o jornal de liouville e a teoria geral das superfícies …...o resultado mais destacado desta obra...
TRANSCRIPT
O jornal de Liouville e a teoria geral das superfícies de Gauss
Leandro Silva Dias 1
[email protected] IFRJ - Brasil
Gérard Emile Grimberg
[email protected] UFRJ-PEMAT – Brasil
Introdução Joseph Liouville (1809-1882) possui um papel importante na difusão e
desenvolvimento dos conceitos relativos à geometria diferencial na França, principalmente
antes do trabalho de Riemann (1826-1866).
Liouville (1847) publica no Journal de Mathématiques Pures et Appliquées, que ficou
conhecido como jornal de Liouville por ser o editor deste periódico, uma demonstração do
teorema Egregium de Gauss. Este artigo provocou uma repercussão entre matemáticos
franceses, trazendo interesse na França pelo tema, além de outras demonstrações para o
teorema de Gauss.
Neste trabalho, buscamos analisar a recepção da teoria de Gauss, partindo de uma
análise do jornal de Liouville, a partir das respostas a publicação de Liouville sobre o assunto.
Utilizaremos a metodologia de rede de textos para ver como dialogam as diversas publicações
acerca da teoria das superfícies de Gauss na França de meados do século XIX. Liouville
escreveu este artigo em 1847 no seu periódico, apresentando uma demonstração do teorema
de Gauss, logo, partindo deste artigo percebemos uma comunicação sobre o assunto que
envolveu Victor Puiseux, Bertrand e Diguet, o que resultou em desenvolvimentos no tema por
parte da comunidade matemática francesa.
A partir da rede de artigos ou publicações pode-se perceber que Liouville é um dos
responsáveis pela divulgação dos trabalhos de Gauss sobre curvas e superfícies na França.
Destaca-se que o trabalho de Gauss não foi inicialmente recebido na França que, no início do
século XIX, concentrava suas pesquisas nas teorias dos sistemas de superfícies ortogonais de 1 Doutorando do Programa de Pós-graduação em Ensino de Matemática da UFRJ.
Lamé, o que muda a partir de Liouville (1847), provocando o interesse da comunidade
matemática francesa pela teoria de Gauss sobre as superfícies. Nesta análise, um conceito que
conduzirá nossa investigação é o de distancia. Este conceito se altera ao longo do século XIX,
com o desenvolvimento de várias áreas da geometria, como a geometria diferencial, além das
geometrias não euclidianas que são divulgadas na França por Hoüel e desenvolvidas por
Darboux.
No caso da geometria diferencial a métrica desempenha um papel fundamental,
destacando o desenvolvimento da teoria de Gauss com uma geometria intrínseca que conduz
ao trabalho de Riemann com a métrica Riemanniana.
Por fim, pretendemos esclarecer o papel do conceito de distancia no desenvolvimento
da geometria diferencial, dando destaque ao contexto da matemática francesa de meado do
século XIX.
Obra de Gauss sobre as superfícies 1825
As geodésicas foram pela primeira vez colocada como problema a ser investigado por
Jean Bernoulli em 1697, ao se investigar a distancia mais curta sobre uma superfície. Mais
tarde Euller trabalha outros casos, incluindo a equação diferencial da geodésica, definindo-a
como o caminho mais curto de um ponto material na ausência de forças, em seu tratado de
mecânica de 1736.
A teoria das geodésicas é a intersecção de vários outros domínios que foram
transformados a parti do século XVII pela introdução dos métodos analíticos: a teoria das
superfícies, a das equações diferenciais, do cálculo das variações e da mecânica. No século
XIX, está intimamente ligado a questões mecânicas, como a definição de Liouville nos
mostra: A linha geodésica para uma superfície é aquela que seria descrita, após qualquer impulso, por um móvel para permanecer na superfície e cujo movimento não seria alterado por nenhuma força de aceleração. (LIOUVILLE, 1844, p. 401, Tradução Nossa)
O estudo qualitativo das equações diferenciais impulsionou a teoria das geodésicas.
