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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO AMAZONAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO AMBIENTAL
DJANE OLIVEIRA MARINHO
O PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO E OS INSTRUMENTOS
JURÍDICOS DE DEFESA DO MEIO AMBIENTE DO
TRABALHO
Manaus-AM 2012
2
DJANE OLIVEIRA MARINHO
O PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO E OS INSTRUMENTOS
JURÍDICOS DE DEFESA DO MEIO AMBIENTE DO
TRABALHO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em
Direito Ambiental da Universidade do Estado do
Amazonas, como requisito para obtenção do título de
Mestre em direito Ambiental.
Orientador: Prof. Dr. Sandro Nahmias Melo
Manaus-AM 2012
3
Catalogação na fonte Elaborada pela Bibliotecária Nayla Viviane Bastos de Oliveira CRB-11/613
M399p Marinho, Djane Oliveira O Princípio da Precaução e os Instrumentos Jurídicos de
Defesa do Meio Ambiente do Trabalho / Djane Oliveira Marinho. – Manaus: Universidade do Estado Amazonas, 2012.
146 fls.: 30 cm
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas – UEA.
Orientador: Prof. Dr. Sandro Nahmias Melo
1. Princípio da Precaução. 2. Meio Ambiente do Trabalho. 3. Saúde do Trabalhador. I. Título
CDU 504.06
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO AMAZONAS
Rua Leonardo Malcher, 1728 – Praça 14 de Janeiro - Escola Superior de Artes e Turismo Cep. 69020-070 – Manaus-Am
4
DJANE OLIVEIRA MARINHO
O PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO E OS INSTRUMENTOS
JURÍDICOS DE DEFESA DO MEIO AMBIENTE DO
TRABALHO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em
Direito Ambiental da Universidade do Estado do
Amazonas, como requisito para obtenção do título de
Mestre em direito Ambiental.
Manaus, ____ de _____ de 2012.
Presidente: Prof. Dr. Sandro Nahmias Melo
Universidade do Estado do Amazonas.
Membro:
Membro:
5
DEDICATÓRIA
Ao meu pai João Luis de Oliveira (in memorium),
que com seu amor incondicional mostrou-me, dentre
muitos ensinamentos, a grande importância dos
estudos para a grandeza de uma pessoa.
6
AGRADECIMENTOS
Dedico essa dissertação primeiramente a Deus, a razão de tudo.
Ao Programa de Pós-Graduação em Direito Ambiental da Universidade do Estado do
Amazonas – PPGDA, pela agilidade e auxílio que permitiram a realização desse estudo.
A todos os professores do PPGDA da Universidade do Estado do Amazonas pela
oportunidade de crescimento e aprendizado.
Ao meu orientador, Prof. Dr. Sandro Nahmias Melo, pessoa de muita sabedoria,
discernimento, bom senso e um exemplo de dedicação à pesquisa acadêmica. Gostaria de
ratificar a sua competência, participação com discussões, correções, revisões e sugestões que
fizeram com que concluíssemos este trabalho.
À minha mãe, Dalila Silva Oliveira, mulher guerreira, pessoa correta, competente, de uma
sapiência grandiosa, fonte de inspiração, apoio e ensino diário, em quem tenho o enorme
orgulho de espelhar-me.
A Hélio Hiroaki Taniguchi, companheiro inigualável, que dedicou-me paciência, incentivo,
apoio e, especialmente pelo seu imenso amor, muito obrigada.
Ao meu filho, Gustavo Oliveira Marinho, pelo constante amor, companheirismo e
compreensão nesse longo tempo em que me dediquei ao Mestrado.
A cada colega de trabalho da DM Advocacia, que por sua força, entusiasmo, disposição e
otimismo contagiantes na administração e execução das minhas agendas e meus
compromissos, mostraram ser profissionais extremamentes competentes e dedicados.
A todos os colegas de Mestrado que sempre estiveram presentes me aconselhando e
incentivando com carinho e dedicação.
A todas as pessoas que, direta ou indiretamente, contribuíram para a execução dessa
Dissertação de Mestrado.
7
RESUMO
As condições atuais de economia de mercado estimulam o uso de produtos e processos cada
vez mais inovadores, dependentes do desenvolvimento científico e das novas descobertas em
curso, sendo que suas implicações para a saúde do trabalhador nem sempre estão inteiramente
avaliadas, com o risco de expor a população obreira a um meio ambiente de trabalho não
hígido. As especificidades da relação trabalho e saúde remetem a um pensar e fazer
diferenciados, pois envolvem aspectos da organização, processo e condições de trabalho, a
compreensão da vivência subjetiva no trabalho e as implicações para a saúde mental e física
dos trabalhadores, de modo que, quando se fala das repercussões dos processos produtivos
sobre o ambiente, não se pode esquecer que esses mesmos processos que prejudicam a saúde
da população em geral têm consequências mais graves ainda para a saúde dos trabalhadores
diretamente envolvidos. Nesse aspecto é imprescindível observar que se uma atividade
representa ameaça de dano ao meio ambiente, independentemente da certeza científica, as
medidas ambientais protetivas devem ser aplicadas a fim de evitar a degradação do meio
ambiente, não se podendo excluir o meio ambiente laboral. O presente trabalho examina as
possibilidades de aplicação do princípio da precaução no meio ambiente do trabalho, bem
como a utilização de instrumentos jurídicos, tais como, a Greve Ambiental, o Estudo Prévio
de Impacto Ambiental e o Programa de Prevenção de Riscos Ambientais, na promoção de
melhorias da relação saúde-trabalho, de modo que, através de sua utilização quando da
implantação de um empreendimento, possam ser aferidas e se possível, evitadas aquelas
atividades com risco de causar danos à saúde do trabalhador, levando-se em consideração que
sua inaplicabilidade poderia gerar consequências desastrosas ao obreiro, tais como a perda da
saúde física ou mental gerada por doenças laborativas ou mesmo a morte do empregado
vítima de acidente do trabalho. Desse modo, o sujeito que desenvolve uma atividade
potencialmente lesiva ao meio ambiente do trabalho, tem o ônus de provar que a sua atividade
não oferece riscos à saúde do trabalhador, contemplando, além da incerteza científica, o risco
incerto do dano ambiental, nele inserido o do trabalho. O estudo ora apresentado também
busca analisar a importância, no campo jurídico laboral, da aplicação do princípio da
precaução, através das medidas legais já existentes, ou a inserção de novas normas na seara
trabalhista. Este trabalho tem o caráter informativo e baseia-se em pesquisa bibliográfica,
legal e de casos já publicados em periódicos.
8
Palavras-chave: Princípio da Precaução, Meio Ambiente do Trabalho, Desenvolvimento,
Saúde do Trabalhador.
9
ABSTRACT
The actual market economy conditions have always encouraged the innovative use of
products and processes, dependent from the scientific progress and new ongoing discoveries.
Its implications for the workers' health are not always completely evaluated, with the risk of
exposing the workers to a not health working environment. The specifications of the work
and health refer to a differentiated thinking and doing, because they involve different aspects
of organization, process and working conditions, the understanding of subjective experience
at work and repercussions for the mental and physical health of workers. So, when speaking
of the repercussions of the production processes on the environment, cannot forget that same
processes that affect the health of the population in general has even more serious
consequences for the health of workers directly involved. This aspect is essential to observe,
if an activity has a potential threat to the environment, regardless the scientific certainty, the
environmental protected measures must be implemented in order to prevent environmental
degradation, and one cannot exclude the working environment. This dissertation examines the
possibilities of the application the Precautionary Principle, in the job environment, and the use
of legal instruments such as the adoption of the Environmental Strike, of the Preliminary
Study of Environmental Impact and of the Environmental Risks Prevention Program in order
to improve the health-work relationships. When setting up a new enterprise, it can be
examined and if possible, avoided those activities with a potential risk of harming the
workers' health, taking into consideration that its inapplicability could lead to disastrous
consequences to the worker, such as the loss of his physical or mental health caused by labor
illnesses or even the death of the employee as a consequence of a labor accident. In this way a
person who develops an activity potentially harmful to the working environment, has the
burden of proving that the activity poses no hazard to the workers health, contemplating,
besides the inherent and scientific uncertainty, the uncertain risk of environmental damage,
including the work in progress. The present study also seeks to analyze the importance, in the
legal work field, the application of the Precautionary Principle, through the existing legal
measures, or the insertion of new rules on the labor matter. Finally it has an informative
character based on bibliographic survey, and published cases in the current legal literature
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LISTAS DE SIGLAS
ABC paulista – cidades paulistas de Santo André, São Bernardo e São Caetano AEAT – Anuário Estatístico de Acidentes do Trabalho AM – Amazonas ANAMATRA – Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária BASF S/A – Badische Anilin und Soda-Fabrik Sociedade Anônima C. TST – Colendo Tribunal Superior do Trabalho CAT – Comunicação de Acidente do Trabalho CF – Constituição Federal CCE – Comércio de Componentes Eletrônicos CIBio – Comissão Interna de Biossegurança CID – Classificação Internacional de Doenças CIPA – Comissão Interna de Prevenção de Acidentes CLT – Consolidação das Leis Trabalhistas CMMAD – Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento CONAMA – Conselho Nacional de Meio Ambiente CTPS – Carteira de Trabalho e Previdência Social Dec. – Decreto DORT: Distúrbio Osteomuscular Relacionado ao Trabalho DRT – Delegacia Regional do Trabalho ECT – Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos EPI – Equipamento de Proteção Individual FCC – Fábrica Carioca de Catalisadores FioCruz – Fundação Oswaldo Cruz IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais INSS – Instituto Nacional da Seguridade Social ISO – International Organization for Standardization (Organização Internacional para Padronização). LER – Lesão por Esforço Repetitivo LP – Licença Prévia MTE – Ministério do Trabalho e Emprego MPS – Ministério da Previdência Social MPT – Ministério Público do Trabalho NASA – National Aeronautics and Space Administration – Administração Nacional da Aeronáutica e do Espaço. NR – Norma Regulamentadora OIT – Organização Internacional do Trabalho OMS – Organização Mundial de Saúde ONU – Organização das Nações Unidas PA – Pará PAIR: Perda Auditiva Induzida por Ruído PCMSO – Programa de Controle Médico da saúde Ocupacional PE – Pernambuco PIM: Pólo Industrial de Manaus PPRA – Programa de Prevenção de Risco Ambientais RDC – Resolução da Diretoria Colegiada
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RIMA – Relatório de Impacto Ambiental RR – Recurso de Revista RS – Rio Grande do Sul SAT – Seguro de Acidentes do Trabalho SGA – Sistema de Gestão Ambiental Sindmetal – Sindicato dos Metalúrgicos do Amazonas SP – São Paulo SUS – Sistema Único de Saúde TAC – Termo de Ajustamento de Conduta TRF – Tribunal Regional Federal TRT – Tribunal Regional do Trabalho UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro
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SUMÁRIO
1 Introdução....................................................................................................................... 14
2 Do meio ambiente........................................................................................................... 18
2.1 Correntes filosóficas: Antropocentrismo e Ecocentrismo........................................... 18
2.2 Conceito....................................................................................................................... 22
2.3 Princípios do Direito.................................................................................................... 24
2.4 Princípios estruturantes do direito ambiental............................................................... 26
3 Do meio ambiente do trabalho........................................................................................ 32
3.1 Aspectos históricos...................................................................................................... 32
3.2 Conceito....................................................................................................................... 34
3.3 O princípio da dignidade da pessoa do trabalhador..................................................... 43
3.4 Da sadia qualidade de vida.......................................................................................... 48
3.5 Do meio ambiente de trabalho hígido e seguro........................................................... 53
4 Do princípio da precaução.............................................................................................. 58
4.1 Origens......................................................................................................................... 58
4.2 O princípio da precaução na legislação pátria............................................................. 62
4.3 Precaução e prevenção................................................................................................. 64
4.4 A incerteza científica e a inversão do ônus da prova................................................... 70
4.5 Acidentes em números................................................................................................. 73
4.6 Danos à saúde por inobservância do princípio da precaução...................................... 78
4.7 Do direito à informação............................................................................................... 87
4.8 Dos benefícios previdenciários e das indenizações..................................................... 90
4.9 A responsabilidade do empregador quanto à observância do princípio da precaução 94
4.10 A sociedade e o princípio da precaução..................................................................... 99
4.11 Estudo de casos.......................................................................................................... 104
5 Concretização do princípio da precaução....................................................................... 115
5.1 Medidas precaucionárias.............................................................................................. 115
5.2 Do Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA)........................................ 116
5.3 Do Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EPIA)........................................................ 118
5.4 Greve Ambiental.......................................................................................................... 125
5.5 Outras medidas precaucionárias.................................................................................. 131
14
6 Conclusão........................................................................................................................ 133
Referências......................................................................................................................... 137
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INTRODUÇÃO
Sendo o homem o destinatário final do direito ambiental, e estando o mundo em
constante mudança, não se pode exigir certeza científica para medidas protetivas do meio
ambiente, tendo em vista que a visão simplificada dos processos socioambientais,
efetivamente complexos, torna impossível o reconhecimento dos fatos de maneira global e
uma visão mais ampla dos fenômenos e dos conflitos em jogo, que permitiriam abordar o
problema na sua integralidade.
Partindo-se da premissa que o meio ambiente do trabalho está inserido no campo do
meio ambiente em geral, temos que para a compreensão da relação saúde-trabalho, é preciso o
conhecimento dos processos, hábitos e representações construídos no ambiente laborativo,
objetivando identificar os riscos à saúde nos contextos de trabalho e indicar modificações
visando à precaução e o consequente reconhecimento de danos à saúde do trabalhador.
O princípio da precaução no meio ambiente do trabalho vem atuar como um evento
sentinela, através de processo de vigilância e averiguação, de modo a evitar que o
empreendimento comercial a ser instalado, mesmo sem a certeza de sua inocuidade, venha a
atingir o bem maior da vida, que é a saúde do empregado, primando, ainda, por uma
investigação que determine como eventos similares possam ser precavidos no futuro.
A consagração do princípio da precaução no ordenamento jurídico brasileiro, afirma a
adoção de um novo modelo em relação à degradação do meio ambiente, ao exigir que o
Estado e a sociedade, como um todo, adotem medidas ambientais que, num primeiro
momento, visem a impedir o início da ocorrência de atividades potencialmente lesivas ao
meio ambiente, e quando o dano ambiental já estiver concretizado, a precaução atua através
do desenvolvimento de ações que façam cessar esse dano ou pelo menos minimizar seus
efeitos.
Assim há de se dizer que o princípio da precaução é definido como uma política de
manejo de riscos, aplicada em circunstâncias que apresentem alto grau de incerteza científica,
isto é, refletindo a elaboração de respostas provisórias a ameaças de sério risco potencial até
que dados adequados estejam disponíveis para soluções com maior base científica.
De outra forma, merece destaque apontar que a aplicação do princípio da precaução
não implicaria na estagnação da economia, já que o que se propõe é a utilização de novas
tecnologias que contribuam para a manutenção do equilíbrio ecológico sem prejuízo ao
desenvolvimento. Por tudo isso, afirma-se que o princípio da precaução é a base das leis e das
práticas relacionadas à preservação do meio ambiente laborativo.
16
Quando se fala em processo produtivo, devemos ter em mente que o mesmo sempre
implica em perdas e ganhos. Todavia, em relação às perdas, estas normalmente passam ao
meio ocupacional participado pelos operários, de modo que não raro culminam na debilitação
da saúde dos trabalhadores, implicando na necessidade da efetivação de medidas
precaucionárias também no campo laborativo, tendo em vista que, assim como no meio
ambiente natural, a inércia diante de danos ambientais no meio do trabalho, muito
provavelmente resultará em uma perda da qualidade de vida e da saúde dos empregados
afetados.
É importante lembrar que o olhar precaucionário para as questões que envolvem a
saúde do trabalhador deve ser incorporado independentemente do tipo de serviço no qual
esteja inserido o trabalho ou de sua área de atuação.
Assim, a atividade investigativa precaucionária refere-se a uma série de procedimentos
que visam, essencialmente, proteger a saúde física e mental do empregado, isto é, buscando
resguardá-lo dos riscos de saúde relacionados com o exercício de suas funções e com o
ambiente físico onde o trabalho é ou será executado.
Considerada a assertiva de que as características do meio ambiente do trabalho
influenciam sensivelmente na qualidade de vida do trabalhador, tem-se que sendo ele
saudável, enseja o desenvolvimento da pessoa humana do trabalhador, tanto
profissionalmente quanto socialmente. Por outro lado, sendo ele nocivo, vilipendia a condição
social do trabalhador, com reflexos nos ambientes familiar e social.
Em 2011, um alerta da Organização Internacional do Trabalho – OIT informou que os
acidentes de trabalho são a causa de morte de 2,3 milhões de pessoas por ano, em
consequência de 337 milhões de acidentes laborais. Desse modo temos que 6,3 mil pessoas
morrem diariamente em todo o mundo em consequência de acidentes de trabalho que
poderiam ser evitados1.
Além do mais, tanto os gastos públicos como privados em decorrência dos benefícios
previdenciários, dos tratamentos médicos, da ausência do trabalhador acidentado ao posto de
trabalho, geram um enorme dispêndio de dinheiro que poderia ser revestido na aplicação de
medidas precaucionárias, sendo crucial a inserção de programas para ajudar a precaver
acidentes ocupacionais, doenças e mortes. Imprescindível, portanto, uma abordagem passo a
passo de medidas precaucionárias a serem implantadas pelo empresariado, de modo que a
1Fonte: http://www.unmultimedia.org/radio/portuguese/detail/195288.html. Acesso em 26/02/2012.
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gestão da segurança e saúde no local de trabalho seja aplicada em setores que, mesmo na
incerteza do risco, possam vir a ocasionar danos à saúde do trabalhador.
Este estudo visa demonstrar que no campo do trabalho, o ininterrupto
desenvolvimento e aperfeiçoamento tecnológico trouxeram incontestáveis benefícios para a
vida moderna, garantido aos investidores e empresários maior rentabilidade. No entanto,
paralelamente a essa realidade, vem crescendo a preocupação em relação aos riscos causados
à saúde dos trabalhadores, visto que estes são submetidos a uma exposição prolongada dos
efeitos biológicos, físicos e até mesmo psicológicos causados pelo desenvolvimento da
tecnologia, o que revela uma convivência não harmoniosa entre a industrialização, o bem-
estar e a qualidade de vida da população trabalhadora.
Ao se levar em consideração a quantidade de acidentes de trabalho ocorridos no Brasil
e no mundo, bem como o grande número de trabalhadores que resultam incapacitados em
decorrência de tais acidentes, percebemos que a maioria desses infortúnios poderiam ter sido
evitados através de medidas acautelatórias, e é nesse sentido que o presente estudo analisa a
necessidade de aplicação do princípio da precaução no meio ambiente do trabalho, de modo a
ver preservada a saúde trabalhadora de possíveis acidentes laborais.
Partindo do pressuposto que a saúde é um bem a que todos têm direito, e levando-se
em consideração que é no ambiente de trabalho que o cidadão passa boa parte de sua vida, o
que se pretende com o presente trabalho é criar uma base para discussões quanto à
necessidade de aplicação do princípio da precaução no meio ambiente do trabalho, de modo
que um dos pressupostos a ser observado para a instalação de uma nova atividade ou
empreendimento empresarial, seja a preservação da saúde do trabalhador. Logo, o novo
empreendimento ou atividade comercial deverá, através de medidas precaucionárias,
assegurar que a implantação da nova atividade empresarial não ocasionará um ambiente
laboral inóspito ao trabalhador. Espera-se com isso, e a partir de consultas simples, poder
compreender as possíveis formas de aplicação do princípio da precaução no meio ambiente do
trabalho, analisando sua efetividade no ordenamento jurídico laboral ou sua incorporação no
campo jurídico através de novas normas, bem como sua aplicabilidade frente ao desafio de
proteger o meio ambiente do trabalho e principalmente a saúde do trabalhador.
Para melhor compreensão da temática, o trabalho foi organizado em quatro capítulos,
sendo que o primeiro fornece uma abordagem sobre o meio ambiente em geral, com destaque
para os seus princípios, abarcando ainda a visão antropocêntrica do meio ambiente.
18
O segundo enfoque apresenta dados relevantes acerca do meio ambiente do trabalho,
com destaque para o princípio da dignidade da pessoa do trabalhador, da sadia qualidade de
vida e do meio ambiente de trabalho hígido e seguro.
O terceiro ponto descreve o foco principal do presente estudo, que é a aplicação e
manutenção do princípio da precaução no meio ambiente do trabalho, analisando suas
origens, diferenciando-o do princípio da prevenção, enfocando as doenças ocupacionais como
possíveis consequências da ausência de efetivação deste princípio, apresentando dados
estatísticos de acidentes do trabalho, descrevendo o direito à informação, os benefícios
previdenciários, a responsabilidade do empregador quanto a não observância de medidas
precaucionárias, a sociedade brasileira frente ao princípio da precaução e o estudo de casos na
jurisprudência brasileira.
O último capítulo destina-se a demonstrar a concretização do princípio da precaução,
mais especialmente com a utilização do Programa de Prevenção de Riscos Ambientais, o
Estudo Prévio de Impacto Ambiental e a Greve Ambiental.
Finalmente, na conclusão, visou-se destacar algumas reflexões acerca da aplicação do
princípio da precaução no meio ambiente do trabalho, através de uma ação conjunta entre
trabalhadores, empresários, sociedade e Poder Público.
Este trabalho caracteriza-se em pesquisa bibliográfica, legal e de casos já publicados
em periódicos, seleção da literatura de interesse e concatenação do pensamento encontrado a
respeito do tema.
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2 DO MEIO AMBIENTE
2.1 CORRENTES FILOSÓFICAS: ANTROPOCENTRISMO E ECOCENTRISMO
A degradação em rápida aceleração do meio ambiente natural converteu-se hoje em
realidade, de modo que é preciso demonstrar qual a posição atual do homem diante desse
quadro. Passados séculos de dominação humana sobre aquilo que denominou-se meio
ambiente, o homem aos poucos começa a refletir sobre a maneira com que vem lidando com
seu próprio habitat.
O século XVII marca a origem da chamada revolução científica na Europa. A partir
dessa época a compreensão humana sobre o meio ambiente passou a ser fragmentada.
Com Descartes temos o surgimento do paradigma cartesiano, fixando assim, as raízes
do antropocentrismo (homem como centro do mundo), e, através do tempo, acabou por
culminar com que o próprio homem fosse o responsável pela crise ambiental que assola o
mundo.
A partir da segunda metade do século XX a população mundial, na voz das
comunidades científicas, passou a questionar as atividades humanas no planeta terra. Os
avanços industriais e tecnológicos da sociedade pós segunda guerra mundial, o padrão de
consumo indiferente aos resíduos produzidos, passaram a ser contrastados com a consciência
de que algo estava errado. O homem se deu conta que suas ações na Terra não são mais
inofensivas como nos primórdios paleolíticos, quando a presença humana no planeta, no que
se refere ao meio ambiente, se confundia com a dos outros animais.
Nesse extenso trajeto ao longo dos séculos, o homem definitivamente perdeu-se em
relação a si mesmo.
Machado2 esclarece que, com a crença de que tudo pode, o homem passou a investir
em tecnologias e novas descobertas que se fizeram sentir em todos os campos (medicina,
armamento, biologia, etc.), todavia esta também foi a maneira que o ser humano utilizou para
intervir de forma danosa na natureza. O produtivismo passou a ser a lógica do modo de
produção capitalista, cuja irracionalidade dilapidou a natureza para sua reprodução.
Todo o sistema de valores está atualmente pautado em uma ética antropocêntrica e,
sendo assim, nossa visão do mundo é por ela orientada. O homem resiste à ideia de que para
2 MACHADO, Sidnei. O direito à proteção ao meio ambiente do trabalho no Brasil: os desafios para a construção de uma racionalidade normativa. São Paulo: LTr, 2001, p. 66-67.
20
sobreviver precisa mudar radicalmente sua relação com o meio ambiente, esquecendo-se que
cada ser humano é uma parte que o integra em sua imensidão e variedade.
O direito ambiental possui uma necessária visão antropocêntrica, porquanto o único animal racional é o homem, cabendo a este a preservação das espécies, incluindo a sua própria, estando o meio ambiente voltado para a satisfação das necessidades humanas3.
Sendo um ser dotado de razão, o homem é responsável pela instauração de uma nova
ordem mundial como objetivo de garantir a continuidade da vida na Terra, e a manutenção de
um meio ambiente saudável, levando em consideração um paradigma não só antropocêntrico,
mas também, e com mais propriedade, uma visão ecocêntrica, na qual haja um equilíbrio entre
razão e emoção, onde o conhecimento seja integrado e não fragmentado e o homem se
aproxime da natureza enquanto parte dela e não como seu proprietário.
Sob essa ótica, Nalini4 nos ensina que:
[...] a essencialidade do direito ao meio ambiente como tutela da dignidade humana se apoia na concepção kantiniana de que o homem é sempre finalidade e não pode ser instrumentalizado. A opção ecológica antropocêntrica do constituinte de 1988 submete a natureza às finalidades que a cultura humana entende adequadas. O meio ambiente comprometido traria indignidade à criatura. Isso é facilmente constatável quando se examina a situação atual dos rios que cortam grandes cidades. Ou quando se vê a ocupação desenfreada de áreas de proteção permanente, como aquelas destinadas aos mananciais.
Na perspectiva do Direito Ambiental, antropocentrismo e ecocentrismo não se
excluem, e sim, se complementam. Se é verdade que nem toda a proteção ambiental é
explicável pela perspectiva do resguardo utilitarista do ser humano, por outro lado, ao se
reconhecer valor intrínseco à natureza termina-se, como regra, por tutelar os humanos que
dela dependem.
Não somente a natureza bruta em sua forma primitiva é o meio ambiente, porém todo
o momento de transformação do recurso natural, ou seja, todo movimento deste objeto que
circunda o homem, quem sobre ele age com seu poder, querer e saber, construindo o meio
ambiente. Meio ambiente é um conceito que deriva do homem e a ele está ligado, porém o
homem não o integra. O fato de o homem não constituir o conceito de meio ambiente não
significa que este conceito seja menos antropocêntrico, muito pelo contrário, ele mostra
exatamente o poder de subordinação e dominação do mundo exterior objeto de ação do “eu
3 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 67. 4 NALINI, José Renato. Dignidade humana e meio ambiente à luz da jurisprudência recente. In: Dignidade da vida humana. São Paulo: LTr, 2010, p. 230.
21
ativo”. Para Derani5, isto significa, que o tratamento legal destinado ao meio ambiente
permanece necessariamente numa visão antropocêntrica, porque essa visão está no cerne do
conceito de meio ambiente.
Dessa forma, a vida que não seja humana só poderá ser tutelada pelo direito ambiental na medida em que sua existência implique garantia da sadia qualidade de vida do homem, uma vez que numa sociedade organizada este é o destinatário de toda e qualquer norma6.
Essas duas preocupações, com a natureza e com o ser humano, são, na realidade,
indivisíveis. O controle da degradação ambiental é necessário à proteção da saúde humana,
mas é igualmente essencial à tutela do meio ambiente em si considerado, na medida em que o
dano à natureza, quase sempre, volta-se contra o próprio ser humano, assombrando-o e, não
raro, prejudicando-o de modo inevitável.
Meio ambiente é a condição de produção da existência humana, condicionada pela
relação com os elementos naturais, bióticos, do globo terrestre, em vista da preservação do ser
humano, que por ter consciência, é o único que pode propor a relação de cuidado com o todo.
Não há como se romper, nessa linha de raciocínio, com essa visão antropocêntrica, se o
direito está envolvido no estudo interdisciplinar do meio ambiente. O direito é um fenômeno
humano, implicando necessariamente o fator pensamento voltado para um comportamento
desejável. O Direito se dirige a padrões de comportamento que não se pode exigir dos seres
vivos não humanos. Não é possível prescrever aos animais irracionais a proibição de
alimentarem-se de outros animais, ainda que estes estejam em extinção.
De outro modo, também não é possível determinar que animais irracionais realizem
suas caças em determinados habitats, ou seja, não há como reconhecer direitos próprios da
natureza, independentemente da utilidade ou valor que tenha para o ser humano. Primeiro,
porque não se pode prescrever condutas à outras formas de vida ou aos elementos não
bióticos, como exemplificado anteriormente. Nem estes podem exigir que as normas de
proteção sejam respeitadas.
As regras de direito podem ser sobre condutas referentes a coisas e animais a cargo do
homem, não porque tenham direitos, mas sim porque interessam à qualidade de vida humana,
seja patrimonial (pelo uso sustentável e sustentado), ou moral (a vida humana tem um sentido,
que se encontra entre outros valores, na beleza). Pode inclusive haver lei preservando o
respeito à certa forma de vida, mas isso não significa que tenha direito. Não é a destinatária
5 DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 52-53. 6 FIORILLO, 2010, p. 66.
22
real da proteção porque, ao final, o que se assegura é que o homem desfrute do meio ambiente
ecologicamente equilibrado.
É certo que o homem é parte da natureza, mas não é passivo. É ativo. E é esse ser ativo, pensante, que evolui do papel de subjugador da natureza para buscar a harmonização entre todos os componentes da realidade natural, onde desempenhará o papel de consciência e liberdade. Ao assegurar proteção a uma espécie animal, a certa paisagem, ou a outro bem ambiental, o que se busca sempre é tornar efetivo o direito do próprio homem a ter qualidade de vida7.
Portanto, o homem passou a integrar plenamente o meio ambiente no caminho para o
desenvolvimento sustentável, preconizado pela nova ordem ambiental mundial. Consequência
disto é a consideração de que o meio ambiente do trabalho também faz parte do conceito mais
amplo de ambiente, de forma que deve ser considerado como bem a ser protegido pelas
legislações, para que o trabalhador possa usufruir de uma melhor qualidade de vida.
Seguindo essa linha, o princípio nº 1 da Declaração do Rio de Janeiro sobre o Meio
Ambiente e Desenvolvimento estabelece que os seres humanos são o centro das preocupações
com o desenvolvimento sustentável, tendo direito a uma vida saudável e produtiva, em
harmonia com a natureza.
A manutenção da atual organização social, através do Estado Democrático de Direito,
só é possível com a permanência da visão antropocêntrica, em que o homem é o destinatário
final de toda e qualquer norma. A vida dos demais seres só pode ser tutelada pelo direito
ambiental, nos termos da norma positivada, à medida que sua existência implique na garantia
da sadia qualidade de vida humana. O homem tem por objetivo conservar a natureza,
claramente em benefício seu. É nesse contexto que devem ser visualizadas as normas
ambientais.
Todavia, ainda que possa causar estranheza a expressão meio ambiente do trabalho, já
que o termo meio ambiente basta para que nos remetamos à vida em geral, à terra, ao ar, à
água, à flora e à fauna, de modo que o meio ambiente se torna um todo único, dependente de
proteção.
Assim sendo, para que se compreenda o tema do presente estudo, torna-se viável
tecer-se algumas considerações sobre o conceito de meio ambiente.
7 SANTOS, Adelson Silva dos. Fundamentos do direito ambiental do trabalho. São Paulo: Ltr, 2010, p. 30-31.
23
2.2 CONCEITO
Em que pesem as constantes abordagens cada vez mais frequentes sobre o tema,
parece sem sentido o questionamento acerca do que seria o meio ambiente, pois desde a
infância o assunto já nos é apresentado, seja na escola ou pelos nossos pais. Sendo certo que
cada pessoa possui uma opinião imediata ao questionamento, de modo que de pronto seriam
recebidas respostas tais como a de que o meio ambiente é tudo que nos cerca, desde as
plantas, os pássaros, o ar e a água. Apesar de corretas, tais assertivas parecem incompletas.
A literatura técnica e a própria legislação brasileira através de suas leis e resoluções de
órgãos, como o Conselho Nacional de Meio Ambiente – CONAMA tem definições mais
amplas para este conceito.
De acordo com a resolução CONAMA 306:2002: “Meio Ambiente é o conjunto de
condições, leis, influência e interações de ordem física, química, biológica, social, cultural e
urbanística, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.”
Encontra-se na ISO 14001:20048 a seguinte definição sobre meio ambiente:
“circunvizinhança em que uma organização opera, incluindo-se ar, água, solo, recursos
naturais, flora fauna, seres humanos e suas inter-relações.” Uma organização é responsável
pelo meio ambiente que a cerca, devendo, portanto, respeitá-lo, agir como não poluente e
cumprir as legislações e normas pertinentes (ISO 14001) 9.
Doutrinariamente meio ambiente é o conjunto de relações entre os meios físico,
biológico e antrópico. Os principais constituintes do meio físico são as rochas, solos, águas
superficiais e subterrâneas, geomorfologia e climas. No meio biológico, os constituintes são a
flora e a fauna. E no meio antrópico ou socioeconômico são todas as atividades do homem,
nos setores primário, secundário, terciário e até quaternário10.
Surge então outro questionamento, qual seja o de identificar o que seriam as referidas
relações. Para tanto, é importante ter-se em mente que quando alguém preserva um bioma,
protegendo-o, evitando incêndios, impedindo a caça e a pesca predatórias, está construindo
um tipo de relação com o bioma. Os biomas são constituídos por elementos físicos e
biológicos além do antrópico, que interagem entre si dentro de uma relação sistêmica 8 A ISO 14001 é uma norma internacionalmente reconhecida que define o que deve ser feito para estabelecer um Sistema de Gestão Ambiental (SGA) efetivo. A norma é desenvolvida com objetivo de criar o equilíbrio entre a manutenção da rentabilidade e a redução do impacto ambiental; com o comprometimento de toda a organização. Com ela é possível que sejam atingidos ambos objetivos. Fonte: http://www.bsibrasil.com.br/certificacao/ sistemas_gestao/normas/iso14001/. Acesso em 26/02/2012. 9 Fonte: http://ambientedomeio.com/2007/07/29/conceito-de-meio-ambiente/. Acesso em 26/02/2012. 10 NAIME, Roberto. O que é o meio ambiente? Viverde, publicação em 24/02/2010. Fonte: http://vivoverde.com.br/o-que-meio-ambiente/ Acesso em 04/06/2011.
24
hierarquizada por vários fatores.
Portanto, meio ambiente é constituído pelas as relações entre os elementos ambientais.
E meio ambiente é um conceito antropocêntrico. São as consequências de todas as relações
entre os meios que são produzidas pelo homem, e que podem impactar a própria espécie
humana.
O reconhecimento das multicausas e da importância dos contextos socioambientais e
culturais, em que os problemas da vida humana são conformados, é fundamental para,
efetivamente, transformar as nocividades geradas pela ação do homem no ambiente e, assim,
melhorar a qualidade de vida. Esse novo modo de compreensão das relações do homem com a
natureza permite construir estratégias para a sustentabilidade.
A necessidade de monitorar o meio ambiente é decorrente do reconhecimento de que
ele não é imutável, mas está em permanente construção e transformação pela ação do homem
e da própria natureza.
Dessa forma, se a sociedade extrapola determinada área social, adotando condutas
inadequadas, aparece então o direito para regular a situação. Devido a ameaça de extinção da
espécie humana em consequência do uso irracional dos recursos naturais, provocando o seu
esgotamento, e também pelo acontecimento mais frequente de grandes catástrofes na
natureza, o que serviu de alerta para o mundo sobre a urgência de serem revistos os conceitos
adotados pela humanidade em relação ao meio em que vivemos, surgiu o direito ambiental,
que é o ramo jurídico que trata especialmente do meio ambiente, trazendo dados que
indiquem sua origem e necessidade na sociedade.
O direito ambiental é abrangente, e na tentativa de acentuar seus variados aspectos, é
que a doutrina procura atribuir-lhe dimensões. Entretanto, o conceito de meio ambiente é
unitário, na medida em que é regido por inúmeros princípios, diretrizes e objetivos que
compõem a Política Nacional do Meio Ambiente.
Na Constituição brasileira, a preocupação com o meio ambiente veio expressa no art. 225, que garante a todos o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, mas também impõe ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo, não só para as presentes gerações, mas também para as futuras. Esta indeterminação espacial e temporal dos sujeitos titulares do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem como a qualificação de uso comum do povo, apontam para o caráter difuso do direito ao meio ambiente, que não deve ser tratado como patrimônio público, porque não tem como titular o Estado, nem privado, eis que não pertence a ninguém, isoladamente, mas, sim, como difuso, uma terceira categoria de bem, pertencente, para uso, a toda coletividade, presente e futura11.
11 SOARES, Evanna. Ação ambiental trabalhista. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2004, p. 34.
25
Dessa forma, deve haver um compromisso social em preservá-lo. Ao transformar o
espaço, os meios natural e social, o homem também é transformado por eles. Assim o
processo criativo é externo e interno. As transformações interna e externa caracterizam a
história social e a história individual onde se visualizam e manifestam as necessidades, a
distribuição, a exploração e o acesso aos recursos naturais, culturais e sociais de um povo.
Padilha12 enfatiza que a mera iminência de dano ao meio ambiente deve ser suficiente
para mobilizar a Administração Pública, as associações civis, o Ministério Público, o Poder
Judiciário, etc., na aplicação das medidas mais eficazes para impedir que a ameaça de lesão
ambiental torne-se, mais das vezes, irreversível, sendo o papel da responsabilidade civil,
especialmente quando se trata de mera indenização, sempre insuficiente. De que valerá a
indenização, por exemplo, aos trabalhadores que perderam a audição em decorrência da
exposição, no ambiente de trabalho, a ruídos acima dos níveis tolerados? Na verdade, cada
vez que um dano ambiental ocorre, o que se perde é a qualidade de vida.
Os seres humanos são os destinatários do direito constitucional, e como tal devemos assumir imediatamente uma postura de responsabilidade com as gerações do porvir. O encadeamento da espécie permitiu que chegássemos até aqui – século XXI, início do terceiro milênio – o mínimo que os pósteros aguardam de nós é que possam também usufruir daquilo que ninguém construiu, mas que é rapidamente destruído e de inúmeras formas. O ser contemporâneo sabe que a aventura da vida no planeta Terra só perdurou porque houve discernimento no passado. Sua continuidade está a depender dos presentes inquilinos, os mais desleixados que passaram por aqui. O ser humano, que se autointitula pretensiosamente a única espécie racional, esqueceu-se de que parte de um complexo e que sua inconsequência gera resultados imprevisíveis para a continuidade desta aventura13.
Como modo de melhor compreensão sobre o conjunto de relações que regem o meio
ambiente, mister que se faça uma alusão acerca dos princípios que o permeiam, conforme será
delineado a seguir.
2.3 PRINCÍPIOS DE DIREITO
O termo “princípio”, em regra, parece designar o começo ou início de alguma coisa,
porém, em termos jurídicos, é muito mais amplo, posto que o princípio quer na verdade
alicerçar uma estrutura, garantir a sua existência e a sua aplicabilidade.
12 PADILHA, Norma Sueli. Do meio ambiente do trabalho equilibrado. São Paulo: LTr, 2002, p. 100. 13 NALINI, p. 229-231.
26
Segundo Araújo e Nunes14, os princípios são “[...] as ideias de um sistema, ao qual dão
sentido lógico, harmonioso, racional, permitindo a compreensão de seu modo de se
organizar.”
São os primeiros passos no caminho de uma regulação, em direção aos quais devem
seguir os demais. Abrigam em seu núcleo uma diretriz muito mais densa do que uma simples
regra, embasam uma ciência e fornecem subsídios à sua correta compreensão e interpretação.
Roque15 informa que “[...] os princípios gerais de direito podem ser considerados
como os fundamentos mais elevados do direito, estabelecidos na antiga Roma e expressos nos
brocardos, máximas, aforismos que nos legou o direito romano.”
Em sua abordagem, Lemes16 aduz que “[...] pela sua importância, os princípios são a
chave e essência de todo direito; não há direito sem princípios. As simples regras jurídicas de
nada valem se não estiverem apoiadas em princípios sólidos.”
Assim sendo, os princípios gerais de Direito são enunciações normativas de valor genérico, que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico, quer para sua aplicação e integração, quer para a elaboração de novas normas. Eles cobrem desse modo, tanto o campo da pesquisa pura do Direito quanto o de sua atualização prática17.
Pode-se considerar os princípios como normas de grande relevância para o
ordenamento jurídico, na medida em que estabelecem fundamentos normativos para a
interpretação e aplicação do Direito, deles decorrendo, direta ou indiretamente, normas de
comportamento.
Nesse sentido, os princípios seriam pensamentos diretivos de uma regulação jurídica existente ou possível, mas que ainda não são regras suscetíveis de aplicação, na medida em que lhes falta o caráter formal de proposições jurídicas, isto é, a conexão entre uma hipótese de incidência e uma consequência jurídica. Daí por que os princípios indicariam somente a direção em que está situada a regra a ser encontrada, como que determinando um primeiro passo direcionador de outros passos para a obtenção da regra18.
É possível classificar os princípios no sistema jurídico brasileiro como de duas ordens:
os constitucionais e os infraconstitucionais. Os infraconstitucionais informam as partes
14 ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 4ª ed. ver. Atual. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 46. 15 ROQUE, Sebastião José. Introdução ao estudo do direito. 2ª ed. São Paulo: Ícone, 2004, p. 135. 16 LEMES, Selma Maria Ferreira. Princípios e origens da lei de arbitragem. AASP/Revista do Advogado, São Paulo, nº 51, outubro, 1997, p. 32. 17 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 27. 18 VENOSA, Silvio de Salvo. Introdução ao estudo do direito. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 163.
27
menores do sistema, ou subsistemas, já os constitucionais aplicam-se a todo o sistema,
elegendo assim sua ordem maior.
Dessas lições depreende-se que os princípios são uma espécie de norma jurídica que
estabelecem pontos de partida para aplicação, interpretação e concretização do direito.
