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2
Orelha 1
Observando e Anotando
Raimundo Rocha
Raimundo Rocha nasceu em Patú (RN), em
1919, e faleceu em São Luís no ano de
1969.Como ocorre freqüentemente com os
nordestinos, morou em muitas cidades
diferentes antes de chegar a São Luís, onde
viveu seus treze últimos anos. Esse livro
testemunha sua vida em Patú, Lucrecia,
Assú, Pau dos Ferros, Mossoró, Teresina,
Fortaleza, Pedreiras e São Luís, reunindo
suas observações ali realizadas,
especialmente sobre aspectos da cultura
nacional menos controlados pelas elites e
que normalmente fogem aos interesses da
Ciência e da Cultura Erudita. Além de
comerciante, foi também folclorista,
jornalista e um estudioso da origem do povo
brasileiro, ligando-se a várias associações
profissionais e culturais. Publicou seus
trabalhos em diversas revistas, entre elas:
Centelha, Bando, Legenda, Encontro com o
Folclore, Revista Genealógica Latina,
Almanaque Cariri, Boletim do CRN e
outras. Divulgou também vários deles no
Jornal do Dia, no Jornal do Maranhão, no
Jornal Cidade de Pinheiro e na Tribuna de
Pinheiro. Planejava reunir seus escritos em
um livro, quando foi surpreendido por um
colapso cardíaco, antes mesmo de esboçar o
plano de sua obra. Observando e Anotando
reúne seus trabalhos publicados e inéditos
localizados pela família, procurando
respeitar seu estilo literário e a forma de
apresentação por ele adotada. O título
corresponde à denominação de uma das
seções do seu caderno de pesquisa.
Raimundo Rocha descreve em seus
trabalhos a vida nas pequenas cidades do
interior do Rio Grande do Norte, pintando
com vivas cores a escola, a família rural, a
instabilidade e as contingências da pequena
burguesia local, de onde saiu, e os costumes
sertanejos. Descreve também manifestações
folclóricas nordestinas pouco pesquisadas,
sendo seus trabalhos freqüentemente citados
nas obras de Alceu Maynard Araújo.
Mundicarmo Ferretti
Organizadora
3
Orelha 2
Raimundo Rocha para o escritor e amigo
Raimundo Nonato
“Há certas criaturas iluminadas pelos
clarões da bondade que, continuam
presentes na memória dos seus
contemporâneos, como se vivas
continuassem sendo.
O fenômeno não é estranho ao raciocínio, e
uniu-o Câmara Cascudo, num daqueles
rasgos de sua geniosidade, quando
determinou numa manifestação de
sentimentos de afetividade que: “A morte
existe, os mortos não” (...).
“Espírito expansivo, claro, sem
embutimento de ideais, mergulhou nos
estudos da pesquisa e não tardou Raimundo
Rocha a encontrar-se e estabelecer
relacionamento com as figuras mais
destacadas do campo folclórico, a exemplo
de Câmara Cascudo, M. Rodrigues de Melo,
Vingt-un Rosado, Veríssimo de Melo e
Alceu Maynard, este de São Paulo, falecido
recentemente.
Seu trabalho teve o mérito da originalidade,
e justificá-lo plenamente, ainda mais, pelo
espírito de equanimidade com que dividia as
honras de um trabalho, que ele sempre
considerava de grupo, e que por isso, devia
pertencer a outrem”.
Raimundo Nonato, 1974.
“Aroeira do Patú – Jequitibá no
Maranhão”
“Por demais foi intensa a atividade
jornalística de Raimundo Rocha naquele
importante centro cultural (São Luís-MA),
tomando parte ativa nos seus movimentos
literários e no trabalho das suas instituições
em particular das que se dedicavam à
promoção no campo do folclore e da
antropologia”.
Raimundo Nonato, 1972.
“Raimundo Rocha – seus verdes dias no
sítio do Junco”
4
RAIMUNDO ROCHA
OBSERVANDO
E
ANOTANDO
GP-MINA
São Luís
2017
5
Organização e notas MUNDICARMO MARIA ROCHA FERRETTI
Colaboração MARIA DO CARMO ROCHA
JULIA MARIA ROCHA
SERGIO FIGUEIREDO FERRETTI
Revisão MARIA DE FÁTIMA SOPAS ROCHA
Rocha, Raimundo.
Observando e Anotando/Raimundo Rocha – São Luis: Gp-Mina/UFMA, 2017.
168 p.: 34 il.; 22 cm.(???)
1. Folclore Nordestino. 2. Cultura Nacional. 3. Literatura Norteriograndense -
memórias. 4. Folclore Maranhense. 5. Família Nordestina. I. Rocha, Raimundo. II.
Título.
CDD 398.09812
CDU 398 (812/914)
6
Caríssimo compadre Mundico
Continue a escrever. Gostei dos seus últimos trabalhos. Vá
escrevendo e um dia você ajuntará tudo num livro.
São Paulo, 17/06/1968.
Alceu Maynard Araújo1
1 Nota da organizadora - Escritor, folclorista, professor, membro da Academia Paulista de Letras e autor de
Antologia do Folclore Nacional – 3 vol. Ed. Melhoramentos, 1964 e de várias outras obras.
7
SUMÁRIO
PREFÁCIO, 8
Pedro Dantas da Rocha Neto
APRESENTAÇÃO, 11
Mundicarmo Maria Rocha Ferretti
VIDA E OBRA DE RAIMUNDO ROCHA, 13
Sergio Figueiredo Ferretti
FOLCLORE MARANHENSE, 20
1. ROMARIA DAS CARROÇAS A RIBAMAR (11/1957), 21
2. PREGÕES DE SÃO LUÍS (08/1968), 24
3. A MEDICINA CASEIRA MARANHENSE (10/1968), 27
FOLCLORE DO PIAUÍ, 28
1. "ELE NÃO DÁ CRUZEIRO" (02/1949), 29
2. BENEDITO, MESTRE ESCOLA DA TRIBO GAVIÃO (06/1949), 31
3. O BUMBA-MEU-BOI (08/1959), 33
4. SÃO GONÇALO DO PIAUÍ (1950), 36
5. AINDA A DANÇA DE SÃO GONÇALO (11/1951), 41
6. A FESTA DOS CACHORROS (06/1954), 46
7. MARCHA DOS DEZ MANDAMENTOS (06/1967), 48
FOLCLORE DA SECA, 50
1. ADVERTÊNCIA PARA O MEU FUTURO (10/1949), 51
2. UM POUCO DE FOLCLORE, 53
3. PARECE MENTIRA, PARECE..., 60
4. ONDE MORREU JESUÍNO BRILHANTE (10/1967), 62
5. EU CONHECI ANTÔNIO SILVINO (03/1968), 64
6. PELO SINAL DO SERTANEJO (1972), 68
LEMBRANÇAS DO PATÚ. 70
1. OLHO D'ÁGUA DO PINGA (09/1947), 71
2. DIVAGANDO... (11/1947), 73
3. FIGURAS PITUENSES - JOÃO DE HOLANDA (12/1949), 74
4. SINHÁ PROFESSORA (01/1950), 76
5. BICHO DO MATO (02/1959), 79
6. POPULARES DO PATÚ (05/1950), 81
7. SOBRENOMES E APELIDOS (06/1950), 84
8. JUNCO - PARAÍSO INFANTIL (12/1966), 87
FAMÍLIA ROCHA, 89
8
1. FAMÍLIA ROCHA (genealogia) (07/1961), 90
2. MÃE-VELHA (12/1949), 95
3. MÃE MIMOSA (12/1949), 97
4. PROFESSOR ROCHA, MEU PRIMEIRO MESTRE (02/1967), 99
5. MEU PAI (06/1967), 101
6. VERSO DO AÇUDE DO SALÔBO (de poeta popular), 103
7. IRMÃOS ROCHA – NOTAS (1944-1965), 105
FIGURAS NOTÁVEIS, 125
1. HUMBERTO DE CAMPOS (06/1947), 126
2. VASCONCELOS - OPERÁRIO DA AGULHA E DA PENA (12/1948), 129
3. DUBAS - UM MESTRE E UM AMIGO (01/1950), 131
DISCURSO NA ENTREGA DA COMENDA VITAL BRASIL (10/1967), 135
ROTEIRO AUTOBIOGRÁFICO (05/1969), 137
RAIMUNDO ROCHA PARA ESCRITORES E AMIGOS, 140
1. VERÍSSIMO DE MELO - "Marcha dos dez mandamentos" (02/1951), 141
2. ALCEU MAYNARD DE ARAUJO - "Minha roseira do Maranhão" (09/1970), 143
3. RAIMUNDO NONATO - "Raimundo Rocha – seus verdes dias no sítio Junco"
(09/1972), 145
4. CARLOS CUNHA - "A queda do jequitibá não abalou a floresta" (07/1974), 148
5. RAIMUNDO NONATO - "Aroeira do Patú – Jequitibá no Maranhão" (08/1974),
150
6. JOSÉ AQUINO – “Homenagem a Mundico (Carta a Mundicarmo)" (11/1983), 153
7. JOSÉ JACOME BARRETO - "Raimundo Rocha (Mundico) – um depoimento
sentimental (01/1984), 157
FOTOGRAFIAS, 160
9
PREFÁCIO
MUITO TEMPO PARA ESCREVER, POUCO TEMPO PARA CONVIVER.
Levei muito tempo até tomar da caneta e escrever alguns pensamentos que fariam às
vezes de prefácio para esta magnífica coletânea de escritos reunidos cuidadosamente pela
minha irmã Mundicarmo.
Outro dia estava divagando quando me ocorreu a idéia de como foi curta a
convivência do filho Rocha Neto com o seu pai. Não demorou mais do que treze anos. Isto, se
contarmos apenas o tempo de convivência a partir da "idade da razão", como diria a minha
mãe, até o meu casamento, quando, normalmente, deixamos a casa dos pais para construirmos
a nossa. Temos que descontar os anos em que vivi longe do convívio familiar e que foram
quatro. Nestes quatro anos fiquei interno em Recife e Campina Grande, por decisão pessoal,
quase malcriada, cuidando dos estudos e da minha formação para tornar-me, como queria, um
professor: um Irmão Marista.
Acho que este livro é um tratado de como as pessoas podem encarregar-se do próprio
desenvolvimento. Na família freqüentemente brota a idéia de que o pai e a mãe são
supostamente amadurecidos e a criança, totalmente dependente dos adultos. O que
aprendemos desde o nascimento até a idade adulta relaciona-se essencialmente com isto.
Sem dúvida, muito do que aprendemos na vida decorre de processo inconsciente. A
nossa importância para o mundo e as nossas habilidades para enfrentar a caminhada são-nos
transferidas, no início da vida, através de convincentes lições inconscientes captadas dessa
convivência com os pais.
Tenho gravada na memória a cena em que meu pai, agilmente, com apenas os dois
indicadores das mãos, elaborava cuidadosamente o início do álbum de família composto não
de fotos, mas de narrativas preciosas. Cada um de nós era tratado ali como se, todos, fôssemos
criaturas predestinadas.
O verdadeiro "diário" da convivência com os filhos ocupa parte destes documentos,
revelando também os dotes marcantes do escritor RAIMUNDO ROCHA, "doublé" de
empresário, mais pela necessidade de prover o sustento da sua família, do que propriamente
por vocação.
Sua vocação mesmo era, sem dúvida, a de escritor.
É deliciosa a leitura das narrativas das festas e manifestações folclóricas do Piauí e
do Maranhão, sua terra adotiva. Magníficas lições da história e da cultura popular desses dois
Estados, àquela época ainda íntegra e sem influências externas devido ao isolamento
geográfico quase absoluto desse rincão brasileiro nos anos 50.
Esta obra, aqui reunida graças ao espírito pesquisador e detalhista de Mundicarmo,
aqui e ali nos revela o extraordinário naipe de amigos intelectuais que compartilhavam,
animada e produtivamente, de uma amizade e companheirismo notáveis. Lá está
RAIMUNDO ROCHA dentre figuras como Luiz da Câmara Cascudo, o Cascudinho, como a
ele se referia com intimidade; Alceu Maynard Araújo, da Academia Paulista de Letras, autor
da Antologia do Folclore Nacional, concedendo a RAIMUNDO ROCHA, em sua obra, sem
favor e sem bajulação, três importantes citações de trabalhos seus.
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Aqui no Maranhão, nas reuniões freqüentes motivadas pelas questões do intelecto,
das artes, da literatura, da música, ali estava, "achando um tempinho" em meio às canseiras do
dia-a-dia, o agitado RAIMUNDO ROCHA esgueirando-se por entre a platéia que ouvia atenta
o discurso inflamado do Cônego Ribamar Carvalho ou a declamação apaixonada daquele belo
soneto de Augusto dos Anjos, dramaticamente encenada pelo poeta Carlos Cunha.
Certamente, nos intervalos, cochichava ao ouvido atento de Domingos Vieira Filho
talvez, quem sabe, apoiado no cabo do indefectível guarda-chuva do professor Rubem de
Almeida.
A leitura deste documento-coletânea é uma experiência extraordinária. O seu
conteúdo vibrante apela para o meu senso de humor, para a minha percepção das fraquezas
humanas, aprofundando o meu conhecimento de como funciona a mente humana conduzida
pela vontade férrea de vencer. À medida que leio, identifico-me com as pessoas e os fatos que
ele descreve e, por que não dizer, tenho o prazer de rir de mim mesmo constatando o quanto
tenho ainda que aprender.
Lamento haver demorado tanto para escrever estes rabiscos. Por muitos anos privei,
involuntariamente, muitas pessoas de se deliciarem com a qualidade dos pensamentos e o
nível de informações aqui reunidas.
Estavam todos a esperar por mim.
Mas isto não é tanto tempo assim, sobretudo considerando o tão curto lapso de tempo
que foi minha convivência direta com o meu pai. Convivi apenas por quinze anos conscientes
em sua companhia...
E... eu ainda nem havia percebido!
Pedro Dantas da Rocha Neto2
Março/1994
2 Nota da organizadora - Pedro Dantas da Rocha Neto, Bacharel em Direito, é o segundo filho de Ramundo
Rocha e foi quem tomou a frente os negócios da família após o seu falecimento.
11
APRESENTAÇÃO
Uma das características da chamada "civilização ocidental" é a rígida separação entre
"atividades materiais" e as "coisas do espírito"- consideradas mais elevadas que aquelas.
Em decorrência dessa visão, era comum, no passado, jovens de origem popular
envedarem pelo caminho das letras, conquistando através da atividade literária uma posição
de prestígio que não lhes fora dada pelo "berço".
Para tal, deveriam, no entanto, dedicar-se a ela inteiramente, mesmo que para isso
tivessem que viver uma vida de miséria e que sacrificar sua família, pois nem sempre o
trabalho intelectual produzia resultados rentáveis.
São muitos os que consideram até inconcebível a congregação de atividades
materiais e espirituais. Mas, graças principalmente à difusão do pensamento do italiano
Antônio Gramsci3, essa idéia hoje tem sido posta em questão. Cresce o número dos que
consideram intelectuais, não apenas os que se dedicam exclusivamente às "coisas do espírito"
e os que são ligados à cultura erudita, já são muitos os que compreendem por intelectuais
todos aqueles que tomam para si a tarefa de sistematizar e de expressar idéias, valores e
sentimentos de uma sociedade ou de uma época.
Entre as camadas populares, um estivador é um intelectual quando, por exemplo,
assumindo o papel de "amo" numa brincadeira de "Bumba-meu-boi", compõe toadas e cria
autos que serão apresentados pelo grupo, sistematizando e expressando o gosto e a visão do
mundo de sua sociedade.
Raimundo Rocha foi um intelectual-comerciante. Sendo de família pobre; perdendo o
pai aos 13 anos; casando-se aos 23; e, morrendo aos 49, deixando 11 filhos, não conheceu o
"ócio"- nem mesmo o "ócio com dignidade" de tantos escritores e artistas. Não seria exagero
dizer que nunca teve férias.
Sua produção literária, iniciada em 1947, acompanhou sua lida de comerciante,
sendo mesmo preterida por esta no período 1955-1965, quando compromissos financeiros o
obrigaram a dedicar-se inteiramente ao trabalho que garantia o sustento de sua família e a
educação de seus filhos.
Apesar de sentir grande atração pelas letras e de se orgulhar de sua produção literária,
queria ser bem sucedido economicamente, sentindo também orgulho ao ser considerado e
prestigiado em 1965 como "próspero" comerciante.
Por volta de 1954 deixou praticamente de escrever, só retornando a essa atividade em
fins de 1966, graças ao estímulo de escritores amigos como Alceu Maynard Araújo, de São
Paulo, e dos conterrâneos: Francisco Rodrigues Alves e, principalmente, Raimundo Nonato,
com quem manteve uma correspondência quase semanal nos últimos anos de sua vida. E, sem
dúvida alguma, graças à boa situação financeira conquistada pela Cerealista Maranhense Ltda,
empresa por ele fundada em São Luís, em 1957.
Raimundo Rocha é um exemplo de não incompatibilidade entre produção "espiritual"
e "material", é um testemunho de que, quando alguém se dedica à segunda, consegue uma
situação financeira que lhe permite "respirar", essa produção pode se tornar abundante e de
boa qualidade.
3 GRAMSCI, Antonio. Literatura e vida nacional. 2.ed., Rio de Janeiro: Ed. Civilizações Brasileiras, 1978.
12
Embora não fosse portador de títulos acadêmicos, escreveu e publicou trabalhos que,
em quantidade e qualidade, superam às vezes os produzidos ainda hoje pela maioria dos
professores universitários.
Sua obra é marcada pelo interesse etnológico ou folclórico e pelo sentimentalismo e
religiosidade de migrante nordestino, nascido no sertão do Rio Grande do Norte, em 1919.
Essa tônica, embora considerada, atualmente, por muitos do meio intelectual urbano, como
"fora de moda"ou "ultrapassada”, tem grande receptividade no gosto popular e tem legado à
ciência muitos dados importantes, possibilitando o resgate da nossa história e das raízes
culturais do nosso povo.
Só uma coisa é, de fato, lamentável na vida e na obra de Raimundo Rocha - o seu
desaparecimento precoce, numa das fases mais promissoras de sua atividade literária e quando
mal começava a ver os frutos do que plantara com tanto sacrifício. Só pôde assistir à
graduação universitária dos seus dois primeiros filhos e só teve tempo de ver 4 dos seus 11
filhos completarem 20 anos - felicidade que seu pai não pôde ter nem mesmo em relação a seu
primogênito.
A coletânea que hoje está sendo apresentada não é completa. Muita coisa trabalhou
contra ela: o desaparecimento repentino do autor; o esforço sobre-humano dos seus filhos
homens para continuar sua empresa; a perda de documentos decorrente de duas mudanças de
sede da Cerealista e três de domicílio da família, aliados ao estrago causado pelas chuvas e
pelos cupins de São Luís; e o próprio tempo, foram obstáculos difíceis de transpor.
O que hoje aparece de público é fruto do esforço conjugado de muitas mãos e de
muitos anos. Foram necessários não só os recursos financeiros gerados pelo trabalho de seus
filhos homens. Foi preciso o trabalho de sua esposa, filhas, noras e genros, aliados à
colaboração de amigos e cunhados que, mesmo de longe, contribuíram fornecendo
informações e documentos.
O título da obra é o mesmo que abre o caderno de pesquisa por ele deixado
incompleto. Foram incluídas aqui todas as obras localizadas, mesmo as que não se tem certeza
se foram publicadas. Deixados de incluir apenas a versão preliminar de “Meu Pai”, em virtude
desse texto ter sido resumido e publicado, em 1967, por Raimundo Rocha.
O livro começou a ser organizado em 1983/1984, quando foi concluída a pesquisa e
foram datilografados, por Maria do Carmo Rocha (viúva de Raimundo Rocha), os trabalhos
localizados. Em 1994, por ocasião dos 70 anos daquela, Pedro Dantas da Rocha Neto escreveu
o Prefácio, mandou digitar e imprimir uma cópia da obra completa, para presenteá-la. Doze
anos depois, participando em Mossoró (RN), como palestrante, de evento promovido pela
Fundação José Augusto, então dirigida por Isaura Rosado, fizemos referencia a trabalhos
produzidos e/ou publicados naquela cidade por meu pai – Raimundo Rocha. O interesse
despertado em representantes daquela Fundação nos animou a retomar a organização da obra e
mais tarde a sua disponibilização na internet, no site do nosso grupo de pesquisa
www.gpmina.ufma.br.
São Luís, abril de 2017.
Mundicarmo Maria Rocha Ferretti4
4 Mundicarmo Maria Rocha Ferretti, Doutora em Antropologia e membro da Comissão Maranhense de Folclore,
é a primeira filha de Raimundo Rocha e quem assumiu a organização de Observando e Anotando.
13
VIDA E OBRA DE RAIMUNDO ROCHA
14
VIDA E OBRA DE RAIMUNDO ROCHA
Nascido no município de Patú, no Rio Grande do Norte, a 21 de novembro de 1919,
Raimundo Rocha faleceu em São Luís do Maranhão, em 22 de setembro de 1969, aos 49 anos
de idade, deixando viúva sua esposa, D. Maria do Carmo Rocha, com onze filhos, sendo cinco
menores. Hoje os seus filhos já estão quase todos formados na Universidade, têm vários filhos
e residem e trabalham no Maranhão.
Como comerciante, Raimundo Rocha trabalhou nos primeiros anos em Patú, em Pau
dos Ferros, onde se casou com D. Maria do Carmo e em Mossoró, no Rio Grande do Norte.
Seguindo o caminho tradicional dos Nordestinos em direção à Amazônia, transferiu-se para
Fortaleza, Teresina e Pedreiras (MA), estabelecendo-se finalmente em São Luís, a partir de
1956, onde se dedicava ao comércio do arroz, açúcar e outros gêneros.
Aos treze anos ficou órfão do pai tendo vivido uma juventude atribulada. Dedicava
grande amor e admiração ao pai, Pedro Dantas da Rocha, que faleceu muito jovem, deixando
vários filhos menores. Aprendeu as primeiras letras com o avô, que era mestre-escola em
Patú. Possuía poucos anos de instrução formal, embora sempre tenha dedicado grande
interesse a atividades culturais. Dispunha em sua residência, ao falecer, de vasta biblioteca
com obras sobre ciências, artes, literatura, folclore e cultura geral, além de excelente discoteca
com obras clássicas e populares de alto nível. Gostava de artes, teatro, cinema e fotografia.
Fotografou e filmou várias cenas da vida familiar e da cidade. Como reflexo de seu interesse
pelos estudos, sempre fez questão de encaminhar os filhos à escola, estando hoje dez dos seus
filhos já formados na Universidade.
Em São Luís, onde se estabeleceu por mais tempo, ao lado de suas intensas
atividades de comércio, dedicava-se a várias atividades culturais. Colaborava sempre com
diversas entidades de cultura como o Instituto Cultural Brasil Estados Unidos, do qual foi
Secretário, a Associação Comercial do Maranhão, órgão de que foi um dos Diretores, a
Associação Comercial de Pedreiras e várias outras. Sempre que podia assistia a palestras,
conferências e exposições de arte, adquirindo obras, apoiando o trabalho de artistas e
intelectuais da terra.
Foi membro igualmente de várias entidades culturais de outros Estados, como da
Comissão Piauiense de Folclore, de que foi sócio fundador, da Casa de Euclides da Cunha, de
Natal, do Grêmio Literário Ferreira Itajubá, em Mossoró, do Centro Norteriograndense do
Estado da Guanabara (hoje Rio de Janeiro), do Clube Folclórico de Piracicaba, do Instituto
Genealógico Brasileiro de São Paulo, da Associação de Profissionais da Imprensa de São
Paulo e outros.
Quando o tempo lhe permitia, participava de Cursos de Extensão Cultural,
promovidos por entidades locais, como o Curso de Jornalismo promovido pela Universidade
Federal do Maranhão em 1966, Curso de Administração de Empresas do SENAC, em São
Luís, Curso de Psicologia Educacional do Movimento Familiar Cristão, etc. Em suas
atividades culturais ganhou várias medalhas como as de Vital Brasil e Nina Rodrigues em
1965, e as de Couto Magalhães, Cândido Rondon e Euclides da Cunha em 1967, recebendo o
título de Personalidade do Ano em Natal, em 1967.
15
Cultivava com dedicação a amizade com grandes folcloristas brasileiros e, quando
possível, promovia sua vinda a São Luís, hospedando-os em sua residência e organizando
conferências, como ocorreu em julho de 1967 com o seu compadre, o folclorista paulista Dr.
Alceu Maynard Araújo. Colaborava com o folclorista Veríssimo de Melo em Natal,
correspondia-se assiduamente com o folclorista norteriograndense Raimundo Nonato da Silva
e vários outros, e nas paredes de sua casa, figurava um retrato seu ao lado de Câmara
Cascudo, do qual muito se orgulhava.
Para cultivar os laços de parentesco e de amizade, gostava de escrever cartas e
constantemente se correspondia com filhos que estudavam em outras capitais e com parentes e
amigos de outras cidades. Sempre que viajava trazia como lembranças e presentes, quadros,
discos, livros e objetos de cultura. Interessado em Genealogia, correspondia-se com o Instituto
Genealógico Brasileiro de São Paulo, tendo mandado confeccionar um Brasão de Armas para
sua família. Tinha grande orgulho por ter trabalhos de sua autoria citados pelo folclorista
Alceu Maynard Araújo, em sua obra O Folclore Nacional, publicado em 3 volumes pela
Edições Melhoramentos, de São Paulo, em 1964, bem como na obra A Província Literária, de
Raimundo Nonato da Silva.
Em 1968, a Câmara Municipal de Patú, sua cidade natal, resolveu dar o seu nome a
um Grupo Escolar da cidade, homenageando igualmente o seu progenitor, dando o nome deste
à Biblioteca de referido Grupo. Raimundo Rocha angariou entre familiares e amigos e
adquiriu pessoalmente, grande número de livros que doou ao Grupo Escolar que lhe prestara
tal homenagem, tendo paraninfado a turma dos alunos formados em 1968. Na época,
aproveitou a viagem a sua terra para fazer uma peregrinação ao Santuário de Nossa Senhora
dos Impossíveis, na Serra do Lima, pois era muito devoto desta santa a quem recorria
constantemente para ajudá-lo em situações difíceis.
Homem simples, dedicado ao trabalho, à família e aos amigos, acompanhava com
vivo interesse as manifestações de cultura popular como o Bumba-meu-boi, o Tambor de
Mina, o Tambor de Crioula em São Luís e manifestações folclóricas do Maranhão e em outros
Estados em que residiu, demonstrando entusiasmo pelas tradições autênticas da cultura
popular. Benquisto por familiares, amigos e subordinados, que sempre tratava com sincera
amizade, gostava de receber os amigos com todas as honras da casa, demonstrando sempre,
afetivamente, a cordial hospitalidade nordestina. Quase todas as noites e nas manhãs de
domingo recebia em casa amigos que vinham bater um papo e beber alguma coisa.
Diariamente ia bem cedo ao mercado fazer compras, conhecia os vendedores dos
melhores produtos e os operários especializados em diversas profissões, estando pronto a
indicar a um amigo o melhor mecânico, carpinteiro, eletricista, encanador ou pedreiro da
cidade, que eram também seus velhos amigos. Geralmente, aos sábados à tarde ia a São José
de Ribamar conversar com algum compadre, comprar peixe e fazer uma visita à igreja,
levando filhos ou amigos num agradável passeio. Às noites, após o jantar, gostava de dar uma
volta de carro pelas ruas do centro da cidade para adormecer os filhos pequenos e visitar
algum amigo.
Nas horas vagas gostava de escrever artigos para jornais e revistas, que eram
publicados em São Luís, Teresina e principalmente no Rio Grande do Norte. Assim,
colaborou no período de 1947 a 1969, escrevendo diversos artigos que foram publicados nos
16
seguintes órgãos: Centelha, revista do Grêmio Literário Itajubá, de Mossoró, Boletim
Bibliográfico da Biblioteca Pública Municipal de Mossoró, Poliantéia, revista comemorativa
do primeiro aniversário de falecimento do jornalista J. Vasconcelos, de Mossoró, Bando,
revista da Casa Euclides da Cunha, de Natal, Legenda, revista de São Luís, Almanaque do
Cariri, revista de Teresina ,Boletim do Centro Norteriograndense, do Rio de Janeiro,
Encontro com o Folclore, revista publicada no Estado do Rio de Janeiro, Revista Genealógica
Latina, de São Paulo, Jornal do Dia, de São Luís, e Jornal do Maranhão, órgão da
Arquidiocese de São Luís.
Para a presente publicação pensou-se inicialmente em reunir apenas 21 artigos de
Raimundo Rocha, escritos e publicados em vida, entre 1947 e 1969. Depois foram sendo
localizados outros trabalhos seus, igualmente interessantes, como o Caderno de Notas sobre
os Irmãos Rocha, o Caderno de Pesquisa, a pasta de Correspondências e outros trabalhos
publicados de que não se tinha notícia. Resolveu-se, então, publicar todos os seus trabalhos
localizados. Podemos subdividir os 36 escritos aqui reunidos nos seguintes temas: etnografia,
folclore e personalidades, 21 artigos; lembranças da terra natal, 8 artigos; pessoas de sua
família e autobiografia, 7 escritos. Os dois temas básicos de todos os seus trabalhos são a vida
familiar e o folclore.
Entre seus temas favoritos destacam-se as lembranças da terra natal, dos tempos de
infância e a grande admiração pela figura paterna. A paisagem física de sua região natal é
descrita no belo artigo "Olho d'água do Pinga", que narra uma excursão à terra do Patú em
1947. No mesmo ano, o artigo "Divagando..." comenta a volta, depois de vários anos de
ausência, à sua cidade natal, revendo lugares onde passou anos felizes na infância, e a visita
ao túmulo paterno no Dia de Finados. No artigo "Figuras Patuenses - João Holanda", relembra
as estórias imaginosas e divertidas que ouvia, quando criança, daquela personalidade
pitoresca, que colecionava caixas de fósforos e contava estórias de assombramento, de
lobisomem, mulas, etc. Um dos temas que lhe é mais grato é a recordação de seus antigos
professores primários. Em "Professor Rocha, meu primeiro mestre", descreve detalhes
curiosos da escola primária rural no sítio do Junco, em que os alunos eram separados em salas
diferentes por sexo e onde era comum o uso de palmatória e de outros castigos. Apesar de
tudo, o professor era querido e estimado e as aulas transcorriam em meio a atividades
domésticas e rurais. No artigo "Sinhá Professora", lembra a rigidez e a eficiência do ensino
particular da velha professora formada nos tempos do Império. No artigo "Bicho do Mato",
recorda sua antiga professora na escola pública, D. Eulália Diniz, e o Professor Raimundo
Soares de Andrade, que também o ensinava a caçar passarinhos, e as brincadeiras dos colegas
de infância. No artigo "Dubas - Um mestre e um amigo", fala com admiração e
reconhecimento do professor e amigo Manoel Jácome de Lima, com quem manteve
correspondência por muito tempo. Relembra no artigo "Populares do Patú", vários loucos que
eram atormentados pelos moleques, e alguns que viviam acorrentados, como era costume
naquela terra que "era boa pra doido", conforme dizia um deles. No artigo "Sobrenomes e
Apelidos", escrito em Teresina em 1950, refere-se a trabalhos dos folcloristas nordestinos
Veríssimo de Melo e Raimundo Nonato, com quem colaborava. Procura enriquecer com suas
observações, as anotações daqueles estudiosos potiguares a respeito do hábito tão brasileiro de
dar alcunhas e apelidos sonoros que se ajustam bem aos tipos. Cita prodigiosa quantidade de
nomes e apelidos curiosos que recolheu em várias cidades nordestinas. Em "Junco - Paraíso
Infantil", publicado em 1966, lembra os anos felizes da infância no sítio do Junco onde
brincava com filhos de vaqueiros e tomava banho no açude, na estação invernosa.
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A estas recordações da infância e da terra natal, acrescenta-se seu grande interesse
por diversos aspectos da vida familiar, como as lembranças de sua velha avó no artigo "Mãe
Velha" e de uma tia em "Mãe Mimosa", com quem conviveu durante os primeiros anos no
sítio do Junco. No artigo "Família Rocha", publicado em 1961 no número 13 da Revista
Genealógica Latina, procura reconstruir elementos da árvore genealógica de sua família entre
1850 e 1960. Em "Irmãos Rocha - Notas" divulga-se aqui uma resenha de seu caderno de
Anotações, redigido entre 1944 e 1965, em que acompanha o desenvolvimento físico e
psicológico dos onze filhos que teve com sua esposa, D. Maria do Carmo Rocha. Recorda
sobretudo os momentos agradáveis passados com os filhos, datas de aniversário, passeios,
presentes, brincadeiras, não lhes poupando elogios. A partir de 1954 estas, anotações vão se
tornando escassas devido a afazeres e viagens, mas o interesse pelos filhos aparece sempre em
sua correspondência. Em vários de seus escritos Raimundo Rocha valoriza e ressalta a figura
de seu pai, de quem guardava as gratas recordações e dedicava grande estima. No artigo 'Meu
Pai", de 1967, descreve com grande orgulho seu pai, Pedro Dantas da Rocha, que foi mestre
escola e ocupou vários cargos na Vila do Patú. Homem esclarecido, comunicativo, gostava de
ler e escrever, tendo falecido muito jovem, com apenas quarenta e um anos, mas que sempre
lhe serviu como modelo de conduta. Em "Advertência para o meu futuro", escrito em Teresina
em 1949, refere-se aos últimos meses de vida de seu pai que então trabalhava fornecendo
gêneros para a construção de um açude. Raimundo Rocha, que trabalhava com o pai, lembra-
se com revolta das injustiças sofridas pelos trabalhadores na construção, com quem convivia,
criticando a corrupção dos administradores públicos. Lá seu pai contraiu o mal que o levou ao
túmulo, lamentando não poder ver o filho aos vinte anos. A lembrança do pai, porém, exerceu
sempre grande influência na formação de seu caráter.
No artigo "Humberto de Campos", publicado em Mossoró em 1947, narra algumas
passagens da vida difícil do grande escritor maranhense, que era um de seus heróis prediletos,
e que ascendeu na vida tendo se originado das camadas populares mais baixas. Assumindo a
profissão de tipógrafo, como Benjamim Franklin, e depois de jornalista, atingiu
posteriormente as mais elevadas posições na literatura nacional. Cita suas principais obras,
que lia com interesse e anotava. Refere-se à influência de Coelho Neto sobre Humberto de
Campos e à sua posse na Academia Brasileira de Letras, lembrando sua liberdade de
consciência em defesa dos mais fracos e oprimidos. Outra figura literária que freqüentemente
cita com admiração e respeito, é Machado de Assis, também humilde, que igualmente
trabalhou como tipógrafo e chegou a fundar e dirigir a Academia Brasileira de Letras, a
principal entidade de cultura do país na época. Cita em vários artigos, escritores eruditos
como Casimiro de Abreu, Graça Aranha, Euclides da Cunha e outros, que admirava e cuja
obra possuía e conhecia. No artigo "Vasconcelos - Operário de Agulha e da Pena", publicado
em 1948 em Mossoró, relembra o escritor , poeta, historiador e folclorista norteriograndense,
Martins de Vasconcelos, também de origem humilde, tipógrafo e jornalista, a quem foi
apresentado por seu saudoso pai Pedro Dantas da Rocha, com quem fora em viagem a
Mossoró, nos primeiros caminhões que entravam pelo sertão.
Em "Um pouco de folclore", transcrito de seu caderno de notas, Raimundo Rocha
demonstra seu interesse pelo folclore, procurando complementar elementos da literatura
popular oral, transcrita por Veríssimo de Melo em "Parlendas", recolhidas em Natal, e
acrescenta variantes conhecidas na Zona Oeste potiguar. Outros aspectos da literatura oral
surgem nos seus escritos: "Parece mentira, Parece”... também transcrito de suas anotações ;
"Pelo Sinal do Sertanejo", recolhido no interior do Rio Grande do Norte e Publicado por seu
amigo Alceu Maynard Araújo, que se refere em versos à fome e à seca do Nordeste. Em
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"Verso do Açude Salôbo" encontrado entre sua correspondência, transcreve poesia popular de
sua terra fazendo referência a seu pai e a seu avô.
Em 1967 e 1968, publicou dois interessantes artigos sobre cangaceiros nordestinos.
Em "Eu conheci Antônio Silvino" lembra Jesuíno Brilhante, Antônio Silvino e Lampião,
verdadeiros flagelos do sertão, sobre os quais pairava "um halo de simpatia e admiração, não
porque o sertanejo admirasse os cangaceiros, mas porque gosta de homens valentes e bem
dispostos". Conta como viu Antônio Silvino, velho e alquebrado, saindo de um bar em
Campina Grande, dando-lhe mais a impressão de um pastor evangélico, do que daquele que
durante vinte anos atacara cidades, vilas, povoados e fazendas, distribuindo aos humildes e
famintos, o dinheiro que subtraía aos ricos e a que passou longos anos na penitenciária de
Recife. Fala do medo e da angústia que sentia na infância ao ouvir, à noite, as estórias do
cangaço e a decepção que sentiu ao conhecer aquele que fora chamado de "Governador do
Sertão”, ou o "maior cangaceiro do século vinte". No interessante artigo "onde morreu Jesuíno
Brilhante" procura complementar pesquisas de Gustavo Barroso e Raimundo Nonato tentando
identificar o local da morte de Jesuíno Brilhante, nascido em Patú, então Município de
Martins, e considerado por Gustavo Barroso como "o maior cangaceiro do século dezenove”.
Relembra fato que lhe foi narrado por seu padrinho, contestando o local em que teria morrido
o famoso cangaceiro. O escritor Raimundo Nonato, com quem manteve longa
correspondência, dedicou à memória de Raimundo Rocha, seu trabalho "Jesuíno Brilhante, o
Cangaceiro Romântico (1844-1879)", publicado no Rio de Janeiro em 1970, onde reproduz
parte deste artigo.
Em 1949, Raimundo Rocha publicou em Natal dois artigos sobre os Índios Gaviões,
de Grajaú no Maranhão, demonstrando sua grande curiosidade em conhecer e documentar
coisas de nossa terra e lamentando a situação de desamparo em que se encontravam os nossos
silvícolas. Descreve o tipo físico dos índios, o modo de trajar, seus interesses, atividades,
recolhe diversas palavras de seu idioma e reclama da falta de assistência dos poderes públicos
para com estes autênticos brasileiros.
Há ainda no material que nos deixou Raimundo Rocha, oito interessantes artigos
sobre o folclore do Piauí e do Maranhão. O folclore foi sempre um dos seus principais temas
de interesse desde os primeiros escritos de 1949, até seus últimos trabalhos em 1968.
Descreve o Bumba-meu-boi do Piauí, transmitindo cantigas de um boi coletadas na cidade de
Campo Maior. Demonstra grande interesse pelas festas populares e em dois artigos descreve
aspectos da festa de São Gonçalo do Amarante, transcrevendo versos coletados em Campo
Maior e vários outros aspectos interessantes da dança. Assinala variantes e divergências de
outras versões do São Gonçalo, recolhidas por vários folcloristas. Transcreve outros versos
que coletou e comenta detalhes constatando não ser festas só de negro e que pertence tanto ao
rico quanto ao pobre. Em "A Festa dos Cachorros", escrita em 1954, documenta esta curiosa e
pouco conhecida festa de devoção a São Lázaro ou a São Roque, realizada na região do Ceará
ao Maranhão. Narra a festa que lhe foi descrita por Albertina Vieira Brito, no Piauí, e amplia
as informações com novas pesquisas, comentando a ingenuidade e a simplicidade da
religiosidade popular. Em "Marcha dos Dez Mandamentos",transcreve os belos versos de um
cantador que encontrou em Campo Maior em 1950, que foram comentados e parcialmente
publicados por Veríssimo de Melo, no Diário de Natal, em 1951, e republicados por
Raimundo Rocha, em 1967.
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Sobre o folclore maranhense, Raimundo Rocha deixou-nos apenas três artigos, sobre
temas até hoje ainda pouco documentados. Certamente seus muitos afazeres e compromissos
não lhe deram tempo de registrar por escrito suas observações, algumas das quais
acompanhamos pessoalmente. No belo artigo "Romaria das Carroças a Ribamar" que inicia
esta coletânea, descreve a pouco conhecida procissão organizada anualmente pelos carroceiros
da Ilha de São Luis à cidade de São José de Ribamar, num domingo de lua cheia, após a festa
de São José, durante toda a noite, por mais de 30 quilômetros. Narra o longo trajeto da
romaria, sua chegada a Ribamar e a festa na cidade no dia seguinte. Este trabalho foi citado
por Alceu Maynard Araújo em Folclore Nacional, de 1964, e publicado em 1967 em jornais
do Maranhão. Os costumes e a linguagem popular são descritos em "Medicina Caseira
Maranhense", que fala da simpática figura do mezinheiro, que ensina e vende remédios nos
mercados de São Luís. O belo artigo "Pregões de São Luís", descreve vendedores ambulantes
típicos da cidade, que oferecem frutas e comidas maranhenses com um linguajar
característico. Se tivesse vivido mais, e em época tranqüila, certamente teria escrito ainda
sobre outros aspectos da vida familiar ou da vida do povo, que tanto o interessava e a que
sempre se referia, analisando com simpatia e simplicidade seus variados aspectos.
Raimundo Rocha, infelizmente para seus amigos e familiares, viveu pouco tempo.
De origem humilde, como nos narra em suas páginas, ascendeu na vida graças à dedicação ao
trabalho. Como comerciante, estabeleceu-se nos últimos anos em São Luís num belo sobrado
da Praia Grande em que, por sugestão de amigo Dr. Alceu Maynard Araújo, colocou uma
placa com o nome de Solar do Barão de Patú, local aonde veio a falecer numa manhã de
trabalho, em 1969. Tivesse vivido mais tempo, certamente nos teria deixado muitas outras
páginas bonitas e poéticas como as que estão aqui reunidas, documentando cenas familiares e
costumes tradicionais das terras nordestinas, que não cansava de admirar e que gostava de
descrever e pesquisar. Estas páginas nos revelam um pouco de sua rica e variada
personalidade de curioso, observador de tudo que o cercava.
São Luís, janeiro de 1984.
Sergio Figueiredo Ferretti5
5 Sergio Figueiredo Ferretti, carioca radicado em São Luís, Doutor em Antropologia e reorganizador da
Comissão Maranhense de Folclore, é genrro de Raimundo Rocha.
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FOLCLORE MARANHENSE
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ROMARIA DAS CARROÇAS A RIBAMAR6
Os carroceiros da Ilha de São Luís do Maranhão festejam o seu dia, todos os anos,
com muito entusiasmo e até mesmo com grande sacrifício. O seu dia é comemorado com a
Romaria das Carroças à cidade de Ribamar. Essa romaria constitui uma das festas tradicionais
mais bonitas do Maranhão, ao lado do Divino e do Bumba-meu-boi. É inteiramente ligada a
quantos trabalham em carroças movidas por animais. Data de tempos imemoráveis, a sua
existência. Desconhece-se por completo, quando ela nasceu e a quem pertence a sua
paternidade.
A Romaria das Carroças à Ribamar, atualmente, é patrocinada pelo órgão da classe,
Sindicato dos Condutores Autônomos de Veículos Rodoviários de São Luís, fundado a 16 de
novembro de 1958 e tem sua sede provisória à rua Cândido Mendes, 471, 1º andar. O
carroceiro Evandro Vieira dos Santos é o seu atual Presidente. Dirige o Sindicato com
inteligência, operosidade, merecendo a confiança e apoio de todos os seus associados.
O Sindicato que congrega os carroceiros de São Luís está sob a proteção de Nossa
Senhora das Vitórias, Padroeira da cidade. A Romaria das Carroças existe apenas na Ilha de
São Luís. Não se registra a sua presença em qualquer outro município do Estado. Participam
dessa Romaria interessante não só os carroceiros de São Luís, como também os de Paço do
Lumiar e de Ribamar, municípios em que se divide a chamada Ilha Rebelde. Poderíamos dizer
até que é a confraternização, porque dela participam todos os carroceiros, quer sejam
sindicalizados ou não, residentes nos três municípios da Ilha.
