“o projeto não era deixado livre” – ações tecnopolíticas...

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VII ESOCITE.BR tecsoc - ISSN 1808-8716 Vianna. Anais VII Esocite.br/tecsoc 2017; 4(gt5):1-20 “O projeto não era deixado livre” – ações tecnopolíticas nos primórdios da indústria de Informática do Brasil GT5 - novas dimensões da história da informática no brasil: ressignificando saberes e tecnologias Marcelo Vianna

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VII ESOCITE.BR tecsoc - ISSN∕ 1808-8716 Vianna. Anais VII Esocite.br/tecsoc 2017; 4(gt5):1-20

“O projeto não era deixado livre” – açõestecnopolíticas nos primórdios da indústria deInformática do Brasil

GT5 - novas dimensões da história da informática no brasil:ressignificando saberes e tecnologias

Marcelo Vianna

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O sucesso da concorrência para fabricação de minicomputadores nacionais em dezembro de

1977 organizada pelos nacionalistas tecnológicos através da Comissão de Coordenação das

Atividades de Processamento Eletrônico (CAPRE) representou a vitória da visão tecnopolítica

sobre a importância dos minicomputadores como líderes do processo de industrialização da

Informática no país. Periféricos, componentes e software seriam desenvolvidos através de uma

Informática orientada por esses sistemas, fundadas em técnicas como processo distribuído e

teleprocessamento por comutação de pacote de dados. Junto a isso, outras inciativas dos

nacionalistas tecnológicos começavam a fomentar um mercado de computadores usados,

incentivando assim um mercado de serviços de manutenção independente do poder das

multinacionais.1

O que propomos aqui é fazer uma breve apresentação destes esforços, através do trabalho de

análise de projetos de fabricação que a CAPRE desenvolveu à época. Trata-se de uma área ainda a

explorar nas pesquisas acadêmicas, que para o período, focaram justamente no processo de

organização e nas consequências da concorrência dos minis (ADLER, 1987; EVANS, 1995).

Poucos autores, como Paulo Tigre (1978, 1984), exploraram mais o processo decisório envolvendo

outros projetos, observando as estratégias das empresas para se adaptar e fabricar tecnologias

computacionais no país, submetendo-as à análise da CAPRE.

Embora as memórias dos envolvidos e os noticiários do período sejam importantes fontes

para compreender o processo de análise e decisão dos técnicos e conselheiros da CAPRE sobre que

projetos poderiam ser materializados no mercado nacional, os processos físicos funcionam como

sínteses das ações dos nacionalistas tecnológicos, demonstrando a existência de um regime

tecnopolítico (HECHT, 2001). Isso porque os roteiros, os pareceres, as atas e demais documentos

produzidos pela CAPRE demonstraram que seus agentes não se valiam de recursos técnicos apenas,

ainda que estes fossem uma condição determinante para estabelecer uma análise, mas de valores

políticos. Estes eram embuídos de um nacionalismo um tanto contraditório em suas origens

ideológicas (desde a Doutorina de Segurança Nacional até o desenvolvimentismo cepalista), mas

plenamente efetivo em suas práticas (ADLER, 1987; TAPIA, 1995; VIANNA, 2016), que

possibilitaram formar a base das justificativas de aceitação ou não dos projetos. No planejamento e

execução das ações tecnopolíticas, por sua vez, estava um grupo de “técnicos nacionalistas

frustrados”, que de certo modo, não pode ser resumido apenas à sua elite, como Ricardo Saur, Ivan

da Costa Marques e Mário Dias Ripper, mas de técnicos quase sempre anônimos ao grande público.

1O que impactou na constituição do campo da Informática brasileira – um espaço de lutas e forças (BOURDIEU, 2001)entre agentes, tecnologias e regramentos, no qual os agentes nacionais buscavam, com seus recursos políticos etécnicos, refrear e afastar as multinacionais do controle do mercado.

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Eles articulavam-se nas diversas assessorias da CAPRE, especialmente a de

Desenvolvimento (voltada à análise de projetos), de modo a criar condições para uma

indústria tecnológica nacional – assim, enquanto a Assessoria de Desenvolvimento emitia um

parecer de projeto de fabricação de um periférico nacional, os técnicos da Assessoria de

Análise analisavam os pedidos de importação de periféricos similares, de modo a não

concorrer com o desenvolvimento do projeto nacional. As ações tecnopolíticas nem sempre

convergiam na perfeita coordenação dos grupos técnicos da CAPRE, pois como a própria

história dos minicomputadores nacionais demonstrou (DANTAS, 1989), era difícil estabelecer

quando se deveria restringir as importações para promover um projeto, que por vezes

enfrentava grandes dificuldades para ser executado. Isso exigia desde educar e sensibilizar o

“consumidor da Informática” até verificar de fato se os fabricantes nacionais cumpriam os

prazos acordos em nacionalizar componentes eletrônicos de seus projetos. O que vamos

apresentar, por tanto, é apenas uma pequena parte desse complexo processo que envolvia os

técnicos da CAPRE.

Alguns projetos

Quando a IBM tentou lançar no mercado brasileiro seu minicomputador (IBM /32) no

início de 1976, com intenção de fabricá-lo no país e “beneficiar” as exportações brasileiras,

motivou os nacionalistas tecnológicos mobilizar essas ideias e os instrumentos da CAPRE.

