olavo de carvalho-ser conservador É não ser jamais o portador de um futuro radiante
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7/30/2019 Olavo De Carvalho-Ser Conservador No Ser Jamais O Portador De Um Futuro Radiante
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"Ser conservador no ser jamais o portadorde um futuro radiante"
Bruno Garschagen entrevista Olavo de Carvalho
Bruno Garschagen, janeiro de 2008
Em 2007, quando comecei a colaborar com a revista Atlntico, de Lisboa, fiz
uma lista de pessoas do Brasil que eu gostaria de apresentar aos portugueses
leitores da revista. Era uma forma de restabelecer uma aproximao cultural
entre os dois pases que no se limitasse esfera diplomtica e governamental.
O primeiro entrevistado foiDiogo Mainardi. O segundo,Reinaldo Azevedo. O
terceiro, Olavo de Carvalho, cuja conversa, feita por e-mail, reproduzo hoje
integralmente. Por questes de espao, a revista publicou uma parte pequena,
embora substancial, da entrevista (o quarto entrevistado foiNelson Ascher).
Antes, porm, algumas consideraes.
Considero Olavo um dos grandes responsveis por reabrir na imprensa e navida intelectual um espao de debate que no Brasil j era tido como morto,
enterrado, goodbye, so long, farewell. Foi nos anos de 1990 que o filsofo
brasileiro inaugurou uma nova fase na filosofia e na discusso poltico-cultural
em Terras de Vera Cruz.
Sua faceta notavelmente provocadora apenas uma das pontas de um trabalho
criativo de pesquisa e reflexo que no vejo similar no mbito do debate pblico.
Ao lanar obras filosficas da envergadura deAristteles em nova
perspectiva e O Jardim das Aflies.De Epicuro Ressurreio de Csar, entreoutras, imprimiu no pensamento filosfico brasileiro um rumo completamente
diverso da dominao doutrinria impingida pelos autoproclamados filsofos
que eram (e so), apenas, professores universitrios ligados esquerda, de
forma consciente ou no. No Brasil, a revoluo gramsciana foi to bem
executada na educao, artes e meios de comunicao que a maior parte da
populao assimilou o esprito degenerado do esquerdismo sem sequer saber
que fora estrategicamente convertida em inocente til da causa.
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Mediante aulas, cursos e divulgao de idias pelos jornais, revistas, site e
talkradio (www.olavodecarvalho.org), Olavo segue com seu trabalho abnegado
de construir um pensamento original e tentar formar uma elite intelectual. Uma
rpida googlada d uma idia, embora plida, do efeito explosivo que esse
trabalho vem provocando desde a dcada de 1990. Aos 60 anos, o filsofo moracom a famlia desde 2005 em Richmond, Estados Unidos, onde desenvolve seus
estudos, principalmente, sobre a mente revolucionria e a paralaxe cognitiva, e
trabalha como colunista do Dirio do Commrcio (SP) e Jornal do Brasil.
Olavo aceitou gentilmente responder algumas perguntas para arevista Atlntico,
respostas essas que divido com vocs, no sem antes fazer um agradecimento
especial Roxane Andrade, mulher do filsofo, pessoa extraordinria e gentil
que tenho a honra de ter como amiga. entrevista:
O que e h quanto tempo, Olavo, voc desenvolve os estudos sobre
a mentalidade revolucionria?
uma longa histria. Esse estudo surgiu da confluncia mais ou menos
acidental de duas investigaes independentes que eu vinha desenvolvendo
desde os anos 80. A primeira diz respeito s definies de direita e esquerda.
