o lugar do automÓvel em sÍtios com interesse de ... · valorização e desenvolvimento de ouro...
TRANSCRIPT
![Page 1: O LUGAR DO AUTOMÓVEL EM SÍTIOS COM INTERESSE DE ... · Valorização e Desenvolvimento de Ouro Preto e Mariana”, com uma grande equipe ... e a Lei de Uso e Ocupação do Solo](https://reader031.vdocuments.site/reader031/viewer/2022021808/5c48f92193f3c31436437921/html5/thumbnails/1.jpg)
O LUGAR DO AUTOMÓVEL EM SÍTIOS COM INTERESSE DE PRESERVAÇÃO PATRIMONIAL:
O caso de Ouro Preto
ARCIPRESTE, Cláudia M. (1); FURLAN, Elis (2); AGUIAR, Tito F. R. (3).
1. Universidade Federal de Ouro Preto - UFOP. Departamento de Arquitetura e Urbanismo – DEARQ.
UFOP, Escola de Minas, Campus Morro do Cruzeiro, DEARQ, Ouro Preto – MG. [email protected]
2. Universidade Federal de Ouro Preto - UFOP. Curso de Arquitetura e Urbanismo – Escola de Minas.
Rua Tomé Afonso, nº 178 A, Água Limpa, Ouro Preto - MG [email protected]
3. Universidade Federal de Ouro Preto - UFOP. Departamento de Arquitetura e Urbanismo – DEARQ.
UFOP, Escola de Minas, Campus Morro do Cruzeiro, DEARQ, Ouro Preto – MG. [email protected]
RESUMO
Este trabalho discute as interfaces entre os modos de vida das sociedades contemporâneas e as demandas de preservação patrimonial dos sítios com interesse para preservação. Tomou-se como objeto de estudo o uso e a guarda do automóvel em Ouro Preto, Minas Gerais, em um trecho do lado oeste da estrada tronco, ou seja, o caminho de formação da cidade. Através da pesquisa de campo foram levantadas tipologias de garagens existentes ao longo do trecho, assim como foram observadas as dinâmicas da mobilidade urbana e a relação entre a população local e os órgãos de preservação. Os dados obtidos confirmam a insuficiência dos espaços privados para a guarda de automóveis e as percepções contraditórias sobre a preservação do patrimônio edificado, além da aplicação, na adaptação das edificações para a guarda dos automóveis, de técnicas pouco adequadas à preservação patrimonial. Indicam, também, ser necessário repensar as condições de mobilidade urbana para reduzir o impacto dos automóveis no centro histórico. Uma permanente revisão da legislação patrimonial é também importante, de modo a conciliar a preservação com as transformações dos modos de vida atuais, buscando-se compatibilizar preservação e desenvolvimento, agregando-se ao sítio tombado o valor de cidade real e viva, privilegiando-se o olhar do habitante local como estratégia para preservação patrimonial mais sustentável.
Palavras-chave: Patrimônio cultural edificado; preservação patrimonial; centros históricos; mobilidade urbana; Ouro Preto – MG.
![Page 2: O LUGAR DO AUTOMÓVEL EM SÍTIOS COM INTERESSE DE ... · Valorização e Desenvolvimento de Ouro Preto e Mariana”, com uma grande equipe ... e a Lei de Uso e Ocupação do Solo](https://reader031.vdocuments.site/reader031/viewer/2022021808/5c48f92193f3c31436437921/html5/thumbnails/2.jpg)
4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro
Introdução: a estrada tronco
A cidade de Ouro Preto é considerada o mais significativo conjunto urbano da
arquitetura colonial brasileira, tendo sua origem no século XVII com a exploração do ciclo do
ouro. Sua povoação se deu a partir de pequenos arraiais de mineradores localizados em
torno das antigas capelas do Antônio Dias e do Pilar. O processo de formação da Vila Rica
se deu em parte de forma linear, ao longo de uma via, denominada estrada tronco por Sylvio
de Vasconcellos, que conectava estes arraiais ligando as três elevações características do
território: Morro de Santa Quitéria, Cabeças e Vira e Sai, ou de Santa Efigênia.1
A urbanização de Ouro Preto foi realizada por colonizadores portugueses que,
apesar destes serem homens do Renascimento, implantaram a povoação em moldes
medievais, respeitando a topografia acidentada configurando um traçado orgânico, tanto
linear quanto polinuclear, como pode ser observado na FIGURA 1. O nivelamento do
terreno, devido a dureza do solo, se deu em apenas alguns pontos, como no Morro de Santa
Quitéria para dar origem ao centro administrativo que foi a Praça Tiradentes. As vias
acompanhavam as meias encostas e as residências se ajustavam ao perfil da rua, assim
como aos limites laterais dos terrenos, criando um cenário de casas enfileiradas. A cidade
* Este trabalho é o resultado das atividades do Programa de Iniciação Científica da categoria Programa de Iniciação à Pesquisa (PIP) da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), desenvolvida no curso de Arquitetura e Urbanismo da Escola de Minas. 1 VASCONCELLOS, Sylvio de. Vila Rica: formação e desenvolvimento, residências. São Paulo: Perspectiva,
1977. p. 71 – 82.
FIGURA 1: Mapa da ocupação residencial linear e polinuclear ao longo da estrada
tronco em meados do século XVIII, segundo Sylvio de Vasconcellos. Fonte: http://espacospublicosbarrocos.blogspot.com.br/2012/05/historia-de-ouro-preto-mineracao-no.html (2015), baseado em VASCONCELLOS, 1977, p. 78.
