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ELOISA DE PAULA PEREIRA NASCIMENTO
ORANICE FRANCO: ASPECTOS IDEOLÓGICOS E CULTURAIS NAS FÁBULAS DO TIO
JANJÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS:
TEORIA LITERÁRIA E CRÍTICA DA CULTURA
São João del-Rei 2016
ELOISA DE PAULA PEREIRA NASCIMENTO
ORANICE FRANCO:
ASPECTOS IDEOLÓGICOS E CULTURAIS NAS FÁBULAS DO TIO JANJÃO
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Letras da
Universidade Federal de São João del-Rei como requisito parcial
para obtenção do título de Mestre em Letras.
Área de concentração: Teoria Literária e Crítica da Cultura
Linha de pesquisa: Literatura e Memória Cultural
Orientadora: Profª Drª Suely da Fonseca Quintana
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS:
TEORIA LITERÁRIA E CRÍTICA DA CULTURA
São João del-Rei
2016
ELOISA DE PAULA PEREIRA NASCIMENTO
ORANICE FRANCO: ASPECTOS IDEOLÓGICOS E CULTURAIS NAS FÁBULAS DO TIO
JANJÃO
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________________
Profª Drª Suely da Fonseca Quintana – UFSJ (Orientadora)
_______________________________________________
Profª Drª Maria Andréia de Paula Silva – CES/JF
_______________________________________________
Prof. Dr. Anderson Bastos Martins – UFSJ
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS:
TEORIA LITERÁRIA E CRÍTICA DA CULTURA
2016
Para meu marido, companheiro e amigo, Luiz
Carlos, e para minhas filhas, Fernanda e Marina,
melhores partes de mim.
AGRADECIMENTOS
À professora Suely da Fonseca Quintana, pela ajuda constante e por nunca ter me
deixado aflita, sem respostas ou direcionamento, sendo, além de orientadora, uma
amiga sincera e dedicada.
Ao poeta Eric Ponty, cuja generosidade enriqueceu meu trabalho, permitindo o
acesso ao acervo de Oranice Franco.
Ao escritor Nilo da Silva Lima pelo empréstimo de todo o material particular sobre
Oranice Franco.
Aos professores do Mestrado, por ajudarem na minha formação acadêmica.
Ao meu marido, Luiz Carlos, por sempre me apoiar, incondicionalmente.
Às minhas filhas, Fernanda e Marina, por acreditarem em mim em todas as etapas
deste trabalho.
Aos meus netos, Samuel e Pedro, cujos sorrisos alegraram os intervalos entre as
infinitas palavras escritas.
Às minhas irmãs, Rosângela, Rosane e Conceição, genros, sobrinhos e sobrinhas,
que são meu lugar seguro, onde sempre quero estar.
Ao meu pai, Humberto (in memoriam), e à minha mãe, Maria de Lourdes, por serem
os responsáveis pela minha formação moral.
Ao meu amigo e chefe, Fábio Chaves, e à UFSJ por permitirem meu afastamento
para cursar o Mestrado.
Aos meus amigos, que torceram por mim e se alegraram com meu ingresso no
Mestrado.
RESUMO
Histórias do Tio Janjão foi um programa apresentado na Rádio Nacional, na década
de 1950, escrito por Oranice Franco, poeta, escritor e jornalista mineiro. As histórias
narradas eram fábulas e destinavam-se ao público infantil. A proposta da
dissertação é mostrar que as fábulas, muito além de terem como finalidade apenas o
entretenimento ou a advertência às pessoas, refletem comportamentos e
pensamentos específicos de diferentes períodos em sociedades distintas. Assim, a
primeira parte do estudo analisa alguns representantes do gênero, ao longo do
tempo, mostrando como a produção de fábulas encontrava-se inserida dentro dos
contextos social e cultural de cada época e sociedade. A segunda parte traz
detalhes sobre a vida de Oranice Franco: alguns dados já conhecidos e outros
inéditos obtidos por meio de conversas estabelecidas com vizinhos e amigos da
cidade de São João del-Rei, MG, onde o autor viveu parte de sua vida, falecendo em
1999. As análises de algumas das fábulas, que compõem o acervo do escritor e que
foram narradas no programa da emissora de rádio, possibilitaram comprovar a
relação entre a produção de Oranice Franco e o contexto ideológico e cultural de
sua época. A influência da Rádio Nacional como veículo de comunicação e sua
relação com alguns dos objetivos do governo de Getúlio Vargas foram apresentadas
para reforçar o objetivo principal do estudo. Decretos federais e recortes de jornais
também comprovam a inter-relação entre as fábulas e o momento histórico em que
foram escritas.
Palavras-chave: Oranice Franco; Fábulas; Ideologia; Cultura; Rádio Nacional.
ABSTRACT
Histórias do Tio Janjão was a program presented on “Rádio Nacional” (National
Radio), in the 1950s, which was written by a poet, writer and journalist called Oranice
Franco, from Minas Gerais. The stories which were told in this program were fables
and they were for children. The purpose of the essay is to show that the fables,
beyond their intention of entertaining or warning people, reflect specific behaviors
and thoughts from different periods in different societies. Therefore the first part of
the study looks at some of the genre representatives over time showing how the
production of fables found itself inserted into the social and cultural context of each
era and society. The second part provides details about Oranice Franco’s life: some
facts were well known and others, which were unpublished, were obtained through
talks with neighbors and friends of him in São João del-Rei, MG, where the author
lived part of his life, dying in 1999. The analysis of some of the fables, which are part
of the writer’s collection and were told in the radio station’s program, made it possible
to prove the relation between Oranice Franco’s work and the ideological and cultural
context of his time. The influence of “Rádio Nacional” (National Radio), as a means
of communication and its relationship with some of Getúlio Vargas’s government
goals, was presented to reinforce the primary objective of the study. Federal decrees
and newspaper clippings also show the interrelation between fables and the historical
moment in which they were written.
Key words: Oranice Franco; Fables; Ideology; Culture; National Radio.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES E QUADROS
FIGURA 1 – Oranice Franco .................................................................................... 61
FIGURA 2 – Notícia sobre o início do programa Histórias do Tio Janjão ............... 64
FIGURA 3 – Capa do disco ...................................................................................... 66
FIGURA 4 – Última referência ao programa Histórias do Tio Janjão ....................... 67
FIGURA 5 – Nota sobre as cartas recebidas ........................................................... 88
FIGURA 6 – Número de cartas mensais .................................................................. 88
FIGURA 7 – Carta de uma mãe ao Tio Janjão ........................................................ 89
FIGURA 8 – Seis volumes das Histórias do Tio Janjão ........................................... 91
FIGURA 9 – Manchete: Campanha contra o jogo .................................................. 101
QUADRO 1 – Relação entre as fábulas contadas e os livros publicados ................ 12
QUADRO 2 – Resumo dos volumes das Histórias do Tio Janjão ............................ 92
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 9
CAPÍTULO 1
FÁBULAS: GÊNERO E PODER .............................................................................. 17
1.1 A origem da fábula ............................................................................................. 18
1.2 Fábulas indianas: Kalila e Dimna ....................................................................... 20
1.3 Esopo ................................................................................................................. 28
1.4 Fedro .................................................................................................................. 37
1.5 La Fontaine ......................................................................................................... 45
1.6 Monteiro Lobato .................................................................................................. 52
CAPÍTULO 2
TAL ÉPOCA, TAL ESCRITOR ................................................................................. 60
2.1 O princípio... ....................................................................................................... 61
2.2 Nas ondas da Rádio Nacional: o lugar de Vargas e de Franco ......................... 71
2.3 As histórias infantis e as motivações ideológicas ............................................... 79
2.3.1 O primeiro volume ........................................................................................... 93
2.3.2 O segundo volume .......................................................................................... 96
2.3.4 O terceiro volume ............................................................................................ 97
2.3.4 O quarto volume ............................................................................................ 102
2.3.5 O quinto volume ............................................................................................ 103
2.3.6 O sexto volume .............................................................................................. 104
2.3.7 Orana: apropriação e transformação das fábulas ......................................... 105
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 107
BIBLIOGRAFIAS .................................................................................................... 112
APÊNDICES .......................................................................................................... 118
ANEXOS ................................................................................................................. 127
INTRODUÇÃO
10
Meu primeiro contato com o objeto da minha dissertação aconteceu à
época da redação do projeto para o ingresso no Mestrado. Afastada do meio
acadêmico há mais de vinte anos, precisava encontrar um assunto que, além de
satisfazer a um antigo desejo pessoal, também se aproximasse de meus interesses.
Partiu do meu marido a sugestão do nome Oranice Franco. Eu desconhecia a
existência do autor e nada sabia sobre sua produção. Informada que Franco
escreveu crônicas, livros e histórias infantis para uma emissora de rádio, o interesse
surgiu. Ao saber que ele havia morado em São João del-Rei, minha cidade natal, a
decisão foi tomada.
Assim, procurei ler, por intermédio dos meios eletrônicos, tudo o que se
relacionava a ele. Não obtive muito sucesso nas pesquisas iniciais, conseguindo
adquirir apenas dois livros infantis do autor em sebos nacionais. Nada sobre as
crônicas, tema também de meu interesse. Então, delimitei o assunto: trabalharia
com os livros infantis que foram escritos por Oranice. Com a leitura dos dois livros
encontrados, percebi que o autor havia escolhido a fábula como gênero para sua
produção destinada às crianças.
A fábula se liga, de alguma forma, à infância. Ouvir histórias permite sentir
emoções e viver intensamente tudo o que é narrado. Por fazerem parte do universo
infantil, as fábulas sempre foram apreciadas e usadas por pais e educadores para
transmitirem ensinamentos morais às crianças. Mas não era exatamente esse
enfoque que queria dar à minha pesquisa. Muitos já falaram sobre as fábulas e sua
relação com crianças e com a Literatura Infantil. Eu queria algo diferente para um
escritor pouco estudado e conhecido, mas com grande volume de obras.
Ingressando no Mestrado, sob a orientação da Profa. Suely da Fonseca
Quintana, o norte da dissertação foi definido. As fábulas não seriam abordadas
como representantes da Literatura Infantil. Os caráteres ideológico, cultural e social
das fábulas encaminhariam a pesquisa.
Com o tempo, quase todos os livros infantis de Oranice, faltando apenas
um, foram adquiridos e a pesquisa continuava sendo feita no sentido de analisá-los.
Entretanto, durante a coleta de dados, foi estabelecido o contato com Eric Tirado
Viegas, o poeta Eric Ponty, que é o responsável pelo acervo de Oranice Franco.
Após algumas conversas, Eric Ponty permitiu meu acesso ao acervo de
Oranice, fato que foi determinante para o encaminhamento da presente pesquisa. O
acervo é extenso: há cadernos contendo recortes de jornais da época com
11
referências ao escritor, pastas com correspondências dos amigos, pastas com
material referente aos livros publicados, todos organizadas pelo autor, produções e
recortes que se encontram em folhas soltas, sem qualquer referência. A maioria da
produção de Franco foi datilografada e alguns textos apresentam anotações feitas à
mão pelo escritor. Há também algumas pastas com parte da produção de Crônicas
da Cidade, todas escritas por Franco e lidas na Rádio Nacional. Entre as fotografias,
há algumas dos ouvintes do programa Histórias do Tio Janjão e também cartas
endereçadas ao Tio Janjão.
As Histórias do Tio Janjão estão distribuídas em seis volumes
encadernados e organizados pelo próprio Oranice Franco, contendo duzentas e
trinta e duas fábulas. Esse número não representa todas as fábulas que foram
escritas, mas, com certeza, foi capaz de fornecer dados muito significativos sobre a
obra do autor. Desse total, algumas foram enviadas por crianças, outras são
originárias dos clássicos infantis e outras são repetidas, isto é, foram contadas mais
de uma vez durante a existência do programa. A primeira fábula do primeiro volume
data de 09 de abril 1953, três meses depois do início do programa.
A leitura de todas as fábulas contidas nesses seis volumes possibilitou
uma nova descoberta. Dez dos dezessete livros de Oranice, que foram publicados
entre as décadas de 1970 e 1990, são uma adaptação das histórias contadas na
Rádio Nacional. À exceção de dois livros, cuja origem não se pôde precisar, os
outros são frutos do programa infantil apresentado pela emissora de rádio. A partir
dessa nova e importante constatação, o objetivo principal do trabalho passou a ser a
análise das fábulas contadas na Rádio Nacional sob as perspectivas social, cultural
e ideológica.
Oranice Franco começou a escrever para as crianças na Rádio Nacional
em 1953 e a publicação de seus livros surgiu a partir da década de 1970 e
prosseguiu até duas décadas seguintes. O QUADRO 1 é um demonstrativo das
datas das fábulas contadas na emissora de rádio e dos livros publicados.
12
QUADRO 1 – Relação entre as fábulas contadas e os livros publicados
Data do
Programa
Nome da fábula
contada na Rádio Nome do Livro Publicação1
30/04/53 O burrinho que ria à
toa O burrinho que ria 1984 – 4. ed.
02/06/53 O papagaio mentiroso Niquinho 1980
02/07/53 O pavão orgulhoso O pavão orgulhoso 1988
07/07/53 O peixinho arteiro O peixinho arteiro 1982 – 2. ed.
24/09/53 O urubu cantor O urubu cantor 1989
13/04/54 O coelho sovina A festa do grilo 1977
29/07/54 O cachorrinho de
sangue azul
O cachorrinho de
sangue azul 1987
17/08/54 O touro valentão O touro valentão 1973
30/09/54 O coelhinho mágico O coelhinho mágico 1983 – 3. ed.
30/12/54 O cavalinho e o Ano
Novo O cavalinho Alecrim 1984
A sapinha sapeca Livro não
localizado
13/01/55 A rifa do macaco Macaco Simão rifa um
leão s/d
Esses dados mostram que Oranice se baseou nas histórias contadas na
época da Rádio Nacional para publicar seus livros. Franco escreveu dezessete livros
infantis, contendo dezoito histórias. Desse total, cinco livros não se encaixam no
gênero fábulas. Dos doze livros restantes, apenas um não foi localizado, A sapinha
sapeca. Os volumes encadernados contendo as fábulas da época da Rádio Nacional
e que fazem parte do acervo do escritor não estão completos. Faltam as primeiras
histórias de janeiro a abril de 1953, o que poderia justificar a ausência das duas
histórias que se tornaram livros. Em um dos volumes, entretanto, há uma fábula
intitulada A sapinha sapeca (1953), cujo título é o mesmo do livro não localizado,
levando a supor que pode se tratar da mesma história. A fábula A rifa do macaco
1 Foi utilizada a data que constava nos livros adquiridos, pois não foi localizada a primeira edição de
todos.
13
(1955) guarda alguma semelhança com o livro Macaco Simão rifa um leão. As duas
histórias são sobre um macaco que rifa algo que não é dele, sendo obrigado a
trabalhar para consertar o erro. As semelhanças, todavia, param aí. Não se pode
afirmar que as fábulas citadas serviram ou não de inspiração para Franco ao
escrever esses dois livros.
Durante o acesso ao acervo, mais diálogos foram acontecendo entre mim
e o poeta Eric Ponty, que sempre acrescentava novas informações sobre Franco.
Depois, o pai de Eric, o senhor Vicente Viegas, também me relatou vários fatos
sobre a vida de Oranice e da família Franco. Essas informações foram muito
valiosas, pois não constam em nenhum meio impresso ou eletrônico. São frutos de
uma convivência entre amigos e vizinhos que moravam na mesma rua da cidade de
São João del-Rei.
Outro auxílio à pesquisa veio das consultas feitas à Biblioteca Nacional
Digital. Mediante a leitura de várias edições do jornal A Noite, publicadas entre 1953
e 1957, foram obtidas mais informações sobre o programa Histórias do Tio Janjão,
sobre Oranice Franco e sobre fatos da época. Os dados advindos dessa leitura
possibilitaram ter uma visão a respeito do autor a partir de alguns colunistas do
jornal, do posicionamento de Franco perante os fatos que envolviam a Rádio
Nacional, bem como do sucesso, desenvolvimento e término do programa infantil.
Partindo do enfoque dado à pesquisa, a dissertação foi organizada em
dois capítulos. O Capítulo 1 traz informações sobre a origem da fábula, a descrição
de alguns momentos e representantes do gênero, desde a Antiguidade até o século
XX, e o relacionamento entre os temas das fábulas com a ideologia e as relações de
poder que permeavam as questões sociais dos períodos analisados.
A primeira seção do Capítulo 1 traz trechos críticos de Nelly Novaes
Coelho, Neide Smolka, Heinrich Zimmer, Massaud Moisés e Osvaldo O. Portella
sobre o conceito e a estrutura das fábulas, o tratamento dado às personagens e
outras particularidades.
Depois, seguem-se as análises sobre o livro Kalila e Dimna, uma
coletânea de fábulas orientais, de origem indiana, possivelmente do século III a. C. A
leitura do livro de Heinrich Zimmer, Filosofias da Índia, possibilitou a percepção da
relação entre a sociedade indiana antiga e o enredo das fábulas. A posição da
mulher na Índia, o sistema de castas, o dharma e os ensinamentos direcionados aos
reis e governantes, e a inalterabilidade da hierarquia social, a fim de que a ordem
14
seja preservada e os erros punidos quase sempre com a morte são aspectos que se
encontram em ambos – fábulas e livro.
Em seguida, abordam-se a vida e a obra de Esopo, nascido no século VI
a. C. e levado como escravo para a Grécia. Nessa seção, mostra-se o tipo de
fábulas produzidas por Esopo: narrativas pequenas e diretas, contendo poucos
castigos físicos e com várias referências aos deuses. O papel da religião, a
submissão aos deuses antigos e a pouca valorização da mulher foram aspectos
analisados a partir dos apontamentos de Fustel de Coulanges. A questão da
escravidão e a postura adotada por Esopo de reafirmar o poder dos nobres e a
submissão do povo tiveram como suporte os ensinamentos de Moses I. Finley.
A pesquisa trata, em seguida, de Tito Júlio Fedro nascido no ano 20 a. C.,
que foi levado como escravo para Roma. Essa parte foi desenvolvida com a
intenção de demonstrar que Fedro usou as fábulas para fazer duras críticas ao
Império e aos nobres, não aceitando a posição servil e a submissão com a mesma
naturalidade que Esopo. As anotações dos escritores Mário Curtis Giordani e Paul
Veyne fundamentaram a relação entre o conteúdo das fábulas e os aspectos da
sociedade da Roma Antiga. Luiz Feracine, além da tradução do livro de Fedro usado
na dissertação, trouxe importantes revelações sobre a vida e a obra de Fedro.
O grande representante do gênero fábulas, Jean de La Fontaine, foi o
próximo a ter parte de sua obra analisada. As informações prestadas sobre a vida e
a obra de La Fontaine foram fornecidas por Lucílio Mariano Júnior, que fez a
introdução do volume 1 do livro Fábulas de La Fontaine. A relação do escritor
francês com a corte e com Luís XIV encontra-se espelhada em suas fábulas e traz
aspectos consonantes com aqueles informados por Jacques Revel. O tratamento
gentil dispensado às mulheres, fruto do estilo de vida adotado por ele, bem como a
crítica aos religiosos e aos nobres perpassam o enredo de suas narrativas.
Aproximando mais de nossa realidade, a próxima seção é dedicada a
José Bento Monteiro Lobato, nascido em Taubaté no ano de 1882. O enfoque aqui
foi o tratamento dispensado às crianças do Sítio do Pica-Pau Amarelo. Em suas
fábulas, Monteiro Lobato criava discussões entre os adultos e os pequenos, dando
voz a esses últimos, que expõem suas opiniões acerca de temas com relevância
política, social, econômica e cultural, entre outros. As informações sobre a vida e a
obra de Lobato foram fornecidas por Loide Nascimento de Souza e por Ismael dos
15
Santos. Os pontos de contato entre Monteiro Lobato e Jean-Jacques Rousseau
foram apresentados nessa seção.
O Capítulo 2 apresenta a abordagem sobre Oranice Franco e suas
fábulas produzidas para o programa Histórias do Tio Janjão. Na primeira seção,
foram abordados os fatos relacionados à vida de Oranice Franco, obtidos por meio
das conversas com Eric Tirado Viegas, responsável pelo acervo do escritor, e com
seu pai, o senhor Vicente Viegas. Recortes do jornal A Noite também foram
utilizados para obter dados sobre a vida de Franco e o trabalho desenvolvido por ele
durante o tempo em que trabalhou na Rádio Nacional.
A segunda seção trata da análise da relação entre o governo de Getúlio
Vargas, nos anos de 1930, a Rádio Nacional e a produção de Oranice Franco. Os
pensamentos de Jesús Martin-Barbero deram suporte para o entendimento sobre o
papel do rádio na mediação das massas na América Latina e sobre a utilização do
populismo como estratégia da política de Vargas. Nesse sentido, o rádio surge como
instrumento capaz de atender tanto à mediação das massas como aos interesses de
Vargas e da Rádio Nacional.
Os filósofos alemães Theodor W. Adorno e Max Horkheimer foram citados
para mostrar como o papel alienante da indústria cultural se fez presente na
programação da Rádio Nacional, auxiliando o governo a criar um novo sentido de
nação ao mesmo tempo em que aumentava a audiência de seus programas,
inclusive das Histórias do Tio Janjão.
A última seção do Capítulo 2 refere-se à produção infantil de Oranice
Franco. Os seis volumes que contêm as Histórias do Tio Janjão foram lidos e
algumas fábulas foram analisadas, demonstrando como o escritor atendia às
expectativas sociais, culturais e educacionais da época. Os aspectos educacionais
estariam de acordo com a visão da infância explicada por Philippe Ariès e com as
normas contidas nos decretos educacionais brasileiros da época. A relação entre as
fábulas e o contexto social é evidente, sendo comprovada com os recortes do jornal
A Noite. A postura de autor assumida por Franco, como detentor da verdade e seu
lugar privilegiado de escritor, é analisada a partir das observações contidas em A
Ordem do Discurso, de Michel Foucault. Algumas ideias de Jean Jacques Rousseau
e das escritoras Marisa Lajolo e Regina Zilberman sobre a visão da criança foram
aqui discutidas. Nessa última seção, houve a comparação entre a produção de
Franco e as dos fabulistas citados na dissertação.
16
Oranice Franco já foi estudado por Nilo da Silva Lima, na dissertação
de mestrado pela UFMG denominada O processo de criação literária de Oranice
Franco: um estudo genético, em 2004. Essa dissertação, segundo Nilo Lima, é um
estudo mais completo sobre a obra de Oranice, abordando a multiplicidade da
literatura, história e memória cultural. A ênfase desse trabalho foi a pesquisa no
acervo do escritor e o processo de criação desenvolvido ao longo dos anos e das
diversas obras.
Entretanto, a referida dissertação não faz a análise dos livros de fábulas
ou das Histórias do Tio Janjão, citando-os apenas. Em minhas pesquisas, até o
momento, não encontrei nenhum estudo feito sobre as obras de Franco para as
crianças mesmo sendo ele um escritor com projeção nacional. Essa projeção foi
obtida por intermédio da emissora de rádio na qual trabalhou e da qual ele mesmo
se tornou parte de um programa de nacionalização da cultura. Nesse sentido,
portanto, este estudo distanciou-se bastante daquele já realizado.
Buscou-se com esta pesquisa realizar um estudo da narrativa das fábulas
de Oranice Franco contadas no programa Histórias do Tio Janjão da Rádio Nacional.
Oranice Franco é autor de centenas de obras destinadas a adultos, como poesia,
romances e uma infinidade de crônicas, além dos vários livros destinados ao público
infanto-juvenil. A pesquisa acrescentou novos dados sobre um autor bastante
versátil, pouco conhecido no meio acadêmico, mas cuja produção alcançou enorme
audiência no Brasil dos anos de 1950.
CAPÍTULO 1
FÁBULAS: GÊNERO E PODER
18
1.1 A origem da fábula
A necessidade de o homem se comunicar nasceu com ele. Impossível
pensar em sobreviver em um mundo pré-histórico hostil sem a ajuda de outros
homens. Daí, o desejo de estabelecer algum tipo de contato por mais rudimentar
que fosse. Os primeiros desenhos das cavernas simbolizam a vontade do homem de
entender o mundo ao seu redor, repleto de fenômenos incompreensíveis e
imprevisíveis. Essas primeiras formas de inscrição estariam ligadas a antigos rituais
que protegeriam o homem dos eventos naturais, dos animais e dos outros homens.
Interagindo com o mundo, e tendo certo domínio sobre ele, o homem também
desejou transmitir aos outros os conhecimentos adquiridos por meio de suas
experiências diversas. Talvez esse seja o motivo de as narrativas, escritas ou não,
terem sobrevivido através dos séculos. A tradição oral nasceu desta vontade de
passar para as próximas gerações os conhecimentos obtidos de forma lenta e,
muitas vezes, difícil. As narrativas orais e escritas atravessam os tempos, seja com o
objetivo de ensinar, divertir ou advertir sobre fatos, comportamentos e fenômenos.
Entre as várias narrativas antigas, surgiu o conto, que é uma narrativa
que possui apenas um drama, uma ação, um espaço limitado e apresenta poucas
personagens.
Segundo Nelly Novaes Coelho (1982), o conto seria a forma mais simples
de narrativa, caracterizando-se por apresentar uma pequena extensão. O conto deu
origem ao gênero fábula e ambos apresentam pontos comuns.
A fábula (do latim fari = falar e do grego phaó = dizer, contar algo) muito
se aproxima do conto: apenas uma ação, poucas personagens e local descrito de
forma breve. A fábula é uma narrativa curta, em versos ou prosa, que apresenta
situações vividas por animais, mas que são intimamente ligadas aos homens e que
têm por objetivo transmitir um ensinamento ou moralidade.
Sua origem é bem antiga, como atesta Neide Smolka (1994, p. 7):
A fábula teria nascido provavelmente na Ásia Menor e daí teria passado pelas ilhas gregas, chegando ao continente helênico. Há registros sobre fábulas egípcias e hindus, mas sua criação é atribuída à Grécia, pois é onde a fábula passa a ser considerada como um tipo específico de criatividade dentro da teoria literária.
19
Coelho (1982) reafirma que a fábula teria nascido no Oriente e acrescenta
que depois ela foi reinventada por Esopo na Grécia e aperfeiçoada em Roma por
Fedro. Mais tarde, La Fontaine, na França, tornou-se o divulgador e recriador do
gênero.
Heinrich Zimmer (2008, p. 21-22) também esclarece:
De fato a Índia é uma das grandes pátrias da fábula popular e muitas destas foram levadas para a Europa durante a Idade Média. A vivacidade e nitidez das imagens gravam fundo no íntimo das criaturas os aspectos mais importantes do ensinamento. São como pontos fixos sobre os quais podemos desenvolver um sem-número
de raciocínios abstratos.
Mesmo sendo a fábula uma expressão literária de origem muito remota,
conseguiu resistir aos séculos mantendo suas características principais: é uma
narrativa com animais que simbolizam os homens, servindo para divertir e para
ensinar. As personagens das fábulas geralmente são símbolos; ou seja,
representam algo que faz parte do senso comum: o leão é o símbolo da força; a
raposa, da esperteza; o lobo, da maldade; o asno, da estupidez.
Massaud Moisés (1982, p. 226) define assim a fábula:
Narrativa curta, não raro identificada com o apólogo e a parábola, em razão da moral, implícita ou explícita, que deve encerrar, e de sua estrutura dramática. No geral, é protagonizada por animais irracionais, cujo comportamento, preservando as características próprias, deixa transparecer uma alusão, via de regra satírica ou pedagógica, aos seres humanos.
Osvaldo O. Portella (1983) comenta que La Fontaine nomeou as duas
partes principais da fábula de corpo e alma. O corpo seria a narrativa que revela as
diferentes situações vividas por animais, representando os seres humanos. E a alma
seria a verdade que surge dentro dessa narrativa. Essa verdade diz respeito a toda
a humanidade. É a experiência dos povos, a noção do bem e do mal, do certo e do
errado e que muda ou adquire novos formatos e significados dependendo da época
em que se encontra.
A fábula mantém uma estrutura relativamente simples e fixa. É uma
narrativa de um conflito, que pode ser um enfrentamento físico ou verbal e uma
conclusão, que é o ensinamento moral. Esse tipo de narrativa pode mostrar como é
20
a sociedade de cada época e como as pessoas devem se comportar, a fim de
sobreviver e evitar as possíveis punições advindas de atitudes indesejáveis.
Utilizando-se de animais, a fábula ilustra os diversos conflitos humanos, condenando
os vícios, como o orgulho, a preguiça e a mentira, entre outros. Também, é possível
que se registre, mediante a narrativa, como o homem é impotente diante dos deuses
e dos mais fortes, lutando sempre pela própria sobrevivência e agindo de forma a
não atrair para si mesmo os prejuízos do enfrentamento com os superiores.
Desde as narrativas mais remotas, nota-se que a fábula serviu para
censurar ou aprovar determinadas atitudes dos homens, sempre dependentes do
contexto e da intenção de quem escrevia ou proferia a fábula. O criador da fábula
dava a ela o tipo de estrutura e de moralidade segundo suas ideias e convicções.
Um pequeno caminho histórico será percorrido mostrando como esse
gênero atravessou os séculos, passando por mudanças na forma e no conteúdo
devido à necessidade de adaptação às circunstâncias sociais, culturais e ideológicas
das diferentes épocas.
1.2 Fábulas indianas: Kalila e Dimna
Kalila e Dimna é uma coleção de fábulas orientais, que deve ter surgido
na Índia, por volta do século V a. C., sendo escrita em sânscrito. Os textos foram
traduzidos em mais de trinta idiomas, sendo, portanto, considerados fontes
importantes do fabulário universal.
Zimmer (2008, p. 80) relata que a tradição indiana das fábulas foi
desenvolvida ao lado de grandes tratados técnicos e profissionais. São narrativas
acerca de situações diversas “apresentadas sob o gracioso disfarce do reino animal
– revelando envolvimentos e problemas complexos da política que em todas as
partes confrontam os reis, estados e indivíduos, [...]”. Muitas das fábulas presentes
em Kalila e Dimna englobam situações vivenciadas pelos governantes e a maneira
adequada de agir em cada situação.
De acordo com Mamede Mustafa Jarouche2, todas as traduções
existentes de Kalila e Dimna foram feitas do árabe ou a partir de alguma tradução de
2 Mamede Mustafa Jarouche é professor de língua e literatura árabe na USP. É o responsável pela
tradução, organização, introdução e notas do livro Kalila e Dimna consultado nesta dissertação.
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origem árabe, formando uma cadeia de transmissão muito extensa. O livro Kalila e
Dimna foi traduzido para o árabe em meados do século VIII da era cristã. A tradução
é atribuída a um letrado persa chamado Ruzbih, que, após se converter ao
islamismo, adotou o nome de Abdullah, embora seja mais conhecido pela alcunha
de Ibn Almuqaffa. Essa tradução teria dado origem a diversas outras.
O próprio Almuqaffa (2005, p. 5) esclarece, nas páginas que antecedem
as narrativas do livro, qual é o propósito da obra. De acordo com ele,
[...] o livro reuniu sabedoria e diversão. Assim, os sábios elegeram-no por causa da sabedoria, e os néscios, por causa da diversão; quanto aos jovens que estão a instruir-se, e outros mais, eles se entusiasmam com o saber nele contido, e se lhes torna leve decorá-lo. Quando o jovem se fortalecer e amadurecer e seu intelecto se desenvolver, e ele refletir sobre o que decorou e fixou em sua alma – e que ele antes ignorava, saberá então que aí ele encontrou grandiosos tesouros, [...].
O tradutor persa também afirma que o livro deve ser lido aos poucos,
buscando o entendimento completo de cada história, pois, do contrário, a leitura não
trará benefício algum.
A coletânea apresenta dezessete capítulos, sendo que alguns deles
foram localizados no Pañcatantra, coletânea de narrativas da Índia Antiga escrita em
sânscrito, e outros no Hitopadeça, que seria uma compilação posterior do mesmo
Pañcatantra, comprovando a antiguidade e o entrelaçamento entre as obras
orientais.