O dia da Romaria das Carroças é marcado, todos os anos, levando-se em conta o
término da Festa do prestigioso São José, Padroeiro da cidade de Ribamar. Regra geral, é
escolhido o primeiro domingo de lua-cheia, após a festa de São José. Assim permitirá que a
Romaria se realize à luz da lua, no sábado, à noite, verificando-se a chegada a Ribamar, às
seis horas da manhã do domingo.
Para fazer face às despesas com fogos, velas e "bóia", o Sindicato recolhe a quantia
de NCr$ 3,00 de cada associado.
O ponto de concentração dos romeiros é a sede do órgão da classe. Contudo, por
conveniência de cada um, aqueles que residem nas proximidades do caminho por onde
passará a romaria, poderão ficar no local mais próximo, para se reunirem ao cortejo. Em frente
à sede do Sindicato, a imagem de Nossa Senhora das Vitórias, Protetora dos carroceiros, já se
acha sobre a carroça, escolhida com antecedência, para conduzir neste ano o andor. É uma
deferência especial para o carroceiro escolhido conduzir o vulto de sua padroeira. Portanto a
carroça é preparada e embandeirada cuidadosamente e bem iluminada, oferecendo um
espetáculo encantador, dentro da noite, aos romeiros, seus familiares e adesistas.
6 Nota da organizadora - Publicado no Jornal do Maranhão, em 03/12/1967, p. 3; no Jornal de Pinheiro, em
25/12/1967, p.5; na Revista CNR (informativo do Rio Grande do Norte), em 05/1968, p.8; na Revista
Maranhense de Cultura (FUNC), ano II, nº 2, jan-jun 1978; no Boletim da Comissão Maranhense de Folclore,
nº 27, dez. 2003, p. 14. Sobre esse artigo afirmou o folclorista Alceu Maynard Araújo, em dezembro de 1967, em
carta a Raimundo Rocha: A sua Procissão das Carroças marca o seu retorno com as letras. Gostei muito do seu
artigo. Continue e quero vê-lo na Academia Maranhense de Letras. É lá o seu lugar!”
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Há um detalhe importante a assinalar: a carroça que conduz o vulto de N. Senhora
das Vitórias a Ribamar, será a mesma que a trará de regresso. Não é permitida uma
substituição.
A partida de São Luís se verifica às vinte e uma horas, da frente do Sindicato, ao
pipocar de foguetes em grande quantidade, ao som de agradável banda de música, que
acompanha os romeiros cantando a Ave Maria de Lourdes:
Vestida de branco
Ela apareceu...
trazendo no cinto
as cores do céu...
Ave, Ave, Ave, Maria...
Demandando a Praia Grande - rua Portugal, de belas tradições no comércio atacadista
local, a Romaria prossegue rumo ao viaduto, Palácio do Governo, na Pç. Pedro II. Atravessa a
Pç. João Lisboa, entra pela rua Oswaldo Cruz, para alcançar, cortando a cidade de Oeste a
Leste, Monte Castelo, bairro do João Paulo, Filipinho, Anil, onde finalmente pega a estrada
que leva a Ribamar, a Trinta e seis quilômetros da cidade de La Ravardière. Toda essa
distância é devorada a pé, durante a noite de sábado para domingo, por aquele grupo de
romeiros religiosos. Apenas os familiares dos carroceiros têm o privilégio de ocupar as
carroças entre as duas cidades.
A chegada a Ribamar se verifica ao redor de seis horas da manhã do domingo. Todas
as carroças são dispostas em filas, assistem piedosamente à Santa Missa. Daí, temos a segunda
etapa da Romaria, a Festa propriamente dita.
As carroças são recolhidas à casa da Festa. Esta casa foi alugada com antecedência e,
lá, já os espera a comedoria, cerveja, cachaça, orquestra composta de violão, saxofone,
pandeiro, reco-reco, etc. E o forró "vira" o dia todo. Há sempre nessas ocasiões um elemento
errado para atrapalhar os outros. Neste ano houve briga. Um elemento mesmo de Ribamar,
cismou de atrapalhar a folia. Não teve graça. Foi pego a muque e posto para fora, a bem da
moral.
Este ano a Romaria caiu no dia vinte e um de outubro. A missa foi a vinte e dois,
domingo, consagrado a Santa Maria Salomé, no calendário católico.
Não temos conhecimento de que a Romaria das Carroças seja participada noutra
cidade do Maranhão, fora da Ilha de São Luís.
Em São Paulo, o folclorista Alceu Maynard Araújo, no seu monumental FOLCLORE
NACIONAL (1964, Ed. Melhoramentos), registrou na cidade de Tatuí, por ocasião da "Festa
de Santa Cruz" a "procissão das carroças de lenha". É muito curiosa e interessante essa festa
em que toma parte toda a comunidade religiosa local, inclusive o Vigário da Paróquia daquela
cidade do interior bandeirante. Porém é um pouco diferente da nossa Romaria.
Tive a grata satisfação de contemplar e sentir o encanto dessa Romaria, na sua
passagem pelo rio São João, no interior da Ilha, alta madrugada, no sítio SAYONARA, de
propriedade de um amigo. Dormia no alpendre da casa, à margem do caminho. Ao lado havia
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uma frondosa mangueira, que soltava os seus apetitosos frutos, de momento a momento, ao
soprar do vento. Acordei pelo estrondar de foguetões e ao som da orquestra que acompanhava
a Ave Maria, cantada pelos Romeiros que regressavam, cada um empunhando uma lanterna
com luz acesa. O andor também iluminado,conduzindo o vulto de N. Senhora das Vitórias,
sobre a carroça. Muita música, em plena floresta, imponentes palmeiras, compondo a
grandiosidade desse quadro, iluminado pelo disco de ouro da lua-cheia.
Despertei, francamente, naquela madrugada feliz, porém permaneci como que em
sonho ouvindo com emoção aquela sinfonia dentro da mata, no gostoso sítio SAYONARA,
no rio São João. Senti a impressão, meio acordado, de que me encontrava ante aquela
belíssima cena de "Os Pirilampos", descrita pelo escritor Graça Aranha no seu livro CANAÃ.
São Luís, 26/11/1967.
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PREGÕES DE SÃO LUÍS7
Uma legião de vendedores anônimos invade toda São Luís, desde as primeiras horas
da manhã, todos os dias, oferecendo os produtos de sua mercadoria ambulante, dando uma
nota típica à Cidade dos Azulejos.
O carvoeiro passa muito cedo, sob o peso enorme de dois cofos de carvão, presos às
extremidades de uma vara robusta, que carrega sobre o ombro, por certos pontos da cidade
para atender o cliente que o espera. Um grito bem fino, muito característico, se ouve à
proporção que ele passa em frente da cada casa. Este grito denuncia a sua aproximação. A
empregada já sabe e o espera à porta ou à calçada para receber o carvão. Ele não falha. E
quem desconhece o detalhe, o grito fininho, não imagina que ele significa a aproximação
dessa figura humilde e simpática do carvoeiro, a passos firmes, ligeiros e cadenciados, sob o
peso de muitos quilos de carvão que carrega nos cofos sobre os ombros.
O seu freguês é certo, compra o carvão suficiente para o consumo do dia. E ele
percorre diariamente, quase sempre, as mesmas ruas da cidade. O abastecimento cotidiano já
constitui um compromisso tático com a clientela.
Ele grita e prossegue rua acima e rua abaixo, indiferente ao bulício da cidade que
desperta e se agita para o trabalho rotineiro e cotidiano.
É lamentável que esse pregoeiro secular esteja condenado a desaparecer de nossas
ruas, das nossas grandes cidades, em nome do progresso. O carvoeiro é uma tradição. E o
progresso chega e fulmina impiedosamente tudo o que é tradição, antiguidade. Pouco importa
se aquilo nos proporcionou conforto e bem-estar, durante algum tempo, uma vida. O carvão
cedeu já lugar ao gás, subproduto do petróleo, e, aliás, com grandes vantagens inegavelmente.
O gás é, na realidade, um descanso para a empregada, para a dona de casa. É rápido para fazer
a chama, não há tisna para encardir as mãos da cozinheira, não suja as vasilhas, não produz a
fumaça irritante nem tisna o vestido da dona de casa.
Cheiiiiro verde! ... - anuncia o verdureiro mais distante. Alegre, às vezes, canta um
versozinho para fazer graça e merecer a simpatia da freguesia....
Mannnnga foice... - grita o vendedor de frutas.
Mannnnga bacurí..., manguita..., banana comprida...,
Banana couruda...., casca verde..., baé....,
Banana casada..., pitomba...., juuuçara....
A petizada faz uma festa. E temos que comprar todo esse mundo de guloseima para a
gurizada.
Outro pregoeiro alarma:
7 Nota da organizadora - Publicado na revista Legenda, São Luís, Ano I, nº 4, set. 1968, p. 36; e na Revista
Maranhense de Cultura (FUNC), Ano II, nº 2, jan.-jun. 1972; no Boletim da Comissão Maranhense de Folclore,
nº 46, jun. 2010, p. 16.
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Tem laranja..., tem lima..., tem tanja...,
Tem bacuri e tem cupu...
(Frutas regionais, uma delícia, faz correr água na boca).
Na Feira do Matadouro, encontramos um grupo de vendedores anônimos, anunciando
os mais diversificados produtos de sua mercancia. Destacamos o vendedor de cerâmica, entre
os demais, que traz o seu produto pendurado numa vara.
Tem jarrrro e tem pote...
Tem "muringa" e tem bilha...
No Mercado Central, está presente, além do que já nos reportamos, outro tanto de
produtos regionais, e os pregões se multiplicam:
Jaçannnnãããã...
Peixe fresco..., tem pescada e camarão fresquinho...
Tem cumurupim e tem curimatã... do Lago-Açu...
O sol esquenta. A garganta resseca. É a vez do vendedor de picolé. Ele faz um
esforço tremendo, sobre-humano, anunciando a variedade de fruta de seu picolé. O esforço é
maior, quando anuncia as frutas da região. Há até trocadilho, vejamos:
Tem cupu..., bacuri e tem ameixa...
Ameixa..., bacuri e cupu...
Cupu..., ameixa e bacuri...
Tem bacuri..., ameixa e murici...
O Luís Almeida é extraordinário, na exploração de seu comércio. Tem qualidades de
grande vendedor. Criou um fraseado sonoro, pomposo para despertar a atenção da freguesia.
O seu carrinho é bem cuidado, limpo e bem pintado. E abre o par-de-queixo, rua afora:
Tem picolé... seu José...
É de juçara, Da. Januária...
É de murici... Da. Lili...
É de açúcar, seu Manduca...
É de abacaxi, seu Gigi...
É de coco, seu Tinoco...
É de caju, Da. Juju...
É de maracujá, Da. Sinhá...
É uma beleza, Da. Tereza...
É um suplício, seu Simplício...
É um coquinho, seu Agostinho...
E finalmente para os cabeludos:
É um tremendão, seu Brandão...
É interessante. Chama a atenção por onde passa. Seria imperdoável finalizar, sem
fazer uma referência especial ao gostoso "mingau maranhense" que é vendido diariamente no
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Mercado Central de São Luís, como também a juçara com farinha d'água que se encontra à
venda no portão da Feira da Praia Grande, preparada por uma roxinha muito habilidosa.
Quem prova do mingau maranhense de da juçara com farinha d'água, jamais
esquecerá.
São Luís, 11/08/1968.
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A MEDICINA CASEIRA MARANHENSE (Medicina Prodigiosa)8
Também nos mercados e nas feiras de São Luís encontramos a figura simpática do
mezinheiro, o mago da medicina prodigiosa e caseira, a ensinar e vender raízes de pau, para
curar essa e aquela doença. É um comércio interessante e bem movimentado. O cliente não é
apenas gente humilde, há gente bem, que vai sempre ao raizeiro, à procura dos cheiros para os
banhos miraculosos ... na esperança de cura do seu mal.
Ficamos horas a fio observando um deles que nos chamou a atenção, na Feira do
Matadouro, oferecendo as suas raízes, os cheiros, usando uma lábia irresistível.
É um "escurinho" (escurinho no Maranhão é sinônimo de preto, no resto do
Nordeste), sempre a gritar com entusiasmo, convencendo de que está vendendo um produto de
grande e eficiente qualidade.
Tem alfazema ..., tem tempero seco ... e tem corante ...
Tem boldo - remédio para os rins e para o fígado ...
Defronte, outro anuncia com mais ênfase:
Tem jucá ... e tem pau d'arco roxo ... (está na moda).
E surge mais outro ao lado:
Tem defumador de chama! ..., tem Sete flecha ... e tem Flecheiro
Tem alecrim e tem incenso de igreja ...
Que maravilha ... e como o povo gosta. E outro mais:
Tem "Vence Tudo"..., desperta e abre caminho ...
Tem Quebra-Barreira ..., tem Catinga de Mulata ... e tem Diabo Preto.
Concluindo essa coisa fabulosa, da medicina caseira e prodigiosa do Maranhão, o
pregoeiro enfatiza o seu pregão:
Tem contra-erva para constipação
e se faz lambedor com ovos de galinha ...
São Luís, 05/10/1968.
8 Publicado no Jornal do Dia, São Luís, em 24/10/1969; na Revista Maranhense de Cultura (FUNC), Ano II, nº
2, jan.-jun. 1972, p. 22; e na Tribuna de Piracicaba, em 01/08/1974, com o título: Medicina Prodigiosa e
Caseira de São Luí;s no Boletim da Comissão Maranhense de Folclore, nº 48, dez. 2010, p. 04..
28
FOLCLORE DO PIAUÍ
29
ELE NÃO DÁ CRUZEIRO9
João é o mais velho, o chefe. São dez, o número dos que compõem o grupo de índios
"civilizados", que se encontra nesta Cidade-Verde, ou mais propriamente, Chapada-do-
Corisco (Teresina). Pertencem à tribo Gavião, cujo pajé (parré) se chama Boaventura. Sua
maloca se acha situada nas proximidades de Barão-de-Grajaú, no vizinho Estado do
Maranhão.
Todos têm nome português. Teresa e Senhorí (Senhorinha?) chamam-se as mulheres;
Pedro e Fabrício, os do sexo forte. São fisicamente uns super-homens. Não obstante adaptados
ao nosso meio, ainda conservam as principais características da tribo. Os homens têm os
supercílios raspados, cabelos negros e lisos, que se alongam cobrindo as omoplatas. Trazem a
parte inferior da orelha cortada verticalmente, sendo entretanto ligada a extremidade. João,
como pai e chefe, exagera um pouco, elastecendo a parte cortada da orelha e laça, na abertura,
a parte superior da mesma. As mulheres usam as orelhas furadas, como se nelas houvessem
usado brincos. Igualmente, de maneira curiosa, todos, na altura das orelhas, têm uma camada
do cabelo cortado, formando assim como que uma boina. Fabrício traz invariavelmente a
calça arregaçada na altura do joelho e entre este e a "batata da perna" um cordão amarrado.
Num arranco de curiosidade, procurei conversar com esses genuínos brasileiros,
ficando extraordinariamente surpreendido quando verifiquei que não havia nenhuma
dificuldade para isto. Já se comunicam regularmente no mesmo idioma do poeta dos
Timbiras.
João me disse inicialmente que o motivo da sua vinda a esta cidade, foi não só o
desejo de deixar sua vida selvagem, mas também "pedir auxílio ao papai-grande", o governo.
Mas bateram à sua porta, porém foram informados que o "papai-grande" estava viajando...
Para eles não existe o Serviço de Proteção aos Índios e, num franco desafio aos
responsáveis pelos nossos destinos, eles permanecem, o grupo de dez, mais uma vez nesta
terra, aumentando o número dos desocupados, dos que vivem da caridade pública, margeando
"o velho monge". Quase ninguém os reconhece como seres humanos. Não há para eles
qualquer apoio ou controle ao trabalho continuando assim uma vida errante na cidade,
famintos e esfarrapados.
Nesta hora difícil que atravessamos, quando necessitamos de produção e braços para
o desenvolvimento de nossa agricultura, é com tristeza que verificamos que esse elemento,
elemento de casa, é deixado à margem e passamos a receber o elemento dos mais variados
climas e raças, às vezes, indesejáveis aos nossos interesses, oferecendo-lhes casa, conforto,
enfim tudo.
O nosso elemento, os mais lídimos brasileiros, afluem às cidades sem amparo, sem
lar, entregando-se à mendicidade para fugir à morte pela fome. Não desejam mais a vida nas
selvas, a monotonia de suas malocas.
9 Publicado na revista Bando, nº 6, p. 11, Natal, 1949.
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Ao sair, João confessou que sua tribo não prende mais "cristão", são mansos. E como
pedi para dizer algo em sua língua ele, em seu próprio idioma, falou para uma das
companheiras: "ELE NÃO DÁ CRUZEIRO?..."
Teresina, fevereiro de 1949.
31
BENEDITO, MESTRE ESCOLA DA TRIBO GAVIÃO10
Estão em Teresina mais cinco índios da tribo Gavião. Como sempre, movidos pelo
natural interesse de conhecer de perto o que é nosso, de colher detalhes sobre a vida, os
costumes e atividades dessa raça fadada a desaparecer. Entrei em contato com dois deles:
Salomão e Amazonas. E alguns minutos decorridos, conversávamos como se fossemos velhos
conhecidos que de súbito ali se encontravam.
Vieram incumbidos de uma bem delicada missão que lhes fora imposta pelo grande
chefe, e não para pedir inutilmente amparo ao "papai-grande". Verificada que foi a fuga de
MIPLI (Maria), encantadora rapariga da tribo, o pajé Boaventura, expedira incontinenti o
grupo de cinco índios - Salomão, Amazonas, irmão de Milpi, Militão, Frimiano (?) e Belizário
- para sair à procura da fugitiva e fazer que ela reverta, de qualquer maneira, à maloca.
Viajando pela via-férrea que liga o Maranhão ao Piauí os emissários do chefe
indígena, saltaram nesta cidade, onde já se achava Milpi. Esta porém recusara o convite de
regressar à tribo, "tinha pena deixar mulher", mesmo assim temia os rudes castigos a que seria
irremediavelmente submetida, em reparação ao seu erro. Não a comoveram os apelos do
irmão, nem tão pouco os pedidos de sua desolada mãe, que ficara nas matas maranhenses,
banhada em lágrimas frente a tão profundo golpe. Para Milpi, maior que o amor materno já é a
amizade, a gratidão àqueles que, na hora incerta e decisiva da sua vida, lhe deram acolhimento
à margem do Parnaíba. Eles, ante tudo isto, levados talvez por pseudos sentimentos de
humanidade, fracassaram fragorosamente no cumprimento da missão.
"Milpi diz não volta, tem pena deixar mulher” e, continuou Salomão,
"nós quer bem”, "ele não leva à força, ele não quer ir”. E, tomado de grande
tristeza, concluiu: “Boaventura fica zangado, tem raiva, se não levar Milpi e
diz - vocês são moles!”
Quatro desses índios são tipos comuns e aparentemente medíocres. Um deles, no
entanto, o Salomão, merece referência especial pela sua aguda inteligência. Forte, simpático,
usando roupa bem cuidada em relação aos companheiros, de paletó branco e camisa vermelha,
óculos escuros, face à cinta, lanterna e tamanco, é, em suma, desses que á primeira vista
deixam seus companheiros num plano de inferioridade, absorvendo para si toda a nossa
atenção. Conta dezoito anos de idade, “com seus descontos”. Acompanharam-me à minha
residência, onde os apresentei aos irmãos Rocha, que lhes ofereceram, surpreendidos e
alegres, várias guloseimas. Valendo-me dessa oportunidade, colhi um sem número de
informações, detalhes, em torno de suas atividades, seus costumes, enfim, tudo que diz
respeito à sua tribo. Esta conta, aceitando os números fornecidos por Amazonas, cerca de
trezentos índios, "todos comem salgado e andam vestidos”. Entre eles está muito bem
desenvolvida a agricultura. Plantam arroz, milho, feijão, fava, batata e inhame, "modubim",
mandioca e cana; criam bode, porco, galinha e "angulis" (guiné), peru, pato, seis reses e dois
cavalos "de carreira boa, forte".
Ainda em minha casa, após ouvirem gravações de Luiz Gonzaga e Luiz Americano,
pediram que repetíssemos alguns discos que mais agradaram, porque estavam aprendendo
para ensinar aos outros.
10
Publicado na revista Bando, Ano I, nº 10, p. 10, Natal, out. 1949
32
Salomão, fortemente emocionado, nos deus as costas e balbuciou: " Tô com saudade
do pai"... Amazonas, olhando o astro-rei agonizante, disse - "Esta hora mãe está chorando"...
Não foi pequena a luta para fotografá-los. Amazonas, justificando sua recusa, dissera
que "tinha em casa muito retrato, tinha retrato até no Ceará". Salomão só não queria "porque
não prestava". Este, no entanto, a custo, se deixou vencer e decidiu-se: "Vou deixar meu
retrato pru você, mas eu quero um". E alinhando as franjas, os cabelos negros e longos,
preocupado em saber se daquela forma estava bonito, posou para minha objetiva ... Este
selvagem não se cansa de prestar informações e detalhes, tendo também o devido cuidado de
observar se está sendo bem entendido.
"Eu não gosto quando a pessoa não pergunta bem".
Confirmaram serem de sua tribo os índios que aqui estiveram, e pronunciou o nome
de cada um: João, Miguel, Antenor, Fabrício, Floriano, Bento, Mundico, Vicente, Teresinha e
Senhorinha, e não como dissemos em trabalho anterior, Teresa e Senhori.
Seu comércio, permuta de cereais por roupa e outros objetos, é de preferência feito
com o caboclo Pacuá e Nascimento, na cidade de Amarante.
Pondo em suas mãos algumas moedinhas com a efígie de Getúlio, Salomão sorrindo
contou Cr$ 2,00.
Salomão deixou-me boquiaberto ao revelar que nas matas maranhenses existe forte
movimento de alfabetização entre os índios. A tribo Gavião não está indiferente a este
movimento que se processa em todo o território nacional. Ela prepara-se para o futuro, tem
seu mestre-escola, Benedito.
O Benedito é o tal, afirmou o índio. Aprendeu ler junto "cristão" e
saiu na Geraldo (Geral?), não quis mais11
. Ele é nosso, você "cristão". Sou
BRASILEIRO. Ele ensina nós. Tive uma noite e três dias na escola, viajei aqui.
O nosso bate-papo nesse ínterim, se transformara numa proveitosa aula.
"Açúcar, lata, quaje mesma coisa sua língua" e pronunciava....
Passei a dizer-lhe algumas palavras e ele dava a correspondente em sua língua|:
dia - acmocrô, machado - coi, bom-dia - têmo cameá-crem, Urubu - Tzuní,
faca - uacu, Deus - Pat (?), faquinha – uacurê.
E finalizou com o nome de alguns deles:
Cutxi - Boaventura, o pajé; Prôcatê – Salomão; Carô – Amazonas; Mipli -
Maria, a desertora.
Teresina, junho de 1949.
11
Nota do autor - Após a publicação desse artigo, li que a Serra Grande era conhecida também como Geral. Não
tenho dúvidas de que o índio pronunciou Geral e não Geraldo.
33
O BUMBA MEU BOI12
O BOI é a tradição junina que, no Piauí, empolga de modo geral desde a criança até o
velho recurvado no seu bordão. Ninguém aqui estranharia um "São João" sem fogueira, sem
milho verde, sem o clássico baile à matuta. Mas, sem o BOI, seria inadmissível, inacreditável.
É a brincadeira característica da região. Dizem que ela é de origem africana, havendo chegado
ao Maranhão com os escravos. Daí, espalhou-se pelo Pará e Piauí. Aparecem na mesma
época, no Maranhão, também os popularíssimos "pássaros" e "animais" outros, numa perfeita
imitação ao BOI.
Os ensaios iniciam-se um mês antes. Já por esse tempo as crianças começam a
confecção de minúsculos BOIS de talo de burití, revestidos de papel de seda de cores
extravagantes. E são expostos à venda nos mercados ou nas ruas, proporcionando instante de
intensa alegria à petizada.
As "cantigas" se renovam todos os anos. O grupo de "foliões" varia entre dezoito e
vinte e quatro anos. São - 1º Amo, 2º Amo, Chico, "Catirina", o Vaqueiro, o Caboclo Real, o
Caboclo Guerreiro, 1º Rapaz, 2º Rapaz, Doutor Cachaça, Doutor "Pilantra", e outros caboclos.
Tem indumentária própria de cores fortes, espécie de fantasia carnavalesca, inclusive os
caboclos que se trajam com tangas, nas quais empregam penas de pássaros, à semelhança dos
índios.
Porém "o BOI antigo - dizem - era bem diferente". Está se modernizando e, com isto,
perdendo o que tinha de mais original e mais belo. Sua pancadaria constituída por matracas,
cedeu lugar a cuícas, pandeiros, tambor, maracás e apitos, que à distância imprimem um
aspecto macabro à brincadeira.
É costume local contratarem o BOI de sua preferência, o de mais popularidade, para
cantarem nas residências para divertimento da família. É por isso que nos últimos dias de
Maio, os BOIS estão aptos a atenderem a chamados ou fazerem assaltos por toda a cidade. Os
dias máximos são de 23 a 28 de junho, ligando o "São João" ao "São Pedro". A brincadeira
finaliza invariavelmente com a morte e ressurreição do BOI. Cada BOI pode morrer diversas
vezes numa só noite. Morre em cada casa ou local, onde se exiba. Noite de São Pedro, em
suma, fixam a data para a definitiva morte do BOI, no mês de julho.
Cada localidade ou cidade maior tem o seu BOI, qual deles goza de maior fama.
Merece referência especial o BOI de José Alves de Sousa, vulgarmente conhecido por
PASSARINHO, no bairro do Matadouro, em Teresina. No ano passado o seu BOI se chamou
"Jardim do Amor". Este ano foi "Brilho do Amor". Saiu bem modernizado com as "cantigas
novas". Entrou na Política. Pela ZYQ-3, Rádio Difusora de Teresina irradiou, Noite de São
Pedro, um programa em homenagem a Ademar de Barros e Dr. Agenor Almeida.
12
Publicado na revista Bando, nº 17, out. 1950. p. 10-11, Natal, 1949; Palavras de Raimundo Nonato, em carta
sem data, sobre o artigo acima: “Ontem remeti-lhe o Bando, agora saído. Seu artigo vai na mesma. Muito bom e
oportuno, aliás. A propósito, o M. Rodrigues fez-lhe um elogio sem favores, colocando-o entre as colaborações
necessárias”; Citado em 1964 por Alceu Maynard Araújo em Folclore Nacional v. 1, São Paulo, Ed.
Melhoramentos, p. 406; no Boletim da Comissão Maranhense de Folclore, nº 47, ago. 2010, p. 15..
34
As "cantigas" que abaixo transcrevemos são de um BOI da cidade de Campo-Maior,
em cuja ortografia, fizemos ligeira alteração:
Eu tenho, moreninha, mas não dou,
Meu canário cantador.
Eu vou botar meu canário
pra cantar com o beija-flor
Lá vai, lá vai
A estrelinha pelo chão.
Ó borboleta do inverno,
Andorinha do verão ...
Lá vai, lá vai
Jogando água pra o fundo,
Meu boi que vai passando
Eh! Moreninha, avisa a todo mundo!
Eu tenho meu baralho novo,
Que a morena me mandou.
Meu baralho está na mesa,
Está na mão do jogador.
Eu tenho meu baralho novo,
Que comprei, mandei buscar.
Meu baralho novo está na mesa,
Quem quiser pode jogar...
Lá vai, lá vai
O nosso boi guerreiro,
Leva o nosso boi, vaqueiro,
Pra rua da redondeza.
Lá vai, lá vai
O boi de fama, Serrador,
Morena, varre o terreiro,
Te prepara que já vou.
Mas eu vou, eu vou, Seu colega
Se as moças forem, eu vou também
(Bis)
Quero bem a bananeira
da raiz até o meio.
Quero bem estas meninas
do vestido no joelho.
Quero bem a bananeira
da raiz até o cacho.
35
Quero bem estas meninas
de doze anos pra baixo...
O couro do meu boi
No salão alumeia,
Ou no sereno brilha,
Ou no salão balanceia.
Vai, vai, vai, vai reparando
Eh, negro Chico,
os caboclos estão te esperando...
Lá vem a lua saindo
Lá pra banda do nascente.
Quem beija boca de moça,
Não sente mais dor de dente.
Ôôô... vai morrer, ôôô... vai morrer,
Balanciou...
A fama do BOI guerreiro,
Hoje mesmo se acabou...
Nós somos caboclos guerreiros,
Que viemos das aldeias,
Pra prender o pai Francisco,
Pra meter na cadeia...
Xô, xô, xô, Jerumenha (Bis)
Xô, xô, xô, Jerumenha (Bis)
Os caboclos se prenderam,
Foi com muita da razão,
Se não fosse o BOI estrela,
Eu não ia preso, não...
Xô, xô, xô Jerumenha (Bis)
Xô, xô, xô Jerumenha (Bis)
Negro Chico tira a língua,
Nego, se tu queres tirar.
Entrega à dona da casa,
Que meu senhor mandou dar.
Daqui, daqui pra acolá,
É pra você mais Seu José,
Me dê mais um bocadinho,
Para interar o café...
Teresina, 09 de agosto de 1950.
36
SÃO GONÇALO NO PIAUÍ13
São Gonçalo é, incontestavelmente, um dos santos mais festejados e queridos da
família piauiense. O seu prestígio pode ser equiparado ao que desfrutam Santo Antônio, São
João e São Pedro, entre a gente que mora no sertão potiguar.
"São Gonçalo" era o nome da atual cidade de Regeneração. Foi uma "homenagem ao
santo do nome do governador que ali recolheu 434 índios”. Patrono do templo católico de
Amarante desde 1865. Coincidiu assim com o de sua homônima na península ibérica. E não
há dúvidas, trata-se de uma homenagem a Portugal, por influência de seus filhos na fundação
do lugar.
E qual o filho de Amarante ou quem lá decidiu que, pelo menos, não guardam na
memória uma estrofe do bendito que se canta na Matriz, em louvor ao seu querido padroeiro.
Achamos indispensável a transcrição de uma delas que, vezes sem conta nos foi repetida:
Bendito louvado seja
A luz do sol tão brilhante
Na hora em que nasceu
São Gonçalo do Amarante...
Além do culto oficial que lhe presta a Igreja, São Gonçalo é alvo de um culto
esquisito entre a população ingênua e simples que habita o interior do Estado. A igreja
combate e critica a prática desse ritual devocional por ser profano e supersticioso, mas persiste
o costume, embora com as deturpações que lhe têm sido impostas pelo tempo. A opinião de
pessoas amigas por nós ouvidas a respeito do São GONÇALO, é que " essas festas
apareceram, no Piauí, com a chegada de uma família de portugueses que se localizou em
Amarante”. Daí se espalhou por todo o Estado.
O devoto ingênuo faz uma promessa a São Gonçalo. Pede pra ficar bom de um mal,
que, muitas vezes, já não tem mais cura. Implora pela restituição da saúde de um ente querido.
Pede tudo: que lhe volte às mãos o objeto perdido, o animal que desapareceu. A mulher deseja
a volta do esposo, a mocinha pede um noivo. Obtido o milagre, a graça, São Gonçalo recebe a
sua "festa”.
A imagem de São Gonçalo é posta em um andor e levada em acompanhamento a
determinada casa de pessoa amiga. Aí, realiza-se a "festa". E pelo caminho, todos cantam:
São Gonçalo vai saindo,
Saindo de porta a fora,
Parecendo a Estrela Dalva,
Quando vem rompendo a aurora.
13
Publicado no Almanaque Cariri – Edição especial do Centenário de Teresina. 2ª ed. 1952, p.856-861,
coordenado por Francisco de Assis Leite; publicado também em 1954 em Dança de São Gonçalo, plaquete
organizada por Assis Silva e publicado pela Biblioteca Municipal de Mossoró. Esse trabalho, como também
Ainda a dança de São Gonçalí, foram citados por Alceu Maynard Araújo em Folclore Nacional, vol. II, p. 36,
como estudos criteriosos sobre a dança de São Gonçalo no Piauí e no Maranhão, assinalando sua presença nos
dias atuais; no Boletim da Comissão Maranhense de Folclore, nº 47, ago. 2010, p. 15.
37
Ôôô que caminhos tão longe,
Ôôô que areias tão quente,
Os milagres de São Gonçalo
Fez abalar tanta gente...
Minhas alvíssaras, minha gente,
São Gonçalo já chegou,
Foi chegando e foi dizendo:
Minhas alvíssaras, eu aqui estou!
O vulto do santo é colocado num altar sobre a mesa, na sala ou em latada, à frente da
casa para melhor agasalho dos gonçalinos. Rezam-se algumas orações, seguindo-se um
intervalo no qual ingerem algumas "chamadas" de aguardente e outras bebidas para melhor se
expandirem, para ficarem mais desenvolvidos nas danças. Um grupo, quase sempre, de 12
mulheres, que ostentam miçangas no cabelo, no traje vistoso, nos braços, e 4 homens "os
guias" e "contra-guias" - além dos tocadores de viola e de tambor, inicia "as danças". Forma-
se a roda ante a imagem do santo. Começam as cantigas, as danças, ao som da viola e batuque
de tambor. Os versos que transcrevemos, foram recolhidos de uma "festa de São Gonçalo",
realizada no município de Campo-Maior. Foram-nos gentilmente cedidos por pessoa amiga,
os quais não sofreram nenhuma alteração:
Nas horas de Deus amém,
Padre, Filho, Espírito Santo,
É a primeira cantiga
Que eu a São Gonçalo canto
Padre, Filho, Espírito Santo,
Nas horas de Deus amém,
É a primeira cantiga
Que eu a vós canto também.
Eu vou dar uma despedida,
No bico da saracura,
A boca de São Gonçalo
Parece um cravo maduro.
Eu vou dar uma despedida,
Numa caneca de ouro,
Meu senhor São Gonçalo,
Essa é em seu louvor.
Eu vou dar uma despedida,
Numa caneca de ouro,
Meu senhor São Gonçalo
Adeus que eu já vou-me embora.
São Gonçalo disse ontem,
Hoje tornou a dizer
38
Que eu “vinhesse” as vossas danças
Que ele queria me ver.
Eu vou dar uma despedida,
No laço da fita roxa,
Viva, viva São Gonçalo!
Viva, viva o tocador!
Eu vou dar uma despedida,
No bico da siricora,
Vou-me embora com as nuvens
Que é coisa que não demora.
Eu vou dar uma despedida,
No galho do alecrim,
Meu senhor São Gonçalo,
Vossas danças estão no fim.
Eu vou dar uma despedida
Numa caneca de prata,
Meu senhor São Gonçalo,
Vós desculpe algumas falta.
Entre serras e serrotes,
Mora três padres galantes,
São Francisco, Santo Antonio,
São Gonçalo de Amarante.
São Gonçalo diz que é santo,
Mais também tem seus amores...
Todo dia recebendo,
Os seus raminhos de flores.
Santo Antonio e São Gonçalo,
São dois santos enteresseiros,
SãoGonçalo pelas danças,
Santo Antonio pelo dinheiro...
E, aproximando-se dos violeiros, continuam os cantores:
Estes "guias" que aqui estão,
Vinheram do Rio de Janeiro,
Vós levais eles pro céu,
Para os pés de Deus verdadeiro.
Meu senhor São Gonçalo,
Aqui estão os "contra-guias",
Vós levais eles pro céu,
Para os pés da Virgem Maria.
39
Meu senhor São Gonçalo,
Aqui tenho duas amigas,
Vós levais ela para o céu,
Enquanto são bem amigas.
Meu senhor São Gonçalo,
Vou lhe fazer um pedido,:
Fortuna e felicidade,
Gonçalo pra nossa vida.
Meu senhor São Gonçalo,
Aqui tem duas irmãs,
Vós levais elas para os céus,
Uma hoje, outra amanhã.
Meu senhor São Gonçalo,
Aqui tem duas açucenas,
Cravo branco roxeado,
Meninas de cor morena.
Meu senhor São Gonçalo,
Meu Jesus de Nazaré,
Dai-me licença, meu santo,
Eu beijar em vossos pés.
Passemos, gente, passemos,
Passemos com pé ligeiro,
Depois não saiam dizendo
Tem barroca no terreiro.
Passemos, gente, passemos,
Tornemos a repassar,
Dancemos as danças direito,
Pro santo nos ajudar...
Começando à "boca da noite" a dança se prolonga até muito tarde, dependendo,
porém, do número de jornadas a serem realizadas. Estas são em geral, 12. Há uma pessoa
determinada com os caroços de milho à mão, os quais correspondem ao número exato de
jornadas. À proporção que vão terminando uma, essa pessoa joga um caroço de milho fora.
Isto é para evitar engano. A última jornada habitualmente é reservada para o dono da casa ou à
pessoa que organiza a função, a qual, quase sempre, é contemplada com a maior parte dos
gastos.
Não deixa de ser muito interessante o modo por que termina essa "festa”. Consta da
arrematação de um arco, após as danças. O arco foi adredemente preparado, com a devida
antecedência. Muito enfeitado com papel de seda de variadíssimas cores, flores artificiais e
naturais em abundância. Há neles inúmeros cachos de frutas de diversas qualidades, rodas de
bolo, etc. No centro, foi colocado muito de propósito, uma penca de banana ou das melhores
40
frutas. É motivo de gracejos e pilhérias do leiloeiro, visando animar o ambiente. Antes,
porém, de anunciados os objetos, cantam algo interessante e original. Uma desagradável
advertência contra infalíveis caloteiros que esperam a sua grande oportunidade:
Senhores e minhas senhoras
Atenção me queiram prestar.
Vai-se arrematar o arco
De meu senhor São Gonçalo.
Mas vou lhes dizendo logo
Que eu não vendo fiado,
Pois fiado me dão pena
E pena me dão cuidado,
E mesmo assim eu não posso,
Pois o santo fica zangado...
Teresina, 1950.
41
AINDA A DANÇA DE SÃO GONÇALO14
Bendito louvado seja,
A luz do sol tão brilhante,
Na hora em que nasceu
São Gonçalo do Amarante...
É o início do Bendito em louvor ao Patrono da Matriz de Amarante, no Piauí.
Amarante escolheu padroeiro idêntico ao de sua homônima na península ibérica. E, por isto,
achamos possível que, entre os seus fundadores, houvesse a influência do elemento português
para justificar essa dupla homenagem à pátria mãe.
Em nossas constantes pesquisas em torno das festas tradicionais piauienses - o
Tambor, o Reisado, os Caretas, o Divino, São Benedito, os Marujos, etc. - sempre ouvimos
dizer que o São Gonçalo foi uma festa que apareceu no Piauí com a chegada de uma família
portuguesa que foi morar em Amarante. Daí a dualidade de culto ao milagroso santo. Um com
a aprovação da Igreja; outro por ela combatido. Mas, seja como for, dessa época, ou de outra
mais remota, São Gonçalo continua recebendo as costumeiras homenagens do piauiense que
habita o interior, apesar de combatido e criticado pela Igreja, por ser uma festa de cunho
profano e supersticioso. A sua prática mais se acentua nos lugares menos visitados por padres,
onde inegavelmente e instrução religiosa permanece em nível muita a desejar.
Assis Silva, em interessante artigo publicado em BANDO (outubro de 1950), cujo
título é análogo ao destas notas, assinala divergência entre versões recolhidas por folcloristas
do Norte e do Sul do país, referentes à celebração desse culto exótico. Há aqui também
divergências não apenas em versos, porque cada grupo tem os seus, mas no motivo do culto,
cujos "devotos" pertencem tanto ao preto e ao branco, como ao rico e ao pobre. Não é, pois,
uma "festa" só de negros, como encontrou Assis Silva, em Portalegre, no Rio Grande do
Norte. Seu "devoto", como um católico praticante, recorre à intercessão do milagroso santo,
prometendo fazer "um São Gonçalo", se alcançar a graça da concretização do seu desejo, a
solução do seu caso, muitas vezes tão curioso quanto a própria "festa".
Num andor, a imagem de São Gonçalo é levada em acompanhamento a determinada
casa de pessoa amiga, na qual se realizará a "festa”. Colocado o vulto do Glorioso Santo sobre
uma mesa na sala ou no terreiro, rezam-se algumas orações. Seguindo-se, os Gonçalinos em
frente à imagem à roda e começam as danças, de modo mais ou menos idêntico ao descrito
pelo autor do artigo mencionado.
14
Publicado na revista Bando, Ano V, Vol. III, nº 4, Natal, set. 1953, Natal. Apresenta pequena modificação ao
publicado no Almanaque do Cariri (1950-1952) e no plaquete organizado por Assis Silva Sobre a Dança de São
Gonçalo (1954), com o título São Gonçalo no Piauí; no Boletim da Comissão Maranhense de Folclore, nº 37,
jun. 2007, p. 07. Esse trabalho, como também São Gonçalo no Piauí, foram citados por Alceu Maynard Araújo
em Folclore Nacional, vol. II, p. 36, como estudos criteriosos sobre a dança de São Gonçalo no Piauí e no
Maranhão, assinalando sua presença nos dias de hoje.
42
Vítima da sorte nessa estranha "festa", como o "devoto" Assis Silva, uma jovem
campo-maiorense, de uma retentiva privilegiada, nos oferece as CANTIGAS DE SÃO
GONÇALO, que transcrevemos sem nenhuma alteração:
São Gonçalo vai saindo,
Saindo de porta a fora,
Parece a Estrela d' Alva
Quando vem rompendo a aurora.
ôôô... que caminhos tão longe,
ôôô... que areias tão "quentes”,
Os milagres de São Gonçalo
Fez abalar tanta gente.
Minhas alvíssaras, minha gente,
São Gonçalo já chegou,
Foi chegando e foi dizendo:
Minha alvíssaras, eu aqui estou.
Nas horas de Deus amém,
Padre, Filho, Espírito Santo,
É a primeira cantiga
Que eu a São Gonçalo canto
Padre, Filho, Espírito Santo,
nas horas de Deus amém.
É a primeira cantiga
Que eu a vós canto também.
São Gonçalo disse ontem.
Hoje tornou a dizer
Que “vinhesse” as vossas danças
Que ele queria me ver.
Entre serras e serrotes,
Mora três padres galantes:
São Francisco e Santo Antonio,
São Gonçalo do Amarante.
São Gonçalo diz que é santo,
Mas também tem seus amores,
Todo dia recebendo
Os seus raminhos de flores.
Santo Antonio e São Gonçalo
São dois santos "enteresseiros"
São Gonçalo pelas danças
Santo Antonio pelo dinheiro.
43
Os cantadores aproximam-se dos tocadores e prosseguem:
Eu vou dar uma despedida,
No bico da saracura,
A boca de São Gonçalo
Parece um cravo maduro
Eu vou dar uma despedida
Numa caneca de ouro,
Meu Senhor São Gonçalo,
Essa é em seu louvor.
Eu vou dar uma despedida,
No laço da fita roxa,
Viva, viva São Gonçalo,
Viva, viva o tocador.
Eu vou dar uma despedida,
No bico da siricora,
Vou-me embora com as nuvens
Que é coisa que não demora.
Vou dar uma despedida,
No galho do alecrim.
Meu Senhor São Gonçalo,
Vossas danças estão no fim.
Eu vou dar uma despedida,
numa caneca de prata.
Meu senhor São Gonçalo,
Vós desculpe alguma falta.
Eu vou dar uma despedida,
Numa caneca de ouro.
Meu Senhor São Gonçalo,
Desculpe as faltas que houve.
Eu vou dar uma despedida,
No bico da saracura,
Adeus, adeus, São Gonçalo,
Adeus que eu já vou-me embora.
Estes guias que aqui estão,
“Vinheram” do Rio de Janeiro,
Vós levais eles para o céu,
Para os pés de Deus verdadeiro.
Meu senhor São Gonçalo,
Aqui estão os contra-guias
44
Vós levais eles para o céu,
Para os pés da Virgem Maria.
Meu Senhor São Gonçalo,
Aqui tem duas irmãs.
Vós levais elas pro céu,
Uma hoje, outra amanhã.
