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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS ESCOLA DE COMUNICAÇÃO ECO O Inesperado e a Crise: Projeções econômicas do FMI e sua cobertura pela Folha Priscilla da Silva Daumas Rio de Janeiro 2014

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Page 1: O Inesperado e a Crise - Federal University of Rio de Janeirorecente, o ano de 2008 – quando inicia a última recessão mundial – foi escolhido como referência para a observação

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

ESCOLA DE COMUNICAÇÃO – ECO

O Inesperado e a Crise: Projeções econômicas do FMI e sua cobertura pela Folha

Priscilla da Silva Daumas

Rio de Janeiro

2014

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

ESCOLA DE COMUNICAÇÃO – ECO

O Inesperado e a Crise: Projeções econômicas do FMI e sua cobertura pela Folha

Priscilla da Silva Daumas

Monografia submetida à Banca de Graduação

como requisito para obtenção do diploma de

Comunicação Social/ Jornalismo.

Orientador: Prof. Dr. William Dias Braga,

Doutor em Comunicação, Professor Associado

ECO-UFRJ.

Rio de Janeiro

2014

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

ESCOLA DE COMUNICAÇÃO

TERMO DE APROVAÇÃO

A Comissão Examinadora, abaixo assinada, avalia a Monografia O inesperado e a

crise: projeções econômicas do FMI para 2008 e sua cobertura pela Folha, elaborada

por Priscilla da Silva Daumas.

Monografia examinada:

Rio de Janeiro, no dia ........./........./..........

Comissão Examinadora:

__________________________________________________

Orientador: Prof. Dr. William Dias Braga

Doutor em Comunicação pela Escola de Comunicação - UFRJ

Departamento de Comunicação - UFRJ

__________________________________________________

Prof. Luiz Solon Gonçalves Gallotti

Mestre em Ciencias Economicas pela Universidade Católica de Louvain. Bélgica

Doutor em Comunicação e Cultura pela UFRJ

Bacharel em Economia pela FEA- USP.

__________________________________________________

Prof. Nilo Sergio Silva Gomes

Doutor em Comunicação pela Escola de Comunicação - UFRJ

Departamento de Comunicação – UFRJ

Rio de Janeiro

2014

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FICHA CATALOGRÁFICA

DAUMAS, Priscilla.

O Inesperado e a Crise: projeções do FMI para 2008 e sua

cobertura pela Folha. Rio de Janeiro, 2014.

Monografia (Graduação em Comunicação Social/ Jornalismo) –

Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, Escola de Comunicação –

ECO.

Orientador: William Dias Braga

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DAUMAS, Priscilla. O Inesperado e a Crise: projeções do FMI para 2008 e sua

cobertura pela Folha. Orientadora: William Dias Braga. Rio de Janeiro: UFRJ/ECO.

Monografia em Jornalismo.

RESUMO

Este trabalho descreve e analisa a cobertura jornalística realizada pela Folha de São Paulo

das previsões econômicas do Fundo Monetário Internacional, divulgadas semestralmente

por meio do relatório Panorama Econômico Mundial. Diante dos eventos da história

recente, o ano de 2008 – quando inicia a última recessão mundial – foi escolhido como

referência para a observação. As bases para o trabalho são um os elementos que

caracterizam o jornalismo econômico no país, como sua história, especificidades,

linguagem e mentalidade. Além da análise do posicionamento e estratégias da instituição

durante as coletivas de imprensa de divulgação das conclusões dos relatórios.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Quadro 1. Defesa do crescimento econômico, relatório de abril de 2007 14

Figura 1. Gráfico com estimativas do FMI para o crescimento econômico 46

Figura 2. Comparação entre estimativas do FMI e resultados

do crescimento econômico 47

Figura 3. Gráfico com estimativas do FMI para o PIB de 2007 49

Figura 4. Mapa relacionando inflação e alta do preço dos alimentos 50

Figura 5. Gráfico com avanço da participação dos emergentes no PIB mundial 51

Figura 6. Gráfico sobre previsões do FMI em abril de 2008 56

Figura 7. Gráfico com estimativas do FMI para 2009 64

Figura 8. Gráfico com estimativas do FMI para o PIB em abril de 2009 66

Figura 9. Gráfico com estimativas do FMI para o PIB de 2009 e 2010 69

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ÍNDICE

1. INTRODUÇÃO 1

2. PROJEÇÕES ECONÔMICAS 3

2.1. Prever o futuro da economia: visões divergentes 4

2.2. Projeções do Fundo Monetário Internacional 8

2.2.1. Panorama Econômico Mundial: a análise do cenário econômico de 2007 10

2.2.2. Panorama Econômico Mundial: a análise do cenário econômico de 2008 16

2.2.3. Panorama Econômico Mundial: a análise do cenário econômico de 2009 23

2.2.4. Relação do FMI e seu Panorama com a Mídia 25

3. COBERTURA DAS PROJEÇÕES ECONÔMICAS NA FOLHA 29

3.1. Elementos do jornalismo econômico brasileiro 30

3.2. Cobertura jornalística da Folha de São Paulo do Panorama

Econômico Mundial em 2007 41

3.3. Cobertura jornalística da Folha de São Paulo do Panorama

Econômico Mundial em 2008 53

3.4. Cobertura jornalística da Folha de São Paulo do Panorama

Econômico Mundial em 2009 64

3.5. Considerações finais sobre a cobertura jornalística da

Folha de São Paulo das previsões do Fundo Monetário Internacional 71

4. CONCLUSÃO 74

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 77

6. REFERÊNCIAS HEMEROGRÁFICAS 81

7. ANEXOS 83

ANEXO A - Folha de São Paulo, 5 de abril de 2007, página B5 83

ANEXO B - Folha de São Paulo, 7 de abril de 2007, página A2, editorial 86

ANEXO C - Folha de São Paulo, 12 de abril de 2007, página B1 87

ANEXO D – Folha de São Paulo, 13 de abril de 2007, página A2, editorial 92

ANEXO E – Folha de São Paulo, 10 de abril de 2007, página B9 93

ANEXO F – Folha de São Paulo, 18 de outubro de 2007, página B6 97

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ANEXO G – Folha de São Paulo, 03 de abril de 2008, página B6 103

ANEXO H – Folha de São Paulo, 07 de abril de 2008, página A2, editorial 106

ANEXO I – Folha de São Paulo, 10 de abril de 2008, página B3 107

ANEXO J – Folha de São Paulo, 03 de outubro de 2008, página B6 113

ANEXO K – Folha de São Paulo, 03 de outubro de 2008, página B7 116

ANEXO L – Folha de São Paulo, 09 de outubro de 2008, página B6 119

ANEXO M – Folha de São Paulo, 23 de abril de 2009, página B3 124

ANEXO N – Folha de São Paulo, 23 de setembro de 2009, página B6 128

ANEXO O – Folha de São Paulo, 01 de outubro de 2009, página B4 131

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1. INTRODUÇÃO

Não há dúvidas que os assuntos relacionados à economia influenciam nossas vidas.

A economia é como uma teia, com uma imensidão de fios conectados entre si. E por mais

que para alguns possa parecer estranho, algo que aconteça em dos pontos deste intricado

ambiente pode provocar mudanças por toda parte. Dentro deste contexto, o ano de 2008

não foi um marco apenas para a história econômica, mas também para a história mundial.

Entretanto, pode-se afirmar que ainda não se virou a página deste evento e sua história

ainda está sendo escrita. Afinal, por mais que a maior turbulência tenha passado ainda

sofremos as consequências desta recessão que só pode ser comparada em magnitude com a

Grande Depressão de 1929.

Este trabalho propõe se debruçar em um dos aspectos que cercou aquele momento:

as previsões econômicas. Algo que, em tese, deveria ter alertado, principalmente, aos

governantes do tsunami que estava por vir. E permitir que ações para reduzir seu impacto

fossem tomadas. Veremos que esta face do estudo da economia não é uma unanimidade

nem mesmo entre seus próprios profissionais e acadêmicos. Em que cada lado apresenta

fortes argumentos que validariam seu ponto de vista.

Mesmo sendo alvo de debate, as previsões continuam sendo feitas pelas instituições

econômicas mais renomadas (ou não) do mundo. E como objeto de estudo deste trabalho

escolheram-se às feitas pelo Fundo Monetário Internacional por meio do relatório World

Economic Outlook. No segundo capítulo poderemos ver a maneira com que o Fundo

desacreditou sinais que já ficavam claros à véspera da eclosão da crise em nível mundial.

Como o organismo continuou os negando por grande parte de 2008. E, apenas após o

estouro da bolha, passou a oferecer uma (discutível) cartilha com medidas a serem

tomadas, para se agir sobre o que já tinha de fato acontecido. Além de observarmos como a

instituição durante todo esse tempo age como defensora do neoliberalismo.

Já o terceiro capítulo inicia-se com uma revisão dos elementos fundamentais do

próprio jornalismo econômico brasileiro e veremos como essa atividade é realmente

peculiar, com suas nuances, características e problemáticas únicas. Para que, enfim, possa

apresentar a ponta final desta cadeia: a transmissão das previsões do FMI para o público,

neste caso o leitor do jornal Folha de São Paulo. Para tal, foram selecionadas todas as

edições em que as previsões do Fundo foram alvo de textos, com o objetivo de se

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descrever e analisar profundamente a maneira com que o periódico tratou o assunto no nos

anos de 2007 a 2009.

Por fim, espera-se que a análise das matérias que compunham a cobertura

jornalística da Folha proporcione respostas aos questionamentos que impulsionaram a

realização deste trabalho: A relevância das previsões do FMI foi contestada? Por acaso o

jornal as analisa e contextualiza? Após a eclosão da crise em 2008 houve alguma mudança

no tratamento e contextualização dessas informações na produção da notícia? E se as

previsões econômicas são de fato relevantes para a cobertura econômica da mídia? São as

perguntas que pretendo responder ao longo das próximas páginas.

O objetivo final deste trabalho é o de colocar alguma luz sob uma das faces do

estudo econômico tão ligado a uma das características mais únicas de nossa espécie: a

constante preocupação com o futuro. E, principalmente, como essas informações sobre o

que estar por fim são compartilhadas pelos jornais com o público, peça fundamenta para a

engrenagem econômica e aqueles que mais serão impactados pelos desdobramentos

econômicos, independente se a previsão estiver correta ou não.

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2. PROJEÇÕES ECONÔMICAS

Se puderem ver dentro das sementes do tempo

E dizer qual grão germinará e qual não,

Digam-me, a quem nunca implorou ou temeu

Seus favores nem seu ódio

(Shakespeare, Macbeth, Ato I, Cena III)

O futuro é uma das principais forças que movem a ação humana. Seja ele o

amanhã, o próximo mês, ano ou século, sua influência moldou (e molda) pensamentos,

atitudes e culturas. Ao longo do tempo, foi e é, simultaneamente, temido, defendido,

ignorado e venerado. Permeia desde as ciências exatas, biológicas e humanas às

superstições e crendices; da taromancia às previsões econômicas.

Pode-se afirmar, sem receio, que a adivinhação do futuro – e o fascínio desta – é tão

antiga quanto o homem. No Egito dos faraós o resultado das colheitas era previsto pelo

nível do rio Nilo no período de cheia. As profecias de Nostradamus são discutidas – e

difundidas – até hoje. Astrólogos continuam a olhar para o céu em busca de respostas e a

ganhar fama e dinheiro. Jornais de circulação nacional estampam, diariamente, previsões

para cada um dos doze signos – e mesmo aqueles que não acreditam, no mínimo sabem

qual é a sua representação no horóscopo.

A língua inglesa possui 36 palavras diferentes1 para a atividade de se prever o

futuro (CLEMENTS & HENDRY, 2002: 2). No português também há várias palavras

relacionadas a essa atividade: adivinhação, profecia, previsão, intuição, palpite, videncia,

pressentimento, premonição, presságio, divinação, para citar algumas. A quantidade de

sinônimos não pode ser mera coincidência, a importância dessa atividade é universal e não

se restringe a certo país e culturas.

Uma característica desse processo, às vezes, não fica evidente: a obstinação que

move a vontade de se prever o futuro é a mesma que impulsiona o desejo de modificá-lo.

Ambos os anseios estão completamente interligados. Logo, deve-se levar em consideração

que a manipulação é um traço tanto da quiromancia quanto das projeções econômicas.

Ter a consciência que quebrar um espelho significa sete anos de azar pode fazer

com que se tenha mais cuidado quando se está perto deles. Seguindo o mesmo princípio,

saber, com antecedência, a predisposição de algumas variáveis econômicas, por exemplo,

1 Forecast, augury, Cassandra, clairvoyant, foreboding, foresee, foreshadow, omen, precognition, presage,

prescience, portend, scrying, seer, anticipate, prognosis, project, soothsaying, predict, foretell, prophesy,

dentre elas.

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pode fazer a diferença em estar preparado para se chegar onde se deseja – seja um país, um

investidor ou uma empresa. O desejo humano em, além de prever, modificar o futuro é

fator essencial para construção de uma previsão.

A energia gasta por uma instituição na defesa da sua projeção, por exemplo,

demonstra a percepção desta característica. A escolha dos argumentos, explicações, dados

apresentados para corroborar tais conclusões não são arbitrários. Adotar uma linha de

pensamento e não outra, das variadas alternativas, diz muito sobre quem toma essa decisão.

Além de abrir a possibilidade do uso da manipulação para fazer que tal interpretação ser

assimilada pelo seu alvo.

Do outro lado, estão os alvos o papel da interpretação do público e sua confiança

naqueles que produzem as previsões. A importância desses dois aspectos fica evidente no

caso das projeções econômicas, as pessoas – físicas ou jurídicas – reagem às previsões de

maneiras que as enfraquecem ou intensificam.

Uma instituição pode prever que certo país, por exemplo, não será capaz de honrar

suas dívidas, mas as consequências reais de tal previsão, considerando apenas o lado do

público-alvo, dependem da reação que ela suscitará e da credibilidade do seu produtor. As

possibilidades são variadas: de investidores com receio de um possível calote retirar

dinheiro investido no país, até tal projeção ser desacreditada pelo governo e condições de

empréstimo permanecerem o mesmo.

Essa vontade de conhecer o que nos aguarda é algo característico de nossa espécie.

Uma curiosidade é que nessa busca revelamos mais sobre nós mesmos do que o futuro em

si. Os números não estão em primeiro plano, o objetivo deste capítulo é descrever as

projeções econômicas do Fundo Monetário Internacional para o ano de 2008, mas, ir além

ao deixar claro suas estratégias e expor contradições no seu discurso na divulgação de suas

conclusões para a imprensa.

2.1. Prever o futuro da economia: visões divergentes

Se a curiosidade em relação ao futuro é um traço humano universal, as previsões

econômicas se tornaram populares nos Estados Unidos, por exemplo, apenas entre as

décadas de 1910 e 1930. Especialistas em previsões econômicas encontraram uma

audiência pronta durante um tempo de turbulência econômica e social (FRIEDMAN apud

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5

SILVERTHORNE, 2014) 2. E graças a Grande Depressão – que eles falharam em prever –

essa popularidade foi praticamente destruída nas décadas seguintes. Também por ser o

primeiro erro emblemático, esse deslize assombra a credibilidade das projeções até hoje.

No entanto, a tentativa de se produzirem previsões confiáveis após esse fracasso,

afirma Friedman, fez com que economistas desenvolvessem índices, indicadores, novos

gráficos e até fundassem instituições como o National Bureau of Economic Research

(Escritório Nacional de Pesquisa Econômica, em tradução livre).

Pode-se observar no senso comum uma gama de argumentos para desacreditar a

atividade em si ou eventuais acertos. Se os economistas soubessem de fato o futuro,

estariam todos milionários. E quem pode garantir que o acerto da previsão não foi um

lance de sorte. Ou, definições como: um economista é um especialista que pode explicar

amanhã porque sua previsão de ontem não aconteceu ou de que a economia, como a

história, explica o passado.

No fim das contas, tudo se resume ao problema de que o futuro é incerto. Diante

desse enunciado, podem-se distinguir duas interpretações opostas como expõe Maxine

Singer:

Por causa das coisas que nós não sabemos que não sabemos, o futuro é

praticamente imprevisível. Mas alguns desdobramentos podem ser

antecipados, ou, pelo menos, imaginados com base em conhecimentos já

existentes. (SINGER apud HENRY, 2000: 10)3

A primeira delas é explicada, em 22 de novembro de 1948, por Henry Hazlitt em coluna na

Newsweek:

O futuro econômico, como o político, será determinado por

comportamentos humanos e decisões futuros. Por isso é incerto. E, apesar

do enorme e constante aumento da literatura em ciclos, as previsões

econômicas, nunca serão – não mais que pesquisas de opinião –

transformadas em uma ciência exata (HAZLITT apud LITTLER,1990:

66)4.

2 SILVERTHORNE, Sean. The entrepreneurs who invented economic forecasting. Harvard Business School

Working Knowledge. 09 jan. 2014. Disponível em: <http://hbswk.hbs.edu/item/7331.html>. Acesso em

09/10/2014. 3 Tradução da autora. “Because of things we don’t know [that] we don’t know, the future is largely

unpredictable. But some developments can be anticipated, or at least imagined, on the basis of existing

knowledge.” 4 Tradução da autora. “The economic future, like the political future, wil be determined by future human

behavior and decisions. That is why it is uncertain. And spite of the enormous and constantly growing

literature on business cycles, business forecasting will never, any more than opinion polls, become an exact

science.”

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Esta linha de pensamento defende a ideia que não haveria relações, universalmente

e temporalmente, constantes na humanidade, o que afeta a produção de previsões

econômicas. Afinal, a economia lida em essência com seres humanos, suas ações, planos,

motivações e preferências; e nenhum desses fatores pode ser quantificado. Para seus

defensores, é falsa a explicação de que é, apenas, uma questão de tempo para não serem

produzidas projeções imperfeitas. Afinal, se houvesse realmente um método perfeito e

adequado para se produzir projeções este já teria sido descoberto – fato que os frequentes

erros provam que não acontecem (LITTLER, 1990).

Friedrich Hayek, em sua palestra do prêmio Nobel “A pretensão do

conhecimento”5, 40 anos atrás, dedica-se às razões do fracasso dos economistas em

orientar políticas com maior êxito. Ele se referia aos problemas de aumento de desemprego

e inflação que, segundo ele, foram influenciados pelos economistas, já que o conselho

propagado era: aumento de produção como saída para se reduzir o desemprego. Na

realidade, os estímulos resultaram em inflação e desemprego na década de 1970, em suas

palavras “como profissionais, criamos uma enorme bagunça”.

Culpa do que chama “cientificismo” (“scientistic attitude”), uma abordagem que “é

decididamente não científica, no verdadeiro sentido da palavra, uma vez que envolve uma

aplicação mecânica e acrítica de hábitos de pensamento a campos diferentes daqueles em

que foram formados” (HAYEK,1974)6. A obsessão com o método científico além de

produzir uma tarefa impossível, enganava os economistas.

Na “inútil busca por constantes quantitativas ou numéricas”, Hayek (1974)

argumenta que os economistas negligenciavam fatores essenciais, além de deixar de

compreender a complexidade das relações sociais inseridas no processo. A “pretensão do

conhecimento” produziu previsões que se autointitulavam verdadeiras, principalmente,

porque seguiam métodos comprovadamente científicos. O economista conclui em defesa

de um conhecimento imperfeito – que seja incapaz de fazer previsões e deixe questões em

aberto –, a um que usa todo um discurso para se autoafirmar exato, algo de que ele

desconfia.

5 Tradução da autora. “The Pretence of Knowledge”.

6 VON HAYEK, Friedrich August. “The pretence of knowledge.” Nobel lecture. 11 dez.1974. Disponível em

http://www.nobelprize.org/nobel_prizes/economic-sciences/laureates/1974/hayek-lecture.html. Acesso em 09

de out. 2014.

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“Todas as projeções macroeconômicas estão sujeitas a erros [...] o que não significa

que sejam inúteis”7 (REIFSCHNEIDER & TULIP, 2007: 2). A interpretação oposta,

exemplificada na afirmação citada, acredita que, apesar de o futuro ser imponderável, as

previsões econômicas têm espaço nas ciências econômicas, sendo uma das atribuições da

profissão e devem continuar sendo realizadas.

As economias evoluindo ao longo do tempo e os modelos continuariam longe de

ser perfeitos para mensurar a complexidade dos comportamentos envolvidos

(CLEMENTS; HENDRY, 2002). Mas, para David Reifschneider e Peter Tulip (2007), as

projeções sempre deram uma imagem incompleta do cenário econômico – algo que pode

ser comunicado para o público –, e atingir a perfeição não estaria em jogo na sua produção.

Eles até defendem que uma das maneiras de conseguir mais informações sobre a prática –

e melhorar métodos – seria analisar os erros do passado.

Os economistas seriam mais sábios do que outros analistas porque, ao menos, têm

consciência da dimensão das incertezas (John Hawkins parafraseia Sócrates, em uma

publicação do Tesouro australiano). Ele acredita que apesar da dificuldade de se

produzirem previsões, é preciso continuar a melhorar. Assim como seus colegas no

Federal Reserve considera o estudo dos erros uma boa maneira de manter a perspectiva e

encontrar soluções.

Algumas análises sobre o passado já demonstraram que as previsões econômicas se

saem melhor em variáveis macroeconômicas como inflação e PIB daquelas relacionadas ao

mercado financeiro, como taxas de câmbio e preços de ativos. A grande dificuldade, no

entanto, está nas grandes mudanças de ciclo. Economistas teriam a tendência de seguir a

mesma direção em sucessivas projeções, com receio de transmitir inconsistência – ao

prever mudanças drásticas – e por manterem-se fiéis às suas ideias iniciais por muito

tempo – uma característica do comportamento humano. (LOUGANI, 2000)

A importância das previsões ficaria clara no seu papel nas diretrizes tomadas pelo

Estado. John Hawkins escreve, em uma publicação do Tesouro australiano, que elas são

essenciais para delimitar um orçamento, além de pré-requisitos para construção e

implantação de políticas macroeconômicas em longo prazo (HAWKINS, 2005). Já para o

Fundo Monetário Internacional, alvo desse estudo, as projeções também permitem uma

7 Tradução da autora. “All macroeconomic projections are subject to error [...] This likelihood does not mean

that macroeconomic projections are worthless.”