Desse modo, não se pode negar a importância dos princípios gerais do direito, bem
como dos princípios que regem o direito ambiental, sendo que principalmente após a
Constituição Federal de 1988, os princípios surgem como elemento integrador do
ordenamento jurídico. Nesse passo, sem intenção de esgotar o tema, o item a seguir discorrerá
acerca dos princípios do direito ambiental.
2.4 PRINCÍPIOS ESTRUTURANTES DO DIREITO AMBIENTAL
Ao longo da história, as Constituições foram evoluindo, organizando e impondo cada
vez mais limites à estrutura estatal, e foi justamente nos princípios constitucionais, que se
assentaram as normas balizadoras do organismo político.
Logo em seu primeiro artigo, a Carta Constitucional trata de estabelecer os fundamentos da República Federativa, trazendo como princípios fundamentais e basilares, dentre outros, a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF/88). A garantia desta vida com qualidade não está apenas ligada aos preceitos do art. 6º da mesma Carta, artigo este que prevê valores mínimos para o desfrute da vida digna. Isto é o que chamamos de piso vital mínimo, ou seja, o mínimo necessário que um ser humano precisa para ter efetivada a garantia constitucional da dignidade e da vida com qualidade19.
Assim sendo, o texto constitucional, por meio do princípio basilar insculpido no artigo
1º, III, dispõe sobre o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, termo que será
abordado em capítulo próprio.
Portanto, todo ser humano tem direito a uma vida digna, e o meio ambiente do
trabalho deve tê-lo como parte integrante de sua plataforma, pois, como preceitua o artigo
225, a vida deve ser de qualidade, e para que o trabalhador tenha uma vida com qualidade,
torna-se necessário um trabalho decente e em condições seguras.
Já o princípio da sustentabilidade vem expresso em nossa Carta Magna, através de seu
art. 225, ao estabelecer ao Poder Público e à coletividade o dever de defender e preservar o
meio ambiente para as presentes e futuras gerações.
19 SANCHEZ, Adilson. A contribuição social ambiental: direito ambiental do trabalho – SAT, NTEP, FAP, Aposentadoria especial. São Paulo: Atlas, 2009, p. 54.
28
Em 1987, o relatório da Comissão Mundial da Organização Nacional das Nações
Unidas – ONU sobre meio ambiente e desenvolvimento (CMMAD), conhecido também como
Relatório Brundtland, trouxe a definição de desenvolvimento sustentável como o
desenvolvimento capaz de satisfazer as necessidades da geração atual, sem comprometer as
das futuras gerações.
O princípio do desenvolvimento sustentável é uma busca da coexistência harmônica
entre economia e meio ambiente. A ideia central é assegurar existência digna, através de uma
vida com qualidade, e com isso, tal princípio não objetiva impedir o desenvolvimento
econômico.
[...] a atividade econômica, na maioria das vezes, representa alguma degradação ambiental. Todavia, o que se procura é minimizá-la, pois pensar de forma contrária significa dizer que nenhuma indústria que venha deteriorar o meio ambiente poderá ser instalada, e não é essa a concepção apreendida do texto. O correto é que sejam desenvolvidas lançando-se mão dos instrumentos existentes adequados para a menor degradação possível20.
O desenvolvimento sustentável é um princípio perfeitamente aplicável ao meio
ambiente do trabalho, mesmo porque o trabalhador deve ter o direito de exercer sua atividade
em um ambiente que lhe possibilite o bem-estar e vida com qualidade.
A Carta Magna atual, ainda através dos artigos 5º e 7º, e seus diversos incisos, protege
o meio ambiente, já o artigo 170 diz que a livre iniciativa deve fundar-se na valorização do
trabalho humano e ter, por finalidade, assegurar a todos existência digna conforme os ditames
da justiça social, tendo como princípio a defesa do meio ambiente – no caso em tela o meio
ambiente do trabalho como novo direito da personalidade.
Na busca da eficácia das normas constitucionais, outros princípios devem ser
mencionados e avaliados, como o da prevenção e da precaução, sendo que tais princípios
serão melhor esclarecidos em capítulo próprio. Prevenção significa adoção de medidas
tendentes a evitar riscos ao meio ambiente e ao ser humano. No meio ambiente do trabalho é
o homem trabalhador que é atingido direta e imediatamente pelos danos ambientais, portanto
esse princípio é um dos fundamentais previstos na Constituição Federal de 1988, inserido em
seu artigo 7º, inciso XXII, que estabelece como direito do trabalhador urbano e rural a
redução dos riscos inerentes ao trabalho por meio de normas de saúde, higiene e segurança.
Dois outros princípios devem ser mencionados: o da informação e o princípio do poluidor-
pagador.
20 SACHS, Ignacy. Rumo à ecossocioeconomia: teoria e prática do desenvolvimento. São Paulo: Cortez, 2007, p. 208.
29
O direito de informação se apresenta em três níveis: o direito de informar, o direito de se informar e o direito de ser informado. O primeiro consiste, desde logo, na liberdade de transmitir ou comunicar informações a outrem, de as difundir sem impedimentos, mas pode também revestir uma forma positiva, enquanto o direito a informar, ou seja, direito a meios para informar. O direito de se informar consiste designadamente na liberdade de escolha de informação, de procura de fontes de informação, isto é, no direito de não ser impedido de se informar. Finalmente, o direito de ser informado é a versão positiva do direito de se informar, consistindo num direito a ser mantido adequadamente e verdadeiramente informado, desde logo, pelos meios de comunicação e pelos poderes públicos21.
O princípio da informação também se aplica ao meio ambiente do trabalho, pois os
trabalhadores têm o direito de saber acerca das condições do ambiente laboral, incluindo os
riscos e perigos a que estão expostos, bem como as consequências que tal forma de trabalho
ocasionará à sua qualidade de vida, nos casos de jornadas noturnas, em turno ininterrupto de
revezamento, de contato com substâncias insalubres e periculosas, de trabalhos repetitivos,
penosos etc.
Sua tutela legislativa está presente em normas infraconstitucionais e internacionais. As
primeiras estabelecem: o dever da empresa de prestar informações pormenorizadas sobre os
riscos de acidentes de trabalhos da operação a executar e do produto a manipular (art. 19, §3º,
da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991); a obrigatoriedade de indicação de carga máxima
permitida nos equipamentos de transportes, dos avisos de proibição de fumar e de advertência
quanto à natureza perigosa ou nociva à saúde das substâncias em movimentação ou em
depósito, bem como das recomendações de primeiros socorros e de atendimento médico e
símbolo de perigo (art. 182, III, da CLT); a obrigatoriedade da rotulagem, segundo padrões
internacionais, dos materiais e substâncias empregados, manipulados ou transportados nos
locais de trabalho, quando perigosos ou nocivos à saúde (art. 197, da CLT), entre outros.
A Lei nº 11.105/05 (art. 18, I), prevê como uma das competências da Comissão de
Biossegurança (CIBio), informar os trabalhadores e os demais membros da coletividade sobre
questões relacionadas à saúde, à segurança e aos procedimentos em caso de acidentes, na
possibilidade de ocorrerem pelo desenvolvimento da atividade.
Há também informação entre os trabalhadores através de seus sindicatos e federações,
o que acaba contribuindo para a defesa da vida e da saúde dos próprios obreiros, e também
como meio de esclarecer a população em geral acerca das condições sadias ou não do meio
ambiente do trabalho.
21 GRAF, Ana Cláudia Bento. O direito à informação ambiental. In: FREITAS, Vladimir Passos de (Org.). Direito ambiental em evolução. v. 1. 2ª ed. Curitiba: Juruá, 2005, p. 17-18.
30
O princípio do poluidor-pagador possui duas razões fundamentais: primeiro, prevenir
o dano ambiental e segundo, em não havendo prevenção, impõe-se a reparação da forma mais
integral possível, ou seja, o poluidor deve prevenir danos a sua atividade para evitar
problemas maiores ao meio ambiente, cabendo-lhe o ônus de utilizar todos os equipamentos e
meios necessários para evitá-los.
Analisando os conceitos apresentados na Política Nacional do Meio Ambiente,
verifica-se que o princípio do poluidor-pagador não se refere apenas àquele que causa ou
poderá causar poluição, mas sim àquele que causa ou poderá causar degradação ambiental,
enquanto conceito mais abrangente.
Este princípio visa desincentivar atividades que lucram com a adoção de padrões de qualidade ambiental muito baixos em detrimento de atividades concorrentes que adotem standarts mais avançados e, por conseguinte, mais custosos. Em vez de atribuir estes custos ao Estado, aos investidores ou à própria comunidade internacional, o empreendedor deve integrar esses custos na sua produção22.
Para Leite23, a internalização dos custos externos de deterioração ambiental também é
um dos objetivos do princípio do poluidor-pagador. Tal situação resultaria em uma maior
prevenção e precaução, em virtude do consequente maior cuidado com situações de potencial
poluição.
No caso do princípio do poluidor-pagador aplicado ao meio ambiente do trabalho,
verifica-se de imediato a questão do pagamento de adicionais. O art. 7º, XXIII da
Constituição Federal estabelece como direito fundamental dos trabalhadores o recebimento de
“adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da
lei.”
A seção XIII da Consolidação das Leis do trabalho (CLT) trata sobre
atividades/operações insalubres ou perigosas. O art. 189 da CLT define como atividades
insalubres “... aquelas que, por sua natureza, condições ou métodos de trabalho, exponham os
empregados a agentes nocivos à saúde, acima dos limites de tolerância fixados em razão da
natureza ou intensidade do agente e do tempo de exposição aos seus efeitos.” As atividades
perigosas, por sua vez, são as que implicam no contato permanente com inflamáveis ou
22 CASELLA, Paulo Borba; ACCIOLY; Hildebrando; SILVA. G. E. do Nascimento e. Manual de direito internacional público. 18ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 637. 23 LEITE, José Rubens Morato. Sociedade de risco e Estado. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato (Org.). Direito constitucional ambiental brasileiro. 3ª ed. ver. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 203
31
explosivos em condições de risco acentuado, o que em um primeiro momento não significa
dano à saúde (art. 193).
Se o meio ambiente do trabalho apresentar insalubridade acima dos limites de
tolerância, os trabalhadores farão jus ao pagamento de adicional nos valores de 40%, 20% ou
10% do salário-mínimo, de acordo com a classificação do grau de insalubridade máximo,
médio ou mínimo (art. 192, CLT). O valor do adicional de periculosidade será o salário do
empregado acrescido de 30%, sem os acréscimos resultantes de gratificações, prêmios ou
participações nos lucros da empresa (art. 193, §1º, da CLT). Assim, o empregador poluidor
arca com o ônus do adicional de insalubridade, no caso em que os trabalhadores desenvolvam
suas atividades em ambientes não hígidos. Em outras palavras, ele paga pela degradação
causada ao ambiente laboral e à saúde dos trabalhadores.
Tal princípio, sob outra ótica, também é facilmente percebido no âmbito laboral, pois,
no caso de descumprimento das normas de segurança e medicina do trabalho, haverá um
acidente de trabalho, resultado da poluição do ambiente laboral, de modo que o empregador,
agente do dano, arcará com os prejuízos ocasionados ao trabalhador (sejam morais, estéticos
ou materiais). Perfeitamente aplicável o disposto no caput do artigo 2º da CLT, onde
estabelece que o empregador, ao assumir os riscos da atividade econômica, e ao lucrar com
sua atividade empresarial, deve responder por tais riscos ou pelas desvantagens dele
resultantes.
Os pagamentos decorrentes do princípio do poluidor-pagador devem ser proporcionais aos custos estimados, para os agentes econômicos, de precaver ou prevenir a poluição. Só assim os poluidores são motivados a escolher entre poluir e pagar ao Estado ou pagar para não poluir, investindo em processos produtivos ou matérias-primas menos poluentes, ou em investigação de novas técnicas e produtos alternativos24.
Através do acima narrado, é possível perceber a aplicação de vários princípios do
direito ambiental ao meio ambiente do trabalho, de modo que a instalação de um meio
ambiente do trabalho com absoluta adequação e segurança, tornou-se um dos mais
importantes e fundamentais direitos do cidadão trabalhador, pois sua não observância
representa agressão para toda a sociedade, já que é ela que assume os gastos pelos acidentes
(Seguro de Acidentes do Trabalho – SAT), arcando com o custo da Previdência Social, e o
Sistema Único de Saúde – SUS.
24 ARAGÃO, Alexandra. Direito constitucional do ambiente na União Européia. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato (Org.). Direito constitucional ambiental brasileiro. 3ª ed. ver. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 70.
32
Com o fito de um melhor entendimento, de maneira geral, no que tange as
transformações vivenciadas pelo ser humano no campo do meio ambiente do trabalho, bem
como as consequências que um meio ambiente de trabalho inóspito pode trazer para a saúde
do trabalhador, será visto no tópico a seguir acerca do meio ambiente do trabalho.
33
3 DO MEIO AMBIENTE DO TRABALHO
3.1 ASPECTOS HISTÓRICOS
O trabalho acompanha o ser humano desde o início dos tempos. A história da
humanidade confunde-se com a própria história da evolução dos modos de produção e, por
consequência, do modo como o trabalho é prestado. Ainda que se evolua, novos riscos e
problemas vão surgindo com o aparecimento das novas formas de se produzir e trabalhar.
Logo, o contexto de vida do homem a partir da segunda metade do século XX – industrialização desenfreada, os processos migratórios geradores de uma urbanização desestruturada, o desmatamento, o aumento do número de veículos automotores e outros fatores que contribuíram para o aumento da poluição do ar, da destruição da camada de ozônio, da escassez de recursos naturais não renováveis – fez manifestar-se a consciência da necessidade de uma tutela jurídica do meio ambiente25.
O esforço em esclarecer as formas de pensar a relação entre o homem e seu ambiente,
desdobra-se na noção de desenvolvimento. No decorrer do século XX, essa noção teve uma
dimensão apenas quantitativa, atrelada a ideia de crescimento econômico. O resultado foi uma
profunda miséria física e social das populações que não se beneficiaram de seus ganhos, além
de enormes danos ambientais.
A superação da escravidão e da servidão trouxe o abuso da exploração do trabalho
operário de massa, cujo limite resultou em ambientes de trabalho inadequados, intensa
utilização de mão de obra infantil, jornadas extensas e parcos salários. A revolução industrial
causou severas transformações no mundo do trabalho, modificando a forma de produzir e
fazendo surgir o direito do trabalho, com o objetivo de coordenar as relações entre capital e
trabalho.
A revolução tecnológica, que colocou o computador no centro do controle dos
processos produtivos, atingiu profundamente o mundo do trabalho, exigindo um trabalhador
mais qualificado, ao tempo em que desmaterializou o serviço.
Os parâmetros de referência da sociedade pós-industrial são constituídos pela tecnologia eletrônica, pelo predomínio do trabalho intelectual, sobretudo de tipo criativo; por uma epistemologia da complexidade e da descontinuidade; pelo predomínio das necessidades “fracas”, principalmente as de natureza estética; pelo subjetivismo; pela dimensão transnacional e pós-internacional dos problemas e de
25 MELO, Sandro Nahmias. Tutela jurídica. Revista LTr , Ano 47, Sup. Trab., 24/11, 2011, p. 24.
34
suas possíveis soluções; pela difusão de valores andrógenos; pela recusa das ideologias26.
Estas profundas mudanças atingem também a sociedade. Sendo certo afirmar que o
conjunto de transformações vivenciadas propiciou a passagem de uma sociedade que se
modernizara, para outra, que é a sociedade de risco, surgindo, assim, outra faceta da
modernização.
A questão ambiental, por si só, é a manifestação da tomada de consciência da capacidade do ser humano para modificar a natureza, às vezes danificando e destruindo, mas também manejando e moldando até dar nascimento a uma segunda natureza, como já foram qualificados desde a Antiguidade os espaços transformados pelas atividades humanas27.
Para Derani28, pelo que hoje se conhece como desenvolvimento sustentável, instalou-
se a importância de se harmonizar o desenvolvimento econômico-industrial com a
preservação e proteção do meio ambiente, de modo que os direitos econômico e ambiental
passaram a se interceptar e a comportar, essencialmente, as mesmas preocupações, quais
sejam: buscar a melhoria do bem-estar das pessoas e a estabilidade do processo produtivo.
A humanidade é capaz de tornar o desenvolvimento sustentável – de garantir que ele atenda as necessidades do presente sem comprometer a capacidade de as futuras gerações satisfazerem as suas. O conceito de desenvolvimento sustentável tem, é claro, limites – não limites absolutos, mas limitações impostas pelo estágio atual da tecnologia e da organização social, no tocante aos recursos ambientais e pela capacidade da biosfera de absorver os efeitos da atividade humana. Mas tanto a tecnologia quanto a organização social podem ser geridas e aprimoradas a fim de proporcionar uma nova era de crescimento econômico29.
Entretanto, é fácil constatar que não é dotada de veracidade a afirmação de que existe
uma equação na exploração dos recursos naturais, no desenvolvimento econômico e
tecnológico e na qualidade de vida. Isso porque os recursos oriundos da natureza estão sendo
aproveitados de forma predatória, causando graves danos ao meio ambiente e refletindo
negativamente na própria condição de vida e de saúde do homem. De modo que, estando o
meio ambiente do trabalho inserido no meio ambiente como um todo, a saúde do trabalhador
também sofre consequências negativas.
26 DE MASI, Domenico. O futuro do trabalho: fadiga e ócio na sociedade pós-industrial. Tradução de Yadir Figueiredo. 6ª ed. Rio de Janeiro: José de Olympo, 2001, p. 221. 27 RAYNAUT, Claude. Meio ambiente e desenvolvimento: construindo um novo campo do saber a partir da perspectiva interdisciplinar. Desenvolvimento e Meio Ambiente, n. 10, jul/dez, 2004, p. 29. 28 DERANI, 2007, p. 77 29 PADILHA, Norma Sueli. Fundamentos constitucionais do direito ambiental. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010, p. 244.
35
No meio ambiente laboral, a despreocupação com a qualidade de vida, possui reflexos como o desemprego, a informalidade do trabalho e a precariedade das condições em que esse trabalho é desenvolvido, mão de obra desqualificada, leis trabalhistas inadequadas, estrutura sindical ultrapassada, Justiça do Trabalho emperrada, educação precária, entre outros problemas não menos importantes30.
Não pode ser desconsiderado que o êxito de qualquer atividade empresarial é
diretamente proporcional ao fato de se manter a sua peça fundamental – o trabalhador – em
condições ótimas de saúde. As atividades laborativas nasceram com o homem. Pela sua
capacidade de raciocínio e pelo seu instinto gregário, o homem conseguiu, através da história,
criar uma tecnologia que possibilitou sua existência no planeta.
Para Moraes31, tudo se tornou válido em nome do progresso, do lucro e da vida mais
confortável, em detrimento ao trabalhador, culminando na degradação de sua saúde.
O enfoque constitucional dado ao direito ambiental, que o elevou ao patamar de direito
fundamental, uma vez interligado intrinsecamente com o direito à vida com qualidade e
dignidade, permite chegar à conclusão de que estando o meio ambiente do trabalho inserido
no contexto do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, é, por decorrência, um
direito humano fundamental da pessoa do trabalhador.
Nesse sentido, será abordado no item a seguir sobre a conceituação do meio ambiente
do trabalho.
3.2 CONCEITO
Com os novos avanços do mundo moderno, o direito à vida vai além da ideia de
sobrevivência, alargando-se, ampliando-se, englobando o sentido de vida com qualidade, com
interação do homem ao seu habitat, de maneira dinâmica e com a integração da natureza na
vida do homem social, sobretudo nos aspectos relacionados à produção e ao trabalho.
Nesse sentido, Santos32 nos ensina que “[...] o meio ambiente do trabalho pode ser
conceituado como o conjunto de fatores físicos, climáticos ou qualquer outro que interligados,
ou não, estão presentes e envolvem o local de trabalho da pessoa.”
30 MELO, Raimundo Simão de. Dignidade humana e o meio ambiente do trabalho. Revista Anamatra 1: no Mérito, Rio de Janeiro, Ano XII, n. 37, abril, 2008, p. 8-18. 31 MORAES, Márcia Elayne Berbich. A (In) Eficiência do Direito Penal Moderno para a Tutela do Meio Ambiente (Lei nº 9.605/98). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 96. 32 SANTOS, Antônio Silveira R. dos. Meio ambiente do trabalho: considerações. Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 45, set. 2000, p. 19.
36
É o lugar onde se concretizam as relações de trabalho e onde, consequentemente, o ser humano desenvolve suas virtualidades, obtém os recursos necessários à sua sobrevivência e colabora para a criação da riqueza social e para a promoção do bem comum33.
Sobre outro enfoque, o meio ambiente do trabalho pode ser definido como o local
onde as pessoas desempenham suas atividades laborais, todavia, o aspecto econômico não é o
que prevalece, tendo em vista que:
[...] sejam remuneradas ou não, cujo equilíbrio está baseado na salubridade do meio e na ausência de agentes que comprometam a incolumidade físico-psíquica dos trabalhadores, independente da condição que obstem – homens ou mulheres, maiores ou menores de idade, celetistas, servidores públicos, autônomos, etc.34.
Lima35 alude que meio ambiente de trabalho é parte integrante do meio ambiente
geral. É o local onde se exerce o trabalho, compreendidas as circunvizinhanças. Essa porção
de meio ambiente, antes de interessar aos que mourejam, constitui um bem de todos, dado que
seus rescaldos contaminam todos os circundantes. E como um microssistema do sistema
geral, deve ser protegido, até porque não se terá um todo equilibrado sem que as partes o
sejam. Em termos mais restritos, trata-se de humanização do trabalho. Com efeito, o
trabalhador consome um terço de sua vida no ambiente de trabalho. E um ambiente sadio
integra os direitos fundamentais do trabalho.
Isto é assim porque o conceito de meio ambiente do trabalho não se restringe ao local
de trabalho estritamente, alcançando também as condições laborais e de vida fora dele. As
consequências de um acidente típico ou doença laboral, por exemplo, não se restringem à vida
do homem enquanto trabalhador, apresentando consequências financeiras, sociais e humanas
para a vítima, sua família, a empresa e, finalmente, para toda a sociedade, que, em última
instância, é responsável pelas mazelas sociais em todos os seus graus e aspectos.
É possível verificar que inclusive a Lei de Benefícios da Previdência Social, de nº
8.213/91, em seu artigo 21, também estende a noção de local de trabalho para efeitos de
equiparação a acidente de trabalho, in verbis:
Art. 21. Equiparam-se também ao acidente do trabalho, para efeitos desta Lei: I - o acidente ligado ao trabalho que, embora não tenha sido a causa única, haja contribuído diretamente para a morte do segurado, para redução ou perda da sua
33 LEITE, Roberto Basilone. Ecologia do Trabalho: a simbiose entre o direito do trabalho e o direito ambiental. In Revista do TST, Porto Alegre, v. 69, nº 1, jan/jun de 2003, p. 182. 34 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco; RODRIGUES, Marcelo Abelha. Manual de Direito Ambiental no Brasil – São Paulo: Max Limonad, 1999, p. 21. 35 LIMA, Francisco Meton Marques de. As implicações recíprocas entre o meio ambiente e o custo social do trabalho. Revista LTr, São Paulo, v. 71, n. 3, 327-335, março 2007, p. 329.
37
capacidade para o trabalho, ou produzido lesão que exija atenção médica para a sua recuperação; II - o acidente sofrido pelo segurado no local e no horário do trabalho, em consequência de: a) ato de agressão, sabotagem ou terrorismo praticado por terceiro ou companheiro de trabalho; b) ofensa física intencional, inclusive de terceiro, por motivo de disputa relacionada ao trabalho; c) ato de imprudência, de negligência ou de imperícia de terceiro ou de companheiro de trabalho; d) ato de pessoa privada do uso da razão; e) desabamento, inundação, incêndio e outros casos fortuitos ou decorrentes de força maior; III - a doença proveniente de contaminação acidental do empregado no exercício de sua atividade; IV - o acidente sofrido pelo segurado ainda que fora do local e horário de trabalho: a) na execução de ordem ou na realização de serviço sob a autoridade da empresa; b) na prestação espontânea de qualquer serviço à empresa para lhe evitar prejuízo ou proporcionar proveito; c) em viagem a serviço da empresa, inclusive para estudo quando financiada por esta dentro de seus planos para melhor capacitação da mão de obra, independentemente do meio de locomoção utilizado, inclusive veículo de propriedade do segurado; d) no percurso da residência para o local de trabalho ou deste para aquela, qualquer que seja o meio de locomoção, inclusive veículo de propriedade do segurado. § 1º Nos períodos destinados a refeição ou descanso, ou por ocasião da satisfação de outras necessidades fisiológicas, no local do trabalho ou durante este, o empregado é considerado no exercício do trabalho. § 2º Não é considerada agravação ou complicação de acidente do trabalho a lesão que, resultante de acidente de outra origem, se associe ou se superponha às consequências do anterior.
Importante também é a conceituação de meio ambiente do trabalho apta a recolher o
resultado das transformações ocorridas nos últimos tempos, nos métodos de organização do
trabalho e nos processo produtivos, que acarretam a desconcentração dos contingentes de
trabalhadores, não mais limitados ao espaço interno da fábrica ou empresa. Por força das
inovações tecnológicas, desenvolvem-se novas modalidades de prestação de serviços, como
trabalho em domicílio e teletrabalho, de sorte que o conceito de meio ambiente do trabalho se
elastece, passando a abranger também a moradia e o espaço.
Onde o trabalho humano for prestado, haverá a proteção pelas normas do direito
ambiental do trabalho, não se restringindo tão somente às relações empregatícias (quando há o
elemento subordinação), mas também alcançando as relações de trabalho, como, por exemplo,
o trabalhador autônomo, o estagiário, o cooperado e os avulsos.
O meio ambiente de trabalho adequado e seguro é um direito fundamental do cidadão trabalhador. Não se trata de um mero direito trabalhista vinculado ao contrato de trabalho, pois a proteção é distinta daquela assegurada ao meio ambiente do trabalho, porquanto esta última busca salvaguardar a saúde e a segurança do trabalhador no ambiente onde desenvolve suas atividades. Com efeito, a proteção do meio ambiente do trabalho está vinculada diretamente à saúde do trabalhador enquanto cidadão, constituindo um direito de todos. O direito do trabalho, por sua
38
vez, regula as relações diretas entre empregado e empregador, aquele considerado estritamente36.
Decerto que os efeitos de possíveis danos podem atingir uma determinada categoria
(coletivo) ou uma massa indefinida de trabalhadores de diversas categorias (difuso).
Entretanto, o meio ambiente do trabalho deve ser sempre tomado como um bem difuso a ser
tutelado. Em suma, o direito ambiental do trabalho, quanto à sua natureza jurídica, nasce
como disciplina que integra essa categoria de direitos; não se funda na titularidade de situação
subjetiva meramente individual. As suas normas não têm natureza jurídica de direito do
trabalho, como, aliás, decorre da própria CLT, cujo art. 154 dispõe que:
A observância, em todos os locais de trabalho, do disposto neste Capítulo, não desobriga as empresas do cumprimento de outras disposições que, com relação à matéria, sejam incluídas em código de obras ou regulamentos sanitários dos Estados ou Municípios em que se situem os respectivos estabelecimentos, bem como daquelas oriundas de convenções coletivas de trabalho.
Como se observa do exposto, existe competência comum da União, Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios para legislarem materialmente sobre o meio ambiente do
trabalho (CF, art. 23, inc. VI), o que não ocorre com o direito do trabalho stricto sensu, cuja
competência legislativa é exclusiva da União (CF, art. 22, inc. I).
Com efeito, para Rocha37, não é supérfluo mencionar que não se ambiciona a
realização de um interesse particular; ao contrário, reconhece-se que existe necessidade de
uma proteção metaindividual (tutela coletiva lato sensu).
Destarte, o meio ambiente do trabalho se constitui em um direito fundamental próprio às normas sanitárias e de saúde do trabalhador, conforme disposto no art. 196 da Constituição Federal de 1988, sendo difusa a sua natureza jurídica porque as consequências decorrentes da sua degradação, como, por exemplo, os acidentes de trabalho, embora com repercussão imediata no campo individual, atingem, finalmente, toda a sociedade, que paga a conta final38.
Cabe, contudo, salientar que as tutelas pretendidas pelo direito ambiental e pelo direito
do trabalho não se confundem, mas se interceptam na tutela do ambiente laboral e,
consequentemente, à saúde, vida e segurança do trabalhador. Apesar do objeto do direito do
trabalho ser, de forma preponderante, a natureza jurídica das relações entre as partes
envolvidas no processo econômico de produção de bens e serviços, ele acaba englobando
36 MELO, Raimundo Simão de. Direito ambiental do trabalho e a saúde do trabalhador: responsabilidades legais, dano material, dano moral, dano estético, indenização pela perda de uma chance, prescrição. 4ª ed. São Paulo: LTr, 2010, p. 21. 37 ROCHA, Júlio César de Sá da. Direito Ambiental e meio ambiente do trabalho: dano, prevenção e proteção jurídica. São Paulo: LTr, 2002, p. 281. 38 MELO, 2010, p. 35.
39
normas sobre o ambiente de trabalho, como se pode verificar na própria CLT e nas Normas
Regulamentadoras (NRs).
Dessa maneira, o direito ambiental acaba englobando temas que até então eram
estudados com exclusividade pelo direito do trabalho e pelo direito da seguridade social.
Indene de dúvidas, o direito do trabalho e o direito ambiental são disciplinas autônomas, com
conteúdo científico e princípios próprios. Todavia, não há como negar a existência de
simbiose entre algumas normas de índole trabalhista (direito do trabalho), em especial de
segurança e medicina do trabalho, e alguns princípios e postulados do direito ambiental.
A busca da qualidade de vida é objeto de dois diferentes ramos do direito: o direito ambiental e o direito do trabalho. Todavia, a despeito de tal coincidência de objetos, motivos de ordem histórica ensejaram a evolução do Direito do Trabalho com maior rapidez do que a do Direito Ambiental. Isso se deve, quiçá, ao fato de que as lesões à saúde e os riscos para a vida dos trabalhadores sempre foram muito mais intensos e flagrantes do que os similares riscos e lesões ambientais que o restante da população viria a sofrer mais séculos e meio após o advento da Revolução Industrial, ou seja, quando os recursos naturais (ar e água puros, por exemplo), passaram a escassear39.
Segundo Rocha40, o sistema legal é ao mesmo tempo fechado e aberto. Fechado
porque regula sua própria gênese, reprodução e mutação e faz isso por conta própria, portanto,
constitui-se em um sistema normativamente fechado, vez que só pode ser alterado nas formas
legalmente previstas. Por outro lado, o direito constitui-se em um sistema aberto
cognitivamente, na medida em que se pode estabelecer a referência do sistema jurídico com o
ambiente e com outros sistemas tendo em vista a troca de informações existente entre
sistemas.
A partir de um determinado momento histórico, não foi mais suficiente à proteção ao
espaço do trabalho, tendo em vista simplesmente o seu resultado. Tornou-se imprescindível,
para o trabalhador, ambientar-se em um espaço laboral, essencial para a sua sadia qualidade
de vida, de vida digna. Diante dessas exigências, tornou-se necessário que à dimensão do
direito do trabalho fosse acoplada a dimensão do Direito Ambiental, que tem como um de
seus principais objetos o meio ambiente do trabalho, com todas as especificidades próprias
desse novo ramo do direito.
Com efeito, os bens tutelados pelo Direito Trabalho, embora distintos, podem se unir
intrinsecamente para constituir os objetivos do hodierno meio ambiente do trabalho, que
39 FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin. Direito ambiental e a saúde dos trabalhadores. 2ª ed. São Paulo: LTr, 2007, p. 17-18. 40 ROCHA, Júlio César de Sá da. Direito Ambiental e meio ambiente do trabalho: dano, prevenção e proteção jurídica. São Paulo: LTr, 2002, p. 51.
40
certamente pode ser galgado a um novo ramo da ciência do direito: o direito ambiental do
trabalho.
O meio ambiente do trabalho foi especialmente protegido pelo legislador constituinte,
pelo fato de configurar o espaço, em sentido amplo, em que o trabalhador permanece durante
grande parte do dia e que pode afetar, portanto, a sua qualidade de vida, dependendo da
adequação do ambiente à atividade a ser por ele desenvolvida. A partir da exigência de um
meio ambiente do trabalho adequado, torna-se necessária a intervenção tutelar do Poder
Público, que deverá encontrar formas de diminuição de riscos laborais, por meio da edição de
normas de saúde, higiene e segurança e da percepção do adicional de remuneração para
atividades perigosas ou insalubres, cabendo ao Sistema Único de Saúde (SUS), a execução
das ações de saúde do trabalhador e de colaboração na proteção do meio ambiente, nele
compreendido o do trabalho (CF, arts. 7º, XXII e XXIII, e 200, II e VIII; CLT, arts. 189 a
197).
São inúmeras as possibilidades de doenças ocupacionais e patologias do trabalho e dos
vários tipos de riscos aos quais um trabalhador pode ser exposto, o direito ambiental irá
tutelar todas elas partindo, principalmente, dos princípios da precaução e prevenção.
No que pertine à defesa do meio ambiente do trabalho, os legitimados para tanto são
os sindicatos, o Ministério Público do Trabalho (MPT), as Delegacias Regionais do Trabalho
(DRT’s), os empregados e empregadores. O sindicato possui o dever de agir na defesa dos
interesses dos trabalhadores de forma genérica. O MPT, por outro lado, é legitimado pela Lei
Complementar nº 75, de 20 de maio de 1993 para promover a ação civil pública no âmbito da
Justiça do Trabalho, para a defesa dos interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos
sociais constitucionalmente garantidos. As DRT’s, nos termos do art. 156 da CLT, devem
promover medidas que se tornem exigíveis e impor as penalidades cabíveis por
descumprimento das normas de saúde e segurança do trabalhador. Também cabe à DRT (art.
160 da CLT), a inspeção prévia de qualquer estabelecimento antes de o mesmo iniciar suas
atividades.
A defesa do meio ambiente do trabalho é imprescindível na medida em que a qualidade do meio ambiente do trabalho influi decisivamente na própria qualidade de vida do trabalhador. Tal ambiente pode ser satisfatório e atrativo, e ensejar o desenvolvimento daquele que vende a própria força de trabalho para garantir o sustento de si e de seus familiares. Porém, pode ser nocivo, irritante e atrofiante, vilipendiando ainda mais a condição social do trabalhador. O meio ambiente do trabalho transformou-se, assim, num bem cuja adequação a um padrão de qualidade e equilíbrio possibilita o desenvolvimento socioeconômico dos que nele trabalham. Os processos industriais, em especial, não apenas têm alto potencial danoso ao meio
41
ambiente em geral, como, via de regra, não garantem a proteção à saúde do trabalhador41.
A doutrina passou a entender que o meio ambiente pode ser estudado sob as seguintes
dimensões42:
a) Meio ambiente físico ou natural: constituído pela flora, fauna, solo, água,
atmosfera, etc., incluindo ecossistemas (art. 225, §1º, I, VII);
b) Meio ambiente cultural: constituído pelo patrimônio cultural, artístico,
arqueológico, paisagístico, manifestações culturais, populares, etc. (art. 215, §1º e
§2º);
c) Meio ambiente artificial: conjunto de edificações particulares ou públicas,
principalmente urbanas (art. 182, art. 21, XX e art. 5º, XXIII); e
d) Meio ambiente do trabalho: conjunto de condições existentes no local de trabalho
relativo à qualidade de vida do trabalhador (art.7, XXII e art. 200, VIII).
Nomeadamente com relação ao meio ambiente do trabalho, espécie do gênero meio
ambiente, está previsto de forma inibida na Carta Magna de 1998, em seu artigo 200, inciso
VIII, como atribuições do Sistema Único de Saúde (SUS). Veja-se:
Art. 200. Ao Sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei: (...) VIII – colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.
Fiorillo43 nos ensina que a regulamentação constitucional, portanto, é feita em dois
patamares: a proteção imediata (artigo 200, inciso VIII), e a mediata (artigo 225, caput,
incisos VI e §3º).
Para Marum44, este meio ambiente holístico, composto por essas quatro dimensões
apontadas e em interação, é considerado pela doutrina verdadeiro direito humano e
fundamental.
Se a ausência ou incerteza científica não deve servir de pretexto para procrastinar a adoção de medidas efetivas visando prevenir a degradação do meio ambiente (di-lo, o princípio da precaução), e com o abandono da dicotomia entre o ambiente natural e o artificial, a partir de uma visão holística, certo é que a proteção da qualidade
41 SANTOS JÚNIOR, Rubens Fernando Clamer dos. A eficácia dos direitos fundamentais dos trabalhadores. São Paulo: LTr, 2010, p. 24. 42 SANTOS, Antônio Silveira R. dos. Meio ambiente do trabalho: considerações. Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 45, set. 2000. 43 FIORILLO, 2010, o, 322-323. 44 MARUM, Jorge Alberto de Oliveira. Meio ambiente e direitos humanos. Revista de Direito Ambiental, São Paulo, a. 7, n. 28, out./dez. 2002, p. 117.
42
ambiental no interior das fábricas e outros lugares onde se desenvolve o trabalho humano pode ser objeto da aplicação do princípio precautelar45.
Sob a óptica da Constituição Republicana de 1988, o meio ambiente do trabalho
engloba os direitos fundamentais dos trabalhadores, sendo a efetiva garantia desses direitos
básicos.
Para Bonavides46, a doutrina utiliza, muitas vezes, as expressões direitos humanos e
direitos fundamentais como sinônimas. Porém, direitos humanos são todos os direitos do
homem, protegidos na esfera internacional por meio de tratados internacionais, dirigindo-se à
pessoa independentemente da vinculação com este ou aquele Estado, protegendo-a, onde quer
que se encontre, não importando sua raça ou território. A expressão “direitos fundamentais” é
reservada ao conjunto de direitos da pessoa que estão protegidos pela ordem constitucional de
um determinado Estado. São direitos do homem, que podem ser exercidos contra o próprio
Estado, assim como contra os demais cidadãos. São cercados de garantias constitucionais e
não dependem de lei infraconstitucional para o seu exercício.
O meio ambiente do trabalho seguro e adequado é um direito fundamental do
trabalhador (CF, arts. 1º, 7º - XXII, 196, 200 – II e VIII e 225). Portanto, o direito ambiental
do trabalho não pretende tutelar um bem jurídico ainda não tutelado, vez que tratando-se de
direito fundamental constitucionalmente garantido, o meio ambiente do trabalho
obrigatoriamente deve ser seguro.
Doutro modo, o meio ambiente que a Constituição Federal quer ver preservado é
aquele ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade
de vida (art. 225, caput, da CF/88).
Logo, o homem, a natureza que o cerca, a localidade em que vive, o local onde trabalha, não podem ser considerados como compartimento fechados, senão como “átomo da vida”, integrados na grande molécula que se pode denominar existência digna47.
De acordo com as abordagens de Rocha48, temos que o meio ambiente do trabalho
representa todos os elementos, inter-relações e condições que influenciam o trabalhador em
sua saúde física e mental, comportamento e valores reunidos no lócus do trabalho,
caracterizando-se, pois, como a soma das influências que afetam diretamente o ser humano, 45 BELFORT, Fernando José Cunha. Meio ambiente do trabalho: competência da justiça do trabalho. São Paulo: LTr, 2003, p. 55-56. 46 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 515-516. 47 MELO, Sandro Nahmias. Meio ambiente equilibrado e a garantia do conteúdo essencial dos direitos fundamentais. In Hiléia: Revista de Direito Ambiental da Amazônia. Ano 2, nº 2, Manaus: Edições Governo do Estado do Amazonas/Secretaria de Estado da Cultura/Universidade do Estado do Amazonas, 2004, p. 20. 48 ROCHA, p. 127.
43
desempenhando aspecto chave na prestação e performance do trabalho.
Ocorre que não é possível um enquadramento do direito ambiental dentro de um
modelo quadrado, que reparte o direito em diferentes departamentos estanques, e que, a partir
de tal compartimentarização, define campos para a incidência desta ou daquela norma49.
Segundo Silva50, ganha força essa discussão quando se considera que renomados
ambientalistas sequer entendem como cientificamente adequado o estudo do meio ambiente
em seus vários aspectos, notadamente: o meio ambiente natural, o artificial, cultural e do
trabalho.
Entretanto, para Derani51, na medida em que o homem integra a natureza e, dentro do
seu meio social, transforma-a, não há como referir-se à atividade humana sem englobar a
natureza, a cultura, e consequentemente a sociedade. Toda relação humana é uma relação
natural, toda relação com a natureza é uma relação social.
Não faz sentido a dicotomia meio ambiente natural x artificial, e de acordo com
Figueiredo52, quando tratamos de meio ambiente do trabalho. É necessário realizar a
conjunção do elemento espacial (local de trabalho) com o ato de trabalhar. Dentro dos
estreitos limites daquela dicotomia, este novo elemento diferenciador não encontra
exclusividade em qualquer das duas áreas.
Feita tais considerações, é possível afirmar que o direito do trabalho e o direito
ambiental se interceptam (já que há repercussão de um aspecto sobre o outro), todavia, para
Melo53, “[...] não só se interceptam, quando tratamos de meio ambiente do trabalho, como
comportam, com relação ao seu destinatário final, o homem, objetivos símiles. O que os
diferencia é a abordagem dos diferentes textos normativos que os integram.”
A segurança no meio ambiente do trabalho deve ser uma preocupação constante, de
modo que o trabalho não seja para o cidadão um meio de degradação de sua saúde. Assim,
não há como negar que a medicina do trabalho é um dos mais importantes aspectos do Direito
do Trabalho, com ampla proteção na legislação nacional, bem como na órbita internacional,
consoante diretrizes traçadas pela Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Dentro deste contexto, um meio ambiente de trabalho inóspito ao empregado é uma
clara violação ao princípio da dignidade da pessoa humana e consequente prejudicialidade da 49 Apud Sandro Nahmias Melo, Meio ambiente do trabalho e greve ambiental, Revista Anamatra. Ano XVIII. n° 54. – Edição 1° semestre de 2008, p. 47. 50 SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 8ª ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 76. 51 DERANI, p. 19. 52 FIGUEIREDO, p. 378-379. 53 MELO, Sandro Nahmias. Meio ambiente do trabalho e greve ambiental. DF: Brasília. Revista Anamatra. Ano XVII, número 54, edição 1º semestre de 2008, p. 154.
