olavo de carvalho-ser conservador É não ser jamais o portador de um futuro radiante

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    "Ser conservador no ser jamais o portadorde um futuro radiante"

    Bruno Garschagen entrevista Olavo de Carvalho

    Bruno Garschagen, janeiro de 2008

    Em 2007, quando comecei a colaborar com a revista Atlntico, de Lisboa, fiz

    uma lista de pessoas do Brasil que eu gostaria de apresentar aos portugueses

    leitores da revista. Era uma forma de restabelecer uma aproximao cultural

    entre os dois pases que no se limitasse esfera diplomtica e governamental.

    O primeiro entrevistado foiDiogo Mainardi. O segundo,Reinaldo Azevedo. O

    terceiro, Olavo de Carvalho, cuja conversa, feita por e-mail, reproduzo hoje

    integralmente. Por questes de espao, a revista publicou uma parte pequena,

    embora substancial, da entrevista (o quarto entrevistado foiNelson Ascher).

    Antes, porm, algumas consideraes.

    Considero Olavo um dos grandes responsveis por reabrir na imprensa e navida intelectual um espao de debate que no Brasil j era tido como morto,

    enterrado, goodbye, so long, farewell. Foi nos anos de 1990 que o filsofo

    brasileiro inaugurou uma nova fase na filosofia e na discusso poltico-cultural

    em Terras de Vera Cruz.

    Sua faceta notavelmente provocadora apenas uma das pontas de um trabalho

    criativo de pesquisa e reflexo que no vejo similar no mbito do debate pblico.

    Ao lanar obras filosficas da envergadura deAristteles em nova

    perspectiva e O Jardim das Aflies.De Epicuro Ressurreio de Csar, entreoutras, imprimiu no pensamento filosfico brasileiro um rumo completamente

    diverso da dominao doutrinria impingida pelos autoproclamados filsofos

    que eram (e so), apenas, professores universitrios ligados esquerda, de

    forma consciente ou no. No Brasil, a revoluo gramsciana foi to bem

    executada na educao, artes e meios de comunicao que a maior parte da

    populao assimilou o esprito degenerado do esquerdismo sem sequer saber

    que fora estrategicamente convertida em inocente til da causa.

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    Mediante aulas, cursos e divulgao de idias pelos jornais, revistas, site e

    talkradio (www.olavodecarvalho.org), Olavo segue com seu trabalho abnegado

    de construir um pensamento original e tentar formar uma elite intelectual. Uma

    rpida googlada d uma idia, embora plida, do efeito explosivo que esse

    trabalho vem provocando desde a dcada de 1990. Aos 60 anos, o filsofo moracom a famlia desde 2005 em Richmond, Estados Unidos, onde desenvolve seus

    estudos, principalmente, sobre a mente revolucionria e a paralaxe cognitiva, e

    trabalha como colunista do Dirio do Commrcio (SP) e Jornal do Brasil.

    Olavo aceitou gentilmente responder algumas perguntas para arevista Atlntico,

    respostas essas que divido com vocs, no sem antes fazer um agradecimento

    especial Roxane Andrade, mulher do filsofo, pessoa extraordinria e gentil

    que tenho a honra de ter como amiga. entrevista:

    O que e h quanto tempo, Olavo, voc desenvolve os estudos sobre

    a mentalidade revolucionria?

    uma longa histria. Esse estudo surgiu da confluncia mais ou menos

    acidental de duas investigaes independentes que eu vinha desenvolvendo

    desde os anos 80. A primeira diz respeito s definies de direita e esquerda.

