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VII EPEA - Encontro Pesquisa em Educação Ambiental Rio Claro - SP, 07 a 10 de Julho de 2013
Realização: Unesp campus Rio Claro e campus Botucatu, USP Ribeirão Preto e UFSCar
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O princípio da precaução como aporte teórico para
a educação ambiental
Leila Cristina Aoyama Barbosa Bióloga, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Tecnológica – UFSC,
professora da Escola Técnica Estadual de Rondonópolis/MT
Carlos Alberto Marques Doutor em química, professor e coordenador do Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e
Tecnológica - Universidade Federal de Santa Catarina,Centro de Ciências da Educação, Departamento de
Metodologia de Ensino, Florianópolis/SC,
Resumo:
Este trabalho tem por objetivo desenvolver um ensaio teórico problematizando sobre a
potencialidade e a necessidade do Princípio da Precaução como um importante
referencial teórico à Educação Ambiental para o enfrentamento da crescente degradação
da natureza e dos problemas socioambientais. Para tanto, a partir das características e
finalidades deste Principio, desenvolve-se um conjunto de análises,a partir deideias,
argumentos eproduções científicas,sobresua importância, salientando as implicações e
aproximações deste princípio aos fundamentos da vertente critica da Educação
Ambiental, buscando fortalecer uma perspectiva de um educar ambiental crítico e
sustentável, especialmente da educação científica nas áreas das ciências da natureza.
Palavras-chave: Princípio da Precaução, Sustentabilidade Ambiental, Educação
Ambiental Crítica
Abstract:
This paper aims to develop a essay theoretical about the potential and necessity of the
Precautionary Principle as an important theoretical framework for Environmental
Education to confront the growing degradation of nature and the social and
environmental problems. For this, from the characteristics and purposes of this
Principle, develops a set of analyzes, from ideas, arguments and scientific productions
on its importance, and shows the approaches and implications of this principle in the
foundations of critical strand of Environmental Education, seeking to strengthen the
perspective of a critical and sustainable Environmental Education, especially of the
science education in the areas of natural sciences.
Keywords:PrecautionaryPrinciple, Environmental Sustainability, Critical theory
in environmental education.
1. Introdução
A educação ambiental (EA), situada “enquanto área de confluência entre o
campo ambiental e o campo educativo” (KAWASAKI & CARVALHO, 2009, p. 144),
se consolida neste século XXI como um campo de conhecimento multidisciplinar
(MEGID NETO, 2009; KAWASAKI et al., 2009)que busca compreender os
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problemas ambientais vigentes ediscutir a interação ser humano/natureza no contexto
das relações sociais. (LAYRARGUES, 2009).
Nas últimas duas décadas, muitas discussões ocorreram entre os pesquisadores
da área com a finalidade de caracterizar a EA e fazê-la atingir os objetivos descritos
acima. E, atualmente, uma das vertentes mais defendidas é a perspectiva
crítica/transformadora/libertadora (CARVALHO, 2004; LIMA, 2009).
Neste trabalho compreendemos a EA Crítica como aquela que situa as
discussões ambientais não desconhecendo a sociedade e contradições de classe em que
vivemos, portanto, reconhece a existência das desigualdades sociais e dos sujeitos
excluídos que nela vivem. Esta perspectiva busca, entre outras coisas, maneiras de
discutir coletivamente sobre os problemas estruturais de nossa sociedade e as causas
básicas do baixo padrão de qualidade de vida das pessoas (LOUREIRO, 2003).
Os participantes deste movimentorompem com o caráter naturalista e
conservacionista que a EAapresentou inicialmente; caráter esse que é devido,
principalmente, a sua origem e desenvolvimento estarem mais ligados aos movimentos
ecológicos e ao debate ambientalista (CARVALHO, 2001).Para tanto, os trabalhos
desenvolvidos por pesquisadores e educadores ambientais que se denominam como EA
Crítica precisam aprofundar ainda mais os pressupostos teóricos que as ensejam,
caracterizando os conceitos envolvidos no processo, como, por exemplo, as concepções
de educação, mundo, sociedade e ambiente, ao invés de somente repetir discursos que
utilizamos fundamentos e/ou relatos de experiências, por mais relevantes que estes
sejam. Corroborando a afirmação de Pansera de Araújo e Silva (2011), pois sob esta
denominação há uma variedade considerável de vertentes epistemológicas que se
diferenciamumas das outras pelas concepções apresentadas.