44
saúde do trabalhador. A dignidade é algo inerente ao ser humano e como tal deve ser e
respeitada e valorizada em qualquer tipo de relação. Prova disso é que a Constituição da
República Federativa do Brasil traz como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa,
conforme preceitua seu artigo 1º. Tema que será abordado a seguir.
3.3 O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA DO TRABALHADOR
O aspecto positivo da Revolução Industrial, corroborado pelo avanço desenfreado do
capitalismo, foi o desenvolvimento tecnológico significativo, o qual desencadeou o
surgimento das cidades e incorporou a ciência e a tecnologia ao processo produtivo, assim
como a adoção de novas bases materiais de produção, novas formas de gestão e organização
do trabalho; despertou-se para a questão social envolvida e a sua finalidade tutelar, ou seja, a
promoção da dignidade dos seres humanos, no caso, de todos os operários (homens, mulheres
e crianças) que sacrificavam suas vidas nas indústrias.
Desse modo, com o passar do tempo, concretizou-se o pensamento de que o ambiente
de trabalho deve ser sadio, tanto no aspecto físico (segurança no trabalho de um modo geral,
condições adequadas sob o ponto de vista ergonômico, uso de Equipamentos de Proteção
Individual, etc.), quanto químico (produtos químicos de um modo geral, poeiras, que,
inclusive, podem gerar diversas doenças), biológico (fungos e bactérias), e psíquico (ambiente
onde as diferenças são respeitadas, onde o assédio moral não seja uma prática, não haja
discriminação, enfim, psicologicamente adequado).
O meio ambiente é considerado como um direito fundamental de terceira geração, que
são os direitos de solidariedade e fraternidade, como a paz no mundo, o desenvolvimento
econômico dos países, a preservação do meio ambiente, do patrimônio comum da
humanidade e da comunicação, os quais são imprescindíveis à condição humana e merecem a
proteção do Estado e da sociedade em geral. A saber, os direitos de primeira geração são os
direitos civis e políticos. Os direitos de segunda geração são os sociais, econômicos e
culturais, os quais servem para dotar o ser humano das condições materiais necessárias ao
exercício de uma vida digna54.
54 SILVA, Guilherme Oliveira. O meio ambiente do trabalho e o princípio da dignidade da pessoa humana. Fonte: http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20080930140504533&mode=print. Acesso em 15/08/2011.
45
Para Silva55, o meio ambiente do trabalho corresponde ao complexo de bens imóveis e
móveis de uma empresa e de uma sociedade, objeto de direitos subjetivos privados, e de
direitos invioláveis da saúde e da integridade física dos trabalhadores que o frequentam.
É exatamente o complexo máquina-trabalho: as edificações do estabelecimento, equipamentos de proteção individual, iluminação, conforto térmico, instalações elétricas, condições de salubridade ou insalubridade, de periculosidade ou não, meios de prevenção à fadiga, outras medidas de proteção ao trabalhador, jornadas de trabalho e horas extras, intervalos, descansos, férias, movimentação, armazenagem e manuseio de materiais, etc., que formam o conjunto de condições de trabalho56.
Com muita propriedade, Sarlet57 afirma que, a qualidade intrínseca e distintiva
reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por
parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e
deveres fundamentais que asseguram às pessoas contra todo e qualquer ato de cunho
degradante e desumano como venham a lhe garantir as condições existências mínimas para
uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e responsável nos
destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.
A definição de meio ambiente de trabalho não se limita apenas ao trabalhador que
possui uma carteira profissional de trabalho – CTPS – devidamente assinada e registrada. A
definição geral do meio ambiente de trabalho deve ser ampla e irrestrita, vez que envolve todo
trabalhador que desempenha uma atividade, remunerada ou não, porque todos estão
protegidos constitucionalmente, sendo a todos garantido o direito a um ambiente de trabalho
adequado e seguro, necessário à digna e sadia qualidade de vida.
Também importante novamente destacar que o conceito de direitos fundamentais não
se confunde com o de direitos humanos.
Pode-se afirmar, segundo Minardi58, que o direito fundamental decorre de um
processo legislativo interno de um determinado país, que eleva à positivação, sendo então um
direito outorgado e/ou reconhecido. Já os direitos humanos possuem caráter supralegal,
desvinculados a qualquer legislação escrita ou tratado internacional, pois pré-existe a eles.
Destarte, a positivação dos direitos humanos, dando origem aos direitos fundamentais,
é a nítida amostra da consciência de um determinado povo, de que certos direitos do homem
55 SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 8ª ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 05. 56 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. A defesa processual do meio ambiente do trabalho. Revista LTr, v. 63, n. 5, 54, maio 1999, p. 584. 57 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2006, p. 223. 58 MINARDI, Fábio Freitas. Meio ambiente do trabalho e proteção jurídica da saúde mental dos empregados na empresa contemporânea. Dissertação de Mestrado apresentada no Centro Universitário de Curitiba, agosto de 2008, p. 76.
46
são de tal relevância que o seu desrespeito inviabilizaria a sua própria existência do Estado.
Aliás, para Comparato59, ninguém mais nega, hoje, que a vigência de direitos humanos,
independe do seu reconhecimento constitucional, ou seja, de sua consagração no direito
positivo estatal como direitos fundamentais.
Os direitos fundamentais são a base e o fundamento de um autêntico Estado Democrático de Direito, tendo a função de limitar o poder estatal. Eles apresentam conteúdo axiológico, sendo resultado da positivação de valores básicos. Sua fundamentalidade está, justamente, no fato de não poderem ser subtraídos, mesmo por aqueles democraticamente legitimados para exercer o poder60.
No Brasil, os direitos fundamentais estão preconizados no Título II da Constituição
Federal Brasileira de 1988, sendo que o constituinte considerou ilegítima qualquer proposta
tendente a aboli-los, ex vi do artigo 60, § 4º da Constituição (as chamadas cláusulas pétreas).
Todavia, podem ser localizados dispersos na Magna Carta, portanto, fora do catálogo. Como
exemplo, podemos citar o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225).
A Constituição Federal de 1988 adotou dois objetos para tutelar a questão ambiental,
quais sejam: um imediato, que é a qualidade do meio ambiente em todos os seus aspectos, e
outro mediato, que é a saúde, a segurança e o bem-estar do cidadão, expressos nos conceitos
de vida em todas as suas formas (prescrito no artigo 3º, inciso I, da Lei nº 6.938/91), e em
qualidade de vida (predisposto no artigo 225, caput, da CF).
O comando constitucional prescrito no artigo 225, caput, estabelece que o bem
ambiental é direito de cada um e de todos ao mesmo tempo. É um bem de uso comum do
povo, cuja proteção destina-se a um bem maior, qual seja, o direito à vida com qualidade e
dignidade a todos assegurada, envolvendo, assim, a preservação do meio ambiente de trabalho
equilibrado.
A dignidade da pessoa humana não significa qualquer valor, mas, sim, um valor único e específico. Enquadra-se como um valor espiritual e moral inerente à pessoa e que se manifesta na autodeterminação consciente e responsável da própria vida, trazendo consigo a ideia segura de respeito por parte das demais pessoas. Em sentido jurídico, significa viver o cidadão de forma responsável e ser respeitado nos seus direitos assegurados pelo ordenamento jurídico vigente, tendo em vista que o respeito à vida é – e assim deverá permanecer – o mais fundamental de todos os significados da expressão61.
Alguns aspectos devem ser considerados para análise correta desse valor. A dignidade
59 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação dos direitos humanos. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 136. 60 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 10ª ed. rev. atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria dos Advogados, 2009, p. 383. 61 SILVA, José Antonio Ribeiro de Oliveira. Acidente do trabalho: responsabilidade objetiva do empregador. São Paulo: LTr, 2008, p. 52.
47
é algo que faz parte do ser humano, sendo uma qualidade intrínseca. Não há como se falar em
ser humano sem falar em dignidade. A dignidade da pessoa abrange as condições materiais
que proporcionem uma vida com dignidade e não apenas uma sobrevida, um mínimo vital ou
apenas algo que alcance tão somente um nível de sobrevivência ao indivíduo. O mínimo
existencial tem de ser assegurado. Isto sim é vida com dignidade, e não quando se assegura
apenas o mínimo vital, quando se estará assegurando, em verdade, tão somente uma sobrevida
a este ser humano.
Por essas razões, esse valor é irrenunciável, inalienável e intangível, devendo ser respeitado e protegido. Dignidade é algo que não se mede: ou se tem ou não se tem. Desse modo, não há como se graduar dignidade, para fins de se admitir sua restrição, pois é justamente essa dignidade que torna as pessoas iguais em humanidade. O reconhecimento de diversos níveis de dignidade, com a sua graduação natural, seria uma contradição em si mesmo, pois significaria admitir que alguns podem ter mais (ou melhor) dignidade do que outros62.
A dignidade de uma pessoa independe do seu status social, ou do cargo que ocupa, ou
da sua popularidade ou de sua utilidade para os outros. Esses fatores podem mudar, mas a
dignidade atribuída ao ser humano enquanto agente moral não. Por isso não se pode dizer que
uma pessoa tenha mais dignidade que outra.
Para Moraes63, “[...] o fundamento da dignidade humana manifesta-se, primeiramente,
no princípio da igualdade, manifesta-se no direito de não receber qualquer tratamento
discriminatório.”
No mundo existem duas categorias de valores: o preço e a dignidade. Enquanto o
preço representa um valor exterior (de mercado) e manifesta interesses particulares, a
dignidade representa um valor interior (moral) e é de interesse geral. As coisas têm preço; as
pessoas, dignidade. O valor moral se encontra infinitamente acima do valor de mercadoria,
porque, ao contrário deste, não admite ser substituído por equivalente. Daí a exigência de
jamais transformar um meio pra alcançar quaisquer fins. Em consequência, a legislação
elaborada pela razão prática, a vigorar no mundo social, deve levar em conta, como sua
finalidade máxima, a realização de valor intrínseco da dignidade humana.
A dignidade nasce com o indivíduo. O ser humano é digno porque é. A formulação sobre o ser é de conjugação única e tautológica. O ser é. Ser é ser. Logo, basta a formulação: sou. Então, a dignidade nasce com a pessoa. É-lhe inata. Inerente à sua essência. Mas acontece que nenhum indivíduo é isolado. Ele nasce, cresce e vive no meio social. E aí, nesse contexto, sua dignidade ganha, ou, tem direito de ganhar, um acréscimo de dignidade física e psíquica, mas chega um momento do seu
62 SANTOS JÚNIOR, p. 42. 63 MORAES, Maria Celina Bodin. Constituição, direitos fundamentais e direito privado. 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogada, 2006, p. 120.
48
desenvolvimento que seu pensamento tem de ser respeitado, suas ações e seu comportamento, isto é, sua liberdade, sua imagem, sua intimidade, sua consciência religiosa, científica, espiritual, etc., tudo compõe sua dignidade64.
Referido princípio fundamental está devidamente assegurado no artigo 1º, inciso III,
da Constituição Federal de 1988, constituindo, assim, um dos fundamentos da República
Federativa do Brasil e do Estado Democrático de Direito.
Essa leitura é complementada pelo disposto no artigo 170, caput e inciso VI, da
Constituição Federal, o qual trata da ordem econômica e assegura a livre iniciativa, fundada
na defesa do meio ambiente e na valorização do trabalho humano, de modo a assegurar a
todos a existência digna, de acordo com os ditames da justiça social.
Estabelece a Constituição Federal, na conjugação de seus artigos 1º, inciso III, com o
artigo 170, inciso VI, que a ordem econômica, fundada na livre iniciativa e na valorização do
trabalho humano, deve regrar-se pelos ditames de justiça social, respeitando o princípio da
defesa do meio ambiente. Desse modo é que a livre concorrência e a defesa do meio ambiente
precisam ser aplicados de forma única e conjugada, prezando para que a ordem econômica
esteja direcionada efetivamente à justiça social, fazendo jus ao princípio maior da dignidade
da pessoa humana, principalmente no que tange ao meio ambiente de trabalho equilibrado.
Temos ainda que a Constituição da República, em seu artigo 193, estabelece que a
ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça
social. Para a concretização dessa premissa, o constituinte de 1988 inseriu o direito à saúde
como um dos vértices da Seguridade Social, destinando nos artigos 192 usque 200 os seus
preceitos basilares.
Com efeito, essa observação é pertinente porque o reconhecimento de um sadio meio
ambiente do trabalho, decorre da função primordial de defesa à pessoa humana do empregado,
que não pode sucumbir em razão de leis de mercado, muitas vezes encabeçadas e idealizadas
por pequena parcela da sociedade que não tem interesse na expansão da solidariedade.
O cerne da questão protecionista da tese desenvolvida é o homem trabalhador,
enquanto ser vivo, das formas de degradação e poluição desenfreadas do meio ambiente onde
exerce seu ofício diário, que é essencial à sua qualidade de vida, além de ser um direito
fundamental. Atualmente, o homem não busca apenas a saúde no sentido estrito, mas anseia
por qualidade de vida e, como profissional, não deseja apenas condições higiênicas para
desempenhar sua atividade; pretende, sim, qualidade de vida no trabalho.
64 NUNES, Rizzato. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 49.
49
As primeiras preocupações no campo do meio ambiente do trabalho foram com a
segurança do trabalhador, reflexo da própria degradação de sua saúde à época da Revolução
Industrial, com o intuito de afastar a agressão dos acidentes do trabalho. Posteriormente,
preocupou-se com a medicina do trabalho para curar as doenças e, assim, ampliou-se a
pesquisa para a higiene pessoal, visando à saúde do empregado, na busca do bem-estar físico,
mental e social. Atualmente, a pretensão é avançar além da saúde do trabalhador, em vista da
integração deste com o ser humano dignificado, que tem vida dentro e fora do ambiente do
trabalho.
A proteção ao meio ambiente de trabalho é perfeitamente justificável para evitar este
desequilíbrio, pois é aí que o obreiro emprega a maior parte de sua vida, abrindo mão do
convívio com a família, e, o que nunca é demais repetir, o homem não é mera peça de um
processo de produção, mas é um ser que tem sentimentos, tem sua história de vida e deve ter
protegida a sua integridade física e psíquica neste ambiente de trabalho.
Dessa forma, a qualidade de vida implica em uma boa saúde, e consequentemente, a
atividade laborativa não deverá vir desvirtuada desse fim. Para que seja alcançada a existência
digna do trabalhador, este deve prevalecer sobre o capital e sobre os meios de produção.
3.4 DA SADIA QUALIDADE DE VIDA
Em nossa Carta Magna, no artigo 225, é possível verificar que o bem ambiental possui
caráter difuso, de uso comum do povo, sendo assim, insuscetível de apropriação privada. Esse
mesmo artigo também estabelece o direito de cada pessoa a um meio ambiente equilibrado,
bem como a uma sadia qualidade de vida. Logo, vida e qualidade são direitos indissociáveis
que precisam ser protegidos coletivamente.
Devemos destacar que, apesar de cada um ter direito a um meio ambiente saudável e
equilibrado, o bem ambiental não pode ser visto como pertencente a uma só pessoa, e neste
ponto reside uma das mais importantes características do bem ambiental, qual seja, o de
pertencer a todos sem, no entanto, ter um dono individualizado.
O meio ambiente do trabalho está inserido no meio ambiente em geral (art. 200, inc. VIII, da Constituição Federal), de modo que não há como se falar em qualidade de vida se não houver qualidade de trabalho, nem se pode atingir o meio ambiente equilibrado e sustentável, ignorando-se o aspecto do meio ambiente do trabalho65.
65 MELO, Sandro Nahmias. Meio ambiente do trabalho: direito fundamental. São Paulo: LTr, 2001, p. 21.
50
Dentro do sistema normativo, a categoria mais importante de direitos é a categoria dos
direitos fundamentais. O reconhecimento da saúde, como direito fundamental, encontra
legitimidade material por ser parte integrante do mínimo existencial e por ser elemento
essencial da dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, a dignidade da pessoa humana é a
qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano.
Dessa forma, o ser humano é merecedor de respeito e consideração por parte do
Estado e da comunidade. A pessoa humana é assegurada contra todo e qualquer ato de cunho
degradante e desumano e deve ter garantidas as condições existenciais mínimas para uma vida
saudável.
Logo, a grande finalidade do direito ambiental brasileiro é sem dúvida garantir vida. Todavia a Constituição Federal é clara quando fala em vida com qualidade. Temos, pois, que o cerne da proteção, o bem objeto da tutela constitucional, é o direito à sadia qualidade de vida, proveniente do equilíbrio ecológico do meio ambiente, considerado em sua unidade, na qual se evidenciam quatro aspectos ou dimensões (natural, cultural, artificial e do trabalho), reunidos pelas suas características comuns66.
O direito ambiental, assim, estabelece as normas jurídicas que disciplinam a conduta
humana em relação ao meio ambiente, com o fim de preservá-lo e protegê-lo, e pode ser
estudado, conforme já relatado em item anterior, de acordo com as seguintes dimensões:
a) Meio ambiente natural ou físico: constituído pelo solo, água, ar atmosférico, flora
e fauna;
b) Meio ambiente cultural: valores históricos, ou seja, o patrimônio histórico,
artístico, arqueológico, paisagístico e turístico existentes em determinado país;
c) Meio ambiente artificial: espaço urbano construído pelo ser humano, englobando
o conjunto de edificações e espaços urbanos públicos;
d) Meio ambiente do trabalho: local de realização da atividade laboral.
Importante sempre relembrar que o caráter unitário do meio ambiente traz a interação
de seus fatores, de modo que em todas as citadas dimensões, o primado pela saúde deve ser
uma constante.
O meio ambiente do trabalho é parte integrante do conceito geral de meio ambiente. É
espécie, sendo o meio ambiente o gênero. Sendo o meio ambiente ligado à satisfatória
qualidade de vida, pode-se dizer que o meio ambiente do trabalho é uma dimensão do direito
ambiental que estuda a qualidade de vida e saúde das pessoas que trabalham. Não
66 ANDRADE, Laura Martins Maia. Meio ambiente do trabalho e a ação civil pública trabalhista. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003, p. 04.
51
necessariamente os empregados. Pelo menos, não aqueles conceituados pelo artigo 3º da CLT
como sendo “toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador,
sob a dependência deste e mediante salário”, mas sim todas as pessoas que emprestam o seu
labor em um ambiente de trabalho e que por isso precisam ter garantido o seu direito à uma
sadia qualidade de vida.
Existem dois objetos que o Direito visa proteger ao dar resguardo especial ao meio
ambiente. Imediatamente é a qualidade do próprio meio ambiente. Mediatamente é a saúde, o
bem-estar e a segurança do homem, tudo isso traduzido em qualidade de vida. A vida na Terra
só é possível com o bom uso do solo, das águas, do ar, das florestas e porque não dizer do
sossego auditivo, visual e com um ambiente de trabalho saudável.
O alargamento do sentido da expressão “qualidade de vida”, além de acrescentar a ideia de bem-estar relacionado à saúde física e mental, referindo-se inclusive ao direito de o homem fruir de ar puro e de uma bela paisagem, finca o fato de que o meio ambiente não diz respeito à natureza isolada, estática, sendo imperiosa a integração da mesma à vida do homem social nos aspectos relacionados à produção, ao trabalho, especificamente ao seu ambiente do trabalho67.
O habitat laboral faz parte do conceito geral de meio ambiente, este considerado
direito essencialmente difuso (pois de interesse metaindividual), de natureza indivisível, de
titularidade indeterminável, mas coligadas por alguma circunstância de fato (no caso, o meio
ambiente do trabalho, considerado agora o espaço físico em que os trabalhadores labutam).
O meio ambiente do trabalho equilibrado está intimamente ligado à proteção da saúde,
eis que se estiver não hígido, é com a própria vida que o trabalhador pagará. Até porque,
entendimento em sentido contrário, faria letra morta as palavras do constituinte quando cedeu
competência ao Sistema Único de Saúde para cuidar do meio ambiente, nele incluso o do
trabalho. E o direito à saúde é sem dúvida um direito fundamental.
A busca a esta sadia qualidade de vida deve se iniciar no meio ambiente laboral, onde
o indivíduo passa, por certo, a maior parte de seu tempo, e que deve ser integrada na política
de ampla tutela ambiental.
Registre-se, por oportuno, que a preservação do meio ambiente do trabalho não se
restringe à matéria inerente à seara do Direito do Trabalho, não obstante a existência de
inúmeras normas de saúde e de segurança do trabalho previstas na Consolidação das Leis do
Trabalho e nas Normas Regulamentadoras instituídas pela Portaria nº 3.214/78 do Ministério
do Trabalho e Emprego.
A construção e a preservação de um ambiente laboral imune às ações de agentes
67 MELO, 2004, p. 68.
52
insalubres e perigosos à integridade física e psíquica do trabalhador, aliada à efetiva redução
dos riscos ocupacionais, através da adoção de medidas de saúde e segurança do trabalho, são
preciosos mecanismos que integram, inequivocamente, a política pública de prestação dos
serviços de saúde.
De acordo com o artigo 196 do Texto Constitucional, a saúde é direito de todos e
dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do
risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para
sua promoção, proteção e recuperação.
Por óbvio, esta tutela estatal constitucionalmente enunciada deve abranger a
coletividade de trabalhadores, os quais, não raras vezes, se submetem a precárias condições de
trabalho, colocando em risco a sua própria vida e segurança, em benefício do processo
produtivo inerente à atividade econômica desenvolvida.
Foratini68 nos informa que Organização Mundial de Saúde (OMS), no preâmbulo da
sua Constituição, conceitua saúde como o estado de completo bem-estar físico, mental e
social, e não apenas ausência de doença.
Assim, segundo a OMS, a promoção de saúde tem sido definida como o processo que
capacita a população a exercer e aumentar o controle sobre a sua saúde, sendo dessa forma
relativa ao bem-estar individual e coletivo.
Examinando a definição formulada pela OMS, pode-se verificar que a mesma
consegue demonstrar de maneira satisfatória que, a compreensão da saúde humana perpassa
pela análise em conjunto dos aspectos fisiológicos, psicológicos e sociais, retirando-se, por
conseguinte, a visão limitativa da vinculação da saúde à simples ausência de doenças.
Deve-se, portanto, entender que a promoção da saúde do trabalhador, como cidadão,
também engloba a junção dos aspectos físicos, mentais e sociais.
A qualidade de vida no trabalho é elementar para a organização do trabalho, pois reflete em aumento da produtividade e correlata motivação e satisfação do trabalhador; assim, a qualidade de vida do trabalhador, corresponde a: compensação adequada e justa, condições de segurança e saúde no trabalho, oportunidade de desenvolvimento profissional e da capacidade humana, oportunidade de crescimento contínuo e seguro, integração social na organização do trabalho, respeito, tratamento digno, cumprimento dos deveres, preservação da autoestima e valorização dos atributos pessoais profissionais do trabalhador69.
Por outro lado, a cada ano que aflora as descobertas e avanços tecnológicos no campo
da medicina, da biomedicina e do diagnóstico e tratamento das doenças tem dado uma
68 FORATTINI, Oswaldo Paulo. Epidemiologia Geral. 2ª ed. São Paulo: Atheneu, 2000, p. 529. 69 ALKIMIN Maria Aparecida. Assédio moral na relação de emprego. Curitiba: Juruá, 2006, p. 31-32.
53
importante contribuição ao desenvolvimento da assistência médica. No entanto, essa
abordagem reducionista, em geral não leva em consideração outros fatores que influenciam a
saúde tais como o ambiente físico e social onde os problemas de saúde ocorrem.
Considerando-se que a saúde envolve inúmeras variáveis relativas ao indivíduo e ao meio
ambiente, sua interpretação exige um olhar mais amplo, não sendo, portanto, apropriada uma
visão de enfoque reducionista, de modo que medidas acautelatórias devem ser observadas
quando o que está em foco é a saúde do trabalhador.
A distinção entre prevenção, educação para a saúde e promoção da saúde ainda não é
muito clara, mesmo para profissionais da área. Embora os limites para tais definições não
sejam rígidos, a compreensão desses conceitos facilita a elaboração de estratégias para
efetivação da prática de promoção da saúde. A prevenção baseia-se, geralmente, na concepção
de risco ou da probabilidade de se tornar doente. A educação para a saúde envolve a
transmissão de informações relativas à saúde, visando à mudança de comportamento e à
adoção de estilo de vida saudável, em que o indivíduo passa a ser o principal responsável pelo
seu estado de saúde. A promoção de saúde implica um processo mais abrangente e contínuo,
que envolve prevenção, educação e a participação de diferentes setores da sociedade na
elaboração de estratégias que permitam a efetividade da educação para a saúde. Dessa forma,
a promoção transcende as atividades e as decisões individuais para tornar-se uma atividade
coletiva70.
Sintetizando as etapas evolutivas da relação trabalho-saúde, Oliveira71 afirma que se
pode observar que as primeiras preocupações foram com a segurança do trabalhador, para
afastar a agressão mais visível dos acidentes do trabalho; posteriormente, preocupou-se,
também, com a medicina do trabalho para curar as doenças ocupacionais, em seguida,
ampliou-se a pesquisa para a higiene industrial, visando prevenir as doenças e garantir a
saúde; mais tarde, o questionamento passou para a saúde do trabalhador, na busca do bem-
estar físico, mental e social. Atualmente, em sintonia com o princípio fundamental da
dignidade da pessoa humana, expressamente adotado pela Constituição de 1988, pretende-se
avançar além da saúde do trabalhador: busca-se a integração do trabalhador com o homem, o
ser humano dignificado e satisfeito com a sua atividade, que tem vida dentro e fora do
ambiente de trabalho, que pretende, enfim, qualidade de vida.
70 Fonte: http://www.scielosp.org/scielo.php?pid=S0102-311X2004000500030&script=sci_arttext. Acesso em 15/07/2011. 71 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Estrutura normativa da segurança e saúde do trabalhador no Brasil. Revista LTr, São Paulo, v. 70, n. 12, 1430-1442, dezembro 2006, p. 1431-1432.
54
O alcance da qualidade de vida, no meio ambiente, corresponde tanto um objetivo do processo econômico como uma preocupação da política ambiental, afastando-se a ideia de que as normas de proteção do meio ambiente, no enfoque do meio ambiente do trabalho, seriam servas da obstrução de processos econômicos e tecnológicos. A partir desta análise, é forçosa a conclusão de uma compatibilização entre os processos de produção e as sempre crescentes exigências do meio ambiente72.
Nesse sentido, sendo o meio ambiente do trabalho um componente do meio ambiente
em geral, um dos seus objetivos, sem dúvida, será o de promover uma sadia qualidade de
vida, bem como primar pela segurança do trabalhador.
Na verdade, o meio ambiente de trabalho saudável, diminui o risco de acidentes e, em
consequência, o empregador reduz o seu custo com o empregado, que trabalha mais
motivado, faltando menos ao trabalho para consultar médicos, além do que, a empresa é
considerada socialmente responsável, o que repercute em seu nome, em sua marca. Nesse
sentido, mister que sejam feitas algumas considerações importantes acerca de meio ambiente
do trabalho hígido e seguro.
3.5 DO MEIO AMBIENTE DE TRABALHO HÍGIDO E SEGURO
Sem dúvida, o meio ambiente do trabalho está inserido na categoria dos direitos
humanos fundamentais, a teor do artigo 5º, § 2º, da Constituição Federal, diga-se, de
aplicabilidade imediata73. Deveras, quanto à natureza jurídica, o meio ambiente do trabalho
adequado e seguro é um direito fundamental do cidadão trabalhador lato sensu74.
No entanto, a Carta Magna não conceitua o chamado meio ambiente do trabalho
seguro. Certamente, tal função restou ao legislador infraconstitucional e atualmente ao Direito
Ambiental do Trabalho.
Primeiramente, não é viável perder de foco que o trabalho permite à pessoa humana
desenvolver sua capacidade física e intelectual, conviver de modo positivo com outros seres
humanos e realizar-se como pessoa. Aí assenta-se a importância de um meio ambiente laboral
hígido que preserve a saúde do trabalhador, dando-lhe as condições mínimas necessárias de
desenvolver seu trabalho de maneira segura e com dignidade.
O homem passa a maior parte de sua vida útil no trabalho, exatamente no período da plenitude de suas forças físicas e mentais, daí porque o trabalho, frequentemente, determina o seu estilo de vida, influencia nas condições de saúde, interfere na
72 DERANI, p. 78. 73 PADILHA, 2002, p. 37. 74 MELO, 2004, p. 31.
55
aparência e apresentação pessoal e até determina, muitas vezes, a forma de morte75.
Os direitos fundamentais dos trabalhadores, como o direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, com a inclusão de um meio ambiente de trabalho salutar, não são
absolutos, eles podem ser limitados (relativizados) desde que seu exercício não seja
impossibilitado, em outras palavras, desde que permaneça preservado seu núcleo essencial.
Daí a conclusão, segundo Cavalcante Filho76, de que incumbe ao Estado-juiz garantir
eficácia à norma do inciso XXVI, do artigo 7º, da Carta Magna de 1988, que reconhece as
convenções e acordos coletivos de trabalho, prestigiando a negociação coletiva como forma
de solução autônoma dos conflitos coletivos de trabalho, devendo afastá-las somente quando
tratarem de negociação de direitos de indisponibilidade absoluta do trabalhador, como a
proteção da sua saúde física e mental.
Nesse sentido, o Enunciado nº 1 da 1º Jornada de Direito Material e Processual na
Justiça do Trabalho, da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho
(ANAMATRA), em 23 de novembro de 2007, discorre sobre a interpretação dos direitos
fundamentais:
DIREITOS FUNDAMENTAIS, INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO. Os direitos fundamentais devem ser interpretados e aplicados de maneira a preservar a integridade sistêmica da Constituição, a estabilizar as relações sociais e, acima de tudo, a oferecer a devida tutela ao titular do direito fundamental. No Direito do Trabalho, deve prevalecer o princípio da dignidade da pessoa humana77.
Portanto, mesmo as negociações coletivas podem flexibilizar e precarizar direitos dos
trabalhadores, inclusive sobre o meio ambiente do trabalho, todavia, deverá ser observado os
preceitos constitucionais e o núcleo essencial dos direitos fundamentais, como o direito ao
meio ambiente do trabalho ecologicamente equilibrado.
Nesse prisma, ao falar sobre a sustentabilidade no meio ambiente do trabalho, a
Agenda 21 (capítulo 29, tópico 2), trata sobre o fortalecimento do papel dos trabalhadores e
de seus sindicatos, em que apresenta como objetivo geral a mitigação da pobreza e o emprego
pleno e sustentável, que contribui para ambientes seguros, limpos e saudáveis: do ambiente de
trabalho, da comunidade e o meio físico. Dispõe ainda, no item 29.1, que os esforços de
75 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção jurídica à saúde do trabalhador. 4ª ed. São Paulo: LTr, 2002, p. 129. 76 CAVALCANTE FILHO, Raimundo Paulino. Greve ambiental individual. Dissertação (Mestrado em Direito Ambiental) – Programa de Pós-Graduação em Direito Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas, Manaus, 2011, p. 32. 77Fonte:http://www2.trt3.jus.br/cgi-bin/om_isapi.dll?clientID=231523&infobase=sumulas.nfo&jump=Enunciado %20079%2fAnamatra%2fJornadaJTrabalho&softpage=Document42. Acesso em 27/01/2012.
56
implementação do desenvolvimento sustentável envolvem ajustes e oportunidades em âmbito
nacional e empresarial e que os trabalhadores estão entre os principais interessados.
Vivemos em uma sociedade que pretende ver observado o postulado do trabalho com
dignidade e qualidade de vida, no entanto, a realidade brasileira nos mostra que esta intenção
em muito ainda se distancia da realidade dos fatos.
Partindo de uma tutela constitucional, tem-se respaldo para proteger o trabalhador dos
mais variados elementos que ameacem comprometer o seu meio ambiente do trabalho e, por
conseguinte, sua saúde.
No campo do meio ambiente do trabalho, deve-se ter em mente que:
� O indivíduo passa grande parte do seu dia no local de trabalho, (cerca de oito horas
diárias e quarenta e quatro horas semanais), devendo-se considerar que muitos
obreiros realizam comumente jornada extraordinária e, portanto, em caso de
ambientes não hígidos, ficam por mais tempo expostos a agentes insalubres,
periculosos ou penosos.
� As empresas, por meio de programas de prevenção, tais como PPRA (Programa
para Prevenção de Riscos Ambientais) e PCMSO (Programa de Controle Médico
de Saúde Ocupacional), estão instadas a estudar os riscos nos postos de trabalho,
sendo que o PCMSO além de considerar os riscos à saúde dos trabalhadores
existentes no ambiente laboral, também deve verificar os casos de doenças
profissionais. Todavia, é comum que tais programas sejam superficiais, não
traduzindo a realidade do ambiente laborativo, como por exemplo, com ausência de
avaliações ergonômicas profundas para cada tipo de função a ser executada na
empresa, falta de laudos analíticos periódicos de produtos químicos, falta de mapas
de riscos, carência de Equipamentos de Proteção Individual (EPI) adequados, etc.
� A exposição contínua do trabalhador a um ambiente de trabalho não sadio ocasiona
uma série de doenças ocupacionais (hérnias discais, lombalgias, tendinites, quadro
depressivo, etc.), caracterizando o acidente de trabalho atípico, como
expressamente determina o artigo 21, I, da Lei n° 8.213/91, e não raro após a
constatação da enfermidade ou do seu agravamento em decorrência do labor, o
empregado tem seu contrato de trabalho rescindido, ficando na maioria das vezes
com a saúde debilitada, com limitação da capacidade laborativa, e sem meios de
inserir-se novamente no campo de trabalho.
� Há também o risco para os obreiros de acidentes de trabalho típicos, previstos em
lei, já que expostos a atividades que, por sua natureza, geram risco à integridade
57
física do trabalhador, ocasionando a responsabilidade objetiva do empregador em
relação aos danos causados ao empregado.
As novas tecnologias dão a aparente sensação de que o trabalho está mais humanizado,
liberando o homem do trabalho penoso que lhe exigia grande esforço físico. Na verdade, esse
novo ambiente de trabalho não passa de um símbolo, pois os riscos à saúde decorrentes das
condições adversas prosseguem e, em alguns casos, tornam-se mais ameaçadores. Ou seja, o
sofrimento do trabalho ainda está presente, mas agora se dá pelos que temem não satisfazer,
não estar à altura das imposições da organização do trabalho: imposições de horários, de
ritmo, de formação, de informação, de aprendizagem, nível de instrução e de diploma, de
experiência, de rapidez de aquisição de conhecimentos teóricos e práticos, sem falar na
necessidade de adaptação à cultura ou à ideologia da empresa, às exigências do mercado, às
relações com os clientes, os particulares e o público.
Os novos fatores de sofrimento são de diversas ordens. Entre os principais temos:
a) O medo da incompetência, resultante do temor de não saber, de não domínio do
conhecimento ditado pela organização do trabalho e da organização real do
trabalho;
b) Pressão para trabalhar mesmo em condições adversas, como decorrência dos
obstáculos do ambiente social no trabalho, da falta de cooperação de colegas;
c) O não reconhecimento do esforço pessoal.
Esses fatores colocam em dúvida a propalada emancipação do trabalho. A felicidade
prometida pelos modelos gerenciais em razão do futuro das empresas não é real.
Na realidade atual dos operários, constata-se que não há mais tempo ocioso, o empenho das tarefas é mais penoso, não é possível fugir das pressões da empresa. Os programas de qualidade desnudam a falta de qualidade do trabalho e de segurança das pessoas. Há uma conivência de velhas e novas doenças relacionadas ao trabalho, fatores de sofrimento e morte78.
Desse modo, uma das consequências da não aplicação do princípio da precaução no
meio ambiente do trabalho, é justamente a debilitação da saúde do trabalhador, com o
acometimento ou agravamento de doenças ocupacionais, que podem caracterizar acidentes de
trabalho.
Assim, para os casos de atividades em que seja razoável antecipar a ocorrência de
danos irreversíveis à saúde oriundas do ambiente laborativo do trabalhador, e que há ausência
de provas científicas suficientes quanto aos danos potenciais, ao invés de iniciar a prática do
78 MACHADO, Sidnei. O direito à proteção ao meio ambiente do trabalho no Brasil: os desafios para a construção de uma racionalidade normativa. São Paulo: LTr, 2001, p. 57-58.
58
empreendimento até que se prove que ele é danoso, como ocorre na atualidade, a aplicação do
princípio da precaução coloca a necessidade de impedir o início da atividade até que se
desenvolvam conhecimentos suficientes sobre a inocuidade que trará o funcionamento da
empresa. E esse será o tema do próximo capítulo.
59
4 O PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO
4.1 ORIGENS
A origem do princípio da precaução remonta a tratados mais tradicionais que
pregavam a ideia de se adotar decisões tendo por base métodos e pesquisas científicas a partir
dos conhecimentos disponíveis à época da análise. Na ausência dessa certeza, não era
necessário agir, segundo referidos tratados. Algumas convenções internacionais orientavam
nesse sentido, entre as quais, Sands79 cita a Convenção Internacional da Pesca de Baleia,
Convenção sobre Focas da Antártica, Convenção de Bonn (1972), Convenção de Paris (1974),
entre outras.
Deve ser ressaltado que alguns outros documentos da época faziam apenas uma
menção genérica à ideia de prevenção. De acordo com os esclarecimentos de Wolfrum80,
pode-se citar a Declaração de Estocolmo sobre Meio Ambiente Humano (1972), que falava
em proteger os recursos naturais a partir de um planejamento cauteloso, sem fazer referência à
temporalidade dos métodos ou técnicas científicas.
Esse entendimento mais restrito em se tomar decisões a partir do conhecimento
científico disponível, é reflexo de uma sociedade que tinha na ciência uma fonte fidedigna e
última do saber.
Não obstante, no final dos anos sessenta, aparece como um marco na alteração dessa
visão tradicional do que seria uma ação preventiva, a Convenção de Intervenção de 1969.
Essa Convenção, para Sands81, é apontada como um dos primeiros documentos a reconhecer
que era muito limitado exigir uma ação preventiva apenas mediante danos comprovados e
conhecidos, pois as consequências de uma omissão poderiam ser muito graves.
Apenas em meados dos anos oitenta é que o entendimento desse princípio começou a ser ampliado. Como exemplo, pode ser lembrado o Preâmbulo da Declaração Ministerial da Conferência Internacional para a Proteção do Mar do Norte, de 1984, o qual determinava que os Estados deveriam proteger o ambiente marinho independente de prova de efeitos negativos de uma ação ou atividade, tendo em vista a irreversibilidade de alguns danos causados. Outro exemplo é a Carta Mundial para a Natureza (1984), a qual orientava no sentido de que atividades de risco significativo deveriam ser suspensas nos casos em que não se conhecesse todos os efeitos negativos daquela atividade82.
79 SANDS, Philippe. O princípio da precaução. In Princípio da Precaução. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 29-30. 80 WOLFRUM, Rudiger. O princípio da precaução. Belo Horizonte: Del Rey/ESMPU, 2004, p. 14. 81 SANDS, p. 31. 82 Ibidem, p. 14 e 31.
60
Wolfrum83 nos esclarece ainda, que foi apenas com a Declaração Ministerial da
Segunda Conferência do Mar do Norte, em Londres (novembro de 1987), que, pela primeira
vez se utilizou expressamente o termo “princípio da precaução”, relacionado à ideia de não
haver necessidade de que fosse cientificamente provado o nexo causal entre poluição e dano
para se adotar medidas no sentido de reduzir a emissão de poluentes. A Conferência seguinte,
de 1990, garantiu a continuidade da aplicação do princípio.
Na linha de evolução do princípio da precaução, com prioridade Sands84 aponta a
importância em se perceber que o primeiro documento internacional a determinar o princípio
como de aplicação geral, foi a Declaração Ministerial de Bergen sobre Desenvolvimento
Sustentável da Região da Comunidade Europeia, ocorrida em 16 de maio de 1990. Essa
declaração pode ser considerada como um terceiro marco na evolução do princípio, tendo em
vista que até o momento, o princípio era considerado apenas para a proteção de alguns
ambientes específicos, em especial o marinho. Esse reconhecimento de aplicação geral é de
fundamental importância, pois contribui para a consolidação do princípio.
Além do reconhecimento da aplicação geral do princípio da precaução, a Declaração de Bergen também é importante, pois se refere expressamente à falta de certeza científica como critério orientador para a aplicação do princípio, e que, na sua concepção atual, dada pelo Princípio 15 da Declaração do Rio, como se verá mais adiante, é um dos seus principais elementos. Em documentos internacionais, anteriores à Declaração de Bergen, mencionava-se as “medidas adicionais” (Convenção de Paris de 1974), “medidas proporcionais” (Convenção de Intervenção de 1969), ou na não necessidade de “provas de efeitos prejudiciais” para agir – Preâmbulo da Declaração Ministerial da Conferência Internacional para a Proteção do Mar do Norte, 198485.
Ainda segundo Sands, temos que os documentos posteriores à Declaração de Bergen,
como a Convenção de Bamako/1991 sobre transporte transfronteiriço de rejeitos tóxicos,
orientam no sentido de não haver necessidade de aguardar provas científicas para prevenir a
poluição.