O título do livro é composto pelos nomes de dois chacais, Kalila e Dimna,
personagens que aparecem apenas nos dois primeiros capítulos da coletânea. Kalila
é um chacal que representa o homem prudente e resignado, que aceita sua
condição social e que sempre aconselha Dimna, seu irmão. O chacal Dimna é
ambicioso: quer se igualar aos poderosos e emprega todos os meios para conseguir
seu objetivo.
As narrativas do livro se desenvolvem a partir dos questionamentos feitos
pelo rei da Índia, Dabxalim, a Baydabã, um dos seus mais importantes filósofos. O
rei pede paradigmas aplicáveis sobre vários assuntos e o filósofo transmite os
exemplos pelo encadeamento de narrativas. Todos os exemplos são dados para
atender às indagações do rei, que obtém as instruções conforme o próprio interesse.
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Diferentemente das fábulas de Esopo e Fedro, as narrativas da coleção
indiana são mais extensas. Enquanto nas fábulas gregas e romanas os
ensinamentos são breves e diretos, retratando uma situação específica, em Kalila e
Dimna, o entrelaçamento de histórias dá origem a diversas outras instruções dentro
de uma mesma história. Há sempre uma história que se desenvolve dentro de outra
ocasionando o surgimento de um ensinamento a partir de outro.
O tratamento dado às personagens em Kalila e Dimna e nas fábulas de
Esopo e Fedro ora assemelha-se, ora distancia-se. Diferencia-se pelo fato de que
em Kalila e Dimna nem sempre as características próprias de cada animal são
consideradas, sendo mais significativo o ensinamento que se quer transmitir. Assim,
a raposa, considerada símbolo de esperteza, é enganada por um tambor; uma lebre
é escolhida pelos animais para intermediar uma situação com o leão; uma gaivota e
uma cobra naja dividem o mesmo espaço. Esses e vários outros exemplos se
aplicam às narrativas do livro, cuja escolha das personagens não se liga às
características dos animais; o fundamental são as instruções transmitidas.
Nas fábulas grega e romana, as personagens se relacionam às
características que lhes são próprias: o leão representa o poder; a formiga, o
trabalho; a raposa, a astúcia. Nas primeiras duas histórias da coletânea, O leão e o
touro e A investigação acerca de Dimna, o mesmo acontece. A presença do leão
como representante do poder liga-se à característica própria do animal. Binkala é o
rei de um lugar, onde vivem vários animais, inclusive os dois chacais que dão título
ao livro. Há também um touro, Xanzaba, vivendo próximo ao reino e que, a princípio,
perturbou o leão com seus ruídos, pois o soberano nunca tinha visto ou ouvido esse
animal. Mas esse personagem não representa apenas força. O touro é também
considerado como o venerável gênio da justiça, segundo o Código de Manu.3
Na narrativa, Xanzaba é incriminado por Dimna, motivado pela inveja da
amizade surgida entre o rei e o touro. O leão, acreditando nas falsas artimanhas de
Dimna, mata o amigo. Sendo o touro representante da justiça, sua morte, no lugar
de tranquilizar o rei, trouxe inquietação e tristeza ao coração do leão. A justiça não
prevaleceu e isso acabou fazendo com que o rei desconfiasse das atitudes de
Dimna, nomeando seus auxiliares para investigarem as ações do chacal. Nesse
3 O Código de Manu é um dos livros sagrados da Índia. Para os hindus, Manu seria o filho de Brahma
e o mais antigo legislador do mundo. A data da promulgação do Código não é exata, sendo calculada entre os anos de 1300 e 800 a. C. O Código trata de religião, moral e leis civis.
23
aspecto, novamente manifestam-se as orientações do Código de Manu, pois quando
um rei não examina uma causa deve nomear um brâmane para desempenhar tal
função. A investigação é feita pelo leopardo, assessor e mestre do leão, e as
mentiras de Dimna são descobertas. O chacal é preso e condenado a morrer de
sede e de fome. Esse animal é utilizado para simbolizar uma pessoa muito má, que
espreita a desgraça de outros para se beneficiar dela, indicando que a escolha do
personagem também se ligou ao que ela representa. Com a morte de Dimna, a
justiça é restaurada, pois o verdadeiro culpado recebeu a punição merecida.
Os dois primeiros capítulos do livro, a título de exemplo, contêm mais de
quinze outras histórias que nascem dentro da história principal, criando uma rede de
narrativas muito semelhantes à rede que se encontra em As mil e uma noites, cuja
origem remonta ao Pañcatantra e, por extensão, ao livro mencionado. Entretanto,
mais que o encadeamento de histórias, Kalila e Dimna apresenta aspectos da
cultura e da sociedade indianas em todos os seus capítulos.
O posicionamento social das personagens remete ao sistema de castas4,
muito comum na Índia Antiga, que, embora abolido após a independência da
Inglaterra, em 1950, deixou muitos resquícios na sociedade indiana.
Pode-se considerar que o leão Binkala seria pertencente à casta dos
xátrias e o chacal Dimna seria um sudra. Dimna não vivia próximo ao rei. Ao
contrário, como ele mesmo declara ao leão, vivia às portas da cidade, ou seja, fora
dos limites reais, onde a sua condição social não lhe permitia frequentar, apenas
esperando que algo acontecesse para tornar-se útil ao soberano. O desejo de
aproximar-se do rei, mudando sua condição social e, consequentemente, receber o
reconhecimento e prestígio é evidente em Dimna desde o início do primeiro capítulo.
Para isso, empenha-se em fazer o que for necessário para conseguir seu propósito
e aproveita-se da fragilidade do leão diante do medo do touro, animal até então
desconhecido pelo rei. Dimna, desse modo, como ele mesmo explica, irá deixar de
4 O sistema de castas ou varna (palavra em sânscrito que significa cor) dividiu a sociedade indiana
desde 600 a. C. As castas são divididas em brâmanes, xátrias, vaixás e sudras, tendo se originado de partes do corpo de Brahma, o deus supremo da religião hindu. Os brâmanes representam a boca de Brahma e são os encarregados da sabedoria, sacerdotal e filosófica. Os xátrias, originários dos braços do deus, são responsáveis pela manutenção e pela defesa do território, sendo que a maioria dos reis vem dessa casta. Os vaixás, nascidos das coxas de Brahma, ocupam-se da produção mercantil e agropastoril. E os sudras, nascidos dos pés, realizam os trabalhos pesados e considerados indignos pelos demais, além de artesanato e produção manual. Os sudras incluem várias castas de intocáveis, cujas ocupações lidavam com a morte, na preparação de enterros ou cremações, e também com o recolhimento de fezes, e sobre as quais há uma série de tabus proibindo contato, inclusive o físico.
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lado a arrogância. Vai suportar os sofrimentos, exibir um rosto sorridente, esconder
a irritação e auxiliar nas resoluções de problemas que o rei possa ter até atingir seu
objetivo. Após ter atraído a simpatia e a confiança do leão, Dimna teme perder os
privilégios até então adquiridos, pois o contato entre o rei e o touro resulta em uma
amizade sincera, mas que foi destruída pelas mentiras elaboradas pelo chacal.
Dimna, causando a morte do touro e reaproximando-se do rei, quase
consegue seu objetivo. Mas seu desejo de mudar de casta representa uma atitude
condenável pelos indianos. Na Índia Antiga, nascer em uma casta significava morrer
nela. Segundo Zimmer (2008), cada casta tem suas vestimentas, adornos e normas
específicas. O que se pode ou não fazer, com quem conversar e casar, as atitudes
particulares ou sociais e as punições por quaisquer tipos de infrações são
regulamentados por normas específicas de cada grupo social. O autor acrescenta:
“Considera-se que a casta forma parte do caráter inato de cada um. A ordem moral
divina (o dharma), que tece e mantém unida a estrutura social, é a mesma que dá
continuidade às vidas do indivíduo” (ZIMMER, 2008, p. 122).
O indiano não deve rebelar-se contra sua situação, pois ele faz parte de
um mesmo grupo, de uma mesma casta, e o grupo tem prioridade sobre qualquer
um de seus membros. Dimna errou ao ansiar pela expressão individual. Deveria ter
agido como seu irmão, Kalila, que aceitava a própria condição. Querendo sair do
anonimato gerado pelo grupo ao qual pertencia, Dimna se mostrou contra os
desígnios do dharma e foi punido por isso.
Atitude diferente em relação ao dharma encontra-se na história de uma
ratinha, que, sendo transformada em menina, volta à forma original e casa-se com
um rato. Nessa narrativa, como em muitas outras, o ensinamento é sobre como a
pessoa deve agir diante da vida de acordo com o dharma. A virtude pessoal e a lei
universal são dependentes uma da outra. A harmonia entre as duas mantém a
sociedade, por isso cada pessoa deve conhecer a si própria e relacionar-se
naturalmente com o seu lugar no mundo tanto social como religiosamente. O
dharma é, ao mesmo tempo, virtude pessoal e lei universal, acontecendo de maneira
harmoniosa. A ratinha, ao desejar voltar ao estado original para casar-se com o rato,
mantém-se fiel em relação ao lugar que ela ocupa no mundo. Ela se reconheceu
como parte de um todo, e não como um ser isolado. Ao aceitar sua condição,
consegue a harmonia entre o individual e o universal. Não se casando com outros
pretendentes – o sol, a nuvem, o vento e a montanha –, que, respectivamente,
25
simbolizam o fogo, a água, o ar e a terra, ela se afasta dos quatro elementos. Eles
são substância de todo corpo material e a matéria pode escravizar os sentidos. Na
Índia, a castidade, a pureza e a fidelidade são valores que toda mulher deve
preservar. Negar o casamento com os quatro pretendentes sugere que a ratinha
buscou mais que o prazer das coisas materiais. Empenhou-se em atingir um estado
mais elevado de vida.
Assim como a ratinha dessa narrativa, a mulher indiana deveria buscar a
pureza e a castidade, sendo repudiada e criticada caso agisse de maneira diferente.
O Código de Manu estabelece normas a serem seguidas pelas mulheres. Entre elas,
algumas indicam qual o comportamento esperado por uma mulher e justificam a
abordagem feminina encontrada em Kalila e Dimna. Segundo o Código de Manu, a
mulher não tem vontade própria. Quando criança, é subordinada ao pai, depois ao
marido e finalmente aos filhos, caso o marido tenha falecido. Sua função principal é
ter filhos e cuidar deles. A mãe é considerada a terra e o pai a semente. Sendo
assim, os frutos sempre herdam as características da semente, nunca da terra. A
mulher deve cumprir suas obrigações, buscando o bom comportamento e se
mantendo fiel ao marido, pois, do contrário, atrairá desgraça para toda a família. Se
ela tiver boa conduta, poderá ocupar o mesmo lugar do marido após a morte. Caso
contrário, voltará de um ventre de um chacal, sendo acometida de doenças. Manu,
pai dos homens, deu às mulheres o apetite sexual, a cólera, as más inclinações, o
desejo de fazer mal e a perversidade, por isso elas devem ser sempre vigiadas por
algum homem, a fim de manter bons hábitos.
As mulheres do livro são casadas e quase todas são mentirosas,
prostitutas e interesseiras. Sendo chamadas de devassas, traem o marido, têm
amantes, auxiliam outras mulheres para agirem de modo indevido e são sempre
castigadas fisicamente: levam surras, têm o nariz cortado, ficam desmoralizadas. Os
homens que se deixam enganar por elas são sempre considerados ingênuos e
ridicularizados nas narrativas.
Em apenas uma narrativa, o procedimento da mulher casada é diferente:
ela é formosa, fiel e inteligente. Ela se mantém fiel ao marido, mesmo sendo
procurada por outro homem. Acusada injustamente de adultério, consegue provar
sua inocência. A conduta correta foi o que possibilitou que ela fosse salva. Se não
tivesse agido corretamente, provavelmente teria um destino bem diferente.
26
A leoa, mãe do leão Binkala, também recebeu um tratamento
diferenciado. Em momento algum, sua integridade moral é questionada, fato óbvio,
pois ela pertencia a uma classe superior. Mesmo sendo portadora de qualidades, ela
não tem nome. Durante toda a narrativa, ela é tratada como “mãe do leão”. A
conversa entre Dimna e Kalila sobre as mentiras que culminaram com a morte do
touro foram ouvidas pelo leopardo, que as contou para a leoa e esta para o rei.
Entretanto, mesmo sendo sua mãe a lhe contar tudo, Binkala não acredita nela,
tornando-se necessário o testemunho do leopardo. Uma mulher não pode
testemunhar contra um homem, apenas contra outra mulher, e, mesmo assim,
sempre acompanhada por um homem conforme o Código de Manu. Portanto,
apenas a palavra da leoa não foi suficiente para condenar alguém mesmo gozando
ela de certos privilégios.
Excetuando-se esses dois exemplos, os comentários feitos a respeito das
mulheres são sempre pejorativos. Em uma das narrativas, Kalila explica para Dimna
sobre as três coisas que somente o néscio é capaz de fazer: acompanhar os
soberanos, confiar segredo às mulheres e tomar veneno para experimentar. As
mulheres não são dignas de confiança. São capazes de traições e apenas os
ingênuos confiam nelas.
Em outra narrativa, encontra-se o seguinte comentário: “A posição
ocupada pelo dinheiro ante o inteligente é a posição do cisco no olho; a posição das
mulheres é a das serpentes [...]” (ALMUQAFFA, 2005, p. 148). A mulher é sempre
inferiorizada: a posição de serpente remete tanto à posição mais baixa quanto à
capacidade de traição. Os exemplos e comentários do livro são representativos da
situação da mulher na Índia Antiga, cujos resquícios se fazem notar até os dias
atuais.
Em Kalila e Dimna, as narrativas se desenvolvem a partir dos
questionamentos do rei indiano, cujas respostas são dadas por meio de histórias
que envolvem homens e animais, ensinando como agir com o povo, como tomar
decisões e a precaver-se contra os inimigos. Coelho (1985, p. 12) aponta para o fato
de que as narrativas de Kalila e Dimna e outras desse período giravam em torno da
violência:
[...] a vitória ou prepotência dos fortes sobre os fracos; a luta pelo poder através de quaisquer meios; as metamorfoses contínuas; a
27
falsidade ou traição das mulheres; a ambição desmedida de riqueza e poder; a astúcia dos fracos para escapar à prepotência dos fortes; a utilização de animais para ‘representarem’ as ações humanas...
Percebe-se também que, praticamente, todas as faltas eram punidas com
a morte. O perdão era quase inexistente. Quando a mãe do leão, no segundo
capítulo do livro, relata ao filho os fatos que envolveram a morte do touro, ela
também o adverte sobre a necessidade de se punir o mentiroso Dimna:
[...] assim que Dimna deixar transparecer o que por ora está ocultando, consistirá em matá-lo, punindo-o por seu crime e preservando teus soldados do mal que ele pode levá-los a perpetrar, pois não se está assegurado de que não reincidirá em algo semelhante (ALMUQAFFA, 2005, p. 97).
A história Os corujões e os corvos é um exemplo como um rei deve ser
sábio o bastante para não se deixar enganar. Os dois grupos de animais, corujões e
corvos, eram inimigos mortais, sendo que os primeiros sempre venciam as batalhas.
Usando de mentiras, um corvo consegue se aliar aos corujões, enganar todos e os
exterminar. O rei dos corujões, deixando-se enganar pelo corvo, causou a morte de
todos. Outras histórias se baseiam no mesmo princípio, que o rei deve ser firme, não
deve perdoar os inimigos e os traidores, devendo estar atento aos conselhos dados
pelos seus auxiliares de confiança.
De acordo com Coelho (1985), nota-se que por detrás dos relatos das
histórias estão os valores próprios de sociedades primitivas, nas quais a hierarquia
social é feita pela lei do mais forte. Esses valores mostram e reafirmam o tipo de
educação de cada cultura – árabe, síria, persa, hindu –, mas têm pontos em comum:
a educação para a guerra, a educação para a elite e a educação conservadora, que
procurava manter uma tradição, sem questionamento por parte do indivíduo,
instaurando-se, assim, a supressão da individualidade.
Nas narrativas que compõem Kalila e Dimna, assim como nas outras que
serão analisadas, há uma relação direta entre o modo de vida social e cultural de um
povo e a literatura criada em cada época.
28
1.3 Esopo
Segundo Smolka (1994)5, Esopo teria nascido na Trácia, antiga região da
Macedônica, possivelmente na Lídia ou na Frígia, no século VI a. C., vivendo entre
os anos de 620 e 560. Ele teria sido levado como escravo para Atenas, onde, graças
à sua cultura e criatividade, obteve grande prestígio e reconhecimento dos
atenienses. Atenas era uma cidade próspera, onde circulavam escritores e poetas.
Nesse ambiente, Esopo teria criado suas fábulas, recitando-as em praça pública
para o povo. Essa habilidade fez surgir a admiração dos gregos por Esopo mesmo
estando ele na condição de escravo. Importante salientar que ele não nasceu
escravo. Essa condição foi a ele imposta. Moses I. Finley (2002, p. 109-110) ensina
que na Grécia antiga havia duas formas de suprimento de escravos:
Uma eram os prisioneiros, as vítimas da guerra e às vezes da pirataria. Uma das poucas generalizações sobre o mundo antigo para a qual não há exceção é que as forças vitoriosas tinham direito absoluto sobre as pessoas e as propriedades dos vencidos. Esse direito não era exercido inteiramente todas as vezes, mas com frequência suficiente, e numa escala bem grande, para lançar um suprimento contínuo e numeroso de homens, mulheres e crianças no mercado escravo. Ao lado dos prisioneiros devemos colocar os chamados bárbaros que entravam no mundo grego num fluxo constante – trácios, citas, capadócios etc. – pela ação de mercadores que se dedicavam a esse tipo de comércio o tempo todo, [...].
A condição servil não impediu que Esopo se sobressaísse entre os
atenienses, mas tal prestígio também motivou sua morte. Aristófanes6 é quem
fornece maiores detalhes sobre como teria ocorrido a morte de Esopo. Diz o
escoliasta que Esopo, em visita a Delfos7, teria criticado os habitantes da cidade,
que não trabalhavam vivendo à custa das oferendas feitas ao deus Apolo. Não
satisfeitos com as declarações de Esopo, alguns moradores colocaram uma taça
sagrada entre os pertences do fabulista. Apanhado quando saía da cidade, Esopo
foi acusado de sacrilégio por roubar uma peça sagrada. Como castigo, foi atirado do
5 Neide Smolka traduziu 358 fábulas do grego para o português. Para isso, utilizou o livro bilíngue de
Émile Chambry, que traduziu as fábulas de Esopo do grego para o francês. A tradutora buscou manter a linguagem das fábulas o mais próximo possível do original. Neste trabalho, optou-se por usar o livro de Neide Smolka como referência, seguindo a numeração das fábulas apresentada no livro. 6 Aristófanes, escoliasta (estudioso de texto antigos), viveu no século III a. C. (N.T.).
7 Delfos era uma cidade onde ficava o mais importante oráculo da Grécia. Famoso por suas profecias,
era muito procurado por várias pessoas, inclusive estrangeiros.
29
alto de um rochedo. Fustel de Coulanges (2004) esclarece que os povos antigos
acreditavam que a alma não se separava do corpo após a morte, vivendo outra vida.
Daí, surgiu a necessidade de uma sepultura. “Para a alma se fixar na morada
subterrânea destinada a essa segunda vida, impõe-se que o corpo, ao qual a alma
está ligada, seja coberto de terra” (COULANGES, 2004. p. 9). Então, impedir que um
morto tenha uma sepultura era um castigo horrível, pois não teria como alma e corpo
se encontrarem na outra vida. Talvez seja esse o motivo de Esopo ter sido
empurrado de um penhasco, não sendo a ele dada uma sepultura.
O que também diferencia a fábula do conto é a presença do ensinamento
moral, que pode estar no início da narrativa, como fez Fedro algumas vezes, ou no
final, como em Esopo. O ensinamento moral é de tal importância que os copistas da
Idade Média escreviam o texto em preto e deixavam a moral da história para ser
escrita depois em letras vermelhas ou douradas. Em alguns casos raros de
esquecimento por parte dos copistas, as lições de moral foram omitidas nas fábulas.
Talvez essa preocupação em destacar a moral da história seja a
responsável por existirem algumas fábulas de Esopo sem o ensinamento final. Pode
ser possível que, no ato da transcrição das narrativas, algumas lições de moral
tenham sido esquecidas involuntariamente. Entre todas as fábulas de Esopo,
existem apenas onze que não têm o ensinamento final. São elas: O boiadeiro e
Héracles, Diógenes e o calvo, O eunuco e o sacrificador, O gaio que escapou, O
mosquito e o leão, O lobo (contente com sua própria sombra) e o leão, As árvores e
a oliveira, O burro e o cão viajando juntos, A criança e o corvo, a Muralha e a cavilha
e O Inverno e a Primavera.
Apesar da ausência da lição de moral, continua sendo possível extrair os
ensinamentos das narrativas. A fábula 72, O boiadeiro e Héracles, por exemplo, é
sobre um boiadeiro, que, tendo o carro de bois caído num buraco, senta-se e
implora ajuda ao deus Héracles, que lhe aparece e diz: “Põe as mãos nas rodas,
incita os bois e suplica aos deuses enquanto tu mesmo estiveres fazendo isso, ou
suplicarás em vão” (SMOLKA, 1994, p. 46). A moral da história está implícita na
resposta dada pelo deus; ou seja, refere-se ao esforço próprio para se conseguir as
coisas sem abandonar a fundamental ajuda dos deuses.
A dependência dos homens da Antiguidade com os deuses encontra-se
bem representada nas fábulas de Esopo. Boa parte das narrativas envolve os
deuses e seu relacionamento com os homens e com os animais. De acordo com
30
Coulanges (2004), a religião foi a responsável pela fundação das sociedades no
mundo antigo e as governou por longos períodos. Romanos e gregos se
submeteram às leis e regras religiosas, que determinaram o modo de agir e de
pensar e os costumes que esses povos deveriam preservar. Tudo indicava que o
mundo era governado por inúmeros deuses mesquinhos, malévolos e que facilmente
se irritavam voltando-se contra os homens. A maioria das fábulas de Esopo ilustra
as severas atitudes dos deuses com os homens e com os animais. A fábula de
número 34, intitulada Homens (dois discutindo sobre deuses), conta:
Dois homens discutiam sobre qual dos deuses, Teseu ou Héracles, era maior. E os deuses, enfurecidos contra eles, vingaram-se cada um sobre o país do outro. A discórdia dos subordinados faz com que os senhores fiquem encolerizados contra seus súditos (SMOLKA, 1994, p. 31).
Essa pequena fábula exemplifica como os deuses enfureciam-se contra
os homens, castigando-os sem piedade. As palavras usadas, “senhores” e “súditos”,
reforçam a relação de subordinação que existia entre homens e deuses e como os
primeiros submetiam-se aos últimos.
Os animais também não escapavam da fúria divina, sendo sempre
castigados com a mesma rigidez praticada contra os homens. A fábula 234, As
abelhas e Zeus, expõe tal situação:
As abelhas, querendo recusar mel aos homens, foram ter com Zeus para pedir que lhes desse força para matar com os ferrões os que se aproximassem de seus favos. E Zeus, indignado com o ciúme das abelhas, condenou-as a perder o ferrão e também a vida toda vez que picassem alguém. Essa fábula poderia ser aplicada aos homens que até consentiriam em ser prejudicados por inveja (SMOLKA, 1994, p. 132).
Zeus é o senhor de tudo: ele dá a vida e pode tirá-la. Ele é o juiz e o
executor. Ele dá as ordens para os homens e animais, podendo ajudá-los ou
castigá-los com a mesma facilidade. Tamanha submissão e temor aos deuses se
baseiam no fato de que a religião ocupava um lugar de destaque no mundo grego,
sendo considerada como parte essencial da vida do indivíduo. Coulanges (2004,
2004, p. 242) ensina:
31
O medo dos deuses não foi um sentimento exclusivo do romano, imperava também no coração do grego. Estes povos, formados originariamente por meio da religião, instruídos e educados por ela, conservaram, por muito tempo, o cunho dessa primitiva educação.
E continua:
O ateniense, concebido como inconstante, caprichoso e tão livre-pensador, nutre, pelo contrário, singular respeito pelas antigas tradições e velhos ritos. A sua principal devoção é a religião dos antepassados e dos heróis. O ateniense tem o culto dos mortos, e teme-os (p. 243).
Coulanges (2004) explica que a base dos direitos romano, grego e hindu
foi a religião e as normas por ela imposta. Deriva disso o fato de que essas três
nacionalidades concordam que a mulher é sempre de reputação menor. Ela não
pode perpetuar os ritos familiares e nem prestar homenagem aos antepassados,
porque isso era função exclusivamente masculina. A mulher grega encontrava-se
em situação de maior submissão se comparada à mulher romana. Saía do poder do
pai para passar para o poder do marido. Mudava de casa e assumia o novo lar,
adotando, inclusive, os cultos aos deuses e antepassados do marido, não tendo
mais relação alguma com a família de origem. Assim, não é estranho o fato de haver
poucas fábulas de Esopo sobre a mulher. Elas não eram consideradas; portanto,
não mereciam esse tipo de atenção. Há duas fábulas sobre as mulheres. Uma, O
homem e a mulher (rabugenta), é sobre uma mulher, a qual ninguém suportava,
nem o marido, nem a família, nem os empregados, tamanha a chatice e os modos
rudes dela. Outra é sobre o homem que era amado por duas mulheres e que será
explicada quando da parte sobre Fedro.
Paralelamente à grande influência dos deuses e da religião na vida dos
helênicos, há outro aspecto muito encontrado nas narrativas de Esopo: a obediência
dos servos em relação aos senhores. Percebe-se que a intenção de Esopo ao
contar determinadas fábulas era pregar a resignação e o conformismo diante da
servidão e, por consequência, frente a qualquer trabalho que fosse determinado
pelos senhores. Apesar de ser um escravo, Esopo reforça em suas fábulas os
valores da classe dominante, favorecendo os senhores em oposição aos da sua
própria condição social.
Essa relação paradoxal pode ser entendida pela importância que o
trabalho escravo representou na Grécia Antiga. A escravidão, que hoje é motivo de
32
repulsa e indignação, era vista como algo normal entre os gregos. A escravidão era
um fato comum, não questionável, não condenável e que não provocava qualquer
tipo de reação contrária. “O trabalho servil era essencial para preencher as
exigências da agricultura, do comércio, da manufatura, dos trabalhos públicos e da
indústria bélica” (FINLEY, 2002, p. 103).
Segundo Finley (2002), não se podia imaginar a vida na Grécia sem a
presença de escravos. Os escravos podiam desempenhar várias atividades, das
mais pesadas às mais leves. O trabalho nas minas, extremamente duro e miserável,
era exclusivamente realizado por escravos. Além dos escravos usados na lavoura e
nas minas, havia uma parte dos escravos que era utilizada para trabalhos
domésticos. Estes podiam ter mais sorte, obtendo melhores condições de vida e
tratamento mais digno. Embora os detalhes sobre a vida de Esopo sejam pouco
conhecidos, sabe-se que ele era cativo do grego Zeno, que posteriormente o vendeu
ao filósofo ateniense Janto ou Xanto. Desempenhando funções domésticas e tendo
uma vida bem mais confortável do que os escravos empregados nas lavouras e
minas, torna-se compreensível o fato de Esopo falar sobre submissão e obediência
em suas fábulas.
Conforme Eliane Quinelato (2009), nas sociedades gregas antigas, os
nobres não trabalhavam. Eles se ocupavam dos banquetes, das festas, dos rituais
religiosos e das assembleias políticas.
Qualquer tentativa de obter mais direitos e privilégios para um homem, para uma classe ou para um setor da população implica necessariamente uma redução correspondente dos direitos e privilégios de outros. Em todas as sociedades até agora existentes, desde a expulsão do Jardim do Éden, os direitos se chocaram. Pelo menos naquelas esferas do comportamento humano que envolvem bens, poder ou honras, os direitos e privilégios de um homem são as obrigações e as limitações de outros. Isso não é menos verdade se recorrermos ao grego [...] (FINLEY, 2002, p. 85).
O mundo grego sobreviveu graças ao trabalho servil. O trabalho escravo
surgiu como uma necessidade do povo grego, uma vez que a classe abastada não
desempenhava tipo de trabalho algum. Não havia qualquer constrangimento em
relação a isso. Quinelato (2009) explica que o trabalho era considerado uma
atividade inferior. Os nobres deveriam ter quantos escravos fossem necessários
33
para que fossem poupados de exercerem quaisquer atividades laborais, por
menores que fossem.
Na mesma proporção que o ócio fazia parte da aristocracia grega, o
trabalho ganhava espaço na vida dos escravos e daqueles chamados homens livres.
A impressão nítida que se tem é de que a maioria dos escravos compunha-se de estrangeiros. Isto é, a regra rezava que (exceto a escravidão decorrente de dívida) os atenienses nunca eram mantidos como escravos em Atenas, ou os coríntios em Corinto (FINLEY, 2002, p. 111).
A escravidão dos povos vencidos em guerras ou os obtidos por meio de
pirataria não era motivo de vergonha ou desonra para quem o praticava. Quase
todos os habitantes do mundo helênico possuíam um ou dois escravos domésticos
em suas residências. A escravidão era um fato comum da vida, algo a ser esperado
como consequência de guerras ou sequestros. Não se esperavam rebeldias ou
revoltas. Os escravos estrangeiros teriam um destino bem melhor que os outros
compatriotas mortos em combate. Esopo, ao pregar a aceitação da condição
subalterna em muitas de suas histórias, enfatiza a naturalidade da escravidão entre
os gregos.
Várias histórias de Esopo pregam a obediência aos senhores e
proclamam que as pessoas devem contentar-se com a situação na qual se
encontram. A fábula 288, A cauda e o corpo da serpente, narra que a cauda de uma
serpente resolveu brigar com o restante do corpo, impondo que ela, e não a cabeça,
iria guiar a cobra. Mal andou um pouco, caiu num buraco cheio de pedras, ferindo
gravemente o corpo todo da cobra. A narrativa termina com a moral da história: “A
fábula é oportuna para os homens tolos e maus que se revoltam contra seus
senhores” (SMOLKA, 1994, p. 288).
As personagens que não aceitam a condição subalterna, revoltando-se
contra ela, acabam por serem castigadas e ficando em situação pior que a anterior.
A fábula 89, A mulher e as servas (SMOLKA, 1994, p. 89), é sobre uma mulher que
acordava as suas servas para o serviço assim que o galo cantava. Acreditando ser o
galo o causador da sua infelicidade, as servas resolvem matar o galo. A situação,
entretanto, se agrava, pois, não tendo mais o galo para denunciar o amanhecer, a
mulher passa a acordá-las mais cedo. Dessa pequena narrativa, pode-se
34
depreender que não se deve se revoltar contra os senhores, pois isso pode ser a
causa de males maiores.
Um expressivo número de fábulas segue a mesma linha de pensamento,
punindo os que não se contentam com a condição atual. As personagens que não
se contentam com a própria situação são sempre punidas, ou com a morte, ou com
castigos físicos, ou são colocadas em uma situação muito pior que a anterior.
Geralmente, o descontentamento está ligado ao trabalho ou à própria condição de
vida. Como acontece, por exemplo, na fábula 33, A raposa e o dragão (SMOLKA,
1994, p. 26), na qual uma raposa, com inveja do tamanho do dragão, tenta
distender-se até ficar do mesmo tamanho, mas acaba morrendo. A moral dessa
história realça a utilidade da submissão ao declarar: “Assim sofrem os que desejam
competir com os mais fortes; com efeito, eles próprios se prejudicam mais
rapidamente do que conseguem atingi-los” (SMOLKA, 1994, p. 26). Clara se faz a
mensagem da fábula: os grandes, que são os mais fortes, são inigualáveis. Não há
como uma raposa ou um escravo chegar ao mesmo status de um dragão ou nobre.
É uma luta inútil e antecipadamente perdida. Tentar lutar contra isso é prejudicar a si
mesmo sem atingir os superiores de alguma forma.
Existe uma fábula, que se encontra no livro Kalila e Dimna e que, depois,
foi narrada por Esopo, na qual uma pequena mudança ocorrida é digna de menção.