    Por um lado, havia uma tendncia, na mdia e nos debates pblicos em geral, de

    minimizar ou at negar explicitamente a diferena entre direita e esquerda. Essa

    tendncia tornou-se ainda mais forte depois da queda da URSS. Por outro lado,

    a esquerda assumia cada vez mais orgulhosamente sua identidade de esquerda,

    ao mesmo tempo em que a sua influncia poltica se tornava cada vez mais

    dominante. A direita, por seu lado, se encolhia numa timidez abjeta, negando

    sua prpria existncia, escondendo-se sob o rtulo de "centro" e copiando cada

    vez mais o vocabulrio e a forma mentis da esquerda. Era claro que a havia um

    problema, principalmente porque os mais obstinados negadores da diferena

    entre esquerda e direita eram provenientes da direita. O problema colocava-se

    portanto em dois nveis. Primeiro, o empenho de dissolver as diferenas entredois discursos ideolgicos no impedia que pelo menos uma das foras polticas

    correspondentes continuasse existindo historicamente como fora atuante e

    perfeitamente identificvel. Segundo: se a negao da diferena tencionava

    esvaziar a esquerda, diluindo a fora atrativa do comunismo num vago e

    inofensivo "progressismo", foi a prpria direita que por meio desse artifcio

    acabou se tornando vaga e inofensiva. Se era assim, era claro que havia um

    desnvel entre a discusso pblica e as foras polticas reais por baixo dela. A

    pergunta que surgia era: Em que consistem a direita e a esquerda como forashistricas objetivas, para alm de seus respectivos discursos de autodefinio

    http://www.olavodecarvalho.org/http://www.olavodecarvalho.org/http://www.olavodecarvalho.org/http://www.atlantico-online.net/blogue/2008/02/19/a-pedido-de-varias-familias-entrevista-a-olavo-de-carvalho/#more-5628http://www.atlantico-online.net/blogue/2008/02/19/a-pedido-de-varias-familias-entrevista-a-olavo-de-carvalho/#more-5628http://www.atlantico-online.net/blogue/2008/02/19/a-pedido-de-varias-familias-entrevista-a-olavo-de-carvalho/#more-5628http://www.atlantico-online.net/blogue/2008/02/19/a-pedido-de-varias-familias-entrevista-a-olavo-de-carvalho/#more-5628http://www.olavodecarvalho.org/
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    ideolgica? Logo tornou-se claro que era impossvel definir direita e esquerda

    em funo de seus objetivos proclamados, que no s eram mutveis, mas

    intercambiveis.

    E o que fez para avanar na investigao?A idia que me ocorreu ento foi atacar o problema num nvel mais profundo,

    buscando diferenas estruturais de percepo da realidade, das quais os

    sucessivos discursos historicamente registrados como de direita e esquerda

    pudessem se desenvolver com toda a sua variedade interna alucinante, sem

    prejuzo das estruturas bsicas. Se eu conseguisse descobrir essas duas

    estruturas permanentes, a direita e a esquerda estariam delineadas por

    diferenas objetivas para muito alm do horizonte de conscincia dos indivduos

    e organizaes que personificavam essas correntes. Descobri vrias dessasdiferenas. A principal a diferena na percepo do tempo histrico. A

    esquerda toda a esquerda, sem exceo enxerga o tempo histrico s

    avessas: supe um futuro hipottico e o toma como premissa fundante da

    compreenso do passado. Em seguida, usa essa inverso como princpio

    legitimador das suas aes no presente. Como o futuro hipottico permanece

    sempre futuro, e por isso mesmo sempre hipottico, toda certeza alegada pelo

    movimento esquerdista num dado momento pode ser mudada ou invertida no

    momento seguinte, sem prejuzo, seja da continuidade do movimento, seja do

    sentimento de coerncia por baixo das mais alucinantes incoerncias.

    Somando a isso a descoberta de Jules Monnerot de que a cada gerao a

    esquerda quem aponta e delimita a direita, nomeando como tal aqueles que lhe

    resistem, a direita aparecia portanto como o conjunto daqueles que, por mil

    motivos variados, resistem inverso da razo histrica. Podem faz-lo, por

    exemplo, por ser cristos e acreditar que o "fim da histria" uma passagem

    para a eternidade e no um captulo da histria profana. Mas podem faz-lo

    tambm por ser ateus de mentalidade cientfica que preferem moldar ashipteses segundo os fatos e no alterar os fatos conforme as hipteses. A

    segunda investigao foi da "paralaxe cognitiva".

    O que a paralaxe cognitiva?

