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O TEATRO COMO PROCESSO: UM OLHAR SOBRE O SER
CRIATIVO
Hlbio Gabriel Rodrigues Pereira1
Carlos Roberto Mdinger2
Marli Susana Carrard Sitta3
1 Iniciando a minha Docncia
Quando acordo e tomo o meu caf eu procuro que esse seja um processo quase
que ritualstico, tento buscar minhas energias mais elevadas para comear bem meu dia e
compartilhar ideias com meus alunos. A iniciao docncia no foi a tarefa mais fcil a
ser realizada, o comeo, a adaptao a uma escola, foram as tarefas mais difceis que
enfrentei.
Nas primeiras semanas como educador eu acordava j tenso, pensando apenas em
como faria para ter a ateno dos meus alunos. Felizmente acabei notando que esse
processo estava sendo duro para mim, se tornando pesado, pois eu no estava me sentindo
seguro diante dos meus alunos, eu queria incansavelmente agrad-los e faz-los me achar
um bom professor. Sentindo-me distante deles, busquei compartilhar ideias, para saber o
que ns juntos aprecivamos e como isso poderia dar potncia para as aulas e auxiliar
para uma maior aproximao.
A partir da descobri formas diferentes e prazerosas para compartilhar
conhecimentos. Por isso, a cada dia de aula me preparo para viver experincias com os
meus alunos, de descobrir algo novo, de juntos criarmos, e diminuirmos distncias entre
quem ensina e quem aprende, todos ensinamos e todos aprendemos. Acredito que assim
como o professor no deva se preocupar apenas com o seu bem estar ao dar aula ele
tambm no deva se preocupar apenas com o bem estar dos seus alunos. Penso que criar
um ambiente confortvel para o compartilhamento de ideias foi um timo primeiro passo
para a minha iniciao docncia. Afinal, minha presena no mundo no de quem a ele se
adapta, mas de quem nele se insere (FREIRE, 1996, p.23).
O professor malvado. Essa a figura mais presente que tenho de professor que
no quero ser, pois estes foram os que mais me causaram frustraes em meu ensino
fundamental. Mas ao mesmo tempo eu me questiono sobre o que ser um bom professor.
1Acadmico de Licenciatura em Teatro da UERGS. Bolsista do Programa Institucional de Bolsas
de Iniciao Docncia PIBID. 2 Coordenador do projeto Pibid/Uergs/Teatro. 3 Coordenadora do projeto Pibid/Uergs/Teatro.
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Muitas vezes, ao tentar ser um bom professor, eu fui o que penso como o professor
bonzinho. Tentava no exigir dos alunos uma postura que eu considerava sria demais
para as suas idades, compreendia que eles queriam conversar enquanto eu precisava
explicar alguma atividade e tentava no proibir que o fizessem, pois eram alunos
participativos. Passei a perceber que essa minha postura no estava sendo respeitosa com
o meu trabalho. As atividades comearam a ser feitas sem a compreenso de todos, o que
me fazia ter que interromp-las para serem explicadas outra vez. Ao longo do tempo
percebi que ser um bom professor, no ser um professor bonzinho, permissivo demais
e acrtico, mas tambm no ser um professor malvado, rspido e intolerante. H
posturas que eu como professor preciso exercer, para dar potncia ao trabalho, para que
nele os meus alunos possam se expressar livremente. Encontro apoio nas palavras de
Freire,
o meu bom senso que me adverte de que exercer a minha autoridade
de professor na classe, tomando decises, orientando atividades,
estabelecendo tarefas, cobrando a produo individual e coletiva do
grupo no sinal de autoritarismo da minha parte. a minha autoridade
cumprindo o seu dever. No resolvemos bem, ainda, entre ns, a tenso
que a contradio autoridade-liberdade nos coloca e confundimos quase
sempre autoridade com autoritarismo, licena com liberdade. (1996,
p.25).