Outra fragilidade, apontada por Rink e Megid Neto (2011), quanto à falta de
reflexão nas bases teóricas utilizadas nas pesquisas e trabalhos em EA, foi a observação
de que muitos artigos tratam sobre o desenvolvimento sustentável (DS) ou utilizam o
Relatório Brundtland (CMMAD, 1991) para justificar ou demonstrar a relevância de
suas investigações sem, no entanto, um real aprofundamento destes documentos.
A utilização do conceito de DS definido pelo Relatório Brundtland - Our
common future–confirmado durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92)e reafirmado pelo Relatório The future we want
(ONU, 2012) na Rio+20 –, em trabalhos que se autodenominam como defensores da
vertente crítico-transformadora da EA, é motivo de alerta para alguns autoresdesta
mesma linha, como Meira e Sato (2005) e Layrargues (1997).Estes pesquisadores
criticam a influência da economia e do modo de produção vigente sobre o conceito de
DS que vem se desenvolvendo atualmente, além de questionar o papel de instituições
mundiais como a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura (UNESCO), o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial dentro
destes documentos.
Vindos de outro campo do conhecimento – a administração– e corroborando
com as afirmações anteriores, Olivo e Misoczky (2003) revelam que o discurso do
Relatório Brundtland é, na sua essência, insustentável por ser repleto de recursos
retóricos que não esclarecem os problemas e responsabilidades do modelo
desenvolvimentista. Em outro trabalho,Misoczky e Bohm (2012), ao analisar a evolução
do discurso de DS da Rio-92 à Rio+20,sob o prisma da economia, observam que as
empresas foram capazes de cooptar conceitos antes radicais, como este em questão, de
modo a incluí-los na lógica de acumulação típica do neoliberalismo.
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Seguindo essa mesma linha de raciocínio, alguns autores,como Costa (2011) e
Camargo e Tonso (2011) citados por Trein (2012),criticam trabalhos de EA que
utilizam como referenciais teóricos as epistemologias pragmáticas que, “focadas nos
aspectos econômicos, buscam no desenvolvimento científico e tecnológico as medidas
mitigadoras do processo societário hegemônico e suas consequências locais e globais”
(TREIN, 2012, p.83).
Desse modo, o VI Encontro de Pesquisa em Educação Ambiental (EPEA),
realizado em 2011, vislumbroua “necessidade de consolidar referenciais teórico-
metodológicos que permitem aos educadores ambientais um posicionamento teórico e
político críticos perante as políticas nacionais de educação ambiental” (TREIN, 2012, p.
80) e auxiliá-los a desvelar o mundo ilusório criado pelo neoliberalismo e ideologia
hegemônica, aspecto que também nos impulsionou a produzir a reflexão que aqui
fazemos.
Portanto, reconhecendo a necessidade de fortalecer os referenciais teóricos que
embasam a EA, em muitos casosagregando novos aportes teóricos ou revisitando os já
conhecidos, é que resgatamos o Princípio da Precaução (PP), problematizando seus
fundamentos e finalidades, cujo escopo final é estabelecer e defender pontes teóricas
com a vertente crítica da Educação Ambiental.Isto é,nosso trabalho, de natureza teórica,
tem por objetivo apresentar o PPcomo umapossibilidade deste conceito reforçar e
ampliar os referenciais teóricos da EA, particularmente da EA Crítica de modo que
possacontribuirna busca deum educar ambiental crítico e sustentável, especialmente
quando se atua na educação científica nas áreas das ciências da natureza.
O presente trabalho configura-se como um ensaio teórico, por não requerer um
modelo específico, ter natureza reflexiva e interpretativa, direcionando o leitorà reflexão
para pensar a realidade, concordando ou não com as argumentações desenvolvidas
(MENEGHETTI, 2011) e construir diálogos e interlocuções com autores e campos
disciplinares diversos (KAWASAKI & CARVALHO, 2009).Trata-se das primeiras
ideias desenvolvidas no âmbito de uma pesquisa de doutoramento1- que pretende
abordar a articulação entre o PP e questões ambientais agrícolas mato-grossenses- e
também oriundas das reflexões de um grupo de pesquisa2.
