência de 43% no Brasil, sendo a pre-valência maior no Norte (53,6%) e Nordeste (51,4%) que no Su-deste (37,7%), Sul (35,6%) e Centro-Oeste (39,7%).

5) Fortalecimento da Rede Brasileira de Bancos de Leite Humano, a maior e mais complexa do mundo, com 192 unidades e ten-do como Centro de Referência Nacional o Instituto Fernandes

6. Mesa Redonda: Atenção Obstétrica e Neonatal

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Figueira, no Rio de Janeiro. Segundo o Sistema de Informação da RedeBLH-BR, em 2006 foram realizados 209 mil atendi-mentos em grupo e 747 mil atendimentos individuais, com 104 mil doadoras e 145 mil receptores. Mesmo com esse volume de atendimentos, em algumas regiões menos da metade dos recém-nascidos de baixo peso foram atendidos pela RedeBLH-BR.

6) Criação da Rede Amamenta Brasil, carro-chefe da atual política de promoção, proteção e apoio ao aleitamento materno, já que nunca antes houve uma política pública de promoção da educação permanente do aleitamento materno voltada para os profissionais das unidades básicas de saúde (UBS) no âmbito nacional.

7) Formação de Grupo de Trabalho em parceria com a Sociedade Brasileira de Pediatria voltado para o recém-nascido.

Novas ações já com financiamento definido e em processo de imple-mentação são: disseminação do curso de reanimação neonatal; elaboração do Manual de Transporte do Recém-nascido; elaboração do diagnóstico da assistência perinatal no Brasil; criação de Rede Nacional de Informação em Neonatologia para acompanhamento dos resultados, da qualidade e da efetividade do cuidado intensivo neonatal no Brasil; elaboração de curso de gestão clínica de Unidades Neonatais no Norte-Nordeste; implantação do AIDPI24 Neonatal nas regiões Norte e Nordeste; elaboração do Manual do Recém-Nascido, com protocolos clínicos; fortalecimento da Política Na-cional de Atenção Humanizada ao Recém-Nascido e do Método Canguru e realização de curso de reanimação neonatal para parteiras nas Regiões Norte e Nordeste. Entre as pesquisas em andamento está a de aplicação do CPAP precoce como prevenção de lesões pulmonares no período neonatal.Por fim, os principais desafios para as políticas de assistência ao recém-nascido são:

1) Criar um contexto propício à promoção da saúde neonatal com empenho político para implementar as políticas, recursos técni-cos e financeiros para as ações necessárias e o estabelecimento de prioridades nacionais visando à melhoria da saúde materna, neonatal e infantil. Nesse aspecto, é fundamental a promoção de parcerias entre governo, organismos internacionais de coopera-ção, sociedade civil, ONGs, organizações profissionais, entidades

24Atenção Integrada às Doenças Prevalentes da Infância.

científicas, iniciativa privada etc. e o aumento da visibilidade da saúde perinatal

2) Fortalecer o sistema de saúde, com garantia de acesso universal à atenção e consolidação de uma atenção contínua com enfoque holístico e integrado entre pré-gravidez, pré-natal, parto e assis-tência ao recém-nascido. Nesse aspecto, é importante melhorar as habilidades e competências dos provedores de atenção à saúde, a qualidade da atenção hospitalar ao recém-nascido e a educação pré-serviço.

3) Realizar intervenções na comunidade, com promoção de com-portamentos saudáveis por meio do fortalecimento dos Agentes Comunitários de Saúde e do PSF, bem como mobilização comu-nitária e social.

4) Criar e fortalecer sistemas de monitoramento e avaliação, com seleção de indicadores-chave prioritários e viáveis tais como: taxa de mortalidade neonatal, taxa de mortes fetais, % de partos as-sistidos por profissional capacitado, proporção de mulheres com assistência pré-natal adequada, proporção de recém-nascidos amamentados na primeira hora de vida, proporção de recém-nascidos amamentados exclusivamente no primeiro mês de vida e proporção de recém-nascidos visitados na primeira semana de vida. Também é fundamental promover o uso local dos dados e criar sistemas de vigilância.

6. Mesa Redonda: Atenção Obstétrica e Neonatal

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6.3. Parto Normal está no meu Plano: Movimento da Agên-cia Nacional de Saúde Suplementar em favor do Parto Natural

Alexia Luciana Ferreira25

Considerando os dados acerca de taxa de cobertura dos planos priva-dos de assistência à saúde no Brasil atualmente, são 49 milhões de vínculos de beneficiários, com maior concentração no Sudeste e Sul e crescimento em alguns estados do Nordeste. Observa-se que o aumento de usuários de planos de saúde é função do crescimento econômico e da inserção formal no mercado de trabalho. Por outro lado, observa-se um crescimento diferente do número de beneficiários quando se considera a modalidade da operadora de saúde, sendo que a medicina de grupo e a cooperativa médica apresentam maior crescimento e maior concentração de beneficiários. Além disso, cada uma das modalidades de organização de operadoras de planos e seguros de saúde pressupõe um tipo de relação entre operadora, prestador e beneficiário, e uma estratégia especifica de intervenção. A atribuição da ANS é regular o setor da Saúde Suplementar a partir de uma legislação recente (Lei 9656, de 03 e junho de 1998, que dis-põe sobre a regulamentação dos planos e seguros privados de assistência à saúde), enquanto as operadoras já atuavam livremente no mercado há mais de 40 anos. O quadro 1 apresenta as principais mudanças trazidas pela le-gislação. Dois anos depois, a Lei 9961, de 28 de janeiro de 2000, criou o órgão regulador, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), cuja finalida-de institucional é promover a defesa do interesse público na assistência su-plementar à saúde, regular as operadoras setoriais – inclusive quanto às suas relações com prestadores e consumidores – e contribuir para o desenvolvi-mento das ações de saúde no País. A ANS fixa as normas para constituição, organização, funcionamento e fiscalização das operadoras de produtos de planos privados de assistência à saúde incluindo seus conteúdos e modelos assistenciais. O espaço de atuação da ANS é a operadora, e não o prestador. A ANVISA pode normatizar as condições de prestação dos serviços de saúde, a ANS não. O que é possível fazer é pactuar com as operadoras que passem a exigir, cada vez mais, a qualidade dos seus prestadores.

O que é possível fazer é pactuar com as operadoras que passem a exigir, cada vez mais, a qualidade dos seus prestadores.

Livre atuação Atuação controlada

Operadoras(empresas)

Legislação do tipo societário.• Controle deficiente.•

Autorização de funcionamento.• Regras de operação sujeitas à interven-• ção e liquidação.Exigência de garantias financeiras.• Profissionalização da gestão.•

Assistência à saúde e acesso (produto)

Livre definição da cobertura assis-• tencial.Seleção de risco.• Exclusão de usuários.• Livre definição de carências.• Livre definição de reajustes.• Modelo centrado na doença.• Ausência de sistema de informa-• ções.Contratos nebulosos.•

Qualificação da atenção integral à • saúde.Proibição da seleção de risco.• Proibição da rescisão unilateral dos • contratos.Definição e limitação das carências.• Reajustes controlados.• Sem limites de internação.• Modelo de atenção com ênfase nas • ações de promoção à saúde e preven-ção de doenças.Sistemas de informações como insumo • estratégico.Contratos mais transparentes.•

Quadro 1 - Mudanças resultantes na Lei 9656, de 03 e junho de 1998 sobre a atuação das operadoras de saúde.

A ANS vem implementando estratégias de regulação assistencial com o objetivo de mudar o modelo de atenção à saúde desse setor, entre elas: instituir a qualidade como marca na Saúde Suplementar; construir o setor da saúde suplementar como pertencente ao campo da produção da saúde e não da intermediação financeira do serviço; induzir a configuração de modelos de atenção à saúde que sejam centrados no beneficiário, que valorizem as ações de promoção à saúde e prevenção de doenças e que ob-servem os princípios de qualidade, integralidade e resolutividade; integrar, cada vez mais, a agenda da ANS com a do Ministério da Saúde e da AN-VISA; e ter a qualificação da Saúde Suplementar como local de encontro dos diversos interesses do setor, de forma transparente e dialogada. Os dispositivos da ANS para promover a mudança do modelo as-sistencial são a regulação normativa (“mandar fazer”), sendo os instrumen-tos mais potentes o Rol de Procedimentos e as Diretrizes de Utilização, e a regulação indutora (“convidar a fazer”), que busca criar estímulos para a atuação da operadora: Programa de Qualificação; Acreditação de Opera-

6. Mesa Redonda: Atenção Obstétrica e Neonatal

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Tabela 1 - Panorama da atenção ao parto no setor suplementar. Brasil, 2005 e 2006.

doras e Prestadores; Programas de Promoção e Prevenção; e elaboração de Diretrizes e Protocolos Clínicos e sua disseminação. O Programa de Qualificação da Saúde Suplementar, especificamen-te, objetiva fazer uma análise da qualidade das operadoras a partir de quatro dimensões, com pesos diferenciados: atenção à saúde (50%); econômico-financeira (30%); estrutura e operação (10%); e satisfação do beneficiário (10%). O maior peso na dimensão da atenção à saúde é um reforço na mu-dança do modelo de assistência do setor suplementar, que deve produzir a saúde, e é onde deve estar o seu melhor resultado. Na dimensão Atenção à Saúde do Programa de Qualificação, os indicadores são distribuídos nas seguintes áreas de atenção: Saúde da mu-lher; Saúde da Criança; Saúde Bucal e Saúde do Adulto e do Idoso. Na área de Atenção à Saúde da Mulher e da Criança, os indicadores materno e neonatais avaliados foram: taxa de prematuridade; taxa de natimortalidade; proporção de cesarianas; taxa de internação por transtornos maternos hi-pertensivos no período da gravidez, parto e puerpério; e taxa de internação por transtornos maternos infecciosos no puerpério. Foi na avaliação desses indicadores que a taxa de cesariana se mostrou exorbitante, ou seja, 80,7% de cesarianas em 2006, taxas sem paralelo no mundo (Tabela 1). A perple-xidade frente ao indicador motivou a busca por formas de intervir nessa realidade e reduzir a cesariana desnecessária.

2005 2006

Operadoras analisadas 624 710

Beneficiárias entre 10 e 49 anos 8.190.908 9.293.880

Total de partos 376.148 390.171

Partos normais 84.646 75.228

Partos cesáreos 291.499 314.943

Proporção de cesáreas 77,5% 80,7%

Frente à pouca potência da ANS, sozinha, para intervir e mudar essa realidade, é fundamental que os gestores das operadoras se compro-metam com esta redução e que o gestor público dialogue com este setor, já que 70% da rede hospitalar que atende a saúde suplementar é a mesma que atende a saúde pública. A intervenção precisa ser conjunta, não podemos reforçar a existência de dois mundos na assistência à saúde, no Brasil. Entre

as estratégias em andamento, destacam-se:

1) A Resolução Normativa 167 que instituiu o Novo Rol de Pro-cedimentos e Eventos em Saúde, com inclusão de ações de pla-nejamento familiar (DIU, vasectomia e laqueadura); inclusão de cobertura de parto acompanhado por enfermeira obstetra; e in-clusão do acompanhante durante o pré-parto, parto e pós-parto.

2) O Programa de Qualificação introduziu melhor pontuação na dimensão Atenção à Saúde do Programa de Qualificação para a operadora que apresentar proporção de cesarianas progressiva-mente menores.

3) A mobilização social, com sensibilização de todos os atores da saúde suplementar para a redução da proporção de partos cesáre-os (operadoras de planos privados de saúde, prestadores, profis-sionais de saúde e usuários); promoção e participação de eventos para discussão ampla sobre o tema com especialistas nacionais e internacionais; divulgação de experiências exitosas de redução da proporção de parto cesáreo e iniciativas para melhoria da assis-tência materno-neonatal.

4) A criação e o lançamento da Campanha Nacional “Parto Nor-mal. Deixe a Vida Acontecer Naturalmente”, em parceria com o Ministério da Saúde, com produção de spot de televisão estrelado por Fernanda Lima, cartazes e folhetos.

5) O lançamento da Carta às Beneficiárias, atualmente em discus-são com o Conselho Federal de Medicina.

6) A Criação do Hot Site com divulgação permanente das ações da ANS em favor do parto normal (http://www.ans.gov.br).

7) A articulação interinstitucional permanente com o Ministério da Saúde, com participação no GT da ANVISA que elaborou o regulamento técnico para o funcionamento dos serviços de aten-ção obstétrica e neonatal (Resolução-RDC 36) e aproximação com gestor municipal e estadual para discutir o assunto e traçar estratégias conjuntas.

8) A constituição de Grupo Técnico com os objetivos de divul-gar os resultados de pesquisa encomendada pela ANS e realizada pela Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) sobre o assunto, apresentar a proposta da ANS sobre o movimento em favor do parto normal e redução de cesáreas desnecessárias (Parto Normal

6. Mesa Redonda: Atenção Obstétrica e Neonatal

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está no meu Plano), elaborar estratégias de ação para redução do parto cesáreo, discutir e pactuar recomendações extraídas do estudo e estabelecer parcerias e compromissos para execução das estratégias estabelecidas.

9) A produção de conhecimento por meio do financiamento de pesquisas sobre as causas e conseqüências das cesarianas no setor suplementar e sobre itinerário terapêutico na atenção ao parto, revisão sistemática sobre estratégias para redução das cesarianas, pela ENSP, e lançamento da publicação “O modelo de atenção obstétrica no setor de Saúde Suplementar no Brasil: cenários e perspectivas”.

O desafio da ANS é apoiar as operadoras de saúde na definição de estratégias que promovam a mudança do modelo assistencial e a reorgani-zação do processo de trabalho dos seus prestadores de saúde na atenção ao parto e ao recém-nascido para garantir mais partos normais e humaniza-dos.