    Assim denomino o deslocamento, s vezes radical, entre o eixo da construo

    terica de um pensador e o eixo da sua experincia humana real, tal como ele

    mesmo a relata ou tal como a conhecemos por outras fontes fidedignas. Raro e

    excepcional na antigidade e na Idade Mdia, esse deslocamento comea a

    aparecer com freqncia cada vez mais notvel a partir do sculo XVI, dando a

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    algumas das filosofias modernas a aparncia cmica de gesticulaes

    sonamblicas totalmente alheias ao ambiente real em que se desenvolvem. Um

    exemplo claro a teoria de Kant sobre a incognoscibilidade da "coisa em si". Se

    no conhecemos a substncia das coisas materiais, mas somente a sua aparncia

    fenomnica, que esperana podemos ter de atingir um dia, a partir de indciosmateriais, isto , letras impressas numa folha de papel, a substncia da filosofia

    de Immanuel Kant? Certamente o filsofo de Koenigsberg no se contentaria se

    apreendssemos somente a aparncia fenomnica da sua filosofia, a qual

    filosofia, nesse sentido, radicalmente incompatvel com o ato de escrever livros

    e olhem que Kant os escreveu em profuso. Por mais coerente que seja

    consigo mesma, a filosofia de Kant incoerente com a sua prpria existncia de

    obra publicada.

    Outro exemplo: Karl Marx diz que s o proletariado pode apreender o

    movimento real da histria, porque as classes que o precedem vivem

    aprisionadas na fantasia subjetiva das suas respectivas ideologias de classe.

    Mas, se assim, por que o primeiro a perceber isso e a apreender o movimento

    alegadamente real da histria foi o prprio Karl Marx, que no era proletrio,

    no tinha nenhuma experincia da vida proletria e at a idade madura s

    conhecia os proletrios por meio de leituras? Ou a ideologia de classe inerente

    posio social real do sujeito, ou de livre escolha independentemente da

    posio social, mas neste ltimo caso no ideologia de classe de maneira

    alguma e sim apenas ideologia pessoal projetada ex post facto sobre uma classe,

    tambm de livre escolha. Os exemplos desse tipo so tantos que no espero

    jamais poder chegar a recensear seno uma amostragem nfima deles.

    Inevitavelmente, a semelhana estrutural entre a paralaxe cognitiva e a inverso

    do tempo tinha de se tornar clara um dia, por mais lerda que fosse a minha

    cabea.

    Como conseguiu?Substitu, no meu estudo, os termos "esquerda" e "direita" pelos de "revoluo"

    e "reao". Da para diante, foi ficando cada vez mais evidente para mim a

    unidade histrica do movimento revolucionrio desde as rebelies messinicas

    estudadas por Norman Cohn em The Pursuit of the Millennium at o Frum

    Social Mundial. E a foi que se tornou tambm claro, mesmo para o meu crebro

    cansado e obscurecido, o centro da confuso entre os termos direita e esquerda

    porque muitos movimentos tidos popularmente como "de direita" operavam,

    de fato, na clave revolucionria e no reacionria. De uma maneira ou de outra,esses movimentos acabavam jogando lenha na fogueira da revoluo, e

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    trabalhando, portanto, contra seus prprios ideais declarados. Captar e

    descrever a unidade do movimento revolucionrio desenhar claramente,

    perante os olhos dos homens "de direita", a verdadeira natureza do seu inimigo

    permanente. desfazer uma infinidade de confuses catastrficas, que

    determinaram, ao longo do tempo, outras tantas polticas suicidas. Se euconseguir lanar nesse matagal toda a claridade que pretendo, creio que terei

    feito alguma coisa de til, pelo menos para dar a Nosso Senhor Jesus Cristo um

    pretexto que ele possa alegar em minha defesa no Juzo Final.