Um trabalho importante, na intersecção desses campos como a teoria das superfícies, foi o
Disquitiones generales circa superficies curvas (GAUSS, 1828). Este trabalho se interessa as
noções locais e globais de curvatura de uma superfície que possui uma dada métrica geral.
Uma tradução inglesa para o artigo de 1828 e para a versão de 1825, publicada apenas
em 1900, de Gauss foram feitas por James Caddall Morehead e Adam Miller Hiltebeitel, em
1902, publicada pela The Princeton University Library (GAUSS; HILTEBEITEL;
MOREHEAD,1902). Além da tradução, estes autores disponibilizam notas e bibliografia
sobre a teoria das curvas e superfícies de Gauss, com indicação de duas traduções para o
francês e duas para o alemão.
As versões originais em latim são Três, uma de 1828 impressa pela Commentations
societatis regie scientiarum Gottingensis recentiores, uma de 1828 impressa com a assinatura
Gottinge, Typis Dieterichianis. E a terceira edição de 1873 Além dessas, Morehead e
Hiltebeitel (1902, p. iii) citam a reimpressão em latim presente na obra de Liouille (1850) que
já temos citado. As traduções que são indicadas são: duas francesas e duas alemãs. As
traduções francesas são mais antigas que as alemãs, sendo uma de 1852, por Tiburce Abadie,
nos Nouvelles Annales de Mathématique, e outra em 1855, num livro de M. E. Roger, que
possui uma segunda edição de 1870. Já as alemãs datam de 1884 e 1889.
Gauss estuda as curvas mais curtas sobre uma dada superfície munida de uma métrica
geral. Conforme ele apresenta: Se notarmos que sempre temos
𝑑𝑥! + 𝑑𝑦! + 𝑑𝑧! = 𝐸𝑑𝑝! + 2𝐹𝑑𝑝.𝑑𝑞 + 𝐺𝑑𝑞! vemos imediatamente que 𝐸𝑑𝑝! + 2𝐹𝑑𝑝.𝑑𝑞 + 𝐺𝑑𝑞! é a expressão geral de um elemento linear em uma superfície curva. Sendo assim, a análise apresentada no § anterior nos diz que para encontrar a medida da curvatura, não precisamos de fórmulas finitas dando coordenadas 𝑥, 𝑦, 𝑧, em função das variáveis 𝑝 e 𝑞, mas é suficiente ter a expressão geral do tamanho de cada elemento linear. Cheguemos a algumas aplicações desse importante teorema. (GAUSS, 1870, p. 27, Tradução Nossa)
Então Gauss apresenta sua mais importante conclusão neste artigo: Se uma superfície curva é aplicada sobre outra superfície curva qualquer, a medição da curvatura em cada ponto permanece invariável. Como resultado, a curvatura integral de qualquer porção finita da superfície não será alterada. (GAUSS, 1870, p. 28, Tradução Nossa)
Gauss utiliza um sistema de coordenadas esféricas, para simplificar os cálculos
envolvidos e os problemas ao lidar com a métrica e a curvatura numa superfície. Com isso,
sendo escolhido um centro arbitrário e (1), (2) 𝑒 (3), sendo os pontos cujos eixos ortogonais
interceptam a esfera, 𝑟 o raio da esfera e 𝐿 o arco que liga dois pontos, então dois pontos
ficam assim relacionados:
𝑥! = 𝑥 + 𝑟. 𝑐𝑜𝑠(01)𝐿
𝑦! = 𝑦 + 𝑟. 𝑐𝑜𝑠(02)𝐿
𝑧! = 𝑧 + 𝑟. 𝑐𝑜𝑠(03)𝐿
O resultado mais destacado desta obra é que a curvatura gaussiana é constante nas
transformações envolvendo superfícies. Liouville percebe a importância das considerações de
Gauss e vê como uma extensão ao trabalho de Monge, principalmente ao famoso trabalho
Application de l’analyse a la géométrie, o qual Liouville reedita numa versão de 1850
juntamente com suas notas que contribuem para o tema. Veremos a seguir alguns aspectos
relacionados à contribuição do Jornal de Liouville ao tema.