Uma preocupao que sempre tive foi a de ouvir os meus alunos e de saber o que
eles tm a me dizer e contribuir para o nosso trabalho em aula. O maior cuidado que
acredito ter como educador o de no abafar as opinies dos meus alunos, por mais que,
em um grande grupo nem sempre uma ideia agrade a todos, eu fao questo que todos
partilhem de seus apontamentos para o trabalho, gosto de ouvir os mais tmidos, embora
nem sempre eles se coloquem, tento trabalhar para traz-los a uma participao mais ativa
e a uma construo mais coletiva do conhecimento teatral. Mesmo que uma ideia no seja
aceita em determinado momento precisam perceber que devem continuar expressando-a
em outros. Aposto na criao de grupos nos quais cada aluno participante se sinta seguro
para expressar suas ideias, que ele possa tentar, errar, acertar e possa refletir sobre estar
rodeado de opinies diversas.
Ainda conforme Freire:
O professor que desrespeita a curiosidade do educando, o seu gosto
esttico, a sua inquietude, a sua linguagem, mais precisamente, a sua
sintaxe e a sua prosdia; o professor que ironiza o aluno, que o
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minimiza, que o manda que ele se ponha em seu lugar ao mais tnue
sinal de sua rebeldia legtima, tanto quanto o professor que se exime do
cumprimento de seu dever de propor limites liberdade do aluno, que
se furta ao dever de ensinar, de estar respeitosamente presente
experincia formadora do educando, transgride os princpios
fundamentalmente ticos de nossa existncia. (1996, p.25).
nesta perspectivaque surge a ideia para o projeto DeixEuFazer, DeixEuVer,
DeixEuSer, mais pontualmente em um dia que eu estava com os alunos na sala de Teatro
do Colgio Ivo Bhler- Ciep, onde o Pibid/Teatro/Uergs se desenvolve desde 2014. A
professora que acompanhava a turma se retirou por alguns instantes, orientando-me de
que os alunos poderiam mexer nos figurinos que estavam num cabide em um canto da
sala. Propus ento que eles interagissem de forma espontnea com os figurinos, enquanto
eu faria os registros em foto e vdeo. Percebi ento que quando eu os filmava eles agiam
de forma diferente, o que me chamou a ateno, pois percebi que a cmera modificava o
corpo deles e a forma com que agiam no espao da sala.
Imagem 1 Imagem 2
Imagens 1 e 2- Experimentao espontnea com figurinos -16 de julho de 2015 no Colgio Ivo
Bhler- Ciep. Montenegro.
A seguir passo a descrever as minhas percepes sobre o projeto DeixEuFazer,
DeixEuVer, DeixEuSer, que desenvolvi em parceria com meus colegas pibidianos Rafaela
Giacomeli e Bruno Teixeira e as minhas reflexes sobre teatro e conhecimento a partir
dele.
2 Apropriao do territrio
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O teatro desde sua origem se apropria do territrio4 do qual ele pertence, logo se
apropria de suas tecnologias5. Podemos perceber na definio de territrio que reconhecer
a si tambm reconhecer o seu entorno, pois reconhecer o espao que se vive tambm
reconhecer a si mesmo. O teatro como processo se d a partir do reconhecimento do ator,
aquele que atua, que age, no espao em que ele se insere. Penso que isso se d em um
processo de afunilamento, partindo primeiramente de um olhar sobre o seu cotidiano, a
sociedade aonde se insere e seus hbitos culturais, depois para si mesmo, sua identidade
cultural, quem voc no espao que habita. Esse processo de observao eficaz para
que possamos ento criar um novo espao ficcional, com novos signos e um novo ser
pertencente a este. Sob esse ponto de vista, de suma importncia reconhecer-se para
ento criar e atuar sobre a prpria criao.