2. O Princípio da Precaução: aspectos históricos, características gerais e
finalidades
Segundo Lofstedt (2003), oPrecautionary Principle ou Princípio da Precaução
(PP) foi formulado legalmente,pela primeira vez, na Alemanha e Suécia, durante a
década de 1970.Vorsorgeprinzipfoi o termo utilizado pelospovos escandinavos para
tratar das regulamentações que protegiam o meio ambiente em caso de situações de
incertezas e riscos quanto à ação de algum produto ou processo. No entanto, a
preocupação da humanidade com danos ambientaisdecorre demuito mais
tempo(THOMAS,2010).
Harremoës et al (2001), por exemplo,aponta que encontrou explicitamente esta
preocupação, de certo modo preventiva, já em 1854, por meio da recomendação do Dr.
1 Tese a ser desenvolvida no período 2012-2016 ao Programa de Pós-Graduação em Educação Científica
e Tecnológica, da Universidade Federal de Santa Catarina, PPGECT/UFSC. 2 O Grupo Investigações em Ensino de Química (GIEQ), da UFSC, está envolvido, atualmente, no projeto
de pesquisa “Educação Química para a Sustentabilidade Ambiental: relações entre postulados e princípios
clássicos e emergentes da Química”, financiado pelo CNPq.
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John Snow de não se utilizar um poço de águaa fim de se frear a epidemia de cólera que
assolava o centro de Londres, pois, cinco anos antes, o próprio médico havia encontrado
evidências de uma correlação entre a água poluída e esta doença.
No campo ambiental, o princípio começou a ser utilizado na década de 1980 e
recebeu muitas definições. Sand (2000 apud Lofstedt, 2003) identificou 14 acordos
internacionais sobre meio ambiente citando o PP, que vão desde a Convenção-Quadro
das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (1992), passando pelo Protocolo de
Oslo (1994) – sobre emissões de enxofre – e chegandoao Protocolo de Syracuse
(1996),que garantia proteção ao mar Mediterrâneo contra a poluição de fontes terrestres.
A definição mais conhecida e utilizada do PPconsta na Declaração do Rio sobre
Meio Ambiente e Desenvolvimento (ONU, 1992) – documento resultante da Rio-92 que
buscava a cooperação entre os Estados para manter a integridade do meio ambiente –,
em seu princípio 15:
Com o fim de proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deverá ser
amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades.
Quando houver ameaça de danos graves ou irreversíveis, a ausência de
certeza científica absoluta não será utilizada como razão para o adiamento de
medidas economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental.
(ONU, 1992, p. 03, grifo nosso).
Outra definição muito utilizada como referência nas legislações ambientais é a
Declaração de Wingspread sobre o Princípio da Precaução (1998):
Quando uma atividade representa ameaças de danos ao meio-ambiente ou à
saúde humana, medidas de precaução devem ser tomadas, mesmo se
algumas relações de causa e efeito não forem plenamente estabelecidas
cientificamente.Neste contexto, cabe ao proponente da atividade, ao invés do
público, o ônus da prova.
O processo de aplicação do princípio da precaução deve ser aberto,
informado e democrático, além de incluir as partes potencialmente afetadas.
Deve-se também incluir um exame da variadas alternativas, incluindo
qualquer ação.(Wingspread Statement on the Precautionary Principle, 1998
apud Ahteensuu, 2007, p. 107, tradução e grifo nossos).
Na comparação sobre o entendimento de cada uma destas duas definições,
algunsautores (Wiener & Rogers, 2002; Ahteensuu, 2007)consideram uma grande
diferença entre elas. A primeira apresenta uma interpretação fraca do PP, por
recomendar que somente atividades economicamente viáveis sejam realizadas no caso
da incerteza de uma situação degradante ao meio ambiente. Já a segunda definição é
mais completa ao deixar como obrigação da empresa proponente, comprovar a ausência
de riscos de degradação ambiental.