7. Mesa Redonda: A cessariana desnecessária em questão: evidências científicas e experiências das mulheres

Data:??

Coordenadora:??

7. Mesa Redonda: A cessariana desnecessária em questão: evidências científicas e experiências das mulheres

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7.1. Riscos da cesariana sem indicação precisa

Alicia Matijasevich26

É certo que há desigualdades no aceso às cesarianas, de acordo com a renda. Ronsmans et. al (2006), estudaram 42 países em desenvolvimento, compararam as taxas de cesarianas conforme quintis de renda, mostraram que, em algumas regiões da África e Ásia, as taxas de cesariana foram me-nores do que 1% entre as mulheres pobres. Entretanto, uma taxa menor de cesariana não significa, necessaria-mente, uma pior qualidade na assistência ao parto. A questão em debate deve ser qual é a “melhor” taxa de cesariana? Alguns propõem taxas de entre 1 a 5%, estimativas baseadas na freqüência de complicações que poderiam levar à morte e morbidade severa as mães e em seus bebês. Mas, a “verda-deira” taxa de cesariana que poderia evitar as mortes maternas e perinatais é desconhecida. A mais conhecida recomendação é a de manter o limite em torno de 15%, e foi sugerida pela OMS em 1985. A questão acerca de qual é a “melhor” taxa de cesariana continua em aberto. A cesariana é uma intervenção cirúrgica para prevenir ou tratar complicações que poderiam levar à morte da mãe ou do feto/recém-nasci-do. Assim, a taxa mais apropriada deveria se associar com as mais baixas ta-xas de morbidade e mortalidade materna e perinatal. Althabe et. al (2006) estudaram a associação entre a taxa de cesariana e a mortalidade neonatal em 119 países de renda alta, média e baixa. Os resultados mostraram que, nos países de renda alta e média, um aumento na taxa de cesariana não reduz a mortalidade neonatal. Por outro lado, nos países de renda baixa, à medida que aumenta a proporção de cesárea reduz-se a mortalidade neo-natal, até um certo ponto, a partir do qual a cesariana não mais impacta tal mortalidade. Em um artigo recente e bem desenhado metodologicamente, Villar et. al (2006) construíram uma amostra estratificada em múltiplos estágios para 24 regiões geográficas de 8 países de América Latina (Argentina, Bra-sil, Cuba, Equador, México, Nicarágua, Paraguai e Peru). Foram utilizados os dados de 97.095 nascimentos de 120 instituições selecionadas ao acaso entre 410 identificadas. A taxa média de cesariana do estudo foi de 33% (maior em hospitais privados, 51%) e os resultados mostraram que – con-siderando todas as cesarianas, as cesarianas eletivas e as cesarianas intra-parto, ajustadas as variáveis de confusão – há um aumento linear do uso de

antibióticos pós-parto e da morbidade materna severa com o aumento das taxas de cesariana, bem como aumento do risco de morte fetal e do número de crianças que requereram internação na UTI por sete dias ou mais com taxas de cesarianas entre 10 a 20% ou maiores. É a primeira vez que temos uma evidência cientifica deste porte de que a cesariana desnecessária pode causar danos à saúde da mãe e da criança. Por fim, considerando que ocorrem cerca de 1,5 milhões de cesa-rianas desnecessárias por ano na América Latina, os autores estimam que dessas intervenções resultem 100 mortes maternas, 40.000 casos de morbi-dade respiratória neonatal, um incremento na mortalidade neonatal e um provável incremento na ocorrência de nascimentos pré-termos.

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Referências bibliográficas

Althabe F, Sosa C, Belizan JM, Gibbons L, Jacquerioz F, Bergel E. Cesa-rean section rates and maternal and neonatal mortality in low-, medium-, and high-income countries: an ecological study. Birth 33 (4): 270-276, 2006.Anon. Appropriate technology for birth. Lancet 2 (8452): 436-437, 1985Ronsmans C, Holtz S, Stanton C. Socioeconomic differentials in caesarean rates in developing countries: a retrospective analysis. Lancet 368 (9546): 1516-1523, 2006.Villar J, Valladares E, Wojdyla D et. al. Caesarean delivery rates and preg-nancy outcomes: the 2005 WHO global survey on maternal and perinatal health in Latin America. Lancet 367 (9525): 1819-1829, 2006.

7.2. Estudo(s) sobre parto cesáreo indesejado

André Junqueira Caetano27

O aumento dos partos cesáreos no Brasil, já vem sendo identificado há algum tempo. Entre 1970 e 1980, a proporção de cesáreas nos hospitais do INAMPS passou de 14,6 para 31% (Faúndes e Cecatti, 1991). A Pes-quisa Domiciliar por Amostra de Domicílio (PNAD), de 1981, indicava uma taxa de cesárea de 30,9% para a população geral. Quinze anos depois, a Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde de 1996 já registrava uma taxa de cesárea de 36,7% para a população geral (Perpétuo et. al, 1998). Na década de 1990 já havia dados que mostravam maior incidência entre pacientes do setor privado, de maior renda e escolaridade, bem como maior incidência nas regiões Sudeste e Centro-Oeste. No final da década de 1990, uma série de regulamentações buscou interferir nessa tendência. A Lei 9263, de 1996, do Planejamento Familiar, regulamentada em maio de 1998, estabeleceu o teto máximo de cesarianas pagas pelo SUS de forma a atingir 30% em 2000. A mesma lei incluiu no rol de procedimentos do SUS a remuneração de anestesia em partos normais. Nova regulamentação em fevereiro de 1999 proibiu a laqueadura pós-parto, com a exceção de cesarianas sucessivas e situações consideradas de risco. Entretanto, essas restrições não atingem o setor privado, onde se verificam as maiores taxas de parto cesáreo. Comparando os dados do Sistema de Informações dos Nascidos Vivos – SINASC (dados da população em geral) e do Sistema de Infor-mação Hospitalar – SIH (partos pelo SUS), entre 1998 e 2005, observa-se uma tendência de estabilidade na taxa de cesárea no setor público e um aumento nas taxas da população em geral (Tabela 1). Esta diferença entre os dois grupos de informação reflete o fato de que o que puxa a taxa de cesárea para cima é o setor privado.

27PPGCS-PUC Minas / Cedeplar/UFMG

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SINASC Variação%1998-2005

SIH-SUS Variação%1998-20061998 2005 1998 2005 2006

Brasil 37,6 42,8 13,8 28,4 28,6 30,2 6,2

Região Sudeste 46,1 51,3 11,3 34,4 32,6 34,0 -1,1

Minas Gerais 42,8 46,2 7,9 33,8 35,1 36,4 7,8

Belo Horizonte 43,4 47,2 8,9 32,3 34,0 32,6 0,8

Tabela 1 - Percentual de partos cesáreos em relação ao total de partos. Brasil, Região Sudeste, Minas Gerais e Belo Horizonte, 1998, 2005 e 2006.

Fonte: www.datasus.gov.br

Faúndes e Cecatti (1991) levantaram alguns fatores determinan-tes do aumento do parto cesáreo, que foram reclassificados por Perpéuto (1998) em dois grandes grupos: fatores relacionados com a demanda das mulheres (medo da dor no parto, parto vaginal como maior risco para a criança, parto vaginal compromete a anatomia e fisiologia vaginal, pos-sibilidade de laqueadura tubária) e fatores relacionados com a oferta dos médicos (conveniência, deficiência no treinamento obstétrico, insegurança e receio de processo por imperícia, e “as mulheres preferem parto cesáreo”). Estes fatores pautaram muito do que foi feito no campo dos estudos po-pulacionais sobre a cesariana, na década de 1990, principalmente os fatores relacionados com a demanda da mulher. Hopkins (2000), por meio de um survey realizado no pós-parto com mulheres de Porto Alegre e Natal, observou que a percepção das mu-lheres sobre recuperação pós-parto, corpo, sexualidade e dor no parto não eram consistentes com preferência pela cesárea, sendo que mais de 90% das entrevistadas preferiam o parto vaginal (controlando-se por parturição e tipo de hospital). A autora concluiu que a responsabilidade do médico na decisão pela cesárea é obscurecida pelo seu poder de enquadrar o procedi-mento como demanda da mulher ou como necessidade médica, inclusive durante o trabalho de parto. Perpétuo et al. (1998), em pesquisa sobre saúde reprodutiva da mu-lher na Região Metropolitana de Belo Horizonte, identificou que 71,2% das entrevistadas tinham preferência pelo parto vaginal, controlando-se por parturição, idade, escolaridade e tipo de hospital. A preferência pela cesárea, por parte das mulheres, estava associada à realização de laqueadura tubária, inclusive no SUS, e a existência de cesariana anterior (“uma vez ce-sárea, sempre cesárea”). Para as autoras, o componente da oferta (médicos) foi o fator determinante dos altos índices de cesárea.

Em estudo prospectivo realizado em Porto Alegre, Natal, Belo Ho-rizonte e São Paulo (Potter et. al, 2001), as mulheres foram entrevistadas três vezes: uma no recrutamento, outra um mês antes da data prevista para o nascimento e, finalmente, um mês após o parto. Os resultados mostraram que 77% das entrevistadas usuárias do setor público de saúde e 70% das usuárias do setor privado reportaram preferência por parto vaginal nas duas primeiras entrevistas. Entre multíparas com cesariana prévia, 40% tinham preferência pelo parto vaginal. A ocorrência de cesárea entre mulheres com preferência pelo parto vaginal foi muito superior nos hospitais privados: 66% das primíparas com preferência por parto vaginal em hospital privado foram submetidas à cesárea, contra 30% nos hospitais públicos. Entretanto, a decisão pelo parto cesáreo depois da admissão no hospital ocorreu em 76,8% dos casos de cesariana em hospitais públicos e 36%, em hospitais privados, mostrando a alta freqüência de cesarianas eletivas nos serviços privados de saúde. Em suma, os serviços privados apresentam altas taxas de parto cesáreo, altas taxas de cesarianas em parturientes com preferência pelo parto vaginal e altas taxas de parto cesáreo marcado antes da admissão hospitalar. Outro estudo, de Faúndes et. al (2004), realizado em 8 maternida-des públicas de São Paulo e Pernambuco com atividades de ensino e taxas de cesárea acima de 15%, entrevistou 656 mulheres durante o período de internação, após o parto e antes da alta hospitalar e 142 médicos, sendo que mais da metade desses médicos atuava tanto em instituições públicas quanto em instituições privadas. Os autores concluíram que havia uma to-tal discrepância entre os motivos que médicos percebiam como razão da solicitação do parto cesáreo pelas mulheres (medo do parto) e a opinião ex-pressa pela maioria das entrevistadas, que pretendia parto vaginal. Ao que parece, os médicos generalizam a opinião expressa pelo grupo de mulheres com preferência pela cesariana (multíparas com cesariana anterior) para as mulheres em geral. Em 2008, Potter et. al retornaram ao estudo prospectivo de 1998 procurando entender por que as mulheres, apesar de preferirem o parto normal, acabam escolhendo ou aceitando uma cesárea. Os dados mostra-ram que 63% dos partos cirúrgicos realizados em hospitais privados foram marcados com antecedência, contra 22% nos hospitais públicos. Entre as mulheres com cesárea eletiva em hospitais privados, 61,5% reportaram pre-ferir parto vaginal na segunda entrevista (um mês antes do parto) e, destas, 67,5% reportaram preferência pelo parto vaginal na terceira entrevista (pós-

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parto). Para 83,4% das mulheres com cesárea eletiva em hospitais privados, os médicos ofereceram uma razão clínica para a intervenção cirúrgica, em uma proporção implausível frente ao esperado com relação a complicações obstétricas. Os autores concluíram que os médicos não tentam influenciar as parturientes durante a gravidez, mas providenciam uma razão médica para a cesariana nas semanas ou nos dias próximos ao parto. Dados mais recentes são provenientes da Pesquisa Saúde Repro-dutiva, Sexualidade e Raça/Cor (SRSR, 2002), realizada nos municípios de Belo Horizonte e Recife, em 2002, pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar). A pesquisa coletou informações de uma amostra representativa de mulheres entre 15 e 59 anos de idade, para os dois municípios. Os resultados preliminares de Belo Horizonte mostra-ram a grande diferença na distribuição de partos cesáreos entre usuárias dos serviços públicos (29,6%) e privados (71,5%). A partir de um modelo logito binomial, comparando mulheres com parto normal versus mulheres com parto cesárea, identificou-se que a chance de uma cesárea era maior para multíparas, para usuárias do hospital privado, para mulheres sem pre-ferência pela via de parto e para mulheres que eram acompanhadas pelo mesmo médico no pré-natal e parto. Enfim, observa-se que a demanda das mulheres pela cesárea é baixa e em geral está associada com cesárea anterior e/ou com a possibilidade de laqueadura tubária. Considerando a oferta dos médicos, no setor privado se observa o poder de convencimento médico que resulta em cesarianas em mulheres com preferência pelo parto vaginal. No setor privado, os determi-nantes da oferta dos médicos pela cesárea se relaciona tanto com a conveni-ência quanto com a falta de treinamento para o parto normal. Além disso, a organização do atendimento no setor privado (individualizado), bem como a baixa remuneração do parto normal, não favorece o parto normal. No setor público, os determinantes do parto cirúrgico se relacionam cada vez mais com laqueadura devido a cesarianas sucessivas e cesárea em gestante de alto risco (Tabela 2), sendo que em Belo Horizonte o crescimento des-ses procedimentos foi mais do que o dobro do que a média nacional.

Tabela 2 - Percentual de cesarianas com laqueadura devido a cesarianas sucessivas e cesarianas em gestantes de alto risco, em relação ao total de cesarianas realizadas no SUS. Brasil, Sudeste, Minas Gerais e Belo Horizonte, 2002 e 2006.

