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BRÁULIO SILVA CHAVES O INSTITUTO EZEQUIEL DIAS E A CONSTRUÇÃO DA CIÊNCIA EM UM “HORIZONTE” DA MODERNIDADE (1907-1936) Dissertação de Mestrado apresentada junto ao Programa de Pós-Graduação em História, da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, da Universidade Federal de Minas Gerais. Linha de Pesquisa: Ciência e Cultura na História. Orientadora: Profa. Dra. Betânia Gonçalves Figueiredo Belo Horizonte 2007

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Page 1: O INSTITUTO EZEQUIEL DIAS E A CONSTRUÇÃO DA CIÊNCIA · O objetivo geral desta dissertação é realizar um estudo da história do Instituto Ezequiel Dias, entre 1907-1936, como

BRÁULIO SILVA CHAVES

O INSTITUTO EZEQUIEL DIAS E A CONSTRUÇÃO DA CIÊNCIA

EM UM “HORIZONTE” DA MODERNIDADE (1907-1936)

Dissertação de Mestrado apresentada junto ao

Programa de Pós-Graduação em História, da

Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas,

da Universidade Federal de Minas Gerais.

Linha de Pesquisa: Ciência e Cultura na

História.

Orientadora:

Profa. Dra. Betânia Gonçalves Figueiredo

Belo Horizonte

2007

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BRÁULIO SILVA CHAVES

O INSTITUTO EZEQUIEL DIAS E A CONSTRUÇÃO DA CIÊNCIA

EM UM “HORIZONTE” DA MODERNIDADE (1907-1936)

Dissertação de Mestrado apresentada junto ao

Programa de Pós-Graduação em História, da

Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas,

da Universidade Federal de Minas Gerais.

Linha de Pesquisa: Ciência e Cultura na

História.

BANCA EXAMINADORA:

____________________________________________________ Orientadora: Profa. Dra. Betânia Gonçalves Figueiredo – UFMG

____________________________________________________ Prof. Dr. Gilberto Hochman – COC/FIOCRUZ

____________________________________________________ Profa. Dra. Rita de Cássia Marques – UFMG

Outubro de 2007.

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Agradecimentos

É chegado o momento final de um trabalho e, com certeza, as páginas que aqui

se seguem dizem do nosso percurso acadêmico durante algum tempo, mas pouco falam

dos caminhos tortuosos até chegar aqui.

Mas, se o caminho é árduo, não nos faltam momentos e pessoas que foram

importantes em torná-lo menos complicado de ser vencido, a cada dia de pesquisa e

intenso trabalho.

Começo por agradecer à Profa. Betânia Gonçalves Figueiredo, orientadora e

pessoa que acreditou no meu trabalho. Sua leitura e sua observação foram-me

fundamentais. Ela soube deixar-me voar até onde fosse producente, mas teve a

sensibilidade de nos instantes necessários enraizar meu trabalho pelos enlaces de uma

História da Ciência que nos fornece inúmeras alternativas, embora precisemos de um

olhar sensível que nos aponte os melhores caminhos, diante dos inúmeros possíveis e,

muitas vezes, perigosos.

Agradeço também aos professores Anny Jackeline Torres Silveira e Bernardo

Jefferson de Oliveira, membros da banca de qualificação, que forneceram uma leitura

importante e contribuições vitais para o andamento da pesquisa.

À Profa. Rita de Cássia Marques, figura importante para qualquer pesquisador

da História das Ciências pelas terras de Minas.

Aos colegas da Pós-Graduação em História da UFMG: Silvia, com seus

comentários edificantes em nossas conversas; Ana Carolina, com quem tive o prazer de

compartilhar inúmeras discussões teóricas e empíricas na história das ciências da saúde,

além do prazer em ministrar com ela uma disciplina na graduação; Valéria, a amiga e

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ouvinte ocular dos momentos mais difíceis; Huener, o amigo prestativo com quem pude

contar em diversos instantes de aflição teórica e prática.

Ao grupo Scientia e ao Progama de Pós-Graduação em História da UFMG, com

meu agradecimento especial aos professores Regina Horta Duarte, com quem cursei a

disciplina Ciência e Sociedade na Primeira República, e ao Professor Mauro Lúcio

Leitão Condé, com quem cursei a disciplina História e Historiografia das Ciências.

À funcionária Norma, Secretária da Pós-Graduação em História da UFMG, pela

forma sempre gentil e pela presteza nas várias vezes em que solicitei os seus serviços.

Aos alunos e professores da Escola Estadual Nossa Senhora Aparecida, onde

lecionei e pude aprender muitas lições sobre a vida. Boa parte desse trabalho foi feita

paralelamente ao de professor. A experiência vivenciada foi, e continua a ser, das mais

desafiadoras, não apenas por conta de todos os problemas por que passa a educação em

nosso país, mas também pela rotina diária de uma escola: o exercício constante de

tolerância e de superação de mim mesmo como educador. Meus alunos e colegas de

profissão foram vitais para que eu jamais perdesse de vista meu papel na produção e

difusão do conhecimento, em um contexto de desigualdades, como o brasileiro.

À Nayara, amiga e ouvinte das satisfações e agruras de ser professor.

À Cássia, amiga fiel e constante, pela tarefa difícil que foi o seu apoio

incondicional em todos os momentos; a capacidade de tornar a convivência em um

aprendizado é para poucos.

A todos que estiveram envolvidos de alguma forma neste trabalho, o meu

obrigado.

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Resumo

O trabalho analisa a história do Instituto Ezequiel Dias, fundado em 1907, até a sua

estadualização, em 1936. Tal momento foi fundamental para que se pudesse pensar o

processo regional de aceitação do paradigma microbiológico em Belo Horizonte/Minas

Gerais. Através do percurso histórico da instituição foi possível verificar o processo de

composição do campo médico na recente capital de Minas. A trajetória do Instituto

também representou uma constante luta dos médicos em tecer suas redes e conseguir

credibilidade junto a amplos setores sociais, para que assim pudessem se tornar sujeitos

privilegiados nos assuntos de saúde na capital e no Estado. A história do Instituto

Ezequiel Dias envolveu-se na tessitura desta rede complexa e extensa de homens de

ciência comprometidos com a legitimação de seu ofício, do campo do qual faziam parte

e, principalmente, da sua Instituição. Nosso estudo discute a estratégia desses médicos

em concentrar sua representação pública nas atividades ligadas ao serviço

antipeçonhento. Sugere-se que essa foi uma escolha histórica e cultural, pois tais

médicos perceberam a relevância dessa questão de saúde relativa a amplos setores,

tendo em vista os grandes índices de acidentes com cobras e escorpiões. O governo

Estadual, os fazendeiros, como representantes de setores econômicos decisivos, a

própria população em geral, atingida pelos temíveis peçonhentos, na capital e no

interior, todos podiam tornar-se interessados no assunto pelos serviços do Instituto. Mas

esta não teria sido a única estratégia desenvolvida. Como forma de dotá-los de

credibilidade científica ainda maior e, por conseqüência, a própria instituição em que se

encontravam, tais médicos optaram, de uma forma bastante peculiar, por inserir outras

discussões nas atividades do serviço antipeçonhento. Atrás de cobras e escorpiões,

foram feitas inúmeras viagens pelo interior de Minas, as quais se relacionavam a um

projeto no interior da Primeira República, que reivindicava a inclusão dos territórios

escondidos, afastados e abandonados no progresso civilizatório através da ciência. Os

médicos se inseriam, através de suas atividades, numa discussão que pretendia um

projeto de construção de uma nação que deveria ser saneada para sua própria

efetividade. Paralelamente, ligaram-se, também, a outro processo regional que pretendia

o progresso econômico de Minas Gerais. Tais questões possibilitaram a percepção de

que cobras, escorpiões e micróbios foram levados ao laboratório para além de dotar o

Instituto Ezequiel Dias de credibilidade científica, construir a nação brasileira saneada e

efetivar o projeto de desenvolvimento econômico de Minas Gerais.

Palavras-chave: História das Ciências; Instituições Médico-científicas; Belo Horizonte;

Minas Gerais.

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Abstract

The present work analyses the history of “Instituto Ezequiel Dias”, created in 1907,

until its being transferred to state administration, in 1936. Such moment was very

important to think about the regional process of microbiology paradigm acceptation in

Belo Horizonte/Minas Gerais. Through the historical trajectory of that Institute it was

possible to verify the composition of the medical field in the new capital of Minas. The

Institute’s trajectory also represented a continuous medical struggle to establish its

network and to reach credibility towards broader social sectors, so that physicians could

make themselves privileged actors in charge of health issues in the capital as well as the

whole state. The history of Instituto Ezequiel Dias was part of the complex and wide

network of men of science committed to professional legislation, to the medical field

they were part of and, mainly, to their Institute. Our study discusses the strategy of these

physicians to concentrate their public representation in activities related to anti-animal

poisoning. It is suggested that this was a historical and cultural choice, because such

physicians were aware of the relevance of this health issue to wide social sectors, being

aware of higher rates of accidents with snakes and scorpions. State government, farmers

as representatives of decisive economical sectors, population in general, both from the

capital and the countryside, who were affected by the dreadful poisoning animals, all of

them might be made interested in the services of the Institute. However, that was not the

only strategy developed. As a way of endowing themselves and, as a result, their own

Institute with even greater credibility, such physicians, peculiarly, decided to insert

others issues in the activities of anti-animal poisoning service. Several expeditions were

made throughout Minas in search of snakes and scorpions, which was linked to the

greater “Primeira República” project in which the inclusion of some hidden, distant and

abandoned lands were demanded to be included into the civilizing progress by means of

science. Through their activities, the physicians were included in a discussion that

planned the building of a nation that should be sanitized to be effective. At the same

time, they were also connected to other regional process that aimed economical progress

of Minas Gerais. Such questions permitted perceiving that snakes, scorpions and

microbes were took to the laboratory in order to built a Brazilian nation sanitized and to

carry out the economical project of Minas Gerais, beyond to give to the Institute

Ezequiel Dias scientific credibility.

Key-words: history of science, medical-scientific institutions, Belo Horizonte; Minas

Gerais.

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Sumário

Introdução 8

Capítulo 1 – Enfrentamentos teóricos na história das instituições

médico-científicas 16 I – Um panorama historiográfico 18

II – A contribuição de Fleck e Latour para a derrubada dos muros

Institucionais 24

Capítulo II – Belo Horizonte: Um espaço para a ciência 41

I – As instituições científicas no contexto das transformações da

Microbiologia 43

II – A saúde e a cidade moderna 50

III – Ezequiel Dias e a fundação do Instituto 56

V – Percurso histórico do Instituto Ezequiel Dias 61

V – A criação do Posto Antiofídico em 1918 67

VI – O Instituto Ezequiel Dias e o campo médico 75

VII – Octavio Magalhães na direção do Instituto 88

VII . 1 – Dinâmica e funcionamento do Instituto na gestão de

Octavio Magalhães: a inserção na saúde pública 97

VIII – O processo de estadualização 101

Capítulo 3 – Escorpiões, cobras e micróbios: os híbridos

e as redes científicas do Instituto Ezequiel Dias 108 I – A aliança entre o Instituto Ezequiel Dias e as

“classes conservadoras”: a ciência e o projeto de substância

econômica para Minas Gerais 115

I. 1 – A Sociedade Mineira de Agricultura: mais um ponto de

afluxo de uma grande rede 121

II – As Bandeiras da Ciência: nação e saúde na atuação

do serviço antipeçonhento do Instituto Ezequiel Dias 138

II.1 – O Brasil desvelado pelos sertões 141

II. 2 – Da Rua da Bahia aos rincões de Minas 146

Conclusão 160

Fontes 163

Bibliografia 168

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Introdução

Belo Horizonte nasce das linhas geometricamente traçadas por Aarão Reis e sua

comissão construtora. Germinava a idéia de uma cidade racionalizada, matematizada,

nenhum detalhes podendo escapar: a cidade deveria ser planejada para que os ideais de

progresso, harmonia e ordem fossem concretizados. A nova capital era, antes de tudo,

um marco, uma ruptura. Era o momento de celebrar o novo! Era necessário um espaço

que personificasse um instante, que legitimasse o advento da República. O antigo e o

rural eram arcaicos, a face da degenerescência de uma época que deveria ser esquecida.

O novo é cosmopolita, a tônica do momento é o urbano.

Nesse contexto, havia mais um item que não poderia ficar de fora: a ciência.

Num momento em que discursos oficiais tornam imbricadas as concepções de ciência e

civilização, a cidade, para que fosse verdadeiramente moderna, precisava estar também

em sintonia com uma idéia de ciência proclamada e difundida. A fundação do Instituto

Ezequiel Dias constitui, dentro desse universo mental, um empreendimento simbólico.

A nova urbe tornara-se um locus privilegiado da filial da “casa da ciência”, o Instituto

Oswaldo Cruz.

O objetivo geral desta dissertação é realizar um estudo da história do Instituto

Ezequiel Dias, entre 1907-1936, como um momento de legitimação do paradigma

microbiológico e inserção do campo médico belo-horizontino em projetos que

pretendiam uma nação brasileira saneada, bem como o desenvolvimento econômico de

Minas Gerais, tendo como eixo a implementação das atividades do Serviço

Antipeçonhento.

Tal serviço se transformou em uma importante instância para que fossem

discutidos muitos assuntos, como a construção da nação na Primeira República e,

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paralelamente, um projeto de desenvolvimento de Minas Gerais. Assim, os médicos

operavam com uma discussão geral, que percorria um debate público empreendido por

eles, e, regionalmente, inseriam-se numa grande rede que interligava políticos, forças

produtivas e “homens de sciencia”, para que o Estado pudesse se desenvolver.

Isso significa dizer que, além de contribuir para a legitimação de novos modelos

científicos, o crescimento de uma instituição médico-científica, e a credibilidade da

atividade médica, escorpiões, cobras e micróbios falaram de muitas outras questões.

Uma investigação da trajetória histórica do Instituto Ezequiel Dias1 leva-nos a

03 de agosto de 1907. A partir do momento inicial trilha-se um caminho que dará a esta

instituição um papel fundamental na construção da idéia de ciência, na recente capital

de Minas. O processo de cristalização de suas atividades revela-nos um espaço que

conseguiu extrapolar seus objetivos iniciais e foi muito além do mero produtor de soros

e vacinas, tendo promovido uma sensível ampliação e variação de suas atividades

científicas.

Hoje, se há uma palavra que possa simbolizar as atividades da FUNED2 –

Fundação Ezequiel Dias –, ela é “diversificação”. Em várias áreas da atuação esta se

constitui em uma das mais importantes instituições biomédicas do país: produz

medicamentos voltados aos programas de saúde do Estado e do Governo Federal, para a

prevenção e controle de doenças como a AIDS e a hanseníase, por exemplo; trabalha

em áreas de pesquisa, ensino e extensão, no que se refere à formação dos profissionais

de saúde; desenvolve importantes atividades de pesquisa e aplicação de novas

1 A data oficial em que a filial passa a se chamar “Instituto Ezequiel Dias” é 18 de abril de 1923, em

homenagem ao médico fundador que morrera no ano anterior, como se verá a seguir. Porém, ao longo dos

dois primeiros capítulos, optou-se, muitas vezes, por chamá-lo assim, em vez de Filial, já que essa

denominação traz a carga de um enraizamento histórico e da própria autonomia reivindicada desde muito

cedo. 2 O Instituto foi transformado, em 1970, em Fundação Ezequiel Dias, com a incorporação da Escola de

Saúde Pública de Minas Gerais (Aleixo, 2001).

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tecnologias; por último, mantém o Instituto Octavio de Magalhães, responsável pela

parte laboratorial, com serviços de microbiologia, sorologia, metabolismo, análises

realizadas em água, alimentos, medicamentos, bebidas e material biológico, dando

suporte aos departamentos de vigilância epidemiológica e sanitária das esferas

municipal, estadual e federal3.

Esta rápida síntese das atividades da FUNED pode tornar-se um ponto de partida

para que possamos dar-lhe novo sentido no que se refere ao seu papel na ciência,

entendido de forma processual e historicamente construído. Apesar da importância e da

variedade das atividades, a instituição permanece ainda conhecida como o “instituto das

cobras”, denominação difundida logo nas primeiras décadas de funcionamento da antiga

filial. É curioso pensar que, em detrimento de uma ampliada atuação no setor público de

saúde brasileiro e na sua relevância científica e social, a instituição ficou “imortalizada”,

no imaginário das pessoas, pelo serviço relacionado aos animais peçonhentos.

A história institucional é um eixo interessante para que possamos perceber o

processo, cheio de conflitos e tensões, de constituição da idéia de ciência. Ser uma

instituição ligada a Manguinhos significava muito nesse período, a saber, era participar

da afirmação de um paradigma que seria capaz de transformar decisivamente a idéia de

medicina experimental, do universo teórico ao prático: a microbiologia.

Para que possamos compreender a história do pensamento científico no século

XX, em Minas Gerais, torna-se crucial considerar o Instituto Ezequiel Dias como um

pólo irradiador de ciência. Daquela que se fazia intramuros, nas discussões médicas

semanais empreendidas pelo próprio Ezequiel, no experimentalismo, etc. e em outra,

que se via nas campanhas de vacinação de homens e animais, nas campanhas educativas

3 Ver o seguinte sítio: http://www.funed.mg.gov.br/.

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com vistas à profilaxia das doenças, nos congressos, nas relações com a Faculdade de

Medicina, com a Fundação Rockefeller, etc.

A opção quanto ao recorte (1907-1936) refere-se à própria trajetória histórica do

Instituto Ezequiel Dias. A análise será feita do período de fundação da filial de

Manguinhos em Belo Horizonte, em 1907, que abrange a ascensão e solidificação de

suas atividades, até 1936, que é uma data simbólica, momento em que o governo do

Estado de Minas Gerais passa a assumir a instituição. A partir da estadualização nota-se

uma sensível mudança nos paradigmas do Instituto, que sofre uma considerável queda

de suas produções científicas.

Para a história institucional proposta aqui, a forma com que as fontes foram

consideradas foi de suma importância.

Os relatórios e arquivos institucionais tendem a fornecer uma ampla

configuração das atividades da filial. É preciso perceber os “homens de sciencia” como

representação – na imbricação da idéia que tecem de seu ofício com aquela imaginada

pela cidade.

Os documentos oficiais – cartas, ofícios, relatório de despesas – também podem

dar a dimensão do papel do Estado para as atividades institucionais e, de certa forma,

podem elucidar questões referentes à relação entre o poder público e a ciência, no

contexto mineiro.

A inserção do Instituto Ezequiel Dias no ambiente científico nacional e

internacional é de vital importância. Os inúmeros artigos publicados pelos médicos da

filial podem contribuir para o estudo não só do desenvolvimento do Serviço

Antipeçonhento, mas, também, do seu envolvimento e de sua aceitação no campo da

produção científica.

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Por último, os relatos memorialistas, num jogo dinâmico com a documentação

oficial, dão a tônica de uma instituição na condição de espaço de complexas tramas,

que, de tão fortes, derrubaram os muros e fizeram do científico e do social uma coisa só.

Assim, o presente trabalho articula sua análise a partir da idéia geral de que a

aceitação internacional do paradigma microbiológico estaria envolvida em complexos

processos regionais de legitimação e incorporação das práticas científicas transformadas

pela Revolução Pasteur, o que implicaria numa grande variação nas trajetórias de

criação e reorganização das instituições médico-científicas. Desta forma, procura-se

caminhar pelos seguintes eixos:

1) O Instituto Ezequiel Dias teria tido um papel fundamental no processo de

legitimação do paradigma microbiológico em Belo Horizonte/Minas Gerais, por sua

atuação na saúde pública, suas relações interinstitucionais, suas atividades de ensino,

pesquisa e extensão, o que o transformaria em um pólo disseminador da idéia de

ciência, ultrapassando as fronteiras de Minas.

A ênfase na implementação e na solidificação do escorpionismo e do ofidismo

teria tornado o Instituto Ezequiel Dias um centro de referência no assunto. Apesar do

fomento e da importância de outras atividades, tal ênfase poderia ter significado uma

das estratégias de legitimação de um novo modelo científico que se aproximava da

população na urgência do acidente com animal peçonhento; num jogo em que o

discurso médico-científico aliava à difusão de novas práticas a tentativa de soterramento

dos tratamentos da medicina popular, buscando incorporar novas terapêuticas e

intervenções medicamentosas.

2) A importância adquirida pelo Serviço Antipeçonhento teria possibilitado a

aquisição de um “lucro simbólico”, que tornaria o Instituto Ezequiel Dias capaz de

extrapolar as diretrizes de uma idéia que se poderia ter de ciência aplicada. Desta forma,

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proporcionaria aos “homens de sciencia” pluralizar suas atividades nos mais diferentes

campos da medicina experimental, formar as suas redes científicas e, através delas,

buscar a legitimação da sua profissão e do Instituto de que faziam parte.

3) O Serviço Antipeçonhento, pelas redes científicas que foi capaz de compor,

foi um importante elo que juntava os médicos aos diversos projetos que transcorriam na

Primeira República.

Poderiam reivindicar, a partir destas redes, o crescimento e ampliação da

estrutura física da filial, desempenhar papel determinante no ensino acadêmico,

atuando, de forma decisiva, nas ações públicas referentes à saúde, numa empreitada

para o Saneamento de Minas e do Brasil para além de sua inserção no jogo político

mineiro. Procurou-se estreitar os limites entre o urbano e o rural, na aliança a um

projeto de desenvolvimento econômico para o Estado.

Com o objetivo de desenvolver as idéias acima, a dissertação foi organizada da

seguinte forma.

No primeiro capítulo procura-se um aprofundamento historiográfico e teórico

referente à História das Ciências e, mais especificamente, das Ciências da Saúde dentro

da produção relativa às instituições médico-científicas. Consideramos ser

imprescindível um olhar em perspectiva relativo à bibliografia sobre o tema,

referenciais que ganham em relevância na medida em que se pode pensar a inserção do

presente trabalho dentro deste campo de pesquisa e da contribuição para tais estudos.

Além de um panorama historiográfico procura-se repensar alguns referenciais

teóricos que pudessem ser importantes para um diálogo com o trabalho empírico. É bom

salientar que as questões teóricas são, ao nosso olhar, intrínsecas a toda pesquisa. A

escolha por uma análise mais aprofundada nos trabalhos de Fleck e Latour, em

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detrimento de outros autores importantes para os “estudos na ciência”, não foi por

acaso. Procurou-se demonstrar através dessa escolha deliberada a tentativa de colocar

também em discussão a idéia de ciência que se quer discutir, eixo que consideramos que

deva persistir no campo da História das Ciências. A aliança dos dois autores em questão

tende a deixar explícito que se trabalha com uma idéia de ciência como uma construção

contínua, realizada por sujeitos interconectados a partir da tessitura de um complexo

contexto histórico e cultural, contingente, singular, carregado de especificidades. O

entrecruzamento teórico e empírico acabou por garantir a percepção de que a história do

Instituto Ezequiel Dias caminhava para além de seus muros na antiga e simbólica Rua

da Bahia.

No segundo capítulo procuramos reconstituir a história do Instituto Ezequiel

Dias. O percurso histórico é importante para as indagações naturais de uma história

institucional: as razões de sua vinda, sua estrutura, como se desenvolveu ao longo do

tempo. Foi analisada a forma com que a Instituição interagiu com o contexto de Belo

Horizonte e Minas Gerais. Neste ponto, considerou-se importante examinar qual era o

tratamento da saúde e de que forma o Instituto Ezequiel Dias constituiu parte dessa

realidade histórica. Sobretudo, foi preciso perceber as mudanças que a vinda da

Instituição provocou, bem como seus arranjos interinstitucionais e sua inserção no

campo médico em Belo Horizonte.

Coube ao Instituto Ezequiel Dias um importante papel agregador e articulador,

do ponto de vista institucional, dos processos de autonomização do campo médico e das

idéias científicas em Belo Horizonte/Minas Gerais.

Na terceira parte apresentamos um desdobramento das reflexões anteriores,

sejam elas teóricas, sejam relativas à própria história do Instituto e suas transformações

ao longo do tempo. O Instituto Ezequiel Dias abre uma verdadeira “cruzada” contra as

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cobras e escorpiões no território mineiro, mas, de forma muito interessante, a

empreitada foi bem mais além. As inúmeras viagens científicas pelo interior de Minas

geraram seus frutos – relatórios, cartas, relatos memorialistas, artigos científicos –,

mostrando que o Serviço ultrapassou o objetivo da caçada aos peçonhentos. A partir da

grande visibilidade que o Instituto ganhou com este tipo de trabalho, houve a

possibilidade de investir em variados setores, colocando o Instituto em sintonia com as

discussões que agitavam a pauta política da Primeira República: o saneamento do

Brasil, pensado a partir da incorporação do sertão e tendo a ciência como uma de suas

principais aliadas; paralelamente, o desenvolvimento de Minas Gerais, que, para se

concretizar, também arrolou a ciência como um de seus pilares.

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Capítulo 1 – Enfrentamentos teóricos na história das

instituições médico-científicas

A instituição é um elo importante para que possamos perceber qual idéia de

ciência está sendo colocada em uso – suas implicações, seus aliados, suas controvérsias.

E os arquivos institucionais são referenciais decisivos na cadeia confusa e tortuosa da

construção dos fatos científicos. Dessa forma, as instituições podem nos levar muito

além da história de homens num lugar isolado, fora da sociedade, desconectados do

mundo e imersos em seu ofício solitário. Decididamente, de acordo com o olhar, as

fontes documentais nos proporcionam vôos muito mais altos. Numa perspectiva

multidimensional tornam-se um locus privilegiado para que possamos perceber as

dinâmicas no interior da ciência e de sua luta incessante na busca e legitimação dos

fatos científicos. Mais que isso, tornam-se espaços importantes para que a história possa

tentar discutir o funcionamento da prática científica, muito diferente da visão idealizada

de homens que entram em seus “templos da ciência”.

Como veremos adiante, a historiografia apresentou diferentes posturas quanto ao

tratamento da história das instituições médico-científicas no Brasil, principalmente

daquelas criadas ou reformuladas no contexto das transformações decorrentes do

advento da Revolução Pasteur. O final do século XIX e o início do XX são, neste

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sentido, muito importantes para estas análises, pois trata-se de um período que

concentra a criação de vários institutos sob as matizes das novidades da microbiologia.

As diferentes posturas mostram, por outro lado, que alguns problemas persistem

ao longo do tempo relativamente a esta historiografia: a dicotomia ciência pura/ciência

aplicada, o papel dos grandes homens de ciência no sucesso dessas instituições, o

governo como única agência de fomento desses espaços, as instituições e os dilemas do

capitalismo, sua natureza emergencial, a apropriação de modelos de instituições

congêneres no exterior, entre outros.

Na tentativa de contribuir para o campo e, de alguma forma, suscitar novos

problemas e sugerir respostas para os que foram descritos, é que se considera importante

colocar em discussão enfrentamentos teóricos que possam nos fornecer novas

alternativas de análise. É dessa maneira que se pretende discutir de que forma as

posturas teóricas de Ludwik Fleck (1896-1961) e de Bruno Latour (1947- ) podem ser

aliadas na tentativa de um novo olhar sobre as instituições.

Cabe ressaltar que o presente objetivo não é o de promover uma comparação

entre Fleck e Latour, apesar de em vários momentos as aproximações e afastamentos

ficarem muito evidentes. Numa intenção mais modesta, pretende-se realizar, entre as

perspectivas teóricas dos dois autores, uma aliança de efetividade histórica, que se

coloca diante de um objeto específico: a história de uma instituição – o Instituto

Ezequiel Dias –, tendo como eixo as atividades de seu Serviço Antipeçonhento. E isto

quer dizer que o dois autores cumprem um papel importante como usinas de força para

o trabalho empírico e são vitais para se pensar os inúmeros problemas suscitados pelas

fontes.

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I – Um panorama historiográfico

No que diz respeito a um olhar em perspectiva sobre a história das instituições

científicas, o livro As Ciências no Brasil pode ser considerado uma referência inicial.

Ele foi publicado na década de 1950, com organização de Fernando Azevedo, que, na

introdução, deixa claro o viés da elaboração da obra: a criação das universidades como

o verdadeiro marco para a formação de um conhecimento autônomo. Os institutos do

final do XIX e início do XX estão presos a uma idéia de ciência aplicada, “utilitarista”,

e mesmo Manguinhos, sob a auréola do “grande” Oswaldo Cruz, não foge a esta

interpretação segundo a qual

“as criações de novos institutos, alguns dos quais vieram com o

tempo a adquirir grande projeção no estrangeiro não

obedeciam, também elas, a nenhum plano geral uma nova

política de cultura: eram ou por elas se procuravam resposta a

desafios postos por problemas urgentes” (Azevedo, 1994:38).

Com novas discussões a respeito de uma idéia de ciência, mas ainda numa

perspectiva similar a de Azevedo, é que se apresenta a obra de Schwartzman A

Formação da Comunidade Científica no Brasil. Tendo vindo a lume no final da década

de 70, esse livro compartilha a idéia de um conhecimento independente, como ponto

decisivo, ao passo que a sociedade apenas interferiria em assuntos referentes à utilidade

prática da ciência. Quando se trata das instituições prevalece a noção de um “sentido

pragmático e imediatista em que os assuntos de pesquisa eram entendidos no Brasil”

(Schwartzman, 1979:107). O autor enfatiza a importação de paradigmas no contexto

intelectual brasileiro da Primeira República, pois “é da França e da Alemanha que

chegam, muitas vezes com atraso e distorcidos, os modelos intelectuais e institucionais

que são adotados no Brasil” (Schwartzman, 1979:86).

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Em meados da década de 70 surge Gênese e Evolução da ciência brasileira:

Oswaldo Cruz e a política de investigação científica e médica, de Nancy Stepan. Como

o título denota, Manguinhos é analisado como um marco no que se refere à fundação de

uma medicina experimental no Brasil4. Há uma constante preocupação com o contexto

de formação da ciência num país em desenvolvimento e das implicações sociopolíticas

de um “desenvolvimento dependente”, no desafio da importação de modelos:

“Em certo sentido a história do Instituto de Soroterapia e do

Instituto Butantã de São Paulo, entre 1900 e 1903, pode ser

considerada como um prolongamento da tradição colonial

descrita por Basalla no período da medicina científica e

experimental. Ambas as instituições eram coloniais em seu

apoio sobre técnicas e tradições científicas desenvolvidas no

estrangeiro. Em 1903, nenhuma das duas tinha capacidade de

realizar pesquisas originais ou mesmo ciência aplicada em larga

escala” (Stepan, 1976: 82).

Fica evidente na obra uma detida discussão em torno do binômio ciência

pura/ciência aplicada e do sucesso do Instituto Oswaldo Cruz a fim de justificar-se a

superação dessa dicotomia, pois o instituto envolvia ambos setores. A autora considera

que a bem sucedida trajetória do Instituto Oswaldo Cruz foi “em parte foi conseqüência

da criação de um sistema interligado, envolvendo ciência básica e aplicada, treinamento

e emprego de cientistas, produção e consumo de conhecimentos científicos dentro do

Brasil” (Stepan, 1976:148).

A década de 70 é decisiva para a construção da história da medicina como um

campo de produção de conhecimento, tendo em vista novos problemas e novas

abordagens teóricas. É inegável a influência dos estudos de Foucault, num conjunto de

4 Sobre a ampliação do conceito de medicina experimental e a reabilitação da medicina imperial, bem

como sua importância no que se refere à produção científica, consideramos dois textos importantes:

EDLER, Flavio Coelho. O debate em torno da medicina experimental no segundo reinado. História,

Ciências, Saúde – Manguinhos. Vol. III (2): (284-299), jul-out 1996. DANTES, Maria Amélia M.

Introdução: Uma história Institucional das ciências no Brasil. IN: Dantes, Maria Amélia M. (org) Espaços

da ciência no Brasil: 1800-1930. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2001.

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trabalhos que tentava situar a “medicalização” do Estado brasileiro. Na linha

foucauldiana é que se insere o livro de Luz, Mediciana e ordem política brasileira:

políticas e instituições de saúde (1850-1930), no início da década de 80. A autora segue

um modelo em que a criação das instituições do final do XIX e início do XX

representaria uma nova etapa do Estado, de afirmação e hegemonia da ordem

capitalista. Segundo Luz,

“A criação de todas essas instituições que acabamos de

mencionar já é, em parte, uma tentativa de estabelecer a nova

ordem sanitária. Embora tivessem como finalidade precípua o

controle das epidemias, através da produção de soros e vacinas,

supunham a existência permanente de pesquisa, isto é, de

produção de conhecimentos básicos na área biomédica. A

ciência é, como afirmamos na introdução deste trabalho,

uma das bases da ordem capitalista. Sem a produção de novos

conhecimentos, nem as forças produtivas, e conseqüentemente a

estrutura econômica, nem o Estado, e a superestrutura que o

sustenta, podem se solidificar” (Luz, 1982:196). (grifo meu)

A análise da autora circunscreve-se num modelo que, em última instância,

constrói e se impõe de forma exterior à própria ciência. Os discursos médicos tendem a

perder, nessa perspectiva, suas nuances, os complexos e retorcidos processos de sua

elaboração e legitimação, já que cumprem um papel previamente definido.

As modificações dentro do próprio “fazer histórico” imprimiram uma marca

indelével no campo dos estudos históricos a respeito das ciências. Espaços, tempos e

objetos pluralizam-se. O olhar do historiador se volta para aquilo que não era tão

explícito, oficial, dito, declarado.

Novas abordagens acompanharam as transformações da própria historiografia.

Inserida num contexto de novos desafios, e a partir da contribuição das pesquisas

produzidas na Casa de Oswaldo Cruz, surge a obra coordenada por Benchimol,

Manguinhos do sonho à vida: a ciência na Belle Époque. Nela analisam-se o

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surgimento e a consolidação do Instituto. A obra enfatiza as peculiaridades do universo

sociocultural brasileiro e suas implicações na acomodação dos novos modelos. Num

recuo aos tempos iniciais tentou-se compreender o que fez de Manguinhos “uma

instituição sui generis no contexto da República Velha” (Benchimol, 1990:21). Na

investigação fica clara a importância da figura de Oswaldo Cruz, além da estrutura

organizacional autônoma que aliava produção, pesquisa, ensino, pessoal e suas

mudanças ao longo do tempo. A arquitetura do Instituto é também revisitada na ótica de

sua monumentalidade, do seu significado simbólico para a época.

Benchimol e Teixeira, em Cobras, Lagartos e Outros Bichos: uma história

comparada dos institutos Oswaldo Cruz e Buntantan, investem no estudo comparativo

dos projetos institucionais no interior da transformação pasteurina. Pretendem aliar com

a obra

“as determinações de conjuntura e estrutura com a dimensão das

ações individuais, seja a dos pesquisadores que entretinham as

horas cotidianas de trabalho, sejam as dos dirigentes que

conceberam e implementaram estratégias institucionais com os

objetivos, prioridades e interesses do bloco oligárquico

hegemônico” (Benchimol e Teixeira, 1993: 15)

É importante pensar como dois espaços de origens comuns caminharam em

trajetórias bem diferentes, que começam em áreas de excelência, como a protozoologia

em Manguinhos e o ofidismo no Butantan, passando pelas relações com o poder

público, o enfrentamento das crises, etc. Diante dessa postura metodológica foi possível

aos autores perceber as disputas, as vaidades em jogo, o papel ideológico e simbólico

dos “mitos” da ciência. Neste sentido, ganham espaço assuntos poucas vezes discutidos

na historiografia institucional precedente: os meandros que envolviam os concursos, o

caráter centralizador e personalista dos primeiros tempos de Manguinhos, a

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“desconstrução” da Doença de Chagas na década de 20, num constante elo entre as

estruturas institucionais e as posturas políticas no interior da própria República.

A bibliografia analisada coloca-nos de frente com os diferentes caminhos da

história das instituições científicas. Além dos inúmeros problemas suscitados, ela pode

se transformar numa importante ferramenta para que possamos buscar qual olhar será

dado à história do Instituto Ezequiel Dias.

Na tarefa de reconstruir essa história considerou-se importante a definição de um

eixo para a pesquisa, dada a necessidade imposta pela vasta documentação. Optou-se,

diante de algumas possibilidades, não por acaso, em pensar-se esta instituição, como já

foi dito, a partir das atividades do serviço antipeçonhento que, sem dúvida, notabilizou a

instituição. A escolha nos proporcionou o encontro com os documentos institucionais

(ofícios, cartas, balanços contábeis, etc.), artigos científicos e relatos memorialistas – os

mais diretos neste tipo de pesquisa – e, também, com relatos de expedições científicas5,

inúmeras ações nos mais variados campos que objetivavam a divulgação da ciência, em

um emaranhado de atividades que começavam a ampliar as noções da prática científica.

Isso, porque o serviço não se limitava a uma “guerra” travada na capital e no interior

contra cobras e escorpiões, pois, de forma peculiar, foi muito mais além. Instaurou-se

uma luta que pretendia sanear e higienizar o território mineiro e que tentava, sobretudo,

transformar as práticas médicas, do menor detalhe cotidiano até as grandes campanhas,

sob a égide das mudanças da microbiologia.

Assim, a pesquisa empírica aliou-se a um diálogo crítico com a historiografia

que acabou por suscitar novos problemas:

- a superação da dicotomia ciência pura/ciência aplicada;

5 No ano de 1918 foi inaugurado no Instituto um posto que pretendia realizar uma campanha contra os

acidentes com animais peçonhentos por todo o território mineiro.

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- novas formas de lidar com um possível dilema sociedade/ciência;

- o complicado processo regional de aceitação e legitimação do paradigma

microbiológico em Minas Gerais, numa luta intramuros (no interior do campo

científico) e extramuros (na luta empreendida contra a persistência de tratamentos da

chamada medicina “popular”, “empírica”);

- as alianças, disputas e interesses no interior do campo médico belo-horizontino,

em conflito com uma idéia de “comunidade científica” ensimesmada, hermética,

racionalmente fechada;

- a persistência de um discurso “peculiar nas fontes” – relatórios, relatos

memorialistas, ofícios, cartas, etc. – com objetivos múltiplos: da persuasão do leitor; a

busca de aliados, nos poderes públicos e na sociedade; e, na contramão, uma tentativa

de obscurecimento dessas controvérsias que procurava formatar o discurso e entregá-lo

limpo, livre de qualquer ponto que pudesse se opor à idéia de uma ciência

racionalmente arquitetada;

- a historicidade de um estudo sobre cobras, escorpiões e micróbios, no contexto

da história institucional, que persistia em derrubar as dicotomias homem/natureza,

sujeito/objeto, humanos/não-humanos;

- a emergência de um tempo sedimentado histórica e culturalmente, longe de um

fluxo contínuo baseado na lógica descoberta/progresso;

- a idéia de instituição propiciadora de inúmeras mediações que fugia da acepção

de um simples espaço de atividades rotinizadas.

Diante do fato de que tais problemas pululavam ao longo do trabalho empírico,

viu-se a necessidade de se buscar novos referenciais que significassem a possibilidade

de um passo à frente na pesquisa. É assim que se pretende estabelecer um diálogo com

as obras de Fleck e Latour, na tentativa de lidar com tais problemas. Cabe pensar como

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esses autores nos fornecem possibilidades de interlocuções entre as fontes relacionadas

a um determinado objeto e diferentes perspectivas teóricas e metodológicas, num

entrecruzamento com debates recentes na história da ciência.

