o olhar ciumento
TRANSCRIPT
7/26/2019 o Olhar Ciumento
http://slidepdf.com/reader/full/o-olhar-ciumento 1/5
O OLHAR CIUMENTO
Em Proust et les signes, Gilles Deleuze começa por afirmar, na opolo!ia "ue faz
#os #i$ersos ipos #e si!nos, a superiori#a#e #o ci%me em relaç&o ao amor' N&o apenas,
afirma ele, (o ci%me ) mais profun#o* como, al)m #isso, (ele con)m a $er#a#e #o
amor*' + o primeiro "ue confere ao se!un#o o#o o seu peso, "ue are nese a sua
#imens&o #e pes"uisa osina#a, "ue l-e re$ela o#a a sua .ai/&o, "ue cria o si!no
amoroso' 0e parirmos #a 12 ani!a proposiç&o se!un#o a "ual a $er#a#e #o amor #e$e
ser inerro!a#a #o la#o #o amane e n&o #o ama#o, enconramos no ci%me um limie
"ue implica uma re$ers&o #a mesma' Nese, n&o ) o amane "ue se limia a oser$ar, aol-ar, a inerro!ar, mas ) a pr3pria (paisa!em* "ue nos ol-a e oser$a, "ue nos provoca'
Nesse mesmo e/o, Deleuze #efen#e "ue o "ue confere o#o o peso ao si!no
amoroso, o "ue l-e #2 a #imens&o #e .ai/&o, resi#e no faco #e ele ser, essencialmene,
um si!no meniroso, #e e/pressar mais #o "ue a"uilo "ue #iz' To#os os !esos, o#as as
pala$ras, enfim, o#as as coisas, s&o in#4cios #e al!o, s&o in#4cios "ue e/pressam
sempre mais #o "ue a"uilo "ue #izem' + #esa forma, "uan#o ) capura#o pelo ci%me,
"ue o si!no amoroso cria in$is4$el, cria um mun#o poss4$el #o "ual nos enconramos
ausenes mas "ue ), ao mesmo empo, promei#o a n3s, #a#o a n3s so a forma #e
-ier3!lifos "ue eremos #e #ecifrar' .romessa "ue nos pro$oca, promessa pro$ocane,
eis assim resumi#o a $er#a#e #o si!no amoroso'
.or"u5, no enano, começar com Deleuze, "uan#o se raa #e um con1uno #e
ensaios #e Daniel Arasse, con-eci#o -isoria#or #e are, sore #i$ersos !esos
pic3ricos, #i$ersos "ua#ros 6 #e Tinoreo a Cossa, #e 7elaz"uez a 8rue!el 6 #a
ra#iç&o oci#enal9 .or"ue se raa, assim o cremos, #e um ol-ar ciumeno, #e uma
er3ica #o ol-ar e #a pinura "ue se consr3i a parir #e si!nos amorosos, #a lena
apren#iza!em #os si!nos "ue es2 consanemene a reornar aos mesmos #e forma a
#ecifr2:los, #e uma paci5ncia e passi$i#a#e perane o $is4$el e o in$is4$el, mas
i!ualmene #e uma ce!ueira, ce!ueira para cu1o o 4ulo, na sua in#eci#iili#a#e, n&o
#ei/a #e apelar 6 (N&o se $5 na#a*; "ue in$is4$el se enconra a4 em causa e "uais as
suas relaç<es face = $is&o e ao "ue nela ) #a#o9 .romessa, #iferimeno perp)uo ou,
pelo conr2rio, ne!aç&o profun#a9
7/26/2019 o Olhar Ciumento
http://slidepdf.com/reader/full/o-olhar-ciumento 2/5
E/emplo, l3!ica e/emplar ou ale!oria #e um ol-ar "ue na#a $5, "ue n&o $5 na#a
ou "ue ol-a apenas #e forma e/cessi$a, "ue ol-a sempre al)m #o $is4$el e #o $iso,
