o livro ilustrado e a leitura na escola

165
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO Programa de Pós-Graduação Faculdade de Educação CAROLINA MONTEIRO SOARES VIAGENS LITERÁRIAS POR PALAVRAS E IMAGENS: O LIVRO ILUSTRADO E A LEITURA NA EDUCAÇÃO INFANTIL DO COLÉGIO PEDRO II RIO DE JANEIRO 2014

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Page 1: o livro ilustrado e a leitura na escola

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

Programa de Pós-Graduação – Faculdade de Educação

CAROLINA MONTEIRO SOARES

VIAGENS LITERÁRIAS POR PALAVRAS E IMAGENS: O LIVRO

ILUSTRADO E A LEITURA NA EDUCAÇÃO INFANTIL DO COLÉGIO

PEDRO II

RIO DE JANEIRO

2014

Page 2: o livro ilustrado e a leitura na escola

Carolina Monteiro Soares

VIAGENS LITERÁRIAS POR PALAVRAS E IMAGENS: O LIVRO

ILUSTRADO E A LEITURA NA EDUCAÇÃO INFANTIL DO COLÉGIO

PEDRO II

Dissertação de Mestrado apresentada ao

Programa de Pós-Graduação em

Educação, Faculdade de Educação,

Universidade Federal do Rio de Janeiro,

como parte dos requisitos necessários à

obtenção do título de Mestre em

Educação.

Orientadora: Professora Drª Patrícia Corsino

Rio de Janeiro

2014

Page 3: o livro ilustrado e a leitura na escola

S676 Soares, Caro lina Monteiro

Viagens literárias por palavras e imagens: o livro ilustrado e a

leitura na educação infantil do Colég io Pedro II / Carolina Monteiro

Soares. 2014

167 f.: il.

Orientadora: Profa. Dr

a. Patrícia Corsino.

Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio de Janeiro,

Faculdade de Educação, Programa de Pós -Graduação em Educação,

2014.

1. Educação Pré-escolar. 2. Leitura literária. 3. Livros ilustrados. I.

Corsino, Patrícia. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Faculdade de Educação.

CDD: 372. 21

Page 4: o livro ilustrado e a leitura na escola
Page 5: o livro ilustrado e a leitura na escola

Ao meu grande companheiro, parceiro de todas as horas, por ter agüentado firme,

cuidando dos nossos pequenos, nessa caminhada árdua.

Aos meus pais, Francisco e Maria da Conceição, retribuo todo o afeto e cuidado.

Page 6: o livro ilustrado e a leitura na escola

AGRADECIMENTOS

À Professora Patrícia Corsino, querida orientadora, pelo afeto e confiança no meu

trabalho mas, principalmente, por partilhar sempre suas experiências tão valiosas.

À Professora Adriana Fresquet pelo carinho e incentivo, pelas trocas e observações

feitas no Exame de Qualificação.

À professora Ludmila Andrade, pelos apontamentos relativos ao exame de projeto.

Às colegas do grupo de pesquisa, pelas trocas constantes e incentivo, nesta dura

caminhada.

À Denise Rezende pela amizade e por sempre acreditar em mim.

À Wânia, amiga querida, pelas longas conversas e apoio constante e, ao seu marido

Sérgio, por preparar o mais delicioso café da manhã dos últimos dois anos.

Aos professores do Programa de Pós-Graduação da UFRJ pela oportunidade de

aprender sempre mais.

À Solange e todos os funcionários da Secretária da Pós-Graduação que sempre se

mostraram disponíveis.

À Luciana e Flávia por terem aberto o espaço da sala de aula para a realização deste

trabalho e pelos diálogos constantes.

Às crianças da turma 33, pesquisadoras sempre entusiasmadas.

À minha cunhada querida, Beth, por ajudar a cuidar dos meus pequenos sempre que

precisei.

À Mariana e Fernando, irmãos amados, por terem escolhido fazer parte da minha vida.

À minha amora Anna Clara, ao João Pedro, José Miguel e Ana Beatriz, sobrinhos

queridos.

Ao Roberto, o segundo pai que a vida me presenteou, por seus ensinamentos sem fim.

Ao querido Henrique, pela generosidade com que compartilha suas experiências

valiosas.

Ao Eduardo, parceiro de todas as horas, amor de tempos remotos, que (re) encontrei

para construir uma outra história.

Aos meus filhos, pela alegria e pelo amor que brota por todos os poros.

A luz que me guia.

Aos caminhos que se abrem.

Ao novo ciclo que se anuncia.

Page 7: o livro ilustrado e a leitura na escola

O meu avô sempre me dizia que a melhor parte da vida haveria de ser ainda um

mistério e que o importante era viver procurando.

Eu sei hoje que ele queria dizer que a cada um de nós cabe fazer um esforço para

ser melhor, fazer melhor, cuidar melhor de nós próprios e dos outros. A cada um cabe a

obrigação de cuidar do mundo, porque o mundo é um condomínio enorme onde todos

temos casa.

O meu avô queria dizer que não devemos ficar parados à espera de que algo

aconteça. A magia de estarmos vivos vem da possibilidade de fazermos acontecer.

Walter Hugo Mãe

Page 8: o livro ilustrado e a leitura na escola

RESUMO

MONTEIRO-SOARES, Carolina. Viagens literárias por entre palavras e imagens: o livro

ilustrado e a leitura na Educação Infantil do Colégio Pedro II. Dissertação (Mestrado em

Educação). Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de

Janeiro, 2014.

Este trabalho insere-se na pesquisa institucional “Infância, linguagem e escola: a leitura literária

em questão”, do Programa de Pós Graduação em Educação - PPGE-UFRJ. Tem como tema a

leitura do livro ilustrado na Educação Infantil. O livro ilustrado é uma produção literária caracterizada por apresentar-se como um entregênero que traz uma intersemiose entre a

linguagem verbal e visual. É um livro que exige uma leitura que articule as narrativas verbal e

visual. Uma produção que suscita indagações: Como se dá a leitura de livros ilustrados, em

turmas de crianças de 5 e 6 anos de idade, na escola?Como crianças e professores lêem o livro ilustrado no coletivo de uma turma de pré-escola? A presente dissertação tem como objetivo

conhecer e analisar as relações que as crianças de uma turma de pré-escola, do Colégio Pedro II,

estabelecem com e a partir da leitura do livro ilustrado na escola. Os estudos de Bakhtin (2003, 2011), Benjamin (1984, 1994) sustentam as concepções de linguagem e de sujeito, assim como

questões metodológicas de pesquisa. O desafio de fazer pesquisa com crianças (PEREIRA e

MACEDO, 2012; CORSARO, 2005) levou à realização de observação participante, com registros fotográficos, em áudio, vídeo e em caderno de campo, conversas informais e entrevistas com as

professores. Corsino (2003, 2012), Lajolo (2004), Zilberman (2003), Silva (2009) Candido

(2011), entre outros, são os interlocutores do campo da literatura e da leitura literária. Belmiro

(2012, 2014), Linden (2011), Nikolajeva &Scott (2011), Oliveira (2006, 2009), Ramos (2011) e Hanning, Moraes e Paraguassú (2012) dão suporte para discutir ilustração e o livro ilustrado, em

particular. A dissertação foi organizada em introdução, quatro capítulos e considerações finais.

No primeiro capitulo são apresentados os referenciais teórico-metodológicos da pesquisa; no segundo, é feito um breve histórico da relação entre texto escrito e ilustração na literatura infantil,

percorrendo as contribuições da pintura à ilustração, até chegar à literatura infantil

contemporânea e ao livro ilustrado; no terceiro capítulo, é feita a contextualização do campo

pesquisado, enfatizando os espaços-tempos da Educação Infantil na instituição e o trabalho de leitura realizado na turma investigada; no quarto capítulo, são analisados quatro livros ilustrados a

partir da leitura com e para as crianças. Os resultados da pesquisa apontam que a leitura coletiva

do livro ilustrado, que geralmente é endereçado a diferentes idades e experiências (“dupla audiência”), exige uma leitura não apenas em diferentes níveis(do adulto leitor experiente e da

criança observadora) mas também não linear, na qual imagens e palavras se somam a gestos,

corpo, voz, olhares e se desdobram em brincadeiras, desenhos, dramatizações que partilham o sensível (RANCIÈRE, 2009). A intersemiose entre a linguagem verbal e visual supõe a

articulação entre metáforas na qual uma diz sem mostrar e outra mostra sem dizer. O livro

ilustrado provoca uma leitura entre brechas que suscita perguntas das crianças e também

movimento, liberdade de expressão que inclui palavras e corpo,confronto entre pontos de vista diversos, escuta e rompimento de tutelas. Tudo isso depende de uma mediação dialogada e traz

indagações para pensar o trabalho com a leitura literária na Educação Infantil.

Palavras – chave: livro ilustrado, linguagem, leitura literária, infância, Educação Infantil.

Page 9: o livro ilustrado e a leitura na escola

ABSTRACT

MONTEIRO-SOARES, Carolina. Literary journeys among words and images: the

illustrated book and reading at childhood education of the Colégio Pedro II.

Dissertation (Master of Education). Faculty of Education, Federal University of Rio

de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014.

This work is part of the institutional research "childhood, language and school: the literary

reading in question", the program of graduate studies in education-PPGE-UFRJ. It has as theme the reading of the illustrated book in early childhood education. The illustrated book

is a literary production characterized by presenting itself as a between genre that brings an

intersemiosis between the verbal and visual language. It is a book that requires a reading in

order to articulate the verbal and visual narratives. A production that raises questions: How does the reading of illustrated books take place in groups of children of 5 and 6 years old at

school? How do children and teachers read the illustrated book in a collective class of

preschool? The present dissertation aims to analyze the relationships that children of a preschool class, of the Colégio Pedro II, establish with and from reading the illustrated

book in school. Bakhtin studies (2003, 2011), Benjamin (1984, 1994) support the

conceptions of language and subject, as well as methodological issues of research. The

challenge of doing research with children (PEREIRA and MACEDO, 2012; CORSARO, 2005) led to the realization of participant observation, with photographic records, in audio,

in video and in field notebook, informal conversations and interviews with the teachers.

Corsino (2003, 2012), Lajolo (2004), Zilberman (2003), Silva (2009) Candido (2011), among others, are the interlocutors in the field of literature and literary reading. Belmiro

(2012, 2014), Linden (2011), Nikolajeva & Scott (2011), Oliveira (2006, 2009), Ramos

(2011) and Hanning, Moraes e Paraguassú (2012) support to discuss illustration and illustrated book, particularly. This dissertation is organized into introduction, four chapters

and concluding remarks. Theoretical and methodological framework of the research are

presented in the first chapter , in the second a brief history of the relationship between

written text and illustration in children's literature , covering contributions from painting to illustration, to reach the contemporary children's literature and illustrated book, in the third

chapter, the context of the researched field is made, emphasizing the time-spaces of early

childhood education in the institution and the work carried out in reading class investigated , in the fourth chapter , four illustrated books are analyzes from the reading with and to

children . The survey results indicate that collective reading picture book, which is usually

addressed to different ages and experiences ("dual audience"), requires a reading not only at different levels (adult skilled reader and observer of the child) but also non-linear, in which

images and words add up to gestures, body, voice, looks which unfold in jokes, cartoons,

dramas that share sensitive (Rancière, 2009). The intersemiosis between the verbal and

visual language implies the articulation of metaphors in which one says but does not show and other shows without saying. The illustrated book causes a reading between gaps that

raises questions of children and also movement, freedom of expression which includes

words and body, confrontation among different viewpoints, listening and disruption of guardianships. All this depends on mediation through dialogue and brings questions to

think about working with literary reading in early childhood education.

Keywords: illustrated book, language, literary reading, childhood, early childhood

education.

Page 10: o livro ilustrado e a leitura na escola

ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES

Ilustração 1 Orbis pictus de Amos Comenius, de 1658

Ilustração 2 “Bilder-buch für Kinder”, 1792

Ilustração 3 “Contos da Mamãe Ganso”, Perrault

Ilustração 4 “O Tigre”, de William Blake

Ilustração 5 “O Livro da Inocência”, Edward Lear, 1862

Ilustração 6 “As metamorfoses do dia”, Ignace-Isidore Grandville, 1869

Ilustração 7 “Antigo Bumblehead, Napoleão experimentando botas”, 1823, de George

Cruikshank

Ilustração 8 Detalhe da seção principal, mostrando o Fairy-Feller prestes a cortar a

porca, de Richard Dadd [sd]

Ilustração 9 “O Nascimento de Vênus”, 1879, de William Bouguereau

Ilustração 10 “Esopo” (fábulas em verso, por WJ Linton), ilustrações por Walter Crane,

1887

Ilustração 11 “A Árvore Encantada”, Ricard Doyle, 1870

Ilustração 12 “João Felpudo”, Heinrich Hoffmann, 1853

Ilustração 13 “A Frog he would a woo-ing go”, Randolph Caldecott, 1948

Ilustração 14 “Gedeão”, Benjamin Rabier, 1920

Ilustração 15 “A história de Babar’, Jean de Brunhoff, 1931

Ilustração 16 “Onde vivem os monstros”, Maurice Sendak, 1963

Ilustração 17 “João e Maria”, Kveta Pacovská, Cosac & Naify, 2010

Ilustração 18 “Flicts”, Ziraldo, 1969 (capa)

Ilustração 19 “Flicts”, Ziraldo, 1969 (página dupla)

Ilustração 20 “Ossos do ofício”, Roger Mello, 2009

Ilustração 21 “Obax”, André Neves, BrinqueBook, 2010

Ilustração 22 “Lampião e Lancelote”, Fernando Vilela, 2006

Ilustração 23 “Espelho”, Suzy Lee, 2010

Ilustração 24 “Dado sempre acordado”, Michael Wright (capa)

Ilustração 25 “Dado sempre acordado”, Michael Wright (página dupla)

Ilustração 26 “Pedro e Lua” – título e capa

Ilustração 27 “Pedro e Lua” – composição: guardas, capa e quarta capa

Ilustração 28 “Pedro e Lua” – página dupla

Page 11: o livro ilustrado e a leitura na escola

Ilustração 29 “Pedro e Lua” – página dupla

Ilustração 30 “Pedro e Lua” – página dupla

Ilustração 31 “O menino, o cachorro” (capa/ quarta capa)

Ilustração 32 “O cachorro, o menino” (capa/ quarta capa)

Ilustração 33 “O cachorro, o menino” (Il.)

Ilustração 34 “O cachorro, o menino” (Il.)

Ilustração 35 “O cachorro, o menino” (Il.)

Ilustração 36 “O cachorro, o menino” (Il.)

Ilustração 37 “O cachorro, o menino” (página dupla)

Ilustração 38 “Raposa” (página dupla)

Ilustração 39 “Raposa” (montagem)

Ilustração 40 “Raposa” (página dupla)

Ilustração 41 “Raposa” (página dupla)

Ilustração 42 “Raposa” (capa)

Ilustração 43 “Raposa” (página dupla)

Page 12: o livro ilustrado e a leitura na escola

ÍNDICE DE QUADROS, SEQUÊNCIAS DE IMAGENS E DESENHOS

Quadro 1 Seleção de livros ilustrados segundo categoria da FNLIJ e PNBE – 2003-

2013

Sequência 1 Leitura do livro “Raposa” – enunciação gráfica

Sequência 2 Ilustrações do livro “Onde vivem os monstros” – plano e enquadramento

Sequência 3 “Onde vivem os monstros” (página dupla)

Sequência 4 Leitura de “Onde vivem os monstros”- expressões faciais e corporais,

gestos, sons e silêncios

Sequência 5 Reverberações da leitura de “Onde vivem os monstros”

Sequência 6 Leitura de “O menino, o cachorro”

Desenho 1 “Monstro-Hulk”

Desenho 2 “Draculaura”

Desenho 3 “Monstro-Garra”

Desenho 4 “Monstro Optimus Prime”

Page 13: o livro ilustrado e a leitura na escola

ÍNDICE DE FOTOGRAFIAS

Fotografia 1 Criança investigando a câmera

Fotografia 2 Criança investigando a câmera

Fotografia 3 Entrada do prédio da Educação Infantil

Fotografia 4 Entrada do prédio da Educação Infantil

Fotografia 5 Entrada do prédio da Educação Infantil

Fotografia 6 Entrada do prédio da Educação Infantil

Fotografia 7 Casa de Madeira

Fotografia 8 Casa de Madeira

Fotografia 9 Casa de Madeira

Fotografia 10 Brincadeira no pátio

Fotografia 11 Brincadeira no pátio

Fotografia 12 Pátio externo – área descoberta

Fotografia 13 Pátio externo – área coberta

Fotografia 14 Pátio externo – área descoberta

Fotografia 15 Pátio externo – área descoberta

Fotografia 16 Estante de brinquedos e material de uso coletivo da sala

Fotografia 17 Estante de brinquedos e material de uso coletivo da sala

Fotografia 18 Canto da leitura da sala

Fotografia 19 Crianças lendo – canto da leitura

Fotografia 20 Crianças lendo – canto da leitura

Fotografia 21 Estante de brinquedos diversos da sala

Fotografia 22 Canto de brinquedos da sala

Fotografia 23 Trabalhos nas paredes da sala de aula

Fotografia 24 Disposição das mesas na sala de aula

Fotografia 25 Crianças trabalhando nos “cantos”

Fotografia 26 Crianças fazendo trabalho coletivo

Fotografia 27 Crianças brincando no pátio interno

Fotografia 28 Crianças brincando no pátio interno

Fotografia 29 Varal de “plaquinhas” do planejamento

Fotografia 30 Trabalho diversificado – pintura

Fotografia 31 Trabalho diversificado – jogo

Page 14: o livro ilustrado e a leitura na escola

Fotografia 32 Momento de “livre escolha”

Fotografia 33 Momento de “livre escolha”

Fotografia 34 Momento de “livre escolha”

Fotografia 35 Músicas sobre a mandioca

Fotografia 36 Texto coletivo da narrativa do vídeo de animação “João e o pé de

macaxeira”

Fotografia 37 Texto coletivo a partir da “Lenda da Mandioca”

Fotografia 38 Confecção de jogo de trilha a partir da Lenda da Mandioca

Fotografia 39 A professora finalizou a confecção do jogo, após ter feito cada etapa

junto com as crianças

Fotografia 40 Trabalho nos “cantos” - pintura de pratos de papelão – “Lenda da Vitória

Régia”

Fotografia 41 Produção final - pintura de pratos de papelão – “Lenda da Vitória Régia”

Fotografia 42 Exposição dos trabalhos na sala e registro coletivo – Lenda da Vitória

Régia.

Fotografia 43 Vídeo da “Lenda do Guaraná”

Fotografia 44 Crianças assistindo ao vídeo da “Lenda do Guaraná”

Fotografia 45 Leitura de um livro de literatura infantil – professora Laura (mediadora)

Fotografia 46 Leitura de um livro de literatura infantil – professora Fernanda

(mediadora)

Fotografia 47 Crianças lendo – “Dado sempre acordado”

Fotografia 48 Lançamento da Ciranda Literária

Fotografia 49 Reconto da história – Ciranda Literária

Fotografia 50 Reconto da história – Ciranda Literária

Fotografia 51 Ciranda Literária

Fotografia 52 Ciranda Literária

Fotografia 53 Sala de Leitura – estantes de livros

Fotografia 54 Sala de Leitura – espaço de leitura

Fotografia 55 Sala de Leitura – classificação do acervo

Fotografia 56 Sala de Leitura – classificação do acervo

Fotografia 57 Sala de Leitura – estante de livros

Fotografia 58 Crianças lendo na Sala de Leitura

Fotografia 59 Crianças lendo na Sala de Leitura

Page 15: o livro ilustrado e a leitura na escola

Fotografia 60 Crianças lendo na Sala de Leitura

Fotografia 61 Crianças lendo na Sala de Leitura

Fotografia 62 Professora lendo com e para as crianças lendo na Sala de Leitura

Fotografia 63 Professora lendo com e para as crianças lendo na Sala de Leitura

Fotografia 64 Criança lendo na Sala de Leitura

Fotografia 65 Leitura – “Pedro e Lua”

Fotografia 66 Leitura – “Pedro e Lua”

Fotografia 67 Leitura – “Pedro e Lua”

Fotografia 68 Leitura – “Pedro e Lua”

Fotografia 69 Leitura – “Onde vivem os monstros”

Fotografia 70 Leitura – “Raposa”

Fotografia 71 Leitura – “Raposa”

Page 16: o livro ilustrado e a leitura na escola

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO. 20

1. DESVENDANDO MISTÉRIOS - DESAFIOS, LIMITES E

POSSIBILIDADES DA PESQUISA

24

1.1 Mapeando as pesquisas acerca do livro ilustrado - uma revisão bibliográfica 24

1.2 Desafios da pesquisa 32

1.3 Limites e possibilidades da pesquisa – procedimentos metodológicos 37

1.4 Livros ilustrados: critérios de escolha 39

1.5 Contribuições da filosofia da linguagem em Bakhtin e Benjamin 41

2. PONTOS DE PARTIDA: UMA BREVE HISTÓRIA DO LIVRO

INFANTIL

45

2.1 Literatura infantil contemporânea - o livro ilustrado 53

2.2 Práticas de leitura: suportes e mediações 63

3. CONTEXTUALIZANDO O CAMPO 67

3.1 Espaços-tempos na/ da Educação Infantil do Colégio Pedro II 68

3.2 A turma investigada – os sujeitos da pesquisa 73

3.2.1 A sala de atividades 76

3.2.2 Cotidiano da turma pesquisada 79

3.2.3 Trabalho nos “cantos” 80

3.2.4 Trabalho por projetos 82

3.2.5 Centros de interesse 86

3.3 A Literatura infantil na Educação Infantil do Colégio Pedro II 87

3.3.1 “Contação de histórias” 87

3.3.2 Ciranda Literária 90

3.3.3 Sala de Leitura 94

3.4 O projeto de implantação da Educação Infantil no Colégio Pedro II 97

4. O LIVRO COMO PASSAPORTE, BILHETE DE PARTIDA: UMA

CARTOGRAFIA DA LEITURA DO LIVRO ILUSTRADO NA ESCOLA

99

Page 17: o livro ilustrado e a leitura na escola

4.1 “A cabeça dele é na lua?” – a dupla audiência em “Pedro e Lua” 101

4.2 “A gente dá ‘pra’ entrar no livro também?” – “Onde vivem os monstros” por

uma leitura entre aquilo que é e aquilo que não é

114

4.3 “Eu queria ter um cachorro, mas pena que o meu pai vai me dar um

passarinho” – “O menino, o cachorro” e a partilha do sensível

129

4.4 “Eu queria que a raposa fosse do bem” – “Raposa” entre modos de ver e

modos de ler, o dizer

135

Considerações finais – O livro ilustrado e a leitura na escola 143

Referências Bibliográficas 151

Obras Literárias 155

ANEXO

Page 18: o livro ilustrado e a leitura na escola

INTRODUÇÃO

Há que buscar a si mesmo na experiência do outro e

interar-se dela. Tal movimento atenua as fronteiras, e a

palavra fertiliza o encontro (QUEIRÓS, 2012, p. 61).

Inicio esta dissertação, que tem como tema de estudo a leitura do livro ilustrado

na escola, trazendo a epígrafe de Queirós (2012), que contribui para pensar a proposta

expressa desde o título deste trabalho: as viagens literárias. Voltamos nosso olhar às

viagens incontáveis e imprevisíveis as crianças são expostos, quando vivenciam

experiências por entre palavras e imagens, atenuando fronteiras e fertilizando os

encontros.

Recordo que, desde pequena, os livros povoaram meu imaginário. As ilustrações

sempre se somavam às experiências estéticas propiciadas pela linguagem literária.

Gostava de imaginar que eu era a própria Emília, personagem de Monteiro Lobato, me

pintava, me vestia e criava mil e uma estripulias, dançando ao som contagiante da

boneca de pano, na voz de Baby Consuelo. A cada capítulo narrado pela voz doce de

minha mãe, me via imersa num universo de magia, onde era possível penetrar no mundo

imagético e chegar até lugares impensáveis!

Essas e outras aventuras eram vividas franca e verdadeiramente. Hoje as

lembranças de eu-menina reverberam nas experiências que me constituem enquanto

sujeito de minha própria história, especialmente como profissional e pesquisadora, que

me tornei num constante fazer e refazer, fluxo interminável que interfere nos modos de

ser e estar entre as crianças.

Este trabalho tem um pouco destes sentimentos e insere-se na pesquisa

institucional “Infância, linguagem e escola: a leitura literária em questão”, desenvolvida

no Laboratório de Estudos de Linguagem, Leitura, Escrita e Educação (LEDUC), do

Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro,

PPGE/ UFRJ, coordenada pela Professora. Drª. Patrícia Corsino.

O trabalho começa a partir do texto literário na escola, explorando seu aspecto

ético-estético, preocupado com a formação de leitores que interagem, se expressam e

dialogam com e a partir do livro de literatura têm conduzido minha experiência

profissional e acadêmica. E, antes de introduzir o objeto de estudo da dissertação, faço

uma breve ponte entre minha trajetória acadêmica e a pesquisa, de modo a explicitar

minhas escolhas.

Page 19: o livro ilustrado e a leitura na escola

Cheguei à Universidade Federal do Rio de Janeiro através do Curso de

Especialização Saberes e Práticas da Educação Básica – CESPEB – “Alfabetização,

Leitura e Escrita”, com o intuito de (re) significar meu trabalho cotidiano de professora

alfabetizadora, buscando referenciais teóricos para fundamentar práticas produzidas

com e para crianças de turmas de Educação Infantil e anos iniciais do Ensino

Fundamental. No decorrer do curso, percebi que a relação entre literatura infantil e

escola já representava uma temática relevante no meu fazer pedagógico.

As inquietações se ampliaram à medida que observava que os espaços de

circulação do livro na escola eram pouco utilizados pelos professores com suas turmas;

que o acervo literário adquirido para cada grupo/ano, no trabalho realizado em sala de

aula, geralmente não era baseado em critérios de escolha discutidos previamente e nem

consideravam a dimensão estética, que a literatura, a arte da palavra, poderia propiciar

e; por fim, observava que a literatura infantil ocupava posição secundária, na maioria

das vezes trabalhada fora de seu suporte, o livro.

Na monografia de especialização - intitulada “A literatura infantil na

alfabetização: Chapeuzinho Vermelho e os caminhos das agulhas e dos alfinetes”-,

produzi um relato da própria prática, registrando a experiência com e a partir da

literatura infantil, realizada com uma turma de alfabetização, de uma instituição pública

de ensino, onde entrelacei as teorias ao projeto literário desenvolvido com o grupo de

crianças.

No mestrado, com o objetivo de dar continuidade aos estudos acerca da literatura

na escola, me inseri no grupo de pesquisa supracitado e me dediquei a pensar em

possibilidades de leitura e interação das crianças com e a partir do livro ilustrado,

produção contemporânea que vêm ganhando notabilidade no mercado editorial,

ocupando espaço significativo nas prateleiras de livrarias e chegando às bibliotecas

escolares por meio dos programas de livro e leitura existentes em diferentes esferas

públicas, como é o caso do Programa Nacional da Biblioteca na Escola1 - PNBE.

Este estudo apoia-se em diferentes autores, que discutem infância, linguagem e

leitura. Corsino (2003, 2012), Lajolo (2004), Zilberman (2003), Silva (2009)

1 No âmbito do governo federal, destaca-se o PNBE – Programa Nacional da Biblioteca na Escola,

desenvolvido desde 1997, como objetivo de promover o acesso à cultura e o incentivo à leitura dos alunos

e professores por meio da distribuição de acervos de obras de literatura, de pesquisa e de referência. O

atendimento é feito em anos alternados: em um ano são contempladas as escolas de Educação Infantil de

Ensino Fundamental (anos iniciais) e de educação de jovens e adultos. Já no ano seguinte são atendidas as

escolas de Ensino Fundamental (anos finais) e de Ensino Médio. Hoje, o Programa atende de forma

universal e gratuita todas as escolas públicas de Educação Básica cadastradas no Censo Escolar

(http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=12368&Itemid=575).

Page 20: o livro ilustrado e a leitura na escola

contribuem para pensar limites e possibilidades da relação entre literatura infantil e

escola. Cândido (2011) apresenta questões para pensar o caráter humanizador conferido

à literatura, com dimensão estética transformadora. Belmiro (2012, 2014), Linden

(2011), Nikolajeva & Scott (2011), Ramos (2011) e, Moraes, Hanning e Paraguassú

(2012) discutem o livro ilustrado, entendido mais do que como um livro com imagens

ou de imagem, já que se organiza enquanto narrativa imagético-verbal. Uma produção

editorial que mantém uma relação de interdependência entre linguagem verbal e visual,

que altera as possibilidades e ampliações que o texto verbal, especialmente o literário,

pode suscitar, (re) significando, inclusive, a relação entre autor/ilustrador e projeto

gráfico.

O livro ilustrado é uma proposta que congrega diferentes gêneros – literários,

informativos – e sugere um diálogo, como afirma Belmiro (2012) entre os modos de dizer

suscitados pelas ilustrações, como apontam Oliveira (2008, 2009); Lee (2012); Ramos

(2011) e os modos de ver o dizer, proposto pela narrativa verbal escrita.

A leitura do livro ilustrado traz questões para se pensar a relação entre infância e

leitura e, Benjamin (1984, 1994), ajuda a pensar a linguagem sob uma perspectiva

filosófica e histórica, deixando algumas pistas para compreender a experiência na

contemporaneidade, já que a “história é objeto de uma construção cujo lugar não é o

tempo homogêneo e vazio, mas um tempo saturado de ‘agoras’” (BENJAMIN, 1994, p.

229). Assim como Benjamin, o filósofo russo Mikhail Bakhtin (2011) concebe a

linguagem na sua dimensão expressiva e constituinte do sujeito e fundamenta também

este trabalho.

Esta pesquisa inscreve-se no âmbito da produção de conhecimento em Ciências

Humanas e, para isso nos valemos da abordagem histórico-cultural (FREITAS, 2010)

como fundamento teórico- metodológico de pesquisa, uma vez que, são os sujeitos em

toda a sua expressividade que objetivamos descrever e compreender (BAKHTIN, 2011).

Contudo, assumimos o desafio de fazer pesquisa com crianças (PEREIRA e MACEDO,

2012; CORSARO, 2005, 2009) e, tendo-as como sujeitos desta investigação, realizamos

observação participante, com descrição detalhada da cultura do grupo estudado, registros

fotográficos, em áudio, vídeo e em caderno de campo, mas também conversas informais e

entrevistas narrativas com os professores e crianças.

A pesquisa de campo foi realizada em um dos Campi do Colégio Pedro II. Duas

motivações levaram à escolha deste campo: a implantação da Educação Infantil

Page 21: o livro ilustrado e a leitura na escola

exclusivamente no Campus Realengo I e, a familiaridade com o campo, uma vez que atuo

como docente na instituição em questão.

Se, por um lado, esta familiaridade favoreceu a entrada e permanência no campo,

teve um desafio de estar diretamente implicada com o campo como professora e

pesquisadora. Nesse sentido, fez-se necessário realizar um duplo movimento: o primeiro,

de olhar o que é familiar, onde sou professora, conhecida e reconhecida por grande parte

das crianças e de estranhar o que é familiar (VELHO, 2003) e, o segundo, de me

recolocar no campo, como pesquisadora, assumindo junto às crianças e professoras da

escola, outro lugar. Esses dois movimentos foram evidenciados nos registros de campo,

quando cheguei à escola e entrei na turma 33, do Grupamento III, que atende crianças na

faixa etária entre 5 e 6 anos.

Algumas questões orientam a pesquisa, quais sejam: Que experiências de leitura o

livro ilustrado proporciona às crianças em idade pré-escolar? Como elas interagem com

os livros ilustrados que os adultos leem para e com elas na escola? Que diálogos as

crianças estabelecem com e a partir das histórias lidas? Como o livro ilustrado é lido nos

espaços escolares?

Este trabalho tem como objetivo principal conhecer e analisar as relações que as

crianças da Educação Infantil do Colégio Pedro II estabelecem com e a partir da leitura

do livro ilustrado na escola e, considerando que as crianças desta etapa da Educação

Básica, em geral, não são alfabetizadas, trago como objetivos específicos: conhecer e

analisar como os professores da turma investigada leem o livro ilustrado com e para as

crianças; compreender como se dá a leitura de livros ilustrados no grupo pesquisado,

esta produção literária caracterizada por apresentar-se como um entregênero que traz

uma intersemiose entre a linguagem verbal e visual.

A dissertação foi organizada em quatro capítulos. Após esta breve introdução, no

primeiro capítulo, apresento os referenciais teórico-metodológicos da pesquisa e situo o

campo pesquisado, sua proposta político-pedagógica, assim como o cotidiano e as

rotinas do grupo observado. No segundo capítulo, apresento um percurso histórico da

relação entre texto verbal e visual na literatura infantil, percorrendo as contribuições da

pintura à ilustração, até chegar à literatura infantil contemporânea e, especificamente, no

livro ilustrado. No terceiro capítulo, trago a contextualização do campo, enfatizando os

espaços-tempos da Educação Infantil na instituição pesquisada e o trabalho de literatura

realizado na turma investigada. No quarto e último capítulo, apresento a análise dos

livros ilustrados lidos para e com as crianças nos eventos de leitura produzidos na

Page 22: o livro ilustrado e a leitura na escola

pesquisa de campo. Concluo trazendo algumas considerações para se pensar a leitura do

livro ilustrado na escola.

Page 23: o livro ilustrado e a leitura na escola

1. DESVENDANDO MISTÉRIOS – DESAFIOS, LIMITES E POSSIBILIDADES

DA PESQUISA

Pois um acontecimento vivido é finito, ou pelo menos encerrado na esfera do vivido, ao passo que o

acontecimento lembrado é sem limites, porque é apenas

a chave para tudo o que veio antes e depois. (BENJAMIN, 1994, p. 37)

Neste capítulo apresento os referenciais teórico-metodológicos que sustentam

esta pesquisa. Tomei emprestado para o título, uma expressão oriunda do diálogo

produzido pelas crianças, no momento de entrada no campo. Para elas, pesquisar é

“desvendar mistérios”, engajar-se no ato investigativo e fazer descobertas, uma

atividade que qualquer um pode fazer desde que se proponha a lançar-se a novas

descobertas. De certa forma, esta visão infantil se aproxima do que esta pesquisa supõe:

abrir-se ao novo, “estranhar o familiar” para poder compreender e construir outras

interpretações além do que já está posto.

Trataremos, portanto, dos desafios, limites e possibilidades de fazer pesquisa

com crianças e com professoras que são colegas de trabalho, tomando-as como sujeitos

e protagonistas do processo investigativo. As professoras do referido grupo exercem o

papel de mediadoras na relação entre as crianças e o livro ilustrado e as crianças pelo

lugar ativo na produção de sentido.

Nas sessões que compõem este capítulo, que abre nossas viagens literárias, trago

inicialmente a revisão bibliográfica, que contribuiu para mapear as pesquisas realizadas

nos últimos anos e marcar o itinerário deste estudo; em seguida, apresento o percurso

inicial da pesquisa, bem como os limites e possibilidades de entrar num campo, como

pesquisadora, no mesmo lugar em que atuei como professora. Apresento mais adiante,

os pressupostos teórico-metodológicos, ancorados nos estudos de Walter Benjamin e

Mikhail Bakhtin, com suas contribuições da filosofia da linguagem e, por fim, trago os

desafios enfrentados na pesquisa com crianças e professoras.