BRASIL SE MG BH

2002

Cesariana com laqueadura por cesarianas sucessivas 1,1 1,7 1,0 3,6

Cesariana em gestante de alto risco 5,8 5,4 1,5 5,3

Total 6,9 7,1 2,5 8,9

2006

Cesariana com laqueadura por cesarianas sucessivas 2,5 3,7 2,9 5,9

Cesariana em gestante de alto risco 8,7 8,7 4,8 12,3

Total 11,2 12,4 7,6 18,2

Variação 2002-2006 em pontos percentuais 4,3 5,3 5,1 9,3

Fonte: http://www.cedeplar.ufmg.br/pesquisas/projetos-concluidos/index.php.

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Referências bibliográficas

Faúndes A, Cecatti JG. A operação cesárea no Brasil. Incidência, tendên-cias, causas, conseqüências e propostas de ação. Cadernos de Saúde Públi-ca, 7: 150-173, 1991.Faúndes A, Pádua KS, Osis MJD, Cecatti G, Souza MH. Opinião de mu-lheres e médicos brasileiros sobre a preferência pela via de parto. Revista de Saúde Pública 38: 488-94, 2004.Hopkins K. Are Brazilian women really choosing to deliver by cesarean? Social Science and Medicine 51: 725-740, 2000.Perpétuo IHOP, Bessa GH, Fonseca MC. Parto cesáreo: uma análise da perspectiva das mulheres de Belo Horizonte. In: Anais do XI Encontro Nacional de Estudos Populacionais da Associação Brasileira de Estudos Populacionais. 1998.Potter JE, Berquó E, Perpétuo IHO, Leal OF, Hopkins K, Souza MR, Formiga MCC. Unwanted cesarean sections among public and private pa-tients in Brazil: Prospective study. BMJ 323: 1155-1158, 2001.Potter JE, Hopkins K, Faúndes A, Perpétuo I. Women’s autonomy and scheduled cesarean sections in Brazil: a cautionary tale. Birth 35 (1): 33-40, 2008.

8. Mesa Redonda: Assistência no parto e nascimento: modelo humanístico e as práticas baseadas em evi-dências científicas

Data:22 de agosto, das 14h às 18h

Coordenadora:Míriam Rêgo (ABENFO / PUC Minas / Comissão Perinatal – SMSA/BH)

Expositores:Cesarianas nas maternidades do Rio de Janeiro – Marcos Dias Experiência das mulheres em rede – Ana Cristina Duarte Direitos reprodutivos e sexuais/integridade corporal no parto – Simone DinizAtenção humanizada ao recém-nascido – Zeni Carvalho Lamy

8. Mesa Redonda: Assistência no parto e nascimento: modelo humanístico e as práticas baseadas em evidências científicas

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8.1. Cesarianas nas maternidades do Rio de Janeiro

Marcos Dias28

Os dados apresentados a seguir fazem parte da pesquisa “Cesaria-nas desnecessárias: Causas, conseqüências e estratégias para sua redução”, encomendada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) para a Fiocruz e coordenada pela professora Dra. Maria do Carmo Leal. A taxa de cesariana tem sido utilizada como indicador de avaliação do modelo de atenção ao parto, e o Brasil apresenta uma taxa bastante superior aos 15% recomendados pela Organização Mundial de Saúde. O aumento das ta-xas de cesariana foi expressivo no continente americano, nos últimos anos, sendo que o Brasil apresenta taxas próximas a 40%. Entre os estados bra-sileiros, São Paulo e Rio de Janeiro ocupam, respectivamente, o primeiro e segundo lugar do País, com taxas em torno de 50%. As taxas de cesariana no Brasil estão entre as maiores do mundo e a cirurgia foi tão banalizada que em algumas organizações hospitalares ultrapassa os 80%, sem causar qualquer estranheza. O estudo foi composto por três sub-projetos e trataremos aqui dos resultados do Sub-Projeto 1, denominado “Avaliação da demanda por cesa-riana e da adequação de sua indicação em unidades hospitalares do sistema de saúde suplementar do Rio de Janeiro”. Trata-se de um estudo descri-tivo, realizado em duas unidades hospitalares da saúde suplementar, uma situada na zona norte do município do Rio de Janeiro (unidade 1) e outra, em um município da Baixada Fluminense (unidade 2). Os objetivos deste sub-projeto eram conhecer, por meio de entrevistas com as puérperas inter-nadas nestas unidades, qual a sua trajetória na escolha e definição pela via de parto operatória e avaliar a adequação das indicações de parto cesáreo. Portanto, o foco era contribuir para a compreensão dos determinantes das elevadas taxas de cesarianas, provavelmente desnecessárias. Foram entrevistadas 254 puérperas na unidade 1 e 183 na unidade 2, totalizando 437 mulheres, com um percentual de perdas de apenas 3%. A média de idade das entrevistadas foi de 28 anos, com maior proporção de adolescentes na unidade 2. Mais de 80% das mulheres apresentavam en-sino fundamental completo; entretanto, observou-se o dobro de mulheres com ensino fundamental incompleto na unidade 2 e uma proporção muito maior de mulheres com ensino superior na unidade 1. Mais de 90% das mulheres nas duas unidades referiram estar casadas ou vivendo com um

companheiro. Em relação à cor da pele, mais de 50% das mulheres se auto-declararam pardas ou negras, com maior proporção de brancas na unidade 1. Mais de 60% das entrevistadas declararam ter ocupação remunerada, fato um pouco mais freqüente na unidade 1. Quase 20% das mulheres da unidade 2 informaram uma renda familiar inferior a dois salários mínimos, enquanto na unidade 1, mais de 10% relataram renda superior a dez salá-rios mínimos. Na unidade 2, observou-se maior proporção de primigestas e primíparas. Em ambas as unidades, para aquelas com histórias de partos anteriores, verificou-se elevada proporção de cesarianas pregressas. Com relação aos dados da gestação atual, quase a totalidade das mulheres realizou sua assistência pré-natal em consultório particular. Mais de 90% delas, nas duas unidades, relataram início precoce da assistência pré-natal e realização de ultra-sonografia no primeiro trimestre gestacio-nal, indicando um padrão de assistência de nível internacional. O número de consultas também foi elevado, com quase 100% das mulheres tendo acesso a no mínimo de seis consultas de pré-natal, conforme recomendado pelo Ministério da Saúde. Com relação ao acesso à informação durante a gestação, observou-se grande diferença entre os dois grupos. As mulheres da unidade 1 relataram se sentir mais informadas sobre as vantagens e desvantagens do diferentes tipos de parto em comparação às mulheres da unidade 2. As intercorrên-cias apresentadas ao longo da gestação não foram muito diferentes entre as duas unidades. Dentre as mulheres que relataram hipertensão na gravidez nas duas unidades, cerca de 65% faziam uso de medicação para tratamento dessa patologia. Em se tratando da preferência pelo tipo de parto, foi investigada qual a preferência da mulher no início da gestação e no final da gestação, e a que tipo de parto ela foi submetida. Já no início da gestação mais de 36% das mulheres na unidade 1 e 32,8% na unidade 2 relataram preferir o parto cesáreo. Quando analisamos apenas as primíparas, a proporção de preferência por cesariana foi menor, 20 e 23%, respectivamente, nas uni-dades 1 e 2. No final da gestação, a proporção se inverteu e cerca de 70% das mulheres relataram que já havia a decisão de realização de cesariana. Na unidade 1, em quase metade dos casos a escolha pela cesariana foi da mulher, enquanto na unidade 2, na maioria das vezes, essa foi uma decisão conjunta da mulher e do médico. Quando a decisão foi apenas da mulher, os principais motivos rela-tados foram: o desejo de ligar as trompas, não querer sentir a dor do parto

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e o histórico de cesariana anterior. Quando a cesárea resultou de indicação exclusiva do médico ou de decisão conjunta do médico com a mulher, os motivos mais citados foram: presença de circular de cordão, histórico de cesariana anterior, relato de bebê grande e presença de complicações na gravidez, sobretudo a hipertensão. Finalmente, no momento do parto, a maioria das trajetórias ter-minou em parto cesáreo, independente do desejo inicial. Deve-se ressaltar, entretanto, que o número de mulheres que entraram em trabalho de parto foi muito pequeno. Foi encontrada uma proporção de 88,1% de partos ce-sáreos e 11,9% de partos normais, com distribuição semelhante nas duas maternidades, sendo que 92% das cesarianas foram realizadas eletivamente, antes da mulher entrar em trabalho de parto. Os resultados sugerem que a decisão por cesariana no final da gestação foi o maior preditor de cesariana no momento do parto. Do total de cesarianas, 37,1% ocorreram por escolha da mulher, sendo as demais por indicação médica ou decisão conjunta, sen-do que essa decisão conjunta se baseou apenas nas informações fornecidas pelo médico. Após revisão e análise dos prontuários dos partos cesáreos (eletivos ou não) com indicação médica, não foi possível avaliar a adequação da indicação em 10,2% dos casos por ausência completa de informações no prontuário, explicitando uma questão importante a ser debatida na saúde suplementar: a fragilidade do prontuário. Nos casos em que foi possível fazer a avaliação do prontuário, dois obstetras separadamente fizeram a auditoria do prontuário e, nos casos de discordância, os casos eram debati-dos conjuntamente até um consenso. Concluiu-se que 91,8% das cesáreas foram inadequadas, sendo que a principal razão para a inadequação da in-dicação da cesariana foi a ausência de uma prova de trabalho de parto – já que as mulheres não entraram em trabalho de parto – para várias condições que não se constituem indicações absolutas para um parto cesáreo, como por exemplo desproporção céfalo-pélvica ou discinesia uterina. Inclusive com relação à desproporção, apenas um dos recém-nascidos pesou mais de 4 quilos. Para as mulheres que entraram em trabalho de parto foi aplicado um escore baseado nas das recomendações da Organização Mundial de Saúde para avaliar a adequação no manejo do trabalho de parto. Avaliou-se que 64,9% das mulheres tiveram manejo inadequado do trabalho de parto, 10,4% parcialmente adequado e nenhum adequado, seja por ausência do acompanhante e/ou por dieta zero e/ou uso de ocitocina sem indicação,

entre outros. Pode-se concluir que, de fato, as mulheres não têm possibilidade de escolha e a indicação da cesárea é construída, sutil e subliminarmente, no pré-natal. Desta forma, fazer pré-natal com profissional médico é fator de risco para cesariana, risco esse que aumenta quando o mesmo profissional do pré-natal assiste ao parto. Quando o médico mede a barriga da mulher e diz “Nossa, esse bebê está enorme!”, ela sente a vibração na vagina. O médico vai paulatinamente minando a confiança da mulher no parto fisiológico. E como a cesárea é hoje um procedimento muito disseminado e comum, o médico não precisa de muito esforço para convencer a mulher a fazer uma cesariana. Por outro lado, quando se observa a baixa qualidade e a grande inadequação no manejo do trabalho de parto, a situação fica ainda mais complexa e novamente se reforça a impossibilidade de escolha da mulher no sentido de garantir uma assistência adequada no sistema privado de saúde. Não foi possível avaliar as conseqüências neonatais da cesárea, por absoluta falta de informações. O desenho de uma pesquisa nesse sentido terá que ser bem mais sofisticado, e linhas de financiamento específicas para essa abordagem devem ser criadas, já que esse conhecimento é funda-mental para posicionar adequadamente as políticas públicas de assistência ao parto. O desafio é enorme, e inclui informar e empoderar as mulheres, o que não tem sido feito durante o pré-natal, que se tornou um acompanha-mento burocrático da saúde do feto e, eventualmente, da saúde da mãe. Não há informação, discussão ou preparação para o parto durante o pré-natal. Por outro lado, apesar das evidências de que a cesárea desnecessária é um fator de risco para mães e bebês, os médicos resistem a esta evidência e indicam o procedimento justificando que estão resgatando a mulher do sofrimento e da dor de um parto animalesco, selvagem, primitivo, nojento e feio, e oferecendo em troca uma tecnologia moderna e segura. Por fim, mas não menos importante, além dos riscos, a cesariana priva a mulher da oportunidade de viver a gravidez e o parto como um momento de empo-deramento.