A partir destas definições, sendo interpretações fortes ou fracas, o PP tem se
“expandido para outros domínios, como os direitos do consumidor (Dubuisson em
Hupet (org.),2001:119), e as liberdades públicas (Kourilsky e Viney,
2000:39)”(BRUNET, DELVENNE & JORIS, 2011, p. 177). Lofstedt (2003) aponta
algumas razões para o crescimento em popularidade deste princípio:
A percepção pública da sociedade sobre riscos ambientais aumentou. As
pessoas, pelo uso da internet, têm mais acesso à informação, observando
o comportamento das empresas e dos órgãos reguladores e fiscalizadores,
podendo cobrar mais da atuação de cada um destes agentes;
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A falta de confiança do público na ciência. O uso da internet e de outros
canais de comunicação permitem que o público conheça não somente
uma “única voz da ciência”. Atualmente, a ciência se torna plural e
defende diversos pontos de vista (informações vindas de empresas e de
organizações ambientalistas, por exemplo), de maneira que as pessoas se
questionam sobre seu papel e em prol de quem ela age;
O PP é promovido pelas Organizações Não Governamentais (ONGs).
Estas instituições, principalmente as ligadas ao setor ambiental, têm sido
promotoras do princípio a fim de aumentar a participação das partes
interessadas e do público no processo de tomada de decisões;
O PP, utilizado como princípio de segurança pela União Européia (UE),
é visto, todavia, por alguns como ferramenta para o protecionismo
comercial. Há diversas polêmicas levantadas, entre americanos e
europeus, sobre o embargo de determinados produtos dos Estados
Unidos à Europa, por conta de riscos de degradação ambiental ou de
segurança à saúde humana e de animais, como, por exemplo, a proibição
de carne e leite americanos produzidos por vacas que receberam
hormônios artificiais. Os americanos se questionam se a medida tomada
pela União Europeia (UE) se relaciona com riscos de segurança
alimentar ou é realmente um modo de proteger o comércio europeu.
Em relação aos regulamentossobre afabricação de produtos, no fim de 2006, a
UE criou o Registration, Evaluation and Authorisation of Chemicals (REACH), com
objetivo de controlar o lançamento, circulação e armazenamento de novas substâncias
químicas no mercado europeu, cuja elaboração se iniciou em 2003. O PP é um dos
fundamentos utilizados para a avaliação e aprovação destas substâncias (LOKKE, 2006;
FERNANDES, 2009).
No REACH, a UE implementou o conceito de "sem dados, sem mercado",
em que os fabricantes e importadores são obrigados a apresentar um conjunto
de dados básicos de toxicidade estabelecidos para qualquer substância
química produzida ou importada na UE em um volume de 10 toneladas ou
mais. (SACHS, 2011, p. 1302, tradução nossa).
Já na América do Norte, desde a década de 1970é possível identificar traços do
PP, mesmo que sem esta designação, na adoção de muitas medidas adotadaspela
Agência de Proteção Ambiental (EPA), como na elaboração da Política Nacional do
Meio Ambiente, de legislações de controle de poluição atmosférica e aquática e na
proibição de uso de chumbo como aditivo em gasolina enquanto não se comprovasse os
efeitos deste na saúde pública e ambiental (Applegate, 2000 e Charnley e Elliot, 2000
apud Lofstedt, 2003).
No Brasil, o panorama traçado não é diferente. O Direito Ambiental tem se
tornado uma área em expansão e o PP um instrumento muito utilizado para avaliar a
gestão de riscos ambientais causados por empreendimentos. Também as organizações
ambientais, como o Greenpeace, têm utilizado deste conceito para chamar a atenção da
sociedade aos riscos ambientais e de saúde, quando há incertezas científicas sobre a
fabricação de um produto ou manutenção de um processo, como no caso dos alimentos
fabricados e lavouras plantadas com organismos transgênicos.
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Assim, como acontece com muitos temas controversos, o PP não apresenta uma
só definição e entendimento, seja por parte de quem o aplica e seja de quem o estuda.
Nesse sentido, por ser instrumento de legislações ambientais e comerciais, ele acaba
possuindo uma grande carga de subjetividade quando aplicado.
Brunet, Delvenne e Joris (2011)acreditam que este princípio funciona como uma
ferramenta estratégica para gerir a incerteza científica, pois dá a oportunidade a outros
setores, além do Governo, de manifestar seus anseios e opiniões sobre o futuro que
querem e qual ambiente desejampara viver. Já ao observar o prisma político e
econômico, estes autores, assim como Lofstedt (2003), vislumbram que a aplicação do
Princípio da Precaução tem efeitos locais e temporários, com duração de médio prazo,
pois “aos poucos deixará de servir como instrumento de regulamentação na UE e em
outros lugares, dado que a confiança pública nas autoridades reguladoras vem sendo
restaurada pela crescente popularidade de análise de impacto regulatório” (LOFSTEDT,
2003, p. 42, tradução nossa).