Acredito na potncia dessa era digital e na arte como uma rea que pode ser
hibrida. Questiono-me ento onde est o corpo na tecnologia, ou onde est a tecnologia
em nosso corpo? Reconhecer-se, seu corpo e o espao em que ele se insere, faz parte do
cerne do teatro. Ento onde se inserem as tecnologias do mundo digital, ao qual
pertencemos, na arte do teatro? Na dana h um novo estilo chamado Dana Digital
onde atravs de vdeos se estuda o movimento do corpo e para alm este serve como
smbolo cnico, como material de composio para o espetculo.
No livro Dana na Cultura Digital, esrito por Ivani Santana, coreografa e
professora da Universidade Federal da Bahia, pude encontrar suporte para minha pesquisa
sobre a arte na tecnologia:
Meu interesse analisar as novas tecnologias de forma crtica, mas
distanciada, compreendendo que no se trata de um julgamento de valor
promovido pela metfora do monstro: se ela boa ou m. Isso no
significa considerar as descobertas (tecnolgicas, cientficas, artsticas)
como neutras [...]. Qualquer informao colocada no mundo, como signo
que , carrega consigo um potencial. (2006 p. 21).
4 Territrio Dimenso Cultural - Nessa concepo, o contedo cultural ou simblico-cultural
delimita o territrio a partir da teia de representaes e subjetividades que se enrazam em poro
do espao territrio, dando-lhe identidade. Nesse sentido, o territrio visto como produto da
apropriao/valorizao simblica de um grupo em relao ao seu espao vivido. (DANTAS;
MORAIS, 2008 p. 6). 5Segundo Veraszto (2008), inspirado nos pensamentos de Roodrigues (2001) a palavra tecnologia
provm de uma juno do termo tecno, do grego techn, que saber fazer, e logia, do grego logus,
razo. Portanto, tecnologia significa a razo do saber fazer. O estudo da tcnica o estudo da
prpria atividade do modificar, do transformar, do agir.
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Teatro uma rea do conhecimento humana, em nosso processo damos suma
importncia ao reconhecimento desse ser. Essa era digital cenrio do territrio que
vivemos atualmente, nosso propsito nos apropriar deste para a construo de um
ambiente teatral que se insere ao mundo tecnolgico. Acredito que esses recursos digitais
aproximam o teatro do contexto social em que ele se encontra, como tambm por
consequncia, aproxima quem pertence a esse contexto social ao teatro.
Como primeira ao do projeto DeixEuFazer, DeixEuVer, DeixEuSer,
apropriamo-nos de recursos udio visuais para a filmagem do corpo em ao no espao
que este se insere. Acreditamos que essa ferramenta traz uma outra viso sobre o ser. No
momento que se disponibiliza um material digital para que algum o explore, por
exemplo, uma cmera de vdeo, podemos ter a uma gama de possibilidades criativas. Isto
d autonomia ao processo de criao, d ateno para o olhar do ser que captura, atravs
do vdeo, o territrio no qual ele est inserido. Ele, o outro e o espao.
3 Autonomia criativa
O programa Pibid tem como um de seus principais objetivos motivar o licenciando
para que sua atuao docente seja mais consciente em sala de aula. Acreditando no teatro
como forma de processo, no qual o aluno pode exercer sua humanidade, o projeto
DeixEuVer, DeixEuFazer, DeixEuSer utilizou de uma cmara de vdeo colocada
disposio de 15 alunos da Escola Municipal de Ensino Fundamental Esperana onde o
Pibid/Teatro/Uergs se desenvolve desde Setembro de 2015, para que eles pudessem
observar a sua escola e registrar alguns acontecimentos durante 10 minutos.
A cmera foi um estmulo, um instrumento de criao artstica, para que eles se
deixassem ver atravs dela. Por meio de jogos e exerccios teatrais, as pequenas aes
cotidianas gravadas transformaram-se em aes dramticas, conferindo-lhes qualidade
esttica teatral ao trabalho e experincia realizada. Foi preciso muita escuta e
observao para ressignificar aquilo que se mostra de forma rotineira e aparentemente
sem atrativos no espao da escola e tentar encontrar brechas de possibilidades para deixar-
se ver, fazer e ser.
