o mundo do claustro

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o mundo do claustro

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  • ANPUH XXV SIMPSIO NACIONAL DE HISTRIA Fortaleza, 2009.

    O MUNDO COMO CLAUSTRO E A CONVERSO DA NATUREZA: A SECULARIZAO DA SANTIDADE NO MEDIEVO

    Flvio Amrico Dantas de Carvalho1

    Ouvi, carssimos: o irmo lobo, que est aqui diante de vs, prometeu-me e deu-me garantia de sua promessa fazer a paz convosco e nunca vos lesar em coisa alguma, se vs lhe prometeis fornecer-lhe todos os dias os alimentos necessrios. E eu [So Francisco de Assis], em nome do mesmo lobo, me coloco como fiador de que ele observar firmemente o pacto de paz.2

    O objetivo desse trabalho analisar as conseqncias, na vida crist, da substituio

    do paradigma3 filosfico neoplatnico pelo aristotlico na forma do homem medieval

    interpretar o mundo e de viv-lo. Essa anlise ser feita a partir do Franciscanismo do sculo

    XIII e primeira metade do sculo XIV, perodo que compreende a vida de So Francisco de

    Assis e de seus primeiros seguidores. Essa mudana paradigmtica trouxe profundas

    alteraes na exegese bblica feita pelos religiosos da Baixa Idade Mdia. Dentre eles, merece

    destaque So Francisco de Assis, que, como leitor da Escrituras, interpretou a relao entre o

    cristo e o mundo de forma distinta da maioria dos religiosos dos sculos anteriores, fazendo

    com que as prticas da vida crist se alterassem.4

    O Pobrezinho de Assis no foi o nico exegeta do perodo que deixou de interpretar o

    no amor pelo mundo bblico como uma ordem para se desprezar a natureza e a sociedade.

    Muitos homens do perodo passaram a entender que o cristo no tem que fugir da vida social

    e desprezar a Criao (natureza) para levar uma vida piedosa. Com a mudana na ortodoxia

    do Cristianismo, surgiram profundas alteraes da ortopraxia, ou seja, mudaram tanto a

    interpretao da f crist quanto a forma de se vivenciar o que se cr. Essa mudana ocorreu

    1 Mestrando do Programa de Ps-Graduao em Histria da Universidade Federal do Rio Grande do Norte Mestrado em Histria e Espaos. Orientador: Prof. Dr. Henrique Alonso de Albuquerque R. Pereira.

    2 ATOS do bem aventurado Francisco de Assis e de seus companheiros. In.: FONTES franciscanas e clarianas. Op. cit. p. 1171 1172.

    3 Nesse trabalho, utilizo o conceito de paradigma como o conjunto de valores, crenas e formas de interpretar o mundo compartilhado por um determinado grupo. Esse conceito foi mais bem elaborado por Thomas Kuhn, que d vrias definies para paradigma, sendo uma delas a usada por mim nesse trabalho. O texto de Kuhn por mim utilizado : KUHN, Thomas. As revolues como mudanas de concepo de mundo. In.: ______. A estrutura das revolues cientficas. 9. ed. So Paulo: Perspectiva, 2005. p. 147-174. (Debates).

    4 Tratei do assunto em CARVALHO, Flvio Amrico D. de. Mundo do leitor e leituras de mundus: a exegese de So Francisco e a secularizao da santidade no medievo. 65 f. Monografia (Bacharelado em Histria) Departamento de Histria, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2008. Orientador: Prof. Dr. Durval Muniz de Albuquerque Jnior. Ver tambm CARVALHO, Flvio Amrico D. de; PEREIRA, Henrique Alonso de A. R. A exegese do/no mundo: o caso de So Francisco.

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  • ANPUH XXV SIMPSIO NACIONAL DE HISTRIA Fortaleza, 2009.

    devido alterao paradigmtica na hermenutica (influncia da substituio do

    Neoplatonismo pelo Aristotelismo como paradigma filosfico). As formas de interpretar os

    textos bblicos e de encarar o mundo no eram mais as mesmas, pois os lugares5 de onde

    eram direcionados os olhares para a Bblia eram outros, gerando novas formas corretas de

    se viver a f.

    Para entender as transformaes na forma que os franciscanos do sculo XIII e incio

    do XIV se relacionarem com o mundo, mister entender que o Aristotelismo j alterava a

    ortopraxia desde, pelo menos, o sculo XI. S entendendo esse processo, ser possvel

    entender a afirmao de Pierre Chaunu de que as ordens mendicantes do sculo XIII e incio

    do XIV conseguiram realizar as transformaes que outros movimentos de renovao dos

    sculos XI e XII no conseguiram. 6 Esses movimentos anteriores atuao de So Francisco,

    embora no tenham conseguido o mesmo xito do pobre de Assis, exerceram grande

    influncia nas ordens mendicantes.