Em Kalila e Dimna, há uma fábula sobre um leão, um chacal e um asno. O leão,
acometido de sarna, encontrava-se impossibilitado de caçar, o que trazia prejuízo ao
chacal, que vivia dos restos das caças do leão. Diante de tal situação, o leão disse
ao chacal que a única cura seria comer as orelhas e o coração de um asno. O
chacal procurou um asno, o qual reclamava da vida que tinha ao lado de seu dono,
um lavadeiro que o maltratava. Além de prometer pastos verdes e férteis e a
liberdade, o chacal contou ao asno que perto dali havia uma asna no cio e que
precisava de um marido. O asno, excitado, foi com o chacal, mas quando chegou
perto da toca do leão, este saltou em suas costas, mas não o agarrou. O asno fugiu
apavorado, mas o chacal, a pedido do rei, novamente foi atrás do asno.
Encontrando-o, disse a ele que quem havia pulado nas costas dele havia sido a
asna, motivada pelo cio. O asno novamente excitou-se e seguiu o chacal. Mas,
dessa vez, foi morto pelo leão. Num momento de distração do leão, o chacal comeu
as orelhas e o coração do asno. O rei, sentindo falta dessas partes, pergunta por
35
elas. O chacal diz: “tivesse ele [o asno] coração e orelhas, não teria retornado a ti
depois do que lhe fizeste” (ALMUQAFFA, 2005, p. 170-172).
Em Esopo, na fábula 199, O leão, a raposa e o veado, a narrativa passa
por variações. O leão, também doente, pede que a raposa traga-lhe um veado para
que ele possa comer as entranhas e o coração do animal. A raposa convence o
veado de que ele será o novo rei dos animais, uma vez que o leão está prestes a
morrer, e que o veado deve esperar a morte do rei ao lado dele. O trecho da história
indiana que apela para os instintos sexuais do animal é trocado pela possibilidade
de mudança de situação social, atitude digna de condenação nas fábulas de Esopo.
O veado vai ao encontro do leão, que também o deixa escapar, ferindo-lhe apenas
as orelhas. O veado foge, mas a raposa o convence a voltar, dizendo que o leão só
queria lhe dar conselhos secretos. O veado volta para a toca do leão e é morto.
Aqui, também, a raposa se aproveita de uma distração do rei para comer o coração
do veado. Questionada sobre o paradeiro dessa parte, a raposa responde: “Na
verdade, o veado não tinha coração. Não o procureis mais, pois que coração8 teria
ele que por duas vezes veio parar na casa e nas patas de um leão” (SMOLKA, 1994,
p. 114-115).
A mudança nos pequenos detalhes não é significativa. O ponto principal é
justamente a troca entre o apelo aos instintos sexuais do asno, que se encontra em
Kalila e Dimna, pela possibilidade de alcançar um nível social mais elevado,
presente em Esopo. Essa sutil mudança reforça que, para o fabulista grego, as
pessoas, principalmente escravos e homens do povo, devem se conformar com a
situação em que se encontram, sob pena de serem castigadas de diferentes formas,
inclusive com a morte.
Considerando a relação entre a escravidão e o trabalho, há outras
histórias de Esopo nas quais é possível ter conhecimento sobre as diversas
profissões do mundo grego antigo. Finley (2002, p. 106) esclarece que a economia
da Grécia Antiga baseava-se na agricultura: “Através de toda a história grega, a
esmagadora maioria da população tirava sua principal riqueza da terra”.
A fábula 83, intitulada O lavrador e seus filhos (SMOLKA, 1994, p. 54),
narra sobre um lavrador, à beira da morte, que chama os filhos e diz que eles devem
procurar o que está enterrado na vinha. Os filhos revolvem a terra, não acham um
8 Para os gregos, o coração, e não o cérebro, era a fonte da inteligência (N.T.).
36
tesouro, mas a terra bem removida dá mais frutos. Tem-se aí a valorização da terra,
sendo capaz de gerar riquezas. Tem-se também o reconhecimento da experiência: o
pai, ancião, passa para os filhos o conhecimento capaz de garantir a eles o sucesso
na lavoura.
Grande parte das fábulas cita diversas profissões da época: O cabreiro e
as cabras selvagens, O carvoeiro, O boiadeiro e o leão, O lavrador e a serpente, O
jardineiro e o cão, O lenhador e Hermes, Os viajantes e o urso, O pastor e o
lobachos e O ferreiro e o cãozinho.
Outro aspecto que as fábulas deixa claro é a rivalidade entre os gregos e
os árabes. Smolka (1994, p. 69) diz que “A crítica feita aos árabes era muito comum
entre os gregos, que os consideravam os mais bárbaros dos bárbaros. Para os
helenos, todos eram bárbaros, salvo eles mesmos”. A fábula 112, O carro de
Hermes e os árabes, conta que:
Um dia, Hermes, conduzindo por toda a terra um carro cheio de mentira, de maldades e fraudes, em cada região ia distribuindo um pouco da carga. Mas, quando chegou ao país dos árabes, diz-se que o carro de repente quebrou. E os árabes, como era uma carga preciosa, pilharam o carro e não deixaram que o deus fosse a outros povos. Os árabes, mais que qualquer outro povo, são mentirosos, enganadores; com efeito, em sua língua não há verdade (SMOLKA, 1994, p. 69).
Vários outros temas são encontrados nas fábulas de Esopo, como a
inutilidade da luta contra os mais fortes, a punição pelo orgulho, mentira, inveja ou
vaidade excessiva, a crítica aos tolos que se deixam enganar ao lado da valoração
da esperteza para não cair em armadilhas. A fábula 14, O gato e as galinhas,
representa tantas outras do fabulista, que sinalizam que a esperteza pode ajudar a
se livrar de um perigo certo. A narrativa é sobre um gato, que, sabendo estarem
doentes as galinhas, se disfarça de médico. Mas as galinhas não permitem que ele
entre no galinheiro, escapando da morte certa. De forma inversa, há várias fábulas
nas quais o animal é castigado com a morte por culpa própria. Entre muitas, há a
fábula 270, O burro, a raposa e o leão, que conta a história de uma raposa que se
associou a um burro, mas, tendo encontrado um leão, resolveu entregar o burro
como troca pela própria segurança. Estando o burro preso, o leão matou primeiro a
raposa. Subentendidas nessa e em outras fábulas estão as noções de justiça e
37
lealdade, as quais devem prevalecer para que não se tenham consequências
inesperadas e desagradáveis.
As fábulas de Esopo são bastante curtas, com narrativas simples, sem o
uso excessivo de adjetivos ou quaisquer outros detalhes desnecessários ao
entendimento do que se quer transmitir. Os adjetivos, quando aparecem, são
apenas os estritamente necessários à caracterização das personagens. Ilustrativa
de tal simplicidade é a fábula 194, A leoa e a raposa: “Uma leoa, censurada por uma
raposa por ter gerado apenas um filhote, disse: Um, mas leão. O mérito não deve
ser medido pela quantidade, mas pelo valor” (SMOLKA, 1994, p. 111). O próprio fato
de ser uma narrativa simples e curta facilita a compreensão e assimilação rápida dos
ouvintes. Esopo era um contador de histórias e falava para o povo. Daí, o uso de
uma linguagem menos rebuscada e artificial, sendo bastante diferente do
vocabulário usado nas epopeias.
Mediante essas pequenas narrativas com animais, é possível analisar as
ações humanas que podem ser dignas de elogios ou de censura. Ações que
mostram aspectos do comportamento, valores e as relações sociais da Grécia
Antiga.
1.4 FEDRO
Tito Júlio Fedro (Titus Iulius Phaedrus) nasceu na Trácia, perto da
Macedônia, aproximadamente no ano 20 a. C. Ainda jovem, foi levado como escravo
para Roma, a fim de servir o imperador Otávio Augusto (31 a. C. – 14 d. C.). O
imperador, reconhecendo os talentos de Fedro, deu a ele a oportunidade de
aperfeiçoar-se no domínio do latim e da arte literária. Além disso, Augusto o libertou
e ele passou a usar o nome Phaedrus Augusti Libertus: Fedro, o liberto de Augusto.
Fedro faleceu na miséria no ano 44 da era cristã, com 64 anos, no império de
Cláudio.
Segundo Mário Curtis Giordani (1997), Augusto fez grandes reformas em
Roma nos setores financeiro, político, administrativo, religioso e social. Também,
incentivou as artes, entre elas a arquitetura e a literatura. O exercício literário chegou
a proporcionar o sustento de alguns cidadãos romanos. Ainda sobre o período do
império de Augusto, o autor comenta:
38
A substituição da República pela Monarquia transformou completamente as condições do desenvolvimento da atividade literária. A prosa, de modo especial a eloquência, entra em declínio; a poesia, entretanto, atinge o apogeu. Compreende-se que, não mais existindo a liberdade de expressão dos tempos republicanos, a oratória tenha recebido um golpe mortal. Mas, sob a proteção de Augusto e de seu amigo Mecenas, os poetas dão asas à sua fantasia. Observe-se também que a personalidade marcante de Augusto soube influir, sem prejudicar-lhe a inspiração, no tema escolhido para as obras poéticas (GIORDANI, 1997, p. 242).
Embora Fedro não tenha escrito suas fábulas na época de Augusto, foi
nesse terreno de liberdade e proteção que começou a ter contato com as letras,
talvez, esboçando seus primeiros escritos, mesmo que apenas em pensamento.
Com a morte de Augusto, Tibério assumiu o poder de 14 a 37 da era cristã e a
situação de Fedro passou por profundas mudanças. O clima era outro. Tibério era
profundo conhecedor da situação do Império Romano, pois havia feito parte do
governo de Augusto. Inteligente, com habilidades políticas e diplomáticas, ele se
mostrou um líder autoritário e de caráter questionável, trazendo um clima de terror
ao final de seu reinado. Nesse ambiente, nada favorável a críticas contra o governo
ou às pessoas que dele faziam parte, Fedro começou a escrever suas fábulas.
Então, tornou-se vítima de uma perseguição liderada por Lúcio Sejano, primeiro
ministro de Tibério, que se viu atingido por algumas das narrativas. Sejano usou sua
influência e conseguiu o exílio do fabulista logo após a publicação das primeiras
fábulas. Outras fábulas foram escritas no exílio e o último livro dá sinais de que ele
teria saído da prisão e estava novamente exercendo sua atividade de escritor.
A produção original de Fedro é composta por cinco livros, contendo
noventa e três fábulas, cinco prólogos e três epílogos, incluindo, além das fábulas,
pequenas histórias sobre Esopo, Sócrates e Sinômides, e alguns textos de defesa
contra seus acusadores. Alguns críticos afirmam que Fedro também tenha escrito
um apêndice com mais trinta fábulas. Os cinco livros foram escritos durante os
governos de Tibério e Calígula. Esse último governou por pouco tempo, apenas de
37 a 41 da era cristã. Nesse curto período, Calígula esbanjou a fortuna acumulada
por Tibério, criou novos impostos, condenou inocentes à morte, além de cometer
vários desatinos, frutos de sua doença mental.
Tendo estudado grego, Fedro encantou-se com as fábulas,
principalmente as de Esopo, que, séculos atrás, havia contado esse tipo de histórias,
39
as quais permaneceram conhecidas e divulgadas. A maioria de suas fábulas trata
dos mesmos temas das narrativas de Esopo. Fedro, admitindo ser um admirador do
artista grego e buscando a mesma fama, reescreveu várias fábulas e criou outras.
De acordo com Luiz Feracine (2006, p. 16)9, o fabulista tinha dois
objetivos distintos ao escrever suas narrativas:
Primeiro, descrever, filmando as linhas predominantes da ética social no Império Romano. Depois, acordar, no espírito do leitor e do ouvinte, o senso de análise reflexiva e crítica tão colimado pelos filósofos do passado. Assim o potencial latente da racionalidade vem à tona e enobrece a dignidade do homem, que, mesmo sendo escravizado, revela-se cônscio de seu valor intrínseco com base na racionalidade cuja liberdade se manifesta na busca do bem honesto.
Esopo e Fedro possuíam pontos de contato e pontos de divergência.
Sendo escravos, ambos adotaram a fábula como estilo, aperfeiçoando-se nessa arte
e usando-a para mostrar a sociedade da época. Mas enquanto o primeiro
expressava-se, de alguma forma, em consonância com os interesses do governo
grego, o segundo não se curvava facilmente, questionando e ironizando a vida e a
atitude dos nobres, fato que acabou por motivar o seu exílio. Os dois valorizam as
virtudes, mas as fábulas de Fedro apontam para o valor da honestidade, da verdade
e da justiça como qualidades que enobrecem o homem, independente da condição
social e política que tenham. No Livro III, a fábula, A irmã e o irmão, ilustra a
importância que Fedro deu às virtudes, valorizando-as em muitas fábulas. A história
é sobre um homem que tinha um filho belíssimo e uma filha muito feia. Estando os
dois em constante discussão, ouvem do pai que eles devem se olhar no espelho
diariamente. “Tu, meu filho, para não estragar (tua) formosura com os males do
vício; tu (minha filha) para que embelezes este (teu) rosto como os bons costumes”
(FERACINE, 2006, p. 70-71). A importância das virtudes é uma constante nas
narrativas de Fedro contrapondo-se a todo o tipo de vaidade e vícios que
impregnaram o Império Romano.
Os Livros I e II foram os causadores da ira de Sejano e,
consequentemente, de todo o processo de acusação contra Fedro até a decretação
do exílio do autor. Logo na primeira fábula, intitulada O Lobo e o Cordeiro, depara-se
com a narrativa sobre um lobo, que, empenhado em devorar um cordeiro, busca
9 Luiz Feracine fez a tradução, apresentação e introdução do livro Fábulas, de Fedro, usado na
dissertação.
40
argumentos que justifiquem a atitude cruel. Sendo respondido de forma
inquestionável pela vítima, o lobo se enfurece e devora o cordeiro injustamente.
Fedro termina a fábula usando tais palavras: “Escrevi esta fábula por causa
daqueles indivíduos que oprimem os inocentes por razões fictícias” (FERACINE,
2006, p. 41). Essa fábula havia sido contada por Esopo, diferençando-se no final,
que traz a seguinte lição: “A fábula mostra que, ante a decisão dos que são maus,
nem uma justa defesa tem força” (SMOLKA, 2002, p. 126). A mudança no
ensinamento transmitido pela fábula é suficiente para representar o posicionamento
de cada autor em sua respectiva época. Em Esopo, a advertência é para os maus,
que não se abalam diante de qualquer argumento por mais justo que seja. Em
Fedro, a crítica é explícita: os “indivíduos que oprimem” é uma referência clara aos
nobres que dominam os subordinados, homens livres ou não. Dentro da mesma
perspectiva, Fedro adverte: “A sociedade com os mais fortes nunca é segura”
(FERACINE, 2006, p. 44).
Segundo Paul Veyne (2002), a economia do Império Romano se
mantinha pelo trabalho do escravo, que desempenhava as mais diferentes funções
domésticas ou não. Entretanto, o setor principal, a agricultura, concentrava-se nas
mãos de homens juridicamente livres. Os pequenos camponeses independentes
sofriam para pagar todos os impostos. Embora livres, as obrigações com o Estado
não cessavam, pois apenas os pobres trabalhavam. A ociosidade em Roma, como
na Grécia, era vista como mérito, nunca como vergonha. As pessoas de bem
exerciam cargos de direção. A única atividade digna de um nobre era comandar. E
comandava homens livres e escravos.
A escolha das personagens da fábula O lobo e o cordeiro também
reafirma a ideia de poder e dominação. Em quase todas as fábulas, o lobo, assim
como o leão e a raposa, representam os mais fortes, enquanto o cordeiro, a lebre e
o asno representam os mais fracos, e, por extensão, o povo e os escravos. Numa
época em que os nobres viviam à custa do trabalho escravo e de homens livres, o
teor dessa fábula e o ensinamento que a finaliza não poderiam ter boa aceitação.
Coulanges (2004) revela que, na Roma Antiga e também na Grécia, o
homem comum não era em nada independente. Tudo pertencia ao Estado e aos
interesses de sua defesa. A fortuna dos homens pertencia ao Estado, que podia
usá-la quando fosse necessário. Havia leis que regulamentavam a vida particular
das pessoas. Por exemplo, em Roma, as mulheres eram proibidas de beber vinho.
41
O homem não era dono de si mesmo. Até os deuses que deveria adorar eram
aqueles adorados pela nobreza da cidade em que vivia.
Ainda no Livro I, a fábula O asno e o velho pastor exemplifica novamente
o posicionamento de Fedro frente aos nobres. Fedro, quase sempre, iniciava suas
fábulas com a instrução e depois narrava a história, como acontece na referida
fábula que começa assim: “Na mudança de governo dos cidadãos, além do nome do
dominador, para os pobres nada muda” (FERACINE, 2006, p. 48). A fábula vai
contar sobre um pastor que, vendo aproximarem-se os inimigos, aconselha ao asno
que também fuja, mas este responde que para ele não faz diferença a quem irá
servir, uma vez que já tem a sua sela. A palavra sela, usada pelo asno, está ligada
ao trabalho submisso, a algo que aprisiona, tolhendo a liberdade. Para os
subalternos de Roma, pouca diferença faria quem era o imperador ou os senhores,
uma vez que a escravidão e o estado de submissão não se alterariam. Coulanges
(2004, p. 250-251) comenta:
É erro singular, entre todos os erros humanos, acreditar-se que nas cidades antigas o homem gozava de liberdade. O homem não tinha sequer a mais leve ideia do que esta fosse. Ele não se julgava capaz de direitos, em face da cidade e dos seus deuses. [...] o governo muitas vezes mudou de forma; mas a natureza do Estado ficou mais ou menos a mesma, a onipotência quase em nada diminuída. O sistema de governo tomou vários nomes, sendo uma vez monarquia, outra aristocracia, ou ainda democracia, mas com nenhuma dessas revoluções o homem ganhou a verdadeira liberdade, a liberdade individual. Ter direitos políticos, poder votar e nomear magistrados, ser arconte, a isto se chamou liberdade; mas o homem, no fundo, não foi mais que escravo do Estado.
Nas considerações de Veyne (2002), as relações dos homens com os
deuses eram semelhantes às relações com os poderosos, nobres e imperadores. O
romano deveria saudar e cultuar seus deuses, devendo obediência e total
submissão a eles, pois eram senhores caprichosos e cruéis sempre prontos a aplicar
os mais diversos castigos. Esopo escreveu muitas fábulas relacionadas aos deuses,
mostrando a severidade com que eles tratavam os homens. Em Fedro, a referência
às divindades diminuiu consideravelmente, havendo pouca alusão aos deuses e aos
seus relacionamentos com os seres mortais. Embora o Imperador Augusto tenha
procurado reacender o culto politeísta, reerguendo templos e ressuscitando velhos
cultos e cerimônias, o Cristianismo já era uma realidade também em Roma, e com
42
ele a religião passaria a ter a conotação de obediência, mas também de amor. Fedro
não faz referência a Deus em nenhuma de suas fábulas, continuando a citar Júpiter
como deus principal. Em As rãs pedem um rei, tem-se o único exemplo no qual
Júpiter se irrita com as rãs, que reclamam do primeiro rei enviado por ele, e envia
outro, que as devora uma a uma. Nas outras três fábulas que se referem aos
deuses, há apenas a alusão ao nome de Júpiter, e, em apenas uma, comenta-se
que os falsários são castigados pelos deuses. Essa atitude do fabulista romano é um
reflexo da presença do Cristianismo cada vez mais popularizado nos governos de
Tibério e Calígula.
A mulher recebeu a atenção do fabulista romano, sendo caracterizada
de maneira negativa, representada na forma humana ou por animais. A situação das
mulheres em Roma apresenta um quadro de crescente conquista de autonomia. Em
épocas mais primitivas, a mulher era totalmente dependente do pai e, depois, do
marido. Com o tempo, a mulher romana adquiriu mais liberdade que a mulher grega,
podendo sair de casa, fazer visitas e compras, além de participar de banquetes na
companhia dos maridos. O fato de ser casada não era visto como uma prisão
eterna, pois o matrimônio nunca foi indissolúvel em Roma. O divórcio podia
acontecer por vontade do marido ou por consentimento de ambos. Durante o
Império, o divórcio já fazia parte da vida dos romanos e chegou a números tão
expressivos que se tornou um dos causadores do decréscimo da natalidade. O
imperador Augusto, preocupado com o baixo índice de natalidade, o que prejudicaria
o fortalecimento do Império, resolveu dar à mulher divorciada a oportunidade de
casar-se novamente e, em alguns casos, reivindicar seu dote. A mulher romana
pôde, a partir de então, casar-se e divorciar-se várias vezes. Esse tipo de liberdade
saiu do ambiente imperial e chegou até as mulheres do povo. Algumas, com mais
posses que outras, também se integraram à nova liberdade, começando e
terminando um casamento com a mesma facilidade. A religião também controlava a
vida e a conduta das mulheres. De acordo com Coulanges (2004), a religião ditava
as normas de comportamento das mulheres desde as épocas mais primitivas, sendo
o adultério considerado a falta mais grave que se poderia cometer. Em Roma, o
marido podia condenar a mulher à morte caso ela o traísse. A História tem
testemunhado que, após um período de vigilância e subalternidade, a conquista da
liberdade muitas vezes leva ao desregramento. Não foi diferente em Roma. A
liberdade adquirida pelas mulheres fez com que muitas delas se entregassem à
43
luxúria, disfarçada ou não em casamento legal, e a outros vícios, como negócios
ilícitos ou prostituição. Além disso, conscientes de seu poder financeiro e sexual,
muitas delas passaram a intervir na política, influenciando seus maridos e amantes,
fato que não agradava a todos.
A postura das mulheres frente à autonomia adquirida é criticada por Fedro
em suas narrativas. A fábula A velha e a jovem amando o mesmo homem é sobre
um homem que, sendo amado por duas mulheres, uma mais nova e outra com idade
avançada, acaba ficando calvo, pois a primeira lhe arrancava os cabelos brancos e a
segunda, os pretos, desejosas ambas de ocultar a idade do amante. O ensinamento
que precede a fábula afirma: “Aprendemos mediante exemplos que os homens são
explorados pelas mulheres de modos variados, quer amem, quer sejam amados”
(FERACINE, 2006, p. 57). Muito diferente daquela lição encontrada em Esopo, que,
em fábula muito semelhante, apenas ensina sobre a nocividade de tudo que é
anômalo. Novamente, tem-se uma sutil mudança apenas na moralidade, mas que
mostra, com clareza, como era a visão do escritor diante do mundo que o cercava e
como suas palavras eram bem condizentes com a cultura da época. Esopo apenas
adverte sobre o prejuízo que pode advir de uma situação atípica. Fedro usa da
mesma história para demonstrar como as mulheres podem causar danos aos
homens, estando estes subordinados aos caprichos do sexo feminino.
A disputa pelo cavanhaque e As cabras de barba são duas fábulas
praticamente idênticas e exemplificam como as mulheres foram menosprezadas pelo
fabulista romano. Em ambas, as cabras receberam de Júpiter a barba, causando a
revolta dos bodes, pois elas estavam se igualando a eles em dignidade. O deus
tranquiliza os bodes, dizendo que elas jamais se igualarão a eles em fortaleza e
virtude, respectivamente. A barba simboliza a dignidade masculina e todos os
direitos que os homens possuíam desde eras primitivas, como direito à herança dos
pais e ao dote de suas esposas. Adquirindo a mulher o direito à herança e ao próprio
dote, torna-se ela também dona de sua própria “barba”. Entretanto, isso não é
suficiente para torná-la igual aos homens, pois ela nunca terá a mesma fortaleza e a
mesma virtude. Suas atitudes simbolizam exatamente o contrário, que ela não é
capaz de manter a virtude quando a ela é dado um pouco de liberdade.
Uma fábula, muito semelhante à outra encontrada em Kalila e Dimna,
reforça, novamente, que as fábulas mudam de acordo com a realidade da época em
que foram escritas. Em Kalila e Dimna, há uma história sobre um médico famoso,
44
que morreu e cujos livros foram estudados por outros homens, buscando fama e
fortuna. A filha do rei do lugar, grávida, começa a ter problemas de saúde. Um
homem apresenta-se como médico e diz poder salvar a princesa, mas acaba
causando a morte da moça. O rei, revoltado, manda que o falso médico beba o
mesmo remédio, causando-lhe a morte. Em Fedro, um péssimo sapateiro começa a
praticar a medicina, enganando todos. O rei do lugar adoece e, a fim de testar a
competência do médico, oferece veneno a ele, esperando que soubesse qual
antídoto usar. O falso médico não tem alternativa a não ser falar que estava
mentindo e que só conseguiu fama graças à ignorância do povo. O rei convoca o
povo e repreende as pessoas, pois elas foram capazes de colocar suas vidas nas
mãos de quem não sabe nem calçar-lhes os pés. Na época das fábulas indianas,
quase todos os erros eram punidos com a morte. O rei não podia perdoar
determinados atos sob pena de parecer fraco e benevolente demais. A leoa, no
episódio da investigação sobre Dimna, adverte o filho sobre a ameaça que poderá
sofrer a reputação do rei diante dos soldados caso não puna o traidor com a morte.
À época do Império Romano, a situação era um pouco diferente. O rei, embora não
pudesse demonstrar fraqueza, precisava demonstrar sabedoria e perspicácia,
mostrando para todos que era capaz de perceber qualquer atitude contra sua
pessoa. Os sapateiros, assim como os homens que exerciam outras atividades
artesanais, não eram bem vistos nem valorizados pelos nobres. O trabalho que
merecia destaque era o relacionado às atividades de comando, exercido apenas
pelos homens pertencentes às classes privilegiadas. Fedro finaliza essa fábula
criticando os que conseguem dinheiro graças à astúcia enganando os imprudentes.
Duas fábulas com histórias semelhantes, porém as alterações ocorridas simbolizam
a maneira pela qual o homem se posicionava diante da sociedade.
Fedro afirma que a poesia e o apólogo nasceram da necessidade de falar
para o mundo sobre a verdade das coisas e dos fatos. “Os escravos, súditos
eternos, tinham o que falar, mas não ousavam. Então o seu sentimento fundiu tudo
em fábulas, gracejando em torno das coisas desonestas. Eis o projeto de Esopo”
(FERACINE, 2006, p. 65). Em Roma, imperava a “lei do silêncio” para os escravos e
homens do povo, que tudo viam, mas não podiam se manifestar. Nesse sentido, o
gênero fábulas atende à necessidade de expressão, tirando da fala dos homens as
palavras de crítica e questionamento e colocando-as na fala dos animais e plantas, e
disfarça a manifestação direta do próprio pensamento.
45
1.5 LA FONTAINE
Jean de La Fontaine nasceu em 1621, filho de Charles de La Fontaine e
Françoise Pidoux, falecendo em 1695. Aos vinte anos, ingressou como noviço em
um convento, mas abandonou os estudos religiosos. Depois, tornou-se advogado,
mas não exerceu a profissão. Preocupado com a vida boêmia que o filho levava,
Charles arrumou o casamento de La Fontaine com a jovem Marie Héricart.
Entretanto, ele não permaneceu muito tempo casado, tendo um filho único. O
casamento e a vida em família não atraíam a atenção do poeta. Ele deixa claro esse
sentimento em carta enviada à esposa: “Aborrece-me a ideia de me prender às
crianças, [...]; por isto, faço votos de ignorar esse inocente” (MARIANO apud LA
FONTAINE, 1989a, p. 20). Embora tenha ignorado o filho, o mesmo não fez com a
esposa. Sempre a amparou e a elogiou até a morte dela. A atitude positiva em
relação às mulheres, presente em suas fábulas e muito diferente do que foi
analisado até então, é justificada por ele ter vivido sempre sob a proteção de alguma
mulher influente da época.
Quando La Fontaine estava com 31 anos, seu pai faleceu e ele herdou o
cargo de Inspetor de Águas e Florestas, mudando-se para Paris. Embora pudesse
ter uma vida digna com essa profissão, La Fontaine preferiu usar seu encanto
pessoal para aproximar-se dos nobres e das grandes damas da corte e viver à custa
deles, sem precisar trabalhar, podendo dedicar-se tranquilamente a leituras e outros
afazeres literários. A escolha por esse tipo de comportamento encontra repouso em
duas fábulas. A fábula A corte do leão conta que Dom Leão come os súditos quando
desagradado por eles, escapando apenas a raposa. As estrofes finais ilustram a
postura do autor: “Quem busca na Corte mercês,/ deve agir sempre assim, usando
de esperteza:/ nem servilismo vil, nem a brutal franqueza;/ prefira ao ‘sim’ ou ‘não’, à
astúcia de um ‘talvez’” (LA FONTAINE, 1989b, p. 42). Outra fábula, intitulada Os
funerais da leoa, é sobre um cervo que é acusado de não chorar no funeral da leoa,
mas escapa de ser morto pelo leão contando mentiras com eloquência para o rei. La
Fontaine, então, ensina: “Com sonhos e ilusões diverti sempre os reis,/ bajulai-os
com a mais agradável mentira./ Se no seu coração existir algo de ira,/ vossa isca
engolirão e amigo seu sereis” (LA FONTAINE, 1989b, p.121).
Vivendo dessa maneira, utilizando-se dos dons pessoais para atrair
simpatias e favores, La Fontaine está longe de ser considerado um moralista. “Suas
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fábulas advertem, mas não fantasiam desfechos felizes para os sonhadores e os
puros. O lobo vence, a lei do cão prevalece” (MARIANO apud LA FONTAINE,
1989a, p. 18). Ele não tinha preocupação em idealizar a moral da história, e sim em
alertar. O poeta sabia muito bem trafegar entre os nobres, cortejando sem bajular e
aproximando-se de quem pudesse tirar algum proveito. Agindo dessa forma,
aproximou-se de Nicolas Fouquet, superintendente de Finanças de Luís XIV. Tendo
a proteção do homem mais forte do reino, pôde assumir definitivamente sua posição
de homem das letras.
Entretanto, Luís XIV tornou-se um monarca absolutíssimo e o prestígio de
Fouquet diminuiu consideravelmente. La Fontaine mostrou-se fiel e defendeu o
amigo abertamente em um poema, desagradando o rei. Com receio de possíveis
perseguições, ele decidiu se autoexilar em Limousin por um ano.
Aos 43 anos, obteve a proteção da duquesa de Bouillon, sobrinha de
Mazarino, primeiro-ministro da França, e passou a servir à viúva do Duque de
Órleans. Foi nesse período que começou a escrever suas fábulas, primeiro sem a
intenção de publicá-las, o que acabou acontecendo em 1668, aos 47 anos.
O sucesso alcançado pela publicação de suas fábulas propiciou sua
entrada no Palácio de Versalhes e permitiu que La Fontaine fosse apresentado a
Luís XIV, que externou sua admiração pelo poeta e ofereceu-lhe uma quantia em
dinheiro, demonstrando ter esquecido o incidente envolvendo Fouquet.
Morrendo a Duquesa de Órleans, Fontaine mudou-se para a casa de
Madame de La Sablière, com a qual viveu durante vinte anos e em cuja residência
sempre havia reuniões de intelectuais e poetas. A vida do poeta seguiu mais
tranquila e sem grandes novidades.
Ao chegar aos 70 anos, La Fontaine reaproximou-se da Igreja,
escrevendo poemas religiosos e começou a praticar a penitência. Sua preocupação
com a morte era evidente na última carta escrita a um amigo: “Como hei de
comparecer perante Deus, tendo vivido como vivi?” (LA FONTAINE, 1989a, p. 24). O
poeta morreu em 1695, cercado de respeito e admiração.
Em uma carta do primeiro volume do livro de fábulas, La Fontaine escreve
ao herdeiro de Luís XIV, Luís, o grande Delfim, com seis anos na época, dedicando
a ele as histórias do livro. Na mesma carta, La Fontaine faz elogios a Luís XIV
assegurando ao pequeno Delfim que o pai é um exemplo a ser seguido, pois obteve
glória em seus feitos.
47
O poeta francês explica que as fábulas de Esopo são infantis à primeira
vista, mas guardam verdades importantes e que estas são favoráveis para que as
crianças tornem-se boas mesmo quando ainda não distinguem entre o bem e o mal.