    A partir de qual momento e o que o levou a desenvolver o estudo da

    paralaxe cognitiva?

    outra histria comprida, que vou abreviar dizendo que foi sobretudo uma

    motivao de ordem moral. Erneste Renan dizia que no conseguia pensar seno tivesse a garantia de que suas idias no teriam a menor conseqncia no

    mundo real. Essa atitude sempre me inspirou horror. A cada frase que eu dizia

    em aula, sempre me ocorriam as perguntas: At que ponto eu acredito mesmo

    nisso? E que direito tenho eu de persuadir os outros de alguma coisa em que eu

    mesmo no sei se acredito ou no? No sei quando me ocorreu a idia de fazer

    essas perguntas no s a mim mesmo, mas aos filsofos que eu lia. Ren

    Descartes, por exemplo, jura que a seqncia das suas "Meditaes de Filosofia

    Primeira" no um mero raciocnio, mas o relato de uma experincia real.

    Examinando essa experincia, notei que ela era psicologicamente impossvel,

    exceto como deduo hipottica. Ou seja: Descartes tomava como sua histria

    interior real o que era apenas uma construo lgica, confundindo o seu eu

    pessoal histrico com o eu filosfico abstrato. Isso tinha a estrutura exata de um

    fingimento histrico ou, se levado s ltimas conseqncias, de um delrio

    esquizofrnico. Creio ter demonstrado isso em duas apostilas que vocs podem

    ler no meu website. No estranho nesse sentido que, ao expor suas teorias

    sobre a estrutura do mundo fsico, isto , sobre aquilo que pode haver de menos

    subjetivo, sobretudo no prprio sentido cartesiano da res extensa, ele tenhaescolhido faz-lo sob a forma de uma obra de fico, o "Tratado do Mundo". E

    isso justamente numa poca em que o teatro como metfora da realidade

    universal se tornava moda literria na Europa. A fsica de Descartes, afinal, era

    um conjunto de afirmaes sobre a realidade objetiva, ou uma fantasia teatral?

    Descartes no o sabia, e eu muito menos.

    medida que fui descobrindo novos e novos exemplos desse fenmeno, acabei

    concluindo que quase toda a filosofia moderna se omitia de uma tomada deposio responsvel que permitisse saber at que ponto seus criadores a

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    levavam a srio como cincia objetiva ou apenas se deleitavam nela como num

    espetculo de teatro. Quando chegamos a Nietzsche, a impossibilidade de

    decidir por uma coisa ou outra se torna total e invencvel. Jamais saberemos "o

    que Nietzsche quis dizer precisamente", pois toda sua obra um convite

    indistino entre fantasia e realidade.

    J o mesmo no se pode dizer da filosofia de um Leibniz, de um Schelling (na

    velhice ao menos), de um Husserl ou de um Eric Voegelin. Esses esto tentando

    falar mortalmente a srio, mesmo quando erram. A explorao dessa diferena

    que resultou na tese da paralaxe cognitiva.

    De que modo age social e politicamente o portador da mente

    revolucionria e de que forma possvel combat-la?

    A mentalidade revolucionria no s inverso do tempo: inverso das

    relaes lgicas de sujeito e objeto, dos nexos de causa e efeito, da relao entre

    criminoso e vtima, etc. Uma boa parte do meu estudo dedicado ao

    recenseamento dessas inverses, psicticas no sentido clnico mais estrito do

    termo. Elas so a essncia do movimento revolucionrio, mas essa essncia

    pode se manifestar sob uma impressionante variedade de formas. por isso que

    o movimento revolucionrio no pode ser definido nem pelo contedo concreto

    dos seus objetivos declarados a cada momento, nem pelo discurso ideolgico

    com que os legitima. preciso sempre buscar, sob a variedade dessas

    aparncias, a resposta pergunta: Tal ou qual movimento poltico ou cultural,

    nas circunstncias precisas em que atua, impe ou no impe a seus militantes e

    simpatizantes aquele pacote de percepes invertidas? Se a resposta "sim",

    ento torna-se claro que se trata de um movimento inserido na corrente

    revolucionria. Se ele tem mais conscincia ou menos conscincia disso,

    perfeitamente irrelevante para os resultados histricos objetivos que ele vai

    desencadear necessariamente por meio da inverso da conscincia de

    populaes inteiras.