O teatro quer compreender melhor o que h entre o mundo da arte e o mundo da
educao e de que modo a docncia pode se dar a atravessamentos, a entrelugares, a
experincias, construindo-se menos linearmente e de forma mais aberta, menos racional
e mais potica. Busquei subsdios terico/prticos em autores estudados no curso de
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Licenciatura em Teatro em que sou aluno, principalmente nos de Gilberto Icle, quando
escreve sobre o teatro como cuidado de si e Paulo Freire, que nos faz refletir sobre a
pedagogia da autonomia.
O objetivo que, desta forma, os alunos possam se enxergar como seres criativos,
espontneos e autnomos; antes mesmo que ns, enquanto mediadores, possamos trazer
alguma proposta. Aps obter, por meio das gravaes pessoais, essa viso artstica de
cada aluno, trouxemos nossas proposies a partir do material coletado, para que estes
tambm se vissem como seres criadores de arte. Acredito que agregar esse material d
uma viso de um processo espontneo, que no exige uma habilidade especfica e sim a
expresso livre do humano e seu olhar sobre o seu territrio.
O professor, diretor de teatro e pesquisador Gilberto Icle nos faz refletir,
dizendo:
Muitos processos e ensino-aprendizagem nas escolas ou em outros
espaos pedaggicos refletem esta falta de conhecimento a respeito da
arte do ator. A valorizao do chamado talento como sendo o nico
valor nas aulas de teatro, dentro da disciplina de Educao Artstica ou
em oficinas livres, ainda o tom principal praticado em muitos casos
por profissionais reconhecidos tanto pelo senso comum quanto pelo
meio acadmico. (2002, p. 30).
O processo se deu com alunos de 5 ano, adolescentes e pr-adolescentes. Acredito
que essa uma fase de descobertas corporais e sociais, por isso exploramos o uso da
imagem como agregadora ao fazer teatral. Embora seja inserido esse material
tecnolgico, em nenhum momento nos esquecemos da caracterstica de relao direta, ao
vivo, do teatro. O olhar externo, do vdeo, apenas um ponto de partida para um olhar
interno atravs dos jogos teatrais propostos.
Icle (2002, p. 48) cita Grotowski dizendo que podemos, pois, definir o teatro
como o que ocorre entre o ator e o espectador. Depois ele mesmo diz: Isto no descarta
a presena, pois no cinema, por exemplo, h ator e espectador, no entanto, o ator est
mediado pelo filme. A presena fsica do ator caracteriza isso que ocorre entre os dois,
definindo o teatro.
Porm, nos apropriamos da cultura do cinema, pesquisando sua dimenso cultural
no territrio escolar. Cinema e teatro trabalham com pblico, porm se sabe que
socialmente o cinema tem sua fama popular em destaque ao longo dos avanos
tecnolgicos, e digitais e de difuso. Partindo dessa linguagem popular, buscamos nos
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apropriar dela para trabalh-la e agreg-la ao teatro, trazemos uma viso hibrida para que
possamos pensar essas duas artes como parceiras. Nessa era digital percebemos que a
presena do udio visual muito forte na sociedade e, por conseguinte, nas escolas.
Muitos professores utilizam desses recursos para suas aulas, esses materiais esto muito
prximos dos alunos. Sem contar a produo audiovisual massificada de filmes e de
novelas em nosso pas, que hoje atinge as classes mais populares. Portanto ao invs de
descartar e excluir essa linguagem de nossa prtica pedaggica, e resolvemos agreg-la
ao processo.