![Page 3: O LUGAR DO AUTOMÓVEL EM SÍTIOS COM INTERESSE DE ... · Valorização e Desenvolvimento de Ouro Preto e Mariana”, com uma grande equipe ... e a Lei de Uso e Ocupação do Solo](https://reader031.vdocuments.site/reader031/viewer/2022021808/5c48f92193f3c31436437921/html5/thumbnails/3.jpg)
4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro
correspondia a sua demanda local do século XVIII de expansão mineradora, comercial,
política e social.2
O esgotamento das jazidas de ouro, no fim do século XVIII, e a mudança da capital
de Minas para Belo Horizonte em 1897, permitiram à cidade chegar às primeiras décadas do
século XX sem grandes transformações. A antiga Vila Rica atraiu a atenção dos intelectuais
modernistas que, nos anos 1920, buscavam compor uma identidade nacional. Por influência
desses modernistas Ouro Preto foi declarada Monumento Nacional em 1933, por força do
Decreto nº 22.928.3
A partir da década de 1930, diversas políticas de preservação do patrimônio foram
implantadas. Todas elas partindo do Estado, que também encontrou na cidade uma forma
de criar uma identidade nacional e reforçar sua ideia de nação. Mas diferente dos
modernistas, que na cidade destacaram seu valor estético e artístico do Barroco e do
colonial, o Estado encontra na Inconfidência Mineira a criação de um herói nacional.
Diversas práticas de preservação foram impostas a Ouro Preto, deixando sempre
sua população subordinada à uma visão externa idealizada. Ações diretas como a
homogeneização de fachadas ao estilo colonial, retirando marcas do neoclassicismo e
ecletismo, correntes típicas do século XIX, ceifando a memória social coletiva depositada
em lugares como o Largo do Coimbra foram práticas amplamente adotas na cidade. Neste
largo havia, durante o século XIX, um importante centro comercial e social, conhecido como
Mercado do Antônio Dias, uma edificação originalmente rústica de tropeiros (FIGURA 2) e
depois substituída por uma eclética (FIGURA 3), que na década de 1940 foi demolida para
“ressaltar” a contemplação da Igreja São Francisco de Assis e atualmente abriga a Feira de
Pedra Sabão (FIGURA 4). Desta forma, Ouro Preto viu o século XIX ser apagado da sua
cidade, sem qualquer respeito a sua memória local. 4
A história local, a intrincada teia de relações sociais, econômicas e culturais, que compõem a fisionomia de um lugar e a vida de uma cidade, desaparece, assim para dar lugar a um símbolo nacional idealizado. Não é de se estranhar, portanto, que também desapareça a ‘memorabilidade’ do lugar para a população local, sistematicamente excluída da formulação das políticas de preservação. No caso de Ouro Preto vamos assistir mesmo a curiosa inversão: o Estado assume a condição de ‘guardião local’ e o morador passa a ser visto como um opositor da preservação e um virtual transgressor. (CASTRIOTA, 2009, p.145-146)
2 CASTRIOTA, Leonardo Barci. Patrimônio cultural: conceitos, políticas, instrumentos. São Paulo: Annablume;
Belo Horizonte: IEDS, 2009. p. 131 – 132. 3 Ibidem, p. 136 – 141.
4 Ibidem, p. 143 – 146.
![Page 4: O LUGAR DO AUTOMÓVEL EM SÍTIOS COM INTERESSE DE ... · Valorização e Desenvolvimento de Ouro Preto e Mariana”, com uma grande equipe ... e a Lei de Uso e Ocupação do Solo](https://reader031.vdocuments.site/reader031/viewer/2022021808/5c48f92193f3c31436437921/html5/thumbnails/4.jpg)
4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro
FIGURA 2: Mercado da Freguesia de Antônio Dias, século XIX. Fonte: http://arquivopublicoop.blogspot.com.br/ (2015)
Figura 3: Ilustração do Mercado de Antônio Dias do início da década de
1940. Fonte: http://arquivopublicoop.blogspot.com.br/ (2015)
Figura 4: Feira de Pedra Sabão que atualmente ocupa o vazio deixado
pela demolição do Mercado do Antônio Dias. Fonte: Elis Furlan, abril 2014.
![Page 5: O LUGAR DO AUTOMÓVEL EM SÍTIOS COM INTERESSE DE ... · Valorização e Desenvolvimento de Ouro Preto e Mariana”, com uma grande equipe ... e a Lei de Uso e Ocupação do Solo](https://reader031.vdocuments.site/reader031/viewer/2022021808/5c48f92193f3c31436437921/html5/thumbnails/5.jpg)
4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro
Além dessa inversão indicada por Castriota, pode ser percebida a desarticulação da
ação dos três níveis de poderes – municipal, estadual e federal -, que muitas vezes tomam
posições antagônicas entre si e para com a sociedade ouro-pretana. Um exemplo, são
posições adotadas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e pela
Secretaria Municipal de Cultura e Patrimônio da Prefeitura Municipal de Ouro Preto para
aprovação de projetos arquitetônicos e fiscalização de reformas e mudanças nos edifícios
localizados no perímetro tombado da cidade. Assentada sobre princípios de valorização
estética dos padrões coloniais, as leis e regulamentos que orientam as ações desses órgãos
dificultam e, muitas vezes, impedem a adaptação física das edificações às demandas e
necessidades trazidas pelos modos de vida contemporâneos da sociedade, como, por
exemplo, a implantação de garagens, entre outros espaços.
Políticas públicas de preservação
No Brasil, as políticas públicas destinadas à cidade e sua urbanização começam a
ser institucionalizadas a partir da década de 1960 com a criação do Serviço Nacional de
Habitação e Urbanismo (SERFHAU) e o Banco Nacional da Habitação (BNH). Na
Constituição Federal de 1988, há a inclusão dos artigos 182 e 183 sobre a “Política Urbana”.
