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O Sabataísmo em Hamburgo e a obra Fin de los Dias (1666) de Moseh Gideon Abudiente (1610–1688) Florbela Veiga Frade Universidade Nova de Lisboa e Universidade dos Açores, Fundação para a Ciência e a Tecnologia Resumo. No século XVII, a Nação Portuguesa de Hamburgo, constituída por conversos fugidos da Península que adoptaram a religião judaica em terras de exílio, atravessou um período difícil da sua existência. As correntes messiânicas ganhavam um número crescente de adeptos entre os peninsulares e simultanea- mente as autoridades luteranas reagiam contra a presença de judeus e sinagogas em terras de cristãos. O presente estudo incide sobre o movimento de Shabatai Zvi em Hamburgo e sobre o livro com vários sermões da Yeshiva (academia) de Hamburgo, escrito pelo rabino de Hamburgo e Glückstadt, Moseh Gideon Abudiente. A fé na vinda do messias, que traria a paz ao mundo, tornando-o mais fraterno e espiritual, foi uma utopia que se entendeu possível entre os membros da Nação Portuguesa. Na obra de Abudiente reflecte-se o pensamento desses movimentos. Palavras-chave. Moshe Gideon Abudiente; Fin de Los Dias; Nação Portuguesa de Hamburgo; Sabataísmo; Messianismo Abstract. In the 17th century, the Portuguese Nation of Hamburg, which consisted of converts who had fled from the Iberian Peninsula and who had adopted the Jewish faith in the land of exile, went through a difficult time- period. The Lutheran authorities reacted against the presence of Jews as well as synagogues in a land of Christians. At the same time, the messianic movement of Shabatai gained a growing number of adherents among peninsular people. This study focuses on the Shabati Zvi movement in Hamburg and on the book written by Moseh Gideon Abudiente, which included several of his sermons given at the Yeshiva (academy) in Hamburg and Glückstadt. The faith in the coming of the messiah, who would bring peace to the world, making it more fraternal and spiritual, was a utopia, which the members of the Portuguese Nation viewed as possible. The book of Abudiente reflects the thought prevalent in these movements. 13

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O Sabataísmo em Hamburgo e a obra Fin de los Dias (1666) de Moseh Gideon Abudiente (1610–1688)

Florbela Veiga Frade Universidade Nova de Lisboa e Universidade dos Açores, Fundação para a Ciência e a Tecnologia

Resumo. No século XVII, a Nação Portuguesa de Hamburgo, constituída por conversos fugidos da Península que adoptaram a religião judaica em terras de exílio, atravessou um período difícil da sua existência. As correntes messiânicas ganhavam um número crescente de adeptos entre os peninsulares e simultanea-mente as autoridades luteranas reagiam contra a presença de judeus e sinagogas em terras de cristãos. O presente estudo incide sobre o movimento de Shabatai Zvi em Hamburgo e sobre o livro com vários sermões da Yeshiva (academia) de Hamburgo, escrito pelo rabino de Hamburgo e Glückstadt, Moseh Gideon Abudiente. A fé na vinda do messias, que traria a paz ao mundo, tornando-o mais fraterno e espiritual, foi uma utopia que se entendeu possível entre os membros da Nação Portuguesa. Na obra de Abudiente reflecte-se o pensamento desses movimentos. Palavras-chave. Moshe Gideon Abudiente; Fin de Los Dias; Nação Portuguesa de Hamburgo; Sabataísmo; Messianismo

Abstract. In the 17th century, the Portuguese Nation of Hamburg, which consisted of converts who had fled from the Iberian Peninsula and who had adopted the Jewish faith in the land of exile, went through a difficult time-period. The Lutheran authorities reacted against the presence of Jews as well as synagogues in a land of Christians. At the same time, the messianic movement of Shabatai gained a growing number of adherents among peninsular people. This study focuses on the Shabati Zvi movement in Hamburg and on the book written by Moseh Gideon Abudiente, which included several of his sermons given at the Yeshiva (academy) in Hamburg and Glückstadt. The faith in the coming of the messiah, who would bring peace to the world, making it more fraternal and spiritual, was a utopia, which the members of the Portuguese Nation viewed as possible. The book of Abudiente reflects the thought prevalent in these movements.

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14 │ InterDISCIPLINARY Journal of Portuguese Diaspora Studies Vol. 1 (2012) Keywords. Moshe Gideon Abudiente; Fin de Los Dias; Portuguese Nation in Hamburg; Shabataism; Messianism

The Zohar was destined to be hidden until the last generation when it shall be revealed unto man; by virtue of its students the Messiah will come, for the earth shall be full of the knowledge of the Lord and that will be the reason for his coming.

—Yehuda Hayat, Minhat Yehudah (195).

Mestre da Paz, ergue teu gládio ungido / Excalibur do Fim, em jeito tal / Que sua Luz ao mundo dividido / Revele o Santo Gral!

—Fernando Pessoa, “O Desejado” (117).

Os ecos dos messianismos A fé na vinda do messias—que traria a paz ao mundo e tornaria os homens mais fraternos e espirituais aproximando-os de Deus—é uma constante ao longo da história das religiões monoteístas. Mas esta aproximação a Deus, patenteada na frase bíblica “Deus criou o ser humano à sua imagem, criou-o à imagem de Deus; Ele os criou homem e mulher (Gn 1. 27) ” reafirma que a semelhança a Deus já existe desde a criação da Humanidade. Por conseguinte, o papel do messias seria anunciar a aplicação dessa similitude divina do Homem através da sua acção e da sua vontade impregnada de valores ou atributos divinos, como a Bondade, Justiça, Caridade. A crença num messias, catalisador de todas estas qualidades, torna-se portanto uma pedra de toque das religiões assinaladamente monoteístas e uma questão basilar na História das Religiões e das Ideias.1

A ideia e o surgimento de messias não é um assunto novo; trata-se duma crença popular e transversal a várias religiões que se manifestou ao longo de milénios, embora atinja um patamar diferente no judaísmo onde ainda se espera pelo salvador e/ou redentor. Dum modo simplista, o messias judaico deve ser alguém da linhagem de David, um rei, sacer-dote ou profeta ungido com os óleos sagrados, para fazer reinar a justiça. Durante a ocupação romana de Israel, cria-se que o messias seria o filho ou descendente de José, o Justo, também conhecido por filho de Efraim por ser desta tribo; outra crença apontava para o filho de David que, numa visão rabínica, é um descendente do Rei David, líder e governador dos judeus em Israel e reconstrutor do Templo. A vinda do Messias precipitará uma era messiânica de paz e de redenção.

Florbela Veiga Frade / O Sabataísmo em Hamburgo │ 15 O messianismo judaico, por sua vez, está na base e influenciou o

messianismo cristão havendo mesmo quem afirme que o milenarismo reflecte ideias e influências semelhantes (Liebes 93), embora o Livro do Apocalipse, onde se fundamenta o milenarismo, seja posterior à origem das profecias messiânicas. De qualquer modo, há uma base bíblica que aponta para o desenvolvimento das ideias messiânicas nomeadamente os livros de Daniel e de Jeremias, entre outros. Trata-se dum fenómeno que resulta da exegese bíblica feita por cada vez mais estudiosos após a publicação da Bíblia nas línguas comuns, principalmente a partir da segunda metade do século XVI, com a expansão da imprensa e o aumen-to do interesse por parte dos letrados.

A leitura e o estudo da Bíblia—sobretudo nas sociedades reforma-das—contribuiu para a existência dum maior criticismo por parte de descrentes ou insatisfeitos com as explicações dos seus líderes espirituais sobre Jesus Messias e sobre os Novos Tempos. A esta leitura juntaram as teorias apocalípticas, messiânicas e milenaristas cristãs que apontavam 1666 como uma data especial enquadrada na segunda vinda de Cristo que teria de lutar com o Anticristo e reinaria durante 1000 anos, dando início à Quinta Monarquia.

Na segunda metade do século XVII, os judeus também entenderam possível e exequível o sonho de novos tempos de redenção liderados pelo messias com a reconstrução do Templo em Jerusalém e o retorno dos judeus à Terra Prometida, culminando com o fim dos tempos e a salva-ção dos justos e bons em Paz. Os movimentos messiânicos daqui resultantes e emergentes são reflexo do desejo ancestral de regresso a Israel na senda das ideias de Rambam, mas tal como são formulados e, sobretudo, postos em prática por alguns, parecem antecipar o Sionismo do século XIX.

Contudo, ao contrário do que seria de esperar nos messianismos que profetizavam a Paz, a Fraternidade e o Amor, quando em relação com outros movimentos messiânicos e com as religiões instituídas acarreta-ram consigo rivalidades, conflitos e ódios. Para a maioria cristã da sociedade, o surgimento de outro messias constituía um problema; questionava a base do cristianismo, que assume Jesus como O Cristo e perturbava a autoridade tida até aí pelas religiões cristãs, apesar do surgimento de falsos profetas e messias estar profetizado no Novo Testamento (Mt 24:23–24; Mc 13:21–22; Lc 17:23–24).

