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O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE DA RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
DO ESTADO-ADMINISTRAÇÃO
L e o n g , H o n g C h e n g
CENTRO DE ESTUDOS DE DIREITO PÚBLICO E REGULAÇÃOFACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
MARÇO | 2017
CEDIPRE ONLINE | 30
L e o n g , H o n g C h e n g
CENTRO DE ESTUDOS DE DIREITO PÚBLICO E REGULAÇÃOFACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
MARÇO | 2017
O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE DA RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
DO ESTADO-ADMINISTRAÇÃO
TÍTULO O Princípio da Eficiência no “Cosmos” da Ilicitude da Res-ponsabilidade Civil Extracontratual do Estado-Administração
AUTOR(ES) Leong, Hong Cheng
IMAGEM DA
CAPA Coimbra Editora
COMPOSIÇÃO
GRÁFICA Ana Paula Silva
EDIÇÃO CEDIPRE Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra 3004-528 COIMBRA | PORTUGAL Tel.: +351 239 836 309
E-mail: [email protected]
PARA CITAR
ESTE ESTUDO O Princípio da Eficiência no “Cosmos” da Ilicitude da Res-ponsabilidade Civil Extracontratual do Estado-Administra-ção, Publicações CEDIPRE Online - 30, http://www.cedipre.fd.uc.pt, Coimbra, março de 2017
coimbra
março | 2017
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Abreviaturas e siglas
Ac. Acórdão CC Código Civil CPA CódigodoProcedimentoAdministrativo CRP ConstituiçãodaRepúblicaPortuguesa CJA CadernosdeJustiçaAdministrativa Proc. processo RLJ RevistadeLegislaçãoeJurisprudência RRCEE RegimedaResponsabilidadeCivilExtracontratualdoEstadoe DemaisEntidadesPúblicas(Lei67/2007,de31deDezembro) STA SupremoTribunalAdministrativo TCAN TribunalAdministrativoCentralNorte TCAS TribunalAdministrativoCentralSul
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O P R I N C Í P I O D A E F I C I Ê N C I A N O “ C O S M O S ” D A I L I C I T U D E D A R E S P O N S A B I L I D A D E C I V I L E X T R A C O N T R AT U A L D O E S TA D O - A D M I N I S T R A Ç Ã O
Leong,HongCheng
1. Delimitação do tema
O estudo do princípio da eficiência, para além de ser interdisciplinar, impli-caumconjuntodeproblematizaçõespluridimensionais. Por isso, antesdeavançar-mosnanossaindagação,urge-sedelimitarnitidamenteadimensão/asdimensõesdoprincípiodaeficiênciaemquepretendemosfocarnasseguintespáginas.
Ora,especialmentenoterrenodoDireito,oprincípiodaeficiência(apesardasuaduvidosajuridicidadenadoutrina)temvárioscamposdavigência.Elebasicamentevincula,outemapotênciadevincular,todosospoderesdesoberaniadeumEstadodeDireitodemocrático.
Porumlado,elevinculaolegislador,designadamentenaáreadasestratégiasregulatórias–pense-seporexemplonorecenteregimedeSIMPLEXquevisatornarasleismaisclarasecompreensíveisparaoscidadãos,aumentandoassimaqualidadedatécnicalegislativa,eporseuturnoa“eficiência”naregulação(emsentidoamplo).Poroutrolado,oprincípiodaeficiênciapodeterlugardaaplicaçãonavinculaçãodostribunais–mesmoqueistonãosejaatinenteaopróprioconteúdodasdecisõesjuris-dicionais,massimaoaspetodaadministraçãodajustiça–tendorepercussãosignifi-cativanosproblemasdoatrasonajustiça.Ademais,oprincípiodaeficiênciavinculaaAdministraçãoPública–eaquioprincípiosedesdobraemváriasdimensões:
Emprimeiro lugar, temosadimensãoorganizatória,quetratasobretudodosproblemas da descentralização, desconcentração e privatização da AdministraçãoPública, para além dos problemas da colaboração dos particulares com a Adminis-
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tração.Alias, temos adimensãoprocedimental, quepretende regeros trâmitesdoprocedimentoadministrativo–aqui,encontramosquestõespertinentesquesecon-sistemnacompatibilizaçãodomodelodoprocedimentoeficientecomagarantiadosdireitosfundamentaisdosparticulares1.Alémdomais,temosadimensãosubstancial,emqueoprincípiodaeficiênciavisaexercerumainfluêncianopróprioconteúdodasdecisõesadministrativas,emergindo-secomoumpadrãomaterialquevinculaaAd-ministraçãosobretudonoexercíciodopoderdiscricionário.
Ora, dentro desta heterogeneidade de campos da vigência e dimensões doprincípiodaeficiência,oqueescolhemoscomoobjetoprincipaldaindagaçãodopre-sentetrabalhoéapenasadimensãomaterialdoprincípiodaeficiêncianasuavincu-laçãodaAdministraçãoPública.
Masmesmo dentro desta circunscrição, as problematizações implicadas sãonumerosascujainvestigaçãocabalestásemdúvidasforadoalcancedeumsótrabalho.
Destarte,tendoemcontaolimiteeaconcisãodanossaindagação,vamosfo-calizar daí emdiante apenasnasquestõesda ilicitudeda responsabilidade civil ex-tracontratual do Estado-Administração pela violação da dimensão substancial doprincípiodaeficiência–aindaqueasconclusõeseventualmentetomadaspossamedevamterrepercussõesnãodespiciendasnoutrasquestõesrelevanteseinterligadas.
Agora, antes de entrarmos subitamente na essência do tema, julgamos quesejaimportanteabordaronosso(especial)entendimentoemrelaçãoàdimensãosub-stancialdoprincípiodaeficiência–cujacomunicaçãoargumentativaéimprescindívelquerparaumacompreensãoglobaldotema,querparaafundamentaçãodasnossasdiversasposiçõestomadasmaisafrente.
2. O princípio da eficiência – (re-)construção de um conceito jurídi-co autónomo da eficiência
2.1.Considerações iniciais
Comofactonotório,aeficiência,que,emconjuntocomaeconomicidadeeaeficácia formamofamoso“3Es”,éumdosconceitosoperatórios fundamentaisemquaisquerestudosdaeconomia.Épraticamente impossívelnãomergulharnaprob-lemáticadaeficiênciaemquaisquertemáticasquetêmumaconexão,nemquesejameramenteocasionaleinstrumental,comofuncionamentodaeconomia.
Atualmente, com o recurso cada vez mais frequente, aprofundado e talveztambém(contraditoriamente)vulgarizadoaoestudodaeficiência,opróprioconceitodaeficiência,mesmonoterrenodapuraeconomia,nãopossuiumanoçãounitária.Paranãomencionaraconfusão,porvezesnegligente,comosconceitosadjacentesdeeconomicidadeeeficácia,podemosencontrar,nasvastasliteraturaseconómicas,um
1Sobreestetema,consulte,portudo,Loureiro,João,O Procedimento Administrativo entre a Eficiência e a Garantia dos Particulares,Coimbra,1995.
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conjuntodosconceitosfuncionaisdaeficiência–todospossuindoumarelevânciaeinfluêncianãodespiciendanodesenvolvimentodediferentesramosdoDireito.
Sem qualquer pretensão de exaustividade, podemos discernir, rudimentar-mente:a eficiência ou ótimo de Pareto,que,incidindoessencialmentesobreoprob-lemaeconómicodealocaçãodosrecursos,correspondeaumestadoemquejánãoépossível realizarqualquer (re-)alocaçãodosbensparamelhorarasituaçãodeumagenteeconómicosemqueprejudiqueasituaçãoatualdooutroagente.Transportan-do-o para os estudos jurídico-políticos, trata-se de um instrumento prestativoparainvestigaratemáticadefracassodemercadoeosfundamentoseasmedidasdainter-vençãodoEstadonomercado2.
Ademais,temosoconceitodaeficiência socialque, inserindo-senafronteiraentre a ciência económica e a ciência político-social, traz a balanço (na análise daeficiência deuma certa transação económica), para alémdos proveitos e prejuízospolarizadosnaesferadaspartesenvolvidasnaprópriatransação,tambémaquelesquesãosuportadosdifusamentepelasociedadeemgeral3.Trata-sesemdúvidasdeumatentativadeadaptaroconceitoestritamenteeconómicodaeficiênciaaoutrosramosdeciências–eespecialmentenaciênciapolítico-jurídica,aeficiênciasocialconsub-stancia-sesemdúvidasnumaconsideração relevanteparaa tarefa legiferante,umavezquecomoCootere Ulensalientam,“[a] good legal system keeps the profitability of business and the welfare of people aligned, so that people who pursue profits also benefit the public”4.
Alémdomais,temosoconceito,digamosomaiselementar,daeficiência,que,naindagaçãodarelaçãoentremeioseresultados,designaaqualidadedeumadecisãoouumaoperaçãoqueconsegueotimizarautilizaçãodosrecursosexistentesnumde-terminadotempoeespaço,levandoaque,mormentemedianteumaóticarelativista:ouconsegueatingiromáximoresultadopossívelcomumdadomontantederecursos;ouconsegueutilizaromínimomontantederecursosdisponíveisparaatingirummes-moresultadopré-fixado.Trata-sedeumconceitooperatóriomaisrecorridonaciênciajurídica comoumpontodepartida, seja na problematização geral da possibilidadedeumaabordagemutilitaristadoDireito,sejanasproblematizaçõesespeciaiscomoacompreensãodasublimaçãodaeficiênciaaumpadrãovinculativodascondutasdoEstado-Administração (ou seja, a interpretação do princípio da eficiência enquantoum dos princípios gerais das atividades administrativas, que é o objeto nuclear dopresentetrabalho).
Ora, para facilitar uma eventual comparação do nosso “ponto de chegada”com aqueles das outras doutrinas ocasionalmente convocadas ao longo desta ind-agação, julgamos que seja oportuno começarmos domesmoponto de partida, i.e. investigandoosentidodoprincípiodaeficiêncianasatividadesadministrativasapartir
2Veja,entreoutros,Porto,Manuel,Economia: Um Texto Introdutório, Coimbra,2009,p.424-426;Pereira,PauloTrigo,Economia e Finanças Públicas, Coimbra,2015,p.39ss..
3Cf.Cooter,Robert/Ulen,Thomas,Introdution to Law and Economics, Boston,2007,p.5.4 Ibidem.
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doaludidoconceitomaiselementardaeficiência–mas,claro,semnegararelevânciadosoutrosconceitosvigentesdaeficiência.
2.2. Autonomia conceitual da eficiência
Escusando-nosdequalquerpapagueamentodogmáticoesalvandoopresentetrabalhodeumlaborexcessivamenteconceitualista,nãovamosexploraradistinçãodaeficiênciadetodososseusconceitosadjacentes5.Sendonósmunidosdesdeoin-íciocomumaintencionalidadejurídico-normativa,limitamo-nosapenasi)aprecisarafronteiraentreaeficiênciaeaeficácianoatualDireitoAdministrativoemqueseevi-denciaumacriseuniversaldoprincípiodalegalidadeadministrativa,eii)aprocuraraautonomia“perdida”doprincípiodaeficiênciafaceaoprincípiodaproporcionalidade.
i) A nova fronteira entre a eficiência e a eficácia (adaptação dos conceitos à realidade jurídica vigente)
Antesdedemonstrarejustificarestanovafronteira,éprementeprecisar,aindaquesejaapenassucintamente,ocontextoeosentidosubstancialdaaludidacrisedoprincípiodalegalidadeadministrativa.Correndooriscodedesvirtuarariquezaprob-lemáticaimplicadaporestefenómeno,numapalavramuitogeral,encaramosacrisedalegalidadeadministrativacomoaconsequênciadarelativizaçãoouenfraquecimen-to(senãoumaverdadeiraperda)daforçavinculativamaterialdasleis,apesardequeasuaforçavinculativaformalsemantembasicamenteintacta.Ouseja,enquantoasleisaindaseapresentamcomoofundamentojurídicoimediatoeolimiteinultrapassáveldasatuaçõesadministrativas,estesfundamentoelimitediluem-se, levandoaqueaAdministração,amiúde,apenaséobrigadaaobservarprincípioselinhasgeraisdeori-entaçãofinalísticacomumcontornomarcadamentemaleável,semsuficienteprecisãonoconteúdo.Poroutraspalavras,comoAnaRaquelMonizdestacou,louvando-senasobservaçõesdoConseil Constitutionnel, “a lei passa a privilegiar um «direito mole», um «direito fluido», um «direito em estado grosso»”6.
Ora,pordetrásdesteenfraquecimentodaforçavinculativamaterialdas leis,podemosencontrarumconjuntodosfatores7.Masindependentementedasnatureza
5Remetemosentãopara:Loureiro,João,O Procedimento..., cit.,p.124-134;Santos,MartaCosta,Recompreensão da Decisão Fiscal à luz do Princípio da Eficiência,Coimbra,2012,policopiado,p.19-23;Gonzáles,EnriqueLópez,“UnaaproximacióndelaCienciadelaAdministraciónalanálisiscon-ceptualdelprincipiodeeficaciacomoguíadeaccióndelaAdministraciónpública”,in Documentación Administrativa, Madrid,1989,n.º218-219,p.75-81,etc., ondesepodeencontrarexposiçõesminucio-sassobreadistinçãodaeficiênciadosseusvizinhos.Noentanto,éimportanteassinalarquenãoexisteumaperfeitaunanimidadeemrelaçãoaestadistinção.
6Cf.Moniz,AnaRaquel,A Recusa de Aplicação de Regulamentos pela Administração com Fun-damento em Invalidade. Contributo para a Teoria dos Regulamentos, Coimbra,2012,p.77.
7 Entre outros, a reação intra-sistemática contra a inflação legislativa que “desacralizou” afunçãodas leis [v. Ibidem, p.70-72; idem, “TheRulemakingPowerofAdministrativeAgencies:Crisisof Legality,RuleofLaw,andDemocracy”,2015,p.12ss.disponível:http://ssrn.com/abstract=2420561];
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evariedadedestesfatores-causas,oqueé importanteassinalarparaopresentees-tudoé:acrisedalegalidadeadministrativatemimportadoparaosEstadoscontem-porâneosumanovadistribuiçãodastarefasentreospoderesdesoberania.Eespecial-mentenarelaçãoentreolegisladoreaAdministraçãoPública,comoasleisagoraseapresentamcomoum“direito fluído”que,muitasvezes,selimitamaenunciarapenasosfinsaalcançarpelaAdministraçãoeosprincípiosgeraisnaconcretizaçãoe real-izaçãodocomandolegal;aesferadaliberdadedeconformaçãodiscricionáriadaAd-ministraçãoficaconsequentementealargada.Porforçadisso,aAdministraçãopossui,prima facie8,umamaior“liberdade”nadecisãoderesultados–ouseja,desdequeaAdministraçãoconseguirenquadraroresultadoaalcançar(oualcançado)dentrodofimlegal,elacumpriujáefetivamenteoqueRogérioSoaresdesignapor“dever(deboaadministração)daadequaçãoformaldoatoaofimlegal/interessepúblico”9.Ora,umadasconsequênciasimediatasdissoé,antesdemais,umarecompreensãoesimul-taneamenteumreforçodanatureza jus-constitutivadasaçõesadministrativas,peloque,sucintamentedito,aAdministraçãodota,porforçadapróprialei,nãosódeumaautonomianaescolhademeios,mastambém,deuma(muitomaior)autonomianaescolhaderesultados.Destarte,oqueantigamenteseinteressavaporadequaçãodosmeiosaoresultado,ésubstituídopelonovoparadigmadeenquadramentodosmeioseresultadosdentrodofim.
Agora,coma“dissociação”doresultadodofim,deslocandooprimeiroparaaesferadaconformaçãodiscricionáriadaAdministração,ficandosóoúltimonadeter-minaçãoimperativadolegislador,umanovafronteiraentreaeficiênciaeaeficáciains-ta-seserdemarcadaaotransportar(adaptando)estesvaloresdaorigemmeta-jurídicaparaodireitoadministrativo:
Recordandoos conceitospuramenteeconómicosdaeficiênciaeeficácia: aeficiênciaassinalaarelaçãoentremeioseresultados,referindoàqualidadedeumadecisãoqueconseguemaximizarosrecursosexistentesparaatingirumcertoresul-tadopré-fixado;enquantoaeficáciadestacaarelaçãoentreresultadosatingidoseresultadosdesejados,referindoàqualidadedeumaaçãoqueconseguefazercorre-sponderoatingidoaodesejado.Poroutraspalavras,naordemeconómica,aoapli-
aimplementaçãodeumEstadoReguladoreEstadoGarantidorquereivindicaumaatenuaçãodainter-vençãodospoderespúblicosnaregulaçãodasvidasprivadas;aconsciênciareanimadadaincapacidadenaturaldolegisladorpararesolverproblemasdeumasociedademarcadaporumaacentuadacomplex-idade,instabilidadeetecnicidade;asconsideraçõespolíticasquevisamalcançaraestratégiade“bla-me shift”ou“blame avoidance”quepromoveadeslocaçãodaregulamentaçãonormativadascertasmatérias(sobretudoaspoliticamentesensíveis)donívellegislativoaoníveladministrativo(mormenteparaasentidadesreguladoresindependentes)[v.Baldwin,Robert/Cave,Martin/Lodge,Martin,Un-derstanding Regulation, Theory, Strategy and Practice, Oxford,2012,p.56-58.Anossover,nocontextocontemporâneo,anecessidadedestaestratégiade“blame shift”éveiculadaessencialmentepeloclimadoantiparlamentarismo,emaisgeral,peladesconfiançadoscidadãosnolegislador.Maisobreisto,con-sulte,portodos,Rosanvallon,Pierre,La Légitimité Démocratique – Impartialité, Réflexivité, Proximité,Paris(ediçãodeSeuil),2008,maxime, p.9-191],etc.
8Dizemos“prima facie”umavezquecomoveremos,estaliberdadeficaporsuavezlimitadapelofenómenoqueseconheceporenriquecimentodalegalidadematerial.
9 V. Soares,Rogério,Interesse Público, Legalidade e Mérito, Coimbra,1955,p.179-205ep.223ss.
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caraeficiênciaeaeficáciacomoumpadrãodeavaliação,ésupostoqueoresultadoéumdadofixo,oupelomenosqueadiferenciaçãoentreresultadoefimnãomereceumaespecialrelevância.
Destarte,paraquea invocaçãodaeficiência (eeficácia)comoumpadrãodeavaliaçãonodireitoadministrativosejacoerentecomaprópriarealidadejurídicavi-gente,antesdeensaiarumaadaptaçãodestesconceitosoriginalmenteeconómicosàintencionalidadeaxiológico-normativadajuridicidade(v.infra),éprementejáumaadaptaçãodosconceitosàrealidadejurídicavigente–queé, in casu,amencionadadissociaçãojuridicamenterelevantedoresultadodofim.
Aestepropósito,nanossaperspetiva,enquanto as leis se mantêm“fluídas”,aeficácia,noseiodarealidadejurídicavigente,referejánãoaoresultadoqueédeixadoàdiscricionariedadeadministrativa,massimaofimlegal.Enquantoaeficiênciapassaa indagarumarelaçãomaisdiversificadaentremeio,resultadoefim–ouseja,ten-doofimlegalmentefixadocomoumametaaatingireumafronteiraintransponível,umadecisãosómereceaqualidadedaeficiênciaselograrmaximizarosrecursosdis-poníveis(otimizaçãodosmeios)paraqueassimconsigaumamaximizaçãodosresul-tados(otimizaçãodosresultados).Querdizer,agora,noterrenojurídico,emtermosda eficiência, a escolha demeios, para alémde ter de ser enfileirada numafiloso-fiadeotimizaçãodosrecursos,temdeserteleologicamenteguiadaparalograrumaotimizaçãodosresultados–tudoporsuavezdelimitadopelofimlegalpreceituado.
Ora, a demarcaçãodestanova fronteira conceitual temuma relevância sub-stancialquesetranscendedaimposiçãodeummerorigorconceitualista.Emprimeirolugar,ao“marginalizar”aeficáciaaumpadrãoquevisaassinalaracorrespondênciaentre o interesse público alcançado efetivamente por uma atividade administrativa(o fim atingido) e o interesse público imposto pelo legislador (o fimdesejado), elaganhaumanovavidano terreno jurídicoenquantoumprolongamento material do aludido“dever(deboaadministração)daadequaçãoformalaofimlegal”–queexigeumacorrespondênciaentre “o interesse público subjetivado”e “o interesse público típico”10 –, reclamandoagoraumaoutra correspondência, queéentre “o interessepúblicoefetivamentealcançado”e“o interesse público típico”.Trata-sedeumarec-lamaçãoquesuscitaproblematizações interessantes,comoaquestãodaviabilidadedogmáticadatransposiçãodafigurade“obrigaçãoderesultado11”dodireitocivilparaodireitoadministrativo12;aquestãodavalidadedeumatoineficazemqueoagente,
10AsterminologiasemitálicosãotambémdonossosaudosoSenhorDoutorRogérioSoares. V. Soares,Rogério,Interesse Público..., cit., maxime, p.196.
11“Resultado”aqui,semdúvidas,nopurosentidode“alcançamentodointeressepúblicotípi-co”eporissonãosedeveconfundircomaquele“resultado”dissociadodofimlegal.