Jornal de Liouville e a pesquisa em geometria diferencial
Em matemática atual, quando pensamos em trabalhos de geometria diferencial, nos
vem a mente aqueles que possuem aplicação de ferramentas de cálculo diferencial ao estudo
da geometria. Os objetos básicos desse estudo são as variáveis diferenciais, conjuntos com
regularidade suficiente para considerar o conceito de derivação e as funções definidas nessas
viáveis. Porém, no início do século XIX não podemos ainda considerar geometria diferencial
como um capo de pesquisa já estabelecido, se quisermos considerar as classificações e
campos de pesquisa em matemática daquele período. Obviamente que aplicações do cálculo
diferencial a geometria ocorreram desde a origem do cálculo diferencial com Newton e
Leibiniz, ou seja, há diversos casos particulares deste campo de pesquisa em formação, porém
os principais resultados se iniciam com os trabalhos de Gauss e finalmente com Riemann, e
antes destes apenas vemos alguns traços de geometria diferencial.
Então, uma das dificuldades iniciais é pensar em como saber se um dado trabalho, de
um dado matemático do início do século XIX, é relevante, ou não, para o desenvolvimento da
geometria diferencial, e no nosso caso, na França. Para isto, procuro ver como os trabalhos
envolvendo cálculo diferencial são classificados pelos próprios autores da época. E uma boa
forma de saber disto é ver como os conceitos são apresentados nos dicionários científicos da
época. Além de analisar os artigos e produções do período considerado. Uma primeira
pergunta que se apresenta é: o que era matemática pura e aplicada na época? Já que o título do
jornal de Liouville é Journal de Mathématiques Pure et Apliquées. Verdier utiliza as próprias
classificações dos diversos autores do período do jornal de Liouville. Ele diz: Para cada autor que conhece sua lista de artigos publicados graças ao Catálogo de Artigos Científicos, pudemos "mergulhar" seus textos em sistemas de classificação que nos inspiraram mantendo o princípio de uma classificação RESUMO, mas suficiente para um estudo GLOBAL do Jornal. Por outro lado, como quase todos os autores da Revista publicaram avisos de seu trabalho, pudemos usar seu próprio método de classificação. (VERDIER, 2010, p. 6, Tradução Nossa)
A uma possível resposta a nossa pergunta possui foi dada por Verdier (2010), que cita
a definição apresentada no Dictionnaire des Sciences Mathématiques de Alexandre Sarrazin
de Montferrier, que seria a dicotomia entre abstrato e concreto, ou seja, uma visão Kantiana,
onde se considera matemática pura aquela que considera os seus próprios conceitos e aplicada
àquela que considera as aplicações aos fenômenos físicos.
Porém, para nosso estudo temos muitas outras perguntas a fazer. Por exemplo: o que
era considerado pesquisa em geometria? Quais ramos da matemática pertenciam à geometria?
E ao cálculo diferencial? Como era o conceito de variável diferencial? O que era superfície?
Como eram considerados os estudos sobre superfícies? Para poder ter uma análise do
desenvolvimento da geometria diferencial do século XIX, devemos responder a estas
perguntas e determinar uma classificação que dê conta da determinação do corpus de textos
que iremos considerar em nossa pesquisa.
Uma boa aproximação de como essas perguntas podem ser respondidas é encontrada
no dicionário das ciências matemáticas de Montferrier. Ele apresenta uma extensa definição,
com subáreas, afirmando: A geometria, tomada em seu sentido mais geral, é a ciência da extensão. Está dividido em dois ramos principais. O primeiro desses ramos lida com modos distintos e independentes, ou com os modos individuais de geração e comparação de extensão; o segundo, os modos universais desta geração e essa comparação. (MONTFERRIER, 1836, p. 58, Tradução Nossa)
O primeiro ramo da geometria trata do que ele chama de Géométrie Elémentaire, ou
seja, do trabalho que vem desde os antigos, destaca-se Euclides, de fundamentar a geometria e
seus “elementos”, como: ponto, reta, curva, etc... . Já o segundo ramo se subdivide em quatro
partes, conforme a figura retirada do dicionário de Montferrier:
Figura 1 – Diagrama sobre geometria de Montferrier
Ele subdivide o que chama de modalidades geométricas em duas: a geometria das
transversais e a descritiva. Já para as modalidades ditas algébricas possui uma parte chamada
elementar, sem coordenadas, e outra sistemática, com coordenadas. Não há explicitamente
destaque para geometria diferencial, até mesmo por que estaria incluída na parte sistemática,
além de não possuir resultados suficientes para compor um campo da geometria.