4 Meu corpo, meu territrio
As imagens coletadas pelos alunos possibilitaram um repertrio de aes fsicas e
de possibilidades imagticas para se trabalhar durante o processo teatral. No captulo O
Treinamento do Ator do livro Em Busca de Um Teatro Pobre, Jerzy Grotowski (1992)
nos orienta para criar imagens em nossas mentes que justifiquem nossas aes. Seguindo
est orientao, utilizamos alguns termos indicativos da ao, como por exemplo, Pulem
como se o cho estivesse em chamas, pulem como se houvesse ar nos joelhos, Fixem
seus ps no cho como razes na terra. Essas imagens, que so dadas como estmulos,
possibilitam mudar o foco dos pensamentos cotidianos para as imagens que esto sendo
visualizadas, exercitando a mente criativa. Assim como Grotowski nos diz,
Mesmo durante estes exerccios de aquecimento, o ator deve justificar
cada detalhe do treinamento com uma imagem precisa, real ou
imaginria. O exerccio s corretamente executado se o corpo no
opuser nenhuma resistncia durante a realizao da imagem em
questo. O corpo deve parecer sem peso, to malevel quanto o plstico
aos impulsos, to duro quanto o ao quando atua como suporte, capaz
at de vencer a lei da gravidade. (1992, p. 109).
As imagens cotidianas do espao escolar captadas pelos alunos e gravadas em
vdeos serviram de mote para a criao teatral. Se o vdeo capturava um colega correndo
atrs do outro, podemos criar como possibilidade teatral a imagem de correr atrs de um
colega imaginrio. Partindo da podemos explorar como seria encostar nesse colega
imaginrio, como seria abra-lo, dar bom dia, dentre outros. A cada captao de imagem
h infinitas possibilidades teatrais a serem criadas com o corpo.
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Imagem 3 Imagem 4
Imagens 5 Imagem 6
As imagens 3, 4, 5 e 6 registram momentos de gravao, coleta de imagens e jogos teatrais
realizados com os motes dos vdeos 21 de Novembro e 12 de Novembro de 2015 na E.M.E.F.
Esperana. Montenegro.
Antes de desenvolver qualquer trabalho, procuro conhecer meus alunos e o
ambiente escolar, para que esse conhecimento sirva de impulso para o meu trabalho. No
um processo que se d em um dia, ele geralmente lento. Minhas primeiras atividades
propostas so sempre para despertar de forma natural a essncia dos meus alunos e
apresentar a eles a minha. Assim, penso que podemos nos conhecer e juntos criar algo,
me preocupo com meus alunos e com o aprendizado deles, mas tambm quero que este
seja um processo prazeroso para todos, incluindo a mim como educador.
Como disse, quero me sentir no processo, mas a voz que desejo que seja ouvida
no a minha e sim dos meus alunos, quero saber o que eles tm a dizer ao mundo e
transformar isto em arte. Esse conceito tem como base as palavras de Freire: No haveria
criatividade sem a curiosidade que nos move e que nos pe pacientemente impaciente
diante do mundo que no fizemos, acrescentando a ele algo que fazemos. (1996, p. 15).
Quero saber o que eles tm curiosidade de descobrir para podermos criar algo que os faa
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refletir sobre quem eles so, onde esto e onde vivem, cada um com suas vivncias, para
que eles possam se ver como criadores e que o que eles fazem e pensam influencia o
espao em volta deles.
Como professor procuro que meus alunos descubram o teatro dentro deles, que
eles achem a sua forma de ser arte. A arte para mim tambm a forma do ser humano
poder ser quem , e dar voz e imagem ao que ele tem para mostrar ao mundo. Procuro
que meus alunos se mostrem aos colegas, quem so, suas fragilidades, medos, alegrias e
que, atravs disso, se descubram como seres sensveis, passando do eu individual, para
um eu coletivo, que constri com os colegas e professor. Atravs desse material
audiovisual posso conhecer mais de meus alunos e ver neles a arte, juntos podemos
mold-la e aprender com ela.