12Esta,defacto, jánãoéumaquestãonovanasdoutrinas.Logoem1980,MichelPailletjáchamouatençãoparaofactodequeestatransposiçãonãoésemdificuldade.Oautoratéacaboupornegaraexistênciadachamada“obligations de résultat”nodireitopúblico.Cf.Paillet,Michel,La Faute du Service Public em Droit Administratif Francis, Paris,1980,p.569-570,apud., Bousta,Rhita,Essai sur la Notion de Bonne Administration em Droit Public, Paris,2010,p.172.Nomesmosentido,pronuncioutambém BernardPacteau,paraquem“il paraît bien difficile d´imposer à l´autorité publique une véri-table obligation de résultat qui conduirait à la considérer comme fautive chaque fois qu´elle a été inef-
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todavia,cumpriuodeverdecorrespondênciaentre“o interesse público subjetivado”e“o interesse público típico”–adificuldadesurge-seporqueanãocorrespondênciaentre“ointeressepúblicoefetivamentealcançado”e“o interesse público típico”éalgonormalmente estranho (por ser posterior) às fases preparatórias para perfeição naconstituiçãodeumato13,etc.
Emsegundolugar,comaassociaçãoàeficiênciaumafinalidadedaotimizaçãodosresultados,afastamosdatradicionalconcentraçãodaanálisedaeficiêncianapuraquestãodemeios.Esteenriquecimentodaessênciadopróprioconceitodaeficiêncianoterrenojurídicoéfundamentalparasustentaraautonomiadaeficiênciafaceaout-rasfigurasafins,nomeadamente,aproporcionalidade.
ii) A autonomia “perdida” do princípio da eficiência face ao princípio da proporcionalidade
Emquaisquerestudossobreoprincípiodaeficiênciaenquantoumavinculaçãojurídicadasatividadesadministrativas,équaseimpossívelnãoencontraroconfrontodavigênciadestenovoprincípiocomoprincípiodaproporcionalidade.Contudo,namaioriadasconclusõesdoutrináriasquepodemosacharnaordem jurídicavigente,emvezdeumaclaraautonomiadoprincípiodaeficiência faceaoprincípiodapro-porcionalidade,oquesedestacouéumaconfusãodaeficiênciacomaproporcional-idadeeatéumaabsorçãodaeficiênciapelaproporcionalidade–porexemplo,comoSuzanaTavaresdaSilvaobservou,nocontrolodasatividadesadministrativasdiscri-cionárias, o padrão da eficiência fica usualmente confundido com o segundo testedoprincípiodaproporcionalidade:otestedanecessidade,quereclamaaadoçãodamedidamenos onerosa para os direitos ou interesses afetados14; entretanto, FilipaUrbanoCalvão,depoisde terensaiadodistinguiraeficiênciadaproporcionalidadecombaseemque“o juízo de proporcionalidade (e de necessidade) assentaria em juízo de prognose sobre as consequências das medidas em comparação, enquanto o juízo de eficiência pressuporia o conhecimento efetivo das suas reais consequências”,acaboupornegarrelevânciapráticaaestecritériodedistinção,confessandoadificuldadedeencontrarumazonadeaplicaçãoautónomadoprincípiodaeficiênciaquenãosejaco-bertajápeloprincípiodaproporcionalidade–paraaautora,aindanaquelashipótesesemquenãosejamcobertaspelotestedanecessidade,éeventualmenteaplicávelo
ficace”.Cf.Pacteau,Bernard,“notesousT.A.deParis,6ªsect.,4novembre1976,Société des agrégats de Seine et Affluents;C.E.,sect.27mai1977,Société anonyme Victor Delforge et Compagnie, rec.253,nº98122-98123;Jurisclasseur Périodique (Semaine juridique), 1978,I,nº18778”,apud., Bousta,Rhita,Essai sur..., cit.,p.171.
13Tendoemcontaoobjetivoprincipaldopresentetrabalhoeassegurandoaconcisãodeste,ju-lgamosquenãosejaoportunoresolveraquiesteconjuntodeproblemas,deixandonóssóumamemóriaparafuturodesenvolvimento.
14Cf.Silva,SuzanaTavaresda,“Oprincípio(fundamental)daeficiência”,2009,p.4,disponível:https://drive.google.com/file/d/0B1fVyohqdCKzMjRlMTQxNzMtMmY4ZS00OTg4LTg0NTMtNjI-wNGY4YTc1ZjAz/view?ddrp=1&hl=en(omesmoartigofoipublicadoempapelnaRevista da Faculda-de de Direito da Universidade do Porto, n.º7,Porto,2010,p.519-544).
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testedaproibiçãodoexcesso(proporcionalidadeemsentidoestrito)15;porenquan-to, João Loureiro, focando na dimensão procedimental do princípio da eficiência,tambémafirmouestaconfusãoconceitualentreeficiênciaeproporcionalidade16;re-centemente,PauloOtero,reduzindooprincípio(material)daboaadministraçãoaoprincípiodaeficiência edaeconomicidade, atédefendeexplicitamentequea aval-iaçãoda eficiência e da economicidadedas condutas administrativas se passa pelocrivodaproporcionalidade17.
Nãoobstante,mesmoquesejaminoritária,existeainda(ecadavezmais)vozdoutrináriaque,explicitaouimplicitamente,defendeaautonomiasubstancialdaefi-ciênciafaceàproporcionalidade.ExploraremosatesedeMiguelAssisRaimundoe a de RhitaBousta,que–semdúvidas,nãoesgotamtodasascontribuiçõesdoutrináriasvigentes–sãoposiçõesbematualizadasqueservemperfeitamenteparaumareflexãocríticamaisprofunda.
Para MiguelAssisRaimundo,aindaqueexistaumagrandeproximidadeentreaeficiênciaeaproporcionalidade(sobreposiçãoestaqueexistedefactoentretodosequaisquerprincípios)equepossaafirmarque“na eficiência, se tenha encontrado umadimensãoespecíficadaideiageraldeproporcionalidadeejustiça”,épossívelaindade-marcarumazonaaplicativaautónomaparaaeficiênciatendoemcontaasuaprópriaracionalidade.Istoé,paraoautor,aeficiênciaéumpadrãoespecialmentededicadoàavaliaçãodarazoabilidadedegestãoderecursospúblicos,tendo“especial incidência nas questões que se prendem com a prossecução do interesse público pela via contrat-ual ou através da colaboração com os particulares”–âmbitodeaplicaçãoestequeé,emprincípio,alheioàlógicadoprincípiodaproporcionalidade,que,especialmentenasuavertentedaproibiçãodoexcesso,cuidadosacrifícioimpostoaumaposiçãosubje-tiva,masnãodosacrifíciocolocadonosrecursos/fundospúblicos18.
Poroutrolado,RhitaBousta,queadotaumanoçãomuitoestritadaboaad-ministração,definindo-acomo“adaptation équilibrée des moyens”(queporissoco-incide,aindaquenãosejaperfeitamente,comanossaideiadeeficiência),erestringeaeficiênciaàumaracionalidadeestritaqueguiaautilizaçãodosmeiosfinanceiros19;tambémnãohesitaemautonomizarasuanoçãomuitoestritadaboaadministração(quenanossaótica,assimilabasicamenteàeficiência)daproporcionalidade,emboraconfessequeambososconceitospartilhem“asideiasdeadaptação(ouadequação)eponderação”.Entreosargumentosavançadospelaautora,omaisrelevanteparao
15 Cf. Calvão, FilipaUrbano, “Princípiodaeficiência”, in Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, n.º7,Porto,2010,p.333-335.
16Parafraseando:“[o] abre-te Sésamo do controlo judicial da eficiência ou ineficiência das con-cretas configurações procedimentais a cargo da Administração chama-se agora princípio da proporcio-nalidade”.Cf.Loureiro,João,O Procedimento...,cit.,p.137.
17Cf.Otero,Paulo,Direito do Procedimento Administrativo I, Coimbra,2016,p.272-274.18Cf.Raimundo,MiguelAssis,“OsprincípiosnonovoCPAeoprincípiodaboaadministração,
emparticular”,in Comentários ao Novo Código do Procedimento Administrativo (coord.CarlaAmadoGomes,AnaFernandaNevese TiagoSerrão),Lisboa,2015,p.175-180.
19 V. Bousta,Rhita,Essai sur..., cit., p.177-180.
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nossoestudoé:segundoaobservaçãodaautora,aproporcionalidadeéumaraciona-lidadeconvocadaessencialmentenaproblemáticadelimitesdosdireitos(fundamen-tais)eédefinidanoterrenojurídiconegativamentepelaausênciadedesproporciona-lidade;enquantoa“boaadministração”nãosededicaaosproblemasdelimitesdosdireitosmasimplicaumaaçãopositivade“adaptation équilibrée des moyens”.Alémdisso,enquantonaproporcionalidadeseindagaaconcordânciaentreoobjetivoeaafetaçãodosdireitos;na“boaadministração”,oqueseinteresseéapertinênciadosvárioselementosqueconstituemosmeios20.
Estas são posições que têm ummérito incontestável no ensaio da autono-mização conceitual da eficiência. Todavia, não podemos subscrever-lhes irreflexiva-mente.Há,certospontosquejulgamosaindasereminsuficientesparaoefeito.
EspecialmenteemrelaçãoàposiçãodeMiguelAssisRaimundo,aindaquesejavirtuosaemsalientaradedicação(limitação)dogmáticadoprincípiodaproporcional-idadeàquestãodossacrifíciosdasposiçõessubjetivos;é,anossover,aindaredutoranadelimitaçãoda autonomia aplicativadoprincípio da eficiência – semdúvidas, oprincípiodaeficiência,emvirtudedasuaorigemeconómicaeempresarial,temumaespecialpertinêncianoproblemadegestãopúblicaeutilizaçãodos recursospúbli-cos21eéoTribunaldasContasopioneirojudiciárioque,partindodasuacompetênciadafiscalizaçãodaboagestãofinanceira, iniciouo recursoaoprincípiodaeficiênciacomopadrãodecontrolodasatividadespúblicas22,nãopodemosesgotarnestaáreaaaplicaçãodoprincípiodaeficiência,sobpenaderestringirindevidamenteaessêncianucleardesteprincípioaummerolimitedesacrifício,queacabaporaproximarcon-traditoriamenteaoprincípiodaproporcionalidade.
Nanossaperspetiva,parafugirefetivamenteaestaconfusãoembaraçosacomoprincípiodaproporcionalidade,comoRhitaBoustadefende,éimprescindívelqueo princípio da eficiência (rectius, “boa administração” em sentidomuito estrito naprópriatesedaautora)sejaentendidocomouma imposição com conteúdo positivo,enãocomoumoutro“limitedelimite”paraleloaoprincípiodaproporcionalidade.
Todavia,estaimposiçãocomconteúdopositivo,anossover,jánãodeveidenti-ficar-seàquelaqueRhitaBoustacompreendepor“adaptation équilibrée des moyens”.Paraalémdequeestacompreensãodaautoraéfinalisticamenteconstruídaemtornodabuscadeumnovoentendimentodaboaadministração,queémaisamploqueoprincípio da eficiência; julgamos que amera ideia de “adaptação equilibrada” seja
20Cf.ibidem, p.221-222.21Comosenota,noiníciodadiscussãodarelevânciajurídicadoprincípiodaeficiênciaemais
geral os valores de 3E s, a tónica se coloca especialmente na problemática de aproximaçãomútuaentreaAdministraçãoPúblicaeasempresasprivadasnamatériadegestãoeutilizaçãodosrecursossobretudofinanceiros.Vejamentreoutros,Gonzáles,EnriqueLópez,“Umaaprozimación...”,cit., ma-xime, p.68-75; Eichhorn,Peter,“¿QuépuedenaprenderrecíprocamentelasempresasprivadasylasAdministracionespúblicas?”, in Documentación Administrativa, Madrid,1989,n.º218-219,p.259-268;idem., “Elcontroldelresultadoemelgastodelosfondospúblicos”,in Documentación Administrativa, Madrid,1989,n.º218-219,p.419-434.
22 V. Silva,SuzanaTavaresda,“oprincípio...”,cit., p.21ss.
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aindasobremaneira“tímida”,mormentequandoassociaraeficiênciaàprópriafilosofiadaboaadministração.Nanossaperspetiva,fielaopróprioconceitomaiselementardaeficiênciaenquantoumareclamaçãoàotimizaçãodosrecursosdisponíveis(ecomasuaadaptaçãoàrealidadejurídicavigente–enquantoumaotimizaçãodosmeiosteleologi-camenteorientadaparaalcançarumaotimizaçãodosresultadosdentrodafronteiradofimlegal),oconteúdopositivoimpostopeloprincípiodaeficiênciadeveapontarparauma“otimizaçãoequilibradadosmeiosedosresultados”,emvezdeumamera“adap-taçãoequilibrada”,emuitomenosumsimpleslimitedesacrifício23 24 25.
Com isto, julgamos que se consiga achar já aquela autonomia “perdida” doprincípiodaeficiênciafaceaoprincípiodaproporcionalidade,quetemumarelevânciapráticanãodespicienda:
Comefeito, logoqueoprincípiodaeficiência(rectius, este entendimento do princípiodaeficiência)fiquejuridicizadoesetornenumpadrãojusticiável(v.infra.),istorepresentaráumnovodomíniodocontrolo jurisdicionalsobreasatividadesad-ministrativas,aindaqueestecontrolosejaapenasumcontrolonegativo.Istoporque,o domínio aplicativo verdadeiramente autónomodoprincípio da eficiência é agoraconstituídoporaquelashipótesesemquenãoestamosperanteumacondutaadmin-istrativaqueimplicaumalimitação-sacrifíciodasposiçõessubjetivas(hipótesesestasquesãoreservadasnamaioriaparaocomandodoprincípiodaproporcionalidadeecertasdimensõesdoprincípiodaeficiênciaquenãosãonitidamenteautonomizáveis
23 Tambémpor forçadesta racionalidadenucleardeotimização,mesmoqueacrescenteumnovo teste da proibição de defeito ouproibição da proteção suficienteaoprincípiodaproporcionali-dade,aautonomiadoprincípiodaeficiênciaficaintacta.Istoporqueotestedaproibição de defeito,emborapareçaquejárepresentariaalgomaisdoqueummerolimitedesacrifício,nãoreclamanadamaisdoqueumasuficiente proteçãodosdireitosface a uma agressão.Aideiadeotimização,porisso,éalheiaaesteteste.Alémdisso,comoveremos,odomínioautónomoaplicativodoprincípiodaeficiêncianãopressupõeumaproteçãodosdireitosfaceaagressões,massimummelhoramentodostatu quo dasposiçõessubjetivas.
24Oentendimentodoprincípiodaeficiênciaenquantoumcomandodaotimizaçãoestá,ade-mais, em perfeita consonância com o atual aparecimento do princípio da eficiência como uma dasdimensõessubstanciais,comconfirmaçãolegislativa,doprincípiodaboaadministração(art.5.º/1doCPA).IstoporquecomoRogérioSoaresensina,aideiadaboaadministração,decorrentedoprincípiodaprossecuçãodosinteressespúblicos,nãoéumequivalenteaoconceitocivilde“bom pai de famí-lia”queapela aumhomemcommédia diligência. Pelo contrário, numEstadodeDireito emqueàAdministraçãoPúblicaéatribuídaopoder-deverdeprosseguirinteressespúblicossubstanciaiscomascompetênciasdelimitadaspelolegislador,areclamaçãoaumaboaadministraçãonãoéorequerimentodeumameraadministraçãomédia,massimumaótimaadministração,peloquenasprópriaspalavrasdesteinsignejurista:“... bom é sinónimo de ótimo, boa administração equivale a ótima administração”.Cf.Soares,Rogério,Interesse Público..., cit., p.189-190.
RestatomarumanotadequeanossaconvocaçãodestaimportantíssimacompreensãodeRo-gérioSoaresdaboaadministraçãoenquantoumaótimaadministração,porém,nãosignificaanossaadesãocompletaàdoutrinadosaudosomestreacercadodeverdaboaadministração.Adiscordânciaserádevidamenteabordadainfra.
25Porisso,julgamosquepadeçamdaincoerêncialógicaasdoutrinasquecomeçampordefiniraboaadministraçãocomoumaadministraçãoqueprossegueosinteressespúblicosdemelhor maneira possível,eligaroprincípiodaeficiênciaaoprincípiodaboaadministração;masacabamporconfundirouatéesgotaroprincípiodaeficiêncianoprincípiodaproporcionalidade,reduzindooprimeironummeroprincípiode“limitedesacrifício”.
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faceaoprincípiodaproporcionalidade)26,massimperanteumaatividadeadministra-tivaqueserveparaaconcretizaçãodeumdeterminadointeressepúblicotípicoqueimplicaummelhoramentopuroesimplesdostatu quo decertasposiçõessubjetivas27.
Pensa-senoscasosdasdisponibilizaçõesporiniciativaoficiosadousopúblicodeumcertodomíniopúblico,nos casosda concretizaçãoex novo dosdireitos fun-damentaissociais,económicoseculturais,etc., emque,emprincípio,nãoimplicamlimitaçõesdasposiçõessubjetivasalheias,masumpuromelhoramentodasposiçõessubjetivasdosbeneficiáriosdoato.Aqui, não vejamosapossibilidadede invocaroprincípiodaproporcionalidade,rectius,otestedanecessidadeeotestedaproibiçãodoexcesso;eoqueoprincípiodaeficiênciamandaaquilatarnestescasosé:aore-alizarestesatos,aadministraçãopúblicajátemotimizadoosmeiosdisponíveisparaatingiromelhorresultadopossível28?
No fim, resta acrescentar uma nota de que esta autonomia do princípio daeficiência não significa uma total isolação deste do princípio da proporcionalidade.Sucintamentedito,emprimeirolugar,otestedaadequaçãoserácomumaoprincípiodaeficiênciaeaoprincípiodaproporcionalidade,umavezquecomoserecorda,aefi-ciência,adaptadaàrealidadejurídicavigente,representaumaotimizaçãodosmeiosedosresultadossempre dentro do fim legal.Portanto,paraquepossamosquestion-araeficiênciadeumacondutaadministrativa,ab initio, devemosestarperanteumacondutaadequadaàprossecuçãodointeressepúblicotípico(ofimlegal).Emsegundolugar,tendoemcontaanovacorrentedoentendimentodoprincípiodaproporcionali-dade,queadvogaumsub-princípiodaponderaçãoedobalanceamento29,nãopodem-os ignorarqueaeficiência,adaptadaagoraàprópria intencionalidadedoDireito(v.
26Destarte,sequiseraindarelacionaroprincípiodaproporcionalidade(sobretudootestedanecessidade)comosvaloresde3Es,julgamosquesejamaispertinente,comoOttavioGrassodefende,associaroprincípiodaproporcionalidadeaoprincípiodaeconomicidadequereclamaumaatuaçãocommenoscustos.Citandodoautor:“...il principio di economicità conferisce nuova linfa al canone della pro-porzionalità, atteso che, sebbene sotto un profilo più squisitamente economico, richiede che i costi della gestione non siano mai in misura superiore a quelli necessari al perseguimento delle finalità pubbliche”.V. Grasso,Ottavio,“Iprincipigeneralidell’attivitàamministrativa”,2010,p.11,disponível:http://www.giappichelli.it/stralci/3489772.pdf.Omesmoartigoficapublicadoin Il Procedimento Amministrativo (a cura di Michele Corradino),Torino,2010,p.1ss..
27Comestanovaseparaçãodeágua,ensaiámosentãoafastar,pelo menos parcialmente,ahesi-taçãodosautorescomoArosodeAlmeida,que,definindoaeficiênciacomo“a otimização na utilização dos recursos e, portanto, a adoção da melhora solução, a solução ótima para a prossecução de cada fim visado”,acabouporsubscreveremgeralàdoutrinaqueadvogaafaltadaautonomiadoprincípiodaeficiênciafaceaoprincípiodaproporcionalidade(sobretudonomomentodocontrolojurisdicional).V.Almeida,Arosode,Teoria Geral do Direito Administrativo. O Novo Regime do Código do Procedimento Administrativo, Coimbra,2015,p.55-63enota73.
28Acrescentamosumapequenanota:estejuízonãoimplicaaidentificaçãodoconteúdocon-cretoeprecisodaquelemeioeresultadoótimo.Trata-sedeumanotarelevantenadelimitaçãodajusti-ciabilidade(oumelhor,oâmbitojusticiável)doprincípiodaeficiência–queserádiscutidomaisafrente.
29Maissobreosnovosentendimentosdoprincípiodaproporcionalidade,veja,Silva,SuzanaTavaresda,“Otetralemmadocontrolojudicialdaproporcionalidadenocontextodauniversalizaçãodoprincípio:adequação,necessidade,ponderaçãoerazoabilidade”,in BFD, Coimbra,2012,TomoII,p.639ss.,eavastabibliografiaalireferenciada.Oartigoestádisponíveltambémem:https://estudogeral.sib.uc.pt/jspui/handle/10316/23213.
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infra),partilhacomaproporcionalidadeumaideiageralde“ponderaçãoequilibrada”30. Afinal,queraproporcionalidadequeraeficiência,enquantomembrosdoblocodajurid-icidade(v.infra),temdeinteriorizaraintencionalidadeaxiológico-normativadoDireito,eporisso,acarretaconvergentementearacionalidadedeequilíbrio.Sóquecomoas-sinalámos,paraaproporcionalidade,oacentodeequilíbrioécunhadoporumsentidonegativo;enquantoparaaeficiência,estepossuiumsentidoessencialmentepositivo.