Através da Resolução 01/1976, definiu-se pela primeira uma política de Estado no campo da

Informática (HELENA, 1980, p.89-90), garantindo uma reserva de mercado para

minicomputadores e periféricos produzidos no país. A partir daí a CAPRE e sua rede de

apoiadores estabeleceram a prospecção de potenciais candidatos nacionais e tecnologias para

fabricação de minicomputadores, organizando a concorrência para sua produção em fins de

1977. O processo resultou na escolha de três empresas nacionais (SID, Labo e EDISA), além

da COBRA Computadores, para fabricação de minicomputadores no país, a partir de

aquisição de pacotes tecnológicos estrangeiros (respectivamente Logabax, Nixdorf e Fujitsu).

A partir daí, a tarefa assumida pela CAPRE era organizar os empreendimentos

nacionais dedicados aos equipamentos periféricos. Enquanto nacionalistas tecnológicos como

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Ivan da Costa Marques e Mário Dias Ripper discutiram no CP da CAPRE os passos seguintes

da PNI, o presidente da CAPRE chamava a atenção

(...) para o fato de que não devem ser fixadas regras rígidas para oestabelecimento de uma política de periféricos, tais como a não-fabricaçãodos mesmos pelos quatro fabricantes de minis. Destacou, ainda, que ofundamental é que seja implantado rapidamente o parque industrial, comvistas ao aumento de índices de nacionalização, especialmente dasmontadoras finais; que os critérios de avaliação dos projetos, conforme aorientação do CDE através da Resolução CDE-05/77, continuem sendo ospontos relevantes na análise caso a caso, mas que seja levada em conta aeventual complementaridade do novo projeto com a atividade fabril jádesenvolvida pela empresa, visando economias de escala e otimização derecursos disponíveis.2

A estratégia dos nacionalistas tecnológicos era ampliar o número de fabricantes

nacionais, diversificando seus agentes e tecnologias, para promover uma rápida ocupação do

campo. Na 17.ª Reunião do CP da CAPRE, em 02.03.1978, observou-se a necessidade de

elaborar estudos para orientar as decisões dos conselheiros, “evitando-se níveis de importação

autorizados capazes de impedir o surgimento de competição em um dado segmento de

mercado”3 assim como não conceder quotas que beneficiassem um concorrente a ponto de

monopolizar o mercado para si. Por conta disso, a Secretaria-Executiva da CAPRE propôs um

cronograma ao longo de 1978 e 1979, de modo a concentrar os pareceres sobre os pedidos de

fabricação conforme o periférico em questão, a fim de facilitar as análises dos membros do

CP da CAPRE:

Data prevista Data ocorrida Periféricos Projetos Aprovados02.05.1978 02.05.1978 (20.ª Reunião

CP)Modems 5 4

30.07.1978 23.11.1978 (27.ª ReuniãoCP)

Faturadoras 11 8

30.08.1978 19.12.1978 (28.ª ReuniãoCP)

Discos e disquetes 7 5

2Ata da 18.ª Reunião do CP da CAPRE em 16.03.1978. 3Isso exigiu coordenar um trabalho conjunto da Assessoria de Desenvolvimento e da Assessoria de Planejamentoda CAPRE para evitar que um projeto pudesse colidir com outro pré-existente. Um exemplo foi o que levou aCAPRE não aprovar os projetos de terminais de vídeos que a EDISA (modelo ED100) e a Labo (modelo 8820)tentaram promover junto com seus minicomputadores na concorrência de 1977, tendo em vista a existênciaprodutos aprovados pela CAPRE, como o TVA80 da Scopus e os STV1600 e 3200 da COBRA Computadores,projetos totalmente nacionais e com altos índices de nacionalização.

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30.09.1978 19.12.1978 (28.ª ReuniãoCP)

Fitas 4 2

30.10.1978 25.05.1979 (30.ª ReuniãoCP)

Impressoras eterminais bancários

16 10

S.i. 19.07.1979 (31.ª ReuniãoCP)

Teclados 3 1

Tabela 1 – Levantamento de projetos analisados pelos técnicos e pelos conselheiros da CAPRE. Fonte: Atas doCP da CAPRE e pareceres técnicos.

Isso não significou apenas a existência destes projetos, tampouco que havia uma

obrigação de analisa-los em conjunto. Terminais de vídeos (Scopus, COBRA, Embracomp),

teclados (Digiponto, Racimec) e microcomputadores (Polymax, Novadata) eram exemplos de

projetos que encontraram na reserva de mercado guarida para se desenvolverem, após

obviamente submetidos à avaliação da CAPRE.4 Em números gerais, desde o primeiro pedido

submetido à CAPRE em 1976 (relativos à série de produtos da COBRA Computadores) até

30.11.1979, 78 empresas apresentaram 142 projetos industriais na CAPRE.

Os projetos submetidos à CAPRE seguiam as formalidades instituídas a partir da

“Proposta de Metodologia” aprovada na 3.ª Reunião do CP da CAPRE em 06.04.1977, em

geral, não apresentavam um alto grau de elaboração: na verdade, eram cartas de propostas de

fabricação orientadas pelos critérios da Resolução 05.1977 (que fundamentou a concorrência)

auxiliadas por um roteiro da CAPRE. Assim, cada projeto concentrava dados financeiros,

comerciais e técnicos exigidos para um desenvolvimento em cinco anos, tais como a

apresentação do artefato tecnológico, com sua relação de peças e componentes importados ou

não, acompanhado dos planos de desenvolvimento e nacionalização do produto.