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8.2. Experiência das mulheres em rede

Ana Cristina Duarte29

Há várias formas de mulheres usuárias estarem envolvidas na aten-ção à saúde em geral, e ao parto em particular, sendo os mais tradicionais os movimentos feminista que lutam por seus direitos (direitos sexuais e reprodutivos) ou de mulheres pela saúde e, mais recentemente, os movi-mentos de saúde locais e Conselhos de Saúde do SUS. Por outro lado, mais contemporaneamente, há as redes de usuárias, que acontecem no mundo inteiro, denominadas de Redes Grassroots, e que na atenção ao parto foram descritas por Henci Goer. As Redes Grassroots são movimentos sociais espontâneos e naturais que se originam do agrupamento de pessoas com interesses comuns, inde-pendentemente de instituições ou organizações. O movimento apresenta grande poder de expansão, de “enraizamento”, e é extremamente beneficia-do pela internet e sua popularização. Os métodos de atuação das Redes Grassroots são vários: promoção de encontros freqüentes em casas, escolas, igrejas e espaços emprestados; realização de grandes reuniões abertas periódicas; utilização de faixas, ca-misetas, adesivos e outras formas baratas de manifestação de idéias; utili-zação intensa da internet (listas de discussão, blogs, fóruns, orkut, websites, e-mails e correntes); abordagem de pedestres em eventos e distribuição de folhetos; petições e abaixo-assinados (reais ou virtuais); formulação de fact sheets, ou “folha de fatos”, com a divulgação de números de impacto sobre o problema e a sua fonte de referência; levantamento de dinheiro; envio de cartas para os meios de comunicação; exercício dos direitos legais; e criação de novas demandas. A Rede Grassroots do Parto, no Brasil, é mais recente. Eu conside-ro que o movimento nasceu em 2000, a partir da criação de uma lista de discussão na internet sobre “Parto Natural”, com a adesão e participação crescente de usuárias. Em 2001, quatro mães em São Paulo – nenhuma delas profissional de saúde – fundaram o grupo Amigas do Parto e criaram o site www.ami-gasdoparto.com.br, que recebe 1.000 visitas diárias e é uma referência para mulheres e profissionais, e a lista de discussão “Amigas do Parto”. Em se-guida, em 2003, estruturou-se o movimento de doulas e a criação do grupo Doulas do Brasil, do GAMA (Grupo de Apoio à Maternidade Ativa) e da

ANDO (Associação Nacional de Doulas). No mesmo ano surgiram as lis-tas de discussão “Parto Nosso”, “Materna/SP” e “Doulas do Brasil”. Nesse período consolidou-se a formação de Doulas e de Educadoras Perinatais. Em 2006 é criada a Rede Parto do Princípio, com mulheres de vários esta-dos, bem como os Grupos Regionais de apoio ao parto. Dentro da Rede Grassroots do parto as mulheres vêm discutindo diversos assuntos, entre eles: taxas de cesariana; medicalização do parto e intervenções desnecessárias; medicina baseada em evidências, inclusive com uma comunidade no orkut com mais usuárias do que profissionais de saúde; casas de parto (modelo, protocolo, etc.); parto domiciliar; direito ao acompanhante sem pagamento de taxa; doulas no parto; autonomia da mulher e direito a escolhas; atendimento aos recém-nascidos (berçário de normais e intervenções desnecessárias); acesso aos serviços, incluindo os seus custos. A circulação de informações e reflexões entre usuárias é fun-damental para garantir uma relação mais igualitária entre as mulheres e os profissionais de saúde, que deixam de ser os únicos detentores daquele saber. A partir deste movimento de usuárias na discussão sobre assistên-cia ao parto, surgem vários braços, ou seja, outros grupos e movimentos de usuárias em temas relacionados com a maternidade, entre eles: os encontros anuais no Rio com a Fadynha; a Rehuna – Rede de Humanização do Parto e Nascimento, que é uma rede composta principalmente por profissionais de saúde; as listas de discussão nacionais e regionais; os movimentos de aleitamento materno, como as Amigas do Peito e a Matrice; o movimento das doulas voluntárias e privadas; o movimento do parto domiciliar; e o movimento da vacinação seletiva. A Rede Parto do Princípio atua no nível nacional por meio de sua website e suas listas de discussão. As listas de discussão são formadas a par-tir de interesses comuns das usuárias, que podem produzir textos, arte, site, artigos jurídicos, entre outras coisas de seu interesse. A Rede é composta basicamente por mães e não há uma liderança única. Entretanto, algumas dificuldades e limites de atuação existem, principalmente em função dos poucos recursos financeiros, fundamentalmente para a produção de mate-riais educativos, e da necessidade de profissionalização das lideranças. A grande produção da Rede foi ter pautado uma ação no Ministé-rio Público de São Paulo, em 2007, contra o abuso das cesarianas no setor privado, com a realização de uma audiência pública que visibilizou o pro-blema. O Ministério Público continua investigando a questão e está atento

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a situações de violação de direitos e reagiu prontamente à suspensão do es-tágio das universitárias do curso de Obstetrizes da USP Leste no hospital estadual de Sapopemba por pressão da chefia da ginecologia e obstetrícia da Faculdade de Medicina da USP, ocorrido em agosto de 2008. Outro movimento de usuárias que ocorre em São Paulo é o Mater-na/GAMA, com uma lista de discussão com 500 participantes das cidades de São Paulo, Campinas e região, por onde circulam 100 mensagens ao dia. Entre as atividades deste movimento estão pequenos encontros de casais e gestantes, grandes encontros duas vezes por ano e uma viagem em grupo por ano. São promovidos encontros semanais gratuitos para gestantes e ca-sais, e estão se iniciando encontros de puerpério – um momento que ainda tem ficado relegado, com casos de depressão pós-parto subestimados e sub-notificados – e encontros sobre paternidade só com os homens. Também ocorrem os encontro das slingadas (mães que carregam os bebês), onde se discute amamentação, e o “Colcha de Retalhos”, um encontro mensal entre mulheres que conversam enquanto tecem uma colcha. O que move as mulheres no Grassroots é o ativismo, em contra-ponto a questões profissionais. O movimento é uma rede de solidariedade, que fornece apoio emocional bem como troca de serviços e/ou produtos. Além disso, o movimento promove o intercâmbio de conhecimentos entre as mulheres para situações do dia-a-dia das gestantes e das puérperas, tais como azia ou bico do peito rachado, que fortalecem o saber das mulheres sobre seus corpos. O movimento também promove a mobilização do grupo para as causas comuns. Por fim, uma questão para a qual o movimento deve estar sempre atento é o risco de insensibilidade frente a novos membros, dificultando a incorporação de pessoas que ainda não estão no mesmo nível de reflexão que o grupo. Acolher novos membros é um desafio.

Sites na internetAmigas do Parto: http://www.amigasdoparto.com.br/Doulas do Brasil: http://www.doulas.com.br/Gama: http://www.maternidadeativa.com.br/Parto do Princípio: http://www.partodoprincipio.com.br/

Em Belo Horizonte – MGMovimento BH pelo Parto Normal www.pbh.gov.br/smsa/bhpelopartonormal ONG Bem Nascer http://www.bemnascer.com.br/

8.3. Direitos reprodutivos e sexuais e integridade corporal no parto

Simone Grilo Diniz30

Nada de politicamente útil acontece até que as pessoas co-mecem a dizer coisas nunca ditas antes, permitindo assim que visualizemos práticas novas, ao invés de apenas analisar as velhas (Rorty, 1993)

Esta apresentação é um esforço de articular os direitos reproduti-vos e a manutenção da integridade corporal com modelos de assistência a gestantes de baixo risco. Na década de 1970, o movimento feminista vivia um aparente paradoxo quando reivindicava tanto o direito ao aborto legal quanto lutava contra os abusos da esterilização. Mas tratava-se, de fato, da luta pela liberdade reprodutiva. O grupo CARASA (Committee for Abor-tion Rights and Against Sterilization Abuse) divulgou o documento Women Under Attack: Abortion, Sterilization Abuse, and Reproductive Freedom, no qual define o que seriam os direitos reprodutivos: “Além de serviços ade-quados de aborto e o fim da esterilização involuntária, a liberdade reprodu-tiva significa: a disponibilidade para todas as pessoas de creches e escolas de boa qualidade, moradia decente, apoio social e salários adequados para o sustento de filhos, e assistência à saúde de boa qualidade à gravidez, parto e pós-parto. Significa também liberdade de escolha sexual, o que implica no fim de normas culturais que definem uma mulher em termos de ter filhos e viver com um homem; uma afirmação dos direitos das pessoas de ter filhos fora das famílias convencionais; e a transformação dos arranjos sobre os cuidados com as crianças, de forma que estes sejam compartilhados entre mulheres e homens” (Petchesky, 2006). Como pode-se observar, definição esta bastante atual. O conceito de direitos reprodutivos foi se consolidando na década de 1980, e são herdeiros da luta pela auto-determinação (lembrando o livro “Nossos corpos nos pertencem”), que defendia o direito ao aborto e à con-tracepção legais. No Encontro Internacional Mulher e Saúde, realizado em Amsterdã (1984) foram incorporados ao debate dos direitos reprodutivos as discussões sobre medicalização, abuso do uso de tecnologia (anticoncep-cionais orais, DIU, esterilização, gravidez e parto) e o direito de escolha. Os direitos reprodutivos inauguram uma noção inédita de direito em uma

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esfera até então considerada “natural”, e desnaturalizam a idéia da repro-dução, que passa para a esfera da política e da regulamentação do Estado. Os direitos reprodutivos são considerados direitos humanos, e incluem o direito à condição de pessoa, à integridade corporal, à equidade e à diversi-dade. Na década de 1990, diversas conferências da ONU vão institucio-nalizando o conceito. No Rio de Janeiro, em 1992, há o deslocamento da questão do planejamento familiar para além do problema da suposta ex-plosão demográfica. Em Viena, 1993, estabelece-se o marco dos Direitos Humanos das Mulheres, que incluem os direitos reprodutivos e os direitos sexuais na discussão acerca da violência de gênero e a questão de saúde. No Cairo, em 1994, institucionaliza-se o conceito de direitos reprodutivos, e da saúde reprodutiva nos marcos desses direitos. Em Beijing, 1995, avança-se no conceito dos direitos sexuais. O Capítulo VII da Conferência do Cairo (1994) define os direitos reprodutivos como “O direito de tomar decisões sobre a reprodução livres de toda discriminação, coação e violência”. O documento reconhece ain-da: o enorme e subestimado impacto da violência na saúde reprodutiva; a necessidade de melhorar a qualidade da atenção oferecida pelos programas de planejamento familiar; e a importância dos movimentos sociais na cons-trução do conceito. No Brasil, na década de 1980, diversos movimentos começam a trabalhar com a agenda da maternidade voluntária, segura, prazerosa e so-cialmente amparada. Maternidade voluntária quer dizer, para quem não quer filhos (temporária ou definitivamente), o direito à informação sobre o corpo bem como informações e acesso aos métodos contraceptivos e ao aborto legal e seguro; e para quem quer filhos, o direito ao apoio à concep-ção (fertilidade normal, esterilidade, soro-discordância, diversidade sexual etc.). A maternidade segura é o direito de não morrer nem adoecer em decorrência da gravidez, do parto, do pós-parto, do aborto ou da contra-cepção, seja por falta de assistência, ou por assistência inapropriada e/ou danosa. A maternidade prazerosa se coloca como uma grande questão no debate sobre direitos. Para alcançar a maternidade prazerosa é preciso des-reprodutivizar a sexualidade (separar sexo de reprodução obrigatória) e re-erotizar a reprodução, ou seja, entender a reprodução (também) como uma experiência erótica e o parto como um evento potencialmente saudável e

satisfatório física e emocionalmente. É o direito a estar livre de tratamen-to desumano, cruel ou degradante no parto, tratamento esse construído a partir de uma concepção de gênero na qual o corpo das mulheres é imper-feito e dependente, e o parto, tal como descrito nos livros de obstetrícia, é considerado um “estupro invertido” que causaria frouxidão irreversível do períneo. Tal concepção legitimaria ouso obrigatório da episitomia, ou da cesárea para todas indiscriminadamente. Por fim, a maternidade socialmente amparada contesta a institui-cionalização e a naturalização do trabalho gratuito das mulheres em cuidar (das crianças, dos homens, dos enfermos e dos velhos), muitas vezes à custa dos direitos à renda, à escolarização, à propriedade, e o direito de ir e vir (romper o isolamento associado à maternidade). Quando a maternidade não é socialmente amparada, ela resulta em menor renda, menor avanço na carreira e menor mobilidade social das mulheres. Além disso, no Brasil, a maternidade também está associada com o aumento da violência de gênero e estudo da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostra que a violência aumenta com o número de filhos. Bubeck (1995) defende que a “ética do cuidado”, uma ética da qual o mundo depende, não pode ser incompatível com a “ética da justiça”, que é o que acontece com as mulheres, que têm cuidado dos demais à custa dos seus direitos. O cuidado e a maternidade devem ser vistos como um trabalho social, garantido por políticas sociais e baseadas na justiça de gênero. Um importante conceito a ser discutido quando se pensa em ma-ternidade voluntária, segura, prazerosa e socialmente amparada é o das “maternidades subalternas”, ou seja, o fato de as mulheres serem tratadas de maneira diferente dependendo de sua posição social. A assistência à saúde é um reflexo das desigualdades sociais e das hierarquias com relação à maternidade, e reproduz estigmas, preconceitos e discriminação. Baseado na escala de hierarquia sexual de Rubin (1984), e tomando como referência o tratamento dispensado a mulheres brancas, casadas, heterossexuais e de classe média/alta durante a maternidade, como o topo da pirâmide, tem-se uma gradação para pior na assistência quando a mulher cai na hierarquia social, ou seja, quando ela é solteira, adolescente, “idosa” (>35 anos), doen-te, pobre, negra, nordestina, lésbica, usuária de drogas, moradora de rua, trabalhadora do sexo, presidiária, etc. Para se ter uma idéia, em São Paulo, as presidiárias dão à luz algemadas. Da mesma forma que diferenciamos as mulheres nessas categorias, diferenciamos sua anatomia e fisiologia, e a assistência prestada (sua privacidade, direito à prevenção ou sedação da dor,