Em 1989, é proposto o Estatuto da Cidade, mas este só se transforma em lei em 2001 (Lei
nº 10.257, de 10 de julho de 2001). Um de seus capítulos é sobre o Plano Diretor, uma
ferramenta para auxiliar no planejamento e na gestão municipal. Desta forma, os governos
municipais passaram a ter responsabilidade direta sobre o desenvolvimento do Plano
Diretor, assim como estabelecer a Lei de Uso e Ocupação do Solo.5
Em janeiro de 2012, foi aprovada a Lei nº 12.587 que obriga os municípios com mais
de 20.000 habitantes, no prazo de três anos, a estabelecerem o Plano de Mobilidade
Urbana integrado ao Plano Diretor. Chamada de Política Nacional de Mobilidade Urbana,
tem como objetivo principal contribuir para o acesso universal a cidade, incentivando a
integração de políticas públicas e a promoção de uma cidade socialmente inclusiva e
voltada para a recuperação e conservação do habitat. Este Plano de Mobilidade deve estar
ainda de acordo com a Política Nacional de Participação Social de 2014, a qual promove a
participação da sociedade na gestão pública, já sendo um direito constitucional.6
5 PEÇANHA, Carolina F. Mobilidade urbana no município de Ouro Preto: um estudo de caso interdistrital e
diretrizes para a melhoria da qualidade nos deslocamentos. (Trabalho Final de Graduação) Universidade Federal de Ouro Preto - UFOP, 2014. p. 25 – 26. 6 Ibidem, p. 35.
![Page 6: O LUGAR DO AUTOMÓVEL EM SÍTIOS COM INTERESSE DE ... · Valorização e Desenvolvimento de Ouro Preto e Mariana”, com uma grande equipe ... e a Lei de Uso e Ocupação do Solo](https://reader031.vdocuments.site/reader031/viewer/2022021808/5c48f92193f3c31436437921/html5/thumbnails/6.jpg)
4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro
Na década de 1970, a Fundação João Pinheiro gerou o “Plano de Conservação,
Valorização e Desenvolvimento de Ouro Preto e Mariana”, com uma grande equipe
multidisciplinar, porém não implantado. O Plano Diretor de Ouro Preto foi decretado apenas
em 2006 (Lei Complementar nº 29 de 28 de dezembro de 2006) e a Lei de Uso e Ocupação
do Solo em 2011 (Lei Complementar nº 93 de 20 de janeiro de 2011) sob forte pressão do
Ministério Público e da UNESCO, devido a ameaça de perder o título de Patrimônio da
Humanidade.
Em março do ano passado, a prefeitura iniciou uma ação conjunta entre o IPHAN, o
Instituto de Mobilidade Sustentável Rua Viva e a Fundação Gorceix para elaboração do
Plano de Mobilidade Urbana. Ocorreram diversas reuniões públicas e uma página na
internet foi criada para ampliar a participação da população, porém o prazo estabelecido em
lei venceu em janeiro de 2015 e o plano ainda não foi concluído, assim como a revisão do
Plano Diretor, que têm prazo estabelecido em lei de 5 anos para ser revisado.
A regulamentação da preservação do patrimônio cultural brasileiro teve início com a
demanda dos intelectuais modernistas na década de 1920, com a criação da Inspetoria
Estadual de Monumentos Históricos de Minas Gerais em 1925, frente aos anseios da
Semana de Arte Moderna de 1922. Em 30 de novembro de 1937 é assinada por Getúlio
Vargas, então presidente do país, e Gustavo Capanema, então Ministro da Educação e da
Saúde, o decreto-lei nº 25 organizando a preservação do patrimônio histórico artístico
nacional, no mesmo ano em que o Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(IPHAN) foi criado. Em 1988, a Constituição Federal ampliou o decreto-lei nº 25 em seu
artigo 24, que promulgou a competência da proteção ao patrimônio histórico, cultural,
turístico e paisagístico compartilhada entre a União, os estados e os municípios, além de
definir o conceito de patrimônio:
Artigo 216: Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I – as formas de expressão; II – os modos de criar, fazer e viver; as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. (BRASIL. Constituição, 1988)
Em 21 de setembro de 1980, foi concedido à cidade o título de Patrimônio Cultural da
Humanidade pela UNESCO. E em 20 de outubro de 2010, o IPHAN lançou a Portaria nº 312
![Page 7: O LUGAR DO AUTOMÓVEL EM SÍTIOS COM INTERESSE DE ... · Valorização e Desenvolvimento de Ouro Preto e Mariana”, com uma grande equipe ... e a Lei de Uso e Ocupação do Solo](https://reader031.vdocuments.site/reader031/viewer/2022021808/5c48f92193f3c31436437921/html5/thumbnails/7.jpg)
4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro
que regulamenta as intervenções nas áreas protegidas em nível federal, além de resolver os
critérios para preservação do Conjunto Arquitetônico e Urbanístico de Ouro Preto. Esta
portaria e o Plano Diretor são hoje os principais geradores de conflito entre a população e as
instâncias de preservação, pois possuem olhares e posturas diferentes para um mesmo
objeto.
Enquanto que a Portaria nº 312 do IPHAN têm como foco a composição volumétrica,
a manutenção das faces de quadra e a indicação de materiais a serem utilizados para a
manutenção de um contexto de preexistência valorizado pelos processos de tombamento e
reconhecimento do valor do patrimônio edilício, o Plano Diretor e, principalmente, a Lei de
Uso e Ocupação do Solo possui um caráter mais quantitativo no que tange a taxa de
ocupação, coeficiente de aproveitamento, afastamentos, permeabilidade do solo e diretrizes
para o uso. Ambas as legislações criaram uma setorização do perímetro tombado. Desta
forma, o trecho analisado nesta pesquisa encontra-se tanto na Área de Preservação
Especial (APE) do IPHAN e quanto na Zona de Proteção Especial (ZPE) do poder municipal.
É relevante o caráter mais impositivo da Portaria, o que acaba ressaltando algumas
lacunas da Lei de Uso e Ocupação do Solo. Por exemplo, na Lei de Uso e Ocupação do
Solo, a Zona de Proteção Especial (ZPE) é o único zoneamento em que não é exigido vaga
de garagem e nem é definido a quota de unidade habitacional, ou seja, qualquer
empreendimento pode se abster da sua responsabilidade com o volume de tráfego gerado e
não há um controle sobre o adensamento populacional.