    3.1 SENHORA, ESTE O NOSSO CLAUSTRO

    At a transio do sculo XI para o XII, o ideal de vida crist era o claustro. S eram

    considerados cristos autnticos, de primeira categoria, aqueles que viviam fora do mundo e

    desprezavam a materialidade.

    A partir do final do sculo XI, a ordem bblica para no amar o mundo deixou de ser

    interpretada como uma ordenana para que a existncia terrena e tudo que nela existe fossem

    desprezadas. Com essa modificao, os cristos comearam a valorizar mais o mundo

    material e tentaram, cada vez mais, melhor-lo.

    Ao mesmo tempo, outras alteraes na Europa ocidental contriburam para essa

    valorao do mundo, tais como o crescimento das cidades, da populao e o desenvolvimento

    econmico. Essas alteraes, aliadas do paradigma filosfico, fizeram com que o

    monasticismo ocidental tomasse outros caminhos, substituindo feies que estavam

    sedimentadas h anos por novas que eram marcadas pela diminuio do desprezo pelo mundo.

    5 Uso aqui o conceito de lugar elaborado por Michel de Certeau, que significa o contexto institucional, poltico e cultural do leitor, fazendo com que seu trabalho de significao do texto (e do mundo) seja peculiar, fugindo uma padronizao a-histrica. Portanto, remeto para CERTEAU, Michel de. Fazer Histria; A operao historiogrfica. In.: ______A escrita da Histria. Rio de Janeiro: Forense Universitria, 1982. p. 30-119.

    6 CHAUNU, Pierre. O tempo das reformas (1250-1550): A crise da Cristandade. Lisboa: Edies 70, [s.d]. p. 214.

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    Uma das mais significativas mudanas ocorreu na viso que os cristos tinham da

    divindade. At o sculo XI, a nfase estava no carter transcendente de Deus e de Jesus, que

    eram pensados e representados como seres distantes. Isso refletia a viso neoplatnica, que

    tendia a ver o divino como algo distante e completamente distinto desse mundo, que no

    passava de uma sombra da verdadeira realidade. Segundo Andr Vauchez:

    Pode-se dizer que a poca que vai do fim do sculo XI ao incio do sculo XIII foi verdadeiramente a idade do Cristo. No que a espiritualidade da alta Idade Mdia e do monaquismo feudal tenha desconhecido a pessoa do Salvador [...]. Mas, no conjunto, v-se, em Cristo, antes do sculo XII, principalmente a segunda pessoa da Trindade e o Juiz temvel que deve voltar no fim dos tempos. Alis, essa a imagem que nos do os tmpanos de muitas igrejas romnicas. O testemunho da arte, como o da literatura espiritual, confirma que os espritos da poca eram mais sensveis transcendncia divina do que Encarnao, Transfigurao do que Paixo.7

    A partir do final do sculo XI, a Cristandade passou a olhar para Cristo dando mais

    nfase a sua encarnao. Dos telogos que contriburam para essa mudana na forma de se

    interpretar a pessoa de Cristo, destaca-se Santo Anselmo, que, no seu tratado Cur Deus

    homo? (Por que Deus se fez homem?), argumenta que era necessrio Deus se fazer homem,

    participando da condio humana, entrando na materialidade, para que a humanidade fosse

    salva atravs do pagamento do preo do pecado.

    O sculo XI no foi o perodo do surgimento da enftica devoo da humanidade de

    Cristo, tpica da transio do sculo XII para o XIII, cuja influncia muito marcante na

    espiritualidade de So Francisco de Assis. No entanto, as bases da adorao Cristolgica que

    enfatiza a encarnao do logus foram lanadas nos escritos de Santo Anselmo e outros

    telogos do incio da Baixa Idade Mdia.

    A nfase na humanidade de Jesus fez com que surgisse um maior apreo pelos

    Evangelhos, pois so nesses relatos que esto narradas as vivncias de Cristo entre os homens.

    A partir do sculo XII, o livro de Atos dos Apstolos e outros livros bblicos comearam a ser

    menos citados do que os livros que traziam o relato da vida terrena de Cristo. Por isso to

    recorrente nos escritos de So Francisco de Assis citaes dos Evangelhos.

    Os Evangelhos, alm de ensinar como foram a Encarnao, Vida, Paixo e

    Ressurreio do Messias, forneciam as informaes sobre como deveria ser a vida do cristo,

    ou seja, uma imitao da vida de Cristo, sobretudo no que se refere pobreza.