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por exemplo). E o que nós aprendemos sobre o parto de baixo risco (mães e bebês saudáveis)? Primeiro, que o parto é sempre uma experiência física e emo-cionalmente terrível, logo, quanto mais rápido, melhor; e esta experiência terrível pode ser prevenida com a cesárea. Segundo, que o parto geralmente leva a seqüelas sexuais como frouxidão irreversível da vagina; logo, melhor fazer uma episiotomia ou prevenir por meio da cesárea. Terceira, que a cesárea é mais confortável e dói menos que o parto normal; logo, a mulher é poupada de sofrimento quando faz uma cesárea. Quarto, que o homem desmaia no parto ou não se recupera da visão “traumática” da vagina no parto normal; logo, melhor mantê-los à distância do parto, ou pelo menos da vagina. E por fim, que o parto normal é mais perigoso para o bebê; logo, melhor uma cesárea para evitar o risco. O novo paradigma sobre assistência ao parto, baseado nas evidên-cias científicas e nos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, deve ga-rantir que mais gestantes entrem em trabalho de parto fisiológico, pois ele traz melhores resultados para o bebê (como a transição respiratória, por exemplo), e que o parto vaginal seja um evento tranqüilo, apoiado, respei-tado, agradável, informado e acompanhado. Além disso, a cesárea eletiva deve ser prevenida, já que sua recuperação é mais lenta e penosa, resultando em maiores dificuldade nas funções corporais. Por fim, o novo paradigma busca prevenir a dor iatrogênica – produzida pelo uso de procedimentos dolorosos e inadequados como ocitocina, cortes, imobilização e isolamento afetivo – e promover a integridade corporal e o auto-cuidado sexual, evi-tando episiotomia desnecessária e lesões genitais ocasionadas pelo puxo di-rigido, pela posição de litotomia, pela manobra de Kristeller e pelo fórceps, quando se apressa o parto sem razões médicas. E por que a integridade corporal no parto é importante e deve ser um objetivo da assistência? Porque é um direito humano; porque é mui-to melhor para a saúde da mulher, que vai apresentar menos dor, maior conforto na amamentação e na retomada da vida sexual, menor risco de infecção; porque diminui os riscos de stress pós-traumático e de depressão pós-parto; porque é melhor para a saúde do bebê e na formação do vínculo com a mãe (prejudicado quando a mulher sofre fisicamente com o parto), na amamentação e na prevenção do sofrimento materno; porque provoca menos stress nas relações familiares, parentais e conjugais; e porque é coe-rente com as evidências científicas. Para efeitos de pesquisa, devemos considerar como integridade cor-

poral a ausência de episiotomia, a ausência de cesárea eletiva sem indicação e a ausência de laceração de períneo maior ou igual a 2º. grau. Os fatores associados ao maior risco de trauma perineal são a posição litotômica, a epi-siotomia de rotina, o puxo dirigido, a manobra de Kristeller, a manipulação do períneo, o uso de fórceps ou vácuo extrator e, indiretamente, a anestesia peridural, porque está associada ao uso mais freqüente de ocitocina, litoto-mia e fórceps (Enkin et. al, 2000). Assim, os fatores associados ao menor risco de trauma perineal são: liberdade de posição no parto, realização res-trita de episiotomia (idealmente, abaixo de 10%), puxos espontâneos, evitar manobras como a de Kristeller e a pressão sobre o períneo, evitar uso de fórceps e vácuo extrator e prevenir a dor iatrogênica – produzida por ocito-cina, manobras, episiotomia e sutura – e que faz necessária a peridural. É nessa perspectiva que vem sendo desenvolvida a pesquisa “Re-sultados da assistência ao parto de gestantes de baixo risco em Hospitais ‘Galba’ e Hospitais ‘Típicos’: um estudo comparativo com pesquisa de viabilidade de randomização”. A finalidade da pesquisa é comparar os re-sultados da assistência ao parto em gestantes de baixo risco, atendidas no SUS, em três diferentes modelos de organização – os hospitais típicos/tradicionais, os hospitais “humanizados”, assim reconhecidos pelo Premo Galba, e os Centros de Parto Normal – buscando verificar se, e em que medida, a mudança no modelo de assistência implica em uma melhoria dos resultados maternos e neonatais, incluindo a satisfação da usuária com o cuidado. Considerando os diferentes modelos de assistência, as perguntas da pesquisa foram: como é a atenção ao parto e à parturiente em cada um dos serviços? Que procedimentos são feitos e com que freqüência? Quem faz qual trabalho? Quais os resultados quanto à saúde (morbidade) e a sa-tisfação das mulheres e das famílias com a assistência? A hipótese da pesquisa é que existe um gradiente de intervenções entre os serviços, sendo que o Centro de Parto Normal estaria em um extremo com menos intervenções e sobretratamento e maior satisfação da usuária, enquanto os hospitais típicos estariam no extremo oposto, com mais intervenções e sobretratamento e menor satisfação da usuária. Os hospitais “Galba”, por sua vez, se colocariam em uma posição intermediá-ria. Foram investigadas: a prevalência de procedimentos em cada local de parto, representativos de diferentes modelos de assistência, e a associação da prevalência (freqüência) de procedimentos sobre os resultados maternos e neonatais, positivos e negativos (aceleração, indução, posição do parto, restrição ou não de movimentos e de alimentos, episiotomia, manobra de

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kristeller, presença acompanhantes, manejo da dor). Para avaliar a satisfação da mulher com a experiência do parto foi criado um score de notas por procedimento, questionado o desejo da mu-lher em repetir o local de parto em uma gravidez subseqüente e perguntado quais aspectos da assistência a mulher mudaria, se tivesse o poder para tanto. Nessa questão, a pergunta-chave foi formulada da seguinte maneira: “imagine que você é a diretora do serviço, poderosa e com todo o recurso necessário para mudar o que quiser, o que você mudaria?”. Após a resposta espontânea, houve uma resposta induzida. Algumas mulheres chegaram a fazer uma lista de mudanças com mais de 20 itens. Os resultados preliminares apresentados a seguir se referem à com-paração da etapa retrospectiva entre o Centro de Parto Normal e o Hospi-tal “Típico”, em São Paulo, e dos grupos focais e entrevistas com puérperas de Hospitais “Típico” e “Galba”, bem como grupos focais com gestantes nas UBSs. Um primeiro dado é que a qualidade do registro em prontuário é, em geral, muito precária, sendo muito pior no Hospital “Típico”. Os dados com relação ao atendimento das gestantes de baixo risco nas três organizações mostram que a freqüência da episiotomia é muito alta no Hospital “Típico” (69%), intermediária no Hospital “Galba” (45,3%) e mais baixa no Centro de Parto Normal (19,5%). Inversamente, a garantia da integridade corporal é mais alta no Centro de Parto Normal (64,1%) e baixa no Hospital “Típico” (18,1%). Com relação à presença do acompa-nhante, a freqüência é muito baixa no Hospital “Típico” (3,7%), interme-diária no Hospital “Galba” (75,8%) e quase universal no Centro de Parto Normal (93,7%). Nas entrevistas com as mulheres, observou-se que às vezes uma postura mais humanizada e expectante pode ser tomada por indiferença (“Não fazem nada para ajudar a mulher”). Ou seja, há uma compreensão generalizada de que as intervenções de rotina são uma “ajuda”, principal-mente entre os profissionais de saúde. Além disso, falta material educativo para o pré-natal e os poucos que existem não tratam do parto. Por outro lado, o soro com ocitocina é avaliado muito negativamente pelas mulheres, mas tem sido usado de maneira generalizada e descolada da boa indicação clínica. O “toque” é descrito pelas mulheres como inoportuno e indelicado, muitas vezes bruto, mas não só o toque diagnóstico, mas também outras manobras são relatas pelas mulheres como muito penosas (descolamento de membranas, redução do colo, baixar o períneo), todas invisíveis no pro-cesso da assistência, pois raramente são registrados. Ou seja, na assistência

ao parto muitas vezes ocorrem situação que podem ser consideradas formas de violência institucional contra a mulher, incluindo, segundo o relato das usuárias, o extremo do confronto físico.

Referências bibliográficas

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8.4. Atenção humanizada ao recém-nascido

Zeni Carvalho Lamy31

A contemplação das coisas da natureza, embora não faça o médico torna-o mais apto para exercer a medicina.Aulius Cornelius Celsus

O conceito de humanização foi o fio condutor deste evento, mas afinal o que é humanização? Segundo a Política Nacional de Humanização do Ministério da Saúde, humanização é a oferta de atendimento de quali-dade, articulando os avanços tecnológicos com acolhimento, melhoria dos ambientes de cuidado e das condições de trabalho dos profissionais (Mi-nistério da Saúde, 2004). O primeiro ponto do conceito se refere à quali-dade da assistência, que para ser atingida depende da gestão de qualidade e da gestão clínica. É preciso que cada serviço de saúde, independente de sua complexidade, invista nas duas gestões e conheça a sua realidade e os seus dados. Somente o registro e a divulgação dos dados e das evidências per-mitem sustentar os argumentos e os debates que buscam melhorar a qua-lidade da assistência. O segundo ponto do conceito se refere à tecnologia, que não é apenas uma coleção de artefatos físicos, é, também, a aplicação objetiva de um conhecimento organizado (Banta, 1993). Embora a palavra esteja, frequentemente, associada ao uso de novos equipamentos e drogas, para Merhy & Onocko (2002) tecnologia engloba a tecnologia dura (me-dicamentos e equipamentos), a tecnologia leve e dura (protocolos) e a tec-nologia leve (acolhimento e relação pessoal), que também é uma tecnologia de ponta, mas que depende das atitudes e das condutas dos profissionais da saúde. A humanização promove uma mudança de paradigma, redesenhan-do espaços e relações, pois o modelo tradicional não comporta o hospital que queremos, onde a questão mais importante são as relações inter-pes-soais. A nova geografia hospitalar deve ir além das necessidades dos profis-sionais e atender também aos usuários abrindo janelas em espaços físicos e relacionais. No processo da humanização, o principal desafio é a formação pro-fissional. Nossa formação ainda é muito fragmentada, focada na doença. O poder nas instituições hospitalares ainda é centralizado e desqualifica valo-res e saberes daqueles que deveriam ser o alvo de sua atenção: os usuários.

31Médica pediatra/neonatologista. Doutora em Saúde da Criança e da Mulher pelo Ins-tituto Fernandes Figueira/FIOCRUZ. Professora do Departamento de Saúde Pública da UFMA. Consultora do Ministério da Saúde para a Atenção Humanizada ao Recém-Nascido - Método Canguru).

O resultado é um sistema de saúde que tem muitos atributos de uma linha de produção, onde a pessoa doente é a matéria-prima e a pessoa curada é o produto (Fox, 1999). Muitas vezes o profissional liga o automático e não re-flete sobre o seu processo de trabalho. Se não tiver cuidado, sobrecarregado com excesso de plantão, pode se tornar um apertador de parafuso, tal qual Chaplin em Tempos Modernos. As relações entre os profissionais de saúde e as pessoas a serem cuidadas (mulher, bebê, companheiro, família) acabam sendo intermediadas por máquinas e pela burocracia. Nesse contexto, a his-tória e o exame clínico têm um valor menor e os pacientes reproduzem esta lógica quando chegam ao serviço demandando, não o cuidado profissional, mas, principalmente os exames complementares. Assim, também, a mulher que pede a cesárea está reproduzindo o discurso de quem ela acredita ser a autoridade no assunto. Além disso, os diferentes profissionais de saúde precisam se articu-lar dentro das instituições negociando seus conflitos. Ora, diferentes pro-fissões pressupõem diferentes ideologias, diferentes posições hierárquicas, diferentes saberes, diferentes formações, diferentes disciplinas, sendo que todas exercem e se submetem ao poder. O problema não é a existência de conflitos, pois é bom que existam, mas como esses conflitos estão sendo negociados no dia a dia. Sabemos que na maioria das vezes a solução para os conflitos é o tradicional “Quem manda sou eu, você não sabe nada!”, que ocorre tanto na relação entre profissionais quanto na relação destes com os pacientes. Sem ignorar o fato de que estes profissionais enfrentam superlota-ção, cansaço, falta de tempo, necessidade constante de atualização, situações de vida e morte, para o processo de humanização da assistência é preciso que todos e cada um se implique com as mudanças necessárias. As condi-ções externas precisam ser mudadas e devemos reivindicar estas mudanças aos gestores, mas também é fundamental que nos perguntemos: o que eu posso fazer melhor? Onde me encontro nesse processo e o que depende de mim? Refletir sobre a rotina de trabalho pode ser uma importante ferra-menta para o profissional de saúde. Em geral culpamos o outro, as condições de trabalho, o gestor, mas, segundo Lipp (2005) os determinantes do stress estão muito mais no mun-do interno do que no externo, desta forma, o modo de ver o mundo e as características pessoais são os maiores responsáveis pelo stress. O fato é que quando diferentes profissionais são submetidos à mesma situação, obser-vamos diferentes reações, algumas mais maduras e outras marcadas pela

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dificuldade de lidar com a situação. É importante que cada um se pergunte como vai enfrentar as dificuldades e os conflitos do dia a dia sem chegar ao burnout, que é o adoecimento do profissional frente ao stress cotidiano do seu trabalho, que pode gerar sintomas físicos (enxaquecas), emocionais (depressão e pânico) e comportamentais (intolerância), que resultam em sofrimento e levam a frequentes licença e afastamento do trabalho. Por isso, precisamos pensar o tempo todo o que de nós, sujeitos, está em jogo no exercício de nosso trabalho. Se queremos cuidar do outro, temos que primeiro cuidar de nós mesmos. É muito frequente que os pro-fissionais esperem o cuidado do outro – a instituição, o chefe, o colega de trabalho e façam muito pouco por si mesmo. Cada serviço precisa encontrar a sua forma de cuidar do cuidador. Por exemplo, no serviço de neonatologia do Hospital Universitário da UFMA temos, nos últimos 10 anos, realizado várias ações nesse sentido: encontro semanal para negociação dos conflitos, um encontro anual com toda a equipe, fora do hospital, bem como oficinas de sensibilização e educação permanente. Mas tão importante quanto o que a instituição oferece ao cuidador é o que cada um busca para si. Acredito que, para o processo de humanização é preciso abrir ja-nelas. Temos o hábito de construir verdades rígidas, que impedem a hu-manização. As normas devem ser estabelecidas, mas também devem ser reconstruídas de acordo com as realidades locais e individuais. Sempre que dissermos que algo não pode, precisamos nos perguntar o por quê. Mesmo naquelas demandas que parecem impossível de serem atendidas, é preciso avaliar o sofrimento do outro. Hoje, a maioria dos serviços contam com outras categorias profissionais além do médico e do enfermeiro que tradi-cionalmente assumiam todos os cuidados, e isso pode facilitar uma atenção mais individualizada para as diferentes necessidades se na equipe houver troca de saberes. A incorporação de novas categorias profissionais no acompanha-mento do parto e do nascimento, muitas vezes não avança na qualidade da atenção prestada porque vários profissionais juntos formam uma equi-pe multiprofissional, mas não necessariamente produzem um trabalho in-terdisciplinar. Uma equipe multiprofissional pode produzir um trabalho multidisciplinar – fragmentado, no qual os saberes se superpõe, mas não se complementam, ou um trabalho interdisciplinar, negociado, construído diariamente na relação dialógica. Integrar conteúdos não é suficiente. É preciso uma atitude e postura interdisciplinar. Atitude de busca, envolvi-mento, compromisso e reciprocidade diante do conhecimento (Caniglia,