As movimentações pró e contra Shabatai zvi em Altona e Hamburgo As comunidades asquenazitas e sefarditas de Hamburgo e Altona partilharam o entusiasmo e a expectativa de novos tempos de redenção, embora no dia-a-dia as suas vidas fossem um pouco apartadas, constitu-indo duas comunidades diversas com direitos e deveres diferentes face às

16 │ InterDISCIPLINARY Journal of Portuguese Diaspora Studies Vol. 1 (2012) autoridades locais. Pela análise da documentação e da bibliografia disponíveis pode-se determinar dois momentos diferentes na adesão a este movimento em Hamburgo. Antes da conversão ao Islão de Shabatai Zvi, a comunidade sefardita parece ser um importante pólo de difusão do sabataísmo, pois abriram as suas sinagogas para todos ouvirem ler as cartas vindas da Terra Santa difundindo as notícias dos Novos Tempos e do messias. Nesta fase, a comunidade também incentivou e financiou o retorno dos judeus a Israel. Nos tempos que se seguiram, a comunidade asquenazita tornou-se a maior apoiante das ideias messiânicas na medida em que acolheu e apoiou Sabetai Rafael, o apelidado profeta que viajou pela Europa para defender Shabatai, na altura já convertido ao Islão, e recolher o apoio dos judeus, conforme se mostrará de seguida.

Na Nação Portuguesa de Hamburgo, os judeus portugueses e os seus líderes adoptaram inicialmente uma atitude céptica em relação ao sabataísmo. Posteriormente demonstraram um acordo tácito com as novas ideias que vinham de centros espirituais e religiosamente concei-tuados como Gaza ou Jerusalém. Provavelmente esta origem serviu de garantia de autoridade estando na base da sua aceitação institucional e da sua imposição coerciva ao resto da comunidade. A mesma garantia vinda da Terra Santa contribuiu para que a sua difusão nas sinagogas, abertas a todos os curiosos na evolução dos Novos Tempos, atingisse muitos mais do que os fiéis da congregação. Um terceiro momento, que ocorreu com a conversão do messias e seus partidários ao islamismo, foi seguido de ondas de conversão um pouco por todo o lado, com excepção da comuni-dade sefardita de Hamburgo, de Inglaterra, de Amesterdão e de Salé (Sasportas, cartas 21 e 22: 251). Finalmente, as ideias messiânicas acabam por ser completamente rejeitadas e proibidas na comunidade.

A adesão ao movimento messiânico não foi consensual e muito menos resultou em união, multiplicando-se as dissidências e os conflitos, dividindo pessoas, famílias, grupos e sociedades.2 Todo o frenesim em volta do messias teve como consequência a descrença, a procura das raízes e a busca de respostas por parte dos insatisfeitos com a realidade em que viviam. Por um lado, assiste-se a um maior radicalismo heterodoxo, por outro há um reforço da ortodoxia que, triunfando, deixou pouco espaço para visões diversas ou alternativas e acima de tudo para a evolução da sempre questionada religiosidade dos judeus portugueses.3

Um dos grandes opositores ao movimento messiânico foi o seu antigo rabino David Coen de Lara (Lisboa?, c. 1602; Hamburgo, 1674). O rabino aposentara-se em Março de 1665, dando lugar a Moisés Israel, anterior rabi em Marrocos. Coen de Lara assumiu as suas convicções e demonstrou o seu desprezo e repúdio pelo sabataísmo, abandonando a sinagoga de forma ostensiva de cada vez que a oração em honra do messias era dita. Mas o seu descontentamento incomodava os que

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acreditavam viver em plena era messiânica. Uma das vezes encontrou a porta da sinagoga fechada, noutras vezes alteravam a ordem dos rituais para incluir a oração ao messias numa altura em que ninguém pudesse deixar de estar presente. Numa dessas ocasiões, e na impossibilidade de sair, Coen de Lara zangou-se agitando o punho à menção do nome do messias e quando virou as costas com intenção de sair, um grande tumulto envolveu o rabino. Coen de Lara, protegido pelos seus discípu-los, voltou para rezar. Noutra ocasião, na noite de Quipur depois do Kol Nidre (oração que anula promessas não cumpridas), numa altura de perdão e reconciliação estalou nova confusão entre Coen de Lara e o Dr. Baruch Namias de Castro. Sentados lado a lado insultaram-se e ameaça-ram-se, o que causou escândalo (Scholem, Sabbatai: 517−18 oração, 553, 561; Sasportas, carta 4: 238–39; carta 6: 241 bênção, carta 7: 242–43). Deste modo, fica patente uma certa empatia das autoridades portuguesas em relação ao movimento de Shabatai, reprimindo as tentativas de demonstração de discordância.

Talvez na sequência destes episódios e numa tentativa de evitar desordens o Mahamad, que contava entre os seus membros com o Dr. Baruch Namias de Castro (Hamburgo, 1597–1684), declarou em 1667 que na Nação Portuguesa de Hamburgo quem falasse com desprezo do rei messias e do seu profeta fosse alvo de pena de herem, tal como aqueles que não os denunciassem. As directivas obrigavam os assistentes a estar de pé com o devido respeito na sinagoga aquando da bênção ao rei Shabatai (Protokollbuch I: 341 ou 345). Esta ameaça de herem manteve-se e foi isso que restringiu as cartas e as posições de Sasportas a um círculo restrito de pessoas (carta 3: 237–38). Trata-se dum recuo do Mahamad em relação a esta questão, uma vez que no ano anterior se tinham retirado de circulação os exemplares de Fin de los Dias de Moshe Gideon Abudiente (1610–1688),4 (Protokollbuch I: 322).

David Coen de Lara, tal como Baruch Namias de Castro, era respei-tado na Nação Portuguesa. Discípulo do rabi Isaac Uziel era um grande especialista em literatura clássica e dos Padres da Igreja.5 Correspondeu-se com os hebraístas cristãos Johannes Buxtorf, o Novo (1599–1664) e com o afamado Spizellius6 (Cassuto, Gedenkschrift 10; Toy, Johannes Buxtorf) e nos anos de 1640 debateu-se com Johannes Müller (Breslau, 1590/8-Hamburgo, 1672/3) e Esdras Edzradi (Hamburgo, 1629–1708) sobre a problemática levantada entre luteranos e judeus (Studemund-Halévi, Imprimerie 489). Foi autor de Keter Kehunnah (Hamburgo, 1668) e tradutor das obras de Maimónides nomeadamente de Tratado de los Artículos de la Lei Divina (Amesterdão, 1654) e Tratado de Moralidad y Regimento de la Vida (Hamburgo, 1662); antes disso traduzira também a obra de Elijah de Vidas Ressit Hohmá com o título Tratado del Temor Divino (Amesterdão, 1633) elogiado pelo seu amigo

18 │ InterDISCIPLINARY Journal of Portuguese Diaspora Studies Vol. 1 (2012) José Francês em soneto.7 Curiosamente Tsevi Moudah os poemas sarcás-ticos aos ensinamentos de Nathan de Gaza e ao sabataísmo surgidos em Livorno e Florença eram de Jacob e Manuel Francês (Scholem, Sabbatai 501).

Por seu lado, o Dr. Baruch Namias de Castro, filho do famoso Dr. Rodrigo de Castro (Lisboa, 1546; Hamburgo, 1627−29), foi autor de Flagellum Calumniatum (Amesterdão, 1631), onde assume o nome de Philoteus Castellus e da obra médica Monomachia sive Certamen Medicum (Hamburgo, 1647). Baruch ou Bento foi médico pessoal da rainha Cristina da Suécia (Roth 155; Schoeps 127–28) e teve um papel importante entre os aderentes à causa do messias sendo inclusivamente um dos amigos cujos poemas panegíricos foram incluídos na Gramática (Hamburgo, 1633) de Moshe Gideon Abudiente, mas curiosamente não fazia parte dos membros da academia Shahare Zedek aos quais foi dedicada a obra Fin de los Dias.

Entre os opositores ao movimento também se incluiu Abraham Naar. Este, numa determinada altura, chegou a escrever ao profeta Nathan a pedir conselhos espirituais, mas mais tarde afastou-se (Scholem, Sabbatai 553–54; Sasportas, carta 8 e 9: 244). Em 1666 fazia parte dos membros da academia Shahare Zedek, onde se difundiam as ideias messiânicas e no ano seguinte fazia parte dos deputados da Nação, tal como Baruch Namias de Castro (Protokollbuch I: 340).8

O rabino Sasportas, nascido em Marrocos e descendente de Nahmanidas, tornou-se o mais conhecido opositor do sabataísmo. Em 1664 estava em Londres mas teve de abandonar a cidade no ano seguinte devido à peste que no Outono assolou aquela cidade. Sasports chegou a Hamburgo com a família a 7 Novembro de 1665 e aí se estabeleceu dedi-cando parte do seu tempo a escrever cartas a seus amigos e conhecidos que descrevem a realidade vivida por ele (Scholem, Sabbatai 548–49). As suas cartas foram compiladas e publicadas com o título Zizat Novel Zvi, depois duma autocensura nas partes mais abonatórias ao messias Shabatai Zvi, exibindo a versão final uma linguagem mais agressiva para com o sabataísmo e uma omissão de algumas cartas sobre os aconteci-mentos de 1665–1666 (Scholem, Sabbatai 550–51; Goldish 130–51, 558–59). Sasportas empenhou-se, portanto, em fazer passar uma imagem de cavaleiro solitário, o que não é consentâneo com o que atesta a documentação da Nação Portuguesa.