II – A contribuição de Fleck e Latour para a derrubada dos muros institucionais

Fleck teve uma trajetória, sem dúvida, bastante peculiar no campo acadêmico.

Sua obra publicada em 1935, A Gênese e o Desenvolvimento do Fato Científico6(Fleck,

1986), não teve grande repercussão, com circulação restrita ao meio médico. Sua

inserção se deu a partir da publicação, em 1962, de A Estrutura das Revoluções

Científicas, de Thomas Kuhn (Kuhn, 2003), e, principalmente, com a tradução inglesa

no final da década de 70. As aproximações do texto kuhniano com o trabalho de Fleck

tornam-se muito nítidas em vários pontos (Condé, 2005).

A “epistemologia comparada” de Fleck começa com um prólogo emblemático,

em que o autor delinea seu objetivo de desconstrução de uma “definição tradicional” de

fato científico “fixo, permanente, o contraposto da transitoriedade das teorias. É a meta

de todas as ciências. A crítica para estabelecê-lo constitui o objeto da teoria da ciência”

(Fleck, 1986:43). A força deste fato constituído pela teoria é de tal modo avassaladora,

que ficamos passivos diante dele.

Para efetivar seu objetivo, Fleck irá tomar como estudo um caso específico: a

construção do conceito de sífilis. Nesta empreitada realiza um recuo ao século XV na

tentativa de buscar a “evolução”, de implicações psicológicas, culturais e históricas que

culminaram no conceito contemporâneo de sífilis, sintetizado na Reação de

Wassermann. Veja-se, de início, como Fleck opera de forma interessante com a história!

6 Fazemos aqui uma tradução livre da edição espanhola de 1986.

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Num momento marcado por fomes, catástrofes e o surgimento de epidemias é que o

pensamento sifilidológico começa a tomar forma. Depara-se com tratados médicos que

deixam claro que as representações da sífilis tinham estreita ligação com questões

histórico-culturais: as explicações bebiam nos conhecimentos astrológicos em voga na

época, que postulavam “a conjunção de Saturno e Júpiter na terceira casa de Escorpião”.

Cabia lembrar que era sobre o signo de Escorpião que estavam submetidos os órgãos

sexuais. Na convivência com essa explicação havia também a religiosa, que garantia um

significado pecaminoso a enfermidade (Fleck, 1986:46).

Para que possamos entender como Fleck vai estabelecer as mediações entre o

passado e o presente, numa perspectiva que privilegia a ciência diante de sua natureza

histórico-cultural, é preciso que se tenha em mente dois conceitos que vão percorrer A

Gênese e o desenvolvimento do Fato Científico: o estilo de pensamento e o coletivo de

pensamento. De forma sintética podemos dizer que o estilo aponta para o modelo, a

forma de se perceber o conteúdo científico, que se faz dominante em uma determina

sociedade, referindo-se coletivo de pensamento aos atores responsáveis pela sustentação

e legitimação desse modo de ver/conhecer, cada um deles como uma espécie de

“portador comunitário do estilo de pensamento” e que “não deve ser entendido como

um grupo fixo ou uma classe social” (Fleck, 1986:149).

Assim, estilo/coletivo vão estabelecer uma dinâmica que se sedimenta em um

tempo e espaço específicos, numa interação com múltiplas influências provenientes de

vários estratos sociais e, tal como a própria história, compondo-se de eventos, crenças e

idéias anteriores. A sobrevivência dos coletivos é garantida pelos experts, ou

especialistas (círculo esotérico), mas, também, pelos não especialistas (círculo

exotérico). A circulação dos indivíduos dentro do coletivo é dinâmica, pois o coletivo

pode ser composto por vários círculos que se inter-relacionam (Fleck, 1986:152).

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Portanto, Fleck considera que as vertentes explicativas da sífilis estão

mergulhadas numa “forte fundamentação psicossociológica e histórica” (Fleck,

1986:48). A ético-mística, nos séculos XV e XVI, mesclava astrologia e religião e dava

os contornos estigmatizantes da enfermidade que permaneceriam por muito tempo.

Outra, a empírico-terapêutica, com o uso do mercúrio misturava-se aos conhecimentos

da medicina humoral, de tradição hipocrática-galênica, que se baseava nos

desequilíbrios dos fluidos e nas analogias (sangue vermelho/mercúrio). Por último, no

conceito experimental-patológico estabelecia-se um fio contínuo com as interpretações

anteriores, pois permanecia o problema do sangue luético.

As concepções científicas referem-se, dessa forma, a pontos de vista

fossilizados. Ou, dito de outra forma, pertencem ao seu tempo, estão historicizadas.

Fleck vai mais adiante e estende esta assertiva às práticas científicas: da mais simples

observação cotidiana às grandes teorias, a natureza constitutiva e formativa desse

conhecimento é uma construção sociológica. O que se considera como prova em um

determinado estilo ou coletivo pode não o ser em outro. Partindo desse pressuposto,

podemos dizer que Fleck trilha um caminho que acaba por desfazer velhas oposições:

racional/irracional, prova/erro, lógico/ilógico, etc. As regras de procedimento empírico,

a exterioridade dos fatos científicos, e, de certo modo, a realidade em que se constitui a

prática, escapam de uma visão apriorística das coisas, pois são elementos de construção

“sócio-lógica”, psicossocial e não puramente lógica. Para ele há uma diferença entre

experimento e experiência, ao apontar que,

“enquanto o experimento pode interpretar-se como um simples

sistema de pergunta-resposta, a experiência tem que ser

concebida como um complexo processo de entretenimento

intelectual, baseado em ação recíproca entre o cognoscente,

o conhecido e o ‘por-conhecer’ ” (Fleck, 1986:56) (grifo

meu)

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É importante ressaltar que descrever a história de determinado campo de saber

não é uma tarefa das mais fáceis. Há uma condicionalidade histórico-cultural que faz

emergir um campo, mas que em momentos distintos cruza-se e mistura-se com outras

linhas de desenvolvimento. Cada linha tentaria se sobressair numa direção idealizada,

ou seja, constituir-se como fato. Para Fleck seria como descrever uma conversa em que

cada interlocutor quisesse impor a sua voz. Nessa perspectiva, a formação do campo e a

construção de um fato deveriam manter omitida uma grande quantidade de material que

culminaria num “esquema mais ou menos artificial [que] ocuparia então o lugar da

descrição de uma interação dinâmica e vital” (Fleck, 1986:62). Pode-se concluir que ao

final surge um fato duro, sem história, num processo que “higieniza” este mesmo fato,

retirando as impurezas – erros e controvérsias, típicos de momentos históricos distintos

– de sua construção.

Fleck faz um jogo de construção/descontrução/reconstrução do fato científico,

em que não há nem erro absoluto nem verdade absoluta, mas um lado do discurso da

ciência que a coloca em conflito com sua história e diz que “o passado é muito mais

perigoso – ou, melhor dizendo, só é perigoso – quando nossos enlaces com ele se

mantêm inconscientes e desconhecidos” (Fleck, 1986:67). O conceito de sífilis depende

de sua história.

O tempo das ciências se desenrola (ou enrola-se) na prática e para a prática, o

que equivale a dizer que “a todo estilo de pensamento o corresponde um efeito prático”

(Fleck, 1986:151). Não é o tempo das rupturas, das revoluções (Kuhn, 2003), das

grandes descobertas. Caracteriza-se por regularidades históricas, numa primeira época

chamada de clássica, em que há plena concordância das postulações e, em um segundo

momento, em que as exceções são persistentes, e, em um terceiro, tendem a instaurar o

novo, ao superar os fatos regulares (Fleck, 1986:76). Mas o autor ressalta que

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“sempre fica algo do estilo de pensamento anterior. Em

primeiro lugar, estão as pequenas comunidades isoladas que

mantêm invariado o velho estilo [...] Em segundo lugar, cada

estilo de pensamento contêm vestígios que procedem do

desenvolvimento histórico de muitos elementos de outros estilo.

Provavelmente se formam muito poucos conceitos novos,

isto é, conceitos, sem relação alguma com os estilos de

pensamento anteriores. A maior parte das vezes apenas varia

a tonalidade, como ocorre com o conceito científico de força,

ou com o novo conceito de sífilis que provém do conceito

místico” (Fleck, 1986:146) (grifo meu)

Fica claro que se trata de um tempo contínuo, por um lado, e descontínuo por

outro (pois há avanços e retrocessos, acertos e erros). É lento, sedimentado, fossilizado.

E como sendo um artifício conceitual, que objetiva estabelecer esta inter-relação

passado/presente, Fleck fala das “proto-idéias” ou “pré-idéias” pelo que conclui, a partir

de suas investigações, que “a reação de Wassermann constitui, em sua relação com a

sífilis, a expressão moderna e científica de uma ‘proto-idéia’ com séculos de

antiguidade que contribui pra a formação do conceito de sífilis” (Fleck, 1986:71).

Coube a Fleck uma iniciativa inovadora, atenta para a idéia de que o discurso

científico era muito mais plural, tortuoso e multidimensional do que podíamos imaginar.

Era o momento de dessacralizar a ciência e retirá-la de “um respeito demasiado grande,

próximo da veneração religiosa” (Fleck, 1986:94).

Em vista dessa rápida exposição de algumas questões que, ao nosso olhar, são

cruciais no texto de Fleck, pretende-se, agora, levantar alguns pontos de algumas obras

de Bruno Latour que promovam um entrelaçamento (não dos mais fáceis) dentro da

tentativa de lidar com alguns problemas incômodos durante a pesquisa do material

documental do antigo Instituto Ezequiel Dias.

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Diferente da trajetória de Fleck, Latour tem sido um nome bastante discutido por

historiadores, filósofos, sociólogos e cientistas (no sentido “tradicional” do termo), na

atualidade. Suas obras, algumas de grande sucesso editorial, têm provocado grandes

polêmicas e debates acalorados. Foge aos nossos objetivos um levantamento sistemático

destas controvérsias, o que não nos impede de dizer que nossos autores – Fleck e Latour

– estão suscetíveis a críticas. Porém, no atual momento, pretende-se verificar quais são

suas efetivas contribuições para algumas discussões importantes no campo da história

das instituições médico-científicas.

Até pela vastidão da obra de Latour, considerou-se importante a seleção de

algumas que nos dessem a dimensão do pensamento desse autor e também de suas

modificações ao longo do tempo, o que encaramos como mudanças que acabaram por

levantar pontos muito interessantes para a história institucional.

Numa de suas primeiras obras, aquela que podemos considerar como inaugural

de suas postulações, A Vida de Laboratório: a produção dos fatos científicos, publicada

em 19797 em parceria com Steve Woolgar, pretende-se a sistematização daquilo que os

autores chamam de um projeto de uma etnografia das ciências. Baseada em um trabalho

de campo do próprio Latour, no Instituto Salk, entre 1975-1977, os autores tentam se

diferenciar dos trabalhos de antropologia das ciências anteriores, que estudavam outras

práticas, mas que tinham um demasiado respeito pelas ciências (Latour e Woogar,

1997:12).

O texto não vai se opor apenas à antropologia, mas também às varias correntes

históricas, sociológicas, filosóficas que pretenderam compreender a lógica da atividade

científica e malograram, segundo os autores. E este era um problema crucial, uma falha

que os autores consideram crucial nesta bibliografia, pois:

7 Publicada em inglês nesse ano. Tivemos acesso à edição brasileira de 1997, que é tradução da edição

francesa de 1986. Embora pareça conter modificações em relação ao original inglês, essa edição serve

como base para que possamos delinear o início do projeto de estudo das ciências de Latour.

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“não havia um único livro, nem mesmo um único artigo que

descrevesse a prática científica de primeira mão,

independentemente do os próprios cientistas pudessem dizer, e

que fosse simétrico em suas explicações, redefinindo as noções

vagas das ciências humanas” (Latour e Woolgar, 1997: 18)

No que se refere especificamente à história, ela era “muito tímida, sobretudo na

França, e, na maior parte das vezes, ela não passa de uma roupagem da história das

idéias, quiçá da epistemologia” (Latour e Woogar, 1997:21). Há nesta crítica um ponto

importante, que percorre as obras de Latour: o de que só seremos capazes de entender

prática científica através dela, a partir dela, o que implica dizer que não cabe falar de

uma ciência idealizada, ou por tabela, através do que o próprio cientista diz, sendo

preciso ir ao laboratório e ver como as coisas acontecem8. É necessário ponderar que

não é preciso ser cientista, um preconceito que deve ser derrubado e “certamente é sobre

esse ponto que se deve trabalhar a questão, disciplinar o olhar, manter a distância. Aí

está o verdadeiro desafio, e não na aquisição de conhecimento, cuja dificuldade é

claramente superestimada” (Latour e Woolgar, 1997:27).

Para conseguir ir ao laboratório e ver, considerou-se um caso específico: a

construção do TRF(H), o isolamento desta substância, que é um fator de liberação

hormonal (Tryrotropin Releasing Factor – Hormone). Contudo, através dos arquivos

institucionais e da convivência no laboratório, descobriu-se que esta substância, já

considerada pelos cânones como um fato constituído, requereu um amplo processo de

construção, cheio de alianças, disputas e controvérsias, durante quase duas décadas, que

teve origem no início dos anos 60.

8 Tal perspectiva, se levada às últimas conseqüências, tende a inviabilizar o trabalho histórico. Mas, como

veremos adiante, Latour acabou por flexibilizar essa máxima, admitindo outras formas de se chegar aos

laboratórios (os de hoje e os de ontem) através de múltiplas fontes, não apenas da pesquisa de campo.

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A questão é de não fazer do caminho um caminho de mão única. Quando se olha

para o TRF(H), sólida não se tem a idéia do que foi exigido para se chegar ali. Foi

preciso, então, se aproximar do discurso científico, familiarizar-se com ele e promover a

sua desconstrução. Apenas assim seriam esclarecidos conteúdo e contexto, algo que os

trabalhos precedentes não realizavam e que faziam parecer água e azeite, numa mistura

apenas aparente que não se efetiva na prática científica. Isto implicaria levar às últimas

conseqüências o princípio de simetria de David Bloor e do Programa Forte9:

“a noção de simetria implica, para nós, algo mais que para

Bloor: cumpre não somente tratar nos mesmos termos os

vencedores e os vencidos da história das ciências, mas também

tratar igualmente e nos mesmos termos a natureza e a sociedade

[...] O trabalho de campo que aqui apresentamos é, por

conseguinte, duas vezes simétrico: aplica-se ao verdadeiro e ao

falso, esforça por reelaborar a construção da natureza e da

sociedade” (Latour e Woolgar, 1997: 23-24)

O contato com as fontes fez surgir um laboratório como um espaço dinâmico

que tentava construir e legitimar fatos, com atores que operavam com as múltiplas

facetas do discurso: escrita, persuasão, controvérsia, discussão. Na terminologia

latourniana, um sistema de inscrição literária que visava atribuir sentido às atividades

científicas, sendo um espaço de “uma mistura complexa, de crenças, hábitos, tradições

orais e práticas” (Latour e Woolgar, 1997: 48-49). Dizer que há uma relação entre o

científico e o social não basta! É preciso perceber o processo em que esta interação se

9 De acordo com Palácios: “O Programa Forte da sociologia do conhecimento representa uma das

tentativas de formalização desta ruptura com a tradição pretérita da sociologia da ciência e de recuperação

dos clássicos da sociologia do conhecimento para a análise da ciência. Neste aspecto, Durkheim e

Mannheim são as duas referências mais importantes para a formulação original do programa, apresentado

de modo sistemático por David Bloor, em Knowledge and Social Imagery, publicado em 1976”. O autor

aponta, ainda, os quatro princípios enunciados por Bloor relativamente à sociologia do conhecimento:

princípio da causalidade, da imparcialidade, da simetria e da reflexividade. PALÁCIOS, Manuel. O

Programa Forte da Sociologia do Conhecimento e o Princípio da Causalidade. IN: PORTOCARRERO,

Vera (org). Filosofia, História e Sociologia das Ciências: abordagens contemporâneas. Rio de Janeiro:

Editora Fiocruz, 1994.

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dá: e isto implica dizer que o ambiente humano e o material fazem parte da mesma

prática e não podem ser vistos em separado.

Numa análise dos artigos publicados sobre o TRF(H), entre 1970 e 1976, os

autores concluem que, no princípio, ao se falar da substância, o número de citações era

muito grande, e só caia em decréscimo à medida que o fato se solidificava. A

quantidade de citações não somente representava as controvérsias, mas, também,

objetivava trazer aliados para tal tese que ainda não tinha tanta credibilidade. Os

enunciados prontos fazem desaparecer esta luta cotidiana dos cientistas e mostram que o

fato “perdeu, por definição, qualquer referencial histórico” (Latour e Woolgar,

1997:101-102). Os fatos não podem ser dispostos numa mera sucessão cronológica,

sendo preciso explicitar sua construção social10

, mostrar como um “fato bruto pode ser

sociologicamente construído” (Latour e Woolgar, 1997: 104).

Perseguir o caminho dessa construção significava se deparar com uma outra

ciência. Era ver a disputa pela descoberta da substância entre laboratórios. Ver o

surgimento de alianças que pretendiam eliminar concorrentes. Perceber que mesmo as

regras de experimentação não eram tão lógicas assim, quando deixam claro que “os

critérios epistemológicos de validade ou falsidade são inseparáveis da noção sociológica

da tomada de decisão” (Latour e Woolgar, 1997: 121). Dizer que há um caráter

particular na atividade do laboratório, marcado no espaço e no tempo, que se efetiva na

prática. Era descrever as confusas conversas, transcritas detalhadamente, entre os

cientistas, em que os fatos são construídos e demolidos, num jogo de força e

negociação11

. Toma forma uma micro-sociologia dos fatos, a partir de micro-processos

no interior da ciência.

10

Como se verá a seguir, Latour irá, posteriormente, arrepender-se da expressão construção social. 11

Não teria Latour levado a sério o exemplo de Fleck segundo o qual descrever a construção de um fato

era como descrever uma conversa afiada entre interlocutores?

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A ciência tem um momento inicial conturbado, de turbulência – definido como

um campo agonístico – que é um momento de luta pelo crédito científico, o que faz o

laboratório parecer uma pequena empresa. É preciso ressaltar, como neste instante, que

a perspectiva lembra as noções de campo científico propostas por Pierre Bourdieu. Para

esse autor, que elabora uma crítica ácida às postulações do clássico de Kuhn (Kuhn,

2003), faltava ao texto12

, dentre outros pontos, levantar a questão dos interesses que

movem os cientistas e que fazem do campo científico uma luta pelo monopólio da

autoridade científica, e dizer que “todas as práticas estão orientadas para a aquisição de

autoridade científica (prestígio, reconhecimento, celebridade, etc.). o que chamamos

comumente de ‘interesse’ por uma atividade científica [...] tem sempre uma dupla face.

O mesmo acontece com as práticas que tendem a satisfação desse interesse” (Bourdieu,

1994:124). Uma busca incessante pelo lucro simbólico, que gera um questionamento

dos paradigmas não apenas durante as chamadas revoluções científicas.

Apesar dessas e de outras semelhanças com pontos levantados por Bourdieu

querer elencá-los foge-nos ao objetivo –, Woolgar e Latour afirmam não acreditar

naquilo que chamam de “análises econômicas da ciência”, as quais tendem a ser muito

gerais e assimétricas. Para eles, em vez de crédito, um ciclo de credibilidade deixa mais

clara a visão em rede e interacionista da ciência que se quer introduzir (a qual envolve

reconhecimento, subvenção, dinheiro, equipamentos, dados, argumentos e artigos).

Bourdieu não teria explicado o que produz os interesses, nem como técnica e poder

social estão inter-relacionados, além de não ter considerado a demanda. Havia caído em

explicações tautológicas. Talvez, tal posicionamento de Latour e Woolgar faça parte da

tentativa de tornar claro um projeto de etnociência em oposição às perspectivas

anteriores, o que acabou por produzir um texto, em certos momentos, angustiante pela

12

O texto de Bourdieu a qual nos referimos é de 1976. Ver a coletânea: BOURDIEU, Pierre. O campo

científico. IN: ORTIZ, Renato (org). Pierre Bourdieu: sociologia. São Paulo: Ática, 1994.

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quantidade de termos cunhados, muitos dos quais similares aos de outros autores (o que

não justificaria a acusação de Bourdieu ser tautológico), mas jogados, todos, em vala

comum13

.

Alguns problemas que estavam latentes em Vida de Laboratório vão sendo

redefinidos em outras obras de Latour. Em Ciência em Ação14

, o autor tenta formalizar

uma série de regras e princípios que servirão para aqueles que pretendem estudar a

ciência, uma espécie de campo comum de problemas e métodos (e, deste modo, inclui a

história). É o percurso que quer novamente compreender como os fatos são construídos,

através de “duas ciências”, que se assemelham à figura criada do personagem Jano, que

percorre todo o livro, e tem dois rostos (como aquelas imagens de antes e depois): no

lado esquerdo de Jano, barbudo, está a ciência construída, e é de lá que saem as

máximas produzidas pelo fato bruto; no lado direito, sem barba, a ciência em

construção, não acabada e um tanto confusa15

.

O encontro com a ciência em ação fez Latour se deparar novamente com a

construção do fato e da certeza de que ele é uma obra coletiva, e que “uma pessoa

sozinha só constrói sonhos, alegações” (Latour, 2000:70). No cotidiano do laboratório a

descoberta original deixa de ser individual, pertence a vários e tende a transformar-se

em conhecimento tácito. Os artigos científicos, por demais abstratos e aparentemente

distantes do mundo, “parecem aborrecidos e sem vida, de um ponto de vista superficial.

Se o leitor recompuser os desafios que estes textos enfrentam, eles passarão a ser tão

emocionantes quanto um romance” (Latour, 2000: 90). Assim, a retórica científica é tão

eficiente, que faz com que o que foi construído pareça que não o foi.

13

Hochman tenta analisar e problematizar as mediações entre Bourdieu, Latour e outros. HOCHMAN,

Gilberto: A ciência entre a comunidade e o mercado: leituras de Kuhn, Bourdieu, Latour e Knorr-Cetina.

IN: PORTOCARRERO, Vera (org.). Filosofia, História e Sociologia: abordagens contemporâneas. Op.

Cit. 14

A primeira edição é inglesa e de 1987. 15

Este artifício de introdução de personagens como o Jano e, depois, como discordante, foi feito também

em Vida de Laboratório com a figura d’ o observador.

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É uma ciência de captação que busca aproximar aliados e controlar opositores.

Aqui não há como não nos lembrarmos de como os médicos do Instituto Ezequiel Dias

souberam construir um projeto, com o serviço antipeçonhento, que não apenas atendia

aos interesses do Estado de Minas Gerais, ao qual não interessavam os altos índices de

acidentes com animais e homens (alguns relatórios falam em 1.150 mortes humanas e

12.240 de animais, no território mineiro, apenas no ano de 1924); aos fazendeiros, que

tinham interesse na redução dos prejuízos gerados pelos altos índices de picadas e

mortes do gado; à população, vítima direta e recorrente, dos peçonhentos; ao próprio

instituto, que ganhava crédito entre estes amplos setores e convertia na ampliação da

estrutura do instituto e na diversificação das pesquisas em outras áreas. Neste sentido,

Latour salienta que

“a maneira mais fácil de alistar pessoas na construção de fatos é

deixar-se alistar por elas! Ao promovermos o interesse explícito

delas, também favorecemos o nosso. A vantagem dessa

estratégia da ‘carona’ é que não precisamos de nenhuma outra

força para transformar uma alegação em fato; contendor pode

então tirar proveito de um outro, muitíssimo mais forte”

(Latour, 2000: 181)

A estas operações, em que os interesses de outros se transformam nos da ciência,

Latour dá o nome de translações. Sua conotação é material e lingüística. Derruba-se,

assim, a imagem da ciência isolada, para alguns, pura. Há uma questão pragmática que

permeia a ciência. E não há ciência mais ou menos próxima da sociedade. Pode-se dizer

até que, tal como algumas pesquisas na física ou matemática de que ouvimos falar, por

demais abstratas para nossos olhos, exigiram um amplo leque de mobilizações capazes

de proporcionar tal circunstância. Quanto mais esotérica, na verdade, mais exotérica ela

é (Latour, 2000:209-210).

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É, também, em Ciência em Ação que Latour levanta uma questão que será

insistentemente repisada em obras posteriores (Latour, 1994; Latour, 2001): a

mobilização promovida pelos cientistas não se refere apenas a humanos, mas também

aos não-humanos. Esta é uma questão que nasce com a Modernidade e que os pós-

modernos não souberam resolver. A civilização que se diz moderna e que separou

homem e natureza, sujeito e objeto, na verdade não nasceu. Somos a inconcretude de

um sonho, pois o que a prática mostrou foi que houve uma proliferação na cena de

atores que não são nem sujeito, nem objeto.

O projeto latourniano amplia-se e grita, como a prática deixa claro, Jamais

fomos Modernos!16

E, se o discurso forjou uma separação que não se realizou, é preciso

que tenhamos uma atitude reformadora. Sermos não-modernos, que é o que deve

acontecer, significa não aceitar o falso dilema. Dito de outro modo, é uma redefinição

de homem e natureza – uma questão ontológica:

“a palavra ‘moderno’ designa dois conjuntos de práticas

totalmente diferentes que, para permanecerem eficazes, devem

permanecer distintas, mas que recentemente deixam de sê-lo. O

primeiro conjunto de práticas cria, por ‘tradução’, misturas

entre gêneros de seres completamente novos, híbridos de

natureza e cultura. O segundo cria, por ‘purificação’ duas zonas

ontológicas inteiramente distintas, a dos humanos, de um lado e

a dos não-humanos de outro. Sem o primeiro conjunto, as

práticas de purificação seriam vazias e supérfluas. Sem o

segundo, o trabalho de tradução seria freado, limitado ou

mesmo interditado. O primeiro àquilo que chamamos de redes,

o segundo ao que chamarei de crítica” (Latour, 1994:16).

E que híbridos são esses? São aqueles vistos a todo instante na prática científica.

E isto não requer uma metafísica. Requer uma nova postura que implique dizer que a

16

Em outros textos, Latour aponta que a questão pode ter germinado com os gregos, tal como explicita

em sua análise do Górgias. Ver LATOUR, Bruno. A esperança de Pandora: Ensaios sobre a realidade dos

estudos científicos. Bauru, SP: EDUSC, 2001.

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natureza está lá, que sua existência é independente. Mas, quem coloca a natureza para

funcionar é o homem. Quem opera com ela e dá sentido a ela é o homem. Foi assim

com os átomos de Boyle, com os Micróbios de Pasteur, e, por que não?, com as cobras e

escorpiões do Instituto Ezequiel Dias. A partir desse instante, cabe dizer que podemos

também ser transformados por ela. É preciso um estudo simétrico que não separe o

mundo natural do humano.

É preciso promover uma nova “Constituição” moderna que una humanos e não-

humanos. Uma nova noção de tempo que abarque os híbridos e suas ações

politemporais.

Há uma relação de intercâmbio entre os micróbios e Pasteur (um precisa do

outro), como entre os peçonhentos e os médicos do Instituto. Eles foram mobilizados e

responderam a todo instante: nas expedições, nos experimentos, nas propagandas, nos

artigos. A natureza reformada abdica de uma dicotomia sujeito/objeto, por uma

perspectiva interacionista, que reivindica a historicidade das coisas (Latour, 2001: 173).

A Modernidade recalcada a que Latour se contrapõe tem um problema de raízes

na linguagem, num discurso que não pode se realizar na prática, e os

“pós-modernos acreditam que ainda são modernos porque

aceitam a divisão total entre o mundo material e a técnica de

um lado, os jogos de linguagem dos sujeito falantes de outro.

Mas estão enganados, porque os verdadeiros modernos sempre

multiplicaram, na surdina, os intermediários a fim de tentar

pensar o formidável crescimento dos híbridos ao mesmo tempo

em que pensavam sobre a purificação” (Latour, 1994:61)

Talvez seja esta a razão de ser tão cara a Latour a formulação de um novo arsenal

conceitual, muito inspirado na semiótica, que tenta dar o tom da audácia do projeto. É

preciso derrubar o abismo entre as palavras e o mundo.

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Diante destas questões é preciso ressaltar que se tende neste trabalho a, no

mínimo, ponderar as críticas que apontam que Latour seja uma espécie de construtivista

e relativista radical, de que para ele tudo é ficção. Críticas com as quais, diga-se de

passagem, o próprio autor tenta dialogar (Latour, 2001). Numa outra leitura, as

operações realizadas por ele com as categorias sociedade, natureza, realidade, fazem-

nos crer que o autor quer ressaltar que elas não podem ser utilizadas como único eixo de

análise do discurso científico.

A sociedade não é uma categoria a priori, pois também está em construção com

os fatos científicos. Desta forma, faz-se importante pensar uma história contingente. A

sociedade é a todo instante mobilizada pelos cientistas durante as controvérsias e não

pode ser usada como um argumento para que se explique um fato duro. Outra questão é

a de que pensar a ciência através da sociedade seria uma perspectiva assimétrica, pois

sociedade e ciência estariam juntas na prática, não podendo ser separadas. Daí surgem

as complicações relativas ao emprego de expressões como construção social da ciência

(Latour,2000; Latour, 2001).

A idéia de realidade também é um ponto a ser considerado, pois esta é discutida

constantemente nos textos do autor. Ele ressalta que está longe de nós “a idéia de que

os fatos – ou a realidade – não existem. Neste ponto não somos relativistas. Apenas

afirmamos que essa ‘exterioridade’ é conseqüência do trabalho científico e não sua

causa” (Latour e Woolgar, 1997:199). A realidade não pode ser usada como julgamento

das ciências, pois a prática é também uma luta para tornar esta realidade possível. Dizer

que existe um conteúdo ficcional na ciência não é negar a existência da realidade, é

ressaltar que ela pode, muitas vezes, ser secretada, sendo mobilizada apenas quando as

controvérsias cessaram, e o fato se instituiu.

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Com a natureza não vai ser diferente. Ela é a causa final da resolução das

controvérsias apenas quando estas já se estabilizaram, pois, enquanto durarem, a

natureza será simplesmente a conseqüência final delas. Tais concepções não significam

que os fatos não existem e que não precisamos da ciência, ou que tudo virou uma

grande falácia. Significam que precisamos de um meio termo para que nós, que

pretendemos entender a ciência, identifiquemos em que momentos os cientistas lançam

mão de tais categorias e o motivo pelo qual o fazem.

Tais apontamentos guardam muita semelhança com a perspectiva fleckiana

levantada anteriormente. A natureza não é por si só dotada da capacidade de aplicar o

carimbo do verdadeiro/falso, racional/irracional, lógico/ilógico. As “mutações” no estilo

de pensamento são construídas histórica-culturalmente, e

“o que era considerado há muitos anos um fenômeno

natural nos parece agora um conjunto de artefatos.

Rapidamente não poderemos dizer se a teoria de Koch é correta

ou incorreta, pois na confusão da situação atual começariam a

surgir conceitos novos, incongruentes com os de Koch” (Fleck,

1986: 72) (grifo meu)

Não são apenas as idéias que se adaptam, que se transformam, a percepção do

mundo também muda – esta é a natureza gestáltica da produção do conhecimento. Para

muitos é difícil aceitar que a transitoriedade não é uma marca apenas dos homens.

Nossas formas de ver/conhecer e atribuir significado à natureza também mudam,

“somente aquilo que é realidade para a cultura, é realidade para a natureza” (Fleck,

1986:81).

O advento do fato é o emblema bem sucedido de um discurso que homogeneíza

o estabelecimento de uma estrutura orgânica capaz de excluir o começo do processo, um

ponto de inflexão em que “surgem continuamente novas uniões e as antigas se deslocam

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mutuamente, formando uma malha em flutuação contínua a que se denomina realidade

ou verdade” (Fleck, 1986:126).

Nossa a tentativa aqui foi a de mostrar como uma aliança entre dois autores

importantes no cenário dos estudos das ciências pode nos ajudar a olhar com outros

olhos a história das instituições médico-científicas.

Longe de uma comparação sistemática e exaustiva entre os dois autores,

percebeu-se, contudo, que as similitudes vão além da conclusão de que

“contam-se nos dedos de uma das mãos alguns livros

excelentes de memórias e de análises, escritos pelos próprios

cientistas, como os de Watson (1968) ou de Fleck (1979). Por

mais estimulantes que sejam estas obras, elas não podem

remediar a ausência de pesquisa, de observação direta, de

contradição” (Latour e Woolgar, 1997:19)

Há também um outro ponto. Não pode ser esquecido que as lentes que vêem a

ciência têm gradações diferentes para estes autores. Uma que se atém ao macro, outra

que quer ver o micro. Consideramos que, mesmo assim, a aliança não se inviabiliza. As

fontes podem requerer, em momentos distintos, problemas que exigem soluções macro

ou micro. Fazer com que ela se efetive e verificar a pertinência das respostas será outra

etapa do processo de pesquisa!

Por hora, cabe enfrentar este novo momento partindo de uma formatação

específica da idéia de ciência. Ela é interativa, articulada, sistêmica. Mas é também

sonhada e imaginada. Cheia de desejos. Cabe tentar analisar, como os “homens de

sciencia” do Instituto Ezequiel Dias fizeram o discurso tornar secretas questões que a

prática, a história e a cultura insistiram em nos fazer enxergar.

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Capítulo 2 – Belo Horizonte: Um espaço para a ciência

A inauguração do Instituto Ezequiel Dias em Belo Horizonte17

, cidade fundada

em 1897, representava o novo e o moderno para a capital de Minas. É reveladora de um

grande empreendimento e de sujeitos que lutaram para fazer a semente da ciência

florescer em um espaço privilegiado, o da urbe construída sob égide da Modernidade,

de ruas largas, planejada nos ditames científicos da Higiene.

Veio como filial do Instituto Oswaldo Cruz, comumente chamada de

Manguinhos18

. E ser ligada a Manguinhos significava muito neste período. O Instituto

Oswaldo Cruz tornara-se um locus importante para a medicina, seja do ponto de vista de

novos modelos de organização das instituições médico-científicas, seja do ponto de

vista da circulação das idéias no interior da ciência médica: a novidade da vez era a

microbiologia.

O paradigma microbiológico vem empreender uma verdadeira revolução na

prática científica. A partir dele, começa o momento de uma verdadeira caçada aos

invisíveis. É a hora de lidar com novas formas de percepção da doença que passam pela

etiologia até a pesquisa, que ganha novos contornos experimentais e torna o laboratório

um espaço por excelência da atividade científica. Essa percepção culmina, dentre outras

17

A análise, do ponto de vista histórico, da fundação do Instituto filial de Manguinhos em Belo

Horizonte, foi feita pela primeira vez por Marques (1997). 18

A denominação de Manguinhos deve-se à localização do Instituto no Rio de Janeiro, na Fazenda de

mesmo nome, região de difícil acesso e repleta de mangues.

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questões, numa nova lógica de organização das instituições biomédicas. As que

persistem reformulam-se, e inúmeras vão surgir sob os novos modelos.

Nesse contexto de mudanças das idéias, a ameaça da peste bubônica ao Brasil,

em 1889, colocou necessidades prementes a serem resolvidas. No caso de uma epidemia

era preciso ter institutos, pois a importação do soro era cara, e o tempo de viagem

colocava em dúvida a própria eficácia do medicamento. É assim que surge o antigo

Instituto Soroterápico no Rio de Janeiro, primeiramente subordinado à municipalidade

e, depois, federalizado. Anos mais tarde ganharia o nome do médico-sanitarista

Oswaldo Cruz, figura chave desses novos saberes médicos no Brasil.

A história de Manguinhos impressiona pela metamorfose dessa instituição. De

um limitado laboratório à Instituição de arquitetura imponente e influência científica

decisiva no Brasil e internacionalmente. A capacidade de crescimento foi para além da

cidade do Rio de Janeiro, e Belo Horizonte tornou-se o palco da fundação da primeira

filial do Instituto Oswaldo Cruz19

.

Os primeiros anos vão ser cruciais para legitimação desse novo espaço

institucional no contexto mineiro. A Instituição não vai fazer por menos. Um espaço

pequeno, a princípio com poucos funcionários. Mas a vocação para atividades

diversificadas já começa a aparecer desde os primeiros tempos.

Ezequiel Dias seria o responsável por fazer a semente da ciência florescer por

entre as montanhas de Minas. Para tal tarefa teve a contribuição de alguns outros

personagens que ajudam na mobilização da ciência no interior de uma Instituição e

buscam torná-la peça importante no quadro da saúde no Estado de Minas Gerais.

A perspectiva, por agora, é a de traçar a história desse momento inicial que

exigiu de diversos atores amplas estratégias e mobilizações que fossem capazes de fazer

19

Ver, para a história de Manguinhos, Benchimol (1990); Benchimol e Teixeira (1993).

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deles, e da Instituição da qual faziam parte, personagens importantes para legitimação

de novas idéias científicas. É o momento de pensar como os espaços institucionais

ocupam lugar de destaque na construção dos fatos científicos, diante do novo modelo

microbiológico.

I – As instituições científicas no contexto das transformações da microbiologia

O último quartel do século XIX é decisivo para que os seres microscópicos

passem a figurar como atores importantes nas ciências. Se sua existência já era discutida

há muito tempo, é com Pasteur20

e sua instituição francesa que se inicia o processo em

que eles passam a compor a linha de frente da eterna guerra da medicina contra as

doenças.

Pasteur foi importante para que um invólucro espaço-temporal fosse construído

ao redor dos invisíveis. É uma mudança significativa, pois agora o campo de atuação

médica sofre um deslocamento. A arte de curar como espaço privado da relação de

proximidade entre médico e paciente sofre uma transformação. O impacto não é apenas

o de ver como seres invisíveis vão se tornando visíveis aos olhos através do

20

Pasteur nasceu em Dôle, na França, em 27 de dezembro de 1822. Sua área de formação era a química, e

ele tornou-se professor da disciplina na Faculdade de Ciências de Lille. Por volta de 1857 inicia seus

estudos a respeito da fermentação láctea. Recebeu prêmios da Sociedade Real de Londres por sua atuação

na cristalografia. Em 1865 foi premiado pela Academia Francesa pelos estudos sobre a fermentação.

Dedica-se, também, à raiva, à cólera aviária, dentre outros assuntos. Em 1888 é inaugurado o Instituto

Pasteur. Morreu aos 70 anos, em 28 de setembro de 1895, numa cidade nas proximidades de Paris. Para a

trajetória de Pasteur e seu papel na promoção de uma revolução pasteuriana, ver Benchimol (1990, 1999)

e Teixeira (1995). De acordo com Porter, “de modo algum foi Pasteur o inventor da ‘teoria microbiana’ –

a de que a doença é causada pela invasão do corpo por microorganismos vivos -, pois ela era veiculada

desde longa data. Mas ele foi o primeiro a mostrar, através de demonstrações experimentais convincentes,

que determinados micróbios efetivamente causavam determinadas doenças – no gado, nos suínos, nas

aves domésticas e, por fim, nos seres humanos” (Porter, 2004: 108). É bom que se diga que, apesar de

Pasteur não ter sido quem inventou a teoria microbiana, foi ele quem soube “se servir” de um invólucro

espácio-temporal específico do século XIX, para que o micróbio passasse a figurar entre um dos

principais inimigos da medicina. Daí se justifica, por exemplo, a afirmação de Latour de que os

micróbios não existiam antes de Pasteur (Latour, 2001).