Nesse aspecto, as ideias de La Fontaine e Jean-Jacques Rousseau se aproximam
por considerarem a criança como um ser incapaz de distinguir entre o que é certo ou
errado. Entretanto, no livro Emílio ou da Educação, Rousseau (2014, p. 128),
embora reconheça o encantamento que as fábulas de La Fontaine possuem, critica
o fato de as fábulas serem construídas em versos, tornando ainda mais difícil a
compreensão das crianças, e afirma: “Fazemos com que todas as crianças
aprendam as fábulas de La Fontaine, e não há uma única criança que as entenda”.
No prefácio do mesmo volume, La Fontaine explica que escolheu
reescrever algumas fábulas de Esopo, colocando-as em versos, e de Fedro, tirando
delas a brevidade e inserindo um toque de alegria. La Fontaine considera, então,
que as fábulas
não são apenas morais: servem também para ensinar outras coisas. As particularidades dos animais e seus diversos caracteres nelas se exprimem, e consequentemente os nossos também, uma vez que somos a síntese do que há de bom e de mau nas criaturas irracionais. [...]. As fábulas, portanto, são um quadro onde cada um de nós se acha descrito. O que elas nos apresentam confirma os conhecimentos hauridos em virtude da experiência pelas pessoas idosas e ensina às crianças o que convém que elas saibam (LA FONTAINE, 1989a, p. 38-39).
Na Advertência do segundo volume, La Fontaine reafirma que, no volume
anterior, ele se referiu às fábulas de Esopo e que, no presente, irá falar de outros
temas sobre os quais não vê necessidade de expor os motivos que o levaram a
escrevê-los e de onde retirou os assuntos abordados. “Somente direi, por uma
questão de reconhecimento, que devo a maior parte deles ao sábio indiano Pilpay10,
cujo livro foi traduzido em todas as línguas” (LA FONTAINE, 1989b, p. 18).
La Fontaine se destacou na arte da simpatia e da afabilidade,
conseguindo sempre estar protegido por alguma mulher nobre da corte francesa.
10 Pilpay é o suposto autor de uma coleção de fábulas, chamadas Fábulas de Pilpay, que teve origem
numa antiga coleção indiana, escrita em sânscrito e intitulada Pañcatantra, de onde vieram algumas das fábulas de Kalila e Dimna.
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Disso, resulta o tratamento dado às mulheres em suas fábulas. Nas fábulas
indianas, em Esopo e Fedro, as mulheres eram categorizadas como adúlteras,
mentirosas ou rabugentas. La Fontaine adota uma postura diferente, não
menosprezando ou inferiorizando a mulher.
Na fábula intitulada A mulher afogada, La Fontaine (1989a) inicia a
história contando que há um gracejo popular que diz não ter acontecido nada de
importante, tratando-se apenas de uma mulher afogada. Ele se posiciona contra tal
afirmação, dizendo: “Não uso essa expressão assaz deselegante/ em relação a
quem sempre está nos causando/ sentimentos felizes, ternura e alegria” (LA
FONTAINE, 1989a, v. 1, p. 223). Só depois dessa explicação é que o poeta conta a
história. A defesa das mulheres continua na fábula As mulheres e o segredo, na qual
o poeta diz que as mulheres não conseguem guardar segredos, mas que há também
muitos homens que se assemelham a elas. Em outras fábulas, nas quais a
personagem feminina tem participação, não há referências ofensivas a nenhuma
mulher. O máximo que se encontra é a presença de alguns pequenos vícios e
vaidades. Apenas na fábula O mal casado, La Fontaine adjetiva uma mulher como
ciumenta, rabugenta e implicante, sendo que a história é semelhante à fábula
contada por Esopo, que se refere a uma mulher rabugenta. Em ambas as histórias,
os maridos se cansam da chatice das esposas e as enviam ao campo para passar
uma temporada. O poeta francês, entretanto, se utiliza da mesma fábula, fazendo
alterações para criticar o casamento e para apresentar sua posição pessoal em
relação a esse sacramento. Ele escreve: “Se o belo e o bom andassem sempre de
mãos dadas/ eu me casaria amanhã;/ mas como as relações dos dois estão
cortadas,/ e só de raro em raro acha-se uma alma louçã/ dentro de um corpo sem
defeito,/ prefiro não casar e viver satisfeito” (LA FONTAINE, 1989b, p. 27). Nessa
fábula, o foco principal é a crítica ao casamento, descartado da vida pessoal do
autor, e não uma crítica às mulheres.
O relacionamento entre o poeta francês e a nobreza também se faz
presente nas fábulas, ora dedicando aos nobres várias fábulas, como, por exemplo,
à Madame de Montespan (uma das amantes de Luís XIV), ao senhor de Barilon, à
Mademoiselle de Sillery e ao Duque de Borgonha11, filho mais velho do Delfim; ora
11
O Duque de Borgonha contava com onze anos e La Fontaine com setenta e dois. O jovem príncipe era aluno de Fénelon, que usava as fábulas de La Fontaine como matéria para composições em latim.
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criticando embora de uma forma bem mais sutil que as censuras encontradas em
Fedro. A fábula As videntes relata sobre uma mulher que usa uma casa vazia de
uma vidente e, para exercer essa profissão, apenas não retira a placa escrita
“vidente”. O poeta francês termina a fábula satirizando alguns nobres: “Vi no Palácio
alguém, com uma toga emprestada,/ tornar-se pessoa afamada./ Seguir os seus
conselhos era a voga./ Não era sua a fama, era da toga...” (LA FONTAINE, 1989b,
p. 64-67)
La Fontaine viveu na época de Luís XIV, o Rei Sol, que assumiu
verdadeiramente o trono francês em 1661, aos 23 anos, embora tenha sido
considerado rei ainda na infância. Durante o reinado de Luís XIV, o absolutismo
francês atingiu seu apogeu. Luís XIV estabeleceu a monarquia do direito divino,
segundo a qual o rei era sagrado e todo o seu poder vinha de Deus. Além disso,
exerceu a autoridade absoluta: sua vontade se transformou em lei e justiça. Jacques
Revel (1991) comenta que Luís XIV concedeu vários privilégios aos nobres, mas
cobrou, em troca, uma submissão irrestrita à autoridade do rei. “Constatação ainda
mais verdadeira para os cortesãos, que o soberano obstinadamente vigia nos
detalhes de sua vida e que exercem uns sobre os outros e mais ainda sobre si
mesmo um controle incessante” (REVEL, 1991, p. 197).
A famosa frase de Luís XIV – “O Estado sou eu” – sintetiza suas ações.
Ele declarava a guerra e propunha a paz, e administrava os bens do Estado como
se fossem próprios. O discurso do Rei Sol, apresentado por Gustavo de Freitas
(1976), ilustra o posicionamento do monarca:
É somente na minha pessoa que reside o poder soberano [...], é somente de mim que os meus tribunais recebem a sua existência e a sua autoridade; a plenitude desta autoridade, que eles não exercem senão em meu nome, permanece sempre em mim, e o seu uso nunca pode ser contra mim voltado; é unicamente a mim que pertence o poder legislativo, sem dependência e sem partilha; é somente por minha autoridade que os funcionários dos meus tribunais procedem, não à formação, mas ao registro, à publicação, à execução da lei, e que lhes é permitido advertir-me o que é do dever de todos os úteis conselheiros; toda a ordem pública emana de mim e os direitos e interesses da Nação, de que se pretende ousar fazer um corpo separado do monarca, estão necessariamente unidos com os meus e repousam inteiramente nas minhas mãos (LUÍS XIV apud FREITAS, 1976, p. 201-202).
50
Uma fábula de La Fontaine, intitulada Os membros e o estômago, faz uso
da relação entre os membros e esse órgão do corpo, para registrar como um não
vive sem o outro, da mesma forma que Luís XIV afirma em seu discurso não haver
possibilidade de um corpo separado da figura e do poder do monarca. A história do
poeta é sobre os membros do corpo que resolvem parar de trabalhar, pois só o
estômago era recompensado com comida, mas acabam ficando fracos e precisam
voltar ao serviço, a fim de evitar a morte. Esopo contou uma fábula semelhante, O
estômago e os pés, na qual os pés apenas reclamam de carregarem o estômago.
Entretanto, em sua fábula, La Fontaine acrescenta: “Isto pode aplicar-se ao governo
real:/ ele recebe e dá, visando ao bem geral/ Para ele trabalhamos; reciprocamente,/
outro não há que nos sustente.” E termina: “Este apólogo foi usado/ à guisa de
comparação,/ e o povo, arrependido, ouvindo a exortação,/ retornou ao dever,
calado” (LA FONTAINE, 1989a, p. 189-190). Evidenciando dessa forma a submissão
que todos devem apresentar diante do poder real, La Fontaine não desagrada o rei.
No discurso do monarca ou nas palavras do poeta, a lição é clara: o poder se
concentra nas mãos de uma só pessoa e por isso ela deve ser obedecida sem
questionamento.
Os elogios à nobreza continuam permeando várias outras fábulas. Em
uma delas, La Fontaine continua a destacar as boas qualidades que um rei deve
possuir, seguindo o que fez na carta dirigida ao filho mais velho do rei, na qual citou
os adjetivos que devem constituir o caráter de um governante. A fábula O leão
preparando-se para a guerra é sobre um leão que decide guerrear e convoca todos
os animais de acordo com suas habilidades, não dispensando nem a lebre nem o
asno, porque “O monarca sábio e prudente/ enxerga a utilidade que tem toda gente./
Governar bem é mais que sorte:/ é o dom de usar e distinguir o ponto forte” (LA
FONTAINE, 1989a, p. 345).
Todavia, não há somente elogios nas fábulas do poeta francês. Em
algumas delas, há a presença de críticas, ora sutis, ora diretas, aos nobres e ao
clero. À época do Rei Sol, a sociedade era dividida em Primeiro Estado, composto
pelo clero; Segundo Estado, formado pela nobreza; e Terceiro Estado, formado pela
burguesia, camponeses e o restante da população. Os dois primeiros Estados não
pagavam impostos e era a minoria da população. O clero era dividido em alto e
baixo cleros, sendo que o alto clero era composto por bispos, abades e cônegos,
que eram filhos de nobres, havendo bispos nomeados ainda na infância. Havia
51
também o baixo clero, que, formado por vigários e monges vindos da burguesia e
classe baixa, não possuía tantos recursos como o alto clero.
Na fábula O rato que se retirou do mundo, La Fontaine censura a atitude
de um rato, que, para fugir dos gatos, se esconde dentro de um enorme queijo
holandês, isolando-se do mundo. “Solitário, tranquilo e bem alimentado,/ precisava o
ermitão de mais algum cuidado?/ Tornou-se gordo e grande, como às vezes fica/
aquele que a Deus se dedica” (LA FONTAINE, 1989b, p. 30). Estando uma cidade
de ratos ameaçada por um exército de gatos, seus habitantes vão pedir ajuda ao
famoso ermitão, que diz que nada pode fazer a não ser pedir a Deus que auxilie os
ratos em seus problemas. A fábula termina com mais uma crítica: “Saiba o leitor que
esse ratinho/ não é nenhum monge cristão,/ mas algum dervixe mesquinho,/ pois um
monge, eu suponho, é caridoso. Ou não?” (p. 31). Percebe-se a reprovação ao alto
clero, que, vivendo em castelos e junto aos nobres, não se dedica à religião, e sim a
gozar de inúmeros privilégios, estando “tranquilo e bem alimentado”. Tal censura
pode estar relacionada ao fato de que La Fontaine não quis seguir a vida religiosa,
afastando-se de Deus e da Igreja, e reaproximando-se de ambos quando, em idade
avançada, passou a temer a morte.
Nas fábulas de La Fontaine, é possível identificar as características da
sociedade francesa da época, independentemente se por meio de elogios ou
críticas. Nesse aspecto, Ismael dos Santos (2006) aponta que as fábulas possuem
três momentos distintos de criação. O primeiro, representado por Esopo, apresenta
a fábula como indicadora do comportamento humano. No segundo momento, Fedro
vai usar a fábula como forma de satirizar a sociedade da época. E o terceiro
momento, dedicado a La Fontaine, que continua a tradição moralizante das fábulas
e passa a utilizá-las como meio de divertir a corte e criticar a sociedade da época.
Coelho (1985) comenta que La Fontaine foi o responsável por restituir à
fabula, em verso, todo o seu relevo literário e elevá-la ao nível da alta poesia. Ele
admirava os antigos e também os modernos, tendo buscado seus argumentos nos
gregos, latinos e franceses, nas parábolas bíblicas, nos contos populares e nas
narrativas medievais e renascentistas, entre outros. Dessas diversas fontes é que irá
se originar a heterogeneidade de suas fábulas. Devido a inúmeras traduções, suas
fábulas perderam a apresentação em verso, mas as situações humanas que elas
retratam venceram o tempo. As fábulas de La Fontaine denunciam as misérias,
desequilíbrios e injustiças de sua época. A autora afirma que:
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Embora tenha alterado ou enriquecido substancialmente os argumentos e o espírito das fábulas que retomou dos Antigos, La Fontaine não tocou no caráter ou na simbologia que seus antecessores atribuíram aos animais. Nele, o leão ainda é o monarca orgulhoso; a raposa é a astúcia; o rico é gordo; o pobre é magro; a garça é delicada; o coelho, um desmiolado sem experiência; a doninha, uma astuta; o gato, um Tartufo, gabola; o urso, um rústico cabeçudo e solitário; a cigarra vive pelo ideal da arte; a formiga, pelo trabalho incessante; o burro, um fanfarrão; o rato, a esperteza matreira; o corvo, a voracidade etc. etc. (COELHO, 1985, p. 63).
La Fontaine foi o primeiro a direcionar suas fábulas para as crianças,
diferenciando-se de seus antecessores nesse aspecto. O poeta francês dedicou um
de seus livros ao pequeno Delfim, afirmando que as fábulas possuem verdades que
deveriam ser apresentadas às crianças. Entretanto, não deixou de usar suas
histórias para exibir o comportamento nem sempre elogiável dos reis, dos nobres e
do clero. Embora trafegasse no mundo nobre, soube usar sutileza para exibir e
satirizar a sociedade da época.
1.6 MONTEIRO LOBATO
José Bento Monteiro Lobato nasceu em Taubaté, São Paulo, no dia 18 de
abril de 1882 e morreu em 05 de julho de 1948. Era filho de José Bento Marcondes
Lobato e Olímpia Monteiro Lobato. Alfabetizado pela mãe, logo despertou o gosto
pela leitura, lendo todos os livros infantis da biblioteca de seu avô, o Visconde de
Tremembé. Desde menino, Lobato mostrava seu temperamento agitado e
questionador, escandalizando a sociedade quando se recusou a fazer a primeira
comunhão. Mais tarde, em sua formatura da faculdade de Direito, pronunciou um
discurso agressivo, o qual fez com que vários professores, padres e bispos se
retirassem da sala. Atuou como promotor público e paralelamente publicava seus
primeiros contos em jornais e revistas, posteriormente reunidos em uma obra
chamada Urupês.
Registrado com o nome de José Renato Monteiro Lobato resolveu mudar
o nome, evidenciando novamente seu espírito inquieto, pois queria usar uma
bengala que fora do pai falecido, e que, portanto, possuía as iniciais J.B.M.L. Passou
a se chamar José Bento. Assim, as suas iniciais ficaram iguais às do pai. Em 1908,
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casou-se com Maria Pureza da Natividade e teve quatro filhos: Marta, Edgar,
Guilherme e Rute.
Em dezembro de 1917, publicou, no jornal O Estado de São Paulo, um
artigo intitulado “Paranoia ou Mistificação?”, no qual critica a exposição de Anita
Malfatti, pintora paulista recém-chegada da Europa. Com essa publicação, estava
criada a polêmica entre Lobato e os modernistas.
Numa época em que os livros eram editados em Lisboa ou Paris,
Monteiro Lobato, em sociedade com Octalles Marcondes Ferreira, fundou a
Companhia Gráfico-Editora Monteiro Lobato. Com o racionamento de energia, a
editora foi à falência. Os dois editores venderam tudo e fundaram a Companhia
Editora Nacional. Lobato mudou-se para o Rio de Janeiro e começou a publicar
livros para crianças. Em 1921, publicou Narizinho Arrebitado, livro de leitura para as
escolas. A obra fez grande sucesso, o que levou o autor a prolongar as aventuras de
sua personagem em outros livros girando todos ao redor do Sítio do Pica-Pau
Amarelo.
Loide Nascimento de Souza (2009) conta que, quando Lobato publicou
seu primeiro livro infantil, ele já era um escritor e um editor reconhecido. A ideia de
escrever para crianças surgiu dentro do ambiente doméstico, pois o escritor queixa-
se de não haver livros destinados aos filhos. Em uma carta escrita ao amigo
Godofredo Rangel, em 1916, o escritor fala sobre o projeto de escrever para
crianças, reescrevendo as fábulas de Esopo e La Fontaine de um jeito brasileiro,
mudando, quando preciso, a prosa e as moralidades, além de trocar os bichos
personagens estrangeiros pelos animais personagens brasileiros. Na mesma carta,
ele relata que seus filhos guardam na memória as histórias contadas por Purezinha,
esposa de Lobato, mas que não prestam atenção na moralidade. Esta fica no
subconsciente e vai se revelar mais tarde, quando eles se tornarem capazes de
compreender o mundo e as relações que o envolvem.
Aqui, surge um ponto de contato entre Monteiro Lobato e Rousseau, pois
o filósofo francês também possuía ideias inovadoras sobre a infância afirmando: “Os
mais sábios prendem-se ao que aos homens importa saber, sem considerar o que
as crianças estão em condições de aprender. Procuram sempre o homem na
criança, sem pensar no que ela é antes de ser homem” (ROUSSEAU, 2014, p. 4). O
filósofo francês, dando continuidade à sua maneira de conceber a infância, sustenta
que cada fase da vida tem a perfeição e a maturidade que lhe são próprias e que,
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muitas vezes, pensa-se apenas no homem feito. Dever-se-ia pensar em uma criança
feita, plena das habilidades e características peculiares dessa fase da vida. Ambos
os escritores viam na criança um ser com pensamentos próprios, preocupando-se
com o tipo de educação que deveria receber e com o tipo de compreensão que ela
tem dos fatos.
Esse tipo de pensamento manifesta-se na constante preocupação de
Lobato com a literatura infantil, reaparecendo depois, em 1921, na nota introdutória
do livro Fábulas de Narizinho, na qual Lobato escreve:
As fábulas constituem um alimento espiritual correspondente ao leite na primeira infância. Por intermédio delas a moral, que não é outra coisa mais que a própria sabedoria da vida acumulada na consciência da humanidade, penetra na alma infante, conduzida pela loquacidade inventiva da imaginação. Essa boa fada mobiliza a natureza, dá fala aos animais, às árvores, às águas e tece com esses elementos pequeninas tragédias donde resulta a ‘moralidade’, isto é, a lição da vida. O maravilhoso é o açúcar que disfarça o medicamento amargo e torna agradável a sua ingestão. O autor nada mais fez senão dar forma sua às velhas fábulas que Esopo, La Fontaine e outros criaram. Algumas são tomadas do nosso ‘folk-lore’ e todas trazem em mira contribuir para a criação da fábula brasileira, pondo nelas a nossa natureza e os nossos animais, sempre que isso é possível (LOBATO apud SOUZA, 2009, p. 105-106).
O tratamento de Lobato em relação às crianças, considerando-as seres
capazes de pensar e de se posicionar diante daquilo que elas veem, sentem, leem e
ouvem, garante o sucesso dele na reescritura das fábulas clássicas. Sua produção
foi reeditada várias vezes, atingindo grande público. O escritor trabalhou por mais de
vinte anos nesse tipo de projeto, fazendo alterações a cada edição, ora simplificando
a linguagem, retirando os excessos de literatura, ora acrescentando mais
comentários infantis à narração. As fábulas continuam sendo semelhantes às
tradicionais, o que vai diferenciá-las é o tratamento dados aos ouvintes e à
narradora, no caso, D. Benta.
Disso, resulta o comentário feito por Coelho (1985), que afirmou caber a
Monteiro Lobato
ser, na área da Literatura Infantil e Juvenil, o divisor de águas que separa o Brasil de ontem e o Brasil de hoje. Fazendo a herança do passado imergir no presente, Lobato encontrou o caminho criador que a Literatura Infantil estava necessitando. Rompe pela raiz, com
55
as convenções estereotipadas e abre as portas para as novas ideias e formas que o nosso século exigia (COELHO, 1985, p. 185).
Santos (2001) também comunga com o mesmo pensamento, pois afirma
que Lobato foi o responsável pelas primeiras revoluções estéticas na literatura para
as crianças, citando, entre outras inovações, a contestação de regras sociais e a
pluralidade de vozes. Segundo o autor, Lobato visava ao “encontro da criança
brasileira com a cultura de sua pátria e, em paralelo, à aproximação do leitor infantil
com o universo narrativo clássico possibilitando uma reflexão crítica sobre a rigidez
da moralidade tradicional” (SANTOS, 2001, p. 52).
Lobato, desde criança, destacou-se por sua rebeldia e pela arte de causar
polêmicas: foi assim com a negativa em fazer a primeira comunhão, foi assim com a
exposição de Anita Malfatti e não foi diferente com suas fábulas. Nelas, encontra-se
o questionamento sobre o enredo, as personagens e o desfecho das fábulas
tradicionais. Nas fábulas de Lobato, a crítica às fábulas clássicas fica a cargo, na
maioria das vezes, das crianças personagens do Sítio do Pica-Pau Amarelo.
As personagens do Sítio, que ouvem as histórias contadas pela avó, não
apresentam uma recepção passiva dos ensinamentos contidos nos textos e
assumem outro perfil de ouvinte ou leitor: a criança que pensa, questiona, cria novas
fábulas, sugere outros finais, demonstrando, assim, sua percepção do mundo. No
caso das crianças do Sítio, elas se recusam a aceitar o que há nas fábulas como
verdades absolutas. Rousseau (2014, p. 91) corrobora o pensamento do escritor
paulista ao afirmar:
Conhecer o bem e o mal, perceber a razão dos deveres do homem não são coisas para uma criança. A natureza quer que as crianças sejam crianças antes de serem homens. Se quisermos perverter essa ordem, produziremos frutos temporões, que não estarão maduros e nem terão sabor, e não tardarão em se corromper; teremos jovens doutores e crianças velhas. A infância tem maneiras de ver, de pensar e de sentir que lhes são próprias; nada é menos sensato do que querer substituir essas maneiras pelas nossas, [...].
Rousseau e Lobato concebem a criança como um ser capaz de
posicionar-se diante do mundo. Entretanto, ambos a colocam sempre sob a
orientação de um adulto. Rousseau, ao criar o aluno imaginário – Emílio –, assegura
que as crianças devem ser criadas com liberdade, mas sempre sob a supervisão
dos adultos, para que não se machuquem e para que não sejam colocadas em
56
situações de riscos. Acredita que as crianças aprenderiam melhor por si mesmas do
que com constantes interferências. “Amai a infância, favorecei suas brincadeiras,
seu amável instinto” (ROUSSEAU, 2014, p. 72). Em Lobato, as crianças do Sítio,
embora sob a supervisão de um adulto, seja Dona Benta ou Tia Nastácia, podem
emitir opiniões. Quando as fábulas são contadas, a interferência de Dona Benta é
mínima. Ela se utiliza das fábulas para ensinar sobre os fatos do mundo, mas deixa
que as crianças reflitam e manifestem seus pensamentos em relação às histórias
ouvidas.
O relacionamento entre a avó e os netos no Sítio representa o
pensamento de Lobato sobre a família: pessoas cordiais que se respeitam, mas que
discordam umas das outras. As crianças do Sítio não são agressivas ou mal-
educadas. Elas são questionadoras. Lobato dá às crianças a oportunidade de
expressarem suas opiniões sobre os fatos e pessoas. Rousseau, por sua vez,
explica que os adultos só devem dar às crianças o que elas precisam, e não por que
elas pedem. O filósofo francês é totalmente contra que uma criança se torne
autoritária, pois ela não pode mandar nos adultos. A criança, para Rousseau, deve
ser exposta a diversas situações que ampliem seus conhecimentos e seu senso de
observação. Por esse motivo, considerava que o livro Robson Crusoé era perfeito
para Emílio, pois traria muitos conhecimentos além do romance em si. Nesse ponto,
Rousseau iguala-se a Lobato, que, durante a narração das fábulas, criava
oportunidades para que vários assuntos fossem ensinados às crianças, mas
diferenciam-se por ser o primeiro mais rígido e por concentrar todo conhecimento no
adulto, como sendo o único capaz de ter algo a ser transmitido, enquanto o segundo
permitia que as crianças externassem os conhecimentos próprios e chegassem às
próprias conclusões.
Nas fábulas de Lobato, o contexto social cede lugar aos questionamentos
das crianças feitos a cada história lida por D. Benta. Não que o contexto social seja
ignorado por Lobato, um homem atento ao seu tempo e que, por várias vezes,
envolveu-se em polêmicas, mas retratar a sociedade da época não era o objetivo
principal do autor. A leitura de suas fábulas e de outras histórias destinadas ao
público infantil evidencia a preocupação do escritor paulista na formação de uma
criança no sentido mais amplo e heterogêneo. Inseridos nas fábulas, encontram-se
vários ensinamentos, além das moralidades. Fala-se sobre a gramática portuguesa,
57
sobre o latim e sobre a literatura entre tantos outros assuntos que fornecem diversos
conhecimentos para as crianças de forma mais leve, mais lúdica.
Vários autores já mencionaram ser a boneca Emília o alter ego de Lobato,
porque é dela que partem os questionamentos mais ousados em relação às fábulas.
Como seu criador, Emília se mostra sempre pronta a indagar sobre tudo o que a
cerca. Nada escapa ao seu olhar atento e avaliador. Incapaz de aceitar a moralidade
da fábula como verdade única, a boneca de pano abusa de seu lugar de
enunciação, criticando e censurando as histórias contadas por Dona Benta. Embora
também façam críticas, as crianças do Sítio não apresentam a mesma ousadia da
boneca, que inicia quase todos os comentários pós-audição das histórias.
Logo na primeira história do livro, Lobato apresenta duas versões para a
famosa fábula A cigarra e a formiga, evidenciando o posicionamento que irá assumir
durante todo o livro. Não há somente a formiga malvada que deixa a cigarra morrer
de frio e fome. Tem lugar a formiga boa, que admite que o trabalho do artista é
também digno de reconhecimento. Lobato apresenta uma nova perspectiva, não
associando a atividade artística à ociosidade inconsequente; ao contrário, dá a ela o
seu devido valor. “Os artistas – poetas, pintores, músicos – são as cigarras da
humanidade” (LOBATO, s/d, p. 412). Logo na primeira fábula, Emília surge para
protestar, afirmando que os animais têm uma linguagem própria e discordando de
Dona Benta, que afirmou o contrário.
Muitas fábulas são adaptações de La Fontaine ou de Esopo, como o
próprio escritor assume em carta enviada ao amigo Rangel. A fábula intitulada A rã e
o boi, muito conhecida, é sobre uma rã que queria se tornar tão grande quanto um
boi, inflando-se até estourar, foi contada por Esopo, Fedro e La Fontaine. Ao lado de
pequenas alterações feitas por cada fabulista, a mudança na moralidade vem
corroborar o que foi explanado até então sobre a relação entre a obra e a ideologia
de cada época. Esopo finaliza a referida fábula com o seguinte ensinamento: “Assim
sofrem os que desejam competir com os mais fortes: com efeito, eles próprios se
prejudicam mais rapidamente do que conseguem atingi-los” (SMOLKA, 1994, p. 26),
deixando claros o reconhecimento da supremacia do mais forte e a submissão
passiva dos mais fracos. Fedro inicia a mesma fábula afirmando: “O fraco que quer
imitar o poderoso perece” (FERACINE, 2006, p. 51), reforçando a ideia de
impotência do povo diante dos governantes. Em La Fontaine, a moralidade muda
para se tornar uma crítica aos burgueses, que não deveriam almejar igualarem-se
58
aos nobres, como acontecia antes da concretização da Revolução Francesa. O
poeta francês termina assim a sua versão da mesma fábula: “Tantos no mundo,
assim com a rã, agem:/ todo burguês quer ter mansões de grãos-senhores,/ todo
marquês quer ter seu pajem” (LA FONTAINE, 1989a, p. 79). Na versão de Lobato, a
moral da história é fornecida por meio de um provérbio popular: “Quem nasce para
dez réis não chega a vintém”. Sendo o provérbio representante da experiência
popular, sua mensagem é quase sempre aceita passivamente. Todavia, a boneca de
pano não compartilha da mesma opinião e grita: “Eu nasci boneca de pano, muda e
feia, e hoje sou até ex-Marquesa. Subi muito. Cheguei a muito mais que vintém.
Cheguei a tostão...” (LOBATO, s/d, p. 414) Emília subverte a moral da história,
colocando em dúvida o que a experiência do povo admite como verdade.
O uso de provérbios populares como moralidades integra o projeto de
Lobato de escrever à nacional as fábulas clássicas. Assim, na fábula O lobo e o
cordeiro, tem-se um cordeirinho, que, acusado injustamente de turvar a água que o
lobo iria beber, não escapa da morte mesmo sendo coerente em suas respostas. A
mensagem é clara: “Contra a força não há argumentos”. Dona Benta explica que
essa fábula revela a essência do mundo, ou seja, que os fortes sempre vencem.
Mas Emília não concorda, pois, segundo ela, os fortes podem ser vencidos com o
uso da esperteza, qualidade admirada pela boneca. Em outra fábula, Emília admite
que se tivesse um filho iria ensiná-lo apenas uma coisa: que ele fosse esperto.
A fábula O homem e a cobra foi contada por Esopo e Fedro. Em ambas
as versões, a cobra, antes congelada, mata o homem que a salvou. Em La Fontaine,
o final muda, pois o homem mata a cobra antes que seja picado por ela. Lobato
segue a mesma linha, fazendo com que o homem também mate a serpente e evite o
bote fatal. O autor, em sequência, finaliza a fábula com a mudança do dito popular:
“Fazei o bem e não olheis a quem” para “Fazei o bem, mas olhai a quem” (LOBATO,
s/d, p. 448). Aqui, surge outro exemplo, dentre muitos, da mínima interferência de
Dona Benta ao narrar as histórias. Ela explica que Confúcio, segundo ela o maior
filósofo prático da humanidade, ensinou uma coisa muito certa: “Tratai os bons com
bondade e os maus com justiça”. Ela não se posiciona, apenas aproveita-se da
oportunidade para ensinar. É Emília quem reage ao ouvir o ensinamento do filósofo
chinês, batendo palmas e declarando ser Confúcio quem concorda com ela, pois o
pensamento dela é: “Para os maus, pau!” (LOBATO, s/d, p. 448).
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A ênfase dada à Emília coloca a personagem como um centro de reflexão
da criança, desorganizando o centro do adulto. Emília pode, então, ser considerada
como um suplemento no sentido dos ensinamentos de Jacques Derrida. Embora
perturbe o centro harmônico do adulto, com suas críticas e questionamentos
constantes, esse centro não se esgota, pois a presença e postura dos adultos
continuam existindo. Mas a cada posicionamento da boneca de pano, novos
suplementos são acrescentados à visão dos adultos, num jogo constante no qual o
final será sempre alterado, mas nunca concluído. Cada fábula é acrescida de novas
parcelas que podem vir em forma de críticas à moralidade, repreensão ou elogio a
alguma personagem ou simples aprovação daquilo que foi narrado. Emília é, ao
mesmo tempo, um suplemento da criança, do adulto e da fantasia. Suplementa a
criança quando faz comentários que não seriam bem aceitos se partissem de uma
criança de verdade, porque o lugar de enunciação de Emília, boneca de pano, é
mais confortável. Ao questionar os ensinamentos dos adultos, como fez com os
provérbios, incorpora o centro infantil ao centro adulto, adicionando novas
perspectivas a este. E, finalmente, suplementa a própria fantasia por ser uma
boneca de pano que não só participa da história como personagem, mas posiciona-
se diante das situações apresentadas, agindo além da fantasia. A fantasia
ultrapassa os limites do fantástico dando lugar ao surgimento de pontos de vistas
diferentes daqueles inquestionáveis até então.