Por um lado, havia uma tendncia, na mdia e nos debates pblicos em geral, de
minimizar ou at negar explicitamente a diferena entre direita e esquerda. Essa
tendncia tornou-se ainda mais forte depois da queda da URSS. Por outro lado,
a esquerda assumia cada vez mais orgulhosamente sua identidade de esquerda,
ao mesmo tempo em que a sua influncia poltica se tornava cada vez mais
dominante. A direita, por seu lado, se encolhia numa timidez abjeta, negando
sua prpria existncia, escondendo-se sob o rtulo de "centro" e copiando cada
vez mais o vocabulrio e a forma mentis da esquerda. Era claro que a havia um
problema, principalmente porque os mais obstinados negadores da diferena
entre esquerda e direita eram provenientes da direita. O problema colocava-se
portanto em dois nveis. Primeiro, o empenho de dissolver as diferenas entredois discursos ideolgicos no impedia que pelo menos uma das foras polticas
correspondentes continuasse existindo historicamente como fora atuante e
perfeitamente identificvel. Segundo: se a negao da diferena tencionava
esvaziar a esquerda, diluindo a fora atrativa do comunismo num vago e
inofensivo "progressismo", foi a prpria direita que por meio desse artifcio
acabou se tornando vaga e inofensiva. Se era assim, era claro que havia um
desnvel entre a discusso pblica e as foras polticas reais por baixo dela. A
pergunta que surgia era: Em que consistem a direita e a esquerda como forashistricas objetivas, para alm de seus respectivos discursos de autodefinio
http://www.olavodecarvalho.org/http://www.olavodecarvalho.org/http://www.olavodecarvalho.org/http://www.atlantico-online.net/blogue/2008/02/19/a-pedido-de-varias-familias-entrevista-a-olavo-de-carvalho/#more-5628http://www.atlantico-online.net/blogue/2008/02/19/a-pedido-de-varias-familias-entrevista-a-olavo-de-carvalho/#more-5628http://www.atlantico-online.net/blogue/2008/02/19/a-pedido-de-varias-familias-entrevista-a-olavo-de-carvalho/#more-5628http://www.atlantico-online.net/blogue/2008/02/19/a-pedido-de-varias-familias-entrevista-a-olavo-de-carvalho/#more-5628http://www.olavodecarvalho.org/ -
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ideolgica? Logo tornou-se claro que era impossvel definir direita e esquerda
em funo de seus objetivos proclamados, que no s eram mutveis, mas
intercambiveis.
E o que fez para avanar na investigao?A idia que me ocorreu ento foi atacar o problema num nvel mais profundo,
buscando diferenas estruturais de percepo da realidade, das quais os
sucessivos discursos historicamente registrados como de direita e esquerda
pudessem se desenvolver com toda a sua variedade interna alucinante, sem
prejuzo das estruturas bsicas. Se eu conseguisse descobrir essas duas
estruturas permanentes, a direita e a esquerda estariam delineadas por
diferenas objetivas para muito alm do horizonte de conscincia dos indivduos
e organizaes que personificavam essas correntes. Descobri vrias dessasdiferenas. A principal a diferena na percepo do tempo histrico. A
esquerda toda a esquerda, sem exceo enxerga o tempo histrico s
avessas: supe um futuro hipottico e o toma como premissa fundante da
compreenso do passado. Em seguida, usa essa inverso como princpio
legitimador das suas aes no presente. Como o futuro hipottico permanece
sempre futuro, e por isso mesmo sempre hipottico, toda certeza alegada pelo
movimento esquerdista num dado momento pode ser mudada ou invertida no
momento seguinte, sem prejuzo, seja da continuidade do movimento, seja do
sentimento de coerncia por baixo das mais alucinantes incoerncias.
Somando a isso a descoberta de Jules Monnerot de que a cada gerao a
esquerda quem aponta e delimita a direita, nomeando como tal aqueles que lhe
resistem, a direita aparecia portanto como o conjunto daqueles que, por mil
motivos variados, resistem inverso da razo histrica. Podem faz-lo, por
exemplo, por ser cristos e acreditar que o "fim da histria" uma passagem
para a eternidade e no um captulo da histria profana. Mas podem faz-lo
tambm por ser ateus de mentalidade cientfica que preferem moldar ashipteses segundo os fatos e no alterar os fatos conforme as hipteses. A
segunda investigao foi da "paralaxe cognitiva".