Se comparado ao nível de exigência da SEI nos anos 1980, os técnicos da CAPRE

não chegavam a exigir um aprofundado detalhamento técnico do produto, e nem sempre os

projetos eram acompanhados de esquemas de circuitos, versões “explodidas” da máquina e

lista exaustiva dos componentes utilizados.5 Mas os pontos relevantes deveriam ser

informados, sobretudo os planos de desenvolvimento e de nacionalização, uma exigência

imposta pelo CP da CAPRE desde 1976. Pelo plano de desenvolvimento, era possível

4É importante observar que a CAPRE podia instigar e atrair fabricantes para determinadas linhas de periféricos,mas não podia impedir que qualquer um submetesse projetos para linhas consideradas saturadas. O que aCAPRE podia fazer, nesse sentido, era tentar “desaprovar” o projeto, não lhe concedendo prioridade a ele. 5Isso é apenas um indicativo com base nos projetos localizados no arquivo do MCT referentes à CAPRE.

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conhecer as estratégias da empresa para o processo de absorção tecnológica, envolvendo os

procedimentos de transferência tecnológica. O plano de nacionalização, por sua vez, envolvia

as etapas de produção do artefato tecnológico, ano a ano, devendo conter os cálculos para

índices de nacionalização e a apresentação dos componentes e peças conforme sua origem

(fornecedor) e preço, informando o que seria nacionalizado ao longo do tempo.

As propostas encaminhadas para a CAPRE variavam muito em tamanho e,

especialmente, em qualidade, conforme o porte do projeto e a habilidade de seus proponentes.

Cabia aos técnicos da Assessoria de Desenvolvimento da CAPRE emitirem pareceres sobre os

projetos, um procedimento que, dependendo de sua complexidade, poderia levar de um a seis

meses.6 No entanto, e especialmente face ao caráter político que envolvia alguns casos (como

os submetidos pela IBM e Burroughs para computadores de porte médio), eventualmente o

prazo era estendido. Os pareceres eram encaminhados ao Secretário-Executivo, Ricardo Saur,

que os colocava em pauta para o CP aprová-los ou não. Obtido a aprovação, era emitida uma

“Resolução de Declaração de Prioridade”, que concedia ao fabricante a prioridade de

importação no valor (quota) para os componentes solicitados.

Como observou Élcio Couto, o “projeto não era deixado livre, exigíamos a

contrapartida por parte do empresário; isto era consubstanciado no Termo de Compromisso

onde o empresário assumia, de forma explícita, uma série de compromissos.”7 O “Termo”

obrigava o empresário a aceitar “visitas de acompanhamento promovidas pela CAPRE”, ceder

“informações pertinentes sobre o andamento do projeto”, informações técnicas, o

compromisso de que “envidará seus melhores esforços para incorporar ao seu processo de

fabricação partes, peças, componentes e subsistemas produzidos no país”. Salvo raras

exceções, o termo era padronizado e assinado por todos os que tinham aprovados seus

projetos, e a CAPRE poderia, em tese, ao constatar descumprimentos na consecução do

projeto, retirar o termo e impedir a empresa de se valer das quotas obtidas.

6Depoimento de Edson Granja ao autor em 24.01.2013.7Entrevista Élcio Costa Couto ao Grupo de Trabalho Especial/Informática – subgrupo B – Relatório Setorial 1.ªparte. Agosto 1979.

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O poder dos técnicos e do Conselho Plenário da CAPRE

Não era um procedimento costumeiro dos técnicos da CAPRE empreender uma

fiscalização in loco, até porque muitas das empresas não tinham o que mostrar ainda.8 Isso

dava grande relevância ao conteúdo dos projetos em si, especialmente para aqueles que

necessitavam renovar ou aumentar suas quotas de importação. Nesse ponto, o poder dos

técnicos era evidente: “Para liberar a importação de componentes, você tem que apresentar

um projeto industrial... daí vamos negociar!”9 Controlando as quotas necessárias para os

fabricantes, a burocracia da CAPRE podia fazer suas ações tecnopolíticas: aprovar ou não um

projeto com base nas suas qualidades técnicas e em suas possíveis contribuições para o

estabelecimento de uma indústria nacional de computadores.

Vários ajustes foram realizados pelo CP da CAPRE, à medida em que ingressavam

projetos de fabricação: entre os mais significativos, a redução da concessão da prioridade de

importação de cinco para três anos, a ser renovada anualmente.10 Outra alteração foi proibir as

empresas de remanejarem suas quotas de importação de um produto para outro, obrigando-as

a implementar um maior controle sobre seus projetos.11 Até mesmo os técnicos do órgão

passaram a se submeter a um controle maior, pois o CP da CAPRE passou a exigir a

assinatura dos pareceres por eles emitidos.

Desta forma, ainda que os números de projetos possam parecer tímidos, revelam

grande significado, pois expressavam a execução de um modelo de PNI proposto pelos

nacionalistas tecnológicos através da CAPRE, sobretudo após superadas as incertezas ao

longo das disputas dos minicomputadores de 1977. Isso pode ser evidenciado pelo gráfico

abaixo, que aponta que, dos 142 projetos apresentados até 30.11.1975, 54,93% obtiveram

aprovação (plena ou provisória12) do CP da CAPRE:

8Depoimento de Adalberto Barbosa ao autor em 12.12.2012.9Depoimento de Rogério Vianna ao autor em 06.03.2013.10Ata da 20.ª Reunião do CP da CAPRE em 07.05.197811Ata da 17.ª Reunião do CP da CAPRE em 02.03.197812Refere-se à quota para desenvolvimento, no qual a empresa era autorizada a importar peças e componentes paraa produção de protótipos.