Para Silva86, a Plataforma de Tlatelolco sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento
(1991), entre outras, tentaram definir o princípio ou apenas se referiam genericamente ao seu
conteúdo, sem fazer uma menção expressa ao mesmo. De qualquer maneira, pode-se observar
que existe um direcionamento comum em todas essas convenções, qual seja, a adoção de uma
83 WOLFRUM, p. 16. 84 SANDS, p. 33. 85 SANDS, p. 33. 86 SILVA, Geraldo Eulálio do Nascimento. Direito ambiental internacional: meio ambiente, desenvolvimento sustentável e os desafios da nova ordem mundial. 2ª ed. Rio de Janeiro: Thex Editora, 2002, p. 56.
61
política ambiental que não dependa da prova científica do dano ao meio ambiente ou ao
homem para se exigir medidas preventivas.
Ao se observar o texto do Princípio 15 da Declaração do Rio, resultante da
Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada em
junho de 1992, no Rio de Janeiro, percebe-se a sua inspiração na Declaração de Bergen, e seu
consequente aperfeiçoamento. Pode-se apontar como uma inovação do Princípio 15 da
Declaração do Rio justamente o fato de ter expressamente estabelecido o viés econômico e
financeiro para a aplicação do princípio, ao que parece, tendo como norte a ideia de
desenvolvimento sustentável, trazida também nesta mesma Declaração. Note-se que o texto
da Declaração deveria haver falado claramente em consideração do custo social das medidas
de precaução para estar completamente em acordo com a noção de desenvolvimento
sustentável.
O Princípio 15 da Declaração do Rio, como se percebe, não foi apenas o resultado do
aperfeiçoamento da Declaração de Bergen. Na realidade, pode-se afirmar que é resultante de
uma evolução internacional materializada nas convenções, tratados e declarações, tendo em
vista que muitos desses documentos, inclusive anteriores à Declaração de Bergen, já falavam
em necessidade de precaução e forneciam as bases para a consideração da incerteza científica
como critério de aplicação do princípio.
O princípio da precaução disciplina duas situações bastante distintas entre si: as em que, embora as consequências do agir tecnológico sejam conhecidas, não é possível a atribuição de probabilidades objetivas a cada uma delas; e as em que não são conhecidas todas as consequências do agir. À primeira situação corresponde a disciplina dos riscos potenciais, à segunda, a da ignorância. Em ambas as situações, o princípio da precaução preconiza a adoção de medidas tendentes a não gerar o dano, seja por meio da inversão do ônus da prova, seja por meio da proibição, ainda que provisória, da ação87.
A aplicação do princípio da precaução está intimamente relacionada com o princípio
da proporcionalidade, pois este é aplicado na análise dos custos e benefícios de se evitar
riscos desnecessários, considerando resiliência e vulnerabilidade do ambiente, bem como a
reversibilidade ou não de possível dano.
A análise da proporcionalidade, explica Silva88, implica nos exames de adequação,
necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. Esta última é pautada pelo peso ou valor
87 LAMBERT-FAIVRE, Yvonne. A ética da responsabilidade. Revista trimestral de direito civil. Paris, Dalloz, n. 1, janeiro/março 1998, p.10. 88 SILVA, Solange Teles da. Princípio da precaução: uma nova postura em face dos riscos e incertezas científicas. In: VARELLA, Marcelo Dias; PLATIAU, Ana Flávia. Princípio da precaução. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 87-88.
62
dos princípios que venham a colidir. Além da proporcionalidade, a implementação do
princípio da precaução está atrelada também ao nível de proteção ambiental e à determinação
da escala do risco.
As medidas precaucionárias devem ser proporcionais, coerentes e precárias. Assim, em casos de risco muito elevado, pode-se optar pela interdição da atividade, mas nas hipóteses de risco reduzido, a informação do público poderá ser suficiente. A coerência fica a cargo da harmonia de âmbito e natureza entre as medidas tomadas. Por fim, a precariedade indica a necessidade das medidas precaucionárias serem revistas periodicamente à luz do progresso científico89.
Machado90 enfatiza que a invocação do princípio da precaução é uma decisão exercida
quando a informação científica é insuficiente, não conclusiva ou incerta e haja indicações de
que os possíveis efeitos sobre o ambiente, a saúde das pessoas ou dos animais ou a proteção
vegetal sejam perigosos e incompatíveis com o nível de segurança escolhido.
Tangenciando para o meio ambiente do trabalho, o princípio da precaução deve ainda
ser aplicado de acordo com o princípio laboral da proteção, que irá influenciar diretamente na
análise da relação custo benefício. Neste caso, sua importância cresce ainda mais, pois quase
todos os danos que atingem o trabalhador, são irreversíveis.
Dessa maneira, parece razoável entender como núcleo do princípio da precaução, a
não exigência de certeza científica para justificar a adoção de medidas preventivas, diante de
um risco de dano com um grau de seriedade razoável e tendo em vista as condições
econômicas do País que vai aplicar o princípio da precaução, bem como o seu custo social.
A economia de qualquer País quer desenvolver-se, pouco importando sua
sustentabilidade a médio e longo prazo. E a tecnologia, qualquer tecnologia, uma vez
apropriada pela economia, tende a ter seu emprego e/ou desenvolvimento justificado pela
simples pretensão de desenvolvimento. Para melhor entendermos o princípio da precaução no
Brasil, no tópico a seguir serão abordados alguns pontos que merecem destaque no que tange
a tal assunto.
89 ARAGÃO, p. 63. 90 MACHADO, Paulo Affonso Leme. O princípio da precaução e a avaliação de riscos. Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 96, v. 856, fev. 2007, p. 36.
63
4.2 O PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO NA LEGISLAÇÃO PÁTRIA
A Precaução, no Brasil, tem seu fundamento na Lei de Política Nacional do Meio
Ambiente (Lei 6.938, de 31/08/1981), mais precisamente no artigo 4, incisos I e IV, o qual
denota a necessidade de haver um equilíbrio entre o desenvolvimento econômico e a
utilização, de forma racional, dos recursos naturais, inserindo também a avaliação do impacto
ambiental.
Quando do advento da Constituição Federal de 1988, a Lei nº 6.938/1981 já vigorava
em todo o território brasileiro, explicitando os termos da política nacional adotada na gestão
do meio ambiente.
O Princípio da Precaução foi expressamente recepcionado pelo ordenamento jurídico,
no artigo 225, § 1°, V, da Constituição Federal, e também através da Lei de Crimes
Ambientais - Lei 9.605/1998, art. 54, § 3º). Consoante o artigo 225, § 1°, inciso IV da
Constituição Federal, todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de
uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à
coletividade o dever de preservá-lo para as presentes e futuras gerações. O §1º informa que
para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: IV - Exigir, na forma da
lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação
do meio ambiente, estudo prévio do impacto ambiental.
Quando se trata do aspecto relativo ao meio ambiente em que a pessoa humana exerce
atividades laborais, ou seja, seu meio ambiente de trabalho, busca-se a adequação do conceito
acima.
Tal conceito foi firmado quando o foco das atenções detinha-se, primeiramente, no
aspecto natural do meio ambiente. Contudo, sobreveio a noção de que o natural e o artificial,
os elementos culturais e o trabalho humano atuam em inseparável interação, correspondendo
aos vários enfoques, sob os quais pode ser visualizado e analisado o meio ambiente, que, em
sua essência, é uno.
A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento,
realizada no Rio de Janeiro (1992) discutiu as medidas necessárias para que houvesse uma
redução da degradação do meio ambiente, além de estabelecer políticas ambientais que
conduzissem à efetiva concretização do desenvolvimento econômico sustentável.
Deste modo, o princípio da precaução encontra-se inserido nos Princípios 15 e 17 da
Declaração do Rio de Janeiro, expressando este que, de modo a proteger o meio ambiente, o
princípio da precaução deve ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas
64
capacidades. Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de absoluta
certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e
economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental. Enquanto que naquele, a
avaliação do impacto ambiental, como instrumento internacional, deve ser empreendida para
as atividades planejadas que possam vir a ter impacto negativo considerável sobre o meio
ambiente, e que dependam de uma decisão de autoridade nacional competente.
Apesar das declarações internacionais não apresentarem o caráter de obrigatoriedade
para os países participantes, não sendo, portanto, vinculantes na ordem jurídica interna, é
inegável que as declarações de princípios influenciam de forma significativa as ações
desenvolvidas pelos Estados, do que se conclui que estes adotam, no direito interno, os
princípios declarados.
No Brasil, são poucas as referências nesse tema e o princípio da precaução foi
argumento usado principalmente em problemas ligados à exposição química de trabalhadores,
corroborando a necessidade de estudo mais detalhado acerca do tema.
A proteção ambiental tem como cerne a pessoa humana e sua qualidade de vida (art.
225, caput, da CF), resultante do respeito à sua dignidade (art. 1º, III, da CF).
A Carta Constitucional refere-se ao meio ambiente do trabalho como um aspecto
importante do meio ambiente, levando à conjugação de seu art. 200, VII, com os preceitos do
art. 225, seus parágrafos e incisos. Emerge da conjugação dessas disposições constitucionais,
que o bem ambiental tutelado é a saúde da pessoa humana, inclusive do cidadão trabalhador,
no exercício de toda e qualquer atividade laborativa.
O conceito legal de meio ambiente, presente na Lei nº 6.938/1981, devidamente
analisado, deixa entrever que ele alcança os locais e também os processos dinâmicos que
abrigam e regem a vida, não se restringindo apenas aos recursos naturais, mas considerando
as interações sociais com todos os elementos que as cercam. Pode ser facilmente dirigido para
qualquer dos aspectos no meio ambiente, inclusive o do trabalho.
Apesar do aparato legal, a reincidente utilização de substâncias ou maquinários
danosos à saúde no meio ambiente do trabalho, é um exemplo claro e vivo da nocividade no
meio ambiente laboral que existe em nosso país, onde as normas que regulam a matéria são
ineficientes para dirimir os conflitos existentes e por fim ou pelo menos amenizar
consideravelmente as condições de insalubridade, periculosidade e penosidade a que são
submetidos diversos trabalhadores no Brasil, com o perigo de terem sua qualidade de vida e
saúde postas em risco.
65
Sem uma preocupação efetiva com a redução (eliminação) dos fatores de risco, a CLT
define e conceitua atividade insalubre e perigosa, garantindo aos trabalhadores que prestam
serviços em locais nocivos à sua saúde o pagamento de um adicional mensal de remuneração
compensatória. Essas normas, por certo, encontram-se bastante divorciadas dos princípios e
regras que concretizam o direito à redução dos riscos no trabalho e à preservação da dignidade
da pessoa humana. Não está presente a preocupação com a eficaz garantia de um ambiente de
trabalho seguro, salubre, que proporcione bem-estar ao trabalhador e que resulte em qualidade
de vida no trabalho.
É preciso buscar uma harmonização e confrontação das normas da CLT com os direitos fundamentais inscritos na Constituição, pela adoção da dignidade da pessoa humana (ponderação de bens pelo critério de peso e importância), afastando-se assim a validade das regras da CLT que não estejam posicionadas conforme a Constituição91.
As políticas empresariais de gerenciamento artificial dos riscos no âmbito brasileiro
frequentemente resultam em danos à saúde do trabalhador. As transformações no processo
produtivo, por outro lado, vêm gradativamente transformando o meio ambiente do trabalho
em foco de acidente laborais, e as doenças dele decorrente. A relação entre o processo de
trabalho e a saúde do trabalhador, portanto, passa a ser objeto de intervenção das políticas
preventivas e precaucionárias de acidentes, demandando uma maior articulação empresarial,
social e governamental, conforme se verá adiante.
4.3 PRECAUÇÃO E PREVENÇÃO
O meio ambiente devido a seu caráter interativo é, um sistema e não um simples
conjunto, pois este nada mais é que a reunião das partes comuns na formação do uno.
Desse modo, partindo do pressuposto que para adquirir autonomia, uma disciplina
requer princípios e métodos próprios, conclui-se, assim, que em relação ao Direito Ambiental
não há como negar-lhe autonomia.
Os princípios são entendidos como todo conceito abstrato-normativo, genérico de uma
determinada ciência. Todo ramo do Direito é, portanto, constituído de princípios, que são o
alicerce de todas as Ciências.
91 MACHADO, 2001, p. 98.
66
O Direito Ambiental, que visa à manutenção de um perfeito equilíbrio nas relações do homem com o meio ambiente, possui alicerces próprios (princípios), que são decorrentes não apenas de um sistema normativo ambiental, mas também do sistema de direito positivo em vigor92.
Dentre os diversos princípios do Direito Ambiental, cumpre destacar os princípios da
prevenção e da precaução.
Os termos prevenção e precaução são densamente conectados, concebidos, inclusive, como sinônimos, na medida em que possuem a mesma acepção, in casu, atuar antecipadamente ante o risco, residindo a diferença no grau de proteção variável em função do conhecimento que se dispõe sobre o agente potencialmente danoso, ou seja, enquanto o princípio da precaução deve incidir diante da incerteza tanto em relação ao perigo em si considerado como também frente a indefinição científica sobre este mesmo perigo, o princípio da prevenção deve ser aplicado havendo certeza do dano ambiental, permitindo-se coligir, deste modo, que a precaução é a faceta mais cautelosa da prevenção93.
O princípio da prevenção, de acordo com Milaré94, se caracteriza pela prioridade que
deve ser dada as medidas que evitem o nascimento de atentados ao ambiente, de modo a
reduzir ou eliminar as causas de ações suscetíveis de alterar sua qualidade.
Pelo princípio da prevenção, permite-se a instalação de uma determinada atividade ou
empreendimento, impedindo, todavia, que ele cause danos futuros, por meio de medidas
mitigadoras ou de caráter preventivo.
Antunes95 enfatiza que existe um dever jurídico-constitucional de levar em conta o
meio ambiente, quando se for implantar qualquer empreendimento econômico. Assim, a Carta
Magna obriga todo empreendedor a proteger o meio ambiente ao exercer sua atividade
econômica, razão pela qual se conclui que o princípio da prevenção impõe o equilíbrio entre o
desenvolvimento sócio-econômico e a preservação ambiental.
O princípio da precaução, por outro lado, é um estágio além da prevenção, à medida que o primeiro (precaução) tende à não realização do empreendimento, se houver risco de dano irreversível, e o segundo (prevenção) busca, ao menos em um primeiro momento, a compatibilização entre a atividade e a proteção ambiental96.
92 MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Princípios fundamentais do direito ambiental. Revista de Direito Ambiental, nº 02. São Paulo: RT, 1996, p. 69. 93 FERNANDES, Fábio. Meio ambiente geral e meio ambiente do trabalho: uma visão sistêmica. São Paulo: LTr, 2009, p. 103. 94 MILARÉ, Edis. Direito do ambiente: a gestão ambiental em foco: doutrina, jurisprudência, glossário. 6ª. ed. São Paulo: RT, 2009, p. 823. 95 ANTUNES, Paulo de Bessa. Meio ambiente do trabalho. São Paulo: Revista de Direitos Difusos, ano 2002, nº 15, v. 03, set/out. 2004, p. 35. 96 GRANZIERA, Maria Luiza Machado; DALLARI, Sueli Gandolfi. Direito Sanitário e Meio Ambiente. In: PHILIPPI JR., Arlindo: ALVES, Alaor Caffé (Editores). Curso Interdisciplinar de Direito Ambiental, Barueri-SP: Manole, 2005, p. 607.
67
Nos tempos atuais em que a sociedade encontra-se em alta modernidade, os riscos
emergem como produto do próprio desenvolvimento da ciência e da técnica, com
características específicas: são globais, escapam à percepção e podem ser localizados na
esfera das fórmulas físicas e químicas e, por tudo isto, é difícil fugir deles. Nesse sentido,
Guivant97 afirma que são riscos cujas consequências, em geral de alta gravidade, são
desconhecidas a longo prazo e não podem ser avaliadas com precisão.
Sob o enfoque da Teoria da Sociedade de Risco, o princípio da precaução opera em face do risco abstrato (hipotético), em situações de difícil visualização e previsão, enquanto na prevenção há o risco concreto (certo) quando o dano é visível ou previsível pelo conhecimento humano, havendo a possibilidade do acidente. Assim, tem-se que a prevenção se refere a risco certo e perigo concreto e a precaução, a risco incerto e perigo abstrato98.
Assim, pelo princípio da precaução, quando existe risco ou incerteza científica de dano
ambiental, a atividade sequer poderá ser licenciada.
A prevenção atua em situações onde se conhece o risco, de modo a evitar a degradação
ambiental. Na precaução, o risco não é conhecido, mas apenas provável. A falta de
comprovação científica de eventuais danos, entretanto, não autoriza que se realize a atividade
potencialmente degradadora, mas, ao contrário, recomenda o maior cuidado tendo em vista a
falta de informação. É possível sustentar que o segundo decorre do primeiro. A precaução
parte da ideia da incerteza dos riscos de determinada atividade, quando então deve-se adotar
medidas acautelatórias, enquanto que a prevenção tem o viés de evitar a ocorrência de dano
possível e previsível.
Prevenção e precaução podem ser consideradas espécies de um gênero mais amplo que seria o dever de cautela, o dever de cuidado de não causar danos ambientais (princípio da cautela). Dentre os danos possíveis, há os comprovados cientificamente e os danos não comprovados, que estariam sob a abrangência, respectiva, dos princípios da prevenção e da precaução99.
É preciso observar que o início das atividades empresariais faz surgir o meio ambiente
laboral, fazendo com que o trabalhador possa encontrar-se diante de elementos do meio
natural (por exemplo: trabalhador rural), agentes químicos (p. ex.: trabalhador da indústria
farmacêutica), agentes físicos (p. ex.: ruídos), biológicos (p. ex.: trabalho em hospital),
97 GUIVANT, Julia Silvia. Reflexividade na sociedade de risco: conflitos entre leigos e peritos sobre os agrotóxicos. In: HERCULANO, S. C.; FREITAS, C. M.; PORTO, M. F. S. (Org.). Qualidade de vida e riscos ambientais. Niterói: Ed. UFF, 2000, p. 287. 98 PADILHA, 2010, p. 55. 99 CAMARGO, Thaísa Lustosa de. O princípio da precaução e o meio ambiente do trabalho. Dissertação (Mestrado em Direito Ambiental) – Programa de Pós-Graduação em Direito Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas, Manaus, 2011, p. 65.
68
estresse (p. ex.: trabalhos repetitivos em instituições bancárias), influindo e recebendo a
influência de todos esses fatores ambientais, em interação com os mesmos.
Desse modo, para Andrade100, a não observância de condições adequadas, no local de
trabalho, tornando-o adverso à saúde humana e à consecução de atividades laborais,
enquadra-se na hipótese de degradação ambiental.
O jurista Jean-Marc Lavieille reafirma o entendimento de que se deve agir antes que a ciência nos diga, com certeza absoluta, se determinada atividade é nociva ou não ao meio ambiente ao expressar que o princípio da precaução consiste em dizer que não somente somos responsáveis sobre o que nós sabemos, sobre o que nós deveríamos ter sabido, mas também sobre o de que nós deveríamos duvidar101.
O princípio da precaução tutela por uma sadia qualidade de vida no mundo
desenvolvido. A cidadania está acima dos interesses econômicos e a saúde do trabalhador
precisa ser a prioridade em qualquer sociedade, de modo que a tecnologia e o
desenvolvimento industrial não podem ser usados em detrimento da vida e saúde do
empregado.
A aplicação do princípio da precaução no meio ambiente do trabalho não se
caracteriza com a compensação do dano à saúde do trabalhador, pois ele abriga a convicção
de que existem comportamentos que devam ser proibidos, diante de uma eventual ameaça à
saúde do empregado. A mudança é, portanto, significativa: não basta determinar o montante
da indenização, pois existem danos que não têm preço.
Ainda segundo Machado102, a implementação do princípio da precaução não tem por
finalidade imobilizar as atividades humanas. Não se trata da precaução que tudo impede ou
que em tudo vê catástrofes ou males. O princípio da precaução visa à durabilidade da sadia
qualidade de vida das gerações humanas e à continuidade da natureza existente no planeta.
Como é de notável saber, há riscos em todos os setores da atividade humana. Essas
ameaças pesam sobre a coletividade, como as catástrofes ecológicas, mas também sobre os
indivíduos diretamente, como, por exemplo, o risco profissional.
A sociedade tenta, então, controlar ou até anular esses riscos. A segurança social e individual é um dos maiores anseios do ser humano, almeja-se o risco zero, que não existe. Hoje, os maiores estudiosos da matéria mostram que o gerenciamento dos riscos é fundamental, mas que o risco zero é uma utopia, pois sempre haverá um risco residual, que ainda é risco, que deve ser suportado pela coletividade ou pelos indivíduos103.
100 ANDRADE, 2003, p. 72. 101 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 17ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 58. 102 Ibidem, p. 54. 103 LOPES, Teresa Ancona. Princípio da precaução e evolução da responsabilidade civil. Brasília: Quartier Latin, 2009, p. 31.
69
A precaução caracteriza-se pela ação antecipada diante do risco ou do perigo. No
mundo da precaução há uma dupla fonte de incerteza: o perigo ele mesmo considerado e a
ausência de conhecimentos científicos sobre o perigo. A precaução visa a gerir a espera da
informação. Ela nasce da diferença temporal entre a necessidade imediata de ação e o
momento onde nossos conhecimentos científicos vão modificar-se.
Tanto no princípio da prevenção como no da precaução está presente o elemento risco,
mas sob configurações diferenciadas, sendo que no princípio da prevenção estas
configurações aparecem em relação ao perigo concreto, enquanto que em relação ao princípio
da precaução, a prevenção é dirigida ao perigo abstrato. O conteúdo cautelar do princípio da
prevenção é dirigido pela ciência e pela detenção de informações certas e precisas sobre a
periculosidade e o risco fornecido pela atividade ou comportamento, sendo o objetivo na
aplicação do princípio da prevenção, a proibição da repetição da atividade que já se sabe
perigosa. Trata-se então de prevenir um risco ou perigo já conhecido.
Já a incidência do princípio da precaução adstringe-se à hipótese de risco potencial,
mesmo que este risco não tenha sido integralmente demonstrado, não possa ser quantificado
em sua amplitude e em seus efeitos nocivos, devido a insuficiência ou ao caráter de
inconclusão dos dados disponíveis para a avaliação dos riscos.
Como já traçado em capítulo anterior, o direito ambiental possui caráter preventivo, e
nesse sentido é praticamente impossível a reparação integral nos casos de degradação
ambiental, já que na maioria das vezes a região afetada jamais voltará ao estado em que se
encontrava antes do evento danoso. Muitos danos ambientais são compensáveis, mas, sob a
ótica da ciência e da técnica, irreparáveis. E, da mesma forma, são várias as doenças causadas
por danos ambientais do trabalho cujas sequelas se tornam irreversíveis para o cidadão
trabalhador.
Nesse sentido, pela sua importância, os princípios da prevenção e da precaução devem
ser o norte para a apreciação das liminares e tutelas antecipadas nas ações que visem o
resguardo do meio ambiente do trabalho e à preservação da saúde do trabalhador,
considerando-se a mera probabilidade de dano.
Como se observa no dia a dia da prática forense, há casos de graves e iminentes riscos em que não se tem dúvida quanto à potencialidade de acidentes; mas, em outros, numa primeira análise, o juiz pode não se convencer do perigo para a integridade física dos trabalhadores. Porém, como os danos à saúde são quase sempre irreversíveis, o bom senso aconselha maior prudência do magistrado
70
mediante priorização dos aspetos humanos e sociais em relação ao aspecto econômico. No caso, o que se protege é a pessoa, valor fonte de todos os valores, pelo que, em momento algum, se deve priorizar o aspecto econômico da atividade, como se tem visto em algumas decisões judiciais que, com fundamento no prejuízo a ser causado pela suspensão da atividade econômica, indeferem medidas de interdição de atividade e embargo de obras ou concedem segurança contra interdições administrativas feitas pelo Ministério do Trabalho e Emprego. Portanto, não precisa haver certeza científica absoluta sobre a possível ocorrência de dano ao meio ambiente ou à saúde do trabalhador. Basta que o suposto dano seja irreversível e irreparável para que se determine a adoção de medidas efetivas de prevenção, mesmo na dúvida, porque a proteção da vida se sobrepõe a qualquer aspecto econômico104.
O legislador constituinte atribuiu ao poder público o dever de aplicar os princípios da
prevenção e precaução, por meio do controle da produção, comercialização e do emprego de
técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a qualidade de vida e para o meio
ambiente (artigo 225, parágrafo primeiro, inciso V, da Constituição Federal). A Política
Nacional do Meio Ambiente (art. 5º) não fala em prevenção, mas sim em preservação da
qualidade ambiental e dos recursos ambientais, manutenção do equilíbrio ecológico e
recuperação dos danos ambientais.
O poder de polícia, o zoneamento ambiental, as normas legais, os padrões ambientais,
a aplicação de penalidades, o licenciamento ambiental, o estudo prévio de impacto ambiental,
as regras de construção, o controle da poluição, o saneamento básico, o controle do uso do
solo nos meios urbanos e rurais, o planejamento do crescimento da cidade e outros, são
exemplos de instrumentos de controle ambiental onde se costuma aplicar os princípios da
prevenção e da precaução.
Com efeito, ao deixar claro que se trata de analisar um risco, isto é, a possibilidade de
causar dano a alguém, ainda que sem culpa, a exigência da precaução obriga a considerar,
seriamente, a instituição da perícia judicial, mas, também, extrajudicial. É conveniente
observar que o risco está de forma direta ligado à técnica, não ao indivíduo que dela se vale,
assim o Programa de Prevenção de Riscos Ambientais e o estudo Prévio de Impacto
Ambiental, são poderosos instrumentos precaucionários, que se observados à risca, gerarão
uma importante e necessária segurança científica na seara do meio ambiente do trabalho.
Lamentavelmente, o princípio em estudo não está sendo empregado na forma
preconizada pelo legislador constitucional, o que vem colaborando com o aumento das
doenças e o agravamento da saúde do trabalhador.
Ainda que não haja certeza acerca do perigo, percebe-se que o princípio da precaução
visa restringir e até mesmo proibir a implantação de novos empreendimentos, na hipótese dos
104 MELO, 2010, p. 55.
71
mesmos oferecerem risco ao ambiente laborativo e a saúde do cidadão trabalhador, utilizando-
se para tanto a incerteza científica na sua consecução.
4.4 A INCERTEZA CIENTÍFICA E A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA
Primeiramente, vale ressaltar sobre a importância do caráter precaucionário da
legislação ambiental no mundo atual. A razão de ser nada mais é do que a irreparabilidade da
grande maioria dos danos causados ao meio ambiente.
Obviamente, a ausência de certeza absoluta quanto aos danos ambientais não afasta a
necessidade de se agir com precaução, sob pena de os danos se tornarem irreversíveis no
futuro, sendo tais medidas de precaução imperativas.
É oportuno esclarecer que a Constituição Brasileira não faz uma distinção
propriamente dita entre a expressão prevenção e precaução, e as utiliza quase como
sinônimas.
Entretanto, o princípio da prevenção visa a prevenir danos quando as consequências da
realização de determinado ato são conhecidas. O nexo causal já foi comprovado, ou decorre
de lógica. Já o princípio da precaução é utilizado quando não se conhece, ao certo, quais as
consequências do ato determinado. Ou seja, ele é imperativo quando a falta de certeza
científica absoluta persiste. Esta falta de certeza não pode ser escusa para a não adoção de
medidas eficazes a fim de impedir a degradação.
Além disso, o princípio da precaução está diretamente ligado à atuação preventiva.
Ambos objetivam proporcionar meios para impedir que ocorra a degradação do meio
ambiente, ou seja, são medidas que, essencialmente, buscam evitar a existência do risco.
Entretanto, o princípio da precaução é prioritariamente utilizado quando o risco de
degradação do meio ambiente é considerado irreparável ou o impacto negativo ao meio
ambiente é tamanho que exige a aplicação imediata das medidas necessárias à preservação.
Em caso de certeza do dano ambiental, este deve ser prevenido, como preconiza o princípio da prevenção. Em caso de dúvida ou incerteza, também se deve agir preventivamente. Essa é a grande inovação do princípio da precaução. A dúvida científica expressa com argumentos razoáveis, não dispensa a prevenção105.
105 MACHADO, 2009, p. 72.
72
De maneira geral, o escopo da precaução é ultrapassar a prevenção. Não seria mais
preciso que um dano se produzisse, ou se mostrasse iminente, para que um gesto, visando
evitar a produção ou a repartição desse dano, fosse legítimo.
Em termos práticos, significa a rejeição da orientação política e da visão empresarial que durante muito tempo prevaleceram, segundo as quais atividades e substâncias potencialmente degradadoras somente deveriam ser proibidas quando houvesse prova científica absoluta de que, de fato, representariam perigo ou apresentariam nocividade para o homem ou para o meio ambiente106.
A orientação que passou a ser seguida é a de que, mesmo diante de controvérsias no
plano científico com relação aos efeitos nocivos de determinada atividade ou substância sobre
o meio ambiente, presente o perigo de dano grave ou irreversível, a atividade ou substância
em questão deverá ser evitada ou rigorosamente controlada.
A necessidade de não se correrem riscos é plenamente justificada. Ora, no dia em que
se puder ter certeza científica absoluta dos efeitos prejudiciais de determinadas atividades
potencialmente degradantes, os danos por ela provocados serão já nessa ocasião irreversíveis.
Por isso, pela precaução protege-se contra os riscos.
O que se quer dizer é que, com a adoção do princípio da precaução, um dos principais
objetivos na criação, na interpretação e na aplicação do direito ambiental do trabalho, passou
a ser o enfoque da cautela (prudência ou vigilância) no trato das atividades potencialmente
degradantes do meio ambiente laboral, em detrimento do enfoque da tolerância com essas
atividades.
A crítica que fazem alguns autores é a de que o princípio da precaução limita-se a uma moratória indeterminada no tempo, visando impedir a realização de um projeto, a instalação de uma empresa/indústria, ou a inserção de determinado produto no mercado. Afirmam que precaução é inação, sustentando que a aplicação do princípio contraria a ideia de progresso, limitando ou mesmo travando a investigação científica107.
Tal visão não procede, pois caso contrário, se estaria alimentando o interesse daqueles
que se acham detentores do direito de degradar a saúde dos trabalhadores, ou seja, um direito
fictício de poder desenvolver toda e qualquer atividade ou produto, inserindo-os no mercado,
sem as cautelas necessárias, pouco importando se as consequências dessa atitude causarão
futuros danos ao meio ambiente laborativo e, consequentemente, à saúde do trabalhador, o
que certamente ocorrerá, em troca do lucro imediato.
106 AMOY, Rodrigo de Almeida. O princípio da precaução e estudo de impacto ambiental do direito brasileiro. Revista da Faculdade de Direito de Campos, ano VII, nº 8, junho de 2006, p. 15. 107 HERMITTE, M. Antunes. O risco na sociedade contemporânea e o princípio da precaução do direito ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 08, nº 31, julho-setembro, 2003, p. 136.
73
Esta filosofia da precaução não pode nem deve ser concebida como um obstáculo ao desenvolvimento, cujo escopo seja, pura e simplesmente, a abstenção de condutas e a condenação do poder tecnológico. Trata-se, na realidade, de objetivar que o desenvolvimento seja implementado de outra maneira, tendo como base o reconhecimento da própria relatividade do conhecimento científico. A filosofia da precaução pode ser assim traduzida como um ato de fé na ciência e na tecnologia, buscando o conhecimento aprofundado do que já se sabe e desvendando o que ainda não se sabe108.
A ação administrativa empresarial deve pautar-se mais no sentido preventivo
(educativo ou informativo), do que no repressivo (ou punitivo), já que, como dito
anteriormente, eventual prejuízo que venha a ser causado será em muitos casos irreparável.
Um caso típico em que a falta de precaução fica clara é o da tragédia nas obras do metrô, na Marginal do Rio Pinheiros, em São Paulo, em 2007, e que resultou na chamada “cratera” que, de repente, se abriu soterrando e matando diversos transeuntes e operários naquele momento. Os técnicos e peritos de engenharia deveriam trabalhar também com a incerteza, com o risco possível e tomar providências antecipatórias de riscos e danos109.
Outro exemplo claro da não observância do princípio da precaução é o uso de jato de
areia na limpeza e reparação de cascos de navios.
[...] Até haver comprovação de que o método causava silicose – doença também conhecida como pulmão de pedra – nos trabalhadores, o mesmo não foi questionado, vinculando-se o diagnóstico dos problemas de saúde apresentados à bronquite, tabagismo e tuberculose. Somente após comprovação por professores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Fundação Oswaldo Cruz (FioCruz) de que a sílica era a causadora da doença, é que foi possível acabar com a referida atividade no estado do Rio de Janeiro, através da Lei estadual nº 1.979, de 13 de abril de 1992110.
Assim, é necessário que a legislação se oriente cada vez mais no sentido de conter
disposições que visem evitar a ocorrência do dano ambiental para o trabalhador, cabendo ao
empreendedor a prova de que seu empreendimento não trará lesão à saúde de seus
trabalhadores.
A inversão do ônus da prova estabelece melhores garantias ambientais ou danos
limitados antes da mudança de um procedimento. Assim, aquele que pretende modificar um
status quo deve comprovar que não causará prejuízos ao meio ambiente.
108 SILVA, 2004, p. 79. 109 LOPES, p. 109. 110 KÜMMEL, Marcelo Barroso. Direito ambiental do trabalho: o princípio da precaução nas Convenções Internacionais da Organização Internacional do Trabalho. In: PES, João Hélio Ferreira; OLIVEIRA, Rafael Santos de (Coord.). Direito ambiental contemporâneo – prevenção e precaução. Curitiba: Juruá, 2009, p. 63.
74
Dessa forma, a responsabilidade de buscar comprovações científicas da inocuidade ou
da insignificância dos riscos é de quem possui o interesse em desenvolver a atividade, saindo
do potencial poluído para o potencial poluidor.
A atuação do princípio da precaução em relação ao trabalhador não se constitui apenas
num recurso contra a degradação do meio ambiente de trabalho, mas compreende também em
se adotar um ideal de ambiente seguro e saudável para o trabalhador, um ponto de equilíbrio
entre saúde e tecnologia, trabalho e meio ambiente.
Entre decidir com rapidez sobre a implantação de um empreendimento e decidir com
maior margem de acerto, ou menor margem de erro, após cuidadosa avaliação das
repercussões ambientais do projeto, deve-se optar pela segunda alternativa, tendo em vista a
consciência da necessidade em adotar-se uma postura de segurança e prudência, em função da
dimensão e, muitas vezes, da irreversibilidade de determinadas agressões ambientais
supervenientes a empreendimentos bem intencionados, mas que, por deficiência na
capacidade de prever os impactos nocivos sobre à qualidade de vida e saúde do trabalhador
durante a fase de planejamento, acabam por ter seus efeitos positivos imediatos praticamente
anulados pela sequência de eventos danosos verificados no decorrer dos anos.
A incerteza científica é inerente a todas as atividades ambientais, cabendo ao direito internacional planejar instrumentos e mecanismos de implementação com flexibilidade de se adequarem às mudanças advindas de descobertas científicas. O princípio da precaução não pretende atrapalhar o desenvolvimento tecnológico. Ao contrário, pressupõe a continuidade das pesquisas científicas e o uso das melhores tecnologias disponíveis111.
Desta forma, o princípio da precaução é basilar para a preservação do meio ambiente,
nele inserido o ambiente do trabalho, uma vez que é preciso, antes de tudo, se antecipar e
prevenir uma provável e/ou efetiva ocorrência da atividade lesiva, já que nem todos os danos
ambientais podem ser devidamente reparados pela ação humana.
4.5 ACIDENTES EM NÚMEROS
Claro está que é preciso alertar a sociedade em geral acerca da necessidade de
prevenção e precaução dos riscos para a saúde e a integridade dos trabalhadores em todo o
mundo, chamando a atenção para os altíssimos índices de doenças e acidentes nos ambientes
111 CAMARGO, p. 80.
75
de trabalho que traumatizam e prejudicam não só os trabalhadores e trabalhadoras diretamente
atingidos, como também as famílias, as empresas, e toda a sociedade.
Tendo em vista a grande incidência de acidentes que afetam a população trabalhadora,
dados estatísticos são traçados em prol de tornar pública essa realidade assustadora.
No ranking internacional de acidentes, conforme dados divulgados pela Organização
Internacional do Trabalho – OIT , há informações importantes sobre o mundo do trabalho dos
países que têm enviado periodicamente à entidade informações sobre sua população
trabalhadora.
De acordo com a OIT – Anuário Estatístico de 2009 – todos os anos, cerca de 330
milhões de trabalhadores são vítimas de acidentes de trabalho em todo o mundo, além de 160
milhões de novos casos de doenças ocupacionais. Sobre as mortes, a OIT aponta mais de 2
milhões relacionadas ao trabalho: 1.574.000 por doenças, 355.000 por acidentes e 158.000 por
acidentes de trajeto112.
Segundo o estudo da OIT, o Brasil ocupa o 4º lugar em relação ao número de mortes,
com 2.503 óbitos. O país perde apenas para China (14.924), Estados Unidos (5.764) e Rússia
(3.090) 113.
Dados do Anuário Estatístico da Previdência Social de 2009 demonstram que no
Brasil ocorre em média 1 acidente a cada três minutos. Estima-se que 30% dos acidentes
atingem mãos, dedos e punhos, mas poderiam ser evitados com investimento em máquinas
modernas e uso correto do Equipamento de Proteção Individual (EPI) 114.
No Brasil, no ano de 2010, segundo estatísticas do AEAT (Anuário Estatístico de
Acidente do Trabalho), ocorreram 701.496 acidentes do trabalho, dos quais 525.206 foram
com o registro de CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho), sendo 414.824 acidentes
típicos, 94.789 de trajeto e 15.596 por doença do trabalho115.
De acordo com os dados do Sistema Federal de Inspeção do Trabalho, foram
registrados 226 acidentes de trabalho nos meses de janeiro e fevereiro de 2012 no Brasil. A
construção civil é o setor lidera essa lista, com 64 acidentes, representando 28,5% do total,
seguido da indústria de metal, com 30 registros neste mesmo período116.
112 Fonte: http://www.segurancanotrabalho.eng.br/estatisticas/estacidmundo.pdf. Acesso em 22/02/2012. 113Fonte: http://meusalario.uol.com.br/main/saude/estatisticas/acidentes-de-trabalho-brasil-e-o-quarto-emnumero -de-mortes-1. Acesso em 22/02/2012. 114 Fonte: http://www.sinait.org.br/noticias_ver.php?id=3061. Acesso em 25/02/2012. 115 Fonte: http://www.previdencia.gov.br/conteudoDinamico.php?id=1215. Acesso em 25/02/2012. 116 Fonte: http://diariodepetropolis.com.br/2012/03/27/construcao-civil-e-campea-em-acidentes-de-trabalho/ Acesso em 06/04/2012.
76
Os números oficiais de acidentes de trabalho no País são bem maiores que os do
Ministério da Saúde, porém, são divulgados com atraso de quase um ano pelo Ministério da
Previdência Social. Em 2010, foram 701.496 acidentes, 31,8 mil a menos do que em 2009. O
número de mortes, no entanto, aumentou de 2.650 para 2.712. Mas ele é ainda maior117.
As estatísticas da Previdência Social só consideram os trabalhadores formais, que têm
carteira de trabalho e pagam o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Ficam de fora
cerca de 20 milhões de brasileiros que não contribuem para a Previdência, os chamados
trabalhadores da economia informal.
Em todo o mundo, a cada minuto uma criança em regime de trabalho infantil sofre um
acidente de trabalho, doença ou trauma psicológico, de acordo com o relatório “Crianças em
trabalhos perigosos: o que sabemos, o que precisamos fazer”, da Organização Internacional
do Trabalho (OIT), divulgado em 10/06/2011. São mais de 1.400 acidentes por dia e um total
de quase 523 mil por ano. No Brasil, estima-se que o número seja de 4,2 milhões de crianças
trabalhando, sendo que mais da metade executa atividades perigosas. De acordo com o
Ministério do Trabalho e Emprego, em 2011 foram afastadas 3,7 mil crianças e adolescentes
do trabalho. Em 2010, 5.620 crianças e adolescentes foram resgatados desta situação118.
Pelo menos dois menores de 18 anos, em média, são vítimas de acidentes de trabalho a
cada dia no Brasil, conforme dados do Ministério da Saúde. Por mês, um menor morre em
razão desses acidentes, segundo as informações oficiais do governo.
Números do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) do Ministério
da Saúde obtidos pelo G1 mostram que, entre 2006 e agosto de 2011, 5.353 menores de 18
anos se envolveram em acidentes graves de trabalho. No mesmo período, 58 crianças e
adolescentes de até 18 anos morreram durante o trabalho119.
No Amazonas, segundo informações do AEAT, em 2010 ocorreram 8.375 acidentes
de trabalho na região, dos quais 6.721 foram com CAT registrada e 2.096 sem o devido
registro. Dos acidentes com CAT registrada, 5.001 foram acidentes típicos, 892 de trajeto e
386 por doença do trabalho 120.
117 Fonte: http://acritica.uol.com.br/noticias/Crescem-acidentes-retomada-obras_0_631736842.html. Acesso em 25/02/2012. 118 Fonte: http://www.redebrasilatual.com.br/temas/cidadania/2011/06/a-cada-minuto-uma-crianca-sofre-acidente-de-trabalho-diz-oit. Acesso em 05/04/2012. 119 Fonte: http://g1.globo.com/concursos-e-emprego/noticia/2011/10/dois-menores-sofrem-acidente-de-trabalho-por-dia-no-brasil.html. Acesso em 05/04/2012. 120 Fonte: http://www.previdencia.gov.br/conteudoDinamico.php?id=1215. Acesso em 25/02/2012.
77
O Amazonas ocupa o segundo lugar na região norte onde são registrados mais
acidentes de trabalho, só perdendo para o Pará que em 2010 registrou 7.526 acidentes do
trabalho típicos, 1.179 de trajeto e 201 por doença do trabalho121.