    7 VAUCHEZ, Andr. Op. cit. p. 73.

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    O fundador da Ordem de Grandmont, Etienne de Muret, afirmou, no incio do sculo

    XII, que a nica regra de vida o Evangelho; a regra de Jesus Cristo, mais perfeita do que

    a de So Bento.8

    O novo lugar dos leitores, ou seja, o contexto do qual eram feitas as leituras das

    Escrituras, gerava interpretaes baseadas num olhar influenciado pelo Aristotelismo, fazendo

    com que certas passagens bblicas fossem mais lidas do que outras. Por isso os relatos sobre a

    vida de Cristo e dos apstolos fizeram surgir a doutrina da vita apostolica, que era uma forma

    de se viver o Cristianismo baseada na busca da pobreza e na abolio da diviso entre pobres

    e ricos, ou seja, uma comunidade em que os bens seriam partilhados mutuamente. Alm disso,

    tambm era caracterstica da vida apostlica a pregao dos Evangelhos.

    A vida apostlica fazia com que fosse substituda a idia de que a vida crist plena

    deveria ser vivida fora da cidade, em lugares isolados, como montanhas, florestas ou desertos.

    Por isso, o clero secular, ou seja, os padres, que, grosso modo, vivia nas cidades, passou a ter

    novamente valor, pois passou a ser considerado to piedoso quanto o clero regular.

    Os padres das pequenas igrejas, que alm de serem pobres (na maioria, por falta de

    opo, dependendo da localidade), poderiam viver plenamente a f crist atravs da prtica da

    pregao, assim cumprindo o ideal da vita apostlica, atravs da unio da pobreza com a

    evangelizao. O sacerdcio voltou, depois de sculos, a ser considerado [...] um estado de

    perfeio.9

    Mas mesmo com essa valorizao da vida mundana na sociedade, ainda existiu

    eremitismo nesse perodo. No entanto, os eremitas desse perodo no viviam totalmente

    isolados. Eles se recolhiam para orar, meditar e mortificar seus desejos carnais, mas estavam

    disponveis a aconselhar a sociedade, diferindo substancialmente dos hbitos eremticos da

    Alta Idade Mdia, pois os monges anacoretas do sculo XI e XII no se isolavam em lugares

    distantes para tentar esquecer os outros, j que no desprezavam totalmente a sociedade, mas

    para aprimorar sua espiritualidade. Segundo Andr Vauchez:

    Se os eremitas [do sculo XI e XII] fugiram do mundo, nem por isso se tornaram indiferentes aos homens, e a literatura profana ou hagiografia os mostra distribuindo conselhos e reconforto aos que vinham procur-los. Sua mobilidade e sua liberdade lhes permitiam exercer um apostolado muito variado, indo da assistncia aos viajantes pregao popular.10

    8 MURET, Etienne, apud VAUCHEZ, Andr. Op. cit. p. 74. 9 VAUCHEZ, Andr. Op. cit. p. 82. 10 Ibidem, p. 79.

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    Alm desse contato com o mundo por meio de pregaes e de conselhos, os eremitas

    do sculo XI e XII tiveram uma fase de vida solitria limitada, pois logo atraiam seguidores,

    que se uniam a eles na vida no deserto. O Eremitismo, que levou o contemptus mundi, no

    incio do Cristianismo, at as ltimas conseqncias, sofreu muita influncia da mudana do

    paradigma filosfico neoplatnico pelo Aristotlico e a conseqente renovao do apreo pelo

    mundo da Baixa Idade Mdia, pois eles no desprezavam totalmente a sociedade, como era

    feito pelos anacoretas dos primeiros sculos do Cristianismo.

    Embora ainda apresentassem certa averso a essa vida, os eremitas dos sculos XI e

    XII estavam preocupados com a sociedade. Eles no queriam somente salvar suas almas, mas

    ajudar aqueles a quem pudessem, desejavam arrancar, atravs da pregao, almas das mos do

    Diabo.

    Alm de uma nova forma de eremitismo e de uma nova valorizao do sacerdcio

    (devido ao conceito de vita apostolica), a diminuio do desprezo pelo mundo trouxe como

    resultado o surgimento das ordens mendicantes, que, segundo Jacques Le Goff, no podem

    ser consideradas ordens monsticas, pois, embora sigam regras, no viviam separados do

    mundo, mas, ao contrrio, tinham como espao de atuao a sociedade, vivendo e pregando

    entre os homens.11

    Foram as ordens mendicantes as responsveis pela sntese, no medievo, entre a vida

    leiga e a vida do claustro. O novo eremitismo e a vita apostlica foram as primeiras tentativas

    dessa conciliao, mas o carter laico dessas novas formas de se viver a f ainda era muito

    limitado, pois eram praticadas, em sua maioria, por clrigos ou por pessoas que viviam a f

    com um distanciamento considervel da vida social, convivendo com os outros em perodos

    relativamente curtos. Foram principalmente os seguidores de So Francisco de Assis e So

    Domingos de Calaruega que melhor contriburam para um processo que ganhava forma desde

    meados do sculo XI: a secularizao da santidade.