Diferentemente das fábulas e dos autores mencionados, encontra-se nas
fábulas lobatianas um endereçamento bem específico: a formação da criança.
Desde Kalila e Dimna passando por Esopo e Fedro, a inter-relação entre a produção
literária e o contexto social e cultural de cada época esteve presente nas entrelinhas
das histórias. Em La Fontaine, além de comunicar-se com a época, as fábulas
começam a considerar a criança como destinatária das histórias criadas e
reinventadas. Entretanto, é Lobato que passa a considerar as crianças como
capazes de formar julgamentos próprios a partir das histórias ouvidas ou lidas. Suas
fábulas apresentam ouvintes ativos, que assumem uma posição própria diante do
mundo e de suas relações.
CAPÍTULO 2
TAL ÉPOCA, TAL ESCRITOR
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2.1 O princípio...
Oranice Franco (FIG. 1) nasceu em Lima Duarte, MG, em 02 de
novembro de 1919. Era filho de Luiz Gonzaga Franco, farmacêutico e funcionário do
Banco Crédito Real, e Alice Baumgratz Franco, tendo como irmãs a Dra. Berenice e
as professoras Clarice e Doralice e a costureira Eunice.
FIGURA 1 – Oranice Franco Fonte: acervo do escritor
Provavelmente, em 1929, mudou-se com a família para São João del-Rei.
Estudou no Curso Primário Anexo à Escola Normal de São João del-Rei e no
Colégio Santo Antônio, no qual cursou o ginasial. No acervo do escritor, encontram-
se registros da época em que ele frequentou a escola primária. Há dois conjuntos de
avaliações no acervo: um de 1929, quando cursou o segundo ano, e outro de 1930,
relativo ao terceiro ano. As provas mensais eram distribuídas nas disciplinas: Língua
Pátria, Aritmética, Ciências Naturais, História do Brasil e Geografia. Entre as provas
de Língua Pátria, há duas redações – uma feita em 1929 e outra em 1930. Ambas
possuem moralidades no final. Uma redação, ANEXO A, termina com a moralidade:
“Quem tudo quer tudo perde” e a outra, ANEXO B, termina: “Quem rouba é
castigado”. A redação com esse tipo de final foi uma instrução da professora ou
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indica um estilo do escritor? Seja qual for a resposta – instrução ou estilo –, essa
influência iria aparecer nos anos seguintes na produção de Franco para crianças.
Depois, em Barbacena, Oranice cursou a Escola Agrícola, formando-se
agrimensor. Conforme conta Nestor de Holanda, em um artigo para o jornal A Noite,
datado de 22 de agosto de 1955 e intitulado “Da necessidade de ser mineiro”,
ANEXO C, Oranice chegou a exercer, por um tempo mínimo, a profissão de
agrimensor. Na época, um tio fazendeiro precisava fazer uma pinguela sobre uma
pequena valeta para passagem de homens e animais. Franco derrubou uma peroba
e a transformou na pequena ponte. A primeira pessoa que passou só não caiu
porque pulou antes, e só não morreu porque a profundidade era pouca. Disso,
resultaram dois fatos: primeiro, o fazendeiro mandou aterrar a pequena valeta;
segundo, o agrimensor descobriu que se quisesse exercer a profissão devidamente
deveria voltar ao primeiro ano do curso. Como não voltou a frequentar o mesmo
curso, mudou de profissão. A relação entre Oranice e os estudos não seria tão
harmônica, como ele mesmo afirmou em depoimento apresentado nas páginas
seguintes.
Assim, Franco acabou descobrindo que o jornalismo era a sua verdadeira
vocação. No final da década de 1930, foi para Belo Horizonte, onde residiu até os
primeiros meses de 1940. Na capital mineira, relacionou-se com vários escritores,
como Murilo Rubião, Otto Lara Resende e Paulo Mendes Campos, entre outros.
Depois, passou rapidamente por São João del-Rei, partindo para o Rio de
Janeiro, a fim de trabalhar na área do jornalismo. No Rio de Janeiro, começou
trabalhando no jornal A Noite, que ocupava o edifício Joseph Gire. Tamanha era a
importância do jornal como poderoso meio de comunicação que o edifício ficou
conhecido como A Noite. Nesse mesmo edifício, funcionava a Rádio Nacional, na
qual Oranice Franco foi admitido em 02 de abril de 1940. Na emissora, ele produziu
programas, sozinho ou em parceria com outros escritores. Na mesma época,
trabalhou com Mário Lago e Dias Gomes. Oranice Franco fez parte da Era de Ouro
do Rádio, integrando uma época significativa da história do Brasil e do rádio.
Em 1950, Franco escreveu uma de suas novelas, A Marcha para Deus,
baseada na história dos pracinhas do 11º Batalhão de Infantaria de São João del-Rei
na Segunda Guerra Mundial. A partir de 1951, tornou-se redator-chefe da Rádio
Nacional em substituição a Acyr Bocchat. No mesmo ano, Nestor de Holanda (1951)
escreveu um artigo, “Oranice Franco e outros poetas”, para o jornal A Noite, no qual
63
noticia que Oranice iria escrever uma Antologia dos Poetas do Rádio (ANEXO D).
Entretanto, não foi localizado tal livro e nem há mais notícias sobre se a redação
deste se tornou uma realidade. Segundo a notícia publicada, Oranice já havia
começado sua pesquisa, que continha aproximadamente duzentos nomes entre
sonetistas, improvisadores, trovadores, parnasianos, surrealistas e modernistas.
Em uma seção do jornal A Noite, denominada “Palpite do Dia”, de
novembro de 1951, encontra-se um pequeno depoimento de Franco sobre o rádio.
Escreveu Franco (1951, p. 11):
Quem está fora do rádio anda cheio de belas sugestões para fazer isso e aquilo; mas, meu Deus, quem pertence à simpática panela radiofônica vê, com espanto, que todas as sugestões já foram feitas, deram ou não resultados. Vindo para o rádio, trouxe meu baú de ideias. Pequeno, humilde como eu mesmo. E venho gastando o meu capital, lutando por um rádio melhor. Melhor em todos os sentidos. [...]. Uma coisa que sempre quis tirar do rádio – ou melhor, podar uns 90 por cento – foi o adjetivo. Esse cidadão, a meu ver, é o nosso grande inimigo. Antes ou depois de um substantivo próprio ele tem levado muita gente à falência – e a pior delas: a do camarada que pensa que tem dinheiro (leia-se talento) e não o tem. E começa a sacar o futuro. Minha sugestão é deixar a coisa como está, pois ela vai muito bem. Há muita gente boa dirigindo os destinos das emissoras – não subamos acima das sandálias. É um conselho sábio que vem desde o mais recuado tempo.
Além do sentimento de estima que o escritor demonstra possuir em
relação ao rádio, traduzido pela expressão “simpática panela radiofônica”, ambiente
restrito, mas harmonioso, percebe-se que Oranice expunha suas opiniões sobre os
assuntos que cercavam a emissora de maneira clara, direta e, talvez, um pouco
ofensiva. A resposta dada bem poderia ser um desabafo direcionado aos não
satisfeitos com o fato de ele ter se tornado redator-chefe na emissora em março de
1951. Entretanto, além disso, o sentimento de humildade está presente em Oranice,
que considera suas ideias pequenas e humildes e conclui o depoimento sustentando
que não se deve subir acima das sandálias. Pequenas marcas capazes de indicar a
personalidade simples do escritor mineiro.
Outro texto de Nestor de Holanda, publicado em 09 de agosto de 1952,
Variações sobre um poeta, ANEXO E, traz, em suas linhas, outra característica de
Oranice: seu apego a Minas Gerais. Escreve o colunista que Orana, como Oranice
era chamado na intimidade, pode ter um domicílio em qualquer parte do mundo, mas
nunca uma residência. Continua o texto dizendo que atualmente Oranice encontra-
64
se domiciliado no Rio de Janeiro, mas que reside em São João del-Rei, agarrando-
se a “uma espécie de complexo de Édipo em relação à terra-mãe”. Holanda
antecipou o que o próprio Franco definiria dois anos depois no livro Mares de Minas:
“Minas é um estado d’alma”.
A partir de 1953, na Rádio Nacional, começou a escrever fábulas para o
programa As histórias do Tio Janjão, apresentado por Álvaro Aguiar. O jornal A Noite
noticiou o início da apresentação do programa, numa quarta-feira, 07 de janeiro de
1953 (FIG. 2).
FIGURA 2 – Notícia sobre o início do programa História do Tio Janjão Fonte: A Noite, 1953, edição 14295, p. 7.
O referido jornal não poupa elogios a Oranice Franco, escrevendo na
edição do dia 07 de dezembro de 1953:
[...] as Histórias do Tio Janjão se impuseram logo ao conceito dos pais e ao agrado dos filhos, pois são para as crianças. Seu autor, o poeta mineiro Oranice Franco, com tais histórias tornou-se na rádio o que Monteiro Lobato foi na literatura infantil, isto é, suas histórias foram aceitas unanimemente e com notório aprazimento (A NOITE, 1953, p. 7).
65
O programa era transmitido inicialmente uma vez por semana, mas,
devido ao grande sucesso, passou a ir ao ar duas vezes por semana, às terças e
quintas, no horário de 17h30min às 17h55min. Várias dessas histórias encontram-se
no acervo do autor e constituem objeto de análise neste trabalho.
Outra prova do grande sucesso do programa era a “confusão” quanto à
identidade do Tio Janjão. Nas publicações do jornal A Noite, ora consideravam que o
Tio Janjão era Oranice Franco, ora que cabia a Álvaro Aguiar esse título. Quase
todas as notícias relacionadas a Oranice Franco, depois de 1953, o ligam ao Tio
Janjão. Mesmo quando a publicação Mas há outras publicações que afirmam que
Álvaro Aguiar era o Tio Janjão. No dia 21 de abril de 1953, o referido jornal escreveu
que Álvaro Aguiar “vive o Tio Janjão e o faz com muito júbilo e ternura porque
também é pai e sabe o quanto as histórias é sobre uma nova novela que Franco
está escrevendo ou sobre alguma biblioteca que terá o nome de “Tio Janjão”, a foto
publicada é a de Oranice Franco. têm agradado” (A NOITE, 1953, p. 8, grifo meu).
Franco e Aguiar decidiram lançar um disco, Histórias do Tio Janjão (FIG.
3), contendo algumas fábulas. O lançamento desse disco, em 1956, testemunha a
dificuldade de se identificar o Tio Janjão. No anverso da capa, encontra-se a figura
de Álvaro Aguiar, mas no verso há um pouco sobre a vida de Aguiar e Franco. Em
uma fotografia, publicada em 16 de dezembro de 1955, ANEXO F, o jornal A Noite
esclarece que “o escritor do Tio Janjão (Oranice Franco) e o próprio Tio Janjão
(Álvaro Aguiar)” estão resolvendo questões sobre o lançamento do disco. Em todos
os momentos, percebe-se que escritor e intérprete se misturam e se confundem.
Franco possuía fotografias e cartinhas dos “sobrinhos” em seu acervo, o que prova
que ele era visto como o Tio Janjão pelas crianças. A dúvida entre autor e intérprete
comprova o sucesso do programa e sua grande audiência.
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FIGURA 3 – Capa do disco Fonte: disco de vinil, 1956.
O caráter moralizante e educativo do programa de rádio, bem como seu
sucesso diante do público, pode ser confirmado com os dizeres que se encontram
na contracapa do disco de vinil Histórias do Tio Janjão, de 1956.
Êste12 famoso programa do rádio brasileiro, um dos poucos aconselhados pela Liga Católica de Moralidade, foi apresentado na Rádio Nacional, primeiramente, às quartas-feiras, com o tempo de apenas 15 minutos no horário da manhã. Na décima apresentação, eram tantos os pedidos, chegaram tantas cartas, que a Direção Geral resolveu apresentá-lo 2 vêzes por semana, às 17.30, horário mais conveniente para a garotada, e até hoje permanece nesse horário. Feito dentro dos mais rígidos princípios pedagógicos, o programa ‘Histórias do Tio Janjão’ se tornou, em breve, o líder de seu horário e, mais do que isso, um sadio orientador de nossa infância e juventude que têm no Tio Janjão não um mestre carrancudo, mas um admirável amigo. Com quase três dezenas de programas originais, ‘Histórias do Tio Janjão’ teve, recentemente, a unânime consagração das maiores expressões da inteligência brasileira, não só de escritores e jornalistas, mas de mestres e professores especializados em educação infantil, que recomendaram o programa como precioso auxiliar na educação e formação do caráter das crianças brasileiras (AGUIAR, 1956, disco de vinil).
As quatro fábulas que fazem parte desse disco foram extraídas do
material produzido e transmitido pela Rádio Nacional. Duas delas foram ao ar em
1953, O ratinho poeta e O porquinho flautista. As histórias Os brinquedos
abandonados e O macaco que foi rei por um dia foram extraídas da produção de
1954.
12
Optou-se por usar a escrita original da contracapa do disco de vinil.
67
O escritor mineiro continua com outras produções paralelas às histórias
infantis. Outra novela de Franco, Meu pai, meu melhor amigo, começou a ser
transmitida pelo rádio em 1954, cujo tema é “a posição de pai face ao filho, na teia
desses problemas de ordem moral, psicológica e prática, um contrariando o outro”.
(ANEXO H). A novela tornou-se um sucesso, agradando o público adolescente e,
por extensão, os pais e educadores.
Detalhes da vida de Franco são noticiados por meio do jornal A Noite: os
períodos de férias, a morte do pai em 1952, uma delicada intervenção cirúrgica
ocorrida em 1955, o dia do aniversário e o lançamento dos livros, incluindo a
publicação de alguns poemas, entre outros.
Percebe-se que, a partir de 1956, as publicações jornalísticas sobre
Oranice foram se tornando mais raras. Tudo indica que, no período de março a
agosto desse ano, o programa esteve fora do ar, pois há uma publicação que
anuncia o retorno do programa para setembro de 1956. Após isso, o nome Histórias
do Tio Janjão só aparece na seção da programação da rádio ao lado de tantas
outras. Não há mais elogios ou quaisquer considerações a respeito do escritor. A
única nota diferente é a que trata da substituição de Álvaro Aguiar por Celso
Guimarães, na qual também há a informação de que o programa será apresentado
apenas uma vez por semana (ANEXO I). A última ocorrência sobre o programa data
de 12 de dezembro de 1957 (FIG. 4):
FIGURA 4 – Última referência ao programa Histórias do Tio Janjão Fonte: A Noite, 1957, edição 15.794, p. 4.
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Em 1972, Oranice Franco se aposentou e voltou para São João del-Rei,
onde permaneceu até sua morte. Em setembro de 1999, Oranice Franco deixou
para Eric Tirado Viegas, o poeta Eric Ponty, todos os direitos autorais de sua obra,
ANEXO J, cujo material foi consultado para pesquisa.
Além do acesso ao acervo, as primeiras conversas com Eric Ponty e,
posteriormente, com seu pai, o Sr. Vicente de Paulo Barbosa Viegas, revelaram
outros fatos sobre a vida de Oranice Franco. O Sr. Vicente disse que a amizade
entre a família Franco e a família Viegas começou a princípio porque eram vizinhos
na Av. Oito de Dezembro em São João del-Rei. Depois, o câncer desenvolvido por
uma das irmãs de Oranice fez com que a presença dele fosse requisitada na
residência, pois ele era farmacêutico e o patriarca da família, também farmacêutico,
já havia falecido. Assim, a amizade começou a se solidificar. Tendo se tornado
amigo de Oranice, o Sr. Vicente, por algumas vezes, levava seu filho, Eric, para
visitar o vizinho. Sendo Eric poeta e leitor, logo a amizade entre ele e Oranice foi
estabelecida também. Os anos se passaram e todas as irmãs de Franco morreram
por algum tipo de câncer. Mais tarde, o próprio Oranice foi vítima de um câncer na
laringe, que o matou em 02 de novembro de 1999, coincidentemente, no mesmo dia
de seu nascimento. Festeiro, havia planejado e organizado, antecipadamente, a
festa dos seus 80 anos. Morreu em casa, aproximadamente às 16 horas, quando a
empregada da casa foi até a casa dos Viegas pedir ajuda. O corpo foi velado na
igreja de São Gonçalo e enterrado no cemitério da mesma igreja.
Oranice, assim como as quatro irmãs, não se casou nem deixou filhos.
Sabedor de que sua doença não teria cura, embora fizesse um tratamento em Belo
Horizonte, o escritor procurou o amigo Vicente e pediu que este providenciasse seu
inventário. O pedido foi cumprido e o inventário devidamente registrado. Os bens
foram distribuídos para as entidades de assistência social da cidade de São João
del-Rei e também para particulares. A casa, ANEXO K, foi doada para a APAE, e a
grande fortuna que possuía em dinheiro foi doada para as Obras Sociais do Padre
Paiva, Conferência do Rosário, Serviço de Assistência à Criança Carente e Especial
(SACE) e Sopa Vovô Faleiro. Receberam uma quantia em dinheiro o pedreiro, o
pintor, as duas empregadas da casa e o médico que o tratou, Dr. Júlio. Para o amigo
e jornalista, Secundino, Franco deixou uma generosa soma em dinheiro resultante
da venda de um apartamento no Rio de Janeiro. Colocou os dólares num embrulho
de papel e pediu que Vicente o entregasse ao amigo jornalista. Ao abrir o pacote,
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Secundino, disse admirado: “Oranice safado. Nem que eu viaje por toda a Europa
não gasto todo o dinheiro que tem aqui”. Parte da fortuna de Franco veio da
aposentadoria do Ministério da Agricultura, conforme informado pelo poeta Eric e
também comprovado por um certificado de um curso de aperfeiçoamento promovido
por esse Ministério (ANEXO L).
Eric contou que Oranice pretendia queimar toda a produção dele e todos
os papéis que faziam parte de sua memória pessoal, como recortes de jornais –
organizados em pastas ou soltos –, propagandas da Rádio Nacional, fotografias e
cartas, entre outros. Oranice chegou a queimar muita coisa, inclusive o último livro
de memórias, que só foi lido por ele e por poucos amigos. O restante da produção
só não foi consumido pelo fogo, porque o escritor foi impedido pela empregada da
casa, a qual lembrou ao patrão que ele havia prometido doar todo o acervo para o
amigo e vizinho Eric.
De acordo com Nilo da Silva Lima (2004), Oranice Franco deixou grande
diversidade e quantidade de obras. Escreveu cinco livros de poesia: Minha rua de
Minas (1949), O poço da memória (1952), Mares de Minas (1954), Gostamos de azul
(1963) e Oranice’s (1982). Também, é autor de uma trilogia de contos formada pelos
livros Lagoa Mansa (1972), Estórias de Lagoa Mansa (1981) e Tem peru na Lagoa
(1983).
Franco escreveu aproximadamente duas mil e trezentas crônicas, entre
1955 e 1965, para o programa da Rádio Nacional, intituladas Crônicas da Cidade. O
jornal A Noite noticiou o início dessa produção na edição do dia 09 de novembro de
1955, informando que, a partir do dia 15 do corrente, Oranice Franco passaria a
escrever as crônicas, que iriam ao ar de segunda a sábado, às 13 horas, além de
elogiar o escritor (ANEXO M). As crônicas eram lidas por César Ladeira, Álvaro
Aguiar e, às vezes, Paulo Gracindo.
Na Rádio Nacional, Franco produziu, com Mário Brasini, Ghiaroni, Pedro
Anísio e Alziro Zarur, novelas que foram sucessos na época de ouro do rádio. Entre
as novelas, têm-se: O gato de botas (1945-1946), O noivo Menelau (1945-1946), A
marcha para Deus (1950), Caminhos da Vida (1952), Meu pai, meu maior amigo
(1954), Clarice (s/d) e Para toda vida (s/d).
Franco escreveu dezessete livros infantis, contendo dezoito histórias: São
Francisco rio rico (1971), O touro valentão (1973) e O menino que voa (1973), em
parceria com Mary França, duas histórias em um mesmo livro: A festa do grilo e O
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Velocípede Abandonado (1977), João Violeiro (1979), Niquinho (1980), O
homenzinho verde (1980), O peixinho arteiro (1982), O coelhinho mágico (1983), O
burrinho que ria (1984), Cavalinho Alecrim (1984), Amazonas o rio mar (1986), O
cachorrinho de sangue azul (1987), O urubu cantor (1989), O pavão orgulhoso
(1999), A sapinha sapeca (s/d) e Macaco Simão rifa um leão (s/d). Os livros São
Francisco rio rico, O menino que voa, Amazonas o rio mar, O homenzinho verde e
João Violeiro não se enquadram no gênero fábulas. A sapinha sapeca, cujo
exemplar não foi localizado, parece ser uma fábula, tendo em vista o título da
narrativa.
No acervo de Oranice, há uma página do 2º Anuário do Rádio, da revista
Publicidade, datada de setembro de 1946, na qual Oranice escreveu sua
autobiografia. O texto ficou “tão bom e espontâneo” que os redatores da revista
resolveram publicar do jeito que Franco escreveu sem colocá-lo nos moldes do
Anuário. A autobiografia de Franco, embora traga dados já mencionados, apresenta
um novo aspecto: o olhar do escritor sobre si mesmo.
Eu me chamo Oranice Franco. Nasci em Lima Duarte, cidade mineira, no dia 02 de novembro de 1919. De Lima Duarte, minha família mudou-se para S. João del-Rei, também em Minas Gerais, e aí fiz meus estudos, cursando, além do grupo, o Ginásio Santo Antônio e o Instituto Padre Machado. Como todo ‘bom’ aluno, fui reprovado várias vezes, e achando que os responsáveis eram os professores, corri outros colégios, sem o menor resultado: Escola Agrícola de Barbacena, Academia de Comércio de Juiz de Fora etc. Nada. O erro estava em mim mesmo. A minha vida, sem querer bancar o modesto, não tem nada de mais. Fiz tudo o que um garoto do interior faz, nadei nos mesmos rios, levei as mesmas surras, tive as mesmas namoradas. Não há mérito, evidentemente. Desde cedo, tomei-me de amores pelo jornalismo. Escrevi numa porção de jornais. Comecei, como todo mundo, pelo começo, isto é, fazendo versos. Horrorosos versos de amor. Depois, conheci o modernismo e suas facilidades. Caí-me de amores por ele e... adeus, rima, adeus, métrica. Escrevi versos tão confusos que até hoje não consigo compreendê-los. Nem eu, nem ninguém mais. Por que quando os escrevi, duas pessoas sabiam o que significavam – eu e Deus. Agora, só Deus. Com os primeiros fios de barba, achei que era tempo de criar juízo. Arrumei as malas e fui para Belo Horizonte. Qual o que! Na capital mineira me ajuntei a outros poetas e desandei. A coisa foi pior porque, tomando conhecimento dos famosos hai-kais, fiquei muito mais confuso. Em Belo Horizonte eu estava ficando pior, voltei a S. João del-Rei e daí, depois de outra crise poética (desta vez foi o folclore), decidi tentar a sorte no Rio. Além dos versos, trouxe dentro da mala um continho meu: ‘Enquanto Rosa é criança’. Embora não
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acreditasse muito no valor dele, foi justamente esse conto que me abriu caminho no Rio. Passei, então, a colaborar na ‘A Noite Ilustrada’, ‘Carioca’. Principalmente na ‘A Noite Ilustrada’, onde me encontro até hoje. Um dia, levado por amigos, tentei o rádio, como redator especializado. Gostei e fui ficando. Não me passava, então pela cabeça, escrever novelas, programas etc. Mas como tudo tem seu tempo, chegou um dia que, com Mário Brasini, resolvi tentar a novela. Fui bem-sucedido. A novela agradou. Daí vieram outras, e uma centena de programinhos. Se não são lá muito bons, não são também horríveis. Espero continuar escrevendo novelas, se Deus quiser. O meu sonho, porém, o verdadeiro sonho de todo escritor – é o livro. Eu bem que podia escrever um livro, mas não quero. O livro é uma coisa que fica, para todo o sempre. Esse sonho não será concretizado já. É bom a gente escrever um livro, mas não apenas um livro. Aí está, sem grandes torneios, a minha vidinha. Nada tem demais, conforme avisei. É simples, comuníssima. Também não me considero, absolutamente, um sujeito de ‘cartaz’. Além de uma grande quantidade de programas, escrevi, com meus colegas de redação da Rádio Nacional: ‘O Gato de Botas’, ‘As novas mil e umas noites’, ‘Alma Encantadora das Ruas’, ‘O Testamento Fatal’, ‘O Noivo Menelau’, ‘A História da Semana’ etc. E as novelas de parceria com Mário Brasini: ‘Clarice’, ‘Quem é esta mulher’. Sozinho, tenho no ar uma novela regional, ‘Para toda a vida’ (FRANCO, 1946, p. 110).
De aluno malsucedido a escritor de contos, poesias, novelas e histórias
infantis, a trajetória de Oranice Franco perpassa a história da Rádio Nacional. O
sucesso de um e de outro se encontram entrelaçados, como mostrado a seguir.
2.2 Nas ondas da Rádio Nacional: o lugar de Vargas e de Franco
De acordo com Othon Jambeiro et al. (2004), o Brasil dos anos 1930
presenciou profundas mudanças políticas e sociais. Não mais um país formado por
poderes políticos regionais em cada estado e território, como ocorria até a década
de 1920, na qual a preocupação do governo era basicamente voltada para as
relações exteriores, defesa do território nacional e distribuição de verbas com fins
políticos. Agora, com a Revolução de 30, o poder buscava centralizar-se, ao mesmo
tempo em que fazia surgir um novo relacionamento entre governo e sociedade,
impondo uma ideologia de país único. A personagem principal dos anos 1930, o
então presidente Getúlio Vargas, tinha, entre tantos, um propósito bem definido –
criar uma identidade nacional. Vargas almejava também o reconhecimento pessoal
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de seus esforços, tornando-se admirado pela população por meio do
desenvolvimento econômico advindo do processo de industrialização e
modernização. Getúlio Vargas liderou e conduziu a revolução de 1930 a 1945,
tendo, a princípio, ideais democráticos. Entretanto, em 1937, ele estabeleceu uma
aliança com os militares e instalou a ditadura do Estado Novo. Sob o pretexto de
proteger o País e seus cidadãos, dividiu todos os poderes do Estado entre ele
mesmo e os militares. Em novembro desse mesmo ano, foi promulgada a nova
Constituição, estabelecendo uma ditadura que enfatizava o papel hegemônico do
Estado sobre o indivíduo e as instituições sociais além da soberania presidencial
sobre os Poderes Legislativo e Judiciário. Jesús Martin-Barbero (1997), ao tratar da
modernidade e da mediação de massa na América Latina, instrui:
Surge assim um novo nacionalismo, baseado na ideia de uma cultura nacional que seria a síntese da particularidade cultural e da generalidade política, da qual as diferentes culturas étnicas ou regionais seriam expressões. A nação incorpora o povo, transformando a multiplicidade dos desejos das diversas culturas num único desejo: participar do sentimento nacional. Sob esta forma, a diversidade legitima a insubstituível unidade da nação. Trabalhar pela Nação é, antes de mais nada, torná-la una, superar as fragmentações que originaram as lutas regionais ou federais no século XIX, tornando-lhe possível a comunicação entre várias regiões – rodovias, estradas de ferro, telégrafos, telefones e rádio – mas acima de tudo das regiões com o centro, com a capital (MARTIN-BARBERO, 1997, p. 217, grifos do autor).
O governo criou, dessa maneira, a necessidade de se ter uma nação
única, que agregasse todas as camadas da sociedade. O Brasil deveria ser um país,
cujas diversidades regionais e culturais seriam direcionadas para um centro único –
o governo Vargas. A ilusão de uma nação sem diferenças reforçaria o poder
governamental. Não se poderia, portanto, ignorar o poder dos meios de
comunicação de massa para transmitirem tais ideias, e não se poderia fazer isso
sem um plano estratégico eficiente.
A regulamentação das relações trabalhistas, o desenvolvimento da
indústria e a criação de mecanismos de importação e exportação são apenas uns
dos projetos governamentais da época. Todas essas metas tinham como objetivo
aproximar as regiões do Brasil com o centro, sendo que algumas dessas metas
tinham caráter populista. Os meios de comunicação de massa não ficariam fora do
conjunto de projetos de Vargas, pois se mostrariam eficientes para que fossem
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alcançados o fortalecimento do Estado, a promoção da figura pessoal do presidente
e a divulgação dos valores defendidos pelo governo em todo o território nacional. A
estratégia política do populismo é assim explicada:
De 1930 a 1960, o populismo é a estratégia política que marca a luta em quase todas as sociedades latino-americanas, com maior ou menor intensidade. [...] Em primeiro lugar, surge no Brasil Getúlio Vargas, conduzindo o processo que leva da liquidação do ‘Estado oligárquico’ ao estabelecimento do ‘Estado Novo’. A partir de 1930, as condições do crescimento industrial no Brasil, a incapacidade da oligarquia para dirigi-lo, as aspirações liberal-democráticas das classes medias urbanas e as pressões vindas ‘de baixo’, exercidas por uma massificação antecipada, dão lugar a um pacto político entre massas e o Estado, por meio do qual se origina o populismo. Trata-se de um Estado que, erigido em árbitro dos interesses antagônicos das classes, arroga-se, entretanto, a representação das aspirações das massas populares, em cujo nome exercerá a ditadura, ou seja, a manipulação direta das massas e dos assuntos econômicos (MARTIN-BARBERO, 1997, p. 224-225).
A grande ambição de Vargas era se tornar popular no País inteiro. Ele
criou as leis trabalhistas e instituiu o salário-mínimo, beneficiando a classe menos
favorecida. Além disso, utilizou-se dos meios de comunicação de massa para
divulgar seus ideais de unificação da identidade cultural do povo brasileiro. Entre os
meios de comunicação que tornaram possível o populismo de Vargas, o rádio surgiu
como um instrumento eficaz para que se alcançasse esse objetivo: o aparelho
estava presente em quase todos os lares e era ouvido por letrados e analfabetos.
Em 1937, o programa Hora do Brasil passou a ser transmitido em todas as
emissoras de rádio, e o presidente usou esse programa para falar diretamente ao
povo, alcançando grande parte da população e reforçando a propaganda de seu
governo.
Entre 1928 e 1935, diversas agências de propaganda americanas se
estabeleceram no Brasil, acompanhando os investidores estrangeiros que vieram
para cá e desempenharam um papel importante no desenvolvimento da radiodifusão
no País. Essas agências produziram ou ajudaram a produzir programas voltados
para as novas classes de consumidores, atraindo as verbas que antes eram
destinadas aos jornais e revistas para as propagandas de rádio. As propagandas
comerciais nas emissoras de rádio foram liberadas em dez por cento de toda a
programação por meio do Decreto nº 21.111, de 1º de março de 1932 (BRASIL,
1932), alterando positivamente a situação financeira das emissoras de rádio. Dessa
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forma, o modelo da radiofusão do Brasil se assemelhou ao modelo americano:
programação dinâmica e eclética, dirigida às audiências mais diversificadas
possíveis, sempre intercaladas com anúncios dos patrocinadores. A programação
das emissoras passou por mudanças: antes, notícias e alta cultura, dirigidas apenas
àquelas camadas mais ricas; agora, via-se a introdução de programas de
entretenimento, destinados a atender às novas camadas de consumidores, situadas
nas classes média e baixa. Todas as atividades de radiodifusão ficaram sob o
rigoroso controle do governo Vargas. As concessões para as emissoras de rádios
incluíam tanto os aspectos técnicos de produção e transmissão como o conteúdo da
programação que ia ao ar. Uma das justificativas para esse controle da programação
seria o caráter doutrinador do rádio na formação de crianças e adolescentes. Com
esse tipo de justificativa, entre outros, o governo criou, mediante um decreto, o
Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), órgão subordinado diretamente ao
presidente da República, aspecto que reforça a importância que a propaganda
assumiu na época. Além de centralizar, coordenar e orientar a propaganda nacional
interna ou externa, o órgão tinha também a finalidade “de fazer censura do teatro, do
cinema, de funções recreativas e esportivas de qualquer natureza, de radiodifusão,
da literatura social e política, e da imprensa, quando a estas forem cominadas as
penalidades previstas por lei” (BRASIL, 1939).