Meu senhor São Gonçalo,
Aqui tem duas amigas.
Vós levais elas para o céu,
Enquanto são bem amigas.
Meu Senhor São Gonçalo,
Aqui tem duas açucenas,
Cravo branco roxeado,
meninas da cor morena.
Meu Senhor São Gonçalo,
Vou lhe fazer um pedido:
Fortuna e felicidade,
Gonçalo pra nossa vida.
Meu Senhor São Gonçalo
Meu Jesus de Nazaré
Dai-me licença meu santo,
Eu beijar em vossos pés.
Passemos, gente passemos,
Passemos com pé ligeiro,
Depois não saiam dizendo
Tem barroca no terreiro.
Passemos, gente, passemos,
Tornemos a repassar,
Dancemos as danças direito,
P'ro Santo nos ajudar.
Comumente a dança termina à meia noite, e a "festa" finaliza com a "arrematação do
arco”. Este é previamente preparado, do qual pendem belos cachos de banana, de laranja,
"rodas" de bolos e mais alguns objetos, que são arrematados em leilão. Antes, porém, do
leiloeiro falar, cantam ainda algo que constitui categórica advertência contra infalíveis
"marreteiros" que esperam a sua oportunidade.
Senhores e minhas senhoras,
Atenção me queiram prestar,
Vai-se arrematar o "arco"
De meu Senhor São Gonçalo.
Mas vou lhe dizendo algo,
45
Que eu não vendo "fiado",
Pois fiado me dão pena,
E pena me dão cuidado,
E mesmo assim eu não posso,
Pois o Santo fica zangado...
Como vemos os versos são diferentes dos citados por Assis Silva. Há entretanto, em
alguns deles, referências à "caneca de ouro", "caneca de prata", nossas "faltas" e ao "Rio de
Janeiro”. As duas quadras em suma, as últimas, se assemelham às recolhidas por Nonato
Mota, em Apodi (RN).
O jornalista Manuel Viana, falando-nos sobre a realização do culto a São Gonçalo no
Maranhão, declamou duas quadras que aprendera na infância, com as quais finalizamos:
Ôoo meu São Gonçalo,
Fulô de cajá,
Matai essas veias
Pras moças casá...
E as velhas em frente às moças respondiam no mesmo ritmo:
Ôoo meu São Gonçalo,
Não faça isso, não,
Que as pobres das veias
Não tem culpa não...
Teresina, 20 de janeiro de 1951.
46
A FESTA DOS CACHORROS15
Albertina Vieira Brito conhece muito bem os costumes e tradições de sua terra.
Piauiense de origem humilde, criou-se da casa de sua mãe, da zona rural do município de
Campo-Maior, para a casa de pessoas amigas em Teresina. Morou cerca de três anos em nossa
casa e, durante esse tempo, jamais perdeu oportunidade de demonstrar e de nos transmitir os
seus conhecimentos em torno das tradições e costumes de sua gente e do seu Estado.
Certo dia, regressando de um passeio à casa materna, Albertina perguntou:
- "Seu" Mundico já ouviu falar na "festa" dos cachorros que se faz aqui no Piauí? E,
sem esperar a nossa resposta, passou a descrevê-la:
É assim, disse ela, a gente possui um cachorro de estimação ou um
animal qualquer. Ele adoece, aí se faz uma promessa a São Lázaro - se o bicho
ficar bom, faz-se uma festa para dar de comer a sete cachorros de sete pessoas
amigas. O “de comer” é do bom e do melhor, e, no fim, tem a sobremesa de
doce, como se faz para gente mesmo.
E pormenorizando, continuou ela - "mamãe deve, há anos, uma promessa dessas a
São Lázaro. Ainda não pagou, mas pretende pagar logo que melhore de situação".
Fizemos outras pesquisas, e depararam-se-nos novos detalhes bem interessantes em
torno dessa tradição, registrada no território piauiense. Põem-se pelo chão, na sala, duas
esteiras novas de palha de carnaúba que servem de mesa. Sobre esta, distribuem-se os pratos
com os saborosos manjares, que foram cuidadosamente preparados para regalo dos cães. Bem
limpos, com um laço de fita ao pescoço, os cachorros, presos à corrente, permanecem todo o
tempo seguros pelos respectivos donos, o que é indispensável para que não haja briga e corra
tudo na santa-paz. Comida franca é servida enquanto os convidados suportam e, por fim,
ainda o doce... Há segunda mesa. É para os donos dos cães, também para algumas pessoas que
honraram a festa com a sua presença.
Outras buscas realizadas mesmo na capital piauiense nos levaram a novas revelações.
Luis Nonato da Costa - o Camarão - e Aniceto Alves Rodrigues, ambos engraxates na praça
Rio Branco, nos transmitiram outras versões não menos curiosas. O Luís Nonato assistiu no
subúrbio teresinense a uma dessas "festas" em cuja promessa se pedia ao santo varão da Igreja
a volta da saúde de uma criancinha. Alcançada a graça, o garoto foi posto à mesa entre os
cachorros e comiam os convidados e a criança, a um só tempo o mesmo alimento. Aniceto
Alves presenciara cerimônia idêntica em que o ex-doente era adulto. Este não compareceu à
primeira mesa com os cães, preferindo a segunda.
Em todas essas versões, verifica-se nitidamente o espírito de religiosidade do povo
ingênuo e simples, que não se envergonha de nada, elegendo São Lázaro o protetor dos cães,
invocando a intercessão na Corte Celeste, para obtenção de cura, às vezes, de um animal que,
o mais das vezes, é portador de uma moléstia perigosa.
15
Publicado no Boletim da Comissão Maranhense de Folclore, nº 47, ago. 2010, p. 15..
47
Temos em todas as versões recolhidas em fontes limpas, a presença do número sete:
sete cachorros de sete pessoas amigas. São Lázaro é, quase sempre, esquecido após as
comidas. Esquecido e desprezado para que possa realizar-se um animado e grande baile o qual
se prolonga até o nascer-do-sol no dia seguinte.
Na cidade de Palmeiras, ainda no Piauí, o Sr. João de Deus Soares, funcionário do
Departamento de Agricultura, também assistiu a uma dessas "festas". O banquete foi servido
realmente numa mesa. Os cães ficaram com os pés apoiados nos bancos de madeira,
contornando a mesa. Porém, a seu ver, a posição era um pouco incômoda e os cachorros
gulosos e desesperados, desrespeitando os seus donos, invadiram a mesa, finalizando tudo
como era de esperar
- COM UMA BRIGA INFERNAL...
Fortaleza, 18/06/1954.
48
MARCHA DOS DEZ MANDAMENTOS16
Encontrei na cidade piauiense de Campo-Maior, por volta de 1950, quando morava
em Teresina, numa de minhas viagens a Fortaleza (Ceará), um poeta anônimo, cantador de
viola, que me chamou a atenção e do qual jamais me esqueci. Boêmio, sonhador, um Divino
Maluco, que vive a deleitar o povo, sem pensar no dinheiro, tocando, cantando modinhas,
toadas, improvisando versos, dedilhando o seu pinho inseparável.
Esse violeiro sem nome, de inteligência fora do comum, humilde, tinha o dom de
prender o seu auditório certo, à porta de botequins, graças à gostosura dos temas dos seus
versos simples e melodiosos.
Tocando na sua viola, à porta de uma "bodega", sentado, num tamborete de couro
cru, recebia os seus ouvintes, como estímulo, remuneração, um "trago" de uma deliciosa
caninha, e, assim passava o tempo. Nasceu para cantar, não queria vida melhor e era feliz
cantando.
Fui surpreendido, certa feita, ao ouvi-lo cantando os DEZ MANDAMENTOS DA
LEI DO AMOR. Trata-se de um verso parodiando os DEZ MANDAMENTOS DA LEI DE
DEUS, com o quê o vate piauiense homenageava o seu amor - uma Maria qualquer. Vai aqui
a transcrição da versalhada da MARCHA DOS DEZ MANDAMENTOS para nosso deleite:
Estes Dez Mandamentos
Que o meu peito encerra
Amar a Deus no céu
E Maria aqui na terra.
Primeiro amar a Deus,
Meu amor, meu bem-querer,
Se Maria for constante,
Hei de amá-la até morrer...
Segundo não jurar
Seu santo nome em vão,
Eu juro por Maria
A quem dei meu coração...
Terceiro ouvir Missa,
Domingos, Festas de Guarda.
Eu vou ouvir Missa
Bem juntinho da minha amada.
Quarto honrar pai e mãe,
16
Publicado em Encontros com o Folclore, Ano IV, nº 12, 1967, editado pelo folclorista Francisco de
Vasconcelos, e no Jornal do Maranhão, São Luís, 16/07/1967, p. 4. Os cinco primeiros versos de Os dez
mandamentos, encaminhados por Raimundo Rocha a Veríssimo de Melo, foram por este divulgados em
09/02/1951, no Diário de Natal – seção Arquivos de folk-lore e etnografia.
49
Pai e Mãe eu honrarei.
Pelo amor de Maria,
Pai e Mãe eu deixarei.
Quinto não matar
Que nunca matei ninguém.
Só mato as saudades,
Que sinto por ti, meu bem...
Sexto não pecar
Contra a castidade.
Só peco por Maria
Que por ela tenho amizade.
Sétimo não roubar
Que nunca roubei ninguém,
Só roubo as saudades
Que sinto por ti, meu bem.
Oitavo não levantar
Falso testemunho,
Só levanto a Maria
Porque é minha risonha.
Nono não desejar
A mulher do próximo,
Só desejo a Maria
Porque ela não tem sócio...
Décimo não cobiçar
As coisas alheias,
Só cobiço a Maria
Porque é minha sereia...
São Luís-MA - 19/06/1967.
50
FOLCLORE DA SECA
51
ADVERTÊNCIA PARA O MEU FUTURO
A 18 de agosto de 1932, meu pai instalava um fornecimento para operário na
povoação de Lucrecia, no município de Martins. Ali havia sido atacada, recentemente, a
construção de um dos maiores reservatórios d'água da região, o qual ao ser inaugurado pelo
então Presidente Getúlio Vargas, recebeu o nome do lugarejo.
Fui companheiro de meu progenitor em tal empreendimento (vendia pão na parede
do açude) chegando mesmo um dia antes, a 7 de agosto, à noite, em companhia de seu irmão
Seledon - o Doutor, na intimidade. Nesta mesma data, antes de nossa saída, o Sr. Joaquim
Almeida da Silva havia assassinado em Patú, na sua própria residência, o escrivão João Carlos
da Silva. Ainda não me fugiram da memória os horrores por que passara aquele aglomerado
de seres humanos, que para ali afluía em massa, faminto e esmolambado, à procura de pão e
trabalho para não morrer de fome, até que "Deus mandasse o bom tempo". Era um
formigueiro humano. Homens, mulheres e crianças se debatiam numa luta cruel e desigual
contra a natureza madrasta, com um único objetivo - um pouco de alimento que lhes
prorrogasse a vida por mais alguns dias, alguns meses em
"Um adiantamento eterno que se espera,
Numa eterna esperança que se adia".
Atravessávamos a terceira seca, uma após outra.
Os administradores da construção do açude de Lucrecia, indiferentes aos bons
propósitos do Chefe da Nação, desprezando também os mais rudimentares sentimentos de
humanidade, não escondiam sua ganância pelo dinheiro do povo, que ali estava sendo
aplicado em seu próprio proveito, em hora tão oportuna. Operários eram suspensos do serviço
porque, debilitados pela fome, não chegavam rigorosamente para atender ao "ponto", quando
soava a "cachorra" na Residência. Cortavam-se turmas inteiras, quando tentavam qualquer
resistência contra a desumanidade e prepotência de certos funcionários, ou do fiscal geral,
uma espécie de Mussolini barato. A despeito de tanta miséria, os dirigentes do serviço,
enteados dos deuses, se banqueteavam nos seus confortáveis palacetes bem iluminados, num
franco desafio ao sofrimento daquelas criaturas desprotegidas da sorte, que a alguns metros
morriam à fome, sem um candeeiro que lhes velasse o último instante da vida. A rigor, não
havia um serviço sanitário. O médico encarregado do serviço, por sinal, residente na cidade de
Martins, visitava aquele ajuntamento de fantasmas, distribuindo do alto de sua montaria,
algumas receitas apressadas, parecendo-nos mais evitar o contato direto com os doentes.
Meu pai, como muitos outros, também lá contraiu o mal que o levaria ao túmulo
alguns meses depois. Foram inúteis os esforços tentados pela recuperação de sua saúde.
Achava-se longe da família, sem conforto, pessimamente alimentado, despertando diariamente
às quatro da manhã, dormindo após as vinte horas, trabalhando para ter assegurada a
alimentação de seus filhos. Não resistiu ao mal, infelizmente, falecendo na tarde de 25 de
janeiro de 1933, na cidade de Patú, no meio de sua família.
Certo dia, cerca de catorze horas, estávamos, meu pai e eu, no armazém, em
Lucrecia. Sentado num tamborete e com os pés sobre o mesmo, o indicador direito forçando o
52
maxilar inferior esquerdo, onde tinha um dente infeccionado, há tempo, ele, vendo-me em
frente, sobre um saco de milho, me falou tomado da mais profunda tristeza, certo já do seu
próximo desenlace.
- Quantos anos você tem, meu filho?
- 13 anos incompletos, papai. Respondi automaticamente com lágrimas nos olhos.
- Só, meu filho? - continuou ele - era o meu maior desejo vê-lo aos 20 anos, mas
estou certo que não terei este prazer. Vou morrer logo, não há jeito.
Muito criança ainda, mas senti bem dentro do meu coração a profundeza da mágoa
que envolvia o meu pai, naquele instante patético de sua existência. "Vou morrer logo, não há
jeito". Momento supremo para um pai moribundo e um filho criança, mas que se
compreendiam e se estimavam, sentindo já, os dois, as mesmas dores, as mesmas asperezas da
vida. Dezessete anos rolam sobre o abismo daquela hora, e a vassoura impiedosa e destruidora
do tempo ainda não conseguiu varrer do meu pensamento as angustiosas palavras de meu pai.
Onde quer que me encontre, relembrando aquele momento, transporto-me espiritualmente ao
nosso fornecimento, em Lucrecia, reconstituo o quadro, sentindo as lágrimas rolarem-me pela
face...
As palavras de meu pai, nos últimos dias da sua existência, tiveram a sua ação
preponderante na formação do meu caráter. Fiquei, pois, sem o guia certo e indispensável que
me encaminhasse os primeiros passos na longa e sinuosa estrada da vida, quando mais se fazia
mister. Por isto, ao me jogar ao mundo, só e desajudado, para não ser pesado a ninguém, sem
experiências, não é de admirar que tenha tropeçado, nos primeiros dias da jornada. Entretanto,
na hora oportuna e decisiva de minha vida, refleti na grandeza das palavras paternas - "era o
meu maior desejo vê-lo aos 20 anos... mas estou certo que não terei este prazer..." Reagi. Elas
ressoavam, como ressoam ainda, nitidamente na minha memória, como uma grande
advertência no meu caminho, para o meu futuro, para minha vida.
Tenho, em suma, sempre procurado viver, ou levar a minha vida, de modo que, se
meu pai fosse vivo, sentisse realmente prazer de ver o seu filho - "aos 20 anos".
Estas palavras me salvaram...
Teresina, 24/10/1949.
53
UM POUCO DE FOLCLORE17
SEU PAI MATOU PORCO?
Diverti-me na maior das camaradagens entre companheiros de infância, com esta
interessante Parlenda, que aprendi no Rio Grande do Norte. Ela jamais saiu da minha
imaginação, fixando uma época das mais risonhas da minha vida:
- Seu pai matou porco? - Perguntava ao amigo.
- Matou - Respondia-me.
- Você teve medo?
- Não.
- Deixe ver... - Soprava na cara do companheiro.
(Se baixasse os olhos, seria um mentiroso, pois teve medo).
Em Teresina, colhi uma variante não menos interessante. Ei-la:
- Seu pai foi à caça?
- Foi.
- Ele matou onça?
- Matou.
- Você teve medo?
- Não.
Finalizando como a primeira, o interlocutor sopra nos olhos do companheiro, ficando
este invariavelmente por mentiroso. Bate sempre as pestanas...
PARA AFUGENTAR COBRAS
São Bento, água benta,
Jesus Cristo no altar.
Quem estiver no caminho,
Arrede, deixe eu passar...
PARLENDAS, DE VERÍSSIMO DE MÉLO
À medida que fui penetrando nas curiosas páginas de Parlendas, que me foi
gentilmente oferecido pelo autor, dei-me ao trabalho de anotar algumas variantes às parlendas
por ele recolhidas em Natal. Tais variantes são conhecidas na zona Oeste potiguar.
Chico-chicote,
Nariz de taboca,
Vendeu a mulher,
17
Nota da organizadora - Transcrito do caderno de anotações de Raimundo Rocha, omitindo-se o que foi
utilizado em trabalhos incluídos por ele na seção Observando e Anotando.
54
Por um derrés de pipoca.
Veríssimo de Melo recolheu no seu livro Parlendas, algumas formas de rima infantil
QUEM VAI AO AR, aliás uma, puramente regional. Ele nos apresenta também esta versão:
- Quem vai ao vento,
perde o assento.
É muito conhecida a resposta da vítima, mesmo no Rio Grande do Norte, a qual não
encontrei no livro do escritor conterrâneo. O prejudicado contra-diz, francamente aborrecido:
-E sem vergonha
é quem se senta...
MOLE E QUENTE
Pisando de propósito, ou casualmente, no pé do companheiro, este se torcendo, tem
quase sempre a satisfação de fazer uma advertência embora tardia:
- Quando vê mole e quente,
é pé de gente...
Pé quente
é pé de gente.
pé frio
é pé de jia.
(É uma versão colhida na capital piauiense).
O QUE É DO HOMEM
O que é do homem,
o bicho não come...
O que é da mulher,
o bicho não quer...
Se o menino aparecia com a calça no meio da canela, ouvia-se do outro:
- F., você vai passar riacho?
ou então, - F., você vai pegar marreca?
TRAVALÍNGUA
(Estas palavras serão pronunciadas com rapidez)
- Toco cru pegando fogo - Toco cru pegando fogo...
- Peba magro, peba gordo - Peba magro, peba gordo...
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VOCÊ QUER?
- Você quer?
- Quero.
- Pois coce o pé...
- Você queira?
- Pois coce a virilha...
- Não quer não?
- Pois coce a mão...
No Piauí, encontrei esta variante:
- Você queria?
- Pois coce a barguilha...
QUEM TEM BARBA
Quem tem barba, puxa barba,
Quem não tem, puxa bigode.
Eu como não tenho barba,
Puxo na barba do bode...
Na Seara Piauiense:
Quem tem dente
chupa cana
Quem não tem
Come banana.
QUEM TEM RABO
No Grupo Escolar, na hora do recreio, às vezes, pegávamos um “rabo” e pregávamos
na camisa ou no paletó do colega, sem que este percebesse. Passávamos em seguida a gritar:
- Quem tem rabo é peru,
- Quem não tem é nambu...
Também, passando alguém a cavalo, gritávamos:
- Ei! O rabinho caiu!
Muitas vezes, a vítima, furiosamente, respondia:
- Apanhe e bote na mãe!
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Ainda se algum colega pegava em algum objeto que lhe não pertencia, recebia esta:
- Tire a mão da peia,
Que a besta é alheia!...
MAMÃE LUA
Constituía um dos mais belos passatempos para mim, no JUNCO, Patú, entre primos e
minha irmã mais velha, recitar à boquinha da noite, à Mamãe Lua:
A benção, Mamãe Lua,
Me dá pão com farinha,
Para dar a meu galinho,
Que está preso na cozinha...
- Chô!.. chô!.l meu galinho,
Vá pra tua camarinha...
EU IA POR UM CAMINHO
Encontrei em Teresina uma versão desta parlenda. O menino repete a última palavra
dita, aumentando a expressão “doido”:
- Eu ia por uma caminho...
-Caminho doido.
- Encontrei um homem...
- Homem doido.
- Encontrei uma vaca...
- Vaca doida.
- Encontrei um caipora...
- Caipora doido.
- Encontrei uma menina...
- Menina doida.
- Encontrei um boi...
- Boi doido.
- Encontrei uma mulher...
- Mulher doida.
- Encontrei um morro...
- Morro doido!
VACA PRETA
Também me era familiar esta quadrinha, que pode figurar entre as
TRAVALÍNGUAS:
- Quero ver você dizer,
Cinco vezes encarrilhadas,
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Sem errar, sem tomar fôlego,
Vaca preta e boi pintado...
PALMINHA DE GUINÉ
Minhas esposa aprendeu de sua mãe esta versão:
Palminha de guiné
Pra quando papai vié.
Papai dá a papinha,
Mamãe dá a maminha,
E vovó a palmadinha,
Na bundinha da bichinha...
CASINHA DE BAMBOÊ...
Um, dois três,
Quatro, cinco, seis,
Sete, oito, nove,
Para doze faltam três.
Casinha de bamboê,
Coberta de bamboá,
Boê... boê... boê...
Boá... boá... boá...
MEDICINA PRODIGIOSA
Põe-se a pálpebra superior sobre a inferior, ou esfrega-se o indicador no olho do
arqueiro, rezando-se em seguida esta oração:
Corre, corre, cavalheiro,
Vai à casa de São Pedro,
Diga à Santa Luzia
Que mande o lencinho dela,
pra tirar este arqueiro...
MNEMÔNICAS
1 - Anum
2 - Arroz
3 - Pedrês
4 - Pé de pato
5 - Pé de pinto
6 - Francês
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7 - Canivete
8 - Biscoito
9 - Automóvel
10 - Besta tu és
POSSÍVEL ORÍGEM DO NOME DE CIDADE DO PATU
Dizem que havia dois irmãos indígenas e que moravam na mesma região. Eram
amigos, mas separavam-se de comum acordo, ficando um onde temos atualmente a cidade,
enquanto o outro foi residir onde existe hoje, no lado oposto da serra, o lugar PATU - de -
FORA. Certamente, aproximando-se o fim da sua vida, este dizia aquele:
- Fulano, quando eu morrer isto aqui fica "Pa tu".
O irmão respondia com o mesmo sentimento de gratidão:
- E se eu morrer primeiro, isto aqui fica "Pa tu".
Daí o nome da cidade. E existe Patú, a cidade, onde teria morado um, e do outro lado
da serra, Patu-de-Fora, uma propriedade, onde o outro teria residido.
ORAÇÃO DE SANTA MARGARIDA
Jesus me fez, Jesus me consagrou
com sua santa semelhança,
Jesus me aconchegou,
chega Jesus filho da Virgem Maria,
para hoje neste dia eu ser feliz
salvo tou, salvo tarei,
salve meu corpo com a cruz de Deus.
Amém.
Valha-me minha santa Margarida
Nem estou prenha nem estou parida
sou de Deus favorecida,
tirou-me estas carnes mortas
de dentro de minha barriga
com o poder de Deus Padre,
de Deus Filho e da Virgem Maria.
Amém.
Repete-se estas palavras de valha-me minha santa Margarida até a mulher se safar.
(Esta oração é recitada pela "cachimbeira" Neném e repetida pela parturiente da
cidade de Pau dos Ferros-RN. A parteira não deixa de estar sempre "mascando uma raminha"
um pouco alcoolizada, para fazer o serviço melhor. Copiamos sem alterar nenhum vocábulo).
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ADAGIÁRIO
Dizia-me um comerciante de Teresina:
- "Eu sou comerciante e sou diferente de muitos dos meus colegas".
E prosseguindo:
- "não denuncio contrabando, pelo contrário, eu até gosto deles. Certo dia o
fiscal "V", veio guardar um em meu armazém, cujo prejuízo para a Fazenda
Estadual era superior Cr$ 1.000,00. Resultado: comprei tudo muito barato
porque o "sujeito" não achou quem comprasse... "
E dando boa gargalhada concluiu:
- "Não importa que marica morra, quero que changa corra...".
60
PARECE MENTIRA, PARECE18
...
OCRIDO OU EUCLIDES?
Comerciante e Secretário da Prefeitura de São Miguel, Rio Grande do Norte, o Sr.
Euclides foi procurado certo dia, em sua residência, por um matuto, para solucionar, se não
me engano, uma questão de terra.
Batendo palmas à porta da autoridade municipal, o tabaréu foi atendido por uma
preta empregada.
- O que era? - perguntou-lhe secamente.
- "Seu" Ocrido está?
- Vige, grande coisa besta, - corrigiu ela, - não sabe nem chamar "Seu Eclides...
DELEGADO "IMPROIBIDO"
O Sr. Marcelino, era comerciante em Pau dos Ferros, próspera cidade da zona Oeste
potiguar. Na frente de seu estabelecimento existem duas frondosas árvores, nas quais,
habitualmente, os feirantes amarravam seus animais aos domingos.
Nomeado delegado, o Sr. Marcelino resolveu tomar algumas medidas relacionadas a
seu cargo, e acabar com o abuso dos feiristas, deixando o dia todo os animais na porta do seu
estabelecimento.
Pegou uma folha de papel almaço, a pena e a tinta, escrevendo em seguida, de
próprio punho, a proibição, na qual se lia entre outras palavras:
"... fica improibido, a partir desta data, amarrar animais nestas árvores"... etc.
etc...
(Esta me foi contada por um seu colega)
QUESTÃO DE VERNÁCULO
Certa vez conversávamos no estabelecimento do Sr. Antônio Holanda, em Pau dos
Ferros-RN, quando o Sr. Balduíno, velho respeitável de boa palestra, ouvindo falar de
Francisco Raimundo, criador no município de Portalegre, dissera:
- Para mim, todo homem, ou toda pessoa, que tem dois nomes próprios no seu
nome, não tem pai... José Francisco, continuou ele, Manuel José, e assim por diante...
18
Nota da organizadora - Transcrito do caderno de anotações de Raimundo Rocha, omitindo-se nomes de família
das pessoas citadas.
61
A esta altura, despretensiosamente, perguntei o seu nome.
- Balduíno José do N., respondeu ele, enfaticamente.
Como era de esperar, os presentes caíram em profunda gargalhada....
62
ONDE MORREU JESUÍNO BRILHANTE19
A leitura de uma carta do escritor Raimundo Nonato da Silva, datada de 01/09/67,
Rio-GB, contribuiu para reforçar a dúvida que alimentamos quanto ao local exato da morte do
cangaceiro Jesuíno Brilhante. A história de sua Terra Natal não tem segredos para o autor de
Zona do Pôr do Sol, especialmente no que diz respeito à chamada zona Oeste, campo das
peripécias de bandoleiros que infestavam em tempos idos, aquela região sertaneja
norteriograndense.
Raimundo Nonato é um sujeito incorrigível, filho da serra do Martins, cidade
pequena, hospitaleira, excelente pelo seu clima ameno, onde se conhece a vida de cada
habitante, com todos os pormenores. O autor de Memória de um Retirante, por isto mesmo,
indagador, observador, não podia deixar de ser bisbilhoteiro. Pesquisador de água doce,
remexe gavetas, papéis velhos empoeirados, lá atirados sabe Deus quando. Não guarda
segredo, "bate logo com a língua nos dentes", como se costuma dizer. É perigoso, engraçado
e, às vezes, até inconveniente. Permanece ainda em nossa lembrança os repentes gostosos que
divulgou nos seus livros, sobre a dupla impagável de irmãos Chicão e Justino Cocada, Vicente
Praxedes, Vitorino da Caeira e tantos outros.
Vive agora a escarafunchar a vida de cangaceiros. Falou de Lampião. Lampião em
Mossoró, é obra indispensável a quem quer que se dedique ao estudo do banditismo no nosso
país, mormente sobre a vida daquele que espalhou terror em todo o Nordeste, durante longos
anos, ora matando para satisfazer o seu instinto sanguinário e perverso, ora saqueando e
deixando o mal por onde passava com sua horda de malfeitores e desalmados. Raimundo
Nonato, desta vez, se apresenta investigando a vida do cangaceiro Jesuíno Brilhante, filho de
Patú, então município de Martins, portanto nosso conterrâneo, "o maior cangaceiro do século
XIX," como classificara o historiados Gustavo Barroso.
Raimundo Nonato, com a dupla autoridade de homem de letras e conterrâneo de
Jesuíno Brilhante, vai revelar para o Brasil, o que não foi dito ou focalizado por Gustavo
Barroso, em Heróis e Bandidos, e que permanece na memória do povo, em toda a área que
serviu de palco às aventuras extraordinárias e audaciosas, praticadas por Jesuíno, entre três ou
quatro Estados do Nordeste.
Escreve Gustavo Barroso, em seu livro Heróis e Bandidos, às páginas 189/90:
"Nos últimos dias de dezembro, uma força guiada pelo Preto Limão
conseguiu separá-lo da Casa da Pedra. Emboscou-se, disposto a vender cara a
sua vida e talvez mesmo a acabar com ela fatigado da tanta luta, no lugar Santo
19
Nota da organizadora - Publicado no Jornal do Maranhão a 22/10/1967, p. 6; no Jornal da Cidade de
Pinheiro a 22/10/1967, p.3; no Boletim da Comissão Maranhense de Folclore, nº 51, dez. 2011, p. 15. A
primeira metade desse artigo foi incluída por Raimundo Nonato em JESUINO BRILHANTE – O
CANGACEIRO ROMANTICO (1844-1879), Rio de Janeiro, Pongetti, 1970 (p. 189-191). A obra traz a seguinte
dedicatória: “A memória de RAIMUNDO ROCHA – nascido em Patú, na mesma gleba de Jesuíno Brilhante –
que tanto me incentivou para fazer este livro e que não chegou a ve-lo publicado porque foi alcançado pelo fim,
no meio do caminho. A homenagem do autor”. Sobre a segunda parte do artigo comentou, em carta de
16/11/1967, seu cunhado José de Aquino: “Muito admira que fatos tão recentes dêem margem a tamanha
divergência entre os historiadores. Acredito que seu artigo tem o mérito de suscitar a questão, ao tempo em que
contribui com um fato novo – a narração de seu padrinho – onde se corrobora a versão da sobrevivência de
Brilhante ao episódio da traição di Inácio Seleiro”.
63
Antônio, entre Caraúbas e Campo Grande. Ao se aproximarem os soldados, os
velhos companheiros, Manoel Piry, Pagehú e João Delgado recusaram-lhe
obediência, repeliram-no, resolvendo dispersar-se. Jesuíno Brilhante, cheio de
amargo desgosto, foi ao encontro dos inimigos e morreu, morte digna do
vaqueiro exímio, do cangaceiro heróico que era".
Na carta a que nos reportamos acima, Raimundo Nonato confessa:
"Pelópidas afirma que o Brilhante morreu quando foi receber uma sela
que encomendara."
Reconhecemos o peso da autoridade e o valor da sua afirmação. Dr. Pelópidas foi
Juiz de Direito durante muitos anos em Martins, expoente máximo e que enobrece a
magistratura potiguar, cidadão íntegro, estudioso, inteligente e culto, e, por cujos atributos,
sempre mereceu o respeito e simpatia de todos os seus conterrâneos. Nasce aí na sua
afirmação a Raimundo Nonato, porém, um terceiro local atribuído à morte do herói - bandido
patuense.
Voltemos às páginas 184/85, de Heróis e Bandidos e vejamos a descrição do episódio
ocorrido na casa do velho Ignácio Selleiro" o qual vale a pena transcrever na íntegra para que
se tenha uma idéia da coragem, da audácia desse bandoleiro, que soube deixar um halo de
admiração e simpatia, na memória daquela gente em toda a zona Oeste potiguar:
"Passando na Várzea de Antônio - diz Gustavo Barroso - Jesuíno
encomendou uma sella ao velho Ignácio Selleiro, ficando de vir buscá-la em
dia marcado. Chegou uma força da polícia a Caraúbas e o selleiro
manhosamente, de acordo com um filho, resolveu fazer prender o cangaceiro,
demorando a entrega da sella até que os soldados chegassem. No dia
determinado, Jesuíno desconfiou da demora do velho em acabar de colocar os
ilhós e do seu olhar assustado. Ficou de orelha em pé. O seu sentido auditivo
apuradíssimo avisou-o de que vinha gente pela estrada e depressa. Saltou do
cavalo, embebeu a faca no peito do traidor e entrincheirou-se na casa. Quando
a tropa surgiu correndo pelo caminho, derrubou um soldado com certeira
pontaria. Os outros deram uma descarga. O Brilhante entrincheirado continuou
a matá-los um a um, ora atirando da frente da casa, ora de traz, o que lhes fazia
supor que havia mais de um inimigo. Retiraram. O cangaceiro ganhou o mato e
"foi ter à sua furna." (o grifo é nosso).
Cabe, nesta oportunidade, registrar uma cena que teria acontecido em Patú, que
permanece na memória popular, a qual teve como protagonista o Brilhante. Ela nos foi
transmitida por meu padrinho Rafael Godeiro da Silva, aliás falecido faz poucos meses,
prestigioso chefe político de Patú, homem pacato e respeitável pela sua correção moral.
"Jesuíno conversava com um amigo, certo dia, no fim da feira o sol já
se pondo - disse-me meu padrinho Rafael - no local onde hoje se ergue a igreja
Matriz, quando viu passar por suas costas, um indivíduo andrajoso, com uma
criança às costas, acompanhado de uma mulher. O Brilhante o reconhecendo,
quis investir contra ele dizendo que ia matá-lo. Seu amigo surpreso e
compadecido, o detém:
64
Não mate este miserável! Basta o que ele está sofrendo!
Jesuíno Brilhante recua dois passos, escarra, e aponta uma mancha de
sangue e furioso:
Por causa deste traidor é que estou morto!”
Era o filho do velho seleiro que passava...
Este episódio que nos foi transmitido pelo meu padrinho Rafael Godeiro, em nossa
terra, no local das lutas de Jesuíno Brilhante, sem nenhuma pretensão "publicatória", como o
depoimento de Gustavo Barroso, mostram que o célebre bandoleiro Jesuíno Brilhante não
"morreu quando foi receber uma sela que encomendara."
O nosso mestre Câmara Cascudo, cuja autoridade ninguém ousa contestar, assim
descreve a morte de Jesuíno, em sua afamada ACTA DIURNA (A República Natal-RN,
1942?):
"Em fins de 1879, no sítio "Santo Antonio" município de Brejo do Cruz, na
Paraíba, água do Riacho dos Porcos, Jesuíno, com seis fiéis, caiu numa emboscada e
foi ferido de morte. Carregaram-no agonizante. A tropa não o perseguiu. Enterraram
no lugar "Palha", no meio do mato.
Anos depois, um seu amigo, o médico Francisco Pinheiro de Almeida Castro,
exumou o esqueleto, levando a caveira para Mossoró. Esteve o crânio na Escola
Normal longamente. Por ordem do Dr. Castro, o Dr. Rafael Gurjão entregou-a ao Dr.
Juliano Moreira, no Rio de Janeiro. Está possivelmente, perdida para os efeitos da
identificação. "Caveira não tem letreiros".
Em 1941, vimos a fotografia de uma caveira, em exposição, em frente ao Foto
Otávio, em Mossoró, com a seguinte inscrição abaixo:
"CRÂNIO DO CANGACEIRO JESUÍNO BRILHANTE".
E José Otávio era jornalista e um estudioso, apaixonado pelos problemas de sua
Terra.
Por fim, onde morreu realmente Jesuíno Brilhante? Várzea do Antônio, Santo
Antônio, no município de Caraúbas; ou quando foi receber uma sela que encomendara, ou no
sítio Santo Antônio, município de Brejo do Cruz, na Paraíba?"
Tenha a palavra quem quiser prestar a sua contribuição para que Raimundo Nonato
no-la transmita no seu "A GESTA DO CANGACEIRO JESUÍNO BRILHANTE", pois
Já mataram Jesuíno!
Acabou-se o valentão...
Morreu no campo da honra...
Sem se entregar à prisão...
NOTA BIBLIOGRÁFICA:
Heróis e Bandidos – Gustavo Barroso (João do Norte), Livraria Francisco Alves, Rio de
Janeiro, 1917.
65
São Luís, MA. 02/10/1967.
66
EU CONHECI ANTÔNIO SILVINO20
A casa grande de meu avô paterno era o ponto certos das reuniões de pessoas da
família, de moradores que residiam em sua propriedade no Junco, ou que moravam perto. Era
um bate-papo agradável à "boca da noite, à luz de lamparina", na época da colheita, quando se
fazia a debulha do feijão. Estavam presentes o contador de estórias, e o cantador que animava
as reuniões. Comentavam-se também os últimos acontecimentos da região e do País. As
notícias eram transmitidas de "boca em boca", pois ainda não havia o rádio, e os jornais sé
existiam nas grandes cidades, como Mossoró, ou na capital do Estado.
O tema predileto da palestra era sobre o banditismo, todas as noites. Lampião havia
atacado Mossoró em 1927. Era o assunto do dia. Entravam em cena outros bandoleiros, dos
quais alguns já não existiam, mas permanecia na lembrança do povo a sua fama. Antônio
Silvino, recolhido à penitenciária de Recife, cumprindo sua pena, era discutido sempre.
Eu contava apenas oito anos de idade. Imagine-se o medo, a angústia, que me
dominavam ouvindo as estórias e façanhas violentas, que tinham como autor os cangaceiros
que infestavam o sertão nordestino.
Jesuíno Brilhante, Antônio Silvino, Lampião, para só falar na trindade suprema,
porque havia um número apreciável, de bandidos em escala decrescente, menos famosos,
porém igualmente perversos e temíveis. Alguns já desaparecidos, outros em plena atividade,
praticando toda espécie de atrocidade entre cinco Estados.
Clamando por minha avó paterna, implorando socorro as mais das noites, eu
acordava apavorado, aos gritos, pois sonhara que o bandido da Vila Bela, com seu grupo,
atacava nossa casa, ou outras vezes, as casas dos nossos vizinhos.
Incendiavam propriedades, praticavam horrores e cometiam toda espécie de violência
e atrocidade, contra a população rural indefesa.
Jamais passou pela minha cabeça, na minha infância, que mais cedo ou mais tarde,
teria que me defrontar com um desses cangaceiros, em carne e osso, autêntico bicho-papão da
gurizada de minha geração, flagelo do sertanejo de minha terra-natal.
Patú, então vila pertencendo ao município de Martins miniatura de FAR:WEST
potiguar, imortalizada na crônica do cangaço por ter sido berço das extraordinárias façanhas
do "maior cangaceiro do século dezenove", Jesuíno Brilhante - no dizer de Gustavo Barroso.
O sr. Joaquim de Oliveira, de saudosa memória, engraçado, sisudo, falador da vida alheia,
sem maldade, nos falava das lutas, das mais recentes escaramuças de cada um desses
cangaceiros, na costumeira "rodinha" pela manhã e à tarde, na calçada da bodega de Manoel
Mota, meu cunhado, no mercado Público. Tínhamos para cada encontro, mais novidade, um
detalhe, com que conseguia com inteligência, prender a atenção dos ouvintes, graças à sua
imaginação e retentiva privilegiadas. Antônio Silvino, o “Rifle de Ouro”, era o herói de sua
20
Publicado no Jornal do Maranhão, em 17/3/1968; no Boletim da Comissão Maranhense de Folclore, nº 50,
ago. 2011, p. 16.
67
simpatia, de sua preferência, ainda vivo, e, sobre o qual havia um halo de simpatia e
admiração por onde passava e até onde chegava sua fama. Não porque o sertanejo admirasse o
cangaceiro, mas porque gostava do homem valente, do homem disposto, que uma vez ferido
na sua honra, resolvia a parada sem pensar nas consequências.
Fulano de Tal (dizia Joaquim de Oliveira, citando o nome) certa vez foi visitar
Antônio Silvino na Penitenciária do Recife. Depois de alguma conversa, pensando em
agradar, resolveu comprar um abotoadura de cabelo de animal, para punho de camisa, de
fabricação do velho e temido cangaceiro. Solicitou que mostrasse os botões de sua fabricação,
indagando o preço.
- Oitocentos réis, cada par! - informou o velho Capitão-de-mato, de dentro de
sua cela.
- O Sr. faz uma diferença? - perguntou o visitante, no seu costume, muito do
gosto do sertanejo, de pedir abatimento.
- É, se eu tivesse do lado de fora, você não me pedia diferença - trovejou o
bandoleiro, como fera enjaulada, recolhendo o artigo de seu comércio.
O tempo passou. A civilização penetrou no sertão adentro. Os cangaceiros famosos
foram aos poucos desaparecendo. Mataram Lampião e, com ele foram os seus desalmados
companheiros de cangaço.
Meu mano Lourival, em 1942, se não me trai a mente, me surpreendeu com esta
pergunta à queima-roupa, em Campina Grande, na Paraíba.
- Você já viu Antônio Silvino?...
- Ô chente... Antônio Silvino? aquele bandido do nosso tempo de menino?
Onde?
- Sim, ele mesmo, em carne e osso... ele aparece sempre pela manhã nos cafés
da Avenida João Pessoa...
Procurei francamente encontrar-me com o herói, que me roubou muitas noites de
sono, na minha infância. E, certo dia, observei-o, saindo de um bar, na Avenida João Pessoa,
em Campina Grande, caminhando em minha direção, um cidadão idoso, tórax ligeiramente
caído para frente, suportando nos ombros o peso de seus sessenta e sete janeiros. Identifiquei
sem esforço, pelas características apresentadas, que eu estava realmente na frente do famoso,
legendário, Antônio Silvino, que anos atrás, se considerava o "Governador do Sertão"
nordestino. Procurei enquadrar no homem que se achava à minha frente, sem que ele me
percebesse, o destemido cangaceiro de Afogados de Ingazeiro, que não temia forças do
governo, pronto para enfrentar a luta a qualquer momento, o valentão que não temia
adversário, que contava com um grupo por ele próprio adestrado, como cantava o poeta das
feiras dos mercados do Nordeste:
Já ensinei aos meus cabras
a comer de mês em mês,
Beber água por semestre,
Dormir por ano uma vez...
Atirar em um soldado
E derrubar dezesseis!
68
Estava à minha frente, a alguns metros, um cidadão idoso, encanecido, estatura
mediana, risonho, chapéu de massa de aba longa, usando terno de brim cáqui, e, na lapela do
paletó, uma rosa vermelha, bengala á mão, aparentando calma e tranqüilidade.
Desmoronava-se para mim um ídolo, naquele instante, cuja grandeza, fama e poder,
seria impossível se medir. Detive-me ante o herói-bandido de tantas estórias impossíveis
ouvidas na minha infância, no Junco, e pus-me a pensar nas determinações do destino. Estava
ali o "maior cangaceiro do século XX", homem que manteve toda a população do nordeste à
mercê de seus caprichos, em polvorosa, durante vinte longos anos. Ora atacava cidades, vilas
e povoados, ora assaltava fazendas de inimigos, ora defendendo a honra de moças pobres,
distribuindo aos humildes e famintos o dinheiro subtraído aos ricos, aos seus inimigos. Dupla
personalidade, tipo curioso que bem merecia ser estudado profunda e cuidadosamente sobre
os diversos ângulos de sua vida.
Senti, em suma, ao conhecer o legendário cangaceiro, recuperado socialmente, após
longos anos vividos na Penitenciária do Recife, tremenda decepção. Estava liquidado o ídolo
do cangaço de uma época. Antônio Silvino dava-me a impressão de um pastor evangélico,
com a sua expressão de humildade e mansidão. Nada pois existia nele que lembrasse o
cangaceiro "jamais igualado na sinistra fama, nunca excedido no criminoso mister". "O maior
vulto de criminosos dos sertões do Nordeste" na opinião do historiador Gustavo Barroso.
Foi assim que conheci ANTÔNIO SILVINO.
69
"PELO SINAL” DO SERTANEJO21
A fome está devastando
Os nossos Estados do Norte
E eu que estou perto da morte
PELO SINAL
Se a chuva não for geral
Logo no mês de janeiro,
Não fica um só fazendeiro
DA SANTA CRUZ
Eu por mim já me dispus
A morrer de fome: é feio!