    Se o oposto de revoluo "reao" ou "conservadorismo", um reacionarismo

    ou conservadorismo consciente no atacar o movimento revolucionrio apenas

    na superfcie dos seus ideais proclamados ou da sua conduta poltica ostensiva,

    mas na base mesma, que a inverso revolucionria da conscincia e das

    conscincias. Como todo movimento revolucionrio se arroga o papel de

    representante do futuro, ele s responde perante o tribunal do futuro, mas como

    esse futuro, por definio, mvel, o seu autonomeado representante no

    presente no tem jamais de responder perante ningum. A mentalidade

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    revolucionria , na base, a reivindicao de uma autoridade ilimitada, de um

    poder divino. As pretenses explcitas de tal ou qual lder revolucionrio podem

    at parecer modestas e sensatas na formulao verbal que ele lhes d no

    momento, mas no fundo delas est sempre essa reivindicao, essa exigncia

    implcita. Os movimentos revolucionrios no criaram as grandes ditadurasgenocidas do sculo XX por um desvio dos seus belos ideais ou por um acidente

    histrico qualquer. Eles as criaram por necessidade intrnseca da prpria

    dialtica revolucionria, que sempre terminar em totalitarismo sangrento, seja

    por um caminho, seja por outro caminho aparentemente inverso.

    nesse ponto, precisamente, que a mentalidade revolucionria tem de ser

    atacada de maneira implacvel e incansvel: ela demncia megalmana na sua

    essncia mesma. Ela nunca pode produzir nada de bom. Ela a mentiraexistencial mais vasta e profunda que j infectou a alma humana desde o incio

    dos tempos. Ela crime e maldade desde a sua raiz mesma e essa raiz que

    tem de ser cortada, no as ramificaes mais aparentes apenas.

    A boa notcia que o movimento revolucionrio no uma constante na histria

    humana. Ele apareceu numa dada civilizao e num dado momento do tempo.

    Ele teve um comeo e ter um fim. Apressar esse fim o dever de todos os

    homens de bem.

    Qual o reflexo do desenvolvimento da mentalidade revolucionria

    sem uma devida reao?

    O principal e mais desastroso reflexo que o prprio impulso conservador, um

    dos mais bsicos e mais saudveis da humanidade, acaba por no ter meios

    prprios de expresso e por copiar as estratgias e tticas revolucionrias,

    infectando-se da mentalidade que desejaria combater. S para dar um exemplo,

    quando voc rejeita alguma proposta revolucionria, logo lhe perguntam: "Mas

    o que voc prope em lugar disso?" A o conservador comea a inventarhipotticas solues conservadoras para todos os problemas humanos, e perde a

    autoridade da prudncia, passando a discursar na clave psictica das "propostas

    de sociedade". Ser conservador no ter nenhuma proposta de sociedade,

    aceitar que a prpria sociedade presente v encontrando pouco a pouco a

    soluo para cada um dos seus males sem jamais perder de vista o fato de que,

    para cada novo mal que seja vencido, novos males aparecero. Ser conservador

    no ser jamais o portador de um futuro radiante, ser o porta-voz da

    prudncia e da sabedoria. Ser um conservador saber que os limites da

    capacidade humana no desaparecero s porque Lnin mandou ou porque

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    Trotski disse que no socialismo cada varredor de rua ser um novo Leonardo da

    Vinci.

    Seus estudos mostram como operou a mentalidade revolucionria

    em Portugal?Para responder a essa pergunta seria preciso sondar mais cuidadosamente o

    antigo regime. O salazarismo foi uma estranha mistura de conservadorismo

    cristo com elementos extrados do fascismo, o qual sem a menor sombra de

    dvida uma ideologia revolucionria. A caracterstica das ideologias

    revolucionrias ter um "projeto de sociedade", em vez de respeitar a sociedade

    existente e tentar aperfeio-la na medida modesta das possibilidades humanas

    e com a cautela que a prudncia recomenda.

