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http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014. ISBN: 978-85-7506-232-6 O USO DESIGUAL DO TERRITÓRIO POTIGUAR PELOS CIRCUITOS PRODUTIVOS DA INDÚSTRIA TÊXTIL E DE CONFECÇÕES Matheus Augusto Avelino Tavares Professor do IFRN – Campus de João Câmara Doutorando em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo (USP) Bolsista Capes [email protected] INTRODUÇÃO No período atual a constituição de muitas regiões é, cada vez mais, presidida por processos que tem suas origens em espaços distantes, trata-se de um acontecer hierárquico que ao mesmo tempo em que impõem novos arranjos regionais não pode fazer tábula rasa das marcas geográficas já fixadas nos territórios. Silveira (2010, p. 75) aponta que no período da globalização “ocorrem bruscas mudanças de funções no território que significam, ao mesmo tempo, transformações regionais”, de modo que não podemos mais analisar a região como na tradição francesa conforme aponta Milton Santos 1 (1978; 1988; 1996; 2003). Também acreditamos que não se trata de opor os dados genuinamente regionais aos da globalização, como se eles formassem realidades segmentadas e disjuntivas, ou seja, isto não quer dizer que as regiões sejam tributárias de processos horizontais de um lado ou de verticais do outro. O que constatamos é que a região se reveste de novos atributos constitutivos, sendo compreendida como a síntese contraditória de múltiplas determinações na qual atua o acontecer solidário que lhe dá forma e a 1 Em várias de suas obras Milton Santos aponta para a impossibilidade de compreendermos as regiões, no período atual, de acordo com os ensinamentos da Geografia Francesa mais especificamente com os apontamentos de Vidal de La Blache. Para Milton Santos (1978; 1986; 1996; 2003) a região não pode ser mais entendida como um subespaço coerente resultado de um longo processo histórico e produto das relações estabelecidas pelos grupos humanos locais com o meio geográfico. Essa idéia está completamente suplantada, pois com a modernização dos transportes, dos meios de comunicação e, sobretudo, com a internacionalização da economia, a essência da região mudou e isto significando dizer que ela é, cada vez mais, definida por ações longínquas que nem sempre dizem respeito aos interesses das comunidades locais (SANTOS, 1978). 4205

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O USO DESIGUAL DO TERRITÓRIO POTIGUARPELOS CIRCUITOS PRODUTIVOS DA INDÚSTRIA

TÊXTIL E DE CONFECÇÕES

Matheus Augusto Avelino Tavares

Professor do IFRN – Campus de João Câmara

Doutorando em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo (USP)

Bolsista Capes

[email protected]

INTRODUÇÃO

No período atual a constituição de muitas regiões é, cada vez mais, presidida por

processos que tem suas origens em espaços distantes, trata-se de um acontecer hierárquico

que ao mesmo tempo em que impõem novos arranjos regionais não pode fazer tábula rasa

das marcas geográficas já fixadas nos territórios. Silveira (2010, p. 75) aponta que no

período da globalização “ocorrem bruscas mudanças de funções no território que

significam, ao mesmo tempo, transformações regionais”, de modo que não podemos mais

analisar a região como na tradição francesa conforme aponta Milton Santos1 (1978; 1988;

1996; 2003).

Também acreditamos que não se trata de opor os dados genuinamente

regionais aos da globalização, como se eles formassem realidades segmentadas e

disjuntivas, ou seja, isto não quer dizer que as regiões sejam tributárias de processos

horizontais de um lado ou de verticais do outro. O que constatamos é que a região se

reveste de novos atributos constitutivos, sendo compreendida como a síntese contraditória

de múltiplas determinações na qual atua o acontecer solidário que lhe dá forma e a

1 Em várias de suas obras Milton Santos aponta para a impossibilidade de compreendermos as regiões, no período atual, de acordo com os ensinamentos da Geografia Francesa mais especificamente com os apontamentos de Vidal de La Blache. Para Milton Santos (1978; 1986; 1996; 2003) a região não pode ser mais entendida como um subespaçocoerente resultado de um longo processo histórico e produto das relações estabelecidas pelos grupos humanos locais com o meio geográfico. Essa idéia está completamente suplantada, pois com a modernização dos transportes, dos meios de comunicação e, sobretudo, com a internacionalização da economia, a essência da região mudou e isto significando dizer que ela é, cada vez mais, definida por ações longínquas que nem sempre dizem respeito aos interesses das comunidades locais (SANTOS, 1978).