1.1 Mapeando as pesquisas acerca do livro ilustrado - uma revisão bibliográfica

Na revisão bibliográfica, constatamos que os estudos acerca das relações entre

literatura infantil, leitura e escola têm encontrado terreno profícuo no campo

educacional. Entretanto, investigações acerca da produção editorial contemporânea, em

Page 24: o livro ilustrado e a leitura na escola

especial, sobre o livro ilustrado, ainda são insipientes e, encontram espaço delimitado

nas áreas de Artes, Design, Letras e, ainda, de Línguas e Cultura.

A revisão bibliográfica realizada no banco de teses e dissertações do portal da

CAPES, a partir da expressão exata livro ilustrado, apresentou 32 teses e dissertações,

sendo que, destas, oito estavam fora do recorte temporal definido: os últimos dez anos

(2004-2013). No universo de 25 teses e dissertações produzidas entre os anos de 2004 e

2013, somente 16 aproximavam-se da discussão acerca da leitura literária.

Linden (2011), que discute especificamente o livro ilustrado, ao afirmar que o que

aqui chamamos de livro ilustrado, também é conhecido como livro-álbum, no mundo

hispânico; álbum ilustrado, em Portugal; livre d’images ou apenas álbum, em francês e;

picturebook, picture story book ou picture book em língua inglesa, nos deu pistas para

pensar outras possibilidades de descritores.

Com isso, retornei ao Portal da CAPES2 e fiz novo levantamento de teses e

dissertações, considerando o mesmo recorte temporal, nas expressões exatas álbum

ilustrado, onde encontrei duas produções que já haviam sido incluídas no descritor

utilizado inicialmente; sendo uma delas também recorrente no descritor picturebook,

que trouxe também uma dissertação que já havia aparecido como referência no descritor

livro ilustrado.

Cotejando cada uma das 16 teses e dissertações realizei uma seleção mais

criteriosa, a fim de delimitar aquelas que efetivamente se aproximavam da discussão

acerca da leitura literária, do lugar da ilustração na literatura para crianças e, ainda, da

interação verbal-visual suscitada pelo livro ilustrado especificamente, organizadas

conforme áreas de estudos afins. Contudo, ampliei a pesquisa, no portal da PUC-Rio, e

encontrei mais uma dissertação de mestrado, ainda não indexada no portal da CAPES, a

partir do descritor livro ilustrado.

Trago um breve resumo dos trabalhos encontrados nos bancos de dados de teses

e dissertações, a partir do levantamento bibliográfico realizado conforme evidenciado

anteriormente, considerando as diferentes áreas de estudo a que se filiam para, em

seguida, pensar em distanciamentos e aproximações com a pesquisa realizada. Foram

encontradas, portanto, produções datadas de 2005 a 2012.

Inicio com os Programas de Pós Graduação que apresentaram maior números de

produções que foram os de Letras:

2 Portal da CAPES: http://www.capes.gov.br/servicos/banco-de-teses

Page 25: o livro ilustrado e a leitura na escola

Neto (2005) traz uma reflexão sobre alguns gêneros literários como a fábula, o

conto popular, o mito, o provérbio e outras formas simples e literárias na obra de três

escritores de países lusófonos: Angola, Brasil e Portugal. Este trabalho trata do livro

com ilustração e não especificamente do livro ilustrado e a interação entre palavras e

imagens propiciada por esse tipo de produção.

Greemland (2007) apresenta um estudo acerca da obra literária Nau Catarineta,

de Roger Mello, considerando o diálogo entre texto verbal, imagem e sua relação com

as manifestações artísticas populares brasileiras. Em sua formação de mediadora de

leitura, a autora discute possibilidades de mediação com e a partir desse e de outros

livros ilustrados, pois entende que esta produção literária contemporânea oferece ao

jovem leitor, tanto no texto verbal quanto no visual, o acesso a tradição de um modo

inovador.

Cortez (2008) investiga em sua tese de doutorado a composição gráfica dos

livros infantis, especificamente as obras das duas últimas décadas do século XX e dos

primeiros anos do século XXI, considerando a produção de Melissa Bacelar em

Portugal e, Roger Mello no Brasil. Segundo Cortez, ambos iniciaram como ilustradores

para, em seguida, tornarem-se “autores com dupla vocação”, isto é, produtores de textos

verbais e visuais. Além disso, os referidos autores/ilustradores desenvolveram uma

produção literária voltada ao público infantil em que impera a diversidade de estratégias

e relações entre sistemas semióticos, por exemplo: autores de livros de imagens, autores

ilustradores3 de livros ilustrados e autores de livros-álbum, sendo esta última

modalidade o centro das discussões. Com isso, a partir de dois contextos particulares, a

autora vislumbra a importância do livro-álbum como um gênero cada vez mais presente

no panorama da Literatura Infantil.

Silva (2011) dedica-se a investigar a criação de livros para crianças no Brasil,

concentrando-se na produção recente, os livros ilustrados e escritos por um mesmo

autor. Ao considerar essa “prática construtiva em multimodalidades artísticas”, a autora

debruça-se sobre a obra de Nelson Cruz, observando a integração das linguagens da

literatura e da ilustração contidas em três de seus livros, onde encontra alicerce num

discurso memorialista de personagens marcantes no imaginário das cidades coloniais

3 Salisbury cunhou esta expressão para designar autores que também ilustram suas obras e vice-versa, em

inglês, authorstrators, junção de autor e ilustrador (RAMOS, 2011, p. 67). Entretanto, em conversa na

última Festa Literária de Paraty – FLIP, em julho de 2013, nas atividades voltadas ao público infantil,

dentro deste evento maior, a Flipinha, alguns autores e/ ou ilustradores, tais como André Neves, Fernando

Vilela, Estela Barbieri expressaram uma concepção bastante coerente no que concerne esse debate: para

eles não há dúvidas de que a autoria é de ambos, autores e ilustradores.

Page 26: o livro ilustrado e a leitura na escola

mineiras de Ouro Preto, São Hugo del Rei e Diamantina, dando relevo aos termos

autoria, estilo e patrimônio artístico.

Nakano (2012) discute o livro ilustrado enquanto um tipo específico de

subcategoria da literatura infantil, como picturebook, álbum illustré, álbum ilustrado,

livro-álbum e bilderbuch, caracterizado pelo papel que a linguagem visual representa na

leitura da obra. E dedica-se a pensar nesse tipo de produção no Brasil. Em sua pesquisa,

a autora analisa as definições desse tipo de produção por diferentes autores brasileiros e

estrangeiros, com foco nas especificidades do diálogo entre linguagens verbal e visual

Mas também analisa a infância sob abordagem filosófica e social, em busca dos

pressupostos de leitura que o livro ilustrado, ao ser considerado um livro infantil, pode

produzir; além de observar as particularidades da criação deste objeto que muitas vezes

é fruto de quatro autores — o escritor, o ilustrador, o designer e, por vezes, o editor.

Peres (2012) estuda a obra singular do poeta Manoel de Barros, baseada na

criação de neologismos e na negação dos usos cotidianos de certas palavras, mas

também na forma como estrutura seus poemas e, em especial, nos paratextos “de maior

recorrência e relevância em s sua lírica, dentre eles, notas de rodapé, didascálias,

epígrafes, adivinhas, ditados, ilustrações, dentre outros”.

Bueno (2012) tem como objetivo estudar a representação docente presente no

acervo de literatura infanto juvenil distribuído às escolas públicas, por meio do

Programa Nacional Biblioteca na Escola – PNBE, no ano de 2008. Do total de cem

títulos selecionados, cinco fazem referência à figura da professora.

A pesquisa de Missiaggia (2012) tem como objetivo “demonstrar a

complementação entre imagem e escrita, como um fator combinatório na construção de

sentido apartir de uma obra ilustrada”. Entretanto a autora recorre a uma produção

cinematográfica para exemplificar essa abordagem, correlacionando as intersemióticas

entre essa linguagem e a literária, proporcionando vida e realidade à obra de cunho

textual e reforçando o texto escrito.

Nos programas de Pós-graduação em Estudos Linguísticos e Literários

destacam-se os próximos quatro trabalhos:

Pereira (2008) analisa a ilustração literária como um “tipo de tradução

intersemiótica do texto, nos livros ilustrados”. A autora toma a ilustração a partir de sua

relação com a literatura e discute os tipos de associação em que a imagem pode incorrer

com o texto, ou seja, a maneira como os elementos imagéticos são utilizados na

construção significativa, os princípios que regem a representação visual e a função da

Page 27: o livro ilustrado e a leitura na escola

ilustração no livro ilustrado, para que se possam estabelecer os parâmetros para a sua

consideração como tradução.

Em sua dissertação, Fontana (2010) estuda o trabalho de Poty Lazzarotto como

ilustrador de livros entre os decênios de 1940 e 1990. Entretanto, não se dedica

propriamente a pensar nas ilustrações dos livros, distanciando-se do conceito de livro

ilustrado, embora discuta a imagem nos livros de literatura nacional.

Pena (2012) investiga o papel da recepção da imagem inserida na obra literária,

considerando tanto a perspectiva do ilustrador ao deparar-se com a obra literária, quanto

a leitura que o leitor faz do texto e das imagens. O fio condutor deste estudo são oito

edições da obra Dom Casmurro (1899-1900) de Machado de Assis.

Mastroberti (2012) realiza sua tese de doutorado a partir de uma pesquisa

empírica sobre a leitura da obra Peter Pan e Wendy, de James Matthew Barrie, realizada

por crianças de uma escola pública de Porto Alegre (RS, Brasil). Ela parte da

proposição de que “o comportamento presente nos discursos verbais e visuais implícitos

no livro ilustrado ocorre de modo híbrido, acórdico, entrelaçado, e não dialógico e

linear, garantindo um efeito único e indelével sobre a consciência memorial e afetiva do

leitor”. Além disso, situa o texto literário e o universo de Peter Pan em relação não

apenas às demais mídias narrativas e poéticas, mas também ao contexto histórico e

cultural editorial e às expectativas do leitor da contemporaneidade. Faz uma reflexão

acerca da mediação do livro ilustrado, estimulante de uma leitura crítico-sensível não

apenas do literário, mas também dos discursos artísticos gráfico-visuais, a serem

integrados na subjetividade leitora.

Nos programas de Pós-Graduação em Artes Visuais e Cultura Visual, Estética e

História da Arte, trago as pesquisas concluídas que se seguem:

Ramos (2007) trata de Artes visuais e Artes gráficas, no Rio Grande do Sul, na

primeira metade do século XX, tomando como objeto de estudo livros ilustrados por

artistas plásticos e com selo da Editora Globo. A tese apresenta e contextualiza as

inovações presentes em obras gráficas de alguns artistas gaúchos, discute de que forma

tal experiência influenciou suas poéticas (voltadas principalmente à pintura e à gravura),

bem como seus reflexos na constituição de uma modernidade visual no Estado.

Zimmermann (2008) propõe em seu estudo identificar, conhecer e analisar as

relações entre infância, leitura ilustração e cultura. A partir do histórico do livro

ilustrado infantil no Brasil e na Europa verificou as modificações pelas quais passou no

decorrer dos tempos, assim como os conceitos de infância e as interações da criança

Page 28: o livro ilustrado e a leitura na escola

com o livro e a escola. Ao considerar que a ilustração é um importante elemento

mediador no processo de construção do conhecimento, que contribui para a aquisição e

desenvolvimento da linguagem e do desenho infantil a partir da imitação e do estímulo

à imaginação, reconhece que ela fornece experiências variadas ao leitor. Nesta

dissertação são estabelecidas relações entre o discurso de ilustradores, editores,

escritores e crianças sobre o que consideram um "bom livro", mostrando que as

ilustrações podem ir muito além do mero caráter decorativo.

Macêdo (2010) trata, em sua dissertação de mestrado, da ilustração do livro

infantil a partir do ponto de vista do ilustrador, enfatizando os aspectos estruturais

visuais, assim como a relação das imagens com o texto. A produção de um livro

ilustrado, partindo desde a criação do texto até os aspectos finais da produção gráfica.

Destaca, de forma detalhada, o processo de concepção, criação das ilustrações e pontua

observações e reflexões sobre aspectos específicos deste tipo de imagem. São abordados

desde a história da ilustração do livro infantil até seus desdobramentos, passando por

aspectos técnicos e focalizando o discurso nas semelhanças e diferenças dentro dos

processos de produção de imagens manuais e digitais e de seu impacto no resultado

final do trabalho.

Mendes (2011) traz para o centro do debate no campo das Artes, a diversidade

cultural brasileira através de cinco obras do escritor e ilustrador contemporâneo Roger

Mello. Já Peliano (2012) em sua dissertação apresenta mais uma aventura de Alice, de

Lewis Carrol, atravessando mais de um século de diálogos e figuras, com foco no

surrealismo.

No campo do Design, Necyk (2007), em sua dissertação de mestrado, se propôs

a “analisar como a ilustração – pertencente às Artes do espaço – se relaciona com o

texto – pertencente às Artes do tempo – num contexto narrativo”. Em seu estudo,

procurou estabelecer uma relação entre a produção, a mediação e a recepção dos livros

infantis, como o objetivo de contribuir para a ampliação do conhecimento no campo do

Design.

Costa (2012) tem como objetivo principal compreender como funcionam três

elementos do design da ilustração que estão sempre presentes no livro ilustrado, a saber:

o tempo, o imaginário e a montagem de enunciados verbais e visuais. Para tal, o autor

escolheu três livros para realizar seu estudo de caso: Ismália (2006), Lampião e

Lancelote (2006) e Um outro pastoreio (2010), no qual cada um deles “destaca-se em

sua essência pela exploração de um dos elementos estudados. Com isso, é apresentado

Page 29: o livro ilustrado e a leitura na escola

um modo de ver o design da ilustração que concretiza sempre uma visão subjetiva do

observador”.

Carvalho (2012) realiza sua pesquisa sobre narrativa visual, tendo como objeto

de estudo o Livro de Imagem e parte da hipótese de uma proximidade entre a Ilustração

e as Artes Cênicas. A escolha do Livro de Imagem tem um contraponto na área das

Artes Cênicas, o Palhaço Mímico. Considerando a ausência do texto representado pela

linguagem verbal, esta abordagem consiste em analisar o Livro de Imagem sob a

perspectiva dessa ausência textual.

Lima (2012) discute, em sua tese, a ilustração no livro ilustrado contemporâneo,

considerando a importância da “formação do leitor de imagens não alfabetizado

visualmente”. A autora, com o objetivo de ampliar o olhar estético acerca das imagens,

utiliza uma metodologia em que dialoga com mediadores e leitores, com e a partir de

sete livros ilustrados premiados pelo Prêmio Jabuti.

Por fim, a dissertação de Dalcin (2013) foi a única encontrada em Programas de

Pós Graduação em Educação. Em sua pesquisa, Dalcin tem como propósito conhecer o

processo de criação e produção de livros de literatura infantil, pela visão do autor e

ilustrador Odilon Moraes. Neste estudo são enfatizadas a especificidades do processo

criativo e de produção dos livros do referido autor, circunscrevendo-se entre o pólo da

produção tanto do autor e ilustrador quanto da editora.

Cada um dos trabalhos encontrados nesta revisão bibliográfica possui relevância

dentro do campo de pesquisa a que se relaciona e traz contribuições para se pensar o

livro ilustrado como produção editorial contemporânea que vem ganhando espaço nas

prateleiras de livrarias, bibliotecas, salas de leitura das escolas, e também nas salas de

aula de crianças pequenas, desde a Educação Infantil aos anos iniciais do Ensino

Fundamental.

Para pensar as possíveis aproximações que podemos fazer com o que já tem sido

produzido, trago, inicialmente, a compreensão de que, ao tratar-se de uma produção que

supõe a interação de sujeitos deste tempo. Necyk (2007, p.16) compreende o livro

ilustrado como uma produção contemporânea:

O adjetivo contemporâneo, que classifica “o que é do tempo atual”,

não deve ser entendido apenas no sentido histórico. O termo

contemporâneo, aplicado ao livro infantil, configura característica

bem evidente na sociedade atual: a superposição de linguagens simultâneas.

Page 30: o livro ilustrado e a leitura na escola

Algumas das pesquisas levantadas dialogam com autores que têm apontado a

necessidade de pensar a interação verbal e visual proposta pelo livro ilustrado (HUNT,

2010; LINDEN, 2011; Nikolajeva & Scott, 2011).

Todavia, ao supor uma interação entre imagens criadas pelo texto verbal escrito

e o icônico, os estudos acerca do livro ilustrado, álbum ilustrado ou picturebook,

acabam por se debruçar sobre a importância da ilustração nos livros de literatura

infantil. As pesquisas que centram sua análise em obras ou autores e/ou ilustradores que

têm despontado no mercado editorial, supõem a ampliação do diálogo com teóricos que

têm produzido ilustrações e também reflexões como Camargo (1998), Oliveira (2008),

Ramos (2011) uma vez que a ilustração torna o percurso da leitura descontínuo, criando,

por vezes, a necessidade de parar e voltar atrás antes de regressar à linearidade narrativa

proposta pela palavra. O ritmo narrativo no álbum envolve a dimensão física do livro, já

que o tempo que leva a virar a página, também afeta a velocidade da narrativa. O ritmo

é composto pelas pausas e acelerações já referidas, sugeridas ao leitor pela interação

semiótica de ambos os códigos. As pausas e acelerações indicam quando e quanto

tempo se deve demorar a observar determinada página ou, se deve apressar esse

processo.

Das teses e dissertações encontradas, algumas discutem a ilustração em sua

dimensão estética, porém a maioria compreende o livro com ilustração dissociado do

conceito do livro ilustrado (NETO, 2005; RAMOS, 2007; SILVA, 2009; FONTANA,

2010; BUENO, 2012; MISSIAGGIA, 2012; PENA, 2012; PERES, 2012; PELIANO,

2012).

Os estudos de Greemland (2008), Zimmermann (2008), Cortez (2008), Silva

(2009), Mendes (2011), Costa (2012), Dalcin (2013), Lima (2012), Mastroberti (2012) e

Nakano (2012), embora tragam referenciais de suas áreas de atuação, travam uma

discussão acerca da relação entre texto verbal e imagético e refletem sobre o que seria o

livro ilustrado enquanto produção contemporânea. Para isso, analisam obras literárias de

escritores e ilustradores da atualidade e trazem pistas para pensar o trabalho com a

leitura do picturebook na escola.

Além dos referenciais do livro ilustrado como obra literária, outras são

referências recorrentes, como Chartier (1996) na perspectiva histórica da leitura; Arroyo

(1988), Lajolo (1999, 2005, 2007), Coelho (2010) e Zilberman (2003), no que diz

respeito aos estudos acerca da literatura infantil; Oliveira (2008) e Lago (2012) que

Page 31: o livro ilustrado e a leitura na escola

discutem ilustrações; e também Benjamin (1987, 1993, 1997), Bakhtin (1986, 1997) e

os estudos da linguagem.

Algumas das pesquisas supracitadas (GREEMLAND, 2007; DALCIN, 2013)

têm como referencial teórico as contribuições de Bakhtin (2011) para pensar a relação

dialógica da linguagem, ao relacionar textos escritos e imagéticos, assim como sua

interface com outros textos dentro do mesmo texto, dado o caráter polifônico que a obra

literária possui.

Muitos destes referenciais teóricos se afinam com a proposta desta pesquisa. O

diálogo com os campos de onde emergem suas produções como Artes Visuais, Design e

Letras nos pareceu bastante profícuo para a análise do material empírico da presente

pesquisa. Entretanto, vale ressaltar que, dos trabalhos encontrados, apenas uma

dissertação foi produzida no campo da Educação, e esta não discute a leitura do livro

ilustrado na escola.

Nesse sentido, esta pesquisa pode trazer contribuições relevantes para se pensar

a leitura do livro ilustrado na escola e a formação do leitor contemporâneo, entendendo

que é com e a partir da produção de sentidos que o texto literário propicia que

poderemos pensar a formação do leitor de forma mais democrática, compromissada com

práticas críticas, dialógicas e discursivas, no intuito de auxiliar na produção de uma

escola povoada de outros sentidos que não a transmissão de informação (LARROSA,

2002).

1.2 Desafios da pesquisa

O Colégio Pedro II, instituição escolhida para realizar a pesquisa de campo, é

reconhecida pela qualidade de ensino público ofertado. Articuladas a este fato, duas

outras motivações definiram esta escolha: a implantação da primeira unidade com

turmas de Educação Infantil e a familiaridade com o campo uma vez que sou docente do

colégio. Esta última, por um lado favoreceu a entrada e permanência no campo, por

outro foi um desafio estar diretamente implicada no campo em que exercia o lugar de

professora, só que, naquele momento, como pesquisadora (MACEDO, 2012).

Nesse sentido, fez-se necessário realizar um duplo movimento: o primeiro, de

olhar o que é familiar no campo empírico, onde sou professora, conhecida e reconhecida

por grande parte das crianças e estranhar o que é familiar (VELHO, 2003) e o segundo,

me recolocar no campo, de um outro lugar, o de pesquisadora.

Page 32: o livro ilustrado e a leitura na escola

Esses dois movimentos podem ser evidenciados no registro do caderno de

campo, quando iniciava minha entrada na turma do Grupamento III:

Após questionar o quantitativo de crianças e adultos presentes e

ausentes, a professora pergunta: Professora Laura: Muito bem, então estamos com a turma completa.

[...] Vocês perceberam que tem uma pessoa diferente na nossa sala?

(fala pausadamente) Aline: Sim, ela! – apontando em minha direção.

Luana: A Carol.

Professora Laura: A Carol. Olha só! A Carol, olha só!

Algumas crianças falavam umas para as outras que me conheciam, pelo fato de ter sido professora de uma turma da escola.

Professora Laura: Ó, anopassado a Carol trabalhava aqui na escola,

como professora. Porque será, que a Carol está aqui? Ana Letícia: Porque ela vai ser nossa professora!

Professora Laura: — Mas, será que a Carol vai ser professora? Vamos

escutar o que a Carol veio fazer aqui na nossa turma? Pesquisadora: Então... Eu estava aqui só escutando vocês... Mas, eu

não vim ser professora de vocês.

Crianças em coro: Ahhhhhhh!

Pesquisadora: Eu vim aqui para fazer pesquisa! Crianças em coro: Pesquisa?

Pesquisadora: É.

Leonardo: Pesquisa desvenda mistérios. Paulo: Pesquisar bichinhos...

Daniel: Pesquisa é “pra” ver se a borboleta... Esqueci!

Maria Luiza complementa: Se a borboleta não voa?

Clarice: A gente pode pesquisar os bichinhos, desvendar mistérios... Pesquisadora: Então, eu vim fazer minha pesquisa e essa pesquisa é

para descobrir uns mistérios.

Isadora: Êba! Pesquisadora: Eu quero saber que mistérios essas crianças dessa turma

fazem com os livros de história, como os livros de literatura. Eu vim

observar os mistérios que acontecem toda vez que um livro se abre. Marcelo: A gente já brincou de detetive...

Pesquisadora: Então... Eu vim aqui pra fazer uma pesquisa... Na

minha pesquisa, eu vou precisar ficar um tempo com vocês...Vou

passar o dia com vocês...Vou sentar com vocês na roda...Eu vou observar vocês...

Ana Letícia: Êba!

Rafael: Com a sua lupa? Pesquisadora: Ah, eu vou observar vocês, mas não vai ser com a

lupa...

Luana: Na turma dela do ano passado tinha um montão de insetos e uma lupa. Ela emprestava às vezes para gente...

Paulo: Tinha uma lupa na sua sala?

Aline: E o que você vai usar, então?

Pesquisadora: Ah, eu não vou usar a lupa, sabe o que eu vou usar? Luana: O telefone!

Pesquisadora: Eu posso usar o meu telefone para gravar, a câmera

para filmar, para fotografar. Eu vou usar um gravadorzinho para

Page 33: o livro ilustrado e a leitura na escola

gravar. A gente vai usar vários recursos pra eu poder capturar as

palavras e as imagens.

(CADERNO DE CAMPO, 07/05/2013).

Este evento produzido a partir de um diálogo entre adultos e crianças do grupo

observado, mostra que, logo na entrada no campo, fui convidada a tomar parte deste

grupo, convocada a estar junto. Este encontro inicial propiciou um momento de

apresentação do que viria a ser o meu objeto de pesquisa e, com isso, recebi o

assentimento ou autorização (KRAMER, 2005) para a pesquisa com as crianças.

Para elas, fazer pesquisa está relacionado ao trabalho organizado por projetos,

realizado com as professoras da turma, conforme será explicitado mais adiante, no item

que apresenta os espaços-tempos na/ da Educação Infantil do Colégio Pedro II.

A pesquisa ganha um cunho extraordinário ao ser equiparada ao ato de desvendar

mistérios. Além disso, as crianças trazem em suas hipóteses elementos oriundos de suas

experiências. Outro elemento que apareceu no diálogo foi a necessidade de utilização de

objetos que identifiquem a ação, nesse caso, a lupa foi o objeto ao qual as crianças

associaram a ação de pesquisar.

Fui convidada a desvendar mistérios com ela se, aos poucos, precisei encontrar o

lugar de pesquisadora junto à turma e, à medida que o tempo passava, as crianças

indagavam sobre meu lugar no grupo, passando a me chamar “Carol-pesquisadora”.

Com isso, precisei fazer um exercício de me deslocar do lugar de professora e me

tornar, conforme salienta Corsaro (2005), um “adulto atípico” naquele grupo.

A Sociologia da Infância tem sido uma referência importante para pensar a

pesquisa com crianças e a “infância em si própria”, assumindo o que Sarmento (2008,

p.2) conceitua como “autonomia analítica da ação social das crianças”, como condição

para contribuir para a emancipação social da infância. Isto implica a ruptura com uma

perspectiva de análise que estuda as crianças a partir do entendimento do adulto e/ou

como grupo menor, oprimido. Implica em olhar as crianças como produtoras culturais e

entender que:

as culturas da infância expressam os modos diferenciados através dos

quais as crianças interpretam, simbolizam e comunicam as suas

percepções do mundo, interagem com outras crianças e com adultos e desenvolvem a sua ação no espaço público e privado (SARMENTO,

2008, p.3).

Page 34: o livro ilustrado e a leitura na escola

Essas culturas da infância são geradas a partir das interações entre elas e no

contato com os adultos. Ao utilizar métodos etnográficos na pesquisa com crianças,

Corsaro (2005; 2009) observa o que denomina cultura de pares enquanto “conjunto

estável de atividades ou rotinas, artefatos, valores e interesses que as crianças produzem

e compartilham em interação com pares” (2009, p.88). O autor contribui para a

construção de uma metodologia de pesquisa com crianças, cujo objetivo seria a

construção discursiva da infância (SARMENTO, 2008, p.3).

Tendo em vista as possibilidades desta pesquisa, podemos dizer que nos valemos

da metodologia da pesquisa de abordagem histórico-cultural para buscar compreender

como as crianças se relacionam com o livro ilustrado. Sobre a perspectiva histórico-

cultural, Freitas (2010, p. 9), aponta que é preciso:

[...] compreender a pesquisa nas ciências humanas como uma relação

entre sujeitos possibilitada pela linguagem, relação essa provocadora

de mútuas transformações em seus integrantes. A situação de pesquisa torna-se dessa forma uma produção de linguagem e uma esfera social

de circulação de discursos, portanto, se apresenta como espaço de

comunicação e constituição de sujeitos. Se pensarmos essa pesquisa no ambiente escolar, no trabalho com alunos e professores é possível

ainda considerá-la como um espaço de formação.

Esta pesquisa se configurou como um desafio desde a entrada no campo, quando

foi preciso realizar o duplo movimento já descrito, e ao longo de todos o processo até a

escrita do texto. Foi preciso ir ajustando os procedimentos metodológicos para

compreender como as crianças da Educação Infantil leêm o livro ilustrado em situação

escolar. O foco da pesquisa devia ser nas crianças, nas suas interações, nos diálogos,

silêncios, olhares, gestos.

As crianças precisaram explorar os instrumentos utilizados para produção do

material de pesquisa: era comum vê-las, no início, observando a câmera de filmar e/ou

de fotografar, fazendo caretas para a lente, olhando através da tela. Foi preciso permitir

que se aproximassem, explicar os cuidados necessários para, aos poucos, esses objetos

passarem a compor o cenário, não chamando tanto a atenção delas.

Page 35: o livro ilustrado e a leitura na escola

Além disso, aqueles que antes me reconheciam como uma professora no grupo,

passaram a se referir a mim como “Carol pesquisadora” e, sempre que me viam fazendo

anotações no caderno de campo perguntavam: “Você está fazendo pesquisa?” ou “O que

você está pesquisando aí?”.

Foram inúmeras as situações em que as crianças me convocavam para tomar

parte da rotina do grupo, em geral quando encontravam algum inseto no pátio,

associando a pesquisa às ciências naturais, especificamente.

A preocupação em fazer com que esses meninos e meninas participassem mais

desta pesquisa, me levou a propor, que cada um deles escolhesse o modo como gostaria

de ser nomeado, como um código que só seria reconhecido internamente, entre as

crianças e adultos que vivenciaram aqueles momentos. Em princípio, elas sugeriam

nomes de personagens de desenhos animados, filmes infantis e/ ou brinquedos, ambos

produções culturais direcionadas a essa faixa etária.

Paulo: — Ben 10!

Clarice: — Joaninha.

Luana: — Fada!

Rafael: — Vampiro!

(Caderno de Campo, 22/09/2013)

Com isso, foi preciso explicar que se tratava de uma pesquisa da universidade e,

que não cabia ali o uso de nomes já conhecidos nos filmes e personagens de desenhos,

embora compreendesse que, no imaginário de cada uma delas, a proposta era ser o que

desejasse. Em uma segunda rodada de escolhas, uma das professoras disse: “Eu quero

me chamar...” e disse um nome próprio, de sua vontade. Essa foi a “deixa” para que as

crianças compreendessem a proposta e começassem a fazer as suas escolhas também.

Logo, cada uma delas tinha um nome de sua preferência e, ao me despedir do

grupo neste dia, uma menina lançou um desafio: “Como é que eu me chamo mesmo?”.

Entendi a brincadeira e embarquei nela, chamando-a pelo nome que acabara de escolher

Fotografia 2 Fotografia 1

Page 36: o livro ilustrado e a leitura na escola

para si, como sujeito da pesquisa que eu estava realizando com ela e seus companheiros

de turma. A brincadeira se propagou entre os demais e, logo estava eu envolvida em

lembrar o nome de cada uma delas! Arrumo meu material e me despeço da turma,

chamando uma por uma pelo nome que escolheram. As crianças olham para mim,

contentes com a brincadeira, sorrindo e acenando com a mão, dando abraços calorosos,

beijos afetuosos...

Já na porta, me despeço de um menino que antes tinha dito que queria ser

chamado pelo verdadeiro nome mesmo. Conforme registrado no caderno de campo,

quando eu já estava quase saindo, ele me disse que queria ser chamado por Marcelo:

Marcelo: Eu sou... (pausa) eu vou ser... (breve pausa) Marcelo!

Pesquisadora: Tchau, Marcelo! Retorno e abro a página do caderno de campo, anoto o nome que ele acabara

de escolher e me despeço. Ele retribui acenando e sorrindo.

(Caderno de Campo, 27/09/2013)

Após esse episódio, as crianças passaram a propor esse jogo sempre que eu

chegava. E, logo o que era uma brincadeira entre nós, saiu do âmbito do grupo e passou

a se conhecido também em casa, por algumas famílias. Com isso, a intenção de

preservar a identidade dos sujeitos da pesquisa, acabou comprometida e optei por

escolher, eu mesma, os nomes fictícios.

Se a pesquisa com crianças exigiu me colocar no duplo lugar de observador

participante e de participante observador, não foi diferente a postura junto às colegas

professoras da turma. As duas professoras da turma pesquisada, durante todo o período

em que estive no campo, se posicionaram diante da pesquisa de forma ativa e

interessada, apontando questões acerca de sua própria prática, seu papel ético e político,

e das relações que as crianças estabelecem com e a partir da leitura literária. O interesse

pela pesquisa fez com que questionassem práticas institucionalizadas na/ pela escola e,

inclusive, que propusessem reflexões ao grupo de professores. Elas se mobilizaram

frente à pesquisa, quiseram saber mais sobre o livro ilustrado, conhecer mais sobre

literatura infantil, ficaram mais curiosas em relação às produções infantis e suas

reflexões chegaram aos outros professores. Foi possível observar que os processos de

reflexão instaurados apontaram algumas mudanças nos sujeitos envolvidos direta e

indiretamente com a pesquisa.

Page 37: o livro ilustrado e a leitura na escola

O percurso que a pesquisa seguiu se aproxima dos sentidos trazidos por Freitas

(2010, p. 10) para a palavra intervenção. Segundo a autora, a intervenção na abordagem

de pesquisa histórico-cultural, pode ser entendida como “mudança no processo”,

“transformação”, “re-significação dos pesquisados e do pesquisador”, “compreensão

ativa”, uma vez eu centra-se no processo, na relação entre sujeitos de forma dialógica,

provocando compreensão ativa, geradora de respostas, de contrapalavras.

No item a seguir apresento os procedimentos metodológicos utilizados para

registrar os dados produzidos nesta pesquisa.

1.3 Limites e possibilidades da pesquisa – procedimentos metodológicos

Neste item apresento as escolhas metodológicas da pesquisa, apontando os

caminhos escolhidos à produção do material empírico.

A pesquisa de campo foi realizada nos meses de março a setembro, sendo que

nos meses de março e abril, já com a autorização da Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-

Graduação, aguardei autorização da diretora-geral do Campus Realengo I para começar

a pesquisa de campo. Entrei no campo em maio, com uma interrupção no período de

férias no mês de julho e retomei em agosto, até o final de setembro.

Antes de entrar no campo, com o consentimento tanto dos adultos - após

solicitação formal requerida ao setor responsável pela autorização de atividade de

pesquisa no Colégio Pedro II, seguida de uma reunião formal com as diretoras e

coordenadora pedagógica e, conversa informal e entrevista narrativa, com as duas

professoras da turma de Educação Infantil observada, com o intuito de justificar os

objetivos da pesquisa, apresentar e coletar assinaturas do Termo de Consentimento

Livre e Esclarecido; quanto das crianças – na entrada e ao longo da pesquisa.

Como pesquisadora, observadora participante, tinha como objetivo

compreender como as crianças interagiam com o livro ilustrado, com e a partir da

leitura mediada das professoras. Para isso, entrava no mesmo horário, junto com a

turma e participava das atividades realizadas em sala. Minha observação se limitava a

acompanhar o grupo enquanto estivessem na companhia das professoras da Educação

Infantil, pois quando estavam em atividades correspondentes aos demais componentes

curriculares, tais como: Educação Física, Música, Artes e Informática Educativa, foi

acertado junto a diretora-geral do campus, na ocasião da reunião citada anteriormente,

que não faria.

Page 38: o livro ilustrado e a leitura na escola

Ao longo do período que realizei a pesquisa de campo pude observar,

compreender e registrar em áudio, vídeo, fotografia e caderno de campo, a cultura do

grupo pesquisado enquanto

Parte de um contexto repleto de significados, que por sua vez estão

inseridos no universo cultural que também deve ser pesquisado.

Entendemos cultura como processo de construção onde estão inseridas as visões de mundo, os estilos, as histórias, as expressões e

os símbolos usados por um grupo, ou seja, seus conceitos e

conhecimentos que são transmitidos às novas gerações (TEZANI, 2004, p.9).