Para qualquer projeto ser executado no perímetro de tombamento de Ouro Preto é
necessário a aprovação tanto da instância federal quanto da municipal. A atual Secretaria
Municipal de Cultura e Patrimônio tomou a postura de centralizar o recebimento dos projetos
e assim encaminha-los internamente à secretária do IPHAN de Ouro Preto, reduzindo o
desgaste da população para os tramites da aprovação. Porém a aprovação continua sendo
avaliada separadamente por cada órgão. Ou seja, todo projeto está sujeito a ser aprovado
em uma instância e a ser reprovado na outra, o que acaba contribuindo para a percepção,
por parte da população, de que seu direito de propriedade é cerceado em nome da
preservação do patrimônio cultural.
Assim, atuam no mesmo perímetro de tombamento dois órgãos de preservação e
fiscalização, com legislações, setorizações e focos distintos sobre o mesmo objeto. E no
meio destes encontra-se a população local que não participou ativamente da composição
destas legislações e que não se reconhece nas políticas públicas de preservação.
![Page 8: O LUGAR DO AUTOMÓVEL EM SÍTIOS COM INTERESSE DE ... · Valorização e Desenvolvimento de Ouro Preto e Mariana”, com uma grande equipe ... e a Lei de Uso e Ocupação do Solo](https://reader031.vdocuments.site/reader031/viewer/2022021808/5c48f92193f3c31436437921/html5/thumbnails/8.jpg)
4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro
Ouro Preto e o automóvel: uma dinâmica em atrito
Não se pode negar que o automóvel é um símbolo da sociedade contemporânea.
Assim como cumpre uma função de transporte, sendo elemento importante no âmbito da
mobilidade urbana no Brasil, também se constitui como objeto de anseios pessoais,
vinculado até mesmo à ideia de realização individual e status nas sociedades
contemporâneas.
Em sua função essencial como meio de transporte, o automóvel é hoje fundamental
em Ouro Preto para a locomoção e acessibilidade da população por terrenos acidentados e
vias íngremes e estreitas, próprias de outras dinâmicas de uso dos espaços urbanos. O
transporte público na cidade, por sua vez, é reconhecido como insuficiente pela população,
concentrando-se apenas nas vias principais. Privilegia algumas regiões, mas desconsidera
os usuários de inúmeras outras, sobretudo nas zonas periféricas. Assim, com a
precariedade do transporte público, a cidade, por um lado, depende do uso de automóveis
particulares. Por outro lado, esse uso acarreta inúmeros problemas urbanos ligados ao
tráfego excessivo e ao volume de carros que circula na cidade.
Como em Ouro Preto, o papel do automóvel tem sido cada vez mais decisivo e
controverso no contexto das cidades brasileiras. O incentivo ao uso do automóvel e à
indústria automobilística no Brasil, vem ocorrendo desde a década de 1930, com a entrada
dos primeiros modelos da era fordista. Na década de 1950, com a política
desenvolvimentista de Juscelino Kubitscheck, houve um expressivo aumento da frota de
veículos de passeio, assim como de outros modelos, mas nada comparado à significativa
expansão atual, quando subsídios governamentais e redução de impostos aliados ao maior
poder aquisitivo do brasileiro possibilitaram enorme crescimento do mercado e da frota de
automóveis, causando imensos impactos nas grandes cidades e também nas pequenas e
médias. Em 2006, Ouro Preto possuía 15.012 veículos, em 2012 a frota contava com 26.184
veículos, já em 2013 esse número saltou para 27.858 veículos e em 2014 o total de veículos
emplacados no município foi de 29.155, ou seja, em nove anos praticamente dobrou a
quantidade de veículos transitando na cidade.7
Apesar da dependência do automóvel nos processos de mobilidade urbana e de seu
valor simbólico como agregador de diversos signos contemporâneos, a cidade de Ouro
Preto nega ao cidadão, muitas vezes, as condições para possuir esse bem, para mantê-lo e
abrigá-lo nas edificações do centro histórico. A necessidade e o desejo de ter um automóvel
7 PEÇANHA, 2014, p.102 – 116.
![Page 9: O LUGAR DO AUTOMÓVEL EM SÍTIOS COM INTERESSE DE ... · Valorização e Desenvolvimento de Ouro Preto e Mariana”, com uma grande equipe ... e a Lei de Uso e Ocupação do Solo](https://reader031.vdocuments.site/reader031/viewer/2022021808/5c48f92193f3c31436437921/html5/thumbnails/9.jpg)
4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro
traz inúmeras dificuldades ao cidadão ouro-pretano, uma vez que as restrições impostas
pelas leis e regulamentos da Prefeitura Municipal de Ouro Preto e pelo IPHAN são muitas.
Contudo, dentro das normas ou transgredindo-as, as edificações vão sendo
transformadas e modificam a cidade a partir de diferentes estratégias arquitetônicas. As
cidades históricas também precisam ser compreendidas como organismos vivos, que
precisam, por diferentes razões e de diferentes maneiras, inserirem-se no contexto atual
para suprir as necessidades e os anseios de seus habitantes. Neste sentido, cabe aqui
considerar que as cidades se constituem em suas dinâmicas sociais, elas são um reflexo do
seu tempo, da sua política, da sua ideologia e da sua sociedade.