Quando chegou a Hamburgo, o rabino Sasportas ficou alojado em casa de Joshua e Daniel Abensur, mas temendo o contágio da peste e como medida de precaução, o mahamad pô-lo de quarentena, impedindo-o de se juntar à congregação por quatro semanas. O mesmo sucedeu aos irmãos Abensur, mas apenas durante oito dias. A recepção a Sasportas foi amigável pois os representantes da Nação Portuguesa mandaram à

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sua família um refresco de farinha, manteiga e queijos (Protokollbuch I: 301) ficando todos alojados numa das casas mais conceituadas, a dos Abensur ou Milão (Studemund-Halévy, Biographisches 199, 201), sobrinhos ou familiares próximos de Álvaro Dinis ou Samuel Jachia, um dos fundadores da comunidade de Hamburgo e um dos primeiros líderes espirituais, autor de Trinta Discursos ou Darazes (Hamburgo, 1629)—muito provavelmente da família dos renomeados rabinos, talmudistas e gramáticos Jachia.

Sasportas aproveitou a sua estada em Hamburgo para ensinar os jovens numa yeshiva particular, auxiliado por alguns membros da comunidade de Hamburgo. Contudo a sua intenção de ensinar lição alta de talmidim e de comentadores provocou alguma inquietação, pois reti-rava alguns estudantes à Talmud Thora. O mahamad reagiu e enviou o seu presidente Salomão Curiel para esclarecer, junto de Sasportas, ser regra da Nação a licença do mahamad para quem quisesse assentar residência em Hamburgo. Sasportas reafirmou estar em trânsito para Itália (Protokollbuch I: 318). Deste modo se impediu que Sasportas pudesse intervir junto dos mais jovens e pudesse de algum modo munir o público de contra-argumentos que pusessem em causa as bases proféticas e teológicas do movimento.

A relação com a Nação era algo ambígua pois antes desta sua tenta-tiva em criar uma academia, e ainda em 1666, Sasportas pediu socorro ao mahamad para viajar para Itália depois do Purim com intenção de se dirigir a Jerusalém. Alegou estar impossibilitado de dinheiro e pedia por isso apoio financeiro. O mahamad impôs como condição que levasse toda a família (Protokollbuch I: 313). Contudo, tal não se veio a verifi-car, optando Sasportas e sua família por ficar em Hamburgo aparente-mente sem licença de residência.

As questiúnculas latentes entre Sasportas e a Nação Portuguesa de Hamburgo resolveram-se a partir do momento em que o descrédito e o desalento se instalaram após a conversão de Shabatai Zvi, conforme se verá mais à frente. A mensagem do Sabataísmo, nessa altura, era a salvação através do pecado, isentando-se os seus adeptos do cumprimen-to das leis, o que funcionou como um verdadeiro banho gelado que pôs termo à febre. Quem tivesse dúvidas sobre o movimento deixou de as ter. Este virar de página na Nação Portuguesa é anterior ou coincidente com Março de 1668, quando o mahamad determinou que todas as escamot eram para ser guardadas com rigor, evitando que as “pessoas pouco advertidas” as quebrassem (Protokollbuch 346–47 ou 350–51). Deste modo se travaram práticas inadequadas ao governo e às bases do Judaísmo rabínico.

Claro que isso teve consequências no regular funcionamento das orações e reuniões onde várias pessoas causavam distúrbios falando e

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inquietando quem rezava. O mahamad viu-se na obrigação de permitir que os maiores (parnassim e rubinim) pudessem mandar calar quem quer que fosse, se isso perturbasse as práticas e a devoção do lugar. Os transgressores podiam ser postos fora da congregação (Protokollbuch 349 ou 353), tal como quem não seguisse as escamot, como sucedeu a Isaac Aboab (Protokollbuch 363 ou 364).

No que se refere à comunidade asquenazita pode estabelecer-se um quadro mais ou menos fidedigno a partir de alguns testemunhos. Um desses testemunhos é o de Glückel de Hameln (Hameln, The Life), uma judia que viveu entre Hamburgo e Hameln, descrevendo em livro as suas vivências pessoais ou memórias, constituindo simultaneamente um género de testamento de vida para os seus descendentes. A crença na vinda do messias, com o imperativo dos judeus rumarem à Terra Prometida, levou o sogro de Glückel a deixar a sua casa—com quintal em Hameln—para ir viver num apartamento em Hildesheim, de onde enviou para a casa de Glückel, em Hamburgo, dois grandes barris com víveres para ele utilizar na sua viagem para a Terra Santa. Na casa dela os barris permaneceram três anos.

Esta intenção de viajar e fixar residência na Terra Santa por parte de asquenazitas ou tudescos, como são designados na documentação em português, foi também apoiada pelo conselho da Nação Portuguesa, ou Mahamad, em 1666. A Nação financiou parte da jornada do rabi Nathan bar Rafael e do rabi Mardochai Asquenazi, assim como contribuiu para as congregações de Jerusalém. Para além disso apoiou financeiramente a ida dum haham, também tudesco e seu companheiro, que apresentou várias cartas de recomendação da comunidade de Amesterdão à Nação de Hamburgo pretendendo deslocar-se para Jerusalém através de Itália (Protokollbuch I: 317, 325).

A aceitação do movimento messiânico pelas comunidades asquenazi-tas de Hamburgo e Altona patenteia-se também pela participação dos seus membros nas reuniões na esnoga. Nesses encontros na sinagoga dos portugueses, as cartas com as notícias de Shabatai Zvi eram lidas em voz alta, sendo ouvidas “bei den Nationen, und die Synagoge füllte sich mit Nichtjuden,” ou seja, pelas nações, que se entende aqui como a de tudescos e a de portugueses, enchendo-se a sinagoga, de acordo com Sasportas, de não-judeus (carta 5: 240) ou cristãos. Glückel, por seu lado, descreve os assistentes como “Deustche, jung und alt,” alemães novos e velhos. Todos ouviam a leitura das cartas, ouviam música, cantavam e assistiam a danças de grupos de jovens vestidos de verde e com fitas de seda, cor de traje que obedecia às indicações do messias, e por vezes dançavam todos (Hameln, Denkwürdigkeiten 60-63). Deste modo, a esnoga agregava crentes e curiosos dos tempos messiânicos.

Florbela Veiga Frade / O Sabataísmo em Hamburgo │ 21 Para além das fontes acima citadas, existe a indicação a uma carta

enviada por um rabino de Jerusalém à comunidade asquenazita de Altona, onde, aparentemente, se atestam os testemunhos do grupo profé-tico de Gaza sobre matérias de prática religiosa (Scholem, Sabbatai 558–559). Esta carta demonstrativa da difusão do sabataísmo pela e na comunidade asquenazita é referenciada por Sasportas na sua colectânea de missivas, identificando-a como tendo origem e destino as comuni-dades asquenazitas (carta 2: 237). Todavia, poucos ecos surgem noutra documentação.

Por outro lado, a partilha da crença na redenção próxima aparece corroborada por documentação secundária, nomeadamente sobre uma contenda envolvendo o cemitério de Ottensen datada de 1667. Num desses documentos indica-se que o Templo seria reconstruído em Jerusalém, conforme as profecias e aproveitou-se para começar a taxar a entrada (Scholem, Sabbatai 569; Brilling 66). Ou seja, o messias tinha vindo, a reconstrução estava próxima e era necessário reunir os meios financeiros para a edificação desse símbolo do ressurgimento de Israel.

Mas, no que se refere à documentação das sinagogas asquenazitas, relatos, cartas ou escritos de carácter particular sobre o sabataísmo e Shabatai Zvi, nada sobreviveu a uma acção de autocensura que determinou que as páginas dos livros oficiais fossem arrancadas e os escritos e papéis sobre este assunto desaparecessem (Scholem, Sabbatai 551). A grande desilusão dos adeptos deste movimento teve lugar por volta de 1668, altura em que se pretendeu passar uma esponja sobre o assunto, embora a comunidade asquenazita fizesse parte deste curioso processo messiânico, como se viu.

Deste modo, as cartas do rabino Sasportas e o Livro da União da Nação—o livro onde se assentavam os protocolos, eleições, causas e suas resoluções da Nação Portuguesa de Hamburgo—são as fontes de informação por excelência do papel dos asquenazitas no apoio ao movimento de Shabatai Zvi, principalmente depois do “messias” se ter convertido ao Islão. Segundo as memórias do primeiro, a comunidade de Altona acolheu o cabalista grego de Mistra, Sabetai Rafael (o mensageiro de Shabatai) tido como profeta do sabataísmo e que fôra recebido por Nathan de Gaza em Jerusalém. Sasportas descreve serem os asquenazitas quem o acolheu no seio da sua comunidade, quem por ele pediram reunião—levando a carta do profeta—e quem o acompanharam nas visitas a sua casa, recebendo o rabino permissão do mahamad da Nação de Hamburgo para o efeito (cartas 12, 13 e 14: 246–47; Goldish 163–64). Sasportas descreve ainda que nas duas vezes em que recebeu Sabetai Rafael a sua casa se encheu de judeus que tinham ouvido falar da sua visita e queriam ver e ouvir tudo, cabendo ao anfitrião questionar e levantar dúvidas quanto à autenticidade das alegações proféticas do dito.

22 │ InterDISCIPLINARY Journal of Portuguese Diaspora Studies Vol. 1 (2012) Por conseguinte, Sasportas, visto durante o pico do sabataísmo com desconfiança, tornou-se nesta altura crucial num dos instrumentos da Nação Portuguesa na purga às ideias messiânicas.