    Durante a Alta Idade Mdia, o saeclum12 e a sancttas13 eram consideradas coisas irreconciliveis. Para um cristo desse perodo, s era possvel alcanar as virtudes crists, a

    santidade, a partir de uma vida longe do mundo (sculo), ou seja, da sociedade, pois cada um

    tinha que fugir de sua prpria gerao. Com a influncia do aristotelismo e do crescimento

    urbano e econmico, a Cristandade comeou a valorizar mais a vida terrena.

    11 Sobre o conceito de Ordens mendicantes, ver Le GOFF, Jacques. Uma longa Idade Mdia. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2008. p. 175.

    12 Em latim, significa: era, gerao, mundo e vida terrena. 13 Santidade em latim. Mas tambm pode significar virtude e pureza de costumes.

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    Como conseqncia, a sociedade, que era muito religiosa, ansiava por formas de viver

    a f crist que permitissem a conciliao entre a vida piedosa e a vida secular. Esse processo

    de aproximao pode ser chamado de secularizao da santidade, pois fez com que a

    santidade, que antes s podia ser alcanada atravs de prticas extra-mundanas, passasse a

    entrar, cada vez mais, no mundo. No foi apenas no Calvinismo, como afirmou Max Weber,14

    que a santidade foi encarada como ascese intra-mundana, uma vez que esse processo havia

    comeado na Baixa Idade Mdia. As igrejas calvinistas, principalmente as do sculo XVII,

    apenas representaram, atravs de novas prticas e doutrinas, um nvel mais elevado dessa

    aproximao da piedade do saeclum. No entanto, a secularizao da santidade foi iniciada em meados do sculo XI e foi bastante vivida entre as ordens mendicantes do sculo XIII e

    incio do XIV, principalmente a franciscana.

    As duas principais ordens mendicantes do sculo XIII foram a dos frades pregadores

    (conhecidos como Dominicanos) e a dos frades menores (tambm chamados de

    Franciscanos). A Primeira foi fundada pelo espanhol So Domingos de Calaruega. A segunda,

    por So Francisco de Assis. Existiram outras ordens mendicantes nesse perodo,15 mas essas

    duas, a saber, Franciscanos e Dominicanos, foram as mais expressivas.

    Uma das caractersticas comuns a essas duas ordens era a relao que elas tinham com

    as cidades. Elas eram compostas por religiosos que seguiam uma regra, mas que no se

    isolavam da sociedade, mas, pelo contrrio, procuravam evangeliz-la atravs do ensino dos

    Evangelhos. Os Dominicanos, por sua vez, tinham preferncia pelas grandes cidades, ao

    contrrio dos Franciscanos, que procuravam as comunidades de menor porte. Segundo

    Jacques Le Goff, na Cristandade medieval surgiu a seguinte expresso: Bernadus Valles,

    montes Benedictus amabat, oppida Franciscus, celebres Dominicus urbes [Bernardo amava

    os vales, Bento, os montes, Francisco, as aldeias, Domingos, as cidades populosas].16 Essa

    expresso tambm mostra que os monges da Alta Idade Mdia (Bento) e da transio dela

    para a Baixa Idade Mdia (Bernardo, que era monge cisterciense) procuravam a solido e os

    frades do sculo XIII (Domingos e Francisco) procuram as cidades, divergindo entre eles

    apenas no que se refere ao tamanho das aglomeraes humanas em que seriam realizadas suas

    misses.

    14 Ver WEBER, Max. Op. cit. 15 Alm dos Dominicanos e dos franciscanos, Roma, no sculo XIII, s reconheceu mais duas ordens

    mendicantes: Irmos da Bem-Aventurada Virgem Maria do Monte Carmelo, conhecidos como Carmelitas, e Eremitas de Santo Agostinho, que tambm eram chamados de agostinianos.

    16 DESCONHECIDO apud LE GOFF, Jacques. Op. cit., p. 177.

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    H, contudo, uma diferena mais profunda entre os Dominicanos e os Franciscanos.

    Enquanto os frades pregadores eram, em sua maioria, pertencentes ao clero regular, sendo,

    todavia, assistidos por leigos, os seguidores de So Francisco de Assis eram, com muita

    freqncia, pertencentes ao laicato.17 Isso fez com que os franciscanos aproximassem com

    mais intensidade a devoo laica da vida regular, intensificando a secularizao da santidade.

    Numa sociedade que era marcada pela evidente evoluo em direo a uma

    secularizao da santidade, o Franciscanismo representou um grande avano desse

    desenvolvimento. Na Alta Idade Mdia, o ideal de vida crist era o eremita ou o monge

    cenobita, pois ambos viviam longe do mundo (sociedade). Nos sculos XI e XII, o clericato

    secular (que vivia na sociedade, mas no era laico) passou tambm a ser valorizado como uma

    vida santa. So Francisco, por sua vez, representou a santidade inserida na vida social, pois

    era um leigo vivendo piamente no meio da sociedade.