Em Montferrier (1836) encontramos uma apresentação sobre equações diferenciais.
Ele divide em dois casos: équations aux différences finies e équations différentielles.
Apresenta o seguinte exemplo para os casos:
𝐴.∆𝑥 + 𝐵.∆𝑦 = 0, para a “equação de diferença finita'” e
𝐴.𝑑𝑥 + 𝐵.𝑑𝑦 = 0, para a equação diferencial.
Essas notações podem ser confirmadas na análise dos artigos franceses do meado do
século XIX, conforme apresentamos a seguir. Apesar de não haver um ramo da matemática
dedicada a hoje chamada geometria diferencial, percebe-se que muitos dos seus objetos de
estudo já estão definidos e desempenham uma função importante na pesquisa em geometria.
Teoria das superfícies e Liouville
Liouville apresenta uma demonstração do “theorema egregium” de Gauss em seu
artigo de 1847. Este fato retoma o interesse por parte da comunidade francesa de matemática
pelos aspectos abordados por Gauss em seus artigos de 1827 e 1828. Liouville, além de
simplesmente divulgar os trabalhos de Gauss, faz contribuições importantes à teoria das
superfícies que provocam algumas reflexões sobre o assunto, principalmente no seu
periódico, Journal de Mathématiques Pure et Apliquées, por volta da década de 1850.
Trataremos da recepção de Gauss na França a partir de Liuville, analisando seus trabalhos e as
impressões da comunidade francesa registradas nos periódicos e correspondências.
Liouville (LIOUVILLE, 1847) trata da expressão do produto 𝑅𝑅′ dos dois raios de
curvatura principais em um ponto qualquer de uma superfície que depende unicamente do
elemento linear 𝑑𝑠 que liga dois pontos infinitamente vizinhos quaisquer. Sendo:
𝑑𝑠! = 𝑑𝑥! + 𝑑𝑦! + 𝑑𝑧! = 𝐸𝑑𝑢! + 2𝐹𝑑𝑢𝑑𝑣 + 𝐺𝑑𝑣!,
esta expressão considera 𝐸,𝐹,𝐺 como funções de 𝑢, 𝑣 . Gauss apresentou como calcular
produto 𝑅𝑅′ por meio dessas três quantidades e suas derivadas de primeira e segunda ordem.
Liouville (1847, p. 304) apresenta sua demonstração e a seguinte expressão para o produto
dos raios de curvatura principais:
1𝑅𝑅′ =
14𝐺
𝑑𝐺𝑑𝑢
!
− 2𝐺𝑑!𝐺𝑑𝑢! = −
1𝐺𝑑! 𝐺𝑑𝑢!
Ou seja, Liouville (1847) apresenta uma expressão para o produto dos raios de
curvatura da superfície depende apenas da métrica intrínseca, ou seja, apresenta uma
demonstração do theorema egregium. Esta publicação de Liouville (1847) provoca a
comunidade matemática francesa o que fica registrado no Journal de Mathematiques Pure et
Apliquée, por volta de 1847, com a publicação de artigos em resposta ao artigo de Liouville
(1847). O papel de Liouville em inserir os desenvolvimentos de Gauss na comunidade
matemática francesa já foi destacado pela historiografia, como por exemplo, Lutzen (2012),
porém ainda não foi realizado um estudo sistemático desta recepção nas revistas francesas. Na
próxima seção apresento um estudo acerca do tema no Journal de mathématiques pure et
Appliquées de 1847 a 1855.