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8

orientação, seja de imediato, curto ou longo prazo – de preferência seguindo a

interpretação particular da instituição.

Outro aspecto é que até há muita discussão sobre as estimativas, porém o mais

importante está contido no discurso que as acompanham. Considerando que nenhuma

projeção estará exatamente correta, a narrativa sobre os riscos e incertezas que cercam as

estimativas traz mais informações relevantes do que os números sem alguma

contextualização (HAWKINS, 2005).

2.2. Previsões do Fundo Monetário Internacional

A economia mundial vivia as consequências de duas Guerras Mundiais em menos

de 30 anos e, principalmente, da Grande Depressão. Este é o cenário de 1944, ano da

Conferência de Bretton Woods em que representantes de 45 países concordaram com a

necessidade de uma cooperação econômica internacional com o objetivo de evitar

repetição de políticas que contribuíram para este estado. Um ano depois, o Fundo

Monetário Internacional era oficialmente criado. Em 1947, começou suas atividades e

concedeu o primeiro empréstimo, para a França.

Esta atividade é a mais conhecida pelos brasileiros graças à famosa dívida externa

do país, cujo histórico de saques junto ao FMI é impressionante. Em 1982, o governo pede

oficialmente ajuda do Fundo e obtém um empréstimo de US$ 4,4 bilhões (em quatro

parcelas, apenas duas sendo desembolsadas). Em 1983 são US$ 3,7 bilhões. Em 1984 um

acordo de US$ 5,7 bilhões, cuja metade é efetivada. Em fevereiro de 1985 a instituição

suspende os desembolsos ao país depois de recusar vários pedidos de “perdão” pelo não

cumprimento de metas.

A moratória do governo Sarney marca o ano de 1987 e vai de fevereiro à setembro.

No ano seguinte, abre-se uma linha de crédito de US$ 1,4 bilhão, dos quais US$ 477

milhões são recebidos. Em 1992 uma nova carta de intenções é assumida e acorda-se um

empréstimo de US$ 2 bilhões em seis parcelas – a crise provocada pelo impeachment de

Fernando Collor suspende o programa e do valor acordado, apenas 170 milhões são

recebidos. Em 1998, o Brasil sente as consequências das crises asiáticas e russa, o que

provoca a negociação do acordo de US$ 18 bilhões – ao socorro ainda somam-se US$ 23,5

bilhões do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), BIRD (Banco Mundial) e

BIS ("Bank for International Settlements"- Banco de Compensações Internacionais), num

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total de US$ 41,5 bilhões; graças ao cumprimento das metas de superávits primários não se

chegou a sacar todos os recursos.

Em 2001, com as turbulências do mercado internacional, o atentado de 11 de

setembro aos Estados Unidos e a crise da Argentina, mais um novo acordo é assinado; são

colocados à disposição US$ 15,650 bilhões e o crédito restante do acordo de 1998,

cancelado – U$ 4,7 bilhões são retirados. No ano seguinte, o mercado continua volátil, a

crise argentina se agrava, o crescimento mundial desacelera. É quando ocorre a eleição

para presidente e o governo brasileiro recorre pela última vez ao FMI e sacar cerca de US$

10 bilhões do acordo de 2001. O que resta da dívida, US$ 15 bilhões, é quitado em 2005 e

o Brasil não é mais obrigado, teoricamente, a seguir as exigências do Fundo. Em 2009 o

país é convidado a aumentar a participação na instituição, o que significa aportar dinheiro

para empréstimo, e, pela primeira vez, passa a ser credor.

A história é longa e conhecida, mesmo para gerações que não a vivenciaram, no

entanto um dos seus aspectos não faz parte do senso comum que ronda a relação do Fundo

com o Brasil. A explicação oficial para todas as medidas implantadas como garantia à

manutenção dos empréstimos é que estas foram baseadas em previsões econômicas feitas

pelo próprio FMI. Este discurso esclarece muito a maneira com que as estimativas e

análises são realizadas – e usadas – pela instituição.

Neste campo, a principal publicação do Fundo é o Panorama Econômico Mundial –

World Economic Outlook (WEO), relatório publicado duas vezes ao ano. O FMI o descreve

como a análise da economia mundial feita pela equipe de economistas do Fundo, seu

principal instrumento de vigilância mundial. Trazem projeções da evolução econômica

global, grupos de nações (classificados por região, estágio de desenvolvimento etc.) e

países individualmente, além de estudos analíticos em vários assuntos.

Atualizações das projeções também são divulgadas, no mínimo semestralmente, em

que alguma real mudança dos dados depende, essencialmente, dos desdobramentos e

turbulências na economia. Elas são uma forma de mostrar que o Fundo mantém uma

atenção permanente à economia e possui uma visão acurada dos eventos. Na verdade, uma

ferramenta para reiterar estimativas e, em último caso, refazer as que destoam

completamente da realidade.

Para a análise proposta neste capítulo serão considerados dados e teses abordados

durante as coletivas de imprensa na ocasião da divulgação dos Panoramas Econômicos

Mundiais. Nesse espaço, são tratados os temas mais relevantes e, teoricamente, de maneira

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10

mais clara e objetiva, já que o destinatário final é o público dos veículos midiáticos –

julgando-se que as publicações especializadas em economia estão em menor número do

que aquelas que têm um público não especializado como principal alvo.

Diante dos eventos da história recente, o ano de 2008 – quando inicia a última

recessão mundial – foi escolhido como referência para a observação das previsões

econômicas do FMI – estimativas e análises. Para tal estudo são utilizados os Panoramas

Econômicos Mundiais de 2008, e dos anos imediatamente anterior (2007) e posterior

(2009).

2.2.1. Panorama Econômico Mundial: a análise do cenário econômico de 2007

O Panorama Econômico Mundial, em outubro de 2007 – quase um ano antes da

crise econômica de 2008, alega que “a economia mundial entrava em um período de

incertezas e, potencialmente, difícil” (FMI, 2007, p.xi) 8. Entretanto, enunciados deste tipo

ficam restritos ao corpo do relatório. Durante as duas coletivas de imprensa que tratam do

relatório, os riscos e preocupações são expostos, mas a mensagem transmitida e reiterada é

a de que os Estados Unidos – centro da volatilidade do mercado financeiro em agosto e

setembro – não sofrerão uma desaceleração do crescimento previsto.

A economia mundial, contraditoriamente, também ficaria no ritmo, reflexo das

fortes bases para o crescimento, assim como os resultados obtidos pelos mercados

emergentes. As turbulências poderiam até fortalecer as fundações para uma futura

expansão, mesmo trazendo riscos a curto e médio prazos. Nessas afirmações pode-se notar

como o discurso, travestido de um senso de clareza, caracteriza-se na realidade, por

argumentos e explicações vagos. Que bases e fundações são esses, por exemplo? Em

nenhum momento do relatório ou da coletiva de imprensa há alguma explicação ou mesmo

uma citação do que seriam. Supõe-se que todos já saibam do que se trata.

O valor da projeção de crescimento mundial em 2008, de 4,8%, é um número

consistente, mas o próprio relatório reconhece que há uma maior probabilidade de que, no

fim das contas, o resultado seja inferior ao estimado. Problemas no âmbito financeiro

prolongaram-se por mais de dois meses em uma dimensão que não pode ser ignorada.

Deixaram de ser suposições que poderiam ser contornadas ou evitadas. O nível de

8Tradução da autora. “The world economy has entered an uncertain and potentially difficult period.”

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11

incerteza e falta de confiança, na época, já chegava a questionar o impacto e as

consequências da turbulência na atividade econômica real.

O FMI insiste que os últimos meses de 2007 foram um teste de estabilidade que

provocavam impacto modesto e algumas consequências no curto prazo. Mas nesse estágio

não há a possibilidade de se deixar de explorar essas questões com um mínimo de

profundidade. O tema principal do relatório é endereçado aos problemas e riscos ao

crescimento mundial e, consequentemente, à estimativa positiva do Fundo. A justificativa

para a incapacidade do FMI em prover uma leitura acurada dos desdobramentos

econômicos é o fator surpresa. Uma explicação que, contradiz completamente o argumento

de autoridade com que o Fundo tanto se autoproclama.

Tradicionalmente o Fundo Monetário Internacional coloca-se no papel de detentor

de informações privilegiadas, graças ao tipo de acesso que possui junto aos países

representados em sua instituição. A função de “vigia” do sistema econômico ainda lhe

conferiria maior autoridade no que diz respeito à análise e capacidade de leitura do cenário

econômico. Ao caracterizar o surgimento desses problemas como inesperados, o Fundo

coloca seu acesso privilegiado e argumento de autoridade em questão. Afinal, qual é a

relevância de uma instituição que possui um instrumento exclusivo de pesquisa e análise,

mas evita ou até desacredita assuntos que podem desencadear uma crise de graves

proporções?

Além disso historicamente, recessões, bolhas e depressões eclodem em velocidade

acelerada, mas as causas estão, em sua maioria, corroendo o sistema por um considerável

período de tempo. Como até detectam alguns estudiosos e especialistas renomados (e

mesmo investidores) que professam opiniões dissonantes, o que não aconteceria se os

problemas fossem, inteiramente e de fato, uma surpresa.

A metáfora utilizada pelo Fundo é da floresta que não sofre incêndios em muitos

anos. Um ambiente de pequena volatilidade e pouca margem para propagação de danos

produziu uma considerável quantidade de empréstimos de alto risco, relaxados padrões

para concessão de crédito e altas dívidas de longo prazo. A completa – ou aparente – falta

de ideia do que se passava é devido a falta de transparência em vários setores financeiros,

principalmente, nos bancos. Um assunto inegavelmente relevante que não ganha maiores

explicações, apenas é citado após uma pergunta feita durante a coletiva de imprensa.

A maneira com que os problemas se espalharam é considerada a grande surpresa.

Neste caso, o fato de o mercado de crédito habitacional americano estar interligado a várias

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outras áreas e, até mesmo a bancos em outros continentes. Nas palavras do próprio FMI,

expressas durante a coletiva de imprensa deste relatório:

A habilidade de choques que, inicialmente, acreditávamos serem apenas

problemas no mercado hipotecário de alto risco (subprime mortgages):

atingirem hipotecas de baixo risco e hipotecas jumbo9; se espalharem dos

Estados Unidos para a Europa; passarem de bancos ou intermediários

financeiros envolvidos em um particular tipo de empréstimo no setor

habitacional americano para o Northern Rock, um credor hipotecário do

Reino Unido que, até onde sabemos, não está envolvido de nenhuma

maneira na concessão de crédito nos EUA10

.

Entretanto, se as hipotecas feitas pela população americana estavam sendo

abertamente reempacotadas em ativos e negociadas no mercado financeiro, seria

ingenuidade acreditar que qualquer problema que atingisse um dos pontos da cadeia não

teria, no mínimo, potencial para se propagar ao longo da cadeia ao longo do mercado.

Curiosamente, um dos capítulos analíticos – ao qual o Fundo procura dar o maior

destaque possível durante as coletivas de imprensa – examina os últimos anos de

crescimento sob uma perspectiva histórica. O ano de 2007 faria parte de um período mais

forte do que em outros ciclos, a prosperidade estaria mais bem distribuída e a volatilidade,

na maioria das regiões, teria entrado em declínio. “O aumento da estabilidade e

durabilidade das expansões refletem, em grande parte, fontes que serão, provavelmente,

persistentes”11

. Grande parte do sucesso é creditada às melhorias na condução de políticas

monetárias e fiscais, que se tornaram mais confiáveis e a sorte responsável pelo restante.

Este seria o momento de se preparar para crises, já que o pior erro é esperar muito tempo

para se tomar alguma atitude.

Paradoxalmente, as análises do cenário econômico e projeções defendem a

continuação do forte ciclo de crescimento, nenhuma recessão estaria a caminho no curto

prazo. Alguns problemas no setor financeiro e no sistema econômico foram revelados, e a

9 Jumbo mortage é um tipo de hipoteca que disponibiliza um valor acima do limite de empréstimo

convencional. 10

Tradução da autora. “The ability of shocks that we thought were initially just problems in the subprime

mortgages to jump to high-quality mortgages, jumbo mortgages, the ability of shocks to jump from the

United States to Europe, and the ability of shocks to jump from banks or financial intermediaries that are

involved with a particular type of lending which was lending to the U.S. housing markets, that jumped to

Northern Rock which was a U.K mortgage lender, as far as we know not involved at all in U.S. lending.”

FMI. Transcript of a Press Briefing o n the World Economic Outlook's Global Forecast Chapters. Oct. 17,

2007. Disponível em: < http://www.imf.org/external/np/tr/2007/tr071017.htm>. Acesso em: 15 set. 2014. 11

Tradução da autora.“The increasing stability and the associated increase in the durability of expansions

largely reflect sources that are likely to prove persistent.”

FMI. World Economic Outlook: Globalization and Inequality. Oct. 2007, 275 p. Disponível em:

<http://www.imf.org/external/pubs/ft/weo/2007/02/pdf/text.pdf> Acesso em: 15 set. 2014.

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meta seria estudar esses pontos de fraqueza e consertá-los. O discurso oficial é que ainda

haveria tempo para procurar soluções antes de qualquer grande choque - que, na realidade,

não aconteceria tão cedo.

O pior cenário seria que a prolongação dos problemas no mercado financeiro, com

uma possível diminuição dos preços de ativos e da confiança, poderia ter um sério impacto

na atividade econômica, maior do que o antecipado pelo Fundo. Mas, para construir a

projeção a equipe levou em consideração que a liquidez seria, gradualmente, restaurada e

que o mercado interbancos voltará às condições normais, mesmo que problemas no crédito

persistam. Contraditoriamente, a estimativa oficial de crescimento mundial é idêntica a de

abril de 2007 – 4,8%, no entanto, naquele mês o tom é completamente diferente.

O Panorama Mundial Econômico de abril de 2007 é todo dedicado a desacreditar

possíveis ameaças ao mercado financeiro e ao sistema econômico. Uma atitude que não é

feita de maneira evasiva. “Certamente, estamos em conflito com muitas manchetes de

jornais e comentários que focam nos problemas das hipotecas americanas, o potencial de

volatilidade na balança de fluxo de capitais e a preocupação com o aumento do

protecionismo”12

. A declaração de Simon Johnson, então economista-chefe, é contundente:

“Problemas no crédito subprime, falências, execuções de hipotecas, além da diminuição de

investimentos empresariais. A maioria das notícias não tem sido boa”13

.

Enunciados favoráveis à manutenção de crescimento econômico mundial saudável

e equilibrado são incessantemente repetidos, assim como a refutação da dimensão de

possíveis ameaças. Na época, os problemas no mercado hipotecário, antigos, mas que

rapidamente se deterioravam, vieram à tona e já ganhavam destaque no noticiário

econômico. O assunto da desaceleração americana e suas prováveis consequências para a

economia mundial estava em evidência. Um fato impossível de ser ignorado pelo Fundo

como demonstram as declarações mencionadas anteriormente.

A repetição de argumentos e o enfoque dado aos fatos foram utilizados pelo Fundo

para desacreditar os sinais de problemas na economia mundial. Esta atitude fica mais clara

12

Tradução da autora. “Certainly this is at odds with many recent newspaper headlines and commentary,

which have focused on problems related to U.S. mortgages, the potential for “disorderly” unwinding of

global imbalances, and worries about rising protectionist pressures.” FUNDO MONETÁRIO

INTERNACIONAL. World World Economic Outlook: Spillovers and Cycles in the Global Economy. April

11, 2007. Disponível em: <http://www.imf.org/external/pubs/ft/weo/2007/01/pdf/text.pdf>. Acesso em: 15

set. 2014. 13

Tradução da autora. “Problems in subprime mortgages, bankruptcies and foreclosures, and more recently

softening of business investment. Much of the news has not been good.”

FMI. Transcript of the World Economic Outlook Press Conference. April 11, 2007. Disponível em:

<https://www.imf.org/external/np/tr/2007/tr071017.htm>. Acesso em: 15 set. 2014.

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14

durante as coletivas de imprensa. No quadro a seguir, selecionam-se algumas das

afirmações na defesa do crescimento econômico frente a um cenário de desconfiança:

“Os riscos para essa previsão otimista parecem menos ameaçadores.”14

“Se os Estados Unidos espirrar, o resto do mundo não pegará um resfriado?15

Está é a peça chave do panorama. Nossa visão é que os EUA podem ter de fato

espirrado, mas aparenta, até agora, ser um leve espirro e não é provável que se

espalhe.”

“Há pouco contágio [das hipotecas subprime] em outras categorias de empréstimo.”16

“Não acredito que o setor financeiro (a cauda) irá sacudir a economia real (o

cachorro).”17

“Em geral, as coisas parecem muito bem.”18

“Enquanto as pessoas continuem a enxergar retorno positivo dos investimentos,

acredito que podemos sustentar crescimento global em cerca de 5% por ano ainda por

algum tempo.”19

“Acreditamos que daqui para frente haverá um forte impulso de crescimento nos

EUA e no resto do mundo. A mensagem é: estamos vendo crescimento global

balanceado, muito mais equilibrado do que em outros momentos.”20

“A grande mensagem desta coletiva é que o setor financeiro é a cauda e o cachorro a

economia. Ou seja, a economia é o que realmente importa. Enquanto os países

executarem políticas macroeconômicas sensíveis e responsáveis – como, de modo

geral, estão – haverá alguns altos e baixos nos mercados financeiros e, sempre,

teremos preocupações com especuladores. Desde que os fundamentos econômicos

estejam sólidos, problemas no setor financeiro não serão de primeira ordem de

importância.”21

Quadro 1. Defesa do crescimento econômico, relatório de abril de 200722

14

Tradução da autora. “The risks to this favorable outlook also look less threatening”. 15

Tradução da autora. “If the U.S. sneezes won’t th rest of the world catch cold? This is the key risk to the

outlook. Our bottom line view is that while the U.S. may indeed have sneezed, it appears to be a mild sneeze

thus far, and not likely to spread”. 16

Tradução da autora. “There is little contagion to other lending categories”. 17

Tradução da autora. “I do not believe that the financial tail is about to wag the economic dog”. 18

Tradução da autora. “So, by large, yhings look very good”. 19

Tradução da autora. “So as long as people continue to see the prospects, the returns on investment as being

positive, I think we can sustain global growth around 5 percent per year for some time to come”. 20

Tradução. “We think that going forward there is going to be a strong momentum for growth in the U.S. and

in the rest of the world. The message is that we are seeing balanced global growth, much more balanced than

for a long time. 21

Tradução da autora. “The big message hopefully from this press conference, the financial sector is the tail,

and the dog is the economy. Meaning, it is the economy that really matters. As long as countries run sensible,

responsible macroeconomic policies around the world, as broadly speaking they are, then you will have some

ups and downs in financial markets, and always have some concerns about speculators. As long as

macroeconomic fundamentals are sound, issues in the financial sector are not going to be first-order

importance”. 22

FMI. Transcript of the World Economic Outlook Press Conference. April 11, 2007. Disponível em:

<https://www.imf.org/external/np/tr/2007/tr071017.htm>. Acesso em: 15 set. 2014.

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Durante a coletiva são repetidos, como resposta para todas as perguntas que tratam

do assunto, os mesmos argumentos e informações, às vezes, sem que expressões ou

exemplos sejam alterados. Já a questão do enfoque dado pelo relatório fica evidente na

produção de um estudo do impacto da desaceleração econômica americana no sistema

econômico-financeiro mundial inserido no relatório na forma de um capítulo analítico.

A imprensa desejava mais informações sobre possíveis consequências em nível

global da desaceleração da economia americana e os problemas daí advindos. O Fundo

entrega, então, um estudo com grande carga apelativa ao noticiário econômico: “Se os

Estados Unidos espirram, o resto do mundo fica resfriado?”23

é a analogia usada para

explicar a questão. A resposta é que o impacto de uma desaceleração econômica americana

sobre a economia global não seria muito expressivo. Para atestar essa conclusão são

levantadas três causas principais.

A primeira causa seria que, historicamente, as desacelerações econômicas globais

são resultado de um conjunto de eventos adversos atingindo vários países,

simultaneamente; não o produto dos acontecimentos econômicos de um único país, expõe

o relatório. A segunda causa argumenta que naquele momento, de forma geral, os outros

países estariam saudáveis. “Eles também tomaram suas vitaminas e outras precauções,

então a chance de sérios resfriados em outros lugares é bem pequena” 24

. Contudo, o FMI

lembra que o aumento do volume de comércio e da integração financeira aumentava a

probabilidade da propagação da desaceleração de um país – ou de uma região – para outros

ao redor do globo.

Finalmente a terceira causa é que a crença que um efeito dominó planetário pode

ser manejável com respostas políticas imediatas, as quais são verdadeiras incógnitas. Não

são apresentadas, muito menos discutidas. O enfoque dado é feito sob medida para

desmerecer as dúvidas em relação ao futuro da economia global. O assunto não é a

interdependência da economia americana à mundial. Trata-se muito especificamente da

ligação entre desaceleração econômica nos Estados Unidos e queda no crescimento global,

23

Tradução da autora. “If the U.S sneezes, does the rest of the world catch a cold?” FMI. Transcript of the

World Economic Outlook Press Conference. April 11, 2007. Disponível em:

<https://www.imf.org/external/np/tr/2007/tr071017.htm>. Acesso em: 15 set. 2014. 24

Tradução da autora. “They also take their vitamins and take other sensible precautions, so the chance of

serious colds elsewhere is quite small”.