Mesmo assim, acreditamos que este princípio ainda não foi suficientemente
divulgado e discutido pela sociedade brasileira, especialmente na área educacional, e
compreendemos que, quando utilizado em uma “interpretação forte” - como descreve
Morris (2000 apud Ahteensuu2007) - ele poderá contribuir na promoção da participação
popular em assuntos sobre Ciência e Tecnologia, envolvendo, desta forma, as questões
socioambientais.Preocupação esta, por exemplo, que também ocupa a Química Verde,
ramo da química que almeja a utilização de técnicas e metodologias para redução ou
eliminação do uso de solventes e reagentes ou geração de produtos e subprodutos
nocivos à saúde humana ou meio ambiente (ANASTAS & KIRCHHOFF, 2002).
A seguir levantamos a discussão sobrea articulação entre os fundamentos da EA
Crítica e o PP, enfatizandoa busca pela formação de um educar transformador, como
defende Loureiro (2004), capaz de despertar os sujeitos à crise civilizatória existente e
romper com as práticas socioambientaiscontrárias ao bem estar público.
3. Um educar ambiental crítico: possíveis contribuições do Princípio da
Precaução
Ao analisar as características e finalidades da EA e do PP, observamos que há
pontos convergentes entre eles, principalmente quando tomamos a vertente crítica da
primeira.
Ambos surgiram na segunda metade do século XX e tiveram no livro Primavera
Silenciosa (1962), de Rachel Carson, o despertar para preocupações com as mudanças
provocadas pelo desenvolvimento industrial no meio ambiente (CARVALHO, 2001;
LOFSTEDT,2003). Acreditamos que tanto a EA como o PP, em sua interpretação forte,
tem, em suabase teórica: 1)a busca pela garantia de um ambiente saudável, da segurança
à vida dos seres vivos e da saúde humana e 2) perspectivas socioambientais muito
semelhantes. Entretanto, o conceito formulado para o princípio na Declaração sobre
Meio Ambiente e Desenvolvimentoda Rio-92 modificou sua essência.
O PP ganhou espaço e status nas legislações e regulamentações mundiais, porém
como já descrito anteriormente, os resultados e documentos obtidos ao fim do evento da
ONU, tanto em 1992 como em 2012, recebem críticas de pesquisadores da EA Crítica
por apresentar um conceito de DS pautado no desenvolvimento econômico,
acontecendo do mesmo modo com a definição do PPnela elaborado.
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Porém, assim como estes pesquisadores, acreditamos que a EA e o PP não
podem se tornar instrumentos do modelo desenvolvimentista vigente, pois é perceptível
que as corporações e indústrias estão tomando para si muitos dos conceitos desta área
para se camuflarem nos estereótipos de “ambientalmente corretos” e/ou “a favor do
meio ambiente”.
Reigota (2007)aponta para a necessidade de uma visão menos ingênua dos
pesquisadores e educadores ambientais ao se diferenciar os conceitos de DS e
sustentabilidade, visto que “a noção de sustentabilidade opõe-se radicalmente ao de DS,
principalmente, na sua interpretação hegemônica que prioriza o desenvolvimento nos
moldes capitalistas” (GARCIA, 1999, apud REIGOTA, 2007, p. 221).
Outro ponto ressaltado por este pesquisador ambiental, que queremos aprofundar
em nossa reflexão sobre a importância do PP como aporte teórico da EA Crítica e que
se torna mais um ponto de convergência entre elas, diz respeito ao “tipo de ciência que
produzimos, como a produzimos, para quem, com quais finalidades e com quais
patrocínios e compromissos” (REIGOTA, 2007, p. 220).
O PP, independente da definição adotada, aborda, em linhas gerais, a cautela na
adoção de ações que podem comprometer o meio ambiente quando em situações de
incertezas científicas. Lofstedt (2003), seguindo raciocínio semelhante ao defendido
pela EA Crítica, levanta alguns questionamentos oriundos do conceito:
Quando algo é seguro? Como é seguro? A definição de segurança da
indústria vai ser muito diferente daquela dos legisladores/fiscalizadores?
Quem decide isso? Baseado em quecritérios as decisões de segurança são
tomadas?