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microscópio21

, mas, sobretudo, o fato de o potencial aterrorizador na transmissibilidade

de doenças também tornar-se claro.

As cidades européias que passam, ao longo do Oitocentos, por uma grande

explosão demográfica têm uma outra multidão com a qual se preocupar22

– a de

micróbios. Foi assim que as políticas de saúde pública passam a ser decisivas, tendo em

vista o potencial socializador desse agente transmissor das doenças, dada a sua

capacidade de circular e atingir alvos distintos, quadro que se mostra mais aterrador

quando começa a ser vislumbrado seu potencial mortífero23

. Dessa forma, foi preciso

mudar as práticas, e a microbiologia “refundiu a legislação e organização institucional

da saúde pública; penetrou nos hospitais, modificando sua arquitetura, redefinindo seus

serviços e reordenando os gestos e a indumentário dos cirurgiões”. (Benchimol, 1990:

6)

Em 14 de novembro de 1888, o Instituto Pasteur de Paris foi inaugurado. Sua

história de atuação no campo científico francês e europeu também impressiona. A

estruturara organizacional, que privilegiava certa autonomia em relação ao Estado

francês e à Universidade, pode ter contribuído para o seu sucesso vertiginoso. A

autonomia administrativa foi facilitadora no processo de arregimentação de aliados para

o instituto, os quais vinham de setores privados e até do próprio governo. Tal

organização possibilitou um crescimento tripartite: em pesquisa, produção e ensino.

No Brasil, uma data marcante para a nova fase da institucionalização é o ano de

1899, com a ameaça da chegada da peste bubônica ao porto de Santos. Antes da

chegada da doença no Rio de Janeiro, o poder público solicitou a criação de um

21

De acordo com Porter, dentre outras transformações técnicas que foram importantes para a medicina, já

na primeira metade do século XIX, “o microscópio também foi imensamente aperfeiçoado, a partir de

aproximadamente 1830, pela correção da distorção, que permitiu rápidos progressos na nova ciência da

histologia, ou estudo do microscópico dos tecidos” (Porter, 2004: 104). 22

Para a questão das multidões no século XIX, ver Bresciani (1992). 23

Para maiores detalhes a respeito das mediações entre a microbiologia e a Saúde Pública, ver Rosen

(1994).

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laboratório soroterápico, nos moldes do Butantan. O Barão de Pedro Afonso foi o

responsável pelo Instituto Soroterápico Municipal, do qual Oswaldo Cruz seria o

técnico.

A Fazenda de Manguinhos passou por uma reforma, e em 9 de maio de 1900 o

laboratório foi para a esfera federal, mas foi em dezembro 1902 que Oswaldo Cruz

assumiu a direção do Instituto.

Como foi dito, a microbiologia suscitou novas formas de o poder público

encarar as questões de saúde. Em alguns estados brasileiros, as mudanças científicas

culminaram na criação de serviços sanitários e de inúmeras instituições sob os auspícios

do novo arcabouço.

Em 1891 aconteceu a criação do Serviço Sanitário de São Paulo, que foi órgão

responsável pela saúde durante 47 anos, tendo substituído a Inspetoria da Província do

período Regencial. O serviço compreendia diversas Seções: Laboratório Farmacêutico,

Laboratório de Análises Químicas, o Laboratório Bacteriológico, que foi chamado

depois de Instituto Bacteriológico, um Instituto Vacinogênico, Desinfectório Geral, a

seção Demógrafo-Sanitária, Hospital de Isolamento e o Instituto Butantan (Almeida,

2003: 59).

O Instituto Bacteriológico Paulista já denotava esse novo viés da saúde, pelo

nome e por ser responsável pela microscopia e microbiologia, quando os assuntos

fossem epidemias, endemias e epizootias24

. Para dirigi-lo foi chamada uma figura que,

em tese, seria capaz de integrar a Instituição ao que havia de mais moderno no campo

científico. Indicado por Pasteur, veio Le Dantec, em curta passagem (dezembro de 1892

a abril de 1893), sendo substituído por Adolfo Lutz, que ficou no cargo até 1908.

24

A epidemia é caracterizada por doença infecciosa, de caráter transitório e que atinge grande número de

pessoas em uma determinada localidade; as endemias ocorrem em populações e/ou regiões específicas; as

epifitias são doenças, de caráter epidêmico que afetam os vegetais; epizootia é a doença que se dissemina

com rapidez e apresenta grande número de casos entre os animais.

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Com o surto de peste bubônica em Santos foi necessária a implantação de um

laboratório exclusivo para produção do soro antipestoso. Instalaram-no na Fazenda

Butantan, em 1900. Vital Brasil, que havia participado das pesquisas que

diagnosticaram a peste no porto santista, foi incumbido de dirigi-lo. Em 23 de fevereiro

de 1901, o Instituto desvinculou-se do Bacteriológico e ganhou autonomia, passando a

se chamar Instituto Soroterápico do Estado de São Paulo, depois seria o Butantan

(Benchimol e Teixeira, 1993).

Em Minas, a organização de um serviço sanitário efetiva-se em 1895, com o

Decreto lei nº 144, de 23 de julho de 1895. A lei dá o tom da nova lógica organizacional

nas terras mineiras, que deveriam ser protegidas da presença dos seres microscópicos:

Art. 1º O Serviço Sanitário do Estado, subordinado à Secretaria

do Interior, será dirigido:

I - Por um conselho de saúde pública, que será o órgão

consultivo do governo nas questões referentes à higiene e

salubridade.

II - Por uma diretoria de higiene encarregada da execução do

regulamento sanitário que disporá de um instituto vacinogênico

e para análises químicas e de aparelhos de desinfecção.

III - Por delegacias de higiene e de vacinação nos municípios,

subordinados à Diretoria de Higiene.

IV - Por engenheiros, comissários de higiene e desinfetadores

contratados pelo governo.

§ 1º A diretoria de higiene se comporá do seguinte

pessoal:

a) De um diretor;

b) De um subdiretor;

c) De um chefe de laboratório;

d) De um secretário

e) De um auxiliar técnico do chefe de laboratório;

f) De dois amanuenses;

g) De um porteiro, que também exercerá as funções de contínuo

e de três serventes. Deverão ser médicos o diretor, o subdiretor

e o secretário; o chefe de laboratório deverá ser profissional de

provada competência. (Minas Gerais, 28 de Julho de 1895: pp.

1-2)

A atuação da Diretoria de Higiene era ampla. Tinha funções de estudo,

profilaxia e ação, que incluíam organização e fiscalização, no que se referia às questões

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de saúde no Estado: estudo e saneamento; meios de prevenção; organização dos

socorros de assistência médica; inspeção de escolas, fábricas, hospitais, hospícios,

prisões, etc.; fiscalização dos alimentos, águas minerais; fiscalização da profissão

médica; superintendência da polícia sanitária; organização da estatística demográfico-

sanitária; fiscalização de cemitérios e obras públicas.

O regulamento de Minas mostra a tentativa de colocar-se, do ponto de vista da

ação pública, o Estado de Minas Gerais em consonância com os novos modelos de

gerência dos assuntos relativos à salubridade dos espaços.

O regulamento de 1895 também contempla a existência de um serviço de

profilaxia que estaria incumbido dos “trabalhos de desinfecção na Capital e nos

municípios, a remoção de doentes e cadáveres de moléstias contagiosas e o isolamento

de removidos” (Idem).

Em acréscimo ao que pôde ser verificado, convém dizer que o Serviço Sanitário

do Estado não foi organizado automaticamente. Alguns órgãos previstos na lei de 1895

só foram criados anos mais tarde25

. O Estado sentiu a necessidade de adequação, mas,

sobretudo, houve uma atuação com vistas aos surtos epidêmicos e episódicos. Não se

pode falar em uma preocupação sistemática e complexa da noção de saúde nesses

momentos iniciais.

Prova disso é que algumas regiões de Minas eram objeto específico de possíveis

intervenções, como demonstra a Lei 200, de 1896, que “autoriza o governo a mandar

estudar as condições que tornam a zona da Mata constantemente vítima de moléstias

infectocontagiosas, nomeando uma comissão e médicos e de engenheiros para organizar

um plano de defesa sanitária” (Minas Gerais, 23 de setembro de 1896:1). A lei

externaliza a postura do Estado para quaisquer obras que se façam necessárias e que

25

A Seção de Estatística da Secretaria do Interior seria criada com o decreto 1421, em 1900 (Minas

Gerais, 22 de Outubro de 1900).

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possam, assim, estabelecer as “boas condições sanitárias daquela zona”. A ação

governamental era localizada, tópica.

Com o Decreto 1145, de 27 de junho de 1898, é promulgado o Regulamento de

Defesa Sanitária e Higiene Profilática a que se referem as leis 144 e 200. Sobre o

Regulamento sanitário cabe dizer que tentou pormenorizar o âmbito de atuação do

Serviço Sanitário em Minas Gerais: enfatizou os trabalhos de desinfecção na Capital e

nos municípios, o isolamento dos doentes, adoção de meios preventivos às moléstias

epidêmicas e endêmicas transmissíveis aos homens e animais, além de meios de

melhoramento das condições sanitárias de populações agrícolas e industriais, e abordou

a incumbência do serviço quanto à indicação de meios necessários para o saneamento

das diversas regiões (Minas Gerais, 27 de Junho de 1898: 1).

O Regulamento ainda estipula a criação de uma Estação Central de desinfecção

na Capital e outras quatro, em Juiz de Fora, São José do Além Paraíba, Cataguases e

Pouso Alegre. Além de estipular a existência dos hospitais de isolamento, especificou

que um deles deveria ser localizado na Capital do Estado. Para esses, cabe ressaltar que,

“além da boa, larga e abundante ventilação, iluminação e

abastecimento de água, da fácil disposição de suas paredes,

soalhos e tetos para o serviço de desinfecção serão postos em

contribuição todos os conhecimentos adquiridos pela higiene

moderna, para que satisfaçam os fins a que são destinados”

(Minas Gerais, 22 de Outubro de 1900: 2).

É importante observar que a lei dá nome a alguns daqueles que seriam

considerados os inimigos da saúde. Daí a necessidade do isolamento dos doentes

atacados e a estipulação de quais seriam as doenças e seus agentes causadores, algo que

mereceria maior atenção das autoridades. De acordo com o Art. 90, “para todos os

efeitos serão considerados como moléstias cuja notificação é compulsória as seguintes:

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febre amarela, difteria, cólera morbus, peste, sarampo, escarlatina e febre tifóide”

(Idem).

A remoção do doente seria feita quando a casa do mesmo não apresentasse as

condições apropriadas. No caso de isolamento domiciliar ou de falecimento, os

cuidados seriam rigorosos, apontando-se que “o aposento interditado se conservará de

portas e janelas fechadas pelo prazo mínimo de 4 horas para que os germens em

suspensão no ar sejam arrastados pela ação da gravidade e pousem sobre as superfícies”

(Idem). É interessante a mistura que se faz no campo das idéias entre as concepções

miasmáticas e as novas teorias bacteriológicas. Ao que parece, a identificação do agente

causador da doença é apontada, mas o arcabouço no qual se tenta entendê-la e eliminá-

la ainda continua emaranhado em concepções anteriores26

.

A lei pondera que “tudo mais que não se acha consignado no presente

regulamento proceder-se-á de acordo com as práticas aconselhadas pela ciência”. Cabe

tentar entender como essas práticas científicas estavam inseridas em um processo lento

e que sua aceitação e legitimação exigiriam um amplo leque de mobilizações

simbólicas, as quais iriam para muito além do texto oficial.

A nova cidade também surgiu mergulhada nos pensamentos que misturavam a

salubridade dos espaços e a microbiologia.

26

Durante o século XIX houve um intenso debate entre contagionistas e infeccionistas a respeito da

compreensão da origem das doenças e, por suposto, acerca de como as autoridades deveriam agir para

debelá-las. Por contágio entendia-se a doença a partir de sua capacidade de se comunicar com os

indivíduos diretamente, através de objetos ou, mesmo, pelo ar do ambiente em que determinado doente

estivesse. A doença se propagava de indivíduo para indivíduo, sem a interferência de fatores atmosféricos

ou de qualquer outro que não se referisse ao doente “contaminado”. Já com a tese da infecção, a doença

era entendida como decorrência dos ares putrefatos que emanavam dos doentes e infestavam o ambiente

com “miasmas mórbidos”. Determinados climas e solos eram vistos como agentes facilitadores da

propagação desses maus ares. Chalhoub salienta que, no Brasil, não havia unanimidade em relação a um

ou outro paradigma, e algumas doenças, como a cólera e a febre amarela, produziam combinações

inusitadas entre as duas concepções (Chalhoub, 1996).

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II – A saúde e a cidade moderna

A imagem de uma Belo Horizonte salubre desempenharia um papel importante

dentro dessas operações simbólicas e essas aproximações entre os espaços urbanos e a

novidade microbiológica, cumpririam um papel importante no complexo processo de

aceitação e cristalização das novas práticas científicas.

O antigo Curral Del Rei preenchia amplos requisitos para ser a nova capital de

Minas: águas, solo e relevo favoráveis; o clima ameno, a localização geográfica central.

Tais características tornariam o novo espaço higiênico e saudável, em sintonia com as

novidades científicas e republicanas. Mas houve contestações dessa imagem, em grande

medida, por conta do bócio e do cretinismo que assolavam a região. Os apelidos de

“Papudópolis” e “Arraial dos Papudos” se espalharam e eram usados de forma jocosa

por aqueles que eram contrários à mudança da capital para a região. Para alguns, as

causas da doença estavam na água. Outros associavam o bócio ao cretinismo, doença

que gera disfunção nos ossos do crânio, além de problemas no desenvolvimento físico e

mental. Desde 1893 e do início das discussões a respeito da mudança da capital,

relatórios foram produzidos acerca da situação de Belo Horizonte. A incidência da

enfermidade era colocada como um sério obstáculo a sua candidatura (Marques e Mitre,

2004).

Mesmo com a vitória obtida por sua escolha como a nova capital de Minas, o

problema não deixou de ser discutido. Um contemporâneo da época pintava um quadro

bem diferente da cidade saudável, higiênica e livre de doenças:

“O tipo geral deste povo é doentio. Magros, pouco desempenados,

na maioria havendo grande proporção de defeituosos, aleijados e

raquíticos. Ora, esta fisionomia quase geral da população de Belo

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Horizonte desarmoniza completamente com a amenidade do

clima, com ar seco e batido quase constantemente pela brisa, com

a natureza do solo que é magnífica” (Alfredo Camarate Apud

Marques e Mitre, 2004: 187).

Até mesmo Oswaldo Cruz esteve em Belo Horizonte em 1901, em uma viagem

de estudos. Contudo, não há informação a respeito de nenhum trabalho ou relatório do

médico a respeito dessa questão (Idem).

A questão do bócio foi objeto de estudo e intenso debate a respeito da sua

etiologia. Pesquisas posteriores seriam realizadas por Baeta Vianna27

, preocupado com a

enfermidade e, sobretudo, com a degeneração hereditária que ela poderia vir a causar na

população, o que poderia, como conseqüência, provocar, ao longo do tempo, uma

inferiorização da raça. O próprio Carlos Chagas chegou a afirmar em estudos que o

bócio era uma decorrência da tripanossomíase americana, ou seja, seria causado por um

parasito (Marques e Mitre, 2004: 190). Com o tempo, essa hipótese foi perdendo terreno

devido às novas pesquisas, e, cada vez mais, a tese de inicial de Baeta Vianna relativa à

ausência de iodo no organismo humano foi se consolidando no meio médico e nas

políticas públicas de prevenção da doença28

.

No tocante à saúde na capital é importante mencionar algumas mudanças na

gestão administrativa do Estado, que atribui um papel ainda maior à nova cidade. Com a

criação do Serviço Sanitário, a estrutura organizacional de 1895 passou por uma

27

O medico José Baeta Vianna (1894-1967) graduou-se pela Faculdade de Medicina de Belo Horizonte,

em 1919. Fez especialização nos Estados Unidos e, ao voltar, tornou-se o primeiro professor catedrático

de Química Fisiológica do Brasil, atuando na própria Faculdade de Medina de Belo Horizonte. Pode-se

dizer que, a partir daí, constituiu um grupo importante para a formação de especialistas, muitos dos quais

se espalharam por outras instituições do Brasil. A valorização que ele atribuía ao papel formativo na área

pode ser mensurada através da importância que ele deu à biblioteca da Faculdade de Medicina, recriada

por ele em 1926 e por ele dirigida, durante muito tempo, até a sua aposentadoria, em 1964. Hoje ela

recebe o seu nome. Ver: SANTOS, Tomaz Aroldo da Mota. A história do Departamento de Bioquímica e

Imunologia [on line]. Disponível na internet: http://www.icb.ufmg.br/biq/biq/conheca.htm. s/d 28

A iodação do sal, como medida legal, a partir da década de 50 torna-se símbolo da aceitação da

explicação da doença como sendo causada pela carência do iodo.

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sensível mudança a partir de uma nova reforma administrativa em 1898. Houve

demissão de pessoal visando à contenção de despesas, e a Diretoria de Higiene estadual

foi desativada, sendo suas funções transferidas para a prefeitura da Capital. Quanto aos

outros municípios do Estado, as questões de saúde ficariam sob a responsabilidade dos

delegados de higiene e vacinação, em cada local.

Um nome que não pode deixar de ser lembrado nesse processo é o de Cícero

Ferreira (1861–1920). Importante figura dos primórdios da medicina na capital de

Minas, desde o período da construção, Ferreira nascera em Bom Sucesso e diplomara-se

na Faculdade de Medicina do Rio de janeiro, em 1885. Após a formatura trabalhou

como clínico em São Sebastião da Estrela e na sua cidade natal, vindo para Belo

Horizonte em 1894 para se integrar ao corpo de funcionários da Comissão Construtora

(Salles, 1997).

O esculápio é das figuras mais ativas na saúde pública na capital, sua atuação

mostrando-se abrangente e decisiva para a profissionalização do campo médico e indo

desde a fundação e a participação em entidades de classe, até a criação de hospitais,

além de constituir-se em um dos principais articuladores na fundação da Faculdade de

Medicina em Belo Horizonte. Ferreira chegou a ser prefeito interino da Capital entre 20

de abril a 10 de maio de 1905, fato simbólico da credibilidade do médico junto à

sociedade belo-horizontina.

No início de seus trabalhos na Comissão Construtora da Capital era o

escriturário da 2ª Seção, designada como Fotografia e Meteorologia. 1895 é também o

ano de reorganização da comissão, que passa a ser dirigida pelo Engenheiro Francisco

Bicalho. O médico Cícero Ferreira passou, com a mudança, da 3ª Divisão de Serviços

Municipais para a 1ª.

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Um fato importante nos anos em que a cidade seria levantada como capital foi a

construção, às pressas, em 1896, de um hospital de isolamento, num barracão de pau-a-

pique e cobertura de zinco, que foi improvisado na região do Calafate. Tal iniciativa se

deve ao surgimento de casos de varíola no pessoal responsável pela construção da

capital e diante das dificuldades na remoção de doentes até a distante Santa Casa de

Misericórdia de Sabará.

Como foi dito acima, em 1898, o Decreto 122 vai promover uma reforma com a

pretensão de diminuir gastos. Cícero Ferreira vai ser nomeado médico da Prefeitura,

lotado na Diretoria de Obras. Como médico da capital, permanece no cargo até 1906,

quando pede exoneração.

Durante esse período, suas funções na administração pública das questões de

saúde serão muito amplas: saneamento das localidades e habitações, com vista às

condições sanitárias da população; políticas de prevenção das epidemias e endemias;

direção do vacinogênico; inspeção de escolas, fábricas e locais públicos; fiscalização do

exercício da profissão médica; superintendência da polícia sanitária; organização da

estatística demografo-sanitária; fiscalização de cemitérios e matadouros. A amplitude da

atuação devia-se ao fato de terem sido essas as atribuições do antigo cargo de Diretor de

Higiene de Minas Gerais (Marques, 1996).

As poucas informações sobre o Hospital de Isolamento da capital, em 1896,

levam a crer na sua existência efêmera, para atender a uma demanda específica. Nota-

se que era premente a necessidade de uma instituição hospitalar que conseguisse agregar

a complexidade dos assuntos de saúde que se desenhavam na nova capital, com uma

população potencialmente em crescimento.

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O perigo da epidemia da varíola em 1896 e as notícias sobre a chegada da Peste

no Porto de Santos, em 1899, colocavam as autoridades em alerta sobre o assunto. É

nesse contexto que surgem os primeiros movimentos relativos à criação da Santa Casa

de Misericórdia em Belo Horizonte.

A primeira reunião data do início de 1898, e já na segunda sessão, em 21 de

maio de 1899, é organizada uma comissão, para elaborar os estatutos, composta por

Cícero Ferreira, Adalberto Ferraz e Francisco Bressane. Em 18 de junho os estatutos

foram aprovados, e em 25 de junho de 1899 deu-se a instalação definitiva da Sociedade

Humanitária da Capital de Minas, que tinha como objetivo a construção do hospital. A

prefeitura doou os terrenos, e a instituição começou a funcionar no dia 7 de setembro de

1899, em barracas de lona. A construção das edificações não tardou, e a pedra

fundamental foi assentada em 16 de julho de 1900, quando o local já era nomeado Santa

Casa de Misericórdia (Salles, 1997: 40).

Em 03 de fevereiro de 1901 foi inaugurada a primeira enfermaria do novo

hospital. Nos anos iniciais, a instituição estava com o seguinte corpo clínico: Cícero

Ferreira, Olinto Meireles, Salvador Pinto e Benjamin Moss (encarregado da enfermaria

militar). O seu primeiro provedor foi Adalberto Ferraz da Luz, engenheiro e prefeito da

capital na época, que a dirigiu entre junho de 1899 e março de 190129

.

Cícero Ferreira também foi um importante interlocutor durante as negociações

para a criação de um Instituto de pesquisa na capital de Minas. Era o último período do

29

Em uma análise mais aprofundada da Santa Casa de Misericórdia, Marques (2005) discute os conflitos

internos da instituição, seu ideal caritativo e sua trajetória institucional associada a figuras como a de

Hugo Werneck. A assistência à saúde da mulher empreendida por Werneck demonstra como a questão do

papel do médico e da própria relação médico-paciente na cidade moderna ainda estavam regidos por

muitos códigos relacionados à religião, ao pudor, à piedade, ao papel da Igreja como instância mediadora.

No caso do nosso trabalho, tal perspectiva tende a nos atentar para o fato de que a microbiologia

pretendeu uma ampla modificação discursiva da prática médica, salientando cada vez mais o seu caráter

público e coletivo, o que não deixa de também carregar um tom “laicizador” da atividade médica, embora

não se possa esquecer de que, no cotidiano, as relações entre o corpo, a doença e a morte ainda eram

regidas por muitas permanências da antiga arte de curar.

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governo do Presidente do Estado Francisco Salles, e múltiplos interesses convergiram

para a vinda de uma filial do Instituto Oswaldo Cruz para Belo Horizonte. Segundo

Pedro Salles:

“na gênese do Instituto está uma sugestão de Cícero Ferreira ao

Presidente do Estado, Dr. Francisco Salles, que então se dirigiu

ao Governo Federal, propondo uma conjunção de esforços a

fim de se organizar aqui uma Filial do Instituto de Manguinhos,

colaborando o Executivo mineiro com a sede, e o Governo

Federal com o material necessário e pessoal adequado” (Salles,

1967: 193).

Questões de ordem prática e de ordem simbólica estavam imiscuídas na vinda do

Instituto filial. Primeiro: era interesse do próprio Estado uma instituição que fosse capaz

de pesquisar e auxiliar nas questões de saúde pública. A grande extensão territorial

colocava a urgência no trato das doenças humanas e também de animais. Outro ponto

refere-se ao fato que Oswaldo Cruz vinha acumulando muita credibilidade com sua

atuação na saúde na capital federal e tinha o desejo de expandir o seu “jardim de

infância da ciência”30

para todo o território nacional. Seu concunhado, Ezequiel Caetano

Dias (1880 – 1922), havia se transferido para Belo Horizonte em busca dos ares das

montanhas que pudessem ajudar no tratamento da tuberculose.

Uma conjunção de fatores práticos somava-se à imagem da cidade moderna, que

deveria estar em sintonia com as noções de progresso e civilização, concepções que

tinham na ciência, agora intitulada por excelência experimental e laboratorial, um de

seus arautos. Era o momento de jogarem-se as sementes da nova ciência em terras

mineiras e de colocar-se a capital do Estado em consonância com as transformações que

tornavam o momento efervescente para a prática científica.

30

Expressão que Oswaldo Cruz usava com recorrência para se referir a Manguinhos.

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III - Ezequiel Dias e a fundação do Instituto

Ezequiel Dias é dessas figuras singulares na história da medicina. Sempre

reverenciado por seus contemporâneos. É daqueles sujeitos que desperta a curiosidade

não apenas pelo lado científico, acadêmico, mas também por seus talentos literários, que

o faziam um exímio tradutor de Baudelaire nas horas vagas, além de sua figura pessoal,

cabelo e roupas que davam em alguns a impressão de um tom aristocrático e que

acabaram o tornando, sem dúvida, uma figura particular.

Nasceu em Macaé, no Estado do Rio de Janeiro, em 11 de maio de 1880. Filho

do professor Caetano Dias e da Dona Elisa Gonçalves Dias.

Ezequiel Dias formou-se em Farmácia no ano de 1900, no Rio de Janeiro. Estava

também no quarto ano do curso de medicina e já era ajudante do Instituto fundado pelo

Dr. Pedro Afonso e, depois, dirigido por Oswaldo Cruz, de quem seria o proclamado

discípulo. Ao que parece, a profissão de farmacêutico havia sido escolhida,

primeiramente, como ocupação imediata para que o rapaz assim pudesse ajudar a

família. Em 1902 formar-se-ia em medicina, com a tese de doutoramento intitulada

Hematologia Normal.

Ezequiel ali esteve, portanto, desde os primeiros tempos daquilo que Oswaldo

Cruz gostava de chamar de “templo da ciência”, naquele tempo um pequeno laboratório,

de difícil acesso em uma região de mangues.

O primeiro contato de Oswaldo Cruz com Ezequiel Dias não deixa de haver

certa peculiaridade. Conta-se que a própria irmã de Dias interveio junto a Alfredo Porto,

um colega com quem Oswaldo Cruz mantinha um laboratório particular na cidade do

Rio de Janeiro, solicitando-lhe uma colocação para o irmão. O laboratório foi fechado,

mas Oswaldo Cruz foi chamado para atuar no antigo Instituto Soroterápico, e, então,

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decidiu convidar Dias. Durante a entrevista e o primeiro contato do mestre com o futuro

discípulo, teria acontecido a seguinte indagação:

“- Em que ano está o senhor?

- No terceiro.

- Tem medo da peste?

- Não, Senhor.

- Está disposto a trabalhar tantas horas quantas forem

necessárias para cumprir as suas obrigações, sem dependência

de nenhum horário fixo?

- Perfeitamente.

- Agora uma última pergunta, à qual ligo muita importância: o

senhor conhece alguma cousa de bacteriologia?

O Moço teve um momento de dúvida: de um lado, a fascinação

que exercia sobre si o inesperado cargo de auxiliar de um

verdadeiro cientista, além dos proventos que daí lhe adviriam;

de outro lado, a consciência, que o compelia a dizer o a

verdade. Optou por esta, deixando-se, porém, cair,

interiormente, numa crise de abatimento moral.

- Não, senhor.

- Pois está muito bem; é esta uma das condições exigidas.

Tempos depois, valendo-se da bondosa condescendência do

Mestre, o ex-recruta perguntou-lhe curioso:

- Lembra-se das condições que o senhor me apresentou, para

ser seu ajudante?

- Mais ou menos.

- Por que é que o senhor fazia questão de um auxiliar sem

nenhum conhecimento de microbiologia?

- Por uma razão muito simples: porque se você soubesse

alguma cousa da matéria, devia ser muito pouco, só servindo

pra lhe dar presunção e, portanto lhe dificultar o aprendizado. E

eu prefiro certos ignorantes...” (Magalhães, 1957: pp. 128-129)

E foi dessa forma que Ezequiel começou a trilhar sua trajetória pelos caminhos

da medicina experimental.

No início do século, o beribéri era uma doença que despertava a curiosidade

quanto a sua etiologia. Muito se especulava, e alguns até diziam de uma origem

microbiana31

. Tendo em vista as necessidades de uma definição clínica do caso, o

Ministro da Justiça nomeou, em janeiro de 1904, uma comissão para estudar a etiologia

e a profilaxia do beribéri. Junto com Ezequiel Dias foram nomeados Henrique da Costa

31

Hoje se sabe que o beribéri é provocado pela carência de vitamina B1.

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Lima, Francisco Fajardo, Pedro de Almeida Magalhães, Carlos Carneiro de Mendonça.

Segundo Octavio Magalhães, essa teria sido a primeira comissão fora de Manguinhos.

No começo de 1905, nosso médico seria nomeado para uma segunda comissão

fora do Rio de Janeiro, como Diretor de Higiene do Laboratório Bacteriológico do

Maranhão. A capital São Luiz havia passado por uma devastadora crise de peste

bubônica. Na estadia de Ezequiel lá, coube a ele reorganizar os serviços técnicos do

laboratório e ampliar sua atuação no Estado do Maranhão.

Porém, a tuberculose provocou mudanças na vida de Ezequiel, e chegara a hora

de ele vir para Belo Horizonte em busca dos ares da cidade mineira benéficos para o

tratamento da tuberculose, como se acreditava. Nesse mesmo ano, 1905, ele chega à

capital de Minas, tendo ficado um ano afastado de qualquer atividade científica. Octavio

Magalhães conta em seus Ensaios que, mesmo sendo requisitado a poupar-se de

atividades, Ezequiel Dias não suportou fazê-lo e, como não podia sair de sua casa,

localizada no Bairro da Serra, montou lá mesmo um “pequeno laboratório com

microscópio, lâminas, lamínulas, bateria de corantes, para exames ligeiros e diretos. Era

um verdadeiro pequeno laboratório de urgência” (Magalhães, 1957: 209). Assim que

melhorava, trabalhava na preparação da fundação do Instituto, um anseio que começava

a se tornar realidade.

O desejo de Oswaldo cruz, somado ao interesse do Estado de Minas Gerais e ao

fato de que Ezequiel Dias “voltara do Maranhão, necessitando viver em clima de

montanha”, foi fator crucial para uma mobilização que culminou com o aceite do

governo central, ainda em 1906. Como mostra o ofício do Ministro da Justiça e

Negócios Interiores:

“Tendo eu resolvido aceitar a proposta que, em ofício de 16 do

corrente, me foi feita pelo Secretário de Finanças do Estado de

Minas Gerais, para instalação, na cidade de Belo Horizonte, de

um estabelecimento filial do Instituto Soroterápico Federal para

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estudo das diferentes epizootias, que reinam nos centros

pastoris, recomendo-vos providências no sentido de, com a

possível brevidade, de ser instalado o dito estabelecimento, para

cuja criação o Presidente do Estado supra mencionado oferece a

necessária casa, bem como os terrenos precisos para o plantio e

forragens.

Autorizo-vos, outrossim, a destacardes para o estabelecimento a

criar-se um dos médicos assistentes do Instituto Soroterápico

Federal”. (Idem: pp. 184-185)

O governo de Minas seria responsável pelas acomodações, e Manguinhos, pelo

corpo de funcionários e o material. O lugar escolhido, como foi dito, era bem

emblemático, no abrigo do poder, numa rua movimentada da capital ainda jovem de

Minas Gerais – na Praça da liberdade, com entrada pela Rua da Bahia.

Antes mesmo da inauguração inicial, o Instituto já era notícia devido à instalação

das luzes do local, cerimônia em que esteve presente, dentre outros, o Presidente do

Estado João Pinheiro da Silva e Luiz de Morais Junior, responsável pelas obras de

Manguinhos e por seu estilo eclético, agora também incumbido da mais nova filha da

“casa da ciência”. O arquiteto fez a adaptação do prédio às condições que propiciassem

que ali germinasse um laboratório científico. O jornal Minas Gerais, órgão oficial do

Estado, noticiou o acontecimento, e Magalhães transcreve ao leitor em seu relato de

memórias:

“Realizou-se ontem (27 de julho de 1907), a presença do dr.

João Pinheiro da Silva, especialmente convidado pelo Dr. Luís

de Morais Junior, engenheiro de obras do Ministério da

Indústria, a inauguração da luz desse importante

estabelecimento científico, destinado a prestar ao Estado

incalculáveis serviços especialmente na produção de linfas

vacínicas, contra as diferentes moléstias que são o tormento dos

criadores de gados bovinos, cavalar e suíno.

Haverá nesse estabelecimento seções especiais para o preparo e

conservação do soro antidiftérico e anticarbunculoso.

A iluminação ali instalada é produzida pela gasolina,

fornecendo uma luz incandescente, de belo aspecto. Os

visitantes foram recebidos pelo Dr. Borges da Costa, que ali se

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achava, representando também o Sr. Ezequiel Dias, médico do

estabelecimento” (Magalhães, 1957: 181).

Em 3 de agosto de 1907, o Instituto Filial do de Manguinhos seria

definitivamente inaugurado com o devido cerimonial:

“Reliza-se hoje, ás 4 horas da tarde, com a presença do Exmo.

Sr. Dr. João Pinheiro da Silva, presidente do Estado a

inauguração oficial desse importante e útil estabelecimento,

aqui fundado pelo governo da União sob a direção do distinto

médico Sr. Dr. Ezequiel Dias”(Minas Gerais, 3 de agosto de

1907. p. 6).

A notícia da fundação do Instituto correu por terras mineiras através do Minas

Gerais, com uma minuciosa descrição espacial do Instituto e seus vários ambientes.

A entrada principal, onde estaria a fachada, seria voltada para a Rua da Bahia.

Por esta entrada estariam instaladas três dependências: gabinete do diretor técnico, a

sala de espera e a sala da vacinação.

Um salão principal seria “destinado a experiências diversas e inoculação de

bezerros”, e, de acordo com a descrição, nesse local se encontraria “um aparelho de

contenção dos bezerros, um forno Pasteur, vários maçaricos e uma autoclave, para

esterilizações, havendo ainda mesas para estudos em animais mortos e um aparelho para

trabalhos de vidros”.

Fica claro que o Instituto era um símbolo de uma modernidade científica que se

encarnava na microbiologia, sendo a descrição do espaço e dos equipamentos

adequados às novas idéias também símbolo de que a instituição já prenunciava ser um

espaço de luta pela legitimação de um paradigma.

A descrição das faces laterais esquerdas e direitas do salão, em que se encontram

“os gabinetes de bacteriologia com estufas de cultura, microscópios e vasilhame

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apropriado para estes estudos”, dá a tônica da interface agora estabelecida entre o

laboratório, a microbiologia e seus artefatos na produção dos fatos científicos.

Os estudos da varíola, enfermidade, de surtos antigos na capital, sob a mira dos

poderes públicos, teria um espaço específico com “a sala de vacinação contra a varíola,

onde existem aparelhos para maceração, distribuição, etc., bem como pias e mesas de

cimento, para experiências”. As instalações também contemplavam um espaço

específico para a produção de soro contra a raiva. Conta-se, ainda, um gabinete para os

meios de cultura que seriam empregados no laboratório do Instituto, além da parte de

fora das instalações, onde se encontrariam o pavilhão dos bezerros e as casas de coelhos

e cobaias.

Ezequiel Dias não esteve presente na inauguração por se encontrar doente e

acamado, tendo sido representado por Borges da Costa.

IV - Percurso histórico do Instituto Ezequiel Dias

A partir do momento em que os diversos interesses se conjugaram na fundação

de um instituto em Belo Horizonte, os envolvidos trataram de efetivar a questão. A

Filial ganharia status importante no cenário das políticas públicas relativas à saúde.

Bem antes da inauguração, a legislação estadual referente à saúde dava espaço para o

estreitamento entre o governo Estadual e o Instituto Manguinhos, como pode se

verificar através da Lei nº 452, de 9 de outubro de 1906, que, dentre outros assuntos,

aborda a relação entre a Instituição e o Estado:

“Art. 3º. Fica o governo autorizado a contratar com o Instituo

de Manguinhos, ou outro congênere, o fornecimento de vacina

e soros de que necessitar a Diretoria de Higiene, bem como a

entrar em acordo com as filiais do mesmo Instituto pra estudo

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bacteriológico de todas as moléstias epidêmicas ou endêmicas

que grassarem no território do Estado, devendo fazer parte do

acordo o estado de epizootias”. (Minas Gerais, 10 de Outubro

de 1906)

A lei 452 vinha para reorganizar o serviço sanitário do estado e por ela se via

que a relação com Manguinhos era complexa e abrangente, pois implicava no

fornecimento de soros e vacinas, além de fazer das enfermidades que viessem a

perturbar a ordem salubre do Estado objeto de estudo pelos parâmetros microbiológicos.

Com a fundação do Instituto em 1907, a relação com o poder iria estreitar-se

cada vez mais, e a Instituição tornar-se-ia, ao longo do tempo, peça chave para as

medidas estaduais no campo da saúde.

Não podemos deixar de salientar como a visão da atividade médica naquele

período era muito ampla. Muitas divisões, que nos parecem hoje nítidas, não se davam

naqueles tempos. Veja-se o caso desses nossos médicos, que atuavam no campo da

pesquisa e produção de gêneros biomédicos, passando pelo estudo das doenças em

plantas (epifitias), as doenças de caráter infectocontagioso e epidêmico em animais

(epizootias), sem perder de vista a relação médico-paciente, que não deixara de existir

(sendo a atividade clínica ainda muito estimada pelos doutores do início do século),

indo até a atividade médica que se faz pública e necessária. Esta que era capaz de

investir e gerenciar intervenções no espaço urbano e rural, em um objetivo crescente de

sanear os mais diversos e distantes locais.

O Instituto, ainda filial, exerceria um papel de intervenção prática na saúde

nesses vários campos, sem perder de vista a constante preocupação com a pesquisa.

Assumiu um caráter consultivo bastante significativo em relação ao Estado.

É preciso dizer que o Instituto foi maleável o suficiente para acompanhar todas

as mudanças na relação entre o Estado e os assuntos relativos à saúde.

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Desde a reforma estipulada em 1906, Lei nº. 452, citada acima, as relações entre

o governo estadual e o Instituto estariam assentadas em bases legais. Mas a

reorganização propriamente dita apenas ocorreu em 1910, quando os serviços são

sistematizados com o decreto 2733, de 11 de Janeiro de 1910. A Diretoria de Higiene

Estadual, que havia sido extinta, retorna e passa a ter Zoroastro Rodrigues de Alvarenga

como Diretor, Samuel Libânio como Médico-auxiliar e Levy Coelho da Rocha no cargo

de Secretário. A Diretoria estaria subordinada à Secretaria do Interior e seria composta

por: um laboratório Químico de Análises, Serviço Geral de Desinfecção, Estatística

Demógrafo-sanitária e Hospitais de Isolamento.