FMI. Transcript of the World Economic Outlook Press Conference. April 11, 2007. Disponível em:

<https://www.imf.org/external/np/tr/2007/tr071017.htm>. Acesso em: 15 set. 2014.

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e até uma fórmula é apresentada: 1% de desaceleração da economia americana = - 0,16%

de crescimento.

O tratamento dado ao assunto demonstra que o Fundo evita levar totalmente a sério

qualquer um dos riscos às previsões, como acontece em outubro de 2007, além de, em

muitos momentos, desqualificá-los. O Fundo chega a citar três objeções às suas teses: a

perspectiva positiva não significava a diminuição de riscos financeiros; a inflação

continuava sendo uma preocupação; e as recentes turbulências seriam um lembrete que os

mercados financeiros podem mudar drasticamente em um curto período de tempo.

Também seria ingenuidade acreditar na coincidência que, diante de uma forte

desaceleração americana (em menor escala, mundial) e uma série de turbulências no

mercado financeiro, seja apresentado um estudo que, em síntese, pregue uma menor

ligação de oscilações americanas com o desempenho econômico mundial.

Essa atitude e as afirmações dadas na coletiva de imprensa dão margem a duas

interpretações principais: uso do argumento de autoridade para defender uma interpretação

procurando influenciar os atores do mercado; ou, houve um enorme erro de leitura e

análise dos dados e eventos que formariam a base para a crise do ano seguinte.

2.2.2. Panorama Econômico Mundial: a análise do cenário econômico de 2008

Quando 2008 enfim chega, a análise do Fundo Monetário Internacional sofre

considerável mudança. O pior cenário imaginado tornou-se uma realidade e o tom fica, ao

passar do ano, mais pessimista. Em outubro de 2007, a expectativa era de crescimento

mundial de 4,8%, em abril de 2008, 3,7% e 3,8%, para 2008 e 2009, respectivamente. Uma

diferença de um ponto percentual entre pareceres é muito significativa nos parâmetros do

Fundo. E considerando que 2007 obteve um crescimento mundial de 5,2% a queda no

ritmo é ainda mais relevante.

Diferente do relatório anterior, neste a situação econômica dos Estados Unidos é

descrita como “virtualmente paralisada”. A enérgica ação do governo não é suficiente

frente aos problemas no mercado de crédito e de emprego, alta de preços de energia, além

das questões do setor habitacional. A crise financeira, consequência da crise no mercado

hipotecário americano, neste momento, afeta a economia em nível global e é totalmente

responsabilizada pela queda do crescimento mundial.

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Novamente, insiste-se no fator surpresa como explicação. “O choque financeiro que

eclodiu em agosto de 2007 se espalhou rapidamente e de forma imprevisível ao infligir

danos extensos nos mercados e instituições no coração do sistema financeiro”25

. Um dos

danos era a redução da liquidez no mercado interbancário, apesar das agressivas respostas

dos bancos centrais em vários países, o que afetava, por exemplo, a confiança no sistema.

As linhas de crédito, bancárias ou não, também foram atingidas, causando uma

diminuição na sua ampla oferta anterior. Neste caso, acredita-se que ainda não havia uma

completa crise nesse setor, mesmo com o aumento da disseminação de dívidas

corporativas, para citar apenas um exemplo.

Desde meados de 2007, a taxa de câmbio real do dólar americano sofreu uma queda

drástica. Os investimentos em títulos e ações americanas foram afetados pela falta de

confiança tanto na liquidez quanto no retorno desses ativos, além do enfraquecimento do

crescimento da economia americana e a redução das taxas de juros. Então, para completar

o mercado de câmbio foi impactado. O valor do dólar até diminui o total do déficit, mas

provocou a valorização do euro e de outras moedas ajudando no desequilíbrio econômico

mundial.

Diferentemente dos países desenvolvidos, os efeitos diretos nos mercados

emergentes foram menos acentuados do que em situações anteriores. A conclusão é que os

países em desenvolvimento ficaram menos dependentes do ciclo econômico dos mercados

avançados. As razões, de acordo com o FMI, seriam estruturas macroeconômicas mais

fortes, aumento do comércio regional, ganhos de produtividade e alta dos preços das

commodities.

Este último fator é considerado curioso pela análise do Fundo, já que com a

desaceleração da economia global, geralmente, os preços das commodities acompanham o

movimento. Uma das explicações seria que a economia global poderia não estar

desacelerando. “Talvez estejamos errados e outras pessoas também estejam erradas” 26

,

responde o então economista-chefe, Simon Johnson. Outro, é que as commodities

25

Tradução da autora. “The financial shock that erupted in August 2007 has spread quickly and

unpredictably to inflict extensive damage on markets and institutions at the core of the financial system.”

FMI. Transcript on the World Economic on the Spring 2008 World Economic Outlook. April 09, 2008.

Disponível em: < http://www.imf.org/external/np/tr/2008/tr080409.htm>. Acesso em: 15 set. 2014. 26

Tradução da autora. “Perhaps we’re wrong and perhaps other people are wrong.”

FMI. Transcript on the World Economic Outlook Analytic Chapters. April 03, 2008. Disponível em:

<http://www.imf.org/external/np/tr/2008/tr080403.htm>. Acesso em: 15 set. 2014.

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passaram, neste cenário financeiro, a ser uma alternativa de investimento. Mas o Fundo

reconhece não saber qual dessas causas conflitantes estaria correta.

Entretanto, em outros assuntos o FMI não pronuncia sequer um “não sabe” como

resposta. Em todas as perguntas, em ambas coletivas, relativas a uma eventual recessão os

jornalistas não ganharam uma resposta. A própria palavra “recessão” é evitada de qualquer

maneira. No máximo se obtém a declaração que os Estados Unidos passavam por uma

“leve contração” com uma lenta recuperação.

No que diz respeito à ação governamental na economia, contudo, não faltam

orientações diretas. Um verdadeiro manual com os passos que os governantes devem tomar

para enfrentar e reduzir as consequências da crise financeira, caracterizado como “linhas

de defesa”, é disponibilizado e discutido com os jornalistas. Neste assunto, não há

diferenças entre emergentes e avançados, nem entre democracias e ditaduras.

O principal foco seria, rapidamente, se detectar perdas e reconstruir o capital

financeiro, com o auxílio de três linhas de defesa. A primeira linha de defesa seria por

meio das políticas macroeconômicas, especificamente, com a diminuição de taxas básicas

de juros. Já a segunda seria através da política fiscal, com a utilização de estímulos fiscais.

E, finalmente, a terceira linha de defesa seria a intervenção direta do governo com o uso de

recursos públicos.

O uso de dinheiro dos cofres públicos para atender o setor financeiro com

problemas – já um padrão do sistema – não foi questionado na coletiva. Entretanto, a

dimensão do emprego desse capital suscita várias dúvidas. A resposta padrão coloca a

responsabilidade na prática do equilíbrio e que cada caso deva ser analisado

separadamente. Mas defende-se que, em várias situações, as escolhas são difíceis e é

preciso fazer decisões rápidas. Logo, não existe a possibilidade de uma operação de resgate

perfeita.

Reconhece-se que os problemas originaram-se no setor financeiro e, portanto,

deveriam ser enfrentados nesse âmbito. Mas que isso levará tempo, daí a necessidade de se

agir por meio de políticas governamentais. “Por esse motivo, dinheiro público também está

sendo usado em certa extensão neste contexto”27

, defende o então economista-chefe do

FMI. A mensagem é bem clara: “O governo precisa continuar com fortes esforços para

27

Tradução da autora. “That is why public money is also being used to some extent in this context.”

FMI. Transcript on the World Economic on the Spring 2008 World Economic Outlook. April 09, 2008.

Disponível em: < http://www.imf.org/external/np/tr/2008/tr080409.htm>. Acesso em: 15 set. 2014.

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lidar com a turbulência nos mercados financeiros e evitar uma crise em grandes proporções

de confiança e crédito”28

.

A intervenção governamental no sistema financeiro debilitado por uma crise deve

ser imediata, inquestionável e de maneira integral, seja por meio de incentivos, adaptação

de políticas e transferência direta de capital público. Fica claro que quando lhe convém o

“Estado mínimo”, a principal bandeira do neoliberalismo, é completamente ignorada.

Além disso, as principais reformas, em longo prazo, sugeridas pelo Fundo, que envolvem

diretamente ações do governo e regulações nos mercados, estão na realidade fora da

equação.

Neste relatório de abril de 2008 o Fundo expressava a expectativa de uma

recuperação ao longo de 2009, mesmo que o crescimento nesses dois anos permanecesse

inalterado – 3,7% e 3,8%, respectivamente. Os países em desenvolvimento, diferente dos

desenvolvidos, manteriam o ritmo com um crescimento considerável também em 2009. A

equipe do FMI acreditava que as chances da economia mundial cair para 3% ou menos – o

equivalente a uma recessão global – eram de 25%. Tal posicionamento demonstra que,

independente do cenário mais pessimista apresentado pelo relatório, a possibilidade de uma

recessão a nível global não é realmente considerada pelo Fundo Monetário Internacional

neste momento.

Seis meses após esse pequeno sopro de otimismo, a realidade econômica mundial

consegue superar o pior cenário imaginado. “Deixe-me começar com que se tornou óbvio

nestas últimas semanas: a economia mundial está enfrentando uma crise de grandes

proporções.”29

Dessa forma Oliver Blanchard, o novo economista-chefe, inicia a coletiva

de imprensa em oito de outubro de 2008. Menos de um mês atrás, o banco de investimento

Lehman Brothers entrava com um pedido de concordata e marcava o início simbólico de

uma crise que provou ser a maior em nível global desde a Grande Depressão de 1929.

Os mercados financeiros viraram oficialmente o assunto da vez no mundo das

notícias – muito além dos veículos especializados em jornalismo econômico. A crise das

hipotecas subprime, exposta em 2007, foi o embrião desta crise de crédito que arrastou

28

Tradução da autora. “Policymakers need to continue strong efforts to deal with financial market turmoil in

order to avoid a full-blown crisis of confidence or a credit crunch.”

FMI. World Economic Outlook: Housing and the Business Cycle. April 09, 2008. Disponível em:

<http://www.imf.org/external/pubs/ft/weo/2008/01/pdf/text.pdf>. Acesso em: 15 set. 2014. 29

Tradução da autora. “Let me start by stating what has become obvious in the past few weeks: The world

economy is facing a major downturn”.

FMI. Transcript of a Press Conference on the World Economic Outlook. Oct. 08, 2008. Disponível em:

<http://www.imf.org/external/np/tr/2008/tr081008.htm>. Acesso em: 15 set. 2014.

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instituições financeiras dos Estados Unidos e Europa, e levou o sistema financeiro e

econômico global a um verdadeiro colapso.

Avaliar o estudo e a evolução da economia mundial é considerado pelo Fundo,

nesse momento, um exercício muito difícil. A projeção mais otimista mostrava um

crescimento global de 3% em 2009. O número, de acordo com o FMI, não parecia ser tão

ruim, mas escondia a grande contradição entre países desenvolvidos e emergentes. Para o

primeiro grupo, a projeção seria próxima a zero ou até negativa. O segundo grupo era o

que impulsionava o número positivo para a economia mundial, mesmo que, na realidade,

essa estivesse desacelerando em alta velocidade.

Sobre o desenvolvimento econômico global ter um baixo desempenho após anos de

forte crescimento, paradoxalmente, o FMI divide igualitariamente em vários momentos, a

responsabilidade entre o choque financeiro e os altos preços de energia e commodities.

De acordo com a análise, nos países desenvolvidos, a crise era alimentada pela

perda de confiança no setor financeiro em conjunto com os limites na oferta de crédito. Já

os emergentes também seriam afetados e, como consequência, sofreriam uma significativa

desaceleração, mas não o suficiente para fazer com que suas taxas de crescimento

deixassem de ser fortes. Logo, continua-se afirmando que essas economias não sofreriam o

tipo de impacto que aconteceram em outros ciclos.

A suposição responsável pela previsão gerada pelo Fundo era que ações tomadas

pelos governantes nos Estados Unidos e na Europa teriam sucesso em estabilizar as

condições financeiras e evitar maiores consequências. Neste momento, essas medidas já

incluíam uma massiva injeção de capital no mercado, intervenção direta para reerguer

instituições problemáticas e extensão de garantias. Os EUA chegaram a aprovar uma

legislação que permitia o uso de dinheiro público para salvar bancos pela compra de papéis

podres: o Troubled Asset Relief Program (Programa de Auxílio a Ativos Problemáticos -

TARP)

O cenário não sofria nenhuma mudança positiva, apenas se deteriorava, e a

justificativa apresentada pelo FMI era que “em qualquer plano realístico a retomada da

confiança levará tempo”30

, ainda que continuasse confiante na recuperação econômica em

30

Tradução da autora. “Under any realistic plan, the reestablishment of trust will take time”.

FMI. Transcript of a Press Conference on the World Economic Outlook. Oct. 08, 2008. Disponível em:

<http://www.imf.org/external/np/tr/2008/tr081008.htm>. Acesso em: 15 set. 2014.

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curto prazo como foi defendido pelo economista-chefe, Oliver Blanchard: “Nós podemos

enfrentar a tempestade e esperar a recuperação começar no decorrer de 2009”31

.

Outro argumento contraditório e amplamente repetido era que, enquanto o relatório

era produzido, a situação permanecia cercada de incertezas. Embora durante a coletiva de

imprensa, por exemplo, a projeção oficial do Fundo seja insistentemente defendida.

Até assume-se, brevemente, que as coisas poderiam ficar piores do que as projeções

supunham, mas o motivo estaria nas ações tomadas pelos governos. “Se os países não

implantarem, logo, respostas sistêmicas coerentes à crise financeira, o impacto na produção

poderá ser muito maior do que o previsto”32

, acrescenta Blanchard na coletiva de imprensa.

Já não se podia esperar que a adoção de medidas pudesse evitar a desaceleração

econômica, mas esse fato não tirava a responsabilidade dessas ações em impedir o risco de

resultados negativos ainda maiores. Novamente o Fundo fornece um manual com o passo a

passo da atitude esperada (leia-se: literalmente cobrada) dos países frente aos desafios do

momento. Ao invés de caracterizá-los como linha de defesa, dessa vez a dividiu em ações

no setor financeiro e no macroeconômico.

No lado financeiro a ideia é desenhar um programa “compreensivo” formado

basicamente por três partes. Injetar dinheiro no mercado para aumentar a liquidez, comprar

ativos “problemáticos” e recapitalizar com fundos públicos. Esses três fatores deveriam

estar sincronizados porque, segundo o FMI, abordagens fragmentadas mostraram-se

ineficazes para amenizar a crise financeira. Além de deixarem muitas pontas soltas em

aberto, o que não inspiraria confiança. O uso de políticas monetárias e fiscais agiria no

lado macroeconômico com o objetivo de sustentar o crescimento e quebrar a influência

negativa entre setor o financeiro e a economia real.

Se no relatório anterior é mencionada a necessidade de uso do equilíbrio, neste o

uso do dinheiro público é recomendado sem restrição. “Países devem estar preparados para

31

Tradução da autora. “We can ride out the storm and expect the recovery to start in the course of 2009.”

FMI. Transcript of a Press Conference on the World Economic Outlook. Oct. 08, 2008. Disponível em:

<http://www.imf.org/external/np/tr/2008/tr081008.htm>. Acesso em: 15 set. 2014. 32

Tradução da autora. “If countries do not implement coherent systemic responses to the financial crisis

soon, the hit to output could be much larger than under our baseline.” FMI. Transcript of a Press Conference

on the World Economic Outlook. Oct. 08, 2008. Disponível em:

<http://www.imf.org/external/np/tr/2008/tr081008.htm>. Acesso em: 15 set. 2014.

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usar fundos públicos, necessários no suporte da estabilização do sistema financeiro”33

avisa

o economista-chefe do Fundo.

Para o FMI, essas medidas em conjunto seriam suficientes para limitar o efeito da

crise financeira na economia real. Essa confiança viria da experiência em outras ocasiões

que provariam o resultado dessa abordagem. Para tal, elas deveriam ser colocadas em

prática o mais rápido e agressivamente possível.

Após mais de um ano do estouro da bolha hipotecária estadunidense, o efeito bola

de neve – e dominó – já estava muito claro, até se considerarmos as descrições do próprio

Fundo. Entretanto, o discurso oficial, novamente, caracteriza esse cenário com a mesma

expressão: crise financeira - com algumas variações: choque financeiro, crise de grandes

proporções, tempestade. Diante dos jornalistas, de toda e qualquer maneira, as palavras

“recessão” ou “depressão” são evitadas.

Ao ser confrontado, durante a coletiva de imprensa, com a hipótese de que

vivenciávamos de fato uma recessão, Olivier Blanchard responde: “Nossa posição é que

não seja útil usar a palavra ‘recessão’ quando o mundo está crescendo em 3%. Eu acredito

que ‘desaceleração global ainda com crescimento positivo’ seja uma descrição melhor do

que estamos passando”34

. Mais adiante, questionado se em uma escala de 0 a 10 onde

estaria o risco de uma nova depressão global, afirma que esta seria praticamente nula. Mas

que dependia-se da adoção das políticas “certas”.

O argumento desta vez era que parte da turbulência, deste momento, viria do tempo

gasto em “improvisações” feitas pelos governos no que diz respeito ao enfrentamento da

situação. De acordo com Blanchard, a urgência dos mercados, finalmente, mostrava com

clareza a necessidade de as autoridades, por fim, adotarem planos “coerentes” para o futuro

próximo.

A interrogação, em abril de 2008, sobre o uso de recursos públicos limitava-se a sua

dimensão. Em outubro, a pergunta passa a ser o custo dessa estratégia para os

contribuintes. A relevância dessa questão é inegável e esse tema fecha a coletiva de

imprensa, sendo retomado pelo economista-chefe que acredita serem necessárias maiores

33

Tradução da autora. “Countries should be ready to use public funds needed to support the stabilization of

the financial system.” FMI. Transcript of a Press Conference on the World Economic Outlook. Oct. 08, 2008.

Disponível em: <http://www.imf.org/external/np/tr/2008/tr081008.htm>. Acesso em: 15 set. 2014. 34

Tradução da autora. “Our position is that is not useful to use the word ‘recession’ when the world is

growing at 3 percent. I think the words, ‘global downturn with still positive growth’, are a better description

of what we are facing”. FMI. Transcript of a Press Conference on the World Economic Outlook. Oct. 08,

2008. Disponível em: <http://www.imf.org/external/np/tr/2008/tr081008.htm>. Acesso em: 15 set. 2014.

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explicações. O argumento era o de que as medidas necessárias realmente demandavam um

alto desembolso inicial, mas poderiam ter um custo relativamente pequeno ou até mesmo

nulo ao longo do tempo.

Cada um dos passos para o auxílio do setor financeiro ganha justificativa

personalizada. Primeiro: enquanto a liquidez for fornecida com uma boa garantia, não

pesará nos contribuintes. Segundo: a compra de ativos – se adquiridos com valor abaixo de

mercado e mantidos por um longo tempo – pode, na verdade, produzir lucro, embora a

quantidade seja limitada. Terceiro: na recapitalização o governo pode, em contrapartida,

receber ações cujos benefícios futuros pagariam o gasto por si mesmo. Seguindo a linha de

raciocínio do FMI, este não seria um programa para aumentar a dívida dos governos, já

que haveria esperança suficiente no reembolso dos custos.

2.2.3. Panorama Econômico Mundial: a análise do cenário econômico de 2009

Em 2009 os valores das estimativas perdem espaço e o principal tema dos relatórios

são as medidas que devem ser feitas pelos governos (não são apresentadas nem mais

justificativas), quebrado apenas pela já estabelecida demanda pela análise específica do

país de origem dos jornalistas. Já em abril não são feitas mais explicações das posições

tomadas pelo Fundo; as afirmações são diretas: “o principal papel está – e continuará, por

algum tempo – nas mãos de políticas macroeconômicas (monetárias e fiscais)”35

.

A conclusão da fala de Olivier Blanchard sintetiza a atitude do Fundo: “Este não é

tempo para complacência e a necessidade para fortes políticas no macro e no financeiro é

maior que nunca. Mas com a realização dessas medidas, há luz no final deste longo

túnel”36

.

Se ao longo dos últimos relatórios a intervenção governamental na economia é a

única solução dada pelo FMI, no Panorama Econômico Mundial de outubro não é

35

Tradução da autora. “The major role is being played and will have to be played for some time by

macroeconomic policies, both monetary and fiscal”.

FMI. Transcript of a Press Conference on the International Monetary Fund’s World Economic Outlook. April

22, 2009. Disponível em: <http://www.imf.org/external/np/tr/2009/tr042209.htm>. Acesso em: 15 set. 2014. 36

Tradução da autora. “This is not time for complacency, and the need for strong policies on both macro and

especially on the financial fronts is acute as ever. But with such policies in place, there is light at the end of

this long tunnel.” FMI. Transcript of a Press Conference on the International Monetary Fund’s World

Economic Outlook. April 22, 2009. Disponível em: <http://www.imf.org/external/np/tr/2009/tr042209.htm>.

Acesso em: 15 set. 2014.

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diferente. No entanto, nesta análise, a cartilha neoliberal é lembrada e o próximo passo dos

governos é parar de agir diretamente.

A recuperação está baseada, principalmente, no aumento do gasto público o que

não é uma boa notícia de acordo com o FMI, afinal para a instituição esta atitude não pode

seguir para sempre. No entanto, ao mesmo tempo em que revela esta preocupação, o

próprio Fundo incentiva que as medidas implantadas sejam mantidas no presente. O que

não deixa de ser um movimento contraditório, como manter essas medidas se elas trarão

problemas no futuro próximo.