    O Franciscanismo do sculo XIII e dos primeiros anos do XIV representou a sntese

    entre uma vida crist pia cada vez mais inserida entre os homens e o desejo de se viver

    plenamente a f crist. Segundo Andr Vauchez, era cada vez mais aceitvel a idia de que o

    cristo deveria exercer sua f dentro da sociedade, e, ao contrrio, era cada vez menos

    aceitvel uma idia de total desprezo do mundo, pois, no incio do sculo XIII, a Cristandade

    procurava encontrar a frmula que permitisse a cada cristo viver de acordo com o

    Evangelho, no seio da Igreja e no corao do mundo.18

    So Francisco de Assis conseguiu, ao mesmo tempo, relacionar idias que geraram

    grupos herticos nos sculos anteriores e a tradio da ortodoxia crist. Ao mesmo tempo em

    que venerava a humanidade de Cristo e sua pobreza, estimava muito o seu carter

    transcendente e sua onipotncia; tinha o desejo de viver uma pobreza e humildade muito

    acentuada sem, contudo, desprezar a Igreja, que considerava Santa, apesar da riqueza. Unia

    uma vida regrada (como os monges) com uma vida de evangelizao entre o povo. O

    Pobrezinho de Assis tem sua atuao e f ligadas aos movimentos de aproximao do mundo

    dos sculos XI e XII (vita apostlica e o novo eremitismo), mas sua vida e ensino

    transformaram a relao do Cristianismo com o mundo social.

    O fato de que So Francisco no desprezava a sociedade fez com que ele se

    relacionasse de forma muito particular com a cultura do seu tempo. Ele usava lnguas

    vernculas (francs e italiano) na vida religiosa, inclusive escrevendo textos religiosos nessas

    17 Os fundadores dessas ordens, inclusive, j apontam para essa diferena. So Domingos era um Cnego regular e So Francisco de Assis era, por sua vez, um leigo.

    18 VAUCHEZ, Andr. Op. cit. p. 126.

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    lnguas. Ele amava a poesia e a cano (que, no perodo, era cantada principalmente em

    francs). Ele tambm no era, por no ser clrigo, um grande conhecedor do latim. Isso fez

    com que suas pregaes pudessem ser mais acessveis ao povo, j que ele utilizava as lnguas

    vernculas para transmitir a mensagem de Deus. Portanto, o Santo de Assis se aproximava

    mais dos cantores de trovas do que dos telogos, estava mais perto do povo do que do clero.

    Ele aproximou o mundo leigo do mundo clerical, atravs de uma suavizao da lngua sacra e

    de um uso religioso da lngua vulgar (o Cntico do Irmo Sol, por exemplo, foi escrito em

    italiano).

    Um texto franciscano (autor desconhecido) do sculo XIII19 representa bem o esprito

    da relao de Francisco e do Franciscanismo com o mundo social. O texto chama-se Sacrum

    commercium (Aliana Sagrada). Nele, So Francisco e alguns companheiros empreendem

    uma busca pela Senhora Pobreza. Ao encontr-la, eles a convencem a segui-los. Ao descer da

    montanha (onde ela morava), ela encontra-se com eles. Eis o dilogo desse encontro:

    [...] Ela, porm, dormindo sobriamente um sono muito tranqilo [depois de uma refeio junto com So Francisco de Assis e os outros irmos], levantou-se ligeiramente, pedindo que se lhe mostrasse o claustro. Conduzindo-a a uma colina, mostraram-lhe todo o orbe [mundo] que podiam ver, dizendo: Senhora, este o nosso Claustro.20

    Ao invs do contemptus mundi dos monges da Alta Idade Mdia, que sofriam uma

    considervel influncia do Neoplatonismo, fazendo com que eles vissem o mundo de forma

    dualista e entendessem que o melhor lugar para se viver plenamente a relao com Deus era o

    claustro, os frades menores entenderam que a f crist deve ser vivenciada no meio do povo,

    ou seja, em sociedade, inclusive na cidade. O claustro deles passou a ser todo o mundo.

    O Franciscanismo do sculo XIII foi muito importante para o desenvolvimento da

    valorizao da religio secular (o prprio So Francisco era leigo). O pobre de Assis no fez

    surgir a religiosidade popular, pois ela estava presente desde o processo de expanso do

    Cristianismo, quando a liderana no conseguia homogeneizar a crena do todos os cristos,

    mas contribui para a sua valorizao e aceitao como vida santa.