O dito profeta fazia um périplo pela Europa (1666–1668) em defesa do messias, tendo como base de apoio a comunidade asquenazita em Altona. Por seu turno, a Nação Portuguesa tomou a iniciativa de proibir todo e qualquer comentário sobre o sabataísmo, principalmente depois da segunda visita de Sabetai Rafael, vindo de Amesterdão em 1668, sendo recusada a sua presença na sinagoga para esclarecer as suas posições (Sasportas, cartas 15 e 17: 247–49). De facto, considerando o prejuízo que a presença de Sabetai Rafael—a que o mahamad chama de “malvado e embusteiro”—teria no Judaísmo e no governo e estância na dita cidade, a Nação considerou a hipótese de lhe colocar um herem com base nas diligências já efectuadas na Justiça pela Nação de Amesterdão. Contudo, só decidiu evitar a conversação dos portugueses com o profeta, na medida em que beneficiava da protecção dos tudescos. O rabi Moshe Israel ficou encarregue de ajustar com os parnassim de Altona um acordo para, unanimemente, colocarem um herem a Sabetai Rafael (Protokollbuch I: 368–69 ou 364–65).

Nessa altura, Sabetai Rafael aproveitava para fazer curas e milagres na região de Hamburgo com o apoio dum grupo que rodeava o tratante de tabaco Benjamim Wulff. Este também fazia “embustes que em favor de Sabetai Raphael inventa persuadindo a algums imfermos de nosa nasão” o que teve como consequência a decisão do mahamad em não autorizar conversas com Wulff ou Sabetai Rafael, embora mais tarde esta disposição fosse retirada ao primeiro (Protokollbuch I: 378 ou 366, 375–76 ou 371–72). Finalmente, em 5428 (1668?) os deputados da Nação de Hamburgo trataram “com todas as forsas botarem daqui este malvado Sabetai” e colocaram um herem ao dito. A excomunhão e expulsão de Hamburgo basearam-se num decreto do magistrado de Amesterdão e aparentemente tinha o apoio da Nação da mesma cidade (Protokollbuch I: 378 ou 374), o que patenteia a relação próxima existente entre Amesterdão e Hamburgo neste tipo de questões.

No que se refere à reacção negativa dos cristãos de Hamburgo face aos judeus e ao sabataísmo nas décadas de 1650 e 1660, um dos mais conhecidos opositores dos judeus é Johannes Müller que escreveu vários sermões anti-judaicos; outros houve que durante anos pediram ao Senado para contratar uma pessoa que falasse hebraico e português para ensinar aos judeus o erro em que se encontravam. No ano de 1667, Esdras Edzardi passou à prática e criou o chamado Edzardische Proselyten-Anstalt que tinha como objectivo a conversão dos judeus e ensinar estudos bíblicos e rabínicos. Edzardi estabeleceu um fundo participado por senadores de Hamburgo e até pela princesa de Württemberg que se

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destinava à compra de livros, dar presentes e apoio às famílias de conver-sos que deixaram de poder garantir o seu sustento por não serem aceites na sua antiga comunidade, nem na cristã. Os conversos eram asquena-zitas e sefarditas, tendo estes últimos o professor Eberhard Anckelmann que passou dois anos na Península Ibérica a aprender as línguas. Contudo a morte do fundador em 1703 conduziu ao declínio de todos os objectivos com que o Proselyten-Anstalt foi criado (Whaley 86–88).

O misticismo de Fin de los Dias e o seu papel no sabataísmo

Antes de analisar o misticismo da obra Fin de los Dias vejamos quem era o seu autor e o seu papel na comunidade de Hamburgo. Moshe de Gideon Abudiente (Lisboa/Amesterdão?, 1610-Hamburgo, 1688) foi poeta, gramático, rabino e teólogo e uma figura de grande vulto nas comunidades de Hamburgo e Glückstadt, ao qual se deve uma vasta produção literária. As raízes da sua família são pouco conhecidas, sabendo-se que era filho de Gideon Abudiente e genro do conhecido Paulo de Pina (Reuel Jesurun). Do seu casamento com Sara nasceram Gideon de Moshe Abudiente e Reuel Abudiente, conhecido em Londres como Rowland Gideon, um aventureiro viajante pelas Índias Orientais e Boston, cuja descendência deu origem a vários membros da nobreza inglesa (Roth 207; Kayserling 69–70).

A produção escrita de Moshe Gideon Abudiente é vasta e inclui um poema em honra do casamento de David Curiel (1617) e a sua tradução hebraica, conhecida como Meguila Curiel (c. 1628);9 Gramatica Hebraica (Hamburgo, 1633) onde inclui composições poéticas de sua autoria; versos redigidos por ocasião dos casamentos dos filhos; um panegírico para a inauguração da sinagoga de Amesterdão; a polémica obra Fin de los Dias (Glückstadt, 1666); um poema inserido no drama de Joseph Penso de la Vega Assiré Hatikvah (1668); uma elegia fúnebre (1672); Vave Haamoudim, (lista de palavras começadas por vau redigida entre 1678–1681); epitáfios vários; Shir Agoula um panegírico à obra de Hahim Buchner Or Hadash; e uma recolha de poesia reunida na obra sobre sabedoria e moral, intitulada Avne Shoam, conhecida postuma-mente e de que existem vários manuscritos do século XVIII. Para além destes escritos, Abudiente possui também uma produção epistolar mantida em 1678 com o rabino de Amesterdão Yitzhak Sorok, revelando dissidências relativas ao ritual usado na sinagoga (Maleakhi 307–17).

Por conseguinte, Moshe Gideon Abudiente possui uma importante produção escrita cujos méritos são indesmentíveis, sendo provavelmente Fin de los Dias a sua obra menor. Esta obra messiânica parece ter tido um impacto pouco relevante mesmo entre os membros da Academia a quem foi dedicada pois foi censurada e retirada de circulação pelo Mahamad de Hamburgo pouco tempo depois de ter sido publicada.

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Fin de los Dias foi publicado em 16 de Agosto de 1666 em

Glückstadt. Contudo, após três semanas os dirigentes da comunidade de Hamburgo declararam que o conteúdo desta obra de Abudiente era susceptível de colocar os judeus em perigo, face à comunidade em que se inseriam e mandaram confiscar todos os exemplares da edição nos cofres da congregação até que a hora chegasse, ou seja, até que se verificasse na prática que tinha chegado o fim dos dias; nessa altura seriam entregues ao seu autor (Protokollbuch I: 322; Scholem, Sabbatai 565)—uma posição cautelosa que salvaguarda qualquer eventualidade.

É muito provável que esta obra tenha circulado manuscrita em Hamburgo durante o auge do movimento, mas a sua circulação terá cessado ou pelo menos diminuído de forma drástica por volta de 1668–69 quando se fez sentir a coerção da Nação Portuguesa com maior intensidade. O que é certo é que de toda a edição de Fin de los Dias se conhecem apenas dois exemplares, um que se encontra actualmente na Biblioteca Rosenthaliana em Amesterdão, na qual se baseia este trabalho, e outro na Uppsala Universitetbibliotek (Suécia).10 Este último exemplar possui também uma informação importante no que se refere à queima de vários exemplares desta obra e à inexistência dum exemplar em hebraico.

Figure 1. Moseh Gidhon Abudiente, Fin de los Dias, 1666 Imagem reproduzida com autorização da Uppsala Universitetsbibliotek.

Florbela Veiga Frade / O Sabataísmo em Hamburgo │ 25 A obra, cujo título é Fin de los Dias: Publica ser llegado el Fin de

los Dias …, foi publicada em Glückstadt em 5426, ou seja, em 1666 da era comum, sendo dedicada à Yeshiva Shahare Zeddek (Academia Portal de Justiça). Esta academia era composta pelas mais ilustres personalidades da Comunidade de Hamburgo (ver Quadro 1), cujas famílias constituíram as bases das comunidades tanto daquela cidade como da de Amesterdão.

Quadro 1. Academia Shahare Zeddek (Academia Portal de Justiça)

Abensur, Daniel Benveniste, Abraham Levy Flores, Abraham Abensur, Joshua Benveniste, David Lima, Sansão de Aboab, David Bravo, Joseph Mendes, Abraham Aboab, Isaac Chilam, Abraham Naar, Abraham Abudiente, Netaniel Coen Lobato, Gideon Naar, David Abudiente, Sansão Fidanque, Jacob Oeb, Joseph Atias, Daniel Fonseca, Daniel da Pardo, Jacob Behar, David Guedes, Samuel Sénior de Matos, Abraham Behar, Jacob Habilho, Joshua Sénior, Jacob Behar, Moshe Israel, Jonathan Belmonte, Jacob Jesurun, Joseph

A obra de Abudiente, escrita em castelhano com influências portu-

guesas (Sárraga 226), foi publicada sem a permissão do Mahamad em Glückstadt e serve para justificar que o nome do messias é Shabatai Zvi (Abudiente 24, 78, 95) a quem chama messias rei, cuja chegada dá início ao fim dos dias e a uma era messiânica; ou seja, um messias político que governaria o Reino dos Céus na Terra.

Contudo, o autor tem noção de que existem muitos incrédulos em Israel e que a incredulidade se combate com esperança, imitando o rei David (14, 21). Abudiente compara as vivências pessoais de Shabatai Zvi, o “messias-rei” aprisionado pelo sultão, ao primeiro redentor Moisés que, segundo a lenda, foi preso em Madian. Para Gershom Scholem a valorização da prisão caracteriza a educação cristã do autor (Sabbatai 567; Maleakhi 313) pois apesar de remeter para a figura emblemática do Judaísmo, possui um “modelo” de messias cristão: Jesus preso e morto na cruz.