2.3. Adaptação do conceito da eficiência à intencionalidade axiológica-nor-mativa da juridicidade
Aoexploraresteproblemadaadaptação,quesesublimeàproblematizaçãomaisnuclearda juridicidadedoprincípiodaeficiência;énormalatestar,antesdomais,quecomavigênciadonovoCPA,oprincípiodaeficiênciapassaaserumprincípiocomfontelegal31,enquantoumsub-princípiodoprincípiodaboaadministração (art.5.ºdoCPA),
30Comoserepara,notaestaqueficadefactojásalientadaporRhitaBoustaaoexplorarospontosdecontactodasuanoçãodaboaadministraçãocomaproporcionalidade.V.Bousta,Rhita,Essai sur..., cit., p.221.
31Oproblemadafontejurídico-formaldoprincípiodaeficiência,defacto,envolveumagrandediscussãosobretudonotocanteàsupra-legalidadedesteprincípio.Adiscussãoconcentra-se,emgeral,nainterpretaçãodoart.41.ºdaCartadosDireitosFundamentaisdaUniãoEuropeia(CDFUE)eoCódigodaBoaCondutaAdministrativa,ambospossuindoagoraforçavinculativa.
Eadificuldadesurgedadoqueemambososdiplomas,aindaqueestejaconsagradooprincípiodaboaadministração,aconcretizaçãodesteprincípioserestringe“defeituosamente”àenunciaçãosódosváriosprincípiosjurídicostradicionaisedireitosfundamentaisdosadministradosqueficaramjáas-seguradosedifundidosentreosEstados-membros.Istotornouoscitadosdiplomasnumameracompi-laçãodosprincípiosjurídicoscujavigênciajáninguémduvida,efrustrouassimoespíritorevolucionárioqueprecedeàelaboraçãodestesdiplomas.
Emvirtudedestaredaçãoinfelizdoscitadosdiplomas,oprincípiodaeficiênciatorna-senum“vítima”–cujaimportânciafoidestacadanomomentodainiciativadestesmovimentosdecodificação(queévisívelaténoprefácioredigidoporNeilKinnocknoCódigodaBoaCondutaAdministrativa,emqueseescreveclaramenteque“[o] Livro Branco sobre a Reforma Administrativa que foi adotado pela Comissão em 1 de Março de 2000 salientou os princípios fundamentais que devem reger uma admi-nistração pública europeia orientada para o serviço e centrada na independência, responsabilidade, eficiência e transparência” (sublinhado nosso)),mas acaba por ser “esquecido” (ou expulsado?) doconteúdofinaldestesdiplomas.
Daí,surgemproblemasdifíceisde“comodevemosencararesteconceitoestritamentejurídicodaboaadministração?”,e“seaindaépossívelconsideraraeficiênciaenquantoumadimensãosubstan-cialdoprincípiodaboaadministraçãoconsagradonestesdiplomas?”.
Paranós, embora seja indubitável queesta conceçãoestritamente jurídicadaboaadminis-traçãoédemasiadoredutoraeesvaziaumaboapartedaimportânciadestemagno-conceitonaregu-laçãodasatividadesadministrativas;trata-sedeuma“lacunaquerida”peloprópriolegislador,quede-sistiudeliberadamenteda“ambição”deatribuiçãodaforçajurídico-vinculativaaosprincípiosdaorigemmetajurídicacujoreconhecimentodajuridicidadesofreaindadeumanãodespiciendaresistência,paraassimfacilitarareceçãoeaaplicaçãodestesdiplomasnosEstados-membros.
Umavezquesetrata,anossover,deuma“lacunaquerida”pelolegislador,nãoépossívelin-tegração.Edaí,subscrevemosàdoutrinaquenegaaoprincípiodaeficiênciaumafontesupranacionalcombasenosdiplomasemapreço.Todavia,é importante salientarquecom isto,nãopretendemosdefenderaquiumprincípiodaestritatipicidadedosprincípiosedireitosconsagradosnestesdiplomas.Oqueadvogamosaquiéumrespeitopelaintençãoeopçãolegislativasválidaseconscientes.
Nosentidocontrário,Raimundo,MiguelAssis,“Osprincípios...”cit.,p.167ss.
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quecondicionaoconteúdodequaisquercondutasadministrativas,paraalémdeterforçavinculativanaconformaçãodaorganizaçãoeprocedimentodaAdministraçãoPública32.
Ora,defacto,aconsagraçãolegaldoprincípiodaeficiência(enquantoumadi-mensãodoprincípiodaboaadministração),élongedeserumapanaceiapararesolveroproblemadajuridicidade33doprincípio.BastaolharparaaordemjurídicaitalianaemqueficaconsagradooprincípiodobomandamentodaAdministraçãoPública34(den-trodoqualasdoutrinaspacificamentedestacamadimensãodaeficiência)aonívelconstitucional(art.97.ºdaConstituiçãoItaliana);mesmoali,comoobservaMarioR.Spasiano,“o princípio do bom andamento foi banido por longo tempo ao campo da metajuridiciadade quer por parte doutrinal quer por parte jurisprudencial (em partic-ular, a constitucional)”35.
Destarte,parapoderafirmarajuridicidadedoprincípiodaeficiência,équaseinútilatestarsimplesmenteasuaconsagraçãolegal.LouvandonósnovamenteemMa-rioR. Spasiano,paraqueoprincípiodaeficiência sepossadesligarda suaorigemeconomistaeempresarialedaíseintegrenomundodajuridicidade,éimprescindível
Maissobreascríticascontraoaludidoconceitoestritamente jurídicodaboaadministração,veja,Almeida,Arosode,“OProvedordeJustiçacomogarantedaboaadministração”, in O Provedor de Justiça – Estudos – Volume Comemorativo do 30º Aniversário da Instituição,Lisboa,2005,p.14ss.
Maisespecialmentesobreosproblemasdoart.41.ºdaCDFUE,consulte,entreoutros,Bousta,Rhita,Essai sur..., cit., p.281-287; idem, “Whosaidthatthere isa“righttogoodadministration”?Acriticalanalysisofarticle41oftheCharterofFundamentalRightsoftheEuropeanUnion”, in European Public Law, Volume 19, Issue 3, Londres,2013,p.481-488.
32 Por enquanto, não se deve ignorar que 1) no antigo CPA emque não havia consagraçãodoprincípiodaboaadministração, foi jáconsagradoexpressamenteoprincípiodaeficiêncianasuadimensãoorganizativaeprocedimental (art.10.ºdoantigoCPAemconformeoart.267.º/1daCon-stituição);eque2) comoGomesCanotilhoe VitalMoreiraassinalam,“[o] facto de a Constituição estabelecer princípios de organização administrativa mostra a importância jurídico-constitucional dos «factos organizatórios» no Estado democrático-constitucional, e o relevo das normas de organização, quer no plano das relações internas dos órgãos e serviços, quer no plano das relações externas, isto é, nas relações intersubjectivas. A positivação constitucional de alguns princípios organizatórios pressupõe a ideia da influência ou conexão da organização administrativa sobre o conteúdo das decisões adminis-trativas”.Cf.Canotilho,Gomes/Moreira,Vital,Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. II, Coimbra,2014,anotaçãoaoart.267.º,p.806.
33Emuitomenosajusticiabilidade.MasvamosconcentrarnestapartesónaproblematizaçãodajuridicidadedoprincípioenaadaptaçãodoconceitodaeficiênciaàintencionalidadeaxiológicadoDireito.Oproblemaacercadajusticiabilidadeseráexploradamaisafrentenotocanteaoproblemadarelaçãoentreaviolaçãodoprincípiodaeficiênciaeailicitudeobjetivadaresponsabilidadecivilextra-contratualdoEstado-Administração.
Apesardaestritainterligaçãoentreajusticiabildadeeajuridicidade,preferimostratá-lassep-aradamente,evidenciandoassimaideiaessencialdequeajuridicidadedeuminstitutonãopodeserpredicadapelasuaeventualjusticiabilidade.
34Nota-sequeoprincípiodobomandamento,nemparatodos,éamesmacoisadoprincípiodaboaadministração.Háporexemplodoutrinaqueadvogaqueoprincípiodobomandamentoéumsub-princípiodaboaadministração,situandoaoladodosub-princípiodaimparcialidade.
35 Spasiano,MarioR., “Il principio di buon andamento: dalmetagiuridico alla logica del ri-sultato in senso giuridico”, 2011, p.2 (disponível: http://www.ius-publicum.com/repository/up-loads/11_07_2011_11_48_Spasiano_IT.pdf).
Omesmoartigofoipublicadoin Studi Sui Principi del Diritto amministrativo (a cura di Mauro Renna e Fabio Saitta),Milano,2012,p.117ss..
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que se efetue uma “individualização do específico sentido axiológico do critério da eficiência”36. E precisamos: individualização esta que deve ser realizada medianteumaconsideraçãoquetememcontaaprópriaintencionalidadeaxiológica-normativada juridicidade e interioriza o papel da função administrativa no Estado de Direitodemocráticocontemporâneo.
Ora,oqueficouditosignificaque–aderindonósàtesedeCastanheiraNeves–paraquesejalegítimoarguirajuridicidadedeumprincípio,énecessárioqueesteprincípioemapreçoseapareçasimultaneamentecomoumprincípiode direitoeumprincípiodo direito37.
Numapalavramuitosumariada38,paraqueumprincípiosepossaafirmarcomoumprincípiode direito,é indispensávelqueelemanifesteumaconsonância comoúltimosentidododireito (que,sucintamenteexplicando,seancoranapessoalidadeenaintersubjetividade:querdizer,depoisdasuperaçãodopositivismonormativistaeoassociadoindividualismo,paraanormatividadejurídicavigente,oserhumanojánãoaparececomoum“indivíduo”quecuidadesipróprioetendeaconsiderarore-speitoearesponsabilidadepelosdemaiscomoumobstáculoàrealizaçãodapróprialiberdade(aideiadaliberdadenegativa),negandoqueacomunidade–o“diálogoéti-co-práticocomosoutros”–éumacondiçãodeexistênciadapessoa”39;pelocontrário,oserhumanoemerge-seagoracomoverdadeira“pessoa”,queé“a expressão de um reconhecimento ético na relação intersubjetiva”40 em que, pela imposição ética-so-cialdomútuo respeito,aesferada responsabilidadese transformanumcontinnum axiológicodaprópriaesferadaliberdade);equeseconsegueresolverumproblemajuridicamente relevante (queno fundo, sãoproblemasque reclamaumtratamentojusto(ajustiça)nasrelaçõesintersubjetivas,quecarecedeumaasseguraçãoeeventu-alreintegraçãodaspessoalidadesenvolvidas).Porisso,paraquesejaumprincípiode
36 Ibidem, p.13.Nosentidopróximo,Moniz,AnaRaquel,A Recusa..., cit.,p.661ss..,paraquemaintervenção
daeficiência enquantoumprincípioorientadorna atividadedaAdministraçãoPúblicanãopodear-rastar uma racionalidade tecnocrata,mas deve assumir um sentido substancial ematerial. Todavia,aAutoraparecemantémduvidosaenquantoà juridicidadeprópriadaeficiência, apesardeelegê-lacomoumprincípiovinculativodasdecisõesadministrativas–quesemanifestasobretudoapartirdomomentoemqueaAutora trataaeficiêncianumcapítuloautónomoda juridicidade.Deva tambémprestaratençãoaqueoconceitodeeficiênciaadotadopelaAutoranasuaproblematização(dedicadaàrecusadaaplicaçãodosregulamentosadministrativospelosórgãosadministrativoscomfundamentoeminvalidade)émuitomaisamplodoqueaquelequedefendemos.
37Cf.Neves,Castanheira,Sumário de uma Lição Síntese sobre “Os Princípios Jurídicos como Dimensão Normativa do Direito Positivo” (a Superação do Positivismo Normativista),Coimbra,1976,policopiado,p.7-8; idem,Curso de Introdução ao Estudo do Direito (extractos),Coimbra,1971-1972,policopiado,p.124-130.
38 Por isso, para complementar a simplicidade do que apresentaremos acerca deste tópicojurídico-filosófico,solicitamosaleitura,paraalémdascitadasobrasdoinsignemestreCastanheiraNe-ves,deBronze,Pinto,Lições de Introdução ao Direito, Coimbra,2010,maxime 13ª-15ªLição;Linhares,Aroso,Sumário Desenvolvidos das aulas de Introdução ao Direito 2008-2009,Coimbra,policopiado,p.86ss.maxime p.104-105.
39Cf.Bronze,Pinto,Lições..., cit., p.498-499.40 Ibidem, p.496.
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direito,énecessárioevitaraautocontençãoindividualistaeinteriorizarestafilosofiademútuo respeito intersubjetivo – que numa linha geral, aponta inequivocamenteparaumafilosofia de equilíbrio.
Jáem relaçãoao segundo requisito,para serumprincípiodo direito,épreci-soqueestamosperanteumprincípiocujavigência(validadeeeficácia)sejaassimiladapraticamente pela comunidade. Na avaliação desta assimilação da vigência, a codifi-caçãodoprincípioemapreçopossuisemdúvidasumvalornãodespiciendo.Contudo,devemossempreevitardeabsolutizarestevalorparanãocairnojásuperadolegalismo.
Então,oprincípiodaeficiênciaéumprincípiode direitoeumprincípiodo direito?Emrelaçãoàsuaqualificaçãoenquantoumprincípiodo direito,acreditamos
queadúvida émenor. Emprimeiro lugar, ninguémquestionaquea sua vigência éefetivamenteassimiladapelacomunidadenaáreaempresarial(inclusivejurídico-em-presarial).Depois, especialmentenoâmbitodasatividadesadministrativas, apartirdomomentodaimplementaçãodeumEstadodebem-estar,eatéagora,oadventodoEstadoRegulador-Garantidor;comoensinaPauloOtero,naprópriaConstituiçãoestáinteriorizadoumdeverimplícitodeeficiênciaquerparaolegisladorquerparaaAdministraçãonosentidodeosdecisoresdeverem“procurar as medidas mais ade-quadas e escolher sempre as melhores soluções tendentes à realização do modelo de bem-estar”41.Deslocandodesteplanojurídico-constitucionalparaoplanopolítico-so-cial,mesmoqueomodelodoEstadodebem-estarfiquerelativizado,senãosubsti-tuído, pela chegada domodelo do Estado Regulador; namentalidade dos próprioscidadãos-administrados(queéinfluenciadalargamentepelaideologiaempresarial),asua“cidadaniaadministrativa”éaindacunhadaporumcertovestígiodeclientelismoqueexigesempreumamaximizaçãodaqualidadedosserviçospúblicos(emaisger-alainda,todasascondutasadministrativas).Alémdomais,considerandotambémapromoçãosucessivaaníveleuropeiadomovimentedeBetter Regulationqueadvogaumamaiorconsideraçãodaeficiêncianaescolhaenaimplementaçãodasestratégiasregulatórias, com o recurso ao instrumento da pré-avaliação de impactos e o con-hecidocost-benefit analysis42; julgamosquenãofaltamosargumentosparaafirmaraassimilaçãodavigênciadoprincípiodaeficiênciapelacomunidadenaresoluçãodosproblemasjurídicos,inclusiveproblemasdodireitoadministrativo.Destarte,nãohesi-tamosemconsideraroprincípiodaeficiênciacomoumprincípiodo direito(comumaespecialrelevâncianonovodireitoadministrativo43).
Jáemrelaçãoàqualificaçãodoprincípiodaeficiênciaenquantoumprincípiode direito,asdiscussõessãomuitomaisardentes.Amaiorforçadenegaçãodajuridici-dadeaoprincípiodaeficiênciavemseguramentedacorrenteconservadoraquetende
41Cf.Otero,Paulo,O Poder de Substituição em Direito Administrativo. Enquadramento dogmá-tico-Constitucional, Volume II, Lisboa,1995,p.638.
42MaissobreaBetter Regulation,consulte,Baldwin,Robert/Cave,Martin/Lodge,Martin,Understanding Regulation...,cit.,p.315-337eavastabibliografiaaliindicada.
43Numsentidopróximo,masmedianteumpercurso jurídico-político-fenomenológicoenãojurídico-filosófico,apelandoaofenómenoda“americanizaçãododireitoadministrativoeuropeu”:Sil-va,SuzanaTavaresda,Um Novo Direito Administrativo?, Coimbra,2010,p.35-37.
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a“negar relevância a todos aqueles conceitos não imediatamente incluído no grupo mais tradicional de cânones de direção das atividades administrativas, entendidas no seu sentido legalístico-formal”44.EstatendênciaépatenteadaevidentementenatesedosaudosoSenhorDoutorRogérioSoares(1955),paraquem,aAdministração,nocumprimentodoseudeverdeadequaçãosubstancialdosmeiosaosinteressespúbli-cos substanciaisdocaso,está remetidapelo legisladorpara“normasnão jurídicas”quelheorientamnaescolhadamelhormedida.Todavia,estaremissãoparaasnormasnão jurídicas (que,acreditamos, incluemindubitavelmenteoprincípiodaeficiência,umavezqueparaoautor,oaludidodeverdeadequaçãosubstancialécunhadoporumclaromatrizdeotimização), segundoo insigne jurista,não representaqualquer“reenvio receptício” que integraria as normas não jurídicas no sistemadas normasjurídicas;pelocontrário, trata-seaquisódeumfenómenocompostoporuma lado,pelatécnicade“reenvioformal”,emque,anormanãojurídicaéconsideradanasua“normatividadeautónoma”ecomo talqueoordenamentojurídicolhesemprestacer-taeficácia(capacidadededesencadearconsequênciasjurídicas,sobretudoemfunda-mentarachamada“invalidade por vícios de mérito”);eporoutrolado,pelatécnicadereconhecimentode“relevo de mero facto”ataisnormasnãojurídicas45.
Mesmohojeemdia,não faltam juristasquedefendemqueosprincípiosdaorigemmeta-jurídicanãointegramounãodeveriamintegrarnoblocodajuridicidade;pelomais,sópodemaparecercomoumaespéciedesoft law46.
Ora, nanossaperspetiva, esta resistência só sepode justificar peranteumconceitoestritamenteeconomistadaeficiência,que,orientandoaAdministraçãoarealizarumaavaliaçãodanaturezautilitarista,podeacabarporprejudicarosdireit-osfundamentaisdoscidadãos-administradoscujaproteçãojurídicanuncapodesersubmetidaàcondiçãodasuarentabilidadeconcreta.Alémdisso,esteconceitopur-amenteutilitaristadaeficiênciaéincompatívelcomafunçãojurídico-constitucionaldaAdministraçãodapromoçãodobem-estarsocial,jáquesenãoforabsolutamenteimpossível,émuitasvezesdifícilavaliarobem-estarsocialemvalorpecuniário,quepodelevaràsuaomissãoousubvalorizaçãonumadecisãoestritamentecontabilísti-co-económica.
Todavia,nãopodemosignorarqueaeficiênciaéumconceitoaberto,maleáveledotada capacidadedeadaptaràs ciênciasqueo convocam.Entretanto,aordemjurídicatambéméumanormatividadeaberta,nãoauto-suficienteedinâmica,àqual
44Cf.MariaR.Spasiano,“Ilprincipio...”, cit., p.2.45 V. Soares,Rogério,Interesse Público..., cit., p.179-205.Especialmentesobreafigurade“in-
validadeporvíciosdemérito”,consulte,ibidem, p.331ss..46Vejapor exemplo aposiçãode JorgePereirada Silva, que, opondoà atual consagração
legislativadoprincípiodaeficiênciaentreosprincípiosjurídicosdasatividadesadministrativas,prefereconsideraroprincípiodaboaadministração (epor isso tambémosub-princípiodaeficiência) como“princípiosretóricos”,que,“para a Administração... são “wishfulthinking”, ou na melhor das hipóteses “softlaw”, cuja aplicação efetiva está sujeita às enormes dificuldades prática da sua ação, à escassez de recursos humanos e matérias em que se debate e, naturalmente, às diretrizes políticas vindas de cima”. Cf.Silva,JorgePereirade,“ÂmbitodeaplicaçãoeprincípiosgeraisnoprojetoderevisãodoCPA”,in Projeto de Revisão do Código do Procedimento Administrativo (Colóquio),Lisboa,2013,p.66-67.
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estásubjacentesempreadialéticadesuperação/(re-)constituição.Porisso,nadaobstaaqueoconceitodaeficiênciapodedestacardasuaorigem
economista-utilitarista,paraadaptaràintencionalidadeaxiológicadodireito,integran-doajusantenoblocodajuridicidade,enriquecendo-o.Eareflexãosobreapossibili-dadedestaadaptaçãotorna-seaindamaisprementefaceàreiteradaconsagraçãoin-ovatóriadoprincípiodaeficiência(enquantoumsub-princípiodaboaadministração)noart.5.º/1donovoCPA–oeventualsucessonaadaptaçãodaráindubitavelmenteumamaioroperacionalidadeefetivaefuncionalidadeaestanorma,eaomesmotem-posalvaguardaráacoerêncianormativa-sistemáticadoCapítuloIIdonovoCPA.
Ora,ao realizarestaadaptação, tendoemcontaa intencionalidadeaxiológi-cadoDireitoquereclamaumafilosofiadeequilíbrionosentidodomútuorespeitonasrelaçõesintersubjetivas,oprimeiropassodeveconsistir-se,comoMarioR.Spa-siono ensina, em expulsar do conceito da eficiência a lógica de “alcançar os (mel-hores)resultadosatodososcustosnodesempenhodafunçãoadministrativa”47,edonoutroextremo,a lógicade“satisfaçãonecessáriadequaisquer requerimentosdoscidadãos”48 49.Numsegundopasso,paraqueaeficiênciapossaserharmonizávelcoma pluridimensionalidade dos valores vigentes no bloco da juridicidade, omomentodaavaliação,agoraentendidacomoponderaçãoteleonomológica,nãodeveabrangerunilateralmenteosvaloresnumismáticos;muitopelocontrário,deveabarcartodososvalorescomdignidadejurídica.Numterceiropasso,exaltandoaracionalidadeprópriadeequilíbrio,estaponderação(paraoefeitodaotimização)noseiodaeficiêncianuncadevelevaràabsolutizaçãodequaisquervalores.Finalmente,focalizandonomomentodarealizaçãodanormatividadejurídicaemconcreto,oprincípiodaeficiênciajuridi-cizadotemdeatendersempreà relevânciaproblemáticadocasu decidendo,nuncapodendoapresentar-secomoumconjuntodasfórmulasmatemáticaspredicadasparaumaaplicaçãotecnocrata.