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Aprovados

Negado

Decisão provisória/quota desenvolvimento

Análise

Conselho Plenário

Cancelado

38,03

22,54

16,9

9,86

7,74

4,93

54

32

24

14

11

7

Projetos submetidos à CAPRE até 30.11.1979 (incluídas reapresentações)

% Pedidos

Gráfico 1: projetos de fabricação submetidos à CAPRE. Fonte: levantamento do autor baseado nas atasdo CP da CAPRE (1976-1979)

Inegavelmente as multinacionais que resolveram apresentar projetos fabris para a

CAPRE enfrentaram grandes dificuldades. Das 26 propostas por elas apresentadas (e

reapresentadas), 16 foram negadas (61,54%) pelo CP da CAPRE, com base nos pareceres

desfavoráveis dos técnicos do órgão. Não foram somente as tradicionais multinacionais IBM,

Burroughs e Olivetti que tiveram seus pedidos serem indeferidos: no caso dos modems, a

empresa Transmatic (projeto F41/77), de capital sueco, não logrou ver seu pedido aprovado

(02.05.1978); para a produção de discos magnéticos, a norte-americana Memorex (projeto

F87/78) também teve sua proposta indeferida (19.12.1978), mesmo destino do pedido da

empresa britânica Plessey (projeto F49/78) para fabricar leitores de código de barras.

Tentativas de burlar a CAPRE foram obstadas, como o projeto da empresa ITW do

Brasil (projeto F36/77) de fabricar teclados para sistemas computacionais, submetendo seu

projeto ao órgão em 11.10.1977. O projeto foi recusado por haver fabricantes nacionais

(Digiponto), mas a ITW não satisfeita, procurou criar uma alternativa “nacional”, a Intecom

(Projeto F105/79). A empresa era de capital nacional e apresentava um baixo índice de

importação de componentes, mas os técnicos da CAPRE logo estranharam os altos preços

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previstos para os componentes disponíveis no mercado nacional, que “casualmente” seriam

adquiridos de uma fornecedora, a ITW do Brasil. Assim, o parecer foi pela reprovação do

projeto em 13.07.1979.

Os conselheiros podiam defender um projeto ou outro conforme sua orientação

(nacionalista ou não), reconhecendo os méritos tecnológicos e a ausência de alternativas

nacionais no mercado, de maneira a contrapor ou reforçar os pareceres dos técnicos da

CAPRE. Isso ocorreu em relação a determinados projetos de multinacionais, como a defesa

que Guilherme Hatab, representante do MIC, fez a respeito do projeto de calculadora

científica da Hewlett-Packard em 19.12.1978.13 O parecer apresentado vetava sua aprovação

com os costumeiros argumentos (controle multinacional, existência de projetos nacionais),

mas o conselheiro pediu vistas ao processo e fez inquirições à empresa.

Nesse contato, percebeu que a empresa propunha exportações de US$9.862.100 em

cinco anos, apesar da baixa nacionalização e do perigo de concorrência com os micro/minis

nacionais. A Hewlett-Packard atestou o uso exclusivamente pessoal do equipamento e fez

saber que havia um problema de escala e de falta de fornecedores locais de componentes, o

que levou o conselheiro propor a aprovação do projeto na reunião seguinte, em 19.01.1979. A

aprovação deveria estar condicionada ao atendimento de várias exigências, tais como

desenvolvimento de fornecedores de componentes locais, restrição a vendas no mercado

científico, médico e de engenharia, e apresentação de um plano de nacionalização ao CDI. Os

nacionalistas tecnológicos que integravam o CP da CAPRE, no entanto, não cederam e o

projeto da HP acabou reprovado, ou seja, não obteve prioridade para importação de

componentes para sua fabricação.14

Em síntese, os vetos a projetos multinacionais sempre apontavam como fundamentos

os baixos índices de nacionalização, importações “disfarçadas”, a dependência tecnologia e o

controle societário estrangeiro. Não por acaso, a opinião do Secretário-Executivo da CAPRE

era de

13Parecer do representante do MIC na 28.ª Reunião do CP da CAPRE em 19.12.1978. 14Ata da 28 ª Reunião do CP da CAPRE, em 19.12.1978. O projeto voltaria a ser analisado em 1980 pelaSecretaria Especial de Informática e aprovado.

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(...) que quando existe uma tecnologia nacional para determinado produto, émelhor esperar um pouco até que essa tecnologia amadureça e possa seraplicada – mesmo a custo de um monopólio transitório ou até mesmo dasimples importação – do que permitir que uma empresa estrangeira seestabeleça no mercado para depois se ter uma situação e concorrência entre aempresa estrangeira e a nacional, com nítida desvantagem para essa última.Assim, procedendo, concluiu Saur, evita-se um mal maior com um malmenor.15

Ainda que parecesse contraditório, existia a avaliação de que era mais fácil controlar a

importação de equipamentos acabados do que permitir que as multinacionais os fabricassem

no país, pois se entendia, mesmo que as vendas fossem orientadas para exportação, haveria

dificuldades de controlar o fabricante, se ele passasse a tentar fornecer ao mercado interno.

Tal controle era comprovado pela dificuldade de enquadrar a IBM no controle da

CAPRE. Por estar estabelecida há muito, ter um poderoso lobby e possuir equipamentos

considerados necessários para o desenvolvimento econômico do país, por sua qualidade

tecnológica e por ser um padrão da indústria, algumas concessões foram feitas para a

multinacional. A mais conhecida era a permissão para produção do computador de médio

porte 370/184, de terminais de vídeo modelo 3270 e o projeto “Bahia”, codinome para a linha

de impressoras da companhia, para fins de exportação.