Aliado à observação participante ou “participação observante” (FERREIRA,

2010), utilizei como estratégia metodológica conversas informais tanto com as

professoras, quanto com as crianças, com a intenção de conhecer, por meio dos

enunciados proferidos pelos sujeitos desta pesquisa, seus modos de pensar, ver e

transver (BARROS, 1997, p. 75) a leitura literária na escola. Além disso, realizei

entrevistas narrativas com as professoras, de modo a conhecer suas experiências com a

literatura infantil. De maneira bem informal, pedi que falassem sobre sua formação

profissional, acadêmica e a relação com a literatura infantil.

Durante o período em que estive no campo, fui organizando material produzido,

seguindo alguns critérios: tema, tipo de registro (áudio, vídeo, fotos), possíveis objetos

de análise, entre outros, uma vez que tinha muitos dados a serem revisitados

posteriormente. E foi justamente em função da quantidade de material produzido, após o

término da pesquisa de campo, me dediquei apenas à transcrição dos registros em áudio

e vídeo que traziam a leitura com e a partir do livro ilustrado, uma vez que esse era o

objetivo deste trabalho. Optei por fazer eu mesma as transcrições, já que o que estava

em jogo era observar e registrar não só as falas dos sujeitos da pesquisa, mas

especialmente, entonações, gestos, silêncios, além do que estava no extra-campo da

câmera, da relação entre as crianças, as professoras e o livro ilustrado.

A proposta inicial da pesquisa de campo era realizar uma atividade propositiva:

primeiro, faríamos alguns encontros com as professoras, com o objetivo de trazer

algumas referências teóricas acerca do livro ilustrado e pensar o trabalho com as

crianças; em seguida, eu faria oficinas de leitura com as crianças. Entretanto, na

conversa inicial que realizei com as professoras, explicitando os objetivos da pesquisa,

pude perceber que, embora elas não conhecessem as referências teóricas, demonstravam

Page 39: o livro ilustrado e a leitura na escola

conhecer muitos livros ilustrados e tinham uma visão dialógica da leitura de narrativas

verbo-visuais. Desse modo, em diálogo com a orientadora desta dissertação, mudei os

rumos do trabalho, por entender que as próprias professoras é que deveriam ler com e

para as crianças e, com isso, tornarem-se sujeitos da pesquisa. Partindo do pressuposto

de que as professoras também eram sujeitos da pesquisa, propus selecionar, juntas, os

livros que seriam lidos, segundo critérios explicitados no item a seguir.

1.4 Livros ilustrados: critérios de escolha

Iniciamos a escolha realizando uma pesquisa de obras que fazem parte da

categoria livros ilustrados que foram premiadas pela Fundação Nacional do Livro

Infantil e Juvenil (FNILJ) e que também foram adquiridas pelo Ministério da Educação

(MEC) para compor o acervo de obras literárias do PNBE nos últimos dez anos (2003-

2013). Este percurso teve como finalidade garantir a qualidade das obras escolhidas e

nesta perspectiva, também nos baseamos nos critérios explicitados por Andrade e

Corsino (2005, p. 80), a saber: elaboração literária, pertinência temática, qualidade da

ilustração e adequação do projeto gráfico editorial, que apoiam-se teoricamente na

teoria da linguagem proposta por Bakhtin, com ênfase nos conceitos de polifonia e de

gênero discursivo. E também cotejamos os estudos acerca da relação entre texto e

imagem, ilustração e projeto gráfico de Belmiro, Camargo, Linden, Nikolajeva & Scott,

Oliveira, Ramos, como já apresentados anteriormente.

Esta primeira varredura nos levou a desconsiderar os livros que, embora possuam

ilustrações não supunham uma interrelação entre texto verbal e visual, como apontam

Nikolajeva & Scott e Linden (2011). Com isso, reduzimos significativamente a

quantidade de obras literárias.

Antes de iniciar a observação do grupo pesquisado, tive a oportunidade de me

reunir com as professoras da turma com o intuito de explicitar os objetivos da pesquisa

e inseri-las na proposta de leitura de livros ilustrados para e com as crianças. Neste

primeiro contato, levei uma lista de títulos selecionados previamente e alguns dos livros

para que elas os conhecessem, discutissem suas características e escolhessem quais

deles gostariam de ler para e com as crianças.

Após esse momento inicial, fomos até a Sala de Leitura da Educação Infantil e

buscamos outras obras da lista. Alguns deles fizeram parte do acervo da Ciranda

Literária da turma pesquisada no ano anterior, em 2012, e outras já haviam sido lidas

Page 40: o livro ilustrado e a leitura na escola

para as crianças em outras oportunidades. Em função disso, algumas obras foram

descartadas pelas professoras. Em seguida, as professoras leram os títulos que restaram

daqueles que compunham a seleção (Quadro 1).

Quadro 1– Seleção de livros ilustrados segundo categoria da FNLIJ e PNBE- 2003-

2013.

Fonte: site da FNLIJ e do FNDE

A partir daí, em função de critérios das professoras, que consideravam “as

ilustrações e o texto verbal”, elementos que “despertassem sentimentos” e, ainda, que

pudessem “chamar a atenção das crianças”, elas selecionaram quatro livros: “Onde

vivem os monstros” que não tinha na escola e, os demais, compunham o acervo da Sala

de Leitura, a saber: “Pedro e Lua”, “O menino, o cachorro” e “Raposa”. Destes, apenas

“Onde vivem os monstros” não fazia parte do acervo de obras escolhidas para o PNBE.

Entretanto, por tratar-se de uma obra de referência nos estudos que têm como objeto o

livro ilustrado, mantivemos este título.

No item a seguir apresento as contribuições de Bakhtin e Benjamin que sustentam

as concepções de linguagem e de sujeito, assim como questões metodológicas de

pesquisa.

1.5 Contribuições da filosofia da linguagem em Bakhtin e Benjamin

Neste item apresento pressupostos teóricos que serviram de alicerce à análise dos

livros ilustrados bem como dos eventos produzidos no campo empírico. Foi no diálogo

4 EF – Ensino Fundamental

Título Categoria/ ano

FNLIJ PNBE

1 A princesinha medrosa

Criança/ 2003

Séries Iniciais do EF4/ 2010 Melhor ilustração/ 2003

2 Raposa Tradução e adaptação Criança/ 2006 Séries Iniciais do EF/ 2006

3 O menino, o cachorro Criança/ 2007 EI - 4 e 5 anos/ 2010

4 Onda Imagem/ 2010 EI - 4 e 5 anos/ 2010

5 Onde vivem os monstros Especial Tradução Criança/ 2010 -

6 Pedro e Lua Criança/ 2005 Séries Iniciais do EF/ 2005

Page 41: o livro ilustrado e a leitura na escola

profícuo com o pensamento filosófico de Bakhtin e Benjamin, que nos apoiamos para

traçar as concepções de linguagem que perpassam toda nossa viagem literária por entre

palavras e imagens.

Esta pesquisa insere-se na produção de conhecimentos em Ciências Humanas, de

abordagem qualitativa cujo objetivo principal é conhecer e analisar as relações que as

crianças da Educação Infantil do Colégio Pedro II estabelecem com e a partir da leitura

do livro ilustrado na escola. Com isso, pretendemos conhecer esse outro, fazendo desse

trabalho um campo de descobertas, acontecimentos que se dão na/ pela interação com o

outro. As perguntas que perseguimos ao longo deste trabalho, seus pontos de visada,

escolhas teóricas e metodológicas, nos levaram a respostas e acabamentos situados.

Para Bakhtin (2011, p. 395) “o objeto das ciências humanas é o ser expressivo e

falante” e “o conhecimento que se tem dele só pode ser dialógico” (idem, p. 400). A

filosofia da linguagem bakhtiniana baseia-se na perspectiva de unicidade do ser,

produtor de eventos irrepetíveis. Entretanto, é na interação com o outro que se dá essa

relação. Segundo o autor, somos sujeitos sociais, situados historicamente e nos

constituímos na e pela linguagem.

O conceito bakhtiniano de excedente de visão contribui para olhar o material

produzido no campo empírico e analisá-lo a partir do lugar de pesquisadora que ora

ocupo. Segundo o autor, o eu ocupa um lugar marcado e construído pela interação com

o outro, mas, ao mesmo tempo, essa posição é singular e específica e, portanto, é na

relação com o outro que nos constituímos. Neste sentido, para Bakhtin (2011, p. 45):

Devo identificar-me com o outro e ver o mundo através de seu sistema de valores tal como ele o vê; devo colocar-me em seu lugar, e depois,

de volta ao meu lugar, completar seu horizonte com tudo que se

descobre do lugar que ocupo fora dele; devo emoldurá-lo, criar-lhe um ambiente que o acabe, mediante o excedente da minha visão, de meu

saber, de meu desejo e de meu sentimento.

A noção de “excedente de visão” é fundamental para entender a constituição do

sujeito bakhtiniano. Em outras palavras, podemos dizer que para Bakhtin o

reconhecimento de si se dá pelo reconhecimento do outro e de si próprio. Isso significa

admitir que a subjetividade constrói-se a partir de relações com a alteridade, mas não se

fecham nela. Ou seja,

[...] por mais perto de mim que possa estar esse outro, sempre verei e

saberei algo que ele próprio, na posição que ocupa, e que o situa fora de mim e à minha frente, não pode ver; [...] o mundo ao qual ele dá as

Page 42: o livro ilustrado e a leitura na escola

costas, toda uma série de objetos e de relações que, em função da

respectiva relação em que podemos situar-nos, são acessíveis a mim e

inacessíveis a ele. Quando estamos nos olhando, dois mundos diferentes se refletem na pupila dos nossos olhos (BAKHTIN, 2011,

p. 43).

O conceito de excedente de visão está relacionado à exotopia, lugar único,

singular que cada sujeito ocupa e de onde responde. Significa desdobramento de

olhares, lugar esse que permite que se veja do sujeito algo que ele próprio nunca pode

ver. Ao assumir a exotopia como perspectiva nos propomos a olhar e ver o outro

estranhando o que é familiar e nos recolocando no campo, do lugar de pesquisador, indo

de encontro ao que Bakhtin (2011, P. 21) afirma:

Quando contemplo um homem situado fora de mim, nossos horizontes

concretos, tais como são vividos por nós dois, não coincidem. Por

mais perto de mim que possa estar esse outro, sempre ver e saberei algo que ele próprio, na posição que ocupa, e que o situa fora de mim

e a minha frente, não pode ver.

Além de Bakhtin, trago como principal interlocutor desta pesquisa Benjamin,

cujas formulações teóricas servirão de suporte para analisarmos a complexidade das

experiências das crianças, enquanto sujeitos históricos, produzidas e produtoras de

cultura, inseridas no mundo contemporâneo em permanente transformação e, que se

constituem na e pela linguagem.

Crítico da Modernidade, Benjamin supõe pensar a linguagem sob uma

perspectiva histórica e, embora suas palavras dirijam-se a um outro tempo, sua produção

teórica aponta para questões de nosso tempo e oferece pistas metodológicas para “que

possamos compreender a experiência da infância” na contemporaneidade a partir da

ideia de que esta se constitui como “um pequeno mundo próprio inserido num mundo

maior”, na medida sem que as crianças criam para si um pequeno mundo de coisas

(PEREIRA, 2012,p.27-28).

Segundo Pereira (2012), o desafio da pesquisa está em considerá-la como

fragmento de um universo muito mais amplo, onde as “pequenas questões são

entendidas como estilhaços de grandes e complexas questões” (p.28-29).

As contribuições de Benjamin para pensar na dimensão ética e estética da

produção de conhecimento e, coleção e mosaico.

Page 43: o livro ilustrado e a leitura na escola

Pereira (2012), dialogando com Benjamin, considera a constelação como uma

elaboração exclusiva em que “cada estrelas e apresenta (...) como parte integrante de

uma imagem “enquanto elaboração poética posto que:

A constelação, enquanto realidade física, não existe; o que existe são

as estrelas. (...) cada estrela, embora única, ganha significação não no

seu isolamento, mas no desenho que produz na relação com as demais estrelas (p.33).

Para a autora, a coleção é vista por Benjamin a partir da ideia de que os objetos

colecionados são, ao mesmo tempo, iguais e diferentes entre si:

Cada objeto tem sua história e seu valor, mas é no contexto da relação com os demais objetos que essa história e esse valor se

potencializam e se revigoram, dando a conhecer a singularidade do

objeto. A coleção é sempre um todo acabado, delimitado pelos objetos que a compõem, e, simultaneamente, uma permanente

abertura para um objeto novo. Todo objeto tem uma história

própria e uma história vinculada à sua pertença na coleção

(grifos meus, PEREIRA, 2012, p.34).

Semelhante à configuração de constelação e coleção, está o conceito de

mosaico, à medida que “cada pequeno fragmento altera sua significação conforme a

justaposição que assume face às demais peças” (ibid idem, p.34).

Entendendo que esses conceitos ajudam a pensar numa metodologia de pesquisa

na qual as experiências cotidianas, organizadas em eventos de pesquisa, possam ser

recortadas e reorganizadas lado a lado para compor novas coleções, constelações ou

mosaicos. As escolhas e ordenações obedecem a critérios provisórios.

Além destes conceitos, na busca pela construção de uma metodologia que leve

em consideração a dinâmica social em constante movimento, Benjamin constrói o

pensamento de ideias que, ao mesmo tempo, se opõem e se complementam, ao tratar do

movimento de imersão e montagem. O primeiro é “um trabalho quase mimético, em

que se busca a percepção, sem mediações, do fragmento, interessando aquilo que ele

pode contar de si(...), de seu conteúdo material”.

O segundo - a montagem -, por sua vez, busca compreender o que “esse

conteúdo reverbera no todo (...) que pretende compor” e, nesse caso, estão em jogo as

relações que o fragmento adquire (ibid idem, p.36). Dessa maneira, é possível

recontextualizar os fragmentos, eventos de pesquisa, de forma a produzir novos

significados a partir das relações entre eles.

Page 44: o livro ilustrado e a leitura na escola

Foi opção, desta pesquisa, escolher os eventos de leitura do livro ilustrado de

modo a atender aos objetivos deste trabalho. E o modo como os fragmentos foram

organizados faz sentido na tessitura por palavras e imagens.

No próximo capítulo, aportamos em um breve histórico da relação entre texto

escrito e ilustração na literatura infantil, percorrendo as contribuições da pintura à

ilustração, até chegar à literatura infantil contemporânea e ao livro ilustrado.

Page 45: o livro ilustrado e a leitura na escola

2. PONTOS DE PARTIDA: UMA BREVE HISTÓRIA DO LIVRO INFANTIL

Nesse mundo permeável, adornado de cores, onde a cada passo as coisas mudam de lugar a criança é

recebida como companheira. Fantasiada, com todas as

cores que capta lendo e vendo, a criança entra no meio

de uma mascarada e também participa dela (BENJAMIN, 1984, p. 55)

Neste capítulo, pretendemos continuar nossas viagens literárias por um breve

histórico da relação entre texto escrito e ilustração5 na literatura infantil, percorrendo as

contribuições da pintura à arte de ilustrar, até chegar à literatura infantil contemporânea

e ao livro ilustrado.

A partir da epígrafe, com as palavras de Benjamin acerca do livro infantil e do

universo multicor produzido pelas ilustrações, podemos perceber a potência criadora do

imaginário infantil e a capacidade das crianças de entrar na narrativa e tomar parte dela,

fantasiando ser a personagem da história, tornando-se mais uma dentre as demais, o que

se dá também pela imagem, pelo que “capta lendo e vendo”.

A literatura infantil nasceu no início do século XVIII com objetivos

explicitamente pedagógicos, em um período de ascensão da classe burguesa, que

começava a distinguir a infância enquanto categoria distinta do adulto. Conforme Lajolo

(2004) é preciso compreender que a literatura infantil surge

no momento em que a sociedade (através da escola) necessitou dela

para burilar e fazer cintilar, nas dobras da persuasão retórica e no

cristal das sonoridades poéticas, as lições de moral e bons costumes que, pelas mãos de Perrault, as crianças do mundo moderno

começaram a aprender (p.22).

Zilberman (2003, p. 34) acrescenta que, além de surgir a partir da ascensão da

burguesia e do reconhecimento da infância enquanto categoria social, a reorganização

da escola em função da necessidade de atender aos filhos dos trabalhadores da classe

operária também contribuiu para que a literatura infantil tivesse estreita relação com a

pedagogia, obtendo também uma intenção moralizante, de maneira que “o novo gênero

careceu de imediato de estatuto artístico, sendo-lhe negado a partir de então um

reconhecimento de valor estético”.

5 As ilustrações que se entrelaçam com o percurso traçado pelo autor foram recolhidas do site de buscas

do Google.

Page 46: o livro ilustrado e a leitura na escola

Benjamin (1984), ao se debruçar sobre as obras literárias da coleção de

Hobrecker, datadas do início do século XVIII, traça um percurso histórico dos livros

infantis, fazendo duras críticas ao caráter moralista e vazio de significados que as

primeiras obras dedicadas às crianças traziam. No inicio do século XX, o autor discute a

permanência de equívocos no tratamento dado pelos adultos aos livros destinados às

crianças e afirma que pouco havia avançado no sentido de reconhecer que a “criança

exige do adulto uma representação clara e compreensível, mas não ‘infantil’” (p. 50).

Desde os primórdios do livro infantil, a ilustração esteve presente. A proposta de

apresentar imagens visuais é uma característica observada, por exemplo, na

enciclopédia ilustrada, também conhecida como Orbis pictus, de Amos Comenius, de

1658, e no Elementrwerk (Obra elementar) de Basedow e, destacado por Benjamin, a

obra Bilder-buch für Kinder (Livro de gravuras para crianças), surgida posteriormente,

em 1792.

As ilustrações nos primeiros livros infantis contribuem para esclarecer as

informações que se intenta transmitir às crianças. O cunho moralizante e/ ou

informativo dos primeiros livros direcionados ao público infantil é apontado por

Benjamin (1984, p. 50) que vê na ilustração o elemento de salvação. Entretanto, o que

representava a ponte entre a criança e o artista, subvertendo a ordem e o controle

pedagogizantes, segundo o autor, ganha contornos que não correspondem aos interesses

infantis, mas às concepções distorcidas que se têm delas.

Ilustração 1

Ilustração 2

Page 47: o livro ilustrado e a leitura na escola

Oliveira (2006, p. 9), ao discutir as características da arte de ilustrar e seu caráter

narrativo, que só faz sentido dentro do livro, no passar de suas páginas, vai distinguir o

que é ilustração dos “bonequinhos” que ele classifica como “doces de coco”. A esse tipo

de ilustração, que ele classifica como apetitosas e açucaradas, bastante aceitas como

infantis, oculta-se uma outra face, “nauseante e repetitiva”. Segundo o autor, “narrar

para e se comunicar com a criança são os requisitos básicos da arte de ilustrar”

(Oliveira, 2009, p. 39).

A literatura infantil nasce com uma marca conservadora e moralizante.

Entretanto, a produção contemporânea têm apontado possibilidades de rompimento com

esta visão, subvertendo e transformando a relação das crianças na/ com/ pela leitura

literária. A literatura infantil, ao se libertar do caráter moralizante, pode ser considerada

arte da palavra. E como a ilustração se consolidou ao longo de sua história como um

elemento fundamental, que traz outros sentidos além dos produzidos pelo texto verbal,

pode-se pensar numa produção artística que conjuga texto verbal e imagético.

Oliveira (2009) considera as imagens de uma ilustração uma compreensão dos

significados construídos pelo ilustrador em relação ao texto verbal e, portanto, como

povoada de muitos sentidos, que são dados a ver ao leitor. Entretanto, a ilustração se

constrói na travessia, entre o olhar da criança e o livro, se constitui no espaço entre as

palavras, que é indefinido. A polissemia das imagens permite “leituras paralelas, portas

secretas para que as crianças possam transpor e realizar plenamente sua própria

imaginação, criação e fantasia” (OLIVEIRA, 2009, p. 50).

Assim como as demais expressões artísticas, a arte de ilustrar teve influências e,

Oliveira (2008, 2009) nos ajuda a compreender as contribuições da pintura à ilustração.

Segundo o autor, pesquisador e ilustrador de livros para crianças e jovens, cuja

produção literária volta-se também para os estudos teóricos da arte de ilustrar, o ato de

criação da ilustração está sempre relacionado com o texto literário e sua condição de

existência dentro de um livro. Desse modo, propõe uma viagem histórica pela trajetória

da ilustração, influenciada por movimentos artísticos do século XIX, desde a era

vitoriana, período no qual os processos de captura e reprodução de imagens

encontravam-se em franco desenvolvimento até a década de 1930, período em que “a

ilustração de livros se individualiza como arte” (OLIVEIRA, 2009, p.12).

Embora a publicação de livros para crianças anteceda o período vitoriano, na

Inglaterra do século XIX, algumas premissas levam o autor a estabelecer esse recorte

temporal. A primeira delas diz respeito ao processo de industrialização que interferiu no

Page 48: o livro ilustrado e a leitura na escola

fato de que o livro para crianças, como hoje em dia conhecemos, tanto do ponto de vista

gráfico quanto conceitual, se popularizou na Europa neste período. Já a segunda, trata

deste período como precursor no estabelecimento de códigos e convenções em sua

linguagem visual que permanecem até a atualidade. O terceiro aspecto diz respeito às

transformações sociais, uma vez que é neste momento que as crianças passam a ser

compreendidas em suas especificidades, distintas das do adulto.

Ainda em relação ao Século XIX, o autor afirma que foi quando a capacidade de

reprodução de imagens ganhou uma dimensão que nunca ocorrera antes é que “foi

essencial para a consolidação do saber e do surgimento de novas linguagens, como é o

caso da ilustração de livros” (Oliveira, p.13).

Sem desconsiderar o que classifica de “alfarrábios da história da ilustração”

(idem, 2009, p. 14) o autor vai resgatar nas origens, a publicação dos primeiros contos

de fadas e, com eles, a história da ilustração que antecede o processo de reprodução dos

livros infantis do período que se dedica a estudar. Para ele, tanto as gravuras para os

Contos da Mamãe Ganso, de Perrault, datadas de 1695, quanto dos irmãos Valentin &

Orson, de 1489, assim como os dois volumes de Le Piacevoli Notti, de Francesco

Straparola, publicados em 1550 e 1553 e O conto dos Contos, de Giambattista Basile,

datado de 1634 e 1636, nos dão pistas de convenções visuais que se perpetuaram no

imaginário de crianças e jovens.

Oliveira traz alguns artistas que se destacaram por criar em um gênero de livro

denominado lítero-visual, cujas influências no que hoje denominamos livro ilustrado,

podem ser identificadas. Oliveira (2009) destaca dois ilustradores ingleses: William

Blake (1757-1827), identificado com temas bíblicos, em 1789, escreveu e desenhou

Canções da Inocência, “poemas em que palavra e imagem se entrelaçam, se

amalgamam e numa expressão única” (idem, p.15); e Edward Lear (1812-1888), um dos

Ilustração 3

Page 49: o livro ilustrado e a leitura na escola

pioneiros na criação de uma obra que associa desenho e poesia, influenciando Lewis

Carrol (1856-1898) ao escrever suas obras, cuja personagem principal é a menina Alice.

Nota-se nas ilustrações abaixo a coexistência de palavras e imagens no mesmo espaço,

ampliando os sentidos conferidos à obra.

Prosseguindo o mapeamento das origens da ilustração de livros para crianças e

jovens, aportamos na França, especificamente em Paris, na primeira metade do século

XIX, onde, segundo Oliveira (idem), atuou um dos mais extraordinários ilustradores

franceses, Ignace-Isidore Grandville (1803-1847), cuja obra projetou-se no século XX

através do surrealismo. A obra de Grandville carrega um hibridismo entre homem e

animal, característico da chamada fisionomia animal6, ao ilustrar, por exemplo, as tão

conhecidas fábulas de La Fontaine, mas também ao expressar as diferentes facetas do

ser humano através do que poderíamos chamar de personagens antropomórficos, em As

Metamorfoses do Dia, como podemos observar na imagem abaixo, cujas personagens-

animais assumem formas humanas, utilizando vestimentas de época e apresentam

comportamentos igualmente humanizados.

6 Sobre isso, ver Oliveira (2009, p. 16).

Ilustração 4

Ilustração 5

Ilustração 6

Page 50: o livro ilustrado e a leitura na escola

Retornando à ilustração inglesa, Oliveira traz um artista que dedicou-se a usar

sua arte como forma de crítica social. Trata-se de George Cruikshank que, através de

“imagens cômicas, grotescas, fantasiosas, mas profundamente expressivas e humanas,

desfilam em seus desenhos, personagens das ruas e dos subúrbios pobres de Londres”

(2009, p.16). Cartunista e ilustrador, Cruikshank também produziu imagens para

inúmeros contos clássicos.

Na ilustração acima, Cruikshank enuncia sua crítica à família real inglesa e, já

naquela época, a ilustração congregava palavras e imagens, revelando um tom

humorístico na representação do monarca.

Aportamos nas terras do Nunca Jamais, território onde destacaram-se os pintores

de Contos de Fadas, movimento artístico inglês que exerceu forte influência na arte de

ilustrar para crianças que tem como repertório o mundo ideal, mítico, povoado de fadas,

príncipes, princesas e duendes, referenciados às peças de William Shakespeare.

Segundo Oliveira (2009, p.17), essas pinturas “parecem visualizar, dar corpo às palavras

e às narrativas das velhas contadoras de histórias ao pé da lareira, cercadas de crianças”.

A obra de Richard Dadd (1817-1896), John Anster Fitzgerald (1819-1906) e Sir Joseph

Paton (1821-1901), importantes artistas e pintores da história da ilustração, construirão,

mais tarde, no princípio do século XX até o final da década de 1930, o Período de Ouro

da Ilustração de livros para crianças, que

deixou como legado toda uma cultura por

imagens que até hoje permanece.

Ilustração 7

Page 51: o livro ilustrado e a leitura na escola

Caminhando para a

segunda metade do século XIX, Oliveira ainda nos confronta com as obras de pintores

acadêmicos franceses, com as influências das escolas e estilos da pintura da época.

Esses artistas, também denominados pejorativamente de pompiers7,por sua dedicação à

arte de ilustrar em um espaço onde se privilegiava a pintura, são contemporâneos dos

Pré-Rafaelitas, oriundos da Inglaterra, e do movimento de pintura alemão denominado

Nazareno, dedicando-se à pintura tanto quanto à ilustração. Suas obras apresentavam

grande poder narrativo e descritivo, elementos básicos para se contar histórias visuais. É

importante marcar que, enquanto os pintores dos Contos de Fadas identificavam-se com

as narrativas orais, os Pré-Rafaelitas, aproximavam-se da narração escrita (OLIVEIRA,

2009, p.20).

Na pintura acima, intitulada, O

7 Art Pompier, na Literatura francesa significa "bombeiro Arte". Esse é um termo pejorativo para se

referir ao academicismo francês na segunda metade do século XIX, sob a influência da Academia de

Belas Artes. O termo refere-se à arte acadêmica com forte ligação às relações de poder, embora muitas

vezes utilize técnicas magistrais falsas e vazias de conteúdo. A origem do apelido é incerto: pode derivar

dos capacetes de figuras clássicas, semelhante ao capacete de um bombeiro, ou de caráter apenas

pomposo e retórico de muitas representações do tempo.

Ilustração 9

Ilustração 8

Page 52: o livro ilustrado e a leitura na escola

Nascimento de Vênus (1879) de William Bouguereau, vemos a deusa Vênus em meio a

essa paisagem onírica, ao centro do quadro, nua, com seus longos cabelos loiros, em

posição sensual. Vênus surge das águas, sobre uma concha. O poder narrativo e

descritivo desta imagem nos envolve e sugere o diálogo com outras pinturas, como obra

homônima de Botticelli.

Após essa breve trajetória das influências da pintura à ilustração, chegamos ao que

Oliveira (idem) denomina de portal de entrada onde nos deparamos com os três

ilustradores que, herdando todas essas influências citadas anteriormente, sintetizam, de

forma particular, o que seja uma ilustração para crianças e jovens, chegando no início

do século passado até a década de 1930. Citamos inicialmente Walter Crane (1845-

1915) que têm suas contribuições localizadas no projeto gráfico, no design do livro por

compreender o livro ilustrado enquanto

Arte sequencial, uma linguagem temporal, um passar de páginas e

manchas de texto, espaços em branco, um suceder de imagens, traços

e cores (...) objeto de arte, onde todas as partes estão interligadas harmoniosamente (OLIVEIRA, 2009, p.22).

Na imagem abaixo, percebemos que alguns recursos bastante utilizados nos

livros contemporâneos já estavam presentes nas obras do ilustrador Walter Crane, por

exemplo, a inter-relação da linguagem verbal e visual, o recurso da página dupla, entre

outros.

Ilustração 10

Page 53: o livro ilustrado e a leitura na escola

Eleanor Vere Boyle (1825-1916) é outro artista que atua na transição do

imaginário visual utilizado pelos pintores de Contos de Fadas para o universo da

ilustração para crianças. Fechamos essa tríade, com Richard Doyle (1824-1883), artista

que “congrega em sua obra todo um repertório de imagens repletas de situações diversas

com elfos, duendes, príncipes e princesas” (idem, p.22). A ilustração de Doyle, trazida

abaixo, representa a relação de coerência necessária ao livro infantil, com e a partir dele

o leitor amplia sua relação com o texto e com o próprio objeto livro. As imagens

suscitam uma infinidade de sentidos que são produzidos entre o texto verbal e visual.

Camargo (2013) contribui com esse diálogo ao afirmar que “a ilustração é uma imagem

que acompanha um texto e não seu substituto” e completa dizendo que “a relação entre

ilustração e texto não é de paráfrase ou tradução, mas de coerência” ampliando as

possibilidades de convergência com o texto.

Muitos outros artistas poderiam aqui ser citados, como referência de estilos

diferentes e servir de ponto de partida para pensar a produção contemporânea. De fato a

inter-relação entre palavras e imagens já estava presente em produções de outras épocas

e influenciaram o modo como a ilustração é pensada atualmente, como é o caso do livro

ilustrado. As referências trazidas servem como ponte que levam a pensar as produções

contemporâneas e, em especial, o livro ilustrado. Diante de tantas influências, o que

distingue o livro ilustrado das demais produções contemporâneas? Quais as

características que definem o que é livro ilustrado?

Ilustração 11

Page 54: o livro ilustrado e a leitura na escola

2.1 Literatura infantil contemporânea - o livro ilustrado

Parreira (2008, p.40) considera que “uma obra literária pode servir como

entretenimento e como uma ponte para crianças e aproximar de seu imaginário, de seu

mundo interno, pelas imagens que proporciona e pelas que evoca no leitor”. Tomando a

ideia de arte literária como ponte, na sessão a seguir, busco traçar um elo de ligação

entre as influências da pintura para compreendermos o quanto estas inspiraram

produção do livro ilustrado contemporâneo. Tecemos a costura desta história, indo ao

encontro do livro ilustrado, produção literária cuja história ainda está por ser escrita.

Para Linden (2011, p. 24) o livro ilustrado é

uma forma de expressão que traz a interação de textos (que podem ser

subjacentes) e imagens (espacialmente preponderantes) no âmbito de um suporte, caracterizada por uma livre organização da página dupla,

pela diversidade de produções materiais e por um encadeamento

fluido e coerente de página para página.

O conceito de livro ilustrado parece amplo, indefinido, cabendo uma infinidade

de tipo e formatos, escapando a qualquer tipo de classificação, o que supõe uma leitura

que acompanhe a multiplicidade de possibilidades de seu suporte. Linden (idem, p. 157)

aponta ainda que a diversidade e flexibilidade desta produção “contrariam as tentativas

de modelização de seus princípios”.

Assim como Linden (2011), Moraes, Hanning e Paraguassú (2012, p. 9)

apontam que a diferença entre um livro ilustrado e um livro com algumas ilustrações

está justamente no que eles não são. Pode parecer estranho, mas para os autores, “seus

extremos não são difíceis de apontar, pois uma obra cuja ilustração apareça só na capa

não deve ser chamada de livro ilustrado, e um livro com a narrativa construída só com

imagens é claramente um livro ilustrado.” Portanto, o livro ilustrado é justamente o que

está “entre esses dois termos”. Nikolajeva & Scott (2011, p. 13) apontam para o que

denominam de “caráter ímpar dos livros ilustrados como forma de arte”. Para as

autoras, este tipo de produção “baseia-se em combinar dois níveis de comunicação, o

visual e o verbal.” Belmiro (2014, p. 1) também discute a enorme variedade de

propostas e tendências abarcadas pelo conceito de livro de ilustrado. Segundo a autora,

a interdependência entre a linguagem verbal e visual “é que constitui a natureza própria

desse gênero”.

Linden (2011, p. 11) acrescenta:

Page 55: o livro ilustrado e a leitura na escola

o códex, formato do livro tal como conhecemos hoje (…) é um

suporte que foi concebido para abrigar um texto verbal escrito. O livro

ilustrado, pelo contrário, apresenta predominância de imagens. Dos

primeiros aos contemporâneos, o lugar, o status e a função da imagem passaram por inúmeras evoluções.

Os estudos mostram que a materialidade do livro, no caso do livro ilustrado,

aponta para uma narrativa aberta, onde cabem diferentes e múltiplos sentidos e de onde

falam/ dialogam diversas vozes e, portanto, cabe um sem número de leituras. Bourdieu

afirma que “quando o livro permanece e o mundo em torno dele muda, o livro muda”,

pois o universo dos leitores mudou (BOURDIEU & CHARTIER, 1996, p. 250). No

momento da leitura, o leitor se constitui, se identifica, se recria, interagindo com o texto

e o contexto em que se encontra. Os universos do leitor, do texto e do autor dialogam.

Por isso, as relações entre o escrito, o ilustrado e o lido produzem sentidos plurais.

Como já exposto anteriormente, a xilogravura sucedida pela litografia,

representou um avanço na impressão de textos e imagens nos livros infantis. Em 1835,

em Genebra, Rodolphe Töpffer recorre à litografia para produzir imagens

acompanhadas de textos manuscritos. Dezoito anos mais tarde, na Alemanha, Heinrich

Hoffmann promove um diálogo entre narrativa verbal e os desenhos em João Felpudo.

Com o objetivo de criar uma narrativa que se distanciasse dos objetivos moralizantes da

época, mas incorrendo no mesmo equívoco ao criar a personagem bizarra. João Felpudo

não gostava de tomar banho, nem cortar as unhas e o cabelo e, como consequência, não

tinha companhia para brincar. Para ser aceito e ter amigos, resolve deixar de ser o João

Felpudo, para ser somente o João.

Ilustração 12

Page 56: o livro ilustrado e a leitura na escola

A tradução do texto verbal, feito pela autora Angela Lago na ultima reedição do

livro, expressa o sentimento de repulsa das personagens e, as imagens criam uma

criatura sinistra, ampliando a ideia que se pretende criar para o menino, como podemos

observar a seguir:

Olha pra ele! Olha só!

Cabelo e mãos de dar dó.

As unhas nunca cortou,

cor de carvão, um horror! Água? Nunca! Ô fedor!

E cada dia é pior!

Qualquer coisa é melhor que esse João Catimbó.

O desenvolvimento das técnicas de impressão reuniu os caracteres topográficos

e imagens na mesma página, possibilitando a produção em maior escala dos livros,

caminhando para a elaboração do que viriam ser os primeiros livros ilustrados a partir

de 1860, como é o caso do O dia da senhorita Lili, título francês de Hetzel8, publicado

em 1962. Outros tantos autoresilustradores produziram obras que mereceriam destaque,

dentro do contexto europeu. Mas o inventor do livro ilustrado moderno, ao entrelaçar

textos e imagens cujo sentido se revela complementar, concebendo uma engenhosa

justaposição de ambos, segundo Maurice Sendak, também autor e ilustrador de

referência, é Randolph Caldecott9.