Depoisdestespassosdeadaptação, julgamosqueoprincípiodaeficiência jálargouoseudestinometa-jurídico,integrando-senoblocodajuridicidadeeemergin-do-secomoumverdadeiroprincípiode direito50.Poroutrolado,comoconsequênciadadialética,a legalidadeadministrativa,agoranosentidomaterial, tambémsaien-riquecida, superando assim o tradicionalmente argumentado paradoxo entre a efi-ciênciaealegalidade51.
47Ouseja,arelevânciadoresultado(emeio)reclamadopeloprincípiodaeficiêncianuncapodelevaraumaabsolutizaçãodoparadigmacontemporâneoda“Administraçãodosresultados”,sobpenadecolidircomaintencionalidadeaxiológicadajuridicidade.
Sobrearelevânciado“juízodeprognosedoresultado”nasdecisõesadministrativaseavigên-ciadaracionalidadesinepeicanoexercíciodafunçãoadministração,leia,Moniz,AnaRaquel,A Recu-sa..., cit., p.340-350.
48 V. Spasiano,MarioR.,“Ilprincipo...,”cit., p.28.49Nomesmosentido,chamandoatençãoparanãoreduziraideiadaboaadministraçãoàmera
“satisfaçãounilateraldosadministrados”:Bousta,Rhita,Essai sur..., cit., maxime, p.202-206.50Edaí,nãovejamosqualquerrazãoparadescriminarajuridicidadedoprincípiodaeficiência
(juridicizado)faceaosoutrosprincípiosjurídicostradicionais,maximeoprincípiodaproporcionalidade.51Nomesmosentido:Silva,SuzanaTavaresda,“oprincípio...”,cit.,p.15ss.ep.28;Bousta,
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3. A violação do princípio da eficiência e a ilicitude na responsabili-dade civil extracontratual do Estado-Administração
Partindodestenovoentendimentodoprincípiodaeficiênciaenquantoumpa-drão jurídicodaavaliaçãodoconteúdo materialdascondutasadministrativas,queseconsubstancia numa exigência daotimização equilibrada dos meios e dos resultados das atividades administrativas orientada pelo fim legal;entreoutrasproblemáticasnãomenosrelevantes,édo interessefundamentaldapresente indagaçãoestudaronovorelacionamentoentreaviolaçãodoprincípiodaeficiênciaeailicitudecivilextracontrat-ualnaresponsabilidadedoEstado-Administração,eainfluênciaqueajuridicização(eaeventual“justiciabilização”52)doprincípiodaeficiênciadeveexercersobreaconfigu-raçãoglobaldasmodalidadesdailicitudecivilextracontratualdoEstado-Administração.
Sobocomandodestafinalidade indagatória,vamos investigaremprimeiroarelação intrínsecaentreoprincípiodaeficiênciaea teleonomologiadaresponsabi-lidadecivilextracontratualdoEstado-Administração(3.1.).Depois,entraremosnumtópicomais específico sobre o papel doprincípio da eficiência na ilicitudeobjetiva(3.2.),complementadoporumestudosobreopapeldoprincípiodaeficiêncianailic-itudesubjetiva(3.3.).
3.1 O princípio da eficiência e a teleonomologia da responsabilidade civil extracontratual do Estado-Administração (brevíssimas reflexões)
Comosabemos,nomundojurídico,aresponsabilidadecivilextracontratualéuminstitutodaorigemdodireitocivil–temosumlargoperíododetempoduranteoqualoEstadonãoeraresponsávelpelososseusatos.Porisso,muitasvezesquandoestudarmososproblemasdaresponsabilidadecivildoEstado,équaseimprescindívelrevistar as experiências adquiridas nodireito civil,mesmoque comoVieiradeAn-dradetenhadevidamentealertado,“os quadros conceituais da responsabilidade civil de direito privado não se mostram bastantes ou adequados para a compreensão da re-sponsabilidade do Estado em toda a sua sofisticação atual, tornando-se indispensável a construção de um instituto ou de uma conceçãoespecífica...”53.
Rhita,Essai sur..., cit., p.349ss.;Spasiano,MarioR.,“Ilprincipio...”,cit., p.25ss.,salientandoquecomesteenriquecimentodalegalidade–esta“...importanza assegnata dall´ordinamento al risultato ammi-nistrativo e la sussunzione nell´ambito della legalità”–aantigarelaçãonorma-atonodesenvolvimentodasatividadesadministrativaséestendidaàumarelaçãodenorma-ato-resultado.
52 Entre aspas porque a palavra “justiciabilização” não é consagrada emnenhumdicionárioportuguês,neméutilizadana literatura jurídicaportuguesa.Criamos,ambiciosamente,estapalavraemvirtudedaeventualconveniência(pelomenosparaapresenteindagação)deexistirumsubstantivoparadesignareexprimirofenómenocadavezmaiscorrentede“tornarjusticiávelalgoquenãoera”.
53 Cf. Andrade, Vieirade, “A responsabilidade indemnizatória dos poderes públicos em3D:Estadodedireito,EstadofiscaleEstadosocial”,RLJ, n.º3969,Coimbra,2011,p.345.
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Estametodologiaaplica-secabalmenteemrelaçãoaoestudodateleonomo-logia da responsabilidade civil extracontratual do Estado-Administração. Ensaiamosentão compreender a teleonomologia da responsabilidade civil extracontratual doEstado-Administração,medianteumareflexãocríticasobreasaquisiçõesdogmáticascorrespondentesnodireitocivil:
Muitosucintamenterelatando,deacordocomMafaldaMirandaBarbosa,a te-leonomologiada responsabilidade (puramenteprivatística) refere-seàatualização da liberdade ligada à pessoalidade do próprio ser humano–oarrimoético-axiológicodaju-ridicidade.Ora,comovimos,essaconceçãodeserhumanoenquanto“pessoaconviven-docomoutros”–emvezdeindivíduoatomizante–acarreiaafilosofiadequeanossaliberdadenãodeveserentendidanegativamentenosentidodeafastamentodeoutros,perspetivandoaresponsabilidadecomoumarestriçãodaliberdade;pelocontrário,deveserentendidapositivamente,compreendendoqueanossaautodeterminaçãopressupõesempreumrespeitodaessênciadapessoalidadedosdemais,edaíaresponsabilidadeéum“correlatoaxiológiconatural”eatéumprolongamentodaliberdade54.
Semdúvidas, sendoa juridicidadeancoradanapessoalidade,a responsabili-dadecivildoEstado-Administraçãotambémnãosepodeabdicardestevalorético-ax-iológico.Contudo,averdadeéqueapessoalidade,entendidanodireitocivilnofor-mato de Liberdade versus Responsabilidade,nãocorrespondeexatamenteaoestatutodaAdministração55.
Concretizando,a ideiadaliberdadedosparticularestemumafisionomiadifer-entedaideiadaliberdadedaAdministração–aliberdadedosparticularesécongénitaàprópriapersonalidadeontológicaeporissoocontrolododireitovemsóa posteriori. De-starte,mesmoqueseajadesconformeodireito,está-seaindaperanteumexercíciode-staliberdade–masclaro,estamaneiradeexercíciovaiatualizarocorrelato-responsab-ilidade,queéperspetivada“a jusante... na imposição de uma obrigação ressarcitória”56 comoumfenómenojurídicodareintegraçãodavioladapessoalidadedolesado.
Pelo contrário, no caso do Estado-Administração, a “liberdade” não é con-génita,massim,nonossosistemapolítico-constitucional,concedidaderivadamenteatravésdomecanismodemocrático.Esendoderivadada“confiança”doverdadeirodonodesoberania–opovo(art.3.º/1,CRP),faceanossaConstituição,éjurídico-po-liticamenteabsurdoafirmarqueestaliberdadeéumarbítrio“ontológico”queenglobaahipótesedeagirdesconformeodireito,sobpenadeesvaziarosentidodasoberaniapopular eoprincípiodoEstadodeDireito.Portanto,estaideiadaliberdadedoEsta-
54Estaideiaestáarreigadaemtodasasobrasdaautora.Aprimeirainfluênciaexplícitadestepensamentonasindagaçõesdaautorasobreostemasderesponsabilidadepodedatar-sea,Barbosa,MafaldaMiranda, Liberdade vs. Responsabilidade, A Precaução como Fundamento da Imputação De-litual?, Coimbra,2006,p.169-177.
55Nemaoestatutodoscidadãos-administradosdeumEstadodeDireitodemocráticodelimit-adopelaConstituiçãovigente..icapassivaindependenteequeodeverdaboaadministraçsoentendi-mentoemrelaçosparticularess
56Cf.Barbosa,MafaldaMiranda,Responsabilidade Civil Extracontratual, Novas Perspertivas em Matéria de Nexo de Causalidade,Cascais,2014,p.25.
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do-Administraçãodeveserentendidacomo“legitimidade”e“competência jurídica”cujaamplitudeestá,ab initio,delimitadapeloprincípiodaprossecuçãodosinteressespúblicoseoprincípiodasubordinaçãodoEstadoàConstituição57.Porisso,aConstitu-ição,aoromperodogmade“the king can do no wrong”atravésdaconsagraçãodoseuart.22.º,tambémnãoaceitaafilosofiade“the king can freely do wrong”.Destarte,oqueseentendepor“Liberdade versus Responsabilidade”deveapresentaragoracomo“Legitimidade-Competência versus Responsabilidade”58.
Agora,numaconsideraçãomuitosucinta,emrelaçãoàlegitimidadedaAdmin-istraçãoPública,paraalémdasualegitimidadedemocráticasubjetivaderivadadasualigaçãoíntimaedasuaaccountabilityfaceàAssembleiadaRepública(vejaart.187.º,192.º, 193.º e194º. 195.º/1a, d, e, f , CRP) –oórgãodiretamente legitimadopelavontadepopularexprimidaatravésdosvotosnosufrágio59;elaadquireasualegitim-idade,tambémesobretudo,pelasuafunçãodaprossecuçãodosinteressepúblicosearacionalizaçãomaterialimplicadanassuascondutas60.Ora,notocanteaisto,como
57 Como GomesCanotilhoe VitalMoreirareferem:“...num EstadoConstitucional é a Cons-tituição que rege o Estado pois que: (a) define as formas de exercício da soberania...; (b) subordina o Estado a si mesma...; (c) constitui parâmetro de aferição da validade dos actos dos órgãos do Estado”.Cf.Canotilho,Gomes/Moreira,Vital,Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, Coimbra,2014,anotaçãoaoart.3.º,p.214.
58Mesmoqueonossotrabalhoconcentre-seessencialmentenaresponsabilidadesubjetivadoEstado,umanotaimportantíssimaénecessárioacrescentaremrelaçãoaresponsabilidadedoEstadopeloriscoearesponsabilidadepelosacrifício(equivalentearesponsabilidadeporactoslícitosnodi-reitocivil)porqueporumlado,sãoinstitutoscomfundamentosmuitodiferentesdaquelesinstitutoscorrespondentesnodireitocivil;eporoutro lado,aqui,épressupostoqueaAdministraçãonãotemagidoantijuridicamenteepoisapontedeligaçãoentreopolodeliberdadeeopoloderesponsabilidadenãopodeseravinculaçãodaAdministraçãoà legalidadeeconstitucionalidade,eàprossecuçãodosinteressespúblicos.
NaresponsabilidadedoEstadopelorisco,ofundamentonãoénempodeseroprincípiode ubi commoda ibi icommoda,umavezquediferentementedoscasosnodireitocivil,oEstado-Adminis-tração,aorealizaratividadescomriscoespecial(rectius, perigoespecialnoentendimentopertinentedeVieiradeAndrade–“Aresponsabilidadeindemnizatória...”,cit., p.351-352),nãovisaobterconveniên-ciaparasipróprio,massimparaosinteressespúblicosdequetodososcidadãosbeneficiampelomenosenquantoummembrodasociedade.OqueseligaopolodeliberdadeeopoloderesponsabilidadeéapolíticaconstitucionaldaproteçãodoscidadãospeloEstadocontraperigoespecial(quesepodederivardeumconjuntodasnormasconstitucionais v.Cadilha,Carlos,Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas Anotado, Coimbra,2011,p.210-211eabibliografialácitada).
Naresponsabilidadepelosacrifício,oqueuneaxiologicamenteopolodeliberdadeeopoloderesponsabilidadejáéoprincípiodaigualdadedoscidadãosnacontribuiçãoparaosencargospúblicos,quenãotemnenhumacorrespondêncianodireitocivil.
Estaanálisesucintapermite-nospelomenosafirmarqueestesdois institutossãocunhadosporumaevidenteteleologiadaproteçãodoscidadãosperanteatividades“extraordinárias”doEstado.
59Legitimidade(democrática)estaqueMarie-AnneFrison-Rochedesignepor“légitimité par la régression”.V.Frison-Roche,Marie-Anne, “Commentfonderjuridiquementlepouvoirdesautoritésderégulation?”,Revue d’Économie Financière,n°60,Paris,2000,pp.88.
60Todavia,éimportantesalientarque,nocasodaorganizaçãopolíticaportuguesa,estaraciona-lizaçãomaterialdaAdministraçãoPúblicanãotemacapacidadedesublimaralegitimidadedemocráti-cadaAdministraçãoPúblicaaumaverdadeira legitimidadedemocráticaobjetiva,umavezqueumaverdadeirademocraciaobjetivaimplicanãosóaracionalidadematerialdafunçãoadministrativa,mastambémasuafuncionalidadeindependenteda“arbitrariedadeparlamentar”–independênciapolítica
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vimos supra,oprincípiodaeficiênciajogaumpapelnãoexclusivomasrelevantíssimonamedidaemqueexigeprecisamenteumaprossecuçãosubstancialmenteadequadaeótimadosinteressespúblicos,ultrapassandoaexigênciadameraconformidadefor-maldascondutasadministrativascomaleihabilitante.
Por conseguinte, ligandoesta ideia doprincípio da eficiência enquantoumaforça legitimantedascondutasadministrativasàteleonomolgiadaresponsabilidadecivilextracontratualdoEstado-AdministraçãoqueseconsubstancianosalientadoLe-gitimidade-Competência versus Responsabilidade;podemosconcluir,aesteníveltran-scendenteàordemjurídicapositiva,que,aviolaçãodoprincípiodaeficiênciaquebraalegitimidadeobjetiva-substancialdafunçãoadministrativa,quevaiativar,comoumcorolárioaxiológico,aesferadaresponsabilidade–quedeveimplicarajusanteaim-posiçãodeumaobrigaçãoressarcitória.
Partindodesta conclusãomais que intuitiva, olharemos entãopara a ordemjurídicapositiva,investigandoseserápossívelecomoéqueaviolaçãodoprincípiodaeficiênciapoderáresultarnumailicitudecivilextracontratual.
Mas antes demergulharmos nesta problematização, é relevante traçar umadescriçãosucintasobreaconfiguraçãodailicitudenoatualRRCEE:
Ao falar da ilicitude civil extracontratual, é importantíssimo salientar que asmodalidadesdeilicitudenaresponsabilidadecivilextracontratualdoEstado-Adminis-traçãonãocoincidemexatamentecomaquelasnaresponsabilidadecivilextracontrat-ualpuramenteprivatística:
Nodireitocivil,atravésdainterpretaçãodoart.483.ºdoCC,asdoutrinasemgeralafirmamqueaprimeiramodalidadede ilicitudeconsiste-senaviolaçãododi-reitosubjetivodeoutrem(noentanto,asdoutrinasdivergem-seapartirdomomentoemqueenquantoumapartedefendequeestedireitosubjetivovioladotemdeserumdireitoabsoluto61;outradefendequeestedireitosubjetivoenglobartambémosdireitos relativosdesdequeentreo lesanteeo lesadonão se verificauma relaçãocreditória62);enquantoasegundamodalidadeserefereaumaviolaçãodosinteresseslegalmenteprotegidos.Umapartededoutrinasacrescentaaindaumaterceiramodal-idade:oabusodedireito,comfundamentaçãodiretanoart.334.ºdoCC63.
JánaresponsabilidadecivilextracontratualdoEstado-Administração,afision-omiaédiferente:
estaqueestáausentenocasodaAdministraçãoPúblicaportuguesa.Maissobreademocraciaobjetiva,consulte,entreoutros,Rosanvallon,Pierre,La Légitimité..., cit., p.59ss..Deixe-nosremetertambémpara o nosso estudo, “Democracia e legitimidade: o caso das entidades reguladoras administrativasindependentes–brevesreflexões”,Coimbra,2016,p.21ss(trabalhoinéditonomomento).
61 V. inter alia,Varela,Antunes,Das Obrigações em Geral, Vol. I,Coimbra,2015,p.533;eBarbo-sa,MafaldaMiranda,Liberdade..., cit.,,p.41ess.,emque,alémdaposiçãodaautora,podeconheceropanoramadasposiçõesdosdiferentesautoresnacionaiseestrangeirosapropósitodesteproblema.
62Assim,Cordeiro,Menezes,Tratado de Direito Civil Português VIII, Coimbra,2014,p.446-448.63 Neste sentido, entre outros, Varela, Antunes,Das Obrigações..., cit., p.544-548; Varela,
Antunes/Lima,Piresde,Código Civil Anotado, Volume I,Coimbra,2011,p.474;Costa,Almeida,Direito das Obrigações,Coimbra,2014,p.564.Contra,Sousa,Capelode,Teoria Geral do Direito Civil, Volume I, Coimbra,2003,p.205,nota504;eCordeiro,Menezes,Tratado de Direito Civil Português VIII, cit., p.455.
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Em primeiro lugar, todas as doutrinas na liça, interpretando o art. 9.º daLei n.º67/2007, sobretudo em comparação com o regime do revogadoDecreto-Lein.º48051(oart.6.º),concordamnosentidodequeailicitudenãosereferesóaodes-valorobjetivodacondutadolesante–ailicitudeobjetiva(art.9.º/1,primeiraparteeart.9.º/2);mastambémaoresultadolesivodestaconduta–ailicitudesubjetiva(art.9.º/1,in fine)64 65.Contudoasdoutrinasdivergem-sejáemrelaçãoàclassificaçãodasmodalidadesdeilicitude:temosdoutrinasqueclassificamcomreferênciaà ilicitudesubjetivaeassimaprimeiramodalidadeconsiste-senaviolaçãododireitosubjetivodeoutrem,easegundanaviolaçãodosinteresseslegalmenteprotegidos66;enquantoháoutrasqueenfocam(também)nailicitudeobjetivanestatarefaclassificatória–v.g.ArosodeAlmeida,paraquemasmodalidadesdeilicitudesão1)ilegalidade;2)inob-servânciadedeveresobjetivosdecuidado;e3)funcionamentoanormaldoserviço67.
Emsegundolugar,aonossover,naresponsabilidadedoEstado-Administração,aviolaçãododireitosubjetivodeoutremnãoenglobamsóosdireitosabsolutos,nelecabem todosos direitos subjetivosdesdequenão sejam contratuais68. Podeexistir“um direito à satisfação de um interesse próprio”69 derivado de uma determinadaposiçãosubstantivamasnãocontratualdoparticularperanteaAdministração,cujavi-olaçãodáorigemàresponsabilidadeextracontratualdaAdministração.Sãoexemplosodireitodofuncionárioaovencimento70,odireitoàpronúnciaadministrativadentrodoprazolegal,etc..
Em terceiro lugar, como Aroso de Almeida destacou, com a introdução docritériode“inobservânciadedeveresobjectivosdecuidado”(art.9.º/1daLei)ede“funcionamentoanormaldoserviço”(art.9.º/2daLei)nailicitude,olegisladorcon-sagroutambémomodelofrancêsdefaute naresponsabilidadecivilextracontratualdoEstado-administração71.
Tendosidoequipadoscomestesconhecimentosgerais,julgamosquejáestamosemcondiçãodeentrarnaproblemáticaespecialdadeterminaçãodolugardaviolaçãodoprincípiodaeficiênciano“cosmos”da ilicitudecivilextracontratualdoEstado-Ad-ministração.Indagamosemprimeiroailicitudeobjetivaesódepoisailicitudesubjetiva.
64Donde,estaconfiguraçãoenriquecidadeilicitudeandamuitoporpertodaposiçãode umacorrente do direito civil,paraaqualailicitudeserefereaoresultado,massemignorânciadarelevânciadodesvalorobjetivodaconduta.
65Anossover,adicotomiaentrea ilicitudeobjetivaea ilicitudesubjetivadilui-senapráticaquandoestivermosperanteumcasodaviolaçãodeumanormajurídicadeproteçãomassemquere-sultanaviolaçãodosdireitossubjetivos.
66 V.g.Sousa,MarceloRebelode/Matos,AndréSalgadode,Responsabilidade Civil Adminis-trativa, Direito Administrativo Geral, Tomo III,Lisboa,2010,p.22.