[...] o território urbano é produtor e produto das relações sociais ali existentes num determinado momento do tempo, no qual a sociedade e cada indivíduo de per si, inscreve suas demandas, projetos, e estilo de viver, sentir e pensar. (HONORATO, p.86)
As vozes da cidade
Para a análise do uso e da guarda do automóvel em Ouro Preto delimitamos um
trecho oeste da estrada tronco abrangendo as ruas Alvarenga, Bernardo Guimarães, Getúlio
Vargas, São José, Conde de Bobadela, até a Praça Tiradentes. Esse trecho pertence a
Zona de Proteção Especial (ZPE) do Plano Diretor do município de Ouro Preto e a Área de
Preservação Especial (APE) do IPHAN, por possuir a maior parte do seu traçado original,
com edificações erguidas a partir do século XVIII. Desta forma, neste trecho foram
realizadas pesquisas de campo, de natureza qualitativa, direcionada para a compreensão da
relação entre sociedade e legislação vigente, reconhecendo práticas, tipologias e aspectos
técnico-construtivos, por meio de um levantamento fotográfico e entrevistas.
As entrevistas semiestruturadas, ou também conhecidas como semidiretivas ou
semiabertas, foram realizadas com profissionais da área de preservação patrimonial,
trabalhadores dos órgãos de preservação, como IPHAN e Secretária Municipal de Cultura e
Patrimônio de Ouro Preto, e moradores do trecho delimitado. Para tanto foi elaborado um
roteiro abordando três temáticas: garagens, legislação patrimonial e tráfego de veículos. A
princípio levantamos as edificações que possuíam garagens e quais as técnicas e suas
tipologias construtivas, para então compreender de que forma esses projetos foram e ainda
são aprovados de acordo com a legislação e os órgãos de preservação, e por último
questionamos acerca da percepção da conjuntura atual do tráfego na cidade. A partir destas
![Page 10: O LUGAR DO AUTOMÓVEL EM SÍTIOS COM INTERESSE DE ... · Valorização e Desenvolvimento de Ouro Preto e Mariana”, com uma grande equipe ... e a Lei de Uso e Ocupação do Solo](https://reader031.vdocuments.site/reader031/viewer/2022021808/5c48f92193f3c31436437921/html5/thumbnails/10.jpg)
4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro
direções as entrevistas tomaram rumos diversos e algumas das opiniões mais relevantes
estão destacadas aqui.
Iniciamos as entrevistas ouvindo técnicos dos órgãos de preservação atuantes em
Ouro Preto, em que, todos os entrevistados relataram uma “falta de pensamento coletivo da
população local”, a qual estaria sempre denunciando e mediando em causa própria. O
ENTREVISTADO 1 ressaltou que existe uma relação de amor e ódio entre a população e a
preservação patrimonial, que ao mesmo tempo em que as pessoas “adoram” o fato de
morarem numa cidade patrimônio elas também “odeiam” a mesma condição, pois acreditam
que seus direitos são cerceados a partir do tombamento.
A variação da ação e das posturas do IPHAN ao longo do tempo também foi um
tema muito abordado pelos entrevistados que atuam nesta instituição, alertando para que
não ocorressem anacronismos nas análises desenvolvidas, já que nos deparamos em
campo com intervenções aprovadas em diferentes períodos de atuação do órgão.
Os funcionários dos órgãos de preservação municipal também destacaram os pontos
em comum e contrassensos das legislações adotadas ao longo do tempo. Na verdade,
segundo o ENTREVISTADO 2, a Portaria nº 312 do IPHAN foi desenvolvida em conjunto
com o município para complementar a atuação deste e acabar com as divergências entre
IPHAN e prefeitura municipal. Porém, o que foi observado é que algumas atitudes
assumidas, principalmente pelo IPHAN, que é mais restritivo, acabam gerando contradições
de posturas dos órgãos atuantes e confundindo ainda mais a população local.
Dentre os entrevistados que moram no trecho delimitado e possuem abrigos para
seus veículos em suas residências, foram encontrados posicionamentos articulados a
diferentes níveis de compreensão das políticas públicas de preservação. Alguns desses
entrevistados são professores de ensino superior e entendem claramente o papel que cada
órgão desempenha e até mesmo seu próprio papel para a preservação da cidade como um
todo. Estes entrevistados não relataram problemas para aprovação do projeto de adaptação
ou reforma e nem problemas diretos com os órgãos de preservação. Porém os moradores
que não compreendem ao certo o papel dos órgãos, assim como as políticas patrimoniais,
demonstraram certo rancor com relação a estas instituições e um sentimento exacerbado de
cerceamento do seu direito de propriedade.
O relato mais enfático foi do ENTREVISTADO 5 que narrou a imensa dificuldade em
arrecadar fundos para a execução da obra de restauro do seu imóvel, primeiramente devido
ao custo elevado e também pela enorme burocracia para conseguir um empréstimo na
Caixa Econômica Federal pelo programa Monumenta - IPHAN. Ele expôs ter entrado em
![Page 11: O LUGAR DO AUTOMÓVEL EM SÍTIOS COM INTERESSE DE ... · Valorização e Desenvolvimento de Ouro Preto e Mariana”, com uma grande equipe ... e a Lei de Uso e Ocupação do Solo](https://reader031.vdocuments.site/reader031/viewer/2022021808/5c48f92193f3c31436437921/html5/thumbnails/11.jpg)
4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro
contato com o Ministério Público, o Corpo de Bombeiros e a imprensa, a fim de pressionar
os órgãos públicos para que um financiamento fosse concedido para a realização da obra.
As insatisfações em relação à postura do IPHAN foram várias e ficou claro a falta de
comunicação entre o órgão e a família dona do imóvel. Aquele é visto como cerceador de
direitos sobre o bem particular que deveria “pertencer apenas ao proprietário” e como a
instância “que só coloca entraves para a vida deste”. Diversas vezes, o entrevistado
enfatizou o quão ruim era ter uma casa tombada. O apreço pelo bem é percebido por meio
das memórias da família e da infância, na residência onde foi criada. Porém, um sentimento
de usurpação de direitos é apreendido quando um órgão externo decide “sobre seu bem,
dizendo o que deve ou não ser feito”.