Com a posse de João Pinheiro na presidência do Estado de Minas Gerais, Cícero

Ferreira vai ser nomeado para direção da Sessão do Café. Em 1909, como funcionário

da Diretoria de Agricultura, Terras e Colonização, vai ter papel decisivo na implantação

dessa Diretoria Estadual de Higiene.

Em 1910 houve também a inauguração de um outro Hospital de Isolamento, já

mais bem estruturado do que aquele da experiência do surto de varíola na época da

construção, em 1896. Seria um espaço importante para o tratamento das moléstias

infectocontagiosas. Oswaldo Cruz teria dado sugestões ao planejamento, e a construção

foi feita propositalmente afastada da cidade, na chamada VII zona suburbana, no bairro

Cardoso. Seu primeiro diretor foi Dr. Otávio Machado, que era, na época, delegado de

higiene da capital (Salles, 1997: pp. 46-47). O hospital teria também importante atuação

quando a epidemia da Gripe Espanhola chegou à capital mineira, em 1918.

O Instituto interagia com a sociedade e com as mudanças na saúde no Estado de

Minas Gerias e atuava assim com a prestação de serviços ao poder público, mas,

também, com particulares.

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O laboratório do Instituto seguiria os passos da matriz-mãe Manguinhos no que

se refere à estratégia de unir prestação de serviços no âmbito da esfera pública e

privada. Naquilo que fosse referente aos seres invisíveis, ele seria aquele capaz de dar a

palavra de ordem, com profissionais, aparelhamento e pessoal dotado de credibilidade

científica suficiente para compor o discurso de consolidação da microbiologia na capital

de Minas.

Oswaldo Cruz via com bons olhos a consolidação das atividades da sua primeira

filial e também se colocava na linha de frente desse diálogo constante com os poderes

públicos estaduais mineiros. Alguns fatos confirmam essa tendência de pensamento do

sanitarista.

Em abril de 1908, ele fez uma 2ª visita a Minas (a primeira, como foi dito,

ocorreu em 1900, para o estudo do Bócio). Dessa vez era diferente, pois o sanitarista

vinha com um prestígio sem precedentes acumulado na ciência brasileira. Havia sido

considerado vitorioso na luta do poder público contra moléstias de caráter epidêmico

que assolavam a capital federal – a febre amarela e a varíola. Note-se que não fora uma

empreitada fácil. As medidas de Cruz nos dois episódios foram alvo de inúmeras

discussões e debates, dentro e fora do campo médico. Episódio símbolo de que as

atitudes do sanitarista tiveram que passar por uma intensa luta até a sua aceitação nos

eventos de 1904, com a Revolta contra a vacina obrigatória, que havia sido prescrita por

Oswaldo Cruz32

.

Mas o momento de 1908 era distinto desses tempos difíceis, o médico vinha

como um homem de ciência prestigiado internacionalmente, havia ganhado medalha de

Ouro na Alemanha, em 1907, por seus trabalhos junto às epidemias. Os jornais da época

ajudavam a envolver a figura de Oswaldo Cruz numa imagem de sabedoria, de homem

32

Para algumas abordagens da Revolta da Vacina, ver Sevcenko, 1984; Carvalho, 1987.

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ligado a uma idéia de ciência e modernidade. Como não poderia deixar de ser, em

Minas foi aclamado:

“Os médicos mineiros, a modo do que já haviam feito os de

outros Estados e países, prestaram-lhe uma significativa

homenagem, oferecendo-lhe um banquete no Grande Hotel, à sua

chega à Capital Mineira. A oração da oferenda foi feita por Cícero

Ferreira. Oswaldo viera ver a organização da nova filial, e ao

mesmo tempo, visitar o discípulo e amigo. Era a ronda da

amizade, em busca dos corações sofredores” (Magalhães,

1957:191).

Em carta a Zoroastro Alvarenga, então Diretor de Higiene, trazia ao

representante do governo a receptividade em ampliar determinadas atividades do

Instituto, com vistas ao atendimento dos interesses do Estado:

“1 de Março de 1910

Prezado colega Dr. Zoroastro Alvarenga,

De acordo com o que combinamos na entrevista em que tive o

prazer de ouvi-lo venho hoje expor-lhe os pensamentos que me

ocorrem relativamente às idéias progressistas do Governo de

Minas e que teve a gentileza de me referir.

Julgo que faríamos obra proveitosa ultizando-nos da Filial para

preparo da vacina antivariólica e fornecimento da de peste da

manqueira. Outrossim, a Filial se encarregaria dos exames

necessários ao diagnóstico das entidades mórbidas e dos

assuntos que interessam à higiene em Belo Horizonte.

Anexa à Filial ficaria a Fazenda do Leitão na qual seriam feitas

as instalações necessárias para uma enfermaria veterinária e

posto de observação onde seriam examinados os animais

suspeitos provenientes das zonas criadoras do Estado e onde se

fariam experiências em grandes métodos profiláticos e

terapêuticos, ministrando-se, ali, também, aos criadores as

noções necessárias para por si poderem lançar mão desses

valiosos recursos profiláticos e terapêuticos.

[...]Se tais desiderat (sic) forem concretizados como é seu

desejo, o Estado de Minas poder-se-á ufanar de ter sido o

primeiro a ter uma instalação científica para auxiliar a indústria

pastoril e, estou, certo, colherá, em breve, fabulosos juros do

sacrifício que fará com novas instalações. E meu ilustrado

colega prestará um inolvidável serviço a seu Estado Natal e terá

ainda seu nome ligado à obra verdadeiramente meritória.

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Com toda simpatia e sempre pronto a auxiliá-lo em tudo e em

sua administração já se anuncia promissora de abundantes

resultados práticos subscrevo-me, com sincera estima e

admiração.

Colega mto grato

(a) Gonçalves Cruz” (Magalhães, 1957: pp. 192-195).

As palavras de Oswaldo Cruz deixam explícitas as aproximações da Instituição

com o governo Estadual e vislumbram aquilo que se tornaria o Posto de Observação e

Enfermaria Veterinária do Ministério da Agricultura, a ser criado posteriormente, para

onde viria o futuro diretor do Instituto, Octavio de Magalhães. Em 1911 ele foi fundado

e, como ainda não havia sido construído o prédio próprio, funcionou nas dependências

da Filial. Seu primeiro diretor foi Henrique Marques Lisboa, que era, também, “filho

espiritual de Manguinhos”.

A atenção de Oswaldo Cruz e as iniciativas constantes de Ezequiel Dias junto à

Filial eram importantes para tecer a credibilidade dos cientistas e, também, um artifício

para que fossem criadas as redes científicas que lhe possibilitassem o contato com

amplos setores sociais, que seriam de vital importância, se a instituição quisesse

verdadeiramente se expandir e se fazer cada vez mais importante em terras mineiras. A

empreitada é clara. Por toda a documentação ficam explícitos os esforços para dar ao

Instituto um lugar de destaque no meio médico e na sociedade em Minas.

Para uma maior aproximação do Instituto junto ao corpo social seria interessante

que fossem abordados assuntos que pudessem facilitar o encontro entre ambos. A

capital mineira, desde os tempos de sua construção, com os processos de terraplanagem,

estava exposta aos inimigos peçonhentos que proliferavam por várias partes. Apesar de

sua áurea moderna, a cidade estava assolada pelo terrível mal que atingia populações e

causava o terror: cobras e escorpiões entraram em cena e contribuem para o crescimento

do futuro Instituto Ezequiel Dias.

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V – A criação do Posto Antiofídico em 1918

A questão dos acidentes com animais peçonhentos estava presente à época nos

relatos a respeito da capital mineira. Belo Horizonte era um local com altos índices de

mordeduras de cobras e picadas de escorpiões. Tal situação ajudava a compor um

quadro inusitado que se fazia de tais seres: se constituíam, por um lado, objeto de

pânico por parte da população, por outro, eram propiciadores de inúmeras lendas,

práticas peculiares relativas aos tratamentos depois das picadas, que traziam à tona

mezinhas, soluções mágicas, curandeiros e alguns personagens exóticos que compõem o

caldo cultural das primeiras décadas da capital.

O Instituto poderia se fazer importante no assunto, pois as questões referentes

aos peçonhentos traziam novos métodos de tratamento que, nitidamente, se

contrapunham às diversas práticas populares que rondavam a questão. A soroterapia

seria agora o tratamento defendido pelos médicos como universal e único capaz de

aplacar os perigos no momento da urgência do acidente com o animal peçonhento

(Diniz, 1998)33

.

Portanto, com a constatação de que a cidade era claramente um foco de cobras e

escorpiões, seria importante pesquisar o assunto e dar resposta a uma demanda que

urgia em amplos setores: na população comum, que sofria ao encontrar os terríveis

peçonhentos pela frente; junto aos fazendeiros, que colocavam em pauta um fator

econômico relevante, devido ao fato de que era também muito alta a incidência de

acidentes com animais (principalmente com o gado); e do próprio poder público, a

quem os números vertiginosos de picadas não eram nada agradáveis, para Minas Gerais

e para a cidade que se proclamava moderna e salubre.

33

Diniz (1998) faz uma abordagem do processo de aceitação da soroterapia no tratamento de acidentes

com animais peçonhentos e a contribuição fundamental das pesquisas de Vital Brazil.

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Um exemplo de que a questão chamava atenção é o fato de que as negociações

para a criação do posto mobilizaram diversos atores da sociedade mineira, entre os quais

médicos, gente ligada às letras e setores ligados à economia do estado. A idéia de um

serviço do gênero na capital era antiga, mas foram necessários alguns anos até que se

efetivasse. Octavio de Magalhães relata que o início das conversas para a criação do

posto se deu em meados de 1917, quando o escritor Gustavo Pena encaminhou uma

carta à Sociedade Mineira de Agricultura. Como se discutirá no próximo capítulo, a

Sociedade Mineira de Agricultura (SMA) foi um importante ponto de apoio para o

Instituto. Médicos, cobras, escorpiões e micróbios iriam compor uma importante rede

para outros projetos que uniam os interesses no interior do laboratório e para outros,

ligados à construção da nação brasileira na Primeira República e ao desenvolvimento

econômico do Estado de Minas Gerais.

Na construção das redes da ciência, o papel de mobilização desses diferentes

grupos foi eficiente, e os preparativos para a criação do posto se agilizaram. Em 27 de

outubro de 1917, Vital Brasil, que dirigia a instituição já famosa no que se referia aos

assuntos que envolviam os peçonhentos – Instituto Butantan – mandava um orçamento

como modelo para a fundação do Posto em Belo Horizonte.

No dia 1º de fevereiro de 1918 foi assinado o acordo entre o Governo e a Filial.

Por esse acordo, o Estado contribuiria com a manutenção do posto, havendo um outro

acordo com o próprio Instituto Butantan:

“Acordo entre o Posto Antiofídico de Belo Horizonte e o

Instituto Butantan:

1º O Posto colherá o veneno das serpentes que lhe forem

enviadas e depois de prepará-lo segundo a técnica do Instituto

de Butantan, remetê-lo-á a este estabelecimento, em tubos

fechados a lâmpada, cada espécie de veneno separadamente.

2º O Instituto de Butantan cederá uma ampola de qualquer dos

soros antipeçonhentos, pelas sguintes qualidades de peçonha:

Veneno de Crotalus terrificus ...... 300 Miligramas

Veneno de qualquer das Lachesis ...... 500 Miligramas

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Veneno de qualquer das Elaps ...... 30 Miligramas

3º As serpente raras ou desconhecidas serão conservadas no

Posto e enviadas ao Instituo, que depois da competente

determinação científica, devolvê-las-á àquele estabelecimento,

ficando com as duplicatas e com os tipos das espécies novas.

Butantan, 28 de outubro de 1917.

(a) Vital Brasil.

Diretor do Instituto” (Magalhães, 1957: p. 197-198)

A Instituição paulista era renomada devido à produção do soro antiofídico. Para

alguns historiadores que se dedicaram à história das instituições médico-científicas,

nessa época “o Butantan deixou de ser uma instituição voltada só para a produção de

imunizantes, rotina que variava segundo os espasmos epidêmicos locais, para se tornar

o mais importante baluarte das novas metas instituídas para a saúde pública”

(Benchimol e Teixeira, 1193:105)34

.

O contrato com o governo do Estado não tinha data limite, mas o contrato com

Butantan não aconteceu da mesma forma. No ano de 1919, a instituição paulista passou

por uma grave crise, que culminou na saída de Vital Brazil da direção. Há algumas

controvérsias a respeito do fato. Alguns relatos informam que, apesar de Arthur Neiva,

que dirigia o Serviço Sanitário Paulista desde 1916, ter planos ambiciosos para o

Butantan, aconteceram atritos entre as duas figuras renomadas. Certo é que Brazil deixa

a instituição em 1919, levando consigo peças importantes do quatro funcional do

Butantan, e funda em Niterói, no Rio de Janeiro, um instituto privado – o Instituto Vital

Brazil – com o apoio do presidente daquele estado, “dr. Raul de Morais Veiga, que lhe

concedeu o terreno e uma subvenção, mediante o compromisso de que fabricasse a

34

Os autores ainda ressaltam que, com a entrada de Arthur Neiva, em 1916, no Serviço Sanitário de São

Paulo, havia um plano ambicioso de crescimento do Butantan, que pretendia torná-lo um grande centro

produtor de medicamentos, para suprir o mercado nacional e o de outros países da América do Sul, além

de adaptá-lo para que tivesse plenas condições de competir com Manguinhos. Para conseguir seu

objetivo, Neiva usou toda sua credibilidade e a força de seu discurso a fim de solicitar verbas para a

instituição paulista. Em um Relatório da Diretoria do Serviço Sanitário, ele usa a filial em Belo Horizonte

para questionar certos privilégios que seriam dados ao Instituto Oswaldo Cruz, que “fundou em Minas

uma filial subsidiada com 30 contos e que além disso vende seus produtos e vacinas ao governo do

estado” (NEIVA apud Benchimol e Teixeira, 1993: p.115- 116).

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vacina anti-rábica e realizasse os exames bacteriológicos de que carecia a Inspetoria de

Higiene e Saúde Pública” (Benchimol e Texeira,1993: 164).

Com a fundação do Instituto Vital Brazil, em Niterói, a Filial belo-horizontina

de Manguinhos passa a estabelecer o antigo acordo com o novo Instituto, que vai ter

longa duração, até 1936, quando cessa, mas as relações interinstitucionais não

terminam, como se verá a seguir.

Quanto a isso, é importante que se diga que tais relações institucionais foram

importantes, pois em Belo Horizonte o laboratório era pequeno, e o fabrico do soro

exigia uma grande complexidade, técnica e estrutural, que não se tinha nos primeiros

tempos. O Instituto demorou bastante para conseguir auto-suficiência na produção e

remessa de soro. Por um longo período recebia o veneno das cobras enviadas por

fazendeiros, gente comum, instituições em Minas Gerais. Depois de recebida, a matéria-

prima era levada para o Rio de Janeiro, e o Instituto Vital Brazil enviava a remessa

correspondente de soro obtido. Ao chegar a Belo Horizonte, os soros eram

costumeiramente remetidos aos fornecedores de cobras. Obviamente, ao longo do

tempo, a Filial foi aumentando a quantidade de cobras de seu serpentário, o que

possibilitava manter uma reserva para as constantes emergências que sempre bateriam

às portas do Instituto no decorrer do longo funcionamento do Posto.

Como se verá mais adiante, desde seus tempos de Filial, o Instituto desenvolveu

inúmeras pesquisas. Logo nas primeiras décadas de existência fica bem claro um

ecletismo na pesquisa empreendida por seus técnicos, com trabalhos relacionados à

raiva, micologia, epidemias, epizootias, exames bacteriológicos e, principalmente, aos

estudos chamados de escorpionismo e ofidismo, que foram o grande chamariz do

Instituto.

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Logo nos primeiros anos, após a criação do posto, é interessante verificar que a

atividade foi considerada uma verdadeira “cruzada”, que pretendia eliminar os altos

índices de acidentes. Serão feitas inúmeras viagens atrás de cobras e escorpiões. O papel

dessas expedições no contexto da Primeira República será analisado no capítulo

seguinte.

O Posto previa a elaboração de relatórios anuais enviados ao Secretário de

Agricultura. Por eles conseguimos mensurar como a atividade foi importante para o

Instituto e como ela foi cresceu e se misturou com outros objetivos muito maiores.

Uma instituição cresce e consegue se solidificar a partir do momento em que

consegue tornar sua rede de aliados cada vez maior e desmobilizar cada vez mais seus

concorrentes, como pode ser visto nos momentos de crise da filial. Prova da importância

que se dava ao envio de cobras é o fato de que muitas listas de fornecedores de cobras

do Instituto foram também publicadas no Minas Gerais, órgão de imprensa oficial que

comporia mais um elo junto à cadeia de alianças que o Instituto formava.

Apesar de se chamar Posto Antiofídico, ele foi a porta de entrada para os

peçonhentos em geral, principalmente os escorpiões, que eram também grandes vilões

da saúde em Belo Horizonte. No ano de 1918 começaram os estudos intitulados

escorpionismo na Filial. Foi no mesmo ano em que se deu início ao preparo do soro

antiescorpiônico. Eurico Vilela era um novo técnico comissionado em Minas e teve

papel fundamental nesses primeiros tempos no serviço antipeçonhento.

Um ponto que é preciso ressaltar é que 1918 foi mesmo um ano muito

importante para o campo médico. Foi um período em que a atividade médica esteve na

pauta da política brasileira por uma série de fatores. É nesse ano que tem início o

movimento pelo saneamento do Brasil, que pretendia levar a saúde para todos os

territórios brasileiros; principalmente para os esquecidos sertões, que os médicos

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identificavam por um cenário comum e desolador cheio de “idiotas” (atacados pela

Doença de Chagas) e opilados (contaminados pelos vermes da Ancilostomose, a

“doença do Jeca Tatu”).

Foi nesse mesmo ano que houve um grande desafio para a saúde pública e para a

própria microbiologia: a Influenza, ou Gripe Espanhola, de 1918, que mostrou de forma

feroz e aterradora até onde poderiam ir os invisíveis. A Gripe Espanhola colocou em

xeque paradigmas científicos e a própria organização médica. Sobretudo, foi um tapa

nas autoridades brasileiras acerca da real eficácia da gestão pública da saúde, a

deficitária institucionalização hospitalar e a ausência de um sistema interligado, que não

se constituía nem como rede de informação, nem tampouco como atendimento direto e

eficaz a quem dele necessitava (Silveira, 2004).

A epidemia se alastrou por várias partes do Brasil, e as regiões portuárias

tiveram uma situação mais complicada no que tange à disseminação da pandemia35

.

A Influenza chegou à capital mineira em outubro de 1918, através de passageiros

que haviam sido infectados no Rio de Janeiro. As autoridades, no começo, insistiriam

na tese de que a moléstia que se apresentava em Belo Horizonte era uma forma benigna

da doença. Tal idéia teve de ser revista com a expansão da enfermidade e o quadro

lúgubre que se desenhava na pretensa cidade salubre, então a se mostrar impotente

quando a pandemia se efetivou, fazendo dezenas de mortos e doentes. Não havia órgãos

capazes de fornecer o atendimento que a situação requeria. Conta-se, ainda, a

35

De acordo com Silveira (2004), a imagem da cidade salubre, isenta de doenças, remonta à construção

da Capital. Tal imagem, difundida pela imprensa e pelos relatórios, era reforçada pela “ausência das

principais moléstias epidêmicas e contagiosas que tanto preocupavam a população e os administradores

de outras cidades brasileiras. Os dados estatísticos relativos às moléstias transmissíveis divulgadas pela

Diretoria de Higiene para os anos de 1910-20 revelam que doenças como cólera, peste e febre amarela –

que tanto depunham contra a salubridade urbana – não tinham impacto na taxa de mortalidade da capital

mineira” (Silveira, 2004:136). A força desse discurso salubre era simbolicamente tão forte que provocou

um atraso nas ações efetivas, em Belo Horizonte, relativas à contenção da epidemia, o que também se

refletiu nas próprias lacunas a respeito da memória da Influenza na capital.

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deficiência de um corpo clínico significativo que pudesse dar conta do combate à

moléstia.

A situação foi a tal ponto que a própria Faculdade de Medicina chegou a instalar

um hospital provisório. Com o agravamento da situação, em novembro de 1918, Samuel

Libânio, que na época era o Diretor de Higiene do Estado, convocou os principais

profissionais da saúde na capital de Minas, entre os quais lá compareceu Ezequiel Dias,

que junto com seus colegas ajudou nas orientações acerca das atitudes que deveriam ser

tomadas pela Diretoria de Higiene (Silveira, 2004).

Manguinhos também teve um papel importante na pesquisa da etiologia da

Influenza pandêmica de 1918. Octavio de Magalhães trabalhou ativamente na pesquisa,

por meio do isolamento do agente etiológico, junto com Aristides Marques da Cunha e

Olympio da Fonseca Filho, todos vinculados ao Instituto Oswaldo Cruz.

Um evento dessas proporções, como não poderia deixar de ser, produziria efeitos

no campo médico, que tendeu a se amalgamar diante da adversidade. Passado o tempo

do assombro, seria o momento de elaborar cobranças às autoridades acerca do

aparelhamento dos serviços de saúde, os quais mostraram sua precariedade diante da

situação.

Como foi dito, por esse conjunto de situações, 1918 vai ser um ano chave para o

debate do saneamento do Brasil.

Nesse contexto, uma instituição que foi capaz de mediar o diálogo entre os

médicos e os poderes públicos foi a Fundação Rockefeller.

A Divisão Internacional de Saúde da Fundação Rockefeller foi criada em 1913

nos Estados Unidos e tinha objetivo de desenvolver atividades ligadas ao fomento da

saúde pública em diversos países, inclusive em sua terra de origem (Campos, 2006: 34).

Uma instituição de caráter filantrópico, que teve, entretanto, um papel mediador no

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incremento dos serviços sanitários em vários territórios, através da pesquisa – com

destaque para doenças como a ancilostomose, a malária e a febre amarela – e na

educação médica, com fornecimento de bolsas de estudo para o aprimoramento

profissional no EUA36

.

Ao Brasil a Fundação Rockefeller chega em 1916, quando foi enviada ao Rio de

Janeiro uma missão por sua International Health Board. A partir daí vai estabelecer

inúmeros postos pelo território, o que contribui decisivamente para o projeto de

interiorização da saúde e conseqüente saneamento das regiões que se distanciavam do

litoral. Um empreendimento que vinha a se aliar com o momento pelo qual passavam o

Instituto Oswaldo Cruz e alguns de seus pesquisadores, que enveredavam pelo árduo

caminho de levar a ciência aos rincões (Marques, 2004).

Em Minas Gerais houve grande investimento da fundação norte-americana,

podendo a influência da Rockefeller ser vista com maior ênfase, principalmente a partir

da elaboração no Regulamento Sanitário Rural de Minas Gerais de 1918, que se

dedicava à profilaxia de doenças consideradas endêmicas ou epidêmicas em Minas

Gerais. Algumas, nesse momento, teriam grande destaque, como a malária, a

uncinariose (ancilostomose), a doença de Chagas e a lepra, entre outras. A

ancilostomose foi um importante objeto de estudo da fundação, e, em países como o

Brasil, era uma doença que tipificava a realidade rural brasileira, pois sua transmissão

estava ligada às questões de falta de higiene e saneamento dos espaços. Era a doença do

Jeca Tatu, que funcionava como um estereótipo desse brasileiro, adoentado e fraco, do

interior.

Assim, dentro de todo esse contexto em que a saúde passa a figurar na pauta

política brasileira, o Serviço antipeçonhento foi decisivo para acumular muito prestígio

36

Eugenio de Souza e Silva foi um dos técnicos do instituto que receberam bolsas da Fundação

Rockefeller.

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para o Instituto. É muito forte a imagem de um lugar que vem trazer alento no momento

de pânico oriundo de uma picada de cobra ou escorpião. E o serviço se interligou à

dinâmica da ciência no período, inserindo-se de forma bastante peculiar nesse projeto

maior de saneamento do Brasil.

O serpentário, desde os primeiros tempos do Posto, ajudava a construir um

imaginário muito peculiar. Mas não se pode perder da memória o fato de que, mesmo

com um espaço limitado e com a constante escassez de recursos, o Instituto foi

importante local de pesquisa de diversos assuntos relacionados à saúde. Apesar dos

obstáculos, desde os primeiros tempos, havia um laboratório aparelhado e em

consonância com as novidades da microbiologia, estando a biblioteca sempre

atualizada, algo fundamental para a circulação das idéias científicas e daquilo de mais

de recente que estava sendo discutido nos periódicos médicos.

VI - O Instituto Ezequiel Dias e o campo médico

O ecletismo foi fundamental para que o Instituto também tivesse sua

contribuição na profissionalização dos médicos na capital. Fato que se comprovou pela

presença de Ezequiel Dias, Octávio de Magalhães e de muitos outros no corpo docente

da Faculdade de Medicina. E a relação era bilateral. Da Faculdade também vieram

alguns nomes importantes na história do Instituto, pois ali se tinha a liberdade de

pesquisa e as condições estruturais que possibilitariam o seu desenvolvimento e,

portanto, “foi uma das altas finalidades da Filial: instruir séria, sincera e profundamente

os moços da escola honesta e despertar-lhe o amor e mesmo a paixão pelos problemas

de biologia pura e aplicada” (Magalhães, 1957: 208).

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Como disse um desses “moços da escola honesta”, Amílcar Martins, “havia

pouca gente e muita coisa pra se fazer” (Martins, 1991).

A fundação da Faculdade de Medicina, em 1911, é símbolo de toda essa

mobilização do campo médico em Belo Horizonte em torno da necessidade de um

espaço acadêmico. A Filial fazia parte dessa grande rede e, como dissemos, manteve um

diálogo ativo com a escola desde a sua inauguração.

As discussões para a criação de um espaço para o ensino eram antigas,

remontando a 1902, com o assunto em pauta numa das associações médicas da época, a

Sociedade de Medicina, Cirurgia e Farmácia. Porém, os planos não foram adiante, e o

sonho de uma faculdade de Medicina se esvaeceu junto com a própria Sociedade37

.

Contudo, o associativismo médico foi retomado, e, na sessão de 5 de março de

1911, a Associação Médico-Cirúrgica de Minas Gerais decidiu definitivamente fundar

a faculdade. Foi preciso o surgimento de uma outra associação para dar novo ânimo à

idéia, de modo que ensino médico tivesse seu espaço privilegiado. Em 1910 foi

apresentado um projeto que seria apreciado por uma comissão de estudos constituída

por Cornélio Vaz de Melo, Hugo Werneck e Zoroastro Alvarenga, a qual daria início

decisivo à fundação da nova instituição38

.

A faculdade teve seu estatuto aprovado em maio de 1911, o qual contemplava a

instituição com a fins de “ensino teórico e prático, das matérias que constituem o curso

das Faculdades de Medicina da República” (Minas Gerais, 26 de junho de 1911. p. 6).

A primeira diretoria era composta pelos seguintes nomes: Cícero Ferreira

(Diretor), cuja importância para a medicina em Belo Horizonte em seu início já

37

De acordo com Pedro Salles, a Sociedade de Medicina, Cirurgia e Farmácia surgiu em outubro de 1899

e teve como primeiro presidente o Dr. Olinto Meireles. Foi extinta após 27 sessões, em 1º de agosto de

1902 (Salles, 1967). 38

A Associação Médico-Cirúrgica de Minas Gerais atuou no período entre 1908 a 1937. Seu primeiro

presidente foi Cícero Ferreira, e sua primeira sessão aconteceu na Biblioteca Central, tendo seus locais de

reunião variado muito.

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ressaltamos; Cornélio Vaz de Mello (Vice-Diretor) e João Batista de Freitas (Secretário-

Tesoureiro). Nesse início os lentes seriam as seguintes figuras, que se misturam à

própria história da medicina na capital de Minas:

- Anatomia Médico-Cirúrgica, Operção e Aparelhos: Dr. Cornélio Vaz de Melo;

- Higiene: Dr. Zoroastro Alvarenga;

- Medicina Legal: Cícero Ferreira;

- Clínica Cirúrgica: Dr. Eduardo Borges da Costa;

- Clínica Médica: Dr. Alfredo Balena;

- Clínica Biológica e Obstétrica: Dr. Hugo Werneck;

- Moléstias nervosas: Dr. Samuel Libânio;

- Clínica pediátrica: Dr. Octávio Machado;

- Clínica Dermatológica e Sifiligráfica: Dr. Antônio Aleixo;

- Microbiologia: Dr. Ezequiel Dias;

- Olhos, garganta, nariz e ouvidos: Dr. Onorato Alves;

- Farmacologia: Dr. Olinto Meireles39

.

Essa situação proporcionou uma relação muito próxima entre a instituição de

ensino e a Filial, principalmente com o uso da biblioteca e do laboratório, que abria

espaço a várias pesquisas. O Instituto tornar-se-ia passagem obrigatória para os

professores e alunos da Faculdade de Medicina.

No que se refere às atividades de pesquisa, não podemos nos esquecer de que

essa variedade já estava prevista desde o início do Instituto, voltado que era para as

epidemias, endemias, epizootias e epifitias. No começo, ao longo do processo de

consolidação das atividades da Filial, dedicou-se ao estudo das demandas que surgiam à

época. Algumas enfermidades tinham atenção especial. Merecia destaque a varíola por

seus vários surtos epidêmicos, inclusive na época da construção da capital, além da forte

imagem que ficava após os eventos com a vacinação obrigatória na capital federal. A

peste da manqueira40

também havia sido contemplada, como demonstra a carta de

Oswaldo Cruz endereçada a Zoroastro Alvarenga em 1910.

39

A lista é dada por Magalhães em seus Ensaios ( Magalhães, 1957: 212). 40

É uma doença que atinge principalmente animais do campo, também chamada de carbúnculo

sintomático. É causada por uma bactéria chamada Clostridium septicum e se caracteriza pela erupção de

inúmeras feridas por onde sai, geralmente, um líquido avermelhado. Estes tumores aparecem comumente

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O Instituto era responsável pelos exames bacteriológicos do Estado e também

fazia exames particulares. As funções de auxílio nas questões de saúde pública eram

previstas em lei. Ao longo do tempo, a Filial foi ampliando sua esfera de atuação e

trabalhando em exames de toda natureza, na área hidrologia, análise de alimentos, e,

posteriormente, a raiva também entrou no rol das enfermidades pelas quais o Instituto se

enveredou.

Na parte laboratorial, junto com a atuação da Filial, havia o Laboratório de

Análises Químicas, que tinha sua criação estipulada desde 1895, data da primeira

organização de um Sanitário do Estado, a qual, entretanto, aconteceu somente em 1911,

logo após mais uma de várias reformulações41

.

Cícero Ferreira, atuante médico desde a construção da Capital de Minas,

mostrou-se novamente um importante articulador dos assuntos de saúde e conseguiu

obter a autorização do Presidente do Estado, Wenceslau Braz, para a construção do

laboratório no Estado. O órgão tinha como função fazer análises, bromatológicas,

toxicológicas e judiciárias, agronômicas e industriais, conforme fossem pedidas pelo

governo do Estado (Diretoria de Higiene, Delegacias de Polícias, Secretaria de

Agricultura). Também fazia exames particulares relativos à produção de alimentos,

no pescoço, paletas, peitos e flancos, e a vacinação é o método mais eficaz de profilaxia, já que, depois de

infectado, o tratamento é difícil, e a morte geralmente, rápida. O Instituto Oswaldo Cruz teve um papel

fundamental nos primórdios do desenvolvimento da vacina contra a peste da manqueira. Alcides Godoy

foi o cientista responsável pelo desenvolvimento da vacina, em 1906. Tal evento não foi apenas vital para

a história da Medicina Veterinária no Brasil, mas também foi, à época, um marco importante para

obtenção de recursos para Manguinhos. A patente do medicamento foi registrada em 24 de novembro de

1908, e Godoy transferiu a invenção para o Instituto Oswaldo Cruz. Segundo Benchimol, “esse artifício

hábil consolidou a autonomia de Manguinhos, permitindo-lhe gerir esses recursos, que seriam

consideráveis, sem ter de se submeter à burocracia do Ministério da Justiça ou às rígidas determinações

que presidiam a aplicação das verbas votadas pelo Congresso”, acrescenta ainda que “a famosa verba da

manqueira, contabilizada à parte, teve importância vital na sustentação do Instituto Oswaldo Cruz,

sobretudo nas conjunturas recessivas do país”. (Benchimol, 1990: p. 39-40). 41

Como foi dito anteriormente, a Lei 452, de 9 de outubro de 1906, reorganiza o serviço sanitário do

Estado, mas apenas em 1910 há uma sistematização dos serviços de saúde pública no estado. A data

marca, novamente, a criação de uma diretoria de Higiene em nível estadual com Zoroastro Alvarenga,

como diretor, e Samuel Libânio, como médico auxiliar.

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medicamentos, e, ainda, nas suas atuações estava prescrito o auxílio às indústrias da

mineração e siderurgia então nascentes.

Para a direção do Laboratório, Cícero Ferreira mandou abrir um concurso na

Alemanha, país que estava no topo das mais modernas pesquisas no campo da química à

época. Dentre mais de 300 candidatos foi escolhido Alfred Schaeffer, um alemão

nascido em 1879. Esse químico tinha experiência na direção de um Laboratório

Químico e Bacteriológico Experimental da Associação das Fábricas de Laticínios da

Alemanha. Veio para Belo Horizonte com a família mais os equipamentos que seriam

utilizados no novo cargo.

O laboratório foi oficialmente inaugurado em 21 de abril de 1912, sendo

composto por oito salas: gabinete do chefe de laboratório e biblioteca (com cerca de 200

volumes), museu, sala de trabalhos especiais, salas de trabalhos gerais, sala de balanças,

sala de fornos e de análise elementar, sala óptica e sala de destilação de água e lavagem

de vasilhame.

O laboratório teve importância decisiva no que dizia respeito aos exames

relativos à saúde no Estado, sendo visível, até a década de 1930, sua atividade em vários

setores da economia mineira, da agro-indústria à produção de alimentos, passando pelos

assuntos de interesse público, como a medicina legal e os medicamentos. Um espaço de

suma importância que, junto com o Instituto Ezequiel Dias e o ensino acadêmico na

Faculdade de Medicina, torna-se ponto importante de um circuito em que giram idéias e

sujeitos mobilizados para consolidar culturalmente a aceitação de novos conceitos e

práticas científicas.

Prova dessa circulação é que Schaeffer teve boa penetração no meio científico

belo-horizontino, tendo sido contratado, a partir de janeiro de 1913, para ensinar

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Química Analítica na Faculdade de Medicina. Em virtude da estrutura ainda deficitária

da Faculdade, ele ministrou aulas onde estava instalado o Laboratório.

Com a Primeira Guerra Mundial e rompimento diplomático do Brasil com a

Alemanha, em 1917, o Dr. Shaeffer foi exonerado do cargo. Posteriormente voltou, mas

não foi para o laboratório nem para a Faculdade de Medicina, tornando-se, em vez

disso, líder da criação de um Curso de Química Industrial da Escola de Engenharia, em

1921. Em 1927, o Químico saiu de Minas Gerais e foi trabalhar na fábrica da Merck, no

Rio de Janeiro. Foi afastado da empresa durante a Segunda Guerra Mundial, mas

continuou ensinando Química no Instituto Militar de Engenharia, na capital federal,

onde morreu em 23 de setembro de 195742

.

O Instituto estava assim integrado a uma grande teia que se construía na capital e

que, aos poucos, dava uma maior complexidade aos assuntos de saúde.

Algumas doenças eram como pedra no sapato das autoridades mineiras, e, como

dissemos, a varíola era uma delas, mas não a única.

Outra doença que deu dor de cabeça foi a difteria43

, que inclusive se tornou o

pivô de uma grave crise na filial pelos idos de 1917. A crise é reveladora de que a

ciência também se constrói a partir de inúmeros obstáculos, sujeitos e diversos

interesses. Magalhães dedica partes significativas dos seus Ensaios à rememoração do

evento, intitulando o episódio como “verdadeira tempestade”.

Octavio de Magalhães conta que a questão da difteria era motivo de polêmica na

capital de Minas já havia muito tempo. Desde muitos anos a cidade que não queria

perder a sua imagem de cidade salubre, livre das doenças, era palco de diversas

42

Para a trajetória do Laboratório de Análises Químicas e do alemão Alfred Schaeffer, ver Naveira

(1996). 43

Difteria é uma doença infectocontagiosa causada pelo Corynebacterium diphteriae e por sua toxina e

provoca a inflamação, na garganta, nariz e em algumas situações nos brônquios e traquéia, com o

surgimento de “falsas membranas”. A doença foi motivo de grande preocupação em vários lugares do

mundo até o final do século XIX, quando a vacina foi criada pelo médico alemão Emil von Behring.

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discussões acerca da questão da difteria. O médico relata que, à época, era prática

comum administrar uma anatoxina, consistindo o problema no fato de que, no caso de

confirmação de uma epidemia, toda a cidade deveria suspender suas atividades. Para

ele, “foi este, realmente, o motivo, somado à ignorância sobre o aspecto clínico e

microbiológico da questão que fez desabar, sobre Ezequiel, a tempestade, que quase

extinguiu a Filial do Instituto Oswaldo Cruz” (Magalhães, 1957: 221).

Magalhães afirma que o diagnóstico da difteria era muito complicado e podia ser

confundido com outras moléstias menos graves, como uma simples amidalite. Mas a

vacinação em casos de suspeita seria necessária, pois um caso que aparentava ser

simples poderia encobrir uma forma grave de difteria. O médico ressalta que houve por

parte da Filial a idéia de que, diante da complexidade do diagnóstico e do risco de uma

epidemia, seria preciso aplicar o soro como medida preventiva. A difteria poderia até

matar, e o diagnóstico rápido, associado à intervenção da vacina, seria o melhor a ser

feito, segundo ele. Ele acrescenta, ainda, que a Instituição não poderia arriscar o seu

importante papel em questões de saúde e que, diante das condições e do nível dos

estudos à época, essa teria sido a medida mais acertada:

“Por minha parte, penso que só afirmaria realmente,

rigorosamente, cientificamente no estado atual dos nossos

acontecimentos, que um bacilo é diftérico, se tivéssemos

estudado as propriedades biológicas dele, seu poder toxigênico,

fermentativo, morfológico,, etc. Só então eu diria: trata-se do

Corynebacterium diphteriae. Isso falsearia a função da Filial,

que falharia ao seu papel de ‘laboratório central’, de saúde

pública” (Magalhães, 1957: 225).

Houve uma quantidade superestimada de diagnósticos positivos de difteria, o

que alarmou a capital em 1917, maculando todo um imaginário que se construiu

relativamente a uma cidade salubre, higiênica e livre de doenças. Magalhães, mesmo

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assim, volta a afirmar que o papel do Instituto foi correto, pois, tendo-se em vista a

ameaça iminente de uma epidemia, o mais correto seria uma vacinação em massa:

“Em higiene pública os diagnósticos para menos são de

conseqüências muito mais graves e prejudiciais que os

diagnósticos para mais [...]