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estrutura através da organização de espaços ora mais tributários de processos horizontais,

ora de processos verticais.

A região e o processo de "regionalização como fato" (RIBEIRO, 2004) ora em

curso no território potiguar nos revela uma faceta própria do período da globalização que é

aquela relacionada ao aumento exponencial do número de variáveis chaves que configuram

os processos espaciais (SANTOS, 2003), de modo que ao mesmo tempo em que se evidencia

uma estruturação regional dependente de circuitos horizontais, se desnuda de forma

indissociável e imbricada outra diretamente serviente as ordens globais.

Nesse sentido, o presente trabalho busca analisar o uso desigual do território

pelo circuito espacial da produção da indústria têxtil e de confecções dando ênfase nas

desigualdades geradas por esse processo no período histórico atual denominado por Santos

de técnico-científico-informacional

CIRCUITOS ESPACIAIS PRODUTIVOS NO RIO GRANDE DO NORTE

A partir da década de 1970 a constituição das regiões no território potiguar

apresentou novos conteúdos, os quais se estabeleceram em função de uma divisão

territorial do trabalho (DTT) pautada em uma nova racionalidade. Surgindo como produto

dessa nova racionalidade, há o advento de novas formas de usos dos territórios pelos

circuitos espaciais produtivos que nesse momento incorporam outros subespaços como

potenciais para a extração de uma mais-valia que, conforme asseverou Santos (1996), já

começava a se revelar como uma mais-valia global. Podemos dizer que a partir desse

momento novas parcelas dos territórios são chamadas a darem respostas aos desígnios dos

grandes agentes da economia, sejam eles nacionais ou internacionais.

O uso do território que em tempos de uma "industrialização fordista"

(BREITBACH, 2003) era concebido de maneira muito concentrada em espaços restritos, a

partir desse momento, em que o imperativo da globalização econômica se evidencia com

maior intensidade (SANTOS, 2008), entrou em uma nova fase, na qual a sua localização não

mais se fundamenta somente em função desses preceitos.

É preciso acrescentar que esses eventos verticalmente constituídos, embora

sejam portadores de uma racionalidade hegemônica, pari passu, com os interesses das

grandes empresas também engendraram circuitos produtivos que são organizados

horizontalmente, o que revela o caráter híbrido e contraditório da estruturação regional no

período em questão.

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Tomando como exemplo a expansão do circuito espacial de produção da

indústria têxtil e de confecções no Rio Grande do Norte podemos aferir que sua expansão

possibilitou o surgimento de novas topologias espaciais que se desenvolveram de acordo

com os níveis de densidade técnica e científica presentes nas suas diversas regiões, de

maneira que temos pelo menos três formas de regionalização proporcionada por esse

circuito: uma se materializa na Região Metropolitana de Natal; uma segunda na Região

Seridó; e, por fim, uma terceira que ocorre de forma mais dispersa em outros pontos do

território, dos quais Mossoró é o destaque (Mapa 1). Esse processo evidencia que, cada vez

mais, o uso do território é guiado por forças de concentração e forças de dispersão

(SANTOS; SILVEIRA, 2001) que atuam paralelamente, dado que, se, por um lado, temos uma

lógica territorial que proporciona a concentração do circuito na Região Metropolitana de

Natal e no Seridó; por outro, há também uma lógica territorial que conduz o circuito a se

expandir por outros subespaços, como ocorre na Região Oeste e em outras regiões do

território potiguar.

No caso da Região Metropolitana de Natal averiguo-se a expansão do circuito

espacial da indústria têxtil e de confecções por meio da constituição de espaços

verticalmente comandados que aparecem atrelados aos imperativos de uma indústria mais

tecnificada, dado sua maior necessidade de produção para atender a demandas de

mercados nacionais e mundiais.

Faz mister destacar que esse processo também esteve diretamente atrelado às

normas de promoção territorial (SILVEIRA, 1999) empreendidas por meio da política

desenvolvida pela Superintendência para Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE).