Operamos em uma sociedade de mercado livre ou em um estado
controlador?
O que é incerteza? Quem a define? (LOFSTEDT, 2003, p. 38, tradução
nossa).
Mais do que pretender definir o PP de um único modo, o que buscamos aqui é
compreender e discutir em que contexto (mundial e local)ele foi formulado e aonde e
sob qual ótica vem sendo adotado, isto é, por quaissetores são adotados no econômico –
representado pelo mercado comercial, no político – sob a forma de legislações e da
sociedade, e também pelas organizações ambientais.
A influência do mercado mundial sobre a sociedade e legislações é atualmente
imensa. Lokke (2006) relata que o regulamento da comunidade europeia sobre os
produtos químicos e sua utilização segura (REACH) sofreu alterações de seu início para
cá. Aquilo que, primeiramente, se referenciou na precaução e exigia diversos testes para
comprovação do uso seguro e sem riscos de toda substância química disponível ao
mercado consumidor, como descrito na seção anterior, hoje mostra sinais de fragilidade
ao suavizar a obrigatoriedade desta comprovação.
Tendo um forte componente utópico, é de se perguntar se, nesses tempos de
tanta desilusão com a macropolítica e suas instituições locais e
internacionais, a ciência da e para a sustentabilidade terá condições de
aglutinar novos/as pesquisadores/as dispostos a ousar e enfrentar o sistema de
financiamento, legitimação, difusão e firmar-se no espaço público. Como
enfrentar a poderosa ciência voltada para concepções de desenvolvimento
bélico, econômico, que se quer única, permanente, hegemônica e detentora
dos princípios e métodos corretos, “racionais” e adequados? (REIGOTA,
2007, p. 222).
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O próprio Reigota (2007) responde ao questionamento ao conclamar os
pesquisadores a aderirem à produção de uma nova ciência: comprometida com a
sociedade, contrária ao positivismo (que procura eliminar os riscos e desqualificar a
incerteza) e que busca diálogos com vários campos do conhecimento. O mesmo defende
Irwin (1995 apud Fernandes 2009), ao propor uma ciência cidadã: flexível, adequada
aos diferentes anseios e necessidades da sociedade, que critica o modelo hegemônico e
pronuncia pontos de vistas das diversas áreas do conhecimento. Pensamento também
compartilhado pelos pesquisadores da Química Verde, segundo Machado (2011, p.
539), por se tratar de uma química que sai “da postura reducionista do racionalismo
cartesiano (raciocínio linear causa → efeito, com objetivo único (...), para a postura
sistêmica (raciocínio por linhas paralelas, que não foge à complexidade...)”.Para isso,
acreditamos que o PP, quando vislumbrado em sua perspectiva mais completa (a
definição provinda da Declaração de Wingspread), torna-se um importante subsídio à
EA Crítica, especialmente quandoeste questiona os modelos de ciência, mundo e
sociedade adotados.
Além disso, tanto o movimento da EA quanto as ações oriundas do PP buscam
pela participação democrática da sociedade nas tomadas de decisões, rompendo com o
modelo tecnocrático que o mundo alcançou. Pois,“o uso político da precaução, como
um princípio de ação, só faz sentido se houver interação entre as partes interessadas e se
o novo conhecimento antecipatório for produzido não só pelos cientistas, mas com eles”
(BRUNET, DELVENNE E JORIS, 2011, p. 196).
O tema da articulação entre fundamentos da EA Crítica e o PP – em sua
interpretação forte –torna-se, também, um objeto de investigação relevante às ciências
da natureza, visto que discute o papel da ciência e da tecnologia nas relações políticas,
econômicas e sociais.
Thornton (2000) defende que as decisões sobre o que é aceitável ou não
podem causar um profundo efeito na qualidade de vida das pessoas e, por
isso, devem ser discutidas com os cidadãos. Carson (1962) defende o que
chama de direito de saber, que consiste em se ter informações sobre todos os
perigos quanto aos químicos existentes no presente e no futuro. Somente
desta forma seria possível estabelecer uma estratégia de atuação consciente.
(FERNANDES, 2009, p. 191-192).
A discussão em sociedade sobre os riscos ao meio ambiente, à saúde e à
qualidade de vida para uma tomada democrática de decisão é algo proporcionado pelo
PP e defendido pela vertente crítica da EA.