O que a paralaxe cognitiva?
Assim denomino o deslocamento, s vezes radical, entre o eixo da construo
terica de um pensador e o eixo da sua experincia humana real, tal como ele
mesmo a relata ou tal como a conhecemos por outras fontes fidedignas. Raro e
excepcional na antigidade e na Idade Mdia, esse deslocamento comea a
aparecer com freqncia cada vez mais notvel a partir do sculo XVI, dando a
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algumas das filosofias modernas a aparncia cmica de gesticulaes
sonamblicas totalmente alheias ao ambiente real em que se desenvolvem. Um
exemplo claro a teoria de Kant sobre a incognoscibilidade da "coisa em si". Se
no conhecemos a substncia das coisas materiais, mas somente a sua aparncia
fenomnica, que esperana podemos ter de atingir um dia, a partir de indciosmateriais, isto , letras impressas numa folha de papel, a substncia da filosofia
de Immanuel Kant? Certamente o filsofo de Koenigsberg no se contentaria se
apreendssemos somente a aparncia fenomnica da sua filosofia, a qual
filosofia, nesse sentido, radicalmente incompatvel com o ato de escrever livros
e olhem que Kant os escreveu em profuso. Por mais coerente que seja
consigo mesma, a filosofia de Kant incoerente com a sua prpria existncia de
obra publicada.
Outro exemplo: Karl Marx diz que s o proletariado pode apreender o
movimento real da histria, porque as classes que o precedem vivem
aprisionadas na fantasia subjetiva das suas respectivas ideologias de classe.
Mas, se assim, por que o primeiro a perceber isso e a apreender o movimento
alegadamente real da histria foi o prprio Karl Marx, que no era proletrio,
no tinha nenhuma experincia da vida proletria e at a idade madura s
conhecia os proletrios por meio de leituras? Ou a ideologia de classe inerente
posio social real do sujeito, ou de livre escolha independentemente da
posio social, mas neste ltimo caso no ideologia de classe de maneira
alguma e sim apenas ideologia pessoal projetada ex post facto sobre uma classe,
tambm de livre escolha. Os exemplos desse tipo so tantos que no espero
jamais poder chegar a recensear seno uma amostragem nfima deles.
Inevitavelmente, a semelhana estrutural entre a paralaxe cognitiva e a inverso
do tempo tinha de se tornar clara um dia, por mais lerda que fosse a minha
cabea.
Como conseguiu?Substitu, no meu estudo, os termos "esquerda" e "direita" pelos de "revoluo"
e "reao". Da para diante, foi ficando cada vez mais evidente para mim a
unidade histrica do movimento revolucionrio desde as rebelies messinicas
estudadas por Norman Cohn em The Pursuit of the Millennium at o Frum
Social Mundial. E a foi que se tornou tambm claro, mesmo para o meu crebro
cansado e obscurecido, o centro da confuso entre os termos direita e esquerda
porque muitos movimentos tidos popularmente como "de direita" operavam,
de fato, na clave revolucionria e no reacionria. De uma maneira ou de outra,esses movimentos acabavam jogando lenha na fogueira da revoluo, e
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trabalhando, portanto, contra seus prprios ideais declarados. Captar e
descrever a unidade do movimento revolucionrio desenhar claramente,
perante os olhos dos homens "de direita", a verdadeira natureza do seu inimigo
permanente. desfazer uma infinidade de confuses catastrficas, que
determinaram, ao longo do tempo, outras tantas polticas suicidas. Se euconseguir lanar nesse matagal toda a claridade que pretendo, creio que terei
feito alguma coisa de til, pelo menos para dar a Nosso Senhor Jesus Cristo um
pretexto que ele possa alegar em minha defesa no Juzo Final.