A cidade de Manaus, capital do Amazonas, concentra 90% da produção econômica do
estado. A maior fatia do mercado de trabalho amazonense se encontra em Manaus. De modo
que, em 2011, o número de acidentes de trabalho em Manaus aumentou 52,59% em relação a
2010.
Conforme levantamento do Sindicato dos Metalúrgicos do Amazonas (Sindmetal), no
ano passado foram registradas 383 ocorrências. As empresas Samsung, LG Eletronics e Moto
Honda encabeçam a lista das companhias do Pólo Industrial de Manaus (PIM) com o maior
número de registros122.
A lista divulgada pelo Sindmetal contempla o total de documentos formais
protocolados no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), por meio da CAT, tanto os que
deram entrada pela empresa quanto os informados pelo sindicato.
De acordo com o Sindmetal, as CATs emitidas pelas empresas em 2011 chegaram a
200, enquanto as do sindicato contabilizaram 183. Já em 2010, o número foi de 124 e 127,
respectivamente. A predominância no tipo de acidente é a Lesão por Esforço Repetitivo
(LER) 123.
Somente a Samsung possui 97 ocorrências registradas, cuja maioria é relacionada a
contusões nos dedos (42 acidentes). Distensão muscular nas mãos é outro grande problema
dos acidentados na empresa, com 18 registros em 2011. A LG Eletronics fechou o ano com 30
acidentes formalizados. Desse total, 14 trabalhadores apresentaram bursite e tendinite nos
ombros. A Moto Honda contabilizou 25 ocorrências no ano de 2011, sendo a maioria também
ligada à tendinite e bursite nos ombros124.
Esse tipo de lesão, aliás, foi a mais comum dentre os trabalhadores do PIM, de acordo
com o sindicato. Somente no ano passado, foram 122 casos de bursite e tendinite nos ombros,
seguido de 81 contusões nos dedos, 28 registros de distensão muscular na mão, casos de
hérnias de disco na coluna e 21 acidentes com escoriações na cabeça, dentre outros tipos de
ocorrências125.
121 Ibidem. 122 Fonte: http://www.d24am.com/noticias/saude/acidentes-com-trabalhadores-da-industria-registram-alta-de-52-em-manaus/47213. Acesso em 25/02/2012. 123 Ibidem. 124 Ibidem. 125 Ibidem.
78
As empresas dos setores de eletroeletrônicos são as mais preocupantes por conta do
número de acidentes ocorridos, mas as que possuem maior grau de periculosidade são as
indústrias de Duas Rodas, por conta da rotina e de equipamentos pesados.
Ainda de acordo com levantamento do sindicato, foram sete acidentes considerados
graves. Segundo o Sindmetal, funcionários das empresas Sodecia, CCE, Ifer e Tecal perderam
algum membro enquanto trabalhavam. Já Moto Honda, Yamaha e FCC entraram para as
estatísticas de acidentes fatais, com três mortes de colaboradores durante o serviço126.
Pelos dados acima relatados fica claro verificar a necessidade de aplicação do
princípio da precaução no meio ambiente do trabalho, através de ações acautelatórias
eficientes e que atinjam o maior número de trabalhadores, posto que estes, após um acidente
de trabalho, muitas vezes ficam incapacitados para as atividades produtivas.
Em 2009 foi observada uma média de 43 trabalhadores/dia que não mais retornaram
ao trabalho devido à invalidez ou morte. Na região Norte foram registrados 893 casos e no
Amazonas 93 casos de incapacidade127.
Se considerarmos exclusivamente o pagamento, pelo INSS, dos benefícios devido a
acidentes e doenças do trabalho somado ao pagamento das aposentadorias especiais
decorrentes das condições ambientais do trabalho em 2009, encontraremos um valor da ordem
de R$14,20 bilhões/ano. Se adicionarmos despesas como o custo operacional do INSS mais as
despesas na área da saúde e afins o custo no Brasil atinge valor da ordem de R$ 56,80 bilhões
(Fonte: Previsão MPS) 128.
A dimensão dessas cifras apresenta a premência na adoção de políticas públicas
voltadas à prevenção, precaução e proteção contra os riscos relativos às atividades laborais.
Muito além dos valores pagos, a quantidade de casos, assim como a gravidade geralmente
apresentada como consequência dos acidentes do trabalho e doenças profissionais, ratificam a
necessidade emergencial de construção de políticas públicas e implementação de ações para
alterar esse cenário.
A segurança dentro da empresa é sinônimo de qualidade para a mesma e de bem-estar
para os trabalhadores. Financeiramente, também é vantajosa: treinamento e infraestrutura de
segurança exigem investimentos, mas por outro lado evitam gastos com processos,
indenizações e tratamentos de saúde em casos que poderiam ter sido evitados.
126 Ibidem. 127 Fonte: http://www.previdencia.gov.br/conteudoDinamico.php?id=39. Acesso em 25/02/2012. 128 Ibidem.
79
4.6 DANOS À SAÚDE POR INOBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO
Os trabalhadores urbanos e rurais estão frequentemente submetidos aos riscos de
tecnologias sujas, muitas delas proibidas nos países mais industrializados, que disseminam
contaminantes que se acumulam de maneira persistente no meio ambiente de trabalho,
provocando doenças nos próprios obreiros.
Portanto, a irresponsabilidade das empresas atinge em primeiro lugar e com maior
intensidade os trabalhadores, que acabam por ter no seu trabalho um meio de morte e não de
vida.
Melo129 informa que, como indicam os índices, os acidentes do trabalho ocorrem por
práticas inadequadas no meio ambiente do trabalho, podendo-se mencionar:
� A falta de investimento na prevenção de acidentes por parte das empresas;
� Os problemas culturais que ainda influenciam a postura das classes patronal e
profissional no que diz respeito a não priorização da prevenção dos acidentes
laborais;
� A ineficiência dos Poderes Públicos quanto ao estabelecimento de políticas
preventivas e fiscalização dos ambientes de trabalho;
� Os maquinários e implementos agrícolas inadequados por culpa de muitos
fabricantes que não cumprem corretamente as normas de segurança e orientações
previstas em lei;
� A precariedade das condições de trabalho por conta de práticas equivocadas de
flexibilização do Direito do Trabalho130.
Todo esse quadro é campo fértil para o surgimento de doenças ocupacionais, que são
as que estão diretamente relacionadas à atividade desempenhada pelo trabalhador ou às
condições de trabalho às quais ele está submetido. As mais comuns são as Lesões por
Esforços Repetitivos ou Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho
(LER/DORT), que englobam cerca de 30 doenças, entre elas a tendinite (inflamação de
tendão) e a tenossinovite (inflamação da membrana que recobre os tendões). As LER/DORT
129 MELO, Sandro Nahmias. Princípio da precaução e o meio ambiente do trabalho. 2010. Texto ainda não publicado, p.15. 130 Em resumo e em termos gerais a flexibilização no direito do trabalho consiste numa ampliação na capacidade e no poder das partes envolvidas no contrato de trabalho, tanto o empregador como o empregado, em estabelecerem e definirem os parâmetros e limites que regerão as suas relações de trabalho (SOARES, 2000, p. 68).
80
são responsáveis pela alteração das estruturas osteomusculares, como tendões, articulações,
músculos e nervos131.
Para Monteiro e Bertagni132, as lesões por Esforços Repetitivos – LER – são
enfermidades que podem acometer tendões, articulações, músculos, nervos, ligamentos,
isolada ou associadamente, com ou sem degeneração dos tecidos, atingindo na maioria das
vezes os membros superiores, região escapular, do pescoço, pelo uso repetido ou forçado de
grupos musculares e postura inadequada.
Galafassi133 explica que Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho –
DORT ou LER, são definidos como síndromes clínicas, apresentam dor crônica acompanhada
ou não por modificações objetivas, e resultam do trabalho exercido. A expressão LER é
genérica, o médico ao diagnosticar deve especificar qual é o tipo de lesão, pois como refere-se
a várias patologias, torna-se mais difícil determinar o tempo que leva para uma lesão
persistente passar a ser considerada crônica.
O empregado, diante de um ambiente de trabalho não salutar, tende ficar acometido
pelas mais diversas síndromes, sendo a LER/DORT apenas uma porção de tantas
enfermidades sofridas em decorrência do labor.
Dentre as doenças sofridas pelo trabalhador, também temos a PAIR. Entende-se como Perda Auditiva Induzida por Ruído – PAIR, uma alteração dos limiares auditivos, do tipo neurossensorial, decorrente da exposição sistemática a ruído, que tem como características a irreversibilidade e a progressão com o tempo de exposição. É uma diminuição progressiva auditiva, decorrente da exposição continuada a níveis elevados de pressão sonora. O termo Perdas Auditivas Induzidas por Níveis Elevados de Pressão Sonora é o mais adequado, porém o termo PAIR é mais utilizado e, por isso, mais conhecido. As principais características desta moléstia são: ser sempre neurossensorial, por comprometer as células de órgão de Córti; ser quase sempre bilateral, por atingir ouvidos direito e esquerdo, com perdas semelhantes e, uma vez instalada, irreversível; por atingir a cóclea, o trabalhador pode atingir intolerância a sons mais intensos134.
As moléstias geradas pelo trabalho são divididas em dois grupos: doenças
profissionais típicas ou tecnopatias, que são consequências naturais de certas profissões
desenvolvidas em condições insalubres, e que normalmente são relacionadas pelo próprio
legislador e as doenças profissionais atípicas, ditas mesopatias, que não são peculiares a
131 http://www.reporterbrasil.org.br/pergunta.php?id=93. Acesso em 31/03/2004. 132 MONTEIRO, Antonio Lopes; BERTAGNI, Roberto Fleury de Souza. Acidentes do trabalho e doenças ocupacionais: conceito, processos de conhecimento e de execução e suas questões polêmicas. São Paulo: Saraiva, 1998, 51. 133 GALAFASSI, Maria Cristina. Medicina do trabalho: programa de controle médico de saúde ocupacional (NR-7). São Paulo: Atals, 1998, p. 57. 134 MONTERIO, p. 41-42.
81
determinados tipos de trabalho, mas que o operário vem a contrair por fato eventualmente
ocorrido no desempenho da atividade laborativa.
As mesopatias, ou doenças do trabalho, também denominadas moléstias profissionais
atípicas, normalmente decorrem das condições de agressividade existentes no local de
trabalho, que agiram decididamente seja para acelerar, eclodir ou agravar a saúde do
trabalhador. As mesopatias podem decorrer do excessivo esforço, de posturas viciosas, de
temperaturas extremas, etc.
As doenças de que padecia o trabalhador antes de ingressar na atividade para o
empregador, que sofram agravantes, gerando complicações oriundas do processo patológico,
se comprovado que o ambiente de trabalho motivou tais agravos, devem ser consideradas
acidentes do trabalho, assim sendo definido como nexo de agravamento.
Enquanto nas doenças profissionais o laborista está dispensado do ônus probatório, nas
doenças do trabalho ou agravamento das mesmas esse ônus lhe é obrigatório. Isso porque
embora exista a presunção de que ingressou em perfeitas condições de saúde, ou que
apresentava determinada doença que não o impedia de trabalhar, deverá comprovar ter sido o
ambiente laborativo que fez eclodir ou provocou o agravamento da doença ou perturbação
funcional. É do obreiro o dever de comprovar a impossibilidade de se manter naquela mesma
atividade, sob pena de ver a incapacidade aumentada, com previsibilidade razoável de
sobrevir a incapacitação total e permanente.
As doenças profissionais, ainda segundo Monteiro135, decorrem de risco da atividade
exercida, já as do trabalho têm como causa o risco indireto. Um exemplo é o caso do
empregado que possui bronquite asmática, normalmente decorrente de fator genético e pode
acometer qualquer pessoa, todavia se o trabalhador exercer seu trabalho sob condições
especiais, esse risco transforma-se em indireto.
Desse modo, doença do trabalho é aquela resultante das condições especiais ou excepcionais em que o trabalho é desenvolvido, levando à quebra de resistência do organismo do trabalhador e ao aparecimento de uma doença, que não tem no trabalho sua causa única e exclusiva, como as pneumonias, tuberculoses, bronquites, entre outras, que podem ter diversas origens, e não somente o ambiente do trabalho136.
135 MONTEIRO, p. 12. 136 BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de direito penal: parte geral. 7ª ed. vol. 1. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 162.
82
Doença profissional, segundo explicação de Pepe137, é aquela que tem no trabalho a
sua única causa. Surge, portanto, somente no ambiente de trabalho, em função de sua
insalubridade. São exemplos a silicose, doença adquirida pela aspiração de poeira de pedra,
ou a tenossinovite, inflamação da bainha de tendão.
O acidente de trabalho típico caracteriza-se pela ocorrência súbita e pelo resultado
imediato, o que o difere das doenças, cujo resultado é mediato e caracterizado pela
progressividade.
Em termos legais temos que, conforme dispõe o artigo 20, inciso II, da Lei nº 8.213/91, as doenças ocupacionais são equiparáveis a acidente de trabalho e pressupõem a prova do nexo de causalidade entre o trabalho e o desenvolvimento ou agravação da enfermidade (chamadas mesopatias), ou seja, são classificadas como doença do trabalho, pois não se vinculam a uma profissão ou atividade específica, mas seu aparecimento decorre da forma em que o trabalho é prestado ou das condições específicas do ambiente do trabalho. Por outro lado, a doença profissional, prevista no artigo 20, inciso I, da Lei nº 8.213/91, é aquela peculiar à determinada profissão (também chamadas de tecnopatias), ou seja, decorrente do exercício de determinada profissão que pode produzir ou encadear certas patologias, sendo que, nessa hipótese, o nexo causal da doença ou atividade é presumida138.
Nos termos do § 2º do mesmo artigo 20, da Lei nº 8.213/91, a relação das doenças
ocupacionais (profissional ou do trabalho) anexa ao Decreto nº 3.048/99 não possui caráter
taxativo, mas meramente exemplificativo. Todavia, na hipótese de não haver previsão
expressa no Decreto, deverá ficar demonstrado que a doença ocupacional resultou das
condições em que o trabalho é executado e com ele se relaciona diretamente.
Os acidentes do trabalho também podem ocorrer por concausa, consoante previsão do artigo 21, inciso I, da Lei nº 8.213/91, ou seja, equipara-se a acidente de trabalho e acidente ligado ao trabalho que, embora não tenha sido a causa única, haja contribuído diretamente para a morte do segurado, para redução ou perda da sua capacidade para o trabalho, ou produzido lesão que exija atenção médica para a sua recuperação. Mesmo não sendo as condições de trabalho a causa exclusiva da doença adquirida, ainda assim ela se equivale ao acidente de trabalho quando as condições laborais concorrem diretamente para o advento da enfermidade139.
A distinção é importante, porque nas doenças profissionais típicas o nexo etiológico
com a atividade do trabalhador é presumido pela lei, sendo reconhecido pela Previdência
137 PEPE, Carla Cristina Coelho Augusto. Estratégias para superar a desinformação: um estudo sobre acidentes fatais no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz, Escola Nacional de Saúde Pública, 2002, Dissertação (Mestrado), p. 36. 138 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente de trabalho ou doença ocupacional. São Paulo: 2005, p. 42. 139 DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Análise de conjuntura socioeconômica e o impacto no direito do trabalho. In: DALLEGRAVE NETO, José Affonso (Coord.). Direito do trabalho contemporâneo: flexibilização e efetividade. São Paulo: LTr, 2003, p. 219.
83
Social, enquanto que nas doenças atípicas inexiste qualquer presunção, cabendo, por isso, à
vítima, o ônus de provar que a enfermidade teve causa em evento provocado pelo
desempenho do contrato de trabalho, prova esta que se torna extremamente difícil para o
trabalhador, que é a parte hipossuficiente da relação contratual.
A capacidade de produzir tal prova, evidentemente, é muito maior para o empregador,
pois detém todas as informações ambientais do local de trabalho. Em se tratando de acidentes
do trabalho, não há dúvida que o empregador está mais apto a produzir a prova da inexistência
do nexo entre a conduta e o resultado. Aliás, para o detentor dos riscos da atividade
econômica, a legislação fixa que incumbe ao empregador “reduzir ao mínimo, na medida que
for razoável e possível, as causas dos riscos inerentes ao meio do trabalho” (Convenção nº
148 da OIT); repassar a importância de repasse de informações pormenorizadas dos riscos e
dos produtos manipulados à saúde do trabalhador (art. 19, § 3º, da Lei 8.213/91 e os artigos
182, III e 1975, ambos da CLT), fornecer equipamentos de proteção individual, conforme
previsão do artigo 166 da CLT e NR-6 da Portaria do Ministério do Trabalho nº 3.214/78;
constituir a Comissão Interna de Acidentes do Trabalho (CIPA); oferecer Serviços
Especializados em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho (SESMT); e
organizar Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA) e Programa de Controle
Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO).
A ausência de medidas preventivas e precaucionárias por parte das empresas ameaçam
o conjunto dos setores sociais, porém, para o trabalhador o risco se torna mais penoso, já que
além do desgaste normal do trabalho, a pessoa se vê obrigada a laborar em ambientes
maléficos à sua saúde, pois depende do trabalho para sobreviver.
Um exemplo típico de consequências maléficas para a saúde do trabalhador causados pelo meio ambiente de trabalho é, segundo reconhecimento da OIT, o câncer de pulmão causado pela complicação dos asbestos. A OIT reconheceu que a inalação de fibras de amianto pode causar, além da fibrose pulmonar e das afecções da pleura, um câncer dos brônquios e mesoteliomas difusos de pleura e do peritônio, quando não de outras partes do corpo do trabalhador exposto140.
No campo, doenças de LER/DORT acometem principalmente cortadores de cana após
algumas safras, pelo excesso de movimentos repetidos. Na cidade, as categorias profissionais
que encabeçam as estatísticas de LER/DORT são bancários, digitadores, operadores de linha
de montagem e operadores de telemarketing.
Outro exemplo de doença ocupacional é o câncer de traqueia em trabalhadores de
minas e refinações de níquel. Também há doenças pulmonares de origem ocupacional, como
140 ACSELRAD, Henri. Justiça ambiental e cidadania. Rio de janeiro: Relume Dumará, 2004, p. 78.
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por exemplo, a asma e conforme acima citado, a asbestose, causadas pela inalação de
partículas, névoas, vapores ou gases nocivos.
A presença das substâncias cancerígenas conhecidas como drins nas pequenas chácaras de Paulínia (SP), a estigmatização que perpetua o desemprego dos trabalhadores contaminados por dioxina no ABC paulista, a alta incidência de suicídio entre os trabalhadores rurais que aplicam agrotóxicos em Venâncio Aires (RS), são exemplos que configuram as manifestações visíveis de um modelo fundado na injustiça estrutural e na irresponsabilidade ambiental de empresas e governos. Apesar do fato de que a lógica deste modelo é sistematicamente negada por seus responsáveis, que alegam a ausência de causalidade entre as decisões políticas e produtivas e os efeitos danosos que têm sobre suas vítimas141 (ACSELRAD, 2004, p. 79).
Nas explicações de Cataldi142, os metais duros, amplamente utilizados na indústria
moderna, v.g. o widia-wie-damant, também podem dar origem a afecções pulmonares
semelhantes a uma broncoalveolite que degenera em fibrose pulmonar intersticial.
O acidente nuclear com Césio 137, ocorrido em 1978 em Goiânia, deixou quase 300 pessoas contaminadas. As pessoas que tiveram contato com o material radioativo – contato direto na pele (contaminação externa), inalação, ingestão, absorção por penetração através de lesões da pele (contaminação interna) e irradiação, apresentaram, desde os primeiros dias, náuseas, vômitos, diarreia, tonturas e lesões do tipo queimadura na pele. Após vinte anos do acidente radioativo, o governo do Estado reconheceu, no dia 25 de abril de 2008, mais 199 vítimas da tragédia. O governador Alcides Rodrigues assinou um decreto concedendo pensão vitalícia ao grupo, composto por trabalhadores do local em 1987. Com o reconhecimento, chega a 397 o número de pessoas que recebem pensão do Estado em virtude do acidente. O benefício era reivindicado desde 2002 por 860 pessoas. Apenas funcionários públicos foram reconhecidos nesta data pelo governador. O pedido de reconhecimento foi proposto pelo Ministério Público, mas só em 2008 o Estado decidiu atender parcialmente o que ficou definido em termo de ajuste de conduta. A partir do decreto, policiais militares, bombeiros, agentes de saúde que trabalham na limpeza, descontaminação, segurança e no socorro às vítimas acidente com o Césio 137 passaram a receber um benefício de R$482,00143.
Tomellini144 assevera que atualmente, como fruto da mais alta modernização, temos a
nanotecnologia, que é uma realidade cada vez mais presente no mundo científico. Novos
materiais, novas experiências, no campo físico, químico e biológico, são desenvolvidos a
partir da utilização de nanopartículas. Porém, no país, pouco ou nada se escreveu sobre os
impactos da nanotecnologia no mundo do trabalho, mesmo que as pesquisas e a inserção de
nanotecnologias nos processos produtivos já sejam uma realidade.
141 Ibidem, p. 79. 142 CATALDI, Maria José Gianella. O stress no meio ambiente de trabalho. São Paulo: LTr, 2002, p. 96. 143 LOPES, 2010, p. 29. 144 TOMELLINI, Renzo. Nanotecnologia: um ponto de vista da Europa. In MARTINS, Paulo Roberto (Org.). Nanotecnologia, sociedade e meio ambiente: trabalhos apresentados no segundo seminário internacional. São Paulo: Editora Xamã, 2006, p. 42.
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Apropriado também mencionar que novas doenças laborativas podem surgir através do
contato com estruturas tão diminutas. Apenas como exemplo, as nanofibras de carbono têm
sido comparadas a fibras de asbesto, por terem formas similares.
Estudos iniciais de toxicidade sobre algumas nanofibras de carbono demonstraram inflamação em células. Um estudo feito pela NASA encontrou que a inflamação dos pulmões é mais grave do que em casos de silicose. A exposição a produtos de nanotecnologia pode também apresentar riscos para a saúde e segurança dos trabalhadores. A União Europeia trabalha sob esta perspectiva, reconhecendo a necessidade de pesquisas para identificação dos riscos a que estão submetidos trabalhadores, pesquisadores e consumidores de produtos nanoestruturados145.
Por outro lado, as relações interpessoais também geram a ocorrência das
psicopatologias relacionadas ao trabalho, posto que, com a nova concepção do capitalismo
pós-industrial, onde há valoração do trabalho intelectual e imaterial, a sanidade mental do
trabalhador tornou-se foco do aspecto tuitivo do direito do trabalho, embora ainda necessite
de regulamentação legislativa.
Nesse ponto, cabe informar que o Ministério do Trabalho, em sintonia com essa nova
diretriz, alterou a NR nº 17, que trata da Ergonomia, pela Portaria nº 3.751/1990, com o fim
de estabelecer parâmetros para permitir a adaptação das condições de trabalho às
características psicofisiológicas dos trabalhadores. No item 17.5.1 preconiza-se que as
condições ambientais de trabalho devem estar adequadas às características psicofisiológicas
dos trabalhadores e à natureza do trabalho a ser executado.
Oportuno relembrar que a Convenção nº 155 da OIT, em seu artigo 3º, estabelece que
a expressão “local de trabalho” abrange todos os lugares onde os trabalhadores devem
permanecer ou onde têm que comparecer, e que esteja sob o controle, direto ou indireto, do
empregador e que o termo “saúde”, com relação ao trabalho, abrange não só a ausência de
afecção ou de doenças, mas também os elementos físicos e mentais que afetam a saúde e estão
diretamente ligados com a segurança e a higiene no trabalho.
Ao transpor essa premissa para o meio ambiente de trabalho, vislumbra-se dos
empresários, muitas vezes, a preocupação apenas com a integridade física do empregado,
mesmo porque são poucas as normas legais que estabelecem diretrizes para a proteção de
integridade mental do trabalhador.
Por isso o direito fundamental à sadia qualidade de vida não se resume apenas às
dependências físicas do empregador, mas abrange também os locais onde o empregado esteja
sobre controle do empregador, direta ou indiretamente, como é, por exemplo, o caso dos 145 GRUPO ETC. Nanotecnologia: os riscos da tecnologia do futuro. Porto Alegre: L&PM, 2005, p. 41.
86
motoristas de caminhões, que permanecem longe da sede da empresa, mas estão à disposição
do empregador nas 24 horas do dia, longe da família, e correndo risco de morte nas estradas
brasileiras.
A força de trabalho exigida do operário está se deslocando rapidamente dos braços para o cérebro, especialmente com o ritmo acentuado da informatização. Com isso percebe-se que vem ocorrendo uma diminuição efetiva da fadiga física, porém um aumento acentuado da fadiga psíquica, cuja recuperação é muito mais lenta e complexa. Ademais, o trabalhador dirige-se para a empresa carregando toda a carga de apreensões da sociedade moderna em que está inserido, cujos problemas de moradia, segurança, trânsito, além dos aspectos familiares, são fatores adicionais que completam as agressões psicossociais146.
É cediço que nos tempos atuais, o ambiente laboral é considerado uma extensão do lar
do trabalhador e, por tal razão ainda mais lhe é imperioso garantir um ambiente externo
saudável e em condições para a efetiva fruição de períodos de descanso e de lazer, além de
momentos de ginástica laboral nas próprias empresas.
A competitividade do atual sistema capitalista-globalizado, renovado por uma nova
ideologia que resgata o liberalismo econômico, tem exigido dos trabalhadores um esforço
para aumento de produtividade, aliado à cobrança de aperfeiçoamento e resultados, mediante
o poder empregatício do empregador, tudo isso acarretando euforia, ansiedade, irritação e, nos
casos mais graves, problemas de saúde, como a síndrome de Burnout, que além de incapacitar
o trabalhador, é um transtorno registrado no Grupo V da CID-10 (Classificação Estatística
Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde).
A Síndrome de Burnout é uma doença psicológica caracterizada pela manifestação
inconsciente do esgotamento emocional. Tal esgotamento ocorre por causa de grandes
esforços realizados no trabalho que fazem com que o profissional fique mais agressivo,
irritado, desinteressado, desmotivado, frustrado, depressivo, angustiado e que se avalia
negativamente. A pessoa que apresenta tal síndrome, além de manifestar as sensações acima
descritas, perde consideravelmente seu nível de rendimento e de responsabilidade para com as
pessoas e para com a organização que faz parte. Pode ocorrer em profissionais de diferentes
áreas que possuem contato direto com pessoas. Também apresenta manifestações fisiológicas
como cansaço, dores musculares, falta de apetite, insônia, frieza, dores de cabeça frequente e
dificuldades respiratórias 147.
146 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção jurídica à saúde do trabalhador. 4ª ed. São Paulo: LTr, 2002, p. 190. 147 Fonte: http://www.brasilescola.com/psicologia/sindrome-burnout.htm. Acesso em 20/02/2012.
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O trabalhador afetado psicologicamente tem afetada sua vida familiar e social, desencadeando crise existencial, crise de relacionamento e crise econômica. Tais fatores também acarretam efeitos sobre a empresa, vez que gera um expressivo aumento nos gastos em razão das faltas por motivo de doença, substituições, despesas com processos judiciais, bem como afeta os custos operacionais, com a baixa produtividade daí advinda, absenteísmo, falta de motivação e de concentração que aumentam os erros no serviço148 (GUEDES, 2004, p. 113).
Evidencia-se, desta forma, que a tutela jurídica do hodierno meio ambiente do trabalho
vai desde a qualidade do ambiente físico e externo no local de trabalho, até a manutenção da
boa saúde física e mental do trabalhador.
Portanto, os trabalhadores são frequentemente forçados a fazer sacrifícios pessoais em
termos de proteção e segurança do trabalho. O local de trabalho, nesse caso, é uma arena onde
inevitáveis barganhas por empregos são realizadas, e os trabalhadores que procuram manter
seus empregos devem trabalhar sob condições que podem ser perigosas para eles, suas
famílias e suas comunidades. Para Bullard149, esta prática equivale a uma chantagem do
emprego e é equivalente a uma escravidão econômica.
O medo do desemprego atua como um potente incentivo para que muitos
trabalhadores aceitem permanecer em trabalhos que sabem ameaçar sua qualidade de vida. Os
trabalhadores têm ciência que desemprego e pobreza são também ameaçadores para sua
saúde. Há um inerente conflito entre os interesses do capital, do trabalho e saúde.
O limite de atuação do poder empregatício do empregador, desta forma, deve atender
os preceitos constitucionais da dignidade pessoa humana (artigo 1º, inciso III), do solidarismo
(artigo 3º, inciso I), e da função social da propriedade (artigo 170, inciso III), evitando-se
atitudes patronais que causem prejuízos psicofísicos ao trabalhador.
Com muita prioridade, as conclusões obtidas através de medidas precaucionárias, não
devem ser omitidas pelo empregador, visto que tanto os trabalhadores, como a população do
entorno, devem ser cientificadas das possíveis ocorrências de danos ambientais, bem como
lhes deve ser dado o direito de aceitar ou não submeter-se à tais condições.
148 GUEDES, Márcia Novaes. Terror psicológico no trabalho. 2ª ed. São Paulo: LTr, 2004, p. 113. 149 BULLARD, Robert. Enfrentando o racismo ambiental no século XXI. In: Justiça ambiental e cidadania. ACSELRAD, Henri; HERCULANO, Selene; PÁDUA, José August. (org.). Rio de Janeiro: Relume Dumará: Fundação Ford, 2004, p. 51.
88
4.7 DO DIREITO À INFORMAÇÃO
O direito à informação está garantido na Constituição em seu art. 5º, XIV: “é
assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário
ao exercício profissional.”
Embora genérico, este direito à informação é operacionalizado por uma série de
normas infraconstitucionais, inclusive no âmbito das relações de trabalho.
É necessário apontar as questões éticas envolvidas, assegurando o direito à informação
de trabalhadores e da população vizinha, descobrindo os riscos a que estão submetidos e
criando controles para identificação prematura das consequências danosas à saúde dessas
pessoas.
Também a coletividade que cerca o estabelecimento empresarial pode ser atingida pelas vicissitudes de um ambiente de trabalho inóspito (PES, 2009, p. 44). A proteção de segurança do meio ambiente de trabalho significa a proteção do meio ambiente e da saúde das populações externas aos estabelecimentos industriais, já que um meio ambiente interno poluído e inseguro expele poluição e insegurança externa150.
Nesse sentido, imperioso que os trabalhadores tenham conhecimento sobre os
possíveis riscos que estarão submetidos, dando-lhes oportunidade de aceitar ou não ficar
expostos a eles, embora reconheçam não ser esta escolha absolutamente livre, em razão das
condições econômicas e sociais a que estão submetidos, o que reforça a necessidade de um
marco regulatório mínimo que identifique a extensão dos riscos e proteja trabalhadores
vulneráveis dos efeitos deletérios do trabalho insalubre, perigoso ou penoso.
O direito à informação constitui um dos instrumentos mais necessários a serem aplicados no meio ambiente do trabalho. Os trabalhadores têm direito de conhecer as reais condições ambientais a que estão expostos (agentes tóxicos, níveis de ruído, altas temperaturas, radiações, vapores, etc.), bem como a própria forma de organização do trabalho (jornadas noturnas e em turnos, ritmo de trabalho, sua forma de execução e divisão). Nesse sentido, existem mecanismos legais que, se efetivamente estivessem sendo aplicados, já representariam um substancial respeito ao direito de informação do trabalhador151.
O local de trabalho é parte integrante do meio ambiente (meio ambiente do trabalho).
Pode-se buscar na Política Nacional do Meio Ambiente fundamento de garantia à informação,
já que é seu instrumento a garantia da prestação de informações relativas ao meio ambiente,
obrigando-se o Poder Público a produzi-las, quando inexistentes (art. 9º, XI, da Lei 6.938, de
150 MELO, 2001, p. 31. 151 PADILHA, 2002, p. 126.
89
31 de agosto de 1981). O art. 19, § 3º, da Lei 8.213/91, que dispõe sobre os benefícios da
Previdência Social, determina que é dever da empresa prestar informações pormenorizadas
sobre os riscos da operação a executar e do produto a manipular. Da mesma forma, a CLT, em
seus artigos 182, III, e 197, não desconhece o direito à informação.
No âmbito da Organização Internacional do Trabalho (OIT) o direito à informação
também é prestigiado. A Convenção 161 (Dec. 127/1991, que promulga a Convenção 161 da
OIT, relativa aos serviços de saúde do trabalho), prescreve que todos os trabalhadores devem
ser informados dos riscos para a saúde inerentes a seu trabalho (art. 13). A Convenção nº. 148
(Dec. 93.413/1986, que promulga a Convenção 148 e dispõe sobre a proteção dos
trabalhadores contra os riscos profissionais devidos a contaminação do ar, aos ruídos e as
vibrações no local de trabalho, assevera que os trabalhadores ou seus representantes terão
direito a apresentar propostas, receber informações e orientação, e a recorrer a instâncias
apropriadas, a fim de assegurar a proteção contra riscos profissionais devidos à contaminação
do ar, ao ruído e às vibrações no local de trabalho (artigo 7.2), e ainda que todas as pessoas
interessadas: a) deverão ser apropriada e suficientemente informadas sobre os riscos
profissionais que possam originar-se no local de trabalho devido à contaminação do ar, ao
ruído e às vibrações; b) deverão receber instruções suficientes e apropriadas quanto aos meios
disponíveis para prevenir e limitar tais riscos, e proteger-se dos mesmos (art. 13). A
Convenção nº 161 trata sobre o dever de se informar todos os trabalhadores a respeito dos
riscos laborais para a saúde (art. 13). A Convenção nº 184 prevê de forma mais específica o
direito dos trabalhadores da agricultura de serem informados e consultados sobre questões de
segurança e saúde, inclusive sobre os riscos inerentes às novas tecnologias (art. 8º, a).
Segundo a Convenção nº 155, é dever da empresa garantir que os representantes dos
trabalhadores recebam as devidas informações sobre as medidas tomadas pelo empregador
para garantir a segurança e a saúde, e que trabalhadores e seus representantes sejam
adequadamente capacitados em segurança e higiene do trabalho.
Ainda no plano internacional, o capítulo vinte e nove da Agenda 21, ao tratar sobre o
fortalecimento do papel dos trabalhadores e de seus sindicatos, estabeleceu, entre os objetivos
para o século XXI, a redução de acidentes típicos e doenças do trabalho e o aumento da oferta
de capacitações em saúde e segurança no ambiente do trabalho.
A NR-5, sobre Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA), e a NR-9, sobre
Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA), prevê o direito a informação em
diversas oportunidades.
90
As CIPAs possuem o papel de analisar as condições de risco nos ambientes laborais e
requerer medidas para reduzir, neutralizar ou eliminar os riscos existentes, o que engloba
solicitar informações relativas à segurança e saúde no trabalho dos empregadores, analisá-las
e divulgá-las aos trabalhadores. A CIPA é um órgão paritário de representação no local de
trabalho que, como o próprio nome já denota, possui o objetivo de evitar acidentes típicos e
doenças decorrentes do trabalho, garantindo um meio ambiente laboral hígido. Para isso, deve
observar e analisar permanentemente as condições de risco, atuando de forma reflexiva,
informativa e propositiva na adoção de medidas que visem à sua redução ou eliminação.
A CIPA é um importante instrumento democrático de defesa do meio ambiente do
trabalho. Mesmo a NR-5 utilizando, ao longo de seu texto, sempre o termo prevenção, o
aspecto precaucionário é intrínseco aos próprios objetivos da comissão, pois todos os
acidentes de trabalho devem ser evitados, tantos os oriundos de risco certo ou hipotético,
cabendo aos membros da Comissão ampliar suas perspectivas ao analisarem os riscos
existentes no ambiente laboral.
Conforme se observa, a informação ambiental trabalhista tem vasta previsão em
diplomas normativos nacionais e internacionais, o que a torna de observância obrigatória por
todos os sujeitos envolvidos no meio ambiente do trabalho. O grande entrave é sua efetivação
junto à parte mais interessada e hipossuficiente: o trabalhador. Isso porque as ações públicas e
privadas relativas à prestação da informação sobre o meio ambiente de trabalho ou inexistem,
ou são tímidas a ponto de não cumprirem com seu objetivo maior, a prevenção e precaução de
acidentes de trabalho.
No que concernente às normas garantidoras de um ambiente de trabalho
ecologicamente equilibrado, dentre elas as que garantem o direito à informação dos
trabalhadores, sucedem visíveis dificuldades, pois, de um lado, encontram-se os
trabalhadores, hipossuficientes e com baixa escolaridade, e de outro, os tomadores de serviços
que, embora possuam significativa margem de lucro, não toleram dispor de parte do mesmo
para custear encargos com a segurança e a saúde de seus trabalhadores, muito embora exista
previsão legal expressa nesse sentido.
O caminho para se tornar efetiva a tutela da saúde do trabalhador, é tornar possível a
participação dos mesmos e seus representantes quanto à elaboração das normas protetivas dos
trabalhadores, conjugada com o direito à informação das normas protetivas da medicina e
segurança do trabalho. Nesse patamar se insere a questão da informação dos trabalhadores
quanto aos possíveis riscos dos ambientes laborativos e com a efetiva participação dos
mesmos na prevenção e fiscalização das normas de segurança e higiene no trabalho.
91
Verifica-se, portanto, que uma importante forma de enfrentar os riscos da degradação
do ambiente laborativo, na intenção de proteger os trabalhadores que têm de a ela se expor, é
utilizando-se da precaução, investindo-se fortemente na pesquisa para que os riscos possam
ser identificados e controlados e, posteriormente, após o alcance das certezas científicas, os
trabalhadores têm o direito de ser informados dos riscos a que eventualmente serão
submetidos no processo produtivo, direito que lhes é fundamental.
Também pela informação, a sociedade em geral deverá ter ciência que uma das
consequências favoráveis da aplicação do princípio da precaução no meio ambiente do
trabalho, será a diminuição dos gastos públicos e da sociedade em geral com os danos
oriundos das doenças ocupacionais, pagas através de benefícios previdenciários, conforme
será relatado a seguir.
4.8 DOS BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS E DAS INDENIZAÇÕES
A sociedade atual caracteriza-se pela crescente exigência de segurança. Esta exigência
gera a convicção de que qualquer risco deve ser coberto, que a reparação de qualquer dano
deve ser rápida e integral e a sociedade deve prover, por isso, não somente uma indenização
dos danos que ela própria gerou como também aqueles que não conseguiu impedir ou que não
soube prever a ocorrência.
A tendência geral está na extensão da cobertura dos riscos e no recurso, quando sua
probabilidade ou sua extensão não foram identificadas no momento certo, e que a satisfação
do pedido de reparação se torna necessária, à mecanismos híbridos, misturando em graus
diferentes, segurança, responsabilidade e solidariedade. Esta tendência, com contornos mal
definidos, é resumida pela expressão socialização do risco, que não é desprovida de
imperfeições. Não é exatamente o risco que é socializado, são suas consequências danosas e
sua indenização.
Após a consolidação do processo de industrialização e a verificação dos danos à saúde
humana, a ideia de responsabilidade teve como objetivo tornar o homem prudente, pois
sancionava o comportamento contrário àquele que deveria e poderia ser previsto. Definia-se a
noção de culpa, que articulava a sanção, à prevenção e à indenização. A responsabilidade era,
sem dúvida, um excelente princípio regulador, que perdia sua eficácia diante da dúvida ou da
incerteza – elementos cada vez mais frequentes na sociedade que se industrializava –
induzindo sua suplantação pelo princípio da solidariedade.
92
Tratava-se, assim, de compensar o prejuízo decorrente dos acidentes que não se eram
capazes de prevenir. O motor principal dessa transformação foram os acidentes do trabalho e
as aposentadorias. A responsabilidade permanecia em ação no que respeitava ao
comportamento imprudente, mas a solidariedade garantia a indenização nos casos em que –
embora se tenha tomado todas as precauções para evitá-los – os acidentes aconteciam.
Nesse viés, temos que o meio ambiente do trabalho, também tem como escopo o princípio da solidariedade, previsto no artigo 3º, inciso I, da CF/88, mesmo porque, sendo difusa sua natureza, as consequências decorrentes da sua degradação, como, por exemplo, os acidentes do trabalho, embora com repercussão imediata no campo individual, atingem toda a sociedade, que paga a conta final152.
A sociedade passou a organizar, então, as formas de repartir os riscos considerados
eminentemente sociais, chamando de responsável aquele que ela considerava justo que
suportasse o prejuízo pecuniário, fosse ele o autor ou a vítima. Esse foi clímax do seguro
social e, atualmente, é na busca de benefícios previdenciários, sejam eles de auxílio doença ou
de acidente de trabalho, que a população em geral é instada a pagar ou pelo menos amenizar
os danos sofridos pelo trabalhador acidentado ou doente.
Hodiernamente o conjunto normativo de segurança do trabalho está ultrapassado,
deficiente e desordenado, o que traz consequências drásticas, visto que se prima pela
qualidade voltada à clientela, com enfoque para as políticas ambientais, sem alcançar o direito
do trabalhador.
Outro resultado negativo é a alta incidência de pedidos de indenizações por danos
morais na justiça do trabalho decorrentes de doenças ocupacionais, sendo, entretanto, pouco
vigiado o meio ambiente de trabalho saudável. Todavia, a obrigação das empresas quanto às
reparações dos danos não é suficiente, havendo, na realidade, uma mera compensação a
problemas que não têm retorno.
A debilidade na saúde do trabalhador traz grandes consequências para o Estado, pois o
empregado acometido por doenças laborativas buscará no Sistema Único de Saúde (SUS), o
atendimento médico-hospitalar (integralmente subsidiado pelo Estado), bem como, no caso de
incapacidade laboral, poderá receber o benefício previdenciário da inaptidão, tudo isto
gerando significativos gastos públicos.
Da mesma forma, também os fatores de risco psicossocial são capazes de provocar na
vítima dano à saúde, podendo ser considerado como doença do trabalho, equiparada a
152 MELO, 2010, p. 29.
93
acidente do trabalho, na forma do artigo 20 da Lei 8.213/91, fato a ensejar o pagamento de
benefícios previdenciários decorrentes de acidente de trabalho pelo INSS.