Porém, no início de 1978, a IBM pretendeu colocar no mercado nacional uma

impressora do projeto “Bahia”, o modelo 3287, o que representava um risco para as nascentes

impressoras nacionais da Globus e Elebra. Os técnicos da CAPRE enfrentavam dificuldades

para impor um efetivo controle sobre a IBM: notoriamente a empresa apresentava projetos

que desrespeitavam os parâmetros de análise da CAPRE, com informações incompletas e

propositalmente sem deixar claro que modelos seriam produzidos no país. Essa manobra, com

o uso de codinomes para os projetos, procurava a aprovação para um modelo e,

posteriormente, substituí-lo por outro mais moderno, sem informar a CAPRE, garantindo suas

quotas. Somado ao fato de se recusar da empresa em assinar o “Termo de Compromisso”,

15Declaração do Secretário-Executivo da CAPRE em reunião com membros da SUCESU do Paraná em17.03.1978. Revista da SUCESU, abril de 1978.

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exigia custosas e desgastantes negociações a fim de “salvaguardar” os segredos industriais da

IBM.16

Se a orientação nacionalista ficava evidente na recusa de projetos que envolviam

diretamente as multinacionais na faixa de periféricos e computadores de pequeno porte, o

estudo exaustivo de Paulo Tigre (1984) pode demonstrar a alternativa empregada para

combater a inserção multinacional. Ao observar 17 acordos até 1979 envolvendo transferência

de tecnologia estrangeira para seus produtos (tabela 30), nota-se que os empreendimentos

nacionais, via de regra, optaram pela compra de tecnologia estrangeira. Isso não significava

permitir associações (joint-ventures) entre empresas nacionais e estrangeiras, nas quais a

CAPRE procurava evitar, mas manter o mesmo espírito da concorrência dos

minicomputadores de 1977: assegurar uma rápida ocupação nacional do campo, como

observaria um técnico da CAPRE, de modo “dar o choque, [pois] se você fosse desenvolver,

ia levar muito tempo.”17 Todavia, havia o compromisso da absorção tecnológica, como “um

casamento com data para acabar”18, nas palavras de outro técnico do órgão.

Empresa Licenciador

tecnologia

Produto Ano

Cobra Ferranti Minicomputador 1974Cobra Sycor Minicomputador 1976ICC-Coencisa ICC Modem 1976SID Logabax Minicomputador 1977EDISA Fujitsu Minicomputador 1977Labo Nixdorf Minicomputador 1977OZ NEC Modem 1977Elebra Honeywell Impressora 1977Elebra CODEX Modem 1978Digilab NEC Impressora 1978Microlab Ampex Fitas, unidade de disco 1978Elebra Control Data Unidade de disco 1978Globus PCC-Pertec Unidade de fita 1978Cobra Calcomp Disco flexível 1978Multidigit PCC-Pertec Unidade de disco 1979Globus Data Products Impressora 1979Flexidisk Shugart Disco flexível 1979

16Ata da 29.ª Reunião do CP da CAPRE em 19.12.1978.17Depoimento de Adalberto Barbosa ao autor em 12.12.2012.18Depoimento de Edson Granja ao autor em 24.01.2013.

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Tabela 2– tecnologias e empresas sob análise da CAPRE. Fonte: TIGRE, 1984, p.129; projetos em análiseCAPRE

A opção, vista como uma “industrialização às avessas” (BIONDI apud TIGRE, 1984,

p.111), deu margem a numerosas críticas entre os nacionalistas tecnológicos mais radicais, a

de que desmobilizaria as alternativas tecnológicas nacionais. A demonstrar a pertinência do

questionamento, no caso que envolveria a disputa pela fabricação de modems entre os anos

1977 e 1978, a OZ Eletrônica confessou que não teve outra alternativa “a não ser tentar,

mediante acordo de transferência de tecnologia, absorver e adaptar às condições do Brasil” os

produtos que implementaria (modems), pois seus concorrentes fizeram o mesmo.19 Isto

porque outra empresa, a ICC-Coencisa, havia sido formada como uma joint-venture e, com

alguma pressão política nos bastidores (VIANNA, 2016), conseguiu obter da CAPRE

autorização para montar alguns modelos de modems LSI baseados na tecnologia de sua

parceira estrangeira. Isso prejudicou a incorporação de tecnologias desenvolvidas pela

comunidade técnico-científica das universidades, como os projetos de modems pela UFMG e

pela UFRGS.

Normalmente as empresas que adquiriam tecnologia no Exterior realizariam

inicialmente uma importação integral do produto para rapidamente suprir o mercado, que

consistia literalmente em substituir o nome do fabricante pelo do comprador. O desafio para a

empresa era alcançar uma fase de pleno controle da fabricação, adquirindo um maior domínio

tecnológico do produto (tabela 31).20 Ao longo das fases, no espaço de cinco anos, a empresa

deveria combinar a capacidade de construir o artefato com a substituição progressiva de

componentes e peças estrangeiras por nacionais.

Fase DescriçãoProduto completo Produto adquirido direto do fornecedor, completo e testadoSKD Produto semi-montado ou desmontado sob forma de kits; índice mínimo de

nacionalizaçãoCKD (fornecedor) Produto construído a partir de peças adquiridas do fornecedorCKD (internacional) Produto construído a partir de peças adquiridas no mercado – grande índice de

nacionalização e possibilidade de desenvolver novas tecnologias a partir da original.