A partir de qual momento e o que o levou a desenvolver o estudo da
paralaxe cognitiva?
outra histria comprida, que vou abreviar dizendo que foi sobretudo uma
motivao de ordem moral. Erneste Renan dizia que no conseguia pensar seno tivesse a garantia de que suas idias no teriam a menor conseqncia no
mundo real. Essa atitude sempre me inspirou horror. A cada frase que eu dizia
em aula, sempre me ocorriam as perguntas: At que ponto eu acredito mesmo
nisso? E que direito tenho eu de persuadir os outros de alguma coisa em que eu
mesmo no sei se acredito ou no? No sei quando me ocorreu a idia de fazer
essas perguntas no s a mim mesmo, mas aos filsofos que eu lia. Ren
Descartes, por exemplo, jura que a seqncia das suas "Meditaes de Filosofia
Primeira" no um mero raciocnio, mas o relato de uma experincia real.
Examinando essa experincia, notei que ela era psicologicamente impossvel,
exceto como deduo hipottica. Ou seja: Descartes tomava como sua histria
interior real o que era apenas uma construo lgica, confundindo o seu eu
pessoal histrico com o eu filosfico abstrato. Isso tinha a estrutura exata de um
fingimento histrico ou, se levado s ltimas conseqncias, de um delrio
esquizofrnico. Creio ter demonstrado isso em duas apostilas que vocs podem
ler no meu website. No estranho nesse sentido que, ao expor suas teorias
sobre a estrutura do mundo fsico, isto , sobre aquilo que pode haver de menos
subjetivo, sobretudo no prprio sentido cartesiano da res extensa, ele tenhaescolhido faz-lo sob a forma de uma obra de fico, o "Tratado do Mundo". E
isso justamente numa poca em que o teatro como metfora da realidade
universal se tornava moda literria na Europa. A fsica de Descartes, afinal, era
um conjunto de afirmaes sobre a realidade objetiva, ou uma fantasia teatral?
Descartes no o sabia, e eu muito menos.
medida que fui descobrindo novos e novos exemplos desse fenmeno, acabei
concluindo que quase toda a filosofia moderna se omitia de uma tomada deposio responsvel que permitisse saber at que ponto seus criadores a
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levavam a srio como cincia objetiva ou apenas se deleitavam nela como num
espetculo de teatro. Quando chegamos a Nietzsche, a impossibilidade de
decidir por uma coisa ou outra se torna total e invencvel. Jamais saberemos "o
que Nietzsche quis dizer precisamente", pois toda sua obra um convite
indistino entre fantasia e realidade.
J o mesmo no se pode dizer da filosofia de um Leibniz, de um Schelling (na
velhice ao menos), de um Husserl ou de um Eric Voegelin. Esses esto tentando
falar mortalmente a srio, mesmo quando erram. A explorao dessa diferena
que resultou na tese da paralaxe cognitiva.
De que modo age social e politicamente o portador da mente
revolucionria e de que forma possvel combat-la?
A mentalidade revolucionria no s inverso do tempo: inverso das
relaes lgicas de sujeito e objeto, dos nexos de causa e efeito, da relao entre
criminoso e vtima, etc. Uma boa parte do meu estudo dedicado ao
recenseamento dessas inverses, psicticas no sentido clnico mais estrito do
termo. Elas so a essncia do movimento revolucionrio, mas essa essncia
pode se manifestar sob uma impressionante variedade de formas. por isso que
o movimento revolucionrio no pode ser definido nem pelo contedo concreto
dos seus objetivos declarados a cada momento, nem pelo discurso ideolgico
com que os legitima. preciso sempre buscar, sob a variedade dessas
aparncias, a resposta pergunta: Tal ou qual movimento poltico ou cultural,
nas circunstncias precisas em que atua, impe ou no impe a seus militantes e
simpatizantes aquele pacote de percepes invertidas? Se a resposta "sim",
ento torna-se claro que se trata de um movimento inserido na corrente
revolucionria. Se ele tem mais conscincia ou menos conscincia disso,
perfeitamente irrelevante para os resultados histricos objetivos que ele vai
desencadear necessariamente por meio da inverso da conscincia de
populaes inteiras.