Ao mesmo tempo, percebe-se que a própria família desconhecia a história da
edificação e sua importância como patrimônio para a humanidade. Muito menos
compreendiam o cuidado especial que deveriam ter com o material e a técnica usada para
construir a casa, já que o baldrame da estrutura sofreu torção devido a inserção de um
banheiro com técnicas construtivas inadequadas, colocando peso excessivo na peça
estrutural que torceu e quase se rompeu.
Duas exigências do IPHAN despertaram indignação no entrevistado: a recusa em
autorizar a modificação da escada que dá acesso à cozinha e a ordem para trocar a cor da
pintura das fachadas externas. A escada é original, em madeira de lei, com vedação em
pau-a-pique, porém os degraus são pequenos e estreitos, com espelhos altos, além da
madeira já estar desgastada com o uso, configurando uma escada perigosa, com registro de
acidentes, o que no entendimentod o ENTREVISTADO 5 justificaria sua reforma. Já as
cores da fachada, segundo esse entrevistado, eram cores comuns, que já haviam sido
indicadas no projeto aprovado e que não agrediam o entorno. Contudo, após a execução, o
IPHAN não aprovou a pintura e o entrevistado “foi obrigado a trocar as cores que ele queria
por cores que o mandaram pintar.”
Na residência do ENTREVISTADO 5 encontramos uma garagem ocupando um vazio
lateral do lote, em alvenaria de tijolos cerâmicos e coberta com telhas de fibrocimento
(FIGURA 5). Não conseguimos informação sobre o licenciamento dessa construção,
parcialmente oculta atrás de muro alto e implantada abaixo do chalé préexistente. Essa
solução evidenciaria, possivelmente, alguma acomodação entre exigências das instâncias
responsáveis pela preservação do patrimônio e demandas dos moradores locais (FIGURA
6).
![Page 12: O LUGAR DO AUTOMÓVEL EM SÍTIOS COM INTERESSE DE ... · Valorização e Desenvolvimento de Ouro Preto e Mariana”, com uma grande equipe ... e a Lei de Uso e Ocupação do Solo](https://reader031.vdocuments.site/reader031/viewer/2022021808/5c48f92193f3c31436437921/html5/thumbnails/12.jpg)
4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro
O impacto do trânsito pesado da Rua Alvarenga é tão grande que em apenas três
anos após o término do restauro, esse chalé já apresenta na fachada frontal diversas
rachaduras, fissuras, despreendimento de argamassa na fachada frontal, assim como um
dos quartos da fachada posterior apresenta enormes rachos e fissuras, possivelmente
devido às vibrações dos veículos. De fato, todos os levantamentos encontrados, realizados
pelo próprio poder público há mais de dez anos, indicam as consequências do trânsito
pesado: “O imóvel apresenta rachaduras e trincas que comprometem a conservação e
estrutura, abaladas ainda mais pelo trânsito intenso no local.”(PROJETO MUSEU ABERTO
– CIDADE VIVA, 2004). Mesmo com diversos laudos acerca deste problema o trânsito na
Rua Alvarenga torna-se a cada ano mais intenso, com a circulação de veículos pesados
como: ônibus e caminhões, além das inúmeras vans, automóveis e motocicletas.
Figura 5: Garagem ocupando o vazio do terreno do imóvel do
ENTREVISTADO 5 com materiais e técnicas construtivas inadequadas. Fonte: Elis Furlan, novembro de 2014.
Figura 6: Fachada do imóvel do ENTREVISTADO 5 localizado na Rua
Alvarenga com garagem ocupando o vazio do lote à direita da edificação. Fonte: Elis Furlan, outubro de 2014.
![Page 13: O LUGAR DO AUTOMÓVEL EM SÍTIOS COM INTERESSE DE ... · Valorização e Desenvolvimento de Ouro Preto e Mariana”, com uma grande equipe ... e a Lei de Uso e Ocupação do Solo](https://reader031.vdocuments.site/reader031/viewer/2022021808/5c48f92193f3c31436437921/html5/thumbnails/13.jpg)
4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro
Tipologias de garagens
Por meio da pesquisa de campo foi possível observar as dinâmicas da mobilidade
urbana local, assim como realizar um levantamento fotográfico e mapeamento do trecho
para caracterizar as tipologias de garagens encontradas. Foram levantadas cinco tipologias
principais de guarda de automóveis, excluindo - se a via pública.
Intitulamos a primeira tipologia como “fachada à vista” pois esta abrange as garagens
inseridas diretamente nas fachadas frontais das edificações. Essas garagens são facilmente
vistas e reconhecidas, podendo ser uma apropriação de porões de pé direito alto, ou apenas
uma implantação diferenciada no corpo da edificação, como exemplificada pela FIGURA 7.
A segunda tipologia foi chamada de “fachada não vista”, já que utiliza um recurso
singular, em que as garagens estão inseridas na edificação de forma cênica e, para tanto,
foram utilizados de artifícios materiais e estéticos que dificultam sua identificação à primeira
vista, como pode ser observada nas FIGURAS 8 e 9.
Figura 7: Garagem de “fachada à vista” no Largo
da Igreja de N. Sr.ª do Rosário Fonte: Elis Furlan, outubro de 2014.
![Page 14: O LUGAR DO AUTOMÓVEL EM SÍTIOS COM INTERESSE DE ... · Valorização e Desenvolvimento de Ouro Preto e Mariana”, com uma grande equipe ... e a Lei de Uso e Ocupação do Solo](https://reader031.vdocuments.site/reader031/viewer/2022021808/5c48f92193f3c31436437921/html5/thumbnails/14.jpg)
4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro
A terceira e mais recorrente tipologia foi a que chamamos de “lateral”, na qual a
garagem é localizada no recuo lateral das edificações, se utilizando de um vazio do lote,
como pode ser observado na FIGURA 6 apresentada anteriormente. A quarta tipologia
intitulamos de “fundo de lote”, já que estas garagens ocupam o vazio posterior dos lotes, e
sua a entrada, geralmente, dá-se por uma rua do outro lado da quadra. E a quinta tipologia
levantada seriam os “estacionamentos” de uso coletivo em grandes vazios, ou mesmo em
fundos de lotes.