Mas de pegar no alheio
LIVRA-ME DEUS
Aqui mesmo entre os meus
Pretendo a fome passar
Porque me há de ajudar
NOSSO SENHOR
Ele quem anda a favor
Dos mal arremediados
Traz agora aperreados
DOS NOSSOS
Mas hei de acabar os ossos
E no alheio não bulir,
Para não adquirir
INIMIGOS
Desprezam-me os meus amigos
E, para não perder a bola,
Vou dar pra pedir esmola
EM NOME DO PADRE
21
Nota da organizadora - Recolhido do folclores nordestino e encaminhado por Raimundo Rocha a Alceu
Maynard Araújo, sendo por este publicado em Pentateuco Nordestino, São Paulo, Ed. Brasbiblos, 1972, p. 32-
38.
70
Se implorando a caridade,
Não me matarem a fome
Eu ainda peço em nome
DO FILHO
E se eu seguindo este trilho
Não me derem um só vintém
Eu peço em nome também
DO ESPÍRITO SANTO
Se não enxugarem o pranto
Eu, que morrer não desejo,
Me mudarei para o Brejo
AMÉM
71
LEMBRANÇAS DE PATÚ
72
OLHO D'ÁGUA DO PINGA22
Partimos, naquela madrugada fria, como ficara combinado, sob o peso do
imprescindível farnel, em demanda do "Olho D'água-do-Pinga", na serra do Patú. Ao
deixarmos a cidade, nosso bloco era composto de cinco pessoas: Prof. João Guerra,
organizador da excursão - o Tarzan, Ezequias de Freitas, José de Sousa, eu e Aristides Inácio
que, conhecendo a palmo o terreno, fez questão de ser nosso guia.
Às seis e trinta, mais ou menos, havíamos rompido a primeira etapa. Além, via-se a
aproximação do astro-rei que já espalhava sobre o dorso das elevações seus primeiros jatos de
luz. Estávamos sobre a serra, à residência do sr. Benvenuto Matias a quem denominei de
"Fernão Dias Patuense," não porque procurasse ali "pedras verdes," ou tentasse descobrir um
novo El-Dorado, mas porque fora ele, a meu ver, o autêntico desbravador dessa eminência
inculta, dando de ombros aos perigos que o cercavam.
Levara, num completo êxodo, sua família e alguns animais que possuía, movido pela
convicção de encontrar, mais perto de Deus, muitas outras jóias que lhe oferecia aquele
tesouro inexplorado.
Foi-nos oferecido um café e neste ínterim, tiramos algumas fotografias, onde
permanecemos fazendo ligeiras observações sobre o que realizara anonimamente esse
sertanejo pobre, num período relativamente curto, como que num desafio aos endinheirados
comodistas que, quase sempre, permanecem numa eterna e carinhosa indolência.
Dedicara-se especialmente ao cultivo do feijão, milho, mandioca e "ouro-branco",
obtendo compensadores resultados. Uma de suas primeiras preocupações, não fora apenas a
realização de uma ladeira que tornasse mais accessível sua moradia, foi a construção de um
açudinho que lhe garantisse água no verão. Contornando essa pequeno reservatório,
encontram-se, atestando a ubedade do terreno, verdes e frondosas bananeiras, além de várias
mangueiras.
Seguidos agora pelo Sr. Benvenuto e um de seus filhos, transpusemos a parte mais
elevada da serra, onde há um belo símbolo de nossa fé, com sentinela atenta de braços abertos
a velar, constantemente, pelos destinos dessa risonha URBE, que pompéia lá em baixo.
Descortinam-se, desse local, para todos os recantos daquele sertão, as mais enternecedoras
paisagens. Ali, no dia da bênção do cruzeiro, ouvi Pe. Valentim Ginter, surpreendido com o
panorama, essas palavras que me ficaram, ressoantes, na memória:
MONTES... MONTANHAS... E COLINAS...
Muito ao longe, vislumbram-se lindos burgos. Caraúbas, quase a se confundir com a
cinza, no horizonte; Olho D'água dos Borges, Umarisal, Açude de Lucrecia, Estação da EFM;
em Almino Afonso. Ao sopé desse gigante de granito, temos a cidade, sonhadora e feliz, cujas
casas vistas do alto, parece não se elevarem a mais de dois metros do solo e seus habitantes
não passam, à nossa vista, de crianças em movimento pelas ruas. No centro, completando o
22
Publicado em Centelha Abolicionista, Ano II, nº 5, 30 de setembro de 1947, Mossoró, p. 9.
73
quadro, entrecortado por um sem número de pequenos cercados, açudes e estradas que
serpenteiam, para todos os lados, vê-se a aproximação de uma locomotiva a se arrastar como
lesma por aquele sertão referto de fartura assinalando sua passagem por longo fio de fumaça e
desprendendo da chaminé alarmante silvo que repercute de maneira curiosíssima pela serra.
Foi ainda nesse lugar que tivemos uma dos mais gratos passatempos, constituindo em
remover grandes pedras, precipitando-as sobre o despenhadeiro, as quais produziam, à sua
passagem, de quebrada, estrondos formidáveis, mutilando árvores, deixando, enfim, um
caminho de destruição e ruínas.
Rumamos, em seguida, ao Olho D'água, por entre a mata raquítica, andando quase
sempre curvados. Era porém, um terreno um pouco acidentado, de vegetação mais variada, no
qual descobrimos, à semelhança do "cantor mudo da natureza virgem" de Afonso Arinos, um
grande cajueiro. Este vegetal nos faz recordar seu irmão, que floresce em Parnaíba, no Piauí,
um amigo de infância, cujo destino revive na lembrança de todos, através das páginas
admiráveis do grande escritor patrício que foi Humberto de Campos.
Tendo, à nossa frente, novo e soberbo panorama, do lado oposto da serra, que liga
Patú-de-Fora a Brejo-do-Cruz, sob um sol causticante, chegamos ao " Olho-D'água-do-Pinga",
lugar que, para muitos patuenses, não passa de mera ficção.
Sentimo-nos, então, recompensados pelo sacrifício enfrentado, ante as incomparáveis
belezas que, amiúde, contemplamos prazerosamente.
O turista, a par dos aspectos naturais que oferece essa pitoresca região, fica surpreso,
frente aos magníficos painéis vislumbrados. Desprendem-se de gigantesca rocha,
paulatinamente, cristalinas gotas d'água, como lágrimas a rolar dos olhos de alguém que ali
permanecesse a carpir eterna pena. Esses pingos d'água caem sobre uma pedra quase plana, já
perfurada um pouco, em cuja concavidade é retida cerca de uma xícara d'água fria e
limpíssima. Nosso guia informou que é necessário uma hora para ser captada uma lata de 18
litros da linfa preciosa.
Foi este o ponto escolhido para nossa "xepa". Mas outras chapas fotográficas foram
batidas, em que aparecem, quase todos, sentados, devorando seu pedaço de queijo, rapadura
ou frutas; enquanto outro, pacientemente, com um copinho à mão, recorre à fonte, para
mitigar a sede.
Estava, portanto, concluída a nossa aventurada excursão, embora nos restasse, ainda,
sob o fardo de nossa canseira, uma etapa mais penosa a vencer. O REGRESSO...
Mossoró, setembro de 1947.
74
DIVAGANDO23
Voltei a Patú, minha cidade natal, após a ausência de alguns anos. Não tive,
propriamente, intenção de visitá-la, porém, fi-lo mais por imposição de itinerário. Regressava
de Paú-dos-Ferros e já era quase meia-noite, hora em que não me foi possível encontrar
alguém que me indicasse a residência de Chiquinho, meu irmão, onde me hospedaria. Senti-
me, nessa ocasião, um estranho em sua própria terra, entre sua gente.
Saí, então, pelas ruas desertas, revendo os lugares por onde passei uma infância feliz,
brincando "de camisa, aberto o peito", ao lado de meus irmãos, de meus primos e alguns
amigos. Alimentava a esperança de encontrar, por ali, um de seus parias que me fizesse chegar
ao ponto desejado. Fiquei momentos de pé, reconstituindo todo esse passado, lobrigando, a
curta distância, a bela eminência de granito, que mais parecia um monstro adormecido; suas
praças e ruas, a igreja em reconstrução, o sobrado velho, testemunhas de gerações que se
foram, na voragem dos tempos. No alto, o firmamento todo pontilhado de estrelas, onde se
não via sequer, um retalho de nuvem a embaciar a pureza daquele poético luar de setembro,
que se projetava sobre a cidadezinha, entregue aos divinos caprichos de Morfeu.
O silêncio era absoluto. Nem um "vira-lata" ao menos alarmando a noite. Apenas,
quebrando a quietude doce, a concentração feliz de seus habitantes, o ciciar das folhas de
fícus, que se espalham pela cidade, acariciada pela aragem noturna.
Revejo saudosamente suas casas, e, em cada uma, leio um capítulo de sua história,
seu passado. Relembro, aqui, um incidente terrível, ocorrido entre companheiros de infância;
acolá, uma travessura de minha meninice. Ainda na praça João Carlos, vejo a casa em que vim
ao mundo e em que ensaiei os meus primeiros passos. Ela é para mim um recanto de
saudades, repleto das mais belas recordações. Nela, presenciei a luta heróica enfrentada por
meu progenitor, num esforço sobre-humano, pela conquista do pão de cada dia. Era,
invariavelmente, o primeiro a chegar ao trabalho e o último a deixá-lo.
E, hoje, dia consagrado aos mortos pela Igreja Católica, ouvindo a saudação triste e
comovente dos sinos dos templos sagrados, transporto-me à minha terra dentro daquela noite
de verão, em companhia do mano, indo à sua necrópole, em vista dos mortos queridos. Entro
e vejo, ao lado, o túmulo do meu pai, tendo como eterna companheira, sua mãe que o adorava.
Foste, meu pai, desconhecendo os sentimentos egoísticos e hipócritas, um justo, um
santo, vítima de tua própria boa-fé, causa do teu pouco sucesso neste vale de lágrimas.
Foste sempre meu amigo, tolerando-me nos instantes difíceis que juntos passamos,
quando me desprezavam...
Adeus... Aqui te deixo, meu inesquecível pai, o testemunho de minha saudade e de
minha veneração, de minha amizade e de meu respeito.
Mossoró, 2/11/1947
23
Publicado em Centelha – Edição do Natal, Mossoró, 1949, p. 24-26.
75
FIGURAS PATUENSES - JOÃO DE HOLANDA24
João de Holanda foi, pelo seu tipo, uma das figuras que mais me chamou a atenção,
ao voltar para a casa de meus pais, em Patú, no fim de 1926, ou nos primeiros meses do ano
seguinte. Tornei-me desde logo ouvinte assíduo de suas histórias imaginosas e divertidas,
cercando-o mesmo, pela sua mansidão, de uma auréola de simpatia e respeito, que vem se
prolongando mesmo depois de sua morte.
Baixo, muito gordo, calmo, de cabeleira escassa e nívea, Holanda usava
invariavelmente chapéu de massa preta, de aba-grande. Trajava de preferência cáqui, e
arrastava na sua marcha tranqüila uns chinelos de rosto fechado, tão em gosto no tempo. Um
de seus habituais ouvintes me informara ser ele pernambucano. Alcancei ainda o seu
estabelecimento no Mercado Público da cidade, no qual se notava quase completa ausência de
mercadoria para vender, a não ser algumas latas de querosene cheias de feijão, mas ele ali era
encontrado diariamente, sentado no seu tamborete de couro cru, a contemplar os transeuntes
que desfilavam pela rua, e por sua calçada. Posteriormente, regressando de Mossoró o Sr. João
Ferreira da Silva, Holanda lhe vendera o ponto comercial. Nessa época, então, conheci uma
particularidade que bem retrata o lado pitoresco de sua personalidade. Passando nos últimos
dias pelo seu estabelecimento, notei que dentro do balcão havia uma ruma de caixas de
fósforos. Como é natural, não resisti à curiosidade nunca ausente na criança, perguntei-lhe se
tudo aquilo era também para vender. Certamente, caso contrário, me interessava para
aumentar o meu estoque. A resposta foi duplamente negativa. Sem, contudo, esconder o
interesse persisti:
- E para que o senhor quer, "Seu" João?
- Para nada - respondeu-me mansamente - entendi de guardar todas as caixas de
fósforo secas, então aí...
A vida é assim, de tudo nos oferece. Uns guardam recortes de jornais, retratos, selos
de todos os países, guardanapos dos restaurantes, enquanto outros colecionam dinheiro -
cédulas ou moedas. O gosto desses maníacos varia muito, existindo uns até extravagantes.
Não quero incluir entre estes o meu conterrâneo pelo coração, o seu lugar será entre os
primeiros. Conheci um em Assú, que tinha uma coleção de talo de carnaúba, do maior ao
menor, e também tinha uma coleção idêntica de colher-de-pau. Verdade é que não sou
testemunha ocular ou não cheguei a conhecer o "museu" do velho da terra "dos verdes
carnaubais". Mas, pessoas da terra me asseguraram a sua veracidade.
Holanda era tido, porém, como "uma das maiores fortunas" da época no Patú, era um
dos que mais tinham dinheiro "no fundo da mala".
A propósito, conservo ainda uma anedota que, na sapataria de Elpídio Lopes, há
muitos anos, ouvi a seu respeito.
24
Publicado em Bando, Ano II, nº 14, fev. 1950, p. 12, Natal-RN.
76
- "No ano passado -dizia alguém - o inverno foi muito pesado e o sol
foi muito pouco. Eu ia passando para a cacimba-do-povo, e ao chegar ao portão
da casa de "seu" João Holanda, vi "ele" pelo buraco da fechadura do portão, no
muro, sentado num caixão de querosene Jacaré, com uma pistola na mão.
Continuei olhando para me certificar do que estava acontecendo, verifiquei que
ele havia tirado todo aquele horror de dinheiro que estava no chão, de dentro
do chão, botou no sol para limpar o mofo, e estava pastorando com a FN em
punho. Foi uma tentação".
Doutra feita, o velho Godeiro - Joaquim Godeiro - que conseguiu juntar boa fortuna e
gozou de franco prestígio político no Município, desafiara João de Holanda a mostrar seu
dinheiro, pois tinha, "desconfiança” que o dinheiro de João de Holanda era pouco, porque
ninguém via. Este, de pronto, aceitara o desafio, saindo de casa preparado para o encontro
com o velho Godeiro, quando seria decidido qual dos dois teria mais dinheiro. Em cada bolso
do paletó, em cada bolso da calça, Holanda havia posto um "bolo" de dinheiro para enfrentar o
seu colega. No entanto, como este não apareceu no local, à hora aprazada, João Holanda,
vitorioso, saiu mostrando seu dinheiro e contando o caso entre seus amigos no comércio local.
Holanda tinha seus pontos preferidos para dar curso às suas histórias. A sapataria de
Elpídio era um deles. Suas histórias eram quase sempre sobre aventuras da sua mocidade.
História de "assombramento", de lobisomem, mulas, etc., em que ele próprio, a mais das
vezes, aparecia fazendo o papel de um dos personagens de maior relevo. Ora enfrentava uma
visagem, em certa cidade, a qual estava aparecendo altas horas da noite, metida numa capa
preta em plena chuva; ora ele se escondia nas proximidades do cemitério, para desvendar os
mistérios da burra-preta, que passava todas as sextas-feiras, à noite, rumo à bebida,
assombrando o povo do lugar. E assim, histórias idênticas ele contava para deleite de seus
ouvintes. Quase todos esses mistérios, em suma, eram desvendados sempre com uma
estrondosa vitória sua. Tendo-se em cada passagem ou ser fabuloso - uma bela filha de Eva...
quase sempre envolta num grande romance de amor...
Dezembro/1949.
77
SINHA PROFESSORA
Foi, sem dúvida, a minha primeira professora particular, por volta de 1926 ou no
início de 1927, em Patú, quando voltei à casa de meus pais. Seu título de professora era do
Império, assim informava Francisco Felício de Moura, seu genro, com o que deixava
transparecer um pouco de orgulho. Já a alcancei aposentada, em plena velhice, mas sempre
dedicada ao ensino, sem jamais se curvar ao peso dos seus anos. Era tida como a melhor
professora, na época, em Patú, merecendo sua escolha a preferência não só dos meninos,
como também de seus pais. Deixando à margem as inovações que se sucedem dia após dia,
sua escola conservava o método rotineiro e brutal das lições decoradas, cujo elemento de
correção e castigo consistia na palmatória ou puxavante de orelha. Os chamados professores
públicos, cheios de inovações impostas pelo governo, com a constante troca de livros, "não
ensinavam ". Tinham nela forte concorrente. E enquanto os salões, as carteiras dos grupos
escolares permaneciam quase sempre semivazios, Sinha Professora, Elisa Caipora, com
métodos rotineiros e antiquados, mantinha suas salas, seus bancos superlotados de alunos.
Embora gozando de plenos poderes para castigar seus educandos, quando julgasse
necessário, jamais presenciei que minha "mestra", ao contrário de seus colegas, pusesse em
prática a sua respeitável palmatória, para se impor aos seus alunos. Chegavam estes, e logo
recebiam a lição ou iam fazer caligrafia, enquanto a professora entrava para o interior da casa,
onde passava momentos esquecidos, deixando a meninada à mercê da sorte. Nem por isto,
faltava à classe uma certa ordem, e relativo silêncio.
Morena, muito baixa, cabelo pouco ondulado, sempre cuidadosamente penteado,
formando um cocó à nuca, e grisalho, Sinha Professora usava o clássico pince-nez que me
fazia lembrar constantemente um tal de Machado de Assis, dos livros escolares, o qual mais
tarde vim a saber que, saindo das mais baixas camadas sociais, de uma oficina tipográfica,
fundara e presidira a maior e a principal instituição cultural do país, sendo por isto mesmo,
uma das figuras mais representativas das nossa letras.
Ela, fora de qualquer dúvida, bem conhecia a vida de cada um dos habitantes do
lugar, com todos os seus altos e baixos, tornando-se, por isto mesmo, uma das figuras mais
tradicionais da terra de Almino Afonso. Guardo ainda, com saudades, quantos incidentes
triviais que, na sua escola, certamente a muitos passaram despercebidos, no entanto, por uma
particularidade qualquer, permanecem gravados para sempre, no metal ordinário da minha
imaginação, resistindo a tudo e à própria ferrugem destruidora do tempo...
Na mesa de trabalho, disposta num canto da sala, eu fazia, certa vez, uma cópia a
tinta, em pé, quando notei a aproximação de minha "mestra". Ela havia observado a maneira
inconveniente e incorreta como eu segurava a pena para escrever. Irrompendo num barulho
tremendo, Sinha Professora investiu, pela primeira e única vez, contra a minha orelha,
mostrando-me em seguida como devia pegar na pena.
Doutra vez, aparecendo na sala de aula, o Sr. Padre das Traíras, como era
vulgarmente conhecido, eu fazia novamente uma cópia ou uma caligrafia e, chegando-se a
mim, o visitante pegou na minha mão que empunhava verticalmente a caneta, fazendo
enérgica admoestação:
78
-Isto é jeito de se escrever?... ou de se pegar na pena?..
-Deite mais a pena, senão você não escreve que preste!...
E a partir dessa época, justifica-se a guerra que declarei à pena, tomando como único
elemento de defesa, o lápis. Com este e o auxílio de uma borrachinha de 200 réis, eu poderia
apagar ou substituir uma letra, uma palavra mal feita, que não ficasse ao meu agrado. As
lições eram decoradas em voz alta. Certa feita, a nossa "mestra" nos ensinava o nome dos
Estados e capitais do país, sem levar muito em conta as alterações nos últimos anos:
- "Amazonas, capital - Manaus; Pará, capital - Belém; Pernambuco, capital -
Recife; Paraíba, capital - Paraíba; Sergipe, capital - Aracajú; Goiás, capital -
Goiás...
Nessa altura, ressoou o protesto de seu genro, que se aproximava:
"Não, hoje a capital da Paraíba é João Pessoa e já podemos ensinar aos
meninos que a capital de Goiás é Goiânia...”
Aceitando a sugestão do genro, ela passava a ensinar:
"Paraíba, capital - João Pessoa; Goiás, capital - Goiânia!..”
Os alunos repetiam as mesmas palavras, uníssonos.
Recordo ainda que Saudade! era o livro adotado, cujo autor é Teles de Andrade.
Embora contendo bonitas narrações, belas histórias sentimentais, o mesmo me causara certo
desprezo ou descaso pelos estudos. Esse descaso, verificou-se notadamente em face da quase
completa ausência de "figuras" nas suas páginas, o que tornava a obra insuportável, monótona
e paulificante, ao contrário das anteriores por que havíamos estudado. Estes eram ricos em
"figuras", excediam pela policromia das suas ilustrações. Nem mesmo o sentimentalismo de
suas narrativas fizeram com que eu mudasse da atitude. Não houve jeito. Entretanto, ao
reviver essa quadra risonha da minha infância, vem-me invariavelmente à lembrança uma
pequena passagem de um dos capítulos dessa obra. São uns versinhos que, certamente por sua
popularidade, jamais esqueci:
"Minha barriga está com fome,
Minha boca quer comer;
Para furtar não pode ser!
Como há de ser, como há de ser...
Fiz chocar minha Galinha
Debaixo da Goiabeira
Os ovos goraram todos
E os pintos...
Saíram na carreira.
Levara toda a sua existência metendo nas cabeças dos meninos vadios de minha terra,
as letras do alfabeto, nas duas gerações, Sinha Professora, mesmo aposentada, continua
79
anonimamente no seu nobre apostolado. Ela passara por mim, sem que eu jamais conhecesse
o seu verdadeiro nome. Hoje depois de sua morte, mergulhando no mar dos tempo idos, nas
minhas pesquisas, nas minhas indagações, só encontro como resposta à minha curiosidade,
simplesmente "a Velha professora" da cidade, "a Sinha Professora" dos alunos a "mãe Nana"
de seus netos. Daí o atribuir que Ana fosse seu nome.
E, agora, que já não existes mais na comunhão dos vivos, ó minha "mestra", eu
venho humilde depositar na tua cova, talvez confundida entre muitas outras, sem uma
inscrição que denuncie o teu nome, eu venho deixar sobre a tua derradeira moradia, esta
singela coroa. Há nela algumas flores que se destacam não pela sua fragrância, ou por outro
pequeno detalhe, mas é justamente, porque, quando só falamos em aniquilamento, em bomba
atômica, denunciando o endurecimento do coração humano, elas constituem em nossos dias
uma preciosa raridade, sofrendo a ameaça de desaparecer.
Olha bem, minha "mestra", não esqueças, o seu nome é
Gratidão..... Amor..... Saudade.....
Teresina, 24/01/1950.
80
BICHO DO MATO
Tive em Patú, precisamente, em 1927, o meu primeiro professor público. Trago ainda
indelével na memória a sensação daquela hora, do primeiro dia em que entrei em contato com
a escola pública, a chamada escola do governo, no grupo Escolar "João Godeiro". Sua
professora, Eulália Diniz, moça de um coração boníssimo, uma santa cuidando do mais
heterogêneo grupo de meninos das diversas camadas sociais da então vila do Patú. Baixa e
magra, alva e de temperamento brando, delicada. Não tenho lembrança de que tenha ouvido
jamais um grito seu, na classe, reprovando um aluno. Era um mimo de candura, e, por isto
mesmo, renunciou ao magistério leigo, para atender ao chamamento do Divino Mestre,
dedicando os seus melhores dias, ao magistério de Deus, ingressando na Ordem do Amor
Divino, na qual, há poucos anos, santamente fechara os olhos para este mundo, tão cheio de
ódio e tão mau.
Meu pai num evidente gosto pela iniciação da instrução de seu filho, preparara um
caixãozinho, mas relativamente grande para resumido número de cadernos e livros, e para o
meu tamanho, e me entregara. Demandando ao educandário, eu o acompanhei levando preso
ao braço o caixão com os apetrechos escolares, tomado de um misto de satisfação e
acanhamento de menino "matuto" que entra em contato com o viver da cidade. Feita a
matrícula, a professora facultara o meu comparecimento para o dia seguinte. E eu volto à casa
com meu pai. Volto e levo preso ao braço direito o meu caixãozinho. Meus colegas da cidade,
antes que o "beradeiro" transpusesse a primeira porta gritaram:
- Olhe o baú!.. Que tem dentro dele?... Deixe a mala!..
Beradeiro do caixão!...
Não dou ouvido e sigo com meu pai. A vila, elevada por nós a cidade, estava como
que nos seus primeiros dias de núpcias com a natureza, muito verde, bonita, sua areia bem
molhada. Era começo do inverno. Na rua, a meninada impossível e completamente livre,
brincava, corria, gritava feliz. Tudo exprimia vida, enfim.
Compareço à aula no dia seguinte. Sento-me na carteira, desconfiado, tímido e triste.
Não falava. Conservava-me sempre isolado e medroso. Mas eu era a "novidade", o "calouro"
da classe, natural que todas as vistas se voltassem para mim. E, logo, sibilavam pelo espaço
"as terríveis" indiretas, os insultos dos veteranos:
- Matuto..., bicho do mato!.., beradeiro!..
Eu não tomava represália, não sabia brigar. Vinha de uma fazenda, onde vivi a minha
primeira infância sem colegas, amigos com quem vez por outra pudesse exercitar-me.
Portanto, o meu único consolo era chorar. Chorava pelos insultos de meus colegas, chorava
com saudade do "Junco".
Nesse mesmo educandário de minha terra, tive outro professor que, desde início, não
escondera a demonstração de sua amizade para comigo. Não sei se pelo meu retraimento, pela
minha calma ou pelo meu comportamento em face dos outros colegas. Foi o professor
Raimundo Soares de Andrade. Filho de pais paupérrimos, residentes na próspera cidade de
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Mossoró, onde demonstrara pela tenacidade, pelo seu esforço, que o saber não é um privilégio
dos ricos e dos afortunados. Estou a ver sua caligrafia miúda, bem feita e uniforme, a qual
muito me esforcei para imitar.
Dessa época, lembro-me que as minhas notas eram quase invariáveis 1 no
comportamento, 1 no aproveitamento, ou 1 e 2 ou 2 e 1. Meu pai então, com a alegria
iluminado a face, pegava a caderneta, mostrava aos seus amigos, às pessoas presentes, tendo
sempre palavras de estímulo para seu filho.
Guardo do meu professor e daquela risonha quadra da minha infância, as mais gratas
recordações. O professor Raimundo Soares também era dado às aventuras. Após sua aula, em
companhia de alguns alunos de sua preferência, (e eu era reconhecidamente um dos
infalíveis), ia caçar, mais notadamente "passarinhar", no sítio de Miguel Godeiro, no pé da
serra do Patú. Aí ficávamos quase o resto do dia, matando pássaros, limpando cajueiros e
chupando também, à sobra amiga, os seus deliciosos frutos. Certa vez, perguntara-me o
professor:
- "Mundico, você já deu algum tiro?...
- Não - respondi-lhe
-Pois pegue a espingarda, continuou ele, vá àquele cajueiro, lá você dará um
tiro..."
Obedeço. Atiro num corrupião, mas sinto que só a espoleta da espingarda havia
explodido. Hesitante deixo a arma, ponho o indicador, o olho, no seu cano, de onde saía um
fio de fumaça. Desconfiado faço nova pontaria, e, quando menos esperava, ouço o tiro,
atingindo o alvo. Peguei ainda com vida a infeliz vítima, com a satisfação de haver acertado o
primeiro tiro, mas aterrorizado com a hipótese de que, questão de minutos, não fora eu mesmo
vítima da minha imprevidência. Posteriormente, a mesma arma detonara, ao saltar uma cerca
de arame, cravando-se vários caroços de chumbo nos dedos do Professor Raimundo Soares.
O nosso companheiro de aventuras fabricava bombas, levando-as quase sempre para
soltar nas suas excursões sobre a grande serra que tem o mesmo nome da cidade. Para chamar
a tenção do povo do lugar, levava o material necessário, uma lata de soda cáustica vazia, que
servia de modelo ou de forma, e lá fazia bombas formidáveis. Soltando todas do alto da
eminência, explodiam muito embaixo, produzindo grandiosos estrondos, seguidos de espessas
nuvem de fumaça.
A nossa amizade, entretanto, teve o destino de muitas outras. Certa feita, deixando o
portão do estabelecimento de ensino, procurei tirar desforra do insulto de um colega, na
classe. Apesar de estar fora do grupo, o professor Soares achou que ainda tinha o direito de
me castigar, aliás pela primeira vez. Convidou-nos a voltar à classe. Desobedeci-lhe,
abandonando a escola de uma vez por todas, para o meu mal, sem que isto nunca chegasse ao
conhecimento de meu pai.
Teresina, 17/2/1950.
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POPULARES DO PATU
Era bem elevado o número de populares que encontrei em Patú, por volta de 1927, a
movimentar e a divertir a meninada solta que enchia suas ruas. Ainda existem alguns,
enquanto outros colhidos pela morte, perduram na lembrança de quantos os conhecerem. Num
esforço da memória, o mais recuado desses tipos que vou identificar, é a preta "Mãe Rosara".
Louca, acorrentada, se me não engano, vivia só, á sombra de um telhado, na margem dum
caminho que levava ao "Açude-do-Governo". Impunha isto que "Mãe Rosara" fosse constante
e involuntariamente visitada. Era uma espécie de bicho-papão para as criancinhas e, um vai e
vem eterno, dava-me a idéia da fêmea do orangotango, presa pelo pé.
Lembro-me, por exemplo, da primeira visita que lhe fiz, arrastado pelo meu primo
Hildo. O seu nome, por si só, me causava terror. Vendo-a na corrente, não me aproximava,
temendo que, num acesso de desespero, ela se libertasse, pegando-me em seguida para me
estrangular. Eu via "Mãe Rosara" na sua prisão e sentia até desejo de ouvir suas palavras,
observar os seus trejeitos mais de perto, contudo, tímido, ficava à distância, evitando assim
uma possível traição.
Em cores mais nítidas, surge a "Mãe Rainha". Talvez a mais idosa do bando.
Solteirona, cabelos sempre em desalinho, era muito alta, demonstrando ainda certa graça
através de suas linhas gerais, fazendo-nos crer que vinha de boa família. Já a conheci só no
mundo, vivendo na sua mei'água da rua da Cadeia, transferida depois para o Beco da Lama.
Nela cabia apenas sua rede toda fuxicada, alguns cacarecos inúteis pelo chão. A um canto
havia um monte de pedaços de tijolos, pedras, tampas de latas, certamente para sua própria
defesa.
Foi indiscutivelmente, uma das figuras mais populares da Terra de Almino Afonso.
Durante o dia, falando só, era vista pelas ruas, observando o movimento das formigas, as
quais chamava gringa. Batia com a mão, constantemente, à cabeça, onde já havia, bem
visível, uma coroa. Mas ficava em desespero, quando lhe mostrávamos suas gringas, ou
simplesmente pronunciávamos tal nome. Numa descomponenda terrível, investia contra a
meninada, a gritar, sapateando e cantando, onde quer que se encontrasse. Sua curiosa figura
permanece viva na lembrança de seus "netinhos". E ainda hoje, lá, não falta quem nos conte
uma passagem da sua vida. "Foi muito rica" - diz um; "o sobrado velho da Prefeitura foi seu",
- confessava outro. Morreu velhinha em extrema penúria, porém não vivia a pedir esmola,
aceitava-a, espontaneamente, um dava-lhe uma moeda; outro levava-lhe o pão.
EDSON é o Copérnico patuense, que "não teve mestre, nem livros", servindo-me da
expressão agripiniana. A Astronomia era o seu fraco. Manso, forte, hercúleo, "Edisson ou
Disson", como o chamávamos , soltava suas palavras paulatinamente , acompanhadas de um
riso macabro, que aterrorizava as crianças. Era um gastrônomo na mais ampla acepção do
termo. Costumava comer um alguidar de barro em nossa casa, entalando-se do começo ao fim.
E, para aliviar tal situação, dava-lhe formidáveis murros no tórax, que ressoavam por toda
casa.
"Bolia no alheio", por índole. Havia um cercado do Sr. Rafael Godeiro, no local onde
hoje está edificado o Mercado Público, no qual, durante o inverno, se encontravam boas
83
melancias. À calada da noite, após grandes chuvas, Edson ia ao cercado do padrinho, e
roubava as melancias que bem podia transportar à sua casa. Na manhã do outro dia, chegava
ao estabelecimento do "padrim Rafaié", para ouvir os comentários. Falava-se nos roubos das
melancias, e o "velho Edson" com um sorriso prolongado, estirando as palavras, confessava:
- " Foooi eu... qui tiiirei... deepois daquela chuuuva grande!...
Edson foi longe com a sua rapinagem. Estabelecido em Patú, meu pai notara que
estava sendo roubado. Isto acontecia sempre que entrava para o interior da casa. Mas, sem
alarmar, agindo de certo modo, pegou o esperto em plena atividade. Era o Edson. Entregou-o
à Polícia que o açoitou muito de facão. E o gatun, com a maior das naturalidades, dizia-me
alegre, decorridos alguns anos:
"Não dei nem um gemido... contei todas as facãozadas"...(e dava a conta de 26
ou 28). "Comi muito doce de lata, concluía, e tirei o dinheiro que encontrava na gaveta".
Informado que Edson conhecia, "como ninguém na cidade, os mistérios da
Astronomia", eu passei a procurá-lo para conversarmos no patamar da Igreja, nas noites
límpidas e estreladas, crivando-lhes as mais disparatadas perguntas, submetendo-o a rigorosa
prova.
- "Disson", - perguntava eu, quando a lua vai ser cheia?
- No mês que entra, tal dia, às tantas horas, - respondia ele em cima da bucha.
- E no mês passado ela foi nova em que dia?
- Tal dia, e tais horas...
- E quando vai ter um ano bissexto?
A resposta não se fazia demorar. E o modo como aprendera tudo aquilo, constituía
uma dolorosa interrogação para minha imaginação infantil, que tudo queria saber.
Zé Alinhado, descendo a serra de São Miguel de "Pós de Ferro" fez um estágio em
Patú, e dizia a plenos pulmões - "Isto é terra boa pra doido!..” Creio que foi em 1930, para
depois fixar-se em Mossoró. Levava os dias a imitar o "andar da praça!” Empaletosado,
gravata extravagantemente vermelha, boné, Zé Alinhado passava o dia e entrava pela noite a
andar vexadinho, exibindo o seu "andar da praça", fazendo discurso para divertimento de seus
ouvintes, jovens desenfreados, que o faziam desprezar a tribuna quase sempre a pedradas.
E o HONÓRIO, que “se faz de doido para melhor passar" tipo mais ou menos
quixotesco, maníaco por viagens a cavalo. Tem estatura mediana, e usa quase sempre calça e
polaina, paletó e camisa desabotoada, empunhando na destra uma chibata, sem chapéu,
mesmo quando viaja, mostrando o crânio reluzente; à primeira vista deixa-nos a impressão de
que está com o "pé no estribo" para viajar. Fala muito e tem prazer em exibir vez por outra a
sua carteira com algumas cédulas.
Honório sai de propriedade em propriedade, no município, cobrando e recebendo
borregas que lhe prometeram. Procura também tirar maior partido nesse rendoso mister. Tenta
receber borregas de pessoas que jamais lh'as prometeram. A sua conversa é de quem está
aborrecido, Zangado. "Quero logo, vamos deixar de conversa!.." - grita ele com superioridade.
84
Uma vez na cidade, Honório passa nos cobres "as marranzinhas", mete o dinheiro na
bolsa, e diz a quem passa:
- "Olha aqui, está roendo? Não quer ser eu, hein?"
Tem lugar ainda nessa galeria, o JOÃO BASÍLIO, que bem caracteriza toda essa
"fauna". De boa família, alto, metido invariavelmente numa calça e blusa "joffre", alpercata de
correia na venta, e o chapéu de massa já deformado pelo tempo e pela idade, João Basílio não
sentia os bafejos da sorte na velhice. Era cego de um olho e, para tormento de seus últimos
dias, tomava uma “caninha”... E com isto, suponho, caíra na popularidade. Os meninos
vadios, a molequeira, traziam-no em constante tormento. O velho passava, e, logo, se ouvia
um grito, seguido de muitos outros:
- Olhe o toco!..
- Alevante o pé!..
Ele ficava enfurecido. Às vezes, deixava que se esquecessem fingindo não estar
zangado. Continuava seu caminho, calado. No fim do primeiro quarteirão, dobrava e, veloz,
tendo à mão o chapéu e bengala, pegando na surpresa alguns peraltas, fazendo-lhes perguntas,
enquanto os outros corriam assombrados para todas as direções. E passando o pânico,
continuavam o estribilho, com mais entusiasmo:
- Olha o toco!..
- Alevante o pé!..
A respeito das “canas” do "Velho João Basílio", existe até uma anedota bem
interessante. Viajando na sua égua, ao passar pelas areias da "Cacimba do Povo", João Basílio
se apeou para atender certamente a ligeira necessidade fisiológica. Estava completamente
"cheio", não conseguindo, por isto, montar sem o auxílio de alguém, valendo-se de Nossa
Senhora. Mas nada conseguiu. Porém teve raiva, e, numa das vezes, pisou firme no estribo,
passou a perna e estendeu-se no solo do outro lado. Gritou nessa ocasião:
- “Foi demais, Nossa Senhora!”...
Teresina, 5 de maio de 1950.
85
SOBRENOMES E APELIDOS25
Não conheço os trabalhos do renomado folclorista Veríssimo de Melo, divulgados na
imprensa potiguar, sob o título acima. Tenho, entretanto, sobre a banca de trabalho, o
instrutivo Boletim Bibliográfico, da Biblioteca Pública Municipal de Mossoró, referentes aos
meses de março e abril do ano em curso, que me vem sendo pontual e gentilmente remetido
pelos amigos - Vingt-un Rosado e Assis Silva, nos quais li sobre o assunto os artigos de Assis
e de Raimundo Nonato. Devorei-os francamente com absoluto interesse, concluindo por fim
que não pertence ao Aracati a primazia na arte de apelidar seus filhos ou mesmo adventícios
que, à ventura, cruzem as suas ruas, às carreiras, para se livrar do batismo de Da. Castorina.
É hábito nosso, de brasileiro, pregarmos na testa do amigo, do parente, ou pessoa do
nosso desafeto, um apelido bem sonoro que se ajuste perfeitamente ao tipo. E alguns deles se
enquadram de certo modo que imortalizam o autor e a vítima. Da leitura de tão curiosa
colaboração, decidi-me cevar-lhe esse "punhadinho", por intermédio de Boletim Bibliográfico.
Terei, porém, o devido cuidado de não repetir alcunhas já relacionadas nos artigos em
referência, a menos que seja para trazer à luz uma particularidade que pareça interessante por
motivo qualquer.
Encontrei ainda, entre os motoristas de Mossoró, o Zé Gavião, Briga e Gatinho. Meu
Louro foi, positivamente, o primeiro chofer mossoroense que conheci. Tinha as pernas tortas,
e trabalhava com João Neceras. Na época, o "fraco" do divertimento da meninada em Patú,
era o pião. E Meu Louro, voluntariamente, me levara um pião bem torneadozinho, feito em
Mossoró, o qual ficou o conhecido pelo nome de "mossoroense".
Taxando telegramas, encontramos o Selê, enquanto Chico Vermelho ou Chico do
Retiro apanha o ouro branco na Serra Mossoró. Caenga é sobejamente conhecido como
vendedor do melhor sal da Terra de Baraúna.
Entre os operários da BRASIL OITICICA, temos Maricota, Irmão, Amor e Samú. Em
Assú, conheci o popularíssimo Bonzinho, “Bobage”, Gigante, Seu Perigo e a família
Tribusana. Em Macau, Zé de Sinhá Dona (carteiro). Este mascou uma ramazinha na Terra de
Mané Cachimbinho. Quando o conheci, meia dúzia de soldados não o levavam para a cadeia.
Guéla ou Filho de Nosso Senhor, era louco. Aperreado, corria para a lama do Rio Manuel
Gonçalves, ou se enterrava nos montes de areia encontrados nas ruas. Mais das vezes,
enfurecido, enchia as mãos de pedras miúdas, pondo-as na boca, engolia todas. Tatu, usando
óculos escuros, um cacete, vivia a tremer, pedindo esmolas.
A "fauna" pauferrense está menos explorada: ANTONIA GOIPEBA, ANTONIO
GETÊ ou XANDOCA, ANTONIO MARICUTA, ANTONIO BUFINHA, BALAIO, BADU.
Este é um repentista exímio. Certo bodegueiro encontrando-o embriagado, gritara-lhe:
Cachaceiro/...
A resposta ecoou em cima da bucha:
25
Publicado no Boletim Bibliográfico da Biblioteca Publica Municipal de Mossoró, nº 32, 31/01/1951.
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- Errou, meu branco, eu sou consumidor, cachaceiro é você...
Prossegue o "Team": Bicão, Bispo, Bogodino, Boré e Bafute. Catu, Cuaça, Cabriolé,
Correio do Padre Cícero, Caixa d'Água, Caretinha, Catôta, Chico Gato, Chico “Chofer” (é
falso), Couro Pintado, Cabeça de Cupim, Comunista (jamais se conformou com tão injusto
apelido, dizia-se "cego de um olho e estrupiado do outro"). Chico Amargoso, Dr. Pinote,
vulgo Feiticeiro, Dahora, Elviro Capuxi, e Escada. Faísca, cuja paternidade pertence a
Pitanga, pai de Espinho. A negra fica com a "mulesta" dos cachorros. Família Flor, Ferro
Velho e Fum. Formiga Preta, Guela de Perú e Gabão, João Biró, Jucá, Jatobá (hoje
industriário em Mossoró). João Perninha, Chico Palheta, Moreirinha. Esse era vendedor de
ovos. Para convencer a freguesia, costumava dizer:
“Taqui, comade, os ovinhos tá fresquinho, foi pôdo hoje, foi pôdo hoje...”
Maria Pede Esmola, Maria Mole, Manuel Maracanã, família Morimbeca, Mestre
Frade, Manuel Muqueca e a celebérrima Maria José dos Bodes. Os seus apelidos são
impagáveis e se ajustam bem aos "cujos". Certo amigo a quem tratávamos na intimidade por
Cabeçudo, noivou. Uma abelha zoou nos ouvidos de Maria José. Passando por ele, a
tresloucada perguntara à queima-roupa:
Enh Cabeça de Caboré de Ôco, você vai casar com aquela Cara de Prato
Raso?...
Manuel Boi, "foi do finado Chiquinho Bernardino, Iº escrivão de Pau-dos-Ferros do
interior". Bebia muito, era couveiro, com mania de fazer discurso. Costumava dançar na rua,
cantando estes versos:
Aqui vai sapato
Aqui vai chinelo
(Bis)
Aqui vai o rasto de Manuela,
As “cadeiras” da mulata
É quem mata a gente...
Negro Estevão é branquinho da silva, Neco Bacamarte, Neco Capuxu, Potoquinha,
Peba, Taralo, Vela Branca, Zé Cavanhaque, Zé Banana, Zé Azedo, Zé Pão Doce, Vigário,
Bigodão e Zé Guiné.
Em Patú: Antonio do Saco, Badalo, Barrão, Badete, Berro Forte, Bruzega, Birigô,
Compaso, Cambraia, Cimentinho, Curiboca, Codó, Chica Patú, Chico Macaco, Divó, Dr.
Cebola, Gigi e Gonçalo Cotó. João Pirão, Japonês, João Gordo (bastante magro). Jararaca,
Joaquina Caipora e Maria Dentão, família Melengo, Olinto Maçaroca, Mouco Velho, Pedro
Chato, Padre, Pelado e família Peba. Quido, Quixaba e Quidú. Rafael Cumaru, Seu Gê,
Sabacuim,Tamboeira, Tia Batata, Tibibinha, V-8, CAangalha de Besta, Xavião, Carombê, Zé
Canção, Zé Buraco e Zé Preá. Mucuim e os "Vage de Cima". E o Velhinho de Nossa
Senhora?, em Almino Afonso.
Ainda em Patú, apareceu o briguento Chico Cururu.
87
Em Martins: o impagável Justino Cocada...
Em Goiana, Pernambuco: Espiciá, vendedor de gelo.
Do Ceará, encontramos Sucata, Parafuso de Aço, Chico Mingau e Chico Pingado.
Todos do óleo.