67Cf.Almeida,Arosode,Teoria..., cit.,p.503-510.68Nestesentido,expressamente,Sousa,MarceloRebelode/Matos,AndréSalgadode,Respon-
sabilidade..., cit., p.21emboraasuaexemplificaçãodedireitossubjetivossejamtodosdireitosabsolutos.69ExpressãodeAmaral,Freitasdo,Curso de Direito Administrativo, vol. II, Coimbra,2016,p.59.70ExemplotiradodeCadilha,Carlos, Regime..., cit, p.182.71 V. Almeida,Arosode, Teoria..., cit., p.495-499e506-510
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3.2. O lugar da violação do princípio da eficiência na ilicitude objetiva
Numaanáliseexegética,oart.9.ºdoRRCEEconsagrouquatrotiposdailicitudeobjetiva,i.e.1)aviolaçãodasdisposiçõesouprincípiosconstitucionais,legaisoureg-ulamentares,2)aviolaçãodasregrasdaordemtécnica,3)aviolaçãodosdeveresdecuidado,e4)ofuncionamentoanormaldoserviço.
Porisso,oquepretendemosindagarnoprimeiroensaioésaberseaviolaçãodoprincípiodaeficiênciapoderáassimilaràintencionalidadenormativadequalquerdestestiposlegaisdailicitudeobjetiva.
3.2.1 O entendimento maioritário
Antes de expor a nossa posição, é relevante saber qual é o entendimentomaioritárioemrelaçãoaestaproblemática.
MesmoantesdavigênciadonovoCPA,asdoutrinasportuguesasjátêmcolo-cadoumaatençãoespecialàideiadaboaadministração,dentrodoqualaeficiênciaocupaumlugaressencial.Noentanto,acorrentedoutrináriamaioritária,adquirindoinspiraçãonatesedeRogérioSoares72,lidandodepoisexplicitamenteporFreitasdoAmaral73, tendeaconsiderarodeveroriundodoprincípio (então implícito)daboaadministração(rectius, umdeverdaótimaadministração,comovimossegundoaliçãode RogérioSoares)comoumdeverjurídicoimperfeito–imperfeitonosentidodeasuaimperatividadenãocomportarproteçãojurisdicional(faltadajusticiabilidade).
Todavia,naverdade,estaimperfeiçãonuncafoiabsolutaumavezquemesmoparaosdefensoresda tesedodever jurídico imperfeito, a violaçãodoprincípiodaboaadministração(eosub-princípiodaeficiência)acarretaconsequênciasjurídicas:paraalémdeconstituir-senumvíciodeméritorecorrívelatravésdosmecanismosdeimpugnaçõesadministrativas;entreoutros,podedesencadearumaresponsabilidadecivil extracontratual por parte do Estado-Administração, fundamentando-se seja naviolaçãodosdeveresdecuidado(odeverdediligênciaezelo)74sejanofuncionamentoanormaldoserviço75 76.
72 V. Soares,Rogério,Interesse Público..., cit., p.179ss.73 V. Amaral,Freitasdo,Curso..., cit., p.36.Destarte,oinsignejuristamantémasuaposição
mesmofaceàconsagraçãoexpressadoprincípiodaboaadministraçãononovoCPA.74 V. Freitas,Amaraldo,Curso..., cit., p.37.75 V. Amorim,Pachecode,“Osprincípiosgeraidaatividadeadministrativanoprojetoderevisão
doCódigodoProcedimentoAdministrativo”,in CJA,n.º100,Braga,2013,p.19;Almeida,Arosode,Teo-ria..., cit.,p.59-63.
76Contra,negandoapossibilidadedeaviolaçãodoprincípiodaeficiênciadesencadearumaresponsabilidadecivilextracontratualdoEstado:Otero,Paulo, O Poder de Substituição..., cit., p.643ss.paraquemosmecanismosdocontrolodaviolaçãodoprincípiodaeficiênciasãosomentearesponsab-ilidadepolíticaeosmecanismosintra-administrativos.
Todavia,comoveremos,aposiçãodeste ilustre juristamudousobretudofaceàconsagraçãoexpressadoprincípiodaboaadministraçãononovoCPA.
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Estaposição,depoisdavigênciadonovoCPA,continuaaserdefendidaporumapartesignificativadadoutrinaque,emgeral,advogaqueoprincípiodaeficiência,ouseintegranadimensãonãojurídicadoprincípiodaboaadministraçãoenoâmbitodeméritodascondutasadministrativa,epor issonãoé justiciável;ouseconfundecomoprincípio jurídicodaproporcionalidadeououtrosprincípios jurídicos tradicionais,epoiséjusticiávelmassóenquantoumamanifestaçãodeste(s)último(s)77.Porisso,dequalquermodo,éclaraaquiarejeiçãodeconsideraraviolaçãodoprincípiodaeficiência per secomoumailicitudecivilextracontratual(oprimeirotipodailicitudeobjetiva).
Na nossa perspetiva, dentro da lógica desta doutrina que tende a reduzir oconteúdodoprincípiodaeficiênciaaummerolimitedosacrifício(confundido/con-fundívelcomoprincípiodaproporcionalidade)nomomentodocontrolo,édefactocompreensívelaassimilaçãodaviolaçãodoprincípiodaeficiênciaàviolaçãodosde-veresdecuidado.
Todavia,aindaqueseestejadentrodestacompreensão(incorretaeultrapassa-da)doprincípiodaeficiência,afundamentaçãodailicitudeobjetivanofuncionamentoanormaldoserviçonãodeixadeevidenciaralgumasincoerênciasargumentativas:
Independentementedafinalidadeorigináriasubjacenteàcriaçãodafiguradofuncionamentoanormaldoserviçoqueseinspiranafaute du service daordemjurídi-cafrancesa(v. infra),asdoutrinaseasjurisprudências,aoníveldodireitocompara-do, têmdesenvolvidoestafigura comoum instrumentodafiscalização jurisdicionaldocumprimentodostandarddefuncionamentonormalporpartedaAdministração(asvezesatéconfundidocomaexigênciadaobservaçãodosdeveresdecuidado)78. EmPortugal,estatendênciaparecequeseja,prima facie,seguidapelolegisladordaLein.º67/2007queexpressamenteprevêofuncionamentoanormaldoserviçocomouma dasmodalidades da ilicitude objetiva e define-lo no art.7.º/4 segundo o qual“[e]xiste funcionamentoanormaldoserviçoquando,atendendoàscircunstânciaseapadrõesmédiosderesultado,fosserazoavelmenteexigívelaoserviçoumaatuaçãosuscetíveldeevitarosdanosproduzidos”.
Ora,semdúvidas,oincumprimentododeverdaboaadministraçãonãoénec-essariamenteumsinónimodo funcionamentoanormaldo serviço– tudo,de facto,dependedaamplitudedanoçãodaboaadministraçãoque sedefende.Paraquemadotaumanoçãoampladaboaadministração,comoArosodeAlmeida–defensordequeaboaadministraçãoéumconceitopluridimensionalqueenglobaquerelemen-tosjurídicosquerelementosmeta-jurídicos79–provavelmente,o incumprimentododeverdaboaadministraçãocoincidaemlargamedidacomofuncionamentoanormaldoserviço;todavia,paraquemadotaumanoçãoestritadaboaadministraçãocomo
77Expressamente:Sousa,Jorgede,“Poderesdecogniçãodostribunaisadministrativosrelati-vamenteaactospraticadosnoexercíciodafunçãoadministrativa”, in Julgar, n.º3,Lisboa,2007,p.140,paraquemaviolaçãodoprincípiodaeficiência “que não se traduz em violação daqueles princípios constitucionais e legais não implica qualquer sanção de carácter jurisdicional”(sublinhadonosso).
78 V. Bousta,Rhita,Essai sur..., cit., maxime p.307-325.79 V. Almeida,Arosode,“OProvedor...”,cit., p.13ss.;idem, Teoria..., cit., p.55ss..
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aqueladeRhitaBousta(v.supra),jáéevidentequeoincumprimentododeverdaboaadministraçãonãoesgotouashipótesesdofuncionamentoanormaldoserviço–umavezqueparaestacorrentedoutrinária,«boaadministração»e«máadministração»não são conceitos antónimos80.
No entanto, independentemente disto, basicamente não há ninguém negaqueaavaliaçãodo funcionamentoanormaldo serviço– se seentendercomoumamodalidadeautónomada ilicitudeobjetiva– implicaumcerto juízo (aindaquenãoseja exclusivo) sobreo cumprimentodo standard daboa administração a cargodaAdministração (mesmoqueexistaofiltroobjetivode “padrãomédiode resultadosrazoavelmenteexigível”paraasseguraraautonomiadamargemdadiscricionariedadedaAdministraçãofaceaopoderjudicial).Assimsendo,aindaquesejaduroaaceitar,oprincípiodaboaadministraçãotorna-seimplicitamentenumprincípiojusticiávelnomomentodocontrolojurisdicionalrealizadonoseiodeumaaçãodaresponsabilidadecivil(doEstado-Administraçãopelofuncionamentoanormaldoserviço).
Daí, uma incoerência argumentativa é patente: a doutrina maioritária emapreço começa por negar a justiciabilidade do princípio da boa administração (etambémoseusub-princípiodaeficiência),rejeitandoacapacidadeinvalidanteàsuaviolação e a configuraçãoda sua violação comoa primeiramodalidadeda ilicitudeobjetiva (a violaçãodosprincípios jurídicos); todavia,nomomentode salvaguardara juridicidade – ainda que seja imperfeita – do princípio da boa administração e osub-princípiodaeficiência,acabouporaceitarqueasuaviolaçãopodedesencadeararesponsabilidadecivilextracontratualdoEstado-Administração,fundamentandoestaresponsabilidadenofuncionamentoanormaldoserviço,quecomovimos,implicaevi-tavelmentea“justiciabilização”doprincípio81.Destarte,ressalvandoonossorespeitopelascontribuiçõesdosilustresjuristasqueintegramnestacorrentedoutrinária,nãopodemosdeixardequestionarseadoutrinamaioritáriaacaboupor“deixarentrarporjanelaaoqueelapretendeufecharfirmementeaporta”?
3.2.2. A nossa posição
Tendoemcontaanossacompreensãodoprincípiodaeficiênciaeasuazonaaplicativa autónoma, e da assinalada incoerência argumentativa que a doutrinamaioritáriapadece,nãopodemosexonerar-nosdearguirumnovorelacionamentodavio-laçãodoprincípiodaeficiênciaeailicitudeobjetiva–que,comoveremos,deveráprovocarumanovaconfiguraçãodo“cosmos”dailicitudeobjetivaplasmadonaLein.º67/2007.
Recorrendo aométodo clássico de ensaio, vamos indagar separadamente a
80 V. Bousta,Rhita,Essai sur..., cit., maxim p.325-335.81Argumentandotambémnosentidoda incoerênciaargumentativadadoutrinamaioritária:
Raimundo,MiguelAssis,“Osprincípios...”,cit., p.186,nota109.Citando:“[a] tese que criticamos pa-dece ainda, pensamos, de alguma contradição. Com efeito, se o propósito principal deste dever jurídico imperfeito é impedir que o juiz decida sobre o mérito da ação administrativa, como admitir que o juiz decida sobre a violação da boa administração para efeitos da responsabilidade civil, como admitem os partidários desta tese?”.
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possibilidade de assimilação da violação do princípio da eficiência a cada uma dasquatroidentificadasmodalidadesdailicitudeobjetiva.
3.2.1.1 A primeira modalidade (violação das normas e princípios jurídicos)
Adenominaçãodestamodalidadecomoaprimeira modalidadedailicitudeobje-tivanãoéaleatória.Pordetrásdesta,estamosperanteumaafirmaçãodovalornucleardoEstadodeDireito,emquetodosequaisquerpoderesdaautoridadeestãosujeitossempreaoprincípiodajuridicidade.Porisso,quandoumatodafunçãoadministraçãocausardanos,aprimeiraquestãoalevantarnãopodeseroutrasenãoadesaberseesteatodanosorespeitouounãoodireitovigente.Sóquandoarespostaparaestapergun-tafornegativaéprecisorecorreraoutrosfundamentosplausíveisparafundamentarailicitudedoato.Portanto,qualquertentativaquepretendesubverterestaordem“hi-erárquica”–subalternandoaviolaçãodasnormaseprincípiosjurídicosàsoutrasmo-dalidadesdailicitudequenãoimplicaantijuridicidade–correoriscodesubvalorizaraimportânciafundamentalíssimadajuridicidadedascondutasadministrativas.
Ora,sendooprincípiodaeficiência,cunhadoporaquelascaracterísticassub-stanciaisquepropomos,umprincípiojurídico(rectius, juridicizado);prima facie, a suaviolaçãonãopossadeixardeassimilaràintencionalidadenormativadestapri-meiramodalidadedailicitudequevisa,antesdetudo,censurarasaçõesantijurídi-casdaAdministração.
Contudo,defacto,aresoluçãonuncaétãofácilediretaporqueporumlado,paraquesepossaafirmarumailicitudeobjetivadecorrentedaviolaçãodasnormasouprincípiosjurídicos,énecessárioqueotribunaltenhaocorrespondentepoderdecognição,que,segundoaopçãolegislativavigenteconformeaoprincípiodaseparaçãodos poderes, apenas abrange os aspetos estritamente jurídicos das ações adminis-trativasenuncaosaspetosdasusconveniênciaeoportunidade(art.3.º/1doCódigodeProcessonos TribunaisAdministrativos); eporoutro lado, pelamesma forçadoprincípiodaseparaçãodospoderes,ajuridicidadenãoimplicanecessariamenteasuajusticiabilidade(pense-senotradicionalexemplodasnormasjurídicasinternas,embo-raasuainjusticiabilidadeestejacadavezmaiscriticadapelasdoutrinas).
Porconseguinte,oqueseimportasaberparaopresentetrabalhoé:oprincípiodaeficiênciaéumprincípiojurídicojusticiável?
Como vimos, a maioria doutrinária responde negativamente, invocando apotênciadainvasãodafunçãojurisdicionalnojuízodeméritoreservadoparaafunçãoadministrativaqueajusticiabilidadedoprincípiodaeficiênciaiaprovocar.
Nãopodemosconcordarcomestacompreensão.Semdúvidas,ajusticiabilidadedoprincípiodaeficiênciapotenciaefetivamente
umcontrolo jurisdicionaldojuízodoméritoadministrativo,dadoquepelanaturezadoprincípiodaeficiência,asuafiscalizaçãoconsubstancia-seusualmentenuma“dis-
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paridadedevistas”emvezdeummero“«accertamento»dumvício”82.Todavia,estacolocaçãodopoderjudicialnoexamedojuízodoméritoadministrativonãoimplicanecessariamenteumaviolaçãodoprincípiodaseparaçãodospoderes. Istoporque,como FernandaPaulaOliveiratemassinaladodevidamente,adiscricionariedadead-ministrativanão implicaapenaso relacionamentoentreopoderadministrativoeopoderjudicial(nomomentodocontrolodasaçõesadministrativas),mastambémean-tesdomais,orelacionamentoentreopoderadministrativoeopoderlegislativo83. Por isso,nadaimpedequeolegisladorpodealargareintensificaroâmbitodavinculaçãojurídicajusticiáveldadiscricionariedadeadministrativa,legalizandoalgumasquestõesdeméritopelanatureza84–masclaro,estaintensificaçãonuncapodetransformar-senumesvaziamentogeraldadiscricionariedadeadministrativa,queconstituiaessênciadafunçãoadministrativa,sobpenadecontendercomonúcleoessencialdoprincípiodaseparaçãodospoderes,queéumvalorconstitucionalindisponívelpelolegislador.
Ede facto,esta intensificaçãodoâmbitodavinculação jurídica justiciáveldadiscricionariedadeadministrativajánãoéumanovidadenanossaordemjurídica.
Emconcreto,oprincípiodaproporcionalidade,emespecialoseutestedaproi-biçãodoexcesso,significatambémumcertojuízode“disparidadedevistas”85.Masagora,jáécorrentequeostribunaisadministrativoscontrolamasatividadesadminis-trativascombasenesteprincípio.Asdoutrinasemgeraltambémnãonegamacontro-labilidadejurisdicionaldasatividadesadministrativaspeloprincípiodaproporcionali-dade(queremsentidoamplo,queremsentidoestrito).Aindaporcima,éderepararqueestajusiticiabilidadedoprincípiodaproporcionalidade(nãoobstanteasuapotên-ciaparaumcontrolojurisdicionaldealgumasquestõesdeméritoadministrativo)nãoéalgoque“sedáporcerto”,massimumaaquisiçãodaculturajurídicaderivadaso-bretudodomovimentodaracionalizaçãomaterialdaAdministraçãoPública.Bastaol-harparaaordemjurídicapolonesa:comoM.HubertIzdebskipronunciouem2007,naPolónia,oprincípiodaproporcionalidadeaindanãofoiaplicávelnocontrolodas
82AsterminologiassãotiradasdeSoares,Rogério,Interesse Público..., cit., p.339.83 V. Oliveira,FernandaPaula,A Discricionariedade de Planeamento Urbanística Municipal na
Dogmática Geral da Discricionariedade Administrativa,Coimbra,2011,p.78-111.Claro,nuncapodemosomitirascontribuiçõesmagníficasdoilustremestreRogérioSoaresnestatemática,v.Soares,Rogé-rio, Interesse Público..., cit.,p.207ss.; idem, “AdministraçãoPúblicaeocontrolo judicial”, in Revista Brasileira de Direito Comparado, n.º15,RiodeJaneiro,1993,p.59-73.
84Nota-sequeoinsignejuristaFreitasdoAmaral,defensordainjusticiabilidadedoprincípiodaboaadministração(eoprincípiodaeficiência),tambémnãoignoraque,servindooprincípiodapro-porcionalidadeeoprincípiodaimparcialidadecomoexemplos,“certos deveres específicos que antes se pensava e dizia integrarem o dever geral da boa administração têm de se vistos hoje como verdadeiros deveres jurídicos decorrentes de princípios gerais da actividade administrativa...” eque “[a] tendência recente do Direito administrativo português... foi no sentido da transformação de certos padrões de mérito em parâmetros sujeitos a apreciação jurisdicional”.Cf.Amaral,Freitasdo,Curso..., cit., p.37-38.
85Nestesentido,masespecialmentenoestudodocontrolojurisdicionaldosatoslegislativosre-stritivosdosdireitos,liberdadesegarantias,Andrade,Vieirade,Os Direitos Fundamentais na Constitui-ção Portuguesa de 1976,Coimbra,2016,p.288-289. O autor,tendoemcontaestanaturezadotestedaproibiçãodoexcesso,defendeasubstituiçãodestetestepelotestedadefensabilidade/razoabilidadeparasalvaguardaraliberdadedeconformaçãodolegislador.
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decisõesdiscricionáriasadministrativas,salvonaáreadodireitodastelecomunicaçõesemvirtudedatransposiçãodeumadiretivadaUniãoEuropeia86.
Além disso, outros fatores extrínsecos também levam efetivamente a umamaiorintervençãodopoderjudicialnojuízoadministrativo.Porexemplo,ostribunais,tradicionalmenteperspetivados comoum foroque faltadoexpertisemeta-jurídico,sãocadavezmaisequipadosporconhecimentosmeta-jurídicosgraçasaorecursomaisgeneralizadoefacilitadosaosperitos.Istotemcomoefeitoimediatoadeslocaçãodeumapartenãodespiciendadadiscricionariedadeadministrativaparaodomíniodameradiscricionariedadetécnica,controlávelpelosjuízes87.
Agora,refletindooprincípiodaeficiênciaàluzdestasconsiderações,nãopo-demosdeixardedefenderajusticiabilidadedoprincípiodaeficiência.
Porum lado,apartirdomomentoemqueo legislador consagrouexpressa-menteesteprincípioenquantoumdosprincípiosqueregemjuridicamenteasativi-dadesadministrativas,trata-se,anossover,deumaclara intenção legislativadare-duçãodoespaço livredaescolhadaAdministração,determinando,naspalavrasdePauloOtero,“o “assalto” da legalidade ao hemisfério do mérito do agir administra-tivo”88–ereduçãoestaquenãopodedeixardesignificarumamaiorecorrespondentecontrolabilidadedasatividadesadministrativasporpartedostribunais89.
Aliás,estaopção legislativaé,nanossaperspetiva, completamente legítima,semseconsubstanciaremqualquerviolaçãodonúcleoessencialdoprincípiodasep-araçãodospoderes,umavezquearesultadajusticiabilidadedoprincípiodaeficiêncianuncaimplicaumesvaziamentogeraldadiscricionariedadeadministrativa.Asrazõessãoasseguintes:emprimeiro lugar,comoemqualquercontrolotradicionaldasde-cisõesdiscricionáriasadministrativas,ocontrolojurisdicionalésemprepelonegativoparaevitarqualquerdupla-administração90–ouseja,aofiscalizarocumprimentodoprincípiodaeficiência,otribunalnãovaidecidir,segundooseujuízo,qualdeveriaseromelhormeioeresultadoparaocasu decidendo.Oseucontrololimita-seasaberseomeioemconcretoadotadopelaAdministraçãoéummeionão ótimo.Emsegundolugar,alegalizaçãodoméritoviaa“justiciabilização”doprincípiodaeficiência,sólim-itacomefeitoadiscricionariedadedaAdministraçãonahierarquizaçãodosinteressespúblicos(porqueahierarquizaçãoagoraéregidapeloimperativojurídicoejusticiáveldaotimizaçãodosmeioseresultados),enãovaiafetaroespaçolivredaAdministração
86Cf.Izdebski,M.Hubert,“Surlavoied´unebonneadministration:d´unevisionàl´action”,in Conférence Européenne: a la Recherche d´une Bonne Administration,Varsóvia,2007, p.4.