As tipologias que ocupam o vazio dos lotes aproveitaram-se da implantação das
antigas edificações e de suas remanescentes áreas de quintais, herança do período
colonial, em que possuíam grande importância para a produção de alimentos, com o cultivo
de pomares e hortas, além de animais para o consumo, como galinhas e porcos. Nas áreas
Figuras 8 e 9: Tipologia de garagem na “fachada não vista” na Rua Alvarenga. Fonte: Elis Furlan, novembro de 2008 e outubro de 2014.
Figuras 10 e 11: Tipologia de “estacionamento” localizado no fundo do lote na Rua Conde de
Bobadela, mais conhecida como Rua Direita. Fonte: Elis Furlan, agosto de 2015 e http://media-cdn.tripadvisor.com/media/photo-p/05/5d/bc/e6/hotel-pousada-solar-da.jpg (2015)
![Page 15: O LUGAR DO AUTOMÓVEL EM SÍTIOS COM INTERESSE DE ... · Valorização e Desenvolvimento de Ouro Preto e Mariana”, com uma grande equipe ... e a Lei de Uso e Ocupação do Solo](https://reader031.vdocuments.site/reader031/viewer/2022021808/5c48f92193f3c31436437921/html5/thumbnails/15.jpg)
4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro
mais centrais de Ouro Preto, como na Rua Conde de Bobadela e Rua São José, esses
vazios foram praticamente extintos a medida que a população da cidade aumentava a partir
da metade do século XX, com o aumento da demanda de mão-de-obra para a indústria e a
mineração. Desta forma, os vazios foram ocupados por inúmeros “puxadinhos”, que são em
sua maioria anexos de baixo padrão, baixa qualidade técnica e sem concordância estética
com a própria edificação e a paisagem urbana. Frente a essas modificações que alteraram
diretamente a relação de cheios e vazios, modificando a paisagem urbana de Ouro Preto, o
IPHAN adotou medidas mais restritivas para as faixas que podem ser edificáveis.
Enquanto que nas áreas centrais a ocupação dos lotes, no final do século XX, se deu
a fim de abrigar um número maior de habitantes, nas regiões periféricas muitos quintais
também deram lugar a garagens e estacionamentos. Alguns lotes com saída de fundo para
outras vias e outros poucos com afastamento lateral suficiente, tiveram seus quintais
adaptados para abrigar um ou mais veículos. Muitas dessas garagens funcionam como
estacionamento para diversos familiares ou mesmo vizinhos. Encontramos também ao longo
de todo o trecho selecionado muitos casos de garagens adaptadas para a oferta de ponto
comercial, já que a especulação mobiliária em Ouro Preto elevou os custos de aluguel,
tornando-se uma fonte de renda para diversas famílias na cidade.
Dentre as tipologias levantadas não há a aplicação de técnicas retrospectivas de
construção ou mesmo coerência com as teorias de restauro e conservação de bens
tombados. Na ocupação do vazio dos lotes, na maior parte, o chão é concretado e há
apenas uma cobertura, em sua maioria, de telha de fibrocimento ou metálica.
Conclusões
Os resultados analisados têm por finalidade traçar caminhos que conduzam à
diminuição dos conflitos de interesse na cidade, oriundos das relações entre gestão pública
de preservação e bens imóveis privados tombados. A demanda de moradores do centro
histórico por alterações de suas casas para a guarda de veículos é apenas uma faceta de
um leque maior de insatisfações e incompatibilidades entre as demandas sociais de
adaptação das edificações e as normativas para que estas ocorram sem a
descaracterização do conjunto histórico tombado pela UNESCO.
De modo amplo, através da metodologia proposta, buscou-se ampliar o olhar sobre a
questão, sobre as fissuras neste relacionamento que produzem um sentimento de
engessamento e, até mesmo, de cerceamento do pleno direito de posse do proprietário,
![Page 16: O LUGAR DO AUTOMÓVEL EM SÍTIOS COM INTERESSE DE ... · Valorização e Desenvolvimento de Ouro Preto e Mariana”, com uma grande equipe ... e a Lei de Uso e Ocupação do Solo](https://reader031.vdocuments.site/reader031/viewer/2022021808/5c48f92193f3c31436437921/html5/thumbnails/16.jpg)
4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro
habitante da cidade histórica, como apreendido no relato do ENTREVISTADO 5. Em
contraposição, dentro dos órgãos gestores do patrimônio criou-se um sentimento de que o
proprietário é um “opositor da preservação e um virtual transgressor” (CASTRIOTA, 2009,
p.146). Desta forma, este estudo questiona a interação entre a sociedade que habita os
sítios históricos e o Estado, com suas políticas de preservação.
Os mecanismos tradicionais hoje utilizados, construídos ao longo dos séculos para a
preservação monumental no Ocidente, já não se mostram suficientes para documentar,
proteger e conservar o patrimônio edificado contemporaneamente, necessitando ser
permanentemente questionados e atualizados. Neste sentido, este estudo colabora para
revisões metodológicas neste campo, uma vez que há uma insuficiência em estudos que
lidem a questão patrimonial e social na ótica proposta.
Os dados obtidos confirmam a insuficiência dos espaços privados para a guarda de
automóveis na Zona de Proteção Especial do município. Estes, em muitos casos são
deixados nas vias públicas, gerando impactos urbanos.
Conclui-se ser necessário repensar as condições de mobilidade urbana para reduzir
o impacto dos automóveis no centro histórico de Ouro Preto. Faz-se também necessária
permanente revisão da legislação patrimonial, de modo a conciliar a preservação com as
transformações dos modos de vida atuais, buscando-se compatibilizar preservação e
desenvolvimento, agregando-se ao sítio tombado o valor de cidade real e viva, privilegiando-
se o olhar do habitante local como estratégia para preservação patrimonial mais sustentável.