Penetrando na seara paraibana, Bulinha e Vevu. Na trinca do óleo (?): Manga Rosa,
Nino, Alvim, Barra Branca, Barra Mina, Zé do Mundo, e Antonio Pão Doce.
De Teresina: Pingo de Aço, Cara de Vaca, Tire o Pé da Bota, Macaquinha, Ferreca,
Totó, Dodô, Chico Batelão Azul, Chico Cabeludo, Agostinho Danado, Pé de Crepe,
Ponhonhon. Pessoas aqui que não tem nada de santidade, são conhecidas por Santo ou Jesus.
O último serve para os dois gêneros. De sorte que Jesus no Piauí, tanto pode ser homem
quanto mulher. Sinhazinha, é qualquer elemento do belo sexo, cujo nome se ignore.
Finalmente, no Rio Grande do Norte, um sujeito alvo, corado, cabelos afogueados, de
modo geral, chamamos de RUZAGÁ, GAZO, SARARÁ, etc, enquanto que na Terra de
Mafrense, existe apenas um termo para esse tipo - é FOGOIÓ (Ex: Luís Carrilho de
Oliveira...).
Não mereço, de certo, ser anatematizado por qualquer dos meus amigos, com a minha
bisbilhotice. Os responsáveis naturais por quase tudo isso devem ser os que me precederam no
assunto...
E quem é em suma, que não traz, desde os saudosos tempos da infância, um
apelidozinho, causa de continuadas brigas, e cabeça lascada?.
Teresina, 12/6/1950.
88
JUNCO - PARAÍSO INFANTIL26
Fui criado no Junco, propriedade rural de meu avô paterno, então município de Patú,
no Rio Grande do Norte. Hoje é município. Desconheço a data em que me levaram. Mas
sempre ouvi minhas tias e minha avó dizerem que "quando eu fui para o Junco, já corria tudo,
tinha dois anos".
Não tive companheiros de infância para brincar, como meus irmãos, na vila de Patú.
Levei uma infância muito isolada, que me causou algumas dificuldades na adolescência, ao
voltar ao convívio na cidade. Porém, para contrabalançar, eu tinha a imensidade dos campos,
na fazenda de meu avô, onde vivia em completa liberdade, brincando e me divertindo da
maneira que muito bem desejasse e entendesse, embora sem ter com quem dividir as minhas
diabruras.
Apareciam, às vezes, em nossa casa, a Casa-Grande, alguns meninos, filhos do
vaqueiro ou de moradores e brincávamos alguns minutos. No inverno, alguns de meus tios
que moravam na cidade, vinham com a família passar dias na fazenda. A vida nesses dias,
mudava completamente de ritmo. Perdíamos a noção do tempo, e saíamos pelos campos,
perseguindo pássaros, tirando seus ninhos, ora com ovos, ora roubando os filhotinhos. Para
variar, passeávamos a cavalo, perseguíamos animais e, assim, passavam-se os dias alegres e
felizes.
Não obstante haver sido criado naquele isolamento, sem a permanência de
companheiros para brincar, eu me sentia satisfeito ao lado dos entes queridos que me
estimavam. Sentia-me inteiramente integrado com a natureza. Admirava os campos verdes,
ficava a observar as vacas leiteiras urrarem ao sair do curral, onde ficavam os bezerrinhos
presos.
Era, enfim, um pequeno príncipe, tendo o Junco como meu campo, para minhas
aventuras de infância. Não pensava em livros, não havia professores, ignorava inteiramente a
necessidade que tinha de estudar e aprender. Não tinha obrigações nem afazeres, pensava
apenas em comer, brincar e dormir.
Habituei-me a acordar cedo, desde a infância, e conservo essa costume na
maturidade. Levantava-me às cinco da manhã, ia ao curral, ao lado direito da nossa casa, bebia
leite “mugido” até não querer mais. Às vezes, variando, trazia o leite para comer com
mugunzá quente, tirado da panela a ferver, ainda nas trempes.
No Junco, gozávamos de uma vida feliz, inteiramente ignorada do menino da cidade.
Vivíamos numa constante sucessão de aventuras, que só a vida nos campos nos podia
proporcionar, em contato com os "bichos", as aves, os campos cultivados, enfim, a natureza.
Tínhamos um açude a cem metros da nossa casa. Aí, na estação invernosa,
passávamos as manhãs a tomar banho. Pegávamos peixinhos, gritávamos e corríamos com o
26
Publicado no Boletim do CNR, nº1, p.2, dezembro de 1966.
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aparecimento inesperado de uma cobrinha. Apavorados com a cobrinha, que mais das vezes
acabava com o banho, alguém ensinava uma oração para afugentá-la:
"São Bento, água benta
Jesus Cristo no altar
Quem tiver no caminho
"Arrede", deixe eu passar..."
Havia sempre um grupinho para o banho, crianças e adultos. O homem do campo
vive uma vida simples sem maldade, não se escandaliza fácil, como o homem da cidade. Lá
não se conhecia o uso do calção, do short. Tomávamos banho como Deus nos botou no
mundo. O açudinho era um campo largo para nosso divertimento, nadávamos,
mergulhávamos, trocávamos "cangapé". Nessa folgança, havia disputa, para vermos quem
nadava melhor, quem tinha maior fôlego, quem resistia passar maior tempo submerso.
E eis senão quando um se destacava com uma pedra na mão, e gritava:
- Galinha cheia!
- Cozida ou assada?...
Perguntavam outros.
- Assada...
- Pois vamos a ela...
A pedra era jogada n'água, e todos mergulhavam a um só tempo para pegá-la. Quem a
encontrasse, voltaria rápido à tona, e reproduzia a cena.
Recordo hoje, feliz, os dias de minha infância simples, sem companheiros e sem
cinema, no Junco, um verdadeiro Paraíso Terrestre, recebendo os carinhos de minha avó
paterna - Mãe Velha, e os afagos de minhas tias que me adoravam, às quais rendo esta
homenagem em pleno outono da vida.
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FAMÍLIA ROCHA
91
FAMÍLIA ROCHA (genealogia)27
JOÃO DE OLIVEIRA ROCHA, n. em Catolé do Rocha, Paraíba, † em 14.V.50, com
85 anos, em patú, RGN. Filho de Joaquim Dantas da Rocha e D. Luiza Rocha. C. c. d. Maria
Dantas da Costa (Cotinha), sua prima, n. em Pombal, PB.† 24.V. 1935, em sua propriedade
Junco, Patú. Filha de Pedro Dantas da Costa e d. Iliminata Costa. Proprietário, criador, João
de Oliveira Rocha, ou ainda o Professor ROCHA, nasceu dotado para as coisas do espírito,
naquela época, num meio rude, muito cedo, abraçou de corpo e alma o magistério particular
até os últimos anos de sua vida. Católico, demonstrava muita leitura, falando sempre nos
grandes escritores da época, etc...
Exerceu as funções de Juiz Distrital por três vezes, em Patú, sendo a última em 1930.
Mestre-escola de conceito, homeopata exímio, "eram seus medicamentos muito aprovados".
Casando-se, fixou residência na sua propriedade "JUNCO", no município de Patú, RGN, onde
nasceram e se criaram quase todos os seus filhos. É descendente das famílias (sic) Assiz,
Dantas (formiga), Rocha, que têm as suas raízes em Portugal e Teixeira, Paraíba. Pais de:
F1) Pedro Dantas da Rocha (Din) n. 25.VI.1891, Junco, Patú, RGN, de seu pai: mestre-escola,
comerciante, rábula, ocupou diversos cargos públicos - Juiz Distrital, Adjunto de Promotor,
Secretário da Prefeitura, lugar em que respondeu pelo Prefeito repetidas vezes em Patú. C. c.
d. Noemi de Melo Andrade n. 29.X.1901, Olinda, Pe., † 14.VI.1953, Alto Santo, Ceará. O
casamento civil foi celebrado "no único Cartório do Riacho do Sangue, Ceará". Filha de
Sidronio de Melo Andrade, † em Belém, PB., de um colapso cardíaco, proprietário, criador de
gado no Ceará, e de dona Francisca Ercina Cortez (Chiquinela)*. Pais de:
N1) Hilda, n. 14.V.1918; em 10.IX.19535, c. c. Manuel Francisco da Mota. Residem em
Campina Grande. Pais de:
B1) Marilda, n. 30.VII. 1936. Em 8.XII.1958, c. c. Benedito da Silva Cavalcanti. Pais de:
T1) Marília, n. 9.IX.1959, em João Pessoa.
B2/8) Marilsa, n. 22.IV.1941; José Nilson, n. 27.X.1944; Miraídes, n. 1951, †; Marta-Maria,
n. 27.III.1952; Maria -José, n. 7.IV.1953, † 7.VI do mesmo ano.
* Francisca Ercina Cortez (Chiquinela) era filha de NICOLAU CORTEZ, n.
Itália, 1850 † 25.IV.1925, em Patú (RGN) Brasil. C. c. Clara da Silva Cortez, † em
Patú. Chegaram ao Brasil em 1864. Pais de 11 filhos:
1 - Francisca Ercina Cortez com 80 anos
2 - Braz Antônio Cortez com 79 anos
3 - Ana da Silva Cortez com 78 anos
4 - Miguel Arcanjo Cortez † com 23 anos
5 - Salvador Cortez Sobrinho com 70 anos
6 - Filomena da Silva Cortez com 67 anos
27
Concluído em 12/07/1960 e publicado na Revista Genealógica Latina, vol. 13, Ano 13, 1º e 2º semestre de
1961, p. 39-43. Baseado em estudo divulgado no Boletim Bibliográfico da Biblioteca Municipal de Mossoró, nº
25, de 30/06/1950.
92
7 - Maria da Silva Cortez com 66 anos
8 - Nicolina da Silva Cortez (Boró) 65 anos
9 - Nicolau Cortez Filho com 64 anos
10 - Vicente Antônio Cortez com 63 anos
11- Júlia da Silva Cortez, †
N2) Raimundo Rocha, n. 21.IX.1919, em Patú (Rio Grande do Norte) (o autor deste artigo),
em 2.X.1934, em Fortaleza (Ceará) c. c. Maria do Carmo Correia de Aquino, n. 21.III.1924,
na fazenda Venezuela, em Pau dos Ferros (Rio Grande do Norte), filha de Manuel Alexandre
de Aquino, comerciante, criador e proprietário em Pau dos Ferros, e de Júlia Correia de
Oliveira. Pais de:
B9/16) Mundicarmo-Maria, n. 26.VI.1944; Pedro, n.20 VI 1945; Ana Maria, n. 2 V 1947;
Manuel-Alexandre, n. 26.V.1948; Raimundo, n. 26.I.1950; Maria-Auxiliadora, n. 24.V.1952;
Fernando-Roosevelt, n. 21.VII 1954; e Julia-Maria, n. 15 V 1957.
N3) Lourival Rocha, n. 21.V.1922, em Bom Jardim, Pereiro (Ceará) sendo registrado em Patú.
Em 23.IX.1947, em Patú, c. c. Ruzinete Dantas, ali nascida, a 23.IX.1931. Pais de:
B17/20) Lení, n. 10.X.1948; Nelí; Lourival e Wallace, †
N4) Francisco Rocha, n. 28.X.1924. Em 24.VI.1945, em Patú, c. c. d. Dinorá Leite. Pais de:
B21/32) Francisco-Tarcísio, n. 21.III.1946; Jailma, n. 2.VII.1947; Maria das Graças, n.
4.IX.1948; Antônio, n. 13.VIII.1949; Maria das Dores, n. 15.IX.1950; Terezinha, n.
28.IX.1951; Cesar, n. 29.IX.1952, † ; Francisco, n. 27.I.1954; Ivete, n. 15.VI.1955; Tânia-
Maria, n. 10.VII.1956; José de Ribamar, n. 12.I.1959; e Júlio-César, n. 30.I.1960.
N5) Ivone, n. 22.XI.1926, em Patú. Em 4.VII.1947, em Mossoró, c. c. Paulo Costa Gomes, †
23.IV.1950, afogado. Pais de:
B33/34) Marta, n. 20.II.1949; e Antônio, n. 9.II.1950, ambos em Mossoró.
N6) Sebastião Rocha, n. 26.XII.1929, em Patú. C. c. Raimunda. Pais de:
B35/37) Robson, Rosie-Meire e outro
N7) Pedro Rocha Filho, n. 14.VII.1931, em Patú. C. c. Maria Ivonilde Henrique. Pais de:
B38/40) Noeme, n. 20.VII.1956; Noelí, n. 4.IX.1958; e Noelma, n. 23.IV.1960.
F2) Joaquim de Oliveira Rocha, n. 25.VII.1893, comerciante agricultor e criador, tendo talvez
a maior área cultivada mecanicamente na zona Oeste potiguar, produzindo ótimo algodão
fibra longa; e possui um dos melhores rebanhos da região. entre outros cargos foi Juiz
Distrital. 1ª vez, em 9.IX.1916, c. c. Helena Fernandes (Rocha),† 24.III.1935. Pais de:
N8) Hildo, n. 16.V.1918, comerciante em São Luís do Maranhão. Em 27.XI.1938, c. c. Nilsa
Amorim. Pais de:
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B41) Nilda, n. 21.IX.1939. C. c. Jório Rocha. Pais de:
T2/3) Jório, n. 19.II.1959; e Hildo-Augusto, n. 22.IV.1960.
B42/48) Hilton, n. 16.VIII.1940, † com 4 meses; Hilton, n. 31.X.1941; José Nicodemus, n.
3.IX.1943; Maria-Ilza, n. 18.X.1945; Hildo, n. 20.II.1947; Maria-Helena, n. 9.II.1949; e
Joaquim.
N9) Maria, n. 1919, † com 3 meses.
N10) Antônio, n. 13.VI.1920. Em 1947, em São Paulo, c. c. d. Zilá de Andrade. Pais de:
B49/51) Antônio-Sérgio, Maria-Helena e Nelson, nascidos em São Paulo.
N11) Rita, n. 1921, † com 4 meses.
N12) Francisco, n. 30.X.1923, em Patú, contador. C. c. Dione Dantas; residem no Rio de
Janeiro. Pais de:
B52/53) Ana-Cristina e Júlio-Cesar.
N13) Maria-Rita, n. 1925, † aos 6 meses.
N14) José Deusdedit Rocha, n. 9.I.1927, comerciante em São Paulo, onde reside e em 1949 c.
c. d. Dalva Galvão. Pais de:
B54/56)Carlos-Alberto, Maria-Helena e Debora, nascidos em São Paulo.
N15/17) Manuel-Cesar, n. 1928, † com 8 meses; Maria-Teresinha, n. e † em 1929; e
Raimunda, n. e † em 1930.
F2) Joaquim de Oliveira Rocha, 2ª vez, em 15.II.1936, c. c. Maria Carmelita Morais. Pais de:
N18/27) Joaquim, n. 2.XII.1936; Olimar, n. 31.V.1938; Otoni, n. 10.VI.1939; Olivete, n.
14.I.1941; Maria-Lúcia, n. 22.VIII.1942; Maria da Salete, n. 18.IX.1943 (+ 11.V.1944); Maria
Helena, n. 16.XI.1944; João-Bosco, n. 14.IV.1948; Zilá, n. 1.II.1949; e Pedro, n. 26.IV.1950.
F3) Santino Rocha, n. 26.IX.1895, comerciante e criador. Em 25.II.1924, c. c. Maria
Sebastiana de Sousa Martins. Pais de:
N28/29) Manuel (Eldí), n. 16.III.1925 (C. c. Joaquina); e Jací, n. e † em 1926.
N30) Aloisio, n. 19.IV.1928, † 26.VI.1960, c. c. Francisca de Almeida. Pai de:
N31/36) Geraldo, n. 29.VI.1930; Maria, n. e † 1932; Teresinha, n. 11.X.1934, Maria do
Socorro, n. 11.II.1936; José-Tadeu, n. 16.IX.1938, † 1939; e Zita, n. 11.X.1944.
F4) Amadeu Dantas da Rocha, n. 2.XI.1898, comerciante. Em 5.II.1924, c. c. Francisca
Chavantes, n. 16.XI.1902, s. s., porém criou 4 filhos alheios.
94
F5) Iluminata Rocha (Mimosa), n. 10.VII.1900, † 1.IV.1940, em Demétrio-Lemos (Rio
Grande do Norte). Em 10.IX.1935, c. c. Jofre Sales. Pais de:
N37) Irenice, n. 15.II.1937, † com 3 meses.
N38) Cesimar, n. 26.III.1940 (batizada como Cesimar e registrada como Teresinha). C. c.
Paulo e residem em Uberlândia.
F6) Santina Rocha, n. 13.VII.1902. Em 18.VII.1920, c. c. Raimundo Teixeira de Lira,
comerciante. Pais de:
N39) Maria, n. 17.VII.1921. Em 16.VI.1949, c. c. Raimundo Antenor Ferreira. Pais de:
B58) Maria das Graças, n. 24.IV.1950; e outros.
N40) Aderson, n. 18.X.1923. Em XII.1941, c. c. Isabel Diniz. Pais de :
B59/64) Maria de Lourdes, n. 10.IX.1942; Francisco, n. 15.VI.1943; Deusdedit, n. 12.X.1944;
Maria do Socorro, n. 10.IX.1945; Raimundo, n. 9.VIII.1946; † com 6 meses; e Antônio, n.
6.X.1947, † com um mês.
N41/42) José, n. 23.VI.1925, † e Antônio, n. 23.VIII.1927.
N43) Eurídice, n. 3.IV.1929. Em 21.XII.1948, c. c. Nelson Avelino. Pais de:
B65) Neide, n. 25.IV.1950.
N44/49) Miguel, n. 24.VIII.1931; Teresinha, n. 12.III.1934; Gutemberg, n. 15.VIII.1937;
Raimundo, n. 2.XI.1939,† 5 meses; Francisco, n. 25.XII.1941, † com 2 meses; e Maria do
Socorro, n. 30.I.1943.
F7) João Rocha Filho, n. 5.VI.1905, 1ª vez, em 27.X.1927, c. c. d. Elvira Morais, † em
10.II.1937. Pais de:
N50) Maria de Lourdes, n. 30.X.1928.
N51) Lívia, n. 2.III.1929. Em 30.VI.1946, c. c. Mario Leite. Pais de:
B66/67) Francisco, n. 13.V.1947; e Maria das Graças, n. 28.IX.1949.
N52/56) Francisca-Edila, n. 30.IV.1930,† 2.II.1933; Teresinha, n. 10.V.1931, † 3.III.1934;
Raimunda, n. 4.I.1932, † com 2 meses; Francisco (Chiquito), n. 24.XII.1933, casado; e
Raimundo, n. 5.XI.1934, † 5.I.1935.
F7) João Rocha Filho, 2ª vez, em 22.III.1937, c. c. sua cunhada Olivia Morais, † em
26.XII.1941. Pai de:
N57/58) Raimundo, n. 4.II.1939; e Salatiel, n. 8.VII.1941, † 12.XI.1941.
95
F7) João Rocha Filho, 3ª vez, em 20.VII.1943, c. c. Irinéa Leite, sem prole.
F8) Maria Marola Rocha, n. 8.VI.1904. Em 7.I.1927, c. c. Pedro Almeida e Silva, n.
23.II.1904, em Patú, †, comerciante em São Paulo. Pais de (todos residentes em São Paulo):
N59) Miguel, n. 18.X.1927. Em 28.I.1950, c. c. Olga Matos, n. 26.I.1932, em São Paulo, com
prole.
N60/68) Wilson, n. 24.IV.1929, casado; Neuton, n. 30.III.1930, solteiro; Teresinha, n.
23.III.1931, † em 21.VI do mesmo ano; Maria Teresinha, n. 12.II.1932, † em 14.VII.1932;
Pedro, n. 25.XI.1933; José, n. 31.XII.1935; Severino, n. 18.II.1937; Francisco, n. 28.V.1940; e
Maria de Lourdes, n. 18.II.1942.
F9) Seledon Dantas da Rocha, n. 21.X.1909. Em 30.VIII.1931, c. c. Virgínia Maia. Pais de:
N69/82) Paulo, n. 6.VI.1932, reside em São Paulo; Teresinha, n. 2.IV.1933, professora;
Alberto, n. 7.VIII.1934, reside em São Paulo; Maria Luiza, n. 30.XI.1935; Hermínio, n.
7.VI.1937, Maria de Lourdes, n. 8.VII.1938; Pedro, n. 28.VII.1939; João e José (gêmeos), n.
28.I.1941, † com 3 meses; José, n. 8.I.1942, † com 21 dias; Raimundo, n. 31.VIII.1944, † com
3 meses; Adalberto, n. 3.I.1946, † com 3 meses; Antônio, n. 17.I.1948; e Maria das Graças, n.
13.IV.1949.
F10) Luiza Rocha, n. 8.VI.1910. Em 8.VII.1939, c. c. João Anastácio Leite, contador. Pais de:
N83/85) João Batista, n. 13.III.1941; José-Américo, n.12.X.1942; e Maria da Salete, n.
18.XII.1943.
F11) Hermes de Oliveira Rocha (Rochinha), n. 30.XI.1911, † em 28.VII.1959. Em 4.V.1938,
c. c. Joanita Monte. Pais de:
N86/88) Hermenilton, n. 14.IX.1939, funcionário do Banco de Mossoró; Fátima-Maria, n.
17.VI.1942, † com 8 meses; e Hermes, n. 2.I.1945.
F12) Maria das Mercês (Iaiá), n. 1914, † com 11 meses.
96
MÃE VELHA
Por mais que recue no passado de minha primeira infância, isto é, do período que vai
do meu nascimento até os seis anos da minha idade, quase nada encontro digno de nota, a não
ser que me vou encontrar ao lado de meus avós paternos, na sua propriedade JUNCO, no
município de Patú, no Rio Grande do Norte.
Com esforço, reconstituo, embora de modo vago, alguns quadros, os quais vou fixar
entre os quatros até aos seis anos de minha existência. Certa feita, vindo passear em Patú,
deve ter sido no ano de 1924, encontrei na casa de meus pais um belo presente, dos raros que
recebi na minha meninice. Minha madrinha Adélia, esposa do meu padrinho Antonio Firmo
do Monte, então alto comerciante da importante praça de Mossoró, me havia mandado uma
linda roupinha enfeitada de sutache branco e uma bengala que me proporcionaram alegria e
muita felicidade. Na época, a família Rocha tirou um retrato em grupo, no qual apareço com
minha irmã mais velha junto a meu pai, exibindo a roupinha que me presenteara a minha
madrinha. Tudo isto, se não me engano, aconteceu na casa onde nasci, a qual, anos mais tarde,
passou a se chamar "a casa do motor", em conseqüência de, nela, papai haver instalado um
maquinismo para beneficiamento de algodão, na atual praça João Carlos. Recordo ainda, por
exemplo, de minhas viagens com minha avó a Patú, a três grandes léguas do JUNCO, cuja
trajetória fazíamos, eu e ela, a cavalo, sem outra companhia. Mais tarde, essa viagem passou a
ser feita quase invariavelmente a pé. Minha avó era disposta e corajosa, temendo apenas "os
castigos de Deus". Já por essa época, lembro-me que minha avó confessava ter eu "mais de
dois anos de idade" ao chegar a sua casa e "já corria tudo". Entretanto, posteriormente, jamais
me passara pela mente fixar essa data. Certo é que banhado em lágrimas causadas pela
separação de meus pais, cheguei ao JUNCO, para ficar em companhia dos meus avós, de onde
saí, decorridos alguns anos, em companhia de meu progenitor, também em prantos, sem
querer separar-me daqueles que tão carinhosamente me receberam, não como neto, mas como
filho estimadíssimo.
Conservo indelével na memória a santa imagem de minha querida "Mãe-Velha".
Alta, elegante, solícita, de um moreno claro, cabeleira grisalha e longa, usava invariavelmente
a saia cobrindo-lhe os pés. Ela, indiscutivelmente, assumiu para mim o lugar de minha mãe
legítima, sendo também a "Mãe Velha" de um bem respeitado número de netos, por quem era
disputadíssima. Era carinhosa e boa, tolerando as nossas travessuras, as nossas arengas, sem
um "bolo", sem barulho. Nossos atos reprováveis sempre por ela combatidos com
demonstração de um exemplo edificante, tendo para todos nós os seus carinhos, bons
conselhos, merecendo desta maneira de seus netinhos obediência e veneração.
Minha avó reunia em si as belas e raríssimas qualidades de uma perfeita dona de
casa, ótima esposa e mãe dedicadíssima. A nenhum ela faltava em qualquer das
circunstâncias. Era sempre a primeira a chegar, quando surgiam por acaso os eternos
problemas de família, tendo um jeitinho para tudo e pronta solução a certas dificuldades, as
mais das vezes, antes de chegar ao conhecimento de seu esposo, João de Oliveira Rocha. Ela
não se limitou apenas às atividades do seu lar. A família crescia de ano para ano, com o
aparecimento de outro neto para criar, tomara espontaneamente a tarefa de ampliar seus
afazeres, auxiliando seu marido a tocar para frente a grande "carga". Costurava para ambos os
sexos até certas horas da noite, fazia negócios e, mais ainda, dispunha de tempo para tratar de
97
seu plantio de fumo, arroz, porque "não tinha coração para ver perder-se os terrenos do açude
ao lado da residência". Também ela sabia manobrar uma enxada, pois "não podia ver o mato
comendo o legume" - dizia ela. Era, como se diz modernamente, uma mulher-máquina,
incansável.
Temos ainda vivos na memória da família, os exemplos que falam da sua dedicação,
de seu desvelo pelos seus entes caríssimos. Certa ocasião, "Mãe-Velha" mergulhada em
profunda tristeza, teve a desventura de saber que seus filhos estavam visitando a maldita
“mesa-verde”. Antes de mais nada, sem dar o sinal de alarme, convidou-os todos para
passarem, naquele ano, um dia na Semana Santa, em sua estância do JUNCO. Foi atendida. E,
se não me trai a mente, foi na Quinta-Feira Santa que ela, à mesa, encontrou o momento
psicológico para fazer o seu pedido aos seus filhos ali reunidos.
-"Quero saber - disse ela - quero saber qual é o filho que me tem como mãe, que me
estima e pode fazer-me um pedido". Todas as vistas para ela se voltaram nesse instante, como
os apóstolos do Divino mestre, quando este predizia a sua Paixão.
-"Quero saber quem de vocês me promete deixar de jogar"... - concluiu. E estou certo
que tais palavras tiveram o efeito que se esperava. Eles certamente prometeram satisfazer-lhe
o pedido, pois deixaram de jogar.
Lembro-me ainda e com orgulho, um sem número de demonstrações de seu afeto
para o seu filho-neto, o filho de Pedrinho. Uma ilustração. Alguns de seus filhos gostavam de
me fazer chorar, pelo simples fato e pelo prazer de me verem chorando (pois sendo eu muito
mimado, não podia deixar de ser um chorão), mas a sua reprovação em minha defesa não se
fazia tardar e com energia. "O filho que me tiver como mãe - dizia ela - não bole com este
menino. Ele representa Pedrinho, nesta casa. Por isso, quero mais bem a ele que aos meus
próprios filhos e não fico satisfeita quando bolem com ele"...
Poucos meses antes de sua morte, minha avó, Maria Dantas da Costa, foi visitar em
Assú duas de suas filhas - Marola e Luizinha e, possivelmente, seu neto que lá também se
encontrava. Levara em sua companhia Newton, filho da primeira, criado em sua casa. Lá tirara
o seu último retrato que nos deixou, como derradeira lembrança. Foi nessa oportunidade que
tive o prazer de dar-lhe os meus últimos beijos, os últimos abraços. "Mãe-Velha" regressou e,
ao sair, confessara às filhas que sabia não vê-las outra vez. Faleceu a 24 de Maio de 1935.
Hoje, Mãe-Velha, já decorreram catorze anos que nos deixaste, evoco a sua imagem
seráfica, deixando nestas palavras a minha gratidão - um ramalhete de saudade.
Teresina, 02/12/1949.
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MÃE MIMOSA28
Além de minhas avós, chegando ao JUNCO, passei a chamar mãe a duas de minhas
tias, irmãs de meu pai. Uma é Marola, dedicada esposa de Pedro Almeida da Silva; a outra era
a "Mãe Mimosa" para o resto da vida. Seu verdadeiro nome era Iluminata, no entanto usava o
anagrama de ASOMIM. Mandara mesmo, certa feita, fazer um broche em fio de ouro, no
tempo muito em gosto, formando em letras tipo manuscrito - ASOMIM, e usava no vestido.
Era forte, baixa, cabelos castanho-claros, lisos e sedosos. De temperamento um tanto
enérgico e, ao mesmo tempo, emotivo. Ninguém mais que ela amava a família. Possuía um
coração boníssimo e sempre disposto a perdoar, segundo o preceito cristão.
Prevenindo possíveis complicações, tia Marola procurou reduzir o número de minhas
mães, fazendo que desistisse logo do tratamento de mãe, chamando-lhe apenas tia. Sua irmã,
porém mais velha, certamente habituada a criar menino, tomou a si, com sua mãe, a tarefa de
criar o sobrinho, como se fosse seu filho, filho de seu irmão, Pedro Rocha.
"A memória - disse Humberto de Campos - é um grande museu de
fotografias, em cujos muros consagramos determinado espaço de cada criatura
querida. Uma vez cheio esse espaço, temos que retirar os retratos mais antigos,
pondo no lugar outros mais recentes, da mesma pessoa".
Hoje, revendo a galeria que ainda me resta nas paredes da memória, em cujas
fotografias são focalizadas cenas e pessoas da época, no JUNCO, destaca-se Mamãe Mimosa
na maioria delas, ora levando-me em sua companhia a rever os campos verdes e a colher
flores silvestres, na estação invernosa, ora agasalhando-me para dormir, cantando modinhas
tristes e saudosas, das quais gravei bem "Meus oito anos" de Casimiro de Abreu. Noutras a
vejo preparando o altar para rezar as novenas em homenagem à Virgem Santíssima,
anualmente , no mês de maio, ou mais notadamente, aquele quadro patético em que Mamãe,
quase em desespero, alta noite, me entregava Irenice, sua filhinha de tenra idade, agonizante.
Seu esposo chorava, chorava Newtinho, enquanto eu, resistindo a tudo aquilo, fazendo da
fraqueza, força, segurava a vela na mão daquele anjinho que desaparecia ao despertar para a
vida. Foi, sem exagero, uma das cenas mais tocantes que presenciei na minha vida.
A família tinha nela a enfermeira cuidadosa e dedicada em todas as horas.
Adoecendo quem quer que fosse, Mamãe tomava para si, voluntariamente, o duro encargo de
tratamento. Não se confiava de pessoa alguma, julgando-se com isto muito feliz, porque
"sempre os seus doentes ficavam para contar a história". Não seria muito um exemplo.
Regressando de Lucrecia para Patú, dado o seu precário estado de saúde, papai encontrara em
seu socorro, como era de esperar, a sua solicita irmã.
Entretanto, reavivados certos desentendimentos entre ela a sua cunhada, viu-se
Mamãe Mimosa forçada a desprezar seu irmão em estado tão desolador. Ao ter ciência do que
se estava passando, de Lucrecia, onde me encontrava, tomei a iniciativa própria de escrever à
28
Nota da organizadora - Para preservar a intimidade da família foram omitidas as três últimas linhas do texto
original.
99
minha mãe adotiva, pedindo-lhe que "não deixasse meu pai naquela hora, fechasse os olhos ao
que havia contra ela, em nossa casa, pois eu estava certo que, se ela voltasse, papai ficaria
bom; do contrário, papai morreria". Posteriormente fui informado que Mamãe me atendeu.
Mandara voltar sua bagagem assistindo meu pai até seu derradeiro momento de vida,
satisfazendo também o pedido de seu "filho" que apenas completava 13 anos de idade.
Após o falecimento de sua mãe, Mamãe Mimosa contraíra núpcias com seu primo
Jofre Jales, indo morar no JUNCO, de onde saíram para a vila de Demétrio-Lemos, no
município de Martins, no Rio Grande do Norte. Em 1940, trabalhando em Pau-dos-Ferros,
tive oportunidade de ir encontrar-me com tio Amadeu, em Almino-Afonso, e, ao passar por
Demétrio-Lemos, Mamãe me recebera com uma satisfação sem precedente, insistindo para eu
ficar com ela alguns dias. Reclamava o tempo que não nos víamos, queria matar saudades,
Disse-me do seu estado, da marcha dos negócios; falou-me do Newtinho, frisando que este
obedecia mais a mim do que a ela, a despeito da minha ausência. Não me foi possível
satisfazê-la dessa vez, prometendo-lhe, entretanto, voltar por ocasião da Semana Santa. Ela
duvidou do que eu estava prometendo...
Acontecera o imprevisto, antes daquela semana. Mamãe estava esperando dar à luz.
Como estava retardando, Jofre foi a Mossoró para fazer compras, havendo ela descansado na
sua ausência. O parto foi um pouco laborioso, pois foi necessária a intervenção médica. De
regresso, Jofre encontrou sua esposa com uma infecção e com pouquíssimas possibilidades de
sobreviver.
Contraste. Há poucos dias, ela tão cheia de vida, alegre, tudo nos fazendo crer que
teria uma longa e útil existência para seu lar, para sua família; volto após alguns dias a
encontrá-la tão sem esperança, mal me reconhecera... E, talvez por uma ironia da sorte,
parecendo uma pilhéria, uma brincadeira, Mamãe Mimosa saía da comunhão dos vivos a 1º de
abril de 1940, deixando uma filhinha que está sendo criada por seu irmão, Amadeu, ora
residindo em Mossoró.
Repousam no cemitério de Demétrio-Lemos, os seus restos mortais, talvez sem uma
cruz, sem uma inscrição que assinale, aquela que, em vida, sacrificava sua própria existência
pelo bem-estar da família. A primeira tentativa feita para a remoção de seus ossos para o
túmulo onde dorme a sua mãe, partiu não de seu esposo, e sim de tio Amadeu e seu filho
adotivo, que hoje escreve esta página de saudade, mas foi inútil, porque a Prefeitura não
permitia abrir o túmulo antes de dois anos. Deixei o meu Estado, não me sendo possível outra
tentativa no devido tempo, e, voltando a ele, procurei por intermédio de Aderson, meu primo e
também seu filho de criação, concretizar o meu desejo, dando-lhe repouso no lugar que bem
merecia, mas outra vez tive a tristeza de ver que estava sendo inútil o meu esforço. (...)
Teresina, 07/12/1949.
100
PROFESSOR ROCHA, MEU PRIMEIRO MESTRE29
O professar Rocha, João de Oliveira Rocha, meu avô paterno, foi o meu primeiro
mestre. Foi ele que chamou a si a penosa tarefa de me ensinar as primeiras letras do alfabeto.
Sua escola funcionava na sua própria casa de residência, no JUNCO. Um casarão, o mais alto
que vi na minha infância, e que, por isto, chamávamos a Casa Grande, tinha o piso elevado,
cuja sala de frente se estendia por toda a largura do prédio. Na parte externa, da cumeeira para
frente, era rebocada e caiada. O restante, tijolo “em preto”. A sala de frente e a alcova eram
reservadas às aulas. Os bancos enormes, de madeira escolhida, eram dispostos ao pé da
parede, em volta à sala, sobre os quais se sentavam os alunos de todas as idades,
democraticamente, sem distinção de cor, nem posição social ou econômica, verificando-se
entre eles perfeita ausência de qualquer preconceito.
Às moças, por precaução, o professor Rocha reservava a alcova ao lado. Sua mesa,
entretanto, era disposta de certo modo que, à sua esquerda, ele observava todos os
movimentos do belo sexo, ficando em sua frente os marmanjos. Apesar do cuidado que ele
tinha em isolar os dois sexos, as moças tinham duas oportunidades, por aula, para pôr o "rabo
de olho" no seu Príncipe Encantado, mas de modo que não chegasse ao conhecimento do
mestre. A primeira, quando eram designadas para lavar as lousas, o que acontecia levando-se
em conta o merecimento de cada uma. A segunda, na hora da lição.
Havia detalhes curiosos na escola do professor Rocha.
Pendente à parede, à esquerda, na sala, havia uma "licença", espécie de palmatória
que tinha a ponta do cabo um pouco mais larga. Numa de suas faces revestida de papel
almaço, havia um F, bem gordo e bem feito. Na outra extremidade, um D. Se o aluno de
ambos os sexos, precisasse atender a uma natural ou inesperada necessidade fisiológica, teria
aflitamente de examinar aquela indicação convencional. Se mostrasse o D, o aluno teria que
virá-la, deixando aparecer o F, denunciando a sua pretensão, e saía. Essa indicação era
respeitada. Ninguém poderia sair. E quantas vezes ficava uma pobre vítima a suportar,
sentada, os vexames, às vezes banhada em suores frios, provocados pelas cólicas ou certa
desordem intestinal.
Haviam certos encargos também reservados aos melhores alunos. Para os mais
estimados do mestre, para os mais atenciosos. Vez por outra um boi ladrão, os bodes,
invadiam o cercado, devorando a plantação. Em socorro, eram designados dois ou três alunos
mais amigos do mestre. O Otacílio Pinto, preto alto, esperto, pouco inteligente, também
algumas vezes descascava um pilão de milho ou de arroz.
O professor Rocha era enérgico, qualidade que o fazia credor de apreciável reputação
e estima entre os alunos e seus progenitores. Estatura mediana, cabelos ligeiramente grisalhos,
bigode sempre aparado, o professor Rocha mantinha o aspecto grave e respeitável, sem, ser
contudo um carrasco. A palmatória jazia sobre a mesa, como fiadora ativa da ordem e do
respeito em sua aula. Ao usá-la, firmava-se nos pés, pegando na ponta dos dedos da vítima,
vibrava nas mãos do infeliz uma boa meia dúzia de "bolos", cujos estalos ressoavam por toda
29
Publicado no Boletim CNR nº 2, p.15, mar. 1967
101
a casa. O quadro-negro, a um canto da sala, adivinhava as arengas e diabruras dos escolares,
em caminho ou na aula, transmitindo tudo ao professor por meio de um orifício nele existente.
Ele o interrogava, o velho quadro-negro, surdamente tudo confessava. Nada escapava ao
conhecimento do professor Rocha, que nada deixava sem o devido reparo.
Para o aluno mais rebelde, havia punição mais severa. Era colocado sob a mesa de
trabalho, à vista dos colegas, ou, ainda, colocava na cara do vadio uns óculos de couro ou de
papelão, durante a aula.
A despeito de tudo isto, o professor Rocha era querido e estimado. Os alunos viam
nele, não a personificação do terror, o Anti-Cristo, mas o apóstolo anônimo do saber,
abnegado e esquecido, cuja existência era devotada de corpo e alma ao combate à ignorância.
Meu mestre transferiu certa vez a escola para lugar cujo nome não recordo. Sua
esposa, minha inesquecível Mão-Velha, assumira a direção do meu aprendizado. Sentada à
máquina de costura, todas as tardes, no JUNCO, fazia-me sentar ao seu lado, procurando
meter-me na cabeça o mistério daqueles sinaizinhos negros da carta de ABC.
“Diga, meu filho: Isto é um A, isto é um B, isto é um C...”
(Obedecia, reproduzindo as mesmas palavras).
"Agora leia por cima” - continuava: "A - B - C".
Eu tinha sono. O sono chegava infalivelmente, todos os dias, àquela hora. Retorcia-
me e abria a boca, naquela prisão que me atormentava os dias felizes da minha infância.
Apareciam visitas, enfim, das quais eu tirava proveito. Mãe-Velha, a professora, começava a
conversar, esquecia os alunos, eu e minha irmã mais velha, sorrateiramente fugíamos para o
interior da casa. Apercebendo-se do logro, a professora irrompia em ameaças, deixando
sempre para o dia seguinte as represálias...
São Luís, 07/02/1967.
102
MEU PAI30
Meu pai nasceu no dia 25 de junho de 1891, no JUNCO, hoje município do mesmo
nome, no Rio Grande do Norte. Recebeu o nome de Pedro, homenagem ao Grande Apóstolo,
escolhido pelo Divino Mestre, para comandar seu rebanho e sua igreja na terra. Primeiro filho
do casal João de Oliveira Rocha e D. Maria Dantas da Costa.
Alto, magro, cabelos avermelhados e pele sardenta. Os traços fisionômicos do ex-
Presidente Kennedy fazem lembrar meu pai. A sua maneira de pentear o cabelo era idêntica.
Muito jovem, pensava como adulto, encarando a vida de maneira séria e de modo objetivo.
Era respeitado e obedecido pelos irmãos. Todos lhe tomavam a benção diariamente.
Mestre-escola aos vinte anos, em 1911, em Noruega, município de Brejo da Cruz, na
Paraíba, contratado pelo Sr. Ubaldo Fernandes Pimenta. Constatando perfeito equilíbrio nas
suas atitudes e senso de responsabilidade no jovem professor, o Sr. Ubaldo convidou-o para
formarem uma firma comercial que funcionou por muitos anos, em Patú, sob a razão social de
FERNADEES & ROCHA.
Data dessa época, nova fase na sua vida. Casou-se. Ocupou sucessivamente vários
cargos na então vila do Patú: Juiz Distrital, Adjunto de Promotor, Secretário da Prefeitura,
Agente Fiscal Federal, Rábula. Foi advogado dos seus amigos, de seus compadres, dos pobres,
e dos injustiçados, como se diz hoje. Jamais recebeu qualquer remuneração pelos seus
trabalhos, no exercício dessa profissão. Advogava pelo dever sagrado de ser útil ao próximo.
Pacifista por índole, embora convivendo num meio perigoso, dominado por "velhos
trabuqueiros e empiquetadores", no dizer de Raimundo Nonato. Abnegação, honestidade e
lealdade, eram os traços mais marcantes de sua personalidade. Gostava de ler, meu pai era um
homem esclarecido, de boa palestra, comunicativo. Encontrei artigos de sua autoria
publicados em O NORDESTE, famoso jornal de seu amigo, José Martins de Vasconcelos, que
circulou e fez época por muitos anos, em Mossoró.
Ubaldo Fernandes, seu ex-sócio e compadre, em 1947, em Mossoró, me fez esta
confissão, alguns meses antes de falecer:
- "Seu pai era meu amigo, - disse ele. Amigo e compadre. Homem de
vergonha, honesto. Foi para minha casa ensinar, quando resolvi abrir uma casa
de negócios com ele, de sociedade, em Patú. Nunca fui assistir a um balanço.
Ele fazia tudo direitinho e me apresentava o resultado no fim de cada ano".
Meu pai faleceu na tarde do dia 25 de janeiro de 1933, em Patú, numa casa ao lado da
igreja Matriz, com apenas quarenta e um anos e sete meses de idade. Deixou-me com treze
anos, dois meses e quatro dias. Não vi morrer meu Pai. Ele havia me deixado em Lucrecia, na
construção de um grande açude, no município de Martins, e regressou a Patú, para tratamento
de saúde. Fiquei à frente do nosso fornecimento de gêneros para operários, daquela
30
Publicado no Boletim CNR nº 3, p. 22, jun. 1967; Baseado em trabalho mais amplo, escrito em Teresina, em
1950, não incluído nessa coletanea para evitar a divulgação de problemas íntimos de família.
103
construção. Meus tios se reuniram após a morte de meu pai, tomaram a deliberação de não me
mandarem vir para dar o último Adeus a meu pai, atitude reprovada intimamente, por mim, a
qual só a muito custo perdoei.
Decorridos trinta e quatro anos da sua morte, quando de raro em raro, volto à minha
terra, ainda ouço estas confissões de seus amigos e contemporâneos:
"Seu pai era o homem da família Rocha. Ele fechou os olhos, tudo
mudou. Era um amigo certo da pobreza".
Transcorrendo este mês, o seu septuagésimo sexto aniversário de nascimento, deixo
nesta página a minha homenagem, a minha saudade, o preito de gratidão pela grande e
imorredoura herança que nos deixou:
- o seu nome sem mancha, que honra a sua família, orgulho de seus filhos.
São Luís, junho/1967.