Em 1919, Edy-Legrand publica Macao e Cosmage, consagrando a inversão da

predominância da imagem sobre o texto no livro com ilustração, anunciando o que o

pesquisador Michel Defourny afirma ser o livro ilustrado contemporâneo infantil. No

8 Pseudônimo do editor Lorentz Frölich. 9 Caldecott, Randolph. A casa que Jack construiu. Nova Iorque: George Routledge & Sons, 1978. (1ª

edição de 1878).

Ilustração 16

Ilustração 13

Page 57: o livro ilustrado e a leitura na escola

ano seguinte, com a série de aventuras do pássaro Gedeão, Benjamin Rabier “trabalha

em particular a diagramação, organizando espacial e semanticamente a disposição das

vinhetas e dos textos em função da expressão escolhida” e, dessa forma, “o espaço da

página recria um espaço fictício” (Oliveira, 2006, p. 15).

Ampliando as possibilidades que o livro ilustrado pode oferecer, enquanto

suporte, Jean de Brunhoff, autor de A história de Babar, publicado em 1931, estabelece

uma relação entre imagens e textos sobre o suporte, legitimando a página dupla como

espaço narrativo, encadeado de forma coerente nas páginas do livro.

Nos anos compreendidos entre 1950-60, Robert Delpire, publicitário e editor de

arte, dedica-se a ampliar o espaço e o status da imagem dentro do livro, levando em

consideração a materialidade deste e o cuidado dispensado ao conjunto de seus

componentes, incluindo aí a tipografia, anunciando a importância do aspecto visual nos

livros ilustrados contemporâneos, como é o caso de Onde vivem os monstros,

considerada a obra-prima de Maurice Sendak, introduzindo uma nova concepção da

imagem, que permite a representação do inconsciente infantil (LINDEN, 2011, p. 17).

Ilustração 15

Ilustração 14

Page 58: o livro ilustrado e a leitura na escola

Todavia, em função das inúmeras alterações que esse tipo de produção propicia

nos anos seguintes, é possível observar o rompimento das imagens com a

funcionalidade pedagógica, a qual a literatura infantil originalmente relacionava-se de

maneira intrínseca.

De acordo com Linden (2011), entre os anos 1970-80, na Europa, pequenas

editoras começam a explorar novos caminhos para o livro ilustrado, multiplicando

livros-imagem. Na década seguinte, iniciativas editoriais inovadoras caminham em

busca da concepção do livro ilustrado contemporâneo em sua amplitude, adaptando as

mensagens linguísticas às representações plásticas de estilo gráfico inusitado e, ainda,

com conteúdos que percorrem do humor, às narrativas minimalistas perpassando as

sutilezas de temas abordados. Na mesma época são elaboradas produções que se

diferenciam por sua forte preocupação visual e profunda filiação artística, como é o caso

das obras de Kveta Pacovská, entre outras.

Ilustração 16

Ilustração 17

Page 59: o livro ilustrado e a leitura na escola

Ao evocar duas linguagens: o texto e a imagem, propondo uma significação

articulada de ambas, a leitura do livro ilustrado supõe a apreensão conjunta do que está

escrito ao que é mostrado. Linden (2011, p 8-9), ao discutir as possibilidades de leitura

desse objeto, acrescenta

Ler um livro ilustrado é também apreciar o uso de um formato, de

enquadramentos, da relação entre capa e guardas com seu conteúdo; é

também associar representações, optar por uma ordem de leitura no

espaço da página, afinar a poesia do texto com a poesia da imagem, apreciar os silêncios de uma em relação à outra... Ler um livro

ilustrado depende certamente da formação do leitor.

Segundo Nikolajeva & Scott (2011), tem-se observado que o livro ilustrado,

muito mais do que um livro com imagens ou de imagem, apresenta a narrativa

imagético-verbal como possibilidade de que tanto as palavras quanto as imagens podem

fornecer alternativas ou, de algum modo, se contradigam, apresentando uma diversidade

de leituras e interpretações, (re) significando, inclusive, a relação entre autor/ilustrador e

projeto gráfico.

Para as autoras o conceito de livro ilustrado parte do pressuposto de que ele é

uma expressão da arte e “baseia-se em combinar dois níveis de comunicação, o visual e

o verbal e, portanto, comunicam por meio de dois conjuntos distintos de signos, o

icônico e o convencional” (idem, p.13).

Ao analisar diferentes títulos literários dedicados às crianças, assim como

Linden (2011), ambas constroem categorias que contribuem para pensarmos essa

produção literária e, no livro ilustrado em relação à

Definição de critérios para a sua classificação, residindo

principalmente a sua especificidade na relação intersemiótica

estabelecida entre as duas componentes, verbal e pictórica, que o informam – ainda que apresente um conjunto de características

externas e de índole paratextual que lhe são peculiares, e que estão

especialmente relacionadas com a edição e a composição gráfica da

publicação -, e que, numa relação articulada e complementar, produzem, em conjunto, significação (RODRIGUES, 2009, p. 2-3).

Hunt (2010, p. 234), ao afirmar que “os livros ilustrados podem desenvolver a

diferença entre ler palavras e ler imagens”, não restringindo-os segundo uma sequência

linear, podendo “orquestrar o movimento dos olhos” (idem, ibidem) acrescenta que é

justamente em função dessas possibilidades de interação verbal-visual que temos dois

Page 60: o livro ilustrado e a leitura na escola

argumentos, escalonados separadamente ora propondo um mútuo reforço ou

contraponto, antecipação, expansão, apresentando um grande potencial semiótico e

semântico.

No Brasil, a história do livro infantil pode ser dividida em “antes e depois de

Monteiro Lobato”. Até o início do século XX, os poucos livros de literatura infantil que

chegavam ao país eram estrangeiros e, em geral, ilustrados em preto e branco. Nos anos

de 1920, Lobato percebeu que “o país necessitava de um parque gráfico à altura de suas

necessidades”, como afirma Lima (2009, p.31). Na década de 1970, vemos a produção

nacional de edições de livros voltados especificamente ao público infantil oferecendo a

possibilidade de leitura de narrativas curtas onde há predominância das imagens. A

coleção Gato e Rato, de Mary e Eliardo França, é um exemplo de livros com ilustrações

que povoaram o imaginário de muitas gerações, embora não se encaixe na proposta de

livro ilustrado. Por outro lado, Ziraldo, ao lançar Flicts, trouxe inovações à literatura

infanto-juvenil no país, com seu projeto gráfico arrojado.

Na década seguinte, outros artistas trazem influências inovadoras para a

literatura infantil. Rui de Oliveira, Juarez Machado, Eva Furnari e Angela Lago

destacam-se por suas narrativas visuais de fino tratamento gráfico.

Nos anos 1990, assistimos a novas mudanças no trato visual do livro infantil

brasileiro, quando uma geração de ilustradores-designers dedica-se a (re)pensar tanto o

projeto gráfico quanto as novas tecnologias de produção impressão da imagem, dando

um ar sofisticado às novas publicações, elevando a qualidade do produto final. Nesse

período, destacam-se os trabalhos de Roger Mello, Mariana Massarani, Graça Lima,

Ivan Zigg, Guto Lins, Marilda Castanha, Nelson Cruz, Ciça Fitipaldi, Odilon Moraes,

entre outros (LIMA, 2009, p.33).

Como podemos notar, numa das páginas duplas do livro “Ossos do ofício”, de

autoria do autorilustrador Roger Mello, o texto verbal é disposto no espaço em função

Ilustração 18 Ilustração 19

Page 61: o livro ilustrado e a leitura na escola

das ilustrações, tornando-se ele próprio uma imagem, ampliam os sentidos produzidos

pela narrativa. Podemos observar que narrativa verbal e visual “conversam”, com uma

clara intenção de produzir uma leitura dialógica.

Segundo Lima (2009), o início do século XXI é marcado pelo aumento no

número de ilustradores como Fernando Vilela, Suppa, Ana Terra, entre outros. Da

mesma forma, o uso de novas tecnologias continua influenciando na geração de novas

linguagens e ampliando as possibilidades de leitura do livro infantil. André Neves é um

desses autoresilustradores que se valem das novas tecnologias para criar livros que são

verdadeiros poemas visuais. A imagem abaixo, retirada do livro Obax, tocam o leitor

com a expressão do profundo sentimento entre mãe e filha.

Já Fernando Vilela, outro autorilustrador contemporâneo utiliza os recursos

tecnológicos para dar forma ao encontro entre personagens de tempos e espaços

distintos, propondo algo inusitado: a luta entre Lampião e Lancelot. Com isso,

assistimos ao crescimento vertiginoso de obras e artistas que se propõem a criar e pensar

a produção de obras contemporâneas desde o projeto gráfico, como é o caso do livro

ilustrado.

Ilustração 20

Ilustração 21

Page 62: o livro ilustrado e a leitura na escola

Já Suzy Lee (2012, p.146), autora e ilustradora coreana, ao discutir a imagem na

produção literária contemporânea para crianças, afirma que “algumas histórias pedem

para ser faladas na língua das imagens e tratadas com a lógica visual”. Para ela, “o livro

não é um receptáculo para informações, mas a expressão artística significativa em si

mesmo” (idem, p.106).

Trazendo contribuições para pensar na relação entre palavras e imagens, Corsino

(2003, p.98) afirma que ambas “ocupam posição primordial na elaboração do

pensamento assim como da formação da consciência. Entendemos a linguagem como

função criativa da imaginação e como necessária para alimentar o imaginário”.

Na literatura infantil, texto verbal e visual nos conduzem à experiências

estéticas, deixando rastros e permitindo que, através de suas frestas se crie algo novo.

Para Vigotski (2009) a atividade criadora é uma característica humana, é toda e

qualquer ação em que se cria algo novo, independente de ser material ou mental. O

autor relaciona imaginação à realidade e seus estudos permitem pensar a imaginação

como base de toda atividade criadora, como um ato dos os homens. Enquanto nos

relacionamos com o mundo, vivenciamos experiências e, nosso cérebro conserva essas

Ilustração 23

Ilustração 22

Page 63: o livro ilustrado e a leitura na escola

marcas, que contribuem para a reprodução, mas também dispõe de uma função criadora

que combina e reelabora os elementos de nossas experiências anteriores de forma a criar

o novo. Vigotski afirma, ainda, que o homem necessita de representar a própria vida de

diferentes maneiras, extrapolando a realidade cotidiana. Ao pensarmos a literatura como

arte expressa por palavras e imagens, temos a possibilidade de viajar nas asas da

imaginação e, com isso, despertar sentimentos, sensações, imaginar outros lugares e

situações inusitadas.

De fato, é preciso pensar em formas de interação das crianças com os livros na

escola, tendo em vista que elas são sujeitos situados, que vivem o seu tempo histórico,

suas interações no mundo trazem também elementos de transformação do suporte e da

leitura. Nesse sentido, as narrativas ouvidas e/ou lidas, constituem sua subjetividade e, é

pelo viés da imaginação, da fabulação, que vão preenchendo os vazios e se apropriando

da realidade.

Para Cândido (2011, p.176) a literatura é um direito e, nesta perspectiva, a escola

não pode prescindir de democratizá-la às crianças, jovens e adultos. O autor entende a

literatura como parte importante do processo de constituição da subjetividade e de

humanização. Ao considerá-la como manifestação cultural universal de todos os

homens, em todos os tempos, afirma que não há povo e não há homem que possa viver

sem ela, isto é, sem a possibilidade de entrar em contato com alguma espécie de

fabulação, que pode ser compreendida como toda e qualquer criação ficcional ou

poética considerada pelo autor como mola mestra da literatura em todos os níveis e

modalidades (idem, p.177). Esta necessidade de fabulação do sujeito pode ser entendida

como a criação ficcional ou poética durante a vigília, ou o que seria compreendido

como o sonho acordado.

As questões que tenho perseguido ao longo deste trabalho se fazem ainda mais

latentes: Como se dá a leitura de livros ilustrados, em turmas de crianças de 5 e 6 anos

de idade, na escola? Como crianças e professores lêem o livro ilustrado no coletivo de

uma turma de pré-escola?

2.2 Práticas de leitura: suportes e mediações

Nesta sessão, apresento a discussão acerca das práticas de leitura, tendo como

referência os estudos de Chartier (1996) para pensar a produção cultural contemporânea

e sua apropriação pela escola.

Page 64: o livro ilustrado e a leitura na escola

Chartier (1996, p. 122) traz uma reflexão importante ao apontar a aparente

contradição existente entre o “caráter todo-poderoso do texto” e a “liberdade primordial

do leitor”, que para ele tem o sentido de:

identificar para cada época e para cada meio as modalidades

partilhadas de ler – aos quais dão formas e sentidos aos gestos

individuais – e que coloca no centro de sua interrogação os processos pelos quais, face a um texto é historicamente produzido um sentido e

diferenciadamente construído uma significação.

De acordo Chartier (1996, p. 11) “um texto só existe se houver um leitor para lhe

dar um significado” e, para tanto, a leitura é concebida como atividade que permite

reapropriações, desvios, resistência. Indo ao encontro ao pensamento de Chartier,

Queirós (2012, p. 61) aponta que

a leitura guarda espaço para o leitor imaginar sua própria humanidade e apropriar-se de sua fragilidade, com seus sonhos, seus devaneios e

sua experiência. A leitura acorda no sujeito dizeres insuspeitados

enquanto redimensiona seus entendimentos.

Segundo o autor, há a leitura como prática criadora, atividade produtora de

sentidos singulares, de significações que não são redutíveis às intenções dos autores ou

de quem produz o impresso, mas há também o autor, o comentador e/ou editor dos

textos que tentam exercer um controle sobre o sentido que os leitores vão atribuir aos

impressos, visando aproximá-los ao máximo de uma “compreensão correta”, de uma

“leitura autorizada” (CHARTIER, 1996). Contudo, é exatamente nas fendas dessa

leitura que vai empreender seus esforços, considerando a relação entre a “liberdade dos

leitores” e as “tentativas de controle dessa liberdade”.

Como historiador Chartier vai empreender esforços no sentido de compreender

tanto a “materialidade dos textos” quanto o que ele denomina de “corporalidade dos

leitores” (CHARTIER, 1996, p. 258). Desse modo, o processo pelo qual são atribuídos

sentidos aos materiais impressos só podem ser reconstituídos a partir da relação entre

três aspectos: o texto, o objeto que lhe serve de suporte e a prática que dele se apodera

(CHARTIER, 1996, p. 127).

Chartier (1996) considera que a primeira grande revolução da história do livro

foi o salto do rolo de papel para o códice, ou seja, o volume encadernado, que mantém

suas convenções há séculos. Segundo ele, a grande revolução está sendo o salto para o

suporte eletrônico, no qual é a mesma superfície (uma tela) que exibe todos os tipos de

Page 65: o livro ilustrado e a leitura na escola

obra já escritos. As mudanças na relação entre o leitor e o material escrito, determinadas

pela tecnologia, alteram também o próprio modo de significação - antes do códice, por

exemplo, era impossível ler e escrever num mesmo momento porque as duas mãos

estavam ocupadas em segurar e mover o rolo. Com o códice os gestos de leitura se

alteraram, assim como a relação com o impresso.

Para o autor, “as formas materiais de escrita afetam o significado dos textos.

Esta é a forma do objeto escrito, do formato do livro, do layout, da presença ou não da

imagem, etc.” (CHARTIER, 1996). A materialidade do impresso implica nos modos

como o leitor se apropria dele. No caso do livro ilustrado, observa-se não apenas a

presença, mas a predominância das imagens sobre o texto verbal. Além disso, os

diversos formatos e demais aspectos paratextuais e tipográficos em geral, alteram o

significado dos textos bem como os sentidos que lhe são atribuídos.

Em “Raposa”, um dos livros ilustrados lidos com e para as crianças no campo

empírico, a proposta do projeto gráfico implica em uma leitura guiada pelos indícios

deixados pelas imagens ao longo das páginas duplas. A aposta nesta leitura como

“jogo”, cujo público infantil e geralmente não-alfabetizado se dirige, implica em uma

outra relação com o impresso. Como podemos notar, a sequência de imagens abaixo

traz cenas da leitura individual, que se sucedeu à leitura coletiva. Observa-se que numa

mesma página dupla, o suporte propõe como desafio, diferentes formas de ler o texto

verbal e interagir com as imagens.

Sequência 1

Page 66: o livro ilustrado e a leitura na escola

Chartier (1996, p. 78) afirma que

os atos de leitura que dão aos textos significações plurais e móveis

situam-se no encontro de maneiras de ler, coletivas e individuais, herdadas ou inovadoras, íntimas ou públicas e de protocolos de leitura

depositados no objeto lido, não somente pelo autor que indica a justa

compreensão de seu texto, mas também pelo impressor que compõe as formas tipográficas, seja com um objetivo explícito, seja

inconscientemente, em conformidade com os hábitos de seu tempo.

O autor enfatiza uma leitura intensiva de um pequeno número de livros (a Bíblia,

as obras de piedade, o almanaque), lidos e relidos em voz alta, uma leitura coletiva, que

se dava no seio da família ou na igreja, leitura essa que é “reverência e respeito pelo

livro porque ele é raro, porque está carregado de sacralidade mesmo quando é profano,

porque ensina o essencial”; e uma leitura extensiva, de diversos textos, de maneira

íntima, individual, silenciosa, porém “laicizada, porque as ocasiões de ler se emancipam

das celebrações religiosas, eclesiásticas ou familiares e porque se espalha um contato

mais desenvolto com o impresso” (idem, p. 86).

As influências do design ao projeto gráfico dos livros ilustrados reatualizaram as

práticas de leitura, uma vez que a predominância das imagens suscita uma outra relação

com o impresso. O caráter híbrido, das diferentes obras literárias, exige do leitor,

mesmo os mais experientes, competências cada vez mais elaboradas. A narrativa aberta,

polissêmica, polifônica, convoca o leitor a tomar parte da história e a produzir múltiplos

sentidos, o que implica em uma mediação mais dialógica.

No capítulo a seguir, apresento os sujeitos do campo pesquisado, seu cotidiano,

suas rotinas e evidencio os espaços-tempos da literatura infantil na Educação Infantil do

Colégio Pedro II.

Page 67: o livro ilustrado e a leitura na escola

3. CONTEXTUALIZANDO O CAMPO

Neste capítulo, apresento os espaços-tempos no campo pesquisado em diálogo

com o projeto-proposta político-pedagógica que fundamenta o trabalho realizado na

Educação Infantil do Colégio Pedro II. Trago ainda, a contextualização do grupo

pesquisado e, ainda, algumas práticas de leitura da turma observada.

A instituição pesquisada atende à Educação Básica, desde a Educação Infantil,

até o Ensino Médio. O Colégio Pedro II compõe a rede federal de Ensino Básico

Técnico e Tecnológico (EBTT) e, há algum tempo, vem oferecendo cursos de extensão,

aperfeiçoamento e mestrado profissional.

A Educação Infantil do Colégio Pedro II é ofertada no campus Realengo I, zona

norte do município do Rio de Janeiro, implantada em 2012. Dos oito campi, é um dos

mais recentemente inaugurados, atendendo, desde 2008, estudantes dos anos finais do

Ensino Fundamental e Ensino Médio, além de educação de jovens e adultos de nível

profissionalizante. A partir de 2010 foi ampliada a oferta de vagas para os anos iniciais

do Ensino Fundamental.

O ingresso das crianças da Educação Infantil e, anos iniciais do Ensino

Fundamental, se dá por meio de sorteio público, o que garante a diversidade

socioeconômica e cultural do corpo discente. Já nos anos finais do Ensino Fundamental,

Ensino Médio e demais cursos, há concurso de admissão, os estudantes fazem provas de

Língua Portuguesa, Matemática e, em alguns casos como, por exemplo, o Ensino Médio

Integrado de Meio Ambiente, de conhecimentos específicos. Entretanto, 50% das vagas

são reservadas aos estudantes que cursaram os últimos quatro anos em instituição

pública de ensino, o que, de alguma forma, garante também a diversidade dos

estudantes que são aprovados.

A Educação Infantil do Colégio Pedro II atende uma média de 145 crianças, na

faixa etária entre 4 e 6 anos, em horário parcial, nos turnos da manhã e da tarde. Em

2013 havia três turmas do Grupamento II e duas do Grupamento III, por turno. Cada

turma do Grupamento II atendia a 12 crianças, já no Grupamento III, havia 18 crianças

em cada turma. Além disso, todas as turmas eram atendidas por duas professoras de

Educação Infantil, que trabalhavam juntas na mesma sala.

Page 68: o livro ilustrado e a leitura na escola

Após essa breve descrição dos aspectos mais gerais do Colégio Pedro II, inicio a

descrição mais específica do campo empírico. Desse modo, iniciamos nosso percurso

pelos espaços-tempos da Educação Infantil do CPII, conhecendo a estrutura física, bem

como os recursos humanos destinados a esta etapa da Educação Básica. Trago, para

melhor elucidar esta descrição, algumas fotografias retiradas durante o período que

estive no campo.

3.1 Espaços-tempos na/ da Educação Infantil do Colégio Pedro II

Neste item dedico-me a descrever os espaços-tempos na/ da Educação Infantil

do Colégio Pedro II, desde a chegada das crianças à escola até a saída, com exceção dos

espaços-tempos dedicados à literatura infantil que, em função dos objetivos desta

pesquisa, constam em uma sessão específica.

Hora da entrada/ saída

As crianças do turno da manhã chegam à escola por volta das 7h e aguardam do

lado de fora a abertura do portão, às 7h10. O portão abre pontualmente às 7h10 e

meninos e meninas entre 4 e 6 anos se despedem dos seus responsáveis: pais, mães,

avós e entram na escola. Muitas famílias utilizam transporte escolar.

Pouco antes da abertura do portão, professores e funcionários de apoio

aguardam, do lado de dentro. Tão logo os portões se abrem, os professores agrupam as

crianças por turma, aguardando por um pequeno período de tempo a chegada de todas.

Em seguida, seguem pela entrada do prédio do primeiro segmento do Ensino

Fundamental, contornam a quadra de esportes, e atravessam uma viela até o portão e

chegam ao prédio da Educação Infantil.10

Junto com os professores, cada grupo vai se encaminhando às suas salas e, a

partir daí, realizam suas atividades, de acordo com os horários e rotinas estabelecidas.

10 O prédio onde funciona a Educação Infantil, nesta instituição, foi construído com subsídios do

Programa Nacional de Reestruturação e Aquisição de Equipamentos para a Rede Escolar Pública de

Educação Infantil (Pró Infância). Conforme consta na página do Fundo Nacional de Desenvolvimento da

Educação – FNDE em relação ao Pró Infância, “os recursos destinam-se à construção e aquisição de

equipamentos e mobiliário para creches e pré-escolas públicas da educação”. Infantil Sobre isso, ver:

http://www.fnde.gov.br/programas/proinfancia/proinfancia-perguntas-frequentes

Page 69: o livro ilustrado e a leitura na escola

Logo após o almoço, as crianças retornam à sala e se organizam para a saída,

que é feita do mesmo modo que a entrada. Habitualmente, as turmas caminham de volta

até o portão de entrada do Campus I e, assistidas pelos professores e funcionários que

atuam junto aos estudantes dos anos iniciais do Ensino Fundamental, as crianças

aguardam a chegada dos pais e/ou responsáveis, sentadas no “meio-fio”.

O longo trajeto, do portão principal até o prédio da Educação Infantil, separa

fisicamente os pais e/ ou responsáveis, da escola. Embora exista um portão de acesso ao

prédio da Educação Infantil, que só é liberado em caso de chuva, institucionalmente

essa distância fica bem demarcada.

Entrando no prédio da Educação Infantil

Logo na entrada, nos deparamos com uma área externa, emoldurada por

canteiros de plantas, que dá acesso a outro portão e, esse nos leva ao pátio coberto. Ao

lado deste portão, há um anexo, onde ficam as salas da coordenação, direção, dos

servidores, almoxarifado, banheiros dos servidores, unidos por um pequeno hall onde

também funciona uma sala de espera. O acesso ao anexo pode acontecer tanto pela área

externa quanto pela área interna, por portas de vidro.

Fotografia 3 Fotografia 4

Fotografia 5 Fotografia 6

Page 70: o livro ilustrado e a leitura na escola

Ao longo de toda a extensão do pátio há diversas portas, que dão acesso a

diferentes espaços. Numa delas está o refeitório: de um lado ficam as mesas e cadeiras

onde as crianças lancham e almoçam; do outro, a cozinha.

Logo após o refeitório há a sala de Artes Visuais. Pequenos nichos organizam os

materiais utilizados nesta sala: canetinhas, giz de cera, lápis de cor, cola, tesoura, tintas,

pincéis, entre outras coisas. No meio da sala há uma enorme mesa retangular e dois

bancos que acompanham a extensão da mesa. Bem próximo à mesa, há dois balcões:

um mais baixo, com duas pias, da altura das crianças e outro, um pouco mais alto, com

apenas uma pia. As crianças têm aula de Artes Visuais duas vezes por semana com uma

professora contratada para o Departamento Desenho e Artes Visuais do CPII.

Ao lado da sala de Artes Visuais, estão três salas de turmas do Grupamento II11

e, a última porta do lado direito nos conduz à sala onde são guardados os materiais

utilizados nas aulas de Educação Física: bolas, cones, cordas entre outros materiais. As

crianças da Educação Infantil têm aula de Educação Física todos os dias da semana,

com duas professoras, em dias distintos e assim como a professora de Artes Visuais,

ambas foram contratadas para o Departamento de Educação Física e Folclore do

Colégio Pedro II.

O trabalho pedagógico, segundo o Projeto de Implantação da Educação Infantil

no Colégio Pedro II, evidencia a importância da formação cognitiva, social e cultural do

sujeito, com ênfase no eixo do Movimento, uma vez que considera-o “o principal meio

de expressão” e “atividades como jogos, danças e teatro são primordiais porque

aumentam e fazem evoluir as possibilidades de comunicação por meio do corpo”

(Colégio Pedro II, 2011, p. 19).

O movimento ou a linguagem corporal são expressões privilegiadas, como

explicita o documento, mas também ficou claro no período em que estive no campo

empírico pois, como já foi dito antes, as atividades de Educação Física aconteciam

diariamente, por 45 minutos, em cada uma das turmas da Educação Infantil. Nesta

perspectiva, as demais linguagens ficaram relegadas a um nível secundário no referido

documento.

11As crianças do Grupamento II precisam ter 4 anos completos até 31 de março do referido ano e,

algumas delas, completam 5 anos após essa data, conforme prevê o edital de sorteio público. Desse modo,

podemos dizer que a faixa etária destas turmas está compreendida entre 4 e 5 anos.

Page 71: o livro ilustrado e a leitura na escola

Atravessando um corredor coberto, colado ao um espaço gramado, alcançamos o

outro lado do pátio que leva à sala de Música. Nesta sala há uma estante onde são

guardados alguns instrumentos de percussão e um som portátil. As crianças têm aula de

Música duas vezes por semana com uma professora de Música, contratada pelo

Departamento de Música.

No Projeto de Implantação da Educação Infantil do CPII, podemos observar, na

sessão que trata das diferentes linguagens, um discurso que valoriza a expressão oral,

escrita, da comunicação por meio das novas tecnologias da informação, mas a artística,

é apresentada separadamente da musical, o que confere ambiguidade na concepção do

que é Arte (COLÉGIO PEDRO II, 2011, p. 19).

Após a sala de Música, temos as duas salas do Grupamento III, dentre as quais a

das crianças e professoras da turma cuja pesquisa de campo foi realizada. Ao lado da

sala da turma pesquisada, temos outra sala, denominada de “Sala dos Fantoches” pelos

próprios professores da escola, onde são guardados fantoches e palco de madeira, uma

“arara” com fantasias penduradas em cabides, bonecas, berços, carrinhos de bebê,

panelinhas e outros objetos de dramatização. Este espaço também possui uma estante

onde fica um notebook conectado a um equipamento de projeção – datashow – e, acima

da janela que dá acesso ao pátio interno, uma tela onde são projetados filmes e imagens.

Ao lado desta sala, estão dois banheiros, separados por um espaço, sendo um

somente para meninos e o outro para meninas. Após os banheiros, temos a Sala de

Leitura. Caminhando em direção ao portão de entrada/ saída, passamos pela Sala de

Informática, com mesas adequadas ao tamanho das crianças da Educação Infantil e

computadores (notebook). As crianças têm aula de Informática duas vezes por semana

com uma professora de Informática, contratada pelo Departamento de Informática

Educativa.

Como podemos observar, todos os professores que atuam junto às crianças da

Educação Infantil passaram por Processo Seletivo e foram contratados por até dois anos.

Em 2013 não havia nenhum professor do quadro efetivo atuando na Educação Infantil

(o concurso para efetivo foi realizado neste ano).

Ao lado da Sala de Informática há uma pequena sala onde são guardadas as

folhas de ponto dos servidores bem como os diários de classe que precisam ser

preenchidos diariamente pelos professores. Ao lado desta salinha há um espaço fechado

por um portão onde fica uma casa de madeira com utensílios de cozinha entre outros,

Page 72: o livro ilustrado e a leitura na escola

que as crianças costumam brincar de “casinha”, “mãe e filho/a”, entre outras

brincadeiras.

Pátio

Em alguns momentos os grupos se encontram no pátio externo. As crianças dos

diferentes grupamentos se conhecem e interagem neste espaço. Cada grupo se organiza

em m espaço do pátio para brincadeiras de livre – escolha. As crianças correm de um

lado para o outro. Brincam de futebol, dramatizam situações com velocípedes,

cavalinhos e outros bichos de borracha. Trazem brinquedos da sala: celulares, bonecos,

panelinhas, etc.

Fotografia 7 Fotografia 8

Fotografia 9

Fotografia 10 Fotografia 11

Page 73: o livro ilustrado e a leitura na escola

Observei que, geralmente, quando as crianças vão para o pátio, não há uma

diretividade por parte dos adultos, que permanecem no espaço observando, atendendo à

solicitações em situações de conflito e, em alguns momentos, brincando com elas. Além

disso, percebi que não há um horário pré-determinado para o uso do pátio. Esse uso

varia de acordo com o planejamento de cada turma e, em diversos momentos, mais de

um grupo utiliza o espaço, o que propiciava a interação das crianças e professores de

diferentes turmas.

Fotografia 12

Fotografia 13

Page 74: o livro ilustrado e a leitura na escola

Todas as salas ficam em torno do pátio externo, cimentado e com uma parte

coberta, bem ampla, onde estão disponíveis os pneus, os cavalinhos de borracha e

bambolês. Porém, há um espaço descoberto, com uma árvore na lateral, próxima a sala

da turma pesquisada. Nos fundos, há um gramado, com uma “caixa de areia”12

de um

lado e um chuveiro encostado na parede e, uma torneira, onde é conectada uma

mangueira onde as crianças tomam banho nos dias de calor. O banho de mangueira

acontece de acordo com o planejamento das turmas.

3.2 A turma investigada – os sujeitos da pesquisa

A turma investigada é composta por 10 meninos e 8 meninas na faixa etária

compreendida entre 5 e 6 anos. Em função do Campus Realengo I ser o único a oferecer

vagas à Educação Infantil, as crianças atendidas são oriundas de diferentes bairros da

cidade do Rio de Janeiro. No grupo pesquisado, mais da metade mora próximo ao bairro

de Realengo, onde está situada a escola e, as demais, em bairros da zona norte do

município do Rio de Janeiro.

Trabalham diariamente com este grupo duas professoras de Educação Infantil,

contratadas pela Pró-Reitoria de Ensino13

. Assim como os demais professores que

atuavam em 2013 na Educação Infantil, ambas fazem parte do quadro de professores

contratados. Uma delas teve seu contrato encerrado ao final do ano e, a outra, o terá em

meados de 2014. Em conversa informal, cujo objetivo era conhecer a formação

12Esse termo “caixa de areia” serve para designar uma área de recreação ao ar livre e consiste de um

espaço delimitado construído com cimento e preenchido com areia. 13A Educação Infantil do Colégio Pedro II não consiste em um Departamento ainda e, portanto, está

diretamente ligado à Pró-Reitoria de Ensino (PROEN).

Fotografia 14 Fotografia 15

Page 75: o livro ilustrado e a leitura na escola

profissional e acadêmica das professoras, bem como suas experiências com a literatura

infantil, as duas professoras narraram histórias que revelaram o quanto suas trajetórias

profissionais estão atravessadas pelas experiências pessoais, guardando marcas

significativas para cada uma delas.

A professora Fernanda fez a graduação em Pedagogia, na Universidade do Estado

do Rio de Janeiro (UERJ) cujo curso lhe conferiu o título de bacharel em “Movimentos

Sociais” e licenciatura em “Educação Infantil, anos iniciais do Ensino Fundamental e

Educação de Jovens e Adultos”. Com curso de extensão em “Arte-Educação” e em

“Contação de Histórias” (ministrada pelo Gregório de Matos) e é capoeirista há mais de

10 anos. Fez parte de diversos grupos de teatro (Grupo de Teatro À Parte) e de músicos-

percursionistas (Kalimbaria e Orquestra de Percussão Batucadas Brasileiras). Com

experiência em projetos organizados por Organizações Não-Governamentais que atuam

em comunidades com crianças e jovens em risco Social e “desenvolvem projetos que

não têm um cunho pedagógico, mas social, artístico, cultural”.

Sobre a experiência com a literatura infantil, Fernanda foi categórica ao dizer:

— Não lembro da professora contando história, mas do meu tio. Meu

tio é a minha referência de contador de historias, desde a infância! Ele gostava de contar histórias em família. Juntava meus irmãos, primos e

inventava um monte de história. (gestos com as mãos, expressões

faciais, mudança na entonação da voz).

Após breve pausa, dispara a dizer: — Na Ong que eu trabalhava tive contato com diferentes contadores

de histórias e, uma dessas referências tinha toda uma preocupação

com o aquecimento do corpo para receber, preparar e participar da história. (mostra, com gestos, o trabalho de aquecimento corporal, que

faz com as crianças na escola também)

Em seguida, faz uma “ponte” com suas práticas:

Minhas experiências com teatro, música e arte são muito presentes no meu trabalho na escola, com as crianças. (breve pausa) E, a capoeira,

depois do meu tio, é muito importante. Fui fazer Pedagogia, com

bacharelado em “Movimentos Sociais” para respaldar o trabalho com a capoeira. A escuta dos mestres também é um espaço de formação

significativo na minha vida. A contação tem esse poder de mobilizar...

Cada um pode ser um contador! Ao retomar a narrativa do ponto da contação de histórias, lembra:

— Minha mãe também era contadora! E minha avó, amazonense,

quando chovia escondia os espelhos da casa. Ela contava que o pai

dela já viu a Mãe D’água. Ela tinha referência de contação de histórias da mata. Veio para o Rio na década de 70... mãe solteira... 7 filhos...

Sozinha, com esse monte de filhos! Ela está com 82 anos e, agora,

quem conta histórias para ela sou eu! (se emociona)

(Entrevista narrativa, 27/09/2013).

Page 76: o livro ilustrado e a leitura na escola

Na entrevista narrativa da professora Fernanda, observamos que as narrativas

orais deixaram rastros significativos em sua trajetória pessoal e de formação, fazendo

com que valorizasse a tradição oral e, seja através das histórias narradas pelo tio, pela

mãe, pela avó ou pelos mestres da capoeira, foi se constituindo como sujeito na e pela

linguagem, tornando a si mesma uma narradora das histórias alheias que se tornaram

histórias suas-alheias ou alheias-suas. Com um discurso bastante emocionado, Fernanda

falou do quanto sua trajetória profissional e acadêmica está atravessada por suas

experiências pessoais.