Que acontecerá a um paciente, sem difteria, que tivesse pela

nossa técnica, um resultado positivo? Tomaria soro

antidiftérico.

E depois?

Teria urticária, dor nas articulações, talvez um pouco de febre ,

coisas que passariam, sem maiores cuidados. E o paciente, com

difteria que pelo processo ‘técnico crítico’ tivesse um resultado

negativo? Poderia ter uma paralisia, morrer, ou o que é mais

grave para a coletividade: contaminar a família e os vizinhos.

Só isso” (Idem: 228).

Mas o assunto dos diagnósticos rendeu bastante. Magalhães afirma que não

houve compreensão da questão por parte dos poder público, sendo a atuação do Instituto

questionada. A questão ainda foi reveladora, segundo Magalhães, de outros interesses,

em meio aos quais ele “soube pessoalmente, por Ezequiel Dias, que havia, oculto, um

plano para organizar um Instituto Estadual nos moldes da Filial do Instituto Oswaldo

Cruz, a fim de satisfazer a vaidade de um ingênuo cirurgião e a cupidez de um ‘boche’”.

Continuando, afirma ter havido uma forte campanha de sabotagem dos exames do

Instituto, que se consubstanciou em detração dos exames feitos pela Filial:

“Mas, as plantas do novo Instituto já não estavam até

terminadas? Há indivíduos que têm volúpia dessas ações.

Começou então a campanha, em surdina, contra o Diretor da

Filial e os técnicos do Instituto. Afirmava-se que os exames de

difteria não tinham o menor vigor, que qualquer exame, mesmo

dos mias disparatados matérias, colhidos em qualquer parte,

podiam dar resultados positivos. Era preciso trair e, para isto,

não faltou a alma dessas víboras, que nascem e vivem nas

trevas palpáveis, de que fala a Santa Escritura.

Um desses médicos confessou pessoalmente a Ezequiel Dias

esse feio crime, embora se penitenciando da miséria daquela

ação.

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Ele freqüentava a hora do café da Filial, apertava a mão do

Diretor, sorria, suavemente, revirando o branco dos olhos...

Mestre... e dali saia para trazer mais material falsificado para os

exames. Veio material de saliva de cão, de linfa contra a vacina

antivariólica, de salivas de pessoas sadias, etc. E tinha que ser.

Os corynebacterium são espalhadíssimos na natureza e podem

ser encontrados naqueles materiais. A ignorância e a maldade

fez supor aos seus autores que eles tinham em mãos uma arma

esmagadora contra honra científica dos técnicos da filial. Mas

como todos os criminosos, eles se esqueceram da ciência, para

lhes descobrir o crime e lhes provar a inocência das vítimas”

(Idem).

Apesar de longa, essa citação foi aqui colocada para exemplificar alguns

meandros da ciência que passam muitas vezes despercebidos. Porém, situações como

essas são emblemáticas e servem para que se possa pensar acerca de como o Instituto

conseguiu superar seus obstáculos ao longo do tempo, bem como a credibilidade

acumulada por seus pesquisadores, que poderia ser usada em momentos assim.

Diante dos graves desentendimentos entre o Diretor dos Serviços de Higiene do

Estado e o Instituto Oswaldo Cruz Filial, Ezequiel Dias chegou a renunciar ao cargo. A

crise tornou-se de tal forma aguda, que o próprio Carlos Chagas veio pessoalmente a

Belo Horizonte. Era um momento difícil, pois Manguinhos sofrera um forte golpe com

o agravamento da doença de Oswaldo Cruz44

. Seguiu-se uma série de conversas.

Magalhães conta que, por fim, o Diretor de Higiene do Estado reconheceria a

honorabilidade de Ezequiel e a validez dos exames que a filial executava. Chagas

também teria reconhecido a dificuldade no diagnóstico de difteria. E, dessa forma, o

embate dar-se-ia por terminado.

Mais que isso, para que se possa compreender as proporções que a questão

tomou, acredita-se que a chave de leitura apresentada por Silveira (2004) a respeito do

tratamento da Influenza possa ser aplicada também a esse caso. Sem dúvida, o alarme

44

Oswaldo Cruz faleceu em conseqüência de problemas renais em 11 de fevereiro de 1917. Carlos

Chagas assumiria a direção do Instituto Oswaldo Cruz.

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de uma epidemia era a mácula indesejável que poderia vir a contrariar o imaginário

salubre erguido desde a construção da Capital.

Casos como o que foi relatado também ajudam a perceber como se realizou o

processo de consolidação do Instituto em sua condição de um espaço importante, que se

fez, ao longo do tempo, necessário à saúde pública do Estado.

Um outro exemplo de que a Filial tecia uma rede forte de interlocuções com

amplos setores sociais foi a fundação do Instituto Radium.

Desde 1919, a criação de um centro de estudos do câncer estava sendo discutida.

Ezequiel Dias retomou, em Belo Horizonte, a prática, que aprendera em Manguinhos,

com Oswaldo Cruz, de realizar semanalmente reuniões com os colegas, para que fossem

discutidos os mais diversos assuntos, seja acerca do que de mais novo estava nos

periódicos, sejam questões práticas da atividade médica. As reuniões tinham até atas a

ser aprovadas. Entre os que participavam, Magalhães cita: Borges da Costa, Álvaro de

Barrros, Marques Lisboa, Almeida Cunha, entre outros.

Na reunião do dia 11 de junho de 1920 foi comunicada a criação do Instituto de

Câncer e Radium, que contaria com o apoio do governo do Estado, que, à época, tinha

como chefe do executivo Arthur Bernardes. A construção começou rapidamente, com o

terreno, doado pela Prefeitura de Belo Horizonte, que ficava nos fundos do Parque

Municipal. De acordo com Pedro Salles, “a obra custou ao Estado 550 contos, fora o

preço de 25 centigramas de radium, adquiridas nas Usinas da Societé d’Energie et

Radio-Chimie de Courbevoie”; sobre a edificação, afirma que “o Instituto Radium

confirma o conhecido senso estético de Borges da Costa – um belo estilo arquitetônico,

com fachada ornada em de colunas gregas, e uma instalação primorosa” (Salles, 1997:

52).

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Na notícia de inauguração, em 7 de setembro de 1922, do Instituto, no Minas

Gerais há a informação que:

“ao ato de inauguração estiveram presentes os Exmos. Srs. Drs.

Affonso Penna Junior, representantes dos Srs. Drs. João Luiz

Alves e Clodomiro de Oliveira, Dr. Julio Octaviano,

acompanhado de sua ajudante de ordem dr. Affonso Vaz de

Mello, Dr. Fernando Mello Vianna, Dr. Mairo Brant, Dr.

Daniel de Carvalho, Dr. Alfredo de Sá, Dr. Flávio dos Santos,

presidente da Câmara, do Senado e do Tribunal da relçaõ, Dr.

Carlos Chagas, diretor do Departamento Nacional de Saúde

Pública, professores da Faculdade de Medicina desta capital,

médicos e grande número de senhorinhas e cavalheiros de

nossa sociedade” ( Minas Gerais, 8 de Setembro de 1922).

O Instituto seria uma fundação autônoma com subvenções estatais, tornando-se a

primeira do tipo em todo o Brasil.

A fundação do Instituto Radium45

, a partir de discussões coordenadas por

Ezequiel Dias, mostrou a capacidade mobilizadora do campo médico em Belo

Horizonte, que chegava em posição de destaque e inserção no poder, o que daria um

novo tom à atividade que conseguia se fazer indispensável nos assuntos públicos

relativos à saúde.

O processo de inserção dos médicos na sociedade exigia um leque variado de

estratégias, as quais passavam pela criação de Institutos, que mais tarde seriam centros

de referência para a disseminação de novas concepções, junto a uma clara aproximação

dos assuntos mais pungentes para a sociedade aliada ao ensino médico, que se firmava

na capital de Minas desde a fundação da Faculdade de Medicina, em 1911. O futuro

Instituto Ezequiel Dias passaria transversalmente pela história das ciências biomédicas

em Belo Horizonte e seria peça fundamental nesse processo.

45

Recebeu o nome de Instituto Borges da Costa em homenagem ao seu principal idealizador, e primeiro

diretor, em 1950, o qual morrera em 5 de setembro do mesmo ano. Foi incorporado ao patrimônio da

UFMG em 1967. Teve seu hospital desativado dez anos depois. No início da década de 80 serviu de

moradia universitária provisória, situação que se prolongou até 1998, quando ocorreu a desocupação. Seu

prédio, atualmente, é tombado pelo Patrimônio Histórico.

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Ezequiel Dias conseguiu fazer o pequeno laboratório na Rua da Bahia ir para

muito além de seus muros, interagindo efetivamente com o meio científico que se

construía na urbe moderna. Chegou sozinho e foi agregando outros importantes nomes

nesses primeiros tempos. Eugênio de Souza e Silva foi um dos primeiros a vir para o

Instituto, tendo também atuado, a partir de 1926, na cadeira de Histologia da Faculdade

de Medicina. Oswaldo de Melo Campos foi outra semente de Manguinhos, tendo

posteriormente se voltado para a clínica e o magistério. Aroeira Neves é outro nome que

compõe a história dos primórdios da instituição, importante nos estudos relativos à

anatomia.

Ezequiel Dias, que trouxera a bagagem pesada que unia a fundação do Instituto

Oswaldo Cruz e ativa participação nos serviços de saúde no Estado do Maranhão, foi

figura importante e aglutinadora desse processo de profissionalização, prestígio e

autonomização dos saberes médicos, sob a égide da microbiologia.

Veio doente e, em 1922, faleceu, dando lugar àquele que por algumas vezes

havia o substituído, a saber, Octavio Magalhães, que teria a difícil tarefa de continuar o

trabalho de consolidação das atividades do Instituto e fazê-lo ainda mais importante

para a saúde.

Não seria tarefa das mais fáceis substituir Ezequiel, figura já encoberta por toda

uma imagem mitificada de cientista e arauto da modernização científica. A imagem

aristocrática povoou o imaginário, como mostra um “cordão médico” feito por alguns

estudantes no carnaval:

“ ‘Isequiel Dias’

Tenho a alma cheia de viço

E vivendo a investigar,

Consegui, mesmo, formar

De micróbios um chouriço”. (Magalhães, 1957: 213)

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O falecimento de Ezequiel Dias aconteceu no dia 22 de outubro de 1922, e a

repercussão de sua morte pode ser verificada no jornal oficial da época, que dedica

algumas colunas ao seu legado, biografia, homenagens fúnebres, deixando claro o

impacto do acontecimento não apenas em relação ao meio médico. Sua imagem estava

ligada à própria história do processo de aceitação da microbiologia em terras mineiras.

Assim dizia o jornal:

“Discípulo predileto de Oswaldo Cruz, o sábio remodelador da

Higiene ao Brasil, saneador inesquecível da capital da

República e dos nossos portos. Dr. Ezequiel Dias colaborou

eficazmente com o fulgurante espírito que, abrindo novos e

iluminados caminhos à medicina nacional, pela bacteriologia,

de que foi o verdadeiro criador do no país, se imortalizou na

gratidão e na lembrança de seus compatriotas

[...] Devemo-lhe descobertas da maior relevância, notadamente

no campo da soroterapia e no das investigações

bacteriológicas” (Minas Gerais, 23 e 24 de outubro de 1922).

A figura de Ezequiel é profundamente ligada a de Oswaldo Cruz e, por

conseqüência, ao próprio advento da microbiologia no Brasil, numa união entre a

história das idéias científicas e suas próprias trajetórias pessoais.

Seguiram-se sucessivas homenagens ao médico, considerado uma das primeiras

sementes de Manguinhos. Tais biografias cumprem o papel muito importante de

amalgamar o campo médico. Rememorar tais trajetórias de vida não apenas torna-se um

empreendimento laudatório, mas também cumpre funções simbólicas que acabam

desempenhando um papel importante para o campo, assim como na legitimação da

atividade no próprio tempo presente46

. Chagas fez uma interessante análise da figura de

46

Nara Britto discorre sobre o “poder simbólico” das biografias de Oswaldo Cruz, logo após a sua morte.

Para a autora, o campo médico, à época, caracterizava-se por grandes dissensões. A mitificação de Cruz

teria cumprido um papel de centralização do campo, primeiramente em torno da figura do sanitarista e,

posteriormente, acabando por unir em torno de outros objetivos, como a campanha de saneamento rural

do Brasil e sua luta pela interiorização das políticas públicas de saúde, no contexto do final da década de

10 e início da década de 1920 (Britto, 1995).

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Ezequiel Dias como homem de ciência e articulador de uma discussão pública a respeito

da saúde no Brasil:

“No Maranhão instalou completo laboratório de pesquisas e

orientou, pelos ensinamentos experimentais, os serviços de

higiene pública. E em Minas Gerais organizou a Filial de Belo

Horizonte, Instituto modelar em que se perpetuam o zelo e as

raras aptidões do jovem experimentador, em que se

concretizam suas melhores aspirações de ciência. Foi essa a

grande oportunidade de trabalho oferecida a EZEQUIEL, que a

soube utilizar no esclarecimento de importantes aspectos da

nosologia regional, no valioso concurso técnico á administração

sanitária do Estado, e em outras iniciativas que muito

facilitaram a realização de um vasto programa de

aperfeiçoamento médico na capital mineira. Assuntos de

excepcional interesse prático foram depressa considerados pelo

novo instituto, e não tardou que, em benefícios incalculáveis, se

prestigiasse sua atividade técnica” (Chagas, 1922: 2).

O trecho é importante, pois resume bem o papel de Ezequiel Dias como um ator

da ciência capaz de interpretar e interagir com a realidade histórico-cultural aqui

presente e usar dela para fazer valer sua profissão médica junto à sociedade.

VII - Octavio Magalhães na direção do Instituto

Com a morte de Ezequiel Dias era a vez de entrar em cena um outro

personagem. Octavio Magalhães assumiria a direção e tentaria dar continuidade às

atividades. Desde muito cedo, iniciaria os primeiros passos rumo àquilo que seria um

grande projeto, pelo qual se ambicionava fazer da Filial um grande espaço de excelência

da atividade médico-científica nacional. Octavio Magalhães inaugura outro período de

muito trabalho, que é, também, de muito sonho e desejo.

Magalhães nasceu em 1890, no Rio de Janeiro, e era de uma família de médicos,

tendo o seu pai e seu avô na mesma profissão. Entrou para a faculdade de Medicina do

Rio de Janeiro com 16 anos. Teve experiência na clínica ao trabalhar na enfermaria de

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Miguel Couto. No terceiro ano de medicina começou a freqüentar o Instituto Oswaldo

Cruz e diplomou-se em medicina em 1911. Em 1912 foi indicado por Oswaldo Cruz

para trabalhar no Posto de Observação e Enfermaria Veterinária em Belo Horizonte.

Foi aqui que concluiu sua tese de doutoramento, intitulada Cálculo da massa total

sanguínea, que foi, posteriormente, apresentada à Faculdade de Medicina do Rio de

Janeiro, na cadeira de Fisiologia.

Logo após sua chegada em Belo Horizonte, Magalhães também foi nomeado

para chefiar o Laboratório Central da Santa Casa. Lá chegou a residir provisoriamente e

pôde interagir com o campo médico em Belo Horizonte. Estabeleceu seus contatos com

Álvaro de Barros, Borges da Costa, Eurico Vilela, Marques Lisboa, Samuel Libânio,

Hugo Werneck. As reuniões que se faziam na casa de Ezequiel Dias, em que muitos

desses nomes estavam presentes, foram importantes para a circulação de idéias, e para a

verificação do estado de diversas instituições da capital mineira, servindo como uma

espécie de termômetro da inserção dos médicos.

Em 1913 é aceito pela Congregação para assumir a cadeira de Fisiologia na

Faculdade de Medicina. Com 23 anos iniciava, assim, a sua vida de professor.

Foi convidado em 1920 por Carlos Chagas, à época Diretor do Instituto Oswaldo

Cruz, para chefiar o Instituto de Higiene de Pelotas:

“Meu Caro Magalhães,

Venho consultar-te sobre o seguinte: Na cidade de Pelotas, Rio

Grande do Sul, existe um Instituto fundado pela

municipalidade, sob a orientação inicial de Butantan.

O atual Prefeito, Dr. Pedro Luis Ozório, desligou o Instituto de

Butantan e deseja a nossa orientação, para o que me pediu para

indicar um nome que se recomendasse pelo esforço e

capacidade. Lembrei-me de Você.

Terá toda autonomia técnica, trabalhando conosco.

Terá talvez dois auxiliares médicos.

Se Você achar o plano exeqüível espero que me escreva com

urgência a fim de entrarmos em outras minúcias. Com muita

amizade,

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(a) Carlos Chagas”47

.

No Rio Grande do Sul permaneceu durante dois anos, e lá tentou promover um

plano amplo de saneamento. Um de seus principais alvos foi o tifo, que fazia um

número considerável de doentes na cidade. Suas medidas sanitárias também incluíram

fechamento de pensões e o isolamento de regiões que poderiam estar infestadas pela

peste, medidas que também causavam oposição dos setores atingidos. Tomou também

uma série de iniciativas relativas às moléstias de animais, tendo em vista que a pecuária

era um importante setor na região.

Em 1922 decidiu voltar a Belo Horizonte para assumir novamente suas funções

no Posto de Observação e enfermaria Veterinária. Muitos fatores pesaram na escolha

de Octávio, que via o avanço da doença de Ezequiel e a necessidade de reassumir seu

cargo de docente na Faculdade de Medicina.

Ao chegar a Belo Horizonte pôde acompanhar os últimos dias de Ezequiel Dias.

Como Magalhães costumava assumir a direção da Filial na ausência de Dias, seu nome

era forte para o cargo em definitivo. Mas os entraves burocráticos dificultaram a

questão.

Ele estava vinculado ao Ministério da Agricultura, em virtude da ligação do

Posto de Observação e Enfermaria Veterinária, ao passo que a Filial era parte do

Ministério do Interior. Porém, “só em janeiro de 23, três meses depois do falecimento

de Ezequiel, Octavio ficou à disposição do Ministro da Agricultura, por ordem do

Presidente da República, com destino ao cargo que devia ocupar” (Magalhães, 1976:

67).

47

A carta está transcrita no relato de memórias da esposa de Octavio Magalhães (Magalhães, 1976: 55).

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Apenas em 23 de novembro de 1926 foi nomeado pelo presidente Washington

Luis como assistente do Instituto Oswaldo Cruz do Rio de Janeiro, tendo sido, na

mesma data, designado por Carlos Chagas para a direção da Filial (Magalhães, 1957:

247).

Interessante é perceber que os dois primeiros diretores vieram com uma

experiência relevante na gestão pública dos assuntos de saúde. Sem dúvida, tal vivência

seria decisiva para a atuação incisiva da Filial nesse campo.

Ao assumir o Instituto, Magalhães logo se preocupou com a “menina dos olhos”

da filial – o Posto Antiofídico. Notou um sério déficit entre a quantidade de veneno

recebido e a que seria enviada em tubos de soro. Houve uma reformulação do contrato

com o Instituto de Niterói, para que fosse reduzida a proporção da quantidade de veneno

enviado em relação ao soro que seria recebido.

Em 1923, deram-se inicio às expedições científicas e a uma intensa propaganda

do serviço antiofídico. A campanha do novo serviço havia se iniciado um ano antes e

dava-se por meio de boletins impressos, ou, mesmo, de cartas, remetidos juntamente

com as vacinas enviadas aos fazendeiros, como a da peste da manqueira, que a

“Secretaria da Agricultura do Estado fornecia, em quantidades avultadas, aos

fazendeiros” (Magalhães, 1957: 248).

Era preciso tornar a questão antiofídica um assunto de todos e pauta relevante

para todo o Estado.

A caçadas aos peçonhentos, chamadas de “bandeiras científicas”, forneceu uma

enorme quantidade de animais ao Instituto, que logo se incumbiu de criar um museu. A

quantidade era tamanha que o instituto pôde incrementar suas relações

interinstitucionais e fornecer coleções ao American Museum of Natural History, ao

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museu da Escola de Odontologia e Farmácia, ao Posto de Higiene de Ubá, à Estação

Experimental Agronômica de Santiago de Los Vojos em Cuba.

Por essa época começava a se fazer um mapa da distribuição geográfica dos

ofídios. O mapa cresceria a partir das viagens e do acréscimo de novas espécies. O mais

interessante é que o serviço representava um novo olhar para espaços, terras, municípios

antes perdidos e/ou esquecidos pelos poderes públicos. O modo pelo que eles estariam

inseridos não deixa de ser peculiar, pois os peçonhentos tornavam-se o símbolo dessa

busca de uma Minas que precisava ser colocada em harmonia com os preceitos

civilizatórios.

Os escorpiões, outros peçonhentos temidos, também continuavam como objeto

de estudo. Magalhães, agora diretor, se dedicaria por longo tempo ao estudo dos efeitos

fisiológicos da picada por escorpiões. Com os aracnídeos, a questão era bem diferente.

O soro era fabricado aqui e vendido, sendo a resposta curativa bastante satisfatória. O

Tityus Serralatus era um personagem fácil na capital mineira, o que facilitava a

obtenção da matéria-prima para a produção do soro. Mostra disso foi que a intenção de

Magalhães consistiria na fabricação industrial do soro, e houve compra em larga escala

de escorpiões. As inúmeras propagandas encontradas no Minas Gerais demonstram o

empenho no fabrico do soro antiescorpiônico e de sua posterior comercialização. Para

se ter uma idéia do vulto que ganhou o serviço, o soro chegou a ser exportado para o

México, em outubro de 1927.

A união de esforços, que associava a credibilidade dos médicos do instituto à

atuação da Filial, fez com que o serviço crescesse em grandes proporções, tornando-se

cada vez mais importante. De acordo com Octavio de Magalhães, “nos anos de 1925,

1926, 1927 e 1928, o nosso progresso se acentuou e intensificamos aí a nossa campanha

contra os escorpiões e os ofídios. Imprimimos e distribuímos 6000 circulares de

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propaganda, em um só ano. Os estudos sobre as doenças de animais, plantas e homens,

continuaram de maneira precisa” (Magalhães, 1957: 253-254).

O percurso científico também teve os seus percalços, e houve médicos que

tentaram detratar o soro antiescorpiônico dizendo que ele “era igual a injeção de água

do pote”. Mas isso não foi nada que a credibilidade que o Instituto Ezequiel Dias

conseguiu ao longo do tempo, construída através de suas redes científicas, não pudesse

dar conta de aplacar. Foi dessa forma que o Instituto conseguia facilitar o transporte dos

peçonhentos, o que daria o livre trânsito para as caixas sem quaisquer ônus. Uma

justificação que se fazia necessária e que Magalhães, logo após falar da detração do

Instituto, salienta, é o sentido humanitário das campanhas:

“Na sala de espera do Instituto Ezequiel Dias, de aspecto

modesto e quase humilde, entrara de espavento uma mulher

aflita, chorosa e desesperada, tendo ao colo uma criança mal

entrada em meses. Aquela pobre mãe nos mostrava, estendendo

os braços e sacudida pelos soluços, quase desfeita em lágrimas,

a pobre criancinha imóvel nos seus braços. Um suor viscoso e

frio cobria o corpinho da pobre criança, já no limiar de uma

agonia lenta e inexorável. A boca e face estavam cobertas de

um líquido espumoso e sanguinolento, que atingia,

ligeiramente, as roupinhas que lhe cobriam o corpo. O ritmo

respiratório e circulatório apenas perceptível, a resolução

muscular o estado geral enfim, denotavam um próximo

desenlace. Havíamos presenciado, há 11 anos passados, mudos,

estarrecidos, impotentes e revoltados uma cena semelhante.

Fora justamente esta revolta contra a impotência da medicina,

que nos fizera aceitar pressurosos a proposta de Ezequiel Dias

de estudar o escorpionismo. Agora, não. Havíamos estudado o

assunto, podíamos lutar e as nossas conclusões haviam sido, na

prática, uma demonstração eloqüente de que tínhamos acertado.

Injetamos na criança 100 doses antitóxica do nosso soro e, ouço

a pouco, hora a hora, a criança começou a melhorar. Poucas

vezes vimos a ação antitóxica mais rápida, intensa e brilhante.

Não sabemos qual alegria maior, se do coração daquela pobre

mãe, que chorava e ria de alegria, ao ver salva a filhinha, se a

do nosso silêncio do laboratório” (Magalhães, 1957: 255).

Tanto a detração do soro antiescorpiônico como o relato do bebê salvo mostram

que os sujeitos e seus interesses também estão envolvidos no fazer científico e que

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havia um discurso que tentava dar maior importância e credibilidade ao Instituto,

partindo do pressuposto do bem que a ciência proporcionaria às pessoas.

Pedras que se viam no caminho também pela aceitação da soroterapia como

forma universal de tratamento. A luta contra a medicina popular foi intensa e as picadas

de cobras e escorpiões guardaram episódios peculiares nas páginas da história do

Instituto Ezequiel Dias. O mais interessante foi que essa questão foi tratada pela Filial

de forma profunda e minuciosa.

A todo instante chegavam drogas que compunham um imaginário muito forte a

respeito do tratamento, que ainda guardava heranças de uma arte de curar que persistia,

por mais que o discurso levasse a questão para o terreno do maravilhoso e, muitas

vezes, do descrédito científico. A Filial se dedicava a testar cada produto que chegava e

apresentar as contraprovas, que sempre culminavam na ineficácia dos produtos

analisados.

Tal dedicação pode ser explicada pelo fato de a legitimação das práticas exigir

dos atores uma gama variada de estratégias, sendo uma delas a de se utilizar das idéias

de ciência e “não ciência” para colocar em descrédito práticas e concepções anteriores,

algo que não mais convinha aos novos modelos científicos. A microbiologia seria

também importante para uma nova forma de ver o mundo e de inserção do próprio

médico no social; e para que isto efetivamente acontecesse seria necessária uma luta

para o soterramento das práticas de cura ditas não oficiais/não científicas. Entretanto, o

processo não ocorre de uma única vez e, não raro, desenrola-se de forma lenta e com

mudanças de implicações culturais muito fortes.

Era por isso que ainda permaneciam os tratamentos populares, como a “pedra de

chifre de veado”, uma pedra escura e porosa que se colocada no lugar da mordedura,

muitos acreditavam, aspiraria o veneno dali. As experiências com essa medicina popular

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povoaram alguns artigos científicos, relatos memorialistas e a documentação oficial do

Instituto, como os relatórios dirigidos ao Secretário de Agricultura de Minas Gerais, em

que são numerosas as experiências e o discurso que tenta eliminar tais práticas da

população mineira.

Havia até um “norueguês-alemão” que manipulava cascavéis e se dizia

protegido graças a um talismã de níquel, que, obviamente, seria reproduzido e vendido.

Magalhães conta que o dito cujo chegou até a usar nome da Filial para vender os tais

amuletos.

Dentre os remédios famosos, e que foram colocados à prova, estavam: Carvão

antiofídido, Surucuína, Pomada Vilaró, Serpenticida, O Infalível, Escorpiões em

conservação no álcool, Giló (sic) com cachaça, amuleto de níquel Haroldo Tinn

Kundsen, Específico Plus Ultra, Antiviperino, Urutuína, esponja, anticoral, lenimento

de Sloan. Todos passaram pelo crivo da ciência, minuciosa, e, segundo o discurso que

se formava, a única capaz de legitimamente indicar o que era falso e o que era

verdadeiro. Como não poderia deixar de ser, a oportunidade era única, pois se utilizava

da propaganda e dos artifícios dessa mesma medicina popular para colocá-la em desuso

frente às modernas concepções científicas. Tal empenho fica claro quando Magalhães

diz que

“De todas fizemos observação pormenorizada, com

experiências do laboratório. Infelizmente, nenhum destes

milagrosos produtos tinha realmente ação antitóxica, nem

sequer para as doses mortais mínimas dos venenos das cobras e

dos escorpiões” (Magalhães, 1957: 256).

O Instituto Ezequiel Dias passaria a desempenhar um papel simbólico na cidade.

A Instituição representava uma ciência que deveria ser seguida e que se encapsulava

como verdade. Foi assim que as portas do Instituto foram abertas, e os limites se

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estreitaram. As visitas de populares eram diárias, e, por fim, com enorme quantidade de

público, tiveram que ser reduzidas às sextas-feiras. Por falta de espaço as pessoas

costumavam ficar nos muros do serpentário.

Tais questões simbólicas, misturadas a essa luta cotidiana da ciência para

legitimar concepções, práticas e fatos científicos, se imbricavam com os fatos que

Octavio de Magalhães elencava como as razões do sucesso do posto: um terreno pouco

estudado; a organização do posto, com rapidez na entrega do soro, autonomia da seção

(em relação ao Estado), a boa estrutura física, de material e pessoal, além do pronto-

atendimento no caso dos acidentes.

O Serviço Antipeçonhento foi, sem dúvida, capaz de trazer muita legitimidade

ao Instituto, frente aos diversos setores sociais, e, dessa forma, esse prestígio científico

poderia se converter em outros ramos da atividade científica, assunto que será discutido

mais detidamente no Capítulo 3.

O início da década de 1930 mostra bem o grau de desenvolvimento do Posto e a

legitimação que ele tinha conseguido junto à sociedade. A quantidade de cobras

enviadas, com o aumento vertiginoso, é demonstração clara disso.

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Quantidade de cobras enviadas à filial48

Ano Quantidade de

cobras enviadas

1918 336

1919 901

1920 1636

1921 1840

1922 1748

1923 1660

1924 1392

1925 1562

1926 1622

1927 1552

1928 1412

1929 1589

1930 1713

1931 3278

1932 4346

1933 5980

1934 6437

1935 8301

VII . 1 Dinâmica e funcionamento do Instituto na gestão de Octavio Magalhães: a

inserção na saúde pública

No ano de 1932 foi inaugurada uma Seção Anti-rábica, um dos resultados das

conversas com a prefeitura de Belo Horizonte. Havia um grave problema, pois o

deslocamento do doente teria que ser feito até Juiz de Fora, onde estava o Instituto

Pasteur49

, que fornecia a vacina.

Com a nova Seção, os serviços incluiriam a vacinação de cães e a caça aos

morcegos. Paulo Carneiro, que havia feito viagem à Europa e curso sobre raiva no

Instituto Pasteur de Paris, foi o nome indicado para assumir o novo “braço” do Instituto.

48

Os dados da tabela também foram retirados dos Ensaios (Magalhães, 1957: 275). 49

Apesar do nome, não há ligação com a instituição parisiense.

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O serviço cresceu muito e foi para os amplos territórios de Minas, com

atendimento aos órgãos públicos e particulares. O setor proporcionou uma série de

trabalhos sobre o assunto, e a vacinação, cabe ressaltar, era gratuita, exigindo-se apenas

o preenchimento de um formulário para acompanhamento do paciente.

Entre 1931 e 1935, a Seção chegou a um número expressivo de 2466 pessoas

tratadas.

Outro demonstrativo da relevância que o Instituto adquiria era o fato de que ele

se tornava parada obrigatória para turistas e personalidades internacionais: em 1930,

destacam-se as visitas da princesa Elisabeth da Inglaterra e a Missão de Ensino chefiada

pelo prof. Simon, de Paris, e do Rei Alberto da Bélgica. Em 1940, já como Instituto

Biológico Ezequiel Dias, ficou marcado pela visita do então presidente Getúlio Vargas.

A renda advinda do Posto Antiofídico era tanto financeira quanto simbólica, mas

o Instituto não deixava de abrir outras frentes. Alguns medicamentos que o Instituto

produzia e revendia eram: Sulfato de cobre (tratamento da febre aftosa); Vacina contra o

“mal triste das aves” (tifose aviária); Soluto de urotropina (para o epitelcoma contagioso

das aves); Vacina contra a pneumoenterite dos bezerros ou “Peste dos Polmões”.

O Instituto continuava sua batalha de legitimação e participava de vários fóruns,

como a Exposição Pecuária de Belo Horizonte, em 1928, em que as atividades do

Instituto tiveram muito destaque.

As relações com o Estado se tornavam cada vez mais estreitas pelo Posto

Antiofídico e pelos exames microbiológicos, que, também feitos para particulares, se

tornariam uma “fonte magnífica de pesquisas e de fornecimento de matéria-prima, para

as diferentes seções do Instituto” (Magalhães, 1957:270).

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Uma enfermidade que seria objeto de estudo por muito tempo, principalmente

por Octavio Magalhães, era o tifo exantemático50

. Desde 1933 o médico fez uma

comunicação sobre a doença, publicando, ainda, uma enorme quantidade de artigos ao

longo da sua carreira.

Foi também em 1933 que Adolfo Lutz (1855-1940) teve uma importante

passagem pelo Instituto. O pesquisador procurava dados sobre a esquitossomose e fez

diversas viagens com os técnicos da Filial.

A bouba51

foi outra doença que teve estudo solicitado pelo Diretor de Saúde

Pública do Estado. Para a tarefa foi chamado Aroeira Neves, que se dedicou ao estudo

da enfermidade no norte de Minas Gerais, onde sua incidência era endêmica.

A esquistossomose foi uma outra enfermidade muito estudada. Depois da

estadualização, com o Instituto Biológico Ezequiel Dias, os estudos aumentariam

bastante, seguindo a demanda. Alguns municípios, como Belo Horizonte, solicitavam

exames do Instituto para a verificação da existência de “larvas”. Amilcar Vianna

Martins, Valdemar Versiani, Lívio Renault e próprio Octávio de Magalhães foram

nomes que se dedicaram ao estudo da parasitose.

Alguns estudos nas águas também seriam importantes na articulação do Instituto

Ezequiel Dias com os poderes públicos. Belo Horizonte e Araxá foram algumas cidades

que tiveram suas fontes analisadas pelo laboratório do Instituto, como mostram,

inclusive, alguns relatórios da Diretoria de Higiene do Estado52

.

50

A febre maculosa, ou tifo exantemático, é uma doença infecciosa causada pela bactéria Rickettsia

prowazeckii, transmitida pelo piolho. Sua sintomatologia é caracterizada por febre alta, fraqueza e

erupções na pele. (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa) 51

Doença tropical contagiosa causada pelo espiroqueta Treponema pertenue, caracterizada por lesões

cutâneas seguidas de erupção granulomatosa generalizada e, por vezes, lesões destrutivas tardias da pele e

dos ossos; framboesia, piã. (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa). 52

Tivemos acesso aos relatórios elaborados pelos Diretores de Higiene (em 1917) e, depois, por cuasa da

mudança na estrutura organizacional, em 1928, pelos Diretores de Saúde Pública (1927; 1928; 1930 e

1931; 1932).

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Octávio de Magalhães conta que, na década de 1930, o instituto passou a manter

um serviço de policlínica. O médico salienta a baixa estrutura, ao passo que havia a

necessidade de manutenção do serviço “para atender os casos de escorpionismo e

ofidismo, que começavam a crescer assustadoramente” (Magalhães, 1956: 277). Mesmo

assim, a prestação do atendimento sofreu muitas críticas. Magalhães afirma que a

policlínica “serviu de arma contra nós”.

Outro setor importante foi a Biblioteca do Instituto, que desempenhou um

importante papel no processo de profissionalização do campo médico em Belo

Horizonte. A Faculdade de Medicina, desde os seus primórdios, tinha algumas

limitações estruturais, e a biblioteca da Filial foi pólo importante para que médicos,

estudantes e pesquisadores pudessem se colocar em consonância com os mais recentes

debates na área.

A biblioteca teve um crescimento vertiginoso e foi objeto de bastante estima por

parte de seus diretores, desde os tempos de Ezequiel, situação que perdurou com a

administração de Magalhães.

Em 1922, ela contava com 1022 volumes encadernados, 535 para encadernar,

2522 teses diversas e a assinatura de 77 revistas. Em 1923, com 4079; 1926, com 5128

volumes; em 1933, 10161 volumes; em 1935, antes da estadualização, contava com

10598 volumes.

Os recursos para a biblioteca eram parcos, mas, mesmo assim, ela não deixou de

crescer, como mostram os progressivos números do acervo.

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VIII – O processo de estadualização

O processo de estadualização é, sem dúvida, um divisor de águas para o

Instituto, que via na nova situação uma possibilidade concreta do antigo desejo de

expansão. Mas a situação, como não poderia deixar de ser, produziu marcas e exigiu a

utilização da credibilidade acumulada por esse homens de ciência, para que o

desligamento de Manguinhos pudesse acontecer.

A questão das verbas era sempre destaque por sua escassez, seja material, seja,

até mesmo, para o pagamento de pessoal. Magalhães chega a afirmar que lançara mão

de créditos próprios para garantir o andamento de determinadas funções. A questão

orçamentária é tão recorrente, que vinha desde os tempos de Ezequiel, sendo inclusive

palco de um desentendimento com o mestre de Manguinhos, Oswaldo Cruz. A Filial se

fazia tão importante junto às autoridades mineiras, que conseguiu fomentar o projeto de

uma emenda que fazia com que as verbas viessem diretamente para o Instituto sem a

mediação de Manguinhos. O problema é que a verba seria retirada da própria matriz, o

que não agradou Oswaldo Cruz, que, em atitude radical, suspendeu toda a remessa de

material para Belo Horizonte. Magalhães fala que essa foi apenas uma questão interna

que seria resolvida sem maiores transtornos. Mas o tema dos recursos seria questão

recorrente, pois a filial se via atrofiada em virtude da falta de verbas, algo que abortava

qualquer possibilidade de crescimento.

Portanto, os relatos de memórias enfatizam a questão das verbas, que, por sua

escassez, emperrariam o desejo de fazer crescer a instituição e proliferar ainda mais os

estudos.

Houve uma forte “campanha” por parte do Instituto Ezequiel Dias com o

objetivo de fazer vingar o projeto de estadualização da Filial de Manguinhos. Para

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Magalhães, essa seria a única forma de crescimento, e a relação com o Estado,

solidificada desde a fundação, em 1907, seria mais um ponto a favor da tese.

Mas o desligamento foi um processo árduo cheio de negociações e estratégias

que deixaria algumas rusgas.

Em 1934, vendo o projeto em andamento, Chagas chegou a afirmar em uma

carta: “não posso deixar de extremar o meu pesar”. Se, em 3 de agosto de 1907, a filial

chegava sombreada pela imagem de Manguinhos, como uma casa de ciência em

expansão, a situação agora era outra. A década de 1930 marcou o crescimento dos

trabalhos e serviços, que, foi, contudo, acompanhado por uma escassez de recursos e

limitações estruturais. A estadualização seria uma aposta, um cálculo que desvincularia

a Instituição do peso da credibilidade do Instituto Oswaldo Cruz, mas era, naquele

instante, a solução encontrada por esses atores para crescer, ampliar-se, desenvolver-se,

segundo os relatos das fontes.

A transferência para o Estado seria então uma empreitada institucional e

burocrática, mas, também, simbólica.

A idéia de um instituto mineiro espalhava-se desde muito tempo na capital de

Minas. Em momentos diferentes, sempre vinha à tona. Em cada uma dessas situações

em que a idéia de uma instituição estadual retornava, havia uma ameaça constante à

parceria entre o Instituto Ezequiel Dias e o governo, que se tornara a principal fonte de

proventos com a contratação dos inúmeros serviços. Há o fato de que outros estados

tinham suas instituições próprias, ao passo que Minas continuava a depender de verbas

federais para a manutenção dos assuntos relativos às enfermidades e sua profilaxia,

tendo em vista a centralidade das ações do Instituto.