    Qualquer nao que tenha se infectado profundamente da mentalidade

    revolucionria e tenha dado aos seus valores conservadores uma formulao

    poltica revolucionria corre o risco de estar sempre merc de novos projetos

    revolucionrios, pelo simples fato de que perdeu de vista a noo de "ordem

    espontnea", que a essncia mesma da democracia e do conservadorismo. Que

    ordem espontnea? o conjunto de solues aprendidas ao longo do tempo.

    uma ordem espontnea porque no foi imposta por ningum. ordem porque

    tem um senso arraigado da prpria integridade e rejeita instintivamente toda

    mudana radical. Mas tambm aprendizado, isto , absoro criativa das

    situaes novas por um conjunto que permanece conscientemente idntico a si

    mesmo ao longo dos tempos por meio de smbolos tradicionais constantemente

    readaptados para abranger novos significados.

    Examinem bem e vero que ordem democrtica precisamente isso e nada

    mais. Se, ao contrrio, um grupo imbudo do amor a valores tradicionais tenta

    deter a mudana, ele est introduzindo na ordem espontnea uma mudana to

    radical quanto o grupo revolucionrio que deseja virar tudo de pernas para o ar,pois o que esse alegado conservadorismo deseja imortalizar no ar um

    momento esttico de perfeio hipottica. Se esse momento, na imaginao

    dele, expressa os valores do passado, isso no vem ao caso, porque na prtica

    poltica esse ideal ser um "projeto de futuro" tanto quanto o ideal

    revolucionrio. Uma sociedade s embarca no projeto revolucionrio quando

    perdeu todo o respeito por si mesma. Um respeito que, entre outras coisas,

    implica o amor aos valores do passado como instrumentos de compreenso e

    ao no presente, no como smbolos estereotipados de uma perfeio ideal no

    cu das utopias.

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    E onde entra o salazarismo nesse histria?

    No tenho a menor dvida de que Antonio de Oliveira Salazar foi um homem

    honesto e um grande administrador. Mas o salazarismo foi infectado da mesma

    ambio de controle burocrtico total que caracterstica do movimento

    revolucionrio. Quatro dcadas desse regime, e Portugal no tinha maisconservadores genunos em nmero suficiente. Os poucos que havia fizeram um

    esforo herico para dar nao a verdadeira estabilidade democrtica, mas a

    nsia das solues totais estava, por assim dizer, no ar e, dissolvido o

    salazarismo, s quem podia tirar proveito dela era a esquerda.

    No desejo dar palpites na poltica interna de um pas que da minha parte s

    merece aquele amor cheio de reverncia que a gente tem por um av navegante

    e guerreiro. No levem a mal essa minha anlise, que s um esboo sempretenses. Espero um dia poder estudar mais profundamente a histria de

    Portugal e tirar um pouco das minhas dvidas.

    H alguma particularidade sobre o que houve aqui?

    H algo de trgico na histria de Portugal, pois os filsofos escolsticos

    portugueses foram os primeiros a compreender a verdadeira natureza do

    capitalismo, sculos antes de Adam Smith, mas, quando se inaugurou a

    temporada de caa aos escolsticos, com o iluminismo, ela no trouxe consigo a

    modernizao capitalista, e sim um burocratismo centralizador sufocante. Por

    uma triste ironia, os adversrios do centralismo pombalino eram os jesutas,

    eles tambm revolucionrios, que sonhavam com uma repblica socialista de

    ndios na Amrica do Sul. Posso estar enganado, mas o drama de Portugal o

    mesmo de "A Montanha Mgica" de Thomas Mann: um jovem bom e promissor

    aprisionado entre dois falsos gurus: um iluminista autoritrio com discurso

    modernizador e um jesuta comunista.