Bibliografia
BRASIL. Constituição Federal, 1988.
_______. Decreto nº 22.928, de 12 de julho de 1933. Erige a cidade de Ouro Preto em
monumento nacional.
_______. Decreto-Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937. Organiza a proteção do patrimônio
histórico e artístico nacional.
_______. Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da
Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras
providências
![Page 17: O LUGAR DO AUTOMÓVEL EM SÍTIOS COM INTERESSE DE ... · Valorização e Desenvolvimento de Ouro Preto e Mariana”, com uma grande equipe ... e a Lei de Uso e Ocupação do Solo](https://reader031.vdocuments.site/reader031/viewer/2022021808/5c48f92193f3c31436437921/html5/thumbnails/17.jpg)
4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro
_______. Lei nº 12.587, de 3 de janeiro de 2012. Institui as diretrizes da Política Nacional de
Mobilidade Urbana.
CASTRIOTA, Leonardo Barci. Patrimônio cultural: conceitos, políticas, instrumentos. São
Paulo: Annablume; Belo Horizonte: IEDS, 2009.
________________________. Conservação e valores. In GOMES, Marco Aurélio A. de
Filgueiras, & CORRÊA, Elyane Lins (orgs.). Reconceituações contemporâneas do
patrimônio. Salvador: EDUFBA, 2011. p. 49-66.
GOMES, Marco Aurélio A. de Filgueiras, CORRÊA, Elyane Lins (Orgs.). Reconceituações
contemporâneas do patrimônio. Salvador: EDUFBA, 2011.p.9-19.
HONORATO, Cezar. Anotações Acerca da Questão Urbana Contemporânea. Passagens:
Revista Internacional de História Política e Cultura Jurídica. Rio de Janeiro: vol. 5, nº 1,
janeiro-abril, 2013, p. 84-101. Disponível em:
http://www.historia.uff.br/revistapassagens/artigos/v5n1a52013.pdf Acesso em maio de
2014.
INVENTÁRIO DE PROTEÇÃO DO ACERVO CULTURAL - ACERVO URBANO.
Levantamento: Márcia Câmara B. de Figueiredo e Greiza Tavares. Data: 20/06/13.
Elaboração: Greiza Tavares e Fernando Júnio Santos Silva (Histórico); Márcia Câmara
Bandeira de Figueiredo e Marianna Fernandes de Souza (Arquitetura e Urbanismo). Data:
11/10/13. Revisão: Débora da Costa Queiroz. s/d.
IPHAN. Portaria nº 312, de 20 de outubro de 2010. Dispõe sobre os critérios para a
preservação do Conjunto Arquitetônico e Urbanístico de Ouro Preto em Minas Gerais e
regulamenta as intervenções nessa área protegida em nível federal.
JEUDY, Henri-Pierre. Espelho das cidades. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2003.
LUCHEZI, Tatiana de Freitas. O Automóvel como Símbolo da Sociedade Contemporânea.
Disponível em:
http://www.ucs.br/ucs/tplVSeminTur%20/eventos/seminarios_semintur/semin_tur_6/gt03/arq
uivos/03/O%20Automovel%20como%20Simbolo%20da%20Sociedade%20Contemporanea.
pdf . Acesso em maio de 2014.
MINAYO, MC de S; DESLANDES, S F; GOMES, R (Org). Pesquisa social: teoria, método e
criatividade. Petrópolis: Ed. Vozes, 2012.
![Page 18: O LUGAR DO AUTOMÓVEL EM SÍTIOS COM INTERESSE DE ... · Valorização e Desenvolvimento de Ouro Preto e Mariana”, com uma grande equipe ... e a Lei de Uso e Ocupação do Solo](https://reader031.vdocuments.site/reader031/viewer/2022021808/5c48f92193f3c31436437921/html5/thumbnails/18.jpg)
4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro
MUNICÍPIO DE OURO PRETO. Lei Complementar nº 29, de 28 de dezembro de 2006.
Estabelece o Plano Diretor do Município de Ouro Preto.
____________. Lei Complementar nº 93, de 20 de janeiro de 2011. Estabelece normas e
condições para o parcelamento, a ocupação e o uso do solo urbano no Município de Ouro
Preto.
PASSOS, Sibele Fernanda de Paula. Projeto de Restauro do Chalé Localizado na Rua
Alvarenga n°733, Bairro Cabeças. Trabalho de Conclusão de Curso em Tecnólogo em
Conservação e Restauro - Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG), Ouro Preto, 2010.
(Orientador: Alexandre Mascarenhas)
PEÇANHA, Carolina Ferreira. Mobilidade urbana no município de Ouro Preto: um estudo de
caso interdistrital e diretrizes para a melhoria da qualidade nos deslocamentos. Trabalho de
Final de Graduação do Curso de Arquitetura e Urbanismo -Universidade Federal de Ouro
Preto (UFOP), Ouro Preto, 2014. (Orientadora: Karine G. Carneiro)
PROJETO MUSEU ABERTO – CIDADE VIVA: PESQUISA HISTÓRICA. Ficha de
levantamento histórico. Estagiário: Tiago Rodrigo Toffolo. Data da entrevista: 14/12/04.
Revisão: EQUIPE DE PESQUISA. Data: 20/02/2005.
RIBEIRO, Sandra Bernardes. Mobilidade e Acessibilidade Urbana em Centros Históricos.
(Cadernos Técnicos nº9). IPHAN: Brasília, 2014. Disponível em:
http://www.iphan.gov.br/baixaFcdAnexo.do?id=4838 . Acesso em novembro de 2014.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Vila Rica: formação e desenvolvimento, residências.
SãoPaulo: Perspectiva, 1977.