Outra questão importante era relativa à localização do Instituto. A Praça da

Liberdade, onde estavam as instalações do Instituto com entrada pela Rua da Bahia,

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seria motivo para uma forte oposição. Octavio de Magalhães fala da situação de forma

jocosa:

“Aquela Casa, pelos micróbios que continha, pelas doenças que

estudava, era um perigo coletivo no ponto onde se achava. Era

mesmo incrível que ela tivesse funcionamento junto ao Palácio

do Presidente, entre casas de honradas famílias. O mau cheiro

que dali se exala, só ele era capaz de matar um exército. Depois

que para ali se mudou o Colégio Isabela Hendrix, as pobres

meninas estavam morrendo intoxicadas...” (Magalhães, 1957:

324)

Juntamente a essa situação, cabe observar que, a partir da década de 1930, com a

Era Vargas, o Instituto Oswaldo Cruz também passa por grandes transformações, em

virtude do novo cenário político, econômico e social. Verifica-se um sério

estrangulamento financeiro de Manguinhos, devido principalmente à perda da

autonomia, fundamental para os recursos, o que tem como reflexo a insatisfação de

funcionários e a evasão de pesquisadores (Benchimol, 1990: 69). Não se pode esquecer

de que a década de 1930 também marca a mudança do paradigma institucional, em que

instituições fundadas com um caráter personalista, em grandes figuras da ciência,

passam a perder espaço para as Universidades.

Magalhães chegou a afirmar que o desejo de construir um “grande Instituto

mineiro” vinha desde 1923, quando assumiu definitivamente a direção. Mas a idéia

demorou a tomar forma, e, em meados de 1930, havia um contexto institucional,

político e da própria ciência biomédica que pudesse torná-lo realidade. É óbvio,

também, que os médicos do instituto haviam acumulado credibilidade suficiente para

ser colocada em sua derradeira prova com um empreendimento dessa grandeza, que

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envolveria amplos interesses. Tal credibilidade seria a única capaz de mostrar a

abrangência das redes que o instituto havia formado ao longo de quase três décadas.

O resultado disso foi a atuação fundamental da bancada mineira naquilo que

seria a Lei nº 164, que passava para os poderes do Estado o Instituto Ezequiel Dias, e,

depois, na Lei Estadual sob o nº 163, sancionada em 13 de novembro de 1936. O

Instituto passaria a se chamar Instituto Biológico Ezequiel Dias.

O regulamento, em seu Art. 1º, estipula que o Instituto Ezequiel Dia,

“reorganizado pela lei estadual nº 103, sob a denominação de ‘Instituto Biológico

Ezequiel Dias’, constitui, com o seu pessoal e instalações, departamento de serviço

diretamente subordinado à Secretaria de Educação e Saúde Pública”. O regulamento se

destaca pela manutenção dos antigos serviços e, principalmente, pela inserção do ensino

como tarefa do Instituto, ao qual cabia “a organização de cursos de saúde pública e de

aperfeiçoamento dos estudos que lhe competem”, além da “colaboração com institutos

científicos e de ensino, para melhor preenchimento dos seus diversos encargos e

especialmente com a Escola de Veterinária do Estado, nesta capital, à qual abrirá os

seus cursos e laboratórios” (Magalhães, 1957: 352-353).

Na idealização ficaram claras as grandes influências no Instituto Pasteur de

Paris, do Instituto Oswaldo Cruz e do Butantan. Pelas divisões departamentais e

complexidades das funções, a grandiosidade do projeto era evidente. Além da Diretoria,

haveria os seguintes departamentos: Administrativo, Defesa Humana, Ensino e

Divulgação, Microbiologia, Parasitologia, Soroterapia e Vacinoterapia, Anatomia e

Fisiologia Patológicas, Química, Defesa Animal, Defesa Vegetal e Microbiologia

Aplicada às Indústrias. Para agregar todos estes serviços, seriam construídos pavilhões

por onde eles estariam distribuídos.

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A passagem para o poder estadual foi um momento de grande entusiasmo e

expectativas de que sonhos antigos pudessem agora se efetivar. Algumas mudanças e

novidades ajudavam a promover certo clima de euforia.

Uma inovação foi a criação das Memórias do Instituto Biológico Ezequiel Dias,

cujo primeiro número seria publicado em 1937. A intenção da publicação era constituir-

se um periódico importante para trabalhos originais produzidos em terras mineiras.

O ano de 1936 marca, também, o fim do contrato com o Instituto Vital Brasil e a

tentativa de auto-suficiência na produção do soro antiofídico. No ano seguinte,

Magalhães dava a seguinte informação sobre o assunto:

“conseguimos enviar aos fazendeiros, para campanha

antiofídica, cerca de 1988 tubos de soros feitos nos nossos

laboratórios, com os nossos próprios recursos, devido à

colaboração eficiente e dedicada do assistente contratado,

Osvino Pena Sobrinho” (Magalhães, 1957: 421).

Contudo, houve, entre 1935 e 1939, um sensível decréscimo no envio de cobras

venenosas, o que ainda prolongou por certo tempo a relação interinstitucional com o

instituto carioca, na exigência de uma complementação de tubos de soro.

As novas instalações estavam sendo construídas em um terreno no bairro da

Gameleira. O espaço era muito extenso, e as plantas do novo Instituto Biológico

mostram como o sonho de Octávio de Magalhães era grande. Talvez por conta disso, ele

tenha feito um cálculo superestimado de todos os interesses que estavam envolvidos

nessa transferência para o Bairro Gameleira.

Para alguns, seriam sonhos que, de tão altos, colocaram um véu nas

determinações políticas e pragmáticas que sempre rondam os assuntos de saúde pública.

Diante do novo cenário, com o modelo institucional criado por Oswaldo Cruz dando

sinais de fraqueza diante das novas posturas políticas e da ascensão das universidades,

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que passam a se tornar centros de ensino e pesquisa, a partir da década de 1930, o

cálculo de Octavio, para sua idéia de ciência, não conseguiu se acomodar nos novos

contextos, demandas e interesses dos próprios atores políticos que compunham a cena

em Minas Gerais.

Fato é que, em 20 de setembro de 1941, Octávio de Magalhães fica sabendo,

através do Minas Gerais, da grande reforma promovida por Benedito Valadares.

Antônio Valadares Bahia, parente de Benedito assumiria a direção do órgão que

mudaria de nome – Instituto Bioquímico do Estado de Minas Gerais. Textualmente está

colocada a “necessidade de se transformar o Instituto Biológico Ezequiel Dias em um

centro de fabricação de soros e vacinas que satisfaça as necessidades de consumo do

estado” (Minas Gerais, 20 de Setembro de 1941:2). Magalhães seria rebaixado a Diretor

técnico. Não concordando com o andamento da situação, pede exoneração em 23 de

setembro de 194153

.

Através do percurso histórico do Instituto Ezequiel Dias, como filial de

Manguinhos, procuramos explorar a trajetória de uma instituição em determinado

contexto. O Instituto teve papel ativo no processo regional de legitimação do paradigma

microbiológico: nas suas relações interinstitucionais, nos serviços prestados, na

Instituição que simbolicamente representava os novos modelos.

Cabe pensar de que forma essa trajetória institucional foi importante para

colocar o Instituto em conexão com diversas discussões, projetos e desejos no interior

53

Com o afastamento do Instituto, Octavio de Magalhães se dedicaria a sua carreira na Faculdade de

Medicina. Exerceu o magistério durante 47 anos e foi aposentado pela compulsória de 1960. Foi reitor da

Universidade Federal de Minas Gerais entre 1949 e 1952 e teve participação ativa na federalização

(Magalhães, 1976).

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da Primeira República, em nível nacional e regional, e de que forma tudo isto era

mobilizado no interior do laboratório.

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Capítulo 3 – Escorpiões, cobras e micróbios: os híbridos

e as redes científicas do Instituto Ezequiel Dias

No presente capítulo pretende-se fazer uma ordem inversa na história do

Instituto Ezequiel Dias. Anteriormente, o percurso histórico da instituição foi

enfatizado, assim como suas redes, seu crescimento físico, a complexidade de atuações

que se corporificou ao longo do tempo nas relações com o governo e com outras

instituições médicas, a credibilidade obtida – esta, capaz de arregimentar aliados e

afastar opositores na tarefa imperiosa de tornar o espaço institucional importante para

amplos setores, além de legitimar o paradigma microbiológico na cidade moderna.

Porém, o trabalho com as fontes mostrou a necessidade de se situar

historicamente a trajetória dessa instituição, entre 1907 e 1936, para além de seu espaço

físico e suas relações interinstitucionais. Determinados referenciais socioculturais são

importantes para enraizar a atuação da Instituição e de alguma forma interligá-la a

outros temas importantes que estavam na pauta política do momento. Acredita-se que o

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crescimento do Instituto é resultado, também, de uma bem elaborada leitura histórica e

cultural do contexto regional mineiro e nacional, feita por homens de ciência,

encabeçados por Ezequiel Dias e Octavio Magalhães. Dessa forma, seria importante

indagar: qual leitura teria sido essa? De que forma ela foi importante para a história da

Instituição? Como esse contexto estrutural tornava-se parte integrante e vital da

atividade científica e do processo cotidiano de luta pela construção e aceitação dos fatos

científicos?

Nossa análise pretende evidenciar de que forma tais homens de ciência foram

importantes na projeção e na prática de estratégias que, de alguma forma, pretendiam

valorizar a Instituição da qual faziam parte, optando por inseri-la em uma discussão a

respeito da saúde no período.

Portanto, procura-se delinear de que forma a história do Instituto Ezequiel Dias

teve como divisor de águas o ano de 1918, com a criação do Posto Antiofídico. Em um

primeiro momento, poder-se-ia pensar que a criação desse Posto não seria mais do que

natural, já que o problema dos animais peçonhentos era um assunto relevante no

contexto da capital de Minas. Entretanto, de forma sui generis, o serviço rompeu as

barreiras da caça às temidas cobras e aos aterrorizantes escorpiões.

Como um setor estratégico do Instituto, posto que garantia uma grande

credibilidade acumulada através das relações com amplos setores (população em geral,

setores ligados às forças produtivas mineiras e ao próprio governo estadual), teve

também outros propósitos. Além de “fonte” de acumulação de um capital científico, o

Posto Antiofídico e depois o Serviço Antipeçonhento, foi capaz de fazer uma

interligação peculiar entre o Instituto e a luta pelo saneamento do Brasil, assunto que

estava na pauta do campo médico, principalmente a partir do final da década de 1910, e

que pretendia garantir um novo lugar para a saúde. Dentro do projeto de nação que se

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desenhava e que seria colocado em prática, no contexto dos sonhos e desejos de uma

intelectualidade da Primeira República, muitos médicos faziam parte, como

interlocutores e, principalmente, artífices, de tais projetos de nacionalidade. O Instituto

Ezequiel Dias inseriu-se nessa discussão ampla, através do Posto Antiofídico. Como se

verá a seguir, as viagens científicas em busca de cobras e escorpiões consubstanciaram-

se, em muitos momentos, numa ávida discussão a respeito do papel da saúde, da

educação, do aprimoramento das redes de transportes para a construção de uma Minas

interligada a uma nação que deveria incluir os mais recônditos lugares.

A idéia de uma nação saneada fazia parte de uma “ideologia da construção

nacional” (Castro Santos, 2003) que pretendia ligar os sertões do Brasil aos grandes

centros de decisão nacionais – unir sertão e litoral, romper a fragmentação, constituir

um amálgama e, assim, incluir o território perdido no fluxo do progresso civilizatório.

Assim, no âmbito nacional, a saúde se tornara pauta das discussões por um

conjunto de fatores que fizeram do tema importante para se pensar/repensar a nação. O

ano de 1918 pode ser considerado emblemático nesse processo em que a historiografia

sobre o tema se resume da seguinte forma: nos textos publicados por Belisario Penna a

respeito das viagens científicas, promovidas desde o início da década de 10, no Instituto

Oswaldo Cruz; a publicação no jornal O Estado de São Paulo, em 1914, dos Contos

Urupês e Velha Praga, de Monteiro Lobato, que traziam à cena o Jeca preguiçoso e

degenerado, e sua conseqüente reviravolta com a inserção de Lobato no movimento

sanitarista e de seu pedido de desculpas ao Jeca, que, semelhante ao próprio Brasil, “não

era assim, estava assim”; o discurso de Miguel Pereira proferido em 1916, mas que

repercutia nos anos subseqüentes e proclamava que “O Brasil é um vasto hospital”,

precisando ser assim saneado, libertado desse mal que era a doença que assolava os

mais distantes lugares e fazia do interior uma profusão de idiotas e opilados; da

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epidemia de Gripe Espanhola, nesse mesmo ano de 1918, que chegou ao Brasil no

segundo semestre, que por sua tragicidade de caráter epopéico, provocaria um

questionamento de nossa saúde pública e suas instituições em âmbito nacional e

regional (Hochman, 1993; Hochman 1998; Hochman e Lima 1996; Lima e Hochman,

2004).

O interessante é que, quando se observa o contexto mineiro da Primeira

República, vemos, também, um projeto regional que tentava unir uma Minas

fragmentada. Iniciativa que, se, por um lado, está inserida nesse constante repensar das

bases republicanas a partir da mudança de 1889, por outro, tem questões muito próprias

da situação sociohistórica mineira. Pode-se dizer que o contexto mineiro tem que ser

analisado em consonância com todo esse projeto nacional, mas que não se pode perder

as nuances históricas que fazem de Minas e suas dessemelhanças econômicas, culturais

e até geográficas um caso a parte nesse processo maior da Primeira República brasileira.

Nosso objetivo é também dar o tom e a forma da interlocução promovida entre

os homens de ciência e a percepção de um projeto regional mineiro de desenvolvimento,

que pretendia garantir uma “substância econômica” ao Estado e que se pautava na união

pela diversidade de Minas (Faria, 1992). Projeto este assumido não apenas por um setor

dominante e hegemônico, mas por um conjunto de setores produtivos representado e

legitimado por várias entidades, como a Sociedade Mineira de Agricultura (instituição

articuladora da criação do Posto Antiofídico) e que, com outras, sintetizava os interesses

de várias “classes conservadoras”54

de executar tal idéia de desenvolvimento do Estado.

54

De acordo com Faria (1992), “Classes conservadoras” é uma nomenclatura de auto-referência bastante

usada por esses setores, que se encontravam em uma posição de destaque no espaço público, de gestão

administrativa e discussão, e, algumas vezes, de reivindicação, nas diversas esferas da vida mineira. A

expressão classes conservadoras é importante, pois é assim que a encontramos na realidade histórica

mineira do período. No Minas Gerais é dessa forma que agricultores, comerciantes, industriais,

banqueiros e todos aqueles que se ligavam ao mundo da produção se intitulavam. Em um primeiro

momento, isso pode passar a idéia de um bloco monolítico, o que não condiz com a verdade. Tendo em

vista que, durante o período, elas encontraram até mesmo interlocutores que foram salutares aos seus

anseios (como o Estado, a classe política e alguns setores sócias), embora tivesse também seus

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Tal projeto também necessitava de bases de apoio, das quais uma, não por acaso, era a

ciência. Sua efetividade também dependia da derrubada de alguns obstáculos que se

tornavam mais evidentes quando se constatava uma pluralidade de Minas, a “um só

tempo geográfica, econômica e política”, que nesse instante funcionava como entrave

ao desenvolvimento.

Diante dessa situação particular mineira, em que não havia um setor produtivo

único, mas vários que eram importantes na sinuosidade dos acordes para os assuntos

políticos e econômicos, a questão da saúde foi tratada também aqui de forma

diferenciada, embora não estivesse ausente do intenso debate que acontece a partir de

1918. O trabalho de Faria (1992) é importante na tarefa espinhosa de tentar delinear as

articulações políticas, econômicas e sociais promovidas pelos setores produtivos junto

ao Estado de Minas Gerais, para colocar em prática esse projeto de desenvolvimento

mineiro. Para o nosso caso, trata-se de algo importante, pois a partir dessas outras

questões que estavam sendo debatidas e desses inúmeros interesses que tornavam

ciência mais que um apêndice do social, pode-se perceber a historicidade da atividade

científica em Minas relativamente ao Instituto Ezequiel Dias. Assim, o que se quer

desenvolver é o seguinte raciocínio: se 1918 é um ano chave no Brasil, devido às

questões levantadas, ele é também importante para a discussão da atuação do governo

do Estado de Minas nos assuntos referentes à saúde. E o Instituto Ezequiel Dias era um

elo importante, posto que peça chave, com seus serviços, no ritmo das questões nesse

setor e, nesse mesmo ano, com o tão propalado Posto Antiofídico.

Na tentativa de escapar de uma perspectiva que possa vir a julgar o papel do

Estado de Minas Gerais no período a partir de critérios de eficiência e ineficiência,

pretende-se pensar que 1918 inaugura um ínterim simbólico para a questão da saúde,

antagonistas (seja logo no início da república com restauradores monarquistas, seja posteriormente, com

iniciativas separatistas de setores mineiros).

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que vai até 1927, com aprovação da chamada “Grande Reforma” do Serviço Sanitário e

que amplia e torna mais complexa a idéia de uma Minas saneada em toda a sua

pluralidade, nos mais distantes lugares. A complexidade do sistema sanitário pensado

em 1927 fez notar o amplo leque de mobilizações empreendidas pelo campo médico

durante esse período de quase uma década.

E as cobras e escorpiões: como se incluiriam nesse processo intricado de

acontecimentos?

Vemos, então, dois projetos em curso, que, se não estão diretamente

relacionados, se entrecruzam na realidade histórica: um projeto de nação em âmbito

nacional; outro, de desenvolvimento de Minas em âmbito regional. E a questão da saúde

passaria como feixe transversal entre ambos. Cobras e escorpiões seriam como seres

híbridos que transitariam entre um e outro. Em certos momentos flutuariam nesse

circuito que pretendia uma nova nação, uma nova Minas Gerais, e, de alguma forma,

legitimar uma nova ciência sob os auspícios da microbiologia. Eram como porta-vozes

dos médicos que os levaram ao laboratório para transitar por esse grande circuito e, em

outros momentos, funcionariam como ponto de afluxo de interesses, ao mesmo tempo

esotéricos e exotéricos. Um deles, não menos importante para esses homens de ciência,

era tornar o Instituto Ezequiel Dias um lugar de prestígio e importância na Saúde

Pública em Minas Gerais.

A ciência opera com tempo e espaço contingentes. Mais que isso, os médicos do

Instituto fizeram valer a natureza e sociedade como categorias que não estavam dadas.

Se amplas questões do ponto de vista macroestrutural estavam sendo elaboradas, foi

com essa contingência que esses médicos tiveram que trabalhar e levar para o interior

do laboratório os processos árduos de produção e legitimação dos fatos científicos (o

micro) com a sociedade em construção (o macro). Não é como partes distintas que se

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quer promover sua mistura. Se a sociedade é levada a todo instante ao interior do

laboratório, ela não é algo que apenas se mistura, mas parte integrante, inextricável,

constituinte da própria atividade científica (Fleck, 1986; Latour, 1994, 2000, 2001).

Assim, os cientistas, em vez de girar em torno de seus objetos, “faziam girar os

objetos em torno deles”, tornando-os capazes de falar e interagir. Rompendo a

dicotomia sujeito-objeto, esses não-humanos

“são, como venho postulando desde o início, atores cabais em

nosso coletivo; compreenderemos, enfim, por que não vivemos

numa sociedade que olha para o mundo natural exterior ou num

mundo natural que inclui a sociedade como um de seus

componentes. Agora que os não-humanos já não se confundem

com objetos, talvez seja possível imaginar um coletivo no qual

os humanos estejam mesclados com eles.” (Latour, 2001:201)

Cobras e escorpiões estão, dessa forma, destituídos da mera atribuição de objetos

científicos. Estão mais para o limite de “quase-objetos”, são transformadores:

“São reais, bem reais, e nós humanos não os criamos. Mas os

coletivos, uma vez que nos ligam uns aos outros, que circulam

por nossas mãos e nos definem por sua própria circulação. São

discursivos, portanto, narrados, históricos, dotados de

sentimento e povoados de actantes com formas autônomas. São

instáveis e arriscados, existenciais e portadores de ser.” (Latour,

1994:88)

Dessa forma, tentaremos percorrer os meandros dessa interação entre humanos

(médicos do Instituto Ezequiel Dias) e não-humanos (cobras, escorpiões), suas relações e

a que interesses ela serviu.

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I - A aliança entre o Instituto Ezequiel Dias e as “classes conservadoras”: a ciência

e o projeto de substância econômica para Minas Gerais

Uma questão importante, a ser debatida, é o fato que o Posto Antiofídico foi

criado por indicação da Sociedade Mineira de Agricultura (SMA), instituição

importante e agregadora das forças produtivas no Estado, a qual teve uma atuação

decisiva não apenas nos assuntos econômicos, mas também porque suas sessões foram

palco de importantes debates a respeito de diversos assuntos, dentre os quais a saúde.

Bem interessante é como a idéia foi parar na SMA por meio de uma carta do

escritor Gustavo Pena, que havia escrito um artigo intitulado “Uma hora agradável entre

cobras e escorpiões”55

, após sua passagem pelo Instituto. Magalhães, em seus ensaios,

dá o tom das diversas alianças promovidas para que a criação do posto fosse

concretizada:

“O trabalho de propaganda da idéia, principalmente do Dr.

Gustavo Pena, homem de grande projeção na sociedade

mineira, foi realmente de muita eficiência. Ezequiel Dias, por

outro lado, procurou entrar em entendimento com o governo

mineiro e com o Dr. Vital Brazil, ilustre fundador e diretor do

Instituto Butantan”. (Magalhães, 1957: 196)

O trabalho de construção e solidificação das redes foi bem sucedido. A

aproximação com a SMA não poderia ter maior valia. A força dessas relações e a

credibilidade que Ezequiel adquiriu para o Instituto podem ser percebidas através da

coluna que a SMA tinha no Minas Gerais em que ele reproduz os agradecimentos do

microbiologista por fazer valer a idéia da criação do Posto Antiofídico:

“O sr. dr. Ezequiel Dias, Diretor da Filial do Instituto ‘Oswaldo

Cruz’, instalada nesta Capital, dirigiu ao presidente da

Sociedade, sr. dr. Francisco Salles, em data de 26 do mês findo,

o seguinte ofício:

55

Infelizmente, apesar de muito “famoso” e citado, o artigo de Gustavo Pena não foi localizado.

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‘Comunico a V. Exc. Que os poderes públicos do Estado de

Minas Gerais autorizaram o início dos trabalhos da seção

antiofídica deste Instituto.

Tendo sido a Sociedade Mineira de Agricultura um dos

mais fortes elementos propulsores dessa idéia, peço vênia

para congratular-mo com V. Exc. e os dignos consórcios,

aproveitando ainda o ensejo para solicitar novamente o seu

precioso apoio para a execução do nosso programa de

serviço.

Agradecendo cordialmente a generosa simpatia que essa

progressista Sociedade costuma dispensar a este Instituto,

aguardo com prazer as suas ordens e apresento a V. Exc. os

meus protestos de elevado apreço e consideração’”. (Minas

Gerais, 1 de fevereiro de 1918: p. 6) (grifo meu)

Pelo ofício de Ezequiel Dias se vê claramente de que forma a SMA foi

fundamental para colocar a sua credibilidade à prova e a favor da criação do Posto.

Ezequiel, focaliza a importância do apoio da SMA. Ele não se priva de solicitar que

assim se continuem os prolongamentos dos trabalhos, preocupando-se em fazer a

manutenção constante do seu circuito de apoio, para que funcione bem e continuamente.

Para a compreensão da aliança entre os setores reunidos nas chamadas “classes

conservadoras” e o Instituto Ezequiel Dias, é vital a percepção de como estavam

articulados os setores produtivos em Minas Gerais e de que forma eles buscavam a

legitimação junto aos poderes públicos.

Diferentemente de São Paulo, onde a representatividade dos interesses de classe

eram bem perceptíveis, até pela conformação econômica da região, em Minas isso não

se desenrolava dessa forma, pois a articulação entre o mundo da política e o da

produção mostrou-se bastante complexa (Faria, 1992).

E o que distinguia a situação de Minas?

Primeiramente, é importante falar da própria diversificação espacial. Já se

dividia em sete regiões (Centro, Norte, Sul, Leste, Oeste, Triângulo Mineiro e Zona da

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117

Mata)56

, com diversidades econômicas e políticas. Desde o período colonial a geografia

tinha sito utilizada para que o território fosse mantido isolado, o que acabou acentuando

diferenças regionais que tiveram que ser absorvidas pelo governo e pelo imaginário

popular. A questão chegou a tal ponto, que logo no início do período republicano houve

uma ameaça de rompimento da unidade de Minas, como a proposta de criação do estado

de Minas do Sul, que englobaria as regiões do Sul e da Mata (Faria, 1992: 88).

O caminho encontrado para vencer esses obstáculos, construídos historicamente,

ligam-se à idéia de que existe uma “Minas pátria”. A solução política forjou uma idéia

de um “patriotismo estadual”. Diante da ameaça de desagregação era preciso forjar uma

idéia de uma Minas que se unisse pela pluralidade. Um Estado uno, mas diverso.

Do ponto de vista econômico, Minas entra na República com uma economia

altamente diversificada. Tal situação impedia que um único setor, como, por exemplo, o

cafeicultor, dominasse a economia.

Ao analisar essa situação, Faria levou às últimas conseqüências a idéia de que

“Minas são muitas” e acabou por encontrar uma variedade de forças produtivas e seus

interesses, complexidades na relação com o poder e na própria noção do Estado

representante de diversos setores. Se, no começo da República, a ameaça da

fragmentação foi solucionada lançando-se mão de uma cultura política mineira, forjada

a partir de uma unidade na diversidade, posteriormente o problema foi a inexistência de

um projeto de desenvolvimento que precisaria ser efetivado.

A construção do Estado na forma Republicana precisou encarar tais

dessemelhanças do território e fazer delas um fator para a promoção de um amálgama.

Quanto ao poder público em Minas, diante do fato da inexistência de um setor

apenas, transformou-se, ao longo do tempo, em instância catalisadora de diversos

56

Faria salienta que na Primeira República não havia uma carta fisiográfica do Estado que possa ser

utilizada com precisão, pois os limites zonais variavam muito. Esta divisão em 7 regiões era de uso mais

corrente na imprensa, documentação oficial e na literatura sobra a época (Faria, 1992:39).

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interesses econômicos que se viam numa relação “mediatizada por uma espécie de

intelligentsia, que se abrigava em entidades como a Sociedade Mineira de Agricultura e

Associações Comerciais, para ampliar e legitimar o projeto de desenvolvimento

proposto e executado pelo Estado” (Faria, 1992: 11-12).

Essas mesmas “classes conservadoras” colocaram em execução um projeto de

desenvolvimento que partia do princípio de que Minas deveria se unir a partir da sua

diversidade, o que se consubstanciou no privilégio a setores como a agropecuária

diversificada. Tal empreendimento estava alicerçado em diversos pontos, como a

criação de entidades que fornecessem o arcabouço desse projeto, tal qual a própria SMA

relativamente ao ensino agrícola e aos congressos setoriais.

Desde os tempos passados, identificavam-se dois blocos no território: a minas

barroca, das cidades coloniais sob a égide da economia aurífera; e as gerais do campo,

do sertão, dos territórios escondidos. Era preciso agrupar esses blocos, e as tentativas de

modernização são provas de tal empreitada materializadas na transferência da Capital

para Belo Horizonte, oficializada em 1897, que viria a ser a síntese das Minas e das

Gerais, por sua centralidade no território e pela força simbólica que a urbe passaria a

adquirir.

Os médicos do Instituto não deixaram de fazer a leitura desse turbilhão de

desejos. Poderiam fazer a ciência uma aliada importante para a efetivação desses

diferentes e complexos projetos para a Minas que se desenhava a partir do advento da

República. Neste sentido é que as “bandeiras” da ciência, tão propaladas por Ezequiel

Dias e Octávio Magalhães, adquiriram uma força simbólica ainda mais forte pelas

montanhas mineiras. Elas eram símbolo de uma ciência que não se fazia apenas

misturada ao contexto político mineiro, mas como parte constituinte e que partilhava

das vicissitudes impostas pela realidade histórica.

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Significa dizer que sair da Rua da Bahia para os sertões de Minas era muito

mais que buscar cobras e escorpiões. Era uma luta pela incorporação de um território

que estava arredio a essa história em movimento, que, por seu lado, se pretendia

modernizadora, embora requeresse a transformação desses espaços através do

saneamento. Mais que isso, desbravar uma Minas desconhecida era fazer parte de um

coro orquestrado por vários sujeitos históricos que solicitavam de amplos setores a

colaboração na União de Minas pela diversidade e no desenvolvimento do Estado, que

não poderia deixar de contar com a valorosa contribuição da ciência.

A partir da constatação do caráter político do ofício científico no seu cotidiano,

fica mais claro o apoio do Estado, como um aliado, no crescimento do Instituto

Ezequiel Dias. E, como não poderia deixar de ser, cobras e escorpiões também foram

portas-vozes desse projeto de desenvolvimento que se concretizava através de alianças

culturais, econômicas, políticas e cientificas.

Prova dessas alianças é a construção do mapa de distribuição geográfica das

cobras recebidas pelo instituto ao longo das décadas de 1920 e 1930 (Ver mapa na

página seguinte).

As cobras recebidas e coletadas são distribuídas de acordo com a região de

proveniência. O objetivo pode parecer óbvio, em um primeiro momento: organizar a

distribuição das espécies de cobras pelo território de Minas. A questão é que, frente ao

nosso olhar, tal artifício científico não pode ser retirado do processo que transcorria.

Minas era um Estado de regiões, com subdivisões e cidades perdidas e não mapeadas.

Diante dessa situação, o fato de que, simbolicamente, as cobras substituiriam esses

territórios recônditos adquire uma força muito maior do que qualquer ímpeto de

organização puramente científica ou burocrática: ganha contornos de um Estado que

lutava para se unir e que encontrava obstáculos em sua própria conformação espacial e

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política. Nesse período em que se pretendia unir, transformar e modernizar, um mapa

era muito menos taxionômico do que político e simbólico. É a ciência se fazendo prática

e contribuindo para desbravar, mas, também, para solidificar elos, construir redes. Era a

busca de uma Minas que se unia de forma bastante peculiar na atividade científica,

através dos peçonhentos. Para além de um estado fragmentado, abdicava-se de seus

contrastes históricos por uma unidade agora científica: materializada simbolicamente na

distribuição dos peçonhentos por essa Minas em construção.

Mapa da distribuição geográfica das cobras recebidas pelo Instituto Ezequiel Dias.

Fonte: Centro de Memória da Fundação Ezequiel Dias

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I. 1 - A Sociedade Mineira de Agricultura: mais um ponto de afluxo de uma

grande rede

No ano de 1909 foi fundada a SMA em Belo Horizonte57

. Diante do projeto que

se pretendia para o Estado, tornar-se-ia uma instituição vital no associativismo em

Minas, e seu caráter agregador ficaria latente ao longo de sua atuação. Diante das

conformações históricas, “a entidade se definiu, também, como um lugar social da

enunciação do discurso revelador do projeto de desenvolvimento econômico mineiro”

(Faria, 1992:124).

A SMA caracterizava bem a tônica da forma pela qual se distribuíam os setores

produtivos em Minas, abrigando assim as auto-referidas “classes conservadoras”.

Apesar de o ruralismo mineiro ter encontrado na SMA uma instância de representação

importante, seus quadros refletiam a diversificação, e até profissionais liberais e

membros da Igreja Católica, ainda que em menor escala, compunham-na.

Apesar de ser uma entidade civil, suas ligações com o poder se faziam presentes

e necessárias, na medida em que era preciso dar efetividade aos interesses que lá dentro

circulavam. Se não havia uma coincidência automática de interesses, a vinculação não

deixava de existir, tendo-se em vista que

“O perfil biográfico de mais da metade de seus diretores

demonstrou que a entidade abrigava, em seus quadros

dirigentes, grupo considerável de políticos – empresários que

transitavam com desenvoltura entre as esferas dos setores

público e privado. Foi esta ‘intelligentsia’ que mediatizou as

relações entre o mundo da produção e o Estado, colaborando

decisivamente com este na elaboração do projeto de

desenvolvimento”. (Faria, 1992: 135)

57

De acordo com Faria, a SMA seguia também uma tendência do associativismo nacional. Em 1897 foi

fundada a Sociedade Nacional de Agricultura. Tal como sua congênere, a SMA pretendia ser

suprapartidária, privilegiando a organização civil (Faria, 1992).

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Contudo, é importante salientar que a participação das autoridades não se

restringia aos cargos de direção, pois, junto com representantes da Igreja e autoridades

municipais, estabeleciam uma relação simbiótica entre a entidade e o poder estadual.

A instituição também procurava seus aliados na tentativa de compor suas redes.

Teve relações estreitas com as municipalidades, com comissões específicas para

intermediação, a partir de 1916. Dessa forma, ratificava-se, novamente, a idéia de que

a Minas modernizada apenas seria erguida através da união do todo fragmentado.

Demonstrativo da capacidade arregimentadora da SMA era o fato de que ela

tinha espaço cativo no Minas Gerais (órgão de divulgação oficial do Estado).

As discussões promovidas dentro da SMA também encontravam eco em revistas

ligadas aos setores agrícolas em um Boletim Mensal.

Até pela natureza da entidade, a relação com a Secretaria de Agricultura58

instância em que foi estabelecido o contrato com o Estado para a criação do Posto

Antiofídico em 1918, no Instituto Ezequiel Dias – também era muito forte. Mas Faria

salienta que não havia um compromisso tácito de apoio. Houve, também, momentos

de denúncia e reivindicações, como a crítica ao insucesso das cooperativas agrícolas

que só teriam existido entre 1908 e 1914. Numa nova fase dessas relações, a partir dos

fins da de década de 1920, houve uma crítica mais sistemática à atuação do Estado no

setor econômico, principalmente a parir do Congresso Agrícola de 1928.

A SMA fez uma sistemática campanha em prol do ensino agrícola, pois,

segundo alguns de seus membros, era preciso ensinar o sertanejo a cuidar da terra e a

produzir. Trabalho e educação eram questões que caminhavam juntas, havendo a

insistência relativa à necessidade um ensino que fosse suficientemente prático,

58

Foi criada em 1891 e, em 1901, foi suprimida. Em 1910 seria criada a Secretaria de Agricultura,

Indústria, Terras, Viação e Obras Públicas (Faria, 1992: 144).

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fundamentado na observação in loco, que se distanciasse de um ensino clássico e

bacharelesco. Neste sentido, técnica e ciência seriam colocadas em sintonia para

modificar o cenário rural mineiro59

.

A partir dessa análise feita por Faria da SMA, seria importante perceber, no que

tange ao presente trabalho, como a ciência passava a exercer novas definições no

cotidiano desse trabalhador, sendo responsável por mudar práticas, por salvá-lo da

ignorância através da higiene e do saneamento, mudando a casa, transformando o

privado, as práticas culturais, incidindo nos corpos. Era precioso fugir do paradigma

racial60

que viesse a inviabilizar a recuperação desse homem degradado pelas

contingências históricas e culturais. O momento é de cobrar uma ação pública e

efetivamente capaz de modificar a inserção desse sujeito nos projetos que saíam do

nível discursivo e se transformavam na/pela prática.

Cabe salientar como o Instituto Ezequiel Dias e o próprio campo médico em

Belo Horizonte tiveram relações muito próximas com a SMA. Ela se constituía em um

espaço privilegiado, não apenas por sua condição agregadora de importantes setores

econômicos, mas por suas relações com o poder público que não apenas a faziam um

braço do Estado, mas também por ser uma entidade capaz de mobilizar diferentes

atores e torná-los capazes de pautar reivindicações e mudanças na atuação do governo.

59

Faria, em A política da Gleba, salienta a ciência como item importante das discussões da SMA, mas

atrelada à relação com o processo produtivo, até por sua abordagem de “caráter mais econômico”.

Consideramos que nosso objetivo aqui é dar uma maior ênfase a essa relação, até pelo trabalho

empírico que mostrou as recorrentes aproximações entre a história do Instituto Ezequiel Dias e da

SMA. 60

Faria salienta uma tendência dentro da SMA de pensar a questão racial ainda a partir de um

paradigma racial ortodoxo, que privilegiava uma depuração étnica através da inserção de imigrantes

(mulheres) brancas. No que se refere a esse assunto, tendemos a concordar com De Luca, em análise

das oscilações da intelectualidade na Revista do Brasil relativa a novas concepções que assegurariam a

nossa redenção através da ciência e, em outros momentos, o retorno de análises que enfatizavam a

necessidade da limpeza seja através de políticas imigrantistas e até mesmo eugênicas. Para interpretar

tal contradição, a autora utiliza a idéia de um pensamento pendular, que caracterizaria intelligentsia na

primeira República e que, consideramos, pode também ser aplicado às variações discursivas no interior

da SMA: “A tendência aqui era valorizar o sertanejo, sua adaptação ao meio e criatividade no

aproveitamento dos recursos naturais. Porém, tais fronteiras estavam longe de ser rígidas uma vez que

os espaços de interseção variavam com as circunstâncias, sendo mais apropriado recorrer à imagem do

movimento pendular, com as suas infindáveis oscilações” (De Luca, 1999: 195).

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Por esse caráter, seria um espaço fundamental para o processo de acumulação de

capital científico, vindo a incrementar a discussão que, se por um lado reivindicava

mudanças nos assuntos de saúde no Estado e no Brasil, por outro, demonstravam a

tentativa do campo médico de buscar autoridade científica suficiente para postular

transformações práticas nesses assuntos.

As fontes dão bem a tônica de como a questão da saúde foi importante nas

sessões da SMA. Em uma delas, pelos idos de março de 1918, com a presença de

figuras importantes do meio médico mineiro, como Samuel Libânio e Eurico Villela,

houve um intenso debate a respeito da situação sanitária de Minas Gerais. A discussão

deixa claro que a SMA pretendia cobrar dos poderes públicos a posição de Minas

Gerais na Liga Pró-Saneamento que se organizava nacionalmente. Belisário Penna,

crítico contumaz da posição do governo, encaminhou um ofício à entidade:

“Em nome da Liga Pró-Saneamento do Brasil, venho felicitar

calorosamente à Sociedade Mineira de Agricultura pela

iniciativa que tomou de solicitar do governo do Estado

providências imediatas em bem da saúde de nossos patrícios,

horrivelmente prejudicados por várias endemias, evitáveis

todas, e curáveis muitas delas, sendo a causa primordial do

pouco desenvolvimento econômico do nosso Estado, apesar

dos tremendos sacrifícios realizados para esse fim.

A instituição dos medicamentos oficiais para o tratamento da

malária e da uncinariose, as duas doenças que mais

extensamente prejudicam a população do Estado, é medida de

primeira ordem e, por sua natureza urgente, mas insuficiente

para libertá-la desses males.

[...] A distribuição de medicamentos precisa ser acompanhada

de outras providências.