Se o oposto de revoluo "reao" ou "conservadorismo", um reacionarismo
ou conservadorismo consciente no atacar o movimento revolucionrio apenas
na superfcie dos seus ideais proclamados ou da sua conduta poltica ostensiva,
mas na base mesma, que a inverso revolucionria da conscincia e das
conscincias. Como todo movimento revolucionrio se arroga o papel de
representante do futuro, ele s responde perante o tribunal do futuro, mas como
esse futuro, por definio, mvel, o seu autonomeado representante no
presente no tem jamais de responder perante ningum. A mentalidade
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revolucionria , na base, a reivindicao de uma autoridade ilimitada, de um
poder divino. As pretenses explcitas de tal ou qual lder revolucionrio podem
at parecer modestas e sensatas na formulao verbal que ele lhes d no
momento, mas no fundo delas est sempre essa reivindicao, essa exigncia
implcita. Os movimentos revolucionrios no criaram as grandes ditadurasgenocidas do sculo XX por um desvio dos seus belos ideais ou por um acidente
histrico qualquer. Eles as criaram por necessidade intrnseca da prpria
dialtica revolucionria, que sempre terminar em totalitarismo sangrento, seja
por um caminho, seja por outro caminho aparentemente inverso.
nesse ponto, precisamente, que a mentalidade revolucionria tem de ser
atacada de maneira implacvel e incansvel: ela demncia megalmana na sua
essncia mesma. Ela nunca pode produzir nada de bom. Ela a mentiraexistencial mais vasta e profunda que j infectou a alma humana desde o incio
dos tempos. Ela crime e maldade desde a sua raiz mesma e essa raiz que
tem de ser cortada, no as ramificaes mais aparentes apenas.
A boa notcia que o movimento revolucionrio no uma constante na histria
humana. Ele apareceu numa dada civilizao e num dado momento do tempo.
Ele teve um comeo e ter um fim. Apressar esse fim o dever de todos os
homens de bem.
Qual o reflexo do desenvolvimento da mentalidade revolucionria
sem uma devida reao?
O principal e mais desastroso reflexo que o prprio impulso conservador, um
dos mais bsicos e mais saudveis da humanidade, acaba por no ter meios
prprios de expresso e por copiar as estratgias e tticas revolucionrias,
infectando-se da mentalidade que desejaria combater. S para dar um exemplo,
quando voc rejeita alguma proposta revolucionria, logo lhe perguntam: "Mas
o que voc prope em lugar disso?" A o conservador comea a inventarhipotticas solues conservadoras para todos os problemas humanos, e perde a
autoridade da prudncia, passando a discursar na clave psictica das "propostas
de sociedade". Ser conservador no ter nenhuma proposta de sociedade,
aceitar que a prpria sociedade presente v encontrando pouco a pouco a
soluo para cada um dos seus males sem jamais perder de vista o fato de que,
para cada novo mal que seja vencido, novos males aparecero. Ser conservador
no ser jamais o portador de um futuro radiante, ser o porta-voz da
prudncia e da sabedoria. Ser um conservador saber que os limites da
capacidade humana no desaparecero s porque Lnin mandou ou porque
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Trotski disse que no socialismo cada varredor de rua ser um novo Leonardo da
Vinci.
Seus estudos mostram como operou a mentalidade revolucionria
em Portugal?Para responder a essa pergunta seria preciso sondar mais cuidadosamente o
antigo regime. O salazarismo foi uma estranha mistura de conservadorismo
cristo com elementos extrados do fascismo, o qual sem a menor sombra de
dvida uma ideologia revolucionria. A caracterstica das ideologias
revolucionrias ter um "projeto de sociedade", em vez de respeitar a sociedade
existente e tentar aperfeio-la na medida modesta das possibilidades humanas
e com a cautela que a prudncia recomenda.