Já a entrevista narrativa realizada com a professora Laura, o tom da prosa foi

outro. Formada em Pedagogia (licenciatura plena) com habilitação em coordenação e

supervisão pedagógica, mas também em Educação Infantil e anos iniciais do Ensino

Fundamental, Laura é especialista em Educação Infantil, fez alguns cursos de formação

continuada e participou, em 2012, do grupo de pesquisa coordenado pela professora

Adriane Ogêda, na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), sua

orientadora no curso de especialização. Fez o curso de “Mediadores da Leitura” da

Faculdade de Educação da UFRJ, também em 2012. A conversa com a professora Laura

enveredou pelas práticas de leitura literária:

— Sempre gostei de contar histórias para os meus filhos e para os meus alunos. Eu gosto de contar histórias assim, aos pouquinhos, em

capítulos. Eu li “Odisseia” para o meu filho, em partes sabe... Por que

eu acho que é importante deixar um gostinho de quero-mais! E se refere especificamente à leitura na escola:

— Eu tentei fazer isso com as lendas indígenas do livro “Catando

piolhos, contando histórias”, mas não deu certo! Eu não sei porque...

Eu gosto de ter alguns combinados para essa leitura: eu preciso organizar o momento da contação, aí eu falo “A hora da história...” e

as crianças já sabem e completam: ...“é uma hora sagrada”! Por que se

a gente não fizer um ritual de parar, se acalmar, a história não rola... É preciso propiciar um espaço de silêncio para a história.

E conclui, relatando uma atividade da Ciranda Literária, atividade que

envolve empréstimo de livros de literatura infantil às crianças: — Na Ciranda a gente faz todo um ritual também... e tem o reconto

das histórias... cada vez uma criança conta do seu jeito para os

colegas... Sempre tem um amigo que ajuda... E tem dado certo!

(Entrevista narrativa, 27/09/2013).

Laura falou de sua experiência pessoal com a literatura infantil, da experiência de

ler com e para os filhos, de propostas que deram certo com as crianças, no âmbito da

escola, e também das que não foram bem sucedidas. Entretanto, em seu discurso

Page 77: o livro ilustrado e a leitura na escola

enfatizou a maneira como compreende as práticas de leitura, para ela “A hora da

história é uma hora sagrada!”. Chartier (1996) ao discute as práticas de leitura, traz a

leitura sacralizada como uma das tantas práticas. Curiosamente, apesar de expressar sua

visão da leitura como sagrada, a professora, nos momentos de leitura literária permitia

que as crianças se sentassem da maneira que desejassem, não impedia que se

aproximassem do livro, para observar as ilustrações e incentivava a interação delas com

o livro, deixando brechas para que pudessem imaginar e criar suas hipóteses acerca de

determinada cena ou história. Sendo assim, apesar do discurso da sacralização da

leitura, o que pude observar das práticas de leitura era uma leitura dialógica, que

ampliava a relação das crianças com as narrativas verbal e visual.

3.2.1 A sala de atividades

Pinturas, textos coletivos, receitas... As paredes da sala de atividades da turma

pesquisada revela o trabalho que está sendo desenvolvido com e pelas crianças. A

estante, cujas prateleiras estão ao alcance da mão das crianças oferecem desde materiais

de consumo, tais como: potes com lápis de cor, hidrocor, giz de cera, tesoura, massa de

modelar, cola, papeleira com papel tamanho A4 cores variadas, entre outros; até

brinquedos como: bonecos, bonecas, panelinhas, computador portátil infantil e celulares

para brincar; assim como os jogos pedagógicos, como blocos lógicos, dominós

temáticos, entre outros.

Page 78: o livro ilustrado e a leitura na escola

Ao lado da estante temos um “canto de leitura” organizado com esteiras no chão,

algumas almofadas e uma caixa de papelão forrada com livros de literatura infantil,

disponíveis ao manuseio e leitura autônoma das crianças. Dos cerca de 10 livros que

estão na caixa, em bom estado de conservação, muitos são livros ilustrados, de autores

nacionais e internacionais.

Fotografia 16 Fotografia 17

Fotografia 18

Page 79: o livro ilustrado e a leitura na escola

Colado a esse “canto da leitura” está uma pequena estante de plástico com três

prateleiras onde encontramos: gibis, carrinhos e bichos, devidamente etiquetadas.

E, ao lado, duas cestas plásticas, uma com blocos de montar e outra com

brinquedos diversos. Observei que as crianças brincam bastante com os brinquedos

organizados nestes recipientes. É comum vê-las levando bonecos, animais de borracha,

carros de brinquedo e blocos de construção para brincar no pátio interno e/ ou externo.

Na parede, está também um quadro branco utilizado para exposição dos

trabalhos das crianças, como textos coletivos, pinturas, desenhos, fotografias, etc. como

se observa na fotografia a seguir:

Fotografia 19 Fotografia 20

Fotografia 21 Fotografia 22

Fotografia 23

Page 80: o livro ilustrado e a leitura na escola

No centro da sala estão quatro mesas, com quatro cadeiras cada. Elas são

utilizadas para o trabalho nos “cantos”, atividade de rotina, que será explicitada mais

adiante e, de acordo com a necessidade do grupo, são agrupadas.

Além da porta principal, que dá acesso ao pátio externo, há no fundo da sala uma

outra porta, que dá acesso ao pátio interno: onde as crianças costumam brincar com

brinquedos e jogos mas também escalar o muro vazado da lateral.

A seguir apresento algumas atividades do cotidiano a turma pesquisada.

Fotografia 28

Fotografia 24

Fotografia 25 Fotografia 26

Fotografia 27

Page 81: o livro ilustrado e a leitura na escola

3.2.2 Cotidiano da turma pesquisada

A turma pesquisada organiza seu dia-a-dia entre atividades de rotina, previstas

no planejamento das professoras e, outras, inesperadas, que surgem a partir dos

discursos produzidos pelas crianças nos momentos de conversa entre elas e entre elas e

a professora.

A seguir trago as atividades de rotina do grupo pesquisado e, no item que aborda

o trabalho por centros de interesse e projetos de trabalho, poderemos perceber o

desenrolar de algumas propostas que emergiram dos diálogos na roda, incentivados por

leituras literárias e de outros gêneros discursivos, como músicas, conversas informais,

entre outros.

Lanche

Tão logo as crianças chegam à sala, dirigem-se a um determinado espaço da

sala, onde colocam as mochilas e merendeiras. Pegam as agendas, colocam numa caixa

própria para elas e, dirigem-se ao refeitório, para o lanche. A instituição oferece

biscoitos e suco ou leite com achocolatado mas, a maioria das crianças traz na

merendeira seu próprio lanche. Após o lanche, as crianças escovam os dentes e

retornam à sala para, em seguida, sentarem-se em roda.

Planejamento

Geralmente, nesse momento inicial, as professoras sentam com as crianças na

roda e organizam o dia com o planejamento coletivo, utilizando “plaquinhas”14

com

desenhos das próprias crianças e registro verbal escrito das atividades que acontecerão

ao longo do dia.

Durante a atividade, as professoras vão auxiliando as crianças, de modo que

internalizem a ordem das atividades a serem realizadas ao longo do dia, solicitando que

um de cada vez pegue a “plaquinha” de acordo com a ordem em que vai acontecer e, em

seguida, organize numa espécie de varal localizado na janela.

14Esse termo “plaquinha” foi utilizado tanto pelas professoras quanto pelas crianças para designar as

fichas cujo item do planejamento é registrado por escrito e com desenhos das próprias crianças da turma.

Page 82: o livro ilustrado e a leitura na escola

Enquanto isso, as crianças vão sendo estimuladas a observar e refletir acerca de

aspectos do sistema alfabético da escrita, como letra inicial ou estabelecer a relação

entre a letra inicial da atividade com o nome dos colegas, professoras da turma e

familiares. As próprias crianças, com o tempo, já faziam as mediações entre as fichas e

os colegas, ajudando-os a reconhecer as fichas e, a colocá-las na ordem, respeitando a

convenção esquerda-direita. Quando alguma criança colocava a “plaquinha” fora da

ordem pré combinada com o grupo, tanto os colegas quanto as professoras buscavam

problematizar a situação.

Após o planejamento inicia-se geralmente o momento das atividades

diversificado: o trabalho nos “cantos”.

3.2.3 Trabalho nos “cantos”

Nestes momentos acontecem em diferentes espaços da sala de aula, atividades

diversificadas, combinadas previamente, quando as crianças ainda estão na roda. A

proposta é concebida de modo que as crianças se organizem de maneira autônoma,

como podemos observar no diálogo explicitado a seguir, entre duas crianças:

— Essa mesa eu já fui ontem!

— Essa eu não fiz! (Caderno de campo, 7/5/2013)

Ficou evidente o envolvimento das crianças com as atividades propostas, uma

vez que elas mesmas se responsabilizam pela circulação nas diferentes mesas.

Fotografia 29

Page 83: o livro ilustrado e a leitura na escola

Pude observar que as professoras pensam em uma atividade que necessita da

mediação de uma delas, geralmente a partir do trabalho que o grupo está realizando no

projeto que vem desenvolvendo e, as demais, são organizadas de modo que as crianças

tenham maior autonomia.

Além disso, a forma como pensam esse momento, também considera as escolhas

das crianças, posto que elas próprias sugerem a inclusão de outra proposta, como “canto

da leitura”, dramatização com bonecos (as), panelinhas, desenho livre, jogos de

construção, entre outras.

Fotografia 30 Fotografia 31

Fotografia 32

Fotografia 33

Fotografia 34

Page 84: o livro ilustrado e a leitura na escola

Em geral, após o trabalho nos “cantos” as crianças organizam o espaço, guardam

o material utilizado nas estantes, e seguem para aulas de Informática ou Educação

Física. As professoras vão à sala buscar a turma e seguem para as atividades com uma

das professoras de Educação Infantil e, a outra, realiza seu planejamento individual15

.

Almoço

Após as aulas de Informática ou Educação Física, as crianças seguem para o

almoço, no refeitório. A maioria delas faz essa refeição na escola e, uma ou outra que

não gosta do que é oferecido no dia ou não deseja comer, permanece junto com os

demais, aguardando.

Nos dias da semana que estive no campo, sempre as terças e quartas e, algumas

vezes na sexta, ficou evidente o quão fragmentado fica o trabalho da turma, em função

das atividades previstas no cotidiano da turma, como: lanche, almoço, aula de

Informática e de Educação Física. Segundo relato das professoras, esses são os dias com

menos “interrupções”, pois nos outros as crianças têm, além dessas, outras aulas: Artes

e Música.

3.2.4 Trabalho por projetos

As professoras assumem a pedagogia por projetos de trabalho como proposta

metodológica, de acordo com o interesse do grupo. Concomitantemente com o projeto

que é desenvolvido pelo grupo, são realizadas algumas investigações mais pontuais, que

elas denominam de centros de interesse, cujos objetos de estudo são definidos a partir

de uma sondagem realizada com as crianças, como poderemos ver no item seguinte.

O trabalho da turma era organizado por projetos, pensados a partir dos discursos

produzidos pelas crianças. Enquanto estive realizando a pesquisa de campo, o projeto

que estava em andamento e, parece ter permeado o trabalho até o final do ano, era

acerca da cultura dos povos indígenas.

Segundo relatos das professoras, tudo começou a partir da história “João e o pé

de feijão”, quando as crianças demonstraram interesse por diversos aspectos da

15Os tempos de planejamento individual (PI) estão previstos no horário semanal das professoras e são

destinados a: registro de observações das crianças, planejamento e organização de atividades, preparação

de material, produção de comunicados às famílias, etc. Para isso, elas se alternam no acompanhamento

das aulas relativas aos demais componentes curriculares.

Page 85: o livro ilustrado e a leitura na escola

narrativa e, a partir daí, as professoras perceberam que poderiam organizar as

investigações do grupo e sugeriram que o grupo assistisse a um filme curta-metragem

de animação chamado “Josué e o pé de macaxeira”, uma paródia de “João e o pé de

feijão”.

Com a curiosidade aguçada pelo que viria a ser a macaxeira, conhecida na região

Sudeste como aipim, as crianças experimentaram aipim cozido. Uma das professoras

contou a “lenda da mandioca” e, a partir da contação16

desta lenda da cultura popular

brasileira, iniciaram as investigações acerca da cultura dos povos indígenas. As crianças

participaram da produção de diversos gêneros discursivos: recontos de histórias

conhecidas, letras de música, receitas, entre outros. Algumas dessas produções,

acompanhadas de desenhos, pinturas e colagens, podem ser observadas nas fotografias a

seguir:

16A palavra contação utilizada pelas professoras para distinguir a narrativa oral de histórias, sem a

utilização do livro como suporte.

Fotografia 35

Fotografia 36

Page 86: o livro ilustrado e a leitura na escola

Como minha ida a campo se dava duas vezes por semana, não pude acompanhar

todo o percurso do projeto traçado pela turma. Entretanto, através das produções do

grupo, podemos ter algumas impressões acerca do que for vivido por eles, através de

registro fotográfico.

A narrativa oral da “lenda da mandioca” teve vários desdobramentos: as

professoras levaram mandioca para a escola, as crianças descascaram e depois puderam

experimentá-la cozida; saborearam tapioca, alimento produzido com a farinha de

mandioca; aprenderam canções da cultura popular que traziam essa temática;

confeccionaram um jogo de trilha, dentre outras coisas.

Fotografia 37

Page 87: o livro ilustrado e a leitura na escola

Como desdobramentos, as professoras contaram outras lendas indígenas, como a

da “Vitória Régia”, do “Guaraná” e do “Uirapuru”; propuseram trabalhos plásticos;

dramatizações; leram livros cuja temática eram as lendas desses povos.

Fotografia 39

Fotografia 38

Fotografia 40

Fotografia 41

Page 88: o livro ilustrado e a leitura na escola

Mas também assistiram outros filmes curta-metragem de animação como, por

exemplo, a “lenda do guaraná”, trazido por uma das crianças da turma e alguns vídeos

produzidos pelos próprios originários do projeto “Vídeo nas Aldeias”17

.

Além do projeto da turma, a escola possui um projeto coletivo, definido no

início do ano pela equipe de professores, desde a Educação Infantil aos anos iniciais do

Ensino Fundamental. O projeto de todo o Campus I tinha como tema a “Água” e, as

produções acerca desta temática foram compartilhadas com as famílias num evento

anual denominado Mostra Pedagógica. Não participei deste evento de culminância do

projeto, mas acompanhei o processo de organização do material. As professoras da

turma pesquisada fizeram uma exposição de produções plásticas e registros escritos das

lendas indígenas que traziam a temática da água.

Durante o período em que estive no campo, observei que as professoras

propiciavam espaços de diálogo coletivo em acerca do que estavam trabalhando. Para

17 http://www.videonasaldeias.org.br

Fotografia 44

Fotografia 42

Fotografia 43

Page 89: o livro ilustrado e a leitura na escola

isso, tentavam garantir que todos tivessem voz e vez. Além disso, ficou evidenciado que

o trabalho desenvolvido por elas, na sala de atividades da turma, tinha como objetivo a

integração das diferentes linguagens e áreas do conhecimento e, a literatura infantil, se

fez presente nos contos e lendas indígenas.

3.2.5 Centros de interesse – aranhas, cobras, borboletas

Assisti a organização do trabalho por centros de interesse, quando cada criança

era incentivada a verbalizar o que gostaria de pesquisar. Conforme relato das

professoras, anteriormente elas já haviam feito uma sondagem inicial e, pretendiam,

naquele momento, organizar as investigações. No memento da conversa na roda,

registrei alguns diálogos:

Professora Laura: A gente vai começar pelas aranhas. O que vocês

tiverem sobre as aranhas: livros, fotos, vídeos... pode trazer.

Maria Luiza: Eu tenho um monte de fotos de aranha que meu pai tirou. É uma aranha desse tamanho! (gesticula com os braços, abrindo-

os para demonstrar o tamanho da aranha).

Aline: Um dia eu vi no tablet (comenta). Professora Laura: Vocês sabiam que a aranha não é um inseto? –

pergunta às crianças.

As crianças prosseguem:

Hugo: A aranha faz teia. Professora. Laura: A ideia é que a gente comece pelas aranhas, que é

um assunto sugerido pelo nosso amigo José Renato. Nós não sabemos

se vamos conseguir pesquisar tudo sobre as aranhas. Outra criança interrompe:

Luana: Que tal a gente pesquisar em um “canto”, a aranha? – propõe.

Professora. Fernanda: Então... a gente vai fazer isso – concorda. Luana: Com a tia Carol? Ela também faz pesquisa!

As professoras riem, me procuram com o olhar e, uma delas,

responde:

Professora. Fernanda: Ah, a Carol também vai poder ajudar. Algumas crianças se dispersam e as professoras encerram a atividade.

(Caderno de campo, 14/05/2013).

As investigações das aranhas, entre outros assuntos de interesse das crianças,

como cobras, borboletas, etc. aconteceram simultaneamente ao projeto dos povos

originários.

A fotografia a seguir traz o registro do momento em que a professora lia o

material trazido pelas aranhas e conversava sobre suas descobertas. Podemos observar

Page 90: o livro ilustrado e a leitura na escola

que a cultura escrita é parte do cotidiano do grupo pesquisado, como os textos

informativos, como o que foi lido neste caso.

3.3 A Literatura infantil na Educação Infantil do Colégio Pedro II

Neste item evidencio os espaços-tempos da literatura infantil organizados com e

pelo grupo pesquisado. Narrativas orais e leitura de livros literários, que acontecem

quase diariamente, dividem espaço com outras atividades semanais, como é o caso da

Ciranda Literária. Já a Sala de Leitura só foi visitada apenas uma vez durante todo o

período em que realizei a pesquisa de campo e, nesse mesmo período, também não

verifiquei a circulação de nenhuma outra turma neste espaço.

3.3.1 “Contação de histórias”

O momento instituído neste grupo para as histórias infantis era às terças-feiras,

entre as aulas de Educação Física e Informática. Segundo relato das professoras, as

crianças deveriam sair de uma aula, direto para a outra. Porém, como percebiam que

elas saíam muito agitadas de uma aula e, levavam um bom tempo para acalmarem-se, o

que reduzia o período de atividade da outra, combinaram com as professoras desses

componentes curriculares de, reduzirem em dez minutos o término de uma e início de

outra para o que chamam de “contação de histórias”.

Com isso, essa atividade passou a fazer parte do planejamento do dia dessa

turma e, após a aula de Educação Física, as crianças lavavam o rosto, bebiam água e,

logo que entravam na sala, se organizavam no chão: deitadas, sentadas ou ajoelhadas,

para ouvir a história. As professoras se alternavam na escolha do título, mas ambas

sentavam-se em uma cadeira, com o livro na mão, para iniciar a “contação” e, cada uma

delas realizava o que chamamos de preâmbulos de leitura, antes de começar a leitura.

Ambas se posicionam diante do grupo: ora sentando-se em uma cadeira, ora

permanecendo de pé e, o grupo de crianças se aglomerava diante delas: uns deitados de

um lado, do outro ou ao fundo; outros se mantinham sentados, pernas cruzadas, ao

fundo alguns sentavam em cadeiras. Uma das professoras, antes de começar a leitura,

fazia o que ela chama de “aquecimento”, registrado no evento abaixo:

Page 91: o livro ilustrado e a leitura na escola

Professora Fernanda: Vamos esquentar a mão rapidinho, ó... (esfrega

uma mão na outra) Ssssssssssss (pede silêncio) Coloca a mão aqui ó,

na cabeça... (leva as mãos à cabeça) Esquenta, esquenta, esquenta... ó. Sssssssssssss (esfregando uma mão na outra) A mão no ouvido, ó

(leva as mãos às orelhas). Para vocês conseguirem perceber todas as

palavras que estão nesse livro. Esquenta, esquenta, esquenta... (esfregando uma mão na outra e baixando o volume da voz) “Bota” a

mão no coração (leva as mãos ao peito). Para a história ficar guardada

para sempre.

Ana Letícia: Só para o coração queimar? (com as mãos fixas no peito) Professora Fernanda: Não, para o coração ficar bem quentinho e

aquecido. Fica mais fácil das histórias entrarem...

Maria Luiza: Meu pescoço já está aquecido, para quê aquecer mais? (olha para o lado, buscando a cumplicidade de uma colega)

Luana: Se a gente ficar com febre a gente fica aquecida (bate as mãos

pelo tronco). (Observações do Campo, 13/ 08/ 2013).

Já a outra professora, antes de começar a leitura, dizia: “A hora da história...” e

as crianças completam “... é uma hora sagrada”. A partir desses rituais, repetidos

cotidianamente pelas professoras e internalizados pelas crianças, ambas começavam em

mais uma viagem literária.

Durante a leitura, as crianças observavam atentas, se aproximavam e depois

retornavam para o lugar e, a professora fazia pausas em alguns momentos, mas também

algumas perguntas provocativas, como podemos observar, no evento a seguir:

Fotografia 45

Fotografia 46

Page 92: o livro ilustrado e a leitura na escola

A professora mostra a capa do livro “Dado, sempre acordado”, lê o

título e pergunta:

Professora Laura: Por que será que ele está sempre acordado?

As crianças observam e levantam hipóteses:

Luana: Porque ele tem medo do escuro! Hugo: Não, ele tem medo de dormir sozinho!

Uma criança se identifica com a situação e conta:

Melissa: Eu vi um filme uma vez e não consegui dormir, aí eu fui para a cama da minha mãe e fiquei abraçadinha com ela.

Imediatamente, outras crianças começam a contar suas experiências:

José Renato: Um dia eu vi um filme de terror e fui dormir com meu

pai e minha mãe. Maria Luiza: Eu também dormi com a minha mãe, mas porque eu tive

um pesadelo.

A professora escuta atenta as narrativas das crianças e, em seguida retoma a leitura do livro de literatura infantil.

Professora Laura: Então pessoal, vamos ver porque o Dado não

conseguia dormir? [...] A professora faz algumas pausas para as crianças observarem as

imagens e comentarem, depois prossegue. A história suscita o diálogo

acerca do lugar onde cada um dorme, mas também com quem e como.

Maria Luiza: Eu durmo num beliche. A minha irmã dorme em cima. Ela rola! (ri) O meu cachorro dorme no sofazinho dele. Ele é um

Pincher.

Ana Letícia: Eu durmo na cama do meu pai e da minha mãe quando eu fico doente...

Algumas crianças pedem para ver o livro, fazem uma pausa na página

dupla abaixo e caem na gargalhada:

Ilustração 24

Page 93: o livro ilustrado e a leitura na escola

Uma criança aponta para o pé do menino no nariz do pai e diz, às

gargalhadas:

Aline: Eu uma vez dormi assim! (muitos risos)

Entretanto, a professora de Informática Educativa aparece na porta e é

preciso interromper. A professora Fernanda pede o livro e as crianças saem da sala.

(Observações do campo, 8/ 05/ 2013).

Mediante alguns questionamentos das crianças acerca da história, a professora

respondia devolvendo a pergunta a elas. Ao final da história, as crianças, em geral,

começavam a partilhar suas experiências e sentidos produzidos a partir da leitura.

Entretanto, em função da necessidade de se encaminharem para outra atividade, esses

momentos não tinham prosseguimento. Com isso, percebemos que esses momentos

privilegiados de leitura, embora garantidos no planejamento, ocupavam um espaço-

tempo restrito, destinado a tranquilizar/ acalmar as crianças à atividade seguinte.

Fotografia 47

Ilustração 25

Page 94: o livro ilustrado e a leitura na escola

3.3.2 Ciranda Literária

Sempre às quartas-feiras, acontecia uma atividade denominada Ciranda

Literária, na turma pesquisada. Segundo relato das professoras e das próprias crianças, a

proposta era a seguinte: os responsáveis contribuíram, no início do ano, com um valor

em dinheiro destinado à compra de alguns livros de literatura infantil que comporiam o

acervo da turma e, uma vez por semana, as crianças escolheram um título e levaram

para casa. O livro permanecia por uma semana na casa das crianças e, ao término deste

período, deveriam devolvê-lo ao acervo e escolher outro e assim sucessivamente.

A escolha dos títulos que compõem o acervo da Ciranda Literária de cada turma

passa por critérios que não são partilhados pela equipe pedagógica. Cabe aos

professores de Educação Infantil de cada grupo, o trabalho de seleção. Na turma

pesquisada, uma das professoras ficou responsável por essa seleção e em conversas

informais relatou alguns critérios como: “ilustrações e textos interessantes; temática

voltada para o humor ou que possa chamar a atenção das crianças” (Professora Laura).

Disse ainda que, essas e outras regras foram previamente combinadas com os

responsáveis em um encontro de “lançamento” desta atividade na escola, com direito a

dançar ciranda.

No ano da pesquisa (2013) a equipe pedagógica se reuniu para receber os

responsáveis em uma atividade destinada à interação entre casa e escola e, após um

momento coletivo inicial, cada responsável se dirigiu com a criança à sala para conhecer

o acervo adquirido e as regras da Ciranda Literária.

A maioria das regras de empréstimo dos livros é comum a todas as turmas da

Educação Infantil. Com algumas exceções como dia. No caso do grupo pesquisado,

Fotografia 48

Page 95: o livro ilustrado e a leitura na escola

havia outro combinado: a cada semana as professoras sorteariam uma criança para fazer

o que elas denominam de “reconto da história”, conforme trecho do comunicado que foi

destinado às famílias pela agenda, instrumento de comunicação entre casa e escola.

Com isso, a cada semana uma criança, junto com seus familiares, preparou esse

momento de uma maneira. Participei de diferentes “recontos” e, nesses momentos, as

crianças utilizavam-se de objetos, fantoches, entre outros elementos para, com a ajuda

dos colegas, (re) contar a história à sua maneira, como podemos observar no evento

abaixo. Fábio preparou, junto com a família, fantoches de papel colados em palitos de

picolé e um teatro de caixa. Uma colega ajuda segurando o teatro de fantoches,

enquanto ele vai contando a história:

Fábio: O menino era chamado de bonito. Aí, quando ele ficou criança

ele chorou, chorou, chorou... A colega ajuda:

Maria Luiza: Ele chorou, aí depois... Fábio?

Fábio: Aí o pai falou “Não, você não pode mais chorar” e... “homem não chora” (movimenta o fantoche do pai através do teatro de

fantoches).

A colega ao lado comenta:

Maria Letícia: Muito grande esse pai. Fábio: Aí ele ficou muito triste.

E

m seguida, pega os fantoches que representam o menino e a mãe, e continua:

Fábio: Aí, a mãe dele resolveu chamar o médico. Aí o médico veio...

Espera aí, vou pegar o médico. Pega um fantoche todo azul:

Fábio: Depois, ele chorou, chorou...

Fotografia 49

Page 96: o livro ilustrado e a leitura na escola

Professora Laura: Esse fantoche azul é o quê? As crianças voltam-se para a professora, que logo atrás, de frente para

teatro de fantoches.

Fábio: É a água dele, de chorar. Professora Laura: Aí, ele chorou tanto...

Fábio: Que ele ficou curado e fim.

Professora Laura: Entrou por uma porta...

Luana: ... e saiu por outra. Professora Fernanda: E quem quiser...

Isadora: ... que conte outra!

(Observações do campo, 19/ 06/ 2013).

Fábio narra a história “O menino Nito” utilizando os fantoches que ele mesmo

desenhou. As crianças envolvem-se na atividade observam atentas. Esta proposta coloca

as crianças no centro do processo, como narradoras, desconstruindo a ideia de que

somente o adulto ou o leitor mais experiente e alfabetizado pode contar histórias. Além

disso, foi preciso preparar esse momento junto às famílias, de modo que a criança

pudesse se apropriar a narrativa e sentir-se segura para apresentar o seu jeito de

recontar.

Após essa atividade, as crianças sentavam-se no chão, em torno de um tecido de

formato circular, pegavam o livro que tinham levado na semana anterior e, auxiliavam

as professoras na disposição dos demais livros no tecido. Com o livro na mão, um de

cada vez era incentivado a falar um pouco de suas experiências de leitura:

Professora Fernanda: Qual o livro que você leu, Rafael?

Daniel: Abrapracabra.

Professora Laura: E você gostou ? Conta um pouquinho para gente! O menino faz que sim com a cabeça e diz:

Daniel: Quando a cabra fez a mágica e...

Professora Fernanda: Só para dar um gostinho... (interrompe)

Fotografia 50

Page 97: o livro ilustrado e a leitura na escola

Professora Laura: É, não pode contar tudo. Você recomenda para os

seus amigos?

O menino responde afirmativamente balançando a cabeça.

(Observações do campo, 5/06/2013).

Cada criança relatava oralmente algum trecho do livro que mais gostaram,

fazendo indicações (ou não) aos colegas. Algumas crianças precisavam desse estímulo

inicial para verbalizar, mas outras falavam espontaneamente o que desejam

compartilhar sobre o livro e, era comum em alguns momentos, as professoras

mediarem, pedindo para “dar só um gostinho”, de modo que os colegas se sentissem

instigados a levar este ou aquele livro.

Passado esse momento, enquanto uma das professoras permanecia na roda,

mediando as escolhas das crianças, a outra, sentada numa mesa, registrava em uma ficha

identificada com o nome de cada estudante o título escolhido e acompanhava a guarda

do livro em uma pasta própria, de modo a conservá-lo no transporte entre casa e escola.

Ao final da atividade, com a ajuda das crianças, os livros que sobravam eram

guardados em uma caixa própria para tal, junto com o pano.

3.3.3 Sala de Leitura

A Sala de Leitura da Educação Infantil do CPII possui almofadas, esteiras,

mesas e cadeiras. As estantes são de uma altura que contribui para o manuseio dos

livros pelas crianças, garantindo autonomia nas escolhas.

Fotografia 51 Fotografia 52

Page 98: o livro ilustrado e a leitura na escola

Os livros estão organizados por editora sendo que, nas estantes menores estão os

que possuem apenas um exemplar.

A organização do espaço e dos títulos do acervo segundo este critério, de acordo

com informações das próprias professoras, foi definida pela coordenação pedagógica,

sem uma discussão mais ampla com a equipe de professores.

Fotografia 53 Fotografia 54

Fotografia 55

Fotografia 56

Fotografia 57

Page 99: o livro ilustrado e a leitura na escola

Durante o período em que estive no campo empírico, a turma pesquisada foi

apenas uma vez à Sala de Leitura. Segundo as professoras, o modo como os livros

estavam organizados não facilitava a autonomia das crianças para pegá-los e guardá-los

posteriormente e, em função disso, acabavam não utilizando o espaço, preferindo levar

os títulos para o acervo da sala de atividades.

Entretanto, no dia em que estiveram neste espaço, as crianças demonstraram

interesse pelos livros, compartilhando leituras com os colegas, lendo individualmente e/

ou com a mediação das professoras.

Fotografia 62

Fotografia 59 Fotografia 58

Fotografia 60 Fotografia 61

Page 100: o livro ilustrado e a leitura na escola

A Sala de Leitura da Educação Infantil possui em seu acervo mais de 200 títulos,

todos do gênero literário. A maioria deles é de uma mesma editora, a Brinquebook,

conhecida pela qualidade dos livros, em sua maioria de autores internacionais,

traduzidos para o português. Grande parte do acervo foi adquirido pela instituição, após

pregão. Entretanto, segundo conversas informais com as professoras, os livros

comprados com o dinheiro dos pais e responsáveis para o trabalho da Ciranda Literária,

ao final de cada ano letivo, passa a compor o acervo da Sala de Leitura.

Pude observar que as crianças circulam com autonomia pelo espaço da Sala de

Leitura, escolhem os livros, exploram sua materialidade, leem sozinhas, compartilham

leituras, interagem com as imagens, trocam impressões.

Na última sessão deste capítulo, apresento alguns aspectos do Projeto de

Implantação da Educação Infantil no Colégio Pedro II que considero relevantes à

pesquisa.

3.4 O projeto de implantação da Educação Infantil no Colégio Pedro II

De acordo com o que foi relatado anteriormente, a Educação Infantil na instituição

pesquisada foi implantada sob a responsabilidade dos departamentos pedagógicos de

Ciências da Computação, Desenho e Artes Visuais, Educação Física e Folclore e do

Primeiro Segmento do Ensino Fundamental e dos Diretores das Unidades I18

.

18No período de elaboração do projeto de implantação da Educação Infantil no CPII os diferentes

segmentos que diziam respeito às séries iniciais, finais e Ensino Médio organizavam-se por Unidades,

respectivamente, I, II e III. Entretanto, com a aprovação da Lei nº. 12.677, de 25 de junho de 2012que

equipararam a instituição aos Institutos Federais de Educação (IFE), voltados ao Ensino Básico, Técnico

e Tecnológico, o Colégio Pedro II passou a obedecer às determinações da nova lei e a estruturar-se tal

qual os IFE’s. .

Fotografia 63 Fotografia 64

Page 101: o livro ilustrado e a leitura na escola

A estrutura física da Educação Infantil no CPII foi construída com verba do

PROINFÂNCIA, no Campi Realengo, localizando-se física e administrativamente no

Campus Realengo I. O ingresso de crianças na faixa etária de 4 e 5 anos se faz por

sorteio público e, as vagas, são distribuídas nos turnos da manhã e da tarde.

A proposta da Educação Infantil no Colégio Pedro II apresenta os princípios

éticos, políticos e estéticos baseados nas Diretrizes Curriculares para a Educação

Infantil19

. No que diz respeito ao trabalho com a leitura e a escrita, podemos observar o

trecho que aponta como objetivo “contato com diferentes gêneros textuais” (p. 21),

denotando a ênfase no texto e não nos discursos produzidos a partir dos diferentes

gêneros discursivos, como propõe Bakhtin (2012).

A Literatura Infantil é entendida como “fenômeno significativo e de grande

alcance na formação do indivíduo” (ibid idem). Em diferentes momentos a literatura

infantil é entendida como texto, apartado dos diferentes discursos produzidos com e a

partir de uma obra literária.

Já na sessão dedicada a “prática pedagógica da Arte no colégio Pedro II”

notamos que um dos principais objetivos pedagógicos é “promover a apreciação

estética/ leitura de imagens, por meio do contato com as mais diferentes produções

artísticas, consagradas ou não, de diferentes tempos e espaços” e “proporcionar a

ampliação do repertório imagético e estético das crianças, sensibilizando-as e

instrumentalizando-as perceptiva e cognitivamente para atuar criticamente no mundo”

(idem, p. 25). Os objetivos da prática pedagógica da Arte no CPII se afinam com a

concepção que trago neste trabalho, compreendendo a literatura como expressão

artística dentre outras manifestações culturais.

Por fim, apresento as concepções metodológicas deste projeto, que aposta nos

fundamentos inter, multi e transdisciplinares, compreendendo-os a partir de “uma

dialética entre as diferentes áreas” (idem, p. 29) sem considerar as raízes teóricas que as

distinguem. Para Gallo (2008), pensar a educação sob a ótica interdisciplinar supõe uma

“integração interna e conceitual que visa romper com a estrutura de cada disciplina e dar

uma visão unitária de um setor do saber”. Nesse sentido, há uma hierarquização do

saber, privilegiando uns saberes em detrimentos de outros. A perspectiva multi ou

pluridisciplinar “não há integração, mas justaposição de disciplinas”, já a

19Resolução nº 5, de 17 de dezembro de 2009.

Page 102: o livro ilustrado e a leitura na escola

transdisciplinaridade supõe a “integração global de várias ciências, não há fronteiras

sólidas entre as disciplinas”, como afirma Gallo (2008).