Dados oficiais demonstram que de 2005 a 2010 foram vitimados 3.862.276
trabalhadores, 74.761 ficaram inválidos permanentemente e 16.498 perderam a vida. Os dados
referem-se apenas aos casos comunicados à Previdência Social.
Um estudo realizado em 2011 demonstra que o custo total dos acidentes e doenças de
trabalho é de aproximadamente R$71 bilhões anuais. Este valor representa cerca de 9% da
folha salarial anual dos trabalhadores do setor formal no Brasil, que é da ordem de R$ 800
bilhões. Para chegar a este número devem ser somados os custos para as empresas e os custos
para a sociedade. Para as empresas, dividem-se basicamente em custos segurados, que são os
valores gastos para se fazer seguro de acidentes de trabalho, e são na ordem aproximada de
R$14 bilhões, 16 bilhões são os gastos das famílias e o restante, cerca de R$41 bilhões, são os
custos não segurados, que são aqueles que decorrem do próprio acidente, que causam muitos
estragos na vida da empresa e que não estão segurados, tais como reabilitação física,
assistência, tratamentos médicos, reabilitação profissional, etc.153.
A despesa com pagamento de benefícios urbanos, incluídas as despesas com sentenças
judiciais urbanas, foi de R$16,8 bilhões, em junho de 2011, permanecendo praticamente
invariável em relação ao mês anterior. Já em relação ao mês de junho de 2010, a despesa com
benefícios urbanos aumentou 4,6% (+R$738,1 milhões). A despesa rural, incluídas as
sentenças judiciais rurais, foi de R$4,7 bilhões em junho de 2011, com ligeiro aumento de
0,5% (+R$23,4 milhões), frente a maio de 2011 e de 2,2% (+R$103,5 milhões), quando
comparado ao mês correspondente de 2010154.
A arrecadação líquida da Previdência Social, em junho de 2011, foi de R$9,6 bilhões,
superior 2,8% (+R$530,4 milhões) à de maio de 2011, e 10,8% (+R$1,9 bilhão), frente a
junho de 2010, e registrou na sua série histórica o seu maior valor (desconsiderados os meses
de dezembro, nos quais há um incremento significativo de arrecadação em virtude do décimo
terceiro salário). Já as despesas com benefícios previdenciários alcançaram o montante de
R$21,5 bilhões, permanecendo praticamente invariável em relação ao mês anterior e
cresceram 4,1% (+R$841,6 milhões) em relação a maio de 2011, quando comparado ao mês
correspondente de 2010, o que resultou na necessidade de financiamento de R$1,9 bilhão,
queda de 21,5% (-R$521,3 milhões), entre junho de 2011 e o mês correspondente de 2010155.
153 Fonte: http://www.veritae.com.br/noticias/arquivos/noticia%20-%20635.htm. Acesso em 01/04/2012. 154 Ibidem. 155 Fonte: http://www.mpas.gov.br/arquivos/office/3_110728-104424-440.pdf. Acesso em 01/04/2012.
94
No primeiro semestre de 2011, a arrecadação líquida e as despesas com benefícios
previdenciários chegaram, respectivamente, a R$111,4 bilhões e R$131,2 bilhões, resultando
na necessidade de financiamento de R$19,8 bilhões. Comparando com o mesmo período de
2010, a arrecadação líquida cresceu 9,3% (+R$9,5 bilhões), e as despesas com benefícios
previdenciários 3,8% (+R$4,9 bilhões)156.
Em junho de 2011, a quantidade de benefícios emitidos foi de 28,6 milhões de
benefícios, aumento de 0,6% (+162,3 mil benefícios) frente a maio de 2011 e de 3,9% (+1,1
milhão de benefícios). Nessa última comparação, os Benefícios Assistenciais apresentaram
maiores crescimentos, em termos percentuais, de 5,0% (+179,8 mil benefícios), seguido dos
Benefícios Acidentários e Previdenciários, que aumentaram 3,8% (+30,4 mil) e de 3,7%
(+855,7 mil benefícios), respectivamente157.
No acumulado de janeiro a junho de 2011, a quantidade de benefícios concedidos
somou cerca de 2,4 milhões de benefícios, aumento de 5,6% (+126,9 mil benefícios) em
relação ao mesmo período de 2010. Os Benefícios Previdenciários e Acidentários registraram
crescimento de 7,1% (+134,0 mil benefícios) e 5,4% (+9,1 mil benefícios), respectivamente.
Já os Benefícios Assistenciais tiveram redução de 8,3% (-16,0 mil benefícios). O valor médio
dos benefícios emitidos foi de R$771,13, média de janeiro a junho de 2011, ocorrendo ligeiro
acréscimo de 0,7% em relação ao mesmo período de 2010158.
Por outro lado temos que muitos empregadores que praticam as subnotificações
acidentárias, ao invés de garantir ao empregado acidentado e/ou portador de doenças
ocupacionais o direito ao benefício acidentário emitindo desde logo a CAT, diante da postura
do INSS de não conceber o benefício correspondente e apenas o auxílio-doença, aproveitam-
se da situação para demitir o empregado, tão logo receba alta da previdência.
Essa prática tem ocasionado prejuízo direto ao próprio trabalhador que fica prejudicado em seus direitos, já que após sua recuperação, teria um ano de estabilidade no emprego, além do que é obrigação da empresa, nesses casos, melhorar o ambiente de trabalho, visando à eliminação dos riscos existentes e mudar o trabalhador vitimado de função que não voltasse a ficar doente, em vez de apenas despedi-lo doente e lesionado, como tem ocorrido159.
No campo da proteção da saúde, da segurança e da higiene nos locais de trabalho,
várias diretrizes visam impor aos Estados-Membros a prescrição de obrigações mínimas que
156 Ibidem. 157 Ibidem. 158 Ibidem. 159 SALVADOR, Luiz. Direito reconhecido – em 2006 INSS passará a conceder benefício acidentário sem emissão de CAT. In: MADEIRA, Auta et alii (Coord.). Temas laborais luso-brasileiro. São Paulo: LTr, 2006, p. 239.
95
os empregadores deverão respeitar e cuja violação pode envolver a responsabilidade dos
empregadores, no caso de doença ou de acidente de trabalho.
Como se vê, é o meio ambiente do trabalho um dos mais importantes aspectos do meio ambiente, que agora, pela primeira vez na história do nosso sistema jurídico, recebe proteção constitucional adequada, a qual, no entanto, precisa sair do papel para a prática diária, o que somente será possível mediante grande reformulação de entendimentos clássicos que sempre prestigiaram as formas indenizatórias – insuficientes, por sinal – como o pagamento de adicionais de insalubridade e de periculosidade. Mesmo as grandes indenizações por danos material, moral e até estético, como vêm sendo deferidas por meio de decisões judiciais, principalmente após a Constituição de 1988, não resolvem o problema, decorrentes de um acidente laboral, sem se falar no grande custo para as empresas e para a economia do país160.
Quando se fala em questões ambientais e de saúde humana, não basta indenizar o
vexame, a dor e as irreparáveis sequelas causadas pelas doenças laborais surgidas por conta da
degradação do meio ambiente do trabalho. É preciso agir antes, empregando de forma efetiva
o princípio da precaução.
Afinal, preservar e conservar o meio ambiente do trabalho se traduz na garantia de
sobrevivência da própria espécie humana e, nesse sentido, a natureza não pode se adequar às
leis criadas pelo homem, muito pelo contrário, o direito deve ser formulado em respeito às
limitações naturais, submetendo as atividades econômicas às exigências naturais.
4.9 A RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR QUANTO A OBSERVÂNCIA DO
PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO
Atualmente é comum a falta de responsabilidade social do empregador, que dá
prevalência ao interesse patrimonialístico, ao invés da observância do necessário equilíbrio
das relações de trabalho em atendimento ao comando constitucional da prevalência da vida,
do social, em prol da dignidade da pessoa trabalhadora.
A Carta Magna de 1988 atribui responsabilidade social às empresas, com
empregabilidade digna e de qualidade, meio ambiente laboral livre de riscos de acidentes do
trabalho e/ou de desenvolvimento de doenças ocupacionais, visando assim o bem maior, que é
a saúde do trabalhador.
Tem-se ainda a chamada função social da empresa, que apesar de não estar
expressamente prevista na Carta Magna de 1988, é um exemplo de propriedade privada. A
160 MELO, 2010, p. 39.
96
função social não cabe só à empresa e sim a qualquer espécie de propriedade que tenha
relações com a coletividade, que possa ser utilizada de modo antissocial ou malicioso, em
prejuízo de muitos. A propriedade gera obrigações. Seu uso deve ser ao mesmo tempo um
serviço em prol do interesse social.
Se isso pode ser dito da propriedade em geral, Moraes Filho161 defende que com mais
razão cabe ser aplicado à empresa verdadeira célula de produção econômica, em torno da qual
começa a organizar-se a própria vida econômica e profissional. Pelo que representa de
organismo produtivo, pelos serviços que presta à coletividade (embora mediante lucro), pelo
emprego que dá a seus servidores, dos quais dependem os familiares destes, tudo isso basta
para ressaltar a inequívoca função social que desempenha a empresa, em qualquer regime
político: corporativo, capitalista ou comunista.
Tal função social impõe não só proibições, mas, sobretudo, um comportamento positivo da empresa. Quando manifestada na esfera trabalhista, significa um atuar em favor dos empregados, por meio de ambiente hígido, salário justo e, acima de tudo, por um tratamento que enalteça a sua dignidade enquanto ser humano (CF, arts. 1º, 3º, 6º, 7º, 170 e 193)162.
Por lei a empresa é responsável pela adoção e uso das medidas coletivas e individuais
de proteção e segurança da saúde do trabalhador, devendo prestar informações
pormenorizadas sobre os riscos da operação a executar e do produto a manipular (Lei
8.213/91 c/c Normas Regulamentadoras do Ministério do Trabalho), cabendo-lhe, ainda (art.
157 da CLT), cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho e
instruir os empregados, através de ordens de serviço, quanto às precauções a tomar no sentido
de evitar acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais.
Deve-se, inclusive, punir o empregado que, sem justificativa, recusar-se a observar as
referidas ordens de serviço e a usar os equipamentos de proteção individual fornecidos pela
empresa (Decreto Lei nº 5.452, art. 158).
As Normas Regulamentadoras do Ministério do Trabalho (NR’s) ditam não só a
exigibilidade empresarial acerca da observação das regras de higiene e segurança do trabalho,
mas o dever de informar ao empregado os riscos profissionais oriundos do local de trabalho,
assim como os meios para prevenir e evitar tais riscos e as medidas que estão sendo adotadas
pela empresa para tanto; igualmente devem ser veiculados ao empregado os resultados dos
exames médicos e complementares a que foram submetidos e aos resultados das avaliações 161 MORAES FILHO, Evaristo. Do contrato de trabalho como elemento da empresa. São Paulo: LTr, 1993, p. 257. 162 DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Responsabilidade civil no direito do trabalho. 2ª ed. São Paulo: LTr, 2007, p. 353.
97
ambientais feitas periodicamente na empresa. A Lei 8.213/91 reforça esta obrigação de
informação.
O artigo 170, inciso II, da CF/88, ao ter a função social da propriedade como um dos princípios da ordem econômica, reforça essa tese, mas a principal importância disso está na sua compreensão como um dos instrumentos destinados à realização da existência digna de todos e da justiça social. Correlacionando essa compreensão com a valorização do trabalho humano (art. 170, caput), a defesa do consumidor (art. 170, V), a defesa do meio ambiente (art. 170, VI), a redução das desigualdades regionais e sociais (art. 170, VII), e a busca do pleno emprego (art. 170, VIII), tem-se configurada a sua direta implicação com a propriedade dos bens de produção, especialmente imputada à empresa pela qual se realiza e efetiva o poder econômico, o poder de dominação empresarial163.
Aos empregadores, nos termos do art. 157, da CLT, cabe o dever de “cumprir e fazer
cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho” (I); “instruir os empregados, através
de ordens de serviço, quanto às precauções a tomar no sentido de evitar acidentes do trabalho
ou doenças ocupacionais” (II); “adotar as medidas que lhes sejam determinadas pelo órgão
regional competente” (III); e facilitar o exercício da fiscalização pela autoridade competente
(IV).
O dever de proteção que deve nortear um negócio jurídico, através do contrato de trabalho, se concretiza, exemplificarmente, no fornecimento, pelo empregador, de um ambiente de trabalho saudável, onde seja preservada a saúde física e psíquica do trabalhador164.
A aplicação da responsabilidade social do empregador demanda um exercício ativo da
dúvida, vez que sua lógica visa ampliar a incerteza, sendo que esta não o exonera de
responsabilidade; pelo contrário, ela reforça a criação de um dever de prudência.
Assim, o reconhecimento e adoção do princípio da precaução também tem como
consequência mudar a responsabilidade das provas científicas para o gerador de riscos,
passando-se a exigir que este desenvolva estudos completos antes do emprego de uma
substância e até de maquinários, provando que estes não trarão danos à saúde do empregado.
Tem implicações também na própria estrutura do conhecimento científico adotado nas
avaliações de risco, convertendo-se em um dos pontos de referência para mudança
paradigmática na ciência e nos processos decisórios que envolvem riscos.
Se não cumpridas as normas de precaução, e se tal descumprimento afetar a saúde do
trabalhador, poderá o empreendedor ser responsabilizado judicialmente tanto na esfera civil,
163 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 28ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 812. 164 DANTAS JÚNIOR, Aldemiro Rezende. O princípio da boa-fé: algumas aplicações concretas no Direito do Trabalho. Revista Anamatra, Ano XVIII, n. 53, 54-57, julho-dezembro 2007, p. 55.
98
penal e laboral. A precaução é de suma importância e por isso, o empregador deve assegurar
ao trabalhador um ambiente de trabalho sadio, proporcionado-lhe que quando for demitido
esteja em plenas condições de retornar ao mercado de trabalho, posto que sabido que conta
apenas com a sua força de trabalho para retirar o sustento à sua subsistência e da família.
É de crucial acuidade destacar que o custo econômico gerado para as empresas com os
acidentes de trabalho é muito pequeno quando comparado ao enorme sofrimento causado ao
trabalhador e seus familiares. O custo que os acidentes de trabalho geram para as famílias,
para o governo e para a sociedade é muito grande, e muitas vezes os números chegam a
surpreender aqueles que não estão acostumados com a sua dimensão.
O custo total dos acidentes de trabalho é de aproximadamente R$71 bilhões, anuais,
em uma avaliação subestimada. Este valor representa cerca de 9% da folha salarial anual dos
trabalhadores do setor formal no Brasil, que é da ordem de R$ 800 bilhões, sendo que para
chegar a este número devem ser somados os custos para as empresas e os custos para a
sociedade. Para as empresas, dividem-se basicamente em custos segurados e não segurados. O
primeiro envolve o valor gasto para se fazer seguro de acidentes de trabalho, e o segundo são
aqueles que decorrem do próprio acidente, que causam muitos estragos na vida da empresa e
que não estão segurados. Para a sociedade, trata-se dos gastos com Previdência Social,
Sistema Único de Saúde (SUS) e custos judiciários165.
O valor investido em seguros contra acidentes de trabalho no ano de 2009 pelas
empresas foi de 8,2 bilhões (custo segurado). Para cada R$1 gasto no custo segurado, a
empresa tem uma despesa de R$4, em média, em custos não segurados, o que perfaz um total
de R$41 bilhões (8 x 4 + 8 já recolhidos). Somados aos custos da sociedade e aos custos das
famílias (R$14 bilhões), que muitas vezes têm sua renda diminuída ou interrompida, a
proporção aumenta: R$6 não segurados para cada R$1 segurado166.
No primeiro semestre de 2011, a arrecadação líquida e as despesas com benefícios
previdenciários chegaram, respectivamente, a R$111,4 bilhões e R$131,2 bilhões, resultando
na necessidade de financiamento de R$19,8 bilhões.
Em 2011 os acidentes tiveram impacto maior no caixa das empresas. O custo por
acidente cresceu 42%, de R$ 4 mil para R$ 5,7 mil167.
Entre os custos não segurados que afetam a vida das empresas está a perda de tempo
causada pelos acidentes, a destruição de equipamentos, a interrupção da produção, a
165 Fonte: http://www.veritae.com.br/noticias/arquivos/noticia%20-%20635.htm. Acesso em 01/04/2012. 166 Ibidem. 167Fonte:http://epocanegocios.globo.com/Revista/Common/0,,EMI290491-16357,00-CRESCEM+ACIDENTES +DE+TRABALHO+COM+RETOMADA+DAS+OBRAS.html. Acesso em 22/01/2012.
99
destruição de insumos e materiais e, ainda, despesas com afastamento dos empregados e
contratação de nova mão de obra com o devido treinamento, os adicionais de risco, a perda do
valor de mercado e a exposição negativa na mídia, atraindo a atenção das Procuradorias do
Trabalho e da Justiça do Trabalho168.
São cada vez mais claros os sinais de que os desperdícios sofridos pela ausência ou
precariedade das ações de prevenção e precaução podem conspirar contra a própria saúde
financeira e a sobrevivência das firmas em médio e longo prazo. Fica evidente também que se
alguém ganha com a não prevenção com a ausência de precaução, com o não investimento,
este ganho é ilusório e se torna mais adiante um gasto não previsto, de proporções muito
maiores do que custaria evitar o sinistro.
No que tange a responsabilidade civil e criminal no acidente de trabalho não se
pretende despertar para os cuidados para com a segurança apenas porque há o risco de uma
penalização ao infrator, mas que se tenha essa obrigação porque se está lidando com o
homem, com o cidadão que deve ter seus direitos individuais respeitados.
O legislador, ao definir as consequências aos responsáveis pelo acidente do trabalho,
não teve outro intuito senão o de impor a obrigação de exercer as atividades com o senso de
responsabilidade mínima para não expor integridade física e mental do próprio trabalhador e
daqueles que o cercam.
A precaução vale reforçar, é a cautela antecipada diante do risco ou perigo, ou melhor,
do desconhecido. Aqui, busca-se a prevenção do risco: se não é possível saber qual será o
resultado de determinada atividade em relação ao meio ambiente, a conduta deve ser
interrompida, caso contrário, a empresa assume o risco de expor seus trabalhadores a produtos
ou maquinários perigosos, praticando dessa forma um ato ilícito.
Nas questões atinentes ao meio ambiente e à saúde, tendo em vista a natureza e
especialidade dos bens, e ante a possibilidade de serem causadas lesões irreversíveis, a dúvida
deve ser utilizada em favor da sociedade, do ambiente. Até mesmo porque o acidente do
trabalho afigura-se como um negócio desvantajoso e prejudicial para a empresa, seja do ponto
de vista legal, econômico ou moral.
168 Fonte: http://www.veritae.com.br/noticias/arquivos/noticia%20-%20635.htm. Acesso em 01/04/2012.
100
4.10 A SOCIEDADE E O PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO
Os séculos XIX, XX e XXI figuram como marco de um grande crescimento do
conhecimento humano, proporcionando um amplo desenvolvimento das ciências e da
tecnologia. Ao mesmo tempo também ocorreram mudanças nos valores e modos de vida da
sociedade, com o surgimento do processo industrial e o crescimento das cidades, aumentando
a utilização dos recursos naturais e a produção de resíduos.
O processo de industrialização está intrinsecamente relacionado ao processo de criação
de riscos, ou seja, quanto maior o desenvolvimento científico e industrial maiores são os
riscos que os indivíduos e a sociedade terão que enfrentar, e, esse processo envolve a criação
de riscos, constituindo numa séria ameaça para a sociedade e para o meio ambiente.
Todos esses fatos geraram profundas mudanças na cultura, afetando principalmente a
percepção do meio ambiente pelos seres humanos, que passaram a vê-lo como um objeto de
uso para atender suas vontades, sem se preocupar em estabelecer limites e critérios
apropriados. A sociedade tornou-se a agressora e vítima do ambiente. Desta nova relação
desarmônica surgiu a necessidade de se proteger a natureza e tentar corrigir os erros que se
cometeram agredindo o meio ambiente.
No contexto de uma sociedade de risco, a produção e a distribuição de bens
relacionam-se com a distribuição de riscos, ou seja, caminham juntos. Estes riscos foram
gerados sem que a produção de novos conhecimentos fosse capaz de trazer a certeza de que
estes diminuiriam ou seriam passíveis de controle e monitoramento eficazes. Esta certeza nos
controles favorecidos pela ciência e pela tecnologia teve sua base na modernidade clássica
onde os riscos eram compreendidos como fixos e restritos a determinados contextos
localizados, e mesmo que atingissem à coletividade, estes seriam frutos do desenvolvimento
de novas tecnologias e seriam controláveis.
Na sociedade de risco, os riscos ultrapassariam os limites temporal e territorial. Os
avanços tecnológicos ao ampliarem o domínio do conhecimento e da visibilidade, ampliam
igualmente o domínio da incerteza. Com o fenômeno da globalização houve a distribuição em
escala planetária dos riscos advindos do progresso científico e da técnica, numa perspectiva
de risco global (ex: um acidente nuclear em uma usina de energia atômica colocaria em risco
de contaminação radioativa e nuclear grande parte da população mundial).
Vive-se com o contingencial e viver é correr risco, não é possível o risco zero de
determinada atividade, empreendimento ou produto, e, na sociedade atual, diante da incerteza
científica e dos riscos potenciais, frente aos danos de proporções antes inimagináveis, recorre-
101
se a regulação jurídica do direito ambiental através da implementação do principio da
precaução.
Diante da análise e gestão de riscos e no equacionamento dos riscos aceitáveis e dos
não aceitáveis, busca-se uma nova ética social, ou seja, a ética da precaução que é definida
como uma moral universal que objetiva o equilíbrio entre o homem e o meio ambiente através
do desenvolvimento sustentável (buscando a minimização e gestão dos riscos, bem como a
aceitação da inovação). Surge a necessidade da reflexão sobre os caminhos da pesquisa
científica e do desenvolvimento tecnológico.
Desta forma restou clara a necessidade de uma educação ambiental para a população,
como resposta à preocupação da sociedade com o futuro da vida, através de um processo
educativo cujo objetivo é a formação de sujeitos capazes de compreender o mundo e agir nele
de forma crítica e consciente, com sensibilidades afetivas e capacidades cognitivas para uma
leitura do mundo do ponto de vista ambiental.
Recuperar e preservar o meio ambiente é uma tarefa primordial para todos os indivíduos da sociedade, e desse modo, a educação ambiental serve como ferramenta para desenvolver métodos e técnicas que facilitam o processo da tomada de consciência em relação aos problemas ambientais, debruçando-se seriamente sobre eles. Com isso, um dos papeis da sociedade frente à educação ambiental é levar às pessoas novas visões de mundo, propondo uma filosofia onde a aprendizagem está voltada para o reconhecimento dos direitos e deveres de cada um, recompondo os erros cometidos no passado e ressaltando os valores de cidadania169.
A sociedade vem há milhares de anos, através do trabalho, manifestando o caráter
gregário que preside as relações humanas e que representa o veículo que o ser humano vem
utilizando, há séculos, para satisfazer suas necessidades, intervindo no meio ambiente natural,
criando o meio artificial, que passa a manter íntima correlação com a natureza e o próprio
elemento humano. O trabalho, por sua vez, reflete modos peculiares de fazer e produzir, de
conformidade com os povos e as épocas, conectando-se com o aspecto cultural presente no
espaço-tempo em que se desenvolve.
No campo do meio ambiente do trabalho, é sabido que os rudimentares instrumentos
de trabalho foram substituídos por novos e permanentemente aperfeiçoados métodos e
implementos de produção, aumentando a capacidade produtiva do trabalho e, portanto, a
forma de apropriação da natureza, de maneira jamais experimentada em outras épocas. Na
indústria, as tecnologias empregadas ao longo dos duzentos anos do sistema fabril já
causaram danos irreparáveis à natureza e à existência humana. Transformados em forças
169 ANDRADE, D. F. Implementação da Educação Ambiental em escolas: uma reflexão. In: Fundação Universidade Federal do Rio Grande. Revista Eletrônica do Mestrado em Educação Ambiental, v. 4. 2000, p. 60.
102
produtivas do e para o capital, os meios de produção modernos não mais servem apenas de
meios para retirar da natureza os meios de subsistência humana, antes passam a ser utilizados
intensivamente para produzir os excedentes apropriados, na forma de lucro, pelo capital.
Conhecendo-se as estatísticas que demonstram que a esmagadora maioria dos danos ambientais aos mais diferentes ecossistemas se origina no meio ambiente do trabalho onde se desenvolvem as atividades produtivas impactantes, bem dá para avaliar a dimensão da importância do princípio da participação popular no acesso às informações ambientais com vistas à efetiva conscientização na preservação e na adoção de posturas proativas como mecanismo a conferir-se mais eficácia a essa produção170.
Mister que se opere ainda uma educação ocupacional, onde se atue pedagogicamente
na conscientização quanto às normas de segurança e saúde do trabalho.
Guimarães171 corrobora da certeza de que a busca por soluções aos diversos problemas
econômicos, sociais e ambientais proporcionados pelo modelo de desenvolvimento capitalista
são imprescindíveis.
A mudança de conscientização fará com que o homem estabeleça uma nova relação com a natureza, na qual deixará de ver a dominação da natureza como uma necessidade, passando a preocupar-se com a manutenção ou a melhoria da qualidade de vida das gerações futuras, buscando mais equilíbrio e equidade172.
Verifica-se, portanto, a necessidade de investimentos tanto na formação dos
pesquisadores, que deverão dominar, também, as ciências sociais – na teoria e na prática –
para serem capazes de comunicar à sociedade os resultados de seus experimentos, quanto das
pessoas em geral, que necessitam conhecer as bases do trabalho científico para poderem
escolher o grau de risco ao qual consideram aceitável submeterem-se em nome do progresso.
São vários os motivos pelos quais, hodiernamente, a legislação e os princípios
ambientais têm aplicabilidade limitada, valendo destacar:
a) Dissociação entre os objetivos das políticas ambientais e as estratégias de
desenvolvimento econômico adotadas pelo próprio Poder Público;
b) Presença de interesses sociais contraditórios segundo cada instância de governo;
c) Falta de recursos financeiros para a área ambiental;
d) Falta de capacitação técnica dos órgãos ambientais, entre outros.
170 FERNANDES, 2009, p. 87. 171 GUIMARÃES, Raimundo. Agenda 21 e desenvolvimento sustentável: Debates Socioambientais. v. 4, (11), 1998, p. 321. 172 BARTHOLO JR., Roberto. A mais moderna das Esfinges: notas sobre ética e desenvolvimento. Rio de Janeiro: Garamond, 2001, p. 66.
103
Doutro modo, como os trabalhadores ou mesmo o poder público detêm em geral
poucas informações relativas aos processos ou aos perfis epidemiológicos, as comprovações
dos danos podem vir às vezes tarde demais.
Este foi o caso típico da exposição dos trabalhadores ao chumbo. Muito embora as empresas nos EUA dispusessem de dados relativos à intoxicação, os limites de exposição não podiam ser baixados, uma vez que a comprovação científica, patrocinada pelas próprias empresas, não se apresentava suficiente. A triste história dessa exposição mostra, de forma exemplar, que a institucionalização das medidas de proteção no trabalho só ocorre na condição derradeira, depois que os efeitos à saúde foram evidenciados e cientificamente comprovados, em termos suficientes para refutar todos os argumentos em contrário173.
Urge superar as barreiras que obstam os processos de implementação das normas
legais de cunho ambiental, sob pena da ineficiência dos princípios constitucionais
estabelecidos na Carta de 1988, dentre eles o princípio da precaução, o que descaracterizaria
por completo o Direito Ambiental Brasileiro.
A precaução requer que as políticas e decisões que apresentem significativos riscos
ambientais sejam precedidas de estudos de avaliação do impacto ambiental, os quais podem
constituir um relevante instrumento do princípio da precaução, na medida em que contribuirão
para assegurar que as decisões sejam tomadas com base na melhor informação científica
disponível.
Existe o reconhecimento de que o Estado-Nação não teria hoje, condições de lidar
sozinho com as questões trabalhistas e ambientais, devendo dirigir-se à integração, e não ao
isolamento, para cumprir corretamente seu papel de proteção do indivíduo. Nesse sentido
revela-se de extrema importância a atuação conjunta dos sindicatos, Delegacias Regionais do
Trabalho, Ministério Público do Trabalho, Justiça do Trabalho e trabalhadores.
No que tange aos sindicatos, infelizmente, temos que os dirigentes sindicais brasileiros, na sua maioria, não se conscientizaram ainda da importância do meio ambiente seguro, como forma de preservação da saúde e integridade física e psíquica dos trabalhadores, pois o principal pleito trabalhista ainda tem sido sobre aumentos salariais e negociação coletiva, como forma mais importante e ágil de prevenção ambiental, principalmente em momentos de muito desemprego, porque os trabalhadores, e por consequência os sindicatos, por razões óbvias, têm como preocupação principal a manutenção dos postos de trabalho, mesmo que em condições inseguras174.
Segundo Bucci175, para a efetiva aplicação da legislação e dos princípios ambientais é
preciso também que as políticas relacionadas à saúde pública e ao meio ambiente caminhem
173 CATALDI, 2002, p. 52. 174 MELO, 2010, p. 83 175 BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito administrativo e políticas públicas. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 24.
104
em conjunto, e que os órgãos dos três níveis de governo ligados a essas áreas, bem como aos
setores de agricultura e trabalho, não atuem isoladamente. Afinal, as consequências dos
problemas ambientais que afetam a saúde da população trabalhadora não respeitam fronteiras
geográficas ou níveis de competência.
Resta incontestável que, de modo geral, garantir o exercício efetivo do direito à informação é imprescindível à implementação e preservação de um ambiente ecologicamente equilibrado, à medida que se constitui em ferramenta hábil a prevenir ações de degradação ambiental que possam afetar negativamente o bem-estar da população. Participação pública e informação ambiental estão intimamente ligadas e, por isso, o livre acesso a esta última fortalece a democracia e a organização da sociedade civil, contribuindo, desse modo, para a desconcentração do poder estatal e, por conseguinte, para a redução das discricionariedades administrativa e política, o que torna a administração pública mais confiável e menos propensa a servir a interesses que não sejam os da própria sociedade176.
Embora árduo, o desafio da efetividade do direito à informação ambiental trabalhista
deve ser enfrentado pelo Poder Público e por toda a sociedade, pois seu êxito é condição,
também, para a efetivação de um fundamento da República Brasileira, qual seja, a proteção e
promoção da dignidade humana do trabalhador, que deve sempre ser inserido em um
ambiente laboral equilibrado, que lhe preserve a vida, a saúde e a segurança.
Um dos fatores altamente negativos, resultantes dos acidentes do trabalho, é o prejuízo
econômico, cujas consequências atingem o trabalhador, a empresa, a sociedade e, numa
concepção mais ampla a própria nação.
Apesar de toda a assistência e das indenizações recebidas pelo trabalhador ou seus
familiares através da Previdência Social, no caso de acidentar-se, os prejuízos econômicos se
fazem sentir na medida em que a indenização não lhe garante necessariamente o mesmo
padrão de vida mantido até então. E, dependendo do tipo de lesão sofrida, tais benefícios, por
melhores que sejam, não repararão uma invalidez ou a perda de uma vida. O número de
funcionários afastados é preocupante e mostra a sociedade como criadora de uma legião de
incapacitados.
Doutro modo, sendo o INSS responsável natural pelo pagamento de benefício
previdenciário acidentário, poderá a autarquia utilizar da pretensão regressiva contra o
empregador, depois de demonstrado, no caso concreto, que o sinistro ocorreu em razão de
uma conduta negligente da empresa.
176 CASTILHO, Rodrigo Barbosa. O Estudo Prévio de Impacto Ambiental e o meio ambiente do trabalho. Dissertação (Mestrado em Direito Ambiental) – Programa de Pós-Graduação em Direito Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas, Manaus, 2010, p. 132.
105
Essencialmente esta é a justificação do artigo 120 da Lei 8.213/91: obstar que o INSS
atue como garantidor da culpa de empregadores, responsabilizando-os nos casos em que o
acidente de trabalho, e a própria necessidade do benefício, poderiam ter sido evitados por
quem tivesse a incumbência de fazê-lo. O escopo legal é coibir a desídia, a imperícia ou a
negligência da empresa em relação à segurança do labor, tornando mais dispendioso o sinistro
do que a adoção de medidas de segurança idôneas para evitá-lo. Assim, aprioristicamente,
pode-se afirmar que o empregador somente reembolsará a autarquia se restar demonstrado
que o fato lesivo guarda ligação com uma conduta culposa sua.
Para a empresa, os prejuízos econômicos derivados dos acidentes variam em função da
importância que ela dedica à prevenção de acidentes. A perda ainda que de alguns minutos de
atividade no trabalho traz prejuízo econômico, o mesmo acontecendo com a danificação de
máquinas, equipamentos, perda de materiais etc.
Outro tipo de prejuízo econômico refere-se ao acidente que atinge o trabalhador
variando as proporções quanto ao tempo de afastamento do mesmo, devido a gravidade da
lesão. As consequências podem ser, dentre outras: a paralisação do trabalho por tempo
indeterminado, devido à impossibilidade de substituição do acidentado por um trabalhador
treinado para aquele tipo de trabalho e, ainda, a influência psicológica negativa que atinge os
demais trabalhadores e que interfere no ritmo normal do trabalho, levando sempre a uma
grande queda da produção.
Imagine-se o custo para o País de toda essa paralisação e gasto de dinheiro, quando
tais valores poderiam ser utilizados para habitação, saúde, educação e segurança. Queira ou
não, a população é diretamente responsáveis por esse ônus, quando envolvida em algum tipo
de acidente e indiretamente quando se poderia ter feito algo pela prevenção ou precaução de
acidente e não foi feito.
Ante o apelo da sociedade e verificando as consequências negativas observadas na
saúde do empregado diante de um meio ambiente de trabalho inadequado, medidas judiciais
já estão sendo tomadas em prol do cidadão trabalhador, conforme se verá adiante.
4.11 ESTUDO DE CASOS
Nos tempos atuais, a busca por um desenvolvimento sustentável, com o equilíbrio
entre a atividade econômica, o bem-estar social e a preservação da natureza, assumiu vulto de
meta global.
106
O meio jurídico, tanto nos ordenamentos internos como no âmbito do direito
internacional, absorveu essa preocupação, incorporando normas e princípios que buscam
assegurar a preservação ambiental em benefício da saúde e qualidade de vida da presente
geração e das futuras.
Dentre os vários instrumentos jurídicos criados sob esse propósito, ganha destaque o
tema do presente estudo, que é o Princípio da Precaução – princípio de direito ambiental que
regula a adoção de medidas de proteção ao meio ambiente em casos envolvendo ausência de
certeza científica e ameaças de danos sérios ou irreversíveis.
O princípio da precaução constitui numa base sólida para a tutela jurisdicional na
adoção de medidas precaucionárias em relação a degradação do meio ambiente, ou seja, os
juízes encontrarão nesse princípio terreno sólido para emitir decisões que tenham por objetivo
conter ações que prejudiquem o meio ambiente, podendo invocar todos os efeitos dele
decorrentes, entre os quais a inversão do ônus da prova.
No Brasil, ainda que timidamente, o princípio da precaução já começa a ser observado
em prol da saúde dos trabalhadores, de modo que é possível ver sua aplicação em decisões
judiciais, tais como os exemplos que discorreremos a seguir.
Em 05 e 13 de outubro de 2002, o Ministério Público do Trabalho da 15ª Região,
conjuntamente com o Ministério do Trabalho e Emprego, inspecionaram a empresa Basf S/A
e elaboraram o Laudo Técnico de Avaliação de Risco à Saúde dos Trabalhadores da Empresa
BASF S/A Localizada no Recanto dos Pássaros. No fim de 2002, a BASF S/A encerrou suas
atividades na Unidade Industrial em Paulínia, ocasionando, como consequência, a extinção
dos contratos de trabalho. Neste mesmo período o Ministério do Trabalho interditou as
unidades integrantes da Planta Industrial da empresa Basf, considerando a contaminação
existente na área e o grave risco à saúde humana. Ficou consignado no Termo de Interdição a
constatação nos diversos resultados das avaliações ambientais analisadas, a contaminação
ambiental do sítio onde está instalada a empresa, pelo lançamento no ar, solo e água, desde
1977, de grandes quantidades de substâncias e agentes químicos de reconhecida toxicidade e
biopersistência, infringindo o que está disposto no subitem 25.2.1., da NR 25, da Portaria
3214/78 – sendo ao menos doze delas classificadas internacionalmente como –
comprovadamente e/ou provavelmente e/ou possivelmente carcinogênicas ao homem, entre
outras, o benzeno, o 1.2 dicloroetano e o aldrin, infringindo o princípio do disposto no Anexo
13 da NR 15 da Port. 3214/78 – item Substâncias Cancerígenas – de que não se deve permitir
nenhum contato do trabalhador com o agente carcinogênico, do contrário a situação será
107
considerada como de risco grave e iminente para o trabalhador, combinado com o Princípio
da Precaução, explicitado no art. 4º da lei 7.347/85177.
Em junho de 1999, o Juiz de Direito da 6ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal acolheu expressamente o princípio da precaução na ação judicial proposta pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor contra a União Federal e a Monsanto do Brasil Ltda., ao proibir o plantio e comercialização de sementes da soja transgênica enquanto não fosse apresentado o Estudo Prévio de Impacto Ambiental e enquanto não fosse regulamentado, pelo Poder Público, as normas de biossegurança e de rotulagem de Organismos Geneticamente Modificados178.
Em 29.06.06, o TRT da 2ª Região julgou válido o ato de interdição da empresa Basf
S/A, acórdão n. 20060474720, asseverando que tendo em vista a publicidade e notoriedade do
dano ambiental constatado no local, e em face do grave e iminente risco para os trabalhadores
que ali se ativavam, o Auto de Interdição se deu de forma correta e regular179.
No caso acima citado, não havia comprovação de todos os efeitos que os produtos à
base de drins (família de pesticidas ou biocidas utilizados no manejo agrícola e pecuário
contra diversas pragas), poderiam ocasionar para a saúde humana, mas já era de conhecimento
público que esses compostos químicos ocasionavam diversos tipos de câncer. Dessa forma,
deveria ter a empresa paralisado suas atividades até haver certeza científica de que não havia
riscos ao ser humano.
O princípio da precaução deve ser aplicado às situações em que haja incerteza
científica sobre os riscos que podem ser causados à saúde e ao meio ambiente, e isso fica mais
claro no caso de atividades inovadoras e, por conseguinte, cujos efeitos são pouco conhecidos.
Isto quer dizer: havendo incerteza científica, o funcionamento de um empreendimento ou o
desempenho de uma atividade pressupõe que sejam tomadas as convenientes medidas de
resguardo.
Desse modo, levando-se em conta as infinitas possibilidades concretas de exposição
do meio ambiente a risco, diante de deliberadas ações ou omissões dos agentes humanos,
surge então como possibilidade de efetiva aplicabilidade dos princípios da precaução e da
prevenção, em sede jurisdicional, as definições acerca da certeza ou não dos riscos
ambientais.
Tais definições teriam como atribuição estabelecer marcos seguros de aplicabilidade
dos princípios anteriormente referidos, superando assim as ambiguidades e equívocos aos
quais estão submetidas as decisões judiciais, em sede ambiental.
177 Inquérito civil público 10425/2001-12, fls. 30. 178 MACHADO, 2009, p. 76. 179 http://www.acpo.org.br/caso_shell_basf/01_acp.pdf. Acesso em 02/04/2011.
108
Nos julgados ora colacionados, verificamos que apesar da menção ao princípio da
precaução, o que realmente ocorreu foi a aplicação do princípio da prevenção, tendo em vista
que o risco já era sabido.
Todavia, a simples menção ao princípio precaucionário já é de grande valia, na medida
em que anteriormente a sua aplicação não era sequer cogitada.
No C. Tribunal Superior do Trabalho temos o reconhecimento da aplicação do
princípio da precaução no meio ambiente do trabalho, conforme a seguir:
TST. RECURSO DE REVISTA. ILEGITIMIDADE ATIVA DO ESPÓLIO. [...] DANO MORAL. PRESCRIÇÃO. FATO OCORRIDO ANTERIORMENTE À EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45/2004. AÇÃO AJUIZADA NA JUSTIÇA DO TRABALHO. REGRA DE TRANSIÇÃO. [...] DANO MORAL. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. INDENIZAÇÃO POST MORTEM. FALECIMENTO EM DECORRÊNCIA DE DOENÇA PROFISSIONAL. CONTATO COM AMIANTO/ABESTO. A omissão da reclamada no cuidado com o meio ambiente seguro de seus empregados acarreta o reconhecimento da sua responsabilidade objetiva pelos eventos danosos que, na hipótese dos autos, não apenas eram presumíveis, mas também evitáveis. As atuais preocupações reveladas pela sociedade, no que tange às questões correlatas ao meio ambiente, às condições de trabalho, à responsabilidade social, aos valores éticos e morais, bem como a dignidade da pessoa humana, exigem do empregador estrita observância do princípio da precaução. Este princípio informa que quando houver ameaça de danos ao meio ambiente seguro e sadio do trabalho, a ausência de absoluta certeza não deve ser utilizada como meio para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir o dano. Mister, portanto, a adoção de critérios de prudência e vigilância a fim de evitar o dano, ainda que potencial. Trata-se de uma obrigação de resultado: a prevenção em matéria de saúde e segurança no trabalho exige do empregador o dever de antecipar e avaliar os riscos de sua atividade empresarial e a efetivação das medidas de precaução necessárias. [...] Recurso de revista não conhecido180.