Qualquer nao que tenha se infectado profundamente da mentalidade
revolucionria e tenha dado aos seus valores conservadores uma formulao
poltica revolucionria corre o risco de estar sempre merc de novos projetos
revolucionrios, pelo simples fato de que perdeu de vista a noo de "ordem
espontnea", que a essncia mesma da democracia e do conservadorismo. Que
ordem espontnea? o conjunto de solues aprendidas ao longo do tempo.
uma ordem espontnea porque no foi imposta por ningum. ordem porque
tem um senso arraigado da prpria integridade e rejeita instintivamente toda
mudana radical. Mas tambm aprendizado, isto , absoro criativa das
situaes novas por um conjunto que permanece conscientemente idntico a si
mesmo ao longo dos tempos por meio de smbolos tradicionais constantemente
readaptados para abranger novos significados.
Examinem bem e vero que ordem democrtica precisamente isso e nada
mais. Se, ao contrrio, um grupo imbudo do amor a valores tradicionais tenta
deter a mudana, ele est introduzindo na ordem espontnea uma mudana to
radical quanto o grupo revolucionrio que deseja virar tudo de pernas para o ar,pois o que esse alegado conservadorismo deseja imortalizar no ar um
momento esttico de perfeio hipottica. Se esse momento, na imaginao
dele, expressa os valores do passado, isso no vem ao caso, porque na prtica
poltica esse ideal ser um "projeto de futuro" tanto quanto o ideal
revolucionrio. Uma sociedade s embarca no projeto revolucionrio quando
perdeu todo o respeito por si mesma. Um respeito que, entre outras coisas,
implica o amor aos valores do passado como instrumentos de compreenso e
ao no presente, no como smbolos estereotipados de uma perfeio ideal no
cu das utopias.
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E onde entra o salazarismo nesse histria?
No tenho a menor dvida de que Antonio de Oliveira Salazar foi um homem
honesto e um grande administrador. Mas o salazarismo foi infectado da mesma
ambio de controle burocrtico total que caracterstica do movimento
revolucionrio. Quatro dcadas desse regime, e Portugal no tinha maisconservadores genunos em nmero suficiente. Os poucos que havia fizeram um
esforo herico para dar nao a verdadeira estabilidade democrtica, mas a
nsia das solues totais estava, por assim dizer, no ar e, dissolvido o
salazarismo, s quem podia tirar proveito dela era a esquerda.
No desejo dar palpites na poltica interna de um pas que da minha parte s
merece aquele amor cheio de reverncia que a gente tem por um av navegante
e guerreiro. No levem a mal essa minha anlise, que s um esboo sempretenses. Espero um dia poder estudar mais profundamente a histria de
Portugal e tirar um pouco das minhas dvidas.
H alguma particularidade sobre o que houve aqui?
H algo de trgico na histria de Portugal, pois os filsofos escolsticos
portugueses foram os primeiros a compreender a verdadeira natureza do
capitalismo, sculos antes de Adam Smith, mas, quando se inaugurou a
temporada de caa aos escolsticos, com o iluminismo, ela no trouxe consigo a
modernizao capitalista, e sim um burocratismo centralizador sufocante. Por
uma triste ironia, os adversrios do centralismo pombalino eram os jesutas,
eles tambm revolucionrios, que sonhavam com uma repblica socialista de
ndios na Amrica do Sul. Posso estar enganado, mas o drama de Portugal o
mesmo de "A Montanha Mgica" de Thomas Mann: um jovem bom e promissor
aprisionado entre dois falsos gurus: um iluminista autoritrio com discurso
modernizador e um jesuta comunista.