Com isso, observamos uma contradição na fundamentação teórico-

metodológica deste projeto uma vez que expressam que o trabalho com Projetos como

estratégia, uma vez que estes “possibilitam novas elaborações, organização,

envolvimento e construção de conhecimento sem desprezar o contexto social existente”

que “dá sentido real ao que está sendo desenvolvido” (Colégio Pedro II, 2011, p. 29-30).

Como este documento ainda estava no prelo na ocasião da consulta, pode ser que

tenham revisto as posições defendidas, entretanto, até a conclusão deste trabalho, não

havia sido publicada, oficialmente, nenhuma outra proposta que o substituísse.

No capítulo a seguir, tal qual é a proposta do livro ilustrado, trago as análises dos

eventos produzidos no campo empírico entrelaçando-os as imagens dos livros ilustrados

e da leitura literária.

Page 103: o livro ilustrado e a leitura na escola

4. O LIVRO COMO PASSAPORTE, BILHETE DE PARTIDA: UMA

CARTOGRAFIA DA LEITURA DO LIVRO ILUSTRADO NA ESCOLA

Cada palavra descortina um horizonte, cada

frase anuncia outra estação. E os olhos, tomando as rédeas, abrem caminhos, entre

linhas, para as viagens do pensamento. O livro é

passaporte, é bilhete de partida.

(QUEIRÓS, 2012, p. 61)

Queirós dá suporte à proposta deste trabalho de dissertação que visa construir um

percurso, um caminho, uma viagem pelo universo da literatura infantil, cujo livro “é

passaporte, é bilhete de partida”. O autor aponta questões para analisar o livro ilustrado

e a leitura na escola, contribuindo, para pensar na inter-relação entre metáforas verbais e

visuais que este tipo de produção literária propõe.

Neste capítulo, apresento análises dos livros ilustrados e dos eventos produzidos no

campo empírico a partir da leitura com e para as crianças uma vez que tenho como

objetivo principal conhecer e analisar as relações que as crianças da Educação Infantil do

Colégio Pedro II estabelecem com e a partir da leitura do livro ilustrado na escola e,

considerando que as crianças desta etapa da Educação Básica, em geral, não são

alfabetizadas, trago como objetivos específicos: conhecer e analisar como os professores

da turma investigada lêem o livro ilustrado com e para as crianças; compreender como se

dá a leitura de livros ilustrados no grupo pesquisado, produção literária caracterizada por

apresentar-se como um entregênero que traz uma intersemiose entre a linguagem verbal e

visual.

Inicialmente, trago os livros ilustrados selecionados a partir do diálogo com as

professoras da turma pesquisada e, em seguida, apresento os critérios de escolha dessas

obras. No decorrer do capítulo, tenho como proposta a montagem a partir das diferentes

vozes. Assim como é a proposta do livro ilustrado, nossa intenção é fazer nossa viagem

literária por entre palavras e imagens, navegando pelas narrativas verbo-visuais das obras

selecionadas assim como pelas fotografias das crianças e professoras-mediadoras no ato

de leitura. Em diálogo com autores que contribuem para pensaras relações entre texto e

ilustração, consideramos importante enfatizar o que Camargo (1995) denomina de

coerência intersemiótica, justamente pelo fato desta articular dois sistemas semióticos, a

linguagem verbal e visual e contribuir para uma interação menos colonizadora e mais

dialógica com a obra literatura, considerando a dimensão expressiva da linguagem.

Page 104: o livro ilustrado e a leitura na escola

Como propõe Bakhtin (2011), para compreender os discursos é preciso

conhecer, além dos enunciados produzidos no campo e por meio das obras literárias, o

contexto de enunciação, que interfere nos significados. O autor traz também o conceito

de excedente de visão, já explicitado anteriormente, como perspectiva de análise do

material de pesquisa produzido no campo, como forma de desdobrar nosso olhar a partir

de um lugar exterior, que nos permite ver as os situações do campo de um lugar queos

próprios sujeitos nunca poderão se ver, conferindo aos eventos sentidos que só podem

ser produzidos sob avisada do pesquisador, do lugar singular que ocupa.

Após o período da pesquisa de campo foi preciso retomar as anotações do

caderno de campo, transcrever os áudios e gravações em vídeo, cotejar cada um desses

registros e organizar os eventos de pesquisa. Com Bakhtin (2011) consideramos evento

de pesquisa a ação de dois ou mais sujeitos que respondem um ao outro do lugar que

ocupam. Um evento é sempre situado num dado tempo e espaço e no fluxo das relações

e suas implicações.

A organização dos itens deste capítulo foi metodologicamente inspirada nos

conceitos de constelação, coleção e mosaico, e também de imersão e montagem,

descritos anteriormente e presentes nos escritos de Benjamin. Sendo assim, a forma

como os eventos foram dispostos seguem a lógica da coleção e cada um dos eventos do

campo é considerado como uma estrela que ganha significação na relação com as

demais.

Os eventos foram organizados a partir dos objetivos deste trabalho, mas as

disposições são escolhas subjetivas da pesquisadora, o que se coaduna com a ideia de

mosaico, semelhante à configuração de constelação e coleção. No conceito de mosaico,

tal como ocorre no girar do caleidoscópio, qualquer modificação na organização deste

trabalho de análise altera sua significação. Neste ponto de nossas viagens literárias nos

interessa especificamente buscar compreender cada um dos fragmentos a partir do que

ele mesmo pode contar de si – imersão; e,ainda, o que ele reverbera no todo –

montagem.

Assim, a maneira como selecionamos cada evento e como trouxemos as análises

foi uma das significações possíveis, escolhas que buscaram dar visibilidades às formas

como os livros ilustrados são lidos numa turma de Educação Infantil, do Colégio Pedro

II. Compreender e analisar o singular- as formas de ler das crianças e das professoras da

turma pesquisada- para pensar possibilidades do trabalho de leitura do livro ilustrado na

escola.

Page 105: o livro ilustrado e a leitura na escola

4.1 “A cabeça dele é na lua?” – a dupla audiência em “Pedro e Lua”

A frase que abre este item foi retirada de um evento de leitura da obra literária

“Pedro e Lua”, na qual Moraes (2004) constrói o que Sendak (SALISBURY apud

RAMOS, 2011, p. 79) denominou de “poema visual” através de metáforas verbais e

visuais. A história repleta de sensibilidade e sutilezas explora várias potencialidades

expressivas da linguagem. As personagens principais são Pedro e Lua, substantivos

próprios que se referem a um menino e sua tartaruga, sendo que esta última recebera

esse nome em função da paixão nutrida pelo menino em relação ao satélite terrestre.

Concebido inicialmente para os “não leitores” (LINDEN, 2011, p. 29) o livro

ilustrado supõe um leitor presumido que irá mediar a relação de um outro e, no caso da

escola, de outros, com o texto verbal e visual. Neste caso, o leitor-mediador não apenas

lê para, mas com esses outros, propiciando uma interação não só com as palavras mas

com as imagens que predominam neste tipo de linguagem. Sobre essa questão da

linguagem, Linden observa ainda que o livro ilustrado, por acolher alguns gêneros

diversos não se constitui como um gênero específico e sim enquanto “um tipo de

linguagem que incorpora ou assimila gêneros, tipos de linguagem e tipos de ilustração

[...] que engloba vários gêneros pertencentes às categorias da literatura geral”

(LINDEN, 2011, p. 29).

Com isso, trago como categoria de análise o que os críticos norte-americanos

chamam de dual address [destinatário duplo], traduzido para o português como dupla

audiência (LINDEN, 2011, p. 29).

Claramente destinado a crianças e adultos, comunicando-se em diversos níveis

com ambos os públicos, “Pedro e Lua” é um exemplo de livro que toca um público

amplo, desde o leitor mais experiente, familiarizado com as convenções deste artefato,

ao menos experiente, porém perspicaz e atento, como é o caso das crianças. Dessa

forma, fica evidente que a obra é dirigida a diferentes idades e experiências, sendo seu

melhor público “um time de adultos e crianças reunidos, cada um oferecendo seus

pontos fortes especiais” (Nikolajeva & Scott, 2011, p. 39).

Para a editora Prades (2012) o “papel do formador é criar uma ponte entre o livro

e o leitor [...] construída com base no respeito e na aposta de uma infância inteligente e

sensível”, ponte essa concebida como “local de travessia, caminho sólido para possíveis

encontros”.

Page 106: o livro ilustrado e a leitura na escola

Retomando a análise da obra de Moraes, editada em 2004 e premiada como

“melhor livro do ano, em 2005, na seleção da FNLIJ, e escrita e ilustrada pelo

autorilustrador20

. Moraes iniciou sua incursão pelo universo da literatura como

ilustrador de livros de outros escritores e estreou na dupla função de autor e ilustrador

em 2002, quando publicou A princesinha medrosa, título também premiado. Formado

em design gráfico, é também editor da Cosac & Naify e é responsável pelo projeto

gráfico de diversos livros dedicados ao público infanto-juvenil, dentre os quais o livro

que analisaremos agora.

Com o objetivo de tecer um percurso de leitura do livro “Pedro e Lua”, por entre

palavras e imagens, entrelaço este texto com as ilustrações do livro, fotografias das

crianças e alguns eventos produzidos no campo empírico.

Começaremos pelos aspectos paratextuais, pouco explorados nas produções

contemporâneas: desde a capa, passando pelo formato, título, guardas, frontispícios até

a quarta capa. Conforme propõem Nikolajeva & Scott (2011, p. 324)“a contribuição dos

paratextos para o livro ilustrado é de fato muito importante, em especial porque

costumam carregar uma porcentagem significativa das informações verbais e visuais do

livro”.

Satué (2004) ajuda a pensar o design dos livros de literatura infantil, trazendo

contribuições a partir de uma perspectiva histórica. Na introdução de seus livros sobre o

editor, tipógrafo e livreiro Aldo Manuzio, Satué dedica-se a pensar o design de livros,

considerando as características mais convencionais, dentre elas: os paratextos. O autor

afirma ainda que, a natureza física do livro impresso pouco mudou nos cinco séculos e

meio de sua existência e, tais características ainda se aplicam “indistintamente a livros

do passado, do presente e do futuro” (2004, p. 21). De fato, podemos perceber a

permanência de aspectos que perduram na materialidade deste objeto embora, em

função do mercado editorial, possamos observar que, o projeto gráfico das produções

contemporâneas, ampliam as possibilidades de interação com o livro infantil.

Iniciamos uma viagem pela poética visual de Moraes (2004) quando, desde a

capa, nos deparamos com um diferencial apresentado na primeira edição de 2004, um

adesivo que alerta o leitor mais atento: “capa que brilha no escuro!”. Esse recurso

2020A expressão autoresilustradores, tal como vem sendo apresentadas, advém de uma característica cada

vez mais observada nos livros de literatura infantil publicados nas últimas, cujo autor é também ilustrador

de suas próprias obras e, em muitas vezes, também interfere no projeto gráfico dos mesmos.

Page 107: o livro ilustrado e a leitura na escola

desperta a atenção de todos os públicos, no caso, professores e crianças, de maneira

indistinta.

O primeiro aspecto analisado é o formato, apontado por Linden (2011, p. 52)

como determinante para a expressão, uma vez que “a organização das mensagens a

serviço da página ou da dupla, bem como o tamanho e a localização das imagens e do

texto, estão solidamente articulados com as dimensões do livro”.

Inicio minha leitura a partir do formato escolhido, como parte de uma categoria

denominada peritextos da editora (Genette apud Nikolajeva & Scott, 2011, p. 307),

discussão tomada como parte do design de livros. Organizado em formato vertical,

parece atender ao ser uma conveniência relacionada ao estilo pessoal de seus criadores,

adaptando-o a seu objetivo (Nikolajeva & Scott, 2011, p. 308). Nesse caso, temos como

criadores, o próprio Odilon Moraes, autorilustrador, juntamente com o coordenador

editorial.

O segundo aspecto analisado diz respeito ao título enquanto “parte importante do

texto como entidade” (Nikolajeva & Scott, 2011, p. 308) uma vez que muitas crianças

acabam escolhendo um livro e não outro em função do título. Dentre as possibilidades

desta categoria temos os títulos chamados nominais, que incluem o nome do

personagem principal, pois funcionam como “um dispositivo narrativo didático, dando

ao leitor jovem algumas informações diretas [...] sobre o conteúdo do livro [...] e seu

público” como afirmam Nikolajeva & Scott (2011, p. 309).

Outro aspecto que chama a atenção no título é o fato do nome do protagonista

estar acompanhado de um outro nome próprio, Lua. Entretanto, esse aspecto não fica

claro para as crianças pequenas, que ainda não se apropriaram das convenções da língua

escrita, deixando uma ideia ambígua, complementada pela imagem monocromática da

ilustração da capa, que nos remete a uma cena noturna, “podendo tanto esclarecer como

contradizer a dupla narrativa” (NIKOLAJEVA & SCOTT, 2011, p. 309).

Ilustração 26

Page 108: o livro ilustrado e a leitura na escola

Considerando ainda que o título de um livro ilustrado é parte muito importante da

interação texto-imagem e contribuem para todos os tipos de relação que observamos

dentro dos próprios livros, podemos pensar que este aspecto paratextual, em

consonância com as imagens da capa que, mostra sem dizer e diz sem mostrar, uma vez

que nenhuma personagem é apresentada, o que só acontecerá na primeira página dupla.

No contexto de leitura do livro “Pedro e Lua”, a professora-mediadora

problematiza, a partir da imagem da capa, o título da história:

Uma das professoras senta-se em uma cadeira e chama as crianças para sentarem na roda. Imediatamente as crianças se posicionam

diante dela e começam a conversar, enquanto a outra professora se

aproxima com um livro na mão, senta e convoca as crianças a virarem em sua direção. Em seguida principia:

Professora Laura: Ó... (faz uma breve pausa, volta à capa do livro em

sua direção, deixando revelar a quarta capa, depois mostra às

crianças). De que será que deve falar esse livro aqui?

Lá de trás, uma menina responde:

Isadora: É da lua! Que brilha![...] Professora Laura: Será? (Mostra a quarta capa).

Isadora: Tem uma cabeça ali! (referindo-se a imagem da quarta capa)

As crianças riem. A professora Laura examina a capa e quarta capa, depois diz:Olha!

E a menina continua...

Isadora: É sério! Tem um homem de cabeça ali!

Professora Laura: Olha... (breve pausa) De que será,gente, esse livro? As crianças observam. Umas vão dizendo algumas coisas, mas que

ficam difíceis de compreender devido à fala paralela.

Professora Laura: Qual será o nome desse livro? As crianças examinam a capa e, algumas, arriscam:

Luana: Pólo Norte!

Professora Laura: Pólo Norte? (volta-se para as crianças) Será, que é o livro do Pólo Norte?

Fotografia 65

Page 109: o livro ilustrado e a leitura na escola

Nesse momento Marcelo, volta-se

para a professora, observa a capa e lê em voz alta: Marcelo: Pedro e Lua.

A professora escuta, surpreende-se e diz:

Professora Laura: Ó... o Marcelo leu! [...] Em seguida a professora volta a capa para si, coloca os óculos e

depois mostra a capa para o grupo, dizendo:

Professora Laura: Ó... Pedro e...

O menino Marcelo completa: Lua! (vira-se de frente para os colegas, interagindo com eles através do olhar)

Professora Laura: Pedro e Luaaaaaa!

Olhando para o título, localizado na capa, uma Luanadiz, pausadamente, como quem lê: Pedro e Lua.

A professora segue a leitura, explorando outros aspectos da

materialidade do livro. (Observações do campo, 02/07/2013)

Durante todo o evento, percebemos que a professora interage com o livro, em sua

materialidade e, com as crianças fazendo indagações acerca dos sentidos produzidos

pela ilustração da capa. As crianças, por sua vez, se sentem convocadas a verbalizar

suas hipóteses e se arriscam a desvendar o mistério do título da história. Interessante é

que a professora deixa que elas tomem da palavra e, enfatiza uma ou outra fala dentre as

tantas que surgem.

Ao analisar este evento, observamos a alternância dos sujeitos do discurso, a

posição responsiva que se enuncia por palavras, gestos e silêncios. Nessa relação

dialógica entre a professora, as crianças e o livro, são produzidos enunciados que

revelam as experiências das crianças e a relação que elas estabelecem com e a partir dos

indícios apontados através das ilustrações da capa e da quarta capa. Percebemos que,

em determinado momento uma criança faz a leitura convencional do título e elucida o

mistério. A professora se surpreende com a inesperada leitura de uma criança da

Fotografia 66

Page 110: o livro ilustrado e a leitura na escola

Educação Infantil e reforça o discurso do menino, compartilhando com os demais

sujeitos.

Seguindo a proposta da capa de mostrar sem dizer e dizer sem mostrar,

retomamos a leitura da capa que, diante do olhar mais minucioso do leitor, revela um

sem número de estrelas. Ao evocar a experiência tátil, somos levados a perceber

incontáveis micro-fragmentos em relevo. Com isso, podemos concluir que o céu é a

paisagem que nos é dada a ver, o que reforça a ideia de que a lua a que o título faz

referência é o satélite da Terra.

Tomando como categoria de análise a dupla audiência, atentamos para o fato de o

autor trazer no enunciado do título a Lua, com letra maiúscula é um substantivo próprio,

fato que um leitor experiente, que tem pleno domínio dos aspectos convencionais da

escrita pode perceber mas, que escapa ao leitor menos experiente.

Além desse elemento-surpresa, a ilustração da capa traz um contraste entre o

preto, ocupando quase todo o espaço disponível, dando uma ideia de imensidão e, logo

abaixo, um cenário alvo, sugerindo uma perspectiva de proximidade entre céu e terra.

Observamos, ainda, que a imagem da capa ocupa todo o espaço disponível sem efeitos

de moldura, aproximando o leitor de seu suporte, o livro ilustrado, num movimento

quase mimético, de entrada na história.

Passando à análise das guardas, em “Pedro e Lua” o projeto editorial inclui o uso

deste recurso como forma de contribuir para a história. As guardas trazem uma

ilustração que é continuidade da capa e quarta capa, ampliando o espaço de visada do

leitor - todo em preto e branco -, como podemos observar, nas imagens abaixo:

A utilização deste recurso do design gráfico de livros confere à ilustração a

sensação de que a história não termina, nos levando ao início mais uma vez (Nikolajeva

& Scott, 2011, p. 317). A complementação do cenário principal, transmitindo

Ilustração 27

Page 111: o livro ilustrado e a leitura na escola

informações que aguçam a curiosidade e imaginação do leitor, se soma à narrativa e

influencia a interpretação do leitor e leva-o a apreender a história como jogo” (idem, p.

316). Segundo as autoras,

Vários autores contemporâneos de livros ilustrados contestam

deliberadamente essa convenção deixando uma pista decisiva da história aparecer na quarta capa [...] a linha continua na quarta capa,

levando o leitor de volta para a frente e mais uma vez para dentro do

livro, em uma história interminável, circular (p. 319-320).

Essa proposta nos remete à ideia de continuidade, como se a história não

terminasse com o fechamento do livro, muito pelo contrário. Como um jogo, somos

impelidos a recomeçar, retomando a leitura a partir da capa. Embora o enredo já seja

conhecido, ampliamos a compreensão da narrativa verbo-visual e, assim como as

crianças, começamos tudo outra vez!

Entrando ainda mais na leitura de “Pedro e Lua” chegamos a primeira página

dupla e somos apresentados ao protagonista dessa história: Pedro que, como podemos

conferir na ilustração abaixo, “queria dizer pedra”. Nossa personagem principal,

segundo a frase de abertura: “tinha a cabeça na lua”. Curiosamente, a palavra lua é

escrita em minúsculas, sugerindo-nos tratar-se do satélite terrestre mas, é também a

cabeça de Pedro. Dessa forma, temos a metáfora cabeça na lua concretizada pelas

imagens, quando vemos o menino, sem a cabeça e, esta, por sua vez, no lugar da lua,

com rosto arredondado e sorridente.

Ilustração 28

Page 112: o livro ilustrado e a leitura na escola

Nesse ponto da narrativa nos deparamos mais uma vez com metáforas visuais

ampliando o sentido das metáforas verbais e, mais uma vez, a dupla audiência é

evidenciada: a começar pelo fato da palavra lua estar escrita em letras minúsculas,

elemento convencional da escrita que só faz sentido para o leitor mais experiente.

Entretanto, a ilustração é bastante marcante, tendo em vista que a cabeça de Pedro é

também a lua e, este, por sua vez, de braços levantados, parece tentar pegá-la. O autor

deixa, portanto, uma brecha à imaginação do leitor infantil: seria a lua... ou sua própria

cabeça? Ou seria a cabeça na lua?

Queirós (2012, p. 68) contribui com essa discussão ao afirmar que

Na medida em que o texto tem como figura maior a construção da metáfora, é possível ir muito além do escrito. A metáfora cria arestas,

faces, dúvidas. E esta metáfora em função da arte, da beleza, abrirá

portas para muitas e infindáveis paisagens que já existiam na alma do leitor.

O estranhamento causado pela relação entre texto e imagem também foi vivido

franca e profundamente pelas crianças, como pode ser observado no evento a seguir:

A professora, após explorar o título, a capa, as guardas dentre outros

aspectos paratextuais, prossegue a leitura e, com o livro aberto e

voltado na direção das crianças, se deparam com o texto visual exposto na primeira página dupla do livro.

Em seguida, iniciam um diálogo com e a partir da imagem:

Luana: Está sem cabeça, ele?

José Renato, outra criança emenda: A cabeça dele é na lua?

Fotografia 67

Page 113: o livro ilustrado e a leitura na escola

Ao que a professora Laura indaga: Será que a cabeça dele está lá na

lua?

Paulo confirma: Ele está... está lá. Leonardo: A cabeça está aqui em cima (aponta para a cabeça-lua no

livro e busca a cumplicidade dos colegas, que riem para ele).

As crianças se olham e sorriem.

A professora faz uma breve pausa e principia a leitura do texto verbal: Professora Laura: “Pedro queria dizer pedra, mas tinha a cabeça na

lua”.

As crianças escutam atentas à leitura e observam as ilustrações com

atenção. A professora prossegue fazendo pausas para que as crianças olhem as imagens, o que vai ditando o ritmo da leitura

(Observação do campo, 02/07/2013).

Neste evento observamos que as crianças, primeiro focalizam sua atenção às

imagens e ampliam sua compreensão a partir do texto verbal. Entretanto, o que ao

adulto letrado pode parecer banal, às crianças produz um sentido literal e, portanto,

quando o autor diz que o menino “tinha a cabeça na lua” causa estranhamento. Nesse

caso, pode-se perceber uma ampliação do sentido da metáfora “cabeça na lua”, que

pode tanto significar uma pessoa desligada, sonhadora, como pode querer dizer alguém

aficionado na lua, satélite da Terra. Sobre isso, Nikolajeva & Scott (2011, p. 45)

afirmam que “a imagem, o texto visual, é mimética; ela comunica mostrando [...] e o

texto verbal é diegético; ele comunica contando”.

Podemos observar que é o modo como as crianças interagem com e a partir do

texto visual e verbal que imprime o ritmo da leitura. A professora faz pausas, levanta

questões, responde perguntas devolvendo-as e, na relação entre as crianças e o livro,

cumpre o papel de médium, contribuindo para a produção de sentidos, ampliando-os à

medida que chama a atenção para um ou outro elemento das narrativas visual e verbal.

A entonação na leitura do texto verbal é pausada, dando ênfase ora em um elemento da

Fotografia 68

Page 114: o livro ilustrado e a leitura na escola

narrativa, ora em outro. A maneira como a leitura acontece é dialógica e considera as

diferentes vozes que emergem do discurso verbal e visual, bem como os múltiplos

sentidos que podem ser atribuídos a ele.

Dando prosseguimento à análise do livro, chamo a atenção para a paisagem visual

monocromática produzida pelas ilustrações, quando o menino Pedro faz mais um de

seus passeios no alto do morro onde gostava de mirar a lua, num cenário que o coloca

diante da imensidão do céu noturno, dividindo o espaço da página dupla entre a

escuridão, em preto, repleto de pequenos espaços brancos, que sugerem a luz das

estrelas e, o morro de onde podemos observar pequenas pedras desenhadas com traços

disformes, acompanhados por sombras, causando o efeito de luz e sombra, apontado por

Oliveira (2009, p. 51).

3

Ao observarem esta ilustração, as crianças iniciam um diálogo acerca dos efeitos

produzidos pelos elementos gráficos utilizados, como podemos conferir no evento a

seguir:

A professora Laura segue lendo o texto verbal:“... e descobriu que as

pedras tinham caído da lua e deviam ter saudades de casa”.

Paulo interrompe e exclama: Isso é... isso é lama!

A professora Laura olha a imagem e, responde: Será? Paulo confirma: Isso é lama, olha... preto.

Ilustração 29

Page 115: o livro ilustrado e a leitura na escola

A professora Laura não responde e devolve a pergunta: Será?

Luana observa: Não, porque o livro é preto, não é tia?

Uma terceira, Clarice, completa: Preto e branco! A professora responde, fazendo gesto afirmativo com a cabeça. As

crianças continuam com os olhos grudados no livro, atentos a cada

virada de página (Observação do campo, 02/07/2013).

No evento acima, podemos perceber que as crianças negociam sentidos com e a

partir do recurso gráfico escolhido pelo autor para construir a narrativa entrelaçada por

palavras e imagens, que faz todo o sentido dentro do contexto da leitura. Entretanto, é

no diálogo entre os leitores e mediado pela professora que eles chegam a uma conclusão

que parece dar acabamento, ainda que provisório, à enunciação. No decorrer da leitura,

este tema não é retomado nem pelas crianças nem pela professora, e parece ter se

encerrado com a conclusão da Clarice, que afirma de forma contundente: “Preto e

branco!”.

Mas, diferentemente deste, o tema do menino “que tinha a cabeça na lua” parece

ter sido retomado pelas crianças, a partir da ilustração, em página dupla, que acompanha

o evento a seguir:

A professora Laura mostra as imagens enquanto lê: “Então, a cada

passo, Pedro juntava pedrinhas para perto da lua”.

Antes que a professora virasse a página, José Renato questionou: Ele...

ele estava lá no espaço? Professora Laura: Será? (breve pausa) Será que ele estava no espaço?

Paulo: Não.

Professora Laura: Por que será que está tudo preto assim? Luana: Porque está de noite.

Professora Laura: Ahhh!

José Renato: Mas parece que está no espaço, né? Professora Laura: Parece, né.

Ilustração 30

Page 116: o livro ilustrado e a leitura na escola

Rafael: Ele está no espaço.

Professora Laura: Ele está no espaço?

Duas crianças respondem, quase que ao mesmo tempo: Luana: Não, em cima da lua!

Paulo: Não, na lua!

Com o conflito estabelecido, a professora então continua a leitura, a fim de encontrar elementos que possam contribuir para a elucidação

da questão (Observação do campo, 02/07/2013).

A expressão “cabeça na lua” que, no início da narrativa é compreendido de

maneira literal, reaparece a partir da impressão de que o menino, que está no alto do

morro, “está no espaço”. Para a professora, que compreendeu o jogo com a linguagem

criado por Moraes (2004) a retomada da questão demonstrou que a metáfora não havia

atingido o outro público: o infantil e, para isso, ela busca equacioná-la dando

prosseguimento à narrativa para, junto com as crianças, encontrar pistas deixadas pelo

autor.

Na cena seguinte, temos mais uma página dupla cujo cenário se repete, assim

como também vemos repetir-se o movimento do personagem de coletar e juntar pedras

encontradas no caminho. Entretanto, temos agora um elemento novo: “uma pedra bonita

cruzou seu caminho”. Pedra essa que, ao virar da página, se transforma, pois “Pedro

logo descobriu que era uma tartaruga” que, como seu casco era semelhante à “uma

grande lua esverdeada”, recebeu o nome de Lua.

O texto verbal de um lado, desvenda o mistério proposto pelo título, não revelado

pela ilustração da capa. Lua, iniciando com letra maiúscula, nome próprio, nome da

pedra bonita, tartaruga encontrada, parecida com a tão amada lua, em minúsculas. Do

outro lado, uma imagem que mostra, sem dizer, a alegria vivida pela descoberta da

amizade entre Pedro e Lua. Nesse momento, as personagens sobressaem ao cenário de

fundo e aparecem em primeiro plano, esboçando a alegria do encontro.

Observamos, até o momento, que Moraes (2004) utiliza o recurso da ambientação

mínima ou reduzida, voltando a atenção do leitor aos personagens, o que é reconhecido

como um reflexo do conceito específico de livro ilustrado, posto que

retratam cenários limitados concentrando-se nos detalhes essenciais e omitindo tudo que não tenha relação imediata com o enredo e o

personagem. Os cenários são do tipo pano de fundo. Não estimulam

pausas longas em cada dupla, preferindo incentivar a rápida virada de páginas para seguir o enredo. (Nikolajeva & Scott, 2011, p. 89)

Page 117: o livro ilustrado e a leitura na escola

Nas sequências de páginas duplas, percebemos uma passagem de tempo.

Enquanto Lua e Pedro se descobrem, brincam e compartilham o amor de um pelo outro,

têm a lua como testemunha. Pedro torna-se um rapaz e, começa a desvendar outros

caminhos. Lua envelhece, mas mantém-se fiel à amizade, esperando pelo amigo querido

encolhida no próprio casco.

Depois, mais uma vez, uma página à esquerda, cujo texto lemos uma metáfora que

expressa, por palavras, um sentimento, ao afirmar que a tartaruga sequer se alimentava

enquanto o amigo estava ausente e ficava triste “igual céu sem lua”. À direita, uma

imagem melancólica, somente o céu noturno divide o espaço com a montanha e poucas

pedras: nada de lua, nem Pedro, só Lua, dentro do casco. A interação verbal-visual nos

envolve num sentimento que mistura tristeza, solidão e um amor profundo.

O desenrolar da história sugere uma passagem de tempo, que é evidenciada pelo

seguinte fragmento:

A professora continua lendo:

Professora. Laura: — E assim, foram crescendo. Juntos. Passa para a próxima página dupla e lê: Pedro... e a Lua.

Um menino indaga:

José Renato: Se transformaram em adultos?

Professora. Laura: Ó, estão crescendo... O menino insiste:

José Renato: Até se transformaram em adultos?

Uma criança confirma, a partir do que vê nas ilustrações: Luana: Sim!

A professora Laura suscita a dúvida:Vamos ver!

A página seguinte ajuda a elucidar a questão e outra criança afirma:

Paulo: É! (Observação do campo, 02/07/2013).

Percebemos que, em sua mediação, a professora procura deixar que os espaços

vazios, como postula Queirós (2012) sejam preenchidos pelas próprias crianças,

devolvendo sob a forma de perguntas, as indagações que conferem sentido à leitura. E,

com isso, são elas próprias que vão, a partir de suas experiências com e a partir da

leitura, construindo sentidos coletivamente. A professora compreende seu papel de

mediadora e vai se encontro ao que Queirós (2012, p. 62) aponta:

Fundamental, ao pretender ensinar a leitura, é convocar o homem para

tomar da sua palavra. Ter a palavra é, antes de tudo, munir-se para

fazer-se menos indecifrável. Ler é cuidar-se, rompendo com as grades

do isolamento. Ler é evadir-se com o outro, sem, contudo, perder-se nas várias faces da palavra. Ler é encantar-se com as diferenças.

Page 118: o livro ilustrado e a leitura na escola

Já no final da história vemos nas personagens que representam a família do

menino com expressão melancólica e, com isso, antecipamos o que poderia ter ocorrido

com Lua, que a essa altura já se tornara íntima e próxima também de nós. Teria ela

adoecido? Morrido de saudades? O menino, assim como nós, diante dos olhares

reticentes da família, põe-se a procurá-la. Acompanhamos sua busca, num movimento

de cumplicidade com nossa personagem principal e, enquanto Pedro a chama, por

palavras, nós a avistamos, antes dele, por imagens. O menino retorna à montanha e, sob

a luz das estrelas, carrega Lua nos braços.

Justamente como é proposta do livro ilustrado, muitas outras leituras são

possíveis, considerando algumas peculiaridades do livro contemporâneo destinado às

crianças, no que diz respeito às variações no design, como aponta Ramos (2011, p.79),

uma vez que

ocorrem tratamento no formato das páginas; o abandono da cronologia

linear, a história não tem mais uma linha de tempo organizada; (...) o

jogo, em que o leitor é convidado a ler o livro como um quebra-cabeça; a multiplicidade de significados, que permite a escolha de

vários caminhos para compreender a obra, criando diferentes públicos

para ela.

Em “Pedro e Lua”, Moraes (2004) constrói uma linguagem própria, à medida que

o texto verbal se entrelaça com o visual, provocando uma leitura por entre as metáforas

produzidas pelas palavras e imagens.

A opção pelo ambiente monocromático, característico de uma paisagem noturna,

propõe um jogo cuja liberdade de criação nos indica uma trajetória para além do que a

ilustração sugere, de modo que, para cada leitor, uma infinidade de cores e experiências

estéticas com e a partir do livro são possíveis.

Uma infinidade de paisagens se abre a partir palavras, como portas e janelas, onde

somos visitados por um enredo, cuja cronologia não é linear. Nos somamos ao mundo

imagético sugerido por cada traço e ponto e, como aponta Queirós (2011, p. 61)

“abrem-se caminhos, entre linhas, para as viagens do pensamento”.

Com traçado delicado e sensibilidade ao desenrolar da narrativa verbal, a história

vai sendo contada, abrindo espaço para uma visão estética própria da arte, que nos

mobiliza, nos convoca frente à leitura e nos humaniza. O que, como aponta Cândido

(2011), a fazer cumprir a função primordial da literatura, compreendida como direito

Page 119: o livro ilustrado e a leitura na escola

fundamental e inalienável de todo e qualquer sujeito, à medida que nos impele à

fabulação, espécie de sonho acordado.

4.2 “A gente dá ‘pra’ entrar no livro também?” – “Onde vivem os monstros” por

uma leitura entre aquilo que é e aquilo que não é21

As palavras são portas e janelas.

Se debruçamos e reparamos, nos inscrevemos na paisagem.

Se destrancamos as portas, o enredo do universo nos

visita. Ler e somar-se ao mundo e iluminar-se com a claridade

do já decifrado. Escrever-se é dividir-se.

(QUEIRÓS, 2012, p. 56)

As palavras de Queirós soam como uma convocação, uma espécie de

provocação ao diálogo. A partir do que ele enuncia, procuramos estabelecer relação com

o objeto deste estudo: o livro ilustrado que supõe que o leitor possa se debruçar, por

entre as frestas de palavras e imagens, e na relação estética entre metáforas verbais e

visuais, produzir sentidos.

Como pesquisadora e professora da Educação Básica, atuando junto às crianças

da Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental, me sinto constantemente

provocada (e convocada), a (re) pensar o fazer cotidiano com e a partir da arte em

articulação com o discurso do saber, no sentido de que o discurso produzido com e a

partir da arte é também do saber, mas um saber que nos desloca, nos transforma e

humaniza.

Candido (2011, p. 193), ao discorrer acerca do caráter humanizador da literatura

como experiência estética, contribui com essa discussão quando afirma que “uma

sociedade justa pressupõe o respeito dos direitos humanos, e a fruição da arte e da

literatura em todas as modalidades e em todos os níveis é um direito inalienável”.