    19 A crtica no data com preciso o texto, mas h certo consenso quanto ao fato dele ser de autoria de um frade menor do sculo XIII. A dvida se ele da primeira metade desse sculo, o que o colocaria como sendo das mos de um companheiro de So Francisco ou do final do mesmo sculo, fazendo com que ele j estivesse entre os textos do perodo posterior vida do fundador do Franciscanismo. Para mais informaes, ler PINTARELLI, Ary Estevo; PEDROSO, Jos Carlos Correa; TEIXEIRA, Celso Mrcio. Introduo. In.: FONTES FRANCISCANAS E CLARIANAS. Op. cit. p. 11-82.

    20 SANTA Aliana (Sacrum Commercium). In.: FONTES franciscanas e clarianas. Op. cit. p. 1481.

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    Cada vez mais, os cristos entenderam que seria possvel viver a f plenamente no

    mundo, pois a santidade estava se secularizando. Para So Francisco de Assis e seus

    seguidores, o mundo era o claustro. No s o mundo no sentido de vida em sociedade, que

    analisamos agora, mas tambm no que se refere Criao, e essa outra influncia das idias

    de So Francisco de Assis para o Franciscanismo do sculo XIII: uma nova forma de encarar

    a natureza.

    3.2 O IRMO LOBO E OS IRMOS PSSAROS

    Comecemos a anlise da relao do Franciscanismo com a natureza com a leitura de

    um texto franciscano situado em algum ano entre a segunda metade do sculo XIII e a

    primeira metade do sculo XIV.

    Na cidade de Gubbio, enquanto ainda vivia nosso pai So Francisco, aconteceu algo admirvel e digno de clebre memria. Havia, pois, no territrio da cidade de Gubbio um lobo terrvel pelo tamanho do corpo e ferocssimo pelo furor da fome; ele no somente destrua os animais, mas tambm devorava homens e mulheres [...]. E querendo Deus tornar conhecida aos mencionados cidados a santidade do bem-aventurado Francisco, quando este a morava, compadecendo-se deles, resolveu sair ao encontro do dito lobo.21

    Embora a populao tentasse avisar a So Francisco que seria demasiadamente

    arriscado ir conversar com o lobo, ele no aceitou os conselhos dados pelo povo, pois ele

    confiava no senhor Jesus Cristo que domina os espritos de todo ser vivo.22 Ao estar do lado

    de fora da cidade, o lobo correu para atac-lo, mas foi paralisado com o sinal-da-cruz. O santo

    lhe ordenou que no atacasse. O lobo se prostrou aos ps de Francisco e ficou com a cabea

    inclinada, j de lobo feito um cordeiro.23

    Aps essa trgua, So Francisco de Assis comeou a evangelizao do lobo,

    mostrando-lhe seus pecados (destruir seres irracionais e, principalmente, seres humanos,

    tornando-se, portanto, um homicida) e dando-lhe a oportunidade de se arrepender. O santo,

    ento, props ao lobo o seguinte acordo:

    21 O LOBO levado pelo bem-aventurado Francisco a grande mansido. In.: FONTES franciscanas e clarianas. Op. cit. p. 1169-1172.

    22 Ibidem, p. 1170. 23 Ibidem.

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    Irmo lobo, desde que te agrade fazer esta paz [entre o lobo e os homens de Gubbio], eu te prometo que farei com que, enquanto viveres, te sejam dados continuamente os alimentos por meio dos homens desta cidade, de modo que nunca mais sofrers fome; porque eu sei que tudo o que fazes de mal, o fazes por causa do furor da fome.24

    O irmo lobo aceitou a proposta e, como garantia do pacto, apertou, com a pata, a

    mo de So Francisco de Assis. Depois disso, foram os dois, a ex-fera e o santo, para cidade,

    onde o pacto foi realizado com os cidados de Gubbio. E, segundo o relato, depois do acordo

    de paz e a converso do lobo em um animal manso, a cidade viveu em paz com o seu novo

    amigo.

    Esse relato importante pelo fato de representar uma mudana que estava acontecendo

    na Cristandade: a natureza como espao de mal, da queda, do terror e do medo, passava a ser

    um lugar de revelao da glria de Deus (como o caso do Cntico do Irmo Sol, que louva o

    Criador e a criao). O lobo, um dos animais mais temidos no Ocidente Medieval, se

    converteu, ante a pregao do santo, em um cordeiro, smbolo que representa os cristos. A

    natureza deixava de ser inimiga e passava, depois da converso, a ser irm, uma vez que vinha

    do mesmo criador, do mesmo pai.

    Numa outra histria do mesmo perodo, Como um menino que capturara rolinhas,

    rogado por So Francisco, lhas deu. E como lhes fez um ninho, tambm de autor desconhecido,

    o pobre de Assis salva algumas rolinhas que seriam vendidas por um jovem. O santo convenceu

    o carrasco das pobres aves a solt-las, afirmando que elas so como almas castas. Quando as

    soltou, Francisco construiu um ninho para elas, para que cumprissem a ordem do criador quanto

    multiplicao da espcie.25 Nessa histria, alm de comparar os pssaros com a idia de

    pureza, o poverello contribui para que eles aumentassem, j que, de acordo com o uso que

    Francisco faz das Escrituras, ordem do criador a multiplicao da natureza.