104
VERSO DO AÇUDE DO SALÔBO31
Agora quero que os senhores
Todos me prestem atenção
De uma couza que aconteceu
No açude da nação
Este açude é do Salôbo
De Inácia da Conceição
Berro Forte ou Calisto
Este agora eu vou falar
Convidou o Luduvico
Amigo vamos pescar
Eu só temo é a Velha
Que não venha abodegar
Cícero, meu filho, este
É grande no landuar
Hoje aqui não fica peixe
Com a Velha vou me atar
Ludovico não esmoreça
O peixe vamos pegar
Diria porém não posso
Em coiza fina falar
Só o compadre Pedro
É quem pode advogar
Vá lá para o açude
Para todos prezenciar
Eu já ia me esquecendo
De João Grande e Tibertino
Abedias e João Jales
Bento de Circundino
O Augusto e o Raposo
Precisa ter muito tino
Felizmente meus amigos
Pescadores vou dizendo
João Pereira e Toinho
Estes estão me maldizendo
Vicente este não se fala
Está no tanguí remechendo
31
Nota da organizadora - Verso de poeta popular do Rio Grande do Norte, falando em Pedro e João Rocha – pai
e avô de Raimundo Rocha – e, possivelmente, de outras pessoas de sua família. Foi encontrado namuscrito em
sua pasta de correspondências recebidas. Na transcrição respeitou-se a grafia do texto original.
105
Grita a Velha com razão
Mas não lhe prestam atenção
Joaquim Jales quando chegar
Vai com gente ao facão
Para estes deixarem os sapos
Do açude da nação
Horas e momentos se passam
Eu não posso me esquecer
Dos pescadores que teve
De nada puder fazer
Dona tenha paciência
Se não pode enlouquecer
Ilustres querem ver
Este homem sem ventura
Cristalino também vai
Com nome de criatura
Deu uma grande queda
Andou perto da sepultura
José Diniz e Zé Cancão
Também trouce camarada
Para ajudar a levar o peixe
E a tarrafa sem chumbada
Amigos cuidamos em ir embora
Que a água já está cuada
Kilo de lágrimas já houve
De quem botou pescado
Assim como Rafael
Que nada aproveitou
A lastimar sua sorte
Com Pedro professor
Lastimando ficou Dina
Em Vicente fazer chamada
Vio Chiquinho vá machando
Que eu já estou arrumado
Vicente nada pegou
Dina ficou na caçuada
Vicente meu amigo
Um conselho eu vou lhe dar
Vá vender umas taraíras
Para café você comprar
Para quando avistar João Rocha
Mandar Niculino torrar.
106
IRMÃOS ROCHA - NOTAS32
1944 - Mundicarmo
Nascimento
26/06/1944, na residência de seu avô, Manuel Alexandre de Aquino, à praça da Matriz, em
Pau dos Ferros, às 20 horas e 10 minutos do dia 26 de junho de 1944, segunda-feira (pesou
quase 3 kgs.).
Nome
O nome escolhido fora Maria do Socorro porém aceitamos, em parte, a sugestão de Milton
(dada em telegrama) ficando: Mundicarmo Maria Rocha.
O carrinho
Comprei um carrinho de madeira para Mundicarmo, do qual ela gostou muito. Verificou-se
que, ao sentá-la ficou muito satisfeita. Batia com as mãos e os pezinhos, sorrindo. Viu-se
então que ela já percebia as coisas. Ao parar seu "veículo" chorava muito, só se calava quando
se reiniciava a marcha. Sua posição nele era a inicial, pois temia que lhe aparecesse algum
"amigo da onça"... para retirá-la (set. 1944).
1945 - Mundicarmo
Em Venezuela (fazenda dos avós)
Fui hoje (10/06/1945) à Venezuela, onde deixei Mundicarmo com Da. Júlia (avó). Deve
permanecer lá até sua mãe dar à luz. Ficou satisfeita e sua mãe chorando muito com saudade.
Com Dulce (tia)
Mundicarmo tem se admirado muito com o gado, ovelhas, bezerros e especialmente, com os
borreguinhos. Ao ver um cavalo na porta chora até andar um pouco nele, o que faz com
satisfação. Dulce lhe tem ensinado algumas expressões: "Ai meu Deus", "Ô beleza", que são
por elas pronunciados de uma só maneira "Ai doê!". Conta também os cincos dedinhos e
pronuncia as vogais; pede água e alguns alimentos; e, quando tem raiva, chama aquele nome
anatematizado pelas mães, embora não o deixe de pronunciar constantemente - "babo"
(diabo).
32
Nota da organizadora - Até 1952 Raimundo Rocha acompanhou de perto o desenvolvimento físico e
psicológico dos filhos, registrando suas observações em um caderno de notas. Em 1954 essa prática foi quase
abandonada, uma vez que suas atividades comerciais o obrigavam a viajar freqüentemente e a passar muitos dias
longe da família. Assim, em 1955 e 1956, escreveu apenas sobre o seu filho homem mais moço, e, a partir de
1957, somente uma página com ocorrências ligadas ao nascimento de suas quatro ultimas filhas (teve 11 filhos).
A leitura da correspondência recebida de escritores amigos, de 1954 a 1969 (ano do seu falecimento) e o artigo
de seu cunhado José Correia de Aquino “Homenagem a Mundico (Carta a Mundicarmo)” - ver Raimundo Rocha
para escritores e amigos -, mostram que em suas cartas falava freqüentemente dos fílhos, orgulhando-se com o
seu progresso. Foram transcritas aqui apenas algumas das notas encontradas sobre seus filhos. O caderno tinha
uma seção para cada filho com muitas outras informações. Em cada uma delas uma havia pelo menos uma poesia
transcrita. Para essa publicação fizemos uma seleção do material encontrado, dando prioridade às notas escritas
pelo autor sobre os seus filhos, e reunimos todas as que foram escritas no mesmo ano, a fim de permitir o
acompanhamento simultâneo do desenvolvimento deles.
107
Primeiro encontro com o maninho
Ele estava sobre a cama e Mundicarmo, muito admirada, foi em sua direção. Aproximando-se
do maninho procurou botar o dedo no seu olho ou na boquinha - como estávamos perto
evitamos tudo. Com muita alegria cheirava-o, alisando e chamando "maninho"... Em
Venezuela, quando os borreguinhos berravam Mundicarmo reproduzia, imitando. Aqui,
Rocha Neto chora e ela, lembrando-se dos filhotezinhos, berra também: "mé... mé... mé"...
1945 - Rocha Neto
Nascimento:
20/06/1945 - quarta-feira, em nossa residência à praça da Matriz em Pau dos Ferros, às 21:20
horas. Pesou 2.700 kgs - era muito pequeno.
Razão de seu nome
Era propósito meu prestar uma homenagem especial à memória de meu pai na pessoa de meu
primeiro filho homem, dando-lhe o nome do meu progenitor. Vejo, portanto, o meu desejo
concretizado ao nascer o segundo filho cujo nome é Pedro Dantas da Rocha é a ocasião mais
oportuna, é certo, para expressar minha eterna gratidão àquele que seguiu meus primeiros
passos na estrada sinuosa da vida. Digna é de imitação sua existência, toda ela ilustrada de
belos exemplos que ainda perduram na lembrança de quantos o conheceram, no meio onde
nasceu, se criou e morreu. Honestidade e abnegação eram os traços predominantes de sua
personalidade. Prudente, conservador, pouco afeito às aventuras quer políticas, quer amorosas.
O seu lema consistia em: a todos servir à altura de suas possibilidades, de suas forças, sem
nada aceitar por retribuição ou recompensa (...).
1946 - Rocha Neto
Primeiras palavras (07/01/1946)
"Papa", "Tata", "Dede"
Desprezando a mamadeira (jun.1946)
Quando esteve doente deixou o consolador (chupeta) de uma vez por todas, facilmente. E, em
Venezuela sua avó fez com que ele deixasse, sem dificuldade, a mamadeira.
Andando sem engatinhar
Já está procurando andar e vê-se que o consegue sem primeiro engatinhar.
Primeiro beijo
Veio de Venezuela dando beijos a quem o pede...
1946 - Mundicarmo
Carta de Maria (mãe) da Venezuela (11/05)
Os meninos vão passando bem e Rocha Neto melhor que Mundicarmo. Esta tem sido
acometida de um grande fastio. Gostam muito dos passeios à tarde. Mundicarmo
108
pergunta a todos os dias por “papaizinho no cavalo”. Apossou-se de toda a fazenda
para ela e o maninho, todo gado que ela vê diz: “lá vai o meu e o de maninho”. Na
primeira tarde foi ao curral e com o copo na mão pedia: “Dulce, bote aqui um
curralzinho” (pensando que o leite é que se chamava curral)".
Declamando no seu 2º aniversário
Na mesa, na presença de "vovô" José de Paula, Zeneide e Liada, Mundicarmo declarou que
quadra que sua mãe lhe ensinou:
Batatinha quando nasce,
deita a rama pelo chão;
Mundicarmo, quando dorme,
bota a mão no coração.
Houve muito riso e palmas. Mediu 80 cm.
Rezando
Nessa idade, ela já reza o Padre-Nosso e canta a Ave-Maria.
Consolo (chupeta)
Regressando de Apodi, onde visitou a avó, sua mãe resolveu fazer com que ela deixasse o
consolador mas para isso ela deu muito trabalho (12/08/1946).
1947 - Ana Maria
Nascimento:
02/05/1947 - sexta-feira. Ana Maria nasceu nesta data, às 19:20 horas, em Mossoró, na rua
Lopes Trovão, 163 - data consagrada no calendário católico a Santa Mafalda. (Pesou 4 kgs).
Seu nome
Não houve sugestão de alguém para essa escolha - foi preferência do seu progenitor após a
leitura de Olhai os lírios do campo (Érico Veríssimo).
Ela ao Nascer
Chegou com muita rapidez, contudo, parece que nasceu sem "fôlego" sendo necessário que a
parteira lhe desse umas tapinhas. É muito forte. Chorando, Rocha Neto aproximou-se de sua
rede dizendo com ênfase:
"se cale já!.. se cale já!... viu!"...
Encontro com os maninhos
Mundicarmo estava começando a dormir, não se apercebendo da chegada da maninha.
Entretanto, Rocha Neto retardando a dormida aconteceu logo que havia novidade em casa e
quando ouviu o choro de Ana Maria alarmou sem demora.
- "qué aquilo, papai?...qué aquilo?... E continuou, "lá está, eu quero olhar, vamos... o
nenenzinho"...
Foi grande sua alegria ao ver a recém-nascida e adiantou:
"é de mamãe, deixe eu olhar!, é mimosinho"...
Com isso, e pretendendo ficar com o bebê deu trabalho para dormir.
109
Na manhã seguinte, Rocha Neto percebendo o choro de sua irmãzinha, muito vexado
começou a dizer:
"a bichinha quer sair"... "chega, Lalá (sua tia), a bichinha quer sair!"... "tire ela"...
Ao meio dia Lalá foi mudar os paninhos e ao emborcá-la ela chorou muito. Vendo isto, Rocha
Neto, fazendo uma carinha de choro disse em aflição:
"chega Lalá, a bichinha vai caindo!... ela vai caindo, pegue ela!..."
Nesse ínterim Mundicarmo notando o consolo que estava na boca de Ana Maria disse:
"vige, como eu estou com vontade de chupar esse consolo”...
(Estava com saudade do seu, tomado, isto é, desprezado à força...)
Rindo (03/07/1947)
A qualquer movimento dos meninos Ana Maria ri muito.
1947 - Rocha Neto
O "gozado”... (08/06/1947)
Antevê-se nele o espírito brincalhão, repentista e afetivo. Há poucos dias Dodô (a empregada),
jogando uma bacia d'água no muro, sem notar, deixou cair uns salpicos em Rocha Neto que,
muito assustado, veio à cozinha fazendo, sem demora, esta observação:
- Você me molhou, hen "sinha danadinha"?! ...eu não quero mais bem a você...
- Eu irei embora para o sertão..., retrucou-lhe a empregada.
- Então, continuou ele, não vá não... eu quero bem... não vá mais não...
Doutra feita, Dodô estando na sala de jantar no momento em que ele passava cantando
perguntou a ele:
- Para onde vai, meu bichinho?...
Lembrando-se de "Salada Política (música da época), ele respondeu cantando:
- “Eu vou até Moscou... Estão judiando de mim”.
Antevejo em Rocha Neto uma bela inteligência. Sempre aprende com extraordinária
facilidade os discos que ouve, muito especialmente os que compro, passando a cantar as
músicas constantemente: "Torna", "No meu pé de serra", Eu vou pra roça", "Asa Branca",
"Marina", "Você foi e não voltou", "Copacabana" e muitos outros.
Um sucesso lítero-musical (10/08/1947)
Como de costume, na tarde de hoje, domingo, saí com Rocha Neto e Mundicarmo ao jardim.
Porém, quando ele viu passar a caminhonete do Melhoral, (onde seu tio fazia propaganda
daquele produto), não houve mais jeito senão levá-lo para ela. Entrou e dela não saiu mais, de
sorte que teve que acompanhar Milton pelo subúrbio, enquanto fazia sua propaganda,
utilizando-se de aparelho sonoro. Aquele carro é o "sonho dourado" de Rocha Neto. Seu tio
soltava o microfone e ele pegava fazendo declamações, cantando com extraordinário êxito as
marchinhas de propaganda da Ross, etc, a despeito de sua pequena idade. O povo que
contornava o carro não se continha! No dia seguinte o tio foi a nossa casa onde fez um
programa exclusivamente com Mundicarmo e Rocha Neto. Havia muita gente e eles
"abafaram" e receberam de presente, como prêmio pela grande vitória, 2 latas de talco, 2
sabonetes e 2 tubos de pasta Ross e comprimidos de Melhoral (aos 2 anos mediu 81 cm).
1947 - Mundicarmo
110
Em Tibau (23/08/1947)
Ela gostou imensamente da viagem, ficando encantada com aquela praia. Brincou muito em
companhia do maninho e dos primos, onde gozavam de absoluta liberdade. A princípio
tiveram medo do banho na praia porém, quando se acostumaram, era uma luta para voltarem
para casa. Juntar búzios constituía o principal " passa tempo" de Mundicarmo.
Natal de 1947
Papai Noel nesta noite feliz da petizada foi mais pródigo deixando para Mundicarmo presente
idêntico ao do maninho: passas, ameixas, chocolates, bombons e um violãozinho... Ela
dormiu cedo para o velhinho não demorar muito. Ao despertar, no dia seguinte, antes de
deixar a rede, olhou os sapatinhos no chão verificando com muita alegria que, de fato, havia
sido também contemplada. Retirou tudo com muita pressa e foi-nos mostrar na cama.
1948 - Ana Maria
Primeiro aniversário
02/05/1948 - data risonha de seu primeiro aniversário natalício. Ana Maria está muito alegre e
bem forte. Já diz algumas palavras e é muito brincalhona, a ponto de sua mãe continuar
dizendo que é a mais alegre e a mais sabida dos três. Não se contém ao ver o pai se aproximar
de casa, não se cansando de ficar em pé sorrindo, para demonstrar que muito breve andará
sem o auxílio das cadeiras ou da parede como o está fazendo. Hoje, por coincidência, nasceu o
6º dente, aliás foi um incisivo inferior direito, quando devia ser um superior do mesmo lado.
1948 - Alexandre Neto
Nascimento
26/05/1948 - quarta-feira: Alexandre Neto nasceu às 22:20 horas, em Mossoró, na Rua
Juvenal Lamartine nº 9, data consagrada a Santo Agostinho pela Igreja Católica (Pesou 4 kgs).
Seu nome
Quando, há alguns meses, cogitamos da escolha do nome que teria o bebê, se por acaso fosse
do sexo masculino, Mundicarmo e Rocha Neto opinaram pelo de Alexandre Neto - nome do
vovô. Ficaram daí se referindo a este nome quando desejavam falar no futuro maninho. Houve
a coincidência, e o seu avô, pelas suas belas virtudes, algumas delas atualmente tão raras, bem
o merece.
Ao nascer
Foi um pouco vagaroso, mas o parto correu normalmente. É bem forte e muito calado,
causando por isso surpresa aos progenitores. Mundicarmo vendo a pele vermelha do recém-
nascido perguntou se ele era de "borracha"; Rocha Neto disse que não viu quando ele chegou
porque estava dormindo e Ana Maria acordou logo ficando muito alegre quando ouviu o
choro do maninho, fazendo muito movimento com os braços e as perninhas.
1948 - Mundicarmo
Em trabalhos domésticos (20/02/1948)
111
Vem demonstrando muita facilidade e gosto para os trabalhos domésticos à despeito de sua
tenra idade. É muito interessante ela retirar a pele do tomate para sua mãe fazer doce, tem um
cuidado extraordinário, sem deixar sequer de remover uma pequena pelezinha da fruta.
Ajudava a Dodô lavar a louça e também acalentar sua maninha que ainda não anda. Muito
limpa e cuidadosa, gosta de cantar, contando para isso muita facilidade para aprender as
músicas.
Escola no ar
Facilmente também aprende as estórias contadas por seu pai e sua mãe, lidas no Tico-Tico e
alhures. Já aprendeu a subdividir as várias partes do corpo humano; quem descobriu a
América, o Brasil, a data desses feitos e o celebrante da primeira missa. Pelo Carnaval
conseguiu enriquecer seu repertório com as marchas que mais lhe agradam.
Matrícula no colégio
Há semanas insistia Mundicarmo para matricular-se no Jardim de Infância do Colégio
Sagrado Coração de Maria (Mossoró) mas só queira se ficasse lá, "sem voltar para casa"... No
primeiro dia viu-se muito aperreada com o grande movimento feito pelo seu irrequieto
maninho no Colégio. Saía a procurá-lo e encontrando-o dizia:
"Oh! Meu Deus, esse menino não quer estudar!... quando chegar em casa vou dizer a
mamãe"...
Suportou bem todo o horário da aula ficando à minha espera com a porteira. Está bem
compenetrada e já pediu uma sombrinha para se proteger contra a chuva e o sol (25/04/1948).
Hoje Mundicarmo já não foi mais ao Colégio, isto é, resolveu voltar da porta (04/05/1948).
Com a vovó
Deixei que Mundicarmo fosse com Zuleide (tia) nas férias de junho passar uns dias com a sua
avó. Ela sempre tem mandado dizer que não volta mais. Está satisfeita.
1948 - Rocha Neto
Músicas carnavalescas
Sem muita dificuldade Rocha Neto aprendeu as músicas do Carnaval deste ano e achou-as
lindas. Arranjei um livrinho da RCA Victor contendo as letras de suas gravações e Rocha de
posse do mesmo abria e perguntava:
- papai, onde é aqui "Bem-te-vi"?
Eu lhe mostrava e por sua vez ele abria o livrinho colocando-o ante a vista, dando a impressão
que era míope e que estava lendo, e cantava a marcha até o fim perfeitamente. Terminando
aquela música fazia novas perguntas
- onde é "Quer ir mais eu"?, "Pau de sebo", "Princesa de Bagdá", "Como é burro o meu
cavalo", "Alô beleza" etc, etc.
Mestre do Vernáculo (17/09)
Eram 17:30 horas aproximadamente. Jantávamos. A empregada, Dodô, havia dado leite e Ana
Maria e foi vestir nesta o chambre para dormir usando dessa expressão:
- Vamos vestir o chambre, minha filha, "mode" o frio...
Rocha Neto ao meu lado, à mesa, gritou:
- "Mode” não! diga, por causa...
Não suportamos, o riso foi geral.
112
Pagando uma promessa
A 12 de dezembro fomos ao "Lima" onde pagamos uma promessa feita quando Rocha Neto
esteve doente, em 1946. Ele subiu a ladeira a cavalo com seu tio Chiquinho e desceu a pé. Ele
deu uma esmola a Nossa Senhora dos Impossíveis e trouxe desta santa um vultozinho. Foi
uma viagem excelente. Rocha gostou demais, aproveitou muito.
Natal
Na véspera do Natal Rocha Neto sonhou com a visita de Papai Noel na maior noite de
cristandade, e, alta madrugada, dormindo cantou:
- "Papai Noel, Papai Noel
Traga presente para mim também"...
E o velhinho de barbas níveas atendeu ao seu chamamento. Trouxe-lhe um aviãozinho de
matéria plástica e um saquinho de guloseima. Ele ficou muito feliz por merecer tanta coisa
bela.
Carta a Rocha Neto no seu 3º aniversario
Rocha Neto, meu caro filho:
Beijo-o afetuosamente neste dia risonho da sua existência, almejando-lhe completa
felicidade.
Transcorre hoje, meu filho, o seu terceiro aniversário, acontecimento este de alta
satisfação para nós. Você é muito criança ainda, e, por isto, não pode compreender as palavras
sinceras de seu progenitor, embora já me tenha dado provas evidentes sobre sua inteligência.
Eu gostaria, nesta data, de lhe dizer algo sobre o que, vivendo a própria vida, aprendi, o que,
indiscutivelmente, não deixa de ser um aviso prévio ao iniciar a sua jornada "por esse vale de
lágrimas". Aguardarei o tempo oportuno, se é que o alcançarei. O tempo passa rapidamente e
quem sabe se não estou a poucos passos de minha derradeira moradia? Venho de muito longe,
percorrendo uma estrada penosa e só, razão por que não é de admirar que, chegando a esta
altura, sinta o dealbar dos primeiros desânimos para levar de vencida o resto da jornada. No
entanto, meu estimado filho, insisto em lhe escrever, deixando-lhe assim uma prova concreta
do meu grande amor paterno. E com a alma prosternada, eu o entrego a São Pedro, para que
seja seu advogado, protegendo-o em toda a sua vida, proporcionando-lhe uma existência feliz,
tranqüila, útil e digna. É necessário para isto que colabore com o seu protetor e, de minha vez,
farei tudo o que for possível, no sentido de orientar os seus primeiros passos nessa caminhada,
primando pela formação de seu caráter que, se Deus quiser, não poderá deixar de ser íntegro.
Espero que o seu modo de viver seja idêntico ao do seu avô, que lhe dera o nome. Ele viveu
em paz com a sua consciência, jamais praticou uma ação de que viesse posteriormente a se
envergonhar. Sempre teve o senso da responsabilidade e cumpriu as suas obrigações. Seu pai
não tem vícios e tem verdadeira aversão ao jogo. Gosta, porém, dos bons livros. Foram estes
os melhores e mais sinceros amigos encontrados. A leitura bem orientada é um dos mais
agradáveis divertimentos. É o mais instrutivo.
Com o pensamento voltado para você, que será o modelo para seus irmãozinhos, pois
é o mais velho dos homens, tenho organizado uma biblioteca, na qual já se encontram as obras
mais importantes dos melhores escritores nacionais e alguns estrangeiros. Lendo-os
empreendi viagens audaciosas por todos os recantos da terra. Acompanhei as extraordinárias
conquistas de Alexandre Magno e Napoleão; assisti ao incêndio da cidade dos Casares; a
113
libertação de Jerusalém; conheci as célebres Pirâmides do Egito; visitei Bagdá, a encantadora
cidade do sonho da fantasia. Foram momentos indescritíveis, vivi-os entre esses "mestres
mudos", valendo-me da expressão do grande Vieira. Estou certo que vocês saberão utilizar-se
delas com muito proveito. Pois são bons livros, e entre eles, tem alguns que conservo com
carinho, porque foram de meu pai33
.
Quero, meu filho, que seja estudioso, - o saber não se herda, conquista-se - seja
inteligente, sensato, para que os seus irmãos tenham em você um verdadeiro exemplo, sejam
acima de tudo unidos. Não tenho dúvidas que você terá satisfação em render inteira
obediência aos seus pais, em todas as fases da sua vida. Não esqueça que eu sempre procurei
"ensinar com o exemplo". Preocupe-se primeiramente com os seus estudos, tendo como lema
estas palavras do primoroso Coelho Neto:
- "Instrui-te, para que possas andar por teu passo na vida, e transmite a teus filhos a
instrução, que é dote que não se gasta, direito que não se perde, liberdade que não se
limita".
Medite também sobre este conselho de RUI, o maior de nossos mestres:
- "Não vos fieis muito de quem desperta já sol nascente, ou sol nado... até agora,
nunca o sol deu comigo deitado, e, ainda hoje, um dos meus raros e modestos
desvanecimentos é o de ser um madrugador, madrugador impenitente".
Não quero finalizar estas linhas, meu estimado filho, sem falar no “irrequieto garoto
de Miritiba”: refiro-me a Humberto de Campos. Órfão aos seis anos, presa de inúmeros
obstáculos, porque era pobre e desprotegido, ele não se deixou vencer. Lançou-se, criança
ainda, ao trabalho. Exerceu os mais humildes misteres: ajudante de alfaiate, tipógrafo,
caixeiro, guarda-livros, jornalista... Leu muito. Adquiriu cultura. Venceu. Escreveu quarenta
livros, cada qual deles melhor. Pertenceu à Academia Brasileira de Letras. Chegou a ser
Deputado Federal. Memórias, sua obra-prima, é um livro maravilhoso. Quero que você o leia,
releia, é mesmo indispensável à sua formação. No prefácio ele faz esta confissão:
"Escrevo a história da minha vida não porque se trate de mim, mas porque
ela constitui uma lição de coragem aos tímidos, de audácia aos pobres, de esperança
aos desenganados, e, dessa maneira, um roteiro útil à mocidade que a manuseie".
Seja feliz, Rocha Neto, e deixo aqui o meu sincero e afetuoso abraço, acompanhado
de uma benção especial no dia do seu terceiro natalício. Seu pai.
Mossoró, 20 de junho de 1948
Raimundo Rocha
1949 - Alexandre Neto
Primeiras palavras
Nessa mesma idade (10 meses) Alexandre Neto iniciou a dizer as primeiras palavras. Ao ver
um urubu ele diz "bubú"; um cachorro chama "au au". Já sabe pedir - "dá". Está, enfim, muito
33
Nota da organizadoa – Só conseguimos identificar na biblioteca de Rimundo Rocha um livro que pertenceu ao
seu pai: PALHARES, Victoriano. As noites da virgem. 2ª ed. ver., Rio de Janeiro: H. Antunes & Cª, s.d.
114
interessante. Sopra procurando apagar a lamparina, dá "psiu", bate palma e chama papai com
as duas mãos...
Engatinhando
Hoje, 1º de junho, Alexandre iniciou a engatinhar. Mamãe está se queixando: "o Alexandre já
passou o dia bulindo na penteadeira, na máquina de costura"...
Andando (09/06)
Hoje Alexandre deu as primeiras passadas só. Ele sentiu tamanha satisfação com isto que
ficou contentíssimo. Depois, esforçou-se fazendo nova tentativa e deu mais três passadas
rindo muito...
Cantando (09/06)
Ele é chamado em casa o Rocha Neto Segundo. Parecem-se física e espiritualmente e são
amigos. Para Rocha Neto só Alexandre Neto é seu irmão, as duas meninas são "outra
irmandade"... Quando o Rocha sai de casa Alexandre Neto dá pela falta e fica inquieto.
Procura a casa toda, chama e chora chamando:
"Ó... Ó... Ó..."
Para ele seu pai é assim uma espécie de ídolo. Chama por ele até dormindo, abraça-o, beija-o,
pega no queixo para olhar melhor e mais de perto e ri. Está falando bastante. No seu
"vocabulário" chama todos os de casa, embora não se entenda palavra. Imitando os irmãos, é
deveras interessante vê-lo tomar uma revista ou almanaque, passando página por página,
contando história animada, satisfeito e gesticulando... Cada dia que passa mais vai gostando
de música. Chora e pede para botarmos discos na vitrola. Não quer ouvir músicas
sentimentais. É louco pelas sanfonas de Dilú, Luiz Gonzaga e Mário Zan e a clarineta de Luiz
Americano. Ele procura dançar e cantar no chão ou em nossos braços.
1949 - Ana Maria
Cantando (março/1949)
Como seus irmãos gosta muito de música, especialmente de música alegre. Ela canta, embora
só se compreenda algumas palavras salteadas, "Chiquita Bacana", "Jacaré Paguá",
"Copacabana". Um disco de sua preferência é a "Clarineta do Garapa", do Luiz Americano.
Este disco ela pede cantando a introdução... É impagável...
O Tico-Tico (mar/1949)
Ana habituou-se a chupar a língua e o lábio inferior. Ela, sabendo que se briga, procura
satisfazer esse vício às escondidas. Ao ser pega de surpresa e diante da pergunta "quem está
chupando a língua?" ela responde:
- É o Tico-Tico.
- Quem é o Tico-Tico?
- É "minha"...
Ela tem um extraordinário apego ao vocábulo "minha" - "mamãe, desça minha", leve minha",
"cai minha"...
Perdendo-se em Mossoró
Na manhã de 26/05, em Mossoró, seu pai foi comprar pão numa padaria vizinha à casa de seu
compadre João Anastácio, onde estavam hospedados, levando consigo Mundicarmo, Rocha e
Ana. Esta vexou-se pelos pães, pediu o pacote e saiu para entregá-lo em casa à sua mãe,
115
enquanto seu pai ficava na padaria comprando biscoitinhos para os outros. Ana, que havia
chegado à noite, não acertou entrar logo na porta imediata e seguiu na calçada até a Praça da
Redenção, quando pessoas amigas, verificando que ela estava perdida, pegaram-na e saíram à
procura de seus pais. Nesse ínterim já havíamos dado pelo triste incidente, estando seu pai a
correr pelas ruas, como um louco, à procura de Anica que se exibia pelas ruas, ingênua e
indiferente ao perigo a que estava exposta, conduzindo ainda um pacote de pão debaixo do
bracinho frágil. (Com 2 anos mediu 79 cm e pesou 11 kgs).
Também é inteligente (29/09)
Ana "seguindo a trilha" de seus irmãos também gosta de cantar e tem dado sobejas provas de
sua inteligência. Graças à sua boa memória ela tem certa facilidade para decorar tudo. Além
de cantar sambas, marchas, choro, xote, declama. E, sempre que sua mãe lhe conta uma
estória ou Rocha e Mundicarmo contam "história" ou declamam quadrinhas aprendidas no
Jardim da Infância, ela guarda na sua cabecinha, que sempre reproduz em determinadas horas
para todos de casa. Canta hinos escolares, religiosos e balança o seu pai durante a sesta
cantando:
Durma, papainha
sá mãe tem que fazer
vai lavar e engomar
a camisinha pa você
Durma, papainha
sá mãe foi passeá
quem tem fio não passeia
para ele não chorá...
E assim vai longe com outras variantes, versos ou coisa que o valha. Outra amostra:
Cabeça pelada (em vez de lagarta pintada)
quem te pelou
foi a veia cachimbeira
que aqui passou
No tempo da areia
fazia poeira
puxa lagarta
pu essa "ureinha" (pega na orelha)
Quase sempre, todos os dias, chora para ir ao Jardim de Infância com seus irmãos. Ela os
adora e quando regressam do Jardim ela fica muitíssimo alegre, abraça-os e beija-os.
1949 - Rocha Neto
Surpreendente revelação (26/06)
Evitando uma possível ciumada entre seus pais, Rocha Neto jamais confessara que tinha mais
amor a um que ao outro. Entretanto, em sua recente viagem a Pau dos Ferros, aproximando-se
de Mossoró, ele não resiste mais. Chamou o pai e disse no seu ouvido:
116
"Eu quero mais bem ao pai do que à mãe"...
- Por quê?, interrogou-lhe o pai.
- "Porque tudo que o filho quer, o pai faz - por isso o filho quer mais bem ao pai do
que a mãe...
(Mesmo assim, esse cidadão de 4 anos, preferiu que a mamãezinha continuasse ignorando
essa revelação).
Em defesa da irmã
Indo apadrinhar a boneca de Mundicarmo no dia 09/10 no Jardim da Infância, Rocha Neto
verificou que ela era chamada por alguns de seus colegas de "sinhazinha". E, ao chegar em
casa, disse ao pai:
"Papai, eu vi os meninos chamando Mundicarmo "sinhazinha", no Jardim da Infância.
Eu vou agora todo dia, quero acabar com esse negócio! O nome dela não é
"sinhazinha", é Mundicarmo!...
No gabinete do Dr. Chagas Franco (25/10)
Rocha Neto e Mundicarmo estão fazendo tratamento de dente com o Dr. Chagas Franco. No
dia 21/10, sexta-feira, chegaram lá cantando. No gabinete o dentista perguntou quem cantava
(...) Cante uma coisa para eu ouvir.. E Rocha Neto cantou um número de sua especialidade:
"Como é burro o meu cavalo", gravação de Bob Nelson. O Dr. Franco gostou muito, fez seu
elogio e repetiu seu pedido para que ele cantasse sábado, na rádio, para ele o ouvir em sua
residência.
- Quantos anos você tem? Perguntou surpreso.
- Quatro.
Você está gostando de Teresina?
Eu não gosto muito de Teresina porque faz mais calor de que na minha cidade.
- Qual é a sua cidade?
Mossoró.
- E por que você saiu de sua terra, que é melhor, para vir morar aqui em Teresina?
- Porque mamãe queria vir "praqui", eu fui obrigado a vir também.
E assim esse diálogo se prolongou muito e bem animado.
Improvisando histórias (out/1949)
Mundicarmo reproduz bem direitinho as histórias que suas professoras contam no Jardim de
Infância, mas o Rocha Neto, a gente nota logo, conta histórias tão "bem contadas" que se vê
logo que é da cabeça dele. Sabemos que não foram contadas pelas professoras porque
Mundicarmo não sabe de tais histórias (palavras de sua mãe).
1949 - Mundicarmo
A boneca que chora (set/1949)
Regressando de Pau dos Ferros seu pai deliberou comprar a tal boneca há tanto tempo
solicitada por Mundicarmo. Comprou-a no Edifício Beleza, por Cr$ 80,00. Ela está muito
feliz e vai batizar sua "filha" no Jardim de Infância. Já escolheu o "padre", os padrinhos, e diz
serem seus pais - quer queiram ou não - os avós da boneca. O padrinho é seu irmão Rocha
Neto.
Genealogia de Maria do Socorro
117
É francamente admirável uma criança com 5 anos, entrar em tão complicado caso, chegando a
estas palavras:
"Papai é o avô da minha boneca, mamãe a avó - quer queira, quer não. Rocha Neto é o
padrinho, Ana e Alexandre Neto são os tios".
Seu pai, notando que ela não se incluía, perguntou:
- E você, o que é?
- Mãe...
Falando com Da. Zaíra (03/11)
Ontem passamos pelo Jardim da Infância, eu e Maria do Carmo, para falarmos com
Mundicarmo e Rocha Neto, e também com suas professoras. Dona Zaíra mostrou-nos o
caderno de Mundicarmo e disse-nos:
"- Mundicarmo é bem disposta, não tem preguiça, sempre está fazendo alguma
coisa"...
1950 - Rocha Junior
Nascimento
Raimundo ROCHA JUNIOR nasceu em 26/01/1950, às 6:20 hs, "hora velha", à Rua Arlindo
Nogueira, 2495, em Teresina (PI). Esta data pela religião católica é consagrada a São
Policarpo (dia de quinta-feira). Pesou 4 kgs e tomou o primeiro alimento com 24 horas.
O nome ROCHA JUNIOR (carta a Dolores - 29/01)
A responsabilidade da imposição de tal nome, recai sobre Rocha Neto e Mundicarmo. Ao
regressarem das Bodas de Ouro dos avós disseram: "se for homem, será o Rocha Junior; se for
mulher - Maria das Graças". Não desejo contrariá-los numas tantas coisas... De minha vontade
o seu nome seria outro - maior em número de letras, mais sonoro, um pouco mais raro e de
alta projeção mundial. Seria (depois de tudo isto...) ROOSEVELT, a quem reputo um dos
maiores estadistas do mundo, em todos os tempos.
Ao nascer
O parto foi rápido, muito rápido - sua mãe, se muito, sofreu 15 minutos. Gordo e calado, todos
os irmãos ficaram muito alegres quando ouviram o choro do maninho esperado. Rocha Neto
tem beijado muito sua mãe, perguntando se ela está bem e se não se sente mal, enquanto
Mundicarmo procura esclarecer que "vai criar o seu irmãozinho". Ana não sabe o que fazer
com tanta satisfação, e o Alexandre, "o gordo", tenta furar com o dedo o olho de seu irmão
recém-nascido, o "neném".
Bem esperto (abril/1950)
Rocha Junior está bem esperto. Forte, ri muito e grita com raiva. Já tem suas preferências por
alguns dos manos. Deitado na cama com a barriguinha para baixo, levanta bem a cabeça.
1950 - Alexandre Neto (junho/50)
118
O homem avestruz
É hábito de Alexandre Neto comer ameixa engolindo o caroço... Quando os irmãos soltam os
caroços das que comem ele os apanha e engole. Está engolindo também os caroços de laranja
com a mesma facilidade... (Com 2 anos mediu 82 cm e pesou 12 kgs).
1950 - Ana Maria
Querendo mudar o nome (carta a Pe. João - 08/02)
Aninha está forte e muito sabida mas pedindo sempre para mudarmos o seu nome, ora para
Sônia Maria, ora Tânia Maria, preferindo sempre o tratamento de "minha filhinha"...
1950 - Rocha Neto
O crucificado (abril/1950)
As freiras do Colégio Sagrado Coração de Jesus, de Teresina, contaram aos meninos, no
Jardim da Infância, a história da Paixão de Jesus. Como sempre, observaram tudo sem perder
o menor detalhe e uma vez chegando em casa resolveram por conta própria dramatizá-la.
Mundicarmo juntou sua roupa do Colégio, a de Rocha e a de seus irmãos menores e vestiu
cada um a seu modo. Rocha seria o crucificado, assim, foi metido na farda de Mundicarmo.
Na calçada da frente crucificaram o Cristo, junto à parede. Ele estava de braços abertos e
olhos fechados. Imitando Jesus, Rocha disse: "quero água"... Mundicarmo deu-lhe algo
dizendo que era fel. Nesse ínterim Rocha cai e ela corre com os irmãos para se trancarem no
quarto, com medo da alma de Jesus. Entrando no quarto, deu volta na chave quando, de
chofre, aparece o "Crucificado", de ponta de pé ou nas pontas dos dedos, de braços abertos e
fazendo "munganga". Apanhada de surpresa Mundicarmo, temendo ser o cão (o demônio),
deu um grito monstruoso alarmando toda a casa. Sua mãe ainda a encontrou "sem sangue".
Esclarecendo o caso, todos caíram numa onda de gargalhada quase sem fim...
A caridade (maio/1950)
No Jardim da Infância as freiras ensinaram aos meninos que a caridade era uma bela virtude,
etc. Certo dia Rocha Neto levou a sua merenda habitual e lá um seu colega pediu-lhe um
pedaço. Rocha vendeu por 10 centavos. No caminho, no dia seguinte, encontrando um
mendigo implorando a caridade pública, Rocha Neto deu-lhe os 10 centavos. Seu pai
perguntando-lhe pelo dinheiro ele disse alegre:
- "eu fiz uma caridade!... dei a um pobrezinho no caminho do Colégio...
1950 -Mundicarmo
Mudando de Jardim de Infância (20/03)
Mundicarmo teve ótima impressão das freiras. Assistiu à primeira aula e chegando em casa
disse: "Papai, as freiras são calmas e delicadas"...
1951 - Mundicarmo
Encontro com o pai (depois de uma viagem)
Quando cheguei a Fortaleza ainda encontrei Mundicarmo acordada. Ela, muito alegre, jogou-
se sobre mim e deu-me um fortíssimo abraço. Está passando bem e satisfeita (08/02).
119
1951 - Alexandre Neto
"Sonhei cum papai"...
Maria do Carmo, ainda em Fortaleza, escreve-me no dia 5/3 falando dos meninos.
"... Alexandre deu para sonhar com você, até dormindo de dia. Tem sido uma graça....
E, o mais interessante é que ele sabe contar. Vou-lhe transmitir dois com suas palavrinhas:
- "Mamãe, eu sonhei cum papai sá noute agarrado cum eu, caiu e eu solei..."
- "Mamãe, eu sonhei cum papai sá noute virando tamanduá e tomeu um pinto"...
(Este para ele foi um sonho engraçado, tanto contava como dava gostosas risadas...)".
Papai Noel (23/12)
Alexandre Neto queria conhecer Papai Noel. Sua mãe saiu às lojas com ele e Ana Maria na
véspera daquela Noite Santa para mostrar-lhe o Papai Noel do "Bazar Chic". Eles ficaram
grandemente surpreendidos com o velhinho de barbas brancas cuja cabeça se movia por meio
de eletricidade, num gesto de quem tudo concede ou promete incondicionalmente a quem quer
que lhe peça alguma coisa... O Alexandre muito alegre, aperreado, vexadinho, com sua
pronúncia atrapalhada, na sua doce inocência perguntava ao velhinho pródigo:
- "Papai Noel, você me dá uma corneta?” (o velhinho moveu a cabeça num gesto
afirmativo)".
- "Papai Noel, você me dá um revólver?!..."
- "Papai Noel, você me dá um cata-vento?!..."
E, agoniado, sem saber o que pedir mais, perguntou a sua mãe:
"mamãe, o que eu vou pedir mais?".
Havia outras pessoas que presenciando a cena riram muito...
1951 - Ana Maria
Ana sabe satisfazer o pai (08/02)
Ana foi acometida de alguns tumores em Fortaleza. Teve, para combatê-los, de tomar 2
Despacilinas-reforçadas (injetadas). Atendendo ao pai prometeu não chorar. Após a aplicação
ela ficou a embalar-se com a mãe numa rede de corda. Maria notou uma marca de dentes na
mãozinha dela e admirada perguntou:
- "O que foi isso, minha filha?!..."
- "Foi eu que mordi para não chorar, respondeu ela. Eu prometi a ele que não
chorava..."
1951 - Rocha Neto
Usando calça comprida
Rocha Neto tem muito desejo de crescer, de ficar rapaz. Quer estar sempre no escritório
ajudando o pai, deseja ir só à praça etc. Vivia pedindo-nos uma calça comprida
insistentemente e agora foi atendido. Sua mãe fez uma "silac" e mandou fazer a calça de
acordo com o seu desejo. Ele usou a primeira vez em 12/08. Ficou deveras satisfeito.
Desenvolvimento intelectual (out/1951)
Tem sido uma coisa notável o desenvolvimento intelectual de Rocha Neto, pois desde os 6
anos, que ele faz ditado, cópia, lê sozinho qualquer lição ou revista e tira conta de multiplicar
120
por dois números - sem ter freqüentado nenhuma escola, só recebeu aulas em casa. Certo dia
seu pai adquiriu um folhetozinho da autoria de Monteiro Lobato, O Jeca Tatu, e ofereceu a
ele, prometendo lê-lo à noite, quando regressasse do trabalho. Mas o garoto, não suportando a
demora, pôs "mãos-à-obra", passou o dia sentado lendo o folheto. Resultado, quando seu pai
chegou em casa ele reproduziu toda a história lida para ele e sua mãe. Fiquei francamente
surpreendido.
1951 - Rocha Junior
O amigo da onça (dez/1951)
Certo dia o Junior despertou antes de todos da casa - é ótimo madrugador - e saiu à procura de
sua mãe. Encontrando-a na rede dormindo chamou-a e perguntou:
- "Madama, cabelo ou barba?!..."
(Ele se lembrou de uma piada do "Amigo da Onça", em O Cruzeiro, onde uma dona barbuda
foi ao barbeiro e este era o célebre tipo criado por Péricles, e lhe fez a pergunta: "madame,
cabelo ou barba?)...
Ele está muito desenvolvido, faz lembrar o Rocha Neto em idade idêntica, fala tudo e aprende
o que se ensina.
1952 - Mundicarmo
Início do curso primário
Mundicarmo foi matriculada no Colégio Sagrado Coração de Jesus. Está satisfeita e com
gosto, nota-se que está aproveitando. (mar/1952).
1952 - Ana Maria
Jardim de Infância
Ana Maria passou a freqüentar, agora oficialmente, o Jardim de Infância no Colégio Sagrado
Coração de Jesus. Quase não se conformou com a separação de Mundicarmo, que passou a
estudar no Curso Primário. Um dia chegou aborrecida, com a cara de quem não estava nada
satisfeita e disse a sua mãe:
- Ô mamãe, eu não sei porque eu não gosto daquela "rapousinha" do Colégio...