Em Santarém-PA, o TRF da 1ª Região com embasamento no princípio da precaução,
julgou embargos de declaração, determinando que as atividades da empresa Cargill na região
ficassem interrompidas até a realização e aprovação dos estudos e relatório de impacto
ambiental (EIA-Rima). Vejamos o resumo da decisão (embargos de declaração na apelação
cível nº 2000.39.02.000141-0/PA – Processo na origem: 200039020001410) 181:
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA CAUTELAR DO MEIO AMBIENTE. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA MANTIDA. INEXISTÊNCIA DE PERDA DE OBJETO DO AGRAVO JÁ DECIDIDO PELO TRIBUNAL REVISOR ANTES DA SENTENÇA DE MÉRITO NO JUÍZO SINGULAR. EMBARGOS DESPROVIDOS. I - A tutela constitucional, que impõe ao Poder Público e a toda coletividade o dever de defender e preservar, para as presentes e futuras gerações, o meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida, como direito difuso e fundamental, feito bem de uso comum do povo (CF, art. 225, caput), já instrumentaliza, em seus comandos normativos, o princípio da prevenção (pois uma vez que se possa prever que uma certa atividade possa ser danosa, ela deve ser evitada) e a consequente precaução (quando houver
180 TST. 6ª Turma. RR. 40.500/2006. Rel.: Min. Aloysio Corrêa da Veiga. J. em 05/05/2010 - DJ 14/05/2010. 181 Fonte: http://br.vlex.com/vid/-50189075. Acesso em 05/02/2012.
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dúvida sobre o potencial deletério de uma determinada ação sobre o ambiente, toma-se a decisão mais conservadora, evitando-se a ação), exigindo-se, assim, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade (CF, art. 225, § 1º, IV). II - Se a Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, no Brasil (Lei nº 6.938, de 31.08.81) inseriu como objetivos essenciais dessa política pública "a compatibilização do desenvolvimento econômico e social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico" e "a preservação e restauração dos recursos ambientais com vistas à sua utilização racional e disponibilidade permanente, concorrendo para a manutenção do equilíbrio ecológico propício à vida" (art. 4º, incisos I e VI), a configurar, no plano fático, o verdadeiro desenvolvimento sustentável, deve ser mantida a suspensão do Alvará de Autorização nº 024/99, que possibilitava a realização de obras no Porto de Santarém (PA), bem assim a expedição de qualquer outro Alvará que viabilize outras obras, potencialmente causadoras de degradação do meio ambiente, em face da instalação do referido Porto, provável escoador de soja transgênica, na região amazônica, assim exposta ao desmatamento irresponsável e a disfarçada colonização alienígena, até que se realize, por competente equipe multidisciplinar, o Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EIA/RIMA), observando-se a regulamentação da Resolução nº 001-CONAMA, de 23 de janeiro de 1986, na dimensão do interesse difuso a ser, ali, protegido. III - A pretensão recursal da embargante, no sentido de que se declare, também, a prejudicialidade deste agravo de instrumento, não merece prosperar, posto que, ao prolatar a sentença de mérito, nos autos principais, em 18 de maio de 2004, o presente agravo já havia sido julgado pela colenda Sexta Turma deste Tribunal, desde 29 de setembro de 2003, confirmando a antecipação de tutela cautelar do meio ambiente, nos termos do juízo monocrático, e, com a superveniente sentença de mérito daquele juízo, caberia a esse órgão colegiado e revisor, tão-somente, declarar prejudicado o recurso de embargos de declaração, opostos pela agravante, mantendo-se a plena eficácia do Acórdão que negou provimento ao agravo, para garantia da antecipação da tutelar cautelar, ali, deferida, em prol do meio ambiente. IV - Embargos de declaração desprovidos.
Tal princípio também fora utilizado em outra decisão do TRF da 4ª Região (apelação
cível nº 2004.71.00.020735-2/RS) 182:
ADMINISTRATIVO E MEIO AMBIENTE. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROIBIÇÃO DO USO DE ORGANOFOSFORADO CLORPIRIFÓS EM FORMULAÇÕES DE DESINFETANTES DOMISSANITÁRIOS. CANCELAMENTO DOS REGISTROS DE PRODUÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO. EMPRESAS TITULARES. LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO. DESCABIMENTO. CERCEAMENTO DE DEFESA. INEXISTÊNCIA. COMPROVADA TOXICIDADE DOS PRODUTOS ELABORADOS À BASE DE CLORPIRIFÓS. RECONHECIMENTO PARCIAL DO PEDIDO PELA ANVISA. RESOLUÇÃO RDC-ANVISA N.º 226, DE 28 DE SETEMBRO DE 2004. ARTS. 6º E 7° DA LEI 6.360/76. TUTELA INIBITÓRIA. PREVENÇÃO DO DANO. PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO. REGULARIDADE DO PROCESSO DE REAVALIAÇÃO DO CLORPIRIFÓS EMPREENDIDO PELA ANVISA COM BASE NA RESOLUÇÃO RDC Nº 135/2002. DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA. FINALIDADE PÚBLICA. POSSIBILIDADE DE CONTROLE JUDICIAL. 1. Realmente, com a edição da Resolução RDC-ANVISA nº 226/04, verificou-se a restrição da utilização domissanitária do produto, sendo, pois, de rigor o cancelamento dos registros de produção e comercialização existentes, bem como a proibição de novos registros que não se amoldassem aos requisitos previstos na Lei nº 6.360/76 - arts. 6º e 7º. Incide, aqui, o princípio da precaução.
182 Fonte: http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/visualizar_documento_gedpro.php?local=trf4&documento= 1310644&hash=20211c099f12b97a8c8f8e19b0d7a2bb. Acesso em 05/02/2012.
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Ainda no C. TST, temos reconhecida a aplicação do princípio da precaução através de
diversos outros julgados da 6ª Turma, cujo relator era o Min. Aloysio Corrêa da Veiga. Em
maio de 2010, uma decisão do TST, em sede de Recurso de Revista, sobre a responsabilidade
do empregador na morte de um trabalhador por doença profissional causada por amianto,
senão vejamos (R-40500-98.2006.5.04.0281 da 8ª Turma, 05 de Maio de 2010)183:
RECURSO DE REVISTA. ILEGITIMIDADE ATIVA DO ESPÓLIO. O pedido de indenização por danos morais decorrente de acidente de trabalho pode ser proposto pelo espólio do de cujus. A transferência dos direitos sucessórios decorre de expressa autorização legal prevista no artigo 1784 do Código Civil de 2002. Sendo assim, em caso de falecimento do titular da ação de indenização, os sucessores têm legitimidade para propor a ação, em razão da transmissibilidade do direito à indenização, que tem natureza patrimonial. Recurso de revista conhecido e desprovido no tema. DANO MORAL. PRESCRIÇÃO. FATO OCORRIDO ANTERIORMENTE À EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45/2004. AÇÃO AJUIZADA NA JUSTIÇA DO TRABALHO. REGRA DE TRANSIÇÃO. A incapacidade se deu em data anterior à vigência da Emenda Constitucional nº 45/2004. Logo, não parece razoável que observado o prazo prescricional vintenário (artigo 177 Código Civil-1916), previsto à época da lesão, a parte seja surpreendida com a aplicação do prazo prescricional previsto na legislação trabalhista. Considerando que a ação foi ajuizada em 13.1.2004, dentro do prazo prescricional de 3 anos contados da vigência do Código Civil de 2002 (12/01/2003) não há se falar em declaração da prescrição como pretendido pela recorrente. Recurso de revista não conhecido. DANO MORAL. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. INDENIZAÇÃO POST MORTEM. FALECIMENTO EM DECORRÊNCIA DE DOENÇA PROFISSIONAL. CONTATO COM AMIANTO/ABESTO. A omissão da reclamada no cuidado com o meio ambiente seguro de seus empregados acarreta o reconhecimento da sua responsabilidade objetiva pelos eventos danosos que, na hipótese dos autos, não apenas eram presumíveis, mas também evitáveis. As atuais preocupações reveladas pela sociedade, no que tange às questões correlatas ao meio ambiente, às condições de trabalho, à responsabilidade social, aos valores éticos e morais, bem como a dignidade da pessoa humana, exigem do empregador estrita observância do princípio da precaução. Este princípio informa que quando houver ameaça de danos ao meio ambiente seguro e sadio do trabalho, a ausência de absoluta certeza não deve ser utilizada como meio para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir o dano. Mister, portanto, a adoção de critérios de prudência e vigilância a fim de evitar o dano, ainda que potencial. Trata-se de uma obrigação de resultado: a prevenção em matéria de saúde e segurança no trabalho exige do empregador o dever de antecipar e avaliar os riscos de sua atividade empresarial e a efetivação das medidas de precaução necessárias. O amianto é uma fibra mineral cancerígena e banida em vários países do mundo. Dados científicos comprovam amplamente seus efeitos danosos à saúde humana. No Brasil, o amianto é tolerado, embora não existam limites de tolerância suficientemente seguros para garantir a vida e a segurança daqueles que estão em contato diário com o amianto. Deste modo, restou comprovado o nexo de causalidade entre a conduta do empregador e o resultado danoso de que é vítima o trabalhador, configurando-se, pois a responsabilidade civil do empregador, que é subjetiva, em face da culpa, pela negligência e omissão na manutenção do ambiente de trabalho seguro. Recurso de revista não conhecido. QUANTUM INDENIZATÓRIO. TRABALHO COM AMIANTO. O recurso de revista está desfundamentado no tema, eis que a recorrente não aponta violação de dispositivo legal e/ou constitucional, tampouco traz divergência jurisprudencial a fim de fundamentar as suas razões recursais. Recurso de revista não conhecido.
Outros entendimentos embasadores da aplicação do princípio acautelatório pelo C.
TST podem ser citados, in verbis: 183 Fonte: http://br.vlex.com/vid/-237944939. Acesso em 05/02/2012.
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PROCESSO Nº TST-RR-47000-26.2007.5.04.0030. ACÓRDÃO – 6ª TURMA. RECURSO DE REVISTA. DANO MATERIAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. TRANSPORTE COLETIVO. MOTORISTA DE ÔNIBUS QUE TRABALHAVA EM LINHA DE TRAJETO DE RISCO E FOI VÍTIMA DE SEIS ASSALTOS NOS DOIS ÚLTIMOS MESES DO CONTRATO DE TRABALHO. PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO. As atividades desenvolvidas pelo empregador que tragam riscos físicos ou psicológicos aos seus empregados, ainda que potenciais, impõem-lhe o dever de preveni-los. Sua abstenção ou omissão acarreta o reconhecimento da responsabilidade objetiva pelos eventos danosos que, no caso dos autos, não apenas eram presumíveis, mas também evitáveis. As atuais preocupações reveladas pela sociedade, no que tange às questões correlatas ao meio ambiente, às condições de trabalho, à responsabilidade social, aos valores éticos e morais, bem como a dignidade da pessoa humana, exigem do empregador estrita observância do princípio da precaução. Por ele, quando houver ameaça de danos ao meio ambiente seguro e sadio do trabalho, a ausência de absoluta certeza não deve ser utilizada como meio para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir o dano. Mister, portanto, a adoção de critérios de prudência e vigilância a fim de evitar o dano, ainda que potencial. Trata-se de uma obrigação de resultado: a prevenção em matéria de saúde e segurança no trabalho exige do empregador o dever de antecipar e avaliar os riscos de sua atividade empresarial e a efetivação das medidas de precaução necessárias. In casu, a reclamada atua no ramo de transporte coletivo. O reclamante, motorista do ônibus, trabalhava em linha de transporte de risco, e foi vítima de seis assaltos, nos dois últimos meses do contrato de trabalho. “Em um destes assaltos o reclamante sofreu diversas violências físicas e psíquicas, sendo-lhe colocada arma na cabeça e na boca. Foi obrigado por marginais a andar de quatro e latir dentro do coletivo”. Diante desse quadro, a empresa não ofereceu nenhum tratamento psicológico ou psiquiátrico ao trabalhador, nem buscou proteger a integridade física ou mental do seu empregado em relação ao risco a que se expunha regularmente. Em consequência o empregado apresentou patologias decorrentes do trabalho que desenvolvia: depressão, stress pós-traumático, ansiedade e anedonia (fl. 330). Restou comprovado o nexo de causalidade entre a conduta do empregador e o resultado danoso de que é vítima o trabalhador, configurando-se, pois, a responsabilidade civil do empregador, que é objetiva, em face da configuração do dano apresentado. Portanto, há de se manter a condenação ao pagamento de indenização por dano material, na forma de pensionamento mensal de 30% sobre 2,93 salários mínimos, desde 16/06/05 (data da rescisão) até o reclamante completar 72 anos. Recurso de revista não conhecido184. PROCESSO Nº TST-CauInom-40721-23.2010.5.00.0000. ACÓRDÃO 6ª TURMA. AGRAVO INTERPOSTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OBRIGAÇÃO DE FAZER EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONVÊNIO FIRMADO ENTRE BRADESCO E ECT. EMPREGADOS DE BANCO POSTAL. PRAZO PARA INSTALAÇÃO DE PORTAS GIRATÓRIAS E CONTRATAÇÃO DE VIGILÂNCIA ARMADA. SEGURANÇA BANCÁRIA. MEDIDAS DE SEGURANÇA NO TRABALHO. PERICULUM IN MORA E FUMUS BONI IURIS. ESTATÍSTICAS DE OCORRÊNCIAS DE ASSALTO. AUMENTO. PRUDÊNCIA. RECURSO DE REVISTA DO BANCO. EFEITO SUSPENSIVO CONCEDIDO. A determinação de obrigação de fazer, levando em consideração a segurança dos trabalhadores deve ser reconhecida como uma preocupação a ser aplaudida, quando evidenciado nos autos o registro de ocorrências na Região, a partir da implantação do Banco Postal, em razão do convênio firmado entre Bradesco e ECT, em que se constatou mais de 600% do risco em relação à insegurança no meio ambiente de trabalho. Confirma-se a decisão que, por meio de despacho monocrático, entendeu pela concessão de liminar, dando efeito suspensivo ao recurso de revista interposto, para sustar os efeitos da tutela antecipatória de mérito concedida nos autos principais, que determinou a instalação de portas giratórias detectoras de metais, diante do periculum in mora evidenciado e do fumus boni iuris constatado em relação à determinação. No entanto, quanto à contratação de vigilância armada em agências dos Correios, deve ser mantida a v. decisão, uma vez que não se vislumbra perigo na
184 Fonte:http://aplicacao5.tst.jus.br/consultaunificada2/inteiroTeor.do?action=printInteiroTeor&highlight=true &numeroFormatado=RR%20-%2047000-26.2007.5.04.0030&base=acordao&numProcInt= 720625&anoProcInt=2009&dataPublicacao=12/03/2010%2007:00:00&query= .Aceso em 12/02/2012.
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demora, sendo o tempo para adoção das providências necessário, ante a urgência na proteção dos trabalhadores que se encontram em situação de risco, enquanto não advém decisão final desta C. Corte, diante da responsabilidade do Banco, decorrente do contrato para instalação do Banco Postal nas agências dos Correios, em face do princípio da precaução, e em razão de a inércia nas providências evidenciar maiores riscos à vida desses trabalhadores. Agravo provido185. PROCESSO Nº TST-RR-9900-21.2006.5.01.0203. ACÓRDÃO 6ª TURMA. QUANTUM INDENIZATÓRIO. DANOS MORAIS E ESTÉTICOS. ACIDENTE DE TRABALHO. SEQUELAS. QUEIMADURAS DE TERCEIRO GRAU. O valor arbitrado a título de indenização por danos morais e estéticos não escapa aos limites da equidade, da razoabilidade, da proporcionalidade e dos mais comezinhos princípios do Direito, em especial, daquele que proíbe o enriquecimento sem causa. Trata-se de empregado vítima de acidente de trabalho, que resultou em queimaduras de terceiro grau, em mais de 30% do seu corpo, tendo sido constatada a agressão ao seu patrimônio moral e estético. É dever da empregadora, no exercício da atividade empresarial, o respeito incondicional à segurança dos seus empregados. A abstenção ou omissão da reclamada do cuidado com o meio ambiente seguro de seus empregados acarreta o reconhecimento da sua responsabilidade pelos eventos danosos. As atuais preocupações reveladas pela sociedade, no que tange às questões correlatas ao meio ambiente, às condições de trabalho, à responsabilidade social, aos valores éticos e morais, bem como à dignidade da pessoa humana, exigem do empregador estrita observância do princípio da precaução. Este princípio informa que quando houver ameaça de danos ao meio ambiente seguro e sadio do trabalho, a ausência de absoluta certeza não deve ser utilizada como meio para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir o dano. Mister, portanto, a adoção de critérios de prudência e vigilância a fim de evitar o dano, ainda que potencial. Não há juízo de equidade que possa atribuir valor de reparação por tamanho sofrimento. Portanto, o valor da reparação foi arbitrado com prudência e proporcionalidade ao dano sofrido, traduzindo moderação e equidade do Juízo a quo. Recurso de revista não conhecido186. PROCESSO Nº TST-RR-32300-71.2006.5.02.0083. ACÓRDÃO 6ª TURMA. DANO MORAL. CARACTERIZAÇÃO. Todas as atividades desenvolvidas pelo empregador que tragam riscos físicos ou psicológicos aos seus empregados, ainda que potenciais, impõe-lhe o dever de preveni-los. A abstenção ou omissão do empregador implica sua responsabilidade objetiva pelos eventos danosos que, na hipótese dos autos, não apenas eram presumíveis, mas também evitáveis. Restou comprovado o nexo de causalidade entre a conduta do empregador e o resultado danoso de que é vítima o trabalhador, em razão de desenvolvimento de doença profissional (LER/DORT) irreversível decorrente das atividades exercidas no banco-reclamado em condições desfavoráveis, a determinar a responsabilidade por culpa do empregador. Demonstrada a culpabilidade do empregador na lesão profissional da autora, incólumes os arts. 186 e 927, parágrafo único, do CC, 159 do CC/1916, e 5º, X, e 7º, XXVIII, da CF. Recurso de revista não conhecido (...). Dentro deste contexto, exige-se do empregador a observância do princípio da precaução, o qual informa que quando houver ameaça de danos sérios ao meio ambiente seguro e sadio do trabalho, a ausência da absoluta certeza não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir o dano. Mister, portanto, a efetiva adoção de critérios de prudência e vigilância a fim de evitar o dano, ainda que potencial. Trata-se de uma obrigação de resultado: a prevenção em matéria de saúde e segurança no trabalho exige do empregador o dever de antecipar e avaliar os riscos de sua atividade empresarial e efetivação das medidas de precaução necessárias187.
185 Fonte: http://aplicacao5.tst.jus.br/consultaunificada2/inteiroTeor.do?action=printInteiroTeor&highlight =true &numeroFormatado=CauInom%20-%2040721-23.2010.5.00.0000&base=acordao&numProcInt=143942 &ano ProcInt=2010&dataPublicacao=22/10/2010%2007:00:00&query=. Acesso em 12/02/2012. 186 Fonte: http://aplicacao5.tst.jus.br/consultaunificada2/inteiroTeor.do?action=printInteiroTeor&highlight= true&numeroFormatado=RR%20-%209900-21.2006.5.01.0203&base=acordao&numProcInt=748978& anoProcInt=2009&dataPublicacao=17/06/2011%2007:00:00&query=. Acesso em 12/02/2012. 187 Fonte: http://aplicacao5.tst.jus.br/consultaunificada2/inteiroTeor.do?action=printInteiroTeor&highlight=true &numeroFormatado=RR%20-%2032300-71.2006.5.02.0083&base=acordao&numProcInt=3791&anoProcInt= 2010&dataPublicacao=28/01/2011%2007:00:00&query=. Acesso em 12/02/2012.
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RECURSO DE REVISTA. DANO MORAL. ASSALTO À RESIDÊNCIA DO GERENTE E AO BANCO. FAMÍLIA FEITA REFÉM. ATO ILÍCITO PROCESSO Nº TST-RR-87900-87.2008.5.09.0091. ACÓRDÃO 6ª TURMA.PERPETRADO POR TERCEIROS. RESPONSABILIDADE DO BANCO. PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL DEVIDA. A segurança do cidadão é obrigação do Estado, sendo direito previsto constitucionalmente e princípio fundamental da república. Em conjunto com a responsabilidade do Estado, encontra-se a responsabilidade do empregador em face das atribuições que são dirigidas ao seu empregado, que coloca em risco a sua incolumidade física, bem como de sua família. Verificada a omissão culposa do Banco pelo dano moral sofrido pelo autor, bem como evidenciado o nexo causal entre o ato e as perturbações psíquicas sofridas, em face de não ter a reclamada proporcionado a segurança necessária para evitar o infortúnio, mostra-se devida a indenização por dano moral, uma vez que não há como afastar o dever de proteção que incumbe não só ao patrimônio do Banco, mas em especial ao empregado que porta a chave do cofre e é alvo de bandidos, colocando em risco não apenas sua incolumidade física como também a de sua família. A vigilância armada, portas giratórias e vidros blindados, existentes no Banco, não supre a obrigação de um projeto de segurança do patrimônio privado do empregado, quando a segurança de sua família encontra-se exposta, por interesses do empregador. É dever legal do Banco ao adotar mecanismos internos para segurança, ampliar o seu alcance com o fim de defender a incolumidade de seu empregado, ainda mais quando já é cediço que os gerentes bancários e seus familiares estão sendo visados pelos bandidos, com o fim de se proceder a assaltos em banco, passando por todo o terror decorrente do seqüestro e da tortura, em razão de sua responsabilidade com o patrimônio do Banco. A culpa pela omissão e negligência na proteção do empregado, demanda a respectiva reparação. Recurso de revista conhecido e provido (...). Dentro deste contexto, deve-se ressaltar o princípio da precaução, o qual informa que quando houver ameaça de danos sérios ao meio ambiente seguro e sadio do trabalho, a ausência da absoluta certeza não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir o infortúnio. Necessário se torna, portanto, a efetiva adoção pelo empregador de critérios de prudência e vigilância a fim de evitar o dano, ainda que potencial.Trata-se de uma obrigação de resultado: a prevenção em matéria de saúde e segurança no trabalho exige do empregador o dever de antecipar e avaliar os riscos de sua atividade empresarial e efetivação das medidas de precaução necessárias188. PROCESSO Nº TST-RR-1817100-63.2004.5.09.0013. ACÓRDÃO 6ª TURMA.RECURSO DE REVISTA. DANO MORAL. ASSALTO A BANCO. INDENIZAÇÃO DEVIDA . Comprovada a omissão culposa do reclamado pelo dano moral sofrido pelo autor, bem como evidenciado o nexo causal entre o ato e as perturbações psíquicas sofridas pelo autor em face de não ter a reclamada proporcionado a segurança necessária para o funcionamento do estabelecimento, é de se manter a v. decisão que condenou o reclamado no pagamento de reparação por danos morais. Recurso de revista conhecido e não provido. Dentro deste contexto, exige-se do empregador a observância do princípio da precaução, o qual informa que quando houver ameaça de danos sérios ao meio ambiente seguro e sadio do trabalho, a ausência da absoluta certeza não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir o dano. Mister, portanto, a efetiva adoção de critérios de prudência e vigilância a fim de evitar o dano, ainda que potencial.Trata-se de uma obrigação de resultado: a prevenção em matéria de saúde e segurança no trabalho exige do empregador o dever de antecipar e avaliar os riscos de sua atividade empresarial e efetivação das medidas de precaução necessárias189.
188 Fonte: http://aplicacao5.tst.jus.br/consultaunificada2/inteiroTeor.do?action=printInteiroTeor&highlight=true &numeroFormatado=RR%20-%2087900-87.2008.5.09.0091&base=acordao&numProcInt=128507&ano ProcInt=2010&dataPublicacao=22/10/2010%2007:00:00&query=. Acesso em 12/02/2012. 189 Fonte: http://aplicacao5.tst.jus.br/consultaunificada2/inteiroTeor.do?action=printInteiroTeor&highlight=true &numeroFormatado=RR%20-%201817100-63.2004.5.09.0013&base=acordao&numProcInt=519983& anoProcInt=2008&dataPublicacao=19/03/2010%2007:00:00&query=. Acesso em 12/02/2012.
114
PROCESSO Nº TST-RR-123500-22.2005.5.17.0005. ACÓRDÃO 6ª TURMA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. ACIDENTE DE TRABALHO. ATIVIDADE PORTUÁRIA. RESPONSABILIDADE POR CULPA. As atividades desenvolvidas pelo empregador que tragam riscos físicos ou psicológicos aos seus empregados, ainda que potenciais, impõem-lhe o dever de preveni-los. Sua abstenção ou omissão acarreta o reconhecimento da responsabilidade subjetiva pelos eventos danosos que, na hipótese dos autos, não apenas eram presumíveis, mas também evitáveis. A preocupação da sociedade, no que se refere às questões correlatas ao meio ambiente, às condições de trabalho, à responsabilidade social, aos valores éticos e morais, bem como a dignidade da pessoa humana, exigem do empregador estrita observância do princípio da precaução. Este princípio informa que quando houver ameaça de danos ao meio ambiente seguro e sadio do trabalho, a ausência de absoluta certeza não deve ser utilizada como meio para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir o dano. Mister, portanto, a adoção de critérios de prudência e vigilância a fim de evitar o dano, ainda que potencial. A doença ocupacional tem o elemento culpa presumido em face da negligência da empresa com o meio ambiente de trabalho, quando afeta a saúde do empregado, a determinar a indenização por dano moral, ainda que afastada a responsabilidade objetiva, inaplicável nos casos de acidente de trabalho por força do que dispõe o art. 7º, XXXVIII, da CF, pois se trata de indenização devida por força da responsabilidade subjetiva da empresa. Recursos de revista conhecido e desprovidos. As atuais preocupações reveladas pela sociedade, no que tange às questões correlatas ao meio ambiente, às condições de trabalho, à responsabilidade social, aos valores éticos e morais, bem como a dignidade da pessoa humana, exigem do empregador estrita observância do princípio da precaução (...). Este princípio informa que quando houver ameaça de danos ao meio ambiente seguro e sadio do trabalho, a ausência de absoluta certeza não deve ser utilizada como meio para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir o dano. Mister, portanto, a adoção de critérios de prudência e vigilância a fim de evitar o dano, ainda que potencial (...). Trata-se de uma obrigação de resultado: a prevenção em matéria de saúde e segurança no trabalho exige do empregador o dever de antecipar e avaliar os riscos de sua atividade empresarial e a efetivação das medidas de precaução necessárias (...). O principio da precaução deve ser aplicado no interesse do trabalhador. Este princípio deve reforçar a segurança no meio ambiente ou no local do trabalho, obrigando os poderes públicos a intervir em razão do dever de prudência, e em razão dos risco prováveis, cuja natureza, gravidade, probabilidade devem ser evitados (...).Diante desses fundamentos, não há como afastar a responsabilidade da empresa, ainda que não reconheça a responsabilidade objetiva, por força de expressa previsão constitucional que inviabiliza a aplicação da teoria no caso do acidente de trabalho, persiste a responsabilidade por culpa lato sensu, ante a negligência na manutenção do ambiente de trabalho sadio190.
Deste modo, se não há prévia e clara base cientifica para definir os efeitos ou os níveis
de contaminação de um certo produto, ou a inocuidade do maquinário a ser utilizado, é mais
prudente ao Estado e aos cidadãos pressionarem o provável ou potencial causador do dano
ambiental a provar, antes que os seus efeitos imprevisíveis possam ocorrer e que a atividade
específica ou o uso de certos produtos ou substâncias e maquinários não irão afetar o meio
ambiente laborativo.
Apesar dos casos acima relatados, a jurisprudência ainda é tímida no tange à aplicação
do princípio da precaução no meio ambiente do trabalho. Desse modo, medidas
precaucionárias podem ser utilizadas em prol de um meio ambiente de trabalho mais saudável
190 Fonte:http://aplicacao5.tst.jus.br/consultaunificada2/inteiroTeor.do?action=printInteiroTeor&highlight=true& numeroFormatado=RR%20-%20123500-22.2005.5.17.0005&base=acordao&numProcInt=711695&anoProcInt =2009&dataPublicacao=14/05/2010%2007:00:00&query=. Acesso em 12/02/2012.
115
e seguro e, como exemplo de tais medidas, podemos citar o Estudo Prévio de Impacto
Ambiental (EPIA), e o Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA), que
hodiernamente já são utilizados, aquele, no meio ambiente natural e este no meio ambiente do
trabalho. Todavia, ainda há muito que se fazer para dar maior efetividade aos estudos acima
citados, conforme de discorrerá adiante.
116
5 CONCRETIZAÇÃO DA PRECAUÇÃO
5.1 MEDIDAS PRECAUCIONÁRIAS
Analisando o local de trabalho de uma pessoa, temos, segundo Melo191, que o
conteúdo do contrato empregatício não é composto apenas de salários, férias, 13º salário,
aviso prévio, por exemplo, mas nele se inclui, como um dos primeiros direitos, o meio
ambiente do trabalho seguro e adequado.
Com efeito, o empregado, ao colocar à disposição de outrem a sua força de trabalho,
mediante contrato de trabalho celebrado, tem como correspondência inúmeros direitos, além
do pagamento de salários. E um deles, dos mais importantes é a prestação dos serviços em
local salubre e com adequadas condições ambientais, a fim de que possa manter a higidez
física apta ao desempenho das funções para as quais foi contratado. E isso faz parte, sem
sombra de dúvida, do contrato de trabalho como obrigação patronal que se descumprida (art.
157 e incisos da CLT), autoriza o empregado a dar por rescindido o contrato de trabalho (art.
483, d, da CLT) e pleitear as indenizações devidas perante a justiça laboral.
A Organização Internacional do Trabalho - OIT estima que 337 milhões de acidentes
de trabalho acontecem em todo o globo. Destes, 2,3 milhões resultam em mortes ao longo dos
365 dias do ano enquanto trabalham. São 6.300 mortes diárias - três a cada minuto, em razão
de acidentes de trabalho. Doze mil dos trabalhadores mortos são crianças192.
A maior parte dos acidentes de trabalho acontece na agricultura, setor em que 10,2
trabalhadores, a cada 100 mil, sofreram algum tipo de acidente. O segundo setor nas
estatísticas foi o da indústria, com 4,3 trabalhadores acidentados, e o terceiro, o de serviços,
com 1,6 acidentados a cada 100 mil trabalhadores 193.
Nas últimas décadas, progressos na segurança e saúde no trabalho, o que se deve ao
fato de muitos países terem percebido a necessidade de prevenir acidentes e deficiências na
saúde no trabalho. Há também uma consciência cada vez maior dos graves problemas que
trazem condições inseguras e insalubres no local de trabalho e de seus efeitos negativos sobre
a produtividade, o emprego e a economia.
191 MELO, Raimundo Simão de. Meio ambiente de trabalho: prevenção e reparação – juízo competente. Revista Trabalho e Doutrina, nº 14, set./1997, p. 153. 192Fonte:http://www.fetecsp.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=21363&catid=54:questoes-sociais&Itemid=128. Acesso em 15/10/2011. 193 Fonte:http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2011-09-12/oit-constata-que-cresce-numero-de-mortes-por-doenca-adquirida-no-trabalho-e-diminuem-mortes-por-acide. Acesso em 05/04/2012.
117
Muitos desses danos poderiam ser evitados caso as normas de segurança fossem
observadas antes mesmo das atividades laborais serem iniciadas, evitando-se assim, danos à
saúde do trabalhador, de modo que, mister o atendimento de normas precaucionárias no meio
ambiente do trabalho, tais como Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA) e o
Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EPIA).
5.2 DO PROGRAMA DE PREVENÇÃO DE RISCOS AMBIENTAIS (PPRA)
O direito positivo estabelece um dever genérico do empregador de antecipar-se aos
riscos ambientais do trabalho, indo além das exigências das normas regulamentares.
Tal dever encontra-se consubstanciado no Programa de Prevenção de Riscos
Ambientais, que consiste em uma legislação federal, especificamente a Norma
Regulamentadora nº 09, emitida pelo Ministério do Trabalho e Emprego no ano de 1994.
O seu objetivo é estabelecer uma metodologia de ação que garanta a preservação da
saúde e integridade dos trabalhadores, frente aos riscos dos ambientes de trabalho. Esse
mecanismo impõe ao empregador uma abordagem sistemática dos riscos.
Para efeito do PPRA, os riscos ambientais são os agentes físicos, químicos e
biológicos existentes nos ambientes de trabalho que, em função de sua natureza, intensidade e
tempo de exposição, são capazes de causar danos à saúde dos trabalhadores.
A elaboração e implementação do PPRA é obrigatória para todos os empregadores e
instituições que admitam trabalhadores como empregados. Não importa o grau de risco ou a
quantidade de empregados. Assim, tanto um condomínio, uma loja ou uma refinaria de
petróleo, todos são obrigados a ter o PPRA, cada um com suas características e complexidade.
É possível verificar que a NR-9 trata sobre a obrigatoriedade de Programa de
Prevenção de Riscos Ambientais em empresas ou instituições para a proteção da saúde dos
trabalhadores, por meio de uma ação antecipada de reconhecimento, avaliação e controle dos
riscos ambientais existentes ou que venham a existir no ambiente laboral.
Veja-se que a NR-9 dispõe no seu item 9.3.1 que o Programa de Prevenção de Riscos
Ambientais deverá incluir as seguintes etapas: a) antecipação e reconhecimento dos riscos; b)
estabelecimento de prioridades e metas de avaliação e controle; c) avaliação dos riscos e da
exposição dos trabalhadores; d) implantação de medidas de controle e avaliação de sua
eficácia; e) monitoramento da exposição aos riscos; f) registro e divulgação dos dados 9.3.1.1.
118
E nos itens 9.3.2: a antecipação deverá envolver a análise de projetos de novas
instalações, métodos ou processo de trabalho, ou de modificação dos já existentes, visando a
identificar os riscos potenciais e introduzir medidas de proteção para sua redução ou
eliminação. Já no item 9.3.3 temos: o reconhecimento dos riscos ambientais deverá conter os
seguintes itens, quando aplicáveis: a) a sua identificação; b) a determinação e localização das
possíveis fontes geradoras; c) a identificação das possíveis trajetórias e dos meios de
propagação dos agentes no ambiente de trabalho; d) a identificação das funções e
determinação do número de trabalhadores expostos; e) a obtenção de dados existentes na
empresa, indicativos de possível comprometimento da saúde decorrente do trabalho; g) os
possíveis danos à saúde relacionados aos riscos identificados, disponíveis na literatura
técnica; h) a descrição das medidas de controle já existentes.
Tais disposições geram uma obrigação genérica para o empregador no sentido realizar uma busca sistemática e permanente da localização e prevenção de riscos ambientais, não podendo contentar-se em cumprir as normas das NRs existentes. Assim, ao deixar de fazer tal antecipação com uma questão onde seria lícito pensar que cuida de providência razoável e necessária, estará infringindo essa norma de prevenção genérica194.
Desse modo, o Programa de Prevenção de Riscos Ambientais estabelece que o
empregador deverá garantir que na ocorrência de riscos ambientais que coloquem em situação
de grave e iminente risco, os trabalhadores poderão interromper de imediato suas atividades.
Da mesma forma que o PCMSO, o PPRA também é um instrumento precaucionário,
dependendo apenas da forma como se analisa o risco. A própria NR-9, em seu item 9.3.5.1,
traz essa previsão ao determinar a adoção das medidas necessárias para eliminar, minimizar
ou controlar os riscos ambientais sempre que forem verificados, entre outros, riscos potenciais
(na fase de antecipação) ou evidentes (na fase de reconhecimento) à saúde. Este item da NR-9
trata justamente de se evitar os riscos potenciais, ou seja, os não comprovados.
Todavia a ausência da realização do PPRA por muitas empresas, ou mesmo a
superficialidades daqueles já existentes, acaba por não gerar o efeito desejado, qual seja, o de
mensurar os possíveis riscos da atividade empresarial, no sentido de que, para sua maior
efetividade seria muito bem-vinda a aplicação pelos órgãos públicos e judiciais de
penalidades, como por exemplo, multas que atendam o efeito pedagógico do ofensor de não
mais repetir a omissão, ou mesmo a paralisação do empreendimento ou proibição do seu
início.
194 SADY, João José. Direito do meio ambiente do trabalho. São Paulo: LTr, 2000, p. 166.
119
5.3 DO ESTUDO PRÉVIO DE IMPACTO AMBIENTAL (EPIA)
O Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EPIA), que foi instituído pela Portaria nº
3.214, de 8 de junho de 1978, do Ministério do Trabalho, integra a rede protetiva da saúde e
segurança do trabalhador no ambiente laboral.
Instrumento preventivo de proteção ao meio ambiente, o Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EIA), destina-se a analisar, prévia e sistematicamente, os efeitos danosos que possam resultar da implantação, ampliação ou funcionamento de atividades com potencial de causar significativa degradação ambiental e, caso seja necessário, propor medidas mitigadoras para adequá-las aos pressupostos de proteção ambiental195.
A Lei da Política Nacional do Meio Ambiente - Lei nº. 6.938/81 em seu art. 9º, III e
IV incluiu o EIA e o licenciamento de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras entre
os seus instrumentos de avaliação de impactos ambientais. A resolução nº. 001/86 do Conama
estabeleceu situações, de forma exemplificativa, consideradas causadoras de impactos
significativos ao meio ambiente, em que o Estudo de Impacto Ambiental se faz necessário.
A Resolução nº 237 do Conama, de 19 de dezembro de 1997, exige, em seu artigo 8º,
as seguintes licenças:
I – Licença Prévia (LP) – concedida na fase preliminar do planejamento do empreendimento ou atividade aprovando sua localização e concepção, atestando a viabilidade ambiental e estabelecendo os requisitos básicos e condicionantes a serem atendidos nas próximas fases de sua implantação; II – Licença de Instalação (LI) – autoriza a instalação do empreendimento ou atividade de acordo com as especificações constantes dos planos, programas e projetos aprovados, incluindo as medidas de controle ambiental e demais condicionantes, da qual constituem motivo determinante; III – Licença de Operação (LO) – autoriza a operação da atividade ou empreendimento, após a verificação do efetivo cumprimento do que consta das licenças anteriores, com as medidas de controle ambiental e condicionantes determinados para a operação.
Desse modo, Mirra196 nos mostra, é possível verificar que o estudo de impacto
ambiental está inserido na primeira etapa do processo de licenciamento e deve ser exigido,
elaborado e aprovado antes da expedição da Licença Prévia (LP), como condição desta. Isto
porque, como destacado acima, é nessa fase que se realizam os estudos de viabilidade do
projeto e nenhum outro estudo é mais adequado para tal finalidade do que o EPIA.
195 CIGOLINI, Diego. Estudo de impacto ambiental. Fonte: http://www.grupoescolar.com/materia/estudo_de_ impacto _ambiental.html. p. 54. Acesso em 02/04/2011. 196 MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Impacto ambiental: aspectos da legislação brasileira. 3ª. ed. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2006, p. 37.
120
No que tange ao conceito de licenciamento ambiental, o Conama assim se posicionou
em sua Resolução nº 237, no art. 2º, I:
Licenciamento ambiental: procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental competente licencia a localização, instalação, ampliação e a operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou daquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental, considerando as disposições legais e regulamentares e as normas técnicas aplicáveis ao caso.
Para Silva197, o Estudo de Impacto Ambiental, que é pressuposto da licença ambiental
em muitas hipóteses, constitui um meio de controle prévio específico da disciplina ambiental.
Geralmente, o fundamento econômico é invocado pelos empreendedores para
justificar a manutenção da atividade, inclusive utilizando-se do fato consumado em seu
benefício. Ou seja, instalam-se, sem as licenças ambientais e administrativas e, somente após
a constatação das irregularidades ambientais, trabalhistas, fiscais ou previdenciárias é que
iniciam os procedimentos tendentes à regularização de sua situação, em uma completa
inversão da sequência lógica e que deve ser punida pela evidente má-fé dos seus autores.
Afirma Antunes198 que cuida-se de uma análise técnica e científica antecipada dos
custos e benefícios ambientais dos projetos de atividade econômica, uma análise
custo/benefício do projeto, tomando-se como parâmetro a repercussão sobre o meio ambiente.
A Constituição Federal não se reporta, expressamente, ao licenciamento ambiental.
Apenas recepciona, qualificadamente, o EPIA e sua exigência às atividades potencialmente
causadoras de significativa degradação ambiental (art. 225, §1º, IV).
O Estudo de Impacto Ambiental foi elevado à categoria constitucional pelo art. 225 §
1º da Constituição Federal de 1988, ao estabelecer que todos têm direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de
vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para
as presentes e futuras gerações. Sendo que, para assegurar a efetividade desse direito, estipula
o mesmo artigo, em seu § 1º, inciso IV, que cabe ao poder público exigir, na forma da lei,
para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do
meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade.
Deste dispositivo constitucional, fica claro que o EPIA deve ser exigido pelo Poder
Público; ser realizado antes da instalação da obra ou atividade potencialmente causadora de
significativa degradação ambiental, não podendo nunca ser concomitante e nem posterior à
197 SILVA, 2010, p. 79. 198 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. 10ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 249.
121
obra ou atividade; ser amplamente divulgado, especialmente, diante da população direta e
indiretamente atingida pelo projeto, e os órgãos e entidades de defesa do meio ambiente.
No mesmo sentido, temos ainda a Declaração do Rio de Janeiro de 1992 que
estabelece, no Princípio 17 que:
A avaliação do impacto ambiental, como instrumento nacional, será efetuada para as atividades planejadas que possam vir a ter um impacto adverso significativo sobre o meio ambiente e estejam sujeitas à decisão de uma autoridade nacional competente.
A função do EPIA é analisar os impactos ambientais de projetos e suas alternativas,
determinando o grau de risco de degradação ambiental e ponderando as formas de evitá-la por
mecanismos preventivos e precaucionários.