O tratamento não consiste apenas em dar aos doentes

medicamentos específicos, mas em saber dá-los até a cura

completa, e em ensinar-lhes os meios de evitar que se

reinfectem”. (Minas Gerais, 8 de Março de 1918: p. 3) (grifo

meu)

As palavras de Penna demonstram o papel vital da SMA quanto a fazer da saúde

uma questão importante para o Estado de Minas Gerais. Processo que não seria tão

simples. Penna foi eficaz na sua elaboração discursiva e fez uma leitura eficiente da

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existência de um processo em curso pelo qual se lutava pelo desenvolvimento

econômico do Estado. Sobretudo, fez lembrar que esse projeto não se efetivaria sem

mudanças imediatas na saúde pública do território. Para as “classes conservadoras”

era o derradeiro dedo na ferida. Dar voz ao sanitarista é a prova de que em Minas elas

também tomavam consciência de que seus desejos não se efetivariam sem uma

tomada de consciência do papel da saúde como ponto vital do sucesso da meta de

substância econômica.

A ênfase é reivindicar, frente ao poder público, uma mudança de atitude, e nada

melhor do que a SMA, ponto de consonância, de convergências de interesses, entre

médicos sanitaristas e as “classes conservadoras”, para ser um fórum privilegiado da

discussão do assunto. Na mesma edição do jornal fica evidente que o debate não

parou, o que mostra a premência da questão. A resposta aos apelos de Penna foi

contundente. Por meio de um ofício, a SMA responde que

“Na ordem das providências para a consecução do nosso alto

desígnio, nenhuma quer nos parecer mais indicada e oportuna

do que a realização, pela palavra e pela imprensa, de uma

propaganda prática e bem orientada, que, divulgando a extensão

do mal, aponte às populações, os meios de evitá-los. E ninguém

melhor do que o preclaro conterrâneo, pelo seu devotamento a

essa causa, estaria apontado, para vir, em Minas Gerais,

inaugurar, com uma conferencia nesta Capital, essa cruzada

benemérita.

[...] Assim, desejamos ver iniciada essa oba de previsão e de

patriotismo em nossa terra; e para tão nobre escopo, fiamos que

não nos negará o estimável concurso de sua inteligência e

saber”. (Minas Gerais, 8 de Março de 1918: 4)

Veja-se como a credibilidade dos interlocutores é usada de forma bilateral. Se,

por um lado, Penna sabia que, se havia um lugar onde seu discurso se faria ouvir, era

na SMA, por outro, a entidade sabia que era preciso utilizar do prestígio do sanitarista

para trazer credibilidade à discussão do saneamento em Minas.

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A seguir, transcreve-se a resposta de Samuel Libânio, Diretor de Higiene, prova

cabal de que a ruidosa discussão fez eco pelos lados do poder:

“Tinha a felicidade de comunicar à sociedade que o governo de

Minas cogita de resolver eficazmente o saneamento rural do

Estado e que há pouco foi comissionado pelo Exmo. Sr. Delfim

Moreira para se entender com o sr. Presidente da República

sobre o acordo a se firmar entre a União e o Estado para a

execução de tal serviço.

Servindo-se ainda da oportunidade, é com alegria que

cientificava à casa que, ainda por determinação do Presidente

do Estado, ficou resolvido, na conferencia que tivera com o

chefe da Rockefeller Fondation, que o início dos trabalhos

dessa comissão em Minas tenham lugar ainda no correr deste

ano.

Terminando apresentava ao digno presidente desta Sociedade,

dr. Francisco Sales, as suas vivas felicitações por ter ligado o

seu nome a esta patriótica cruzada, que é o saneamento dos

sertões mineiros, provando, ainda uma vez, o alto zelo pelo

bem coletivo de nosso Estado”. (Minas Gerais, 8 de Março de

1918: 4)

A aliança entre a SMA e o campo médico dava seus frutos. A Rockefeller

entrava como mais uma instância mediadora da relação entre as elites políticas e o poder

público, na árdua tarefa árdua, embora patriótica e cívica, de sanear os sertões mineiros

e fazer dos nossos rudes patrícios elementos chaves no projeto de desenvolvimento do

Estado61

.

A solicitação da SMA foi prontamente atendida, e Belisário Penna veio fazer a

conferência. Na ata da Sessão é descrita a efusiva recepção ao sanitarista e a seu

discurso:

“O trabalho do dr. Belisário Penna despertou profunda

impressão, tendo o orador, por vezes, interrompido pelos

aplausos da assembléia.

61

A centralidade da SMA na questão pode ser verificada posteriormente, quando o problema da

ancilostomose, que tanto preocupava a Penna, começava a ser objeto específico das ações governamentais

e com o apoio da Rockefeller. Em sessão posterior, a ata transcrita da SMA descreve que: “O sr. dr.

Carvalhães de Paiva diz ter a satisfação de antecipar a casa, conforme um telegrama enviado ao ‘Minas

Gerais’, a notícia da assinatura do contrato entre o governo do Estado, representado pelo sr. dr. Samuel

Libânio, diretor de Higiene, e a Rockefeller Fondation, para combate à ‘uncinariose’”. (Minas Gerais, 25

de Maio de 1918: 4).

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As suas últimas palavras foram abafadas por uma prolongada

salva de palmas e S. Exc. vivamente felicitado”. (Minas Gerais,

3 de Maio de 1918)

É bom lembrar que Penna é autor de um livro que fazia uma severa crítica à

situação sanitária do estado de Minas Gerais. Mantendo o seu estilo direto e seu

discurso enfático, diz que “Minas é, sob o ponto de vista da precariedade de saúde, do

definhamento da raça e da pobreza dos seus habitantes, o mais infeliz dos Estados da

Federação Brasileira” (Penna, 1918b: 5).

O sanitarista não poupa os poderes público, explicitamente atribuindo-lhes a

culpa pelo Estado da doença:

“É incrível o descaso ou a indiferença dos governos estadual e

municipais de Minas pela sorte de seus filhos, e mais

inacreditável ainda é esse abandono criminoso depois de

conhecidas as doenças, e de científica, prática e

proveitosamente estabelecidos o seu tratamento e profilaxia, e

de avisados os dirigentes do Estado da atenção, de intensidade e

malignidade das moléstias evitáveis que assolam todo o seu

território, sacrificando assustadoramente a sua gente e a sua

vida econômica”. (Penna, 1918b: 8)

Para Belisário havia um contraste claro entre a natureza exuberante de Minas e

sua população degenerada pelas doenças. Era tarefa do governo entender que, nessa

situação, era inadiável colocar-se em prática um dever humanitário, civilizador e,

sobretudo, econômico.

Para um estado que pretendia um projeto de desenvolvimento econômico,

deviam soar aflitivamente as palavras de Penna segundo as quais

“As funestas conseqüências do descaso do governo mineiro,

pela saúde pública e da precaríssima situação sanitária da

população, manifestavam-se palpáveis e evidentes na sua

pobreza, na sua tristeza e retraimento, na derrocada financeira

do Estado, cada ano mais acentuada, e à sua miséria econômica,

representada por insignificante produção, relativamente ao

número de seus habitantes, à riqueza do seu solo, à extensão do

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seu território, à vastidão dos seus campos de criação, e à

exuberância do seu clima”. (Penna, 1918b: 11)

Penna ainda salienta que Minas é um lugar onde se havia dado mais importância

ao boi e ao porco do que à saúde de sua população. Deveria ser bastante impactante,

também, o fato de o médico construir todo esse forte discurso embasado em estatísticas.

Segundo ele, os números eram evidentes e deveriam ser divulgados, para que todos

enxergassem o descaso do governo. As preocupações, até aquele momento, haviam sido

episódicas. Não se preocupou com a educação sanitária, com a profilaxia.

Fora isso, havia uma desproporção no gerenciamento do Estado. Isto se via na

má arrecadação de impostos, na ausência de uma utilização racional do dinheiro

público, entre outras questões. A relação era simples para Penna, pois, enquanto Minas,

Estado da doença, era símbolo da ineficiência política, o Rio Grande do Sul, o Estado

da saúde, era símbolo da eficiência política. O resultado disso era um Estado doente,

muito diferente da situação do sul, que era o exemplo de gestão pública da saúde.

É importante perceber como a SMA trouxe para junto de si um ferrenho crítico

do governo mineiro e como as classes conservadoras, que de alguma forma também

compunham esse governo, tiveram que digerir essa visão de inoperância, para que se

tomasse consciência do papel primordial das questões sanitárias. Não poderia ser mais

incisiva a forma com que Penna sintetiza a questão: “Vamos insistir numa coisa sabia

axiomática, isto é, que a saúde foi, é, e será sempre a principal fonte econômica, o fator

primordial da riqueza e do progresso”. (Penna, 1918b: 22).

As críticas de Belisário se referem, em última instância, às estruturas da própria

República. Por sinal, sua fala reflete a angústia de uma República que ainda não se tinha

feito real. Era necessário um modelo de gestão administrativa eficiente, e, por

conseqüência, centralizador, que conseguisse resolver esses problemas. A má política

gerava a doença generalizada, e, juntas, elas provocavam o atraso e a pobreza.

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O livro de Belisário sobre a situação da saúde em Minas é símbolo da forma pela

qual as idéias circulavam e de como houve um jogo bem elaborado em que aliados e

opositores passariam a trocar de lado. Suas posições no circuito científico não seriam

estáticas, mas flutuariam com a própria sociedade que se construía nesse processo. Se

Belisário Penna poderia ser, à primeira vista, uma figura que causava repúdio dentro de

Minas, não foi bem assim que isso se deu. A SMA, instância importante das mediações

com o poder público mineiro, não só trouxe Penna para alistá-lo como aliado, como

também fez ecoa suas idéias e seu discurso. Ao mesmo tempo, Penna não prescindiu do

apoio das “classes conservadoras”, pois sabia que elas eram peças-chave para as

mudanças na gestão da saúde que ele reivindicava. Sendo assim, em muitos momentos,

ambos passariam a fazer coincidir seus interesses, como ao longo dos anos de 1920, por

meio de uma percepção cada vez mais deliberada do “valor da saúde, como elemento

imprescindível da riqueza e do progresso” (Penna, 1918b: 112).

O problema continuava a conturbar. Sob o título “O problema do saneamento em

Minas”, transcreve-se uma entrevista com Samuel Libânio feita pela Gazeta de

Notícias: “Para bem informarmos ao público sobre o que se pretende fazer em Minas,

dirigimo-nos ao dr. Samuel Libânio, que veio ao Rio firmar com o governo federal o

acordo para o combate às endemias que mais perturbam o progresso mineiro” (Minas

Gerais, 7 de junho de 1918).

Na entrevista, Libânio discorre sobre as quatro endemias que “entorpecem a vida

econômica do Estado, e todas as formas de atividade social: a malária, a uncinariose, a

doença de chagas e as febres do grupo tífico” (Minas Gerais, 7 de Junho de 1918:3).

Também são abordados os métodos para conter as endemias, citando-se, ainda, o apoio

da Rockefeller no que se refere, especificamente, à uncinariose (ancilostomose).

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A forma com que Libânio termina a entrevista é emblemática do alistamento dos

aliados para esse grande projeto paralelo de saneamento de Minas e do Brasil:

“Todos os que se alistaram agora na rude peleja conhecem as

inevitáveis decepções e as amarguras possíveis.

Mas aos pessimista responderemos que o governo de Mnas,

assim como o da República, entram nessa luta com a alma toda.

[...] No Parlamento, os guias mentais são os adeptos mais

fervorosos dessa obra de saneamento. E a classe médica,

mobilizada para esse fim, vai começar a agir”. (Minas Gerais,

7 de Junho de 1918).

A entrevista também enuncia a elaboração de um Regulamento Sanitário Rural

do Estado de Minas Gerais, que se publicaria logo depois. O saneamento de Minas

começava a dar seu primeiro efeito prático. O Regulamento deixa claro sua tentativa de

conhecimento e mapeamento do quadro endêmico mineiro. Seu tom é de

reconhecimento, mas também de iniciativa clara de profilaxia e contenção das doenças.

De acordo com seu Art. 1º:

“Os serviços de profilaxia rural no Estado de Minas Gerais tem

por fim:

a) a profilaxia específica das doenças endêmicas ou epidêmicas

nas zonas rurais do Estado;

b) aplicação de medidas de higiene geral, que visam melhorar

as condições de habitabilidade nos campos;

c) aplicação de medidas possíveis de engenharia sanitária

necessárias ao objetivo acima visado;

d) a difusão de preceitos higiênicos, individuais e coletivos,

aproveitáveis à garantia sanitária dos campos;

e) a difusão no Estado dos medicamentos necessários ao

combate às grandes endemias” (Minas Gerais, 19 de Junho de

1918: 1).

Para o serviço de profilaxia rural houve algumas modificações em relação ao

que Samuel Libânio havia dito. Foram consideradas como doenças a serem tratadas a

malária, a uncinariose, Doença de Chagas e Lepra. O regulamento prima pelos estudos e

por uma série de recomendações aos poderes locais, principalmente no que tange às

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habitações no caso das três primeiras, redefinindo-se a obrigatoriedade no padrão de

edificações públicas e privadas. No item relativo à Doença de Chagas, a lei é taxativa:

“nos centros populosos do Estado e nas zonas rurais circunvizinhas deles, é

absolutamente proibida a construção nas regiões em que a doença é endêmica”. O art.

31 é ainda mais enfático na coerção e interdição, numa nova noção do que é a saúde e

da interdependência entre os indivíduos: “É facultado às autoridades sanitárias fazer

demolir, nos centros populosos do Estado as habitações de tino primitivo e infestadas de

barbeiro, nas quais sejam impossíveis modificações” (Minas Gerais, 19 de Junho de

1918: 1).

O Estado passa a perceber a importância das medidas profiláticas no tratamento

dessas endemias. Encarrega-se, além da parte de estudos e elaboração de estatísticas, da

distribuição de remédios, como o quinino, para o tratamento da malária.

O regulamento dá ênfase ao isolamento dos leprosos e tem contornos de uma

polícia sanitária no que se refere à detecção e ao afastamento do doente da sociedade.

Contempla algumas outras doenças, além do grupo das quatro endêmicas, são elas:

febres do grupo tífico, desinteiras, varíola, tracoma62

, raiva, carbúnculo e outras

epizootias, verminoses diversas63

.

O Regulamento de Saneamento Rural de 1918 tem 84 artigos e se dedica a essas

doenças, bem como à articulação entre o poder estadual e o municipal, considerado vital

para determinadas medidas. É uma lei simbólica de todo um debate, efervescente para o

campo da saúde, que estava sendo travado nesse primeiro semestre. Mostra a agilidade

do poder público estadual em responder às reivindicações que amplos setores

62

Doença oftálmica de origem bacteriana. 63

É sempre bom lembrar do papel importante do Instituto Ezequiel Dias na elaboração dos exames

bacteriológicos e no fornecimento de vacina. No Relatório apresentado ao Presidente do Estado pelo

Secretário do Interior José Vieira Marques, é explicitada a parceria: “Tem sido renovado o contrato em

virtude do qual o Instituto Oswaldo Cruz (filial) encarregou-se do fornecimento de vacinas e execução de

exames bacteriológicos pedidos pela Diretoria de Higiene. Foram distribuídos 60 000 tubos de vacina

antivariólica, preparada na Filial Oswaldo Cruz, e 2.343 doses duplas de vacina anti-tífica polivalente”

(Minas Gerais, 30 de Junho de 1918: 5).

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proclamavam. Por outro lado, pode ser demonstrativo de que, apesar do tom de

obrigação do Estado em determinados quesitos, não havia sido contemplada a

designação específica de instituições, comissões e de um sistema sanitário complexo e

articulado. Permanece um ar contigencial na lei, o que, entretanto, não impede que a

tomemos como um ponto de partida, um referencial importante para a tomada de

consciência do governo do estado como gestor de uma saúde pública.

Como não poderia deixar de ser, a SMA faz uma sessão solene, em 19 de junho

de 1918, com uma conferência de Plácido Barbosa64

, médico “encarregado de dirigir o

serviço do saneamento rural do Estado”, intitulada Higiene Rural. J. Castilhos

apresentou Barbosa com entusiasmo:

“quando milhares de braços depauperados pela uncinariose,

pelo impaludismo, forem substituídos por outros vigorosos, no

manejo do arado, das máquinas ou da carabina, certamente v.

exc. terá a satisfação de ver os frutos da sementes que ora

lançou a germinar”. (Minas Gerais, 21 de Junho de 1918: 2)

A conferência foi publicada posteriormente bem sintetizando uma série de

questões levantadas. Tem um tom de chamamento desses aliados que estavam

personificados na SMA naquele momento. Diante de tal característica, o discurso é

forte, direto e não deixa de ter um lado provocativo. É demonstrativo de como a

autoridade científica reivindicada por esses médicos se faz também no nível discursivo,

nos dados estatísticos. O conhecimento é apresentado como instância demarcatória

quando o quesito é quem tem credibilidade o suficiente para postular, na saúde

publicam, as mudanças e transformações e fazer do rural um espaço específico de

64

Diante da carência de informações biográficas sobre Plácido Barbosa, encontramos referências a seus

trabalhos como tisiólogo (estudioso da tísica – nome dado à tuberculose). Chefiou a criação da Inspetoria

de Profilaxia da Tuberculose, após a criação do Departamento Nacional de Saúde Pública, em 1920. O

que demonstra que sua estadia no cargo em Minas Gerais não foi tão longa. Barbosa também é lembrado

pelos organizadores do livro Os serviços de saúde publica no Brasil ... de 1808 a 1907, publicado em

1909 por ordem de Oswaldo Cruz. É autor também de: Um plano de Combate à Tuberculose na Cidade

do Rio de Janeiro (publicado pela Besnar Frès, em 1917). Tais obras mostram o vínculo do médico com

as questões referentes à gestão pública da saúde no início do século XX.

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atuação desse setor. Portanto, o seu conteúdo está para além do laboratório, embora

incida numa mudança prática e cultural:

“Em geral cuida-se muito das cidades, um pouquinho das

povoações menores, e abandona-se o campo. Imagina-se que o

campo, assim como dá tudo espontaneamente, ou só com o

lançar a semente a terra, assim provê a saúde sem os cuidados

do homem. Porém, não é assim. Fazendo-o o animal mais

perfeito e o mais nobre, cercou-o ao mesmo tempo de uma

multidão de inimigos destruidores, visíveis e invisíveis, que se

mascaram, se alapardam, vêm à tradição, e de uma vez, ou

lentamente, procuram levar a cabo a sua missão nefasta”.

(Minas Gerais, 14 de Julho de 1918: 4)

Os invisíveis não são apenas inimigos do homem, mas, por conseqüência, são

inimigos da “nação” brasileira que se quer formar, da “pátria mineira” que se quer forjar

na diversidade, do desenvolvimento de um projeto de substância econômica para Minas

Gerais que as “classes conservadoras” pretendem efetivar. O Estado também é

percebido em todas as suas virtudes que o tornariam apto a vencer essa batalha contra as

doenças, sejam geofísicas, sejam morais:

“Senhores, esta nossa terra abençoada de Minas merece todo o

esforço de que formos capazes para o seu progresso. Ela tem

tudo. A amenidade do clima, a fertilidade do solo, a bondade do

homem, a exemplaridade da mulher. A aplicação de princípios

modernos de higiene e da cultura humana pode levá-la a maior

altura [...] Se for seguida e ampliada a orientação no sentido, do

atual governo, chegaremos lá a [ilegível] felizes, fortes e ricos.

Esta formosa cidade de Belo Horizonte deve ser para os

mineiros um símbolo. Por toda parte por onde se espraia a vista

admirada, no ar luminoso e puro, os horizontes se estendem

longínquos, ensinando-nos o descortino amplo e ambicioso que

devemos ter na vida; distantes, umas menos, outras mais, as

montanhas azuis que tapetam com o céu estão nos mostrando as

alturas que devemos ir galgando em ciência e ação”. (Minas

Gerais, 14 de Julho de 1918: 5) (grifo meu)

E se a ciência precisava caminhar com a ação, foi essa a linha de pensamento

que se viu nos anos subseqüentes. Na tentativa de trazer a municipalidade para junto da

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discussão, foi inaugurado o primeiro Posto de Profilaxia Rural em Leopoldina (Minas

Gerais, 20 de Agosto de 1918: p. 3).

A década de 1920 foi importante na extensão e abrangência dos serviços e na

tentativa de fazer o discurso tornar-se ação, como se falou relativamente ao ano de

1918. Podemos dizer que se produziu um ínterim temporal e simbólico em que amplos

setores, cada vez mais, tomavam, consciência da importância da saúde pública para

Minas Gerais. As “classes conservadoras” foram incisivas e eficientes ao colocar o

assunto em discussão, sendo capazes de arregimentar os médicos e dotá-los de

autoridade científica para legislar sobre tais assuntos. O governo estadual não se fez de

rogado quanto à espreita que lhe foi infligida em 1918. Tratou logo de atender as

reivindicações das ditas “classes conservadoras”, provando que a relação era mesmo de

mão-dupla, ora de apoio, ora de pedidos. Não apenas uma instância de legitimação.

As idéias de que existiu um momento de acomodação de todo o discurso de

1918 e de que, posteriormente, os atores lutaram para pó-la prática também foram

sentidas por personagens envolvidos nos acontecimentos à época. Raul de Almeida

Magalhães, figura que seria símbolo do novo momento, faz uma conferência intitulada:

A nova organização sanitária do Estado. A conferência ganha importância até pela

forma pela qual Magalhães recuperou a situação sanitária de Minas, não se abstendo de

fazer uma crítica ácida às administrações anteriores. Para ele, “nada, absolutamente

nada produziu a lei de 28 de julho de 1895”, que havia criado o Serviço Sanitário no

Estado (conforme se discutiu no capítulo anterior). Em 1910 não foi diferente:

“Em 1910, já num período em que a higiene pública empolgara

todos os espíritos, decretou-se em Minas outra reforma,

cristalizada no regulamento, que ainda nos rege, e que grandes

frutos teria produzido, se ao diretores do serviço sanitário, ao

lado de amplos recursos financeiros houvessem os governos

prestado assistência decidida, apoio e solidariedade

indispensáveis a todas as realizações”. (Minas Gerais, 14 de

dezembro de 1927: 11)

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Porém, Magalhães assinala um ponto de inflexão no período de 1918 e observa:

“Assinalei, propositadamente, o ano de 1918, por que nesse

exercício se iniciou o movimento sempre crescente em prol dos

nossos grandes problemas sanitários. Marcando-lhe o início,

devo recordar, como preito de justiça, que “leaderou” (sic) essa

campanha o professor Samuel Libanio, técnico, a quem o

esclarecido governo de então foi pedir o primeiro regulamento

sobre a profilaxia rural publicado no Brasil e que, mais tarde,

serviu de base a outros, que sobre o assunto codificaram entre

nós”. (Minas Gerais, 14 de Dezembro de 1927: 11)

No presente trabalho, não se pretende realizar nenhum tipo de juízo histórico de

valor nem analisar os anos anteriores a 1918 a partir de critérios de eficiência e

ineficiência. Acredita-se aqui, por outro lado, ser plausível afirmar que este ano é

provocador de uma mudança de postura dos amplos setores envolvidos nas redes

científicas.

Os dados apresentados por Magalhães no período corroboram a idéia de uma

atuação integrada, sistêmica e complexa. Segundo ele, entre 1919 e 1926, “os diferentes

postos de Saneamento Rural fizeram 1.217.033 medicações específicas contra as

verminoses” (Idem).

Outro demonstrativo de que o período foi símbolo de um processo de

autonomização do campo médico em Belo Horizonte, que cada vez mais se tornava

detentor legitimado dos assuntos referentes à saúde, foi a realização do Segundo

Congresso de Higiene em Belo Horizonte, em 1924. Como fenômeno paralelo ao da

autonomização dos médicos, prova também a credibilidade que Belo Horizonte/Minas

vinha adquirindo na discussão da questão sanitária no Brasil65

.

65

Os congressos de Higiene eram promovidos pela Sociedade Brasileira de Higiene, que foi fundada em

1923 e fechada em 1930, sendo reaberta em 1943. De acordo com Madel Luz, a análise dos temas do

Segundo Congresso de Higiene de 1924 mostra que “ao mesmo tempo em que ganha terreno a luta pela

‘autonomia dos serviços sanitários’ que tinha em Amaury Medeiros seu principal defensor, a tese de J. P.

Fontenelle, que luta pela criação de ‘postos permanentes de higiene municipal’, também é das mais

discutidas” (Luz, 1982: 179).

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Ao final de 1927, precisamente em 31 de dezembro é assinado o novo

Regulamento de Saúde Pública, publicado logo em seguida. Sem dúvida o próprio

nome do Regulamento que muda o nome de Diretoria de Higiene para Saúde Pública

denota que as mobilizações promovidas haviam cumprindo seus objetivos. O governo

estadual passa assumir, ao longo 25 páginas e 1 290 (mil duzentos e noventa) artigos, de

um complexo regulamento, a gestão pública da saúde em Minas Gerais. (Minas Gerais,

2 e 3 de Janeiro de 1928: p 2-25)

Logo em seu Art. 1º aponta que a Diretoria de Saúde Pública estaria subordinada

à Secretaria de Segurança e Assistência Pública. A Diretoria de Saúde Pública estaria

incumbida dos seguintes e variados assuntos: educação sanitária, organização

estatística, estudo epidemiológico, profilaxia geral das doenças, função de polícia

sanitária das edificações, fiscalização sanitária da produção, inspeção do trabalho

operário, fiscalização da atividade médica e das farmácias, inspeção dos imigrantes,

profilaxia das intoxicações por drogas entorpecentes, organização do centro de estudo

(lepra, malária e doença de Chagas), inspeção das instâncias hidrominerais e higiene

infantil.

Muitos desses assuntos já haviam sido tratados nos regulamentos anteriores, a

principal diferença agora sendo o fato de que o governo delimitava com mais precisão o

seu campo de atuação e dava uma organização mais sistemática ao que passava a ser

uma saúde derradeiramente pública, de obrigação e gestão estaduais. Assim, os assuntos

são tratados com maior especificidade, e, para tal, a Diretoria foi dividida em uma

organização administrativa e outra, técnica.

A parceria com os municípios tornou-se mais explícita e, em seu Art. 61,

postula-se que “para realização dos serviços de Saúde Pública será o Estado dividido em

tantos distritos sanitários quantos forem necessários a juízo do governo”. No caso

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desses municípios a legislação especifica a necessidade de manutenção de postos,

estipulando quantias e coerções para o caso de o subsídio não ser feito.

A ênfase na profilaxia e no ensino é bastante clara e, para isso, o tema da

descentralização é bastante contemplado através dos Centros de Saúde nos Municípios,

que fariam a ligação direta com a população através dos atendimentos diretos, da

inspeção, da epidemiologia e da educação e da propaganda sanitárias. Esta última teria

papel vital na profilaxia das doenças através de mudanças de práticas culturais.

Na seção décima é pormenorizada a profilaxia de uma séria de doenças

transmissíveis: peste, tifo, difteria, cólera, lepra, tuberculose, malária, varíola,

verminoses, doença de Chagas, bouba, doenças venéreas, filariose. O regulamento

também contempla as epizootias que podem atingir os homens. No caso da vigilância, a

especificidade chega a abordar vários tipos de alimentos, como pão, sorvete, mel, e a

forma pela qual eles seriam tratados. Sobre o leite há uma passagem ainda mais longa,

dadas as possibilidades de contaminação do produto.

Em relação às edificações incide também uma grande especificidade, como no

Art. 900 que estipula que

“a largura mínima dos corredores das habitações particulares

deverá ser de um metro, a menos que se trate de pequenas

passagens de serviço, podendo então a largura ser reduzida a

0,80 m. Nas habitações coletivas, a largura mínima dos

corredores será de 1,20 m”. (Minas Gerais, 2 e 3 de Janeiro de

1928: 19)

Os sistemas de esgotos, abastecimento de água, águas pluviais e do lixo também

foram abordados, e, em alguns casos, a punição relativa às transgressões das regras foi

estipulada através de multa.

Quanto à nossa análise, de 1918 até 1927, com a chamada Grande Reforma

Sanitária, temos um período onde serão promovidas uma série de translações, em que os

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interesses de uns se transformariam nos interesses de outros, e alguns deles, nos de

todos. Também nos dos médicos que lutavam pela legitimação do campo em Belo

Horizonte/Minas Gerais, amparados pelas mudanças microbiológicas, que coincidiam

com outros, ao forjar um discurso de construção da nacionalidade com base no

saneamento do Brasil. Assim, misturavam-se a um projeto muito maior no interior da

Primeira República, que era a pauta de uma intelligenstia, também interessada em

construir os pilares ideológicos dessa nova nação, e que fazia coincidir os interesses de

médicos com os seus. E nos interesses das “classes conservadoras” interessadas em unir

uma Minas diversificada e, a partir daí, implantar um projeto de desenvolvimento

econômico de Minas, que precisava de aliados na ciência e no campo médico, como

forma de dar efetividade prática por meio da ação do governo estadual. E nos dos

médicos do Instituto Ezequiel Dias com suas cobras e escorpiões, que faziam transladar

todos esses interesses no interior do laboratório e da atividade científica.

II - As Bandeiras da Ciência: nação e saúde na atuação do serviço antipeçonhento

do Instituto Ezequiel Dias

A história dos institutos no contexto da Primeira República, como já foi

afirmado, não pode ser entendida sem que se pense nas novidades trazidas pelo advento

das explicações de natureza microbiológica. Decretou-se uma verdadeira caçada aos

micróbios que operou significativas mudanças no interior da ciência: o laboratório

torna-se o seu espaço por excelência, num encontro cotidiano com os invisíveis através

das lentes re-significadas do microscópio. Mudanças que, de tão avassaladoras,

acabaram por dar um novo sentido à relação homem/sociedade/natureza.

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No que se refere ao Instituto Ezequiel Dias, inúmeras foram as atividades que o

Instituto desenvolveu, logo nas suas primeiras décadas de existência, nos mais diversos

campos, com trabalhos relacionados à raiva, micologia, epidemias, epizootias, exames

bacteriológicos e, principalmente, dos estudos chamados de escorpionismo e ofidismo.

A atuação desse serviço antipeçonhento, inaugurado em 1918, imprimiu uma marca

indelével na instituição conhecida até hoje como “instituto das cobras”. A atividade foi

considerada uma verdadeira “cruzada”, que pretendia eliminar os altos índices de

acidentes. Neste percurso foram feitas viagens, chamadas de “expedições científicas”,

pelo interior de Minas. A imagem cotidiana da urbe em efervescência, rodeada de luzes

numa profusão de paraísos artificiais, cedia lugar a uma outra: a dos territórios perdidos,

das cidades isoladas pelo interior de Minas.

Os relatórios do Instituto Ezequiel Dias dirigidos ao secretario de agricultura,

como parte do acordo firmado entre a instituição e o governo do Estado para a

manutenção do serviço antipeçonhento, e os relatos memorialistas, tal como os Ensaios

de Octavio de Magalhães (1957), preencheram uma lacuna importante na pesquisa. Isso,

porque não houve um relatório específico das expedições, restando apenas aqueles,

citados acima, que tratavam dos serviços gerais e também abordavam as viagens.

De início, as expedições tinham a intenção de buscar novas espécies de cobras e

escorpiões e divulgar as atividades do Posto Antiofídico. Contudo, acabaram por se

transformar numa empreitada que visava transformar as práticas sociais a partir do

advento da microbiologia, postular mudanças na saúde pública, sanear e higienizar os

mais escondidos e desprezados lugares. É importante dizer que, nesse instante, os

médicos da filial acabam por se inserir num contexto muito maior, no interior da

Primeira República. Fazem-se representar junto a uma intelectualidade que pretende

definir/reinventar o que o Brasil foi, é e deveria ser.

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Desta forma, pretende-se aqui estabelecer um diálogo com autores que se

debruçaram nessa aventura promovida por uma intelligentsia que procurou construir o

Brasil através de um jogo de aproximações e afastamentos entre as idéias de

sertão/litoral, rural/urbano (Vidal e Souza, 1997; Lima, 1998; De Luca, 1999). A partir

de tais análises procura-se, em nossa própria pesquisa, levar às últimas conseqüências as

mediações entre história, ciência e cultura. Consideramos que é preciso que se atenha ao

discurso científico, que se olhe para aqueles textos que aparentemente não dizem muita

coisa aos historiadores, por serem por demais técnicos e abstratos, e que se os entenda

no interior das práticas culturais. É preciso observar a forma pela qual esses médicos

conseguiram promover translações, que acabaram por fazer dos interesses daquela

ciência praticada naquele pequeno laboratório, na Rua da Bahia, nos interesses da

cidade, do Estado e da nação, mobilizando micro e macro dentro e fora do Instituto

Ezequiel Dias. Depararmo-nos com nosso objeto implicou dizer que cobras e escorpiões

foram também levados ao laboratório e misturaram-se a um complexo discurso que

pretendia construir a nação.

Por último, cabe pensar como o Posto Antiofídico foi um importante setor de

articulação estratégica no qual todas essas questões se misturavam: primeiro, da

construção da nação e da incorporação dos sertões, a partir de toda uma discussão que

pautava a intelectualidade na Primeira República e buscaria no binômio saúde/ciência

uma das soluções para a nação; segundo, do projeto mineiro de desenvolvimento e sua

ligação com as classes conservadoras, que se concentravam, dentre outras, na Sociedade

Mineira de Agricultura, que, por sua vez, foi um importante fórum de discussão dos

assuntos referentes à saúde.

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II. 1 - O Brasil desvelado pelos sertões

A nação feita de espaço nas representações que promovem a separação entre o

sertão e o litoral é o que interessa a Vidal e Souza (1997), na análise daquilo que chama

de uma sociografia em A Pátria Geográfica: sertão e litoral no pensamento social

Brasileiro. A autora quer procurar entender o discurso da intelectualidade que detectou

um Brasil caracterizado por sua incompletude. Era a nação que não tinha sido. Cabia a

este discurso encontrar as saídas, diagnosticar, programar, prescrever as formas de sair

do incômodo de tal situação. Nesta tarefa de inventar/reinventar a nação é que as visões

sobre uma singularidade brasileira ganham força, formadas através de uma noção de

espaço imaginado a partir do binômio sertão/litoral.

Na constituição deste pensamento, que para a autora teve grandes similitudes em

variados autores, em épocas diferentes, está presente uma idéia da nação que é vista

como “idéia-projeto-desejo” (Vidal e Souza, 1997:21). Buscar a brasilidade é tentar

encontrar uma narrativa que tente explicá-la. Neste caso, a qualificação do espaço físico

e social é privilegiada na análise, pois a “ficção de uma idéia sertão-litoral” é recorrente

nesses escritos, com sensíveis regularidades dessa busca incessante pela representação

da paisagem brasileira, que se torna interminável no vazio do sertão.

A nova postura que assume a existência do desconhecido vem também

acompanhada da ação. Não basta conhecer, analisar e propor. É preciso agir. A

construção da nação está atrelada a este processo de reconhecimento/conquista. É

desbravar a pátria geográfica. Nesta tarefa as bandeiras tornam-se um evento histórico

original. Elas são eleitas como a imagem da ação que pretende construir a nação, num

jogo em que são re-figurados tempo e espaço, numa reviravolta de seus significados

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histórico-culturais. Ela assume uma feição trans-histórica – uma metamorfose que

culmina no modelo da ação.

Na tentativa de percorrer também os discursos e as práticas que tentam dar

forma a Um Sertão Chamado Brasil é que Nísia Trindade Lima (1998) elabora uma

interessante análise. A autora depara-se com uma imagem de sertão que adquire uma

força simbólica, transmuta-se em divisão geográfica. É a imagem do espaço de difícil

delimitação. Um sertão que vira, também, sinônimo de fronteira, “representações [que]

tornam-se paradigmáticas para se pensar a natureza das sociedades e o tema da

identidade nacional” (Lima, 1998:44).

Dentro desta perspectiva, as viagens realizadas na Primeira República adquirem

um papel fundamental na interpretação do que seria o Brasil, “destacadas como

fundamento importante de legitimação de idéias e práticas sociais” (Lima, 1998:56), e

de como a noção de território seria colocada através do contraste entre sertão e litoral.

As viagens compunham um conhecimento a ser revelado na realidade do País, in loco.

Seriam missões de conhecimento/conquista do interior brasileiro. Através destas

expedições são agregadas idéias de incorporação, progresso, civilização e conquista.

Cabe ressaltar que, apesar de um projeto comum, o discurso não é único: em um

pólo, o sertão é identificado como a união entre natureza e barbárie, o litoral, como

espaço da civilização; no outro, o sertão é a resistência ao moderno, e o litoral, um

sinônimo de falta de autenticidade, antítese da idéia de nação. Apesar dos problemas, o

sertão é ainda encarado como uma espécie de alternativa, frente ao bovarismo dos

intelectuais durante a Belle Époque brasileira.

Configura-se, desta forma, um projeto que torna aproximados eventos como a

Missão Rondon (1892-1925), a argumentação euclidiana sobre a incorporação do sertão

e as viagens científicas do Instituto Oswaldo Cruz, pois todos eles postulam a

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necessidade de “redimir e mesmo formar a nação brasileira a partir dos sertões” (Lima,

1998: 69). No caso específico de Manguinhos, as viagens destinavam-se à profilaxia das

doenças em áreas de desenvolvimento de atividades econômicas, como a construção de

ferrovias, saneamento de portos, da extração da borracha na região amazônica, etc.

A nova perspectiva abre uma ampla frente de luta que pretende reivindicar das

elites uma nova política de inclusão do sertão, num processo que deveria amalgamar

forças e culminaria no fortalecimento do poder central. “O Brasil é um imenso hospital”

é a tão citada frase do discurso de Miguel Pereira, proferido em 1916, que se torna uma

espécie de lema do movimento sanitarista constituído no final da década de 1910. O

movimento tomou força e criou, em fevereiro de 1918, a Liga Pró-Saneamento do

Brasil66

. Apesar de malograda a sua tentativa de criação de um ministério da saúde,

conseguiu, em 1920, que fosse criado o Departamento Nacional de Saúde Pública,

dirigido por Carlos Chagas, figura que se notabilizara pela descoberta daquele que, por

muitos, era considerado o maior feito da ciência brasileira ocorrido no interior de

Minas: a “descoberta” da Doença de Chagas.

Foram criados inúmeros postos de profilaxia rural em vários estados, e a

campanha acabou saindo dos periódicos médicos para um debate público. Tais ações

significavam que “a grande mudança está na atribuição de responsabilidade pela apatia

e pelo atraso. Seriam o governo e a doença, e não mais a natureza, a raça ou o próprio

indivíduo, os grandes culpados pelo abandono da população à sua própria sorte” (Lima

e Hochman, 2004: 499).

A percepção de um projeto político também é o que De Luca observa n’ARevista

do Brasil: Um diagnóstio para a N(ação), de 1999. Ao analisar a produção do

periódico, entre 1916 e 1925, a autora detectou também um discurso da ação para um

66

Para alguns autores, a criação da Liga Pró-Saneamento em 1918 foi um evento simbólico para as

redefinições do próprio campo médico, que estava repleto de dissensões e controvérsias, mas que foi

capaz de se amalgamar em torno de um objetivo comum (Britto, 1995).