Neste relatório, o FMI também comemorava o mandato dado a ela pelo G-20 para

avaliar se políticas nacionais estavam coerentes com o compromisso de proporcionar

crescimento mundial sustentável e balanceado. Algo que provoca surpresa, afinal essa já

era uma das atribuições da instituição, que realiza periodicamente relatórios e pareceres

que abordam a situação atual dos países no mundo.

Com a vantagem da perspectiva histórica, podemos afirmar que o ano de 2008 foi o

início de uma recessão econômica, mas com consequências que duram até o presente

momento e ainda não são completamente entendidas. Entretanto, entre economistas, o

consenso é que três trimestres seguidos de resultados negativos caracterizam uma recessão.

Algo que já se tinha noção, pelo menos em outubro de 2009, e mesmo assim, a palavra

“recessão” continua não sendo citada.

As análises do Fundo em 2007 podem ser resumidas pela tentativa de desacreditar o

impacto e dimensão do colapso das hipotecas subprime americanas. Em 2008, os

problemas enfrentados pela economia são citados, para, imediatamente, terem sua

relevância diminuída. A atitude no ano de 2009, em que as consequências de 2008 já

estavam claras, é de nem ao menos se admitir o que aconteceu, o foco é total no papel dos

Estados na economia com a esperança que no ano seguinte haveria uma mudança de ciclo

(uma expectativa cujo prazo de execução só vinha sendo adiada).

Apesar do óbvio erro nas projeções do FMI, o que chama mais atenção é como as

análises são o reflexo do pensamento neoliberal da instituição, um fato que não chega a ser

surpresa. Entretanto, apenas nesse recorte temporal, o conjunto de argumentos observados,

a maneira com que a equipe os molda e adapta a qualquer situação, as estratégias utilizadas

para reforçá-los – e desacreditar outras possibilidades de previsões – permitem a tomada de

consciência da dimensão dessa atitude, algo que não pode ser menosprezado.

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Após a análise de todas as atitudes realizadas pelo FMI, mencionadas

anteriormente, ao longo destes três anos podemos realizar uma comparação com o estudo

de Philippe Breton no livro “A manipulação da palavra”. O autor considerava que no ato

da manipulação, a mensagem é concebida para fazer crer o que não é (BRETON, 1999) e

descreveu uma série de técnicas que acreditava serem necessárias para chegar a esse

resultado lista. Entre as quais podemos apontar as que caracterizam as atitudes do Fundo,

principalmente em suas coletivas:

Manipular pela clareza: “A clareza seduz. Ela cria a ilusão, justamente, de adaptar-

se ao público, que não precisa fazer nenhum esforço para aceitar o que lhe é

proposto” (Ibidem: 67);

O recurso à autoridade: “Ele permite fechar a questão sem discutir, com o intuito de

fazer aceitar uma opinião ou provocar um comportamento” (Ibidem: 71);

A repetição: “a partir desse mecanismo, cria inteiramente de forma artificial um

sentimento de evidência” (Ibidem: 75);

Não há qualquer dúvida de que, apesar do discurso de clareza e cientificismo, o

Fundo Monetário Internacional utiliza a suposta clareza, sua autoproclamada autoridade e a

incessante repetição de argumentos com o intuito de manipular sua audiência. Ao

consideramos que seu público é formado por jornalistas do mundo inteiro, a questão da

propagação de suas ideias e opinões ganha grande proporções. Afinal, estes são

profissionais que alimentam o noticiário de todo o mundo.

2.2.4. Relação do FMI e seu Panorama com a Mídia

A assessoria de imprensa do Fundo é bem estruturada e há toda uma preparação no

contato direto da instituição com os jornalistas. No caso do Panorama Econômico Mundial

há quase um ritual. Ele é liberado para a imprensa em duas partes. Primeiro, os capítulos

com os estudos analíticos e, posteriormente, aqueles que trazem uma análise do cenário

econômico e as estimativas para o desenvolvimento macroeconômico global. O último

contém os famosos números que alimentam as manchetes de jornais e noticiários no

mundo todo.

Cada lançamento é acompanhado por sua própria coletiva de imprensa e ambas

contam com transmissão ao vivo pela internet. Elas são mediadas pelo chefe da assessoria

de imprensa e possuem uma estrutura inalterada ao longo dos anos: faz-se a leitura de um

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comentário inicial do economista-chefe, seguida das perguntas dos jornalistas – inclusive,

os que não estão presentes no local, com questões enviadas pela internet. Dúvidas e

comentários feitos durante as coletivas ganham algum tipo de réplica, mesmo que não seja

a mais satisfatória – evasões e respostas genéricas são mais que comuns.

Alterações na maneira com que as coletivas de imprensa são conduzidas são

restritas as diferenças de personalidade dos economistas-chefes. Eles são responsáveis pelo

comentário inicial e a maior autoridade presente nas coletivas. Durante o período

analisado, ocuparam o cargo Simon Johnson e Olivier Blanchard. O primeiro dá respostas

longas e, consequentemente, atende menos pessoas. O segundo caracteriza-se por réplicas

curtas e diretas, além de responder apenas aos assuntos gerais – delega aos outros membros

da instituição presentes na mesa dúvidas relativas aos países e aos capítulos analíticos.

De maneira geral, o relacionamento com a mídia tem um espaço relevante dentro

das ações e objetivos do Fundo, como fica claro nas afirmações do então economista-chefe

do FMI, Simon Johnson, em sua primeira coletiva de imprensa no cargo, em abril de 2007.

A importância da divulgação das conclusões do relatório para o público toma parte de sua

declaração pré-redigida. “Iremos trabalhar duro para comunicar nossas descobertas à uma

ampla audiência. Acredito que se uma ideia não pode ser comunicada, de maneira

persuasiva, para uma audiência não especializada, essa ideia precisa ser mais bem

trabalhada.” E completa, “tudo que fazemos aqui é ou deve ser de interesse para vocês e

para seus leitores ou espectadores”.37

O FMI tem uma visão própria sobre o nível de compreensão e a forma como as

pessoas reagem à economia global. Eles dividem a população em três categorias: aqueles

que consideram esse um conceito abstrato e não entendem a sua influência no cotidiano;

outros que sabem, ou entendem, que, em algum nível, suas vidas são impactadas pelos seus

desdobramentos; e, por último, os que têm medo da economia globalizada e das mudanças

trazidas pela globalização.

A mídia é considerada a principal, senão única, intermediadora entre o Fundo e a

população. Johnson afirma que grande parte do trabalho do FMI é tentar explicar,

cuidadosamente, o que move a economia global e como isto impacta as pessoas que leem

jornais, assistem aos noticiários e ouvem programas de rádio.

37

Tradução da autora. “We will work hard to communicate our findings to a broad audience. I strongly

believe that if idea cannot be communicated persuasively to a non-technical audience, then that idea needs

more work. I think that everything we do here is or should be of interest to you and your readers or viewers.”

FMI. Transcript of a Press Briefing on the Analytic Chapters of the World Economic Outlook. April 5, 2007.

Disponível em: <http://www.imf.org/external/np/tr/2007/tr070404.htm>. Acesso em: 15 set. 2014.

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O pensamento do Fundo é que o relacionamento com a população só pode

acontecer de maneira indireta e a responsabilidade pela forma com que a divulgação das

informações é exclusiva da mídia. A fragmentação do Panorama Econômico Mundial não

deixa de ser uma maneira de multiplicar ao máximo um possível destaque midiático das

visões defendidas pela instituição.

Por mais que não assuma publicamente a contínua perda de influência no cenário

político-econômico e a falta de interesse dos cidadãos comuns, o constante tom é de

agradecimento à presença dos jornalistas nas coletivas. O incentivo ao envio de mais

perguntas é permanente. Clipes de vídeos de entrevistas com autores de capítulos –

potenciais matérias-primas para noticiários de televisão – são disponibilizados logo após o

término das coletivas. Além de se fazer propaganda da realização de outras coletivas,

sejam elas de outras publicações ou de pronunciamentos do diretor-gerente em eventos.

Oficialmente, a justificativa para que o estímulo ao envio de perguntas é a falta de

tempo para atender a todos nas coletivas. Ao responder a todas as dúvidas, o conteúdo do

que está sendo divulgado estaria claro e completamente compreendido e, dessa maneira,

seria transmitido também de maneira clara e objetiva. Entretanto, a quantidade

considerável de coletivas que acabam, justamente, porque não há mais perguntas da

audiência e nem daqueles que acompanham pela internet, acaba com essa tese.

Em outra vertente do relacionamento com a mídia, o diretor-gerente, como

principal representante do FMI, possui um papel de destaque. Ele pode não ser

oficialmente o porta-voz da instituição, mas suas declarações são sinônimas às do Fundo.

Ao personificar as ações da instituição em seu principal dirigente, tanto o Fundo como a

imprensa humanizam os argumentos e dados divulgados, lhes dá voz e emoção. Entretanto,

este papel não é exclusivo do diretor. Em menor escala, as falas de outros membros são

usadas como fonte de declarações que ilustram as notícias.

As atitudes do Fundo permitem a interpretação de que há uma constante tentativa

de se chamar a atenção da mídia para as visões e opiniões defendidas e, principalmente,

para a própria instituição. Como se o espaço dado ao FMI na imprensa validasse seu

discurso e legitimasse sua relevância, mesmo que os próprios profissionais de mídia por

vezes questionem sua precisão.

Uma delas, feita por um jornalista do Wall Street Journal, é direta e pergunta qual é

a frequência dos acertos das projeções do Fundo e se eles avaliam a própria precisão. Após

riso dos presentes, o chefe da assessoria de imprensa – e não o economista-chefe – explica

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que a cada cinco anos um acadêmico especialista em projeções dá seu parecer no

desempenho do Panorama Econômico Mundial.

Apesar de o FMI não pretender ser perfeito em comparação a cada número real,

cita-se o último parecer, na época, realizado pelo professor Allan Timmermann, para

reiterar suas análises. “A revisão de Timmermann sugeriu que, certamente, estamos em

linha com a precisão de outras previsões privadas. Algo que consideramos positivo”38

argumenta-se.

O economista-chefe acrescenta que o Fundo disponibiliza, nos Panoramas, gráficos

com as prováveis margens de erro das projeções. Ele defende que o Fundo é honesto em

relação a erros do passado, mas “quais serão nossos erros nas projeções no futuro, não

podemos prever”39

.

38

Tradução da autora. “The review of Prof. Timmernann did suggest that were certainly in line with the

accuracy of the private consensus forecasts, which we take to be a good sign.”

FMI. Transcript of the World Economic Outlook Press Conference. April 11, 2007. Disponível em:

<https://www.imf.org/external/np/tr/2007/tr071017.htm>. Acesso em: 15 set. 2014. 39

Tradução da autora. “What our forecast errors are in the future, I can’t forecast”. FMI. Transcript of the

World Economic Outlook Press Conference. April 11, 2007. Disponível em:

<https://www.imf.org/external/np/tr/2007/tr071017.htm>. Acesso em: 15 set. 2014.

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3. COBERTURA DAS PROJEÇÕES ECONÔMICAS NA FOLHA

Não há notícias chatas.

Há matérias chatas,

feitas por repórteres

e editores chatos,

para publicações chatas.

(BASILE, 2011, p.7)

A maneira com que organizamos os aspectos de nosso dia é produto das escolhas,

erros e acertos das experiências vividas e transmitidas pelas pessoas que nos antecederam.

Ter algum tipo de conhecimento sobre como agir diante das incertezas da vida fez a

diferença para a sobrevivência da espécie. Os séculos passaram, mas a importância do

conhecimento e, principalmente, da sua transmissão manteve-se determinante.

A realidade é que não temos noção dos muitos fatores que de alguma maneira

influenciam nossa vida, mesmo nesta sociedade marcada pelos avanços tecnológicos e

científicos em que um toque aproxima distâncias. Como explica Sidnei Basile (2011), o

mundo se apresenta como um caleidoscópio de fragmentos incompreensíveis.

Neste contexto, conhecimento é poder. Já que, diante das incertezas, o saber é uma

das poucas ferramentas disponíveis ao homem. “O valor intrínseco da informação é o de

conferir significado a esse quebra-cabeça gigantesco e misterioso.” (BASILE, 2011: 4) Daí

a importância da comunicação e, consequentemente, do jornalismo para a sociedade.

Uma função que, paradoxalmente, não diminuiu ou ficou mais fácil, como o senso

comum costuma argumentar, já que um dos aspectos deste mundo globalizado é a incrível

quantidade de eventos acontecendo e sendo documentados, simultaneamente. No caso da

economia, que é um processo complexo muito suscetível a mais variada gama de fatores,

isso ganha grandes proporções.

Tanto que parte da energia de empresários, capitalistas, investidores e governantes,

como afirma Kucinski (2000), é gasta no esforço de prever o futuro do cenário econômico.

Os prognósticos são valiosos para aplicadores no mercado de capitais,

indispensáveis na formação das expectativas dos empresários,

determinantes na toma de decisões de investimento. As mais modernas

teorias econômicas valorizam esse processo de tomada de decisões a

partir de expectativas racionais dos agentes econômicos. (KUCINSKI,

2000: 111)

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Entretanto, como ter alguma consciência como esses acontecimentos distantes da

realidade cotidiana da maioria das pessoas poderão e irão impactar seu futuro?

A resposta está no jornalismo econômico bem executado, defende Basile (2011):

“Ajuda um pouco a retirar esse caráter enigmático do cotidiano, ajuda a explicar um pouco

melhor quais são os grandes movimentos que acabam interferindo sobre nossa vida diária.”

Para Kucincski (2000) a disseminação de dados que ajudem a prever o andamento

da economia é descrita como uma tarefa obrigatória do jornalismo econômico. “A

democratização desse tipo de informação democratiza a própria economia e contribui para

sua maior eficiência.” (KUCINSKI, 2000: 111) No entanto, o próprio autor ressalva que

essa é uma atividade que se deve fazer criteriosamente ao interpretar as estatísticas,

evitando provocar pânico nos mercados financeiros.

O objetivo final deste capítulo é a descrição e análise da cobertura jornalística

realizada pela Folha de São Paulo das projeções do Fundo Monetário Internacional

divulgadas por meio do relatório Panorama Econômico Mundial. Entretanto, para tal é

necessário maior conhecimento a respeito dos elementos que caracterizam o jornalismo

econômico no país, como sua história, especificidades, linguagem e mentalidade. Além das

divergências entre os próprios economistas sobre a relevância das previsões no cenário

econômico e da análise do posicionamento e estratégias da instituição feitas no capítulo

anterior.

3.1. Elementos do jornalismo econômico brasileiro

Suely Caldas (2003) afirma que não há registro de jornal sem notícias sobre fatos

econômicos. O jornalismo econômico, portanto, seria tão antigo quanto a imprensa. A

política sempre foi o principal assunto no jornalismo brasileiro, mas na virada do século

XIX para o século XX, já há um noticiário econômico nos jornais, “ainda que bastante

tímido e já muito especializado” (PULIPI, 2013: 42) composto por colunas fixas e diárias.

O consenso é que o jornalismo econômico desenvolveu-se de fato a partir do golpe

militar de 1964. A cobertura política perde espaço graças às pressões – e perseguições –

dos militares, principalmente, com o Ato Institucional nº5, de 13 de dezembro de 1968, no

qual a censura prévia é oficialmente instaurada. Simultaneamente, inicia-se um ciclo de

crescimento econômico, conhecido como o “milagre econômico”.

Baixa inflação, grandes obras de infraestrutura, programa de substituição de

importações, empresas estatais em exponencial crescimento marcaram esse período de

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grande endividamento do setor público. Os assuntos econômicos na imprensa eram

incentivados pelo regime. “A máquina oficial bombardeava os jornais com notícias

positivas sobre o crescimento da economia, dos investimentos e da Bolsa de Valores”

(PULIPI, 2013: 44). A cobertura econômica raramente sofria repressão em comparação

com outras áreas dos jornais e ocupou muito do espaço que, anteriormente, seria ocupado

pela política.

Neste período, os ministros da Fazenda tinham amplos poderes e eram os principais

porta-vozes do governo, credita-se a eles uma das principais características do jornalismo

econômico brasileiro, presente até hoje, como conta Basile (2011):

Os líderes dessa arrancada desenvolvimentista, administradores de

elevada competência técnica, mas pouco dispostos a discutir as condições

sob as quais esse desenvolvimento está sendo obtido, se expressam em

uma estranha língua, parecida com o português, mas ininteligível para a

população. É o ‘economês’. (BASILE, 2011: 84)

Outra característica é resultado do maior espaço da editoria e, consequente,

ampliação das equipes de economia. “O trabalho de apuração das informações passou a ser

segmentado por setores econômicos específicos. E assim nasceu a especialização.”

(CALDAS, 2003: 8). A autora argumenta que dessa maneira os jornalistas passaram a

conhecer melhor as especificidades dos diversos setores econômicos, ficando mais

preparados e qualificados.

O “milagre econômico” não sobrevive por muito tempo, seu desgaste agrava-se

com o primeiro choque do petróleo, de 1974, os níveis de crescimento caem

vertiginosamente, enquanto a inflação aumenta e a balança comercial tem grandes déficits.

Consequentemente, a economia passa a ser o núcleo temático do noticiário jornalístico.

Nesse contexto, floresce o jornalismo de serviços voltado aos problemas

econômicos e financeiros de seus eleitores de classe média, ao mesmo tempo didático e

voltado a uma cidadania econômica (KUCINSKI, 2000). Basile (2011) acredita que o

longo processo de estabilização da moeda a imprensa econômica foi se especializado ainda

mais.

Isso era necessário para que o público entendesse a complexidade das

questões envolvidas nas tentativas de proceder à estabilização da moeda;

entender como e por que o Brasil tinha quebrado, nos idos de 1981; quais

as novas condições da retomada do crescimento e, sobretudo, por que

éramos uma Nação tão injustamente dividida entre ricos e ricos.

(BASILE, 2011: 89)

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O mercado financeiro cresce e fica cada vez mais complexo, a partir da década de

1970, os empréstimos externos e a constante intervenção do Fundo Monetário

Internacional também influenciam no jornalismo econômico que passa a usar expressões

estrangeiras e jargões específicos do setor – desconhecidos do leitor comum – sem a

preocupação de traduzi-las para seus leitores (CALDAS, 2003). Simultaneamente, os

jornalistas afastaram-se das declarações de economistas acadêmicos e buscam fontes mais

próximas do mercado financeiro. Com as confusões criadas por planos econômicos

complicados, com tabelas, tablitas, conversores, redutores e impostos extraordinários, os

jornais precisavam de fontes para explicar tudo isso. (PULITI, 2013)

A situação econômica logo após a redemocratização, em 1985, não muda, o país

continua a recorrer aos empréstimos externos, seguir as orientações do FMI e implantar

diferentes planos econômicos. Definitivamente, o final do século XX ficou marcado pela

ascensão da economia ao primeiro plano do noticiário econômico impresso.

Basile (2011) argumenta que poucos eventos terão significativa importância para o

crescimento da imprensa econômica quanto o confisco da poupança feita pelo governo do

presidente Fernando Collor de Mello em 1990. Ele descreve o cenário de confusão da

época:

De repente, os brasileiros, pessoas físicas e jurídicas, acordaram sabendo

que só teriam disponíveis no banco 50 cruzados novos, que eram de fato

muito pouco dinheiro. Como isso era possível? Como alguém tinha esse

poder? Se o tinha, por que o tinha exercido? E, se o tinha exercido, quão

desesperada devia ser a situação do país para levá-lo a isso? E, se estava

assim, como ficava o nosso futuro? E o dos nossos filhos? Receberíamos

nosso dinheiro de volta? Essas e muitas outras questões, extremamente

angustiantes infernizavam o cotidiano dos cidadãos. Precisavam entender

o que ocorria. (BASILE, 2011: 89-90)

O Plano Real em 1994, lançado durante o governo de Itamar Franco e sob o

comando de Fernando Henrique Cardoso, reduziu a inflação e a estabilizou a moeda.

Passados 20 anos o país não a troca ou passa por novos planos econômicos. Kucinski

(2000) e Puliti (2013) apontam o papel decisivo da imprensa para o sucesso do plano e,

principalmente, para a legitimação das ideias responsáveis pela sua criação.

O final do século XX foi palco de modificações do cenário político-econômico

mundial, impactado pelas novas tecnologias de informação e da comunicação e com o

colapso do comunismo e sua economia estatal e planificada. Esse processo teve como

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consequência uma mudança de paradigma e restauração das crenças liberais, como expõe

Lene:

Em termos públicos, o fenômeno recebe o nome de globalização, mas

politicamente coincide com a ideologia do neoliberalismo, uma

plataforma econômico-político-social-cultural, empenhada em governo

mínimo, fundamentalismo de mercado, individualismo econômico,

autoritarismo moral. (LENE, 2005:.3)

Um dos princípios básicos dessa doutrina é o monetarismo, que defende o controle

da inflação por meio da diminuição dos gastos estatais e da redução salarial. Também é

defendida a mínima intervenção do Estado na economia, sendo esta baseada na livre

concorrência. O jornalismo econômico além de acompanhar o processo de mudança de

paradigmas foi intimamente influenciado por ele. Simultaneamente, sem um sistema

comercial de mídia global, a globalização econômica e cultural seria impossível para

promover os mercados globais e encorajar os valores de consumo (MCCHESNEY apud

LENE, 2005).