    E no Brasil?O que em Portugal foi tragdia, no Brasil uma palhaada sangrenta. Se os

    portugueses tm uma conscincia aguda da sua prpria histria e

    constantemente se interrogam sobre o seu passado, os brasileiros no

    conseguem se lembrar nem do que aconteceu quinze dias atrs, e no aprendem

    nada, absolutamente nada, com a experincia histrica. Mesmo porque no

    querem saber dela. Se no querem saber nem do presente, como vo entender o

    passado? O exemplo mais deprimente do desprezo brasileiro pelo conhecimento

    e no digo do conhecimento superior, mas do simples conhecimento dos fatos

    da atualidade foi a obstinada recusa geral de tomar cincia de um fenmeno

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    chamado "Foro de So Paulo". Coordenao estratgica do movimento

    comunista no continente, reunindo em seu seio partidos legais em p de

    igualdade com organizaes de terroristas e narcotraficantes, o Foro a mais

    poderosa organizao poltica que j existiu na Amrica Latina. Tudo o que

    todos os partidos de esquerda, armados e desarmados, fizeram ao longo dosltimos dezessete anos foi ali tramado e decidido. E durante esses dezessete

    anos toda a mdia brasileira, todo o establishment acadmico, toda a classe

    poltica, todo o empresariado, todos os formadores de opinio se recusaram

    obstinadamente a ouvir falar do assunto. um fenmeno indito, nico na

    histria da estupidez universal. claro que uma opinio pblica formada sob a

    influncia dessa casta de jumentos no pode ter nenhuma viso da realidade.

    Vive de sonhos, de desconversas, de tagarelice oca e disperso de suas melhores

    energias em esforos vos para resolver problemas no raro inexistentes,enquanto sua volta o caos e a violncia vo tomando conta de tudo e ningum

    sequer se d conta de que, atravs do Foro de So Paulo, os narcotraficantes e

    terroristas j esto no poder. A proposta revolucionria , para o brasileiro de

    hoje em dia, o substitutivo completo e satisfatrio da realidade. Nas ltimas

    dcadas, medida mesma que aquela entidade invisvel dominava o continente

    inteiro com seu segredo de Polichinelo, a cultura superior era totalmente

    destruda no Brasil, nossas crianas tiravam sempre os ltimos lugares nos

    testes internacionais e a violncia crescia at chegar aos cinqenta milhomicdios por ano mais ou menos duas guerras do Iraque. J tive muita pena

    dos meus conterrneos, agora no tenho mais. Eles fizeram uma opo

    preferencial pela ignorncia. Seu sofrimento no injusto.

    Voc tem sido um crtico do liberalismo e, concomitantemente, um

    defensor do conservadorismo. Esse conservadorismo que voc

    defende herana do moderno modelo ingls inaugurado por

    Edmund Burke?

    Eu no diria s ingls, mas anglo-americano. A Inglaterra e os EUA foram ospases do Ocidente que mais profundamente se impregnaram do sentimento de

    respeito pelas tradies, o qual no fim das contas respeito pelo povo.

    verdade que mesmo nesses dois pases os planejadores alucinados de sociedades

    perfeitas esto tentando, e com freqncia conseguindo, destruir esse

    sentimento. No sei em que medida os ingleses percebem o mal revolucionrio

    que os vem acometendo nos ltimos anos, mas os americanos esto

    acordadssimos. Ainda que sem uma clareza suficiente quanto unidade

    histrica do movimento revolucionrio, os conservadores americanos sabemmais ou menos onde est o mal. E, o que melhor ainda, pouqussimos dentre

  • 7/30/2019 Olavo De Carvalho-Ser Conservador No Ser Jamais O Portador De Um Futuro Radiante

    11/12

    eles se deixam levar pela tentao do que poderamos chamar de

    "conservadorismo revolucionrio". Eles nunca leram o brasileiro Jackson de

    Figueiredo, mas se o lessem endossariam com entusiasmo esta frmula dele: "O

    de que precisamos no uma contra-revoluo. o contrrio de uma

    revoluo".

    Quais as principais virtudes do conservadorismo?

    A autoconservao a necessidade bsica dos seres vivos. A prpria capacidade

    de crescimento, desenvolvimento e adaptao a novas circunstncias no

    seno o instinto de autoconservao visto sob seu aspecto ativo e nos seres

    humanos criativo. Goethe dizia que aquele que sabe guardar, proteger e

    conservar ter sempre, no fim, a melhor parte. (Goethe , alis, um dos grandes

    pensadores do conservadorismo, to grande quanto Burke. Shakespeare outro,como tambm Dante, Balzac e Dostoievski.)