Teoria das superfícies e o Journal de mathématiques pure et appliquées
Liouville é primeiro editor do Journal de mathématiques pure et Appliquées, por este
motivo também é conhecido por Journal de Liouville. A primeira edição data de 1836 e
Liouville dirige a redação de 1836 a 1874. Liouville apresenta seu periódico como herdeiro
dos Analles de Gergonne, que durou de 1810 a 1831. Atualmente, continua a ser uma revista
prestigiosa de matemática e é dirigida pelo matemático Frances Pierre-Lois Lions.
Nossa análise parte do artigo de Liouville (1847), já citado, até meados de 1855.
Período onde há diversas respostas ao artigo de Liouville que apresentou uma demonstração
para o teorema de Gauss.
Victor Puiseux (1820 – 1883) escreve uma carta a Liouville em janeiro de 1848
relatando sua impressão sobre a publicação de 1847 de Liouville sobre uma demonstração do
teorema de Gauss. Puiseux inicia dizendo: ... Você deu no caderno de julho 1847 do Journal de Mathématiques uma prova de um teorema de M. Gauss. A leitura deste artigo me lembrou um ano atrás. Eu escrevi uma prova da mesma proposição: está implicitamente incluída no método mais geral que você seguiu; no entanto, uma vez que requer apenas cálculos bastante simples, você pode julgar se é conveniente publicá-la. ... (PUISEUX, 1848, p. 87, Tradução Nossa)
Puiseux (1848) apresenta uma demonstração muito mais simples em termos de
cálculos e de extensão do que o apresentado por Liouville (1847). Para isto, ele mostra que o
produto dos raios de curvatura numa superfície dado um ponto é o mesmo que o produto dos
raios de curvatura na superfície transformada no ponto correspondente. Liouville publica a
carta e a demonstração no seu jornal tornando público o conteúdo da mesma.
Nesta mesma edição do Journal de Liouville, Bertrand (1848) publica um artigo cujo
título é: Demonstration d’um théorème de M. Gauss, onde Bertrand comenta a demonstração
de Liouville do teorema de Gauss. Bertrand diz no início do artigo: Esta demonstração, apesar de muito elegante, talvez seja um pouco longa demais para que possamos introduzir no ensino, pensei que faria algo útil procurando simplificá-lo completamente daqueles que estiveram empregados até aqui; ... (BERTRAND, 1848, p. 80, Tradução Nossa)
Bertrand coloca a necessidade de fazer uma nova abordagem da demonstração do
teorema de Gauss para que fosse mais acessível ao ensino. Novamente há o comentário de
que a demonstração de Liouville é demasiadamente longa. Então, Bertrand (1848) apresenta
uma forma de demonstrar o teorema de forma mais sintética. Realmente, o artigo possui
apenas três páginas, chegando a seguinte expressão:
𝜎 = 2𝜋𝑠 −𝜋𝑠!
3𝑅!𝑅!
que implica que o produto dos raios de curvatura é invariável numa deformação da superfície.
Ao final do artigo Bertrand cita Diguet, aluno da École Normale daquele período, que
apresenta outra demonstração para o teorema de Gauss. Liouville publica a demonstração de
Diguet (1848, p. 83) logo em seguida ao artigo de Bertrand.
Os registros no Journal de Liouville nos mostram que seu artigo de 1847 foi de suma
importância para a divulgação e retomada de interesse pela teoria de Gauss sobre as
superfícies. Inicialmente esse interesse parte da relevância do teorema de Gauss, conhecido
como theorema egregium, e as demonstrações que surgiram em resposta à apresentada por
Liouville.