2005). O fato é que só se envolve com a prática interdisciplinar quem está disposto a aprender, pois onde há verdades absolutas não há negociação. Para promover as mudanças que precisamos são necessárias lide-ranças com poder de convencimento, capazes de produzir reflexão e traba-lho em equipe e não autoritárias, E quais as mudanças necessárias para uma assistência humanizada ao recém-nascido no pré-parto, na sala de parto, no alojamento conjunto e na UTI neonatal? O pré-parto e sala de parto são ambientes historicamente fechados, dominados pela equipe de saúde e com constantes situações de estresse. No processo de humanizar esses ambientes é preciso contemplar, ouvir as pessoas e saber o que elas gostariam. O atendimento humanizado ao parto e nascimento pressupõe uma nova competência, que não é só técnica, mas é também relacional. Nesse processo é preciso incorporar novas categorias profissionais, novos e velhos saberes, saberes que se perderam com o tempo. É fundamental repensar o acolhimento à tríade pai/mãe/bebê e à famí-lia. Nós, profissionais de saúde, tendemos a ter olhos muitos críticos. Para Brazelton (2002) é necessário que uma mulher seja muito determinada e forte para que encare a barreira de olhares que muitas vezes encontram no ambiente de parto e nascimento. O ambiente do trabalho de parto ainda têm luz muito forte e ex-cesso de linguagem racional, o que estimula o córtex e inibe a liberação de ocitocina, fundamental para o trabalho de parto fisiológico (Odent, 2002). Nesse contexto de excesso de racionalidade se coloca a ficha da história materna que o pediatra preenche. Não se discute a importância da ficha, mas sim quando e como ela deve ser preenchida. Em geral, ela é preenchida na hora que a mulher entra no pré-parto. Entretanto, o pediatra pode bus-car a maior parte das informações com o obstetra ou no prontuário, pois a mulher responde à mesma pergunta várias vezes. Sabemos que, em geral, a ficha é preenchida de forma burocrática, sem a devida atenção e muitas ve-zes a resposta dada pela gestante não retrata a realidade, mas a vontade de se livrar do incômodo. Muitas questões importantes para o bebê podem ser e devem ser revisitadas no alojamento conjunto. O encontro entre pediatra e gestante no pré parto e sala de parto deve ser um importante momento de interação. O pediatra deve se apresentar e tranquilizar a mãe em relação aos cuidados que dispensará ao bebê. No momento do nascimento, é fundamental receber o recém-nas-cido como um sujeito. Todos sabem da importância do contato pele a pele, já que a pele é o órgão sensorial primário do recém-nascido e o contato

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corporal mãe-bebê possibilita bem estar, segurança e afetividade, capaci-tando-o a buscar novas experiências. Entretanto, a qualidade deste contato tem sido muito ruim, pois o bebê é colocado na mãe e tirado imediatamen-te para ser submetido a várias intervenções, muitas vezes, desnecessárias. Quando é finalmente devolvido para à mãe, o bebê já foi furado, aspirado e está exausto. Além disso já se passaram os primeiros 40 minutos de vida, fase na qual encontra-se em um estado comportamental chamado de ina-tividade alerta, quando o bebê é capaz de fixar o olhar nos olhos da mãe, sentir o cheiro do leite materno, ouvir a já conhecida voz e está pronto para a interação (Klaus, Kennell & Klaus, 2000). Um outro fator relevante a ser considerado na sala de parto é o barulho. O ambiente exerce influência na qualidade da relação mãe-filho, e se esse ambiente é excessivamente turbulento e confuso, aumentaremos a ansiedade materna e a agitação do bebê, dificultando a interação que nós mesmos reconhecemos que é necessária. Dizer que os nossos serviços estão estimulando a interação e o aleitamento na primeira hora de vida é brincar de faz de conta quando essas questões não são consideradas. Pequenas atitudes podem promover grandes mudanças em direção à humanização: apresentar-se dizendo quem é e o que vai fazer, chamar a gestante pelo nome; incentivar a presença do acompanhante; reduzir os ruídos desnecessários e a iluminação forte e manter uma postura respeitosa. Enfim reconhecer o nascimento como um momento único na vida da mãe, do pai e de seu filho, por mais que para os profissionais ali presentes faça parte de sua rotina de trabalho. A presença de doulas no pré-parto e no parto pode significar uma grande ajuda especialmente para as mulheres que não têm acompanhante. Outra questão importante é que quando o bebê nasce bem, devemos esti-mular a interação, o contato pele a pele e o aleitamento procurando interfe-rir o mínimo possível, evitando condutas desnecessárias. Os procedimentos necessários devem ser repensados quanto à forma e o momento em que são realizados: O clampeamento do cordão não precisa ser imediato; não há in-dicação de aspiração de secreções para o bebê que nasce bem, podendo ha-ver inclusive riscos; o credê deve ser realizado mais tarde, pois impede que o bebê abra os olhos e olhe para a sua mãe; a vitamina k intramuscular e a a vacina para hepatite B devem ser realizadas depois que o bebê for colocado em contato pele-a-pele e tiver a oportunidade de sugar o seio materno. No alojamento conjunto é importante que não sejam criadas bar-reiras para a presença do pai. É necessário favorecer a unidade dessa nova

família com horário livre para o pai. Além disso as rotinas devem incentivar e possibilitar um acompanhante para a mãe. Também a visita dos médicos (obstetra e pediatra) ao leito deve ser um momento de interação e orienta-ção. Outro destaque deve ser dado para o incentivo ao aleitamento materno que, muitas vezes, no alojamento conjunto não reconhece as possíveis difi-culdades. O discurso do profissional pode fazer parecer que o aleitamento é fácil e simples para todas as mulheres e dessa forma, estimular sentimentos de culpa. Uma outra situação para a qual devemos estar sempre atentos é quando, no momento do nascimento, o bebê necessita de cuidados imedia-tos e não pode ter a experiência positiva do calor, cheiro e voz de sua mãe. Antes de transferir o bebê para a UTI Neonatal o pediatra deve voltar a falar com a mãe, e sempre que possível levar a incubadora de transporte até ela. O nosso papel não é só receber, entubar ou fazer surfactante, mas é também o de introduzir o bebê na família. É importante fazer da Unidade Neonatal um ambiente acolhedor para pais e bebês, propiciando a forma-ção de vínculos e a recuperação do bebê. Esse ambiente será mais saudável também para o profissional. Nos casos de internação na UTI é importante avaliar potenciais situações de risco para abandono e violência, e dar suporte familiar no nas-cimento prematuro ou de bebês com malformações. Também é importante continuar cuidando da família quando ocorrem perdas fetais. Ou seja, é papel do serviço de saúde identificar redes sociais de apoio e garantir o su-porte psicossocial para as famílias com bebês internados na UTI. A nossa atuação nesses casos tem repercussões para além dos limites da unidade hospitalar (Lamy, 1997). Em dezembro de 1999, o Ministério da Saúde lançou a Política Nacional de Atenção Humanizada ao Recém-nascido - Método Canguru, um método seguro, que favorece o aleitamento materno, traz benefícios para o bebê e a família e que mudou o paradigma da assistência neonatal no Brasil (Lamy Filho et al., 2008). O método ocorre em três etapas: na UTI Neonatal, na Unidade Canguru e no Ambulatório de Seguimento (Brasil, 2002). Os pilares do Método Canguru são: garantia de qualidade da assistência; acolhimento ao bebê, seus pais e sua família; respeito às individualidades; promoção do contato pele a pele precoce e prolongado; envolvimento progressivo da mãe nos cuidados do bebê e promoção do aleitamento materno.

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A equipe deve estar atenta para não sobrecarregar os pais de informações, e principalmente, estar disponível para fornecer as informações que eles solicitarem. Em geral a equipe fala muito e ouve pouco (Lamy, 2003). O Método Canguru não deve ser uma obrigação, mas ao mesmo tempo, quando a mãe demonstra insegurança, medo ou recusa, devemos avaliar quais as motivações para o não querer e oferecer o suporte neces-sário. É importante perceber que a mãe está fragilizada e tende a acreditar que a equipe cuida melhor do seu bebê, uma situação que não podemos reforçar e que a literatura tem mostrado que se modifica quando a mãe utiliza o Metodo Canguru. Em minha tese de doutorado, estudando o ambiente da Unidade Neonatal partilhado por profissionais, bebês, pais e família, as mães de-monstraram em suas entrevistas que o aleitamento materno e o Método Canguru são as duas práticas que dão significado ao seu papel porque lhes devolvem o lugar de mãe. Todos os demais cuidados podem ser praticados pela equipe. Outro achado muito significativo foi que as mães que utili-zavam o Método Canguru reconheciam a importância do seu cuidado: “o profissional sabe mais, mas a mãe cuida melhor”, deixando muito claro o reconhecimento da importância do seu papel, mesmo em um lugar marca-do pelo saber cientifico e pela tecnologia dura Na Unidade Neonatal também deve haver atenção para os cuida-dos contingentes. Praticas diárias como higiene, pesagem, aspiração, pun-ções devem ser realizadas lembrando que podem representar momentos de stress para o bebê. Existem formas de fazer diferente: pesar o bebê contido no paninho, e depois subtrair o peso, banho de balde (ofuroterapia - para aqueles clinicamente estáveis) que ajuda a relaxar, especialmente bebês in-consoláveis, uso da redinha para estímulo vestibular, dentre outros Outras ações importantes são possibilitar à mãe com bebê inter-nado na UTI outros espaços de convivência e de atividades, fazer parceria com a equipe do Programa de Saúde da Família e programar o acompa-nhamento ambulatorial pós-alta. Por fim, quero terminar com uma citação de Luís Fernando Ve-ríssimo: “Uma instituição não tem cara e não tem alma. Tem história, mas não tem histórias. Caras e histórias têm as pessoas que trabalham na ins-tituição; que são também os que lhe fornecem a alma”. Ou seja, é o meu trabalho que faz com que minha instituição seja boa ou não, acolhedora ou não. Antes de reclamar das nossas instituições é preciso perguntar o que estamos fazendo para torná-las melhor.

Referências bibliográficas

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9. Oficina V: Roda de Conversa: Valorização do parto e nascimento como evento fisiológico – o papel da mídia e a experiência das mulheres

Data:23 de agosto, das 9h às 12h

Coordenação:César Augusto Luz (Gerência de Comunicação Social da Secreta-ria Municipal de Saúde de Belo Horizonte)

Participantes do debate:Ana Cristina Tanaka (Universidade de São Paulo); Ana Maria So-ares (Mulheres em União – Centro de Apoio e Defesa dos Direitos das Mulheres); Ana Previtali (Promotora de Justiça do Ministério Público e integrante da ONG Parto do Princípio); Carolina Sil-veira (Oficina de Imagens); Cleise Soares (ONG Bem Nascer); Daphne Rattner (Área Técnica de Saúde da Mulher do Ministério da Saúde); Eliziane Lara (Oficina de Imagens); Hemmerson Ma-gioni (Médico obstetra); Isabel (Massoterapeuta); Júlia C. Horta (Psicóloga-Hospital Sofia Feldman); Maria Mazarelo (Doula do Hospital Sofia Feldman); Míriam Leão (Enfermeira obstétrica do Centro de Parto Normal David Capistrano – PUC Minas); Odete (Enfermeira obstetra do Hospital Risoleta Neves); Sandra Valon-gueiro (Comitê Estadual de Estudo da Mortalidade Materna de Pernambuco); Sônia Lansky (Coordenadora da Comissão Perina-tal da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte); Tacyana Arce (Rádio UFMG Educativa); Torcata Amorim (Universidade Federal de Minas Gerais); Vânia Muniz Nequer Soares (Comitê Estadual de Prevenção da Mortalidade Materna do Paraná).

A proposta desta oficina foi promover uma roda de conversas, onde cada participante colocou a sua experiência e sua sugestão de enfrenta-mento da cultura da cesárea através dos meios de comunicação. Reuniu profissionais da mídia, profissionais, gestores e pesquisadores da área de saúde com experiência na saúde materna e infantil. O objetivo da oficina não foi de culpabilizar ou demonizar a cesárea e/ou o profissional médico. Ao contrário, a discussão buscou privilegiar a complexidade do assunto, trazer para o centro do debate o direito da mu-lher e da criança à melhor assistência e prática preconizados na literatura científica, bem como o direito de parir e nascer sem violência. Entretanto, é preciso reconhecer que os profissionais de saúde e a classe médica, com exceções, vem relutando em fazer uma reflexão crítica da sua prática. No processo assistencial, a autocrítica é fundamental para o processo de melhoria constante da qualidade da assistência, porque a medi-cina não é um saber estanque e acabado. E é importante garantir o debate democrático, e que todos os segmentos se expressem. Por exemplo, como pode ser aceitável uma mulher ficar sozinha na hora do parto? Apesar do movimento pelo parto normal não ser um movimento de crítica, ele deve se posicionar, considerando a persistência das altas taxas de mortalidade materna e infantil.