Para Kuncinski (2000) as teorias econômicas dominantes sempre provocam uma

direta influência na ideologia seguida pelo jornalismo econômico. Ele argumenta que os

anos 80 trazem a economia para o centro da temática jornalística enquanto se esvazia a

cobertura política e o embate ideológico. Logo, as corporações de mídia e entretenimento

têm um papel estratégico como agentes operacionais da globalização. Elas não apenas

legitimam o ideário global, mas o transformam no discurso hegemônico, propagando

visões de mundo e modos de vida que transferem para o mercado a regulação das

demandas coletivas. O resultado é que há um consenso na grande mídia sobre a

superioridade das economias abertas, insistindo que não há saída fora pressupostos

neoliberais (LENE, 2005).

Para Puliti (2010) os assuntos de economia são fundamentais para o exercício de

cidadania na sociedade atual e a imprensa é a mais abrangente fonte de informação

disponível. Mas, ao favorecer ideias de um único grupo, a imprensa limita o debate. Para a

autora, os jornalistas ao escolher suas fontes dão espaço a uma voz como se esta fosse a

única detentora de saber. Kucinski exemplifica algumas dessas atitudes:

Conceitos importantes, como o de competitividade no comércio

internacional, são vistos exclusivamente pela ótica das empresas e não

pela ótica mais geral da sociedade. O valor do trabalho é visto

estritamente como um custo de produção e não como uma renda do

trabalhador. Assim surgiu o novo jargão do jornalismo econômico,

expressões como “globalização”. “custo Brasil”, “mercados emergentes”

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ou “reinserção competitiva na economia mundial”, com alta carga

ideológica. Competitividade é vista como a conquista de mercados,

mesmo que à custa da destruição do emprego ao invés de sua criação.

Custo Brasil é o eufemismo que propõe a eliminação dos encargos sociais

dos salários, alegando que são excessivos, mas omitindo que incidem

sobre uma base de salários das mais baixas. “Globalização” é a palavra

mágica que tudo justifica. (KUCINSKI, 2000: 187-188)

A prática jornalística atual em que a disponibilidade da fonte e a oferta de material

exercem grande influência em quem será considerado na produção das reportagens, Puliti

(2010) aponta que se esta for dotada de um discurso científico melhor ainda para o

jornalista.

Afinal, se os relatórios, comentários ou pareceres forem elaborados na linguagem

das Ciências Econômicas, eles passam um conteúdo aparentemente neutro, livre de

interferências políticas e dentro de parâmetros técnicos. A autora conclui que com essas

atitudes falta ao profissional de imprensa desafiar pensamentos pré-concebidos, enxergar

além do discurso e questioná-lo.

Kucinski (2000: 189-192) vai além e expõem seis principais traços que formam a

mentalidade do jornalismo econômico brasileiro, na seguinte ordem:

Consesualismo: trata-se de um traço geral da cultura política do país, que exige o

consenso em torno dos interesses dominantes, e não considera legítima a

divergência;

Dogmatismo: manifesta-se no reducionismo da discussão, no desprezo pelo factual

e no pouco trabalho analítico. Está presente, em alguma medida, em todo

jornalismo econômico, devido à influência de economistas que repetem teses

antigas já invalidadas como verdades reveladas, especialmente as teses do

monetarismo;

Ingenuidade: ao contrário do jornalismo econômico dos grandes centros mundiais,

que usa uma linguagem agressiva para descrever um mundo de negócios feito de

disputas, golpes e rivalidades, o jornalista brasileiro insiste em descrever o mundo

dos negócios como uma história de fadas em que só há encantamentos. Para o

autor, esse é um dos traços mais curiosos e originais do jornalismo econômico

brasileiro;

Oficialismo: o uso de fontes oficiais na reportagem jornalística é esmagador.

Muitas vezes, a ausência de espírito crítico em relação às fontes oficiais chega ao

limite do cretinismo, da ausência total de raciocínio. Kucinski acredita que o

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jornalismo econômico brasileiro tem se revelado subserviente ao governo do dia,

especialmente nos momentos cruciais em que o governo baixa pacotes econômicos

e na abordagem geral das políticas econômicas. Além de assumir postura

triunfalista nos momentos de euforia econômica, tardando muito para fazer a

crítica, em geral a reboque de outros setores da sociedade;

Entreguismo: um traço típico de uma mentalidade colonizada em que se assume a

defesa integral dos interesses estrangeiros, tanto na sua visão geral dos processos

econômicos, como em histórias específicas. O autor aponta uma notável perda de

autoestima que faz com que não se acredite em nada que seja nacional ou

brasileiro.

Deslumbramento: o jornalismo econômico brasileiro apresenta-se de maneira

deslumbrada perante as grandes empresas e os grandes empresários e banqueiros,

resultado em uma atitude subserviente e acrítica. Os grandes empresários são

reverenciados pelo jornalismo, alguns até passaram a ocupar espaço fixo em

jornais, como colunistas.

Paradoxalmente, enquanto abria-se para a grande massa de leitores, o noticiário

econômico fechou-se na sua linguagem e abordagem graças à ascensão de uma nova classe

de tecnocratas nas fontes de notícia, influenciando os profissionais com um jargão logo

batizado de “economês” pelo jornalista Carlos Lacerda (DINES apud FRANCISCO,

2006). Logo, o jornalismo econômico brasileiro além da mentalidade própria, também é

marcado por uma linguagem específica.

Kucinski (2000) também lembra o papel decisivo na campanha neoliberal dos anos

90 pelo desmonte do Estado socialdemocrata, na sedução dos jovens ao ideal do sucesso

pessoal, na disseminação da nova utopia das classes médias: a de possuir o próprio

negócio. E conclui que a disfunção da linguagem talvez tenha uma função ideológica. Um

jornalismo que não se propõe a explicar e sim seduzir.

Entretanto, o autor também destaca que apesar do predomínio do econômico sobre

o político, o jornalismo econômico continua com a estrutura e hierarquia de quando era

apenas uma especialização. Na cobertura e mesmo na disposição nos jornais, o político

continua separado do econômico. Esse confinamento dificulta a formação de uma nova

linguagem que leve a análise econômica para um grande público. Se de um lado, a

economia aparece ligada a questões do dia a dia, do outro está marcada por conceitos

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abstratos e de difícil compreensão, mesmo para leitores instruídos que não conseguem

decodificar o noticiário econômico.

Fica claro que o jornalismo econômico se dirige a, pelo menos, dois públicos muito

diferentes, cada qual com seus próprios códigos: de um lado, especialistas, grandes

empresários e profissionais de mercado; de outro, o grande público e os pequenos

empresários. Esse último grupo de acordo com Kucinski (2000) se sente permanentemente

agredido pela linguagem técnica usada no noticiário econômico.

Tanto Caldas (2003) quanto Kucinski (2000) acreditam que o uso de uma

linguagem técnica está amplamente relacionado com as fontes. “Frequentemente as

próprias fontes do mercado alimentam uma aura de mistério em torno de suas ações,

disseminando expressões exóticas” (KUCINSKI, 2000: 167-168). Contudo Caldas (2003)

responsabiliza o jornalista por tornar com essa linguagem o jornalismo econômico “difícil

e chato”.

Isso ocorre quando o repórter ouve das suas fontes de informação uma

série de explicações técnicas, um amontoado de expressões específicas

(muitas em inglês), que realmente poucos entendem (às vezes, nem

mesmo ele, repórter), e se limita a transcrevê-las nesse mesmo jargão, o

chamado ‘economês’. O jornalista age, assim, como mero papagaio que

insiste em imitar o dono. (CALDAS, 2003: 1)

Os economistas apenas aparentemente usam a linguagem comum, na realidade eles

a codificam em linguagem científica. Logicamente, os jornalistas não podem usar essa

linguagem para o grande público que não a entenderá. Além disso, a própria abordagem é

totalmente diferente, já que o repórter idealmente leva em consideração os interesses gerais

da população. Logo, o grande desafio é reportar e analisar de maneira crítica, transmitir

opiniões de economistas e do governo, sem usar uma linguagem que as pessoas comuns

não entendam, e sem violar os conceitos criados pela linguagem científica dos economistas

(KUCINSKI, 2000).

Burkett (1986) também acredita que a missão do jornalista especializado é

simultaneamente, atrair os que não têm conhecimento prévio sobre o tema sem chocar seus

especialistas. Ele defende que o jornalista assuma por inteiro o papel de pedagogo,

transformando o resultado da sua atividade numa espécie de dicionário para leigos e

especialistas. Mesmo assim, reconhece que esta tarefa não é fácil, já que dificilmente será

capaz de atender exigências tão diferentes. Alguma informação sempre será perdida no

processo para facilitar uma ampla divulgação (MARTINS, 2005).

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Citando um trabalho sobre jornalismo econômico elaborado pela Universidade de

Columbia, Martins (2005) engrossa o coro que defende o abandono dos vícios da

linguagem dos profissionais da economia. Ela traz especificamente os argumentos de

Graham Watts, um dos autores do estudo, que aconselha a abordar um tema econômico

“como se contasse a história a alguém da sua família ou amigo”. Watts acrescenta que os

números são instrumentos de apoio e devem estar distribuídos ao longo do texto, não

reunidos em um único bloco compacto e incompreensível. Além de lembrar a importância

de declarações, vozes de pessoas para que as reportagens não se tornem meros relatos

abstratos. “Em resumo, o jornalista especializado em economia não escreve uma equação,

escreve um artigo jornalístico, que tem de ser compreendido por um leitor sem formação

específica” (MARTINS, 2005: 228-229), como exemplifica Caldas:

O empresário tem lá seu vocabulário próprio, o economista lança mão de

expressões técnicas da ciência econômica, o ministro fala o linguajar

escorregadio do governo. Mas o jornalista deve ter a preocupação e

preparo para interpretar o que ouviu desses personagens e, ao escrever,

traduzir tudo em linguagem simples e objetiva, capaz de ser entendia por

qualquer um, do porteiro de seu prédio ao mais importante empresário do

país. (CALDAS, 2003: 1)

Martins (2005) acredita que esses conselhos básicos são esquecidos na prática

cotidiana, o que resulta na reiteração do estereótipo de um jornalismo econômico sempre

distante do grande público. Mesmo uma análise empírica e não comprovada

cientificamente mostraria que as reportagens se concentram nas fontes institucionais, nos

governos, na classe empresarial e nos economistas. A autora conclui que na maior parte

das vezes, a realidade econômica é abordada pelo ângulo de percepção do poder instituído,

afastando-se da realidade concreta das sociedades, do consumidor, do desempregado e do

pensionista.

No entanto, acredita-se que é possível uma melhor utilização da linguagem e,

consequentemente, uma maior aproximação com o público em geral. Certos autores trazem

verdadeiros guias de como o jornalista que produz notícias econômicas deveria agir para

evitar a repetição de vícios que prejudicam a decodificação de suas reportagens. Neste

trabalho, destaco os argumentos e conselhos de dois deles: Kucinski (2000) e Basile

(2011).

Ambos colocam a busca da clareza como ponto de partida para um bom texto.

Kucinski (2000) acredita que o envolvimento do jornalista com o tema é fundamental já

que clareza só pode ser alcançada se o profissional entende o fenômeno econômico que se

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propõe reportar ou analisar. Afinal, em posse desse conhecimento, o repórter pode

simplificar conceitos e até usar metáforas sem comprometer a precisão da informação. “O

recurso dos jornalistas que não entendem bem o tema de que estão tratando é o de se

protegerem com palavras difíceis do jargão dos economistas e com expressões do inglês”

(KUCINSKI, 2000: 168-169). Basile sintetiza a importância da clareza para a boa

produção jornalística: “Se você explicou tudo direitinho na sua história, não há mais

explicação a dar. A clareza expulsa a interpretação do espírito humano, e por isso, no

jornalismo, que vive da informação confiável, clareza é absolutamente essencial”

(BASILE, 2011: 126-127).

Intrinsecamente ligadas à clareza estão a escolha das palavras e a ordem das

mesmas nas frases que compõem o texto. O principal conselho nesse caso é “expresse

apenas com palavras que forem absolutamente necessárias, com economia absoluta de

linguagem” (BASILE, 2011: 127). Nesta questão, Kucinski (2000) condena os

eufemismos que, para ele, emasculam a linguagem jornalística. “Além de pouco claros,

eufemismos como ‘crescimento negativo’ tem motivações ideológicas. As elites

dominantes esmeram-se em criá-los para camuflar os conteúdos de suas políticas

econômicas”. Sobre a linguagem burocrática, de conteúdos irrelevantes ou acessórios, o

autor vai além ao afirmar que esta “sintetiza quase todos os defeitos do fazer jornalístico

brasileiro: o desprezo pelo leitor, o descuido com a informação, a preguiça jornalística e a

despolitização da informação” (KUCINSKI, 2000, p.169-170).

Parece brincadeira, mas palavras utilizadas a esmo, sem atenção e

cuidado, não evidenciam apenas um deserto verbal que se perde no

horizonte, grandioso, desesperador e vazio. Evidenciam que esse deserto

é também intelectual, e que através dele, a franquia da livre expressão

está sendo mais que mal utilizada, eventualmente, manipulada, algumas

vezes. (BASILE, 2011, p. 170)

Os autores também apontam outro traço do jornalismo econômico brasileiro: a

imprecisão da informação. Para Basile (2011) a maior parte das “bobagens” que aparece

em textos de economia e negócios se relaciona a distrações sobre informações factuais

básicas. Kucinski (2000) também acredita que o problema começa nos dados primários,

como datas, cifras, índices e a grafia de nomes e empresas. Além da utilização de dados já

superados, não distinção entre dados firmes e provisórios, e entre agências com

credibilidade e de baixa credibilidade.

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Ainda a respeito dos números, Basile (2011) defende a utilização de recursos

gráficos para uma melhor compreensão e condena o seu uso em excesso nos textos. Uma

estratégia que esconde uma falta de ponto de vista, de foco sobre o que se quer mostrar.

Entretanto, admite que este possa ser um problema da fonte. De um lado, há aqueles que

utilizam excesso de números como argumento de autoridade. Outros para afastar o

jornalista da verdade, já que com tanta informação, muitas vezes, se perde a possibilidade

de ter uma noção de perspectiva.

Para Caldas (2003), entretanto, a linguagem jornalística é uma só. A função de todo

repórter é apurar, investigar, buscar fatos novos, não se conformar com a primeira versão

dos fatos; checar, sempre checar. No caso do jornalismo econômico e político esta atitude

tem sua dimensão aumentada, já que o jogo de interesses tenta constantemente manipular

as informações dadas aos repórteres.

O texto sobre o déficit fiscal do governo deve ter a mesma simplicidade,

objetividade e clareza de outro que descreve um confronto entre policiais

e traficantes na favela ou daquele que narra a súbita disposição de

Romário em disputar a bola com o adversário. O que muda é apenas o

tema. Se o leitor não entender o que leu, é porque o jornalista não

cumpriu sua função básica de informar. Escreveu como se fosse um

burocrata e não como um bom repórter. (CALDAS, 2003:1)

Essa opinião é compartilhada por Martins (2005) que a caracteriza como uma

questão central. “Mais do que dominar um determinado vocabulário e as relações a ele

associadas, há que não se esquecer de que se trata de jornalismo. Um jornalista é um

jornalista, escreva ele sobre economia ou sobre política” (MARTINS, 2005: 227-228).

Novamente citando o estudo da Universidade de Columbia, afirma que acima de

tudo está o domínio das técnicas de escrita e da boa comunicação. Além disso, os critérios

de avaliação para a escolha de assuntos para a pauta especializada devem ser os mesmos de

qualquer jornalista generalista: É novidade? É importante? É diferente? É interessante? Por

que isso interessa? De onde vem essa informação? Qual o interesse das fontes envolvidas

em verem o assunto publicado? Com quem devo cruzar estas informações? Falei com

todos os envolvidos? Confrontei os especialistas nesta questão? Tenho boas citações? Qual

será meu lead? (MARTINS, 2005).

Em ambas as visões, contudo, o jornalismo econômico é considerado único e

diferente do jornalismo genérico e de outras especializações. Kucinski (2000) aponta duas

diferenças fundamentais entre eles. O noticiário genérico traz eventos singulares,

anomalias, descontinuidades, além de procurar personificar. Enquanto a economia, como

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objeto do noticiário econômico, é muito mais um processo do que uma sucessão de fatos

singulares. Logo, idealmente, no jornalismo econômico, episódios e fatos singulares

precisam ser interpretados à luz de processos, leis ou relações econômicas. Com isso, a

grande quantidade de escolas de pensamento se torna um dos problemas centrais para os

jornalistas.

A outra diferença é que o jornalismo genérico tem o homem como sujeito da

história e objetivo principal. Já o jornalismo econômico tem como foco os mecanismos de

produção e o processo geral de acumulação. Neste caso, o objetivo central é a lógica da

produção de lucros. De acordo com Kucinski (2000), o primeiro tem a verdade, a justiça e

a fraternidade como valores referenciais, enquanto o segundo responde ao sucesso, a

esperteza e a verdade, nesta ordem. Para ele, essa definição se encaixaria perfeitamente na

produção jornalística brasileira. “No Brasil temos um jornalismo genérico fortemente

referenciado pelo drama humano e pelos problemas da democracia, em contraste com um

jornalismo econômico que ignora o homem, exceto na sua variante de jornalismo de

serviços” (KUCINSKI, 2000: 176).

Para Martins (2005) não é o caso de o jornalismo econômico ser melhor do que os

outros. Mas, ela também concorda que sua prática exige maiores cuidados e um

conhecimento complementar da parte do profissional dedicado a essa cobertura.

Na economia, há que saber do que se fala quando se fala com alguém; há

que saber o que se esconde ou desvenda por trás dos números. Por trás

destes números abstratos estão situações objetivas; estão pessoas que os

definem, utilizam e até instrumentalizam; e estão pessoas que são por

estes mesmos números afetadas. (MARTINS, 2005: 227)

O papel central da imprensa nas questões econômicas fica claro no já citado

exemplo da implantação do Plano Real. O governo acreditava que grande parte do sucesso

do plano dependia de um esforço de comunicação para não se repetir erros, como falhas na

apresentação inicial das medidas ao público. Uma jornalista foi especificamente contratada

para a organização da sua divulgação. Após o lançamento, economistas responsáveis pela

sua criação realizaram quinzenalmente mesas-redondas de entrevistas com grupos de

jornalistas selecionados com o objetivo de tirar dúvidas e dar explicações (PULITI, 2013).

Kucinski (2000) argumenta que não se consegue entender a política quem não

entende minimamente o funcionamento da economia internacional. Para as elites, o cenário

de alto risco deu ainda mais relevância ao noticiário econômico na tomada de decisões.

Martins (2005) acrescenta outra faceta da questão ao expor que, atualmente qualquer

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político que queira ser bem sucedido deve estar apto a discutir as eventuais soluções dos

problemas econômicos de certa sociedade. Ela cita célebre frase, cunhada por ames

Carvelle, assesor da campanha de Bill Clinton à presidência dos Estados Unidos: “É a

economia, estúpido”; para afirmar que com a economia se ganha ou perde eleições em um

considerável número de países.

Caldas (2003) reitera e exemplifica o caráter fundamental do jornalismo econômico

para o cotidiano da população:

O que para muitos pode parecer apenas um código cifrado, um

emaranhado hermético de gráficos e números destinado apenas à leitura

de iluminados e especialistas, é de fato um guia de sobrevivência

indispensável para nossa vida cotidiana: é lá que estão as notícias sobre

juros e inflação, tarifas públicas e aluguel, golpes e trambiques, sobre o

preço da carne e do feijão, o emprego perdido e o salário reduzido.

(CALDAS, 2003: 1)

Fica claro que apesar dos muitos problemas apontados pelos estudos, no que diz

respeito questões ideológicos e a disfunções na linguagem, o jornalismo dedicado à

economia é um campo fascinante em suas especificidades e sutilezas. No caso brasileiro,

sua história se confunde com acontecimentos de inegável importância.

Ainda prejudicado pela permanência de certos vícios mencionados ao longo deste

texto, o jornalismo econômico brasileiro possui um enorme potencial de crescimento (e

melhora) no contato com o grande público, que tanto se beneficiaria de uma análise

contextualizada e crítica das questões econômicas.

3.2. Cobertura jornalística da Folha de São Paulo do Panorama Econômico Mundial

em 2007

Em 2007 o jornal segue o planejamento de divulgação do Panorama Econômico

Mundial descrito no capítulo anterior no qual o relatório é lançado em duas partes, cada

uma com sua própria coletiva de imprensa. Consequentemente, em um período de um ano

temos o total de quatro reportagens: duas para os capítulos analíticos e outras duas para os

dedicados às projeções. Em todos os casos o leitor é imediatamente informado que as

informações e dados contidos na matéria são de responsabilidade do Fundo cuja sigla está

presente em todos os títulos principais.

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Durante a análise das matérias ficou clara a presença de dois padrões: um para os

capítulos analíticos e outro para as projeções. Em ambos relatórios, a divulgação dos

capítulos analíticos foi noticiada pela jornalista Denyse Godoy, correspondente do jornal

em Nova York. Em nenhum momento nas duas matérias são citadas declarações dos

membros do FMI, o que nos permite afirmar que a jornalista não compareceu a coletiva de

imprensa realizada na sede da instituição, nem acompanhou a transmissão ao vivo pela

internet. Logo, toda matéria-prima tanto para os dados como para as declarações são

obtidas via o texto do relatório.

A primeira matéria publicada em abril de 2007 (ver Anexo A) destaca a tese do

Fundo de que a influência americana na economia mundial estaria menor. Sem dúvida esse

era o mais importante assunto entre os capítulos analíticos divulgados pelo Fundo.

Entretanto, se na coletiva de imprensa a defesa desse argumento suprime os poréns

apontados pelo próprio FMI – com um economista-chefe sempre repetindo as mesmas

afirmações e contornado as perguntas dos jornalistas – no texto do relatório essa ação não

acontece.