19”Projeto para fabricação de terminais bancários no Brasil”, outubro 1978, apresentado pela OZ Eletrônica àCAPRE. A página 3 da introdução do projeto conta sua breve história e as opções tecnológicas no caso dosmodems.20Posteriormente, passaria para a aquisição de kits completos (SKD), no qual a empresa montaria o produto; àmedida que nacionalizasse componentes e obtivesse maior autonomia tecnológica, passava a substituir partes doproduto (CKD) por componentes nacionais ou adquiridos de fornecedores independentes externos.

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Tabela 3 – Fase de nacionalização da tecnologia estrangeira. Fonte: TIGRE, 1984; Parecer técnico daCAPRE sobre minicomputadores em 29.01.1979.

Em termos práticos, a implementação dessas fases por parte de uma empresa exigia

dos técnicos da CAPRE um acompanhamento pormenorizado, de maneira a se fazer cumprir

os planos de desenvolvimento e de nacionalização dos projetos. Um projeto considerado

avançado poderia funcionar como referência da CAPRE para fazer suas cobranças,

concedendo ou não quotas de importação, como percebeu Paulo Bastos Tigre no caso das

faturadoras comerciais:

(...) o governo concede cotas de importação apenas para produtos queapresentem um índice de nacionalização equivalente ou superior aos seusconcorrentes. Em 1978, por exemplo, três projetos de fabricação defaturadoras eletrônicas foram submetidos à CAPRE. Uma das firmas -EXATA - apresentou um projeto próprio que exigia apenas US$ 260 decomponentes importados por unidade. Os dois outros concorrentesapresentaram produtos projetados no exterior com um conteúdo decomponentes importados bastante superior. Com base na habilidade daEXATA de utilizar componentes nacionais intensivamente, a CAPREsolicitou aos concorrentes que reduzissem suas necessidades de importação aum nível semelhante como condição para conceder uma cota de importação.Como resultado, as duas empresas reprojetaram seus produtos de forma aatingir o índice de nacionalização apresentado pela EXATA. (TIGRE, 1984,p.109)

De fato, na análise dos projetos, os técnicos da CAPRE fizeram uma avaliação

positiva da EXATA, considerando que os esforços de nacionalização sinalizavam não só

expertise (capacidade técnica), mas o seu comprometimento com a PNI. As próprias

informações de mercado constantes do projeto da EXATA acabaram servir de referência à

análise da DISMAC, considerada de menor qualidade técnica. O resultado foi conceder a

quota de importação integral para a EXATA, enquanto as demais tinham seus pedidos

minorados enquanto não elevassem o índice de nacionalização. O parecer da CAPRE ainda

observou tratar-se de uma cobrança viável, já que a DISMAC e a SHARP poderiam arcar com

os custos, por serem companhias de maior porte e com uma maior carteira de produtos.

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No entanto, nem sempre foi possível para a CAPRE “convencer” determinadas

empresas a se tornarem mais “comprometidas” e eficientes na nacionalização dos produtos e,

ao mesmo tempo, gerar uma ocupação do mercado frente às multinacionais. No caso das

faturadoras, a própria aprovação do projeto da DISMAC revelou-se problemática, levando a

CAPRE a sustar por algum tempo o processo frente aos altos preços pagos na importação e o

tímido aumento da nacionalização dos produtos. Posteriormente, em julho de 1979, a

DISMAC buscou substituir o modelo antigo por um novo, o Alfa-2000. Isso alertou os

membros da CAPRE para a continuidade do problema, detectando o baixo envolvimento em

P&D da DISMAC na nacionalização de seus produtos e a dependência que tinha para com a

empresa alemã Olympia Werke AG, detentora da tecnologia para faturadoras.21

Na verdade, o que se evidenciou foi que a DISMAC atuava como uma maquiladora

da Olympia, que cedia a tecnologia à empresa brasileira “gratuitamente” e esta, após montar

os kits, redistribuía os produtos através da rede da Olympia do Brasil. O fato da empresa estar

sediada na Zona Franca de Manaus dificultou o controle da CAPRE sobre a questão, já que

permitia a empresa ter acesso aos benefícios de importação do local. Assim, e também

considerando a falta de concorrentes para o mercado de faturadoras, a CAPRE anuiu em

aceitar parte do pedido de importação para o Alfa -2000, ainda que cobrasse da DISMAC

maior compromisso na obtenção de novos fornecedores de tecnologia.22

Mas se a DISMAC logrou manter o projeto do Alfa-2000, a CAPRE conseguiu vetar a

importação de impressoras (Centronics 120cps) que seriam comercializadas junto com o

produto. Para a DISMAC, era muito mais barato (e na avaliação da empresa, para o país)

trazer as impressoras prontas. A CAPRE reafirmou o critério tecnopolítico, observando que se

permitisse a importação, mesmo que temporariamente, impediria o desenvolvimento de

alternativas nacionais, como a Elebra e Globus, na produção de impressoras similares.23

Iniciativas nacionais, especialmente quando não envolviam a aquisição de tecnologia

estrangeira, eram estimuladas. A Scopus Tecnologia era um caso exemplar: seus sócios eram

21Parecer técnico da CAPRE em 17.07.1979.22A nacionalização, no entanto, não pareceu se concretizar. Segundo uma visita da SEI à DISMAC e àSUFRAMA em 1981, constatou-se haver 17 versões do protótipo na SUFRAMA, demonstrando que o projeto“se arrasta a mais de 4 (quatro) anos”. Memorando interno SEI em 15.12.1981. Arquivo SEI.23Parecer técnico da CAPRE em 18.07.1979.