Nascida pouco antes da criação do DIP, a Rádio Nacional do Rio de
Janeiro foi ao ar pela primeira vez em 1936, exatamente na década em que o Brasil
assistia ao crescimento da sua economia, incrementada por investimentos
estrangeiros. Desde o início, a Rádio Nacional buscou ser uma emissora de
sucesso, fato que se tornou realidade, principalmente durante a Era de Ouro do
rádio. A primeira radionovela apresentada pela emissora, em 1940, foi Em busca da
felicidade, do cubano Leandro Blanco, que atingiu altos índices de audiência e
inaugurou o sucesso desse tipo de programação. No ano de 1941, apresentado por
Heron Domingues, teve início o programa Repórter Esso, que se tornou uma
referência no modo de se fazer jornalismo no rádio. Em 1942, a Rádio Nacional
inaugurou seu auditório com quatrocentos e oitenta e seis lugares sentados, onde
aconteciam os famosos programas de auditório, que contribuíram, ainda mais, para
o sucesso da emissora. A Rádio Nacional tinha sua própria orquestra, contratava
artistas famosos e possuía uma programação muito diversificada. Também, foi a
primeira a realizar concursos de rei e rainha do rádio. A programação diferenciada, a
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aparelhagem moderna, os artistas famosos, tudo contribuiu para o sucesso da
emissora.
O rádio se consolidou como um setor economicamente rentável tanto
pelas empresas anunciantes como pelo governo, que incorporou a Rádio Nacional
ao seu patrimônio em 1940. Entretanto, a emissora não era sustentada por recursos
públicos. A rádio continuou a sobreviver apenas com o dinheiro das propagandas, o
que confirma a grande rentabilidade da emissora. A edição nº 14.402, de 16 de maio
1953, do jornal A Noite, comprova que o êxito obtido pela emissora continuou por
muitos anos:
A Rádio Nacional afirma, de maneira categórica, que não é verdade que viva às expensas do erário público Não há, no orçamento da República, uma só rubrica que a beneficie direta ou indiretamente, e, ao contrário do que se diz, sem conhecimento de causa nada mais tem feito durante 13 anos de incorporação ao patrimônio da União do que aumentar os seus valores de maneira assombrosa e sem que o Tesouro Nacional retirasse de suas arcas um só níquel. [...]. Como pode verificar qualquer pessoa desinteressada, sem paixões, a Rádio Nacional mantém um plano geral de programação que abarca todas as esferas da cultura, da educação e da recreação, sendo difícil encontrar semelhança com essa linha em qualquer atividade de suas congêneres (A NOITE, 1953, p. 3).
A resposta da emissora contra um suposto encerramento de suas
atividades incluiu comentários sobre o início da rádio no prédio A Noite,
detalhamento de toda a aparelhagem técnica incorporada ao patrimônio e listagem
de sua múltipla programação, citando, entre os programas de sucesso de audiência,
as Histórias do Tio Janjão.
Coincidentemente, o ano de 1940 marcou a incorporação da Rádio
Nacional ao patrimônio do governo e a chegada de Oranice Franco à Rádio
Nacional. Começou ali a relação entre o escritor, a emissora e o governo. Em
entrevista concedida à Agência Brasil, Roberto Salvador (2004) conta que, na época
da incorporação da emissora, Getúlio Vargas colocou na direção da Rádio Nacional
Gilberto de Andrade e disse a ele: “O governo não quer dinheiro da Rádio Nacional.
Ele quer o poder da Rádio, quer força, quer que a Rádio seja o porta-voz da cultura
brasileira”.
Sabedor do poder do rádio na vida das pessoas, Getúlio Vargas reafirmou
o que Theodor W. Adorno e Max Horkheimer disseram sobre a indústria cultural, na
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década de 1940, ou seja, que ela tem um caráter altamente alienante,
desempenhando a mesma função de um estado fascista. A indústria cultural,
segundo esses pensadores, promove a alienação do homem, pois leva o indivíduo a
não meditar sobre si mesmo e sobre a totalidade do meio social no qual vive,
transformando-se em uma marionete do sistema que o envolve. Para os filósofos, a
indústria cultural cria padrões que são oferecidos à clientela, que acredita ser autora
desses padrões, mas que, na verdade, está é perdendo sua capacidade de agir e
criticar.
Martin-Barbero associa-se a esses pensadores ao afirmar que a América
Latina do final dos anos de 1930 se caracterizou, entre outros, pela intensa migração
para as cidades e pela hegemonia da indústria cultural com o cinema e o rádio. A
ascendência do rádio está na sua capacidade de dar à população a oportunidade de
se “ouvir” diariamente nos programas, seja pela manutenção de suas tradições, seja
pela incorporação de novos valores, dos quais não é sujeito, e sim receptora. Em
relação ao rádio, diz o autor:
Juntamente com o cinema, o rádio será o outro meio que permitirá conectar o que vem das culturas camponesas com o mundo da sensibilidade urbana. Conservando suas falas, suas canções e não poucos traços de seu humor, o rádio mediará entre tradição e modernidade. E será também o veículo mais eficaz – até o surgimento da televisão em final dos anos 50 – para a transmissão de valores de classe e raça, bem como para a redução da cultura a slogans [...] (MARTIN-BARBERO, 1997, p. 267).
Entretanto, quando Martin-Barbero considera que o rádio vai além do
espaço de sublimação, tornando-se um expediente com o qual o povo reencontra
seu sentimento de classe, o autor se distancia dos filósofos alemães. O rádio não
seria apenas um dos meios usados pela indústria cultural, de forma opressora, mas
uma forma de as classes populares recuperarem seus discursos:
[...] a particular capacidade do rádio para mediar o popular tanto técnica como discursivamente. Levando-nos, assim, à pista que, rompendo a obsessão pelas estratégias da ideologia nos permite indagar como pode o operário encontrar no rádio uma orientação para a existência nas cidades e o migrante, por sua vez, modo de se manter ligado à terra natal, e à dona de casa, um acesso às emoções que de outro modo lhes estão vedadas. E como isso acontece porque o rádio fala basicamente o seu idioma – a oralidade não é mera ressaca do analfabetismo, nem o sentimento é
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subproduto da vida para os pobres – e pode assim servir de ponte entre a racionalidade expressivo-simbólica e a informativo-instrumental, pode ser e é algo além de mero espaço de sublimação: aquele meio que para as classes populares está preenchendo o vazio deixado pelos aparelhos tradicionais na construção de sentido (MARTIN-BARBERO, 1997, p. 315, grifos do autor).
Na vida dos brasileiros, a influência do rádio também se faria presente.
No Almanaque da Rádio Nacional, Ronaldo Conde Aguiar (2007) conta que na
época dourada do rádio quase todos os lares brasileiros tinham um aparelho de
rádio na sala, que ficava ligado o dia inteiro. Por meio dele, as pessoas ouviam uma
programação bem variada: radionovelas e programas humorísticos e de auditório. O
rádio criou estilos, palavras e expressões do dia a dia. Sobre a influência do rádio na
vida dos brasileiros, escreve Ronaldo Aguiar (2007, p. 9):
Sem que pouquíssimos percebessem isso na época – mas o rádio foi um instrumento essencial à nossa feitura como nação. O rádio levou às cidades (pequenas, médias e grandes) e aos rincões mais afastados uma mensagem – boa ou má, não importa – que uniu brasileiros em torno de algumas aspirações e desejos comuns. [...]. Através das ondas do rádio, forjamos traços singulares da nossa identidade, a partir da qual edificamos, aos trancos e barrancos, o nosso país possível – este que aí está. Imperfeito, desigual, macunaímico. O rádio pôs o Brasil e o mundo na sala do brasileiro. Com sua capacidade de falar simultaneamente a milhões de pessoas, o rádio transformou-se numa ferramenta poderosa de informação de massa.
Adorno e Horkheimer (1985) têm um posicionamento mais pessimista em
relação “às mensagens boas ou más” que eram levadas através do rádio. Para
esses pensadores, o telefone seria um instrumento de comunicação mais liberal,
pois permitiria que as pessoas desempenhassem seus papéis de sujeito. O rádio,
entretanto, é mais democrático, uma vez que transforma todos em ouvintes iguais,
para fornecer a eles, de forma autoritária, os mesmos programas nas diversas
emissoras de rádio. Os ouvintes não participam de nada, pois mesmo os programas
de auditório, por exemplo, são organizados de cima para baixo. Assim, pensam os
ouvintes que os programas expressam seus desejos, mas esses desejos haviam
sido estabelecidos antes. As supostas distinções entre as categorias dos programas
é algo predeterminado. As boas ou más qualidades dos programas servem apenas
para dar a falsa ilusão de que existe concorrência e que há a possibilidade de
escolha.
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O fornecimento ao público de uma hierarquia de qualidades serve apenas para uma quantificação ainda mais completa. Cada qual deve se comportar, como que espontaneamente em conformidade com seu nível, previamente caracterizado por certos sinais e escolher a categoria dos produtos de massa fabricados para seu tipo (ADORNO, HORKHEIMER, 1985, p. 58).
Com seus programas diversificados e inúmeros patrocinadores, tornam-se
compreensíveis o papel desempenhado pela Rádio Nacional e a repercussão do
programa infantil de Oranice Franco. Segundo Aguiar (2007), nenhuma outra
emissora de rádio alcançou tanto sucesso como a Rádio Nacional. Em 1944, a
Rádio Nacional detinha setenta por cento da audiência contra dez por cento da
segunda colocada, a Rádio Tupi. Os cantores da Rádio Nacional também eram os
mais queridos pelos ouvintes. Além desses dados, o sucesso da Rádio Nacional
pode ser medido por meio do seu faturamento. Em 1947, havia no Rio de Janeiro
treze emissoras de rádio. A Rádio Nacional faturava cinquenta milhões de cruzeiros,
enquanto a Rádio Tupi faturava vinte e quatro milhões de cruzeiros. Resumindo, a
Rádio Nacional faturava doze milhões de cruzeiros a mais do que a soma de todas
as outras concorrentes.
O declínio da Rádio Nacional teve início em 18 de setembro de 1950
quando foi inaugurada a TV Tupi de São Paulo. A princípio, o fato não gerou
grandes preocupações, pois a maioria da população não dispunha de recursos para
ter um aparelho de TV em casa e os dirigentes da Rádio Nacional consideravam que
a televisão seria uma moda passageira e que nada substituiria o rádio. Quando se
deram conta do erro que cometeram, os dirigentes tentaram fundar a TV Nacional,
buscando, em vão, a concessão necessária para um canal de TV durante todo o
governo de Juscelino Kubitscheck.
A Rádio Nacional foi perdendo a audiência devido à concorrência da
televisão, que, a cada dia, conseguia mais telespectadores. Até que, em 10 de abril
de 1964, César de Alencar, Hamilton Frazão e Celso Teixeira denunciaram vários
colegas da Rádio Nacional às autoridades policiais como sendo subversivos. Muitos
deles foram presos, outros investigados, demitidos ou aposentados e até exilados. A
emissora havia perdido muito de seus artistas, que migraram para a televisão e
agora ficava sem vários de seus profissionais. Chegava ao fim a época de ouro da
Rádio Nacional.
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Nessa época, segundo Lima (2016, p. 6):
Oranice Franco manifesta-se publicamente contra a perseguição sofrida por vários colegas do rádio e outros intelectuais, como Mário Lago, Paulo Gracindo, Paulo Roberto, César Ladeira. São demitidos 67 funcionários da Rádio Nacional e 81 postos sob investigação, denunciados por apoio ao comunismo.
O caráter amigo e generoso de Oranice Franco já havia sido comentado
por Vicente Viegas, amigo e vizinho em São João del-Rei, ao relatar que o autor
doou a casa e grandes quantias em dinheiro para amigos e instituições de
assistência social. À época da ditadura, seu posicionamento não foi diferente.
Defendeu os amigos e acabou sendo afastado da redação de as Crônicas da Cidade
em julho de 1964, impedido, assim, de expor sua opinião.
A Rádio Nacional seria tanto um instrumento de massificação cultural,
como também teria momentos de espontaneidade e autonomia. O programa
Histórias do Tio Janjão iria oscilar entre um e outro aspecto.
2.3 As histórias infantis e as motivações ideológicas
Oranice Franco foi admitido na Rádio Nacional em 1940, época na qual o
Brasil passava por uma série de transformações políticas e econômicas,
característica do primeiro governo de Getúlio Vargas. O ano de 1940 também marca
a incorporação dessa emissora ao patrimônio do governo federal. Aos poucos, com
investimentos e servindo de porta-voz aos interesses de Vargas, a Rádio Nacional
foi conquistando mais espaço e importância. Contratou artistas de destaque, tinha
sua própria orquestra e seu próprio auditório, e vários programas eram líderes de
audiência. Chegou ao ápice de seu sucesso. Notícias, entretenimento e esporte
faziam parte da programação para todos os membros de uma família. Novelas para
as donas de casa; o Repórter Esso e as notícias esportivas para os pais. As
crianças não foram esquecidas, pois também faziam parte do projeto educacional
brasileiro.
De acordo com Otaíza de Oliveira Romanelli (1980), logo após assumir o
poder em 1930, Vargas criou vários ministérios, entre eles o Ministério da Educação
e Saúde Pública, tendo inicialmente como ministro Francisco Campos e depois
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Gustavo Capanema, que ocupou o cargo de 1937 a 1945. Alguns aspectos desse
Ministério foram realmente renovadores em termos educacionais. Até essa data, o
ensino não era organizado em termos de um sistema nacional. Cada unidade da
federação possuía um sistema próprio, sem articulação com o governo central. A
reforma de Francisco Campos foi ao encontro das expectativas de Vargas – criar a
unidade nacional também na educação, pelo menos nos ensinos comercial e
superior.
Era a primeira vez que uma reforma atingia profundamente a estrutura do ensino e, o que é importante, era pela primeira vez imposta a todo o território nacional. Era, pois, o início de uma ação mais objetiva do Estado em relação à educação (ROMANELLI, 1980, p. 131).
Embora tenha representado um avanço na estrutura educacional
brasileira, os decretos sancionados nessa época ajudaram a marginalizar ainda mais
o ensino primário e o médio, pois trataram de organizar de forma prioritária o sistema
educacional das elites, e nenhum dos decretos dessa época foi direcionado ao
ensino primário. Além disso, havia a obrigatoriedade de se prestar exame para
acesso ao ensino médio, o que exigia dos alunos do curso primário um nível de
educação que não era fornecido pelas escolas públicas, aumentando a separação
entre as classes sociais e a defasagem no tipo de educação que cada classe
recebia.
Só após a queda de Vargas, em 1945, é que o governo começou a se
preocupar com o ensino primário. Até aqui, cada Estado mudava o seu sistema de
ensino primário de acordo com suas concepções políticas. O Decreto-Lei nº 8.529,
de 02 de janeiro de 1946 (BRASIL, 1946a), criou a Lei Orgânica do Ensino Primário,
estabelecendo as finalidades, categorias, estrutura e outras características próprias
para esse nível de ensino. Meses depois, a Constituição de 1946 determinou que
caberia à União legislar sobre as diretrizes e bases da educação nacional. Merece
destaque o artigo 166 da referida Constituição ao decretar que “A educação é direito
de todos e será dada no lar e na escola. Deve inspirar-se nos princípios de liberdade
e nos ideais de solidariedade humana” (grifo meu).
A partir do momento em que a educação passou a ser considerada como
responsabilidade da família e da escola pela Carta Magna do País, a relação entre
as duas instituições tornou-se ainda mais íntima. Além disso, a Constituição de 1946
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tornou o ensino primário gratuito e obrigatório a todos, aumentando a procura por
esse nível de ensino, principalmente pelas camadas da sociedade que não tinham
condições de ingressar no ensino médio ou superior. Foi justamente dos alunos do
ensino primário que seria formada a audiência do programa Histórias do Tio Janjão,
escrito por Oranice Franco e lido por Álvaro Aguiar, cujo início foi em janeiro de
1953. Rapidamente, as fábulas de Oranice tornaram-se um sucesso junto a pais e
educadores na formação das crianças. As histórias eram contadas uma vez por
semana, às quartas-feiras, às nove horas e quarenta e cinco minutos. Pela leitura de
algumas edições do jornal A Noite, nota-se que, a partir de abril do mesmo ano, o
programa passou a ser irradiado duas vezes por semana, às terças e quintas-feiras.
O horário também foi alterado para as dezessete horas e trinta minutos, tornando o
programa acessível às crianças que estudavam nos períodos da manhã e da tarde.
Atendeu-se, dessa forma, a um público muito maior e a audiência só aumentou. As
fábulas sempre traziam algum ensinamento: o valor do estudo, da obediência aos
pais, da honestidade e da bondade, entre outros, e eram as responsáveis por unir a
emissora de rádio, a família e a escola em torno de objetivos educacionais.
Segundo Marisa Lajolo e Regina Zilberman (1985), entre 1940 e 1960, a
fonte para a produção de livros de literatura infantil foi a tematização da infância,
quer representada literalmente por crianças, quer por meio de bichos ou bonecos
animados. “A fábula e depois o conto de fadas foram as modalidades literárias que
precederam à conversão de personagens não humanas, mas antropomorfizadas,
em símbolo das vivências e da interioridade da criança” (LAJOLO; ZILBERMAN,
1985, p. 112). Os animais das histórias representam as crianças, frágeis e
desprotegidas, necessitando de amparo e cuidados constantes. O texto dos livros
adota uma postura doutrinária, aproveitando para transmitir ensinamentos morais e
moldar atitudes, destacando o valor da obediência. A maioria dos livros dessa fase
coloca a casa, o lar, como o lugar ideal no qual se deve estar. Os animais (crianças)
desobedientes desejam fugir, cometem um erro, passam por dificuldades e voltam
para casa, arrependidos e modificados. Embora as autoras estejam se referindo aos
livros publicados nesse período, as fábulas de Oranice enquadram-se nessa mesma
proposta. Os animais, representantes das crianças nas narrativas de Franco, após
cometerem erros e arrependerem-se, retornam ao lar, o lugar seguro onde querem
permanecer. É na família que os valores morais são transmitidos e mantidos, valores
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que são os promotores de uma vida tranquila e feliz, característica que reforça o
enunciado do artigo 166 da Constituição de 1946.
La Fontaine, Lobato e Franco, entre tantos outros, valeram-se de histórias
para transmitirem ensinamentos aos mais jovens. Mediante narrativas em prosa ou
em versos, os autores escreviam para as crianças, havendo sempre uma fração
pedagógica a nortear as narrativas. As crianças ouviriam ou leriam histórias que as
ajudariam a serem pessoas mais responsáveis, bondosas e estudiosas.
Pensamentos desse tipo, embora comuns, não são unânimes. Rousseau, por
exemplo, não acreditava que se podia ensinar às crianças utilizando somente as
palavras. O exemplo era essencial para se chegar a esse fim.
Jovens mestres, peço-vos que penseis nesse exemplo e vos lembreis de que em todas as coisas vossas lições devem consistir mais em atos do que em palavras, pois as crianças facilmente se esquecem do que disseram e do que lhe dissemos, mas não do que fizeram e do que lhes fizemos (ROUSSEAU, 2014, p. 107).
Caso se considere que a criança só tem a lembrança daquilo que ela
mesma fez ou que fizeram a ela, as fábulas não teriam valor como formadora moral,
restringindo-se ao caráter lúdico. Não importariam os conselhos, mesmo que
repetidos, incessantemente, por pais, educadores ou pelo Tio Janjão. As crianças
não guardariam uma só palavra do que foi dito. Mas parece que, em se tratando do
Tio Janjão, o efeito das palavras foi além, pois as crianças apresentavam mudanças
de comportamento, confirmadas por meio das cartas enviadas por mães, por
professoras e pelas próprias crianças ao programa. Talvez pelo alcance da Rádio
Nacional como divulgadora e formadora de opinião, talvez pelo modo pelo qual os
conselhos eram dados – falava-se o nome da criança para o País inteiro ou o seu
endereço, o que resultava no mesmo, pois, ao ouvir o endereço, a criança sabia que
o recado era para ela. Talvez porque o programa era ouvido pela família, ou pelo
menos, pela mãe e pelos filhos. Ouvia-se no rádio, reforçava-se em casa.
A relação entre uma emissora de rádio e instituições sociais, como, por
exemplo, a família, não é nova. Segundo Martin-Barbero (1997), a partir da década
de 1930, aconteceu na América Latina, com diferenças entre os diversos países, as
grandes migrações para as áreas urbanas e a hegemonia do rádio e do cinema. As
massas populares não iriam ao cinema apenas para se divertirem, e sim para terem
a oportunidade de verem, na tela, as mesmas experiências vividas no seu cotidiano.
83
Com o rádio, não foi muito diferente. Ele seria capaz de conservar os costumes das
massas camponesas, agora urbanas. A programação, previamente estabelecida,
como a da Rádio Nacional, permitia que a família reconhecesse os próprios valores
nas palavras ouvidas no rádio. Reunidos em volta do aparelho de rádio, mães e
filhos escutavam, através das palavras do Tio Janjão, os mesmos conselhos
repetidos nos ambientes familiar e escolar. Reafirma-se aqui a cumplicidade que
deveria existir entre família e escola no que tange à educação das crianças
determinada, inclusive, pela Carta Magna de 1946. O rádio faria a mediação entre o
que era valorizado na família e o reforçado na escola, e vice-versa.
Evidencia-se, desde o primeiro programa, o compromisso do Tio Janjão
com a formação moral das crianças – seu objetivo, sua verdade. Cada escritor,
autor, pessoa comum, possui a sua verdade própria. Entretanto, é sabido que a
verdade absoluta não existe. Nenhum filósofo até hoje admitiu a existência dela.
Todo escritor tem vontade que suas palavras sejam verdade. Mas, por traz de cada
verdade, há a vontade da verdade. E, em se tratando do Tio Janjão, a verdade
almejada é que as crianças sejam boas, mas a vontade da verdade é que o controle
sobre elas seja efetivo e eficiente. Michel Foucault (1971) afirma que a vontade de
verdade tem como base uma instituição, que a reforça e a reconduz no meio de
várias práticas como a pedagogia e os sistemas de livros e de edição. A vontade da
verdade é também reconduzida pela forma como o saber é distribuído, valorizado,
atribuído e repartido dentro de uma sociedade. O Tio Janjão apoia-se nas
instituições, família e escola, para reforçar seus ensinamentos, que são reafirmados
por essas instituições.
Ao se comparar Lobato e Franco, verifica-se que ambos querem ensinar.
A verdade dos dois aí se assemelha. Distanciam-se quanto à vontade da verdade.
Lobato quer que o ensinamento para as crianças aconteça de forma lúdica. No Sítio
do Pica-Pau Amarelo, as instituições de preservação do caráter estão ausentes. Não
há pais e mães, escolas ou igrejas. As crianças aprendem com a audição de
histórias, que são acompanhadas de observações e críticas que fazem a tudo o que
ouvem dos adultos. Os pequenos ouvintes do Sítio não são passivos. Eles escutam
as histórias, expõem suas opiniões, criticam moralidades e personagens. O mesmo
não acontece com as histórias do Tio Janjão. Os pequenos ouvintes do rádio não
são sujeitos das narrativas. Não é dada a eles a oportunidade de interação e análise
crítica. Eles apenas escutam, assimilando ou não os ensinamentos transmitidos. A
84
verdade contada nas fábulas tem como objetivo a formação moral do futuro cidadão.
E a vontade da verdade de Franco é que as crianças vivam sob o controle das
instituições – escola e família –, que difundem o saber, reconduzindo a vontade de
verdade. Sobre essa vontade, ensina Foucault (1971, p. 6-7):
E, no entanto, é sem dúvida dela que menos se fala. Como se a vontade de verdade e suas peripécias fossem mascaradas pela própria verdade na sua explicação necessária. E a razão disso talvez seja esta: se, com efeito, o discurso verdadeiro já não é, desde os gregos, aquele que responde ao desejo ou aquele que exerce o poder, o que é que, no entanto, está em jogo na vontade de verdade, na vontade de o dizer, de dizer o discurso verdadeiro – o que é que está em jogo senão o desejo e o poder? O discurso verdadeiro, separado do desejo e liberto do poder pela necessidade da sua forma, não pode reconhecer a vontade de verdade que o atravessa; e a vontade de verdade que há muito se nos impôs e tal, que a própria verdade – que a vontade de verdade quer – mascara a vontade de verdade. Por tudo isso, os nossos olhos só veem uma verdade que é riqueza, fecundidade, força doce e insidiosamente universal. E, ao invés, não vemos a vontade de verdade enquanto prodigiosa maquinaria destinada a excluir.
A verdade de Oranice Franco mascara a sua vontade de verdade. Não se
trata apenas de formar as crianças. Trata-se de exercer o controle sobre elas. Por
isso, os conselhos do Tio Janjão envolvem questões as mais diversas possíveis: o
tipo de roupa que os pequenos devem usar, a alimentação que devem receber, o
comportamento com as visitas, com os colegas, na escola e em casa. Enfim,
diferentes regras de comportamento que devem estar presentes no convívio escolar
e familiar. Pais e professores veem, nas histórias contadas, apenas ensinamentos
úteis aos filhos e alunos. O próprio caráter doutrinador é visto como algo positivo, e
não como ausência de espírito crítico e observador. Os pontos de vista sobre os
papéis da mulher e do homem, sobre educação, jogos de azar, resignação e
obediência cega que permeiam todas as fábulas são vistos como verdades não
questionadas.
Tudo isso leva o programa Histórias do Tio Janjão a um nível de
aceitação que Tio Janjão começa a receber cartas de mães e educadoras, que,
literalmente, pedem ao escritor que as ajudem na educação dos filhos e alunos.
Analisando o acervo do escritor, é possível concluir que, na fase inicial do programa,
os conselhos eram gerais e não havia uma destinação mais específica, como
aconteceria meses depois. A fábula mais antiga do acervo, mostrada no ANEXO M,
85
data de 09 de abril de 1953, três meses depois da primeira apresentação das
histórias no rádio, e traz o seguinte comentário do Tio Janjão:
Boa tarde, meus queridos sobrinhos. [...] Se fizerem algumas artes, acontecerá o seguinte: os seus pais ficarão aborrecidos, as suas professoras também... e também o Tio Janjão ficará aborrecido, muito aborrecido e não contará as suas histórias, as lindas histórias que vocês gostam. E sabem por quê? Porque elas são um prêmio para os meninos bonzinhos, para os meninos bem comportados, para os meninos que só dão alegria a todos. Perceberam? [...] (HISTÓRIAS DO TIO JANJÃO, 1953, p. 1).
Nos primeiros meses do programa, os conselhos foram praticamente os
mesmos. Tio Janjão falava aos ouvintes mirins, logo no início do programa,
reforçando os valores de respeito e obediência aos mais velhos, importância dos
estudos e do bom comportamento. No programa do dia 29 de setembro de 1953, Tio
Janjão leu uma carta que foi a ele endereçada e que comprova a sua influência
sobre as crianças da época:
[...] E eu estou muito satisfeito com o sobrinho Joel Alves, que mora em Novo Horizonte. Diz ele em sua carta: ‘Tio Janjão, eu moro muito longe da cidade – 4 quilômetros e aqui não tenho coleguinhas no sítio onde moro e preciso ir sozinho à escola – e vou a pé, tio Janjão, pois não tem condução – e eu antigamente não queria mais estudar estava cansado de andar todos os dias 8 quilômetros para ir e voltar. Mas depois, ouvindo as histórias do tio Janjão criei mais coragem e estou estudando muito’. É isso mesmo, meu querido sobrinho José Alves. Faça o sacrifício de andar os 8 quilômetros diários, pois, mais tarde, você será recompensado, não é mesmo? Um menino que faz tantos sacrifícios para estudar mais tarde vai ser recompensado na vida. Disso eu tenho certeza (HISTÓRIAS DO TIO JANJÃO, 1953, p. 2).
Esse é um exemplo, entre muitos, de como o programa era uma
referência para as crianças, atraindo a simpatia e aprovação de pais e professores.
A ascendência do Tio Janjão sobre as crianças aumentava a cada programa. Os
conselhos iam ficando mais direcionados, inclusive com algumas broncas dirigidas
aos meninos que falam mentira, chupam dedo, andam descalços, fazem manhas.
Ele também fez algumas ameaças aos “sobrinhos” e “sobrinhas”, comentando que o
Tio Janjão sabia tudo o que estava acontecendo com eles, seja de certo ou de
errado, mas, a princípio, não revelava que recebia cartas dos pais e professores. Em
86
um programa que foi ao ar no dia 13 de janeiro de 1955, Tio Janjão iniciou, assim, a
narrativa:
Boa tarde, meus queridos sobrinhos. Muito boa tarde. Como vão passando todos vocês, de saúde e de comportamento? Ah, eu sei que a maioria dos sobrinhos vai bem; sei, também, que há uns sobrinhos, poucos felizmente, que não andam, em absoluto, procedendo bem. Ah, como é que eu sei? Bem, isso eu não conto. A verdade é que sei. E tanto é assim que quero chamar a atenção de alguns desses peraltas. Não vou dizer os nomes deles, mas espero que eles se emendem. Pois, do contrário, eu direi o nomes deles. Nomes e endereços direitinho mesmo, para que todos fiquem sabendo que são eles. Comecemos: vou dizer apenas os nomes das ruas, só para que fiquem sabendo que o Tio Janjão sabe mesmo. Vamos aos fatos: na rua Senador Fonseca, em Jundiaí, S. Paulo, existe um sobrinho de 7 anos, que merece ser felicitado, pois passou para o segundo ano com média 90. Mas esse sobrinho tem umas coisas que põem o tio Janjão triste. Não é cuidadoso e não gosta de comer. Você precisa ter mais cuidado com seus objetos e, principalmente, comer bastante para crescer livre de doenças e ficar forte feito um Tarzan (HISTÓRIAS DO TIO JANJÃO, 1955, p. 1).
Os conselhos e as histórias têm um caráter pedagógico e disciplinador.
Oranice é o autor do texto. Ele é quem controla o que vai ou não ser dito. Segundo
Foucault (1971, p. 9), não se deve entender o autor como aquele que profere ou
escreve um texto, “mas como princípio de agrupamento do discurso, como unidade
e origem das suas significações, como lastro da sua coerência”. Na perspectiva do
filósofo, esse princípio não se apresenta da mesma forma em qualquer lugar e de
forma constante. Há discursos anônimos, do dia a dia, cujo autor não se pode
definir. Havia no discurso científico, na Idade Média, a exigência sobre a
identificação do autor para dar ao discurso os ares de verdade. Já na ordem do
discurso literário, a partir do séc. XVIII, a função do autor cercou-se de novos
aspectos.
[...] pretende-se que o autor dê conta da unidade do texto que se coloca sob seu nome, pede-se que revele, ou que pelo menos traga no seu íntimo, o sentido escondido que os atravessa, pede-se que os articule, com a sua vida pessoal, com as suas experiências vividas, com a história que os viu nascer. O autor é o que dá, à inquietante linguagem da ficção, as suas unidades, os seus nós de coerência, a sua inserção no real (FOUCAULT, 1971, p. 9).
E continua:
87
Seria absurdo, claro, negar a existência do indivíduo que escreve e que inventa. Mas eu penso – e isto pelo menos a partir de certa época – que o indivíduo começa a escrever um texto, no horizonte do qual gira uma obra possível, retoma à sua conta a função do autor: o que escreve e o que não escreve, o que desenha, mesmo a título de rascunho provisório, como esboço da obra, aquilo que ele deixa e que sai como as palavras do dia a dia, todo esse jogo de diferenças é prescrito pela função autor, tal como ele a recebe da sua época, ou tal como, por sua vez, a modifica. Pois ele pode muito bem perturbar a imagem tradicional que se tem do autor, é a partir de uma nova posição do autor que ele recortará, em tudo aquilo que ele teria podido dizer, em tudo aquilo que ele diz todos os dias, a todo o instante, o perfil ainda oscilante da sua obra (FOUCAULT, 1971, p. 9).