Inicialmente as duas principais normas desse sistema de ações foram a 34/18 e

posteriormente o FINOR. Tais normas passaram a proporcionar, por meio de incentivos

fiscais, por exemplo, a implantação de filiais de empresas sediadas no Centro-Sul, no

Nordeste (CLEMETINO, 1987). Além disso, a partir de meados da década de 1970, a

expansão do circuito espacial têxtil no Nordeste passa a fazer parte da política econômica

nacional através do II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PNAD).

Também é preciso destacar que os governos locais trataram de ampliar o leque

de vantagens oferecidas pela SUDENE para as empresas através da criação de programas de

governos que concediam mais incentivos a esses agentes. Aqui podemos identificar

claramente a constituição de uma solidariedade organizacional entre as ações da instância

federal com a estadual, na qual o resultado é a migração de empresas nacionais para o

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Nordeste. É nesse sentido que as considerações de Klein (1978) tornam-se pertinentes,

quando este afirma que é o Estado o agente social capaz de assegurar as transformações

nas cidades e regiões para que as mesmas possam satisfazer as necessidades de

acumulação do capital.

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Mapa 1. Industria têxtil e de confecções no Rio Grande do Norte.

Fonte: FIERN 2011. Elaboração Cartográfica: Diego Tenório / Organização dos dados: Matheus Augusto Avelino Tavares.

De acordo com Clementino (1987, p. 185), a partir desse momento o que se

verificou foi “uma verdadeira guerra na negociação com os grupos que se propunham a

instalar filiais têxteis no Nordeste”; o que temos, na realidade, é uma verdadeira guerra

entre os lugares (SANTOS; SILVEIRA, 2001), pois os mesmos para atraírem essas empresas,

além de concederem incentivos fiscais e políticos, passaram a equipar o território com

novas materialidades para que o mesmo garantisse uma boa fluidez.

No território potiguar a criação do Parque Têxtil Integrado e do Fundo para o

Desenvolvimento da Indústria Têxtil do Estado (FUNTÊXTIL), são exemplos dessa nova

racionalidade que então se revela. Esses eventos evidenciam a tese de Santos (2008) e

Silveira (1999), segundo a qual os objetos geográficos não funcionam de maneira isolada,

nem tão pouco as ações se dão a parte desses objetos, pois os mesmos formam um sistema

no qual o funcionamento de um depende do outro.

Diante dessas circunstâncias, já a partir de meados da década de 1970 o circuito

espacial de produção da indústria têxtil e de confecções apresentou um amplo crescimento

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no território potiguar, sobretudo porque se verificou vultosos investimentos realizados por

empresas nacionais que no âmbito da nova divisão territorial do trabalho compreendiam o

Nordeste e, particularmente, o Rio Grande do Norte, como locus perfeito para reprodução

do capital. A expansão desse circuito se revelou tanto por meio da captação de recurso

provenientes da SUDENE, pois até 1975 o estado somente ficava atrás de Pernambuco,

quanto por meio da tecnificação e do aumento estrondoso da capacidade de produção do

setor que, em pouco mais de 10 anos aumentou em mais de 2000% (CLEMENTINO, 1987).

Podemos dizer que a partir desse momento temos o aumento substancial do

capital fixo no território por intermédio desses investimentos que engendraram a

construção de novos espaços produtivos. Até meados dos anos 1970 a região de Natal

recebeu mais de 25 estabelecimentos de grande porte diretamente atrelados ao circuito

espacial de produção têxtil e de confecções. Tais empresas não eram apenas têxteis, mas de

outros ramos que se estabeleceram para atender a crescente demanda do circuito têxtil e

de confecções e que podemos chamar de circuitos espaciais complementares como, por

exemplo, o de botões, galões e fecho-eclair.

Radicaram-se nesse período no território potiguar um grupo de empresas

pertencentes à União de Empresas Brasileiras (UEB) composto pela Incarton, Sparta-

Nordeste e a Indústria Têxtil Seridó, além da Alpargatas Confecções do Nordeste vinda de

São Paulo (SANTOS, 2010). Acrescentasse a essas empresas provindas do Sudeste, o

fortalecimento de algumas grandes empresas locais que também se beneficiam dessas

normas. São elas: Confecções Reis Magos, T. Barreto Indústria e Comércio, Soriedem

Confecções Sucar, Dinan e a Confecções Guararapes (SOUZA, 1997; SANTOS, 2010).