    Essa mudana na relao com o mundo natural vivida pelo Franciscanismo tambm

    pode ser percebida na arte franciscana, especificamente, e na arte desse perodo, de forma

    geral, que era o gtico. Jacques Le Goff aponta para isso quando afirma que

    Tudo na obra de arte [gtica] diz [...] que o artista leva a srio o mundo sensvel melhor: que nele encontra prazer. O empobrecimento do simbolismo, ou pelo menos seu enfraquecimento diante da realidade sensvel, manifesta uma mutao profunda da sensibilidade. Seguro, o homem contempla o mundo como Deus aps a criao, e o acha belo e bom. A arte gtica confiana.26

    24 Ibidem, p. 1170-1171. 25 COMO um menino que capturara rolinhas, rogado por So Francisco, lhas deu. E como lhes fez um ninho.

    In.: FONTES franciscanas e clarianas. Op. cit. p. 1169-1173. 26 LE GOFF, Jacques. A sociedade do Ocidente Medieval. Bauru: EDUSC, 2005. p. 354.

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    A Cristandade, e, sobretudo, o Franciscanismo, que estava inserido nessa nova forma

    de ver o saeclum, deixa de ver a existncia mundana de forma simblica e passa a ver de forma mais realista. Isso se manifesta na arte gtica, que tende a representar o mundo em suas

    manifestaes artsticas de forma mais realista. As imagens so retratadas com feies mais

    humanas; surge a perspectiva; a natureza e a cidade comeam a ser retratadas.

    A Baslica de So Francisco de Assis, situada na cidade que d nome ao santo, um

    exemplo dessa pintura gtica. Nela, esto os afrescos mais importantes sobre a vida do

    Poverello. Em sua maioria, foram feitas por Giotto di Bondone e seus discpulos.27

    Embora Giotto no fosse um frade menor, ele foi contratado pelos superiores da ordem

    para pintar a Baslica de So Francisco de Assis, que, alm de ser o maior prdio franciscano,

    era o local onde o prprio Francisco estava enterrado.

    Fotografia 1: Baslica de So Francisco de Assis, onde esto os principais afrescos de Giotto di Bondone sobre a vida do santo a quem essa igreja dedicada.28

    Embora a arquitetura da Baslica de So Francisco de Assis seja predominantemente

    romnica29 (que a escola artstica que sofreu influncia do neoplatonismo, marcada pelo

    27 Existe divergncia quanto a quem fez alguns dos afrescos da Baslica. Para esse trabalho, isso no tem relevncia, uma vez que o importante notar que quem a pintou seguiu orientaes da Ordem dos Frades Menores e usou como base a Vita Prima (Primeira Vida), obra angiogrfica sobre Francisco escrita por Toms de Celano convite da Ordem dos Frades Menores. Os afrescos dessa igreja, independente de quem os pintou, representam bem as concepes da ordem franciscana, no final do sculo XIII, no que se refere relao do cristo com a sociedade e com a natureza.

    28 BASLICA de So Francisco de Assis. [s.d.]. 1 fotografia, color. Disponvel em: . Acesso em: 13 de novembro de 2008.

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    desprezo do mundo), os afrescos no seu interior so gticos, marcados pela valorizao dessa

    existncia, como mostram as pinturas de Giotto. As caractersticas que marcam essa

    valorizao so: a inteno de retratar com realismo as expresses nos rostos das personagens;

    a utilizao da perspectiva, tendendo a um realismo maior na representao da vida; e a

    presena da cidade e de animais na pintura, mostrando o santo no mundo, ao invs de

    represent-lo em um fundo dourado ou abstrato, como era na arte romnica.

    Vejamos alguns afrescos de Giotto para entendermos como a cidade e a natureza so

    retratadas nessas obras e, a partir delas, perceber as transformaes na relao dos religiosos

    franciscanos com o mundo natural e social.

    Afresco 1: So Francisco de Assis em xtase.30

    Nesse afresco, So Francisco representado em xtase, que, dentro da iconografia e na

    Teologia crist, significa o momento em que o cristo consegue entrar em contato com a

    transcendncia. a ligao do histrico com o eterno. Mas, no obstante o fato do santo estar

    no pice do desligamento do mundo, em contato com Cristo, a cidade est na imagem. No

    29 Ela romnica no exterior, pois uma construo com uma verticalizao menor do que a gtica e com um carter mais rijo e menos elaborado do que o gtico. No seu interior, a Baslica possui afrescos e caractersticas arquitetnicas gticas, como o uso de arcos gticos. A melhor descrio para essa Baslica seria que ela se encontra na transio da arte romnica para a gtica.