Queirós (2012) alerta para o modo como a arte tem sido apropriada pela escola,

afastando a criança dela. Embora os estudos acerca da relação entre literatura infantil e

escola evidenciem que, pelo fato de estar na escola, a literatura é escolarizada,

produzindo apagamentos, ainda é possível pensar em possibilidades de exercitarmos a

espontaneidade, a fantasia, a inventividade, a liberdade, características preponderantes

da infância (QUEIRÓS, op. cit., p. 58), e pressupostos básicos do ato criador.

21Tomei emprestado dos escritos de Larrosa (1999, p. 100) essa expressão, quando ele se refere à

experiência de leitura pelas frestas.

Page 120: o livro ilustrado e a leitura na escola

Neste contexto, o que está em jogo é o processo ativo da comunicação discursiva,

que tem no enunciado vivo uma atividade responsiva posto que, no discurso entre o

falante e o ouvinte estão todas as percepções, compreensões e incompreensões dos

sujeitos que estão envolvidos nesse ato de fala (ou de escrita), produzindo significados

que gestam uma resposta, sob a forma de réplica, concordância, objeção, silêncio, etc.

(BAKHTIN, 2011).

Partindo desta premissa, podemos afirmar com Bakhtin (2012) que toda resposta é

fruto dos enunciados que o precederam, discursos alheios ou próprios, limitados pela

alternância dos sujeitos do discurso. Essa alternância dos sujeitos no discurso, segundo

o autor, produz a réplica que “por mais breve e fragmentária que seja, possui uma

conclusibilidade específica ao exprimir certa posição do falante que suscita resposta, em

relação à qual se pode assumir uma posição responsiva” (idem, p. 275).

Ao tratar da obra literária, Bakhtin aponta que, assim como os demais gêneros, ela

também é prenhe de resposta, de compreensão responsiva, assumindo diferentes formas,

seja influenciando os leitores e produzindo deslocamentos ou evocando críticas.

Tomada dessa forma, a obra é um elo da comunicação discursiva e seus enunciados

prevêem réplicas e se relacionam com outros enunciados, ela também está vinculada a

outras obras que a precederam e que a sucederão.

Essa relação entre os enunciados implica em escolhas individuais, sempre

contextualizadas e, nesse sentido, o elo da comunicação discursiva é pleno de palavras

dos outros, cheias de ecos de outros enunciados e, portanto, é com e a partir das

palavras alheias que, cada sujeito vai se constituindo, apropriando-se e produzindo

discursos próprios.

Nesta sessão, discuto alguns limites e possibilidades para pensar os modos de

ler, ver e sentir, nas brechas da leitura do livro ilustrado, de modo que possamos pensar

a produção de sentidos que a literatura propicia. Apresento em tessitura com as análises,

ilustrações do livro ilustrado de Sendak (2009), bem como fotografias e desenhos das

crianças que revelam a interação delas com e a partir das imagens do livro bem como as

reverberações que a leitura provocou no grupo.

Publicado em 1963, renovado em 1991 e reeditado em várias línguas, em

diferentes países, este livro recebeu muitos prêmios da literatura infanto-juvenil, dentre

os quais “Especial Tradução Criança”, pela FNLIJ, em 2010, e é considerado um dos

marcos do livro ilustrado contemporâneo. No Brasil, o livro foi editado em 2009, pela

Cosac &Naify, editora responsável por outras publicações nacionais e internacionais,

Page 121: o livro ilustrado e a leitura na escola

reconhecida pelo tratamento gráfico dado às produções que edita. A obra evidencia o

lugar da infância na literatura contemporânea: espaço-tempo de transgressão,

inaugurando uma outra relação com o leitor-criança, longe dos ensinamentos moralistas

e conservadores.

Iniciamos nosso percurso com a frase de abertura do livro “Onde vivem os

monstros”: “na noite em que Max vestiu sua fantasia de lobo e saiu fazendo bagunça,

uma atrás da outra...” (SENDAK, 2009). Logo após uma sequência de imagens, o

menino Max é castigado por suas travessuras e, chamado de “MONSTRO!” pela

própria mãe. Em seguida, é mandado para a cama e sem jantar. Após ser castigado, Max

ingressa em um universo imaginário e viaja para um lugar onde seus companheiros,

monstros, habitam. Segundo Linden (2011, p. 17), o autor “introduz uma nova

concepção da imagem, que passa a permitir representar o inconsciente infantil”.

O autor desta obra literária, principia a narrativa visual, emoldurando a ilustração

em um pequeno retângulo que vai sendo ampliado a cada virada de página, ocupa toda a

página até que as imagens transbordam de uma página à outra, num efeito de página

dupla, como veremos a seguir:

Page 122: o livro ilustrado e a leitura na escola

O livro ilustrado de Sendak (2009), como outros tantos, congrega diferentes

mídias que se interpenetram, criando uma linguagem própria e, com isso, se aproxima

da linguagem cinematográfica, quando traz

Aproximações com o close, panorâmicas, ponto de vista de cima para baixo ou ao seu reverso, construção da narrativa ao modo dos

quadrinhos, aproveitamento da técnica de cortes inerentes à montagem

cinematográfica para a dinâmica do enredo, acelerando o tempo

narrativo, voltando ao passado, ou resumindo um evento em verdadeiras metáforas visuais. (BELMIRO, 2014, p. 1).

Se pensarmos na sintaxe própria do cinema, diríamos que as imagens estão em um

plano aberto, cujo personagem principal ocupa o centro da cena. Assim como no

cinema, a literatura também tem a possibilidade de trabalhar, assim como sugere a

cineasta Sandra Kogut “com sutilezas, nuances, espaços sensoriais”22.

Sendak (2009), ao conceber a narrativa verbal-visual de seu livro, produz um

efeito nas imagens, ampliando seu espaço nas páginas à direita, reduzindo

progressivamente a moldura que as isola, transbordando-as na página à esquerda,

produzindo o efeito de página dupla. Linden (2011, p. 71) nos diz que o fato de uma

imagem ser fechada em uma moldura produz o efeito de delimitação da mesma, de

marcar uma representação e afirma ainda que, “a moldura possibilita, sobretudo, definir

um espaço narrativo coerente, uma unidade dentro da narrativa por imagens”.

Em “Onde vivem os monstros”, o autor explora a entrada no universo do

inconsciente infantil, sem censuras e, com isso, expõe os conflitos internos comuns a

22Este discurso foi retirado do discurso proferido pela cineasta Sandra Kogut, sobre sua experiência com o

cinema na mesa “Mutum e a infância no cinema brasileiro” da III Encontro de cinema e educação da

UFRJ, organizado pelo Laboratório do Imaginário Social e Educação - LISE da FE/ UFRJ entre os dias

30/11 a 01//12/2009.

Sequência 2

Page 123: o livro ilustrado e a leitura na escola

muitas crianças, como o sentimento de ódio em relação a figura materna, ausente nas

ilustrações, mas representada pela autoridade expressa por palavras. Linden (2011, p.45)

ao abordar as diferentes possibilidades de evocação das imagens no livro ilustrado,

aponta para a interdependência das ilustrações ao longo da narrativa. No caso de “Onde

vivem os monstros”, temos o que a autora denomina de imagens associadas, ligadas “no

mínimo, por uma continuidade plástica ou semântica” posto que apresentam uma

coerência interna, num duplo movimento de autonomia e dependência.

Com o objetivo de tecer um percurso de leitura do livro “Onde vivem os

monstros”, por entre palavras e imagens, entrelaço esta sessão com algumas ilustrações

do livro, desenhos das crianças e alguns eventos produzidos a partir da leitura deste

livro no campo empírico.

Após toda uma jornada por dias e noites, semanas após semanas, Max finalmente

chega ao lugar “Onde vivem os monstros”. Para isso, o autor utiliza uma sequência de

páginas duplas onde as ilustrações não só predominam mas ocupam todo o espaço

narrativo. As imagens falam por si, caracterizadas pela ausência de texto verbal escrito,

deixando os espaços necessários à criação do leitor.

Page 124: o livro ilustrado e a leitura na escola

A esse respeito, Benjamin (1984, p. 55) afirma que “não são as coisas que saltam

às páginas em direção à criança que as contempla – a própria criança penetra –as no

momento da contemplação”. O autor aponta que esse movimento mimético que a

criança realiza ao se lançar frente à narrativa, tomando parte dela, se dá também por via

das imagens, consideradas fundamentais no universo da literatura infantil:

[a criança] se sacia com o esplendor colorido desse mundo pictórico.

Frente ao livro ilustrado a criança coloca em prática a arte dos taoístas

consumados: vence a parede ilusória da superfície e, esgueirando-se entre tapetes e bastidores coloridos, penetra em um palco onde o conto

de fadas vive. […] Fantasiada, com todas as cores que capta lendo e

vendo, a criança entra no meio de uma mascarada e também participa

dela (BENJAMIN, 1984, p. 55).

E é justamente no entrelaçamento com o pensamento benjaminiano que trago

alguns diálogos das crianças entre si e com a professora, mas também com e a partir do

livro ilustrado.

A professora mostra às crianças as páginas duplas só com ilustrações (sequência 2). A imagem que é revelada é a do menino brincando com

os monstros, fazendo bagunça até o anoitecer. Enquanto observa as

imagens, uma criança indaga à outra: Rafael: Gustavo, tu queria entrar no livro?

O menino responde afirmativamente com a cabeça e, em seguida, o

colega Rafael pergunta à professora: Tia... tia... a gente dá para entrar no livro também?[...]

Professora Fernanda: O quê?

Rafael: A gente pode entrar no livro?

Gustavo: Se a gente for pequenininho, dá! (faz gestos de se reduzir ao tamanho do livro e entrar nele)

Sequência 3

Page 125: o livro ilustrado e a leitura na escola

Professora Fernanda: Não sei. Você acha que dá? O menino responde que sim, balançando a cabeça e, a professora

responde com um sorriso. Em seguida, continua mostrando as

imagens ao grupo (Registro do campo, 11/06/2013).

Nesse evento, podemos observar que as crianças reproduzem o movimento de

entrada na história, evidenciando as considerações de Benjamin (1994) no que tange à

faculdade mimética, uma vez que elaboram uma estratégia de, literalmente, fazer parte

da narrativa. De fato, analisando o livro ilustrado “Onde vivem os monstros”

observamos que sua narrativa verbal-visual é polifônica (BAKHTIN, 2011), posto que

nos traz diferentes vozes: do narrador, do menino, da mãe, dos monstros, do leitor/

mediador e do leitor-ouvinte pelas brechas abertas a compreensões diversas e pelos

diálogos com e a partir da leitura.

Chartier (1996) ajuda a olhar a leitura como prática criadora, produtora de

sentidos ímpares e significações sem limites. Para isso, o autor considera a relação entre

três aspectos: o texto, o seu suporte e as práticas de leitura. Bourdieu (1996, p. 250), em

diálogo com Chartier afirma que “quando o livro permanece e o mundo em torno dele

muda, o livro muda” e, posto que “o espaço dos livros que serão lidos irá mudar”. Desse

modo, ao analisarmos o livro ilustrado precisamos considerar esses três aspectos que,

neste tipo de produção contemporânea são bastante relevantes, uma vez que acolhe pelo

menos duas linguagens, a verbal e visual, dando um outro sentido para a existência dos

paratextos, não como elementos convencionais deste artefato, mas pelo modo como eles

convocam à leitura, deixando indícios da narrativa que se anuncia, desde a capa até a

quarta capa, fundando um verdadeiro jogo com a linguagem de retomada ao princípio.

Fotografia 69

Page 126: o livro ilustrado e a leitura na escola

À medida que a história vai aproximando-se do final, vemos através da narrativa

imagético-verbal, que o menino Max, após dias e noites de muita bagunça, longe da

supervisão da mãe, começa a sentir falta de casa e resolve ir embora, para desespero de

seus súditos que, apesar de insistirem, não conseguem demovê-lo da ideia de partir de

volta para casa, “onde encontrou o jantar esperando por ele”, no quarto tal qual era no

início da história.

Justamente nesse ponto da narrativa, temos uma imagem das crianças, todas de

pé, ao redor da professora que permanece sentada, lendo o livro, urrando, tal como

monstros, como podemos observar, na sequência fotográfica a seguir:

Sequência 4

Page 127: o livro ilustrado e a leitura na escola

As crianças do grupo investigado interagem com e a partir da leitura mediada da

professora, ora expressando medo; ora produzindo sons, grunhidos e gestos que

representavam monstros. Nos olhares podemos observar que a surpresa e o medo vão

dando lugar à representação das personagens e, ao final da leitura, as crianças se

aproximam progressivamente da professora numa brincadeira de assustar que acaba em

risos. Com isso, ficam evidenciadas as considerações feitas por Benjamin (1994) no que

tange à faculdade mimética, que tem como característica primordial “a capacidade de

reconhecer e reproduzir semelhanças, mas difere-se da imitação porque não é

propriamente uma réplica, mas uma forma de (re) elaboração”.

É nas brechas da leitura que podemos nos reconhecer no menino e imaginar com e

a partir das palavras e imagens. Benjamin, crítico da modernidade, ao provocar

reflexões acerca da infância, a partir de fragmentos cuja descrição detalhada nos conduz

a uma experiência estética, que propicia um encontro com a criança que fomos e que

ainda habita em nós, enfatizando a necessidade criadora das crianças ora atraídas pelos

destroços de construções ou por restos oriundos de atividades consideradas como típicas

do mundo adulto. O autor enfatiza que há no ato criador infantil, para além da

reprodução de um modelo, a produção de um mundo próprio das coisas, cujo “mundo

pequeno está inserido em um mundo maior” (1984, p. 77).

Larrosa (2002), em diálogo profícuo com Benjamin contribui para pensar o fazer

pedagógico e o lugar da infância como um tempo de produção de sentidos outros, que

toquem, afetem e se constituam enquanto experiências (LARROSA, 2002) que

precedem toda a atividade de criação.

Percebemos que, em sua mediação, a professora procura deixar que os espaços

vazios, como afirma Queirós (2012), sejam preenchidos pelas próprias crianças,

devolvendo sob a forma de perguntas, as indagações que conferem sentido à leitura. E,

com isso, são elas próprias que vão, a partir de suas experiências com e a partir da

leitura, construindo sentidos coletivamente.

Logo após encerrar a leitura, uma criança propõe: “Tia, vamos brincar de

monstro?” e, sob a resposta afirmativa da professora, todos se dirigem ao pátio interno

da sala e começam a dramatizar os monstros, criando nome para eles, reconhecendo e

reproduzindo à semelhança das personagens do livro, mas também reelaborando-as.

Algumas das personagens-monstro são oriundas de um desenho animado que é assistido

através de um canal por assinatura: segundo relatos das próprias crianças, são criaturas

da “Escola de monstros” (em inglês Monster High).

Page 128: o livro ilustrado e a leitura na escola

Na sequência fotográfica a seguir, podemos observar o momento em que as

crianças dramatizavam um duelo: em primeiro plano, podemos observar dois monstros

e, um terceiro vem se junta ao grupo. Logo depois, uma criança grita “estamos sendo

atacados!” e, logo depois, caem “desacordados”.

A história reverberou também no trabalho gráfico, pois enquanto um grupo

continuava brincando de monstro, algumas crianças preferiram entrar na sala e desenhar

suas personagens-monstro. Enquanto desenhavam, narravam as características e poderes

mágicos de suas personagens. Logo, o grupo foi crescendo e estavam todos na sala.

Sentei próxima das crianças registrei no caderno de campo e em áudio o que elas

diziam, que podemos conferir em seguida:

Sequência 5

“Monstro-Huck. Ele bate no chão para matar o mal. E também pisa no chão para

matar’. (Marcelo)

Desenho 1

Page 129: o livro ilustrado e a leitura na escola

Nos desenhos acima podemos perceber que, tanto o “Monstro-Huck” quanto a

“Draculaura”, são uma representação de personagens que já existem em filmes e, no

segundo caso, em desenho animado. As personagens sensuais da “Escola de Monstros”,

assim como o “Incrível Huck”, devido ao marketing que os envolve, passam a fazer

parte de produtos de consumo, tais como: mochilas, lancheiras, jogos, bonecas/os,

roupas, sapatos, entre outros objetos e sua repercussão entre as crianças ganham amplas

dimensões.

Mas os monstros que desenharam não se limitaram aos personagens midiáticos.

Também apareceram personagens como o “Monstro-Garra” ou o “Otimus Prime” que

parecem ter sido criados a partir da imaginação de uma criança e, provavelmente, de

suas experiências com criaturas do gênero.

Vigotski (2009, p. 17) ao dedicar-se ao estudo dos aspectos psicológicos para

compreender a relação entre imaginação e criação na infância, ajuda a compreender o

quanto a brincadeira infantil representa essa reelaboração. Esta, longe de ser entendida

como mera reprodução do vivido, implica criação. Para o autor, “a imaginação não é um

divertimento ocioso da mente, uma atividade suspensa no ar, mas uma função vital

necessária” (idem, p. 20) e, a arte, nos permite voar nas asas da imaginação. O autor

“Ela é a Draculaura. Ela não come sangue. Ela come frutas e vegetais. Ela voa!”

(Maria Luiza)

Desenho 2

Page 130: o livro ilustrado e a leitura na escola

relaciona imaginação e realidade e considera que a possibilidade de imaginar, se articula

a experiências vividas, a elementos da realidade, o que inclui as narrativas. Portanto, a

leitura pode abrir brechas para a imaginação e também para pensar o mundo ao redor, a

elaborar sentimentos e emoções, portanto compreender melhor a si mesmo, o outro e o

próprio mundo.

Nessa perspectiva as palavras desempenham um papel central no

desenvolvimento do pensamento e da formação da consciência (VYGOTSKY, 1987,

p.132). O autor aborda a inter-relação entre pensamento e linguagem verbal e traz

elementos para se pensar também as articulações entre criação, imaginação e

linguagem. A literatura enquanto arte da palavra apresenta o mundo com outras formas

de dizê-lo, organiza e desorganiza experiências, traz ao leitor a vivência da alteridade

constitutiva. Como afirma Corsino (2003), o trabalho com a literatura é um dos

elementos essenciais para uma educação que priorize a apropriação e a produção de

outros saberes.

Desta forma, podemos afirmar que diferentemente da natureza, o mundo da

cultura é produto da criação humana e, é exatamente essa atividade criativa que

possibilita ao homem não ser um mero reprodutor do passado, mas alguém que constrói

o futuro.

Segundo Vigotski (2009), existem quatro formas principais de relação entre a

atividade de imaginação e a realidade. A primeira forma consiste no fato de que toda

obra da imaginação constrói-se a partir de elementos tomados da realidade e presentes

na experiência pessoal de cada sujeito. Sendo assim, quanto maior e mais rica a

experiência da pessoa, mais significativa e produtiva será sua atividade imaginativa. A

segunda forma é mais complexa e baseia-se na capacidade de criar imagens, cenas e

cenários tendo como apoio a experiência alheia. Assim, é possível imaginar o ainda não

conhecido a partir de uma descrição ou narrativa. A imaginação adquire uma função

muito importante no comportamento e no desenvolvimento humano. Ela transforma-se

em meio de ampliação da experiência de um sujeito porque, tendo por base a narração

ou descrição de outrem, ele pode imaginar o que não viu, o que não vivenciou

diretamente em sua experiência pessoal. A pessoa não se restringe ao círculo e a limites

estreitos de sua própria experiência, mas pode aventurar-se para além deles,

assimilando, com a ajuda da imaginação, a experiência histórica ou social alheias.

Assim configurada, a imaginação é uma condição totalmente necessária para quase toda

atividade mental humana (VIGOTSKI, 2009, p. 25). A lei da realidade emocional, na

Page 131: o livro ilustrado e a leitura na escola

qual a imaginação influi sobre o sentimento, elucida a terceira forma de relação entre

imaginação e realidade. Seu caráter emocional faz com que esta se manifeste de forma

dupla, onde os sentimentos articulam-se às imagens, que por sua vez transformam as

emoções. Vigotski (apud Ribot, 2009, p. 28) afirma:

todas as formas de imaginação criativa contem em si elementos

afetivos. (...) Isso significa que qualquer construção da fantasia influi inversamente sobre nossos sentimentos e, a despeito de essa

construção por si só não corresponder à realidade, todo sentimento

que provoca é verdadeiro, realmente vivenciado pela pessoa, e dela se apossa.

As emoções provocadas pelas imagens fantásticas das páginas de um livro são

completamente reais e vividas por nós, franca e profundamente. Neste caso, tanto o

sentimento quanto o pensamento movem a criação humana, posto que qualquer

pensamento é impelido por um desejo, um ímpeto, de caráter afetivo.

A quarta e última forma de relação entre imaginação e realidade está relacionada à

encarnação da imaginação em algo concreto, palpável. Um artefato, palavra ou obra

que possa se integrar à produção coletiva.

“Esse é o Monstro-Garra. Eu fiz o disparador e fiz chover. Eu fiz uma caverna. Eu fiz um

disparador que faz vento. Eu fiz garras e fiz uma crista. Eu fiz até um gramado roxado – e

explica - esse roxo daqui que eu pintei. Eu fiz a árvore do outono”. (Hugo)

Desenho 3

Page 132: o livro ilustrado e a leitura na escola

Apresentei nesta sessão as análises da leitura do livro ilustrado numa turma de

Educação Infantil. Conforme é a proposta do livro ilustrado, muitas outras leituras

seriam possíveis, muitas outros desenhos poderiam ter sido criados e inscrito uma outra

constelação. Entretanto, essas foram as análises possíveis se considerarmos algumas

peculiaridades do livro contemporâneo, no que diz respeito às variações no design,

como aponta Ramos (2011, p. 79), uma vez que

ocorrem tratamento no formato das páginas; o abandono da cronologia linear, a história não tem mais uma linha de tempo organizada; (...) o

jogo, em que o leitor é convidado a ler o livro como um quebra-

cabeça; a multiplicidade de significados, que permite a escolha de vários caminhos para compreender a obra, criando diferentes públicos

para ela.

Em “Onde vivem os monstros”, Sendak (2009) cria uma linguagem própria, à

medida que o texto verbal se entrelaça com o visual, provocando uma leitura por entre

as metáforas produzidas pelas palavras e imagens. Uma infinidade de paisagens se

abrem, com e a partir das palavras, como portas e janelas, onde somos visitados por um

enredo cuja cronologia não é linear. Nos somamos ao mundo imagético sugerido por

cada traço e ponto e, como aponta Queirós (2012) “abrem-se caminhos, entre linhas,

para as viagens do pensamento”.

“Monstro Optimus Prime. Ele ruge só no papel, mas no meu brinquedo ele não é monstro. Só que eu gosto muito dele” (José Renato).

Desenho 4

Page 133: o livro ilustrado e a leitura na escola

Com traçado delicado e sensibilidade ao desenrolar da narrativa verbal, a história

vai sendo contada, abrindo espaço para uma visão estética própria da arte, que nos

mobiliza, nos convoca frente à leitura e, nos humaniza (CANDIDO, 2011).

Com isso, concordamos com Linden (2011) quando aponta a multiplicidade de

experiências estéticas a que nos expomos toda vez que nos deparamos com esse tipo de

produção contemporânea, que abarca um público que vai desde a mais tenra idade até

uma faixa etária sem limites, como já foi dito anteriormente.

Como construção humana, como atividade criadora do homem, a obra literária

implica um trabalho composicional específico, uma arquitetônica, como diria Bakhtin

(2011). A reunião de imagens, a caracterização de personagens, a descrição de cenas, o

desenrolar da trama, os modos de narrar, a escolha de palavras, traços, cores, os jogos

de linguagem, os tons e pontos de vista, a materialidade do suporte, bem como o leitor

presumido, tudo isso faz parte do livro, produto final que transcende o momento de

criação, adquire uma existência autônoma e escapa do domínio do criador, produzindo

efeitos e afetos naqueles que interagem com ele.

Através das experiências estéticas que tiveram com o livro ilustrado, as crianças

da turma investigada puderam produzir sentidos que deixaram rastros, posto que

afetaram e tocaram, de formas distintas, cada uma delas e que ficou evidenciado não só

pelo que foi dito como pelo que ficou no campo do não dito, mas expresso em gestos,

reverberando em outras atividades, como dramatizações e registros gráficos espontâneos

que sucederam a leitura.

Desse modo, podemos observar que práticas como essas, onde diferentes

linguagens coexistem, contribui para ampliar as experiências dos estudantes,

propiciando momentos de subjetivação, no sentido de que estes possam se apropriar

dessas experiências alheias para imaginar e criar as suas próprias, se constituindo na e

pela linguagem.

Sendo assim, passamos ao item seguinte, que traz a análise dos eventos produzidos

com e a partir da leitura de “O cachorro, o menino” (Bibian, 2007).

Page 134: o livro ilustrado e a leitura na escola

4.3 “Eu queria ter um cachorro, mas pena que o meu pai vai me dar um

passarinho” – “O menino, o cachorro” e a partilha do sensível23

Nesta sessão analisaremos o livro “O menino, o cachorro”, ou seria “O cachorro, o

menino”? A proposta expressa na capa (ou quarta capa) do livro de autoria de Simone

Bibian e ilustrado por Mariana Massarani, premiado pela FNILIJ na categoria Criança,

deixa em aberto a possibilidade de leitura por ambos o lados, tendo como protagonista:

ora o menino, ora o cachorro.

Essa questão também emergiu nos discursos das crianças, durante a leitura, como

podemos observar nos diálogos a seguir:

A professora lê o livro “O menino, o cachorro/ O cachorro, o menino”. Aleatoriamente, a partir de uma brincadeira de girar o livro

de um lado para o outro, principia pelo protagonista-menino. Em

seguida, lê a partir do protagonista-cachorro e, quando as personagens se encontram, no meio do livro, uma criança exclama:

José Renato: Ah, já sei, a história está de cabeça para baixo! – levanta

e tenta ajeitar o livro na posição que julga correta. - Estava assim, ficou assim.

Professora Fernanda:Ah, é? Estava assim, ficou assim? – repete o

movimento do menino.

Clarice, outra criança, diz:Não! Estava assim, mas agora o cachorro está aí e o menino está aí onde está o cachorro.

Professora Fernanda: E porquê eu mudei?

José Renato: São duas histórias! Várias crianças levantam e, em volta da professora, examinam o livro.

Professora Fernanda:São duas histórias? E é história de quê? É a

história de quem? Clarice: De um menino e de um cachorro

(Observação do campo, 04/06/2013).

23 Tomei emprestado dos escritos de Rancière (2009, p. 15) esse conceito se refere ao modo como o

sensível, matéria na qual opera a subjetividade, é partilhado.

Ilustração 31 Ilustração 32

Page 135: o livro ilustrado e a leitura na escola

Neste evento, ficou evidenciada a possibilidade de leituras a partir de uma das

capas, a escolha do leitor, por um ou outro protagonista, torna-se um jogo. Com isso, a

proposta do livro, desde a capa, não só contribui para o impacto inicial da leitura, como

é considerada parte integrante da narrativa (Nikolajeva & Scott, 2011) se analisarmos os

aspectos paratextuaias deste gênero literário.

No diálogo entre as crianças, a professora e o livro ilustrado, podemos observar

que, a proposta do livro, ao trazer duas capas e duas histórias, ao invés de capa e quarta

capa como são os paratextos convencionais, abre espaço para escolhas e deixa frestas à

imaginação, surtindo um efeito de sentido entre as crianças. O jogo de escolha contribui

para a negociação de sentidosde modo que uma das crianças percebe a proposta do

livro: duas histórias com os mesmos personagens. A professora socializa a descoberta

de José Renato, perguntando ao grupo “São duas histórias? É história de quê? História

de quem?”. Clarice responde, numa réplica que evidencia que também percebu a

proposta do livro.E, mais uma vez, a mediação dialógica de leitura da professora abre

espaço para as vozes das crianças.

Assim como em “Pedro e Lua” e “Onde vivem os monstros”, “O menino e o

cachorro” apresenta uma narrativa aberta, interdiscursiva, polissêmica, polifônica,

direcionada a um público diverso e que supõe uma leitura dialógica. Se retomarmos o

jogo proposto à leitura deste livro ilustrado, no que diz respeito à capa e ao título,

especificamente, percebemos que, os dois títulos, ao alternar a ordem dos personagens,

não faz apenas uma brincadeira com e pela linguagem, mas apresenta que a ordem

determina o protagonista. A escolha da autora ao utilizar substantivos para denominar as

personagens principais de seu livro deixa em aberto a possibilidade de: tanto o menino,

quanto o cachorro, serem qualquer um, criando uma brecha para a imaginação do leitor-

criança, o que fica claro na própria descrição do livro, no site da editora24

, quando

afirma que o texto e as ilustrações tocam “[...] em um dos sentimentos mais profundos

das crianças: a vontade de ter um animal de estimação”. Contudo, não é apenas o leitor-

criança que se vê mobilizado pela possibilidade de encarnar o menino nesta narrativa

verbal-visual, mas também o adulto, no caso a professora, que reconhece na criança que

foi um dia, esse mesmo desejo de seus tempos de infância.

Nesta narrativa verbal-visual o menino queria tanto um cachorro, assim como o

cachorro queria um menino. De forma bastante sensível, Mariana Massarani constrói as

24www.manati.com.br

Page 136: o livro ilustrado e a leitura na escola

paisagens visuais deste livro, com ilustrações que mobilizam o leitor-criança tanto

quanto o leitor-adulto, já que , ao longo da leitura, a professora também partilhou suas

impressões com as crianças. Assim como em outros livros ilustrados, os protocolos de

leitura (CHARTIER, 1996, p. 96) incluem não apenas o texto verbal, mas a ilustração e

os demais aspectos tipográficos. Na página a seguir, vemos um exemplo das imagens

reforçando as palavras, num movimento polissêmico.

Para Goulemont (1996, p. 107-108) a leitura, enquanto prática cultural, é “lugar

de produção de sentido, de compreensão e de gozo” e vai mais além, ao afirmar que ler

“não é encontrar o sentido desejado pelo autor [...] é portanto, constituir e não

reconstituir um sentido”. As crianças, na relação com o livro ilustrado, assumem

posturas distintas, conforme o efeito produzido pela narrativa, que a autora denomina

atos de leitura. Neste caso, podemos observar na sequência fotográfica abaixo que, cada

uma das crianças assume uma atitude do corpo, conforme se desenrola a narrativa e, por

outro lado, a professora, assume uma postura do início ao fim da leitura, que Goulemont

(idem, p. 109) vai chamar de rito.

Ilustração 33

Page 137: o livro ilustrado e a leitura na escola

Deitadas, sentadas, de joelho ou em pé, as crianças assumem posturas corporais

diversas, conforme se interaagem com a narrativa verbal-visual. Em vários momentos,

se aproximam do livro, num movimento mimético, de entrada na história, depois

retornam ao lugar. Esse corpo da criança que lê, não foi reprimidopela professora. Ela

faz breves pausas para que as crianças teçam comentários e observem mais detidamente

as ilustrações ora do lugar de onde estão, ora aproximando-se do livro.

Em outro evento do campo, observamos a interdiscursividade que se dá tanto por

palavras quanto por imagens e, as relações que as crianças estabelecem com e a partir

dos diferentes discursos que são produzidos com e a partir da leitura do livro ilustrado.

Tanto autora quanto ilustradora fazem referência a uma história que pertence à literatura

universal: Aladim e a lâmpada maravilhosa. Como podemos notar, as crianças

estabelecem relações a partir das experiências que adquiriram seja por conhecerem a

história por outros livros, seja pela referência ao desenho animado.

A professora lê a página a seguir:

Sequência 6

Ilustração 34

Page 138: o livro ilustrado e a leitura na escola

Uma criança interrompe a leitura no meio:

Luana: Parece o Gênio do Aladim! Clarice: E também do Tom e Jerry! – refere-se aos personagens do

desenho animado - porque... lembra que o cachorro, ele saía da

lâmpada? José Renato: Ele queria ter um cachorro.

A professora faz breves pausas, entre um comentário e outro, depois

prossegue (Observação do campo, 04/06/2013).

Concluo esta sessão, trazendo o evento que encerra a leitura do livro “O menino, o

cachorro” e a partilha do sensível enquanto ato estético:

A professora lê a página a seguir:

Clarice: Eu sinto falta da minha amiga da minha escola antiga.

José Renato: Eu queria ter um cachorro, mas pena que o meu pai vai me dar um passarinho...

Ilustração 35

Ilustração 36

Page 139: o livro ilustrado e a leitura na escola

Professora Fernanda: É? (prossegue com a leitura)

Luana: Cachorro.

Professora Fernanda: Ahhhhhh! – não mostra a imagem ainda – O cachorro ganhou um menino, o menino ganhou um cachorro!

Ela então pergunta:

Professora Fernanda: Fim?

As crianças ficam divididas. Algumas respondem afirmativamente,

outras negativamente.

Flávia: Só que esse ponto aqui, olha – mostra às crianças – é um ponto

de interrogação, é uma pergunta. Será que esse é o fim? Clarice: Não, tem outra história atrás! – aponta para o outro lado do

livro.

Enquanto a professora vira o livro, um menino exclama: José Renato: É, essa história é legal!

A professora principia:

Flávia: O cachorro... Uma criança interrompe:

Luana: É a história só do cachorro?

A professora deixa a pergunta sem resposta e continua a leitura:

Felipe: Nenhuma criança mesmo. José Renato: Ah, já sei! A criança queria o cachorro como o cachorro

queria a criança!

A professora busca a cumplicidade do menino e sorri. (Observação do campo, 04/06/2013).

Segundo Rancière (2009, p. 16), a partilha do sensível diz muito da relação entre

estética e política, não da estetização da política, mas da estética enquanto atividade

puramente política,

como um sistema das formas a priori determinando o que se dá a sentir. É um recorte dos tempos e dos espaços, do visível e do

invisível, da palavra e do ruído que define ao mesmo tempo o lugar e

o que está em jogo na política como forma de experiência.

Ilustração 37

Page 140: o livro ilustrado e a leitura na escola

A partilha do sensível nos dá a ver, tanto a existência de um espaço comum cujas

práticas de leitura literária se dão na tensão entre os discursos e seus suportes, quanto

nos processos de subjetivação que organizam modos de legibilidade e visibilidade que

se dão na fissura, nas quais a negociação de sentidos é possível.

Ao partilhar experiências sensíveis com e a partir da leitura do livro ilustrado,

observamos o quanto as crianças se mobilizam em função dos sentidos produzidos com

e a partir da interação com as palavras e imagens. Com isso, falam de sentimentos que

são singulares e subjetivos, partilhando-os com a comunidade com quem se relacionam.

Neste evento, observa-se que a professora mantém a postura de deixar as

perguntas sem resposta e, segue a leitura como forma de elucidar a dúvida, a partir das

pistas que o próprio desenrolar da narrativa vai deixando. Sua mediação dialógica

contribui para que as crianças compartilhem suas experiências, pensamentos e volições,

produzindo sentidos no coletivo, constituindo-se enquanto sujeito que interage na e pela

linguagem. O evento reitera que a leitura em grupo pode ser partilha do sensível.

4.4 “Eu queria que a raposa fosse do bem” – “Raposa” entre modos de ver e modos

de ler, o dizer25

Nesta sessão analisaremos dois eventos de leitura individual, que sucederam a

leitura coletiva de “Raposa”, escrito por Margareth Wild e ilustrado por Ron Brooks.

Privilegiamos, portanto, a interação da criança com o livro ilustrado, de modo a

compreender outras relações que se estabelecem na escola.

“Raposa” é uma fábula contemporânea, que discute lealdade, amizade, inveja e

traição. Após um incêndio na floresta, Cão, um cachorro cego de um olho, salva

Gralha, que teve a asa queimada. Ambos estreitam laços afetivos e passam a

complementar-se mutuamente: Cão é as asas de Gralha e esta, por conseguinte, é os

olhos de Cão, como podemos observar na página dupla a seguir:

25Tomei emprestado dos escritos de Belmiro (2012) essa expressão, quando ela se propõe pensar os

sentidos da leitura literária para crianças na relação com as duas linguagens, a visual e a verbal.