A constituição desses novos espaços produtivos aumentou substancialmente a

intensidade dos fluxos materiais de mercadorias e insumos em geral e passaram a exigir a

agregação de mais capital fixo ao território na forma de infra-estruturas de movimento que

proporcionassem uma conexão mais eficiente entre as instâncias produtivas separadas pelo

acirramento da divisão territorial do trabalho. Não é mera coincidência que esse período

seja marcado pela produção ou melhoramento das infraestruturas no território potiguar

como as que ocorreram nas rodovias estaduais e federais que realizavam a ligação entre os

espaços produtivos no Rio Grande do Norte e os principais espaços de circulação e de

consumo da Região concentrada do Brasil.

No transcorrer dos anos 1980 e no inicio dos anos 1990 novas normas de

promoção territorial foram estabelecidas pelo estado através do Fundo de Desenvolvimento

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Comercial e Industrial do Rio Grande do Norte e do Distrito Industrial em Extremoz que

passou a concentrar várias empresas do circuito têxtil. No entanto, a partir de meados da

década de 1980 o circuito espacial têxtil entra em um processo de retraimento que culmina

em uma crise que atinge vários estabelecimentos no território potiguar. Dentre os fatores

que proporcionaram esse processo, temos a crise generalizada na produção algodoeira do

estado que tornou escassa a matéria prima barata que abastecia o circuito, de modo que

muitos produtores tiveram que passar a comprar em outras regiões para suprir sua

demanda.

Também é fundamental compreender que a expansão do circuito esteve

intrinsecamente ligada às normas de promoção territorial concedidas pelo Rio Grande do

Norte. Como muitos desses incentivos fiscais concedidos pelo estado esgotaram o seu

prazo, as empresas beneficiadas passaram a buscar novos lugares com condições iguais ou

até melhores das existentes no território potiguar para se restabelecerem.

Do início da década de 1990 até os dias atuais, o circuito espacial têxtil e de

confecções presenciou concomitantemente um novo processo de expansão e o advento de

uma nova lógica de localização espacial de seus estabelecimentos, pois a partir desse

momento temos a criação de novos sistemas de ações e de objetos que proporcionaram

uma reorganização do espaço industrial potiguar.

Trata-se de um novo conjunto de normas de promoção territorial que

estabelecidas através do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Industrial (PROADI),

possibilitou além da construção do Centro Industrial Avançado (CIA), localizado em Macaíba;

um fortalecimento do Distrito Industrial de Extremoz e de São Gonçalo do Amarante. Tais

espaços além de oferecerem uma maior racionalidade técnica e científica por meio de

energia barata e de sistemas de informação, concederam amplos incentivos fiscais e doação

de terrenos localizados nas margens de grandes eixos de circulação do território potiguar

(BR 101 e BR 304), para as empresas que aí se estabelecessem. Assim, presenciou-se uma

verdadeira corrida das empresas para esses espaços, tanto as que já estavam radicadas no

território potiguar, quanto daquelas provindas de outras regiões do país. Os exemplos desse

processo foram a Coats, a Guararapes, a Nortex a Capricórnio e a Textile, localizadas em São

Gonçalo do Amarante, a Coteminas e a Toli, localizadas em Macaíba e a Vicunha, em

Extremoz.

Aqui é preciso pontuar que na Região Metropolitana de Natal se formou não

somente esse circuito mais carregado das variáveis da ciência e da técnica e com alta

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densidade de capitais, mas também um circuito produtivo alinhado aos pequenos e médios

produtores. Tal circuito tanto pode ser originário do acontecer hierárquico quanto de

formas horizontais de organização produtiva. No primeiro caso temos a ampliação das

formas flexíveis de trabalho na qual predominam uma produção terceirizada que altamente

atrelada aos grandes agentes da economia encontram nessa “prática flexível” uma forma de

ampliarem as formas de extração de mais-valia.