A guematria, a pedra e a porta em Fin de los Dias

Abudiente pretende justificar na sua obra que o messias já chegou e se chama Shabatai Zvi. As citações bíblicas do Génesis, Êxodo, Salmos, Deuteronómio e dos profetas Ezequiel, Daniel, Salomão, Jeremias,

26 │ InterDISCIPLINARY Journal of Portuguese Diaspora Studies Vol. 1 (2012) Zacarias, entre outras, são usadas para forçar, na maioria das vezes, esta sua interpretação. Abudiente utiliza os números (de forma pouco inteligível) e a guemátria para desvendar os segredos escondidos no interior das palavras em hebraico que por si remetem a múltiplos sentidos a que se deve associar o carácter sagrado daquela língua. As leituras possíveis são várias, pois o número que cada letra representa—tal como o seu conjunto e somatório—assumem um carácter místico só acessível a detentores duma boa preparação na leitura, interpretação e decifração de sentidos explícitos e implícitos de cada um dos caracteres e da associação entre eles. Neste sentido, só quem tivesse uma grande formação mística e várias leituras de obras cabalísticas estaria preparado para a sua interpretação.

Pela leitura desta obra verifica-se que o autor avança com um cálculo e número para a restauração e liberdade que é de 1600 anos, referindo então faltarem dois anos para o cumprimento do cativeiro (Abudiente 13, 31). Tendo em conta que o livro foi publicado em 5426 (1666), a era messiânica estaria prevista para 1668 (Scholem, Sabbatai 568; Maleakhi 313). E na eventualidade de ser antecipada dois anos caía precisamente em 1666—ano da escrita do texto de Fin de los Dias—a qual se fazia coincidir com a prenunciada data dos milenaristas.

Abudiente explica então o cálculo de 1600 anos dos quais 400 foram de cativeiro no Egipto e os restantes 1200 (calcula-se) são de redenção e dor nas restantes três monarquias (Abudiente 36–37). Indica ainda que não está cumprido o tempo de castigo e para isso associa os 400 anos de cativeiro aos 400 siclos pagos por Abraão a Efrom para as sepulturas. Abudiente acrescenta que a letra vau vale 400, tal como as 4 gerações de 100 anos que o Senhor deve castigar, resultando cada uma em prazos de 400 anos cada castigo, de 1600 no total. A (des)propósito, Abudiente refere o profeta Nathan que diz ser o tempo de apaziguamento dos cativeiros de 430, pois esse ano da criação do mundo corresponde ao shekel em hebraico (Abudiente 38–43). Contudo tratam-se sempre de valores de referência, uma vez que mais à frente o próprio cativeiro no Egipto possui outros números para utilizar novas ideias simbólicas.

Escreve aí que a escravidão no Egipto fora mais precisamente de 210 anos que se compõe de 3x70 ou 30x7. Ambos os cálculos possuem o número sete, cujo significado é liberdade e alforria (Abudiente 76–77), sendo o mesmo número de anos indicado no capítulo dedicado a explicar as revelações de Daniel. Neste capítulo explica-se que o cativeiro de Israel foi de 2300 anos: os 210 no Egipto; os 70 na Babilónia; os 420 de duração do Segundo Templo nas monarquias grega e romana; e por fim os 1600 anos em que os judeus andaram espargidos (Abudiente 124–25). Deste modo, os números e a Matemática são transmissores de ideias

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místicas e espirituais e representam por isso conceitos com vários níveis de leitura.

Abudiente apresenta então uma outra justificação numérica: o número quatro é apresentado como expressivo pois entre os seus signifi-cados designa os quatro braços de rio saídos do Éden que se associam ao mesmo número de monarquias; o número de juízos maus; as linhagens de Jeremias; os tempos de morte, de espada, de fome e de cativeiro nas ditas monarquias; o profundíssimo mistério da Merkabah com os quatro animais com quatro caras e quatro asas e as rodas da quadriga; os ventos sentidos por Daniel; os cornos de Zechar; e o número de sábios ou carpinteiros. Nas dezenas o algarismo 40 representa os dias de Dilúvio; os dias de pecado dos espiões; os anos no deserto; os dias e noites que Moisés esteve no Monte para obter o perdão do pecado do bezerro. Nas centenas volta-se ao sentido dos 400 anos de cativeiro nas monarquias, no fim dos quais se faria a remissão dos pecados e se daria alforria e liberdade aos justos (26–31), iniciando-se a Quinta Monarquia.

Abudiente retoma ainda o número sete que Abudiente considera ser perfeito para justificar a data de início da Era Messiânica no ano 5425 (Abudiente 75–80). O sete encontra-se no cálculo da época de alforria e liberdade do Egipto, ou seja 210 anos é o equivalente a 30x7 ou 3x70; o êxodo da Babilónia durou 70 anos; Jacob serviu 7+7 anos pelas suas mulheres e no Egipto existiam 70 almas. O mistério das 70 semanas de Daniel também poderá estar relacionado com estas ideias, podendo computar-se por duas vias: 7x70 ou 70x70 que resultam em 490 e 4900 mais meia semana que são 35. Somando tudo chegar-se-ia à data 5425 (ano de 1665 E. C.), forçando-se portanto a data, tal como se fez relativamente ao quatro. Ainda para justificar esse ano específico remete-se para a palavra Massiah que somaria 425 e coincidiria com a parte final da data. Scholem refere que esse número designa o ano jubilar e que representaria um shabat cósmico (Sabbatai 568) destinado ao descanso da Humanidade e à aprendizagem e estudo espiritual, iniciando-se nessa altura a era messiânica.

O número sete compõe a palavra Zahab (ouro) pois o ז zain é sete, e o ה he e o ב beth valem também sete (5+2), correspondendo ao número de candeias e de olhos. Hayn (olho) é também o nome da letra ע que designa setenta; deste modo os setenta olhos (henaim) do Senhor que estão sobre a pedra de Israel assistem continuamente Jerusalém com a Sua providência (Abudiente 91–93). Por conseguinte, o número sete representa o mais perfeito dos metais e designa também os setenta olhos sobre a pedra de Israel. Extrapolando, seria um conjunto de 36 pessoas, sábios ou anjos que velariam a humanidade em sintonia com a divindade. Os seus olhos representariam os 72 nomes de Deus que contêm todos os mistérios, conforme a tradição da Cabala. A pedra11 é misticamente uma

28 │ InterDISCIPLINARY Journal of Portuguese Diaspora Studies Vol. 1 (2012) temática complexa, pois para além de poder designar a pedra sobre a qual Jacob sonhou com os anjos subindo e descendo dos céus, pode referir-se à pedra metafórica que é alicerce do Templo de Salomão ou a pedra profetizada por Daniel que, caída do monte, derrubaria a estátua representante dos reinos que prenunciava o advento da Última Monarquia, tal como Bocarro alude no Status Astrologicus (Frade & Silva 86–7). A reconstrução do Templo de Salomão daria início à Era Messiânica. Deste modo, aponta-se um caminho disponível à humani-dade como um todo, mas esse caminho seria também um processo individual de evolução espiritual, de acordo com a Cabala, que culmina com a construção dum templo interior transformando cada alma num anjo cada vez mais próximo de Deus.

Abudiente (51–80), baseado nas palavras dos salmos, aponta que a pedra rejeitada pelos construtores tornar-se-ia a cabeça de Piná, ou seja, a pedra angular de Israel (Sl 118:22/ Sl 117: 22), identificada também com a porta defendida pelos anjos na casa de Lot em Sodoma, nomeada em Génesis 24.24, que serviu de defesa de Judá e dava a passagem entre os dois mundos. Ou seja, a pedra poderia ser o próprio messias que, tal como ela, foi rejeitado pelos construtores de sumptuosos palácios do mundo, ou os defensores da tradição, mas que apesar disso, daria início à Era Messiânica e seria a base ou pedra basilar da melhor das fábricas: a construção de Israel. Israel pode ser entendido provavelmente como a Nação dos espiritualmente mais avançados, embora o sentido político da profecia tenha sido o que mais atraiu os seus seguidores, patente na constante menção a viagens que se pretendiam fazer para a Terra Santa e na necessidade dum messias que tomaria o governo do Reino dos Céus na Terra. Dava-se portanto seguimento a uma das ideias defendidas por Rambam na Idade Média, tal como Menassé ben Israel e os adeptos do sabataísmo.

Neste sentido, a obra de Moshe Gideon Abudiente Fin de los Dias é representativa duma época de questionamento religioso que envereda pelo messianismo de Shabatai Zvi. Condições especiais desses tempos contribuíram para a rápida e larga difusão deste movimento por parte das pessoas carentes duma espiritualidade libertadora dos seus medos e esperançosa em Novos Tempos de entendimento, de Paz e de Amor Fraternal, onde a Justiça reinaria e todos fariam parte de algo transcen-dente que se libertaria finalmente de tudo o que fosse material e por isso corruptível e mundano.

A Cabala e o misticismo

No que diz respeito ao conhecimento da Cabala e ao misticismo, o movimento sabataísta é considerado pelos escolares como uma deturpa-ção do pensamento cabalista. Gershom Scholem aponta mesmo que o

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conhecimento superior e mais aprofundado da Cabala, por parte de Sasportas, teria sido a “pedra de toque” que faltou aos judeus portugue-ses, antigos “marranos” ou seus descendentes. Estes como não eram eruditos, mas negociantes hábeis, remetiam os assuntos religiosos ao seu rabino na altura, Moisés Israel (Sabbatai). Deste modo, os judeus portugueses estavam muito longe da especulação cabalística e interpre-tavam as novas messiânicas no seu sentido ordinário, tradicional e político-nacional. Por conseguinte, Sasportas afastou-se do movimento messiânico e este germinou na comunidade dos judeus portugueses. Contudo, e tal como o próprio Scholem demonstra na sua obra, a crença no profeta Nathan e no messias Shabatai foi uma realidade que se espalhou independentemente da formação cristã, judaica ou cabalista de cada um, já que até o próprio Sasportas vacilou (Sabbatai 550, 551–553).