9. Oficina V: Valorização do parto e nascimento como evento fisiológico – o papel da mídia e a experiência das mulheres

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10. Considerações e Recomendações: Seminário BH pelo parto normal – “Carta de BH”

10.1. Oficina I - Aumento da prematuridade no país: me-lhoria de acesso à tecnologia ou prematuridade evi-tável?

Considerando que uma parte significativa (próximo de 10%) dos bebês nascidos por cesárea serão internados em UTI Neonatal, e que os dados apontam que as cesáreas eletivas nos serviços privados aumentam consideravelmente em datas especiais (como ocorreu, por exemplo em 08/08/2008) ou pré-feriados e que a ocupação dos leitos pelas cesáreas ele-tivas dificulta a internação de mulheres em trabalho de parto espontâneo, recomenda-se atuar de maneira incisiva para eliminar a prática das cesáreas eletivas desnecessárias. Considerando que iatrogenia é toda alteração patológica provoca-da no paciente por diagnóstico ou tratamento médico de qualquer tipo, recomenda-se conceituar toda a prematuridade que não resulta do trabalho de parto espontâneo como prematuridade iatrogênica. Considerando o impacto da prematuridade, inclusive a resultante da cesárea eletiva, sobre a morbi-mortalidade infantil, recomenda-se es-treitar a parceira com pediatras e neonatologistas para a mudança dessa realidade. Considerando que, de maneira geral, o “parto normal” no Brasil é um procedimento médico com excesso de intervenções (indução, acele-ração, restrição da mulher ao leito, dieta zero, amniotomia, parto vertical, episiotomia etc.) que se distancia muito de um parto verdadeiramente fi-siológico, recomenda-se que as pesquisas sobre prematuridade e baixo peso ao nascer definam melhor o que estão chamando de “parto normal”, para não debitar na conta do parto normal a fatura das intervenções desne-cessárias; bem como melhorar a formação médica para que o profissional seja capacitado a acompanhar o parto normal fisiológico sem intervenções desnecessárias. Considerando o paradoxo brasileiro da ocorrência de baixo peso nas classes mais favorecidas, onde a mortalidade infantil também está aquém

do desejável, recomenda-se: realizar levantamento de dados de outros pa-íses acerca da relação entre escolaridade, renda e acesso a recursos com o baixo peso ao nascer, para verificar se o que ocorre no Brasil se reproduz em outros lugares; realizar pesquisas para compreender melhor o diferencial na queda na mortalidade infantil no Brasil (magnitude X potencial para os padrões disponíveis) e sua distribuição nos diferentes estratos de renda, pois há indício de manutenção de taxa ainda elevada para os estratos mais ricos da população. Considerando que o número excessivo de cesáreas no Brasil é um sintoma, também, da fragilização cultural da mulher e da gestante frente ao saber técnico e tecnológico, recomenda-se ações para empoderar a mulher a partir da divulgação de conhecimentos e informações acerca dos benefícios do trabalho de parto para a mãe e o bebê e dos prejuízos das intervenções desnecessárias. Considerando o uso excessivo de tecnologia na assistência à gesta-ção e ao parto, recomenda-se atuar na mudança da concepção de que risco gestacional se enfrenta apenas com a cesariana. Considerando a baixa qualidade de informações registradas nos prontuários médicos, onde falta inclusive a tipagem sangüínea da mulher, tornando este instrumento inútil para as pesquisas em perinatologia, reco-menda-se atuar junto às escolas de medicina e corporações médicas com o objetivo de melhorar a qualificação do profissional para o preenchimento do prontuário, bem como fomentar e/ou melhorar a prática de auditoria do prontuário médico pelas organizações hospitalares. Considerando algumas deficiências de informações no atual mo-delo da Declaração de Nascidos Vivos, recomenda-se uma revisão no for-mulário para que ele inclua algumas variáveis baseadas na classificação de Robinson para avaliação das indicações de cesariana. Considerando a importância das UTI neonatais no prognóstico dos bebês prematuros, recomenda-se avaliar e investir na qualidade dessas unidades, pois mesmo com toda a tecnologia disponível ainda há proble-mas com bebês de 1.500 e 2.499 gramas, que nem sempre evoluem bem. Considerando que as práticas de assistência ao parto no Brasil ain-da estão baseadas na tomada de decisão clínica pelo médico, com base no benefício presumido, recomenda-se que o benefício presumido seja con-frontado com a evidência científica de forma a garantir a sua legitimidade ou justificar a sua mudança. Considerando que muitos hospitais funcionam mais na lógica da

10. Considerações e Recomendações: Seminário BH pelo parto normal – “Carta de BH”

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hotelaria e da unidade de negócio do que na de unidade de saúde, recomen-da-se agir com perspectiva de mudar essa lógica hospitalar e cada vez mais abrir para o controle e participação social de modo a atender os anseios dos usuários.

10.2. Oficina II – Evitabilidade dos óbitos infantis e fetais

Considerando que a morte infantil evitável é resultado de um com-plexo processo que envolve questões pré e pós-gestacionais, nas diversas fases da gestação e nos diversos níveis de assistência, recomenda-se que as ações de prevenção incluam investimentos em estrutura, em operacio-nalização e em processo de trabalho, bem como na criação de redes de assistência perinatal regionalizadas e hierarquizadas, com referências para os procedimentos mais complexos como, objetivando aprimorar a atuação nas situações com maior potencial de evitabilidade do óbito. Considerando que, em muitas vezes os óbitos evitáveis não se rela-cionam a problema de acesso aos serviços de saúde, recomenda-se o apro-fundamento da discussão acerca da qualidade do processo da assistência, melhoria do processo de trabalho em saúde, incluindo ação oportuna, re-conhecimento de risco, acompanhamento e continuidade do cuidado, qua-lidade do contato, da comunicação e inter-relações, escuta qualificada, va-lorização da queixa dos usuários e responsabilização até o final do processo assistencial como um todo. Considerando que tanto o processo de investigação do óbito in-fantil quanto as suas conclusões são oportunidades para mobilizar ime-diatamente a rede de assistência de saúde e mudar as práticas assistenciais, recomenda-se maior presteza nas investigações. Considerando a invisibilidade do óbito fetal, recomenda-se uma mudança de perspectiva frente a este óbito, no sentido de que também deve ser considerado prevenível. Considerando que os poucos dados acerca da mortalidade neonatal por asfixia encobre uma importante causa de óbito infantil relacionada com a qualidade da assistência ao trabalho de parto e que mesmo dentro de hos-pitais faltam equipes multiprofissionais com a atribuição de acompanhar de maneira adequada o trabalho de parto, em uma proposta de trabalho co-letivo, em equipe e pautado pela melhor evidência científica, recomenda-se a elaboração e implementação de políticas que visem a melhorar o processo de trabalho na assistência ao trabalho de parto com o objetivo de reduzir a mortalidade neonatal, especialmente as mortes relacionadas com causas evitáveis. Considerando que a prematuridade, apesar de ser a primeira causa de morte neonatal no Brasil, está oculta pela forma como os dados são disponibilizados pelo SIM, o que também impede uma melhor avaliação

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das causas maternas da prematuridade, recomenda-se o investimento de pesquisas no tema. Considerando que a desigualdades regional, social e de cor/raça são indicadores de exclusão, de acesso desigual e de oferecimento de tecnologia não apropriada – o que sugere que as iatrogenias resultantes da medicaliza-ção do parto impactam diferentemente bebês em função do acesso que te-rão, ou não, à tecnologia que pode reverter essa iatrogenia – recomenda-se a realização de estudos acerca da mortalidade infantil com estes recortes. Considerando a ausência ou fragilidade dos comitês hospitalares de óbito, recomenda-se a criação e/ou o fortalecimentos dessas instâncias, também com o objetivo de acionar a Comissão de Ética do hospital, quan-do for o caso, e de melhorar sua interação com as Secretarias Estadual e Municipal de Saúde. Considerando a indissociabilidade entre gestão e atenção e que so-mente a reapropriação do processo de trabalho pelo trabalhador permitirá que as instituições de saúde produzam saúde e sujeitos, recomenda-se es-timular movimentos de inclusão das diversas categorias de profissionais de saúde na discussão dos casos de óbito e na formação de redes assistenciais horizontais, solidárias e cooperativas, objetivando superar a fragmentação e a alienação do trabalho, que lhe retira o sentido e a potência. Considerando a fragilidade das ações de cuidados progressivos e follow up de bebês internados em UTI Neonatal, o que resulta em desper-dício de recursos e investimentos financeiros e emocionais, recomenda-se a elaboração de políticas que contemplem financiamento e custeio de UTIs Intermediárias e de acompanhamento pós-alta. Considerando a ausência de informações sobre a saúde mental das mulheres que perderam seus bebês, recomenda-se incluir nas investigações dos óbitos infantis o rastreamento e o encaminhamento de casos graves de depressão nas mães, e atentar para o caráter culpabilizador da investigação de óbitos. Considerando a falta de tradição de avaliação de qualidade pelos próprios serviços de saúde, recomenda-se a elaboração de políticas indu-toras da prática de auto-avaliação, estimulando uma cultura do serviço em “olhar para dentro”. Recomenda-se ainda a criação de uma rede de ma-ternidades com mais de 1.000 partos/mês no Brasil que deve alimentar um banco de dados com indicadores de qualidade da assistência a serem acompanhados. Considerando a complexidade de uma UTI Neonatal recomenda-

se melhorar a qualificação e a remuneração dos profissionais que nelas atuam, bem como a qualificação do gestor dos grandes hospitais para a complexidade do percurso clínico de um recém-nascido doente, para o qual deve haver estrutura, equipamento e pessoal. Considerando a persistência de diferentes modelos assistenciais ao parto entre organizações públicas e privadas, no Brasil, recomenda-se um forte investimento de todos os setores da sociedade na superação dessas diferenças. Considerando que a saúde perinatal está fortemente vinculada ao desejo pela maternidade, recomenda-se que as mulheres não sejam força-das à maternidade indesejada.

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10.3. Oficina III – Experiência de Redução da Mortalidade Materna

Considerando que o atual modelo de financiamento (por proce-dimentos) e de assistência (tecnocrático) ao parto é centrado no médico e no hospital, e não na mulher, e que os partos são na sua quase totalidade hospitalares (98%) no Brasil e considerando a necessidade de revisão do modelo de atenção ao parto e nascimento e qualificação da gestõa e do cuidado hospitalar ao parto, recomenda-se avançar na contratualização dos hospitais, atuando junto aos gestores para aderirem a esta proposta do Mi-nistério da Saúde. Considerando que a falha na assistência é sintoma, também, da fa-lha de gestão que não promove o trabalho em equipe nem a criação de redes integradas e pactuadas de assistência entre profissionais e entre ser-viços, recomenda-se: discutir uma política de carreira na saúde pública, contemplando plano de cargos e salários, impedindo o grande turnover e garantindo a estabilidade financeira e satisfação do profissional com o trabalho e com os seus resultados assistenciais; criar redes regionalizadas de assistência perinatal com vistas a garantir acesso oportuno, no nível de complexidade que a gestante precisa, investindo na formação das redes regionalizadas de assistência, definindo e equipando as maternidades de referência para alto risco, qualificando as maternidades de risco habitual e ampliando os Centros de Parto Normal articulados com a rede de atenção perinatal e transporte para transferências quando necessário, capacitando os profissionais de saúde em Suporte Avançado de Vida em Obstetrícia (ALSO) e reanimação neonatal e superando o isolamento no qual atuam os profissionais que estão no interior do estado e em zonas rurais; elaborar protocolos assistenciais em oficinas regionais e locais; criar e manter casas de apoio a gestantes e puérperas em todas as macro-regionais de saúde, para acolher gestantes de risco. Considerando-se que a Unidade Básica de Saúde é a porta de en-trada da usuária no sistema de saúde e que deve coordenar o processo da assistência como um todo, recomenda-se avaliar e melhorar a atuação do PSF na identificação da gestante, na sua vinculação precoce ao pré-natal, no reconhecimento de risco e seu encaminhamento, na busca ativa e no seguimento puerperal, garantindo sua responsabilização pela usuária. Considerando que quando as mulheres são submetidas à iatrogenia

decorrentes do modelo medicalizado de assistência ao parto, e que terão acesso diferenciado à tecnologia que compensa essa iatrogenia, de acordo com raça e classe, recomenda-se: melhorar a formação e qualificação do médico em obstetrícia, incluindo formação em parto de baixo risco com a participação da enfermagem obstétrica e obstetrizes e definir o parto como um procedimento a ser realizado por equipe multiprofissional, com inclu-são obrigatória de enfermeira obstetra ou obstetriz e superação do modelo hierárquico que define que a equipe deve ter chefe e que este dever ser o médico. Considerando que as mulheres têm o direito de decidir a via de par-to, recomenda-se: que as mulheres sejam explicitamente e adequadamente informadas sobre todos os aspectos do parto; que o parto seja discutido durante todo o pré-natal e a mulher possa fazer seu plano de parto; que seja estimulada a divulgação sobre a importância do parto fisiológico em iniciativas como a estande itinerante do Movimento BH pelo Parto Normal, exibição de filmes, formação de multiplicadores, etc.). Considerando que o Comitê de Prevenção do Óbito Materno é uma instância política e que a Portaria Nº 1.119, de 5 de junho de 2008, regulamenta a investigação dos óbitos maternos pela Vigilância Epidemio-lógica, recomenda-se: aprimorar os instrumentos de análise do óbito ma-terno para contemplar entre os motivos do óbito prevenível o atendimento inadequado ou danoso, inclusive a cesárea eletiva; estruturar comitês de prevenção de óbitos maternos nos municípios e nos hospitais como pré-requisito para a assinatura de convênios com o Estado e a União; atender a exigência de comitês hospitalares da RDC 36 da ANVISA; financiar, por meio dos três níveis de governo, programas voltados aos profissionais médicos para o correto preenchimento da Declaração de Óbito. Considerando a importância da presença do acompanhante de livre escolha da mulher para o alcance de bons resultados perinatais, recomen-da-se incluir a presença de acompanhante como um indicador materno da qualidade da assistência e garantir a aplicação da lei do acompanhante. Considerando a invisibilidade acerca da morbidade materna, reco-menda-se: o financiamento de pesquisas, pelo Ministério da Saúde, acerca da morbidade materna, com vistas a instrumentalizar os comitês para esse monitoramento; e considerar, a partir do Sistema de Informação sobre In-ternação Hospitalar (SIH) o choque e eclampsia em gestantes como even-tos sentinelas para monitoramento da morbidade materna e qualidade da assistência.