A cmera me d tambm suporte como professor para ouvir, ver, o que meus
alunos tem para dizer sobre o seu territrio. Para que eu possa ento ensinar atravs desse
material, assim como nos diz Freire:
Quando entro em uma sala de aula devo estar sendo um ser aberto s
indagaes, curiosidade, s perguntas dos alunos, suas inibies; um
ser crtico e inquiridor, inquieto em face da tarefa que tenho a de
ensinar e no de transferir conhecimento. (1996, p. 21).
5 Influncias do territrio
Por qu?. Para mim, questionar uma das melhores formas de fazer os meus
alunos refletirem e pensarem nos passos que esto dando ao longo do processo, acho
extremamente importante eles expressarem suas identidades, assim como eu a minha, mas
acho importante ns a questionarmos. Uma dificuldade que tive como professor foi a de
lidar com as crenas e culturas distintas de meus alunos, que muitas vezes eram desafios
a serem enfrentado nos processos em sala de aula. As aulas de teatro dadas por mim no
poderiam se resumir a exerccios e apresentaes, essa foi uma escolha minha, pois este
era o momento em que meu territrio influenciava no processo pedaggico.
Acredito na formao crtica dos meus alunos, eu discordo da frase pronta
educao se d em casa, pois para mim a educao se d em todos os espaos formados
por pessoas, em todos os lugares que h debate, em todos os lugares onde eu e meus
alunos possamos expressar nossas opinies. Com diz Freire em seu livro: A educao
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no vira poltica por causa da deciso deste ou daquele educador. Ela poltica. (1996,
p.42). Para isso tento criar um ambiente onde eles se sintam livres a debater, mas
principalmente refletir sobre esse debate, no apenas dizer pelo dito, que eles saibam que
podem e tm o direito de se expressar e respeitar a livre expresso do outro.
Com meus alunos estou podendo ter debates muito mais produtivos do que com
alguns de meus colegas de academia, que tem opinies prontas sobre o mundo e no
acreditando ter nada a aprender em um debate, apenas acrescentar. Com meus alunos
venho aprendendo, venho crescendo e me permitindo mudar, compartilhar conhecimento,
criar novas ideias polticas para o meu territrio, me tornando um professor mais presente,
que fala, mas que escuta. Esse professor que estou me tornando est me modificando, me
fazendo refletir sobre opinies prontas que eu antes tinha, mas tambm fazendo com que
meus alunos passem por esse processo junto comigo. Penso isso atravs de Freire:
na minha disponibilidade permanente vida que entrego de corpo
inteiro, pensar crtico, emoo, curiosidade, desejo, que vou
aprendendo a ser eu mesmo em minha relao com o contrrio de mim.
E quanto mais me dou experincia de lidar sem medo, sem
preconceito, com as diferenas, tanto melhor me conheo e construo o
meu perfil. (1996, p.50).
Com meus alunos eu tambm creso, amadureo e me torno um ser mais humano,
no formado apenas por mim mesmo e minhas experincias, mas sim dividindo meus
saberes e sendo presenteado com novas histrias e vises de um mesmo mundo.
Em uma das aulas durante o projeto os alunos observavam as aes dos colegas
que apareciam no vdeo, partindo dessa anlise era proposto um jogo usando como
referncia as aes dos colegas, como, por exemplo, quando no vdeo uma das alunas se
mostra envergonhada por ser filmada. Partindo dessa ao foi solicitado a todos que
imaginassem uma situao em que estivessem envergonhados e andassem pela sala
usando a ao corporal "da vergonha". Notou-se uma postura curva de todos, onde o rosto
era coberto. Em outro momento, um dos meninos com a cmera pedia aos colegas para
fazerem caretas, aos meninos ele dizia "faam caretas de meninas", e as meninas ele
simplesmente pedia uma careta. Antes de ser mostrado esse fragmento do vdeo ns
pedimos que todos fizessem caretas e observassem os colegas, depois pedimos que os
meninos e as meninas se separassem em dois grupos, pedimos que as meninas fizessem
"careta de menino" e os meninos fizessem careta de menina, foram propostas aes
caricatas dos gneros. Aps, solicitamos novamente que todos fizessem caretas pessoais
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e se observassem. Fizemos ento a pergunta: h diferena entre caretas de meninas e de
meninos? A resposta de todos foi que no, quando questionados sobre o porqu de os
meninos terem representado as meninas em um formato caricato eles no souberam
responder, o mesmo as meninas em relao aos meninos.