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considerados nacionalistas tecnológicos, sendo Edson Fregni figura pública na defesa da PNI.

Ele e seus sócios se valeram de suas expertises acumuladas no projeto Patinho Feio do LSD-

USP (1973), para iniciar sua empresa de terminais de vídeo em 1976, na esteira do controle de

importações da CAPRE. Ao submeter seus projetos TVA80 e TVA800 (projeto F11/77) ao

órgão em 24.06.1977, em busca de quotas de importação, pediram um total de US$1.396.400

para os cincos anos de desenvolvimento dos produtos, somados a US$74 mil de

equipamentos. Segundo o técnico da CAPRE,

1. O projeto apresenta bons índices de nacionalização, não só fazendo uso deprodutos brasileiros quando ainda não existe a produção local ou substitutorazoável do produto. O terminal mais simples utiliza US$170 de materialimportado e os mais avançado U$270;

2. Tratando-se de pequena empresa, que iniciou a fabricação de terminais em1976, não se pode esperar exportações nos próximos anos a não ser pelaincorporação do terminal a um produto acabado que seja exportado por outraempresa;

3. Os produtos apresentados são de desenvolvimento próprio, não havendoqualquer vinculação ou contrato de transferência de tecnologia comfabricante estrangeiro;

4. Os terminais da Scopus apresentam boa penetração no mercado nacional ea firma goza de alto conceito junto aos usuários dos seus produtos;

5. O capital da empresa é totalmente nacional, tendo sido integralizado em1975 no valor de Cr$140.000,00 por três sócios, todos brasileiros.

A recomendação do técnico da CAPRE foi pela aprovação do projeto, em 06.09.1977.

O próprio fundador da Scopus, Edson Fregni, observou que as relações com a CAPRE eram

boas24, o que indicava a confiança dos técnicos em relação aos projetos da empresa. Tanto que

a própria CAPRE abriu espaço para que a Scopus detalhasse o projeto TVA80 em seu Boletim

Informativo como forma de divulgar as tecnologias nacionais.25

24Depoimento de Edson Fregni ao autor em 23.04.2013.25“TVA-80: Um terminal de vídeo brasileiro.” In: Boletim Informativo da CAPRE, v.4, n.3, jul./set. 1976. p. 34.

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Outros projetos envolvendo tecnologias similares de baixa complexidade (terminais de

vídeo, microcomputadores, modems) receberam aprovações, ainda que por vezes

acompanhados de avisos para corrigirem determinadas falhas ou aspectos que colocam a

concessão em risco. Um exemplo foi o microcomputador POTI desenvolvido pelo NCE-

UFRJ (projeto F307/79) apresentado em 23.07.1979, no qual a universidade pleiteava a

liberação de US$29 mil para importar cinco diskdrives da DEC e componentes eletrônicos

para os protótipos. Um dos argumentos lançados pelo NCE-UFRJ era de que havia uma

expertise aplicada na construção de um controlador de disco DEC para seu microcomputador,

e que a troca por um fornecedor nacional exigiria mudanças consideráveis no sistema. O

técnico da CAPRE, o engenheiro BCA, aceitou os argumentos, mas fez constar para que o

NCE ficasse “ciente de que, caso alguma empresa deseje fabricar e comercializar o

microcomputador POTI, deverá utilizar periféricos de fabricação nacional”.26

Projetos apresentados pela Scopus e NCE-UFRJ eram bem recebidos por se

adequarem aos propósitos do nacionalismo tecnológico. Representavam investimentos baixos,

com índices consideravelmente altos de nacionalização e significavam a possibilidade de

alargar o uso dos computadores na sociedade, tendo em vista serem sistemas relativamente

baratos. No entanto, nem sempre estiveram isentos de polêmicas – em 1979, a Scopus fechou

um acordo com a Olivetti para fabricar terminais de vídeo para a marca italiana. Embora a

Scopus fosse proprietária da tecnologia, o acordo provocou mal-estar por beneficiar a

permanência da multinacional no mercado, que havia sido duramente abalada pelas medidas

da CAPRE. O acordo foi visto como um artifício para burlar os propósitos nacionalistas: por

ser uma marca reconhecida e uma estrutura comercial eficiente, a Olivetti poderia, com os

novos terminais da Scopus, quebrar as nascentes empresas nacionais concorrentes. De quebra,

poderia tornar a fabricante brasileira essencialmente cativa das demandas da multinacional

italiana.27

Também havia a preocupação dos técnicos da CAPRE com a “qualidade” dos

fabricantes, um tanto “inexperientes” no campo da Informática nacional, o que levava o órgão

checar, além dos projetos, as condições financeiras dos sócios envolvidos. O projeto da

26Parecer técnico da CAPRE em 14.08.1979.27DataNews, 21.11.1979.