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Considerando que o parto hospitalar se tornou praticamente hege-mônico no Brasil, mas ainda não logrou garantir os melhores indicadores de saúde materna e perinatal, recomenda-se: utilizar a supervisão hospita-lar no monitoramento da qualidade da assistência hospitalar e fornecer aos serviços materiais educativos em emergências para atendimento de síndro-mes hipertensiva e hemorrágica e pré-natal de alto risco atualizados. Considerando que a classificação da CID para o óbito materno é restritiva (42 dias pós-parto), recomenda-se iniciar as articulações com a Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (FIGO) para incluir, na próxima revisão da CID-10, as mudanças necessárias nas classificações dos óbitos maternos.

10.4. Oficina IV- Práticas Baseadas em evidências científi-cas no parto e nascimento: experiências no setor pú-blico e privado

Considerando que a saúde suplementar passou 40 anos sem regu-lação, e que as atuais estratégias da ANS buscam regular, prioritariamente, a competência e o compromisso das operadoras em promoção e prevenção da saúde, recomenda-se fomentar debates e busca de consenso entre os diversos setores da sociedade: profissionais de saúde, hospitais, mulheres, operadoras e prestadoras; monitorar e avaliar a implementação da RDC 36; superar a dicotomia entre público e privado na assistência à saúde, pois a cidadania é uma só e as melhores práticas assistenciais são um direito de todas as mulheres e crianças. Considerando o isolamento no qual atual o médico obstetra do ser-viço privado, que não conta com o apoio de equipes horizontais ou plan-tonistas nas maternidades para o trabalho de parto, o parto e o pós-parto, recomenda-se que as operadoras passem a credenciar equipes obstétricas e não apenas o profissional médico, com protocolos assistenciais e avaliação e monitoramento de resultados. Considerando que os direitos das gestantes são constantemente violados, recomenda-se a criação de ouvidorias, nos três níveis de governo e na ANS, para informar as gestantes sobre seus direitos no processo de assistência à saúde na gestação, parto e puerpério, bem como receber e en-caminhar as denúncias de violações a esses direitos. Considerando que, por um lado, a analgesia para o parto é usada para calar e aquietar a mulher que não teve acesso a outras tecnologias para alívio da dor, tornando-a mais passiva, e por outro é um recurso que deve estar disponível para quando for necessário, recomenda-se: recuperar o verdadeiro sentido da obstetrícia que é estar ao lado de, estar em confian-ça, fiar com a mulher; criar protocolos acerca da composição, doses e mo-mento adequados de aplicação da analgesia farmacológica, de forma a não prejudicar a evolução no trabalho de parto; determinar qual seria o limites mínimos e máximos de analgesia farmacológica recomendáveis; oferecer fartamente os recursos físicos e humanos que garantam a evolução fisioló-gica do trabalho de parto e todas as tecnologias não-invasivas para alívio da dor antes da oferta da analgesia farmacológica; e incentivar a instalação de centros de parto normal ou quartos PP, conforme as normas da RDC.

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Considerando que a pediatria mantém práticas desnecessárias na assistência ao recém-nascido de baixo risco, interferindo na sua interação com mãe, para a qual o bebê nasce alerta e pronto, recomenda-se também mudança de modelo das práticas pediátricas na sala de parto, evitando in-tervenções desnecessárias para o bebê saudável e preservando o contato pleno mãe-bebê após o parto, eliminando a prática de afastamento mãe-bebê nos berçários de normais, atendendo à RDC 36 da ANVISA. Re-comenda-se que os procedimentos necessários devem ser realizados após a primeira hora de nascido e que seja garantido o direito da criança de ter acompanhante durante tosa a sua internação quando for indicada , mesmo na UTI neonatal e/ou berçário. Considerando a importância da presença do pai no pós-parto, prin-cipalmente em caso de cesáreas e internações mais prolongadas, recomen-da-se flexibilização nos horários de visitas para facilitar a presença paterna na maternidade, excluindo-se barreiras de acesso do tipo cobrança de taxas para acompanhantes e para “assistir” o parto. Recomenda-se a inda a integração Ministério da Saúde e Ministé-rio da Educação para a garantia de implementação do modelo assistencial preconizado nas melhores práticas assistenciais e evidência científicas nas escolas e residências médicas em um prazo definido, como um termo de ajuste, incluindo adequação da ambiência física, equipe multiprofissional de atenção ao parto e práticas assistenciais.

10.5. Oficina V – Roda de Conversa - Valorização do parto e nascimento como evento fisiológico: o papel da mí-dia e a experiência das mulheres

Considerando a complexidade das formas e meios de comunicação de massa, e os diversos públicos com os quais há necessidade de inter-locução, recomenda-se que o movimento pelo parto normal tenha uma assessoria de comunicação exclusiva e crie um Plano de Comunicação que contemple estratégias diferenciadas de intervenção e considere não só os grandes veículos de comunicação, mas também as mídias comunitárias, as não governamentais e as empresariais. Considerando que a grande falta de comunicação é com a mulher, e que no Brasil a imagem disseminada do parto normal é, na verdade, de um parto anormal, solitário, doloroso e desrespeitoso, recomenda-se uma postura de comunicação que comprometa o cidadão/a cidadã com a sua própria saúde, desconstruindo a imagem do médico como o dono da saúde e/ou doença do outro. Considerando que o jornalismo tem uma visão institucionalizada e tradicional acerca da assistência à saúde – centrada na doença, no médico, no hospital e na tecnologia dura – e uma visão pejorativa da saúde pública como de péssima qualidade e do médico da saúde pública como incompe-tente, recomenda-se atuar na formação dos estudantes de jornalismo, em parceria com as faculdades e universidades, bem como qualificar as fontes e prepará-las para a relação com a impressa. Considerando que a pauta prioritária da imprensa são as críticas ao SUS, e que o gestor público de saúde não deve ser refém da imprensa comercial para a divulgação de seus serviços e ações, recomenda-se que a saúde pública adote uma postura pró-ativa na relação com a mídia, interfe-rindo na pauta – a exemplo do que já foi feito pela Rede ANDI nos direitos da infância –, dialogando com os meios de comunicação e qualificando a cobertura, além de que crie seus próprios meios de comunicação, tais como publicações e outras ações (seminários, simpósios, atividades de rua etc.). Considerando a imagem negativa do parto normal nas novelas, com freqüente morte de mulheres nestas condições, recomenda-se moni-toramento, clipagem e gestão junto aos autores de novelas, fomentando o direito de nascer direito.

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Considerando que as mulheres formadoras de opinião, inclusive as jornalista, estão submetidas à cultura da cesárea e desconhecem o parto fisiológico, recomenda-se um contato sistemático e permanente com jor-nalistas e redações. Considerando o desconhecimento do judiciário acerca da obstetrí-cia baseada em evidências e sua crença de que a cesárea é o padrão outro da assistência, não reconhecendo os problemas advindos da cesárea desneces-sária, recomenda-se: uma parceria que possibilite discutir o tema em even-tos do judiciário, criando garantias para que profissionais da humanização do parto não sejam recebidos com pré-conceitos pelos tribunais, mudando a lógica de que o melhor que se pode oferecer à mulher não é a cesárea, e sim a obstetrícia baseada em evidências; e levantar os processos em curso contra os médicos obstetras e estudar, junto com os Conselhos de Medi-cina, o que motivou os processos. É preciso reconhecer que, considerando a negligência, imprudência e imperícia na prática médica, o número de processos legais ainda é pequeno, o cidadão ainda usa pouco a justiça para questionar uma violação de direitos na área da saúde. Considerando a hierarquia entre conhecimento científico e conhe-cimento popular, e a desconsideração com os saberes das parteiras tradicio-nais e das mulheres quilombolas acerca do parto e nascimento, recomenda-se a documentação desse conhecimento para sua possível validação.

11. Mesa redonda

•Políticaspúblicasdeatençãoobstétricaeneonatal •ACesarianadesnecessáriaemquestão:evidências

científicas e a experiência das mulheres

Considerando que a velocidade de queda da mortalidade infantil é maior quanto maior for o seu componente evitável, recomenda-se reavaliar as estimativas de queda para os próximos anos dentro das Metas do Milê-nio, quando devem ser potencializadas as ações relacionadas com pré-natal, parto e pós-parto imediato, pois a redução deverá ser mais lenta. Considerando-se que, segundo os dados da Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde, quase não há mais restrição de acesso ao pré-natal, recomenda-se investimentos na sua qualificação, em um modelo humani-zado, para prevenir a prematuridade e garantir a saúde materna e infantil. Considerando a complexidade da assistência perinatal, recomenda-se a organização da rede assistencial em uma lógica de regionalização e hierarquização, com qualificação dos recursos humanos para assistência na saúde pública. Considerando as comprovadas vantagens de assistência ao período perinatal por equipe multidisciplinar, recomenda-se tornar obrigatória a presença de enfermeiras-obstétricas nas equipes assistenciais de todas as maternidades, públicas e privadas. Considerando-se a pouca relevância do indicador “parto por profis-sional qualificado” na qualidade da assistência ao parto no Brasil, recomen-da-se a revisão deste indicador e sua possível supressão ou alteração. Considerando que 40% das mortes infantis ocorrem nas primeiras horas pós-parto e que a mortalidade materna está concentrada no período anterior à alta hospitalar, recomenda-se a fomentar a qualificação da gestão hospitalar, bem como aumentar a regulação dos leitos privados contratados pelo SUS. Considerando que a assistência ao parto normal no Brasil é inade-quada e com excesso de intervenções desnecessárias, degradantes e viola-doras de direitos humanos da mulher e do bebê, e que inclusive aumentam a dor durante o trabalho de parto, recomenda-se explicitar nos projetos de pesquisa e programas de saúde o que se chama de parto normal e distinguir

11. Mesa redonda

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parto vaginal de parto fisiológico, incluindo nos prontuários assistenciais um espaço para identificar todas as intervenções realizadas no parto normal, tais como ocitocina, episiotomia e manobra de Kristeler, para melhor ava-liação de seu impacto na saúde perinatal. Considerando a experiência acumulada pelos dez anos de Casas de Parto no Brasil, bem como a importância de promover a autonomia da mu-lher na suas decisões com relação ao parto, recomenda-se rever as restrições presentes no protocolo da Casa de Parto no sentido de incentivar e ampliar o acesso a esse modelo assistencial, abrindo espaço para as mulheres deci-direm de maneira informada sobre como e onde desejam parir. Considerando a necessidade de qualificação da atenção e formação médica para o atendimento das urgências obstétricas, recomenda-se a am-pliação do treinamento em ALSO – Suporte Avançado de Vida. Considerando-se a importância de conhecer a taxa de prematuri-dade dos hospitais privados, tanto por ser um indicador da qualidade da assistência quanto por sua possível relação com a cesárea desnecessária, recomenda-se o financiamento, pelo Ministério da Saúde, de um estudo multicêntrico com o objetivo de registrar com acurácia a idade gestacional dos bebês nascidos nas maternidades privadas.

12. Mesa redonda - Assistência no parto e nascimento: modelo humanístico e as práticas baseadas em evi-dências científicas

Considerando a baixa qualidade do registro médico em prontuário, o que impede inclusive a realização de pesquisas e o avanço no conheci-mento, recomenda-se criar políticas de auditoria de prontuários de atenção à parturiente, com avaliação crítica e advertência para a cesárea desneces-sária. É necessário o registro de rotina da presença de acompanhantes no trabalho de parto e parto, e da episiotomia e do estado perineal nos partos vaginais. A informação sobre o direito a acompanhantes no SUS deve ser informado claramente na carteira da gestante e na agenda da gestante Considerando que os impactos da cesárea desnecessária se farão sentir nas gestações futuras, como é o caso do acretismo placentário (que vem crescendo nos EUA e na Inglaterra), recomenda-se a criação de linhas de pesquisa específicas para avaliar a ocorrência desses casos no Brasil. Considerando o alto índice da cesárea no setor privado e que as mulheres, apesar do desejo pelo parto normal, estão sendo submetidas a cesáreas desnecessárias, recomenda-se a publicização para as pacientes dos índices de cesáreas dos prestadores hospitalares e dos médicos dos planos privados de saúde. Considerando que a ANS não pode impor o modelo de assistência ao parto para as operadores, recomenda-se a criação de um rol de alterna-tivas a ser apresentado às operadoras bem como um estudo de custo acerca da inclusão da enfermeira obstetra na assistência ao parto. Considerando a pouca atenção do modelo tecnocrático de assis-tência ao parto para com a anatomia perineal e vaginal, recomenda-se a criação de programas de promoção da saúde que incluam os exercícios de Kiegel e o auto-conhecimento corporal da mulher.

12. Mesa redonda - Assistência no parto e nascimento: modelo humanístico e as práticas baseadas em evidências científicas

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