Liouville (1851) retoma o assunto da teoria das superfícies apresentando uma nova
expressão que envolve o produto dos raios de curvatura, agora seguindo o conteúdo de suas
notas a edição de l’Analyse appliquée de Monge. Por este período, Liouville dava lições sobre
este assunto no Collége de France, conforme fica registrado no início deste artigo: As lições que dei ao Colégio da França no último semestre têm se preocupado com a teoria das fórmulas diferenciais inteiras e homogêneas, e em particular a teoria das fórmulas quadráticas de duas variáveis onde 𝐸𝑑𝑢! + 2𝐹𝑑𝑢𝑑𝑣 + 𝐺𝑑𝑣!. É por tal fórmula que o quadrado é expresso 𝑑𝑠! e o elemento de qualquer linha traçada em uma superfície; e M. Gauss mostrou que o produto 𝑅𝑅! dos raios principais de curvatura da superfície em cada ponto, depende apenas dos coeficientes 𝐸,𝐹,𝐺 e suas primeira e segunda derivadas, de modo que é o mesmo para duas superfícies compostas dos mesmos elementos lineares 𝑑𝑠. (LIOUVILLE, 1851, p. 130, Tradução Nossa)
Este artigo de Liouville retoma os desenvolvimentos relacionados ao theorema
egregium, citando inclusive seu trabalho de 1850 sobre aplicações da análise a geometria de
Monge.
Considerações finais
Liouville se destaca como um matemático que percebe a importância do trabalho de
Gauss sobre superfícies e que dá contribuições efetivas a geometria diferencial que se
desenvolve por meados do século XIX.
O jornal de Liouville participa de forma importante na divulgação das produções
matemática relativos à teoria das superfícies na França. Destaca-se a rede de comunicação que
envolveu: Liouville, Bertrand, Diguet e Puiseux.
Para Liouville, a obra de Gauss foi vista como um complemento ao que Monge fez em
seu trabalho Application de l’analyse a la géométrie, cuja quarta edição data de 1809.
Pode-se perceber que a comunidade matemática francesa do meado do século XIX,
muito além de apenas receber as ideias de Gauss, contribui efetivamente com o
desenvolvimento da geometria diferencial, trazendo produção sobre o assunto.
Referências
BERTRAND, J. Démonstration d’un théorème de M. Gauss. Journal de mathématiques pures et appliquées, p. 80–82, 1848. DIGUET, C. Note à l’occasion de l’article précédent. Journal de mathématiques pures et appliquées, p. 83–86, 1848. GAUSS, C. F. Recherches générales sur les surfaces courbes. [S.l.]: Imprimerie de Prudhomme, 1870. GAUSS, C. F.; HILTEBEITEL, A. M.; MOREHEAD, J. C. General Investigations of Curved Surfaces of 1827 and 1825: Translated with Notes and a Bibliography by James Caddall Morehead and Adam Miller Hiltebeitel. [S.l.]: University Library, 1902. LIOUVILLE, J. De la ligne géodésique sur un ellipsoïde quelconque. Journal de mathématiques pures et appliquées, p. 401–408, 1844. LIOUVILLE, J. Sur un théorème de M. Gauss concernant le produit des deux rayons de courbure principaux en chaque point d’une surface. Journal de Mathématiques Pures et Appliquées, série 1, tome 12, p. 291-304, 1847. LIOUVILLE, J. Aplication de l’Analyse à la Géométrie. Bacheler: Paris, 1850, p. 638 LIOUVILLE, J. Sur la théorie générale des surfaces. Journal de mathématiques pures et appliquées, v. 16, p. 130–132, 1851. LÜTZEN, J. Joseph Liouville 1809-1882: Master of Pure and Applied Mathematics. Springer-Verlag: New York, 1990, p. 884 MONTFERRIER, A. A. V. S. de. Dictionnaire des sciences mathématiques pures et appliquées. [S.l.]: Bibliotheque scientifique, 1836. v. 1.
MONTFERRIER, A. A. V. S. de. Dictionnaire des sciences mathématiques pures et appliquées. [S.l.]: Bibliotheque scientifique, 1836. v. 2. PUISEUX, V. Sur le même théorème. Journal de mathématiques pures et appliquées, v. 13, p. 87–90, 1848. VOELKE, Jean-Daniel. Renaissance de la géométrie no euclidienne entre 1860 et 1900, Peter Lang SA, Editions scientifiques européenne, Bern 2005. VERDIER, N. Le journal de liouville et la presse de son temps: une entreprise d’édition et de circulation des mathématiques au xixème siècle (1836_1885). Bulletin de la Sabix. Société des amis de la Bibliothèque et de l’Histoire de l’École polytechnique, SABIX, n. 45, p. 57–64, 2010.