Page 141: o livro ilustrado e a leitura na escola

Raposa chega “depois das chuvas, quando os brotos aparecem por toda parte”

(Wild, 2005, p. 15) e junta-se a eles. Entretanto, está sempre à espreita e, no interior do

lugar onde ora habitam, “seu cheiro parece penetrar na caverna – um cheiro de raiva,

inveja e solidão.” (idem, p. 18).

Ardilosa, Raposa tenta gradativamente convencer Gralha a dar um passeio

montada em suas costas e, de maneira sutil tenta arruinar a relação de carinho e afeto

que existe entre Cão e Gralha. As ilustrações transbordam de uma página a outra e as

texturas, cores e traços criam ritmos visuais. Os tons terrosos, que vão do laranja ao

marrom, predominam e sugerem o clima de excitação e perigo da narrativa. As palavras

se integram às imagens e deslocam-se de um lugar a outro, potencializando a ideia de

movimento e aumentando o poder das sequências e, com isso, o leitor é obrigado a

mudar a posição do livro.

Belmiro (2014, p. 2-3) dedica-se a analisar um componente da narrativa que

considera fundamental nos livros de literatura infantil: a presença de sequências

descritivas e suas decorrências na construção do discurso ficcional, enfatizando o

quanto estas “interferem e movimentam a narrativa”. Segundo a autora, “as lacunas que

Ilustração 38

Ilustração 39

Page 142: o livro ilustrado e a leitura na escola

os textos literários contêm permitem ao leitor implícito preencher com base nos seus

conhecimentos cognitivo, social e cultural.” Para ela, essas brechas “abrem espaços para

uma participação ativa [...] ajudam no desenvolvimento da competência literária do

leitor”, convocando-o “a se tornar sujeito da produção de sentidos, preenchendo esses

vazios, mais do que fazê-lo acompanhar simplesmente o enredo.”

“Raposa” é concebida enquanto obra polissêmica, polifônica e aberta à

imaginação do leitor. Para Larrosa (1999, p. 49) “a linguagem é algo que faz com que o

mundo esteja aberto para nós”. O autor enfatiza a necessidade de livros, filmes e

paisagens estarem abertas, ampliando a possibilidade de experiência dos sujeitos,

repletos de mistérios, renovando nossas apostas na vida que segue. É o que parece ser a

proposta deste livro ilustrado que, com um projeto gráfico inovador torna legível e

visível não apenas as imagens, mas também o texto verbal, que constitui-se enquanto

imagem, em função do tratamento diferenciado dado à tipologia, denominado

enunciação gráfica (RAMOS, 2011, p. 145), como podemos perceber nas ilustrações

abaixo:

Belmiro (2014) trabalha com três aspectos da descrição/narração: o estilo, a

metonímia e a leveza. Com isso, apresento uma ampliação às análises da autora,

propondo outros modos de ver e modos de ler, o dizer (BELMIRO, 2012), a partir de

um 4º aspecto: a visibilidade. Segundo a autora (2012, p. 127), é preciso

superar a dicotomia ver versus ler, adicionando ao ver o estatuto de

ler alguma coisa, e ao ler, as condições de poder ver alguma coisa. O que nos une é o dizer e isso solicita uma discursividade que recupera a

presença dos interlocutores e seus atos de fala (grifos da autora).

Ilustração 40

Page 143: o livro ilustrado e a leitura na escola

Calvino (1990, p. 99) discute o aspecto da visibilidade atribuindo um significado

singular à imaginação. Para ele, é possível distinguir dois tipos de processos

imaginativos:

o que parte da palavra para chegar à imagem visiva e o que parte da

imagem visiva para chegar à expressão verbal. O primeiro processo é

o que ocorre normalmente na leitura: lemos, por exemplo, uma cena

de romance ou reportagem de um acontecimento num jornal, e conforme a maior ou menor eficácia do texto somos levados a ver a

cena como se esta se desenrolasse diante dos nossos olhos, se não toda

a cena, pelo menos fragmentos e detalhes que emergem do indistinto.

Para explicitar o segundo processo imaginativo, Calvino utiliza como exemplo o

cinema e a maneira como se expressa. Segundo o autor (ibid, idem),

No cinema, a imagem que vemos na tela também passou por um texto escrito, foi primeiro “vista” mentalmente pelo diretor, em seguida

reconstituída em sua corporeidade num set, para ser finalmente fixada

em fotogramas de um filme. Todo filme é, pois, o resultado de uma sucessão de etapas, imateriais e materiais, nas quais as imagens

tomam forma; nesse processo, o “cinema mental” da imaginação

desempenha um papel tão importante quanto o das fases de realização

efetiva da sequências [...] Esse “cinema mental” funciona continuamente em nós – e sempre funcionou, mesmo antes da

invenção do cinema – e não cessa nunca de projetar imagens em nossa

tela interior.

Calvino inclui a visibilidade como valor a ser preservado neste milênio e alerta

para o perigo de perdermos a capacidade de “pensar por imagens” e fabular com e a

partir das imagens mentais e visuais. “Raposa” é um exemplo de livro infantil

contemporâneo que produz sentidos múltiplos, convocando o leitor à contemplação

ativa, ações puramente estéticas, como propõe Bakhtin (2011, p. 23), que dão

acabamento à obra, com e a partir das palavras e imagens que evoca.

Nos eventos a seguir podemos observar do lugar exotópico que a criança ocupa,

uma posição exterior que condiciona o excedente de visão.

Esse excedente da minha visão, do meu conhecimento, a minha posse

– excedente sempre presente em face de qualquer outro indivíduo – é

condicionado pela singularidade e pela insubstitubilidade do meu lugar no mundo: porque nesse momento e nesse lugar, em que sou o

único a estar situado em dado conjunto de circunstâncias, todos os

outros estão fora de mim (Bakhtin, 2011, p. 21)

A professora lê com e para as crianças o livro “Raposa”.

Page 144: o livro ilustrado e a leitura na escola

Após a leitura, um menino sussurra:

José Renato: Eu queria que a raposa fosse do bem.

A professora reproduz a enunciação do menino ao grupo: Professora: Olha, o José Renato disse que queria que a raposa fosse do

bem. – e pergunta – E vocês, o que acham?

Clarice: Eu acho que ela não era do bem. Maria Luiza: É, ela era

má.

A conversa termina aí, pois a professora de Informática espera pela

turma na porta da sala. Apesar disso, duas crianças disputam o livro. Uma delas desiste e acompanha o grupo, a outra, senta-se numa mesa

e folheia as páginas do livro. Ela passa as páginas rapidamente e

parece procurar por alguma parte da história. Ao se deparar com a imagem da gralha em cima da raposa, para, observa...

... e diz, olhando na minha direção:

Luana: Viu como ela é má?

Depois, fecha o livro rápido e sai da sala, para juntar-se ao grupo que, a essa altura já deve estar na sala de Informática.

(Caderno de campo, 21/5/2013).

Ilustração 41

Fotografia 70

Page 145: o livro ilustrado e a leitura na escola

Como observamos, as crianças vão negociando sentidos a partir das imagens que

criam em função do texto verbal e, por outro lado, expressam verbalmente os

sentimentos suscitados pelas ilustrações. Com isso, vão dando acabamentos possíveis à

obra. O menino expressa o desejo de que Raposa “fosse do bem” e, embora a obra não

enfatize o maniqueísmo: neste caso, bem versus mal, o diálogo entre as crianças

evidencia essa dualidade. Para Bakhtin (2011, p. 378) "o sujeito da compreensão não

pode excluir a possibilidade de mudança e até de renúncia aos seus pontos de vista e

posições já prontos. No ato de compreensão desenvolve-se uma luta cujo resultado é a

mudança mútua e o enriquecimento". O evento seguinte amplia essa discussão, uma vez

que uma criança, no dia seguinte da leitura coletiva de “Raposa”, busca o livro e resgata

a experiência vivida anteriormente, como podemos observar:

Clarice: Olha os olhos dela! (observa a imagem da capa)

A menina começa a manusear o livro: vira as páginas, observa as

ilustrações e segue o texto escrito com os dedos, narrando para si,

baixinho, a história. Clarice: A Gralha e o Cão eram amigos...

Ilustração 42

Fotografia 71

Page 146: o livro ilustrado e a leitura na escola

Ao deparar-se com a ilustração da raposa, demonstra incômodo, fecha o

livro...

.

.

.

e diz:

Clarice: Ai, eu tenho medo!

Repentinamente levanta-se e sai.

(Observação do Campo, 22/05/2014)

Notamos que Clarice manuseia o livro, repete gestos de leitura e, enquanto narra

para si mesma a história, fabula e, é afetada pelos efeitos produzidos pelas palavras e

imagens, que dão visibilidade à sua imaginação. A reação da menina revela um dos

sentidos possíveis, atualizando-o com e a partir do contato com outros sentidos,

oriundos da leitura coletiva, que antecedeu este evento, mas também de seu próprio

discurso interior. Conforme aponta Bakhtin (2011, p. 382)

O sentido é potencialmente infinito, mas pode atualizar-se somente em

contato com outro sentido (do outro), ainda que seja com uma pergunta do discurso interior do sujeito da compreensão. Ele deve

sempre contatar com outro sentido para revelar os novos elementos da

sua perenidade (como palavra revela os seus significados somente no contexto). Um sentido atual não pertence a um (só) sentido mas tão

somente a dois sentidos que se encontraram e contataram. Não pode

haver "sentido em si" ele só existe para outro sentido, isto é, só existe

com ele. Não pode haver um sentido único, ele está sempre situado entre os sentidos, é um elo na cadeia dos sentidos, a única que pode

existir realmente em sua totalidade. Na vida histórica essa cadeia

cresce infinitamente e por isso cada elo seu isolado se renova mais e mais, como que torna a nascer.

Desse modo, é possível perceber a produção de sentidos como uma rede tecida na

relação com o eu e com o outro, na qual cada sentido é tecido na e a partir da relação

com os demais. Como diria o poeta Manoel de Barros (2010), “que a importância de

uma coisa não se mede com fita métrica nem com balanças nem barômetros etc./ Que a

Ilustração 43

Page 147: o livro ilustrado e a leitura na escola

importância de uma coisa há que ser medida pelo encantamento que a coisa produza em

nós”. Para Corsino (2012), p. 4-5)

A percepção se dá de forma contextual e o sentido é produzido na

linguagem. É na linguagem que o sujeito se inter-relaciona e penetra na cultura, desde que nasce. Ela o constitui, mas também se renova a

cada ato enunciativo, num duplo movimento de reflexão e de refração

do mundo, de conservação e criação que o coloca – desde muito cedo – num lugar ativo de produção de algo novo e único, na/da cultura.

Segundo Chartier (1996, p. 20), “cada leitor, a partir de suas próprias

referências, individuais ou sociais, históricas ou existenciais, dá um sentido mais ou

menos singular, mais ou menos partilhado, aos textos de que se apropria” e é justamente

no âmbito do que está “fora-do-texto” que tratamos nesta análise, nos modos singulares

com que as crianças dão sentido ao texto verbal e visual em “Raposa”.

Finalizamos este capítulo que evidenciou a análise dos eventos produzidos no

campo empírico com e a partir da leitura de diferentes livros ilustrados. Passamos,

portanto, às considerações finais.

Page 148: o livro ilustrado e a leitura na escola

Considerações finais – Experiências de leitura com e a partir do livro ilustrado

Vejo a palavra enquanto ela se nega a me ver. A mesma

palavra que me desvela, me esconde. Toda palavra é

espelho onde o refletido me interroga (QUEIRÓS,

2011).

Assim como o poeta, neste momento de elaborar as considerações finais desta

dissertação de mestrado, sinto que a palavra, paradoxalmente, me interroga, me desvela

e também me encobre e me distancia. O distanciamento, posição necessária ao

pesquisador, que para Bakhtin assume o conceito de exotopia, ajuda a pensar os achados

da pesquisa de um lugar exterior. Permite ao pesquisador construir seu excedente de

visão em relação ao outro - às falas, gestos e ações dos diferentes sujeitos que

compuseram o campo empírico da pesquisa. Excedente de visão que é situado, um

acabamento possível dado pelo pesquisador, ao longo de seu trabalho de montagem. A

procura por orquestrar as diferentes vozes – do referencial teórico, das crianças, das

professoras, das obras lidas – me desvela, mas também evidencia os silêncios, o que não

foi possível dizer, o que ficou encoberto. Portanto, a finalização é uma conclusão em

aberto, há sempre possibilidade de outros acabamentos.

O objetivo principal desta pesquisa foi conhecer e analisar as relações que as

crianças da Educação Infantil do Colégio Pedro II estabelecem com e a partir da leitura

do livro ilustrado na escola. Embora estivesse movida pelas questões que perseguia, em

função dos objetivos que tracei para este trabalho, os rumos que esta pesquisa foi

tomando têm relação com o modo de olhar para o campo e para os seus sujeitos.

Observar, participar, ver e ouvir como as crianças interagiam com palavras e imagens

dos livros ilustrados, que eram lidos com e pelas professoras; dispor a câmera na

direção das crianças, mudando o enquadramento, o plano de filmagem, de modo a

captar a voz, os gestos e o corpo das crianças nos acontecimentos de leitura literária;

cotejar os registros transcritos em texto escrito e em imagens, das crianças e professoras

e das crianças entre si, na relação com o livro ilustrado; interpretá-los, buscando

apreender os significados por elas produzidos a partir de suas experiências com o texto

literário; organizar os discursos das crianças, mediados pelas professoras, na relação

Page 149: o livro ilustrado e a leitura na escola

com o livro ilustrado, numa coleção capaz de dar sentido aos objetivos pretendidos;

dispor cada um dos acontecimentos do campo empírico, de modo que cada um deles

pudesse produzir significados em relação aos demais; tudo isso foi sendo tecido num

texto em que as vozes dos diferentes sujeitos pudessem dialogar com as outras vozes,

compondo o texto dissertativo.

Durante o tempo em que estive com as crianças e professoras, procurei olhar para

as relações que elas estabeleciam com o livro de literatura infantil, procurando me

distanciar do lugar de professora e me recolocar no campo como pesquisadora, para

compreender como leem os livros ilustrados. No período em que estive imersa no

campo, como a “Carol-pesquisadora”, procurei assumir uma postura dialógica e

alteritária como princípio metodológico, me colocando como um outro na relação com

as crianças e com as professoras.

As questões que persegui orientaram o percurso ao longo da caminhada, desde a

entrada no campo até as diversas leituras do material produzido, em busca dos achados da

pesquisa. Que experiências o livro ilustrado proporciona às crianças em idade pré-

escolar? Como elas interagem com os livros ilustrados que os adultos leem para e com

elas na escola? Que diálogos as crianças estabelecem com e a partir das histórias lidas?

Como o livro ilustrado é lido nos espaços escolares? Na busca de olhar e ver os sentidos

produzidos com e a partir da leitura literária nessa tripla articulação entre as crianças, as

professoras-mediadoras e o livro ilustrado, procurei evidenciar nos achados do campo o

pequeno mundo próprio das crianças em relação a esse mundo maior, como propõe

Benjamin, de modo que as questões apresentadas nesta dissertação pudessem suscitar

outras tantas.

No primeiro capítulo apresentei os referenciais teórico-metodológicos da

pesquisa, assumindo uma perspectiva de pesquisa em Ciências Humanas, que concebe

os pesquisados como sujeitos, com experiências singulares, historicamente situados,

produzidos e produtores de cultura, constituídos na e pela linguagem. Direcionar o olhar

para os sujeitos-crianças e adultos na relação com o livro ilustrado, considerando essas

premissas, é assumir um lugar junto ao grupo observado. Lugar que não é neutro, nem

indiferente e que, pela própria presença intervém, altera e se altera. A pesquisa abriu um

espaço de interlocução na turma pesquisada e se constituiu como momentos de reflexão

com as professoras, que olhavam também para a leitura com e para as crianças e suas

reverberações, se indagando e repensando a própria prática pedagógica.

Page 150: o livro ilustrado e a leitura na escola

No segundo capítulo, fiz um breve histórico da relação entre texto escrito e

ilustração na literatura infantil, traçando um percurso desde as primeiras obras ilustradas

até o livro infantil contemporâneo, como também é chamado o livro ilustrado no Brasil,

produção artística que conjuga texto verbal e imagético. Apontei possibilidades de

rompimento com a visão moralizante da literatura infantil, garantindo o status de

artístico há tempos negado às obras dedicadas à infância. Do ponto de vista da

materialidade do livro, percebemos que as influências do design atualizaram a maneira

como o objeto livro se apresenta e como a leitura se dá. A interação com um suporte em

que as imagens predominam, suscita uma outra relação com a leitura, fora das margens

e linhas da escrita, que inclui o impresso como um todo. Este caráter híbrido das

semioses nos livros ilustrados tem implicações também nas formas de mediação destas

obras junto às crianças, pois a natureza da obra impõe uma mediação dialógica que

altera até mesmo a postura corporal dos leitores.

No terceiro capítulo, fiz a contextualização do campo, evidenciando os espaços-

tempos da Educação Infantil do Colégio Pedro II e, enfatizei o trabalho com a literatura

infantil desenvolvido com o grupo observado. Ficou evidente que a formação das

professoras e suas reflexões enquanto mediadoras de leitura interferiram nas formas de

lerem com e para as crianças, nos modos como as crianças dialogavam e se

relacionavam com e a partir do livro ilustrado. Percebi que as professoras tinham uma

prática bastante instigadora de provocar novas descobertas e de valorizar os discursos

das crianças. Além disso, é preciso marcar a integração das diferentes linguagens no

trabalho que elas realizam na sala de atividades. Embora o documento oficial da

instituição enfatize o movimento como eixo principal do trabalho, nesta etapa da

Educação Básica, para as professoras do grupo investigado, não há hierarquização dos

conhecimentos.

No quarto e último capítulo, são analisados os livros ilustrados,selecionados a

partir do diálogo com as professoras, juntamente com os eventos de leitura com/ para e

pelas crianças. Este capítulo traz a leitura literária do livro ilustrado na escola,

geralmente coletiva. O livro ilustrado, endereçado a leitores de diferentes idades e

experiências (“dupla audiência”), implica em uma leitura também em diferentes

níveis(do adulto leitor experiente e da criança observadora) e não linear, em que se

somam imagens e palavras,gestos, corpo, voz, olhares que se desdobram em

brincadeiras, desenhos, dramatizações, e cumprem seu papel humanizador, como aponta

Page 151: o livro ilustrado e a leitura na escola

Candido, uma vez que abrem espaço para a imaginação e para a criação dos sujeitos

envolvidos.

Ao analisar o livro ilustrado e a leitura na escola, precisamos considerar as

mudanças que o seu suporte produz, pois trata-se de uma produção contemporânea, que

acolhe pelo menos duas linguagens, a verbal e visual, produzindo uma outra relação

com este artefato, uma vez que ele também mudou. Os livros ilustrados trazem uma

narrativa verbal-visual polifônica, polissêmica e aberta a compreensões singulares, o

que faz com que os sentidos atribuídos a ele, se alterem a cada vez que é lido,

observado, manuseado.

Este estudo evidenciou as práticas de leitura como atividades dialógicas que

deixam brechas para múltiplas compreensões, convocam o leitor para tomar parte da

narrativa, engendram reflexões singulares, contribuindo para a sensibilização dos

leitores-crianças, mas afetando também os leitores/ mediadores-adultos. Considerando a

escola como espaço privilegiado a essa sensibilização e, o contexto escolar como

possibilidade de acesso das crianças à leitura literária, esta pesquisa pretendeu olhar

para as relações que as crianças estabeleciam com e a partir da narrativa verbal e visual

dos livros infantis contemporâneos. Nesse sentido, que diálogos, ampliações e

experiências a leitura do livro ilustrado pôde provocar nas crianças? Vale ressaltar que

as observações na pesquisa empírica foram realizadas em uma turma do Grupamento III

da Educação Infantil, na qual a interação das crianças com a obra aconteceu de forma

mediada pela leitura de um adulto. Passemos então às considerações tecidas:

1. Quanto à organização e disponibilização dos acervos: como e de que modos os

livros de literatura infantil são disponibilizados nos diferentes espaços da Educação

Infantil do Colégio Pedro II?

Sala de leitura: o acervo disponível na Sala de Leitura estava organizado segundo o

critério de classificação por editora, o que desvaloriza a obra enquanto bem cultural,

autoral. Além disso, há uma ênfase nas produções de uma editora em especial, o que

limita o acessoa obras literárias, especialmente de autores brasileiros. Nesse sentido,

seria interessante pensar na aquisição de um acervo diversificado, não só no âmbito do

mercado editorial, mas que valorizasse as produções nacionais, de diferentes autores e

ilustradores. Em relação à disposição do acervo, é preciso pensar em uma organização

Page 152: o livro ilustrado e a leitura na escola

que garanta a autonomia das crianças na localização do livros, valorizando o aspecto da

autoria das obras.

“Canto da leitura”: com relação ao acervo de literatura infantil da sala de atividades,

observamos um cuidado não só na escolha dos títulos, mas na maneira de sua

disposição, criando um ambiente aconchegante e convidativo, que garantia a autonomia

e o cuidado por parte das crianças. Entretanto, talvez fosse importante investir na

renovação mais frequente deste acervo, uma vez que algumas crianças deixavam de se

interessar por ele em função da falta de diversificação.

“Ciranda Literária”: os livros deste projeto da Educação Infantil foram selecionados

cuidadosamente por uma das professoras, que ouviu sugestões da parceira de trabalho.

Os livros foram escolhidos em função dos mesmos critérios que fizeram com que as

professoras selecionassem os livros ilustrados lidos com e para as crianças: “as

ilustrações e o texto verbal”; elementos que “despertassem sentimentos” e; ainda, que

pudessem “chamar a atenção das crianças”. O clima acolhedor criado pelas professoras,

somado a qualidade do acervo e a uma proposta que integra a escolha de livros de

literatura infantil para serem lidos na relação das crianças com as famílias, evidenciou o

quanto este projeto é encarado com seriedade e entusiasmo pelos sujeitos desta

pesquisa.

“Hora da contação”: nesses momentos as professoras dedicavam-se não só a ler, mas a

narrar histórias da tradição oral, diversificando os modos de circulação da produção

cultural. Essa atividade fazia parte da rotina do grupo observado, embora os espaços de

diálogo com e a partir das leituras/ narrativas orais ocupassem pouco tempo.

2. Quanto à relação das crianças com os livros ilustrados: como elas interagem com

os livros ilustrados que os adultos leem para e com elas na escola?

Dupla audiência – por uma leitura para crianças e adultos de todas as idades: as

crianças do grupo observado interagiam com os livros lidos com e para elas de

diferentes maneiras, mas principalmente com os olhos bem abertos e os ouvidos atentos.

Elas observavam as ilustrações e se antecipavam à leitura da narrativa verbal que,

consequentemente as levava de volta às ilustrações. Esse jogo de ver e escutar era

Page 153: o livro ilustrado e a leitura na escola

constante durante todos os momentos de leitura. Atentas aos detalhes, as crianças se

mostravam capazes de perceber elementos nas imagens que surpreendiam os adultos.

Outro aspecto relevante diz respeito à compreensão de metáforas, uma vez que elas

suscitam a mediação de um leitor mais experiente. Entretanto, como contribuir para o

entendimento das crianças sem incorrer no erro da explicação vazia de sentidos? No

livro “Pedro e Lua”, Moraes (2009) se vale do uso de metáforas para construir uma

paisagem visual e, com isso, ampliar os sentidos atribuídos a elas. Entretanto, o que

para um adulto letrado pode parecer óbvio, às crianças produz um sentido literal,

causando estranhamento. A leitura, portanto, implica uma mediação mais dialógica,

uma vez que o modo como as crianças interagem com e a partir do texto visual e verbal

imprime o ritmo da leitura. A professora lê o texto verbal, as crianças escutam; ela

mostra as ilustrações, as crianças observam atentas, algumas levantam para ver mais de

perto, retornam ao lugar, comentam; a professora faz pausas, as crianças silenciam; a

professora levanta questões, responde perguntas devolvendo-as; contribui para a

produção de sentidos, ampliando-os à medida que chama a atenção para um ou outro

elemento das narrativas visual e/ou verbal.Com isso, a potência das imagens, enquanto

narrativas visuais, nos livros ilustrados propiciam a negociação constante de sentidos.

Os diálogos entre os leitores e os mediados pelas professoras permitiram acabamentos,

ainda que provisório, às enunciações. Nas observações, percebemos o quanto palavras e

imagens provocaram o imaginário das crianças, reverberando em brincadeiras e

desenhos após a leitura. Na relação com os outros, as crianças teciam as experiências e

imprimiam outros sentidos a elas. A leitura por palavras e imagens suscita uma

multiplicidade de sentidos, desde o mais literal, ao mais metafórico. Neste sentido, as

experiências dos leitores dão o tom dos sentidos apreendidos por eles. A subjetividade

de cada sujeito implica na compreensão que cada um tem da narrativa, o que confere à

obra muitos acabamentos. Além disso, o livro infantil contemporâneo apresenta uma

especificidade: a dupla audiência, dirigindo-se tanto ao leitor mais experiente, capaz de

compreender a linguagem metafórica, por exemplo e, ao leitor menos experiente, capaz

de compreenderaspectos visuais com mais propriedade.Portanto, surpreende também os

adultos que descobrem com as crianças outras possibilidades de ler/ver.

Entre aquilo que é e aquilo que não é – enfatizamos nesta leitura os diferentes modos

de ler, ver e sentir, pelas brechas da leitura do livro ilustrado, de forma que possamos

pensar a produção de sentidos propiciada pela interrelação entre palavras e imagens. As

Page 154: o livro ilustrado e a leitura na escola

obras infantis contemporâneas evidenciam o lugar da infância como espaço-tempo de

transgressão, inaugurando uma outra relação com o leitor-criança, longe dos

ensinamentos moralistas e conservadores. Em “Onde vivem os monstros”, Sendak

(2009) explora o universo do inconsciente infantil, expondo conflitos e tensões comuns

à infância, expresso por imagens associadas, ligadas por uma continuidade plástica e

semântica, apresentando uma coerência interna, num duplo movimento de autonomia e

dependência.Observamos que as crianças entram na história de corpo inteiro,

reproduzindo com voz e gestos as personagens. O texto verbal e visual polifônico é

enunciado por diferentes vozes: do narrador, do menino, da mãe, dos monstros, do

leitor/ mediador e do leitor-ouvinte pelas frestas deixadas às múltiplas compreensões e

pelos diálogos com e a partir da leitura. Desse modo, podemos afirmar que as

transformações sofridas pelo suporte alteram as práticas de leitura, o que, no caso dos

livros ilustrados, é evidenciado pela concomitância das narrativas visual e verbal, que

altera a maneira como as práticas de leitura acontecem, sendo necessária a interação do

leitor com o suporte, de maneira a fazer uma leitura simultânea entre as narrativas

verbal e a visual. Como esta simultaneidade nem sempre é possível, a leitura se dá por

idas e vindas, num vai e vem que quebra a linearidade imposta pela narrativa verbal

escrita, usual do suporte livro. As crianças do grupo investigado interagem com e a

partir da leitura mediada da professora, produzindo sons, grunhidos e gestos que

representavam monstros e se aproximam do livro entre uma virada de página e outra.

Nas brechas da leitura, entre palavras e imagens, as crianças vivem experiências

estéticas por aquilo que é e aquilo que não é.

O sensível partilhado: as crianças assumem diversas posturas corporais: deitadas,

sentadas, de joelho ou em pé, a medida que interagem com a narrativa verbal-visual e

conforme o ritmo da narrativa, se aproximam do livro, num movimento mimético, de

entrada na história, depois retornam ao lugar. Crianças e adultos partilham experiências

sensíveis com e a partir da interrelação entre as palavras e imagens, falam de

sentimentos que são singulares e subjetivos.

Entre modos de ver e modos de ler, o dizer: pensar os sentidos da leitura literária para

crianças na relação com as duas linguagens, a visual e a verbal não nos pareceu tarefa

fácil, tendo em vista o caráter híbrido das obras literárias contemporâneas. A presença

de sequências descritivas e suas decorrências na construção do discurso ficcional

Page 155: o livro ilustrado e a leitura na escola

interferem nos modos de ver e ler o texto verbal-visual dos livros ilustrados. Nesse

sentido, o livro infantil contemporâneo convoca o leitor a uma participação ativa do

leitor, de maneira que ele se torna sujeito da produção de sentidos, preenchendo os

vazios deixados pelo texto verbal assim como pelas ilustrações, evocando a capacidade

de “pensar por imagens” e fabular com e a partir das imagens mentais e visuais, criadas

tanto em função das palavras quanto das imagens. A criança, enquanto manuseia o livro,

repetindo gestos de leitura e narrando para si mesma a história, é afetada pelas palavras

e imagens, que dão visibilidade à sua imaginação o que possibilita que a produção de

sentidos seja tecida na relação com o eu e com o outro e destes com os demais.

3.Quanto à mediação da leitura do livro ilustrado na escola: como as professoras

leem o livro ilustrado com e para as crianças?

Mediação dialógica: esta pesquisa evidenciou que as professoras possuem um amplo

investimento na formação profissional e ambas têm contato com diferentes formas de

expressão artística, o que confere um caráter mais de escuta ao trabalho com as crianças.

Trabalho também comprometido com princípios éticos, estéticos e políticos. Durante os

momentos de leitura, observamos que elas permitem que as crianças tomassem a

palavra, criando um clima de respeito entre elas, de modo que todas tivessem vez para

enunciar e escuta de suas vozes. Além disso, é preciso destacar que a leitura prévia das

obras pelas professoras fez com que elas se apropriassem do discurso verbal visual de

cada livro lido. Portanto, liam com e para as crianças de maneira pausada, exibindo as

imagens, escutando e dialogando com e a partir das obras literárias, de maneira que as

crianças pudessem tecer comentários e observar mais detidamente as ilustrações ora do

lugar de onde estavam, ora se aproximando do livro, enfatizando um ou outro elemento

da narrativa. Ambas assumiam uma postura dialógica na mediação da leitura, deixando

a movimentação livre das crianças, ouvindo os comentários que emergiam do discurso

verbal e visual, e múltiplos sentidos que os atribuíam. Essa mediação dialógica

contribuiu para que as crianças compartilhassem suas experiências, pensamentos e

volições, produzindo sentidos no coletivo. Observamos que, na mediação, elas

procuram deixar as brechas, devolvendo as perguntas das crianças sob a forma de

indagações que provocavam a produção de sentidos nos âmbitos coletivo e individual.

Essa pesquisa aponta para a possibilidade de se pensar na leitura literária para

além da Educação Infantil, abarcando leitores em fase de alfabetização inicial e outros

Page 156: o livro ilustrado e a leitura na escola

já alfabetizados, de modo a conhecermos que outras relações podem ser produzidas com

e a partir da leitura do livro ilustrado na escola. Obras como “Onde vivem os monstros”,

analisada neste trabalho de dissertação, são cada vez mais apropriadas pelo cinema e por

outras mídias digitais, como é o caso dos jogos eletrônicos, produzindo outros sentidos

com e a partir do texto original. Sendo assim, a expressão narrativa transmidiática tem

sido empregada para designar essas interrelações entre diferentes mídias e, a literatura

tem inspirado uma série de produções nesse sentido. Contudo, os estudos no campo da

Educação ainda têm produzido muito pouco sobre as relações da literatura e as

diferentes mídias, o que se coloca como uma possibilidade de investigação bastante

relevante.

Esta pesquisa traz contribuições relevantes para se pensar a formação de

mediadores de leitura comprometidos com a produção de sentidos que a literatura

infantil propicia, de modo que possamos pensar na partilha sensível com e a partir o

texto verbal e visual de forma mais democrática, compromissada com práticas críticas,

dialógicas e discursivas, no intuito de auxiliar na produção de uma escola povoada de

outros sentidos.

Page 157: o livro ilustrado e a leitura na escola

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Page 163: o livro ilustrado e a leitura na escola

ANEXO

Page 164: o livro ilustrado e a leitura na escola

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Pesquisa: Infância, linguagem e escola: das políticas de livro e leitura ao letramento

literário de crianças de escolas fluminenses

Orientadora: Patrícia Corsino (tel.: (21) 8108-1798 / e-mail: [email protected])

Equipe de pesquisadores: Amanda Santos, Carolina Monteiro Soares, Dione Coelho, Hélen Aparecida Queiroz, Jordanna

Castelo Branco, Karla Righetto, Lauren Souza do Nascimento Marchesano, Leonardo Vilela, Maria Nazareth de Souza

Salutto Mattos, Monique Gonçalves Araujo, Rafaela Vilela, Rejane Xavier e Sônia Travassos.

CEP/SMS-RJ (tel.: 2504-3196/ e-mail: [email protected])

Eu, ____________________________________________________, declaro estar de acordo em participar

da pesquisa Infância, linguagem e escola: das políticas de livro e leitura ao letramento literário de crianças de escolas

fluminenses, desenvolvida na UFRJ, sob coordenação da professora Patrícia Corsino, RG 03584643-5 e que conta com os

pesquisadores mencionados acima.

A referida pesquisa tem como objetivo principal traçar um panorama das políticas de livro e leitura de seis

municípios do Estado do Rio de Janeiro ao letramento literário das crianças da Educação Infantil e anos iniciais do Ensino

Fundamental. Num duplo movimento do macro das políticas ao micro da sala de aula e vice-versa, tem como proposta

conhecer e analisar: 1- como as políticas de acesso ao livro, à literatura e à leitura se articulam e repercutem na sala de

aula, 2- as mediações que se estabelecem entre a literatura e as crianças nas escolas, que inclui acervos, espaços e as

interações dos professores; 3-as apropriações e produções infantis provocadas pela leitura literária e 4-o lugar que a

literatura ocupa na formação das crianças – da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental.

CENTRO DE F I LOSOFIA E C IÊNCIAS HUMANAS- CFCH

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

LEDUC- LABORATÓRIO DE L INGUAGEM , LEITURA , ESCRITA

E EDUCAÇÃO

UNIVERSIDADE FEDERAL

DO RIO DE JANEIRO -

UFRJ

Page 165: o livro ilustrado e a leitura na escola

Estou ciente de que as observações e registros do cotidiano escolar, bem como as respostas às entrevistas

e questionários serão usados apenas para fins de pesquisa acadêmica, ficando garantida minha liberdade de desistência

de participar da pesquisa a qualquer momento, bem como o sigilo e o anonimato, sem que ocorra qualquer tipo de

coerção ou prejuízo. Fica garantida minha liberdade de não responder a questões que me causem algum

constrangimento.

Quanto a custos e receita, estas são nulas, não havendo qualquer tipo de despesa de minha parte, ou

ganho com minha participação nesta pesquisa.

Recebi todas as informações necessárias, estando ciente dos objetivos da pesquisa e disposta(o) a

contribuir para que seus resultados e reflexões possam servir também para a melhoria do processo educativo e/ou de

gestão de Unidades Escolares.

Serão mantidos todos os preceitos éticos legais durante e após o término da pesquisa.

Este termo será realizado em duas vias para que uma fique com o entrevistado e outra com o

pesquisador. Em caso de dúvida, poderei entrar em contato com o pesquisador pelos endereços ou telefones citados

acima.

Ciente dos termos propostos, concordo em participar da pesquisa.

Rio de Janeiro, _______ de _____________ de 2013.

Assinatura do participante

Assinatura do pesquisador