Franco exerce sua função de autor de maneira tradicional. Ele se
estabeleceu como autor seguindo os moldes literários, culturais e ideológicos de seu
tempo e as exigências da emissora de rádio na qual trabalhou. Oranice foi educado
de maneira tradicional e desenvolveu seu trabalho para que fosse coerente com o
que se esperava do Tio Janjão. Em momento algum, ele “perturba a imagem
tradicional que se tem do autor”. Ao contrário, suas narrativas se adaptam à
sociedade da época. Suas histórias são feitas a partir de escolhas de palavras,
vocabulário, termos diários, cujo endereçamento é a orientação do pequeno ouvinte.
Exercendo seu papel de autor, Franco continuava a atrair mais ouvintes e
admiradores. As cartas destinadas ao Tio Janjão não paravam de chegar à Rádio
Nacional. O volume de cartas chegava a um ponto que o escritor se desculpava por
não conseguir responder a todas elas, ficando restrito apenas à leitura delas. A FIG.
5 traz uma notícia do jornal A Noite, que comprova o recebimento das cartas. A nota
jornalística denota, com clareza, a “utilidade” do programa, quando afirma que
Franco escreve essencialmente para distrair as crianças, mas que a influência que
exerce nas crianças é de tal maneira que contribui, de modo efetivo, para a
formação moral dos pequenos ouvintes.
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FIGURA 5 – Nota sobre as cartas recebidas Fonte: A Noite, 01/02/54, edição 14621, p. 5.
A FIG. 6 é um recorte de jornal encontrado no acervo do escritor
informando sobre o volume de cartas recebidas. Trata-se de uma entrevista dada
por ele e por Álvaro Aguiar quando planejavam o lançamento do disco em dezembro
de 1955.
FIGURA 6 – Número de cartas mensais Fonte: A Noite, 1955, edição 15.191, p. 2.
A FIG. 7 apresenta uma carta que foi publicada no jornal A Noite e que
sintetiza o sentimento que as mães tinham em relação ao programa infantil da Rádio
Nacional.
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FIGURA 7 – Carta de uma mãe ao Tio Janjão Fonte: A Noite, 1955, s/p.
Logo no início da carta, chama a atenção o fato de ter sido citado o nome
da mãe acompanhado do nome do esposo. A mãe escreve a carta, mas é
referenciada mediante o nome e a profissão do marido. A mulher, nessa época,
limitava-se, com poucas exceções, a ser dona de casa ou professora. Essa visão da
mulher ia se repetir nas Histórias do Tio Janjão. Pode-se afirmar que, na grande
maioria de todas essas histórias, a mulher apresenta como características a
bondade, a compreensão e o dom de perdoar infinitamente os erros que eles
venham a cometer. A redação do jornal alia-se à mãe escrevente acrescentando, na
mesma notícia, que o programa faz verdadeiros “milagres”, curando defeitos morais
ou psicológicos. A Rádio Nacional, o Tio Janjão e o jornal A Noite reconhecem a
ascendência do programa frente à vida infantil da época.
Não só as cartas ratificam o sucesso do programa. Várias bibliotecas de
escolas primárias receberam o nome de “Tio Janjão”. Em maio de 1953, o Grupo
90
Escolar “Miguel Couto” de Divinópolis, Minas Gerais, escolheu o Tio Janjão como
patrono do ano da biblioteca escolar. Depois, em 1955, ele foi novamente escolhido
como patrono da biblioteca da mesma escola. Em 1954, o nome do Tio Janjão foi
sugerido pelos próprios alunos para compor a lista de possíveis nomes para o Clube
de Leitura do Grupo Escolar “Antônio Carlos”, em Inhapim, Minas Gerais. Tio Janjão
venceu com boa diferença os outros candidatos. No mesmo ano, o Grupo Escolar
“Pedro Vaz”, de Lima Duarte, cidade natal de Oranice Franco, também lhe prestou
uma homenagem, elegendo-o como patrono da Biblioteca Infantil da escola.
O autor desenvolveu um diálogo entre o Tio Janjão e os pequenos
ouvintes, quando produzia as fábulas para o programa de rádio, mandando recados
para as crianças, reprimindo-as ou parabenizando-as. Depois, Oranice Franco
manteve, em seus livros, o mesmo diálogo que estabeleceu com os ouvintes da
Rádio Nacional. Nos livros, encontram-se traços da oralidade da época do
programa. No final do livro A Festa do Grilo (1977), o autor escreve:
Bem, agora um segredo, que deve ficar entre nós. Nada de ir contar ao Grilo, hem? O Leão ficou muito entusiasmado com a atitude do Grilo, vendo-o tão desprendido, tão popular, e confidenciou a alguns elementos de sua corte: - Estou precisando de um auxiliar assim. Já estou cansado e a cada dia mais me pesa esta coroa de rei. Mas... boca fechada, meus queridos leitores! O Grilo só deve saber o que o Rei Leão disse a seu respeito dentro de poucos dias, quando fizer aniversário. Quem sabe nosso Grilinho, dentro em breve, se veja transformado em... Príncipe? Eu não duvido nada (FRANCO, 1977, s/p).
Com esse recurso, o autor consegue inserir os leitores dentro da
narrativa, criando um vínculo que propicia a melhor assimilação dos ensinamentos
que deseja transmitir. Ele atrai a atenção das crianças para o livro da mesma forma
que atraiu a atenção dos ouvintes para as histórias da Rádio Nacional.
No acervo de Oranice Franco, encontram-se seis volumes (FIG. 8)
contendo grande parte das fábulas que foram contadas no programa do Tio Janjão.
91
FIGURA 8 – Seis volumes das Histórias do Tio Janjão Fonte: acervo de Oranice Franco.
As histórias foram encadernadas em capa dura com a inscrição “Histórias
do Tio Janjão”, além da numeração das narrativas contidas em cada volume. As
primeiras histórias estão numeradas a lápis pelo próprio escritor e não
correspondem à ordem exata em que foram apresentadas. Assim, a primeira história
do Volume 1 não é a primeira que foi contada na emissora de rádio. Apenas nos
volumes seguintes é que essa numeração corresponderá à ordem de apresentação.
O QUADRO 2 é um resumo do conteúdo dos seis volumes que fazem
parte do acervo de Oranice Franco.
92
QUADRO 2 – Resumo dos volumes das Histórias do Tio Janjão
Volume
1
09/04/53
a
14/07/53
Volume
2
16/07/53
a
09/10/53
Volume
3
13/10/53
a
04/02/54
Volume
4
09/02/54
a
08/07/54
Volume
5
13/07/54
a
04/01/55
Volume
6
06/01/55
a
14/07/55
TOTAL
Número de
histórias 27 25 34 43 47 56 232
Enviadas por
crianças 0 0 01 16 19 17 53
Clássicos
infantis 0 01 04 04 04 06 19
Dupla:
Tonico e
Peixoto
0 0 03 01 04 07 15
Repetidas 0 0 0 0 04 11 15
Personagens
não mudam
a atitude
02 0 0 0 0 0 02
É possível verificar a existência de grande quantidade de histórias
produzidas, bem como um número expressivo de crianças que também enviaram
narrativas próprias para serem lidas no programa. Os dados numéricos contidos no
QUADRO 2 serviram de suporte para que se chegasse a uma melhor compreensão
sobre o desenvolvimento do programa no decorrer dos três anos de sua
comprovada duração.
93
2.3.1 O primeiro volume
As vinte e sete fábulas contidas no primeiro volume do material de Franco
mostram uma produção original. O APÊNDICE A traz um quadro-resumo desse
volume. Não há histórias repetidas, nem enviadas por “sobrinhos” e nem simples
repetição dos clássicos infantis. Dessas fábulas, quatro se transformaram em livros.
A fábula, O papagaio mentiroso, transformada em livro com o título de Niquinho,
apresenta mudança apenas de personagem: o papagaio da primeira história
transforma-se em um menino na segunda, mas o enredo permanece o mesmo.
Outra história, O peixinho arteiro e o livro de mesmo nome possuem aspectos
semelhantes entre si, com pequenas variações no enredo, conservando, entretanto,
os ensinamentos sobre não desobedecer aos pais e sobre ser estudioso.
A primeira história do primeiro volume, O pica-pau apaixonado, contém
indícios do tipo de produção que será exibida. A fábula é sobre um filhote de pica-
pau que não picava pau, causando brigas entre seus pais. Diz o pai pica-pau para a
esposa: “A culpa é sua. Criou esse menino cheio de mimos. E agora, viu no que
deu?” (FRANCO, 1953, p. 2) Mais adiante, o autor diz que a mãe do pica-pau era
boazinha como todas as mães e tentava acalmar o marido com medo que ele fosse
mais enérgico com o filho. Reações típicas da década de 1950, na qual as mulheres
trabalhavam em casa, cuidando dos filhos, e os maridos eram os provedores da
família. A carta enviada por uma mãe à Radio Nacional, presente na FIG. 7, fornece
uma pequena amostra da abordagem feminina da época. Essa postura encontra-se
presente em várias outras histórias. A mãe sempre é apresentada como uma pessoa
boa, compreensiva, pronta para perdoar infinitamente, sendo responsável pela
educação dos filhos. Os pais, quando aparecem, corrigem os filhos de forma mais
enérgica, ou dão exemplos, ou ensinam alguma profissão, atitudes não adequadas à
figura feminina.
A fábula O beija-flor que não beijava flor (1953) possui enredo
semelhante: um filho que não segue os conselhos e a profissão do pai, causando
conflitos na família. Entretanto, ao final, o filho desobediente adapta-se à sua
condição natural e, assim, mantém a família unida e feliz. A maioria das histórias
desse volume trata da importância do trabalho, do estudo e da obediência aos pais e
professores e do valor da verdade.
94
Escrevendo para um público infantil, Franco adota uma postura
reveladora da concepção que se tinha sobre infância na época. A criança era vista
como um ser frágil, que precisa ser vigiado, ensinado, disciplinado. Mas nem sempre
a infância foi concebida dessa forma. Philippe Ariès (1986) esclarece que na
sociedade medieval o sentimento da infância não existia, não significando que as
crianças eram desprezadas ou negligenciadas, e sim que as particularidades da
infância não eram reconhecidas. Assim que a criança não dependia mais da mãe ou
da ama, ela ingressava no mundo adulto, não se distinguindo dele. A criança muito
pequena, que ainda não podia ser incorporada ao mundo adulto, não “contava”, tão
grande era a taxa de mortalidade nessa fase. A partir do século XVII, os adultos
começaram a se divertir com as crianças e aparentavam não ter problemas em
admitir o prazer que elas lhes proporcionam. Os adultos leem para os pequeninos,
brincam com eles e começam a se importar quando um deles morre.
Esse sentimento da infância pode ser ainda melhor percebido através das reações críticas que provocou no fim do século XVI e, sobretudo, no século XVII. Algumas pessoas rabugentas consideravam insuportável a atenção que se dispensava então às crianças: sentimento novo também como que o negativo do sentimento da infância a que chamamos de ‘paparicação’ (ARIÈS,
1986, p. 159).
Algumas pessoas diziam que as crianças não mereciam atenção, que era
ridículo vê-las fazendo qualquer tipo de gracinhas e que só os pais viam algo de
bom nisso. Os moralistas e educadores do século XVII tinham verdadeira
repugnância pela “paparicação”. Esse novo sentimento existia tanto nas classes
superiores como nas classes mais populares.
Entre os moralistas e educadores é que apareceu o outro sentimento da
infância: o interesse psicológico e a preocupação moral com as crianças. Era preciso
conhecer a mente da criança para melhor adaptar o nível dela aos métodos de
educação. A preocupação era fazer das crianças pessoas honradas e homens
racionais. O primeiro sentimento, a paparicação, surgiu no meio familiar. O segundo
veio por intermédio dos eclesiásticos ou homens da lei, que se preocupavam com a
formação moral da criança, aspecto negligenciado até então. Recusavam-se a ver
as crianças como brinquedos encantadores, mas como frágeis criaturas de Deus,
que precisavam ser preservadas e disciplinadas. Esse sentimento passou para a
vida familiar, sendo perpetuado nos séculos seguintes.
95
O modo de se compreender a criança, encontrado nas fábulas de Franco,
reflexo da sociedade dos anos de 1950, aproxima-se do segundo sentimento da
infância. Era preciso tratá-la de forma diferente. Entender o mundo dela, aproximar-
se dele e, a partir daí, ensiná-la os valores morais. O entendimento sobre a criança e
sobre a educação que ela deveria receber aparece exemplificado no início da
história contada em 07 de julho de 1953. O locutor faz a propaganda da Casa
Valentim, patrocinadora do programa Histórias do Tio Janjão, e acrescenta:
[...] Contar histórias... acariciar o coração da infância, fazer desabrochar o sorriso da criança triste, como se descobríssemos o perfume escondido no recesso de uma flor... Alimentar a semente do futuro homem. Na semente mora a figura geométrica da futura árvore. Na criança vive o semblante do homem do futuro. Alimentá-lo de sentimentos puros é construir o homem novo para o Brasil. Este é o nosso sonho. Torná-lo realidade, o nosso anseio. A luz do nosso sonho iluminado pela realidade dos nossos anseios concretizará por certo a grandeza do Brasil (HISTÓRIAS DO TIO JANJÃO, 1953, p. 1).
Tio Janjão, a Rádio Nacional e a Casa Valentim tinham pontos de
convergência em relação à educação das crianças. Tio Janjão preocupava-se com a
educação moral das crianças, consideradas como seres inocentes, aos quais se
deveriam dedicar atenção e vigília constantes. A emissora de rádio fazia sua parte
como veículo de comunicação, incentivando a audição de programas educativos. Já
a Casa Valentim unia-se aos dois, para obter maior visibilidade diante do público
ouvinte. A patrocinadora do programa chegou a criar concursos com prêmios para
incentivar a leitura e escrita dos pequenos ouvintes. Em 1954, um dos concursos
consistia em escrever sobre um dos vultos nacionais, previamente selecionados e
divulgados pela emissora. O primeiro prêmio foi uma bolsa de estudos para o curso
ginasial completo, em qualquer estado do Brasil ou no Distrito Federal, em regime
de externato, internato ou semi-internato. O menino que ganhou o primeiro prêmio
escreveu para o Tio Janjão agradecendo a ele e à Casa Valentim pela premiação. A
patrocinadora financiou o prêmio, mas o agradecimento foi tanto para ela como para
o Tio Janjão, que não teve participação direta no concurso a não ser incentivar as
crianças para que escrevessem sobre os vultos nacionais.
96
2.3.2 O segundo volume
O segundo volume do acervo, APÊNDICE B, é composto por vinte e cinco
fábulas. O tratamento dado às mães continua o mesmo. Elas são dedicadas,
atenciosas e cuidam da casa e dos filhos. Os ensinamentos das histórias giram em
torno dos mesmos enfatizados no primeiro volume. Algumas histórias tratam do
repúdio à preguiça, às fofocas e à gula. A partir da história de número 46, há a
correspondência exata entre o número do programa e a numeração a lápis feita por
Franco. Parece que o autor quis compor os volumes e como não tinha as primeiras
histórias encaixou outras, em ordem cronológica, mas que não correspondiam à
ordem de apresentação na Rádio Nacional.
A história 29, A girafa de pescoço curto, é a única que faz referência a
Deus. Em nenhuma outra, há qualquer menção a Deus ou à religião. Tendo uma
girafinha nascido com o pescoço curto, vivia triste e queria morrer. A mãe falava
para ela se conformar com a sorte que Deus lhe dera, pois Ele é perfeito e faz tudo
certo mesmo que as pessoas não entendam. No decorrer da narrativa, uma grande
seca atinge a floresta e o pai da girafinha diz que a melhor solução é ir para um
zoológico, pois lá os homens cuidam dos animais, os quais não têm que se
preocupar com mais nada. Não precisam trabalhar para comer e têm água e comida
com fartura. Franco, ao enfatizar o lado positivo dos zoológicos, ratifica a pouca
preocupação na época sobre a questão de animais presos em cativeiro. O próprio
animal selvagem é que deseja ir para o zoológico, trocando, sem o menor problema,
a liberdade por comida e abrigo. A consciência ecológica não havia atingido o nível
de hoje. Então, esse tipo de narração se adéqua ao pensamento da época.
Na história que foi ao ar no dia 09 de outubro de 1953, Aguiar diz que as
crianças podem escrever pedindo para que ele conte histórias conhecidas, como
Chapeuzinho Vermelho, que foi contada nesse dia. Não há como saber se o
acúmulo de funções exercidas por Franco dificultou a escritura de duas fábulas por
semana ou se isso foi uma cartada da emissora para manter a audiência ainda não
ameaçada pela presença da televisão.
97
2.3.4 O terceiro volume
Trinta e cinco histórias fazem parte do terceiro volume, APÊNDICE C, e
foram contadas entre outubro de 1953 e fevereiro de 1954. A fábula A macaquinha
sapeca, provavelmente, obteve grande aceitação das mães da época, refletindo o
conceito que as pessoas tinham sobre o comportamento feminino e sobre as
mulheres ideais para o casamento. A história é sobre uma macaquinha que só
queria se pintar e ir a bailes. A mãe da macaquinha, desconsolada, se queixava:
“Essa geração de hoje só pensa em bailes. No meu tempo, a gente se divertia, é
claro, mas não tanto como hoje. Só depois de ajudar em casa, de trabalhar muito, é
que a gente ia aos bailes” (FRANCO, 1953, p. 2). Indiferente ao que a mãe pensa, a
macaquinha vai aos bailes, dança com todos e despreza um admirador, um
macaquinho bom, trabalhador e estudioso. Ela se envolve com um jovem macaco,
que tem um carro, e fala com ele sobre apresentá-lo à família dela. O jovem
responde que não tem o menor interesse em ter compromisso e que jamais se
casaria com ela, explicando:
[...] Eu acho que você [a macaquinha] é ideal para a gente sair, ir aos bailes, passear de automóvel. Mas, para casar, nunca. [...] Você não serve para casar comigo. Eu, para casar, quero alguém que saiba cozinhar, saiba cozer, não frequente bailes, como você, que acorde cedo... (FRANCO, 1953, p. 8)
Além disso, o macaco revela que o apelido da macaquinha entre todos é
“sapeca” devido ao seu comportamento. No final da narrativa, a macaquinha se
arrepende, aprende a cozinhar, a costurar, enfim, torna-se uma pessoa apta ao
casamento, que acaba acontecendo com o antigo admirador. O conteúdo da
narração está de acordo com o que se esperava de uma mulher da época. Ela
deveria ser recatada, prendada, sabendo desempenhar todas as funções de uma
dona de casa. O Decreto-Lei 8.529 (BRASIL, 1946a), ao tratar do ensino primário
supletivo, diz que os ensinos de Economia Doméstica e Puericultura deveriam ser
ministrados apenas para o sexo feminino, sinalizando para a separação entre as
funções femininas e masculinas dentro da sociedade da época. A própria legislação
reafirmava o lugar da mulher na sociedade. Tamanha aceitação obteve esse tipo de
narrativa, que, dois meses depois, Oranice escreveu outra história, com o conteúdo
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muito semelhante: A sapinha sapeca, que reforça os adjetivos que uma “moça
direita” deve possuir, a fim de realizar um bom casamento.
Os representantes masculinos dessas e de outras fábulas são
apresentados em dois grupos. O primeiro é formado pelos estudiosos, artistas e
poetas, possuindo uma série de adjetivos que os tornam exemplos de
comportamento. O segundo é formado por aqueles que não têm boas qualidades,
mas as adquirem com o decorrer dos fatos e tornam-se tão exemplares quanto os
do primeiro grupo. A maioria quase absoluta dos títulos envolve personagens do
sexo masculino. Poucos títulos são direcionados às personagens femininas, cuja
atuação fica reduzida àquilo que se espera delas. As representantes femininas de
todas as histórias não são poetas, como o Ratinho Poeta, e nem cantoras, como o
Urubu Cantor. Ou são mães exemplares, ou são mocinhas que se casam depois. Se
não estudam, isso não lhes traz prejuízo algum. Não são punidas por não se
dedicarem aos estudos. São punidas por não desempenharem o papel que se
espera delas. A macaquinha foi punida por ser sapeca e por não saber cozinhar e
costurar, e não por não gostar de estudar. O “defeito” que as personagens femininas
apresentam é de gostarem de bailes, não obedecerem às mães, não terem
autoestima como na história da girafinha mencionada nos parágrafos anteriores.
Nenhuma das personagens do sexo feminino tem uma profissão a não ser a de
professora. Em todas as narrativas produzidas por Franco, o magistério é exercido
exclusivamente por mulheres, característica do ensino primário da época, cujos
alunos eram os ouvintes do programa. Nas narrativas, são as mulheres que ficam
viúvas. Nenhuma delas morre, deixando qualquer responsabilidade para os pais. Em
O Cavalo do Rei (1954) e O burrinho trapaceiro (1954), os pais morrem, mas a
educação dos filhos continua a cargo das mães, que sobrevivem para verem os
filhos modificados positivamente.
Ainda nesse volume, encontra-se uma história que apresenta um aspecto
novo: a presença de uma dupla de personagens que irá aparecer em mais quatorze
histórias. Trata-se da dupla o Ratinho Tonico e o Gato Peixoto. A primeira história,
contada em dezembro de 1953, narra como os dois personagens se conheceram,
brigando inicialmente, mas ficando amigos depois. A partir dessa história, os
personagens aparecerão em outras, ora brigando, ora demonstrando carinho um
pelo outro. Em algumas narrativas, surge a figura de um cachorro chamado
Telêmaco. Oranice Franco faz pequenas ligações de uma nova história com a
99
anterior, atraindo a atenção das crianças para personagens já conhecidos. A terceira
história da dupla, irradiada em fevereiro de 1954, evidencia como Oranice
desenvolve o elo entre as narrativas.
O ratinho Tonico, sempre muito esperto, vivia zombando do gato Peixoto, sempre um pouco bobinho. Da última vez o ratinho prometeu que não ia fazer nenhuma brincadeira com o gatinho, mas depois, com o passar dos dias, esqueceu sua promessa, pensando: a minha vida está muito enjoada. Eu não tenho nenhuma distração depois que eu fiz as pazes com o Gato Peixoto. Eu vou tornar a amolá-lo (FRANCO, 1954, p. 2).
Em março de 1954, o mesmo recurso foi usado retornando os fatos
ocorridos e facilitando o entendimento da nova narrativa:
O ratinho Tonico e o gato Peixoto são dois velhos amigos... algumas vezes, dois velhos inimigos. Algumas vezes, fazem as pazes e passam a viver muito bem, um com o outro; algumas vezes, no entanto, se desentendem e viram fera um com o outro. Vamos encontrá-los brigados, definitivamente brigados (FRANCO, 1954, p. 2).
Nova ligação de histórias foi feita em 13 de julho de 1954. Escreveu
Franco:
Como os meus sobrinhos já bem conhecem, devido às outras histórias, o Ratinho Tonico vive sempre às voltas com o Gato Peixoto. Ora estão de bem, ora estão de mal, na imensa fábrica de queijo em que ambos vivem. Vamos encontrá-los brigados, com o gato correndo atrás do ratinho (FRANCO, 1954, p. 2).
Essas histórias guardam alguma semelhança com o famoso desenho
Tom e Jerry, criado nos anos de 1940 e dirigido por William Hanna e Joseph
Barbera, mestres da animação na época. Em ambas as produções, há um gato, um
rato e a presença eventual de um cão. Os personagens se envolvem em diversas
aventuras, mas, na maioria delas, o ratinho é mais esperto e engana o gato.
O burrinho trapaceiro (1954) é outra história que deve ter agradado muito
os pais da década de 1950. Trata-se de uma fábula que adverte todos, não só as
crianças, sobre os perigos dos jogos de azar. Nessa história, o burrinho convence
um amigo a apostar a própria bicicleta num jogo de dados, mas trapaceia e ganha o
jogo. Com o desenrolar da história, a mãe do burrinho, viúva, se vê diante da
100
possibilidade de ficar sem a casa para pagar uma dívida de jogo contraída pelo
falecido marido. O burrinho se arrepende, devolve a bicicleta e acaba conseguindo o
perdão da dívida do pai. Após o término da história, Tio Janjão aconselhou:
Vocês, meus queridos sobrinhos, não devem, pois, nunca jogar... Há tantos divertimentos bons e sadios pra vocês, que fazem bem ao corpo e divertem tanto, não é mesmo? Assim, quando quiserem jogar com vocês, ou quiserem apostar alguma coisa – vocês digam que não, que seus pais não gostam e o tio Janjão menos ainda (FRANCO, 1954, p. 12).
A advertência contra o jogo continuou no programa que foi ao ar em 23 de
setembro de 1954. Ao final da história, Tio Janjão falou para as crianças:
Viram, meus sobrinhos? Viram como é feio o jogador? Não se deve jogar nem de brincadeira, nem a valer bala ou bola de gude. Há tantos jogos – o vôlei, o basquete, as corridas, o ping-pong, dezenas e dezenas de jogos interessantes, próprios para meninos e meninas. Jogos que ajudam o desenvolvimento físico, que fazem bem à saúde, não é mesmo? Mas nada de praticar um desses jogos a valer, ouviram? (FRANCO, 1954, p. 10)
O Decreto-Lei nº 9.215, de 30 de abril de 1946 (BRASIL, 1946b), proibiu a
prática ou exploração dos jogos de azar em todo o território nacional, considerando,
entre outras justificativas, que tais jogos são nocivos à moral e aos bons costumes.
A Rádio Nacional, veículo de comunicação que possuía uma programação familiar
para os seus ouvintes, se expressou contra o jogo por uma questão moral e também
por fazer parte do governo. Então, uma fábula contra o jogo está de acordo com o
que se espera de um programa educativo. As fábulas clássicas se preocupavam
mais em mostrar como a realidade do mundo se apresenta e como os homens se
comportam diante das mais diferentes situações. Oranice Franco está preocupado
em ser o mentor das crianças. O bem sempre tem que prevalecer. A personagem
pode errar, mas ela sempre se corrigirá e se tornará melhor. O jogo levou um
menino a perder uma bicicleta e um pai de família a quase perder a própria casa. A
mensagem é direta: ninguém, criança ou adulto, deve se envolver com o jogo.
O jornal A Noite traz, desde 1950, notícias sobre a campanha contra o
jogo, feita pelo governo, e sobre a prisão de contraventores ligados aos jogos de
azar. Mais uma vez, emissora e jornal adotam a mesma conduta na preservação dos
101
valores morais. A edição 14.326, de 12 de fevereiro de 1953, sintetiza o pensamento
do referido jornal em relação ao jogo:
No dia seguinte ao seu aparecimento, já o chamado ‘Jogo do Bicho’ começa a ser perseguido pela polícia. No entanto, ainda hoje, ele, com o seu fôlego de sete gatos, continua a existir brilhantemente apesar das contemporâneas e ferozes campanhas, que contra o mesmo já tem movido as autoridades públicas, apoiadas pela imprensa (A NOITE, 1953, p. 4).
A FIG. 9 traz uma manchete de primeira página, enfatizando o combate
ao jogo:
FIGURA 9 – Manchete: Campanha contra o jogo Fonte: A Noite, edição 14.933, p. 1.
O programa que foi ao ar em 14 de janeiro de 1954 aponta para mais um
recurso que a direção da Rádio Nacional utilizou para manter a audiência e/ou
minimizar o volume de trabalho de Franco. Aguiar anunciou que, a partir daquela
data, as crianças poderiam escrever histórias, sendo que as melhores seriam lidas
na Rádio. Assim, uma vez por mês, haveria apresentação das histórias das crianças
e, em outra oportunidade, seria narrada uma história extraída dos clássicos infantis.
Quinze dias depois desse anúncio a primeira história enviada por uma “sobrinha” foi
ao ar com o título de O pintinho infeliz. Entretanto, os próximos volumes de fábulas
iriam comprovar que a apresentação desses dois tipos de histórias ultrapassou a
quantidade de uma vez por mês.
102
2.3.4 O quarto volume
O quarto volume contém quarenta e três histórias e o quadro-resumo
desse volume encontra-se no APÊNDICE D. Nos cinco meses relativos a esse
volume, dezesseis histórias foram enviadas pelas crianças e quatro retiradas dos
clássicos infantis, excedendo o número divulgado por Aguiar sobre a narração
dessas histórias.
Nesse volume, encontra-se a história A ovelhinha preta, que, se fosse
contada nos dias de hoje, possivelmente, criaria grande polêmica e Franco poderia
até ser acusado de racismo. A narrativa é sobre uma ovelhinha que era negra e vivia
aprontando na escola e em casa. A professora, cansada de aconselhar, coloca a
ovelhinha de castigo por ela haver pintado o muro da escola, dizendo que ela não
deveria ser uma ovelha negra no meio das brancas. Ofendida por ter sido chamada
de negra, que era realmente a cor dela, a ovelhinha se pinta de branco, com cal, e
quebra a vidraça da escola. A professora vê o que acontece, mas não reconhece a
ovelhinha. As duas discutem e a professora diz:
Minha filha, você precisa estudar mais. Chamar uma ovelha de ovelha preta não quer dizer que ela seja preta na cor. Está entendendo? É no caráter, no procedimento, no modo de agir. Você, branca como é, é uma ovelha preta. Assim, as criaturas também. Há homens brancos que são ovelhas pretas. E há homens pretos, retintos que nem carvão, que, no entanto, são ovelhas brancas, pela sua bondade, pela sua mansidão de coração (FRANCO, 1954, p. 9).
Frases do tipo “preto de alma branca” por muito tempo foram
consideradas como um elogio aos negros. Eles tinham a cor preta, mas, pelo
menos, havia algo de bom, a alma branca. Na época, isso poderia ser visto como
normal e não ocasionaria conflitos ou críticas. Mas uma história para crianças com
tal comentário, provavelmente, provocaria a rejeição de muitos pais e educadores
nos dias de hoje. Não se trata aqui de questionar o posicionamento de Franco, se
ele era ou não racista. Isso não é relevante. O que se deseja mostrar é como as
palavras usadas refletem a realidade de uma época específica, comprovando
novamente que as fábulas e os contextos social e cultural encontram-se
entrelaçados. O primeiro governo de Vargas tinha como objetivo, entre outros, criar
uma identidade nacional. Segundo João Henrique Zanelatto (2010), um projeto
103
governamental de desenvolvimento e integração nacional usaria, entre outros
recursos, a valorização das figuras do índio e do negro como representantes da
nacionalidade brasileira. Entretanto, essa igualdade entre as raças estaria ainda
muito longe de se tornar uma realidade. Prova disso é a fábula citada, que retrata o
verdadeiro conceito que existia quanto à raça negra. A bondade e o caráter seriam
capazes de transformar uma pessoa negra em uma “ovelha branca”.
No meio da conversa com a professora, a ovelhinha passa mal por causa
da cal e é socorrida pela professora. A professora perdoa a ovelhinha e diz que as
mães foram feitas para perdoar; o mesmo acontecendo com as professoras, que são
outras mães. Intensifica-se, então, a visão comum sobre as mães e as educadoras
como símbolos do amor e compreensão sem limites.
Ainda no quarto volume, no programa que foi ao ar no dia 09 de março de
1954, Aguiar vai explicar que, a partir dessa data, seriam lidas duas histórias
enviadas pelas crianças devido ao aumento de cartas recebidas. A fábula O
coelhinho sovina, que foi ao ar em 13 de abril de 1954, transformou-se no livro A
festa do Grilo, em 1977, tendo como única alteração a substituição do coelho pelo
grilo. É o único livro de Oranice que contém duas histórias – A festa do Grilo e o
Velocípede Abandonado.
2.3.5 O quinto volume
O quinto volume, APÊNDICE F, apresenta quarenta e seis histórias,
distribuídas de julho de 1954 ao início do ano de 1955. Desse total, dezenove foram
enviadas por crianças, comprovando que o número de crianças que atendiam ao
chamado do Tio Janjão só aumentava. As cartas chegavam de diversos estados do
Brasil: São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Paraná e Espírito Santo e do
Distrito Federal, e representavam o alcance da Rádio Nacional e,
consequentemente, do programa Histórias do Tio Janjão.