Mas, pelo contrário, a comunidade sefardita de Hamburgo estava instruída tanto nas temáticas das autoridades rabínicas como nos temas cabalistas, tal como se pode verificar pela publicação dos sermões prega-dos na sinagoga, tais como os Trinta Sermões ou Darazes (Hamburgo, 1629) de Samuel Jachia (c. 1570–1645).12 Estes sermões eram lidos em Português, língua materna da esmagadora maioria das pessoas reunidas em sinagoga e, portanto, quem a frequentasse estaria instruído nos principais temas da tradição oral e escrita e simultaneamente em vários assuntos cabalísticos. Para além disso, e tendo em conta a produção literária dos seus rabinos e médicos, constata-se que eram eles os principais difusores de ideias místicas pois também traduziram fontes e autores cabalistas. Entre os rabis contam-se, entre outros, Abraham Coen de Herrera (c. 1570–1635/39), Jacob Jehuda Leon Hebreu Templo (1603–1675) e David Coen de Lara (c. 1602–1674), e entre os médicos Rodrigo de Castro (1546–1627/29), o filho Baruch de Castro (1597–1684), Samuel da Silva (1570/1–1631), Manuel Bocarro Francês (c. 1588–1662/68?) e Benjamim Musaphia (c. 1606–1675). Todos demons-tram nas suas obras, mesmo nas de Medicina, que os conhecimentos cabalistas tal como os da Torá faziam parte da sua formação. Por conseguinte, podemos concluir que desde cedo as ideias cabalistas e místicas eram difundidas entre os membros da comunidade, através dos sermões sabatinos e muito provavelmente faziam parte dos programas das Yeshivot das sinagogas, ou particulares como a Shahare Zeddek, e também através das obras que circulavam em Hamburgo.

Um dos princípios básicos dos textos cabalísticos e místicos que apontam para o messianismo é a percepção da redenção que se segue a um período de catástrofe. A redenção é simultaneamente um processo individual e colectivo porque inclui todas as gerações, sendo tempo duma tremenda luta entre as forças do Bem e do Mal tanto na Terra como nos Céus (Elior 44). Por outro lado, os estudos cabalistas

30 │ InterDISCIPLINARY Journal of Portuguese Diaspora Studies Vol. 1 (2012) fomentam a convicção e expectativas messiânicas que beneficiaram da difusão do Zohar, especialmente formuladas em Tikkuney Zohar impresso no século XVI. Nessa altura os judeus expulsos levaram a cabo um processo de espiritualização da religião essencialmente difundida através da Cabala e dos seus professores que pretendiam gerar um pensamento introspectivo inerente ao pensamento místico. Pretendia-se, deste modo, estabelecer uma nova posição da Cabala face à Halakha e simultaneamente transformar a Cabala numa doutrina disponível em vários círculos, pois até aí tinha sido um tema elitista e esotérico acessível a alguns eleitos. Portanto, surgem nesta altura mudanças radicais tanto na vida judaica com vista à era messiânica como simultaneamente no acesso e conhecimento do esoterismo judaico e possibilidades de interpretação cristológica por parte dos escolares cristãos (Elior 37–38; Goldish 50–55).

De acordo com Goldish, a Cabala começou a ganhar importância face à Filosofia e aos estudos talmúdicos, deixando de ser estudada por um grupo restrito e secreto de pessoas para passar a ser um corpo de ideias públicas. O pensamento cabalista desenvolveu-se e teve uma explosão centrada em Safed, sendo a mais importante a do rabino Isaac Lúria que se centrou nas concepções de exílio, redenção e revoluções da alma. São da sua autoria um corpo hagiográfico judaico em que Lúria se assume como profeta e messias. Deste modo, o judaísmo do século XVII é marcadamente questionado, quer através da fundação e viabilidade da autoridade rabínica no que diz respeito ao impacto do Sabataísmo, quer através do racionalismo céptico.

Matt Goldish afirma que a Lei, os seus códigos e exegese assim como o profundo conhecimento do Talmude e Midrashim deveriam ter afastado os rabinos do século XVI e XVII da atracção exercida pela Cabala e pelo misticismo—pois o conhecimento cabalístico requer outro tipo de competências, designadamente um talento espiritual, imaginação e profecia, remetendo para outro tipo de autoridade. Os seguidores da Cabala e do misticismo eram geralmente rabinos, jovens com um conhecimento vasto das fontes tradicionais judaicas. Tinham um carisma que lhes advinha da sua reputação passada de boca em boca, das suas curas, prognósticos e exegese imaginativa dos textos cabalísticos. Por conseguinte, para Goldish os místicos e as suas obras entraram em competição directa com as elites tradicionais rabínicas e a sua literatura e na altura em que as sobrelevaram, abriu-se o caminho à transgressão da Torá e da tradição. Porém, podemos acrescentar que os crentes no misticismo judaico incluem velhos e novos, devendo a Cabala ser compreendida à luz da Lei escrita e oral, tal como Samuel Jachia aponta nos seus discursos. Aliás, os maiores estudiosos da Cabala durante o século XVI e XVII são rabinos, cujo conhecimento das autoridades

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rabínicas e dos seus escritos não deveria ser questionado, porquanto pode ser comprovado pela própria produção escrita daqueles rabis.

Todas as questões rabínicas e/ou místicas contribuíram tanto para a aceitação como para a rejeição por parte dos povos. As consequências que se lhe seguiram foram um fechamento a questões místicas por parte das autoridades rabínicas, uma negação de formas mais ou menos festivas de se estar e se comportar na sinagoga e uma ortodoxia cada vez mais restritiva que se traduziu na proibição de música e instrumentos nas reuniões e num código de vestuário principalmente destinado às mulheres (Protokollbuch I: 343).

Depois do descrédito de Shabatai Zvi houve uma certa repressão do misticismo que de alguma forma foi utilizado (de maneira forçada como se viu) para fundamentar o movimento. Por conseguinte, o desenvolvi-mento dos círculos místicos e cabalísticos passou para os meios cristãos, como Christian Knorr von Rosenroth (Coudert, Kabbalistic 107–24). Por outro lado, criou-se um movimento de reacção ao messianismo judaico, usando o sentimento de decepção para a propaganda do cristianismo que se disseminou através da literatura alemã dos séculos seguintes (Carlebach 125–38). A “apropriação” cristã deu origem a um Iluminismo Cabalista, usando a definição de Allison Coudert, que se expressou em parte em Kabbala Denutada (1677/78) onde também foi publicado Puerta del Cielo de Coen de Herrera (Scholem, Cabala 32–33), rabino de Hamburgo. Estes grupos cristãos usavam a Cabala13 e a tradição judaica tal como os trabalhos de Platão, Hermes Trismegisto e os oráculos sibilinos, criando uma filosofia que conduziria à tolerância e à sabedoria universal.

As correntes místicas cristãs ganharam cada vez mais adeptos demonstrando que os ensinamentos místicos e cabalísticos, embora de tradição judaica, podem e devem ser estudados como forma de atingir o que de divino a alma humana possui. A Era Messiânica seria, portanto, a tomada de consciência por parte da Humanidade destas questões e ideias, colocando-as em prática, independentemente das religiões professadas.

Sabataísmo: Fenómeno “marrânico” ou reflexo do Zeitgeist?

Mas voltando ao acima enunciado, mais especificamente à ligação dos conversos “marranos” ao “messianismo marrânico,” nome por que é conhecido o movimento de Shabatai Zvi já que, apesar das bases judai-cas, se transformou em algo difícil de definir, extravasando o judaísmo sefardita. As ideias que sustentam esta estreita ligação e estão na base da sua definição são: os conversos, com fraco conhecimento do judaísmo rabínico—com algumas ideias pouco sólidas da Cabala e do misticis-mo—, os seus impulsionadores e os seus seguidores.

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Começando pelo messias e o seu círculo próximo, Shabatai Zvi era provavelmente levantino, originário da comunidade sefardita de Esmirna, na Anatólia, onde o seu pai era feitor duma companhia de mercadores ingleses. A comunidade de Esmirna era composta essencialmente por judeus peninsulares, sendo na sua maioria conversos cuja identidade era fortemente ibérica e judaica com vestígios de ideias cristãs. Por isso Shabatai falava castelhano e estudou nas yeshivot sefarditas (Goldish 2–3), incluindo na sua formação os textos clássicos rabínicos e os textos místicos de Cabala, como o Zohar, Qanah e Peliyah (Idel 185). Shabatai viajou pelas comunidades de Jerusalém (1662), Cairo (1663–65) e Gaza (1665) onde conheceu Nathan, o Profeta. Dirigiu-se à Turquia onde pretendia tomar o poder ao sultão, sendo interceptado no Mar de Mármara, acabando por ser preso em Gallipoli. Converteu-se ao Islão, com o nome de Mahamad Effendi, tal como os seus seguidores (1665–66), sendo instalado em Andrinopla e em Constantinopla. Em 1672 foi acusado de marranismo e de libertinagem mística, sendo preso e deportado para Ulcinj (Montenegro) onde morreu em 17 de Setembro de 1676 (Scholem, Messianic 142–66). Sara, a sua esposa—a terceira mais concretamente, já que os dois primeiros casamentos foram anulados—passou pela comunidade sefardita de Amesterdão onde era conhecida pela sua beleza e promiscuidade, mas antes fôra criada num convento do qual fugiu depois de ter tido uma visão anunciando que casaria com o messias. Ela foi uma das órfãs sobreviventes do massacre na Polónia, uma asquenazita conversa. Sara, depois de passar por Livorno e atravessar o Mediterrâneo, casou com Shabatai Zvi. Ela teve um papel preponderante no movimento já que profetizara o seu casamento com o messias (Goldish 89–97).