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Brasil do vir-a-ser. Os intelectuais, novamente, reproduziram nas páginas da revista seu

projeto de construção do País. Era através de uma publicação cultural sóbria, que

pretendesse unir forma e conteúdo, que a ausência de uma consciência nacional poderia

ser suprida. Significaria o pensamento de um grupo que se achava capaz de colocar o

Brasil no rumo certo. Foi nela que Monteiro Lobato, que a administrou de 1919 a 1925,

demonstrou seu pleno engajamento no movimento pelo saneamento do Brasil.

Nas páginas da revista realizou-se uma simbiose entre história e geografia – uma

aliança que se realizava entre a necessidade de autodeterminação do Brasil através de

seu patrimônio geográfico e da criação de um conjunto de tradições a serem partilhadas.

A figura do bandeirante emerge novamente: uma espécie de elo entre a história e

geografia, o mito do “dilatador incansável das fronteiras” (De Luca, 1999:86). Por

suposto, o Estado de São Paulo também era a terra eleita, um espelho do progresso,

tendo destaque especial na revista, na medida em que “a construção da nacionalidade é

encarada, desde os seus primórdios, como obra paulista” (De Luca, 1999: 104).

Por último, considera-se importante salientar como tais discussões a respeito do

sertão/litoral tiveram implicações políticas na Primeira República e como a interligação

entre a construção da nação e o saneamento do Brasil trouxe à tona uma visão do

período para além de um mero hiato entre o ímpeto centralizador do Império e o período

pós-trinta (Hochman, 1998). Na direção contrária, houve um processo de centralização e

intervenção estatal bastante compatível com uma visão da oligarquia no período, que

forjava uma visão renovadora da nação.

Tais mudanças, no interior do período, foram vitais para a uma “consciência da

interdependência social”, como “um elemento crucial na constituição de uma

coletividade, na percepção da existência de laços com uma comunidade nacional”

(Hochman, 1998: 39). Isto quer dizer que houve um momento em que as transformações

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sociopolíticas do período demandaram uma de tomada de consciência acerca da

possibilidade de transmissão das doenças e de seus efeitos sociais e políticos. A situação

provocou debates, arranjos institucionais, em um processo que não foi natural, exigindo

a compreensão de que, diante da ameaça que se tornava mais aterrorizante com o

desenvolvimento da microbiologia (dado o potencial de transmissibilidade dos

invisíveis), era preciso uma saúde coletiva, pública e nacional.

O diagnóstico que constatava um Brasil doente não afetava apenas os lugares

mais escondidos, mas todos. Havia uma interligação entre indivíduos e sociedade que

demandava das elites políticas “reestruturar o arranjo federativo vigente para enfrentar

de forma eficaz os graves problemas de saúde” (Hochman, 1998: 86). De acordo com

Hochman, a relação entre os estados e a saúde se deu a partir da

“afirmação da responsabilidade pública para com a saúde, em

especial a constatação das doenças infectocontagiosas e na

proteção dos sãos, e o início da constituição de uma rede de

instituições, regulamentações e profissionais com

atribuições coercitivas e poder de polícia, que se dilatará

nos anos 20, sob um nova organização da saúde pública de

abrangência nacional.” (Hochman, 1998: 111) (grifo meu)

Uma constatação de que a iniciativa começava a ser nacional foi a conclusão de

Hochman de que, principalmente a partir da década de 20, o legislativo federal passou a

ser uma instância decisória importante para os assuntos referentes à saúde. A

consciência da interdependência tornou claro que era impossível uma solução

individualizada para os males públicos. A partir daí foi preciso barganhar e negociar

para unir forças. A criação do DNSP (Departamento Nacional de Saúde Pública), em

1920, é demonstrativa da capacidade de ação de tais mobilizações.

A “era do saneamento” tinha como marco importante os anos de 1918/19, uma

espécie de ponto de inflexão no processo de conscientização da interdependência, por

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tudo que esses anos produziram referentes a uma discussão do que seria uma saúde

pública, a sua finalidade no contexto brasileiro e a necessidade de também publicar (isto

é, de tornar pública) essa discussão.

Tendemos a concordar com Hochman, pois as fontes que serão analisadas a

seguir mostram claramente a rearticulação das forças produtivas mineiras a partir do

final da década de 1910, junto ao poder público, na tentativa de dar uma nova forma às

questões referentes à saúde. De certo modo, partimos da idéia que a saúde e as

discussões que ela provocou, bem como suas análises pela historiografia, acabaram

mostrando uma nova perspectiva analítica com relação ao poder central na Primeira

República. Consideramos pertinente a sugestão apresentada por Hochman de que “há

indícios suficientes para se afirmar que a reforma da saúde inaugurou um novo ciclo na

expansão do poder público” (Hochman, 1998: 194).

Nossa passagem por estas análises pretendeu abrir caminho para que

pudéssemos perceber que determinados detalhes, no discurso dos cientistas do Instituto

Ezequiel Dias, não eram apenas artifícios retóricos, mas estavam incluídos em uma

complexa teia que os inseria num projeto de construção nacional e, que, de certa forma,

afirmava neste cenário a presença de outros atores. As Minas também poderiam

promover as suas bandeiras!

II.2 - Da Rua da Bahia aos rincões de Minas

Nesta etapa do texto pretendemos colocar os médicos do Instituto Ezequiel Dias

em consonância com os projetos de construção da nação e desenvolvimento de Minas e

das diversas mobilizações promovidas no plano teórico e prático para sua concretização.

Partiremos das representações de sertão/litoral que se misturavam ao projeto de

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nacionalidade da Primeira República e que foram levantadas por parte da bibliografia

analisada anteriormente.

No caso dos nossos médicos, o impacto não poderia ser maior67

. Como foi

abordado no capítulo anterior, outros institutos, criados no mesmo período, foram

construídos em lugares que estavam afastados, com o objetivo de evitar qualquer

possível contágio – como foi o caso do Instituto Oswaldo Cruz (na antiga fazenda

Manguinhos) e do Instituto Butantan (na fazenda Butantan). Diferentemente, a

instituição mineira tinha uma localização central na cidade, próxima ao burburinho da

população. Situada na Praça da Liberdade, endereço do executivo estadual, sob a

“proteção” do poder.

As viagens promovidas pelo Instituto têm início a partir da criação de um Posto

chamado, inicialmente, de antiofídico68

. Firmava-se um contrato entre o Instituto

Ezequiel Dias, o governo do estado e o Butantan. Era uma grande chance que chegava

ao Instituto para que pudessem ser contornados os graves problemas de verbas. O

acordo possibilitava recursos mais altos, que poderiam ser convertidos em

melhoramentos das condições das diversificadas atividades no campo da medicina

experimental desenvolvidas pelo Instituto. Era, também, um momento singular, em que

os médicos poderiam acumular seu capital científico (Bourdieu, 1994), ao aproximar-se

de amplos setores. Esta aliança abria a possibilidade deste capital ser convertido em

outras formas de capital. Assim, estes médicos poderiam pluralizar suas atividades nos

mais diferentes campos da medicina experimental, trazer dividendos para o Instituto,

67

Neste caso desconsideraremos o fato de Belo Horizonte não ser, obviamente, uma cidade litorânea, mas

atestamos a pertinência de tal comparação, na medida em que tais categorias – sertão/litoral – foram

utilizadas em um sentido metafórico, nos diferentes discursos/projetos da nação, tendo relação com outras

dicotomias, como aquela de urbano versus litoral. 68

As viagens, como aquelas de estudos científicos, de forma sistemática e regular intensificam-se em

1923 (Magalhães, 1957: 250).

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atuar na profissionalização do campo médico69

, além de sua inserção no jogo político

mineiro e nas ações de saúde pública. Era, sem dúvida, um serviço capaz de

arregimentar aliados para a ciência.

As viagens em busca de cobras e escorpiões consistiam, também, em uma ampla

campanha de vacinação contra inúmeras doenças, como a varíola, além do fato de que

inúmeras medidas profiláticas:

“Fomos a vários municípios do oeste mineiro, pesquisando

moléstias de animais e homens: moléstia de Chagas,

escorpionismo, peste dos polmões, febre aftosa,, etc. Era

continuação das ‘bandeiras’ modernas, que vários cientistas

estrangeiros já tinham feito em nosso país e que Oswaldo Cruz,

com tanta clarividência, estabelecera em Manguinhos”

(Magalhães, 1957: 250).

Em troca das cobras enviadas ao Instituto pelos fornecedores, eram remetidos

tubos de soro, para o caso de eventuais acidentes. A remessa dos bichos era, de forma

interessante, encarada como um verdadeiro ato patriótico por Ezequiel Dias:

“À vista disso, expedimos aos fornecedores uma circular

expondo-lhe a situação e o meio mais prático de conjurarmos a

crise. Não foi debalde o nosso apelo, visto que recebemos cerca

do triplo de cobras, relativamente ao ano anterior. Isto

demonstra o grau de cultura cívica dos agricultores

mineiros, dos quais será lícito esperar uma cooperação

eficiente em qualquer obra de ideais filantrópicos” (RASAMG,

1919: 4). (grifo meu)

Fica evidente a idéia de que seria preciso construir uma coletividade a partir do

serviço que era prestado. A “cultura cívica” a que se refere Ezequiel Dias demonstra

bem a idéia de como o envio de cobras era importante, porém não apenas pela

69

Como já se observou no início, o Instituto Ezequiel Dias foi uma espécie de celeiro para Faculdade de

Medicina, em Belo Horizonte. Muitos de seus pesquisadores eram professores na Faculdade, tal como

seus diretores Ezequiel e Octavio de Magalhães.

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manutenção dos soros, mas também por algo mais que ele poderia trazer. Isso quer dizer

que era importante pensar como o posto poderia funcionar como um veículo que

trouxesse, a reboque, outros assuntos referentes à idéia de saúde que se começava a

tecer no âmbito discursivo e que se servia de cobras e escorpiões como interlocutores,

seres híbridos capazes de ajudar na efetividade desses interesses e estratégias científicas.

O alistamento simbólico dos aliados alcançava uma materialidade no momento

em que os relatórios do posto traziam a lista dos fornecedores de cobras ao Instituto. A

lista tinha uma carga forte de aproximação de alianças e composição de redes, pois

enumerava os nomes de acordo com a quantidade de cobras enviadas (da maior para a

menor). Para se ter uma idéia da importância desse alistamento dos aliados, como forma

de acumulação de capital científico para o Instituto, basta observar que a lista mensal

era divulgada no Minas Gerais, em uma coluna denominada “Instituto Oswaldo Cruz”,

que existia unicamente para esse fim70

.

Para que as alianças pudessem se tornar sólidas, a relação equilibrada entre

cobras/tubos de soros era imprescindível, e se daria por meio de uma extensa rede que

interligasse cientistas e sociedade. Neste sentido, havia grandes problemas com relação

às estradas de ferro, pois “um destes obstáculos está nos meios de transporte – agente

demolidor, persistente e desesperado” (RASAMG, 1924:1). A missão está atrelada a

estas redes de comunicação que se constituíam em um problema constante, dada à

ineficiência das já existentes no período e da necessidade de criação de novas:

“Daqui por diante, o desenvolvimento máximo dos nossos

trabalhos ficará em grande parte dependente de novas

facilidades de transporte, já pelo avançamento de boas vias de

penetração, como a Estrada de Ferro Paracatu, o ramal de

Montes Claros, o prolongamento de Pirapora a Belém do Pará,,

etc., já pelo estabelecimento do tráfego mútuo entre

70

A publicação das listas não foi linear e ininterrupta. Encontramos uma seqüência maior,

principalmente, no segundo semestre de 1918.

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administrações diferentes, como Central do Brasil e Curralinho-

Diamantina, Leopoldina e Vitória-Minas, Central e as

companhias de Navegação do Rio S. Francisco, etc (RASAMG,

1921: 1)

Os meios de transporte consistiam nos veículos que viabilizariam uma missão

contra os peçonhentos, dentre outros. Tratava-se de estender fronteiras, de ir além das

montanhas de Minas, pois “as referidas vantagens do tráfego mútuo, as quais deverão

levar os nossos serviços a vários municípios além de Pirapora, como também a Estados

limítrofes, provavelmente a algumas populações baianas (e talvez pernambucanas)

ribeirinhas da referida artéria geográfica” (RASAMG, 1921:1-2). Uma nação, uma

Minas unida não se faz através da vontade individual; era preciso cobrar investimento

na construção de vias de comunicação que fizesse o obstáculo isolacionista imposto pela

própria geografia montanhosa de Minas menos difícil de ser ultrapassado.

Porém, os obstáculos não poderiam esmorecer tão “nobres objetivos”, bem

caracterizados por Dias ao falar dos limites ainda não rompidos pelas campanhas:

“Infelizmente, continua fora do nosso alcance a imensa região

norte-mineira (talvez a mais cobiçada para semelhantes

estudos) que, no entanto, quase toda vive, nesse particular, em

pleno obscurantismo, impregnada de lendas e crendices

abstrusas. Acreditamos, porém, que, desde o dia em que a

tão futurosas terras forem propiciados fáceis meios de

transporte, fartos e cabais elementos de ensino primário,

assim como a ação benfazeja do saneamento, esses bons

patrícios , aliás, inteligentes, terão ingresso na comunhão

brasileira de que vivem por bem dizer arredios, e passarão

a fruir as vantagens que a ciência lhes faculta. Pois a

despeito de tantas dificuldades, que os separam dos centros

civilizados, a este Instituto já tem cobras provenientes do Serro,

Conceição, Montes Claros, São João Bastista, Paracatu, etc

(RASAMG, 1921:2) (grifo meu)

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Esse trecho mostra a operação discursiva que esses homens de ciência

começaram a promover a partir da inauguração do Posto Antiofídico. Os homens e os

não-humanos uniram-se a dois projetos: o de buscar as alternativas para se construir a

nação brasileira, e, não menos importante, o de transformar Minas, a partir do seu

desenvolvimento e união. Para isso era preciso conhecer, desbravar, fazer do sonho a

vigília. Apenas dessa forma a população simples e doente do interior, mergulhada na

medicina popular, ainda intocada pelas novidades da mudança microbiológica, teria a

possibilidade de desfrutar das benesses de se estar na civilização. Transporte, educação

e saneamento. Uma tríade importante e que, diga-se de passagem, estava sendo

propalada por homens e híbridos. Cobras e escorpiões foram incumbidos, também, de

operar em nível discursivo, mas, sobretudo, de torná-lo prático, efetivo e de dar suas

dimensões reais.

O trecho acima é símbolo dessa tentativa de entender o caráter da modernidade,

carregada de um conteúdo auto-destrutivo, inconcreta, pintada feito obra impressionista,

em um quadro que, quanto mais se distancia dos centros decisórios e embrenha-se pelo

sertão montanhoso e desolador mineiro, evanesce em cores cada vez menos nítidas, em

imagens menos delineadas, em sombras de homens e corpos degradados pela doença.

Essa gente que se via perdida pelos sertões de Minas não era viciada na raça,

como um possível paradigma racial ortodoxo poderia ter reivindicado. São inteligentes,

mas vivem distantes da civilização. Plácido Barbosa, na conferência realizada na SMA,

afirmou que, muito longe de uma multidão de depauperados na raça, pelo contrário, os

minérios seriam a síntese da vitalidade física. Bastava lembrar onde a cidade de Belo

Horizonte foi erguida para ratificar tal idéia:

“O descuido pelo saneamento das populações é certamente o

responsável por uma diminuição da vitalidade e do poder

produtor da nossa raça que é impossível deixar de reconhecer.

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A estofa do brasileiro é esplêndida, tudo ele pode conseguir.

Belo Horizonte, que se ergueu no deserto, concretizando um

sonho, é uma prova disso”. (Minas Gerais, 14 de Julho de

1918: 4) (grifo meu)

Na mesma conferência, atesta, como Dias, que essa gente do interior era

inteligente o bastante para compreender as mudanças que deveriam ser feitas através das

práticas higiênicas:

“O povo, mesmo analfabeto, pode aprender tudo. Ele que

aprende as ladainhas intermináveis e até em latim, os

responsos, as rezas, as complicadas histórias da carochinha, dos

lobisomens e mulas sem-cabeça, ele que aprende abusões e

erros que defende firmimente, pode, pelos mesmos processos,

aprender a cartilha da higiene. O ponto é saber ensinar-lhe”.

(Minas Gerais, 14 de Julho de 1918: 5)

A campanha era a forma de livrar nossos patrícios da medicina popular, trazer a

verdadeira ciência e propor mudanças. Havia boas chances para esses rudes. Contudo,

era preciso um governo forte, legitimamente republicano, livre da “complicada

entrosagem burocrática, que irrita a paciência dos homens do campo” (RASAMG,

1920: 2).

Corroborava-se, assim, a visão de que o sujeito do interior era, por natureza e

condição, uma espécie de ícone daquilo que o Brasil era, mas, também, daquilo que

poderia torna-se, até porque não se misturou à sujeira da politicagem manifestada nas

autarquias estaduais após 1889. Ele era a personificação da gente prática, do labor, da

terra, da produção e do trabalho. Uma espécie de brasilidade genuína não misturada a

uma tradição copista e bacherelesca que determinada intelectualidade já via como um

fator que obstaculizava a efetiva construção de uma nação brasileira e de uma Minas

Gerais desenvolvida.

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A cada novo relatório, a cada nova viagem as expedições científicas revelavam o

sertão mineiro doente, numa profusão de idiotas (Doença de Chagas) e de opilados

(vítimas de ancilostomíase): “Também foi apurado, sob a alta orientação do Dr. Carlos

Chagas, a grande difusão da Tripanossomíase americana e da Ancilostomose, que fazem

daqueles rudes patrícios retardatários, verdadeiros farrapos humanos” (RASAMG,

1923:3).

Tais relatórios são, sem dúvida, meios eficazes de realização de uma espécie de

jogo do morde/assopra. A missão civilizatória não se fará sem o apoio/subvenção dos

poderes públicos. Ao governo cabe garantir o sucesso dessas bandeiras pelos campos de

Minas, pois

“as viagens, para estudos, tem continuado, apesar de não termos

tido melhoria das nossas subvenções. Estas ‘bandeiras’ são de

uma utilidade magnífica para nosso objetivo. Foram as

seguintes: para São Pedro de Alcântara, Santo Antonio do

Monte, Curvelo, Mantiqueira, Pirapora, Marinhos, Ericeira,

Cotegipe e Engenheiro Corrrêa” (RASAMG, 1924: 5).

A bandeira passa a se tornar recurso eficiente na definição das propostas desses

médicos e dessa intelectualidade, que pretendia uma nova nação. Designam, assim, o

caráter antropológico de suas viagens e da própria atividade científica naquele contexto.

É a recuperação histórica de um evento que contribuía para a identificação da gente

doente do País e que não deixava de exaltar as largas fronteiras do Brasil, com toda a

sua diversidade, que se constituía em verdadeiro patrimônio geográfico que deveria ser

“propagandeado”.

A análise feita por De Luca da Revista do Brasil, que, como observamos, era

importante veículo de divulgação das idéias da intelectualidade, demonstrou que era

recorrente a idéia de que as dimensões territoriais do Brasil seriam produto da ação

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bandeirante (De Luca, 1999: 98). Porém, para muitos no período, a ação bandeirante

havia sido esquecida e precisava ser retomada. E é por esse caminho que se pode

entender o porquê de tal interesse pelo bandeirismo. A materialidade dessas novas

bandeiras foi demonstrada através de inúmeras missões científicas que adquiriam esse

novo estatuto. Junto com micróbios e doenças, os homens também carregavam por

essas viagens, promovidas pelo Instituto Oswaldo Cruz, pela missão de Rondon e pela

caçadas às cobras e escorpiões, a identificação das gentes perdidas pelo Brasil. E,

especialmente, a possibilidade de sua inclusão, alicerçada em um discurso que também

unia história/memória, identidade geográfica e possibilidade de redenção pela

identificação dos problemas e possíveis e ações futuras71

.

Em muitos momentos os relatórios apresentam a ciência como o elo capaz de

juntar as partes soltas e ignoradas de um vasto território. A campanha contra os

peçonhentos adquire uma espécie de função de unir, de promover aquilo que o poder

central não conseguia fazer: amalgamar as municipalidades, as estradas, os fazendeiros,

toda gente rude e doente que pudesse compor as Minas Gerais:

“Mas o Instituto tem papel ativo nessa campanha, com o fim de

levar a sua rápida benfazeja aos pontos mais remotos do vasto

território mineiro. Com esse intento, distribui circulares, cujo

exemplar acompanha este Relatório, aos Presidentes das Câmaras

Municipais, a todos párocos, Estradas de Ferro, solicitando

remessas de listas de Fazendeiros, Agricultores e pessoas que

pudessem enviar cobras” (RASAMG, 1924:10).

Minas precisaria ser amplamente conhecida, nos seus mais escondidos espaços:

somente assim, unida e reformada por uma ampla campanha sanitária, poderia dar a sua

71

Por outro lado, a autora identificou que essa ênfase na figura do bandeirante também, em muitos

momentos, assegurou um papel de destaque a São Paulo e aos paulistas, nas páginas da Revista do Brasil.

Contudo, a partir da referência que os médicos do Instituto sempre fazem às “bandeiras científicas” é

importante pensar acerca de como o artifício é forte o suficiente para ser utilizado em diferentes contextos.

Considera-se também a utilização recorrente do bandeirismo como sintomático da circulação das idéias no

interior desse debate, que estava sendo travado pela intelectualidade na Primeira República.

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contribuição ao espaço/nação que médicos, militares, homens de letras e outros

pretendiam identificar/transformar/construir.

Começa a ficar claro o papel do Instituto Ezequiel Dias e de sua campanha

contra os peçonhentos, que se metamorfoseou numa campanha pela pátria. O

movimento é o de querer fazer com que estes relatos se tornassem públicos, por vários

meios de divulgação científica: pelos jornais, nas visitações públicas às instalações do

Instituto, na distribuição de cartilhas a grandes fazendeiros e pequenos agricultores. A

ciência adquiria uma capacidade transformadora: a relação ciência/cultura tornava-se

inquebrantável no interior das práticas.

É importante destacar como essas questões estavam em relatórios dirigidos ao

Secretário de Agricultura e que, teoricamente, deveriam abordar o andamento do Posto,

as questões burocráticas. Até mesmo uma possível reclamação quanto às verbas não era

de estranhar. Mas, os relatórios transformaram-se, por sua própria natureza e pelo que

ansiavam esses médicos, em uma instância mediadora entre a prática científica e suas

redes, através de um ponto de referência para o bom funcionamento do circuito: o

governo estadual.

Os relatórios adquirem um significado antropológico na sua descrição do que se

via e do que se pretendia fazer em relação ao homem do interior. Destituem-se de sua

frieza e funcionam como a tentativa de estabelecer um diálogo com um setor que seria

importante como aliado para muitos objetivos que não se restringiam ao Posto,

pretendendo também: dotar o Instituto de credibilidade e fazê-lo crescer; torná-lo

importante para saúde pública; difundir a própria noção de uma gestão pública da saúde

eficiente; pensar através disso a nação brasileira e o desenvolvimento de Minas Gerais.

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Para que se tenha idéia da forma com que os escorpiões e cobras foram

colocados como interlocutores dessas inúmeras questões, nada mais emblemático que

um artigo produzido em 1922 e considerado um dos estudos pioneiros da questão do

escorpionismo. Intitulado “A Luta contra os Escorpiões”, foi escrito Ezequiel Dias,

Marques Lisboa e Samuel Libânio. Este último, como já foi mencionado, era importante

figura da Reforma de 1918 e do Regulamento de Profilaxia Rural.

Por mais que o início do artigo pareça óbvio, diante do fato de que propõe

arrolar os meios mais eficazes de luta contra os escorpiões, já nos dá algumas pistas de

como a discussão do escorpionismo será veículo para ação em outros campos:

“Em conformidade com a ecologia dos escorpionídeos

existentes no Brasil central, com especialidade no Estado de

Minas Gerais, dois deveriam ser os pontos indicados para o

combate a esses aracnídeos:

1º - nos campos;

2º - nas habitações humanas;

Dada a vasta distribuição geográfica dos referidos artrópodes,

não nos parece prática nem oportuna a primeira parte do

problema. Mas se a civilização tivesse atingido a tal grau e a

riqueza pública a tais proporções que comportassem semelhante

campanha de extermínio, seria por aí que havíamos de começar,

porque é do seu habitat natural, isto é, da natureza livre, que o

escorpião veio e ainda vem para o interior dos nossos

domicílios”. (Dias, Libânio, Lisboa, 1922: 5)

É importante perceber que, apesar de parecer apenas uma constatação

inicialmente – na qual os escorpiões surgem e, como eles, vão rumo às casas –, essa

asserção ganha novos contornos durante o texto. Ressalta-se como a questão do

escorpionismo abria uma outra chave de discussão, acerca de que campos eram esses e

de onde proliferavam esses animais ameaçadores que saíam dalí para povoar as casas.

O artigo caminha por indicações técnicas considerando determinadas substâncias

no combate aos escorpiões, como clorofórmio, a gasolina, a naftalina, o gás sulfuroso,

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entre outros. O objetivo era “sondar a resistência dos nossos artrópodes”. As

experiências são pormenorizadas, como qualquer artigo científico desse tipo. São

inúmeras, e, entre uma e outra, além da eficácia do produto utilizado, analisa-se a

facilidade de encontrá-lo no mercado, etc. Nos ensaios preliminares com as substâncias,

o resultado obtido era sempre a morte, o que leva os autores a dizer que “desses ligeiros

ensaios preliminares devíamos concluir que há meios seguros e rápidos para matar o

escorpião”. Mas não era bem assim. Algumas substâncias conseguiam bons efeitos em

recintos pequenos, embora não nos grandes. Em vista de alguns resultados negativos,

foram promovidas experiências em locais maiores e, por último, expurgos em algumas

casas em Belo Horizonte. Estes tiveram o apoio da Diretoria de Higiene, que

disponibilizou material e pessoal necessários para as experiências. De acordo com os

autores:

“originárias dos campos, as espécies dominantes na região

central do Estado de Minas Gerais, nomeadamente o Tityus

Serralatus, encontram na maioria das residências humanas, até

mesmo nas cidades, as condições necessárias à vida:

esconderijos profundos, obscuridade, sossego e alimentação”.

(Dias, Libânio, Lisboa, 1922: 17)

É interessante notar que, momento de postular as medidas para combater e,

principalmente, para evitar os escorpiões, a ciência adentra o espaço privado, tentando

mudar costumes e práticas. Afirma que “a melhor garantia contra acidentes

escorpiônicos está, pois, em construir os prédios de maneira tal que os tornem

inabitáveis para semelhantes hóspedes” (Idem). Mas enquanto esse imperativo de ordem

arquitetônica e de engenharia sanitária não pode se concretizar, os autores estipulam

uma série de normas pertencentes ao Regulamento do Departamento Nacional de Saúde

Pública, que postulam sobre os tipos de construção, os materiais, entre outras questões.

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Tais medidas não deixam de ter um conteúdo de denúncia de uma população,

seja do interior, seja da própria zona suburbana da Belo Horizonte planejada, que

morava em péssimas edificações, sem as condições mínimas de higiene. Tratava-se,

assim, de focos infestados de escorpiões, de doenças, como a Doença de Chagas, de

sujeira, epidemias de peste, etc. E, se o perigo em foco era a picada de escorpião, a

partir dele era possível repensar o papel das autoridades públicas. Deveriam chegar

além do centro belo-horizontino, das ruas largas, da cidade higiênica, e ir até a outra,

que estava escondida em seus subúrbios. Uma outra cidade que não tinha sido

imaginada pela Comissão Construtora, mas que existia e que era, para muitos, perigosa.

Diante disso, foi preciso fazer

“um apelo aos poderes público do nosso país, não só aos

presidentes e governadores de Estados, como principalmente às

Câmaras Municipais, para que estudem e critiquem as idéias

aqui apresentadas, submetendo-as ao juízo dos competentes,

isto é, dos biólogos, higienistas e engenheiros sanitários. E se,

por ventura, elas merecerem tão honrosa sanção, que sejam para

logo postas em prática, afim de que milhões de nosso patrícios

não continuem a viver em promiscuidade com aracnídeos

venenosos, insetos transmissores de moléstias incuráveis,

murídeos depositários de bacilos pestíferos, já não falando

de outras pragas domésticas que a higiene condena e o

asseio repele”. (Dias, Libânio, Lisboa, 1922: 19) (grifo meu)

O Posto Antiofídico cresceu, as viagens tornaram-se inúmeras durante a década

de 1920 e 1930. A credibilidade do Instituto Ezequiel Dias aumentou, e seu projeto de

crescimento e ampliação física estava cada vez mais perto, como se viu, com a

estadualização a partir de 1936. A microbiologia solidificava-se como campo de

conhecimento autônomo. A importância do tratamento soroterápico para as picadas de

cobras e escorpiões já fazia parte do cotidiano das pessoas. Nada disso seria possível

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sem a construção de sólidas redes científicas que seriam capazes de trazer aliados na

concretização desses múltiplos interesses.

Redes que foram construídas e que faziam com que os interesses da ciência se

transformassem nos interesses de muitos outros atores sociais... A solidez das alianças

que foram feitas para a manutenção dessas redes dava a ela um caráter sistêmico, uma

lógica circulatória que pretendia controlar os opositores e aproximar os aliados.

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Conclusão

A história institucional pode nos oferecer diversos caminhos para a análise. A

historiografia atual deixa claro que as instituições estão longe da visão de uma história

exclusivamente laudatória, descritiva. De acordo com o enfoque que se dá, a Instituição

desponta como uma instância de inúmeras mediações necessárias aos atores da ciência e

aos seus meios, como se vê com a criação de um espaço histórico, político e cultural

capaz de dar sustentabilidade as suas ações.

No caso do Instituto Ezequiel Dias, as possibilidades eram muito variadas,

diante da sua história centenária. Optou-se por encarar as primeiras décadas deste

Instituto. Pôde-se, através desse recorte, perceber o espaço social que se encarregou de

recebê-lo. Belo Horizonte era a cidade símbolo de uma modernidade projetada e

pretendida. A cidade salubre era carente de instituições científicas, e foi assim que a

antiga Filial de Manguinhos aqui chegou.

Era preciso a incorporação ao cenário que fazia da urbe um símbolo, em que a

ciência não poderia estar de fora. E falar de ciência, do novo, do moderno era falar das

transformações da microbiologia.

Teve, ao longo dessa trajetória, uma atuação decisiva naquilo que poderíamos

chamar de um processo regional de aceitação da microbiologia. Foi preciso se adequar e

interagir com o espaço para que a legitimação das novas idéias pudesse se efetivar.

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Sendo assim, Ezequiel Dias, Octavio de Magalhães e muitos outros atores precisaram

ajudar a compor diversas redes que deram solidez ao Instituto. A ciência experimental

era difundida e substantivada na famosa Rua da Bahia, ecoando pelos vários cantos de

Minas através da sucessiva ampliação dos serviços do Instituto Ezequiel Dias.

A disseminação desses serviços, a participação no ensino acadêmico, as relações

interinstitucionais foram de vital importância para o aumento da credibilidade do

Instituto.

Os homens de ciência do Instituto Ezequiel Dias, como sujeitos interessados e

em vista das necessidades de garantir a sua credibilidade dentro e fora do lugar em que

estavam inseridos, aproximaram-se do Serviço Antipeçonhento. Fizeram-no na tentativa

de garantir uma autonomia ainda maior do campo médico, além de dar autoridade às

novas idéias que exigiam legitimação. A capital, dita moderna, estava assolada por

cobras e escorpiões. E não apenas em seu espaço urbano. Os acidentes com animais

peçonhentos em Minas eram recorrentes com homens e animais, e a contenção dessa

situação interessava a amplos setores.

Se a realidade histórica e cultural lhes ofereceu essa situação, foi dela que os

médicos se serviram. Mas não bastava se dedicar apenas às mordeduras de cobras e

escorpiões. Para se firmar no terreno da saúde em Minas, seria preciso um árduo

trabalho desses sujeitos, que foram capazes de se colocar em interação com a natureza.

Os objetos não foram apenas estáticos, inertes e a-históricos. Foram também capazes de

interagir dentro do processo científico. Mais do que isso, foi preciso que eles

assumissem uma posição privilegiada, pois seriam peças fundamentais para que as

translações operassem em prol dos interesses diferentes e contraditórios.

O Serviço Antipeçonhento teve essa capacidade de propiciar a mobilização do

mundo ao redor da ciência. Formou uma rede de alianças que, de tão fortes,

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transformariam o próprio Instituto. A lista desses aliados foi se tornando cada vez maior

na mesma velocidade em que cresciam o Posto e sua campanha contra os peçonhentos.

Todos eles eram constantemente arrolados de formas diferentes nesse fluxo em que se

processava a atividade científica.

Tais alianças apenas se efetivaram a partir do instante em que o serviço foi capaz

de atingir critérios da eficiência que seria convertida em credibilidade ao Instituto.

Assim, a campanha contra os peçonhentos deveria se tornar visível, se fazer importante:

com a distribuição de manuais para a captura de cobras e o conhecimento do problema,

a participação em congressos, com artigos em jornais que demonstrassem a importância

da questão dos peçonhentos, numa interface com amplos setores. Não por acaso, a

criação do Posto Antiofídico se deu por recomendação da Sociedade Mineira de

Agricultura, órgão representativo das “classes conservadoras” de Minas, de relações

estreitas com o governo do Estado.

O interessante é que o Serviço Antipeçonhento promoveu bandeiras científicas

pelo interior de Minas e colocou-se em diálogo com dois projetos paralelos: o primeiro,

que pretendia tornar efetiva uma nova nação brasileira, incorporando sertão e litoral,

campo e cidade, tendo na ciência um elo de efetividade discursiva e prática; o segundo,

que transcorria regionalmente e pretendia o desenvolvimento econômico de Minas

Gerais, sem renegar também a contribuição da ciência.

Assim, podemos dizer que o Instituto foi capaz de unir o micro – nas atividades

científicas cotidianas de um laboratório, na produção dos artigos, na rotina – ao macro –

em uma ligação a um projeto muito maior de construir uma nova nação –, porém

“reformada”, saneada, higienizada e dar substância econômica a Minas Gerais.

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Fontes

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. Arquivos Institucionais:

Receita e despesa, no período de 1907-1936

Correspondências e Ofícios

Cartas e Ofícios, de 1928 a 1933

Observações de picadas por escorpiões em Belo Horizonte (organizadas de acordo com

os seguintes volumes: I de 1932; II-III de 1933; IV de 1934 e 1935; V de 1935 e 1936)

. Relatórios:

DIAS, Ezequiel. Relatório da Filial apresentado a Manguinhos em 1919.

___________ . Relatório da Filial apresentado a Manguinhos em 1920.

MAGALHÃES, Octavio. Relatórios apresentados ao Secretário de Agricultura de

Minas Gerais (serviço antiofídico e antiescorpiônico dos anos de 1922, 1925, 1927,

1928, 1929, 1930, 1931, 1932, 1933, e 1934)

___________ . Relatório annual sobre exames e pesquisas feitas, neste instituto, bem

como de tubos de vacinas e sôros fornecidos ao Estado de Minas e particulares durante

o anno de 1930 para o Secretário de Educação e Saúde Pública.

___________ . Relatório annual sobre exames e pesquisas feitas, neste instituto, bem

como de tubos de vacinas e sôros fornecidos ao Estado de Minas e particulares durante

o anno de 1931 para o Secretario de Educação e Saúde Publica.

___________ . Relatório apresentado ao diretor de Saúde Pública em 1933.

___________ . Relatório apresentado ao diretor de Saúde Pública em 1935.

___________ . Relatório Geral de 1938 do Instituto Biológico Ezequiel Dias ao

Secretário da Educação e Saúde Pública .

___________ . Relatório Geral de 1939 do Instituto Biológico Ezequiel Dias ao

Secretário da Educação e Saúde Pública .

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2) Relatos memorialistas

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v.15, n.1, p.1-3. 1922.

DIAS, Ezequiel. O Instituto Oswaldo Cruz: Resumo Histórico (1899-1918). Rio de

Janeiro: Manguinhos, 1918.

MAGALHÃES, Octavio. Ensaios. Belo Horizonte: Oficinas da Faculdade de Direito de

Minas Gerais, 1957.

MAGALHÃES, Vanda Figueiredo. Octavio de Magalhães: um pouco do que ele foi.

Belo Horizonte: Cordel-Artes Visuais, 1976.

3) Entrevista

MARTINS, Amilcar Vianna. Amilcar Vianna Martins (depoimento, 1987). Rio de

Janeiro: FIOCRUZ/COC, Programa de História Oral, 1991. (dat.)

4) Documentação oficial

4.1. Relatórios

ESTADO DE MINAS GERAIS. Relatório Apresentado ao Exmo. Sr. Dr. Américo

Ferrerira Lopes, Secretário de Estado dos Negócios do Interior, pelo Dr. Zoroastro R.

Alvarenga, Diretor Geral de Higiene. [Exercício de 1916]. Belo Horizonte: Imprensa

Oficial, 1917.

ESTADO DE MINAS GERAIS. Relatório Apresentado ao Exmo. Sr. Dr. Afonso Penna

Junior, Secretário de Estado dos Negócios do Interior, pelo Dr. Samuel Libânio,

Diretor Geral de Higiene. [Exercício de 1921]. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1922.

ESTADO DE MINAS GERAIS. Relatório Apresentado ao Exmo. Sr. Dr. Fernando de

Melo Vianna, Secretário do Interior do Estado de Minas Gerais,, pelo Dr. Samuel

Libânio, Diretor Geral de Higiene. [Exercício de 1923]. Belo Horizonte: Imprensa

Oficial, 1924.

ESTADO DE MINAS GERAIS. Relatório Apresentado ao Secretário de Segurança e

Assistência Pública, pelo Dr. Raul de Almeida Magalhães.. [Exercício de 1927]. Belo

Horizonte: Imprensa Oficial, 1928.

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ESTADO DE MINAS GERAIS. Relatório Apresentado ao Secretário de Segurança e

Assistência Pública, pelo Dr. Raul de Almeida Magalhães. [Exercício de 1928]. Belo

Horizonte: Imprensa Oficial, 1929.

ESTADO DE MINAS GERAIS. Relatório Apresentado ao Exmo. Sr. Noraldino de

Lima, Secretário da Educação e Saúde Pública.. [Exercício de 1930 e 1931]. Belo

Horizonte: Imprensa Oficial, 1932.

4.2. Jornal Minas Gerais (Imprensa Oficial)

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BARROS, Evandro da Fonseca. Aspectos anatomopatológicos do sistema nervoso

central na intoxicação escorpiônica (Trabalho de cadeira de Fisiologia da Faculdade de

Medicina da U. M. G. e do Inst. de Radium e do Insti. Biol. Ezequiel Dias. O Hospital,

vol. 12, nº 3, pgs. 424/442, setembro 1937.

BARROS, Evandro da Fonseca. Aspectos clínicos da intoxicação escorpiônica

(Trabalho do Inst. Biol. Ezequiel Dias). Memórias do Inst. Biológico Ezequiel Dias,

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Oswaldo Cruz, Rio e Belo Horizonte). A Folha Médica, ano 3, nº 10, pgs. 73,

31/05/1922.

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(Trabalho do Inst. Oswaldo Cruz, Belo Horizonte). (Com a estampa 1). Memórias do

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