A jornalista por não estar presente na coletiva de imprens, consequentemente, não

seria influenciada, em teoria, pela maciça defesa desta tese do Fundo. Algo que seria

inegavelmente um ganho para o leitor. Contudo, a matéria mostra-se confusa, cheia de

informações contraditórias. Está claro que essas contradições fazem parte do relatório

afinal não há outras vozes e opinões no texto além das do FMI. Mas o texto jornalístico em

vez de agir pelo fundamento da clareza segue a trama incongruente dos argumentos do

Fundo.

Folha de São Paulo, 05.04.2007, B5.

Folha de São Paulo,12.04.2007, B1.

Folha de São Paulo, 10.10.2007, B9.

Folha de São Paulo, 18.10.2007, B6.

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43

Primeiramente, o lead destaca que, segundo o FMI, apesar de inegável importância

dos Estados Unidos para a economia mundial, não se deve exagerar as possíveis

consequências de uma desaceleração da economia americana:

Para o FMI (Fundo Monetário Internacional), continua sendo verdadeira

a máxima de que, quando os EUA espirram, o resto do mundo pega um

resfriado. Entretanto, embora a sua economia influencie bastante as

demais, as consequências de um desaquecimento da maior potência do

planeta para os outros países não devem ser exageradas. Essa é uma das

conclusões da última edição do Panorama Econômico Mundial, relatório

elaborado pelo Fundo do qual foram divulgados ontem alguns capítulos.

(GODOY, 2007: B5)

Já o terceiro parágrafo traz outra informação que contradiz a que o lead acabou de

afirmar: “O FMI diz que, ao longo do tempo, aumentou o tamanho potencial do estrago

que turbulências nos EUA podem causar, já que também cresceu a sua integração

comercial e financeira com outros países” (Ibidem: B5). Como o impacto da desaceleração

da economia americana em outros países teve seu potencial de estrago aumentado se esse

mesmo estrago não poderia ser exagerado? Essa uma pergunta que nem o relatório

responde. Mas mostra-se um verdadeiro problema que tal incongruência apareça na

matéria sem que o leitor não seja alertado da mesma.

A notícia também traz um parágrafo que cita citando a fórmula montada pelo FMI

para explicar a influência dos EUA na economia mundial:

Mas, se, por exemplo, a taxa anual de crescimento do PIB americano

fosse reduzida em 1 ponto percentual, isso significaria apenas menos 0,2

ponto percentual nos índices latino-americanos. O FMI estima que, para o

Brasil, o impacto seria de aproximadamente 0,75 ponto percentual no

primeiro trimestre após o choque; entre o quarto e o quinto trimestre, ele

já teria sido assimilado. África e emergentes da Ásia não sofreriam tanto:

em torno de 0,1 ponto percentual. (Ibidem: B5)

O objetivo é exemplicar a afirmação que países com relacionamento mais próximo

com os Estados Unidos sofreriam maiores impactos, como os países da América Latina em

relação a outros na África e Ásia. Mas pode-se afirmar que esse parágrafo precisa de

considerável atenção para se acompanhar o raciocínio e, na realidade, está longe de ajudar

a exemplificar alguma coisa.

A reportagem publicada no final da página B5 do caderno Dinheiro (ver Anexo A)

usa um box para dividir os assuntos. Como já descrevemos, o texto principal fala sobre os

Estados Unidos e sua influência na economia mundial, enquanto o box traz as análises do

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Fundo sobre o mercado de trabalho. Este último traz as conclusões de um capítulo que tem

como objetivo explicar como a globalização afetou o mercado de trabalho mundial.

O destaque do box é que o FMI fazia um alerta para as consequências negativas da

globalização no mercado de trabalho mundial. Entretanto, o texto destaca as características

deste mercado sob a ótica dos países desenvolvidos. Na parte final, em que são listadas

algumas sugestões do Fundo para lidar com os problemas, é que se volta a tratar do

mercado à nível global. Em resumo, se perde a oportunidade de proporcionar ao leitor um

conhecimento mais abrangente (com as características do mercado nos países em

desenvolvimento, por exemplo) de um assunto que afeta um dos aspectos mais importantes

da vida em sociedade: o trabalho.

A próxima edição de 2007 do jornal Folha de São Paulo que noticia os capítulos

analíticos do Panorama Econômico Mundial é de 10 de outubro e a matéria divide a página

B9 do caderno Dinheiro (ver Anexo E) com uma série de pequenas notícias factuais. A

jornalista Denyse Godoy novamente não acompanha a coletiva de imprensa de divulgação

do relatório. Consequentemente, a reportagem não cita a maçiva defesa feita durante o

evento da tesa da continuidade do crescimento econômico. Pelo contrário, o próprio título

afirma “FMI alerta para riscos da crise imobiliária” (GODOY, 2007: B9). Na ocasião os

representantes da instituição chegam a alertar para ameaças ao desempenho da economia

mundial, mas sempre afirmando que a probabilidade delas se tornarem mais graves era

pequena.

A reportagem usa os bons resultados da economia mundial nos últimos anos como

um dos principais motivos para não se deixar de descuidar com os riscos trazidos pela crise

no mercado imobiliário americano. Diferente do que aconteceu ao se noticiar o primeiro

relatório, aqui os argumentos não são contraditórios e o texto estabelece uma clara relação

de causa e consequência entre eles:

Com grande taxa de crescimento, baixa inflação e queda da volatilidade,

a economia mundial vive momento único, segundo o FMI (Fundo

Monetário Internacional), devido às políticas macroeconômicas adotadas

e a um ambiente instituicional mais seguro. Na comparação com outro

período positivo, os anos 60, o que torna a atual fase especial são a maior

estabilidade e o fato de que, em geral, todos os países participam do

progresso.

Isso não significa, porém, que dê para relaxar: a crise no mercado

imobiliário americano, que estorou há pouco mais de dois meses, é uma

das ameaças a esse cenário. (GODOY, 2007: B5)

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Acompanhado a matéria o box, entretanto, segue outro caminho e volta a cometer

erros comuns no jornalismo econômico brasileiro. O texto fica confuso ao trazer a relação

cambial entre real e dólar em termos complexos e com muitas informações em um espaço

reduzido. A impressão é que se trata de uma tradução do texto do relatório com a escolha

de palavras distantes de um vocabulário menos rebuscado, como “inócuas” e “dispêndios”,

ou técnico, como “austeridade fiscal” e “apreciação cambial”.

A hierarquia de importância entre os capítulos analíticos e as projeções do Fundo já

pode ser vista nesta reportagem que traz as prováveis estimativas que serão divulgados

pela instituição de acordo com fontes consultadas pela Wall Street Journal. O assunto

principal são as conclusões dos capítulos analíticos, mas as projeções que ilustradam a

matéria por meio de um gráfico de barras.

Do outro lado temos as matérias sobre as projeções do FMI para a economia

mundial presentes no Panorama Econômico Mundial. Ambas foram assinadas pelo

jornalista Fernando Canzian também correspondente em Nova York, sendo que nas duas

reportagens ele aparece como enviado especial a Washington, local da sede da instituição.

Diferente da colega Denyse Godoy, Canzian comparece às coletivas de imprensa de

divulgação dos capítulos. Em suas matérias as declarações são de membros do Fundo e não

do texto do documento.

A edição de 12 de abril de 2007 traz a capa do caderno Dinheiro (ver Anexo C)

dedicada às projeções do FMI, divididas em duas matérias. A principal tem como foco o

desempenho da economia brasileiro de acordo com a análise do relatório. Durante a

coletiva de imprensa, o Brasil foi mencionado no comentário de abertura, no contexto das

estimativas da América Latina, e alvo de duas perguntas ao longo do evento. Canzian

(2007) se baseia totalmente nas afirmações dadas nessas ocasiões ao falar sobre o país,

mesmo que não tenha sido o autor de nenhum desses questionamentos.

A projeção para 2007 (4,4%) ganha mais destaque do que a do próximo ano (4,2%),

e a reportagem tem uma divisão bem clara em duas partes. Na primeira destaca-se como a

projeção mostra um maior ritmo de crescimento da economia brasileira em 2007, em

comparação ao ano anterior, mesmo que abaixo da média global e da América Latina. A

atitude do FMI de colocar um dado negativo sempre acompanhado de um positivo é

seguida pelo texto, como os seguintes parágrafos exemplificam:

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Brasil e Chile são os dois únicos países da América Latina que devem

crescer mais neste ano em relação a 2006, diz o Fundo. Mas o PIB do

Brasil deve ficar abaixo tanto da média mundial quanto da América

Latina (4,9 para ambos os casos).

‘Certamente estamos otimistas com a economia brasileira, que deve

ganhar mais ritmo’, disse Charles Collyns, economista-chefe-adjunto do

FMI. Ele considerou ‘bem-vinda’ a recente mudança na metodologia de

cálculo do PIB. (CANZIAN, 2007: B1)

O trecho: “Ao mesmo tempo em que prevê uma aceleração, o Fundo voltou a

afirmar que o Brasil só não cresce em ritmo mais rápido por ‘fatores estruturais muito bem

conhecidos’” (CANZIAN, 2007: B1), marca a transição para a segunda parte da matéria.

Nela são enumerados esses problemas característicos e já bem conhecidos da economia

brasileira: juros, gasto público e ambiente de negócios. Como recurso visual há um grande

gráfico de barras que chama a atenção na página e traz as projeções atuais do Fundo e uma

pequena comparação da projeção para o Brasil com o de outras instituições (PAC, Focus,

BC).

Figura 1. Gráfico com estimativas do FMI para o crescimento econômico

A segunda matéria da página (ver anexo C) também é sobre as análises do Fundo,

mas destacando as previsões para a economia mundial. O texto retransmite as afirmações

de que o desempenho da economia deve manter-se no ritmo de crescimento apesar da

revisão para baixo da estimativa da economia americana. Como na coletiva de imprensa o

leitor recebe uma ampla defesa da continuidade do estado da economia global, respaldado

por uma série de números com as positivas projeções para diversos países. Neste texto é

citada a metáfora do cachorro e sua cauda usada pelo FMI para explicar o relacionamento

entre a economia mundial e o mercado financeiro:

Folha de São Paulo, 12 de abril 2007: B1.

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Ele [Simon Johnson, economista-chefe do FMI] comparou as recentes

turbulências do mercado aos abanos da cauda de um cão. ‘A economia

mundial e seus fundamentos hoje sólidos são o corpo do cachorro. Com

isso firme, é difícil que o movimento do rabo provoque grandes estragos’.

Para ele, a instabilidade foi ‘uma limitada e bastante temporária fuga de

ativos mais arriscados, especialmente nos mercados emergentes, depois

de um longo período de valorização’. (CANZIAN, 2007: B1)

Duas curiosidades, no entanto, marcam as matérias dessa edição da Folha. A

segunda matéria tem ao seu lado um gráfico de barras entitulado Desempenho do ‘profeta’

em que compara as estimativas previstas do Fundo e os resultados oficiais. Os dados são

interessantes, mas não são nem citados durante os textos, muito menos contextualizados.

Figura 2. Comparação entre estimativas do FMI e resultados do crescimento econômico

A outra curiosidade é que Canzian traduz World Economic Outlook como

Panorama da Economia Mundial, uma diferente tradução que foi usada por Godoy alguns

dias antes, Panorama Econômico Mundial. A diferença entre nomes pode até ser

Folha de São Paulo, 2007: B1.

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irrelevante, mas devemos lembrar que ambas são utilizadas no mesmo jornal e no mesmo

caderno, além de apenas dias à parte.

Mesmo seis meses depois, Canzian continua a utilizar a tradução diferente à de sua

colega (e vice-versa) para o relatório de outubro de 2007. A edição de 18 de abril da Folha

(ver Anexo F), novamente, dedica uma página inteira do caderno Dinheiro às análises do

FMI, com uma matéria principal e mais outras duas. O Brasil continua o protagonista na

matéria principal, que traz em destaque a previsão para o desempenho da economia

brasileira em 2008. Há bem menos declarações de membros em comparação com a

reportagem de abril, algo que pode ser explicado pelo fato de que o Brasil é apenas citado

no comentário de abertura do economista-chefe e não é alvo de perguntas durante a

coletiva de imprensa.

Diferente de ambas as reportagens de abril sobre o Panorama nesta o tom é mais

pessimista. Na matéria de abril o título dizia: “FMI prevê alta de 4,4% no PIB do país”

(CANZIAN, 2007: B1). Nesta matéria de outubro o título é: “FMI alerta para gastos

públicos do Brasil” (CANZIAN, 2007: B6). A projeção para 2007 continua a mesma

(4,4%), mas o texto trata a estimativa de outra maneira:

O FMI (Fundo Monetário Internacional) prevê um crescimento de 4,4%

para o Brasil em 2007, abaixo da expectativa do Ministério da Fazenda

(4,7%) e aquém das médias mundial e da América Latina.

Para o Fundo, o Brasil ainda tem ‘um longo caminho’ pela frente em

termos de melhora de sua situação fiscal (das contas públicas) e da

redução da relação entre a dívida pública e o tamanho de seu PIB.

[...]

Com só duas exceções (Equador e México), o Brasil terá neste ano a

menor taxa de crescimento da América Latina (Ibidem: B6).

As notícias para a América Latina, também mencionadas na matéria principal, não

são das melhores:

Para o Fundo, Brasil e demais países latino-americanos têm como

‘principal desafio’ no momento encontrar mecanismos para evitar

distorções macroeconômicas provocadas por um fluxo financeiro externo

sem precendentes na região.

O FMI destaca ainda que um eventual desaquecimento global do previsto

poderá levar a diminuição dos preços de commodities (alimentos e

produtos básicos) e a um esfriamento maior em toda a região (Ibidem:

B6).

Diferente do ocorrido em abril, nesta matéria o dado positivo acaba sendo ofuscado

pela reiteração dos dados negativos, como podemos observar neste trecho:

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Mesmo atravessando o melhor momento econômico desde a década de

60, a América Latina continua ‘na laterna’ do mundo, com expectativa de

crescimento de 5% neste ano e 4,3% no próximo. Já a média global seria

de 5,2% em 2007 e de 4,8% em 2008.

[...]

‘A região continua no fundo da ‘liga do crescimento’ global. Os governos

locais deveriam aproveitar o momento para avançar em reformas que

sustentem o crescimento e produtividade maiores’, diz o FMI

(CANZIAN, 2007: B6).

O recurso visual utilizado, mais uma vez, é o gráfico de barras com as projeções da

época e anteriores para alguns países. Dessa vez, o adendo é a previsão do FMI dos índices

de inflação para alguns países da América Latina e a compação dos mesmos com a taxa

prevista para o Brasil.

Figura 3. Gráfico com estimativas do FMI para o PIB de 2007

Na segunda matéria da página (ver Anexo F), assim como na de abril de 2007, o

assunto é o desempenho da economia global com parágrafos cheios de números e

comparações entre países e regiões. O grande destaque do texto é que as turbulências nos

mercados financeiros seriam as responsáveis pela redução, em quase meio ponto, da

previsão para o PIB mundial em 2008.

O texto cita a metáfora utilizada pelo FMI na coletiva de imprensa para descrever o

cenário econômico da época. Apenas para explicá-la aos leitores são gastos três parágrafos

da matéria:

‘Como uma floresta que não passou por incêndios em muitos anos, o

cenário positivo escondeu uma série de riscos com empréstimos e um

relaxamento de critérios. Quando os problemas começaram no mercado

de “subprime” [empréstimos imobiliários de segunda linha] nos EUA, o

‘fogo’ surpreendeu e apareceu em várias outras áreas’, disse.

Johnson afirma que foi o excesso de dinheiro hoje disponível na mão de

investidores dentro de um ambiente benigno quem detonou ‘focos de

Folha de São Paulo, 18 out. 2007: B6.

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incêndio’, por exemplo, nas carteiras de empréstimos de bancos e nos

mercados de títulos emitidos por empresas.

‘Esses focos de ‘fogo’ secundários têm sido combatidos pelos bancos

centrais, que vêm tratando de injetar liquidez [dinheiro com juros

menores] no mercado. Mas a fumaça sobre a floresta ainda não foi

totalmente dissipada’, disse Johnson (CANZIAN, 2007: B6).

A última matéria da página (ver anexo F) é sobre um dos assuntos que não foi

muito abordado durante a coletiva de imprensa, entretanto de inegável relevância: a alta

dos preços dos alimentos em todo mundo. Ela é ilustrada por um mapa (recurso utilizado

uma única vez entre todas as edições do jornal analisadas neste trabalho) que traz várias

informações no mesmo espaço.

Figura 4. Mapa relacionando inflação e alta do preço dos alimentos

A notícia traz dados do relatório e nenhuma declaração de membros da instituição.

Como nas outras reportagens analisadas até aqui não há nenhuma outra voz ou opinão a

respeito de um assunto tão sensível que fica expremido no final da página dividindo espaço

com uma propaganda.

Em 2007 o primeiro Panorama Econômico Mundial, lançado em abril, também

ganha espaço nas editorias do jornal Folha de São Paulo. Dois dias após a publicação da

reportagem sobre os capítulos analíticos do relatório, o períodico usa o estudo do FMI para

discorrer sobre o impacto dos Estados Unidos na economia de outros países. O editorial

Folha de São Paulo, 18 out.2008: B6.

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(ver anexo B) começa contextualizando as conclusões do relatório ao cenário econômico

da época. O texto é bem direto ao descrever a preocupação com uma possível repercussão

mundial de uma desaceleração americana que, na época, já dava claros sinais de existência.

Os sinais reiterados de desaceleração na economia americana, com as

quedas nos preços e na quantidade de imóveis vendidos e construídos,

trazem preocupações aos investidores e aos governos de diferentes países.

Teme-se que o aumento da inadimplência nos financiamentos

imobiliários nos EUA contraia o crédito e restrinja o consumo e os

investimentos – com repercusões na economia mundial. (FOLHA DE

SÃO PAULO, 2007: A2)

Por isso o estudo do FMI teria a importância de trazer um aspecto atenuante à esse

cenário: o fato de que as consequências e ameaças resultantes da diminuição do ritmo da

economia economia não se propagariam com a mesma força como em crises anteriores.

Para corroborar esta tese, o editorial destaca os dados do relatório que mostram o aumento

da participação dos países em desenvolvimento no Produto Interno Bruto (PIB) global

entre 1950 e 2005 e, consequentemente, a redução do peso dos países desenvolvidos. Um

pequeno gráfico com esses dados é utilizado para mostrar a considerável mudança de

comportamento. Entretanto, o texto também destaca que esse avanço não significa uma

dimuição da importância do dólar no sistema financeiro ou da demanda americana para o

comércio global.

Figura 5. Gráfico com avanço da partipação dos emergentes no PIB mundial

Uma das conclusões do estudo do FMI aparece neste editorial de maneira muito

mais clara e simples do que durante a matéria sobre o mesmo assunto (que traz essa

informação), já que aqui não há argumentos contraditórios a acompanhando:

Folha de São Paulo, 13 abril 2007: A2.

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O FMI alerta que, contrariando a regra geral, a crescente integração

financeira e comercial ampliou o potencial de repercussão das

turbulências americanas para alguns paises. Os impactos seriam maiores

na América Latina, sobretudo nas economias mexicana e brasileira.

(FOLHA DE SÃO PAULO, 2007: A2)

Na conclusão do editoral informa-se ao leitor que o Brasil vem tomando medidas

preventivas: “melhorou bastante seus indicadores de solvência externa e diversificou seus

parceiros comerciais nos últimos anos” (Ibidem: A2). Infelizmente quem não sabe o que

são indicadores de solvência externa continuará sem saber se depender deste texto.

Indicação de que apesar de uma linguagem mais clara e coesa a respeito de um tema

econômico certos vícios aparecem mesmo que em pequenas formas.

Para finalizar o editorial faz uma provocação ao leitor e ao próprio governo a

respeito deste último assunto. Terminando o texto com uma dúvida do que com uma

informação nova. “Se terão sido suficientes para evitar um eventual contágio em níveis

dramáticos, o tempo dirá” (Ibidem: A2).

No dia seguinte de ser capa do caderno Dinheiro da Folha as projeções do Fundo

Monetário Internacional em abril de 2007 também são alvo de um dos editoriais do jornal

(ver Anexo O). O texto destaca que se as previsões do FMI se mostrarem acuradas para o

ano de 2007 e 2008 seriam seis anos consecutivos de crescimento global acima de 4%, o

melhor desempenho da economia mundial em 37 anos. Com o objetivo de exemplificar

esses cenários são citadas as projeções para alguns países e regiões, como Estados Unidos,

zona do Euro, Japão, China, Brasil e Argentina (esses dois últimos acompanhados da

informação de que sua expansão está completamente interligada ao aumento do preço de

produtos agrícolas).

Após trazer essas boas notícias o editorial alerta para as três principais ameaças a

esse cenário também segundo as análises do Fundo. A primeira seria a incerteza dos

impactos gerados pelos problemas do mercado imobiliário americano. A segunda ameaça

viria do endividamento em alguns setores corporativo nos Estados Unidos e na Europa. Já

a terceira aponta o aumento da integração dos mercados financeiros como responsável por

uma maior vulnerabilidade do sistema frente aos problemas inicialmente localizados em

países específicos.

O editorial também faz uma interpretação de um dos pontos mencionados no

relatório do Fundo, o alto desquilíbrio econômico entre países superavitários e deficitários:

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É curioso observar como esse período ímpar de estabilidade e

crescimento da economia global se assenta numa relação estruturalmente

desiquilibrada entre os Estados Unidos e a Ásia, liderada pela China. O

governo americano se endivida internamente, e o país com o resto do

mundo, para sustentar um nível forte de expansão do consumo.

As nações superavitárias, ao contrário do que os bancos em geral fazem

com seus clientes que acumular dívida mas não diminuem seus gastos,

estão sempre dispostas a emprestar mais aos americanos (FOLHA DE

SÃO PAULO, 2007: A2).