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Polymax Sistemas, encaminhado ao órgão em 1977, propondo a fabricação do

microcomputador Poly 101 (projeto F06/77) sugere esse cuidado: ainda que avaliasse o

projeto como positivo, sobretudo por ingressar em um inexplorado mercado de

microcomputadores no Brasil28, a CAPRE desconfiou inicialmente do empreendimento,

formado a partir dos capitais das empresas Olvebra, Polymax Plásticos e outras comandadas

por famílias de emigrantes chineses, capitaneadas por Lawrence Huang (que havia

enriquecido com o boom da soja no Rio Grande do Sul nos anos 1960 e 1970). A CAPRE

solicitou que a Digibrás levantasse um grande número de informações financeiras sobre os

sócios29, enquanto se deparava com índices de nacionalização relativamente modestos, apenas

25% do total de materiais e 36,6% dos custos totais.30 A CAPRE acabou por permitir a

ocupação de um nicho inexplorado (microcomputadores) pela Polymax: o projeto obteve a

liberação de US$210 mil para importação de componentes para fabricação de 45 unidades do

Poly 101 em 1977, avançando para US$1,9 milhões em 1978 e 197931, uma expressiva quota

que a colocava em quarto lugar entre as companhias nacionais, o que podia significar a

preocupação com a Informatização da sociedade.32

Entretanto, nem sempre houve rigor com os índices de nacionalização, dada a

importância estratégica de um projeto. Foi a avaliação que o técnico LLA33 fez sobre o projeto

da Microlab (F34/77) submetido em 07.10.1977 para a produção nacional de um PABX

(central telefônica), e que demandaria US$172.620,00 anuais durante cinco anos para seu

desenvolvimento. Foi muito bem aceito o fato de que era proposta uma tecnologia LSI, ao

contrário do padrão nacional (eletromecânico), o que foi considerado estratégico, pois a

28As características desse mercado pareceram distintas a dos Estados Unidos nos anos 1970. Enquanto o mercadonorte-americano orientava-se na busca de uma grande parcela da sociedade, contribuindo para a popularizaçãoda Informática, especialmente através do surgimento dos microcomputadores TRS80 e Apple II em fins dos anos1970, o Brasil se orientou ao nicho comercial, com o oferecimento de modelos voltados ao processamento detextos (Word Processing System). Já nos anos 1980 haveria a aproximação dos microcomputadores a umaparcela maior da sociedade brasileira. 29Ofício da Digibrás ao Chefe de Assessoria de Desenvolvimento da CAPRE em 06.06.1977.30Resumo do projeto F06/77.31Resolução DP-03/77 em 18.08.1977. Resumo do projeto F06/77. 32Mas também podia indicar certas influências políticas na questão, tendo em vista o alto valor das importaçõesconcedidas. Não há elementos comprovatórios, apenas indícios, como o interesse do ex-ministro da Indústria eComércio Marcus Vinícius Pratini de Moraes em participar do empreendimento, contatando o presidente daCAPRE, Élcio Costa Couto. Nota do presidente da CAPRE ao Secretário da CAPRE em 31.08.1977. 33Optamos por manter o anonimato dos técnicos da CAPRE na análise de projetos, pois nem todos os pareceresse encontravam identificados.

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“indústria de centrais telefônicas convencionais é totalmente estrangeira”. Além disso, via-se

uma brecha a ocupar dado o desinteresse das multinacionais nesse mercado, pois estavam

concentradas na exploração de centrais de médio e de grande porte. Apesar dos índices de

nacionalização serem baixos, cerca de 20% (devido ao grande número de circuitos integrados

importados não disponíveis no país), o analista da CAPRE acreditava que novos

esclarecimentos técnicos e um acompanhamento rigoroso do desenvolvimento da máquina

compensavam a aprovação do projeto.34

Uma conclusão

Esse sistema de análise da APRE pareceu funcionar bem, embora tenha

progressivamente se tornado complexo. A magnitude da tarefa de organizar a ocupação do

campo trouxe primeiras dificuldades: a atuação da CAPRE abrangia desde examinar questões

relacionadas ao grau de confiabilidade das empresas nascentes a serem escolhidas para atuar

no campo da Informática (o que estava relacionado tanto ao seu capital de relações quanto à

expertise) até lograr com que os usuários se conformassem com os limites que lhes eram

estabelecidos na aquisição de computadores e periféricos. O nacionalismo tecnológico pautou

muitas decisões e levou algumas concessões, à medida que os novos fabricantes tinham

algumas dificuldades em adaptar (ou percebiam que era mais vantajoso se manter na situação

de dependência tecnológica).

O fato era que estes grupos, publicamente ou não, construíam seus pareceres e

emitiam suas opiniões autorizadas (através de seus saberes técnicos e das posições ocupadas

na burocracia estatal), de modo a gerar a base de uma autonomia nacional tecnológica. Neste

paper, a intenção foi apenas apresentar um pouco destas ações tecnopolíticas, mas há muitos

pontos a serem explorados em pesquisas futuras. Uma delas é compreender como as empresas

elaboravam estratégias para adequar e obter da CAPRE aprovação de seus projetos. A outra

passa pelo entendimento dos esforços de conscientização dos usuários em prol das tecnologias

nacionais, algo que apenas o controle de importação não poderia desempenhar. Por fim, como

a CAPRE tentou aproximar ou beneficiar projetos de empresas que envolviam tecnologias

34Parecer técnico da CAPRE sobre o projeto da Microlab em 11.05.1978.

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desenvolvidas nas universidades, como o próprio G10, protótipo do primeiro computador de

tecnologia nacional. São horizontes a explorar, que certamente vão contribuir para entender o

background tecnológico e político que guiou os destinos do campo da Informática brasileira

do final dos anos 1970 até o fim da Reserva de Mercado em 1991.

Referências

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DANTAS, Vera. Guerrilha Tecnológica – A verdadeira História da Política Nacional deInformática. Rio de Janeiro: LTC, 1988.

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