(Disponível: http://www.coe.int/t/dghl/standardsetting/cdcj/Administrative%20law/Confer-ences/DA-ba-Conf_2007_%2010%20f%20-%20H.%20Izdebski.pdf)
87Nestesentido,Silva,SusanaTavaresde,Um Novo..., cit.,p.92-93.88Cf.Otero,Paulo,Direito do..., cit., p.274.89 Intensificação legislativa do controlo jurisdicional das atividades administrativas esta que
representaumareaçãointrínsecadaordemjurídicafaceacrisedalegalidade–ouseja,olegislador,quandoabriuajanelaparaAdministraçãonacrisedalegalidade,fechouacortinacomoenriquecimen-todalegalidadematerialjusticiável.
90Cf.Sousa,Jorgede,“Poderdecognição...”,cit., p.137,louvando-seemSérvuloCorreia.
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naidentificaçãoconcretadosinteressespúblicos91–quecontudo,tambémnãoétotal-mentelivre,porquepelomenos,ojuizpodecontrolá-laaníveldoerromanifestodospressupostosdefacto.Mascontroloestequejánãoéaconsequênciada“justiciabili-zação”doprincípiodaeficiência.
Poroutro lado,mesmoqueoconceitodaeficiênciaenquantopadrãodocon-teúdodascondutasadministrativasparanósjánãosejaaqueleconceitoeconomista,asuaavaliaçãonãodeixadepressupor,naquestãodofactoenaquestãodaprova,certosconhecimentosquesãoexterioresaojuízojurídico-políticodaAdministraçãoeimplicamummerojuízotécnico.Porisso,pelomenosemrelaçãoaestejuízotécnico,julgamosquea“justiciabilização”deveserpacífica,tendoemcontaqueestamosagoraperanteumdomíniodadiscricionariedadetécnicaenãodadiscricionariedadeadministrativa.
Semdúvidas,poderiaargumentarqueojuízodaeficiênciadeumadecisãoéumjuízosubjetivo,invocandoainterrogação,anossover,sofista,de“comoéquesepodeafirmarqueumadecisãoémenoseficientedoqueasoutraspossíveis,seestasúltimasnuncafossempostasemprática?”.
Nósnãoignoramosadificuldadedaprova.Contudo,estadificuldadenãovaiinfirmaroqueafirmámosemrelaçãoàjusticiabilidadedoprincípiodaeficiência.Istoporque,emprimeirolugar,noterrenojurídico,nãotrabalhamoscomasverdadesab-solutas,masasverdades intersubjetivaseopensamentodaevidência.Emsegundolugar,aobtençãodeprovaatualmentejáestáfacilitadaumavezquesobretudopelainfluênciaeimposiçãodoDireitodaUniãoEuropeia,umconjuntodasdecisõesadmin-istrativas já sãoobrigadasa ter fundamentaçãoexpressanumparecerdeavaliaçãopréviade impactos(pense-sev.g.nodireitodoambiente,nacontrataçãopública,erecentementenoprocedimentodaelaboraçãoderegulamentos(art.99.º,CPA))mes-moqueestenãoabranjaemregratodososaspetosquetêmdeserdevidamentetidosemcontanumaavaliaçãodaeficiênciajuridicizada.Emterceirolugar,ojuízoínsitonafiscalizaçãodocumprimentodoprincípiodaeficiência implica inevitavelmenteumacertadosedesubjetividade,dadoquenãopodemosesquecer-nosdequea“justicia-bilização”doprincípiodaeficiênciaéumalegalizaçãodomérito,eportantoacarretainelutavelmenteomomentode“disparidadedevistas”.
Sóque,aexistênciadestemomentosubjetivonãosignificaqueelepodeserabusado.Pelocontrário,paramanterumrelacionamento“saudável”entreopoderadministrativoeopoderjudicial,devemos,quandopuder,sempreensaiar intersub-jetivarestasubjetividadeconatural,mantendonacabeçaqueumlegisladorrazoável,ao pretender intensificar o âmbito vinculativo da discricionariedade administrativa,nunca pode pretender uma substituição do juízo administrativo pelo juízo judicial.Portanto,inclinamosadefenderqueparaquepossahaverumaresponsabilizaçãoou
91V.g.ojuiznãopode“comrecursoaoprincípiodaeficiência”fiscalizarseasconjunturaspolíti-co-sociaisjustificaremesehouverinteressepúblicoparaarealizaçãodeumcursopúblicodereformaçãoparaumacertaáreadedesempregos.Contudo,tendoaAdministraçãoidentificadoesteinteressepúblicoemconcreto,ojuizjápode,“comrecursoaoprincípiodaeficiência”,fiscalizarseaAdministração não tem adotado(controlopelonegativo)omelhormeioparaatingiresteinteressepúblico.
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condenaçãodaAdministraçãopela violaçãodoprincípiodaeficiência, énecessáriaumamanifestadesobediênciaàracionalidadedaotimizaçãonaescolhademeios(eresultados)92–graudecaráctermanifestoestequevariaconsoanteareclamaçãocon-cretapelocasu decidendideumespecialcuidadoàmanutençãodoequilíbrioentreopoderjurisdicionaleopoderadministrativo.
Concluindo,nanossaperspetiva,oprincípiodaeficiênciaéumprincípiojurídi-cojusticiável93aindaquetenhadeserespecialmentetratadonomomentodaprova.
92Éextremamenteimportantesalientarquenanossaperspetiva,ocritériode“violaçãomanifes-ta”nãoéumrequisitoparaaafirmaçãodaviolaçãodoprincípiodaeficiência(eoutrosprincípiosjurídi-cos).IstoporquecomoJorgedeSousaafirma,comrazão,notocanteaocumprimentodosprincípiosjurídicosjusticiáveis,“a violação não grosseira e não manifesta não deixa de ser ilegal”(cf.Sousa,Jorgede,“Poderdecognição...”,cit.,p.139).Eaadoçãodestaposiçãotemrelevânciapráticasobretudoparaaaplicabilidadedos institutoscomoa legítimadefesaquepressupõeumaaçãoofensivaantijurídica. Todavia, diferentemente domesmo autor que nega a aplicação do critério de “violaçãomanifesta”no controlo judicial da conduta administrativa (ibidem), advogamos a sua aplicabilidade (quer nosprincípios jurídicosqueimplicamuma“disparidadedevistas”,quernosrestantesprincípios jurídicosdesdequearacionalidadedanossaseguinteargumentaçãoseverificanumcasoconcreto).Eargumen-tamosqueistonãoéumacontradiçãodoqueafirmámosimediatamentesupra. Justificando,paranós,oditocritériode“violaçãomanifesta”enquadra-senumacategoriaquedesignamospor“tolerânciajudicativa” – que não representa uma contra-força na afirmação (muitomenos uma ignorância) dodesvalorobjetivodacondutaadministrativa,massimumaafirmaçãodestedesvaloracompanhadaporuma abdicação da competência de repreensão ou censura (um perdão) do tribunal, fundamentadajuridicamente pela necessidade damanutenção do equilíbrio entre o poder jurisdicional e o poderadministrativoreclamadopelocasu decidendi.Porconseguinte,paranós,contrárioaJorgedeSousa,nãoencaramosocritériode“violaçãomanifesta”comoumlimitedocontrolo judicial,massimumaatençãoativadojuizaoespecialcuidadonamanutençãodoequilíbrioentreopoderjurisdicionaleopoderadministrativoreclamadopelocasu decidendi.
Maissobreatolerânciajudicativa,emespecialnopropósitodaimputaçãoobjetivadarespons-abilidadecivilextracontratualdoEstado-Administração,veja,Leong,HongCheng,“Daimputaçãoob-jetivanaresponsabilidadecivilextracontratualdoEstadodecorrentedoexercíciodafunçãoadminis-trativa–omomentodadelimitaçãodaesferaderisco”,Coimbra,2016,(trabalhoinéditonomomento),p.42ss.maxime, nota97.
Porfim,nãopodemosdeixardepatentearque,oproblemadaexigênciadeumaviolaçãoman-ifestanãopodeserperspetivadocomoumaproblemáticadaharmonizaçãoouconcordânciapráticaen-treoprincípiovioladoeoprincípiodaseparaçãodospoderes.Istoporqueaoexigiraviolaçãomanifes-ta,aracionalidadenãoestá(nemdeveestar)nanecessidadenormativadarestriçãopráticadoprincípionaliçaparafazervaleronúcleoessencialdoprincípiodaseparaçãodospoderes–osdoisprincípiosemcausasãoconvocadosaníveldiferente,eincidemsobrecoisasdiferentes.Istoé,enquantooprincípiovioladotemopropósitodevincularaAdministraçãonasuadecisão,impondo-lheumcritérionormativodecondutaeemergindo-senumaaçãodaresponsabilidadecomoumfundamentodailicitudeobjetiva;oprincípiodaseparaçãodospoderesentraemdebatecomoumvalordeequilíbrioaserponderadopelotribunalnaconstruçãodoseujuízodecisórioacercadasconsequências jurídicas decorrentes da violaçãodaqueleprincípiopelaAdministração.Ouseja,aqui,oprincípiodaseparaçãodospoderesnãofuncionacomoumcritérioqueconcorrecomaqueleoutroprincípionadefiniçãodeumpadrãoconcre-toeindividualizadodecondutaparaaAdministração–queseriasimumproblemadaharmonizaçãopráticadosprincípiosjurídicos.Pelocontrário,eleintervém,aníveldarealizaçãojudicativadodireitoemconcreto,comoumvalornormativoquemodelaasconsequênciasjurídicasdecorrentesdaviolaçãoafirmadadeumprincípio(nemasuavalidadenemasuaeficáciaconcreta)quevinculaaAdministração.
93Nomesmo sentido,mais comargumentaçõesdiferentes:Otero, Paulo, Direito do..., cit., p.273-274;Raimundo,MiguelAssis, “Osprincípios...”,cit., p.180-187; Silva, SuzanaTavaresda, “O princípio...”,cit.,maxime p.12-21(emboraseconcentremaisnaáreadaregulaçãoedaimplementaçãodapolítica).
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Portanto,nãopodemosdeixardeafirmarqueasuaviolaçãoper se seconsubstanciaperfeitamentenumailicitudeobjetiva(aprimeiramodalidade).
Ora,adefesadestaposiçãonãotemapenasopropósitodesalientaraimportân-cia,asvezesignorada,destaprimeiramodalidadedailicitudeobjetiva,tendoemcontaoaludidovalornucleardoEstadodeDireitosubjacenteàintencionalidadenormativadestamodalidade.Quandochegarmosàpartequeconcerneàrelaçãoentreaviolaçãodoprincípiodaeficiênciaeofuncionamentoanormaldoserviço,perceberemosqueadefesadestaposiçãoimplicaconsequênciassubstanciaismuitoparaalémdisso.
3.2.1.2. A segunda modalidade (a violação das regras da ordem técnica)
Estamodalidade,queparaArosodeAlmeida,seenquadra,emconjuntocomaviolaçãodasnormaseprincípiosjurídicos,numamodalidadeampladailicitudeobjetivadenominada“legalidade”94,parece-nosumamodalidadeautónoma.Aintencionalidadenormativadestamodalidade,diferentementedaprimeira,nãovisarealçaravinculaçãodaAdministraçãoPúblicaaoDireito(valornucleardoEstadodeDireito),massimatribuirconsequênciasjurídicasautónomas,namatériadaresponsabilidadecivilextracontratu-aldoEstado-Administração,àsnormasdaordemmeta-jurídicas(maxime, as legis artis),quetêmumaimportânciaespecialnaorientaçãodapráticadasatuaçõesmateriaisad-ministrativas,nomeadamente(masnãoexclusivamente)paraevitardanos–assim,estafunção,quer imediata quer mediata,daprevençãodedanosdas legis artis coincide com afunçãodaresponsabilidadecivilextracontratualdoEstado-Administração,que,semprejuízodasuafinalidadeprimáriadareparaçãodosdanos,visaintimidarapráticadascondutaslesiva–oquejustificaaatribuiçãodasconsequências jurídicas,emsededaresponsabilidade,aestasnormasdaordemmeta-jurídica.
Ora,apesardestarelevânciaanível jurídico,as legis artis,emregra,nãosãonormasjurídicasformaisnemmateriais,sobretudoporqueelasnãosãopensadaspararesolverproblemasespeciaisdodireito(pense-seouimaginequeexistauma“normatécnica”que“manda/recomenda”osmédicosaconfortarconstantementeopacientedurantequaisqueroperaçõesoutratamentosque implicamdorousofrimento.Estanormanãoépensadaprimariamentepararesolverouevitarquaisquerlitígioseven-tuaisentreomédicoeopaciente,nemparaevitaralgunsdanosespeciaisapacientes.Trata-seapenasdeumanormacominspiraçãonahumanidademoralesocial95).Por
Note-sequerecentemente,algumasdoutrinasquepartemdatesededeverjurídicoimperfeitotambémnãodeixamdemanifestarqueestaimperfeiçãojáestánocaminhodeaperfeiçoamento: v.g. Amorim,Pachecode,“Osprincípios...”,cit.,p.19;Figueiredo,João,“EficiênciaelegalidadenaAdmin-istraçãoPública”,in Revista do Tribunal de Contas,n.º51,Lisboa,2009,p.67.
94 V. Almeida,Arosode,“Anotaçõesaoart.9.º”,in Comentário ao Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado (coord. Rui Medeiros),Lisboa,2013,p.242.
95Masagora,porforçadaconsagraçãopelolegisladordaviolaçãodasnormasdaordemtécni-caentreasmodalidadesdailicitudeobjetiva,desdequenapráticaaviolaçãodestanormaemapreçoresulta na violação de um direito subjetivo e que se reúnem outros requisitos da responsabilidade(culpa,danoeimputaçãoobjetiva),temosumcasofundadodaresponsabilidadecivilextracontratualdoEstado-Administração.
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isso,nãoconseguimoscompreendercomoasuaviolaçãopoderesultarper se numailegalidadeoumaisampla,numaantijuridicidade.
Semdúvidas,temoscasosemqueasnormastécnicassãointegradasformal-mentenoordenamentojurídico,ouqueasnormastécnicassãomaterialmentejurídi-casporquesão,poracaso,simultaneamente,fontedosdeveresjurídicosdecuidado96;contudo,nestescasos,jánãoestamosperanteumaviolaçãodasnormastécnicasen-quanto tais,massimperante,respetivamente,umaverdadeirailegalidade(aprimeiramodalidadedailicitudeobjetiva)eumaviolaçãodosdeveresjurídicosdecuidado(aterceiramodalidade).
Agora,tendoemcontaestaintencionalidadenormativaespecialeazonaapli-cativaautónomadestamodalidade,julgamosquenãosejaduvidosaarejeiçãodaas-similaçãodaviolaçãodoprincípiodaeficiência(naconceçãoqueadotamos)àestamo-dalidadedailicitudeobjetiva.Asuaassimilaçãosópoderiasignificarumacontradiçãocomaafirmadaeacentuadajuridicidadeejusticiabilidadedoprincípiodaeficiência.
3.2.1.3. A terceira modalidade (a violação de deveres de cuidado)
Aintencionalidadenormativadestamodalidade,visasobretudocomplementaramodalidadedaviolaçãodasnormasouprincípiosjurídicos.IstoporquesereparaoqueafirmámosnotocanteàteleonomologiadaresponsabilidadecivilextracontratualdoEstaod-Administração,aesferadaresponsabilidadedoEstado-Administraçãoéocorolárioaxiológicodasuaesferadalegitimidadeecompetência.Masseacompetên-ciadaAdministraçãoédelimitadapelalei,alegitimidadedaAdministraçãonãoesgot-ounasuavinculaçãoàleieconstituição.TendoemcontaqueaAdministraçãodeveagir semprenos interessesdoscidadãos–odonoda soberania,a sua legitimidadeadvémtambémdocumprimentodoseudeverde(pelo menos)nãocausarprejuízoaoscidadãos,considerandoafragilidadedoscidadãosperanteaautoridade.Porisso,qualqueratuaçãoadministrativaquenãocumpriuestedeverpõeemxequeasuale-gitimidade,queativa/oudeveriaativarasuaesferadaresponsabilidade.
Acreditamosquesejaestaracionalidadeaxiológicaqueperpassaaopçãoleg-islativa da consagração da violação de deveres de cuidado como umamodalidadeautónomadailicitudeobjetiva–quetemumaespecialrelevâncianassituaçõesemqueaAdministraçãocausoudanossemviolaçãodeumaprecisanormaouprincípiojurídi-co,que,comoArosodeAlmeidadestaca,“éfrequente...emsituaçõesdecorrentesdeaçõesmateriaisouomissõesdaAdministraçãoPública,quenãodeemissãoourecusadeatosjurídicos”97.
96Dizemos“poracaso”porquecomooAc.2013/05/23doTribunaldaRelaçãodeLisboaassi-nalou,“legisartis e cuidado objetivo devido não são conceitos coincidentes, sendo a violação das legis artis apenas um indício da violação do dever objetivo de cuidado”.
Presteatençãoaqueoacórdãoemapreçonãotratadamatériadaresponsabilidadecivilextra-contratualdoEstado,massimdaresponsabilidadepenalmédica.Contudo,estaafirmaçãodanaturezageralnãodeixadeseraplicáveltambémnamatérianaliça.
97Cf.Almeida,Arosode,Teoria..., p.506;idem, “Anotaçõesaoart.9.º”,cit., p.246.
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Então,podemosassimilaroprincípiodaeficiênciaàestamodalidadeda ilic-itudeobjetiva?Arespostaénegativa. Istoporque,semdúvidas,à responsabilidadepelaviolaçãodoprincípiodaeficiênciaestásubjacenteamesmaideiateleonomológi-cadaquebradaesferadalegitimidadequeativaaesferadaresponsabilidade;todavia,estaquebranocasodoprincípiodaeficiêncianãoresultadeumincumprimentodedeveresdecuidado–quetemumalcancenegativonosentidodenãoprejudicarout-rem–massimdoincumprimentodamissãoconstitucionaldopoderadministrativodeprosseguirosinteressespúblicosdamelhormaneirapossível.
Destarte, comomencionámos, a assimilaçãoda violaçãodoprincípiodaefi-ciência a estamodalidade só faz sentido para quemprefere considerar o princípiodaeficiênciaaindacomoummerolimitedesacrifícionomomentodocontrolo.Nós,defendendoqueoprincípiodaeficiência temumconteúdopositivoqueexigeumaotimizaçãoequilibradadosmeiosedosresultadosdentrodofimlegal,etemumazonaaplicativaautónomaaqualsãoalheiososatosrestritivosdasposiçõessubjetivas,nãopodemosdeixarderejeitarestaassimilação.
3.2.1.4. A quarta modalidade (o funcionamento anormal do serviço)
Ora,aconsideraçãodofuncionamentoanormaldoserviçoenquantoumamo-dalidadeautónomadailicitudeobjetivanãoépacíficanasdoutrinasapesardaapar-enteclarezadolegisladornaredaçãodoart.9.º/2.
Porexemplo,CarlosCadilhadefendeexpressamentequeaverificaçãodeummerofuncionamentoanormaldoserviçonãoésuficienteparaafirmarumailicitude(objetiva);paraisso,énecessárioaindapreencherumadasmodalidadesprevistasnoart. 9.º/1 (antijuridicidade, violação das regras técnicas e a violação de deveres decuidado)98.Porisso,nofundo,mesmoqueoautoraindaconsidereofuncionamentoanormaldoserviçocomomatériadailicitude,rejeitadeperspetiva-lácomoumacláu-sulaautónomadailicitude.
Entretanto,umapartesignificativadadoutrina defendequeofuncionamentoanormaldoserviçoéumamodalidadeautónomadailicitude,comumconteúdopar-ticularfaceàsmodalidadesprevistasnoart.9.º/199 100.Paraestacorrentedoutrinária,
98 V. Cadilha,Carlos,Regime..., cit.,p.195.99 V.g. Expressamente,Almeida,Arosode,Teoria..., cit. p.508-511; idem, “Anotação ao art.
9.º”,p.249-254.100Aníveldajurisprudência,aquestãodesaberseofuncionamentoanormaldoserviçoéou
nãoumamodalidadeautónomada ilicitudeobjetivaaindanãochegaaser tratadaautonomamente–atéporqueemvirtudedamorosidadenajustiça,osacórdãosproferidospelosTribunaisCentraisAd-ministrativosepeloSTAatéagoranasededaresponsabilidadecivilextracontratualdoEstadosão,namaioria,concernentesàaplicaçãodoDecreto-Lein.º48051.
MasmesmoatravésdeumaanálisesucintadosexistentesacórdãosproferidosàluzdaLein.º67/2007,podemosrepararqueemtocanteàquestãoemapreço,emvezdeumaclareza,temosumaconfusãojurisprudencial.
Porexemplo,noAc.2016/03/31(processo0584/14),oSTA,pelomenosimplicitamente,afirmaestaautonomiaaodizerque“para o preenchimento do requisito da ilicitude importa aferir in casu da
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aintencionalidadenormativadafiguraconsiste-seemtornaroEstado-Administraçãoautonomamenteresponsávelnoscasosemqueofuncionamentodeumserviço,queafastadeumfuncionamento razoavelmenteexigível segundoascircunstânciascon-cretasdocasoeopadrãomédioderesultados(art.7.º/4),causadanos,masnãoépossívelidentificarnocasooautormaterialdoatolesivo(atoconcretoestequepodesemsequerexiste).Ecomoagoraacondutapropriamenteditajánãotemrelevânciana delimitação da ilicitude (relevância esta que agora é consumada pela dimensãode resultado) por não existir um autor identificável (o caso da culpa anónima), oupornemsequerexistirumacondutaconcretadestacável(ocasodaculpa coletiva);jánãoéexigível,paraaafirmaçãoda ilicitudedestamodalidade,opreenchimentodorequisitodaantijuridicidade,violaçãodasregrastécnicas,ouviolaçãodosdeveresdecuidado–quesãotodospadrõesdecensuraobjetivadirigidaaumaconduta.