Se Ricardo Antunes (2005) falou de uma nova “morfologia do trabalho”,

produzida por aconteceres hierárquicos, como modo de caracterizar as novas formas de

trabalho no mundo contemporâneo, nas quais prevalecem o desemprego estrutural, a

precarização, a subcontratação, a terceirização e a flexibilização; podemos dizer que essa

morfologia do trabalho encontra na expansão desses circuitos produtivos sua forma

geográfica de expressão, sobretudo, àqueles circuitos com baixa densidade de capitais e

organização que se mostram mais sensível aos eventos geradores desse acontecer

hierárquico.

Em um segundo caso há a formação de um circuito que embora seja tributário

também de um acontecer hierárquico, está mais relacionado a processos horizontais, dado

que não aparecem como terceirizados de outros agentes da economia. Apesar de

concentrado em Natal este circuito se dispersa por toda a região metropolitana e possui

como característica existencial fundamental o fato da maioria de seus estabelecimentos

apresentarem um ou dois funcionários e serem baseados em relações familiares de

trabalho.

Nos municípios de Macaíba, Parnamirim e Ceara Mirim encontramos as maiores

concentrações de “estabelecimentos”2 produzindo uma gama variada de produtos que na

maioria dos casos são consumidos na própria região metropolitana, mas em alguns casos

devido à banalização dos sistemas técnicos contemporâneos como computador e internet,

constamos um alargamento desse circuito que usam a internet para vender e divulgar os

seus produtos não somente no Brasil, mas também na Europa.

Esse circuito apesar de grande difusão geográfica na Região Metropolitana de

Natal não se constitui como predominante na conformação geral do circuito de confecções,

principalmente, quando consideramos a quantidade da produção e a absorção de mão de

obra que é mais expressiva nos grandes espaços produtivos dos agentes hegemônicos do

2 A pesquisa de campo vem evidenciando que muitos desses estabelecimentos são na realidade a própria residência do trabalhador que geralmente possui um compartimento no qual se desenvolve a atividade produtiva.

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circuito; por isso, afirmamos que mesmo com existência desses pequenos produtores

fundamentados muitas vezes em uma solidariedade orgânica, o que predomina nessa

região é um circuito baseados em uma solidariedade organizacional produtora de espaços

verticais.

Enquanto na Região Metropolitana de Natal predomina circuitos mais

densamente tecnificados e comandados por um acontecer hierárquico, constatamos a

expansão de formas de trabalho erigidas a partir de racionalidades mais aderentes aos

processos horizontais. É nesse sentido que verificamos o advento e o fortalecimento de uma

nova lógica de formação do circuito de confecções que vem proporcionando uma

reorganização do território potiguar e, outorgando, por isso, novas feições à sua

regionalização.

Nesta realidade a Região Seridó, o Alto Oeste e mais alguns subespaços do

território potiguar passam a fazer parte da expansão do circuito de confecções,

principalmente. Neste caso temos um processo diferenciado, pois o mesmo não responde

majoritariamente a aconteceres hierárquicos como ocorre na Região Metropolitana de

Natal, embora estes também influenciem o surgimento de novos circuitos, sobretudo,

aqueles que se apresentam como terceirizados de grandes empresas.

A formação desse circuito aparece mais atrelada a diversos processos

horizontais que se estabelecem por meio de diversos agentes sociais locais. De modo geral

há predominância de pequenos e médios estabelecimentos de produção que apresentam

mão-de-obra barata, e muitas vezes fundamentada em relação de parentesco, uma grande

complementaridade entre os diversos agentes que formam o circuito e, por fim, uma

densidade técnica e de capital relativamente baixa quando comparamos com a Região

Metropolitana de Natal. Tomando como ponto de reflexão as considerações de Santos

(1996), podemos dizer que nesses subespaços se sobressaem relações solidarias orgânicas

entre diversos agentes do lugar que se fundam por meio de uma coletividade que trabalha

em busca de resultados comuns.

Um dado fundamental na formação desses circuitos é que seu desenvolvimento

se deu a partir da incorporação de famílias de técnicas de produção consideradas

ultrapassadas ou obsoletas para os grandes capitais industriais, sobretudo, porque elas são

intensivas em trabalho humano e não em maquinário modernos que permitem uma

ampliação da produção e uma maior racionalização do processo produtivo.