O grande teorizador do movimento foi Nathan ben Elisha Hayim Ashkenazi (1643/4–1680) que ficou para a história como Nathan (profeta) de Gaza. Nasceu em Jerusalém de pais oriundos da Polónia ou Alemanha, casou com a filha de Samuel Lissabona, talvez um judeu português, e frequentou a Yeshiva de Jacob Hagiz. Foi responsável por uma certa certificação rabínica do sabataísmo, pois nas suas cartas explica que a vinda do messias iniciava a fase de transição para a Redenção Total, constituindo a fé no Messias libertadora do cumpri-mento dos mandamentos da Torá. Foi Nathan quem incentivou Shabatai Zvi a dirigir-se ao Império Turco para assumir o governo e depois da conversão ao islamismo do messias continuou a defendê-lo. Justificou a conversão como a descida aos abismos necessária à purificação e liberta-ção das últimas centelhas de santidade aprisionadas pelo mal, passando deste modo, o pecado a ter um poder santificante. Iniciar-se-ia, portanto, uma nova via messiânica em que a redenção se seguia ao pecado terminando com a abolição da Tora. A cisão dos seus apoiantes deu lugar

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aos judeus moderados e aos Dönmeh (apóstatas) centenas de famílias de Salónica convertidas ao Islão (Goldish 56–88; Carvalho 90–93).

Deste modo, podemos identificar na origem deste movimento um sefardita levantino (Shabatai), uma asquenazita conversa (Sara) e um asquenazita (Nathan). Os dois primeiros converteram-se ao Islão, mas os seus seguidores podem inserir-se num espectro largo que inclui cristãos, cristãos-novos, cristãos nas suas correntes milenaristas; judeus conver-sos, judeus sefarditas (levantinos e ponentinos), asquenazitas, com e sem raízes sefarditas; e os judeus convertidos ao islamismo nomeadamente os dönmeh, e mais tarde muçulmanos.14

No que se refere às áreas atingidas pela febre sabataísta verifica-se que inicialmente se difundiu nas margens sul do Mediterrâneo, com especial incidência na Palestina, tendo grande adesão no Império Otomano e na Polónia, passando às chamadas comunidades de judeus sefarditas, nomeadamente de Amesterdão, Livorno e Hamburgo, entre outras (Wilke 192). Por conseguinte, em termos geográficos trata-se de algo disperso, e em termos religiosos torna-se bastante mais complexo e difícil de avaliar, já que os aderentes a este movimento são diversos. Em suma, o chamado “Messianismo Marrânico” inclui um espaçoso leque de religiosidades numa escala que vai desde o Judaísmo ao Islamismo, passando pelo Cristianismo e inclui vastas áreas da Europa e Médio Oriente. Não será de excluir a utilização do conceito marrânico para se salientar o carácter negativo do movimento, já que os marranos são, em língua portuguesa, os suínos, embora se possam atribuir outras etimolo-gias mais eruditas à palavra.

Alguns autores, como Gershom Scholem, a que se seguiram Moshe Idel, Jacob Barnai, e Matt Goldish enfatizam o papel dos sefarditas, portugueses e espanhóis, na difusão e na aceitação da mensagem do messianismo de Shabatai, alegando que o passado converso destes judeus contribuiu para a sua insatisfação provocada pela inquietação religiosa, pela deficiente formação judaica e especulação cabalística e também pelo processo penoso da aceitação do Judaísmo rabínico (Scholem, Sabbatai 550, 551–553; Idel 184; Barnai 119–126; Goldish 7). Esta tese do movi-mento sabataísta ser criado e animado pelos “marranos”15 e “novos-judeus” foi revista por Scholem, chegando mais tarde a afirmar que aqueles tiveram um papel negligenciável. Contudo, adquiriu uma quase unanimidade entre os autores que beberam em Scholem as suas ideias e que consideraram ser de Miguel Cardoso a obra teológica e profética Maguen Avraham16 (Wilke 192–193), onde o seu escritor se assume como o messias filho de Joseph, sendo seguidor do descendente de David, Shabatai Zvi.

O papel dos conversos foi posto em perspectiva por outros autores que se debruçaram sobre a temática do cepticismo. Estes defendem que a

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mentalidade conversa dos chamados “marranos” contribuiu para o desenvolvimento do cepticismo crítico que conduziu inicialmente a uma espiritualidade não dogmática e mais tarde a um pensamento secular que caracteriza o pensamento ocidental contemporâneo. Contudo, este tipo de pensamento não é apanágio dos judeus conversos, pois as mentes de muitos cristãos também foram atingidas por dúvidas semelhantes durante a Reforma resultando numa visão mais céptica e ecuménica (Coudert, Impact 110). Ou seja, trata-se dum questionamento e dum criticismo talvez céptico, auxiliado pelo método crítico de Descartes em que tudo o que se conhece (ou se julga conhecer) tem de ser desmontado e questio-nado para voltar a ser reconstruído com um maior conhecimento, de-vendo prevalecer a certeza sobre a dúvida.

Baruch Espinosa (Amesterdão, 1632; Haia, 1677) tinha nas suas estantes as obras de Descartes De Principia Philosophiae; Specimina Philosophiae seu Dissertatio de Methodo; e Passiones Animae, saídas da tipografia de Ludovicum Elzevirium na cidade de Amesterdão em 1650 (Santiago 285). A sua leitura contribuiu para a reflexão de Espinosa, nomeadamente na aplicação da crítica à Religião ligando-a à Filosofia, desmontando de algum modo os dogmas teológicos e a ortodoxia, designadamente em Renati Descartes Principiorum Philosophiae (Amesterdão, 1663) e mais tarde noutras obras onde trata de Teologia. Espinosa foi pioneiro na aplicação do método cartesiano nestas áreas. A sua intenção não parece ser o descrédito do Judaísmo, mas antes uma tentativa de compreender e verificar o seu conhecimento através duma nova forma ou método disponível ao pensamento humano: a dúvida metódica.

Esta nova forma de pensamento com regras “científicas” contribuiu para o Zeitgeist, ou espírito da época, aceitando-se que tudo é susceptível de crítica e podendo colocar-se tudo em dúvida, mesmo que isso pudesse ser considerado heterodoxia à luz da ortodoxia vigente. Mas esta tentativa cartesiana de racionalizar conduziu à negação das paixões da alma e das emoções, o que teve como consequência última e extrema a negação da espiritualidade (Sweetman 42; Damásio 1994). A este processo deve ainda acrescentar-se um outro seu paralelo em que se colocam as autoridades clássicas e os autores bíblicos face aos novos conhecimentos e à experiência adquirida (Barreto 1986), o que por vezes resultava em contradições que requeriam resolução e integração nos quadros de pensamento vigente, algo que os Descobrimentos possibilita-ram porque demonstraram outros costumes, outras organizações sociais, outros seres, outros mares …. E isto era manifestamente mais visível para quem estava envolvido ou conhecia as viagens que ligavam o mundo, paulatinamente, global.

Florbela Veiga Frade / O Sabataísmo em Hamburgo │ 35 De facto, os judeus portugueses estavam numa posição charneira no

que ao acesso a novas informações e dúvidas religiosas diz respeito, pois estavam envolvidos nas viagens comerciais e foram alvo de sucessivas tentativas de conversão tanto na Península como fora dela, estando desse modo mais propensos a aplicar a crítica à Religião. Mas o mesmo se pode afirmar em relação aos cristãos descontentes com a prática da reli-gião não harmonizada com a Sagrada Escritura, conduzindo a cisões com a Igreja Católica e no seio dos movimentos ditos protestantes (Frade).

Os judeus de Hamburgo beneficiavam de contactos globalizados pois uma das suas principais actividades era o comércio de longo curso, estando as suas casas comerciais estabelecidas em vários locais com sucursais pelo mundo conhecido. Para além disso, entre os rabinos e mahamad de cada comunidade existia a tradição de aconselhamento religioso a que recorriam regularmente para resolução de problemas entre os seus membros. Mas, se por um lado há uma forte vertente de seguidores messiânicos com um passado converso, por outro há um clima social e religioso que favorece o surgimento deste tipo de movimentos (Kellenbenz).

O (res)surgimento dos messianismos e profetismos judaicos benefi-ciaram dum prévio ambiente cultural. No século XVI saíram à estampa as obras de Isaac Abravanel (Lisboa, 1437−Veneza, 1508) que incluem cinco livros sobre questões messiânicas e cálculos para a vinda do messias. Por seu turno, o discípulo de Isaac Lúria e Moses Cordovero, Abraham ben Eliezer ha-Levi (a. 1540–1600) foi autor de diversos escritos proféticos, apontando 1524 ou 1530–1531 como o início dos novos tempos. Acrescente-se ainda os textos Galya Raza e Mishreh Kittrin que pretendiam aumentar o conhecimento da era messiânica, sendo conhecido um movimento no Norte de Itália encabeçado pelo profeta asquenazita Asher Laemmlein Reutlingen (Goldish 42–43).