leiamos o "ue Arasse nos #iz sore Marte e Vénus surpreendidos por Vulcano, #e
Tinoreo, por"ue a4 se 1o!a, am)m, o #isposii$o "ue $ai raal-ar #e #enro os
#i$ersos ensaios;
(A pro$a; nem se"uer ou$e o c&o, ain#a "ue ese se fare #e la#rar, fazen#o u#o o
"ue po#e para #enunciar o escon#eri1o #e Mare' Um emirreno c&ozin-o
fral#i"ueiro' Mas 7ulcano n&o o ou$e' A#i$in-as por"u59 N&o ) ano por ser
sur#o, mas por esar a pensar noura coisa' Nesse preciso momeno >e Tinoreo
u#o fez para nos mosrar "ue represena um insane?, 7ulcano es"ueceu o "ue
$eio procurar' Es2 #isra4#o' O "ue $5 enre as co/as #a mul-er orna:o ce!o >e
sur#o? a u#o o reso' N&o $5 oura coisa, n&o pensa noura coisa'*
Arasse cr5 conse!uir #eerminar o !eso #e 7ulcano, cr5 saer $er o seni#o 6 para
al)m, no enano, #e "ual"uer saer consiu4#o 6, cr5 saer "ue 7ulcano ol-a para o
se/o #e 7)nus mas "ue ol-a #e forma e/cessi$a em relaç&o ao "ue ele mesmo $5, "ue
7ulcano ol-a ce!amene para essa se/o "ue se enconra in$is4$el para n3s, "ue $5
a"uilo "ue n3s n&o $emos e "ue ol-a sem $er nem ou$ir na#a #a"uilo "ue, saemos n3s,
#e$ia $er e ou$ir, "ue #e$ia saer $er'
Mas ale!oria, i!ualmene, #o ol-ar ciumeno #e Arasse, #e uma l3!ica e #e uma
economia #o in$is4$el cria#o por si!nos amorosos "ue s&o sempre in#4cios #e um
mun#o "ue #escon-ecemos 6 "ue n&o apenas #escon-ecemos mas "ue am)m nos
ol-a@ ol-ar preso, capura#o e pro$oca#o por pormenores e #eal-es "ue #esafiam o "ue
se sae e o "ue se $5, o "ue se sae $er 6 o espel-o no "ua#ro #e Tinoreo, o caracol
em rancesco #el Cossa, os caelos #e Maria Ma#alena, o !eso #e 7)nus no "ua#ro #e
Tiziano ou, no %limo ensaio, o lu!ar #o Rei em Las Meninas #e 7elaz"uez' No limie
#o nosso saer, limie i!ualmene melanc3lico por"ue os -ier3!lifos nunca s&o
oalmene #ecifra#os e somos ori!a#os a reornar consanemene a eles 6 como um
-alo #e in$is4$el "ue, sae Daniel Arasse, nunca ser2 oca#o por n3s 6, eses pe"uenos
#eal-es n&o se limiam, no enano, a #esafiar o saer insiu4#o sore as oras, eles
pro$ocam o ol-ar, capuram e in$esem:no, perse!uem:no em o#a a superf4cie "ue, a
parir #eles, nos oser$a' Eles conferem, a "ual"uer "ua#ro, o seu inacaameno e a sua
sore$i$5ncia, a sua (foruna cr4ica*, como refere Arasse'
7/26/2019 o Olhar Ciumento
http://slidepdf.com/reader/full/o-olhar-ciumento 3/5
+ #esa forma "ue #e$emos ler o #isposii$o, 12 cl2ssico, ali2s, "ue Arasse a!encia
em relaç&o = Adoração dos Reis Magos #e 8rue!el 6 e "ue se enconra, am)m, lo!o
no primeiro ensaio, "uan#o refere "ue a se#imenaç&o -is3rica #o con-ecimeno cria