Algumas histórias foram contadas anteriormente e voltaram a ser
contadas em 1954. A dúvida quanto ao motivo desse fato bem como do aumento de
fábulas enviadas por crianças e a narração dos clássicos infantis permanece. Não
parece ser o motivo, entretanto, ligado a uma suposta decadência do sucesso do
104
programa, uma vez que, no jornal A Noite, Oranice continuava sendo elogiado e
reconhecido como o famoso Tio Janjão.
2.3.6 O sexto volume
Ao se analisar o sexto volume das Histórias do Tio Janjão, APÊNDICE F,
verifica-se que, das cinquenta e seis fábulas do volume, trinta e quatro não são de
Oranice Franco, e sim enviadas por crianças, retiradas dos clássicos ou são
repetições de narrativas já apresentadas. No ano de 1955, Franco continuou
fazendo sucesso como escritor do programa infantil, mas afastou-se do rádio em
agosto para passar por uma intervenção cirúrgica e em outubro começou a escrever
as Crônicas da Cidade diariamente. Os dois fatos talvez justifiquem a diminuição das
narrativas originais e a ausência de outros volumes contendo mais histórias.
Após o término da última fábula do sexto volume, o locutor deixou claro
que há mais histórias a serem contadas. “A Rádio Nacional acabou de apresentar o
programa de Oranice Franco ‘Histórias de Tio Janjão’ que voltará ao ar na próxima
terça-feira, às cinco e meia da tarde” (HISTÓRIAS DO TIO JANJÃO, 1955, p. 9).
Outra prova da continuidade do programa é a existência de mais duas
histórias não encadernadas. A primeira data de 30 de agosto de 1955 e corresponde
ao programa 241. Entretanto, está numerada a lápis, pelo próprio autor, como sendo
a 255, talvez manifestando o desejo de organizar o sétimo volume. A segunda
história, numerada a lápis como sendo 256, é de 1º de setembro de 1955, intitula-se
João de Barro Sabido e é uma repetição da fábula contada em 05 de maio de 1953.
A partir daí, as referências ao programa pelo jornal A Noite foram
diminuindo gradativamente. O referido jornal, nos meados de 1957, limitou-se
apenas a colocar as Histórias de Tio Janjão dentro da programação da Rádio
Nacional. Não há mais notícias exclusivas sobre Oranice Franco. A última referência
ao programa foi feita nesse jornal em dezembro de 1957, comprovando que o
programa continuou a ser apresentado, pelo menos, até essa data.
105
2.3.7 Orana: apropriação e transformação das fábulas
A leitura das fábulas do acervo de Oranice Franco viabilizou descobrir que
o autor praticamente não buscou nas fábulas clássicas os temas para as suas
narrativas. Suas histórias são diferentes embora conservem os aspectos
fundamentais das fábulas clássicas.
Uma das fábulas de Oranice, O touro valentão (1954), transformada em
livro em 1973, apresenta um enredo similar à fábula de Esopo, O Leão e o Inseto.
Na fábula de Esopo, um inseto se aproxima de um leão e o desafia para uma briga
afirmando ser muito mais forte. O leão aceita o desafio. O inseto começa a ferroar o
leão, que, tentando pegá-lo com as garras, consegue apenas atingir a si mesmo,
ficando, assim, bastante ferido. Por fim, o inseto vence o leão e vai embora cheio de
orgulho, a fim de relatar seu grande feito para o mundo. Mas, na ânsia de voar para
longe e rapidamente espalhar a notícia, acaba preso numa teia de aranha.
Em O touro valentão, Oranice conta sobre o touro encrenqueiro, que vivia
batendo nos outros animais, pois considerava a si mesmo como sendo o melhor de
todos. O animal ignorava os diversos pedidos de sua mãe para que ele mudasse de
comportamento. Um dia, o touro desafiou todos os animais da floresta para brigarem
com ele. Um marimbondo aceitou o desafio. O Touro Valentão riu muito, mas logo
depois começou a receber várias ferroadas do inseto até desmaiar. O inseto dá uma
ferroada por cada animal que ele bateu e várias por ele não obedecer à própria mãe,
que era boazinha. No final, o touro fica manso e se torna um puxador de carro de
boi, e as crianças até subiam nele.
A ideia de ter um grande animal vencido por um inseto é a mesma, com
algumas variações. Em Esopo, o inseto provoca o leão, sem motivo algum, e o
desafia para uma briga. Vence o leão, mas é castigado por ser orgulhoso. Em
Oranice, o marimbondo vence o touro, mas o touro “merecia” ser ferroado, pois
gostava de bater em outros animais, além de ser orgulhoso e desobediente. Mas, no
final, o touro torna-se manso e passa a obedecer à mãe dele. Em Esopo, o
personagem não muda de comportamento: o inseto causou confusão com o leão
sem motivo e o orgulho o levou à morte. Em Oranice, a personagem tem a
oportunidade de modificar a atitude de forma positiva, abandonando o orgulho e,
principalmente, a desobediência aos mais velhos, defeito constantemente combatido
106
nas fábulas de Franco. Reprovando esse e outros vícios, o autor evidencia o caráter
educativo de suas narrativas.
Outra fábula, intitulada O ratinho destemido (1954), possui uma
semelhança com a famosa fábula A assembleia dos ratos. Modifica-se por ter um
ratinho, Zequinha, que era muito estudioso e recebia crítica de todos por sua
dedicação aos estudos. Mas, quando foi preciso colocar o guizo no pescoço do gato,
ele foi o único que teve coragem e conseguiu realizar a façanha. Na fábula, as
variações são feitas, a fim de mostrar que a inteligência vale mais do que a força e
que as crianças devem sempre estudar, não se importando com o julgamento dos
outros.
O touro valentão (1954) e O ratinho destemido (1954) são as únicas
fábulas que guardam alguma correspondência com o tema das fábulas tradicionais.
A leitura das obras dos fabulistas clássicos tornou possível constatar que muitas
fábulas são repetições ou adaptações feitas pelos autores através dos tempos. À
exceção das fábulas do livro Kalila e Dimna, cujo conteúdo das histórias é bem
específico, as fábulas de Esopo, Fedro, La Fontaine e Monteiro Lobato se repetem.
Entretanto, mesmo com enredos semelhantes, as fábulas apresentam variações que
atendiam à época em que foram produzidas, conforme abordado no Capítulo 1.
As Histórias do Tio Janjão alcançaram sucesso e conquistaram toda uma
geração de pais, professores e pequenos ouvintes. Talvez, Franco tenha recebido
críticas por dedicar-se à literatura infantil, tantas vezes e por tantos, considerada
como arte menor ou subliteratura. Independentemente de possíveis críticas ou dos
comprovados elogios, as fábulas de Oranice Franco, além dos aspectos ideológicos
e pedagógicos que endossaram, permitiram conhecer um pouco mais sobre a época
em que foram produzidas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
108
O programa da Rádio Nacional, Histórias de Tio Janjão, de Oranice
Franco, além de ser uma forma de entretenimento, foi utilizado para transmitir os
valores morais às crianças, disciplinando-as e, ao mesmo tempo, auxiliando pais e
professores na educação dos filhos e alunos.
As fábulas de Oranice seguiam estilo constante: sempre se iniciavam com
o protagonista apresentando alguma falha: preguiça, orgulho, mentira,
desobediência. Com o desenrolar da história, ele era colocado em uma situação
agradável, que foi obtida por meio do próprio defeito. Depois, a situação se invertia e
o protagonista era colocado em risco. A partir daí, surgia a grande transformação e a
personagem tornava-se virtuosa. A personagem errava e recebia o castigo, tendo a
chance de se arrepender e mudar a atitude. Em O Cavalo do Rei (1954), o cavalinho
se torna orgulhoso e abandona os pais, mas, depois de muito sofrimento, volta para
casa e se torna um ótimo filho. Também, em O Porquinho Porco (1955), o porquinho
é desobediente e não gosta de tomar banho, mas, depois de quase ser engolido por
uma sucuri, transforma-se em um filho exemplar.
De todas as fábulas lidas diretamente do acervo de Franco, em apenas
duas os personagens não mudam de atitude, permanecendo no mesmo estado
original. A fábula O elefante bobalhão, contada na Rádio Nacional em abril de 1953,
é sobre um elefante que não aprende a ficar esperto mesmo passando por
dificuldades. Outra fábula, Chorão, o cachorro gordão (1953), relata sobre um cão
que só sabia comer e chorar, não fazendo nada para mudar sua situação. À exceção
dessas duas fábulas, em todas as outras, há uma modificação positiva de caráter
por parte dos protagonistas.
Embora a metamorfose das personagens seja frequente em Franco, isso
não afasta sua produção da estrutura da fábula clássica: uma pequena narrativa,
vivida por animais, representantes dos seres humanos, encerrada por uma
moralidade. Os clássicos intencionavam mostrar o que poderia acontecer com as
pessoas que cometiam erros. Se elas mudavam ou não de comportamento não
importava e, na grande maioria das vezes, essa mudança não acontecia. A
transmissão dos ensinamentos era o propósito principal da narrativa, que se servia
do binômio erro/castigo para alcançar tal meta. A personagem que se comportasse
de forma desonesta, adúltera ou mentirosa receberia o castigo e não conseguiria
triunfar.
109
As fábulas indianas, as de Fedro e as de Esopo foram produzidas para
adultos. A relação entre erro e castigo aparecia muitas vezes de forma implícita, pois
a mensagem, transmitida nas entrelinhas, era compreendida sem esforço pelos
adultos. Em La Fontaine, Lobato e Franco, a relação entre castigo e erro necessitou
de uma abordagem mais explícita, uma vez que as narrativas eram direcionadas às
crianças.
Quando La Fontaine começou a fazer adaptações nas fábulas clássicas
com o intuito de destiná-las às crianças, pequenas alterações aconteceram na forma
e no conteúdo das narrativas. O verso foi o estilo escolhido e várias fábulas de
extensão reduzida receberam acréscimos do escritor francês, a fim de facilitar a
compreensão das crianças. Depois, Lobato valeu-se das mesmas fábulas
tradicionais para permitir que as crianças se posicionassem de modo crítico diante
das narrativas ouvidas. Franco criou fábulas originais para os pequenos ouvintes da
Rádio Nacional, as quais fizeram parte tanto do projeto político-cultural como do
projeto pedagógico da época.
A fábula foi utilizada, desde o seu surgimento, para transmitir
ensinamentos morais, e o seu conteúdo revelou, de forma velada ou explícita, o
comportamento de cada tempo. Todos os escritores aqui apresentados fizeram uso
da fábula para demonstrar como a realidade se apresentava em cada época,
deixando registrado o estilo de cada um. Percebe-se que, na feitura de uma fábula,
talvez considerada simples por alguns, o controle do discurso se faz presente.
Desde o início, escrever fábulas implicava certo número de regras que deveriam ser
seguidas, estabelecendo-se as condições para seu emprego. Foucault (1971) já
havia se pronunciado a respeito quando afirmou que, caso certo exigências não
fossem satisfeitas, ninguém poderia pertencer à ordem do discurso. Alguns locais do
discurso não seriam abertos a todos, restringindo-se a um grupo, e outros locais
somente dariam a impressão de estarem à disposição de quaisquer sujeitos.
Esopo, Fedro, La Fontaine, Lobato e Oranice tinham um lugar privilegiado
quando da redação de suas narrativas. Mesmo tendo sido colocados na condição de
escravos, Esopo e Fedro recebiam tratamento especial e tinham conhecimentos que
os diferenciavam dos outros da mesma classe social. La Fontaine, amparado por
nobres na corte francesa, pôde dedicar-se integralmente à escritura de suas fábulas.
Lobato transferiu para as suas fábulas o estilo polêmico e questionador que o seguiu
desde a infância. Franco, na Rádio Nacional, contou com um veículo de
110
comunicação para favorecer ainda mais o seu lugar diferenciado de escritor. Então,
ele produziu suas narrativas escolhendo as palavras e o efeito que elas teriam sobre
as crianças, seguindo regras que ele, escritor, conhecia. Mesmo quando os
“sobrinhos” enviavam para a rádio as narrativas próprias, eles não se apoderavam
do discurso, como acontecia com as crianças do Sítio do Pica-Pau Amarelo, que
tinham a oportunidade de se posicionarem diante do que era narrado a elas. As
crianças do Tio Janjão não se manifestavam. Quando escreviam, elas apenas
repetiam o que foi permitido conhecer, tendo a falsa sensação de que uma região do
discurso estaria disponível para elas. Na verdade, quando as histórias enviadas por
crianças eram lidas no rádio, o que se tinha eram a comprovação da audiência do
programa Histórias do Tio Janjão, paralela ao sucesso da própria emissora, e a
certificação de que o intuito pedagógico estava sendo alcançado. A participação das
crianças encerrava-se aí. A ordem do discurso não consente que os segredos e
privilégios dos escritores sejam revelados e permitidos a todos. Como uma
sociedade fechada, o discurso tende a permanecer sob a proteção de quem
conhece seus atributos e, principalmente, seu poder de persuasão. As histórias
produzidas pelas crianças traziam a mesma estrutura das histórias de Franco: um
animalzinho, com algum defeito moral, que errava, sofria, arrependia-se e
transformava-se. Nada mudou. O discurso continuou nas mãos de Oranice. O rádio,
na perspectiva dada por Adorno e Horkheimer (1985), seria um instrumento da
indústria cultural, oferecendo às crianças e pais da década de 1950 a falsa
impressão de que eles seriam capazes de criarem ou escolherem algum programa,
quando, na verdade, tudo já estava estabelecido conforme os interesses
econômicos e políticos envolvidos.
Nesse contexto, Oranice Franco oscilou entre a tradição e a modernidade.
Escreveu fábulas seguindo os modelos tradicionais e preocupando-se em ensinar
através das moralidades, mas se utilizou do rádio, um veículo moderno de
comunicação, para transmitir suas fábulas. Foi um autor no sentido tradicional,
adequando-se aos moldes literários de sua época, e foi moderno por produzir um
programa de rádio para crianças. Trabalhando na Rádio Nacional, emissora
pertencente ao governo, Franco foi um escritor, cuja produção foi útil aos interesses
governamentais e educacionais. A Rádio Nacional aliou-se aos objetivos do primeiro
governo de Vargas, principalmente por ser uma emissora com alcance nacional, que
atingia elevados índices de audiência. Martin-Barbero (1997) afirma que o rádio
111
desempenhou papel relevante na tentativa de formação de uma identidade nacional,
objetivo de Vargas, na qual estariam eliminadas as diferenças culturais e regionais
do País.
Quando Oranice começou a escrever suas fábulas, Vargas estava no
seu segundo governo. A atitude da Rádio Nacional não se alterou. Ou seja, a
emissora continuou sendo porta-voz do governo. Mas encontrou em Oranice Franco
um escritor que manteve uma maneira própria de escrever e com objetivo bem
definido: disciplinar as crianças por meio das fábulas, auxiliando as instituições,
família e escola, na formação moral dos pequenos ouvintes. O fato de ter se tornado
útil ao regime político da época e aos interesses econômicos da Rádio Nacional,
mesmo que de forma não intencional, não tira de Oranice Franco o caráter inovador
de suas iniciativas. Suas fábulas e os comentários dirigidos aos ouvintes tornaram
possível conhecer e reconhecer aspectos sociais, ideológicos e culturais das
décadas de 1930 a 1950 no Brasil.
BIBLIOGRAFIA
113
BIBLIOGRAFIA DO CORPUS FRANCO, Oranice. Histórias do Tio Janjão. Volume 1. 1953. Encadernação pessoal. ______. Histórias do Tio Janjão. Volume 2. 1953. Encadernação pessoal. ______. Histórias do Tio Janjão. Volume 3. 1953 e 1954. Encadernação pessoal. ______. Histórias do Tio Janjão. Volume 4. 1954. Encadernação pessoal. ______. Histórias do Tio Janjão. Volume 5. 1954 e 1955. Encadernação pessoal. ______. Histórias do Tio Janjão. Volume 6. 1955. Encadernação pessoal. ______. O ratinho poeta, O porquinho flautista, O macaco que foi rei por um dia e Os brinquedinhos esquecidos. In: AGUIAR, Álvaro. Histórias do Tio Janjão. Rio de Janeiro: Disco vinil, 1955. ______. São Francisco rio rico. Rio de Janeiro: Conquista, 1971. ______. O touro valentão. Rio de Janeiro: Conquista, 1973. ______. A festa do grilo. Rio de Janeiro: Presença, 1977. ______. João Violeiro. Rio de Janeiro: Conquista, 1979. ______. Niquinho. Rio de Janeiro: Conquista, 1980. ______. O peixinho arteiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Conquista, 1982. ______. O coelhinho mágico. 3. ed. Rio de Janeiro: Conquista, 1983 ______. O burrinho que ria. 4. ed. Rio de Janeiro: Conquista, 1984. ______. O homenzinho verde. 3. ed. Rio de Janeiro: Conquista, 1984. ______. Cavalinho Alecrim. Rio de Janeiro: Conquista, 1984. ______. Amazonas o rio mar. 2. ed. Rio de Janeiro: Conquista, 1986. ______. O cachorrinho de sangue azul. Rio de Janeiro: Conquista, 1987. ______. O urubu cantor. Rio de Janeiro: Conquista, 1989. ______. Macaco Simão rifa um leão. Rio de Janeiro: Conquista, s/d.
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APÊNDICES
119
APÊNDICE A – Volume 1
Número Data Título Observações
01 09/04/53 O pica-pau apaixonado Escrito “Livro”13
02 14/04/53 O elefante sem memória Escrito “Livro”
03 16/04/53 O leão porcalhão Escrito “Livro”
04 21/04/53 O ratinho preguiçoso Escrito “Livro”
05 23/04/53 O elefante bobalhão Escrito “Livro”.Personagem não muda a atitude
06 28/04/53 O canarinho orgulhoso
07 30/04/53 O burrinho que ria à toa Escrito “Livro”. Livro publicado: O burrinho que ria
08 05/05/53 João de Barro Sabido
09 07/05/53 O gatinho medroso Escrito “Livro”
10 12/05/53 A baleia solitária
11 14/05/53 A velha mentirosa
12 19/05/53 O casamento do canguru Escrito “Livro”
13 21/05/53 A sapinha cantora
14 26/05/53 Chorão, o cachorro gordão Personagem não muda de atitude
15 28/05/53 Juquinha
16 02/06/53 O papagaio mentiroso Escrito “Livro”. Livro publicado: Niquinho
17 04/06/53 A traça burrinha Escrito “Livro”
18 09/06/53 O tico-tico abandonado
19 16/06/53 O gatinho preguiçoso Escrito “Livro”
20 18/06/53 Os três gatinhos pretos
21 23/06/53 O rinoceronte invisível
22 25/06/53 O tigre que só dizia não
23 30/06/53 O avestruz anão
24 02/07/53 O pavão orgulhoso Escrito “Livro”. Livro publicado: O pavão orgulhoso
25 07/07/53 O peixinho arteiro Livro publicado: O peixinho arteiro
26 09/07/53 O anel mágico Escrito “Livro”
27 14/07/53 O beija-flor que não beijava flor
13
A palavra “livro” aparece escrita, a lápis, em algumas histórias, indicando, possivelmente, a vontade de o escritor transformá-las em livros.
120
APÊNDICE B – Volume 2
Número Data Título Observações
28 16/07/53 O cachorrinho mentiroso
29 21/07/53 A girafa do pescoço curto Escrito “livro”.
30 23/07/53 A cobra maldosa
31 28/07/53 O galinho valentão
32 30/07/53 Juca, o patinho bonzinho
33 04/08/53 As travessuras do ursinho preto
34 06/08/53 O porquinho guloso
35 11/08/53 Lulu, o cachorrinho maldoso
36 13/08/53 O patinho linguarudo
37 18/08/53 O elefante que seria ser beija-flor
38 20/08/53 Donga, o patinho desobediente
39 25/08/53 A gatinha imprestável
40 27/08/53 O coelhinho orelhudo
41 01/09/53 O boi que não gostava de trabalhar
42 03/09/53 A formiguinha comilona Interessante
43 08/09/53 A raposa coto
44 10/09/53 O ratinho poeta Contada no disco de 1956 com o mesmo nome.
45 15/09/53 O tigre de bengala
46 17/09/53 O macaquinho arteiro
47 22/09/53 O tubarão que era mau
48 24/09/53 O urubu cantor Livro: O urubu cantor
49 29/09/53 A coruja desobediente
50 01/10/53 O jabuti apressado Escrito “Livro”.
51 06/10/53 O papagaio intrigante
52 09/10/53 Chapeuzinho Vermelho Clássicos infantis
121
APÊNDICE C – Volume 3
Número Data Título Observação
53 13/10/53 O coelhinho que não sabia ler
54 15/10/53 O leão que não gostava de ninguém
55 20/10/53 O pinguim alfaiate
56 22/10/53 A lontra bilontra
57 27/10/53 O pé de feijão encantado Clássicos infantis
58 29/10/53 A macaquinha sapeca
59 03/11/53 O coelhinho mentiroso
60 05/11/53 O pombinho que queria dar a volta ao mundo
61 10/11/53 A águia medrosa
62 12/11/53 O casamento do gato
63 17/11/53 O gatinho e o canarinho
64 19/11/53 A bela e a fera Clássicos infantis
65 24/11/53 O galinho garnisé
66 26/11/53 O faisão dourado
67 01/12/53 O burrinho pacato
68 03/12/53 O gafanhoto ambicioso
69 08/12/53 O bem-te-vi que não via nada
70 10/12/53 A Sapinha Sapeca
71 15/12/53 O papagaio que não errava
72 17/12/53 O camelo arteiro
73 22/12/53 O ratinho Tonico e o gato Peixoto
74 24/12/53 Branca de Neve Clássicos infantis
75 29/12/53 O porquinho flautista Contada no disco de 1956, com o mesmo nome.
76 31/12/53 O besouro cabeçudo
77 05/01/54 Telêmaco e Peixoto em* Quem não tem cão caça com gato
78 07/01/54 O burrinho trapaceiro
79 12/01/54 O gambá arteiro
80 14/01/54 Aladim e a lâmpada maravilhosa Clássicos infantis
81 19/01/54 O macaquinho ladrão
82 21/01/54 Os dois ursinhos
83 26/01/54 O sapinho vaidoso
84 28/01/54 O burrinho tímido
85 02/02/54 O ratinho Tonico e o gato Peixoto
86 04/02/54 O pintinho infeliz Enviada por uma “sobrinha”
122
APÊNDICE D – Volume 4
Número Data Título Observação
87 09/02/54 A ovelhinha preta
88 11/02/54 A onça lograda Escrito “Livro”
89 16/02/54 A Bela Adormecida do bosque Clássicos infantis
90 18/02/54 As orelhas do coelho Enviada por “sobrinho”
91 23/02/54 A rã vaidosa Escrito “Livro”
92 25/02/54 O gato de botas Clássicos infantis
93 04/03/54 O coelho mentiroso Enviada por “sobrinha”
94 09/03/54 A tartaruga que corria mais que o vento
95 11/03/54 O cavalinho da estrela na testa
96 16/03/54 A onça e o coelho Enviada por “sobrinha”
97 18/03/54 O ratinho Tonico e o gato Peixoto Outra aventura
98 23/03/54 A baleia teimosa
99 25/03/54 A Gata Borralheira Clássicos infantis
100 30/03/54 O coelhinho de asas vermelhas Enviada por “sobrinha”
101 01/04/54 O camelo hipócrita
102 06/04/54 O ratinho que virou gato
103 08/04/54 O macaquinho mau Enviada por “sobrinho”
104 13/04/54 O coelho sovina Livro: A festa do grilo
105 15/04/54 O coelho e o macaco Enviada por “sobrinha”
106 20/04/54 O leão sem juba
107 22/04/54 O macaco engraçado Enviada por “sobrinha”
108 27/04/54 O urso preguiçoso
109 29/04/54 O papagaio e o burrinho Enviada por “sobrinho”
110 04/05/54 O canguru moleque
111 06/05/54 A justiça do leão Enviada por “sobrinha”
112 11/05/54 O boizinho malvado
113 13/05/54 O gato do mato Enviada por “sobrinha”
114 18/05/15 O sapo e o violino encantado
115 20/05/54 A onça e o coelho Enviada por “sobrinha”
116 25/05/54 A galinha branca Enviada por “sobrinha”
117 27/05/54 O sapinho desobediente
118 01/06/54 Os cães encantados Clássicos infantis
119 03/06/54 O porquinho guloso Enviada por “sobrinha”
120 08/06/54 O elefante sem tromba
121 10/06/54 O macaco apostador
122 15/06/54 Os brinquedinhos abandonados Contada no disco de 1956 com o mesmo nome.
123 17/06/54 A abelha gorducha
124 22/06/54 Mariinha, a menina boazinha
125 24/06/54 O coelhinho branco Enviada por “sobrinha”
126 29/06/54 O macaco que foi rei por um dia Contada no disco de 1956 com o mesmo nome
127 01/07/54 O cavalo do rei
128 06/07/54 O castigo dos linguarudos Enviada por “sobrinha”
129 08/07/54 O ratinho dançarino Enviada por “sobrinha”
123
APÊNDICE E – Volume 5
Número Data Título Observação
130 13/07/54 Ratinho Tonico e gato Peixoto
131 15/07/54 O coelho e a raposa Enviada por “sobrinho”
132 20/07/54 O jacaré de óculos
133 22/07/54 O marrequinho peralta
134 27/07/54 O leão e o galo Enviada por “sobrinha”
135 29/07/54 O cachorrinho de sangue azul Livro: O cachorrinho
de sangue azul
136 03/08/54 O ratinho destemido Semelhante à
Assembleia dos ratos
137 05/08/54 A tartaruga faladeira Enviada por “sobrinha”
138 10/08/54 O macaquinho que não sabia contar
139 12/08/54 O jaboti sem coração Enviada por “sobrinho”
140 17/08/54 O touro valentão Livro: O touro valentão
141 19/08/54 O fígado do macaco Enviada por “sobrinho”
142 26/08/54 Ratinho Tonico e gato Peixoto
143 07/09/54 O lobinho desobediente Enviada por “sobrinha”
144 ? ? Retirada do volume
145 14/09/54 A vingança dos animais Enviada por “sobrinha”
146 16/09/54 O papagaio boateiro
147 21/09/54 Mimoso, o carneirinho preto Enviada por “sobrinha”
148 23/09/54 O cavalinho jogador
149 28/09/54 O ratinho desobediente Enviada por “sobrinha”
150 30/09/54 O coelhinho mágico Livro: O coelhinho
mágico
151 05/10/54 Os dois gatinhos arteiros Enviada por “sobrinha”
152 07/10/54 O cabritinho chofer
153 12/10/54 Nadir, a galinha engolidora de cobra
154 14/10/54 O leopardo mentiroso Enviada por “sobrinha”
155 19/10/54 O cãozinho cabeçudo Enviada por “sobrinho”
156 21/10/54 Tonico, Peixoto e o canguru Valentim
124
157 26/10/54 O patinho que não sabia nadar
158 28/10/54 O coelhinho surdo Enviada por “sobrinha”
159 04/11/54 O canguru moleque Repetida
160 09/11/54 O leão sem juba Repetida
161 11/11/54 Aladim e a lâmpada maravilhosa Clássicos infantis
162 16/11/54 A bela adormecida do bosque Clássicos infantis
163 18/11/54 A vingança do coelho Enviada por “sobrinho”
164 23/11/54 O patinho teimoso Enviada por “sobrinha”
165 25/11/54 Branca de Neve Clássicos infantis
166 30/11/54 Quem não tem cão caça com gato Repetida
167 02/12/54 A sapinha sapeca Repetida
168 07/12/54 Chapeuzinho Vermelho Clássicos infantis
169 09/12/54 Rato Tonico e gato Peixoto Enviada por “sobrinho”
170 14/12/54 O pavão sem coração
171 16/12/54 O porquinho prático Enviada por “sobrinho”
172 21/12/54 O elefante de ouro
173 23/12/54 Tonico e Peixoto festejam o Natal
174 28/12/54 Negócios na floresta Enviada por “sobrinha”
175 30/12/54 O cavalinho e o Ano Novo Livro: O cavalinho
Alecrim
176 04/01/55 O gavião ambicioso Enviada por “sobrinho”
125
APÊNDICE F – Volume 6
Número Data Título Observação
177 06/01/55 O porquinho porco
178 11/01/55 A menina tartaruga Enviada por “sobrinha”
179 13/01/55 A rifa do macaco
180 18/01/55 A corujinha teimosa Enviada por “sobrinha”
181 20/01/55 Lili e Zequinha Enviada por “sobrinha”
182 25/01/55 Gato Peixoto e ratinho Tonico
183 27/01/55 A casaca do louva-deus Enviada por “sobrinho”
184 01/02/55 A afilhada da onça Enviada por “sobrinha”
185 03/02/55 O cavalinho respondão
186 08/02/55 Rato Tonico e gato Peixoto
187 10/02/55 O coelhinho sabido Enviada por “sobrinho”
188 15/02/55 O pintinho mentiroso Enviada por “sobrinho”
189 17/02/55 O macaco adulador
190 24/02/55 Patola, o patinho teimoso Enviada por “sobrinha”
191 01/03/55 O canguru moleque Repetida
192 03/03/55 O pica-pau apaixonado Repetida
193 08/03/55 A baleia solitária Repetida
194 10/03/55 Chorão, o cachorro gordão Repetida
195 15/03/55 O tigre que só dizia não Repetida
196 17/03/55 O rinoceronte invisível Repetida
197 22/03/55 O pintinho que não queria trabalhar Enviada por “sobrinha”
198 24/03/55 Tonico e Peixoto
199 29/03/55 Tonico e Peixoto
200 31/03/55 A girafa de muletas
201 05/04/55 Os dois coelhinhos pretos Enviada por “sobrinho”
202 07/04/55 A macaquinha ambiciosa
203 12/04/55 Chapeuzinho Vermelho Clássicos infantis
204 14/04/55 O cãozinho Gabola
205 19/04/55 O leão fujão
206 21/04/55 A galinha dos ovos de ouro Conhecida
207 26/04/55 O macaco logrador Enviada por “sobrinho”
208 28/04/55 Peixoto salva Tonico Enviada por “sobrinha”
209 03/05/55 O porquinho encantado
210 05/05/55 O papagaio que fazia medo aos outros
211 10/05/55 O cofre das relíquias**
212 12/05/55 Peixoto e Tonico
213 17/05/55 O remédio infalível Enviada por “sobrinha”
214 19/05/55 O coelhinho e o relógio roubado
215 24/05/55 Por que a leoa não tem juba Enviada por “sobrinho”
216 26/05/55 O macaco que perdeu a cauda Enviada por “sobrinha”
217 31/05/55 Branca de Neve Clássicos infantis
218 02/06/55 O pinguim alfaiate Repetida
219 07/06/55 O cachorrinho de sangue azul Repetida e livro
220 09/06/55 A bela e a fera Clássicos infantis
221 14/06/55 O cabritinho chofer Repetida
126
222 16/06/55 A bela adormecida do bosque Clássicos infantis
223 21/06/55 A veadinha orgulhosa Enviada por “sobrinha”
224 23/06/55 O leão que não gostava de ninguém Repetida
225 28/06/55 O faisão dourado Repetida
226 30/06/55 Dona Baratinha Clássicos infantis
227 05/07/55 Peixoto e Tonico
228 07/07/55 O coelhinho comilão Enviada por “sobrinha”
229 12/07/55 O cachorro potoqueiro
230 14/07/55 A ovelhinha curiosa Enviada por “sobrinho”
ANEXOS
128
ANEXO A – Redação de 1929
129
ANEXO B – Redação de 1930
130
ANEXO C – Da necessidade de ser mineiro
131
ANEXO D – Oranice Franco e outros poetas
132
ANEXO E – Variações sobre o poeta
133
ANEXO F – Oranice Franco e Álvaro Aguiar conversando sobre o disco
134
ANEXO G – Meu pai meu melhor amigo
135
ANEXO H – Substituição de Álvaro Aguiar por Celso Guimarães
136
ANEXO I – Declaração de Oranice para Eric Tirado Viegas
137
ANEXO J – Casa de Oranice Franco em São João del-Rei
138
ANEXO K – Curso de Oranice no Ministério da Agricultura
139
ANEXO L – Início da redação das Crônicas da Cidade por Franco
140
ANEXO M – Fábula contada no programa de 09 de abril de 1953
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