Ela queria falar do repouso, quando ficava com a cabeça sobre os braços recostada à carteira
(mar/1952).
1952 - Maria Auxiliadora
Nascimento
Maria Auxiliadora nasceu às 08:01 hs à Rua Arlindo Nogueira, 249-S, em Teresina (PI) - dia
consagrado pela Igreja a Nossa Senhora Auxiliadora. Nasceu num dia de sábado. Pesou 3,750
grs.
1952 - Rocha Junior
Baixa rede...
121
No resguardo de Maria, o Junior passou a dormir com o Alexandre na sala de visita. Certa
manhã seus pais acordaram ouvindo a voz de Juninho:
- "Rede, baixa rede..., ou rede, tu baixa?..."
A rede fora armada um pouco alta e ele ficou pendurado sem poder descer, pedindo
calmamente que a rede baixasse para que ele pudesse alcançar o chão (mai/52).
No 2º aniversário mediu 83 cm.
1952 - Alexandre Neto
4º aniversário (26/06)
A festa de Alexandre este ano foi um pouco fraca, pois a mamãe estava de resguardo. Porém
Regina (empregada) fez um bolo e creme. O presente foi um avião de matéria plástica.
1952 - Rocha Neto
Na escola
Rocha Neto passou a freqüentar a escola particular da profª. Donana Cordeiro no dia 05/03. A
princípio a professora, não olhando bem para os seus seis anos e meio, achou-o fraquinho
entre colegas de 8 a 12 anos que, ao contrário do Rocha, já haviam freqüentado ou
freqüentavam escolas nos grupos da cidade. A pedido dos pais, a professora estava preparando
essa turma para o 2º ano primário. Logo decorridos alguns dias o "papa-jerimum" começou a
mostrar que tem inteligência. No dia 19/04 a professora chamou seu pai dizendo-lhe do
grande progresso do garoto que já considerava melhor que os outros em diversos casos...
7º aniversário
Hoje é uma data muito importante na existência do Rocha Neto - aos sete anos já assumimos
algumas obrigações, alguns deveres; início dos estudos de modo mais sério. Por esse motivo
seus pais lhe ofereceram uma caneta Parker Junior, com esta gravação: Rocha Neto,
20/06/1952. O Rocha movimentou a casa e a rua, convidou seus colegas de aula e recebeu
muitos presentes. Seus maninhos o presentearam com um jogo - quarteto - "Escritores
Célebres".
1953 - Maria Auxiliadora
Andando (13/06)
Maria Auxiliadora, muito medrosa, está dando as primeiras passadas e pronunciando as
primeiras palavras.
1954 - Alexandre Neto e Ana Maria
Cidade da Criança (fev/1954)
Alexandre Neto está matriculado no Jardim da Infância - 3º Período. Ana está satisfeita e
gostando muito da alfabetização.
1954 - Rocha Junior
122
No Jardim
Está bem compenetrado mas já fugiu uma vez, tendo conseguido chegar em casa incólume,
graças a Deus. Atravessou só, uma das ruas mais movimentadas de Fortaleza.
1954 - Maria Auxiliadora
2º aniversário (24/05). Mediu 81 cm. Está muito sabida e mimosa.
1954 - Rocha Neto
Estudos em Fortaleza
Em 1953 Rocha Neto estudou, juntamente com Ana Maria e Mundicarmo, no Ginásio
Agapito dos Santos. Em 1954, no Ginásio "Santa Lúcia". Tem aproveitado muito, chegando a
se destacar entre os colegas, alcançando o 1º lugar vários meses consecutivos, apesar dos
estudos serem muito puxados.
1954 - Mundicarmo
Nos estudos (julho/54)
Está satisfeita e aproveitando muito no Ginásio "Santa Lúcia". Também tem se destacado.
1954 - Fernando
Nascimento
Fernando Roosevelt Rocha nasceu a 1:23 hs do dia 21/07, na Casa de Saúde "Dr. César Cals",
em Fortaleza (CE). No calendário católico é dia consagrado a Santa Olga. O nascimento
verificou-se num dia de quarta-feira. Pesou 3.800 kg e mediu 53 cm.
Seu nome
Há vários anos era desejo de seu pai homenagear o grande estadista norte-americano
FRANKLIN DELANO ROOSEVELT, na pessoa de um de seus filhos, como se poderá ver
em carta dirigida a Dolores, sua cunhada, por ocasião do nascimento do Rocha Junior. Maria
do Carmo (sua mãe) fez promessa a Santo Antônio para pôr seu nome se o seu rebento fosse
homem. Respeitando esse compromisso combinamos botar o nome do glorioso franciscano
recebido na pia batismal - FERNANDO - juntando-lhe o de ROOSEVELT, também um
grande benfeitor da humanidade.
1954 - Fernando Roosevelt
Engatinhando
Ele com 10 meses engatinhou. Está muito forte, sadio e bonito.
Nestlé
123
Mandamos algumas fotografias do Fernando Roosevelt para a Cia. Nestlé, no Rio de Janeiro,
em agradecimento, recebemos duas belíssimas cartas e alguns brindes...
1955 - Rocha Neto e Mundicarmo
Telegrama pela aprovação no admissão
Teófilo Otoni (MG), 14/12/1955 - Recebi com grande satisfação resultados exames meninos.
Mundicarmo desejo faça por continuar merecendo elogios. Rocha mando-lhe minha palavra
de estímulo, persistência, força de vontade para que possa dominar habilmente a ciência dos
números tornando-se num futuro próximo verdadeiro mago das finanças. Abraços todos,
beijos mamãe. Possível ir Rio próxima semana - Rocha.
1956 - Fernando Roosevelt
2º aniversário (21/07/56)
Fernando Roosevelt fez hoje seus 2 anos. Está muito sabido e muito inteligente, engraçado e
simpático. Conquistou a simpatia de todos da rua. Houve bolo e recebeu alguns presentes de
seus irmãos e amiguinhos. Seu pai abriu uma conta no Banco da Lavoura de Minas Gerais
para ele. O depósito inicial, como presente de aniversário, foi Cr$ 100,00. Ele mediu 80 cm.
1957 - Julia Maria Rocha
Nascimento
15/05/1957 às 2 hs, na Maternidade do Hospital Português, em São Luís (MA), no quarto
"São Miguel Arcanjo". Essa data é dedicada a São Torquato, no calendário católico. O
nascimento verificou-se numa quarta-feira. Pesou 3,600 kgs e mediu 49 cm.
Nome
Homenagem a sua avó materna - JULIA.
1957 - Fernando Roosevelt
Carta à viúva do Presidente Roosevelt - 07/11/1957
São Luís, Maranhão, 7 de novembro de 1957
Mrs.
Franklin Delano Roosevelt
598, MEDISON - Av.
NEW-YORK CITY
Meus respeitosos cumprimentos,
124
Tomo a liberdade de formular a presente para comunicar à Sra., embora tardiamente,
um ocorrido em meu lar, que constituo motivo de grande felicidade para todos de nossa
família:
No dia 21 de julho de 1954, nasceu na maternidade "DR CESAR CALS", em
Fortaleza, capital do Estado do Ceará, o meu 7º filho, que recebeu o nome de FERNANDO
ROOSEVELT ROCHA. Na pessoa do meu filhinho, como se vê, prestei a minha especial
homenagem póstuma ao seu falecido esposo, Frankin Delano Roosevelt, maior estadista do
mundo na minha opinião, o qual tanto fez pela humanidade. Era meu desejo botar o nome
completo do presidente Roosevelt, porém a minha esposa havia feito uma promessa (é
católica) de botar o nome de Fernando, em homenagem a Stº Antonio, se a criança fosse do
sexo masculino. Nesse caso chegamos a um entendimento ficando FERNANDO
ROOSEVELT.
Mais de 3 anos são decorridos e já o meu filhinho vem demonstrando e dando boas
esperanças que não me decepcionará e, como diz a sabedoria popular, "o espinho que tem que
furar, de pequeno traz a ponta”, tenho certeza que o meu filho saberá honrar esse nome e com
muito orgulho.
Estou juntando a esta 3 fotografias nas quais se vê o Roosevelt. Uma delas é da
família, naquela época. Estas fotografias foram feitas há mais de ano e depois já nasceu uma
menina, nesta cidade, sendo 8 atualmente os meus filhos.
Terminando, receba o meu protesto de alta estima e de grande consideração,
Atenciosamente
Raimundo Rocha
1958 - Alexandre Neto
Salve mamãe!
Discurso pronunciado por Alexandre Neto no dia das mães, em nossa residência, com a
presença dos Irmãos Maristas Luiz Venceslau e Tarcísio, os quais almoçaram conosco
(11/05/1958).
“Salve Mamãe!
É sua esta festinha. É simples, humilde e singela, mas é portadora do mais puro
sentimento de nossos coraçõeszinhos. Jamais poderemos deixar passar um dia tão
grande sem torná-lo alegre e feliz. É por isso, mãezinha, que estamos reunidos ao seu
lado, não para lhe prestar uma homenagem pomposa, de gala, mas uma festinha
promovida pelo nosso amor filial, para lhe dizer mais uma vez que lhe queremos
muito e que a nossa mãezinha é a melhor mãe do mundo. Com beijos dos seus
filhos...”
1960 - Maria de Lourdes Correia Rocha
Nascimento
Nasceu às 6:15 hs do dia 08/10/1960, na Maternidade do Hospital Português, em São Luís, no
quarto Nossa Senhora de Lourdes. Nasceu no sábado, pesou 3,700 kgs e mediu 43 cm (?).
Nome
125
Foi escolha e imposição de seus irmãos. Para isso contribuíram várias coincidências, inclusive
a visita de sua prima Lourdinha, filha de Enedina, a nossa casa nessa época.
1962 - Maria do Carmo
Nascimento
Nasceu no dia 31/01/1962 às 4:20 hs, na Maternidade do Hospital Português, no quarto São
Miguel Arcanjo. Pesou 3,800 kgs e mediu 50 cm. Houve complicação horas após o parto.
Nome
Escolhido por promessa de sua avó materna.
1964 - Julia Maria
Poesia Infantil
O dia do papai
É alegre como o Natal
Alegre os irmãozinhos
Alegre os passarinhos
Alegre os pequenininhos
Alegre os filhinhos
Salve o papai
Abraços, beijos.
(Publicada no Jornal do Maranhão de 19/01/1964, p. 7 por Pedro Augusto).
1965 - Cristina
Nascimento
Nasceu no dia 07 de fevereiro de 1965.
Batismo
Batizada a 21/02/1965 na Igreja de São Pantaleão, pelo Pe. Cornélio, tendo como padrinhos
Lourival Rocha (tio) e Maria Ruzinete Rocha.
126
FIGURAS NOTÁVEIS
127
HUMBERTO DE CAMPOS34
Em Miritiba, no Estado do Maranhão, nasceu Humberto de Campos a 25 de outubro
de 1886, filho do comerciante Joaquim Gomes Veras e de sua consorte D. Ana de Campos
Veras.
Órfão aos seis anos, Humberto acompanhara sua mãe, já sem recursos, para Parnaíba,
no Piauí, onde reiniciariam a grande luta pela vida.
Sem o guia indispensável para a orientação de seus primeiros passos, o filho de D.
Anica, além de outros fatores, sofrendo a influência do meio, caíra numa ociosidade perigosa,
ingressando, automaticamente, na escola do vício, do crime e da perdição.
Não tardara muito, porém, o milagre da sua regeneração, graças ao espírito
invencível de sua mãe, símbolo de heroísmo e abnegação. Nas horas de prece e do
recolhimento, ela pensa no futuro de seu filho pobre e recomenda-o ao Altíssimo. Queria
trabalhos para Humberto e encaminhá-lo numa profissão condigna. Ele não podia continuar
realizando "maldades inocentes e aventuras atrevidas.".
Matriculando-se numa escola de primeiras letras, Humberto é impulsionado por um
ardente desejo de se libertar da cegueira mental que o dominava, aproveitando todos os
momentos de folga, à noite, recorrendo
"à claridade do lampião, curvado sobre o abecedário", na ânsia de "decifrar o
enigma daqueles caracteres negros, daqueles sinaizinhos confusos e
misteriosos que viriam a ser, mais tarde, meu encanto e meu tormento".
Sua mãe tomara a iniciativa de encaminhá-lo para a oficina tipográfica, em fins de 1899, em
Parnaíba, recebendo então as palavras entusiásticas do Dr. Sampaio:
"Era, disse ele, a profissão de Benjamin Franklin... e quem sabe se o
meu amiguinho não acabará aperfeiçoando o pára-raios?...
"Nessa tipografia, diz Humberto, comecei, então a adorar minha mãe e
prometi, num juramento feito a mim mesmo, torná-la feliz, compensando-lhe
assim, as amarguras que lhe causara no tempo de colegial e de vadio, espelho
de maus exemplos, vítima de más companhias."
Iniciando sua peregrinação, Humberto de Campos, a convite de um parente, embarca
para São Luís, onde sofre as primeiras desilusões com as promessas irrealizáveis dos homens.
Delibera, então, enfrentar, sem lar e sem pão, essa grande cidade, à procura do acaso. Não
voltaria a Parnaíba, levando apenas o humilhante fardo do insucesso de que fora vítima.
Passara rapidamente pelo balcão, porém, foi arrastado pelo seu destino, que o jogou na
profissão que o seduzia. É um anônimo operário da oficina do Jornal da Manhã. Mas, o
destino, sempre cruel nas suas deliberações, forçara o filho de D. Anica a regressar à casa
materna, mais uma vez, fazendo-o passar por uma oficina de alfaiate, por lavador de copos de
botequim e caixeiro de balcão...
34
Publicado em Centelha Sanjoanesca, Ano I, jun. 1947, p. 19-21, Mossoró-RN
128
Não era entretanto, o mesmo. Tivera oportunidade de presenciar, preso a um balcão,
o grande movimento feito pelo gênio de Coelho Neto, em sua Terra Natal. Um raio de luz
penetrara o seu cérebro. Previa a aproximação de novos horizontes, possuindo, para enfrentá-
los, grande inteligência e uma extraordinária força de vontade.
É sob a influência divina do grande mestre Coelho Neto, que contemplamos o
desenrolar de sua vida. Viajou à Amazônia, chegando até o Purus, Madeiras e Juruá. Aos 22
anos, foi gerente de Seringal, no Baixo-Amazonas, sendo então dominado por enorme
indignação, escreve para a imprensa do Pará os seus artigos de protestos contra as injustiças e
arbitrariedades que ali presenciara, praticadas contra os desafortunados e infelizes. Dessa
lendária região, com suas raras virtudes de fino observador, entrevia no Rio, as portas da casa
de Machado de Assis, à qual pertenceria mais tarde.
Aceitando o lugar que lhe oferecera A província do Pará, o órgão do Partido do
senador Antônio Lemos, Humberto inicia uma nova fase de sua existência, surge então o
político. Ocupa cargos de projeção no Partido Situacionista e é distinguido por outros,
sucessivamente, de alta projeção no governo daquele Estado.
Humberto de Campos, reclamado pelo Sul, não pode mais permanecer no Norte.
Embarca, finalmente, para o Rio de Janeiro, onde receberia a sua merecida consagração.
Funcionário público, Deputado Federal, em várias legislaturas, acadêmico, sendo o
jornalismo, em toda a sua existência, a carreira de sua paixão. "Desajudado de todos os
atributos físicos e morais”, Humberto de Campos galgou os últimos degraus da escada que o
levara à glória, à imortalidade, presenciando assim, os dias mais felizes de sua popularidade,
na sua marcha vitoriosa.
Candidatando-se à Academia Brasileira de Letras, na vaga de Emílio de Menezes, foi
o seu nome sufragado na sessão de 30 de outubro de 1919, conseguindo 27 votos dos 29
acadêmicos presentes.
Saudado por Luís Murat, Humberto de Campos foi recebido a 8 de maio de 1920,
coincidindo que a solenidade foi presidida por Carlos Laet, que anos antes, ao sair o seu livro
de poesias, havia escrito num de seus celebres "Micro cosmos":
"Mais alguns anos e teremos o Humberto na Academia coroado de
louros com um discurso por cima e não seja eu quem lh'o faça para lhe não
desbotar o triunfo."
Presa de terríveis sofrimentos físicos, porém, não deixa de distribuir aos jornais os
seus artigos diários, os quais são disputadíssimos pelos maiores jornais do país. É nessa época
que Humberto passa a ser mais compreendido, tornando-se um médico, um conselheiro, e um
confidente.
Ele não pertence mais ao Maranhão, tornando-se então um vulto nacional. Recebe de
todas as regiões do país, constantemente, cartas de noivas solicitando um conselho para o seu
caso, de prostíbulos pedindo um remédio para suas misérias, e de cárceres implorando uma
palavra de conforto para lenitivo de seus infortúnios. as suas obras se sucedem e as edições se
esgotam rapidamente. Sua glória cresce dia-a-dia, graças ao seu estilo simples, claro e
maravilhoso.
129
Os Parias, Sombras que Sofrem, Destinos, Sepultando os meus Mortos, são suas
principais obras, culminando o seu triunfo com a publicação de Memórias, livro que reputo
indispensável a todo pai de família, pelas grandes lições que nele se encontram.
Sua pena brilhante estava sempre na defesa dos fracos, dos humildes e dos
desgraçados, os quais eram tudo para Humberto de Campos.
Certa vez, seus amigos, sugeriram-lhe a idéia de tirar uma edição especial de
Memórias para ser vendida aos milionários ao preço de 200,00 o exemplar, cujos lucros
seriam revertidos em benefício de sua saúde. Humberto, enfermo e paupérrimo, não fez tardar
o seu protestos sempre franco:
- O livro é mercadoria que não deve ser vendida por preço incomum. O
excedente desse preço é uma esmola a quem o vendesse. Recebendo duzentos
mil réis dum milionário, por um exemplar que não valesse mais que oito, eu
ficaria impedido, por cento e noventa e dois mil réis, de insurgir-me quando
esse nababo escorchasse um proletário. E, eu quero, na minha pobreza,
conservar livres para as grandes campanhas em favor dos humildes, a minha
consciência, a minha voz e a minha pena".
E, no dia 5 de dezembro de 1934, o Brasil perdia, na pessoa de Humberto de
Campos, um dos seus filhos mais eminentes, a quem a quirologia pela boca de Sana Khan e
Jorge Chacarian, havia dito que a par de altas posições, honrarias e dinheiro, ainda teria
muitos anos de existência.
Mossoró, junho de 1947
130
VASCONCELOS - OPERÁRIO DA AGULHA E DA PENA35
A 22 de dezembro de 1947 tombou, vencido pela morte, o jornalista José Martins de
Vasconcelos, com 73 anos de idade. Filho da cidade de Apodi, nasceu a 11 de novembro de
1874, porém cedo veio para Mossoró, onde por si próprio adquiriu cultura, e viveu toda a sua
existência devotado ao bem, ao trabalho e ao progresso. É imperioso dizer que Martins de
Vasconcelos, no início de sua formação, levando de vencida numerosos obstáculos que lhe
surgiram, "representou a figura sugestiva do autodidata sertanejo", como afirmara C. Cascudo.
Historiador e poeta, folclorista e CONTEUR, compositor e músico, Vasconcelos
também brilhara como jornalista de grandes recursos, homem de combate, que jamais recuou
ante a luta por mais séria que ela parecesse.
Na vida prática, vítima de algumas dificuldades de ordem financeira, José
Vasconcelos teve de trabalhar de alfaiate e no comércio local, sem contudo prejudicar a sua
privilegiada vocação intelectual. Em 15 de outubro de 1916, fundou O Nordeste, órgão de
interesses gerais, que constituiu marco na vida cultural da terra potiguar. Há um tempo, foi seu
diretor, repórter, tipógrafo, revisor etc. Seu jornal sempre lutou em defesa dos fracos, dos
oprimidos e dos sofredores, batendo-se pelos ideais democráticos, pela justiça e pelo direito.
Fiel à sua vocação, consagrou os melhores dias da sua existência às letras, à arte, ao
soerguimento do nível intelectual de nossa terra, Martins de Vasconcelos deixou matéria
inédita em poesia que daria dois grossos volumes; publicou em 1905, Psaltério da saudade,
dois anos após o falecimento de Da. Francisca L. de Vasconcelos.
"Aspira-se, nele, como dentro de uma seiva risonha em primaveras
abertas, o inebriante e suave perfume de um lirismo sadio e novo, com toda a
sua gama de notas cristalinas e ternas, que a algum conforta e alenta, como um
divino bálsamo odorante..."
Apareceu em 1915, Renovos d'Alma (versos), "fruto do amor" e de "um novo lar". O poeta
contraiu segunda núpcias com Da. Sílvia F. de Vasconcelos. Sob o pseudônimo de Jomarvas,
deu-nos ainda, em 1918, o poema “Sultão”. Em prosa, publicou Histórias do Sertão, obras
que foram muito bem recebidas pela imprensa nacional.
Pertenceu a várias agremiações culturais e foi sócio correspondente do Instituto
Histórico do Estado. Diretor-Professor do Grupo Escolar "30 de Setembro", Secretário da
Intendência de Mossoró, Promotor Público interino e Agente Fiscal Federal, em Mossoró.
Não tenho dúvidas em afirmar, por tudo isto, que o autor de Histórias do Sertão foi não só um
animador, mas um agitador construtivo do movimento cultural da sua época, causando o seu
desaparecimento, no meio social e intelectual mossoroense, um vácuo que não será
preenchido facilmente.
Ao passar o primeiro aniversário que esse homem de letras dorme no seio da terra,
recapitulando as lembranças soltas que me restam da mocidade, relembro o meu primeiro
encontro com o poeta de Renovos d'Alma, em companhia do meu nunca esquecido progenitor.
35
Publicado na Polianteia José Martins de Vasconcelos, por ocasião do primeiro aniversário de sua morte –
Mossoró-RN, 1948 (?).
131
Dezenove anos rolam sobre esse incidente que o tempo não conseguiu apagar da minha
imaginação. Os primeiros caminhões iniciavam sua marcha sobre o sertão norteriograndense,
quando recebi de meu pai o convite para vir a Mossoró, a Capital-do-Oeste, a título de tomar a
benção ao meu padrinho, então um dos mais conceituados comerciantes desta praça. Tratados
todos os negócios, antes de regressarmos, papai se dirigiu ao estabelecimento comercial de
Martins de Vasconcelos, seu velho amigo, para a costumeira e infalível visita. Ao entrar, havia
apenas uma pessoa no interior do prédio, onde se viam algumas máquinas sujas de tinta e de
óleo, as quais, mais tarde, vim a saber que eram os prelos que imprimiam O Nordeste.
Percebendo nossa presença, Vasconcelos veio ao nosso encontro e abraçaram-se,
estabelecendo-se, então, entre eles longo e amistoso bate-papo.
Ainda hoje, tenho inalterável na memória esse quadro belíssimo, no qual se
defrontam esses varões, irmanados pelos mesmos sentimentos, pelos mesmos ideais.
Martins de Vasconcelos, saído das mais humildes posições, deixou um exemplo
edificante de heroísmo, de trabalho, de honestidade e de desassombro, que bem honra o seu
nome e sua família.
Recebe, pois, meu amigo, nestas despretensiosas palavras, o preito sincero da minha
eterna e comovida admiração.
Mossoró, 05/12/1948.
132
DUBAS - UM MESTRE E UM AMIGO
Eu tenho confessado sempre a minha admiração e o meu reconhecimento às pessoas
que, de algum modo, preenchendo a lacuna aberta com o desaparecimento de meu pai,
contribuíram com abnegação, pela sua virtude, trabalho e saber, para a formação do meu
caráter, desviando-me do caminho fascinante do vício e da perdição, a que possivelmente
seria arrastado.
Manuel Jácome de Lima, ou simplesmente o Prof. Dubas, como é conhecido e
estimado de quantos, como eu, tivemos a sorte de privar da sua proveitosa amizade - é uma
das imagens sagradas do culto da minha comovida e sincera veneração. Filho de pais pobres,
o Prof. Dubas não teve o "luxo de alisar banco de colégio" para se diplomar, o que não o
demovera da vocação, para a qual nascera predestinado. Deixando o trabalho, corria ao livro,
enchendo todos os momentos de folga impelido pelo grande desejo de se libertar das trevas da
ignorância. Estudava e, logo, transmitia a outros os conhecimentos hauridos horas atrás.
Submeteu-se a concursos na capital do Estado, onde conquistara brilhantemente o seu diploma
de professor. E outra coisa não tem sido, em toda sua útil existência, senão um educador às
direitas. Hoje, ao término da jornada, gozando a reputação que bem merece entre os seus
pares, no magistério, o prof. Dubas detém-se e olha feliz, o caminho percorrido, sentindo a
satisfação de ver cumprida a sua missão e repete, quando se faz mister, as palavras do
imperador Pedro II:
"Não conheço missão maior e mais nobre que a de dirigir as inteligências
juvenis e preparar os homens do futuro".
Católico praticante e educador exímio são os traços mais salientes da sua pessoa.
Tudo nele é ordem, é método, em síntese, é a modéstia personificada, procurando ver no seu
amigo, no seu ex-aluno, qualidades que são suas. Na propagação e defesa de seu credo e de
seu Deus não vê barreiras intransponíveis. Intransigente e fulminante, o adversário. Não lhe
falta uma argumentação segura, irrefutável, sem subterfúgio, discutindo e esclarecendo tudo,
com a simplicidade e a clareza que lhe é peculiar.
Estatura mediana, cabeça grande, na qual acumula boa reserva de saber, cabelo
castanho escuro, cortado à escovinha, olhos negros e ligeiramente ágeis, o prof. Dubas, na rua,
quase sempre vexado, deixa-nos a impressão de que vai a procura de alguma coisa importante
que perdeu. Seu temperamento é, às vezes, inconstante, conseqüência talvez de sérias
provações por que tivera que passar na vida. É generoso e bom, porém como certos
animaizinhos mansos e inofensivos na jaula, mas que aperreados e irritados, tornam-se
perigosos e quase inacessíveis.
O seu revide está pronto, enérgico e desassombrado, para aqueles que, abusando da
sua boa-vontade, não sabem ou não souberam colher e aproveitar a seiva preciosa da árvore
dadivosa da sua amizade. Uma ilustração. Certo aluno, por sinal, das melhores famílias de
Pau-dos-Ferros, demonstrando descaso pelos estudos, não tardara em receber o seu protesto,
em plena classe. Neurastênico, trêmulo, o prof. Dubas explodiu mais ou menos com estas
palavras:
"Sr. F. Olhe, estou ensinando a rapazes, não é a crianças. É verdade que
necessito ganhar, porém tenho o meu nome a defender. E não estou disposto,
133
absolutamente, como todos sabem, a levar o meu tempo quebrando a cabeça
com quem não quer aprender. Seu pai, aliás meu amigo, vendo isto, pensará
que é falta de interesse da minha parte. Portanto, se não quiser aprender, não
volte mais à aula".
Volto a Pau-dos Ferros, pela segunda vez, a chamado de meu tio Amadeu, irmão de
meu pai, a 17 de agosto de 1938. E após alguns dias, recebi dele a determinação para
freqüentar a aula noturna do prof. Dubas, no grupo "Cel. Joaquim Correia". Data, pois, dessa
época o meu conhecimento com o professor que maior influência exerceu na minha formação,
o qual, posteriormente, se convertia, para o resto da vida, num dos meus melhores amigos,
cuja amizade jamais sofrera o menor acidente.
Ao primeiro contato com sua aula, o que primeiro me acudiu à lembrança foram
aquelas palavras de cunho profético, pronunciadas por meu pai, havia seis anos, em Lucrecia,
ante a desdita de um povo que se debatia, mais uma vez, vítima de três secas seguidas:
- "Breve - dizia ele - breve chegaremos a um tempo que, se a pessoa não
souber ler e escrever bem, só terá direito a viver do passado".
Reflito então sobre a gravidade dessa profecia e senti, fundo, nesse instante, a
inadiável necessidade que eu tinha de aprender algo, para tentar a fuga àquela dura realidade
da previsão do espírito esclarecido de meu pai. Não havia mais tempo a perder, pois contava
com dezenove anos de idade. Senti, nesse ínterim, o despertar das células adormecidas,
metendo-me em seguida, cautelosamente, no meio da turma de veteranos que estudava com o
prof. Dubas, em Pau-dos-Ferros.
Recapitulando, hoje, alguns episódios que ainda conservo na memória, tentarei fixar
nesta página, com absoluta fidelidade, a impressão que me ficara na primeira aula desse
denodado apóstolo a serviço da instrução no Rio Grande do Norte. Cada carteira fora ocupada
por dois alunos, não por sorte minha, mas por deficiência de luz. O prof. Dubas, na primeira
aula, determinara que fizéssemos uma cópia sublinhando verbos. Ora, eu havia desprezado,
sem que meu pai tivesse conhecimento, as aulas do prof. Raimundo Soares de Andrade, no
grupo "João Godeiro", em Patú, não tendo até àquela época aberto sequer uma gramática.
Como podia, então, sublinhar verbos?
Pude perceber, no entanto, que a minha "fachada" enganara, pelo menos, aos colegas.
Eu não queria passar, de início, pela deselegância, ou mesmo, pela decepção de confessar o
grau de meu atraso. Porém, como há sempre um jeitinho nessas ocasiões vexatórias e de
apuros, entrou o acaso em ação, quando menos esperava. Meu colega de carteira, Jefferson
Correia de Aquino, hoje meu cunhado, devia seguir dentro de poucos dias para Mossoró,
onde, no Ginásio de "Santa Luzia" iria submeter-se ao exame de admissão. Logo não teria
dificuldade em cumprir as determinações do nosso preceptor. Estava salva, portanto, a
situação. Jefferson lia em voz baixa a cópia, mas, desenvolvendo grande atividade, eu ouvia
suas palavras e, ao chegar nos verbos, ele dizia - "este é o verbo", e passava o lápis. Nada mais
fiz que aplicar o "golpe". Observei todos os vocábulos assinalados, fazendo em seguida o
mesmo na minha cópia. Assim, tudo corria bem, quando pela tentação do maldito, surge uma
duvidazinha no companheiro.
- Rocha, pergunta ele, à queima roupa - HAURIR é verbo?
134
Li a palavra, na cópia; li a frase toda, pensei um pouco na minha ignorância, e,
desconfiado, respondi-lhe:
- Amigo, também estou em dúvida... mas vou sublinhar!...
Foi este o meu grande êxito na primeira aula do prof. Dubas, em Pau-dos-Ferros, aos
dezenove anos de idade. Sorte é que, nessa noite, não fomos argüidos.
A vida deste homem bom e justo tem sido consagrada às boas causas, num autêntico
apostolado em prol da cruzada da instrução potiguar. Mas, nem mesmo por isto, isentara-se da
fúria dos profissionais da política. Certo chefe político situacionista da zona oeste, num
frisante acesso de loucura, sem olhar o mal que iria causar à sua própria terra, conseguira a
remoção do prof. Dubas para outra cidade da zona do litoral, pelo simples fato deste não ler
pela sua cartilha política. O prof. Dubas, como as almas boas e puras, aceitara tudo com a
resignação de um justo e de um sábio, derrotando o seu gratuito perseguidor, sem uma palavra
de revolta, alimentando, porém, o consolo de jamais haver se curvado aos seus caprichos e
desmandos. E sabem Deus e ele com quantos sacrifícios. Mesmo assim, não houve ainda lugar
para ódio no seu coração, porque aprendera a perdoar com o Mestre dos Mestres, no Livro
sagrado, quando este, perdoando os seus algozes, suplicara:
- "Pai, perdoai-lhes porque não sabem o que fazem"...
A nossa correspondência bem demonstra o grau da nossa amizade. Há dois anos,
recebendo a notícia da minha eleição para presidente do Grêmio Literário "Ferreira Itajubá",
em Mossoró, escreveu-me uma carta em que leio comovido, as suas palavras generosas e
amigas:
- "Envio-lhe parabéns pela sua eleição para presidente do Grêmio
Ferreira Itajubá, justa recompensa ao interesse que você tem sempre
manifestado pela difusão das letras e das boas idéias. Merece aplausos também
a publicação de um jornal. É pena que tão louváveis esforços de um pupilo de
amigos das boas causas não encontre o apoio que devia encontrar no meio
intelectual e social em que esses idealistas agem".
Referindo-se ao retrato do patrono da biblioteca, que adquirimos, diz:
- "A efígie do laureado escritor patrício (Humberto de Campos) no
salão de leitura da associação será, não há dúvidas, um estímulo para seus
sócios. Ninguém mais do que ele, como você sabe, lutou com dificuldade na
sua carreira literária e mesmo na sua vida particular, e ninguém melhor do que
ele soube vencer, legando-nos pelo seu talento e pela sua tenacidade, um
patrimônio valiosíssimo para as letras pátrias".
Há pouco, recebo mais uma carta sua, na qual encontro, como sempre, aquelas
palavras amigas e enternecedoras, escrita com a simplicidade, que lhe caracteriza o espírito,
com uma caligrafia minúscula e firme:
135
- "Muito me comoveram as referências à minha obscura pessoa
relativas à atuação que tive na sua formação intelectual. Nada mais fiz do que
cumprir o meu dever de humilde mestre-escola. O proveito que você tirou do
tempo que comigo estudou deve à sua inteligência e ao seu esforço. Em todo
caso fico sensibilizadíssimo, quando vejo que um meu ex-aluno, mesmo por
delicadeza e por bondade, reconhece que colheu algum proveito do tempo que
comigo estudou".
E prosseguindo:
"estive há pouco em Mossoró. Ali, li o seu trabalho - "Benedito, mestre-
escola", publicado em BANDO, do mês de outubro. O outro não li, porque
aqui não se assina a revista. Achei-o bem interessante". "Aposentei-me -
confessa-me o meu mestre e amigo - aposentei-me desde março deste ano, com
todos os vencimentos".
Justíssimo prêmio, na sua velhice respeitável, aos trinta e tantos anos consagrados
inteiramente, de corpo e alma, à gloriosa causa da instrução na minha terra. Era talvez a maior
aspiração no outono da vida, ao lado dos filhos e da sua companheira dedicadíssima.
Autor de uma monografia sobre o município de Pau-dos-Ferros, a qual, se não me
engano, foi premiada pelo Departamento da Municipalidade, o prof. Dubas conserva inéditos
outros trabalhos, entre os quais belíssimas orações pronunciadas aos seus educandos. Toda a
sua vida foi devotada ao trabalho e ninguém melhor que ele, servindo-me das palavras de
Monsenhor Fulton Sheen, conhece
"a satisfação do "trabalho bem feito", seja empenhado em consertar uma
cadeira ou em limpar um estábulo ou em talhar uma imagem para a igreja".
O prof. Dubas é daqueles que
"conservam a antiga atitude dos tempos medievais, em que o trabalho era um
acontecimento solene, uma cerimônia, uma fonte de méritos espirituais. O
trabalho de então não era compreendido meramente em vista do lucro
economicamente e sim escolhido através de um impulso interior, do desejo de
perpetuar o poder criador de Deus através de nossos próprios esforços
humanos".
Esta é a impressão que conservo do meu mestre e do meu amigo, tal qual transmito
aos meus filhos, para que, depois da sua morte e da minha, essa admiração e estima, a minha
gratidão e reconhecimento, passe de um ao outro, sem jamais sofrer solução de continuidade.
E posso assegurar com plena convicção que o prof. Dubas foi o mestre de si mesmo. Por isto,
a sua vida pela virtude, trabalho e saber, é um belo exemplo a ser imitado. Ela, em suma, diria
outra vez Humberto de Campos,
"constitui uma lição de coragem aos tímidos, de audácia dos pobres, de
esperança aos desenganados, e, dessa maneira, um roteiro útil à mocidade que
a manuseie".
Teresina, 14 de janeiro de 1950.
136
DISCURSO NA ENTREGA DA COMENDA VITAL BRASIL
137
DISCURSO NA ENTREGA DA COMENDA VITAL BRASIL36
Meus Senhores
Minhas Senhoras
É com muita satisfação que cumpro a honrosa incumbência, na qualidade de
Chanceler da MEDALHA VITAL BRASIL, no Maranhão, pela segunda vez nesta Casa, de
fazer a entrega da Comenda VITAL BRASIL, concedida ao acadêmico de Direito Pedro
Dantas da Rocha Neto, em reconhecimento à sua força de vontade, aliada à sua inteligência,
demonstradas durante os estudos, pelo seu dinamismo e equilíbrio comprovados à frente da
firma comercial para a qual foi admitido como sócio gerente, quando contava apenas 17 anos
de idade; ao poeta Carlos Cunha; e ao Professor Rubens Almeida, pela sua atuação à causa
das letras, pelos seus reconhecidos méritos como grandes educadores, dedicados inteiramente
ao ensino da mocidade, na Terra de Gonçalves Dias.
A Medalha VITAL BRASIL foi instituída pelo Governador do Estado de São Paulo,
em Decreto número 44.592, de 3 de março de 1965, como parte integrante das comemorações
promovidas naquele Estado, no Centenário do Fundador do Instituto Butantã.
Vital Brasil teve infância difícil e comum a todo menino pobre. Nasceu na cidade
Campanha no Sul de Minas Gerais, no ano de 1865, filho legítimo do Alferes José Manuel
dos Santos Pereira Junior, e de Da. Mariana Carolina. Criou-se e permaneceu a primeira
mocidade na terra Natal, e nas cidades de Itajubá, Caldas e São Paulo. Nesta cidade, exerceu
os serviços mais humildes que se possa imaginar: trabalhador braçal, tipógrafo, cobrador de
bonde, varredor de colégio, revisor de jornal, transferiu-se mais tarde para o Rio de Janeiro,
então Capital da República, onde se dedicou ao ensino primário. Escrevente de Polícia,
formando-se em Medicina em 1891. Combateu a febre Amarela, varíola e outros males que
devastavam Belém do Descalvado, no vale do Paraíba e em Santos. Contraiu a bubônica e foi
curado pelo seu amigo Osvaldo Cruz.
Escolheu a cidade de Botucatu para clinicar, onde conheceu os trabalhos de Calmette,
assimilou o essencial de suas concepções sobre o ofidismo. Ajudante do Instituto
Bacteriológico de São Paulo em 1896, dedicou-se a soros e vacinas, especializando-se em
ofidismo. Foi nomeado Diretor do Instituto Soroterapêutico, o BUTANTAN, sua obra
máxima, em 1901. Estagiou no Instituto Pasteur, na Europa, em 1904, e 1914; nos Estados
Unidos, em 1914 e 1940.
Criou o Instituto Vital Brasil, após sua aposentadoria em 1919, em Niterói. Voltou ao
Instituto Butantã de 1924 a 1927. Em 1942, teve seu nome inscrito no Livro do Mérito
Nacional. Subiu enfim pacientemente todos os degraus da escada que o levou à notoriedade,
sem recuar, mostrando pelo seu exemplo que o saber não é privilégio dos ricos.
(08/10/1967)
36
Proferido em 08/10/1967, em São Luís, na entrega da comenda Vital Brasil a Pedro Dantas da Rocha Neto,
Carlos Cunha e Rubens Almeida.
138
ROTEIRO AUTOBIOGRÁFICO
139
ROTEIRO AUTOBIOGRÁFICO
RAIMUNDO ROCHA
Data de nascimento: 21 de novembro de 1919
Naturalidade: Cidade de PATÚ - Rio Grande do Norte
Filiação: Pedro Dantas da Rocha e
Noemi de Melo Rocha
(Órfão aos 13 anos de idade, tendo uma juventude muito atribulada).
Estado Civil: casado, a 2 de outubro de 1943, com Maria do Carmo Correia de Aquino, sendo
o ato religioso celebrado na Igreja do Patrocínio e o civil, no Cartório de Dr. João de Deus
Cavalcanti, em Fortaleza, Ceará.
Participação em Instituições
Congregado Mariano - Pau dos Ferros, Rio Grande do Norte.
Presidente do "Grêmio Literário Ferreira Itajubá", no período de 24/03/47 a 24/03/48, em
Mossoró, Rio Grande do Norte
Vice-orador da “União Caixeral de Mossoró”, tomou posse em 19/10/1947.
Membro Fundador da “Comissão Piauiense de Folclore” - Teresina, Piauí.
Membro da “Casa de Euclides da Cunha” - Natal, Rio Grande do Norte.
Membro do “Instituto Cultural Brasil Estados Unidos” – São Luís-MA, ocupando o cargo de
1º Secretário nos períodos 1967/68 e 1969/70 (reeleito).
Membro do “Centro Norteriograndense do Estado da Guanabara” - Rio de Janeiro.
Membro do “Clube Folclórico de Piracicaba” – São Paulo.
Membro do “Instituto Genealógico Brasileiro” - São Paulo-SP.
Membro da “Associação dos Profissionais de Imprensa de São Paulo”.
Presidente da “Associação Comercial da Cidade de Pedreiras” - Maranhão, biênio 1962/63.
Diretor da “Associação Comercial de São Luís”, 1967/68 e 1969/70.
Fundador da “Companhia Telefônica de Pedreiras” - Maranhão.
Vice-Presidente da “Companhia Telefônica de Pedreiras” - Maranhão.
Membro da “Fundação Genealógica Brasileira” - São Paulo.
Cursos:
Curso de “Jornalismo” - feito sob os auspícios da Faculdade de Filosofia do Maranhão, e
reconhecido pela Universidade Federal do Maranhão, 1966.
Curso de “Administração de Empresa “- SENAC, 1965 - São Luís-MA.
Curso de “Psicologia Educacional” (MFC) - São Luís-MA.
Publicações:
Colaborou e colabora em:
Centelha - Revista do “Grêmio Literário Ferreira Itajubá” - Mossoró, Rio Grande do Norte.
Boletim Bibliográfico, da “Biblioteca Pública Municipal de Mossoró” - Rio Grande do Norte.
140
Polianteia - Revista comemorativa do 1º aniversário de falecimento do jornalista J. Martins de
Vasconcelos - Mossoró, Rio Grande do Norte.
Bando - Revista da “Casa de Euclides da Cunha” - Natal, Rio Grande do Norte.
Legenda - Revista - São Luís-MA.
Almanaque do Cariri - Revista (Centenário de Teresina - Piauí).
Boletim do CNR – Rio de Janeiro.
Encontro com o Folclore - Revista, Estado do Rio.
Revista Genealógica Latina - São Paulo.
A Dança de São Gonçalo – plaquete, em colaboração com Assis Silva - Mossoró, Rio Grande
do Norte.
Jornal do Dia - São Luís-MA.
Jornal do Maranhão - da Arquidiocese de São Luís (católico).
Cidade de Pinheiro – Jornal de Pinheiro-MA.
Trabalhos citados em livros de outros folcloristas:
Província Literária, de Raimundo Nonato da Silva (no capítulo: "No roteiro de uma
civilização desaparecida").
Folclore Nacional (nos 3 volumes), de Alceu Maynard Araújo - São Paulo.
Medalhas:
Vital Brasil - 1965. Governo do Estado de São Paulo.
Nina Rodrigues - 1965.
Brigadeiro José Vieira Couto de Magalhães - Sociedade Geográfica Brasileira. São Paulo,
12/09/1967
Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon - 1967.
Euclides da Cunha - 1967.
Personalidade do ano – 1967, Natal, Rio Grande do Norte – Governo Walfredo Gurgel;
organização de Paulo Macedo – Jornalista de O Potí.
Atividades Comerciais:
H. Fialho & Cia – exportação - Fortaleza-CE.
Organização Rocha Ltda. São Luís-MA - São Luís-MA.
CIEL - Importadora e Exportadora Ltda – Rio de Janeiro-GB.
Cerealista Maranhense Ltda – importação e exportação - São Luís-MA.
Raimundo Rocha, Representações e Comissões - São Luís-MA.
São Luís, maio 1969.
141
RAIMUNDO ROCHA PARA ESCRITORES E AMIGOS
142
MARCHA: DOS DEZ MANDAMENTOS37
Veríssimo de Melo38
Raimundo Rocha é um jovem conterrâneo nosso, que emigrou há anos para Teresina,
no Piauí, onde fixou residência, construiu família e hoje é próspero comerciante.