Assim buscamos evidenciarna discussão algumas semelhanças e aproximações
entre os objetivos e referenciais teóricos da EA Critica e o Princípio da
Precaução.Defendemos que este último compõe e potencializa a perspectiva da EA
Crítica, especialmente no campo da educação científica e tecnológica.
4. Considerações finais
O modo como as políticas de mercado livre e o modelo de desenvolvimento
vigente se constitui apontam para a impossibilidade de se alcançar o DS, em suas
dimensões básicas de equidades intrageracional, intergeracional e internacional
(MONTIBELLER-FILHO, 2008); aspectoeste já percebido pelos defensores da vertente
crítica da EA. Mesmo assim, afim de confundir a sociedade, fazendo-a acreditar que
vivemos na era da conservação ambiental e do DS, muitas empresas ventilam conceitos
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desta áreaem suas políticas e marketing. De certa maneira, é também possível verificar
isto na aplicação do PP em legislações ambientais, visto que, aquilo que antes era
tomado com toda cautela e deixado o ônus da prova à empresa proponente do possível
dano ao meio ambiente, agora é amenizado sob um discurso de que atitudes de não
degradação ambiental devem ser tomadas quando economicamente viáveis.
A EA Crítica se consolida como uma educação que busca a transformação das
relações entre seres humanos e destes com o mundo a partir do despertar da consciência
para as questões da natureza, do próprio ser humano e sua relação com o meio. Para
tanto, necessita de um “processo de politização e publicização da problemática
ambiental por meio do qual o indivíduo, em grupos sociais, se transforma e à realidade”
(LOUREIRO, 2004, p. 81).
Portando pressupostos,intenções e características semelhantes, o PP se apresenta
como um importante aporte teórico à EA Crítica não somente pelo seu conteúdo e
definição, mas, principalmente, pelas correntes teóricas envolvidas em sua
origem/elaboração.Contudo, apontamos para a necessidade de um aprofundamento da
base epistemológica deste princípio, que se encontra ancorado nas teorias da Escola de
Frankfurt (BRUNET, DELVENNE & JORIS, 2011), que também é base teórica do
pensamento da EA Crítica (LOUREIRO, 2004). Nesse sentido, considerando as origens
desses dois campos (PP e EA Crítica), parece que encontraremos ainda mais
confluências das salientadas nas discussões anteriores.
Sabemos que o termo "precaução", contido na ideia-conceito PP, se apresenta
em certos momentos como sendo polissêmico e controverso, principalmente quando
analisamossituações com fins comerciais em que ele é utilizado, por exemplo,ao gerar
protecionismo comercial;ou quando se discute sobre quem está no controle e por quais
interesses (indústrias ou órgãos reguladores?) as decisões relativas a riscos ambientais e
incertezas científicas são tomadas, além da ideia de conservacionismo que pode
perpassar quando se defende a precaução a danos ambientais. Por isso é preciso uma
reflexão profunda do PP em sua essência original, pois é neste contexto que se
encontram as convergências entre ele e a EA, principalmente a vertente crítica.
Como apontamos, o PP se mostra capaz de direcionar as políticas públicas e
legislações ambientais, aqui exemplificadas pelos regulamentos REACH e da EPA,
pode também auxiliar na reorientação de áreas de conhecimento das ciências da
natureza, como a Química, por meio de ações idealizadas na Química Verde. Todavia,
destacamos as incertezas científicas como principal ponto para continuar o
aprofundamento da articulação entre o PP e a EA. É necessário questionar o modelo de
ciência e a metodologia de análise de risco que estamos adotando e se estes dão conta
do alcance da sustentabilidade ambiental que acreditamos. Pois, em tempos em que não
há certezas sobre riscos de degradação ambiental, a melhor saída é evitá-los ao invés de
arriscar-nos em consequências irreversíveis.
Este trabalho constitui-se como uma primeira reflexão sobre as potencialidades
aproximativas entre o PP e as questões ambientais, com foco particular em discussões
de caráter educacional, visando contribuir à uma EA Crítica.Todavia, apesar de
apontarmos algumas dessas possíveis articulações entre esse importante princípio e a
EA e a EACrítica há que se aprofundar ainda mais esse tema, melhor ainda se a partir
de experiências de intervenção em processos e espaços educativos formais ou não
formais.
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Referências
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