O editorial é concluído com uma afirmação no mínimo polêmica, ao fazer uma

previsão para o futuro da economia mundial: “Enquanto perdurar essa relação de

conveniência, dificilmente uma grande crie econômica sobreviverá” (Ibidem: A2). Tanto o

FMI quanto a Folha não sabiam o quão longe da realidade este argumento estava.

3.3. Cobertura jornalística da Folha de São Paulo do Panorama Econômico Mundial

em 2008

A dinâmica da cobertura jornalística do Panorama Econômico Mundial sofre

siginficativa mudança em relação ao ano anterior. Já não há um padrão definido que separa

as reportagens sobre os capítulos analíticos e os das projeções. Diferente do mesmo

período de 2007, em abril de 2008 os capítulos analíticos do relatório do Fundo Monetário

Internacional não ganham as páginas do jornal Folha de São Paulo. Curiosamente no

mesmo dia da divulgação desses capítulos e da coletiva de imprensa sobre eles, 3 de abril

de 2008, o jornal publica uma notícia (ver anexo G) com as possíveis previsões do Fundo

de acordo com um documento da instituição que foi vazado pelas agências de notícias

Bloomberg e Dow Jones.

A notícia era que, segundo o FMI, os Estados Unidos vivenciaria a maior crise

financeira desde a Grande Depressão de 1929. E o lead já começa cheio de estimativas que

exemplicariam esta possível situação:

Os EUA passam por sua maior crise financeira desde a Grande Depressão

de 1929. A economia global deve crescer 3,7% em 2008, e a

possibilidade de esse crescimento ser menor do que 3% em 2009 ou

mesmo já em 2008 é de 25%, o que levaria o mundo a uma recessão.

Além disso, os EUA devem crescer mero 0,5% em 2008, ou um terço do

que era previsto em janeiro último. (DÁVILA, 2008: B6)

Diferente de todos os outros textos do jornal analisados neste trabalho, este traz a

repercussão das previsões do Fundo e de seu vazamento. O setor de imprensa se recusa a

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comentar o vazamento e reafirma que a divulgação das projeções para o dia 9 daquele mês.

Já Henry Paulson, secretário do Tesouro norte-americano na época, achava que o FMI

tinha exagerado em suas previsões negativas.

Apesar de sua antenticidade não ser comprovada o texto traz afirmações de

autoridades que corroborariam as conclusões contidas no documento vazado:

Em entrevista publicada ontem pelo diário francês ‘Le Figaro’, embora

sem citar números, o próprio diretor-gerente do Fundo, Dominique

Strauss-Kahn, havia afirmado: ‘As previsões que vamos divulgar em

alguns dias não são muito boas. Nós vamos revisar para baixo nossa

previsão de janeiro’.

A revelação chega no mesmo dia em que, pela primeira vez desde o

início da crise financeira que toma os EUA, o presidente de seu banco

central ousa dizer a palavra ‘recessão’ em público. Em resposta a um

congressista durante depoimento pela manhã, bem Bernanke, do Fed,

afirmou que, sim ‘a recessão é possível’. (DÁVILA, 2008: B6)

De acordo com o documento vazado as revisões para baixo seriam generalizadas e

a notícia cita as estimativas para o crescimento mundial e de diversos países para

exemplificar essa tese, reunidas em dois blocos com números e mais números:

No documento, o crescimento da economia global em 2008 é revisado

para baixo pela terceira vez desde julho do ano passado, quando o FMI

previu uma expansão de 5,2%, com 3,7%, é a pior previsão desde 2002,

no auge da última recessão a atingir os EUA. Para o país, a previsão caiu

de 1,5% em janeiro para 0,5%, e, para 2009, há imperceptível salto de 0,1

ponto percentual, para 0,6%.

As revisões para baixo são generalizadas. Na zona do euro, vão de 1,6%

em janeiro para 1,3%; na Ásia, perdem o Japão, que passa de 1,5% para

1,4%, e a China, com 9,3%, ante os 10% previstos antes. Entre os

emergentes, o documento afirma que a diferença entre essas economias e

as avançadas deve continuar, com o crescimento das últimas ficando em

geral ‘aquém do esperado’. (Ibidem: B6)

O texto traz um Saiba Mais onde se fala resumidamente sobre a Grande Depressão

de 1929. É a única notícia da página B6 do caderno Dinheiro, mas por causa de uma

grande propaganda que ocupa essa e a próxima página. Provavelmente, pela falta de

espaço essa seja a única matéria que traz várias estimativas, mas não é ilustrada por um

gráfico.

Curiosamente, no dia 07 de abril, quatro dias após essa notícia, o jornal traz um

editoral (ver Anexo H) que também trata das previsões do Fundo, mesmo que oficialmente

essas só seriam divulgadas dois dias depois. Logo, todas as afirmações são do documento

vazado pela imprensa, um fato que não é mencionado pelo texto. Os números para o

crescimento mundial e de alguns países e regiões são novamente citados. Mas dessa vez há

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a clara informação de que a desaceleração mundial está relacionada à crise no mercado

hipotecário americano:

O Fundo Monetário Internacional reduziu suas projeções sobre o

desempenho da economia mundial de 4,1% para 3,7% em 2008. A

desaceleração está associada à contração do crédito, sobretudo, em

decorrência da crise das hipotecas. O FMI estimou o crescimento da

economia americana em 0,5%, o dos países da área do euro em 1,3%, o

do Japão em 1,4% e o da China em 9,3%. (FOLHA DE SÃO PAULO,

2008: A2)

Diferente da notícia anterior sobre o assunto, o editorial fala como o crescimento

dos países emergentes seria, consideravelmente, menos afetado do que em crises

anteriores.

A despeito do desaquecimento, a expansão dos países emergentes, avalia

o Fundo, será menos afetada. A alta nos preços das commodities – 75%,

descontada a inflação, desde 2000 – favoreceu as exportações dos países

em desenvolvimento. Os saldos comerciais permitiriam a redução das

dívidas externas e a ampliação das reservas internacionais, o que diminui

a vulnerabilidade a turbulências globais. (Ibidem: A2)

Sobre a alta dos preços das commodities o Fundo afirmava que era uma situação

que perduraria mesmo com a desaceleração americana. Algo que estaria relacionado com

problemas na oferta, baixos estoques, alta demanda e as crescentes aplicações financeiras

nos mercados futoros de commodities.

O editorial termina falando da situação do Brasil dentro deste cenário. O texto cita a

importância das commodities para as exportações do país. Além de afirmar que as

previsões do FMI corroboram as análises otimistas do desempenho da economia brasileira

frente à crise econômica. Apesar disso, o editorial em sua última frase aponta um porém

que não está nas análises do Fundo: “É preciso lembrar, contudo, que não não há seguro

duradouro para o caso de uma crise profunda nos EUA” (Ibidem: A2).

O jornal continua a noticiar as previsões do Fundo Monetário Internacional, agora

com a versão oficial da instituição. Assim como no ano anterior, o jornalista Fernando

Canzian vai até Washington para acompanhar a coletiva de imprensa de divulgação dos

capítulos do Panorama com as projeções e análises do cenário econômico feito pela equipe

do FMI. Contudo, diferente de 2007, esta é a única edição durante todo o ano de 2008 em

que o assunto é tratado em uma página inteira na Folha (ver Anexo I).

Canzian continua com o padrão utilizado em suas reportagens de 2007 e a matéria

principal destaca as análises do Fundo referentes o Brasil. Como o país é citado apenas em

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uma pergunta durante a coletiva, as declarações de membros da instiuição são bem

reduzidas – o jornalista divide a afirmação dada para a mesma pergunta em três. A maior

parte das informações sobre a economia brasileira é retirada do documento em si.

O lead, no entanto, fala pouco sobre as previsões e análises do desempenho

econômico brasileiro e é focado nas críticas ao patamar dos juros no país: “O FMI (Fundo

Monetário Internacional) sugeriu ontem, indiretamente, que o Banco Central brasileiro

tenha cuidado para não exagerar na dose dos juros por medo da inflação e acabar

prejudicando o crescimento econômico do país em 2008” (CANZIAN, 2008: B3).

Há dois fatos que estão interligados segundo o Fundo: o bom desempenho de

alguns países e as precauções que deveriam ser tomadas para que futuros problemas

trazidos pela crise econômica fossem evitados. No entanto, a matéria não deixa essa

ligação de maneira clara. A grande quantidade de informação sobre os dois fatos, além

daquelas sobre cenário econômico da época, ao invés de contextualizar amplamente o

leitor, torna o texto confuso. Não coincidentemente este é a reportagem com o maior e

mais complexo recurso visual de todas as publicações analisadas.

Figura 6. Gráfico sobre previsões do FMI em abril de 2008

Folha de São Paulo, 10 abril 2008: B3.

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Um dos parágrafos que falha em fazer interligações claras entre os fatos, no caso

entre as previsões para economia brasileira com o cenário mundial analisado pelo Fundo,

está logo no início do texto:

O Fundo revisou para cima, para 4,8% (0,3 ponto além da previsão de

janeiro), a expectativa de crescimento do Brasil em 2008. Mas, como

prevê uma ‘leve recessão’ nos EUA neste ano, o FMI diz que há ‘espaço

para ação, embora dentro de limites’ para manter economias de países

como o Brasil aquecidas em 2008 – já que a recuperação norte-americana

viria ao logo de 2009. (CANZIAN, 2008: B3)

O número previsto pelo FMI para o crescimento econômico brasileiro, a situação

americana e sua provável recuperação em 2009 estão unidos a um desconhecido “espaço

para ação, embora dentro de limites” para prevenir um maior impacto negativo ao

crescimento de certos países. Todas essas informações presente em único parágrafo sem

que as relações entre elas sejam descrita de forma clara e coesa.

O leitor fica sabendo o que seria “dentro dos limites” apenas adiante do texto onde

o jornalista coloca uma explicação entre parênteses: “neste caso, da meta de inflação”. Um

dos fatores presentes neste “espaço para ação”, no entanto, é descrito em um parágrafo:

‘Até certo ponto, a boa performance recente abriu espaço para ação,

embora dentro de limites. A primeira linha defensiva contra os resultados

negativos deve ser a política monetária, particularmente em países como

Brasil, Chile, Colômbia e México, onde o sistema de metas de inflação

ganhou credibilidade e tem sido bem-sucedido para ancorar as

expectativas de preços’. (FMI apud CANZIAN, 2008: B3)

Curiosamente, a sugestão de que a política monetária seria a primeira “linha

defensiva” não é feita, durante a coletiva, apenas para os países da América Latina, que

vem sofrendo ou poderão sofrer impactos com a redução da demanda global, como sugere

a matéria e sim para todo o mundo.

O texto afirma que o FMI já havia alertado que o juro elevado seria o principal

ponto vulnerável do Brasil. E o texto deixa bem claro os motivos para essa tese do Fundo:

Por conta da taxa elevada, o Brasil vem recebendo enxurradas de dinheiro

de fora captado em países onde o juro – e a rentabilidade dos investidores

– é menor.

Esses ingressos não só prejudicam os exportadores (ao valorizar o real e

encarecer as exportações) como deixam o Brasil sujeito a forte

volatilidade. Numa turbulência, esse dinheiro pode sair rapidamente,

gerando instabilidade.

O relatório do Fundo lembra que ‘o crescimento brasileiro ganhou forte

aceleração em meio a quedas constantes de juros e aumento do emprego”.

E que a demanda doméstica tem sido o principal motor da atual fase de

crescimento (CANZIAN, 2008: B3).

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A análise e comparação das previsões para o crescimento econômico brasileiro

estão de fato apenas no final da matéria principal, após um subtítulo. Nele o texto conta

que caso as projeções fossem confirmadas, o Brasil estaria acima tanto da média mundial

quanto da América Latina. Junto com a Rússia, seriam os dois únicos países com números

revisados positivamente para o ano de 2008.

A explicação para esse fato é dada por Charles Collyns, diretor-adjunto do

Departamento de Pesquisas do FMI da época, durante a única pergunta relativa ao Brasil

na coletiva de imprensa:

[...] a revisão para cima no caso do Brasil deu-se graças ao resultado do

PIB no quarto trimestre de 2007, quando a economia ‘rodava’ em torno

de 6% em termos anualizados.

‘A economia brasileira vai muito bem desde o ano passado. O quarto

trimestre foi melhor do que havíamos antecipado. Isso terá um efeito

positivo sobre o resultado de 2008’, disse Collyns. (CANZIAN, 2008: B3)

Entretanto, no final da matéria observa-se novamente a estratégia do FMI em

colocar um dado ruim acompanhado de outro positivo:

O economista afirmou que, embora o Brasil esteja mais ‘resistente’ para

enfrentar um desaquecimento nos EUA, ele será afetado. ‘Acreditamos

que a economia brasileira se desacelere em 2008 e 2009, mas isso

ocorrerá a partir de um patamar mais alto do que em outros momentos’.

(Ibidem: B3)

Como nas matérias de 2007, Canzian continua a seguir o mesmo padrão. Após a

matéria principal que tem a economia brasileira como assunto, a próxima notícia publicada

na página B3 (ver Anexo I) trata das previsões para a economia mundial. O texto destaca

um dos aspectos com maior destaque durante a coletiva de imprensa, o fato de que o

desempenho positivo da economia mundial estaria mais ligado ao resultado dos países

emergentes do que ao dos países desenvolvidos:

A economia global de 2008 será marcada por uma importante inversão de

papéis entre os países desenvolvidos e os emergentes.

No crescimento mundial de 3,7% neste ano, na projeção do FMI (Fundo

Monetário Internacional), haverá uma participação recorde do

desempenho de países como China, Índia, Rússia e mesmo o Brasil em

relação ao de EUA, União Européia e Japão.

Na média geral, enquanto os países desenvolvidos devem crescer 1,3%

neste ano (menos da metade do resultado de 2007), os emergentes como

um todo devem alcançar a média de 6,7% (7,9% no ano passado).

(Ibidem: B3)

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O texto também é direto ao afirmar que o desempenho dos países emergentes fez a

diferença no que diz respeito ao impacto dos problemas de alguns países desenvolvidos na

economia mundial:

Não fosse esse passo mais intenso entre os emergentes, que ganhou ritmo

nos últimos cinco anos, a desaceleração de EUA e países europeus em

2008 teria consequências negativas muito maiores para a economia

global. (CANZIAN, 2008: B3)

Essa boa notícia é interrompida por um subtítulo que traz os piores cenários

imaginados pelo Fundo. Na coletiva os membros da instituição procuram desviar a atenção

para as ações que devem ser tomados para que esses cenários sejam evitados. Já a matéria

dá um grande destaque a eles e o leitor ganha uma parte toda dedicada ao que de pior pode

acontecer. Contudo esse “pior” é focado na economia americana e a nível global, neste

espaço o Brasil nem sequer é mencionado.

Para finalizar, o texto relembra as previsões do FMI no mesmo período do ano

passado. E pela primeira vez o leitor vê de forma direta (e irônica) o questionamento as

análises da instituição:

Há um ano, antes de atual crise se agravar, o FMI não previa uma

‘contaminação’ da turbulência financeira da época na economia global. O

próprio Simon Johnson usou uma metáfora canina para ilustrar a

situação: ‘Não creio que o ‘rabo financeiro’ consiga balançar o ‘cachorro

econômico’’, disse.

Questionado ontem sobre a atual ‘tremedeira no cachorro’, Simon disse:

‘Creio que muitos de nós aprenderam bastante, nos últimos meses, sobre

cachorros, rabos e suas correlações. O que apresentamos hoje é a melhor

visão que conseguimos ter deste momento da economia global’

(CANZIAN, 2008: B3).

O último texto da página (ver anexo I) trata justamente deste tema e é assinado pela

redação da Folha. Infelizmente, não há nenhuma contextualização ou outras fontes sobre o

assunto. Temos vários parágrafos recheados com números e um gráfico de barras para

ajudar na visualização das comparações entre as estimativas do FMI e os resultados

oficiais dos países. No total, a Folha teve no mês de abril três edições nas quais as

previsões do Fundo foram alvo de textos.

Em outubro de 2008 é lançado o segundo relatório do Fundo Monetário

Internacional e, diferente do que ocorreu no de abril, temos a cobertura jornalística dos

capítulos analíticos, mas nenhum editorial a respeito do Panorama Econômico Mundial.

Pela primeira vez, a notícia sobre os capítulos analíticos não é dividida entre uma matéria e

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um box e são utilizadas duas páginas em que cada matéria aparece como principal. No

entanto, isso só ocorre pelo fato de as páginas B6 e B7 do caderno Dinheiro estar tomadas

por uma grande propaganda.

A primeira máteria publicada na página B6 (ver Anexo J) mostra como este é o

relatório mais pessimista desde que os problemas no mercado hipotecário americano se

tornaram públicos em meados de 2007. O lead marca o tom da notícia:

O FMI (Fundo Monetário Internacional) vê ‘chance substancial de forte

desaceleração’ nos EUA e não descarta que o país venha a mergulhar em

uma recessão. Para o Fundo, a atual crise tem todos os ingredientes para

levar a uma fase prolongada de crescimento muito baixo ou negativo.

(CANZIAN, 2008: B6)

A notícia explica que essa conclusão foi tomada a partir de um estudo do próprio

Fundo em que 113 períodos de crises em 17 economias desenvolvidas nos últimos 30 anos

foram analisados. Inicialmente, são trazidas declarações do documento e de membros da

instituição que descrevem como certas características do cenário da época eram similares

às encontradas no estudo das crises do passado:

‘O comportamento dos preços dos ativos, do crédito e dos empréstimos

imobiliários nos EUA ao longo desse período de estresse no mercado é

muito similar ao de outros momentos seguidos por recessões’, afirmou o

FMI no relatório Panorama da Economia Mundial.

Para o economista-chefe-adjunto do Fundo, Charles Collyns, ‘está claro

que estamos diante do mais perigoso choque nos mercados desenvolvidos

desde os anos 1930, o que representa enorme ameaça para o crescimento

global’.

‘Não consigo pensar em um exemplo de país que tenha sofrido um golpe

tão grande em seu sistema financeiro e que não tenha sofrido fortes

consequências econômicas. Quando os bancos sofrem um estrago como o

atual, aumentam consideravelmente as chances de uma contração severa

e prolongada’, disse Collyns. (CANZIAN, 2008: B6)

O texto faz uma pequena pausa no desenvolvimento desta tese para apontar como

essas afirmações marcam uma mudança no comportamento do Fundo. A instituição até

pouco acreditava que a crise financeira iniciada nos Estados Unidos estaria perto do fim e

não resultaria em uma recessão da economia americana, muito menos causaria uma

desaceleração da economia mundial:

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O documento é o mais pessimista do FMI sobre a crise e representa uma

forte mudança de opinião da instituição.

Em 17 de setembro, o diretor-gerente do Fundo, Dominique Strauss-

Khan, afirmou: ‘Podemos estar perto do fim da crise financeira’. Em

julho, o mesmo FMI divulgou relatório prevendo uma ‘contração

moderada’ na segunda metade de 2008 e ‘recuperação’ em 2009.

(CANZIAN, 2008: B6)

Após a pausa retomam-se as explicações de como as recessões acontecem de

acordo com as análises feitas pelo FMI. O leitor acompanha, simultaneamente, as

conclusões do estudo em comparação com as características do cenário econômico da

época. Desta forma é muito claro observar as semelhanças entre as duas e, com essa atitude

o texto não abre margem para dúvidas de que realmente a economia americana vivia uma

recessão. O Fundo acredita que há uma chance de que a situação americana fosse mudar

graças aos bons resultados das empresas não financeiras e dos cortes de juros. E a

reportagem não deixa de citar essa segunda opinão do FMI, mas durante todo o texto

escolhe o caminho de mostrar ao leitor como até a própria relutante instituição admite que

de fato vivenciava-se uma clara recessão na economia americana.

A segunda reportagem sobre os capítulos análiticos do Panorama Econômico

Mundial (ver anexo K), como já se afirmou anteriormente, só ocupou outra página por

causa do posicionamente de uma propaganda que ocupa o maior espaço de duas páginas.

Esta pequena notícia fala sobre outro ponto abordado pelos capíltulos: a constante alta dos

preços das commodities. Contraditoriamente ao desaquecimento da economia global, os

preços continuavam altos e o FMI procurava explicar o porquê desta situação e se a mesma

continuaria a acontecer. O texto descreve as principais conclusões do estudo:

Mesmo cogitando uma recessão nos Estados Unidos, com impactos sobre

toda a economia global, o FMI (Fundo Monetário Interncacional) prevê

que os preços das commodities agrícolas e minerais não devem cair no

médio prazo. Ao contrário.

Segundo o Fundo, os preços devem continuar sua trajetória de alta por

dois motivos principais: crescimento das economias emergentes acima da

média mundial e falta de maior capacidade de oferta desses produtos nos

próximos anos.

Em relatório divulgado ontem, o Fundo prevê a manutenção, em

economias como China, Índia e Brasil, de melhora nas condições de vida

da população. Isso precisará ser atendido com mais produtos

manufaturados e mais alimentos. (CANZIAN, 2008: B7)

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Entre as commodities uma das principais preocupações estaria na alta dos preços

dos alimentos. Entretanto, essa era uma preocupação que não seria compartilhada

igualmente pelos países no mundo, como explica a notícia:

O outro lado da moeda é que as commodities no atual patamar e com

tendência de elevação vão continuar pressionando os índices de inflação

nos países emergentes. Nas economias mais maduras, o peso do custo da

alimentação, principalmente, é bem menor do que nas em

desenvolvimento. (CANZIAN, 2008: B7)

Esse mesmo assunto já foi abordado em um editorial em abril de 2008, mas neste

texto ele surge como algo inédito e as conclusões anteriores – e muito similares (leia-se:

idênticas) a estas – não são citadas.