Mas, para desmentir a regra geral, segundo a qual os comerciantes não têm tempo
para cuidar de coisas do espírito. Raimundo Rocha, ao contrário, mantém entusiástica
atividade literária, escrevendo trabalhos, artigos para jornais e revistas, correspondendo-se
com os amigos, animando de longe com o seu aplauso e sua colaboração os confrades de
outras terras.
Faz tempo, recebi uma carta de Raimundo onde ele me enviava curiosa amostra de
poesia popular. Trata-se de uma paródia dos Dez Mandamentos da Lei de Deus, que ele ouviu
de um tocador de viola na cidade de Campo Maior, no Piauí.
Pena é que a versalhada não esteja completa, mas, assim mesmo, dará uma idéia do
espírito lírico do poeta anônimo, que estabeleceu interessante paralelo entre os dez
mandamentos e os encantos de uma Maria qualquer.
Aí vai a informação de Raimundo Rocha, tal qual me enviou:
Marcha dos Dez Mandamentos:
Estes Dez Mandamentos
que o meu peito encerra:
Amar a Deus no céu
E Maria aqui na terra
Primeiro amar a Deus
Meu amor, meu bem querer.
Se Maria for consistente,
Hei de amá-la até morrer!...
Segundo não jurar
Seu Santo Nome em vão,
Eu juro por Maria
a quem dei meu coração...
Terceiro ouvir Missa,
Domingos, Festas de Guarda,
Eu vou ouvir a Missa
Bem juntinho da minha amada.
37
Publicado em Diário de Natal, 09/02/1951. 38
Nota da organizadora - Folclorista do Rio Grande do Norte, autor de Parlendas, Natal: Bib. Da Sociedade
Brasileira de Folclore, 1949, citada por Raimundo Rocha, e vários trabalhos sobre folclore.
143
Quarto honrar pai e mãe,
Pai e Mãe eu honrarei,
Pelo amor de Maria,
Pai e Mãe eu deixarei.
Quinto não matar,
Nunca matei ninguém,
Só mato as saudades,
Que sinto por ti, meu bem...
Pelo visto, ficam faltando mais uns cinco versos da paródia39
. É o caso de pedir a
Raimundo Rocha que arrume as malas, vá até Campo Maior, procure o tocador de viola e
copie as estrofes restantes...
39
Nota da organizadora - O texto completo foi incluído nessa edição em “Folclore do Piauí”.
144
MINHA ROSEIRA DO MARANHÃO
Alceu Maynard Araújo40
Em julho de 1967 estivemos no Maranhão a convite de nosso saudoso amigo
Raimundo Rocha para proferir uma série de palestras na União Cultural Brasil-Estados
Unidos da "Cidade de La Ravardière" - São Luís.
Foram dias inesquecíveis onde pudemos ver de perto o Brasil Nordeste na sua
plenitude. Caminhando pelo passado naquelas ruas de sobradões de azulejo, vielas e becos
foram palmilhados. Melhor cicerone não poderia ter - Raimundo amava a tradição, sobre ela
escreveu muito. Nós o chamávamos "Barão de Patú", pois era potiguar.
Em a noite de 27 de julho, dia de São Pantaleão, fomos à única Igreja no Brasil que
tem esse nome e padroeiro. É lenda corrente em São Luís que do Cemitério sai à noite e passa
por perto daquela Igreja uma assombração. Dizem que é Donana Jânsen - a Rainha do
Maranhão - que passa em sua carruagem. Ouvem-se gemidos dos negros escravos, o rodar do
coche, o ofegar dos animais. Percorre o trecho fazendo arrepiar os cabelos de quem ouve o
barulho e nada vê. A assombração nos decepcionou nessa noite, não compareceu.
Passamos algumas noites no Bumba-meu-boi. Muitas vezes, Raimundo, que era
comerciante prestigioso e nos poucos vagares escritor de mão-cheia, cansado do labor do dia,
cochilava enquanto gravávamos a cantoria do bailado popular brasileiro.
Visitamos a cidade nova, as largas avenidas recém-construídas e os mocambos
encarapitados no baixo, construções palafíticas cuja vantagem é ser permanentemente limpa
pela maré, dispensando garis e lixeiros.
Tivemos a grata alegria de sermos distinguidos pelos confrades da Academia
Maranhense de Letras e eleito fomos para seu quadro - o que nos envaideceu sobremaneira.
Ficamos hospedados em casa do saudoso amigo e companheiro Raimundo. Que
maravilha o lar cristão que ele formou ao lado de Maria do Carmo. Quantos filhos ao redor da
mesa - uma dezena. Lembrávamo-nos do Salmo bíblico (128):
"A tua mulher será com a videira frutífera aos lados da tua casa, os
teus filhos como plantas de oliveira à roda da tua mesa".
No dia que regressávamos para São Paulo, Mundico deu-nos de presente para
Cecília, uma tenra muda de roseira.
- "São rosas encarnadas. Espero que sejam lindas e perfumadas como
as daqui, que se aclimatem no seu frio São Paulo",
40
Nota da organizadora - Escritor, folclorista, professor, membro da Academia Paulista de Letras e autor de
Antologia do Folclore Nacional – 3 vol. Ed. Melhoramentos, 1964 e de várias outras obras; padrinho de um dos
filhos de Raimundo Rocha.
145
disse-nos ao despedir-se no aeroporto.
Plantamos o pé de roseira.
Um dia ficamos surpresos, os primeiros botões denunciavam sua aclimatação. A
roseira cresceu e foi debruçar-se no terraço. Não parou de dar rosas, rosas vermelhas
(encarnadas como dizia Mundico), perfumadas, um encantamento. Ela transformou nosso
pequeno jardim numa eterna primavera, durante todo o ano a dar perfumadas rosas vermelhas.
Todos os dias, apanhávamos uma rosa e enfeitávamos o retrato de mamãe e papai.
O pé de roseira era a testemunha permanente da amizade que nos unia ao escritor
Raimundo Rocha lá no distante Maranhão. Várias vezes pensávamos em escrever-lhe
contando da maravilha que a natureza nos deu e como as rosas vermelhas nos faziam lembrar
de seu lar cristão. A azáfama desta vida paulistana relegava para outro dia a carta que devia
ser escrita falando sobre as rosas encarnadas...
Um dia estremecemos. Recebemos um telegrama de Rocha Neto, contando do
passamento de Raimundo. Saímos para conversar com a roseira, desabafar em seu viço verde
a mágoa que pervadia a alma dolorida e saudosa. Apanhamos um punhado de pétalas e as
lançamos ao ar na direção do Norte, do Maranhão. Eram as minhas lágrimas de saudade.
Passaram-se os dias, os meses. No aniversário da morte do compadre Raimundo
fomos conversar com a roseira. Ela também estava triste, não tinha rosas. As suas folhas
verdes outrora, verde-viçosas, eram poucas. O tronco espinhento, acinzentado. Então
compreendemos - as plantas também têm alma - nós dois tínhamos saudade de Raimundo
Rocha.
20/08/1970
146
RAIMUNDO ROCHA - SEUS VERDES DIAS NO SÍTIO JUNCO41
Raimundo Nonato42
Imprevistamente, aquele dia deixara de ser um dia igual aos outros, diante da notícia
absurdamente consternadora que veio sombreá-lo com a chegada de um telegrama "Western",
indiferente à comunicação de que se fazia portador inconsciente.
Tudo porque a ausência definitiva de um amigo como Raimundo Rocha produz uma
parada na vida da gente, que fica a interrogar:
- Mas, por que ele se foi assim, tão cedo, apenas eM meio à caminhada, em pleno
vigor dos anos, resoluto, empreendedor, quando ainda tanto dele precisavam os seus, a
família, agora desolada, os parentes distantes ou amigos mais próximos, enfim, quantos dos
seus planos, do seu trabalho, da sua presença que imprimia encorajamento e confiança?
Porém, por mais que se rogue aos céus e que se clame às potestades, ninguém jamais
teve resposta a esse grito do desespero humano, que se perde na noite infinita das tristezas do
nada, do fim...
Minhas lembranças dele, do patuense, que viveu os grandes dias da sua meninice
correndo solto nas capoeiras e nos roçados do sítio do Junco, que ficava distante da rua,
conforme revelação que faz daquele tempo:
"quando eu fui para o Junco, já corria tudo,
e tinha dois anos".
Em Mossoró, numa época inesquecível, encontrei-o já na juventude, e aí foi possível
fixá-lo através de uma antena receptora de suas atividades, no tumulto dos acontecimentos
provocados pelas notícias da Segunda Guerra Mundial, pois, então a exaltação era de tal
ordem que se tinha até idéia de que o conflito tinha se deslocado dos campos de batalha da
Europa, dos países conflagrados e das terras devastadas do Velho Mundo para ser decidido
por ali mesmo, nas salinas de Mossoró, na Várzea do Assú, nas areias coloridas da Praia de
Tibau ou na Chapada do Apodi, onde não havia uma gota d'água para um bode matar a sede.
Por aqueles dias, o jovem da Serra do Lima, vivo, esperto, irrequieto como o diabo,
atravessava as ruas de uma ponta para outra tomando parte das rodas dos "técnicos em
beligerâncias de ponta de calçada", prestando atenção, ouvindo, escutando tudo, aqui e ali
metendo o bedelho onde não era chamado, dando palpite, contando um boato.
Depois descobre suas próprias tendências e se junta a um grupo e somando
experiências e vontades se lança na publicação de uma revista - FAGULHAS (?) - de que
eram figuras principais Barôncio Carlos, Assis Silva e Odilo Pinto, e que não fica só no nome,
como aquela ZERO de Antonio Pinto e de sua turma de Natal, mas que mesmo, a exemplo do
41
Publicado em O Mossoroense de 27/09/1972, p. 2, e no livro de Raimundo Nonato Gerações do meu tempo, p.
115-116. 42
Nota da organizadora - Escritor potiguar, muito interessado em cangaço, com quem Raimundo Rocha trocou
muitas cartas.
147
BANDO de Manuel Rodrigues e outros bandoleiros, que Hélio Galvão acaba de afirmar que
"foi uma das publicações mais sérias do Rio Grande do Norte".
Daí, sua identificação com a vida intelectual de Mossoró, com seus órgãos de
publicidade, com sua imprensa e suas instituições culturais, quebrando aquele isolamento que
tivera no começo, na sua meninice vivida no meio das caatingas, quase separado da
convivência de que na sua idade tanto precisam dela. E isto é ele que confessa:
"Não tive companheiros de infância para brincar como os meus
irmãos, na vila do Patú. Levei uma infância muito isolada, que me causou
algumas dificuldades na adolescência, ao voltar ao convívio na cidade. Porém
para contrabalançar, eu tinha a universidade dos campos, na fazenda do meu
avô, onde vivia em completa liberdade, brincando e me divertindo como
muito bem desejasse e entendia, embora sem ter com quem dividir as minhas
diabruras".
Vingava-se, agora, em plena adolescência, desse isolamento que mutilara a meninice,
tomando parte em tudo quanto representava aglomerado, ajuntamento, vivência de grupo,
onde encontrava motivações para expandir-se nas mais vivas demonstrações de solidariedade,
de comunicação de idéias e de intercâmbio do pensamento.
A cidade de Mossoró deu-lhe assim, a oportunidade de reencontrar-se com sua
própria identidade humana, o que foi mais importante ainda, lhe ensejou aquelas condições
indispensáveis para realização de uma atividade cultural, de que até então estivera afastado.
Mais tarde, sua permanência na capital - São Luís do Maranhão - veio confirmar sua
capacidade de intelectual e de pesquisador de fontes folclóricas, explorando temas originais,
que até então vem preocupar outros de lá, como aquele a que deu curso nos seus estudos,
dedicando um longo e documentado estudo sobre A PROCISSÃO DAS CARROÇAS,
observada em recanto dos subúrbios da referida cidade.
Por demais, foi intensa a atividade jornalística de Raimundo Rocha naquele
importante centro cultural, tomando parte ativa nos seus movimentos literários e no trabalho
das suas instituições em particular das que se dedicavam a promoções no campo do folclore e
da antropologia.
Enveredando por esse rumo, cedo ligou-se aos nomes daqueles que mais de perto
tinham a responsabilidade desses estudos, no País, como Câmara Cascudo em Natal, Alceu
Maynard, em São Paulo e Veríssimo de melo, em Natal.
Quando, no Estado bandeirante, por iniciativa de Alceu Maynard surgiu a idéia de se
lhe conferir a MEDALHA DA CASA EUCLIDES DA CUNHA, menção honrosa da CASA
SÃO JOSÉ DE RIO PARDO, escusou-se sem se tornar deselegante, afirmando que, se
iniciara na pesquisa folclórica, levado por minha sugestão motivo porque dividia comigo os
méritos do seu trabalho.
Bondade sem limite do grande coração do patuense amigo que ainda hoje agradeço.
148
E agora, distante da gente, Raimundo Rocha deve ter descoberto que a separação dos
bons, como ele, não é causa para que a amizade se transforme no esquecimento, e porque para
as pessoas de tão belo espírito como ele, já dissera Câmara Cascudo,
“a morte existe, os mortos não!".
149
A QUEDA DO JEQUITIBÁ NÃO ABALOU A FLORESTA43
Carlos Cunha44
Conheci Raimundo Rocha, apresentado pelo mestre Rubem Almeida, numa noite de
festa espiritual que era homenageado o grande folclorista brasileiro Alceu Maynard de Araújo.
Durante muitos anos, nutrimos um pelo outro admiração e respeito.Na minha primeira viagem
ao Rio Grande do Norte, em missão cultural, levei uma carta sua, hoje ao grande amigo e
querido mestre, Câmara Cascudo, com quem, ele, Raimundo Rocha, mantinha estreitos laços
de amizade, a ponto de tirar fotografia ao lado do maior folclorista brasileiro, este de pijama,
na sagrada intimidade do seu lar. Era um homem admirável, gostava de conversar, e quase
todo mês reunia os amigos íntimos em seu lar, ali, na praça do poeta Catulo da Paixão
Cearense, onde conheci seus filhos e a esposa, de todos, tornando-me, até hoje, leal e sincero
admirador.
Certa manhã, fui tomado de surpresa pela notícia do seu falecimento. O Jequitibá
havia tombado em plena primavera, sem tempestades e sem ventos fortes. Caiu estremecendo
a selva sentimental, que ele próprio criara no conjunto familiar. Mas, o céu não nublara, e o
verdor da união continuou vivificado através dos filhos que dele receberam apenas
ensinamentos bons e tiveram dentro de casa apenas lições de fraternidade e de respeito ao
próximo.
Quase todos os filhos estão formados. Uns professores, outros técnicos em assuntos
de empresas. O mais velho dos homens, que é muito moço, porque tem apenas vinte e nove
anos, o Rochinha, como o chamamos na intimidade, é o atual Secretário de Educação em
substituição ao meu amigo Magno Bacelar a quem devo a fineza da publicação de Poesia
Maranhense Hoje, obra já incluída no acervo literário do Maranhão. Assumiu a direção de tão
importante órgão Estadual já no fim praticamente de um governo, quando a obrigação maior é
executar o que foi planejado cuidadosamente de posse de pouco ou quase nenhum recurso.
Mesmo assim, o moço tem procurado se conduzir com o equilíbrio herdado de seu
pai e traçado metas próprias de trabalho, como a implantação da reforma do ensino, criação de
oficinas técnicas para a área do 1º grau, implantação do Estatuto do Magistério que prevê e
regulamenta a carreira do professor, bem como remunera, fazendo justiça à espinhosa missão
que ele desenvolve na sociedade atual.
O jovem Secretário implantou a unidade de inspeção escolar em pleno
funcionamento à Rua da Paz, com personalidade própria, atingindo um velho sonho dos
inspetores escolares, que agora poderão desempenhar mais a contento suas tarefas.
Objetiva construir mais sete unidades escolares de grande porte até o fim do ano,
assim como a construção de Centro de Esportes, na Capital, presumindo-se seja instalado na
Vila Palmeira.
43
Nota da organizadora - Publicado em O Estado do Maranhão, São Luís, 02/07/1974. 44
Nota da organizadora - Licenciado em História, professor, diretor de colégio, poeta e jornalista maranhense.
150
Uma das mais complexas Secretarias de Estado não criou dificuldades ao
Governador Pedro Neiva, que inicialmente escolheu um homem de empresa para dirigi-la e
depois um moço hábil e inteligente para concluir a direção, sem casos ou problemas criados
ao próprio governador já tão assoberbado de tarefas e preocupações dentro do seu gabinete.
Cercou-se o jovem Secretário de gente nova que tem demonstrado maturidade
administrativa como se há longos anos exercesse cargos públicos. Doutor João Vicente de
Abreu Neto, chefe de gabinete, intelectual Luis Augusto Cassas (vinte e um anos apenas),
doutor Luís Sergio Cabral Barreto, diretor de Serviços de Administração Geral e uma equipe
técnica especializada, constituída de Carlos Alberto de Campos Mendes, José Caldeira, João
Carlos do Rêgo Rodrigues, José Olímpio de Castro, Rui Luna, Regina Luna, Arnaldo Serra,
Arno Kreutz, Maria de Fátima Fonteles e outros nomes já identificados pela consciência do
papel que desempenham em nossa sociedade.
O Jequitibá tombou, meu velho amigo Raimundo Rocha, numa manhã de sol,
inesperadamente, mas a floresta permaneceu densa e compacta com o mesmo verdor de
tranqüilidade e harmonia dos primeiros dias, inabalável, absolutamente tranqüila e feliz.
151
ARAROEIRA DO PATU - JEQUITIBÁ NO MARANHÃO45
Raimundo Nonato46
Há certas criaturas iluminadas pelos clarões da bondade que, embora quando se
tenham ido desta para a outra vida, continuam presentes na memória dos seus
contemporâneos, como se vivas continuassem sendo.
O fenômeno não é estranho ao raciocínio, e uniu-o Câmara Cascudo, num daqueles
rasgos da sua genialidade, quando determinou numa manifestação de sentimentos de
afetividade que:
"A morte existe, os mortos não".
E por isso, e diante disso, sem discutir as prerrogativas da eternidade, intangíveis e
intocáveis, evoco no instante em que recebo de São Luís, o jornal "O ESTADO DO
MARANHÃO", com um admirável artigo de CARLOS CUNHA, sob o título: A QUEDA DO
JEQUITIBÁ NÃO ABALOU A FLORESTA, o nome de RAIMUNDO ROCHA - o patuense
- o velho companheiro de tantos planos de trabalho e iniciativas culturais, que continua vivo,
no oratório dos santos das amizades.
A sucessão do dia em que veio à vida exterior para ver o sol e respirar o oxigênio da
continuidade, deu-lhe tempo para descobrir que, além do horizonte geográfico do seu mundo,
de proporções limitadas, havia duas coisas que seriam companheiras suas, como estranha
força que faz com que o homem volte sempre à terra para um reencontro com suas raízes: - O
contorno impressionante pela simplicidade da Ermida Nossa Senhora dos Impossíveis da
Serra do LIMA, de onde tantos milagres são contados, e o perfil sombrio da Casa da Pedra de
JESUINO BRILHANTE, na SERRA DO CAJUEIRO.
Depois, o rincão da sua meninice, a que chamava o seu Paraíso infantil - o JUNCO, e
dele conta:
- "Fui criado no Junco, propriedade rural do meu avô paterno, então
município de Patú, no Rio Grande do Norte. Hoje é município”.
“Não tive companheiros de infância para brincar: como meus irmãos
na Vila do Patú”.
“Apareciam, às vezes, na casa, a CASA GRANDE, alguNs meninos
filhos dos vaqueiros ou dos moradores e brincávamos alguns instantes”.
“Não obstante haver sido criado naquele isolamento... eu me sentia
satisfeito ao lado dos meus entes queridos".
45
Nota da organizadora - Publicado em O Mossoroense, Ano 102, 13/08/1974, p. 3. 46
Nota da organizadora - Escritor potiguar, muito interessado em cangaço, com quem Raimundo Rocha trocou
muitas cartas.
152
"Era, enfim um Pequeno Príncipe, tendo o Junco como o meu campo
para as minhas aventuras de infância".
"Não pensava em livros, ignorava inteiramente a necessidade que
tinha de estudar e de aprender. Não tinha obrigações nem afazeres, pensava
apenas em comer, brincar e dormir".
Reminiscências vivas e sinceras,que se não tivessem sido escritas para retratar um
pequeno reduto da rechã do Patú, bem que poderia ter o colorido comparável a uma história
de memorialista do porte de Charles Dickens.
Releio do artigo da folha maranhense, admirável pelo seu conteúdo sentimental
(assina-o Carlos Cunha) lembrando que a Queda do Jequitibá não abalou a floresta do clã de
Raimundo Rocha.
E descubro nele, quase para sugerir que, comparado aos gigantes dos matagais,
Raimundo Rocha tinha a fibra inquebrantável da vetusta aroeira do Nordeste, pois esta sim,
pode até tombar como o jequitibá, porém não se quebra nunca.
Não é fora de propósito que, falando dela, se relembre fato histórico que põe em
relevo a sua resistência. E conto. Corriam os dias tumultuados de 1930, quando a campanha
da eleição do Presidente da República agitava o País, debaixo daquela alternativa apontada
por João Neves da Fontoura, que vaticinara:
"Vamos para o prédio das urnas, quiçá para o prélio ardente das armas".
Ao tempo, ao fragor da propaganda, passa por Natal, uma caravana política da
Aliança Liberal, e da Praça Pública, Edgar Shneider conclama a multidão a condenar a
violência, fazendo uma profissão de fé:
"O gaúcho é como Jequitibá. Se quebra, mas não enverga".
E nem foi preciso esperar muito pela réplica, pois logo Assis Chateaubriand
desafrontando o seu Estado, escrevia:
"Geograficamente, a PARAÍBA valerá SERGIPE. Civicamente, vale uma
BÉLGICA. O machado que tentar abater aquela aroeira do Nordeste, perderá o
gume".
E como a era justificava as grandes frases de que JOCA-BRUNO seria o herdeiro
sucessor em Mossoró, quando chegava a esta cidade a caravana de BATISTA LUZARDO,
ainda chamuscado da pólvora do tiroteio de Natal, o Cônego Matias Freire, do meio do povo
em vibração, numa apóstrofe impetuosa bradava estarrecido:
"Mossoró! há três dias que pisamos no corpo do Rio Grande do Norte! Hoje,
encontramos o coração!"
Meus primeiros contatos com o jovem patuense, foram ainda ao tempo em que ele
fazia constantes viagens na boléia de um caminhão, correndo entre Pau dos Ferros e Mossoró.
153
Mais tarde, já residindo nesta cidade, tinha sua roda de conversas no Café do Zé Felipe, ali,
bem em frente das redações de O Mossoroense e de O Nordeste. O grupo de intelectuais da
nova guarda reunia no bate-papo, Raimundo Rocha, Assis Silva, Odilo Pinto e Barôncio
Carlos da Silveira um bom poeta das águas do Assú, que também lá se foi...
Espírito expansivo, claro, sem embutimento de ideais, mergulhou nos estudos da
pesquisa e não tardou Raimundo Rocha a encontrar-se e estabelecer relacionamento com as
figuras mais destacadas do campo folclórico, a exemplo de Câmara Cascudo, M. Rodrigues de
Melo, Vingt-un Rosado, Veríssimo de Melo e Alceu Maynard, este de São Paulo, falecido
recentemente.
Seu trabalho teve o mérito da originalidade, e justificá-lo plenamente, ainda mais,
pelo espírito de equanimidade com que dividia as honras de um trabalho, que ele sempre
considerava de grupo, e que por isso, devia pertencer a outrem.
Sua lealdade, nesse sentido, era invulgar. No caso, posso afirmar em causa própria
que, ao lhe ser concedida a MEDALHA DA CASA EUCLIDES DA CUNHA, condicionou
sua aquiescência em receber aquela alta distinção, ao imperativo que ele manifestava de ser o
meu nome, incluído na relação dos agraciados com a dita comenda.
Por essa razão e outras semelhantes, devo-lhe um dos melhores traços a lápis feito
com tinta forte, a meu respeito, quando escreveu:
"Raimundo Nonato é um sujeito incorrigível. Filho do Martins, cidade
pequena hospedeira, excelente pelo seu clima ameno, aonde se conhece a vida
de cada habitante com todos os pormenores. O autor de Memória de um
Retirante, por isso mesmo, indagador, observador, não podia deixar de ser um
bisbilhoteiro. Pesquisador de água-doce, remexe gavetas, papéis velhos
empoeirados, lá atirados sabe Deus quando. Não guarda segredos, "bate logo
com a língua nos dentes" como se costuma dizer. É perigoso, engraçado, às
vezes inconveniente".
Sintonizo em Carlos CUNHA na homenagem que prestou a Raimundo Rocha, um
espírito brilhante, cuja memória e o valor continuam iluminando as estrelas que levam à
SERRA DO PATU.
154
HOMENAGEM A MUNDICO (CARTA A MUNDICARMO) 47
José Correia de Aquino48
Somente aplausos merece a iniciativa de vocês.Vejo nela a prova do amor e gratidão
de filhos generosos, ao pai que se alou desta para outra vida.
Vocês também desejam tê-lo presente e conseguem, agora, materializando-o na
publicação de seus escritos.
Pedem-me algumas informações sobre o Mundico. Revolvendo meus guardados, não
encontrei mais as revistas e jornais que me enviava e que, quase sempre, traziam artigos de
sua lavra. Dei com algumas das muitas cartas com que freqüentemente me honrava. Delas
extraí algumas informações. Diria até que são estas um pequenino auto-retrato de quem, ao
escrever, instilava no papel, assim a tinta como a própria alma.
Guardo 16 cartas, com datas que vão de 1946 a 1968. Desta coleção, vem à tona o
homem da família, do comércio e das letras. O altruísta, o homem de Deus.
A família era o tema infalível em todas as cartas. Polarizava ela, todos os seus
cuidados. Era ela todo o ideal de sua vida. Quando escrevia, podia deixar de falar de si. Da
família, não.
"Quero, antes de outro assunto, participar-lhe o nascimento de mais uma
em nosso lar. A mesma receberá o nome de Ana Maria, cujos padrinhos serão o
Pe. João e Dalila. A criança nasceu no dia 2 do corrente, pesando 4 quilos,
levando, entre Mundicarmo e Rocha Neto, uma vantagem respectivamente em
peso de 1 kg e 100 gramas e 1 kg e 300 gramas. É bastante forte e sadia".
(Carta de 13/05/1947).
"Aproveito a oportunidade para remeter-lhe dois instantâneos das
crianças, para você. Foram tirados no dia do primeiro aniversário de Alexandre
Neto". (Carta de 01/07/1949).
"Maria homenageará o Ano Santo com mais um sujeitinho. Este é
esperado a qualquer dia; aliás era para ter chegado desde a segunda quinzena de
dezembro". (Carta de 05/01/1950).
"Passamos bem, todos. Vai chegar mais um maranhense para fechar a
casa dos 10. Desejo um homem, a torcida está forte para ficar 5 x 5.
... Todos passaram bem nos exames finais, sendo que o Alexandre Neto
deu o Ponto Alto - 1º lugar (com medalha), terminando a 1ª série ginasial. Este
cidadão é caprichoso". (Carta de 22/01/1962).
47
Nota da organizadora - Carta a sua sobrinha Mundicarmo Ferretti por ocasião da organização da presente
coletânea de trabalhos de Raimundo Rocha, publicada em AQUINO, José Correia de. O que semeei. Natal, 2002.
p.78-83. 48
Nota da organizadora - Odontólogo, natural do Rio Grande do Norte e Fiscal da Receita Federal e Posto Fiscal
Aduaneiro em Santos, cunhado de Raimundo Rocha.
155
"Mundicarmo vai casar dia 30 de dezembro, aqui. Quem dera que você e
Pe. Aquino pudessem assistir..." (Carta de 22/10/1967).
"Alexandre Neto foi vitorioso no vestibular de Engenharia, na Poli, no
Recife. O galo foi duríssimo de roer. Houve massacre, na opinião da imprensa.
Reprovação em massa. Mas ele mostrou que tem força de vontade. Também,
não resta dúvida, é um pouco inteligente. Breve teremos engenheiro na família,
se Deus quiser. O advogado sairá este ano. Ana Maria passou no vestibular
para administração, aqui. Júnior está matriculado no 3º Colegial, no Marista, no
Recife. Pretende fazer engenharia mecânica.
Estou satisfeito. Espero ver breve o meu sonho realizado - a maior parte
dos meus filhos formados.
O gajo de Dodora passou também no vestibular de engenharia em Belém
do Pará". (Carta de 19/02/1968).
"Alexandre e Junior estudam no Recife, como sabe (...). São bons
meninos. Responsáveis e estudiosos. É um prazer como filhos. (...) É uma
família grande. Felizmente todos se encaminham bem. Rocha Neto se formará
este ano". (Carta de 27/08/1968).
Depois da família, dedica-se com arrojo ao comércio, onde conheceu a glória do
sucesso.
Diz-se que Macau salga o Brasil - ao que acrescenta - ria eu - mas o arroz a salgar
vem do Maranhão... E quem o distribuía, anos atrás, era o Mundico.
O Maranhão ele cobrirá com a doçura do açúcar.
"Os negócios vão bem. Houve uma consulta à opinião pública, pela
imprensa do Sul e a Cerealista ficou em 1º lugar, como quem melhor serve à
população no abastecimento de açúcar no Estado.
Os negócios vão bem. Mas há uma crise muito forte. Castelo sacudiu o
Brasil de Norte a Sul, deixando muito gente tonta. Temos sofrido
consequências dessa crise, porém vamos resistindo bem, graças a Deus. (Carta
de 22/10/1967).
Autodidata, como tantos outros do Nordeste, dilatou seus conhecimentos, pondo em
relevo o culto da Literatura e da História.
Falava com desenvoltura, quer de figuras de renome nas letras, quer de famosos
vultos da História. Tanto que a mim, fazia-me inveja, ainda nos tempos de Seminário.
"Passando pelas livrarias por aí, procure ver se encontra o livro
de Eloi Pontes - Obras Alheias e me remeta que ficarei muito grato". (Carta de
13/05/1947).
"Vai aí uma revista do Centro Norteriograndense do Estado da
Guanabara. Leia a notícia da página 14, sob o título Escritor Maynard Araújo.
156
Na página 28, o necrológico do nosso inesquecível Manoel Alexandre". (Carta
de 30/09/1967).
"Vai também um jornal. Na página 6, há um artigo meu. Você deve
conhecer o tema". (Carta de 22/10/1967).
Jesuíno Brilhante era o tema e o jornal era o Jornal do Maranhão.
Para o egoísta, o universo se resume nele. Não há lugar para "o outro", daí por que só
cuida de si.
O oposto surpreendia-nos em Mundico. Seu altruísmo, por ser grande demais,
transpunha os limites do círculo familiar, para atingir, lá fora, a quantos cruzassem o seu
caminho, os quais como ninguém, sabia transformá-los em amigos, enaltecê-los, obsequiá-los.
"Remeto-lhe com esta, várias fotografias apanhadas por ocasião da
chegada de João em Pau dos Ferros e outras no dia da celebração da missa,
banquete etc.
Envio também um nº de Centelha, onde se lê uma reportagem sobre a
festa em Pau dos Ferros. Recebeu o couro da raposa que enviei por avião?".
(Carta de 28/12/1947).
"Informe se Edgar já recebeu uma sementes de oiticica que lhe enviei".
(Carta de 13/05/1947).
"... recebi sua carta em que dizia algumas palavras sobre Centelha
Sanjoanesca que lhe remeti. Não queira saber como foi recebida essa carta
pelos diretores e redatores dessa publicação. Foi arrebatada de minhas mãos e
foi lida e admirada por todos do "Ferreira Itajubá".
Os diretores da mesma exigiram divulgação da carta através das páginas
de Centelha Abolicionista que circulará no dia 30 de setembro próximo,
comemorando a data histórica de Mossoró. Aguarde um exemplar". (Carta de
27/08/1947).
“Inegável que Milton tem um temperamento forte, porém possui um bom
coração, é amigo e preza a família. Henriqueta também é uma criatura
boníssima e adorável". (Carta de 28/08/1951).
"Tenho vários amigos com os quais me correspondo no Rio e em São
Paulo. Profs. Raimundo Nonato e F. Rodrigues Alves, autênticos papa-
jerimuns da zona Oeste; e Alceu Maynard Araújo, o Cascudinho de São Paulo.
Este passou suas férias do meio do ano de 1967 em nossa casa. É simpático e
amigo. É também padrinho de Fernando". (Carta de 27/08/1968).
De família católica, já na adolescência filiara-se à Congregação Mariana da Paróquia
de Pau dos Ferros, destacando-se entre os demais congregados pelo comportamento exemplar.
A Providência concedeu-lhe a graça inefável da preservação da Fé Católica, até o
último alento.
157
A correspondência no-lo apresenta como quem tem os pés chumbados à terra, porém
a alma livre para, em momentos alçar vôo até Deus, agradecendo - "graças a Deus"; -
invocando - "Deus conserve assim"; e conformando-se - "se Deus quiser".
"Tudo vai bem. Não sabemos agradecer a Deus esse arrojo de felicidade
que sentimos entre a família. Lamentamos apenas a perda do nosso cabeça.
Estamos conformados, levando em conta a graça que Deus nos concedeu,
deixando-o tanto tempo entre nós". (Carta de 22/10/1967).
Agora, nos céus, ele continuará a velar pela família que estremeceu, pelos amigos
que cultuou.
Do tio amigo
Santos, 26/11/1983
158
RAIMUNDO ROCHA (MUNDICO)
Um depoimento humano e sentimental
José Jacome Barreto49
Conheci Mundico em Caraúbas (RN), onde me encontrava como fotografo
profissional. Muito jovem ainda, comunicativo, inquieto, seus gestos refletiam a efervescência
de um temperamento ardente e inflexível cujos valores se delineavam num crescente processo
de afirmação. Pleno de energia e vitalidade, - demonstrava uma permanente preocupação de
atingir maiores objetivos e de dominar mais amplos e generosos espaços deixados vazios por
ineficazes e acomodados.
Ele vinha semanalmente a Caraúbas trazendo muitos rolos de filmes fotográficos
para serem revelados e copiados no estúdio de um meu colega de profissão - Raimundo
Rozendo, em cuja residência me foi apresentado. O trabalho fotográfico era o resultado de um
improvisado amadorismo quase profissional que ele desempenhava em Patú, onde residia e
trabalhava com seus familiares, nas horas de folga dos afazeres da vida comercial que lhe
absorvia quase todo tempo. Considerava aquele trabalho fascinante e o exercia com muita
seriedade e extrema dedicação. Era um agradável "hobby" e que também rendia alguma
compensação financeira.
A esta época, já revelava bastante interesse pelos assuntos ligados ao mundo das
letras já tendo lido vários autores nacionais através de uma leitura atenta e reflexiva dos seus
textos. As lides comerciais e outros compromissos de família não lhe permitiram freqüentar
colégios e conseqüentemente escolas superiores. Todavia, esta contingência jamais lhe
arrefeceu o estímulo e a vontade férrea de alargar seus conhecimentos o que procurou
dinamizar através da leitura intensiva e constante dos nossos escritores e poetas.
Posteriormente, em 1940, nos reencontramos em Pau dos Ferros (RN). Ele trabalhava
com seu tio Amadeu Rocha, no comércio de algodão, peles e sementes de oiticica e,
integrando o quadro da Congregação Mariana da Paróquia ao qual eu pertencia. A
congregação era dirigida espiritualmente pelo Pe. Manoel Caminha (hoje Monsenhor) e pelo
Professor Manoel Jacome de Lima, meu saudoso pai. Pau dos Ferros a esta época, despertava
para os irreversíveis caminhos do progresso por força de um determinismo histórico e
geográfico. Além das nossas atividades e deveres associativos mantínhamos um pequeno
orfeão destinado às solenidades religiosas da Congregação e aos demais ofícios religiosos da
Matriz (missas, novenas, bênçãos, etc.). Mundico não era um grande vocalista - como era
também o meu caso - mas ajudava muito com a sua assiduidade e reconhecida dedicação. Na
ausência do organista Zé Nóbrega, eu assumia o teclado e dava o meu recado com
regularidade e a contento de todos. Neste ambiente de sadia convivência e de ativa
participação, onde se destacavam outros nomes expressivos como Francisco Bezerra, Sargento
Arruda, Wilson Diógenes, José Nóbrega e outros - já se percebiam nítidos sinais do seu
amadurecimento cultural, decorrência de um autodidatismo surpreendente e substancial pela
sua abrangência. Apologista do pensamento moderno e renovador das novas lideranças
49
Nota da organizadora - José Jacome Barreto é filho do professor Manoel Jacome de Lima, de quem Raimundo
Rocha fala em Dubas – um mestre e um amigo, incluído nesse livro em Figuras Notáveis.
159
católicas, que levavam a Igreja ao encontro e dialogação em torno dos conflitos e problemas
sociais que afligiam a sociedade, - enfrentava audaciosamente (como ele mesmo dizia), numa
tentativa de assimilação, compreensão e interpretação, o erudito pensamento de Tristão de
Atahyde, Padre Leonel França e outros monstros sagrados da sociologia cristã e do laicismo
católico emergente para depois se deliciar com a sensibilidades coloquial de Humberto de
Campos, Paulo Setúbal; com o romance de Alencar, Machado de Assis, Érico Veríssimo,
Jorge Amado, José Lins do Rêgo e outros nomes representativos da ficção nacional. Adorava
a crítica fulminante de Agripino Grieco "na sua função desmoralizadora de medalhões vazios
e ocos, e no reconhecimento dos valores verdadeiros". Na poesia, preferia Raul de Leoni,
Augusto dos Anjos, Pe. Antonio Thomaz e os parnasianos Bilac, Raimundo Correia e Alberto
de Oliveira, além de muitos outros de indiscutível popularidade. No plano estadual devorava
Câmara Cascudo, Raimundo Nonato da Silva, Walter Wanderley, Vingt-un Rosado e a poesia
romântica de Itajubá e Auta de Sousa. Se identificava com a problemática da realidade
nacional no âmbito do seu dimensionamento social, político, religioso e cultural através das
colunas de "VOZES DE PETRÓPOLIS" e de "A ORDEM" e outros órgãos da imprensa
estadual e nacional, sempre ao seu alcance.
Depois, as conveniências e interesses profissionais de cada um, nos colocaram em
caminhos e destinos diferentes. Após o seu casamento com Maria do Carmo Correia de
Aquino, de tradicional família local, Mundico seguiu para Mossoró, onde continuaria a
trabalhar com Amadeu Rocha por algum tempo. Posteriormente, se transferiu para Fortaleza
(CE), Teresina (PI) e finalmente para São Luís do Maranhão, onde fixou sua residência
definitivamente. Em São Luís, consolidou uma estável situação comercial ampliando seus
negócios a níveis de exportação, operando com venda de cereais (arroz e outros produtos do
Estado), atividades que lhe asseguraram o fortalecimento e ampliação de sua firma dentro e
fora do Maranhão.
Mesmo dispondo de pouco tempo - face aos seus negócios sempre crescentes -
Mundico jamais se divorciou dos labores literários. Dedicou-se à pesquisa documentária
através do ineditismo de suas particularidades dentro do contexto sócio-cultural e
antropológico. Buscava novos detalhes do fato pesquisado junto às fontes disponíveis e ao
documento esclarecedor, o que exercia com absoluta fidelidade e conscientização informativa.
E tudo isto, quase sempre à guisa de colaboração gratuita - como valiosos subsídios para os
seus amigos escritores - (Raimundo Nonato da Silva, Vingt-un Rosado e outros) com os quais
mantinha permanente intercâmbio cultural, pessoalmente ou através de correspondência.
Escrevia constantemente para os seus velhos amigos pauferrenses enviando dados e
apontamentos, fazendo sugestões e manifestando sua opinião sobre variados assuntos. Enfim,
participando dentro de suas possibilidades como um informante abnegado e criterioso junto a
todos que dele necessitavam neste particular.
Na verdade Mundico não foi, no sentido mais amplo e profundo da expressão, um
publicista no mundo das letras e nem um profissional no campo jornalístico e isto ele
reconhecia muito bem dentro do seu elevado espírito de compreensão e esclarecida visão das
coisas. Deixou entretanto, importantes trabalhos publicados em jornais e revistas, todos eles
de grande relevância literária e de reconhecido valor informativo. Foi sim, um infatigável
garimpeiro que bateava na profundidade do universo cultural as mais preciosas informações e
subsídios de inestimável valor e autenticidade.
160
A morte o surpreendeu no seu próprio estabelecimento comercial no desempenho dos
seus afazeres cotidianos, fulminando-o com um ataque cardíaco.
Esta é a minha visão pessoal, proustiana e sentimental do meu bom amigo Raimundo
Rocha - o nosso saudoso Mundico, cujo desenlace prematuro interrompeu a trajetória de uma
existência cujo futuro se prenunciava brilhante, dinâmico e construtivo sob todos os aspectos.
Natal, 1º de janeiro de 1984.
161
FOTOGRAFIAS
162
FAMÍLIA ROCHA - RIO GRANDE DO NORTE
Família Rocha (Patú-RN) – Raimundo Rocha menino (em pé, do lado esquerdo), seus pais,
avós (sentados à esquerda e no centro) e dois irmãos
Raimundo Rocha – Mundico jovem) –
Patú-RN
Pedro Dantas da Rocha (pai) - Patú-RN
João de Oliveira Rocha (avô) – Catolé do
Rocha-PB
Maria Dantas da Costa (Cotinha) – Mãe
Velha (avó) – Pombal-PB
FAMILIA DE RAIMUNDO ROCHA
Família de Raimundo Rocha – São Luís-MA (falta Mundicarmo, a filha mais velha)
164
Maria do Carmo Rocha (esposa) ) – Pau
dos Ferros-RN
Manuel Alexandre de Aquino (sogro) –
Pau dos Ferros-RN
Júlia Correia de Aquino (sogra) – Pau
dos Ferros-RN
Mundicarmo e Rocha Neto (primeiros
filhos) – São Luís-MA
165
REFERENCIAS - RIO GRANDE DO NORTE
PATÚ
Igreja antiga
Casa onde nasceu R. Rocha (fachada
ligeiramente modificada)
Grupo Escolar em 1937
Capela de N. Sra. Dos Impossíveis (Lima
– 1937)
Bica (local de banho) – Serra do Lima/Patú
Conjunto musical popular
166
Escola Municipal de 1º Grau
“Raimundo Rocha”
Professor Dubas
NATAL
R. Rocha com Luis da Câmara Cascudo,
folclorista potiguar – Natal
Homenageado na Festa das
Personalidades do Ano de 1967 - Natal
167
REFERENCIAS – TERESINA (PIAUÍ)
Salomão - Índio Gavião do Maranhão em
Teresina (1949). Foto de Raimundo Rocha.
Marujada - 1º Centenário de Teresina
(1952). Foto de Raimundo Rocha.
Bumba-meu-boi - 1º Centenário de
Teresina (1952). Foto de Raimundo Rocha.
Bumba-meu-boi “Riso do Amor” - 1º
Centenário de Teresina (1952) (aparece o
folclorista potiguar Câmara Cascudo). Foto
de Raimundo Rocha.
168
REFERENCIAS - MARANHÃO
Prédio da Cerealista Maranhense Ltda -
São Luís. Foto de Raimundo Rocha.
Raimundo Rocha na Cerealista
Maranhense - São Luís
Com Alceu Maynad Araújo, folclorista
paulista, em São Luís
Entregando Comenda Vital Brasil a
Pedro Dantas da Rocha Neto (seu filho),
em São Luís
169
Bumba-meu-boi em Ribamar (1956) –
boi, burrinha e mascarado. Foto de
Raimundo Rocha.
Bumba-meu-boi em Ribamar (1956) –
pandeirões. Foto de Raimundo Rocha.
Bumba-meu-boi em Ribamar (1956) –
caboclo de pena. Foto de Raimundo
Rocha.
Bumba-meu-boi em Ribamar (1956).
Foto de Raimundo Rocha.
Romaria das Carroças a São José de Ribamar (1957).
Foto de Raimundo Rocha.
Grupo de carnavalesco desfilando na Rua do Passeio
– São Luís (1959). Foto de Raimundo Rocha.