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Além disso, acreditamos que a compreensão do circuito de confecções

desenvolvido nessas regiões também passa pelo entendimento de um acontecer homólogo

que se verifica a partir de um conhecimento técnico do processo produtivo que de base

local apresenta uma circulação mais horizontal das informações e funciona como um dos

motores de dinamização dessas regiões. E comum a existência de unidades produtivas

autônomas e independentes pertencentes a membros diversos de um mesmo grupo

familiar.

Na Região Seridó o processo de expansão do circuito espacial confecções tem

como ponto de inflexão a década de 1970, mas destacamos que durante este período a

região ainda não apresentava a dinâmica que o caracterizará nos anos ulteriores. Já a partir

da segunda metade dessa década, tomando como base a pesquisa de Morais (2005), o

circuito espacial confecções já aparecia em 3º lugar na conformação econômica do Seridó,

com aproximadamente 50 estabelecimentos.

Na medida em que as forças do lugar vão incorporando a lógica de

funcionamento desse circuito e na medida em que as ações do governo que promovem

alguns incentivos a sua expansão aumentam, constatamos uma ampliação do circuito

confecções, que se revela tanto pelo aumento da produção quanto por meio do surgimento

de novas especialidades de circuitos espaciais como, por exemplo, o circuito dos bonés, que

de acordo com Lins (2011) tem surgimento durante esse período.

No que concerne a expansão do circuito produtivo de confecções para outras

regiões do território potiguar, constatamos que de modo geral predomina a existência de

pequenas e médias empresas que, muitas vezes, surgem atreladas as relações estabelecidas

horizontalmente semelhante ao que se processa na Região Seridó, como exemplo temos os

municípios Santa Cruz e Nova Cruz na região Agreste; Mossoró e Apodi na Região Oeste.

Na contemporaneidade a intensificação dos fluxos de informação, de capitais e

de mercadorias, possibilitou que a Região Seridó e o Alto Oeste passassem a atender além

das demandas locais, demandas nacionais e até internacionais, o que, ao mesmo tempo, em

que ampliou os espaços de produção do circuito confecções, possibilitou a intensificação de

seu processo de tecnificação, como forma de atender ao aumento da demanda produtiva.

Assim, em virtude da trama complexa de aconteceres que regem esses circuitos

nessas regiões, sua compreensão tornou-se mais difícil. Essa economia pobre como os

denominou Arroyo (2008), adquiriu novos contornos, de modo que ao mesmo tempo em

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que “começam e terminam num único sub-espaço, que vai desde a produção até o consumo

no mesmo distrito de uma cidade” (ARROYO, 2008, p. 21); percebemos que diante das

possibilidades abertas pelo período da globalização muitos já não se realizam somente em

sua cidade de origens ou no estado do Rio Grande do Norte, mas extrapolam esses limites

se espraiando não somente pela formação socieespacial brasileira mas também por

algumas partes do mundo.

Por exemplo, os circuitos de confecções de roupas e de biquínis que têm seus

espaços produtivos na Região Oeste e no Seridó são eloquentes para ilustrarem essa

situação. Podemos dizer que esse circuito produtivo “autoriza uma cooperação estendida”

(SANTOS; SILVEIRA, 2001, p. 101), uma vez que constatasse uma ampliação de sua escala de

realização, dado que em alguns períodos ele ultrapassa a dimensão do território nacional

para estabelecer uma conexão na escala do sistema-mundo com os mercados europeu e

americano, sobretudo este que nos últimos anos tem adquirido com maior periodicidade os

produtos desse circuito.