    Veja um exemplo: quando voc aprende uma lngua, o que mais importante,

    adquirir novas palavras ou conservar as velhas na memria? As novas s fazem

    sentido em funo das velhas, mas estas so teis em si mesmas, ainda que voc

    no lhes acrescente mais nenhuma. Todo desenvolvimento deve buscar em

    primeiro lugar a conservao dos bens adquiridos, e s em segundo lugar a

    conquista de novos bens. Jean Fourasti observava que, se ao lado da histria

    dos progressos do conhecimento fizssemos tambm a histria da ignorncia, o

    recenseamento e reconquista dos conhecimentos perdidos, o progresso seria

    muito maior.

    Para aumentar o patrimnio preciso antes possu-lo e conserv-lo. Antes de

    poder comear a desenvolver-se por sua prpria iniciativa, uma criana tem de

    ser cuidada, protegida, conservada por vrios anos. Assim tambm a sociedade.

    A riqueza e a cultura perdem-se com uma facilidade impressionante, e as perdas

    maiores ocorrem sobretudo quando das mutaes revolucionrias. No coincidncia que nenhum regime tenha conseguido matar de fome tanta gente

    e com tanta velocidade quanto os regimes revolucionrios que alegam

    acabar com a fome. Para acabar com a fome, a condio nmero um no fazer

    uma revoluo, no destruir bens, no criar a desordem geral por meio da

    implantao forada de uma nova ordem mesmo que essa nova ordem seja

    nominalmente inspirada em valores tradicionais e conservadores. Por isso que

    regimes como o fascismo ou o radicalismo islmico no so de maneira

    nenhuma conservadores e sim revolucionrios. Eles alegam valores

  • 7/30/2019 Olavo De Carvalho-Ser Conservador No Ser Jamais O Portador De Um Futuro Radiante

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    aparentemente conservadores, mas buscam implant-los por meio da mutao

    revolucionria que acaba por destruir esses valores.

    O perdo, a tolerncia, a pacincia, a sabedoria e, sobretudo, o respeito pela

    fragilidade humana, tais so as virtudes em que se baseia o conservadorismo.

    Lembro voc ter escrito que, ao dialogar com alguns liberais, ao final

    da conversa constata que o sujeito conservador com idias liberais.

    Por qu isso acontece?

    Isso nasce de um vcio de linguagem. Como a mdia brasileira chama de

    "conservadores" os grupos de interesses sem nenhuma ideologia prpria, o que

    totalmente errado, a direita corrigiu um erro com outro erro, dizendo-se

    "liberal" em vez de conservadora. Da minha parte, uso sempre o termo

    liberalismo no seu sentido histrico de um captulo do movimento

    revolucionrio.

    s vezes, quando critico o liberalismo nesse sentido, alguns conservadoresbrasileiros acham que estou falando mal deles. O liberalismo, no sentido em queuso o termo, acredita que a liberdade um princpio fundante da poltica, mas aliberdade apenas uma regra formal, que, elevada condio de princpio,resulta no esvaziamento relativista de todos os valores, fomentando a mutaorevolucionria e a extino da prpria liberdade. A diferena entre princpio

    substantivo e regra formal que o primeiro pode ter sua aplicao estendidaindefinidamente sem levar a contradies, ao passo que a regra formal, seaplicada alm de um certo limite, acaba por se negar a si mesma. A liberdade uma regra formal porque ela sempre necessita de outras que a definam e nofunciona fora delas. Os liberais no sentido em que uso o termo noentendem isso.

    http://www.olavodecarvalho.org/textos/0801entrevista.html

    http://www.olavodecarvalho.org/textos/0801entrevista.htmlhttp://www.olavodecarvalho.org/textos/0801entrevista.htmlhttp://www.olavodecarvalho.org/textos/0801entrevista.html