    30 BONDONE, Giotto di. Historias de San Francisco: El xtasis de San Francisco. 1297-1300. Fresco. 270 x 230 cm. Baslica Superior. San Francisco de Ass. Ass. Italia. Disponvel em: . Acesso em: 10 de novembro de 2008.

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    necessrio o deserto para entrar em contato com a divindade na concepo de mstica do

    Franciscanismo do sculo XIII. So Francisco at pode estar fora dos muros da cidade, mas o

    autor do afresco no desprezou a presena da cidade, mostrando que a devoo franciscana do

    sculo XIII busca o contanto com o divino sem precisar do contemptus mundi, pois o xtase,

    embora signifique o contato com a eternidade, se d numa certa espacialidade, que, no caso

    das ordens mendicantes, a cidade. Na obra, de um lado temos a cidade, importante para

    Francisco e local da sua misso, do outro, Cristo, que o amado de Francisco e quem ele

    procurar imitar e mostrar aos outros (que, no caso dele, estavam principalmente na cidade)

    atravs da pregao dos Evangelhos.

    Imagem 3: So Francisco repartindo sua capa com um pobre.31

    Esse outro afresco mostra Francisco de Assis compartilhando a capa com um pobre,

    indicando a sua preocupao com a pobreza. A cidade aparece ao fundo, graas utilizao

    da perspectiva. O uso da perspectiva no gratuito. Ela representa o novo olhar que o gtico

    lanou sobre o mundo, j que as artes romnicas e bizantinas no a utilizavam, pois

    representavam os santos fora de qualquer espao real. Na arte gtica, a representao se d

    dentro de uma espacialidade. Na Baslica de So Francisco de Assis, a cidade o espao

    31 Id. San Francisco partiendo su manto con un pobre. Antes de 1300. Fresco. 270 x 230 cm. Baslica Superior. San Francisco de Ass. Ass. Italia. Disponvel em: . Acesso em: 09 de novembro de 2008.

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    privilegiado, pois o lugar de atuao da ordem. O gtico utiliza a perspectiva e expresses

    reais nos rostos das personagens por no desconsiderar que o santo vive entre pessoas reais

    (ele mesmo sendo uma) e em lugares que existem. Por isso, to comum a presena das

    cidades nos afrescos da Baslica de So Francisco de Assis.

    No afresco So Francisco pregando aos pssaros, Giotto, alm de colocar animais na

    pintura ( muito recorrente a imagem do jumento), coisa que no era muito comum nas

    escolas artsticas anteriores, que praticamente s retratavam santos, coloca os pssaros como

    receptores da palavra de Deus.

    Imagem 4: Pregao de So Francisco aos pssaros.32

    Mais uma vez aparece a idia de que a natureza poderia se tornar irm da Cristandade,

    como o lobo de Gubbio, j que tambm criao de Deus. Os irmos pssaros ouvem a

    pregao do santo, para que, assim como os homens, possam entrar em unio com o seu

    Criador.

    Com o Aristotelismo e a influncia do desenvolvimento urbano e econmico que a

    Cristandade passava desde o incio da Baixa Idade Mdia, a ordem para no amar o mundus

    32 Id. San Francisco predicando a los pjaros. Antes de 1300. Fresco. 270 x 230 cm. Baslica Superior de San Francisco de Ass. Ass. Italia. Disponvel em: . Acesso em: 10 de novembro de 2008.

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    ganhou um novo significado, pois os cristos passaram a entender que a vida crist, a

    ortopraxia, no tem necessidade, para ser autntica, de desprezar a vida em sociedade. O

    claustro no era mais a cela solitria, mas era, nessa nova perspectiva, o orbis. Para entrar em

    xtase (contato com Deus) no era preciso estar s (Francisco estava perto da cidade e estava

    acompanhado de outros irmos no afresco de Giotto que retrata o xtase do santo). Tambm

    no era necessrio odiar a natureza, pois ela tambm podia se converter e ouvir a palavra de

    Deus, como fizeram os pssaros de Giotto e o Lobo da cidade de Gubbio.

    Portanto, A mudana paradigmtica gerou uma nova exegese bblica da palavra latina

    mundus, pois as passagens bblicas que ordenam o no amor pelo mundo deixaram,

    gradativamente, de ser interpretadas como ordens para que o cristo fugisse da vida em

    sociedade e procurasse a solido do deserto ou do claustro monstico. O desprezo pelo mundo

    foi substitudo por um processo de secularizao da santidade, que fez com que a vida piedosa

    se aproximasse da vida secular e contribuiu para que o mundo fosse valorizado como obra-

    prima do Criador.

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