Ora,especialmenteemvirtudedesteúltimotraçodoregimedofuncionamentoanormaldoserviço,ficapossibilitadaaassimilaçãodaviolaçãodoprincípiodaeficiênciaaestamodalidadeautónomadailicitudeobjetivapeladoutrinaquedefendeainjusti-ciabilidadedesteprincípio.Assimilaçãopossívelestaqueéconfirmadaapartirdomo-mentoemqueoprincípiodaeficiênciaaparececomoumadimensãodoprincípiodaboaadministração,cujaviolaçãoevidenciaumaanormalidadenofuncionamentodoserviço.
Todavia,comotemosocasionalmentediscutidosupra,estaviadetornarilícitaaviolaçãodoprincípiodaeficiênciapadecedeumaincoerênciaargumentativa, jus-ticiabilizando implicitamenteoqueab initio seconsideroucomo injusticiável.Aliás,
existência de ação ou omissão violadora de disposições ou princípios [constitucionais, legais ou regulamen-tares], ou de regras de ordem técnica ou de deveres objetivos de cuidado, ou resultado do funcionamento anormal do serviço, ofensivos de direitos ou interesses legalmente protegidos)” (sublinhadonosso).
JánoAc.2015/09/11(processo00095/11.5BEVIS),parecequeoTCANnegueestaautonomianamedidaemqueconsideraque“quanto à ilicitude...o conceito de ilícito tem a sua amplitude fixada no art. 9º...: consideram-se ilícitas as ações ou omissões dos titulares de órgãos, funcionários e agentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres objectivos de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos (n.º 1). Sabe-se também que a ilicitude não se basta com a mera ilegalidade, antes pressu-põe a violação de um direito subjetivo ou de um interesse legalmente protegido, ou seja, de uma norma que se destine a proteger o interesse de outrem. Quanto aos atos materiais, há ilicitude quando houver violação das normas legais e regulamentares ou dos princípios gerais aplicáveis, ou ainda quando hou-ver violação das regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração”(otribunalporissonãoenunciaoart.9.º/2–funcionamentoanormaldoserviço–comoumacláusuladailicitude);erefereafiguradofuncionamentoanormaldoserviçosomenteaníveldaculpa.
EntretantonoAc.2016/04/21(processo00013/10.4BEPNF),oTCANmanifestaoutraposição,tratandoofuncionamentoanormaldoserviçocomoumadasfontesdailicitudeobjetiva.Todavia,nesteacórdão,parece-nosqueotribunal,emvezdeatribuirumaautonomiamaterialàfiguraemapreço,confundam-nasobretudocomamodalidadede“violaçãodosdeveresdecuidado”–in casu, o dever desinalizaçãoouremoçãodepedrasnaviapúblicas.Confusãoestaque,contudo, jánãoseverifica,porexemplo,emrelaçãoaoAc.2015/11/06TCAN(processo00923/13.7BEPRT),emqueotribunalnãoenquadraoproblemadaviolaçãodo“deverdasinalizaçãodaexistênciadelençoldeáguanavia”noseiodofuncionamentoanormaldoserviço.
AníveldoMinistérioPúblico, a confusãodafigurade “funcionamentoanormaldo serviço”comosdeveresobjetivosdecuidadoépatentetambémnoseuparecer(data:2011/01/31;processo07175/11)prestadoaoTCAS(Ac.2011/12/14).
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estatentativaacarretaaconsequênciaperigosadetransformaroart.9.º/2numapo-tencialcláusuladaexpansãodaresponsabilidadecivilextracontratualdoEstado-Ad-ministração, que está totalmente fora da intenção legislativa na consagração destanorma,quecomoveremos,visaantesdetudo,supriradificuldadeimputacionalnoscasosdaculpacoletivaeculpaanónima.Alémdomais,estatentativadaassimilaçãooriginaumavexata quaestio cujaresoluçãoinadequadapodeprovocaratéadistorçãofuncionaldafiguraemcausa.
Esta vexata quaestioé:seaviolaçãodoprincípiodaeficiênciaoriginardeumacondutaconcretadestacáveleforidentificáveloautormaterialdoato,podemosapli-caraindaestamodalidadedailicitude?
a)Seforfielàfinalidadeoriginária101dacriaçãodafiguraemapreço,quecor-respondeà faute du service daordemjurídicafrancesa,eàfinalidadedaimportaçãodestafiguraparaanossaordemjurídica,quevisaassinalaracapacidadejurídicadoEstadodeserumcentroautónomodeimputaçãojurídica,eantesdetudoultrapassaradificuldadeimputacionlnoscasosdaculpacoletivaedaculpaanónima,arespostadevesernegativa.
Istoporquesimplesmentedito,como in casuestamosperanteumcasoclaroda faute personnelle,nãosejustificaarazãodaaplicaçãodafiguraemcausa102. Por conseguinte,seaviolaçãodoprincípiodaeficiêncianumparticularcasotambémnãoimplicarqualquerviolaçãodedeveresdecuidado(eseseinsistiraindanainjusticiab-ilidadedoprincípiodaeficiência),estamosperanteumcasoemqueaviolaçãodeumdeverjurídicoporpartedaAdministraçãoéextracontratualmenteirresponsável–estaimpunidadenãodeixadesuscitargraveproblemadajustiçareintegrativa.Soluçãoestaquetambémétotalmenteincompreensívelàluzdateleonomologiadaresponsabili-dadecivilextracontratualdoEstado-Administração.
b)Jáseseinsistiremassimilaraviolaçãodoprincípiodaeficiênciaàmodali-dadedofuncionamentoanormaldoserviçoapesardaverificaçãodeumafaute per-
101Dizemos“originária”porqueafiguradepoisfoidesenvolvidaeenriquecidanaordemjurídi-cafrancesa, levandoaqueafiguratematualmentemaisâmbitosdeaplicaçãodoquenasuaversãoprimitiva.ComosetemreveladonoestudodeRhitaBousta,atualmente,emgeral,“afautedeservicepode ser definida como um disfuncionamento do serviço público resultante da inobservância dos deve-res incumbidos à Administração dentro do quadro das suas missões”.Desdemodo,parecequeasideiasdaculpacoletivaeculpaanónimajásefiquemmarginalizadasdaessênciadafigura.Cf.Bousta,Rhita,Essai sur..., cit., p.307.
102Parece-nosqueestasejaaposiçãodoSTAtomadanojácitadoAc.2016/03/31(processo0584/14).Nesteacórdão,oSupremoTribunal,depoisdeterdefendido implicitamentequeofuncio-namentoanormaldoserviçoéumamodalidadeautónomadailicitudeatravésdeenunciarque“para o preenchimento do requisito da ilicitude importa aferir in casu da existência de ação ou omissão vio-ladora de disposições ou princípios [constitucionais, legais ou regulamentares], ou de regras de ordem técnica ou de deveres objetivos de cuidado, ou resultado do funcionamento anormal do serviço, ofen-sivos de direitos ou interesses legalmente protegidos)” (sublinhadonosso);advogaque“mostrando-se atribuída ou imputada uma conduta a um concreto funcionário ou agente..., temos que a situação jurí-dica subspecie,... não pode ser subsumida ao conceito de “funcionamento anormal do referido serviço” [cfr. arts. 07.º, n.ºs 3 e 4 e 09.º, n.º 2, do «RRCEE»] e, assim, se possa concluir estarmos perante conduta ilícita à luz de tal enquadramento”.
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sonnelle,sobretudoparaevitarosupraditoproblemadainjustiça,está-seadistorcerafunçãonuclear(originária)dafigura.
Mesmoqueconsiderequenãoestamosperanteumadistorçãofuncional,massimumdesenvolvimento evolutivo da figura (consoante o seu desenvolvimento naFrança),aproblematizaçãonãoseficaporaqui–temosdesaber:aplicandoassimafiguradafaute du service,podemosaindanaaçãodaresponsabilidadearguirafaute personnelle?QuestãoestaquetemumaligaçãoíntimacomamatériadarepartiçãodaresponsabilidadeentreoEstadoeoagente-lesantenarelaçãoexterna,quetemgranderepercussãonarelaçãointernanamatériadodireitoderegresso.
i)SeforfielaoregimevigentedarepartiçãodaresponsabilidadeentreoEstadoeofuncionário-lesante,nãodeveadmitiraarguiçãodafaute personnellenumaaçãodaresponsabilidadefundamentadanafaute du service.Istoporquecomoasdoutrinasemgeralinterpretamoart.7.º/3daLein.º67/2007,nocasodafaute du service,esta-mosperanteumaresponsabilidadeexclusivadoEstado-Administração103.
Todavia, este entendimento é defeituoso porque: por um lado, este regimevigente da repartição da responsabilidade no caso do funcionamento anormal doserviçofoipensadosobretudoparaoscasosdaculpacoletivaeculpaanónima.Porisso,sedefender/defendesseumainterpretaçãoatualistadafiguradafaute du service quetemumaaplicaçãoparaalémdoscasosdaculpacoletivaeculpaanónima,deve/deveria tambémcoerentemente interpretardamaneiraatualizadaoart.7.º/3parapermitiraarguiçãoda faute personnelle emcumulaçãocomaarguiçãoda faute du servicequandoestivermosperanteumcasonãodaculpacoletivaouculpaanónima,masemqueoatolesivoconcretodofuncionárioserevelasimultaneamenteum“dis-funcionamento do serviço público resultante da inobservânciadosdeveresincumbidosàAdministração dentro do quadro das suas missões”.
Poroutrolado,esteentendimentoimplicaumanegaçãodafaute personnelle, an-tesdemais,narelaçãoexternadaresponsabilidade.Ecomooregimevigentetambémnãoprevêodireitoderegresso(ou,noutrainterpretação–comquenãoconcordamos–nãoprevêaobrigatoriedadedoseuexercício)paraocasodaresponsabilidadeexclu-sivadoEstadoperanteolesado;ofuncionárioqueviolouoprincípiodaeficiênciaficariaimunedaobrigaçãodaindemnização.Assimsendo,ficariapostaemcausagravementeafunçãoeducativadaresponsabilidade,umavezqueosfuncionáriossaberiamporissoqueelespoderiamagirineficientemente,atécomdolo,masnãoseriaresponsávelpes-soalmenteporcausadisso;oEstadotambémsetornarianumseguradordafaute per-sonnelle dosfuncionáriosnoincumprimentodoprincípiodaeficiência.
ii)Sepelocontrário,aceitarumacumulaçãodafaute personnelle com a faute du service,advogandoumainterpretação“completamenteatualizada”doregimeda
103Consulte,entreoutros,Cadilha,Carlos,Regime...,cit.,p.163-164;Almeida,Arosode,Teo-ria...,cit.,p.495-497;idem,“Anotaçõesaoart.7.º”,inComentárioaoRegimedaResponsabilidadeCivilEx-tracontratualdoEstado(coord.RuiMedeiros),Lisboa,2013,p.217-221;Andrade,Vieirade,“Arespons-abilidadepordanosdecorrentesdoexercíciodafunçãoadministrativananovaleisobreresponsabilidadecivilextracontratualdoEstadoedemaisentespúblicos”,in RLJ,n.º3951,Coimbra,2008,p.363.
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faute du serive,paraadmitirumaresponsabilidadesolidáriaentreofuncionáriofalto-so e o Estado104;osproblemasdaincoerênciaedapreteriçãodafunçãoeducativadaresponsabilidadejáficamresolvidos.
Contudo,nemporissoestaposiçãoédefensável.Nanossaperspetiva,trata-sedeumatesequeétotalmentecontráriaàintençãolegislativanaimportaçãodafigurada faute du service paraaordemjurídicaportuguesa.
Semdúvidas,afiguradafaute du servicenaordemjurídicafrancesatemevoluí-dobastante,naqualasdoutrinaseas jurisprudências jácomeçamaaceitaraapli-caçãodatécnicadafaute du service foradoscasosdaculpacoletivaeculpaanónimaeapossibilidadedacumulaçãodafaute du service com a faute personnelle. No en-tanto,averdadeéqueaimportaçãopelolegisladordaLein.º67/2007dafiguradafaute du service nãosignifica,demodonenhum,aconsagraçãodeumacláusuladaatualizaçãodaordemjurídicaportuguesaconsonanteodesenvolvimentodestafiguranasuaordemdaorigem.Destarte,uma“atualização”destegénero,totalmenteforadaintençãolegislativa,implicariaumaverdadeirareformadoregime,emlugardeummeroproblemada interpretaçãoatualista.Emesmoquenãosepossa ignorarque,como VieiradeAndradeensinou,amatériadaresponsabilidadecivilextracontratualdoEstadoéumterrenoemqueseevidenciaumaaproximaçãodocivil law ao case lawumavezqueéessencialmenteajurisprudênciaquecontribuiparaadensificaçãoeevoluçãodoinstituto105,eporissonãopodemossobrevalorizarovalordaintençãolegislativa;ofactoéquea jurisprudênciaportuguesanãotemmanifestadoesta ini-ciativade“enriquecimento”dafiguradafaute de serviceconsoanteoquetemsidodecorridonaFrança.
Ora,depoisdestepercursomaisoumenoslongo,julgamosquesejaclaroquenãopodemosdeixarderecusaraassimilaçãodaviolaçãodoprincípiodaeficiênciaàfaute du serviceenquantoumamodalidadeautónomadailicitudeobjetiva.
Semdúvidas,sobretudoquandoadotarumaconceçãoampladoprincípiodaboaadministração,queabrangecertamenteoprincípiodaeficiência;aviolaçãodoprincípiodaboaadministraçãoequivalebasicamenteaumfuncionamentoanormaldoserviçoeporissoaassimilaçãodoprincípiodaeficiênciaaofuncionamentoanor-maldo serviçopareçaque fossepacífica.Contudo,apartirdomomentoemqueoprincípiodaeficiência,queocupavaumpapelpredominantenadimensãometa-jurídi-
104 Neste sentido, expressamente: Barra, Tiago Viana, “Nótula sobre a faute du service na responsabilidadedoEstado”,in O Direito, Ano145.º,Lisboa,2013(IV),p.1026.Citando:“...a responsa-bilidade por funcionamento anormal do serviço não suprime a responsabilidade individual do titular do órgão, agente ou funcionário. A responsabilidade das entidades públicas não exclui necessariamente a solidariedade daqueles com as mesmas nem o direito de regresso contra o titular do órgão, funcionário ou agente”; “...devem as entidades proceder ao direito de regresso para não onerar o contribuinte”que“contribui poderosamente para a melhoria de qualidade deste [o titular do órgão, funcionário ou agente]”.
105Cf.Andrade,Vieirade,“Panoramageraldodireitodaresponsabilidade“civil”daAdmin-istraçãoPúblicaemPortugal”, in La Responsabilidad Patrimonial de los Poderes Públicos, III, Coloqui Hispano-Luso de Derecho Administrativo, Valladolid,1999,p.47.
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ca do princípio da boa administração, fica juridicizada e passa a ser justiciável, ba-sicamente jánãohánecessidadederecorreraofuncionamentoanormaldoserviçoenquantoumamodalidadeautónomadailicitudeparaassimfundamentararespons-abilidadedoEstado-Administraçãoqueviolaoprincípiodaeficiência;bastarecorreràprimeiramodalidadedailicitude(violaçãodasnormaseprincípiojurídicos).
Além disso, como a parte nuclear (se não a totalidade) da dimensão me-ta-jurídicadoprincípiodaboaadministraçãoficajájuridicizadacomajuridicizaçãoea“justiciabilização”doprincípiodaeficiência,tornam-sepoucofrequentesoscasosemqueexisteumfuncionamentoanormaldoserviçoquenãosepodemreconduziràsmodalidadesdailicitudeobjetivaplasmadasnoart.9.º/1.Desdemodo,jánãohánecessidadederecorrerforçosamenteàfiguradafaute du serviceparacorrigirain-justiçaquesepodeprovocarnocasodairresponsabilidadedaAdministraçãoqueviolaoprincípiodaeficiênciaemaisamplamente,oprincípiodaboaadministração.
Elevamosatéamaislonge–defendemosquedevedeixardeconsiderarofun-cionamentoanormaldoserviçocomoumamodalidadeautónomadailicitude,aderin-doassim,nestaparte,àaludidaposiçãodeCarlosCadilha.
Semdúvidas,istopodelevaraqueoincumprimentodadimensãoinjusticiável(principalmenteporsepermanecermeta-jurídica)dodeverdaboaadministraçãosejairresponsável–masseconsideraristoumainjustiça,anossover,oquesedeverealizaréajuridicizaçãoejusticializaçãodasnormasouprincípiosmeta-jurídicosemcausa;emlugardeinsistir-seemdefenderameta-juridicidadee/ouanãojusticiabilidadedesteseentretantotentararranjarum“atalho”paraimplicitamentepermitirjusticiáveloquenãodeveser,sóparaoefeitodaresponsabilização.“Atalho”esteque,paraalémdepadecerdoerrometodológico,representaumatentativajuridicamenteinfundadadaincessanteexpansãodaresponsabilidadecivildoEstado106.
Preferimosmanterafiguradafaute du service nonossoordenamentojurídi-cofielàsuafinalidadeoriginária,aplicando-sesónoscasosdaculpacoletivaeculpaanónima.Assimsendo,advogamosconsiderarafaute du servicecomoumatécnicadaimputaçãoenãoumamodalidadeautónomadailicitude.Destarte,de iure condendo,julgamosquesejamaisconvenienteretiraracláusuladafaute du serivedoart.9.ºdaLein.º67/2007,criandoumartigoseparadoquetrataautonomamenteosproblemasdaimputação,reservandoaliumlugaràfiguradafaute du service.
No fim, acrescentamos uma nota de que, com a assimilação da violaçãoprincípiodaeficiênciaàprimeiramodalidadedailicitudeobjetiva(violaçãodasnormaseprincípios jurídicos),ofuncionárioquevioloucomdoloouculpagraveoprincípiodaeficiêncianoexercíciodasuafunçãopassaapoderserresponsávelsolidariamenteparacomoEstadoporforçadoart.8.º/1,2daLein.º67/2007–poisseevitaodiscuti-doproblemadacumulaçãodafaute du service com a faute personnelle.
106 A nossa posição da responsabilidade pela violação do princípio da eficiênciaper se rep-resenta tambémumaexpansãoda responsabilidadecivildoEstado-Administração.Noentanto,estaposiçãoéjuridicamentefundamentadaeestáconsoanteàrecenteevoluçãododireitopositivointernoesupranacional.
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Estaresponsabilidade individualdofuncionárioé importantesobretudoparaoefeitoeducativo–massemdúvidas,temosdeenfrentarumparadoxo:senãore-sponsabilizarosfuncionários,elesnãotêmincentivoparaagireficientemente;masseosresponsabilizar,podecorreroriscodeostornardemasiadocautelososnoexercíciodasuafunção,quenãoé“saudável”dopontodavistadaeficiência.
Neste aspeto, sema ambiçãode tomarposição, émuito interessante a res-olução tomadanaordem jurídica italiana (Lei n.º 15/2009), emque, segundoa in-troduçãodeMarioR.Spasiano,foiconsagradaumaplenaautonomiadagestãodosdirigentesdonívelmaisaltonaAdministraçãoPública–agora,opapeldestesdirigen-tesébasicamenteequivalenteaumempregador,quevalorizaeasseguraaprestação(oresultado)dos“seus”colaboradores.Seestesdirigentesfalharememasseguraraeficiência do serviço emque eles trabalham, eles incorremnuma responsabilidadeespecífica,queseconsistenareduçãodaumapartedasuaremuneração107.
3.3. O lugar da violação do princípio da eficiência na ilicitude subjetiva
Emregra,paraquemadotaumaconceçãoqueconsideraqueoprincípiodaefi-ciência,nomomentodocontrolojurisdicional,éummeroprincípiodolimitedesacri-fício,aproblemáticaemapreçonãotemautonomiaindagatória.Istoporqueentãoasposiçõessubjetivasofendidasquandohouverumaviolaçãodoprincípiodaeficiência,em regra não nascem ipso iuredoprincípiodaeficiência.Querdizer, tratam-sedasposições subjetivasqueexistem independentemente do princípio da eficiência,massãosacrificadasilegitimamenteemvirtudedainobediênciadeumlimitedesacrifício.Assimsendo,a investigaçãodeseestasposiçõessubjetivassacrificadassãodireitossubjetivosouinteresseslegalmenteprotegidos(ilicitudesubjetiva),nãotemconexãocomaproblemáticadoprincípiodaeficiência.