(uma esp)cie #e filro solar "ue >e? proe!e #o ril-o #a ora e >e? permie preser$ar os
-2ios a#"uiri#os nos "uais se fun#a e se recon-ece a nossa comuni#a#e aca#)mica*'
(Inicialmene, "uan#o ol-ou a Adoração dos Reis Magos #e 8rue!el, na Naional
GallerB #e Lon#res, recon-eceu o "ue 12 saia' Como sempre' Com o empo, isso
ornara:se a) cansai$o' 2 n&o senia surpresa' Tin-a ol-a#o e esu#a#o ano "ue
#esen$ol$era a capaci#a#e #e recon-ecer, classificar e siuar #e ime#iao, mas
fazia:o sem prazer, como "uem esa narcisicamene os seus con-ecimenos*
Cena cl2ssica, #e um saer narc4sico "ue se sae e se aesa a si mesmo, "ue >se?sae $er; economia on#e u#o ) $is4$el, on#e n&o -2 reso nem ario, o "ua#ro ain#a
n&o nos ol-a' No enano, #e repene, #2:se a consiuiç&o #e um si!no amoroso e #e um
in$is4$el; a"uela superf4cie plana oser$a:nos' (oi en&o "ue se #ee$e no "ue a) en&o
escapara; isola#a no la#o #ireio >#o especa#or?, a ala sil-uea $erical, #e Gaspar, o
erceiro rei, ne!ro*' uem pense surpreen#er nese !eso #e reira#a #o saer
consiu4#o e #a se#imenaç&o #o mesmo no nosso ol-ar o apelo a uma $is&o por fim
li$re, pura e n&o conamina#a n&o em em cona, no enano, "ue n&o se raa #e rocar a
ce!ueira #e uma $is&o, "ue enconra no "ua#ro apenas a confirmaç&o #o seu saer $er,
por um ol-ar "ue $eria, por fim, o ril-o l4mpi#o #a ora #e are' .elo conr2rio,
#efen#e Daniel Arasse, o "ue #esa forma se aesa ) a consiuiç&o #e uma #issimeria e
#e uma cesura no seio #o $is4$el' A"uele "ue se sene ol-a#o e inerro!a#o pela
superf4cie #o "ua#ro n&o $5 o in$is4$el mas esemun-a por ele; n&o $emos o se/o #e
7)nus no "ua#ro #e Tinoreo mas $emos "ue -2 al!o "ue n&o $emos 6 al como $emos
"ue -2 al!o "ue 7ulcano n&o $5@ am)m os caelos #e Maria Ma#alena n&o nos
permie $er a"uilo "ue permanece, no enano, promei#o@ e, #a mesma forma, se a
-ip3ese #e Arasse se!un#o a "ual Gaspar ocupa a nossa posiç&o no "ua#ro #e 8rue!el
for correca, o lu!ar "ue ocupamos no "ua#ro n&o nos permie $er o se/o #e Criso'
(.or"ue, nesa -is3ria #a A#oraç&o #os Reis Ma!os, cu1o ema fun#amenal ) a
$is&o e a $isiili#a#e #a encarnaç&o se/ua#a #o 7ero, o rei ne!ro ) o %nico, al)m
#e n3s, "ue !oza #e oa $is&o 6 e, no enano, n&o $5 a suposa pro$a #e "ue a
humanação #e Deus, mis)rio fun#a#or #a f) cris&, foi consuma#a*
7/26/2019 o Olhar Ciumento
http://slidepdf.com/reader/full/o-olhar-ciumento 4/5
+ #esa forma "ue Arasse consiui uma er3ica #a pinura, ara$)s #o si!no
amoroso, #e um -ier3!lifo a #ecifrar, e #a consiuiç&o #e um in$is4$el cu1a relaç&o ao
$is4$el permanecer2 sempre ins2$el 6 promei#o ou iner#io, por e/emplo' No enano,