E no Brasil?O que em Portugal foi tragdia, no Brasil uma palhaada sangrenta. Se os
portugueses tm uma conscincia aguda da sua prpria histria e
constantemente se interrogam sobre o seu passado, os brasileiros no
conseguem se lembrar nem do que aconteceu quinze dias atrs, e no aprendem
nada, absolutamente nada, com a experincia histrica. Mesmo porque no
querem saber dela. Se no querem saber nem do presente, como vo entender o
passado? O exemplo mais deprimente do desprezo brasileiro pelo conhecimento
e no digo do conhecimento superior, mas do simples conhecimento dos fatos
da atualidade foi a obstinada recusa geral de tomar cincia de um fenmeno
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chamado "Foro de So Paulo". Coordenao estratgica do movimento
comunista no continente, reunindo em seu seio partidos legais em p de
igualdade com organizaes de terroristas e narcotraficantes, o Foro a mais
poderosa organizao poltica que j existiu na Amrica Latina. Tudo o que
todos os partidos de esquerda, armados e desarmados, fizeram ao longo dosltimos dezessete anos foi ali tramado e decidido. E durante esses dezessete
anos toda a mdia brasileira, todo o establishment acadmico, toda a classe
poltica, todo o empresariado, todos os formadores de opinio se recusaram
obstinadamente a ouvir falar do assunto. um fenmeno indito, nico na
histria da estupidez universal. claro que uma opinio pblica formada sob a
influncia dessa casta de jumentos no pode ter nenhuma viso da realidade.
Vive de sonhos, de desconversas, de tagarelice oca e disperso de suas melhores
energias em esforos vos para resolver problemas no raro inexistentes,enquanto sua volta o caos e a violncia vo tomando conta de tudo e ningum
sequer se d conta de que, atravs do Foro de So Paulo, os narcotraficantes e
terroristas j esto no poder. A proposta revolucionria , para o brasileiro de
hoje em dia, o substitutivo completo e satisfatrio da realidade. Nas ltimas
dcadas, medida mesma que aquela entidade invisvel dominava o continente
inteiro com seu segredo de Polichinelo, a cultura superior era totalmente
destruda no Brasil, nossas crianas tiravam sempre os ltimos lugares nos
testes internacionais e a violncia crescia at chegar aos cinqenta milhomicdios por ano mais ou menos duas guerras do Iraque. J tive muita pena
dos meus conterrneos, agora no tenho mais. Eles fizeram uma opo
preferencial pela ignorncia. Seu sofrimento no injusto.
Voc tem sido um crtico do liberalismo e, concomitantemente, um
defensor do conservadorismo. Esse conservadorismo que voc
defende herana do moderno modelo ingls inaugurado por
Edmund Burke?
Eu no diria s ingls, mas anglo-americano. A Inglaterra e os EUA foram ospases do Ocidente que mais profundamente se impregnaram do sentimento de
respeito pelas tradies, o qual no fim das contas respeito pelo povo.
verdade que mesmo nesses dois pases os planejadores alucinados de sociedades
perfeitas esto tentando, e com freqncia conseguindo, destruir esse
sentimento. No sei em que medida os ingleses percebem o mal revolucionrio
que os vem acometendo nos ltimos anos, mas os americanos esto
acordadssimos. Ainda que sem uma clareza suficiente quanto unidade
histrica do movimento revolucionrio, os conservadores americanos sabemmais ou menos onde est o mal. E, o que melhor ainda, pouqussimos dentre
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eles se deixam levar pela tentao do que poderamos chamar de
"conservadorismo revolucionrio". Eles nunca leram o brasileiro Jackson de
Figueiredo, mas se o lessem endossariam com entusiasmo esta frmula dele: "O
de que precisamos no uma contra-revoluo. o contrrio de uma
revoluo".
Quais as principais virtudes do conservadorismo?