Os séculos XVI e XVII também foram marcados por vivências negativas associadas por vezes à sensação de fim de mundo. E isso explica em parte o comportamento e expectativas dos judeus sefarditas em diáspora, por um lado, e asquenazitas após os massacres de 1648–1649 na Polónia (Idel 183), por outro. Mas o mesmo se pode dizer dos cristãos e muçulmanos envolvidos, quer na Guerra dos Trinta Anos (1618–1648), quer nas guerras do Império Otomano com os Habsburgos que envolveu grande parte dos países da Europa. Ou seja, as consequências da intolerância religiosa e das guerras tal como das acções dos líderes políticos e religiosos da época aliam-se ao sentimento de sobrevivência das populações que se poderá traduzir numa fragilidade pós tragédia e conduzir as pessoas ao refúgio na fé em busca de conforto e de redenção—algo que as religiões oferecem tal como o fascínio na crença na vinda do messias e de novos tempos de paz e justiça.

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Esta questão religiosa adquire simultaneamente uma dimensão psicológica, pois os indivíduos sofreram sequelas pessoais que poderiam de algum modo ter influenciado as suas vidas e por conseguinte, a das sociedades em que se inserem. Assim, as consequências sociológicas determinam-se quando o comportamento dos indivíduos influenciados por estes acontecimentos e factos afectam o das sociedades. Deste modo, a rápida difusão dos movimentos messiânicos, e do sabataísmo em particular, coloca várias questões quanto ao estado espiritual das sociedades que acolheram estas ideias devendo a sua repercussão ser enquadrada num movimento mais vasto explicável através da Sociologia e da História (Idel 184; Goldish 3), tendo em conta a Teologia e a Filosofia.

No que se refere à vaga messiânica judaica ou aos “falsos” messias—conforme a perspectiva—teve como consequência a divisão dos judeus entre os incrédulos mais ou menos actuantes e os crentes nos emergentes messias judaicos, nomeadamente durante o século XVI e XVII, sendo os mais conhecidos David Reubeni (1490–1541) na Europa; Isaac Lúria (1534–1573) e Hayym Vital (1543–1620) no Médio Oriente; e o messias alvo deste estudo, Shabatai Zvi (1626–1676), o descendente de David, com adeptos na Europa, Médio Oriente e Império Otomano (Scholem, Sabbatai). De todos estes messianismos, o sabataísmo17 parece ter tido um impacto superior pelas áreas e número de comunidades que afectou e pelo seu desfecho invulgar, conduzindo as populações a uma descrença generalizada e também à maior integração da Cabala nas correntes místicas cristãs, como vimos.

Mas esta vaga messiânica não foi apanágio de judeus ou sequer de judeus conversos, pois um pouco por toda a Europa surgiram diversos messianismos favorecidos pelo ambiente social baseados num vasto leque de religiosidades. Nos países ibéricos, os messianismos políticos e religiosos também chamados messianismos conversos tiveram um grande impacto no século XVI, nomeadamente com o movimento dos alumbrados em Castela e com o sebastianismo em Portugal (Goldish 45–49), surgindo neste contexto figuras como o sapateiro Gonçalo Bandarra (Trancoso, 1500–1556),18 (Bandarra 2008; Lipiner 1996; Mota 2008: 1983–1995). Na centúria seguinte, e já com D. João IV (Vila Viçosa, 1604–Lisboa, 1656) no trono de Portugal, dá-se continuidade a estas correntes, desenvolvendo-se as profecias do Padre António Vieira (Lisboa, 1608-Salvador, 1697) e do Quinto Império (Vieira, 1659);19 a que se podem acrescentar as de Menaseh ben Israel (Madeira, 1604; Middleburgo, 1657) sobre o encontro das Tribos Perdidas nas Américas (Gomes 263–71) e o prenúncio do estabelecimento em Israel; e as de Manuel Bocarro Francês (c. 1588–1662/68?), (Silva 169–83; Frade & Silva 51–94) vaticinador de Portugal e/ou Espanha como impulsionador

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do Reino dos Céus na Terra. Mas este tipo de messianismo político-religioso também está presente em França, Inglaterra, Itália e outros países por influência das profecias e messianismos de tradição cristã e milenarista na linha de Joachim di Fiore e Girolamo Savonarola (Goldish 12–49).

No que diz respeito ao movimento sabataísta, apesar da subversão da maior parte dos princípios básicos do Judaísmo e do que se considera ser as condições mínimas dum messias, há algo que prevalece das teorias e profecias messiânicas: a sua faceta política. Há uma intenção de colocar em prática o Reino do Senhor na Terra, tendo como centro o umbigo do mundo situado em Sião e em Jerusalém. Shabatai e os seus seguidores pensaram em tomar o poder do sultão e, um pouco por toda a Europa, pretendia-se embarcar para a Terra Santa colonizando-a de novo, executando a parte prática das profecias e tomando o texto à letra. A obra de Abudiente Fin de los Dias vinha reforçar e difundir a crença de que esses tempos se avizinhavam. A ideia de que o caminho poderia ser individual e que a Pedra poderia ser uma construção alquímica do templo interior—tal como os cabalistas entenderiam—foi relegada para segundo plano e não totalmente cumprida pelas gerações e sociedades.

Notas1 As referências bibliográficas para esta questão são inúmeras já que para além do messianismo judaico que inclui o messias descendente de David e o messias filho de José, há o messianismo cristão e muçulmano, intercepções entre estes messianismos e também figuras públicas ou políticos divinizados que por sua vez assumiram papéis de messias nos seus países (o Sebastianismo em Portugal, por exemplo). Esta temática possui abordagens também diversas, quer se trate de estudos de Teologia, Sociologia, Psicologia, História das Ideias ou outros. 2 Sobre os incrédulos de Amesterdão ver Wilke 191–211; e sobre outros escritos ver Kaplan 211–33. 3 Vários autores afirmam que os judeus portugueses e espanhóis possuem uma (sub-)religião chamada “marranismo” que em Portugal e Espanha deu origem ao cripto-judaísmo, algo que se situa entre o Judaísmo e o Cristianismo. Talvez uma forma diversa de encarar o Judaísmo que inclui a tradição escrita e oral, assentando num questionamento filosófico e teológico. Não deverá ser por acaso que vários casos de heterodoxia surgem neste contexto nas comunidades sefarditas onde o deísmo ganhou adeptos, surgindo figuras como Espinosa e Uriel da Costa. Sobre este assunto ver Yerushalmi 1981. 4 Os deputados de 1665–66 eram José Francês, Samuel Guedes, Isaac Namias e Salomão Curiel. Ver Protokollbuch I 287. 5 Isaac Uziel foi rabino em Orão, mudou-se para Amesterdão onde abriu uma

38 │ InterDISCIPLINARY Journal of Portuguese Diaspora Studies Vol. 1 (2012) escola talmúdica e fundou a Neve Shalom. Escreveu uma gramática editada em 1627 pelo seu discípulo e deixou manuscritos e vários poemas em castelhano. Ver Enciclopaedia Judaica, vol. 10, col. 1428. 6 Este hebraísta cristão de renome, filho do professor de Hebraico da Universidade de Basileia, correspondeu-se com vários judeus nomeadamente Menasseh ben Israel, Jacob e Isaac Abendana e Joseph Delmigo. Ver Cassuto, Gedenkschrift 10; Toy, Johannes Buxtorf. 7 Sobre a sua produção escrita ver Wolfii 316–19 e Rodriguez de Castro 575–77. 8 Os deputados para 1667–68 eram: Dr. Isaac Pimentel, Salomão A. Coen, Dr. Baruch Naamias e Abraham Naar. O tesoureiro era Josua Abensur. Ver Protokollbuch. 9 Sobre o caso Curiel ver Fabião. David Curiel também era conhecido por Lopo da Fonseca Ramires. 10 Este exemplar tem a cota Obr. 54:281:1 da Carolinabiblioteket. Agradeço a indicação da existência deste exemplar a Michael Studemund-Halévy, a tradução do latim a Sandra Neves Silva e a Agneta Malmsten, bibliotecária da Carolinabiblioteket, que autorizou a publicação da foto da folha de rosto. 11 Sobre esta temática da pedra, ver Vieira História 278; Silva & Frade 86–87; e também ben Israel com as Monarquias do Mundo. 12 Ver Jachia. Sobre as questões místicas e cabalistas desta obra ver Lieberman; Frade. 13 Sobre Cabala cristã ver Secret, Yates e Popkin et al. 14 Sobre esta questão ver Goldish 130–61 e passim Scholem, Sabbatai especial-mente pp. 529–82. 15 A palavra “marrano” é pejorativa na língua portuguesa, aplicando-se neste texto porque assim é citado por outros autores e não porque se concorde com o seu uso; antes muito pelo contrário. 16 A obra Maguen Avraham foi atribuída a Cardoso ou a Abraham Perets por Gerschom Scholem, mas Yehuda Liebes demonstrou que Cardoso não poderia ter sido o seu autor em Kirjath Sepher 55, 1980: 603–16. Hoje em dia discute-se se foi Nathan de Gaza quem a escreveu. 17 Neste estudo optou-se pelo substantivo “sabataísmo” tendo em conta que existe a palavra “sabatário” para designar aquele que segue este movimento. No Grande Dicionário da Língua Portuguesa (Machado 500-501) não há, no entanto, esta entrada. 18 O rei D. Sebastião morto em Alcácer Quibir (1578) seria o encoberto iniciador duma era messiânica sob a égide de Portugal. 19 A bibliografia sobre esta questão é vasta.

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