O Relatório de Impacto Ambiental, por seu turno, é o próprio EPIA redigido de forma
compreensível para o público, porquanto este é elaborado segundo critérios técnicos,
conferindo-se eficácia ao princípio da informação ambiental. Desse modo, fica
disponibilizado para consulta pública e proporciona uma base concreta para a atuação da
administração pública que, por meio do órgão estadual competente e da Secretaria de Meio
Ambiente, esta em caráter suplementar, deverá ou não licenciar obras ou atividades
modificadoras do meio ambiente.
Dentre os diversos princípios que regem o direito ambiental, o Estudo de Impacto
Ambiental tem fundamento especial nos princípios da prevenção e precaução, de modo que,
pelo princípio da prevenção, temos que devem ser adotadas medidas efetivas para evitar o
dano ambiental no caso de haver risco de danos graves e irreversíveis ao meio ambiente. O
princípio da precaução, por sua vez, vai mais além e preconiza que a prevenção deve ocorrer
não apenas em caso de certeza do risco do dano ambiental, mas, também, quando existe a
dúvida científica acerca do referido risco.
O EPIA pode ser usado como instrumento de precaução, tendo em vista que a
Resolução nº 237/97 do CONAMA não fala em análise apenas de riscos certos (prevenção),
ao contrário, determina no seu art. 6º, inciso II, a previsão da magnitude e interpretação da
importância dos prováveis impactos relevantes, o que permite a compreensão dos impactos
certos ou hipotéticos, não havendo exigência sobre o grau de certeza ou comprovação do
impacto. Referido dispositivo determina ainda que sejam discriminados os impactos positivos
e negativos, diretos e indiretos e a longo prazo, temporários e permanentes, além de seu grau
de reversibilidade e suas propriedades cumulativas.
Frente à abrangência do conceito de impacto ambiental, verifica-se que o EPIA deve
abordar todos os aspectos do meio ambiente, levando em consideração sua unicidade, não
122
apenas o meio ambiente natural. Isso implica que ele também estude o impacto ao meio
ambiente do trabalho, pois o estudo sobre a saúde, a segurança e o bem-estar da população,
deve também alcançar a saúde, a segurança e o bem-estar do trabalhador.
A Portaria Conjunta Ministério de Estado do Meio Ambiente e IBAMA nº 259, de 07
de agosto de 2009, veio expressamente determinar isso, obrigando o empreendedor a incluir
no EIA/RIMA um capítulo específico sobre alternativas de tecnologia mais limpa para reduzir
os impactos na saúde do trabalhador e no meio ambiente, incluindo poluição térmica, sonora e
emissões nocivas ao sistema respiratório (art. 1º), além de uma proposta de programa
específico de Segurança, Meio Ambiente e Saúde do trabalhador em seu Programa Básico
Ambiental (art. 2º).
Na seara laboral, a nossa Carta Magna esclarece que o trabalhador tem o direito
fundamental à redução dos riscos, por meio de normas de saúde, higiene e segurança (art. 7º,
XXII). A preocupação do constituinte repousa nos riscos da atividade econômica à
integridade psicossomática do trabalhador, pois determina a expedição de ato normativo para
que a ameaça de perigo seja prevista e, com antecipação, anulado o resultado.
Seguindo essa linha, a CLT tem capítulo específico (capítulo V, 154 c/c 201), com
diversas normas sobre saúde e segurança no trabalho, com a característica de prevenção de
danos futuros. Diz ainda o artigo 160 que “nenhum estabelecimento poderá iniciar suas
atividades sem prévia inspeção e aprovação das respectivas instalações pela autoridade
regional competente em matéria de segurança e medicina do trabalho”. O §1º do mesmo
artigo permite “às empresas solicitar prévia aprovação, pela Delegacia Regional do Trabalho,
dos projetos de construção e respectivas instalações.”
Pelo que se observa, o texto legal trabalhista dispõe acerca da necessidade de se
realizar um estudo preliminar sobre o impacto que os agentes nocivos presentes na atividade
empresarial podem causar ao meio ambiente do trabalho, nos moldes do EPI instituído pela
Lei de Política Nacional do Meio Ambiente.
A inspeção prévia do estabelecimento é uma avaliação antecipada dos impactos
ambientais da atividade, obra ou equipamento no local de trabalho pelo órgão competente.
Dessa maneira, o EPIA, conforme delineado pela Lei nº 6.938/81, por ser mais abrangente,
deve incorporar a inspeção prévia do órgão de polícia ambiental das relações de trabalho em
sua avaliação técnica.
A CLT, em seus artigos 155 e 200, estabelece que incumbe ao órgão de âmbito
nacional competente em matéria de segurança e medicina do trabalho estabelecer normas,
critérios e padrões de qualidade do meio ambiente do trabalho, em complemento aos preceitos
123
das leis ordinárias. A referida autoridade competente é o Ministério do Trabalho e Emprego –
MET, órgão de fiscalização, deliberação e julgador das matérias afetas ao meio ambiente do
trabalho, à semelhança do IBAMA e CONAMA.
Importante constatar que o EIA/RIMA, a exemplo do que acontece com o Programa
de Prevenção de Riscos Ambientais – PPRA constitui instrumento que visa garantir a
proteção do meio ambiente e o controle da poluição, compreendendo-se nesta a degradação da
qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente prejudique a saúde, a
segurança e o bem-estar da população ou que afetem as condições sanitárias do meio
ambiente, conforme definição contida no artigo 3º, III, alíneas a e d da Lei n. 6.938/81. Pode-
se dizer, assim, que o EIA/RIMA está para o licenciamento ambiental, assim como o PPRA
está para o licenciamento trabalhista previsto no artigo 160 da CLT.
A obrigatoriedade de se incluir o meio ambiente do trabalho nas avaliações de impacto
ambiental decorre da unidade conceitual do bem objeto de proteção, a não admitir
segmentação de seus aspectos em compartimentos estanques. O meio ambiente é uma
totalidade e deve ser analisado em sua completude.
Nesse diapasão, levando-se em consideração que o meio ambiente é indivisível, bem
como que o meio ambiente do trabalho está inserido no meio ambiente natural, temos que,
para que seja garantido um meio ambiente equilibrado e sadio, faz-se necessário a utilização
do EPIA também nos empreendimentos empresariais, com o objetivo de aferir e caracterizar
os impactos do referido empreendimento sobre o meio ambiente do trabalho, possibilitando a
verificação, desde o início, das medidas de controle e segurança, visando dotar a empresa dos
padrões mínimos de segurança e saúde do trabalho previstos nas Normas Regulamentares –
NR’s do Ministério do Trabalho e Emprego e que compõem, por assim dizer, o meio
ambiente do trabalho, inclusive com a possibilidade, em determinadas circunstâncias, da
assinatura de Termo de Ajuste de Conduta, expediente que em tudo se coaduna com a
necessária prevenção dos riscos inerentes ao meio ambiente do trabalho.
A realização do EPIA deve ser incluída também no meio ambiente do trabalho, com
uma análise integral do bem ambiental em todos os seus aspectos. A adequação do
empreendimento às normas de medicina e segurança no trabalho, deve ser averiguada ainda
na fase inicial de planejamento da atividade econômica, de modo a dar efetividade ao
princípio da precaução e impedir, desde o nascedouro, a implementação de uma atividade,
obra ou equipamento em desacordo com a legislação ambiental do trabalho.
Ao iniciar uma determinada atividade econômica, é de se esperar que o empresário já
saiba a tecnologia a ser empregada, bem como o local em que funcionará a empresa. A
124
finalidade do EPIA é promover um inventário de todas as tecnologias aplicáveis e disponíveis
a essa atividade e as várias opções de localização, para uma melhor avaliação das reais
alternativas de execução do projeto e os reflexos dessas opções no meio ambiente.
O trabalho humano não pode mais ser apreendido como uma externalidade aos
empreendimentos, já que cuida-se de mão-de-obra local disponível e da geração de emprego e
renda. Desse modo, eis a necessidade da realização do EPIA no ambiente em que o trabalho
humano se desenvolverá, com uma análise antecipada da observância dos padrões de
qualidade no trabalho e das normas de segurança e saúde do trabalhador.
Trata-se, como se vê, o Estudo Prévio de Impacto Ambiental, para o âmbito trabalhista, de importante instrumento de tutela ambiental que, não obstante isso, infelizmente é pouco utilizado, mas que deve ser incentivado e perquirido pelas autoridades competentes do Ministério do Trabalho e Emprego, como forma de se prevenir efetivamente os riscos ambientais e os consequentes danos à saúde e integridade física e psíquica dos trabalhadores. Realmente, se toda empresa, antes de se instalar, tivesse a fiscalização e aprovação do Ministério do Trabalho e Emprego, inclusive sobre os equipamentos utilizados, menores seriam os casos de acidentes de trabalho e doenças ocupacionais199.
Fernandes200 nos demonstra que é possível verificar que se tem dispensado pouca ou
nenhuma importância aos efeitos do empreendimento em termos de degradação do meio
ambiente do trabalho e da saúde do trabalhador. A questão geralmente é tangenciada,
ressaltando-se, quando muito, nos Relatórios de Impacto Ambiental (RIMA) levados à
discussão nas Audiências Públicas, a geração de empregos diretos e indiretos em função da
implantação, como se isto dispensasse o empregador do cumprimento de fornecer um local de
trabalho sadio que não prejudique a vida e a saúde do trabalhador e da população do entorno.
Assim sendo, o meio ambiente do trabalho ainda não logrou alcançar um lugar de
destaque nas avaliações de impacto ambiental. Os estudos técnicos limitam a enfocar a
geração de emprego e renda, a importância da qualificação da mão-de-obra e a
implementação posterior de programas de segurança e medicina do trabalho. Ocorre que
necessário se faz estudo prévio à instalação e operação do empreendimento, de forma que o
cumprimento das normas para a segurança do trabalhador seja comprovado antecipadamente
através dos estudos ambientais, com participação dos órgãos de fiscalização das relações de
trabalho. O meio ambiente de trabalho deve ter tratamento idêntico aos demais aspectos
ambientais, com um inventário completo das alterações significativas da atividade econômica
no local de labor e sua adequação à legislação ambiental trabalhista.
199 MELO, 2010, p. 79. 200 FERNADES, 2009, p. 89.
125
Dessa forma, aduz Castilho201 que o empreendedor, já na fase embrionária dos
projetos, deve adotar todas as cautelas e esforços para se alinhar à legislação de proteção ao
trabalho e inventariar os impactos negativos de sua atividade no meio ambiente do trabalho,
dando assim aplicação ao princípio da precaução, de modo que condiciona a atividade
econômica ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, focalizando na neutralização ou
diminuição dos danos à integridade psicossomática dos trabalhadores, por precaver,
antecipadamente, posturas de risco acentuado e ameaça de acidentes e doenças ocupacionais.
Não havendo possibilidade de se evitar ou minimizar os impactos adversos ao meio
ambiente, porém com a opção social comprometida em autorizar a implementação do
empreendimento pelos reflexos de outros benefícios daquela atividade, o EPIA tem a
finalidade adicional de prever medidas de compensação e recuperação dos recursos
ambientais afetados, sem excluir o ambiente laboral.
O meio ambiente do trabalho, por se tratar do local onde o homem exerce suas
atividades laborativas, assume caráter de prioridade nas avaliações de impacto ambiental, pois
a intervenção do empreendedor, no ambiente do trabalho, tem reflexo direto no próprio
trabalhador. O acidente de trabalho, resultado inafastável da degradação ambiental do
trabalho, deve ser evitado a todo custo e nunca poderá concorrer em igualdade de valor com
qualquer benefício social ou econômico do empreendimento.
O EPIA ao ser aplicado no ambiente laboral deve encontrar uma solução que proteja a
vida do trabalhador, com a garantia de um meio ambiente de trabalho ecologicamente
equilibrado. Caso contrário, se a degradação ambiental do trabalho for inevitável, se aquela
atividade econômica não apresentar uma alternativa viável de se realizar sob condições de
trabalho adequadas, tal atividade não deve ser autorizada. A degradação ao meio ambiente do
trabalho é fator de restrição à atividade econômica e não permite ser superada por quaisquer
outros benefícios oferecidos pelo empreendimento.
Fica claro que a falta de certeza científica sobre a possibilidade de um risco em potencial causar dano ao meio ambiente não justifica a ausência de medidas eficazes para protegê-lo. Este princípio tem aplicação imediata no meio ambiente do trabalho e respalda, em especial, ações acautelatórias da saúde do homem trabalhador, como a necessidade de realização do EPIA antes da empresa começar a funcionar, bem como da chamada greve ambiental202.
201 CASTILHO, 2010, p. 96 e 118. 202 MELO, 2010, p. 04.
126
Nesse sentido, no item seguinte será abordado aspectos importantes da greve
ambiental como instrumento de proteção à saúde do empregado no meio ambiente do
trabalho.
5.4 GREVE AMBIENTAL
Conforme dito no decorrer de todo o presente trabalho, há inúmeros casos de danos
ambientais que, quando descobertos, os prejuízos já se tornaram irreversíveis.
Da mesma forma ocorre com os danos sofridos pelos empregados em seus ambientes
de trabalho, de modo que, quando o conhecimento vem a lume, o que geralmente se dá
através de ações judiciais, os danos sejam físicos ou psicológicos, já se tornaram de difícil
reparação, ou mesmo irreversíveis.
Foi principalmente em função da paralisação dos trabalhadores na busca de melhores condições de trabalho e de vida que surgiu o direito do trabalho. Afinal, foi em razão do recrudescimento dessas lutas e de todo o sangue derramado que o Estado passou a intervir nas relações entre trabalhadores e empregadores, no alvorecer da I Revolução Industrial. Mais que um direito, a greve é o mecanismo máximo de autodefesa dos trabalhadores em face daqueles que detêm os meios de produção. É por meio dela que os trabalhadores afetarão o ponto mais sensível do empregador, sua produção, suas atividades, de onde retira seu faturamento, seu lucro203.
O modelo econômico inaugurado com a Revolução industrial desencadeou tanto o
surgimento do proletariado, como o início do processo de degradação do meio ambiente
natural e humano numa escala nunca dantes vista. Para Figueiredo204, a nova classe social que
nascia, essa degradação ambiental significava sujeição a doenças ocupacionais e acidentes do
trabalho. Em outras palavras, verifica-se um súbito e violento decréscimo na qualidade de
vida da população.
A partir do momento em que o movimento operário percebeu que a responsabilidade da exploração não cabia às máquinas, mas aos seus proprietários, que sem o seu trabalho não havia produção, surgiu a compreensão de que não era necessário quebrá-las. Bastava paralisá-las. E, para tanto, era suficiente não comparecer às fábricas. Sua ação, nesse sentido, tinha inclusive uma sutil cobertura ideológica da própria burguesia, que sempre procurou divulgar a ideia de que no sistema capitalista a classe trabalhadora era livre, inclusive no sentido de escolher não trabalhar ou escolher o patrão. O que não quer dizer que, na prática, os patrões tenham aceitado esse princípio no que toca às greves. Ao contrário, estas eram
203 HINZ, Henrique Macedo. Direito coletivo do trabalho. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 11. 204 FIGUEIREDO, 2007, p. 21.
127
combatidas com dureza. Nem por isso deixaram de generalizar-se. A partir daí, o movimento grevista não parou de crescer205.
Desse modo a partir da metade do século XX, a greve passou a ser reconhecida
internacionalmente como um direito dos trabalhadores, tendo sido previsto no Pacto
Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas em 1966,
atualmente amparado pelos órgãos da Organização Internacional do Trabalho – OIT (Comitê
de Liberdade Sindical, desde 1952, e Comissão de Peritos em aplicação de Convenções e de
Recomendações, desde 1959), formando um corpo de princípios gerais da liberdade sindical
proclamados pela OIT.
No Brasil, a Lei nº 7.783/89 considera greve, conforme dicção do artigo 2º, a
suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial, de prestação pessoal de serviços a
empregador.
Todavia, de acordo com os ensinamentos de Pereira206, o conceito de greve apresenta-
se em crise, porque divorciado da hodierna realidade social, que proporciona exemplos de
greves sem paralisação do serviço, como as de zelo e de rendimento, ou seja, não só o modelo
das greves ativas.
De uma maneira mais ampla, a greve se constitui em toda omissão, redução ou alteração do trabalho, com a finalidade de reivindicação ou protesto, ou como alteração coletiva do trabalho com a finalidade de autotutela. Coincidem nesse sentido as definições que atribuem à greve a introdução de uma alteração da habitualidade produtiva, ou de uma excepcionalidade transitória da normalidade produtiva, assim como as que a conceituam como todo tipo de perturbação coletivamente pactuada do processo de produção207.
Da dicção do art. 1º da Lei 7.783/89 permite-se extrair que o exercício do direito de
greve pode ser agitado ante a um imperativo de caráter trabalhista, social ou ambiental, sendo
no último caso para garantia da saúde, higiene e segurança do trabalho.
A mera observância de normas de ergonomia, luminosidade, duração de jornada de trabalho, previstas em lei, não autoriza – por si só – a conclusão por higidez no meio ambiente do trabalho. Um trabalho realizado em condições extremas, estressantes poderá ser tão ou mais danoso ao meio ambiente do trabalho que o labor realizado em condições de potencial perigo físico. O dano à saúde psíquica – por suas peculiaridades – dificilmente tem seu perigo imediato identificado o que, todavia,
205 ABRAMOWICZ, Betty S. O que todo cidadão precisa saber sobre greves. 2ª ed. São Paulo: Global, 2006, p. 09. 206 PEREIRA, Alexandre Demetrius. Tratado de segurança e saúde ocupacional: aspectos técnicos e jurídicos, v. 1. São Paulo: LTr, 2005, p. 19. 207 URIARTE, Oscar Ermida. A flexibilidade da greve. Tradução de Edilson Alkmin. São Paulo: LTr, 2000, p. 43.
128
não subtrai o direito do empregado a se insurgir contra práticas que sejam danosas à sua saúde208 (MELO, 2006, p. 162).
Como então prevenir os danos ao meio ambiente do trabalhador? O que fazer quando
há grave risco iminente à incolumidade física e psíquica dos obreiros? É claro que há uma
série de ações individuais e coletivas à disposição de legitimados ativos, específicos que
buscam fazer valer o referido direito fundamental, v.g. a ação civil pública. Todavia,
determinadas situações, pela iminência e gravidade do risco, demandam uma ação mais
célere. É a aplicação do princípio ambiental da precaução. Nestas situações o jus resistentia
pode se materializar em legítima abstenção ao trabalho enquanto perdurarem as condições
nocivas ao trabalho: uma greve ambiental.
Desse modo, o trabalhador, para reivindicar um local de trabalho salutar, pode utilizar-
se de um meio ainda pouco conhecido, que é a greve ambiental, e sendo esta denominada
como:
[...] um instrumento constitucional de autodefesa ao empregado, a fim de que possa reclamar a salubridade do seu ambiente do trabalho e, portanto, garantir o direito à saúde, caracterizando-se, conforme evidencia, como um instrumento de defesa da saúde do trabalhador, em face da sua atuação no meio ambiente do trabalho209.
A greve, em sentido lato, tem o aspecto unicamente coletivo, a greve ambiental pode
ser vista sob a ótica individual, por estar atrelada a um bem maior – a defesa do direito à vida
e à saúde.
A greve ambiental tem por finalidade implementar adequadas e seguras condições de
trabalho, enquanto bem de uso comum do povo. O objetivo específico de tutela é a saúde e a
qualidade de vida do trabalhador.
Apesar da inexistência de previsão legal específica para tal espécie paredista, temos
que a própria Constituição Federal acabou por permiti-la ao dispor em seu 5º, XXXV, que “a
lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, abraçando o
princípio da inafastabilidade da jurisdição e garantido ao trabalhador o sagrado acesso à
justiça.
A finalidade precípua da greve ambiental, é a implementação de saudáveis condições
de trabalho, enquanto bem de uso comum do povo (art. 225, CF/88).
208 MELO, Sandro Nahmias. Meio ambiente do trabalho e greve ambiental. In Hiléia: Revista de Direito Ambiental da Amazônia. Ano 4, nº 7. Manaus: Edições Governo do Estado do Amazonas/Secretaria de Estado da Cultura/Universidade do Estado do Amazonas, 2006, p. 122. 209 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro – 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 503.
129
O seu reconhecimento também pode ser retirado dos art. 7º, XXII e 9º da CF/88, que
estabelecem, respectivamente, como direito dos trabalhadores a redução dos riscos inerentes
ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança; e assegura o direito de greve,
competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses
que devam por meio dela defender. A greve é um direito fundamental do homem social tão
relevante quanto os principais direitos fundamentais da pessoa humana.
Doutro modo, a Magna Carta merece ser lida à luz do princípio da unidade da
Constituição. Assim é que, para Cesário210, o artigo 5º, XXXV, deve ser interpretado em
harmonia com o artigo 9º da Lei Maior, para se compreender que tanto quanto o acesso à
jurisdição, a greve é um direito fundamental da classe trabalhadora. Pior ainda, seria um
verdadeiro atentado aos direitos fundamentais à vida (artigo 5º, caput, da CRFB) e à saúde
(artigo 6º da CRFB).
Além do mais, temos que o artigo 1º da Lei 7.783-89 também estabelece ser
“assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de
exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.”
Assim, verifica-se que a greve é um direito fundamental de destaque em razão da sua
natureza instrumental, se inserindo no conceito de garantia constitucional. Em outros termos,
ela é o instrumento para o exercício de um direito fundamental material que, no caso da greve
ambiental, é o direto à saúde dos trabalhadores, enquanto desdobramento do direito à vida.
Indo mais adiante, temos também a Convenção nº. 155 da OIT, que foi aprovada no
Brasil pelo Decreto Legislativo nº 2/92 e ratificada em 18 de maio de 1992, entrando em vigor
um ano após, em 18 de maio de 1993. Tal convenção foi promulgada pelo Decreto nº
1.254/94, de modo que, após sua ratificação, a mesma passou a integrar o direito positivo do
Estado brasileiro.
A Convenção nº 155, com sua aprovação e promulgação, tornou-se norma
materialmente constitucional, por tratar de direitos humanos, ou seja, do direito à saúde e à
vida do trabalhador como um direito fundamental no plano internacional, conforme já
explicitado anteriormente.
O art. 13 da Convenção n. 155 da OIT, confere ao empregado o direito de interromper
uma situação de trabalho por considerar, por motivos razoáveis, que ela envolva um perigo
iminente e grave para a sua vida ou sua saúde, sendo que o exercício de tal direito não pode
210 CESÁRIO, João Humberto. Greve ambiental do trabalho, teoria geral do processo e direito processual do trabalho. Publicado em 20/11/2009. Fonte: http://ambiencialaboral.blogspot.com/2009/11/greve-ambiental.html. Acesso em 27/11/2011.
130
sofrer qualquer punição por parte do trabalhador, e para tanto, uma paralisação teve o
reconhecimento judicial, conforme decisão emanada pelo Tribunal Regional do Trabalho da
15ª, in verbis (resumo do acórdão):
Não podemos acolher as alegações da suscitante, no sentido de declarar a greve abusiva, ainda que a norma que disciplina o exercício do direito de greve não tivesse sido cumprida literalmente. Ocorre que a paralisação coletiva do trabalho é um fenômeno tipicamente social, e a sua deflagração pode decorrer de circunstâncias tais que, sob o aspecto formal, o descumprimento da norma não implica em sua violação a ponto de permitir que se declare abusivo o movimento. A farta documentação apresentada pelo suscitado torna evidente que qualquer negociação prévia foi frustrada pela suscitante, o que tornou impossível qualquer diálogo conciliatório, dada à gravidade dos fatos ali documentados... Além de não cumprir as normas convencionais e as do estatuto consolidado, a suscitante resistiu às determinações do Ministério do Trabalho, não esboçando qualquer atitude no sentido de adequar o local de trabalho para que as atividades fossem exercidas com dignidade e segurança. Os documentos de fls.243/249, tornaram evidente que a empresa não tinha instalações elétricas adequadas, proteção em máquinas e equipamentos, armazenando produtos inflamáveis em local impróprio, além de outras, pondo em risco os seus trabalhadores, em profundo desrespeito ao ser humano... Assim sendo, consideradas todas as circunstâncias que envolveram a deflagração do movimento paredista, não podendo declará-lo abusivo com fundamento no descumprimento de normas legais. Tal é a gravidade dos fatos noticiados em relação ao suscitante, que a exigência do exato cumprimento da norma é suplantada pela necessidade imperiosa de medidas urgentes, eis que não se trata na hipótese dos autos de discutir meras reivindicações de ordem econômica e social, mas sim, da eliminação de risco de vida. Trata-se de cumprir o disposto no art. 5º, da Constituição Federal. Afasto, portanto, a abusividade da greve sob o aspecto formal211.
Dispõe também a Convenção 155 da OIT, em seu art. 21, que nenhuma providência na
área de segurança ou higiene do trabalho poderá implicar ônus financeiro para os
trabalhadores. E seu artigo 19, f, assevera acerca da obrigação dos trabalhadores de cooperar
no cumprimento das normas de segurança e saúde estabelecidas pelos empregadores, devendo
comunicar ao superior hierárquico qualquer situação que envolva um perigo iminente e grave.
Também na esfera internacional, o art. 13 da Convenção nº 152, sobre segurança e
higiene no trabalho portuário, e o art. 18 da Convenção nº 170 (produtos químicos), protegem
o direito do trabalhador de interromper seu labor sempre que tiver motivos razoáveis para
acreditar que há perigo iminente e grave a sua vida, segurança ou saúde, relacionado com suas
atividades laborais. Também respalda o trabalhador de consequências injustificadas deste ato.
Um caso público, que merecer mencionado entre os exemplos de greve ambiental, foi
o acidente ocorrido no ano de 2009, no voo 447 da Air France:
[...] que caiu no Oceano Atlântico quando fazia a rota Rio-Paris, na noite de 31 de maio de 2009, vitimando 228 pessoas. Após o ocorrido, um grupo de pilotos da companhia aérea se recusou, na segunda feira do dia 08 de junho de 2009, a voar nos aviões A-330 e A-340, a menos que dois, dos três monitores externos de velocidade
211 Processo TRT 15ª Região DC – 153/96 DO de 05/09/96, Rel. Juiz Carlos Roberto do Amaral Barros, apud Raimundo Simão de Melo, op. cit. p. 106.
131
e altitude (sondas Pitot), fossem substituídos. Neste caso, não havia certeza científica quanto à contribuição da sondas Pitot no acidente. Isto, todavia, pelo risco grave e iminente, não poderia constituir óbice para a adoção de medidas imediatas destinadas a proteger à incolumidade dos trabalhadores, do meio ambiente do trabalho212.
No campo da jurisprudência, tem-se o Enunciado nº 6 do C. TST, que assim
estabelece:
6. GREVES ATÍPICAS REALIZADAS POR TRABALHADORES. CONSTITUCIONALIDADE DOS ATOS. Não há, no texto constitucional, previsão reducionista do direito de greve, de modo que todo e qualquer ato dela decorrente está garantido, salvo os abusos. A Constituição da República contempla a greve atípica, ao fazer referência à liberdade conferida aos trabalhadores para deliberarem acerca da oportunidade da manifestação e dos interesses a serem defendidos. A greve não se esgota com a paralisação das atividades, eis que envolve a organização do evento, os piquetes, bem como a defesa de bandeiras mais amplas ligadas à democracia e à justiça social 213.
Temos assim que sob qualquer enfoque que observemos, a greve ambiental deve ser
encarada como um direito fundamental do empregado, podendo ser deflagrada ante uma
situação de possível risco à saúde do trabalhador, dando efetiva concretização ao princípio da
precaução.
Assim, fica claro que a falta de certeza científica sobre a possibilidade de um risco em potencial causar dano ao meio ambiente, não justifica a ausência de medidas eficazes para protegê-lo. Este princípio tem aplicação imediata no meio ambiente do trabalho e respalda, em especial, a greve ambiental. Se o risco de dano à saúde do trabalhador é potencialmente grave e iminente, havendo comprovação científica ou não do mesmo, devem ser adotadas, preventivamente, medidas eficazes para proteger a incolumidade física e psíquica do trabalhador. Não adotadas estas medidas, entendemos como legítima a abstenção ao trabalho até que eliminados ou reduzidos significativamente estes riscos214. A título de exemplo, seria legítima a paralisação de um grupo de trabalhadores, buscando melhorias nas condições de trabalho, de uma empresa estrangeira – instalada no Brasil - que aplica aos seus empregados as técnicas de “incentivo ao trabalho” habituais do seu país de origem, tais como: humilhação pública dos empregados que não atingem metas; truculência verbal por parte de todos os chefes com seus subordinados; discriminação dos chefes de setor brasileiros em detrimento dos chefes estrangeiros de igual hierarquia? A resposta a esta questão nos parece positiva215.
Lutando pelos seus direitos através da greve ambiental, os empregados estão fazendo
valer a garantia do seu direito constitucional, afinal, conforme disposição do artigo 255,
da CF/88, todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso
212 MELO, 2010, p. 7-8. 213 1ª Jornada de direito material e processual na justiça do trabalho. TST, Brasília, 23/11/2007. 214 MELO, 2011, p. 124. 215 MELO, 2006, p. 162.
132
comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à
coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
Note-se que o referido movimento paredista não implica em ganhos ou reparações
financeiras, mas de garantir o direito fundamental, que é o direito à vida e à saúde, evocando
o novo conceito de liberdade de dizer não à morte e ao risco de vida.
Tal ato não deixa de ser uma reflexão acerca dos riscos que o trabalho muitas vezes se
apresenta devido à falta de políticas de prevenção e ao descaso para com a saúde e a vida do
trabalhador, culminando por diversas vezes, em vitimar empregados em acidentes de trabalho.
5.5 OUTRAS MEDIDAS PRECAUCIONÁRIAS
No âmbito trabalhista a precaução é instrumento necessário para garantir o meio
ambiente laboral seguro e saudável.
As medidas de inspeção prévia e embargo ou interdição (arts. 160 e 161 da CLT),
consubstanciam medidas precaucionárias. A NR-2, sobre Inspeção Prévia, aprovada pela
Portaria 3.214, de 8 de junho de 1978, dispõe textualmente, em seu item 2.6, que um
estabelecimento que não se tenha realizado a inspeção prévia (item 2.1 da NR-2), e obtido o
Certificado de Aprovação de Instalações (itens 2.2 e 2.3 da NR-2), de modo a assegurar que o
novo estabelecimento inicie suas atividades livre de riscos de acidentes e/ou doenças do
trabalho, fica sujeito ao “impedimento de seu funcionamento”, o que, de certa forma, abriga o
princípio da precaução.
Na NR-12 (Máquinas e Equipamentos), é proibida a fabricação, importação, venda,
locação e uso de máquinas e equipamentos (item 12.5.1), que não atendam às normas de
segurança e proteção de máquinas e equipamentos nela previstas, podendo a autoridade do
Ministério do Trabalho interditar a máquina ou equipamento que desatenda este comando.
Notável é a aplicação integral do princípio da precaução na consideração da atividade
que submete trabalhadores a radiações ionizantes ou substâncias radioativas como perigosa,
pela Portaria n. 3.393, de 17 de dezembro de 1987, republicada pela Portaria 518, do
Ministério do Trabalho e Emprego, de 4 de abril de 2003, que gerou a inclusão de mais um
anexo à NR-16 (Atividades e Operações Perigosas). Seus dois considerandos apontam as duas
premissas caracterizadoras da precaução (existência de ameaça de danos sérios e irreversíveis
e ausência de certeza científica dos danos), acima expostas: “Considerando que qualquer
exposição do trabalhador a radiações ionizantes ou substâncias radioativas é potencialmente
133
prejudicial à sua saúde; considerando, ainda, que o presente estado da tecnologia nuclear não
permite evitar ou eliminar o risco em potencial oriundo de tais atividades.”
Embora a normativa não proíba o trabalho com radiações ionizantes ou substâncias
radioativas, as inclui dentre as atividades perigosas que sujeitam os trabalhadores à proteção
estabelecida pela NR-16.
As normas de segurança e medicina do trabalho são instrumentos jurídicos
extremamente importantes para a concreta e efetiva proteção à saúde do empregado. Todavia,
ainda não são suficientes para impor uma conduta de não-fazer (negativa) por parte da
empresa que ultrapassa os limites do exercício legal do poder empregatício para agredir a
saúde psicofísica do trabalhador.
Estes, dentre outros, são exemplos da aplicabilidade do princípio às relações de
trabalho. Embora específicos às situações mencionadas, seu espírito pode ser estendido a
outras em que a comprovação científica ainda não reconhece o risco das atividades.
Pelo exposto, temos que um dos focos da questão precaucionária é o homem
trabalhador, posto que o meio ambiente onde exerce seu ofício diário, deve ser essencial à sua
qualidade de vida, além de ser um direito fundamental. Atualmente, o homem não busca
apenas a saúde no sentido estrito, mas anseia por qualidade de vida e, como profissional, não
deseja apenas condições higiênicas para desempenhar sua atividade; pretende, sim, qualidade
de vida no trabalho.
134
6 CONCLUSÃO
A tutela do bem jurídico ambiental possui importância fundamental na manutenção do
direito à vida, saúde e qualidade de vida, abarcando também a proteção ao meio ambiente do
trabalho, fato que repercute diretamente na qualidade de vida dos trabalhadores, lhes
permitindo uma vida melhor e com mais dignidade, pelo que se verifica que protegendo-se o
meio ambiente de trabalho, tem-se garantido o direito à vida dos trabalhadores e daqueles que
deles dependem.
Portanto, uma das formas de enfrentar os riscos de uma nova tecnologia e
industrialização crescente, na intenção de proteger os trabalhadores que têm de a ela se expor,
é utilizando-se da precaução, investindo-se fortemente na pesquisa para que os riscos possam
ser identificados e controlados. À medida que tais certezas são alcançadas, os trabalhadores
têm o direito de ser informados dos riscos a que estão ou que serão submetidos no processo
produtivo.
Parcela significativa dos empregados expõe-se, na atividade de trabalho, a uma
combinação de cargas ambientais e sociais. O desgaste que estas impõem a sua saúde não
pode ser captado por indicador único, uma vez que fenômenos muito complexos estão
envolvidos nesse sistema. Desta forma, as questões que envolvem a vigilância em saúde dos
trabalhadores, exigem abordagem coerente com a compreensão da realidade como sistema
aberto em que todos os seus elementos são interdependentes, interdefiníveis, e cujas relações
não são lineares.
O meio ambiente do trabalho é local que deve ter sua salubridade preservada, pois
disso depende a saúde daqueles que a ela se submetem, ou seja, dos cidadãos trabalhadores.
Para tanto, apesar de sua pouca utilização na seara trabalhista, o princípio da
precaução funciona como forte combate ao surgimento de acidentes laborativos, haja vista
que por ele se prima pela utilização de medidas precaucionárias capazes de impedir o
funcionamento de empreendimentos cuja certeza de salubridade e segurança ainda não se faça
presente, forçando a empresa a adequar-se às medidas protetivas/precaucionárias até que reste
provada a inocuidade do estabelecimento para a saúde dos empregados.
Não obstante as ações precaucionárias mereçam destaque em função de suas
vantagens na tutela do meio ambiente do trabalho, as ações repressivas também deverão ser
aplicadas quando não for possível evitar-se a ocorrência do dano. Tal proteção deve ocorrer
da forma mais integral e eficaz possível, eis que se trata da proteção de direitos indisponíveis,
que exigem uma maior atenção por parte do poder público e da sociedade.
135
Não se postula com tais colocações que a empresa seja interditada e tenha suas
atividades e a sua produção interrompidas permanentemente; que desembolse rios de dinheiro
para pagar indenizações ou manterem estabilizados seus empregados acidentados; tampouco
que sejam os empregadores presos. Deseja-se, pura e simplesmente, que o acidente do
trabalho não ocorra.
São cada vez mais claros os sinais de que os desperdícios sofridos pela ausência ou
precariedade das ações de prevenção e precaução podem conspirar contra a própria saúde
financeira e a sobrevivência das firmas em médio e longo prazo. Fica evidente também que se
alguém ganha com a não prevenção com a ausência de precaução, com o não investimento,
este ganho é ilusório e se torna mais adiante um gasto não previsto, de proporções muito
maiores do que custaria evitar o sinistro.
A falta de investimento em precaução é de visão equivocada, posto que investir em
precaução, através de pesquisas e pareceres técnicos acerca da higidez do empreendimento,
além de ser de obrigação do empregador, permite assegurar o cumprimento da lei, permitindo
a um empregado demitido, ser novamente inserido no mercado de trabalho. Ao contrário, a
falta de precaução, além de infringir a lei é causa de aumento dos acidentes, prejudicial ao
próprio trabalhador infortunado, à sua família, à sociedade, à própria previdência, além de
aumentar o passivo trabalhista do empregador, colocando em risco até a continuidade do
próprio negócio.
É certo que medidas precisam ser tomadas, quer no âmbito do poder público, quer no
seio da sociedade. Conscientização de empregadores e de empregados, orientações por meio
das entidades patronais e de empregados, campanhas de sensibilização são atividades
importantes, mas as fiscalizações nos locais de trabalho são imperiosas.
Para tanto, o presente estudo defende que não basta à lei cumprir seu papel
intimidador e de indutor de tomadas medidas preventivas e precaucionárias tendentes a coibir
os acidentes do trabalho – sendo, porém, inegável sua efetividade. Entretanto, parte desta
efetividade depende do próprio nível de consciência do gestor do negócio.
Não há referência tão só aos impactos econômicos gerados pelo infortúnio na fábrica
como argumento e modelo a conter o acidente, o que já seria suficientemente apto a fazê-lo,
mas sim aos impactos morais causados por ele. O se quer também com isto trazer a discussão
e a reflexão, como seres humanos, este negativo negócio no qual a mercadoria é a saúde ou a
própria vida do trabalhador.
A precaução aos acidentes do trabalho é uma das ferramentas mais importantes para se
evitar a incapacitação de milhares de trabalhadores, apesar de muitas empresas não
136
entenderem a prática como um investimento rentável. Enquanto este quadro não mudar será
difícil conseguir reduzir o número de acidentes de trabalho.
Ressalta-se que muitas empresas, inclusive a maioria dos micro e pequenos
empreendimentos comerciais, industriais ou prestadores de serviços não tem um programa de
educação ambiental envolvendo trabalhadores em ações mais efetivas na busca de melhoria
da qualidade de vida desses ambientes.
Sabe-se que, os acidentes do trabalho geram problemas sociais, e muitos dos acidentes
resultam de falta de conhecimento e falha humana. A educação é o elemento-chave para
sensibilizar e motivar os empresários e trabalhadores a desenvolverem ações que venham
melhorar as condições e o ambiente de trabalho. Quanto mais envolvidos no processo de
mudança, maior será o comprometimento e a contribuição na manutenção de melhoria
contínua e busca de novos padrões de segurança e saúde. Acredita-se que a busca de soluções
e alternativas para resolução desses problemas dependem da sensibilização, que só ocorre
com um processo educativo.
Agregar à segurança no trabalho as questões ambientais nos treinamentos, cursos,
capacitações já exigidos pela legislação trabalhista, permeando os conteúdos ministrados, não
aumenta custos, nem onera as empresas. Cuidar do meio ambiente é tarefa de todo cidadão e
de toda empresa, independentemente do seu porte.
A proteção ao meio ambiente laborativo, por meio de medidas precaucionárias e
repressivas é uma obrigação imposta ao Estado e à coletividade, a fim de se permitir a
adequada defesa dos bens jurídicos em discussão. Por esta razão, os instrumentos criados
devem ser utilizados de maneira efetiva e ampliada, de modo a permitir uma atuação estatal
eficaz, efetiva e eficiente na proteção desses bens jurídicos.
A melhoria esperada dependerá dos riscos existentes em cada empresa e do
comprometimento, tanto dos empresários na implantação de medidas necessárias como dos
trabalhadores aderindo e adotando as medidas prevencionistas, precaucionárias e corretivas
para um ambiente mais limpo, mais seguro, evitando desperdício e contaminação do meio
ambiente.
Ainda há muita coisa a ser feita e enquanto o meio ambiente do trabalho e a saúde do
trabalhador não forem tratados pelo Estado – em todos os níveis da Federação – como
prioridade absoluta, muitos danos continuarão ocorrendo e seus causadores permanecerão
impunes. Proteger o meio o meio ambiente é, pois, um instrumento fundamental para a
proteção de inúmeros direitos. Nesse sentido, a imposição de sanções legais é necessária.
137
O Ministério Público do Trabalho, como defensor dos interesses sociais e individuais
indisponíveis na seara do trabalho, tem largo e importante papel a desempenhar para fazer
valer o direito à educação ambiental no trabalho, manejando os instrumentos judiciais e
extrajudiciais à sua disposição.
O Poder Público deve tornar efetivo o seu papel. Deve além de legislar, fiscalizar as
irregularidades. Mas ao invés de simplesmente autuar, penalizar, deve atuar preventivamente
com programas de saúde e segurança mais ágeis. Deve se antecipar ao problema. É necessário
promover vistorias e fiscalizações mais abrangentes e voltadas para a educação, visando à
melhoria contínua dos projetos e processos que envolvam trabalhadores.
É preciso novamente enfocar que a adequação do ambiente de trabalho depende,
fundamentalmente, da educação ambiental respectiva, ministrada aos que nele interagirem –
trabalhadores, empresários e representantes do Poder Público.
Conclui-se desse modo que, a adoção de medidas que eliminem ou diminuam os riscos
da atividade, evitando acidentes de trabalho ou doenças ocupacionais, não geram apenas a
diminuição de gastos com eventuais indenizações, mas geram principalmente, qualidade de
vida para todos os indivíduos que fazem parte do corpo empresarial, dando condições para
que o envolvimento e desempenho de todos seja potencializado, permitindo um
desenvolvimento saudável que pode ser inserido em outros ambientes de convívio do
indivíduo. É a primazia pelo bem maior: o bem da vida saudável.
138
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