A autoconservao a necessidade bsica dos seres vivos. A prpria capacidade
de crescimento, desenvolvimento e adaptao a novas circunstncias no
seno o instinto de autoconservao visto sob seu aspecto ativo e nos seres
humanos criativo. Goethe dizia que aquele que sabe guardar, proteger e
conservar ter sempre, no fim, a melhor parte. (Goethe , alis, um dos grandes
pensadores do conservadorismo, to grande quanto Burke. Shakespeare outro,como tambm Dante, Balzac e Dostoievski.)
Veja um exemplo: quando voc aprende uma lngua, o que mais importante,
adquirir novas palavras ou conservar as velhas na memria? As novas s fazem
sentido em funo das velhas, mas estas so teis em si mesmas, ainda que voc
no lhes acrescente mais nenhuma. Todo desenvolvimento deve buscar em
primeiro lugar a conservao dos bens adquiridos, e s em segundo lugar a
conquista de novos bens. Jean Fourasti observava que, se ao lado da histria
dos progressos do conhecimento fizssemos tambm a histria da ignorncia, o
recenseamento e reconquista dos conhecimentos perdidos, o progresso seria
muito maior.
Para aumentar o patrimnio preciso antes possu-lo e conserv-lo. Antes de
poder comear a desenvolver-se por sua prpria iniciativa, uma criana tem de
ser cuidada, protegida, conservada por vrios anos. Assim tambm a sociedade.
A riqueza e a cultura perdem-se com uma facilidade impressionante, e as perdas
maiores ocorrem sobretudo quando das mutaes revolucionrias. No coincidncia que nenhum regime tenha conseguido matar de fome tanta gente
e com tanta velocidade quanto os regimes revolucionrios que alegam
acabar com a fome. Para acabar com a fome, a condio nmero um no fazer
uma revoluo, no destruir bens, no criar a desordem geral por meio da
implantao forada de uma nova ordem mesmo que essa nova ordem seja
nominalmente inspirada em valores tradicionais e conservadores. Por isso que
regimes como o fascismo ou o radicalismo islmico no so de maneira
nenhuma conservadores e sim revolucionrios. Eles alegam valores
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7/30/2019 Olavo De Carvalho-Ser Conservador No Ser Jamais O Portador De Um Futuro Radiante
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aparentemente conservadores, mas buscam implant-los por meio da mutao
revolucionria que acaba por destruir esses valores.
O perdo, a tolerncia, a pacincia, a sabedoria e, sobretudo, o respeito pela
fragilidade humana, tais so as virtudes em que se baseia o conservadorismo.
Lembro voc ter escrito que, ao dialogar com alguns liberais, ao final
da conversa constata que o sujeito conservador com idias liberais.
Por qu isso acontece?
Isso nasce de um vcio de linguagem. Como a mdia brasileira chama de
"conservadores" os grupos de interesses sem nenhuma ideologia prpria, o que
totalmente errado, a direita corrigiu um erro com outro erro, dizendo-se
"liberal" em vez de conservadora. Da minha parte, uso sempre o termo
liberalismo no seu sentido histrico de um captulo do movimento
revolucionrio.
s vezes, quando critico o liberalismo nesse sentido, alguns conservadoresbrasileiros acham que estou falando mal deles. O liberalismo, no sentido em queuso o termo, acredita que a liberdade um princpio fundante da poltica, mas aliberdade apenas uma regra formal, que, elevada condio de princpio,resulta no esvaziamento relativista de todos os valores, fomentando a mutaorevolucionria e a extino da prpria liberdade. A diferena entre princpio
substantivo e regra formal que o primeiro pode ter sua aplicao estendidaindefinidamente sem levar a contradies, ao passo que a regra formal, seaplicada alm de um certo limite, acaba por se negar a si mesma. A liberdade uma regra formal porque ela sempre necessita de outras que a definam e nofunciona fora delas. Os liberais no sentido em que uso o termo noentendem isso.
http://www.olavodecarvalho.org/textos/0801entrevista.html
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