esa er3ica #a pinura, para "ue alu#e "uan#o analisa a Vénus de Urbino #e Ticiano,
n&o se #e)m numa economia #o $is4$el e #o in$is4$el' Ela enconra:se presene, sem
#%$i#a, no ensaio sore Maria Ma#alena, on#e o car2cer er3ico #a fi!ura a#$)m #o
faco #e escon#er al!o, #e esses caelos aparem o seu corpo, apan#o e, ao mesmo
empo, permiin#o a#i$in-ar o "ue escon#em' Mas 12 n&o se $erifica, ou $ai al)m #essa
economia, "uan#o analisa o "ua#ro #e Ticiano e "uan#o uma relaç&o ao o"ue ) a4
inseri#a'
(Ou se1a, passar #o o"ue = conemplaç&o, susiuir o ocar pelo ol-ar, fazer #ool-ar um "uase ocar' Mas ol-ar, ol-ar apenas, sem ocar' E acre#io "ue, se ese
"ua#ro ineressou a Mane, foi 1usamene por sulin-ar essa relaç&o e/clusi$a #o
ol-ar, ao e/iir, em primeiro plano, uma fi!ura "ue ol-a e se oca*
Esa #imens&o -2pica #o ol-ar, "ue ) raal-a#a por Deleuze e Guaari em Mille
Plateaux, enconra em Daniel Arasse a i#eia #e uma ima!em "ue apenas se po#e $er
sem conse!uirmos al!uma $ez oc2:la 6 mas "ue faz c-e!ar "ual"uer coisa = pr3pria
$is&o, uma #imens&o, er3ica, "ue ela #escon-ecia ou "ue ) inau!ura#a apenas com ela,
#imens&o "ue, ao ne!ar a possiili#a#e #o o"ue, are no ol-ar o -2pico' Narciso n&o
se faz esperar'
(E ) am)m o "ue ele n&o po#e fazer com a sua ima!em refleci#a na 2!ua #a
fone' N&o a po#e ocar nem ei1ar' Assim, ele per#e:a, ela per#e:se' Narciso ) o
in$enor #a pinura por"ue ori!ina uma ima!em "ue ele #ese1a mas "ue n&o po#e
nem #e$e ocar' Es2 eernamene #i$i#i#o enre o #ese1o #e araçar essa ima!em e
a necessi#a#e #e se maner = #isncia para a po#er ol-ar' Eis o eroismo #a pinura
"ue Aleri in$ena e o eroismo "ue Tiziano p<e em cena na Vénus de Urbino*
Mas #e "ue la#o se enconra Narciso, #e "ue la#o enconramos o narcisismo, #o
la#o #a"uele "ue ol-a sem po#er ocar, #o la#o #o especa#or, ou #o la#o #a pr3pria
ima!em, #o pr3prio "ua#ro, #o la#o #e 7)nus "ue se oca e nos ol-a 6 e "ue, ocan#o:se
e ol-an#o:nos, se #ei/a $er ne!an#o:nos, no enano, a possiili#a#e #o o"ue, arin#o
em n3s o -2pico como #imens&o #a $is&o9 Arasse n&o #isin!ue ou pelo menos n&o
aprofun#a, mas po#emos inerro!ar:nos se esa #isinç&o inscria por Tiziano na fi!ura
#e 7)nus 6 (fi!ura "ue ol-a e se oca*, sen#o o (e* o pono prolem2ico 6 n&o apona
7/26/2019 o Olhar Ciumento
http://slidepdf.com/reader/full/o-olhar-ciumento 5/5
para #ois re!imes -eero!)neos, #ois empos -eero!)neos' 7)nus oca:se mas na#a
sae sore isso, essa relaç&o a si n&o em ima!em nem con-ecimeno poss4$el, e a
simeria "ue o ol-ar ranspora e imp<e enre n3s e 7)nus aesa #a assimeria "ue o
empo -eero!)neo #o o"ue imp<e'