Imagens 6 caretas filmadas pelo aluno que usava a cmera 21 de Novembro de 2015 na
E.M.E.F. Esperana. Montenegro.
Os vdeos tm trazido questes polticas, como questes de gnero e violncia.
Procuramos, atravs disso, dar potncia teatral a essas questes em nossos encontros e
exerccios. O autor que nos ajuda a pensar sobre essas questes para o teatro o brasileiro
Augusto Boal (1999), que trabalha o teatro atravs de questes da opresso social.
Acredito que, como professor e formador, eu estaria indo contra mim mesmo se ignorasse
e descartasse essas questes de sala de aula, pois estaria fingindo que elas no existem e
esse no o tipo de fico que me agrada trabalhar.
6 O processo Consideraes finas
Comecei a perceber o processo de criao como um espao para o reconhecimento
do ser, para que antes de interpretar um personagem se pudesse conhecer a si mesmo,
saber interpretar quem se . Olhar as possibilidades que seu corpo/mente/voz tem ao agir.
Para que ento se explorasse, depois, outro ser em si, usando seu corpo como suporte para
desenvolver a ao desse ser. A criao do personagem.
Permiti me apropriar sem preconceitos dos recursos digitais, para poder
compartilhar o teatro atravs de tecnologias que pertencem a nossa poca. Aposto no
teatro como expresso do humano e do territrio onde se insere. Acreditando nisso me
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aproprio do espao, olho para mim e para o territrio da escola e me aproprio do que vejo
para ento poder compartilhar o teatro como algo que se aproxima, (...) O teatro no tem
categorias, sobre a vida. Este o nico ponto de partida, e alm dele nada realmente
fundamental. Teatro vida. (BROOK, 1999, p.7).
Esse processo de ter um espao para olhar para si pode ser rico para o ensino
escolar, pois pode despertar no aluno a sensibilidade humana, o reconhecimento dele
mesmo, isso pode se dar no processo teatral. No descarto o produto, o resultado do
processo, que seria a apresentao, montagem de um espetculo, mas podemos perceber
que a fase do processo de criao em sala de aula geradora de conhecimento e
reconhecimento pessoal. Penso que isto j se vale como potncia de ensino e
aprendizagem, sem necessariamente precisar de um produto final.
A cortina est aberta para a experincia criativa. Venha experimentar!!!
Imagem 8 - jogos teatrais realizados com os motes dos vdeos 21 de Novembro e 12 de
Novembro, 2015 na E.M.E.F. Esperana. Montenegro
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Referncias:
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Brasileira, 1999.
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tendo o cinema da retomada como inspirao. Anais do X Encontro de Gegrafos da
Amrica Latina 20 a 26 de maro de 2005 Universidade de So Paulo.
BROOK, Peter. A Porta Aberta. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1999.
DANTAS, Eugnia M.; MORAIS, Ione R. D. Territrio e territorialidade: abordagens
conceituais. Paraba: UNIDIS. 2008.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessrios prtica educativa. So
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GROTOWSKI, Jerzy. Em busca de um teatro pobre. 4 ed. Rio de Janeiro: Civilizao
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ICLE, Gilberto. Teatro como construo de conhecimento. Porto Alegre: Mercado
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VERASZTO, EstfanoVizconde. et al.Tecnologia: Buscando uma definio para o
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SANTANA, Ivani. Dana na cultura digital [online]. Salvador: EDUFBA, 2006.
Encontrado em: http://books.scielo.org/id/zn6c5/03. Acesso em: 05 de jan. 2016.
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