Por fim, pontuamos que embora esse circuito espacial de confecções apresente

certa disseminação pelas Regiões do Seridó e na Região de Mossoró, dado que vários

municípios se apresentam enquanto espaços de produção, constata-se uma concentração

espacial do processo produtivo, sobretudo, nas cidades de Caicó, Jardim de Piranhas, Serra

Negra do Norte e Mossoró que dotados de uma maior carga de densidade técnica, de

capital e normativa quando comparado as demais cidades, comandam esse processo em

suas respectivas regiões.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os usos do território pela industrial têxtil no Rio Grande do Norte vem

corroborando a tese de Santos (2003) segundo a qual no período

técnico-científico-informacional aumenta exponencialmente o número de variáveis

definidoras das estruturas e dos conteúdos regionais. Em outros termos evidenciasse que

ao mesmo tempo em que se instalam formas de produção influenciadas por um processo

de globalização e oriundas das divisões territoriais hegemônicas, temos a permanência e o

advento de um conjunto de formas de produção mais baseadas em solidariedades

horizontais estabelecidas por agentes não hegemônicos.

É desse conflito que emergiu a nova estruturação regional do território potiguar

que às vezes se subordina completamente aos anseios dos agentes da economia

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globalizada e em outros momentos, resiste a essas ações ou as transformam e as absorvem

de acordo com suas necessidades. Esta situação, consequentemente, nos permite apontar a

existência de um processo de regionalização tributário de uma lógica desigual

simultaneamente vertical-horizontal.

Usando as palavras de Santos (1988), podemos dizer que no período da atual, as

regiões aparecem como distintas versões dos processos de globalização, dado que para

apreendê-la em sua essência é preciso concebê-la como produto da confluência e das

contradições de uma ordem global e uma ordem local intermediada pela formação

socioespacial.

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SANTOS, P. P. Evolução Econômica do RioGrande do Norte: Século XVI ao XXI. 3ºed.Natal, 2010.

SOUZA, Itamar de. História do Rio Grande do Norteem fascículos. In.: Diário de Natal. Projeto Ler.Natal, 1997.

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O USO DESIGUAL DO TERRITÓRIO POTIGUAR PELOS CIRCUITOS PRODUTIVOS DA INDÚSTRIA TÊXTIL E DE CONFECÇÕES

EIXO 3 – Desigualdades urbano-regionais: agentes, políticas e perspectivas

RESUMO

No território do Rio Grande do Norte a constituição das regiões tem sido guiada por lógicas

desiguais que possibilitam aos circuitos espaciais produtivos mais dinâmicos e mais exigentes das

densidades do período histórico atual se localizarem em parcelas sempre mais restritas do

território, ficando os demais espaços tributários de circuitos que não apresentam os mesmo níveis

de densidade das variáveis da técnica, da ciência e da informação. Constatamos que enquanto

esses circuitos produtivos mais exigentes dessas variáveis são guiados por eventos verticalmente

constituídos, típicos do período da globalização (SANTOS, 1994; 1996), os demais circuitos

produtivos apresentam em seu processo formativo uma lógica mais horizontal. É nesse sentido,

que o presente trabalho busca analisar o uso desigual do território pelo circuito espacial da

produção da industria têxtil e de confecções dando ênfase nas desigualdades geradas por esse

processo. Para tanto, realizamos uma revisão bibliográfica sobre as teorias que versam sobre os

circuitos espaciais produtivos, bem como realizamos pesquisa empírica a fim conhecermos os

eventos que configuraram essa realidade no território potiguar. Os resultados obtidos nos

permitem dizer que o uso do território pelo circuito espacial produtivos da industria têxtil e de

confecções no Rio Grande do Norte possibilitou o surgimento de novas topologias espaciais que

se desenvolveram de acordo com os níveis de densidade técnica e científica presentes nas suas

diversas regiões, de maneira que temos pelo menos três formas de regionalização proporcionada

por esse circuito: uma se materializa na Região Metropolitana de Natal; uma segunda na Região

Seridó; e, por fim, uma terceira que ocorre de forma mais dispersa em outros pontos do território,

dos quais Mossoró é o destaque. Esse processo evidencia que, cada vez mais, o uso do território

é guiado por forças de concentração e forças de dispersão (SANTOS; SILVEIRA, 2001) que atuam

paralelamente, dado que, se, por um lado, temos uma lógica territorial que proporciona a

concentração do circuito na Região Metropolitana de Natal e no Seridó; por outro, há também uma

lógica territorial que conduz o circuito a se expandir por outros subespaços, como ocorre na

Região Oeste e em outras regiões do território potiguar.

Palavras-chave: circuitos produtivos; desigualdades territoriais; Rio Grande do Norte.

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