Contudo, recordando,paranós,oprincípiodaeficiênciaéumprincípiocomconteúdo positivoqueimpõeumaotimizaçãoequilibradadosmeiosedosresultadosàsdecisõesdaAdministraçãoPública,easuazonaaplicativaautónomaconsiste-senashipótesesdemelhoramentopuroesimplesdostato quadoscidadãos–pensa-senocasodaconcretizaçãoadministrativadosdireitossociais,económicosouculturais;aqui,seaAdministraçãoefetuarestatarefadamaneiraadequadamasafizerdeumamaneiranãoótima–salvonoscasosdeomissõeserecusas(quenãodeixamdeserumaescolhademeioeresultado)–nãoháaquiofensadosdireitossociais,económi-cosouculturaisemcausaqueficamefetivaeadequadamenteconcretizados.Porisso,seaindapuder/pudessedefenderaquiumailicitudesubjetiva,asposiçõessubjetivasvioladasnãopoderão/nãopoderiamseroutrassenãoaquelasquenascemipso iure doprincípiodaeficiênciaper se. Por conseguinte, a indagaçãoque seurge realizaragoraconsiste-seemsaber1)seoscidadãostêmumdireitosubjetivoaumacondu-taadministrativaeficiente(problemáticadaprimeiramodalidadedailicitudesubjeti-
107 V. Spasiano,MarioR.,“Ilprincipio...”,cit., p.29-30.
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va);e2)seoprincípiodaeficiênciapodeserconsideradocomoumanormalegaldaproteção(aproblemáticadasegundamodalidade) 108.
3.3.1. Existe um direito subjetivo a uma conduta administrativa eficiente?
Antes de entrar diretamentenesta problemática, é oportuno recordar que, emgeral,paraasdoutrinas,oprincípiodaboaadministração(dentrodoqualencontramosoprincípiodaeficiência)nãotemumadimensãosubjetivizantegarantística.Trata-sedeumdeverjurídicoemsentidoestritoaoqualnãocorrespondenenhumdireitosubjetivo109.
Contudo,esteentendimentofoiespecialmenteperturbadoapartirdomomentoemqueaCartadosDireitosFundamentaisdaUniãoEuropeia,nocujoart.41.º,consagra“umdireitoaumaboaadministração”.Todavia,apesarda inquietaçãoprovocadaporestanovidadenormativa,asdoutrinasmantêmbasicamentefieisaoentendimentodequeoprincípiodaboaadministraçãonãodádireitosubjetivo–oart.41.ºdaCarta,paraalémdepadecerdeumpensamentodemasiadoredutordoconceitodaboaadminis-tração110,temumtítuloenganoso;comoumapartesignificativadadoutrinadefende,paraquepossahouverdireitosubjetivo,énecessárioqueestamosperanteumapre-tensãocomconteúdopreciso,quenãocorrespondeaocasodoart.41.ºdaCarta111. E como RhitaBoustaassinala,oTribunalEuropeudosDireitosdosHomenstambémestápoucoinclinadoaimplementarumdireitoindividualaumaboaadministração112.
Mesmonumcontextoindependentedoconteúdodesteartigo,comoArosodeAlmeida(adeptodeumconceitoamplodaboaadministração)defende,“é... evidente queoconceitodeboaadministração, pela amplitude e heterogeneidade das tarefas
108Oupense-senumcasoemqueaAdministração,poriniciativaoficiosa,realizouum“cursodeequivalência”paraosalunosquenãoconseguementrarnos institutosdeensino superior.AAdminis-tração,contudo,organizouocursodeumamaneiramanifestamenteineficiente.Porcausadisto,oresul-tadodocursoéinsatisfatórioquelevaaqueosparticipantesficamdiscriminadosnomercadodetrabalho.
ImaginaquenãoexistaquaisquerrelaçõescontratuaisentreaAdministraçãoeosparticipantes.OsdanoscausadosaosparticipantessãoressarcíveisnasededaresponsabilidadecivilextracontratualdoEstado-Administração?Emtermosdailicitude,éinquestionávelqueexisteumailicitudeobjetiva–aviolaçãodoprincípiodaeficiênciaper se. Masquetalailicitudesubjetiva?Existemalgumasposiçõessubjetivasdosparticipantesqueficaramvioladas?Nanossaperspetiva,nãohánadasenãoaexpectati-vadosparticipantesnumaatuaçãoótimadaAdministraçãoqueficoufrustrada–masestaexpectativapodesersublimadaaumverdadeirodireitosubjetivooupelomenosuminteresselegalmenteprotegi-do?Eisaquestãoquepretendemosindagar.
109Esta ideia foidefendida,pelomenos implicitamente, logoem1955porRogérioSoares:v.Soares,Rogério,Interesse Público..., cit., p.198-199,emqueoinsignejuristadefendequeodeverdaboaadministraçãoéum“autênticodeverjurídico”,erectius,uma“situaçãojurídicapassivaindependente”.
Parecequeestatambéméaposiçãomaioritárianaordemjurídicafrancesa.Sobreisto,con-sulte,Bousta,Rhita,Essai sur..., cit.,p.266-268eavastabibliografialáindicada.
110Vejasupra, nota31.111V.entreoutros,Almeida,Arosode,“OProvedor...”,cit., p.19-21;Delvolvé,M.Pierre,“Rap-
portgeneral”,in Conférence Européenne: a la Recherche d´une Bonne Administration,Varsóvia,2007, disponível: http://www.coe.int/t/dghl/standardsetting/cdcj/Administrative%20law/Conferences/DA-ba-Conf%20_2007_%2015%20f%20-%20P.%20Delvolvé.pdf,p.11-12
112 V. Bousta,Rhita,Essai sur..., cit.,p.270,louvando-seemMierzewska.
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que oneram a Administração Pública nas sociedades modernas, faz apelo à satisfação de uma multiplicidade de valências que não podem ser, todas elas, traduzidas em di-reitos subjetivos”113.
Ora,seéverdadequeoprincípiodaboaadministraçãonãotemacapacidadedeoriginarumdireitosubjetivo,amesmacoisadeveaconteceremrelaçãoaoprincípiodaeficiência,tendoemcontaqueoprincípiodaeficiênciapornósdefendidotemumconteúdoprecisoqueseconsistenumaexigênciadaotimizaçãoequilibradadosmeiosedosresultadosdentrodofimlegal?
Antesdetomarmosposição,éútilrefletirmosatesedeRhitaBousta.Para a autora,aboaadministraçãotemumconceitoeumconteúdoprecisoqueseconsistenumaexigênciade“adaptaçãoequilibradadosmeios”(queporisso,repetimos,temumagrandesemelhançaànossacompreensãodoprincípiodaeficiência).Contudo,nemporissoaautoradefendeaexistênciadeumdireitosubjetivoaumaboaadmin-istração. Para a autora, que adotaumconceito estritododireito subjetivo (i.e. umdireito, judicialmentetutelado,deexigirumadeterminadaprestaçãoaalguém),emvirtudedonecessáriorespeitopeladiscricionariedadeadministrativa,nãofazsentidoatribuiraoscidadãosumdireitodeexigirjudicialmenteàAdministraçãoocumprimen-tododeverdaboaadministração114 115.
A nosso ver, amesma compreensão é analogicamente aplicável no caso doprincípio da eficiência. Concretizando,mesmoqueparanós, o princípio da eficiên-ciasejajurídicoejusticiávelerepresenteclaramenteumalegalizaçãodomérito,per-mitindoumaintervençãodotribunalnafiscalizaçãodojuízodoméritoadministrativo;esta intervenção judicialnuncapodeconsubstanciarnumasubstituiçãodo juízoad-ministrativo,sobpenadeviolaronúcleoessencialdoprincípiodaseparaçãodospo-deres.Destarte,comoserepara,quandoindagámosajusticiabilidadedoprincípiodaeficiência,defendemosafirmativamentequeocontrolojudicial(adisparidadedevistajudicial)éesópodeserumcontrolonegativo,queseconsistenumpoderdeapreciaredeclararanaturezanãoótimadeumacertaescolhaadministrativa,emvezdeumpoderpositivodeidentificarecondenaraAdministraçãoàadoçãodeumadetermi-nadadecisãoqueotribunal,noseujuízosubstitutivo,julgaquesejaaótima.Porisso,seadotaromesmoconceitoestritododireitosubjetivorecorridoporRhitaBousta,teráderejeitartambémaexistênciadeumdireitoàumadecisãoeficiente–queteriacomoconsequênciaimediataanegaçãodaprimeiramodalidadedailicitudesubjetiva.
Todavia,ainvestigaçãoaindanãoseficacompleta.Semdúvidas,doprincípiodaeficiêncianãonasceumdireitosubjetivonaquelesentidoestrito.Noentanto,nãoháindíciosdequeolegisladordaLein.º67/2007,aoconsagraaprimeiramodalidade
113Cf.Almeida,Arosode,“OProvedor...”,cit., p.20.114 V. Bousta,Rhita,Essai sur..., cit., p.274-280.115 Como Vieira de Andrade ensina, “[t]radicionalmente.... entendendo-se que, em regra, o
particular dispunha apenas de interesses legítimos em face da Administração, designadamente quando e na medida em que esta gozasse de algum espaço de discricionariedade”.Cf.Andrade,Vieirade,Lições de Direito Administrativo, Coimbra,2015,p.70-71.
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dailicitudesubjetivacomoaviolaçãodosdireitossubjetivos,temadotadoestecon-ceitoestritododireitosubjetivo.ComoVieiradeAndradesalienta,nodireitoadmin-istrativo,entreo“direitosubjetivo”eo“interesse legalmenteprotegido”nãoexisteumadicotomiaestanque,massimuma“continuidadegradativa”–peloqueentreo“direitosubjetivopleno”eo“interesselegalmenteprotegido”,existeumconjuntodosdireitossubjetivoscommenor“graudedensidadenormativa”116.Ora,paraquenãoexistauma lacunadeproteçãoaoníveldaresponsabilidadecivilextracontratualdoEstado, julgamos que é imprescindível interpretar o conceito do “direito subjetivo”doart.9.ºdaLein.º67/2007damaneiraextensiva,paraabrangertambémosdireit-ossubjetivos“enfraquecidos”emsentidoamplo–estamosassimperantemaisumaparticularidadedo conceitoda ilicitudeda responsabilidade civil do Estado face aoconceitodailicitudedaresponsabilidadepuramenteprivatística.
Sóque,mesmoqueadoteestanoçãoampladodireitosubjetivo,nãonosparecequepossamosassimilaraviolaçãodoprincípiodaeficiênciaàprimeiramodalidadedailicitudesubjetiva.Istoporque,comoasdoutrinastêmdevidamenteassinalado,aes-sênciadaatribuiçãodeumdireitosubjetivoconsiste-senumaintençãonormativadeprotegeruminteresseindividualizado“emprimeiralinha”117.
Nocasodoprincípiodaeficiência,aintençãonormativasubjacente,nanossaperspetiva,nãoseconsisteemproteger“emprimeiralinha”osinteressesindividuaisdosdeterminadoscidadãos.Elevisa,antes,protegerointeressepúblicoprimacialíssi-modagarantiadeumaadministraçãoqueagesempredamelhormaneirapossívelnaprossecuçãodosinteressespúblicos.
Destarte, rejeitamosaexistênciadeumdireito subjetivoaumacondutaad-ministrativaeficiente,quetemcomoconsequênciaanãoassimilaçãodaviolaçãodoprincípiodaeficiênciaàprimeiramodalidadedailicitudesubjetiva.
3.3.2. O princípio da eficiência é uma norma de proteção?
Tendorejeitadoaassimilaçãoàprimeiramodalidadedailicitudesubjetiva,logi-camentesejustificaatentativaderecorreràsegundamodalidadequeseconsistena“violaçãodosinteresseslegalmenteprotegidos”.
Ora,comoailicitudesubjetivaemglobalseconsubstancianumaproveitamen-todasaquisiçõesjurídicascivilísticaparaodireitoadministrativo,podemosedevemosrecorreraoensinamentodasdoutrinascivilísticapararefletirseoprincípiodaeficiên-ciaésuscetívelserconsideradocomoumanormadeproteção–edaíumafontedo“interesselegalmenteprotegido”.
Como ensina AntunesVarela,asnormasdeproteçãosãoleis118queprotegemcertosinteressesparticularescomoumdosfinsintencionaisdanormaemcausa,mas
116 V. ibidem,p.75-76.117V.entreoutros,ibidem,p.71-72;Amaral,Freitasde,Curso..., cit., p.59ss..118 Rectius leisemsentidomaterial,comoesclareceSindeMonteiro.Cf.Monteiro,Sinde,Res-
ponsabilidade por Conselhos, Recomendações ou Informações,Coimbra,1989,p.245-246.
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semqueconcedamaosseustitularesumdireitosubjetivo119.Noentanto,comoSindeMonteirodestacou,nemsempreéfácilsaberseanormavisaprotegersóacoletivi-dadeemgeral,oupelocontráriovisatambémaproteçãodosindivíduos.Eestadificul-dadeaumenta-senapráticaumavezquecomooilustrejuristaassinalou“[o] interesse geral não é, na maior parte das vezes, coisa diferentes da soma dos interesses particu-lares, pelo que a proteção institucional não será em regra um fim autónomo, estando também ao serviço da proteção dos indivíduos”. Por isso, o autor (louvando-se emCanarisquechamaatençãoparaofactodequeaviolaçãodosinteresseslegalmenteprotegidoséumamodalidadedailicitudeconsagradacomafinalidadebemclaradecomplementar a primeiramodalidade “violação dos direitos subjetivos”; e por issoquenãopodemosserdemasiadogenerososobpenadeperturbaroequilíbrioentreasmodalidades)acabapordefenderumaposição,nanossaperspetiva,restritiva,dequeno caso de dúvida na interpretação,“...tratar-se ou não de uma disposição penal servirá como importante critério de decisão” 120.
Nanossaperspetiva,emboranãosedevatransportaro“critériopenal”paraoregimedaresponsabilidadecivilextracontratualdoEstado,éproveitosaaprópriacauteladenãoabusarestasegundamodalidadedailicitude(subjetiva)–reparaqueolegisladordaLein.º67/2007,aoconsagraramodalidadeda“violaçãodosinteresseslegalmenteprotegidos”, temum igualpropósitodecomplementaramodalidadeda“violaçãododireitosubjetivo”edeafastardoâmbitodaproteçãodoregimeosmerosinteressereflexoseosinteressesdefacto.
Ora,focandonovamentenoprincípiodaeficiência,comafinalidadedesaberseeleéounãoumanormadeproteçãocombasenasconsideraçõestraçadas,apri-meiranotaaexaltaré:esteprincípiovisaprotegerantesdomaisuminteressepúblicoprimacial, que é, a prossecução damaneira substancialmente ótimados interessespúblicos pela Administração Pública, protegendo assim o bem-estar dos cidadãos.Contudo,dentrodestefimprimáriodaproteção,existeaindaumfim“nãomeramentereflexo”deconcederproteçãoindividualaoscidadãos?
SeseaplicaroensinamentovaliosodeVieiradeAndrade,segundooqual“a ju-ridificação do poder discricionário – designadamente a necessidade de a Administração atuar em conformidade com princípios gerais...– teve como consequência... [a transfor-mação dos] interesse, antes considerados meras expectativas ou interesses de facto, em interesses legalmente (isto é, juridicamente) protegidos”121,arespostaseráafirmativa.
Concordamos;mastendoemcontaarealçadacauteladenãoabusarasegundamodalidade da ilicitude subjetiva, consideramos que é necessário acrescentar umanotadeprecisão.Istoé,nanossaperspetiva,estatransformaçãodosinteressesdefac-toseminteresseslegalmenteprotegidosapenaspodeverificar-seseestivermosper-anteumarelaçãoconcretaentreaAdministraçãoeumcidadãoouumgrupodosci-dadãosdeterminado,emqueoprincípiodaeficiênciaéumaexigênciaconcretamente
119Cf.Varela,Antunes,Das Obrigações..., cit., p.536.120Consulte,portudo,Monteiro,Sinde,Responsabilidade..., cit., p.245ss.121Cf.Andrade,Vieirade,Lições..., cit., p.76-77.
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aplicávelpararesolverosproblemasjurídicossubjacentesàrelaçãojurídico-adminis-trativaemcausa.
Concretizando:quandooprincípiodaeficiênciaéconvocávelpararesolverumproblemajurídicoconcreto,doprincípiodaeficiênciaéextraídaa“normadocaso”,tendo em conta a problematicidade implicada pela relação jurídica em causa. Esta“normadaeficiênciadocaso”,versandosobreoconcretoconflitodos interessesnaliça,protegejánãosóointeressepúblicodacoletividadeemgeral,mastambém,ag-oradiretamente,o interesse individualdoscidadãos-partesdarelaçãoconcretaemcausa.Istofazcomqueoprincípiodaeficiência,agoraemergindo-secomoa“normadocaso”,torna-senumaverdadeiranormadeproteção,transformandoosinteressesentãomeramentereflexosdoscidadãos(interessenumaadministraçãoeficiente)parauminteresselegalmenteprotegido(interesseindividualizadonumaconcretaatuaçãoeficientedaAdministração)–cujaviolaçãovaidesencadearumailicitudesubjetivadaresponsabilidadecivilextracontratualdoEstado-Administração.
Poroutraspalavras,foradestescasos,ouseja,quandonãohouverumarelaçãoconcretaentreaAdministraçãoeumcidadãoouumgrupodoscidadãosdeterminado(pense-senumcasoemqueaAdministração,por iniciativaoficiosa,procedeaumaconservaçãoou renovaçãodeumdomíniopúblico,quenão implica “problemasdevizinhança”);nanossaperspetiva,oprincípiodaeficiênciajánãoseemergecomoumaverdadeiranormadeproteção.Porconseguinte,a suaviolaçãonestescasos jánãoconsubstancianumailicitudesubjetivadasegundamodalidade.
Afinal, queríamos acrescentar uma nota breve,mas nãomenos importante,deque:emboranestaúltimahipótesedefendamosanãoassimilaçãodaviolaçãodoprincípiodaeficiência à segundamodalidadeda ilicitude subjetiva (muitomenos aprimeira),nãoignoramoscompletamenteapossibilidadedaresponsabilidadecivilex-tracontratualdaentidadepúblicaqueviolouoprincípiodaeficiência.Istoporque,serepara,aatuaçãoeficientedaAdministraçãoconsubstancia-senuminteressedifuso(sobretudoenquantoumadimensãoda“qualidadedavida”, tendoemcontaqueoprincípiodaeficiênciaéumaconditio sine qua nonparaaotimizaçãodobem-estarsocial),cujaofensapodedarlugaraumaaçãopopulardaresponsabilidadecivilextra-contratualdoEstado(art.1.º/2,12.ºe22.º/1daLein.º83/95,de31deAgosto)122 123.
122Apossibilidadedeintentarumaaçãopopulardaresponsabilidadecivilextracontratualcon-traaAdministraçãoqueviolouoprincípiodaeficiênciaédefendidatambémporMarioR.Spasianona ordemjurídicaitaliana.V.Spasiano,MarioR.,“Ilprincipio...”,cit., p.34.
123 In fine,éimportantíssimochamaratençãoaquenuncasedeveignorarque,talcomoemqualqueraçãodaresponsabilidadesubjetiva,paraqueopedidodeindemnizaçãosejafundamentado,éprecisoalegareprovarnãosóailicitude,mastambémcumulativamenteosrequisitosdedano,culpaenexodecausalidade(ouimputaçãoobjetiva).Donde,aviolaçãodoprincípiodaeficiência,aindaquenumcasoconcretoseconsubstancieefetivamentenumailicitudeobjetivaesubjetiva(ouumaviolaçãodosinteressesdifusos),sópodeefetivamentedesencadearumaresponsabilidadecivilextracontratualdo Estado-Administração se esta violação é simultaneamente culposa, danosa e imputável objetiva-menteàAdministração.
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4. Síntese
Comocompreendemos,oestudodoprincípiodaeficiênciaémuitomaisdoqueumameraindagaçãoteóricadaprincipiologianonovodireitoadministrativo.Eleacarreta uma importância prática não despicienda e tem repercussões no entendi-mentodasváriasmatériastradicionalmenteconsideradascomonuclearesdodireitoadministrativo.Eestasrepercussõestornam-semaisavultadassobretudoapartirdomomentoemqueconferimosumsentidojuridicizadoecomumconteúdoessencial-mentepositivoaoprincípiodaeficiência,eatribuímos-loumaautonomiaconceitualfaceaoprincípiodaproporcionalidade.
Entra as várias problematizações ardentes provocadas pela integração doprincípio da eficiência (maxime, a sua dimensão substancial) na ciência do direitoadministrativo, o que investigámos neste trabalho concentra-se fundamentalmentenoestudodainfluênciadonovoentendimentodoprincípiodaeficiêncianailicitudedaresponsabilidadecivilextracontratualdoEstado-Administração–ecomovimosejustificámosargumentativamente,aviolaçãodoprincípiodaeficiência,paraalémdeacarrearumproblemaimediatodajustiçareintegrativa,trazconsigoproblemasmaisprofundosdopoderdecogniçãodostribunaisadministrativosedanecessáriare-com-preensãocrítico-reflexivadafiguradafaute du service.
Porora,paranãorepetirmosoquejáficaramtraçados,limitamo-nosapenasarecordarnovamenteaimportânciadoestudodoprincípiodaeficiênciaeassuasricasrepercussõesemdiferentestemáticasjurídicas–dentrodasquais,aproblemáticaqueindagámosnestetrabalhonãoénadamaisdoque“the tip of the iceberg”.
Faceaoatualacentuadoapeloaovalordaeficiência,éprementearealizaçãodeestudoscorrespondentesparacaptaraimagemcompletaeexplorardevidamenteeste novo e gigante “iceberg” no “Oceano do Direito Administrativo”. Só com istoacreditamosque,adogmáticajurídicaemespecial,eosistemajurídicoemgeral,con-segueevidenciara “eficiência”da sua“responsividade” faceàsnovasnecessidadespráticasjuridicamenterelevantes.
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