Pela primeira vez na cobertura jornalística da Folha sobre os capítulos que trazem

as previsões do Fundo Monetário Internacional, o Brasil não é o foco da matéria principal

da página (ver Anexo L). A situação da economia americana só se deteriorava e a

economia mundial seguia os passos desta. Não fazia um mês que o banco de investimento

Lehman Brothers’s anunciou a concordata. Diante desses eventos, em outubro de 2008 o

jornal dá destaque aos dois cenários extremos previstos pelo Panorama Econômico

Mundial para a economia mundial. A matéria inicia-se da seguinte maneira:

Crescimento próximo a zero ou negativo até meados de 2009 nas

economias avançadas. Recuperação lenta e gradual a partir de então.

Para os emergentes, um desempenho ‘substancialmente menor’ daqui em

diante. Menos exportações e pressão sobre as reservas cambiais.

Esses são os cenários mais otimistas traçados ontem pelo FMI (Fundo

Monetário Internacional) no lançamento do relatório ‘Panorama da

Economia Mundial’, em Washington. O mais pessimista, e de pouca

probabilidade, seria uma ‘grande depressão’. (CANZIAN, 2008: B6)

Após os parágrafos de praxe com as estimativas do FMI, o texto dá destaque ao

assunto mais destacado durante toda a coletiva de imprensa: as medidas que os países

deveriam implantar para evitar maiores perdas e ameaças. São destacadas duas declarações

de Olivier Blanchard, novo economista-chefe, bem contudentes em relação ao papel que o

Estado deveria tomar frente à crise econômica:

‘Se os países não implementarem rapidamente resposta coerentes para a

crise financeira, o impacto sobre o crescimento será muito maior que o

projetado. Mesmo que ocorra a implementação, há grande risco de o

declínio da atividade voltar a contaminar o mercado financeiro’, disse.

Blanchard afirmou que a crise se agravou pela falta de coordenação e

adoção de medidas ‘improvisadas’ pelos governos centrais. [...]

‘Creio que o sentido de urgência foi colocado com bastante clareza pelos

mercados. Basicamente, os governos foram forçados a adotar planos para

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o curto prazo.’ E emendou: ‘Os países devem estar preparados para usar

fundos públicos para apoiar a estabilização do sistema financeiro’.

(CANZIAN, 2008: B6)

Apesar de todo o terror colocado nos governantes dos países, o Fundo continua a

defender que uma grande depressão não acontecerá. Mas, acrescentando que isso

dependeria das medidas postas em prática pelos governos.

Questionado sobre qual seria a chance, de 0 a 10, de a situação fugir ao

controle e o mundo mergulhar em uma ‘grande depressão’, Blanchard

disse: ‘Muito baixa. Se as medidas forem postas em prática, o risco é

extremamente pequeno’. (Ibidem: B6)

O texto não mostra ao leitor que está é uma verdadeira incongruência do sistema

econômico que guia as análises e sugestões feitas pela instituição: o neoliberalismo. Em

matérias anteriores membros do FMI já foram citados colocando o alto gasto público como

um dos principais problemas da economia brasileira, mas agora o mesmo organismo

defende essa prática e a coloca como extremamente necessária.

Em sua parte final o texto descreve resumidamente as medidas sugeridas aos

governos pelo Fundo:

São elas: fornecer liquidez (dinheiro) ao mercado via bancos centrais;

comprar os chamados ativos ‘tóxicos’ dos bancos em dificuldades; e

recapitalizar as instituições afetadas, seja por compra de participações

pelo Estado em bancos ou coordenando fusões entre eles.

Além de jogar essas três ‘bóias’ para o sistema financeiro, o fato de os

bancos centrais terem baixado as taxas básicas de juro ontem funcionaria

como ajuda adicional a quem não puder ser socorrido diretamente por

essa trinca de medidas. (Ibidem: B6)

O segundo texto na página sobre as previsões do FMI (ver Anexo L) fala do

desempenho brasileiro aos olhos da instituição. São citadas as estimativas do Fundo para o

ano de 2008 e 2009, e como de costume é feita a comparação com o desempenho da

América Latina. E, dessa vez, logo no lead da matéria:

Se confirmadas, as previsões do FMI para o crescimento da economia

brasileira colocarão o país à frente da média dos países latino-americanos

pela primeira vez em vários anos.

O Fundo projeta um crescimento de 5,2% do PIB neste ano e de 3,5% em

2009. Em relação à previsão feita em abril, houve corte de 0,5 ponto para

o ano que vem. Para a América Latina, a média prevista de crescimento é

de 4,6% em 2008 e 3,2% em 2009. As reduções decorrem da crise

financeira. (Ibidem: B6)

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No entanto, assim como nas últimas coletivas de imprensa, o Brasil não muito é

mencionado durante o evento. E as principais ameaças ao desempenho da economia

brasileira vêm, de fato, das análises para os países em desenvolvimento de maneira geral,

como o próprio texto deixa escapar em um trecho:

O FMI considera que os emergentes devem sofrer com a queda nas

exportações (derivada de uma demanda mundial menor por commodities

e manufaturados) e, mais importante, com presssões para usar reservas

para defender suas moedas. (CANZIAN, 2008: B6)

O cenário do futuro próximo para o Brasil, de acordo com o texto, seria que a

pressão do dólar afetaria a taxa de câmbio no Brasil. E, consequentemente, haveria uma

provável dificuldade em se conseguir financiamento estrangeiro, além do impacto na

inflação com o aumento dos preços das importações.

A diferença entre o desempenho dos países desenvolvidos e em desenvolvimento

não aparece em tanto destaque, como em uma das matérias sobre as previsões do FMI em

abril de 2008. Contudo, o gráfico que ilustra a reportagem deixa isso, indiretamente, bem

claro.

Figura 7. Gráfico com estimativas do FMI para 2009

3.4. Cobertura jornalística da Folha de São Paulo do Panorama Econômico Mundial

em 2009

Três edições trazem matérias sobre os relatórios feitos pelo Fundo Monetário

Internacional em 2009. É o menor número dos três anos analisados por este trabalho e o

primeiro em que nenhum editorial trata do assunto.

Folha de São Paulo, 09 out. 2008: B6.

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O agravamento da crise econômica que não foi prevista pelo Fundo, cujos sinais

foram desacreditados ou reduzidos até se não poder mais, colocou em xeque a relevância

de uma instituição que continuava com estruturas datadas da Guerra Fria. Não pode ser

coincidência o número reduzido de edições em 2009. Além do fato de que uma página

inteira do caderno Dinheiro dedicada unicamente às análises do FMI seja datada do ano

passado.

Novamente em 2009, as conclusões dos capítulos analíticos do Panorama não são

alvo de notícias na Folha. A primeira edição que noticia o relatório tem as previsões do

FMI como alvo de suas reportagens. A matéria principal da página B3 do caderno

Dinheiro do dia 23 de abril de 2009 (ver Anexo M) volta a ter as estimativas para a

economia brasileira como o foco do texto. E as notícias não eram boas como aponta o lead:

O FMI (Fundo Monetário Intenacional) previu ontem que o Brasil

encerrará 2009 com uma contração de 1,3% em sua economia. O Fundo

justificou a projeção afirmando que o país sofrerá mais neste ano os

impactos da desaceleração global, principalmente por conta da queda nos

preços das commodities que exporta (CANZIAN, 2009: B3).

Infelizmente o texto não deixa claro que a contração da economia brasileira não se

baseia sobre um valor positivo, e na realidade é um resultado totalmente negativo. O

gráfico (ver Figura 8, na próxima página) utilizado para ilustrar a matéria, contudo, deixa

esse fato bem visível ao leitor. O que a primeira vista pode até parecer um erro em uma das

abordagens da informação.

A matéria lembra que a última vez que a economia brasileira sofreu uma

“contração” foi em 1992 (com um PIB de -0,5%). Mas, que a pior “retração” (-4,3%), dos

últimos anos, aconteceu em 1990 face às consequências do Plano Collor.

A única declaração de membros do FMI sobre o Brasil é de Charles Collyns e

baseada, novamente, na também única pergunta sobre o país durante a coletiva de

imprensa:

‘Vemos alguns sinais de recuperação [no Brasil] no primeiro trimestre do

ano, em parte porque o governo está utilizando estímulos fiscais e sendo

agressivo na redução dos juros. Isso é positivo e deve amenizar os

choques externos. Mas nossa visão global é que o Brasil será afetado.

Não porque esteja particularmente fraco, mas porque é um participante

importante da economia mundial’, afirmou Charles Collins40

, diretor-

adjunto do Departamento de Pesquisas do FMI. (Ibidem: B3)

40

A grafia correta é Charles Collyns, no texto erroneamente o “y” é substituído por um “i”.

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Esta declaração é mais um dos exemplos do comportamento da instituição de

sempre trazer alguma conclusão negativa acompanhada por uma análise positiva, uma

atitude que muitas vezes deixa a argumentação confusa e contraditória.

Figura 8. Gráfico com estimativas do FMI para o PIB em abril de 2009

No entanto, a maior parte das informações é novamente baseada nas previsões para

os países em desenvolvimento de maneira geral. Como, por exemplo, o impacto sofrido

nos países exportadores de commodities devido à diminuição da demanda por esses

produtos. Além das consequências da forte queda da atividade econômica nos países

avançados, como a redução da receita das exportações, turismo e remessas de dólares. A

única notícia boa para o Brasil é citada nos parágrafos finais da matéria:

A boa notícia para o Brasil é que o Fundo afirma que o mercado

financeiro tem feito uma ‘diferenciação’ entre os tomadores de

empréstimos.

‘O custo financeiro aumentou substancialmente para alguns países [como

Argentina, Venezuela e Equador], mas se mantém relativamente baixo

para outros mais bem posicionados, como Brasil, Colômbia e México’,

diz o FMI. (CANZIAN, 2009: B3)

Folha de São Paulo, 23 abril 2009: B4.

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Diferente das outras edições que falavam sobre as previsões do FMI, a próxima

matéria da página destaca, inicialmente, o problema do desemprego no mundo, para só

depois trazer as estimativas e análises para a economia mundial. A notícia (ver anexo M)

afirma que apesar da economia global voltar a se recuperar em 2010, o desemprego só se

estabilizará no ínicio de 2011. Entretanto, números concretos para esse fenômeno são

citados apenas para o caso dos Estados Unidos.

A justificativa dada pelo economista-chefe do Fundo, Olivier Blanchard, é que “as

evidências históricas indicam que a recuperação desta vez será mais lenta do que o normal,

o que levará a um decréscimo também lento no desemprego ao longo do tempo”

(BLANCHARD apud CANZIAN, 2009: B3). Após essa declaração seguem-se os

parágrafos com as estimativas para a economia mundial, alguns países e regiões. As

previsões e estimativas mostram que o cenário era dos piores possíveis, mas o próprio

texto não coloca isso de maneira explícita:

Segundo as projeções do Fundo, a economia mundial deverá encolher

1,3% neste ano (a primeira retração desde a Segunda Guerra Mundial) e

crescer 1,9% em 2010. Como comparação, o mundo cresceu 3,2% e

5,2%, respectivamente, em 2008 e 2007.

O chamado G3 (EUA, com contração de 2,8%; zona do euro, -4,2%; e

Japão, -6,2%) puxará o mundo para baixo, enquanto China (6,5%) e Índia

(4,5%) darão alguma sustentação. No ano que vem, prevê o Fundo, o G3

pode ter um desempenho entre zero e 0,5%, mas outras economias devem

se acelerar um pouco mais.

Blanchard estima que no primeiro trimestre de 2009 a economia mundial

tenha se desacelerado 6%, repetindo a queda ‘sem precedentes’ do último

trimestre do ano passado, quando a crise mundial estourou com toda a sua

força (CANZIAN, 2009: B3).

Chega-se a citar que o economista-chefe tomou cuidado em todas suas afirmações a

respeito do desempenho dos governantes nesta situação: “Na entrevista de ontem na sede

do FMI, Blanchard foi extremamente cuidadoso com suas palavras iniciais e respostas

posteriores, sublinhando sempre que a maioria dos países tem adotado as ‘políticas

corretas’ para enfrentar a crise” (Ibidem: B3).

Diferente do ocorrido em abril de 2009, o Panorama Econômico Mundial de

outubro tem ambas as divulgações dos capítulos analíticos e das projeções como alvo de

matérias. Pela primeira vez, nos três anos analisados por este trabalho, os capítulos

analíticos são lançados no final de setembro, provavelmente para aproveitar a repercussão

da reunião do G20 (21 maiores economias do mundo mais a União Européia) que

aconteceria em dois dias.

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68

O principal foco da notícia (ver Anexo N) é a previsão de que a atividade industrial

levará um longo período para recuperar os níveis anteriores aos da crise. Esta conclusão é

feita a partir de um estudo do FMI que analisou 88 crises bancárias em dezenas de países

nos últimos 40 anos. A matéria traz os principais pontos do estudo que demostrariam que a

queda do setor produtivo durante as crises bancárias estaria ligado à escassez de crédito

para investimento e produção.

A conclusão deste estudo soa como uma justificativa racional e plausível para o

fato desta crise apresentar graves problemas que continuariam por um longo período de

tempo, como fica claro nesta parte do texto:

Segundo o economista-chefe do FMI, Olivier Blanchard, as crises

bancárias têm efeitos bem mais severos do que recessões comuns, já que

afetam os investimentos e o consumo; ‘Em ciclos normais de recessão, a

recuperação ocorre bem mais rapidamente e sem grandes perdas no

potencial de produção das empresas’, disse.

A atual crise não é somente global (diferentemente da maioria das

analisadas pelo FMI) como é a maior envolvendo o sistema financeiro,

principalmente o norte-americano, desde a década de 1930. (CANZIAN,

2009: B6)

Logo em seguida o texto, novamente, segue a atitude da instituição de trazer uma

notícia ruim (como a de acima) sempre acompanhada por alguma análise positiva:

“Segundo Petya Brooks, economista do Fundo, a atual crise bancária (que levou o mundo a

uma recessão) não fará necessariamente estragos muito maiores do que as anteriores”

(Ibidem: B6).

A matéria também traz as conclusões de outro capítulo analítico do Panorama, que

procurava responder se haviam sinais prévios à crise para que alguma ação preventiva

fosse tomada pelos governantes. O texto não traz uma conclusão concreta a essa pergunta,

mas tampouco o próprio documento da instituição. A conclusão divulgada pelo FMI é que

o fato de alguns países manterem baixas taxas de juros não foi o principal motivo da crise.

Mesmo que isso estivesse intimamente interligado ao que o FMI considerava o essencial:

Uma forte expansão nos níveis de crédito por um período entre dois e três

anos antes da explosão nos preços dos ativos. Quando há dinheiro farto e

barato no mercado, a tendência é mais investidores procurarem um

número limitados de opções de investimento, jogando os preços para

cima. (Ibidem: B6)

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O Fundo Monetário Internacional acaba por indiretamente colocar a

responsabilidade nas políticas governamentais. Apesar de, oficialmente, nem mesmo

apresentar uma conclusão clara para o questionamento inicial de seu próprio capítulo.

A última edição do jornal Folha de São Paulo analisada neste trabalho traz a

cobertura jornalística das previsões do Panorama Econômico Mundial de outubro de 2009.

E, diferente da reportagem do mês de abril, mas similar a do ano anterior, o destaque da

matéria principal são as projeções para a economia mundial. Enquanto, uma segunda

notícia fala do desempenho da economia brasileira.

A matéria principal (ver Anexo O) destaca a interpretação da economia global sob a

ótica do FMI que, como a reportagem de outubro de 2008, apresenta um cenário positivo e

outro negativo para os acontecimentos do futuro próximo. Este ano, o pior cenário faz

tanto o título da reportagem – “FMI teme agora nova onda recessiva” – quanto o lead: “ O

FMI (Fundo Monetário) alertou ontem para o risco de a economia global mergulhar

novamente em uma recessão, levando o atual a assumir a forma de W – queda inicial,

recuperação neste segundo semestre e nova queda mais à frente” (CANZIAN, 2009: B4).

Contraditoriamente, o título dado ao gráfico que traz as estimativas do FMI para o

ano de 2009 e 2010 é “Perspectivas melhores”:

Figura 9. Gráfico com estimativas do FMI para o PIB de 2009 e 2010

Folha de São Paulo, 01 out. 2009: B4.

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Uma das conclusões mais importantes do relatório vem logo após o lead: “O Fundo

diz ainda que a atual recuperação será atípica, com desemprego elevado e baixos níveis de

investimentos e consumo” (CANZIAN, 2009: B4). Apesar de destacar essa análise e as

dificuldades para uma recuperação, o texto não deixa de mencionar esta declaração de

Olivier Blanchard:

O economista-chefe do Fundo afirma que ‘a boa notícia’ é que é possível

dizer que o mundo já deixou a recessão para trás. Mas que só é garantido

prever o que ocorrerá ‘apenas nos seis meses à frente’. ‘Depois disso, não

sabemos’. (Ibidem: B4)

Assim como nas outras reportagens sobre o assunto temos parágrafos com as

estimativas para a economia mundial, para países desenvolvidos e para os países em

desenvolvimento. A importância da intervenção estatal na economia de seus países durante

esse momento de “transição” entre crise e recuperação, um dos assuntos que a coletiva de

imprensa mais destaca, é citada apenas no final do texto: “O Fundo diz que os governos e

bancos centrais devem ‘estar preparados’ para, se necessário, voltarem a gastar mais

dinheiro público para sustentar uma recuperação da qual o setor privado pode não dar

conta” (Ibidem: B4).

A outra matéria sobre o Panorama Econômico Mundial (ver Anexo O) fala

especificamente das previsões para o Brasil e o principal destaque do texto é o fato de que,

segundo o FMI, o país seria o responsável pelo resultado acima da média da América

Latina:

Mesmo prevendo que a economia brasileira encolha 0,7% neste ano (o

Ministério da Fazenda aposta em crescimento de 1%), o Fundo diz que o

Brasil é quem puxará para cima a média da América Latina, que deve

encolher 2,5% em 2009. [...] ‘Para a região, há indicações de que a

recuperação voltou e deverá atingir velocidade moderada no segundo

semestre, com o Brasil à frente’, diz o ‘Panorama da Economia Global’

do FMI.

[...]

‘O Brasil deve liderar na região em parte por causa de seu grande

mercado doméstico e por ter um mercado exportador diversificado tanto

em termos de produtos quanto de destinos, especialmente no que diz

respeito à Ásia’, diz o FMI. (Ibidem: B4)

O texto também procura explicar o motivo para essa “recuperação”. E a resposta

estaria na alta dos preços das commodities exportadas, de acordo com as análises do

relatório. Mas que os países exportadores de commodities não poderiam contar muito

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tempo com esse apoio já que “dificilmente os preços dos produtos básicos devem aumentar

mais no curto ou médio prazo” (CANZIAN, 2009: B4).

3.5. Considerações finais sobre a cobertura jornalística da Folha de São Paulo das

previsões do Fundo Monetário Internacional

As análises do Fundo Monetário Internacional sobre o futuro da economia mundial

tem espaço na Folha de São Paulo, especificamente no caderno Dinheiro41

que é dedicado

à cobertura jornalística dos assuntos econômicos brasileiros e mundiais. Durante os anos

analisados por este estudo, 2007, 2008 e 2009, o jornal sempre noticia as previsões e

análises do Fundo divulgadas por meio do relatório World Economic Outlook (WEO).

Cada lançamento de capítulos do relatório é usado pelo jornal como notícia factual.

No espaço dos três anos analisados, apenas em duas ocasiões (abril de 2008 e 2009) não

foram noticiados os capítulos analíticos do estudo. Nas outras quatro ocasiões observadas,

o periódico segue a agenda do FMI e publica em duas edições o conteúdo de apenas um

relatório. Já que conforme planejado pelo setor de mídia da instituição, a divulgação do

relatório é dividida em duas partes.

Para realização da análise proposta por este trabalho foram analisadas quinze

páginas do jornal Folha de São Paulo que continham uma ou mais matérias sobre o

relatório do Fundo, o que corresponde a um total de dezoito matérias e três editoriais que

abordavam diretamente o estudo. Dessas dezoito, dez matérias eram o destaque da página

onde foram publicadas. Diante da análise deste contigente pode-se afirmar que previsões –

análises e estimativas – feitas pelo FMI são mais evidenciadas do que seus estudos (os

chamados capítulos analíticos).

Apenas três jornalistas42

foram responsáveis por todas as matérias ao longo desses

três anos: Denyse Godoy escreveu as duas reportagens (uma delas destaque da página)

sobre os capítulos analíticos dos relatórios de 2007; Sérgio Dávila noticiou o vazamento

das previsões de abril de 2008 (e foi a única matéria da página); e Fernando Canzian

assinou as outras quatorze (oito delas sendo o destaque da página).

Muitas vezes, como apontado durante as análises de cada matéria, o jornalista vai

além da transmissão de uma tese, argumentos e dados. A influência da fonte é tão forte que

41

Atualmente, a Folha de São Paulo nomeia seu caderno de economia como Mercado. 42

Uma das matérias é a assinada pela Redação da Folha.

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o profissional passa a absorver alguns dos comportamentos da mesma. Nas reportagens da

Folha várias vezes pode-se observar que o texto traz uma informação negativa sempre

acompanhada por uma informação positiva. Esta nada mais é que uma das estratégias do

FMI para camuflar informações negativas, principalmente, durante as coletivas de

imprensa do Fundo, e até no próprio documento.

Uma das características marcantes da cobertura jornalística da Folha é que as

reportagens sobre o relatório do FMI são sempre tratadas como notícias factuais. Em todas

as matérias a única voz e opinião é a divulgada e defendida pelo FMI. Outros organismos

são citados quando suas estimativas são comparadas às do Fundo. Logo, a citação é restrita

a ordem numérica, quaisquer opiniões ou análises não são mencionados. Apenas em 2008

observa-se que as matérias, em alguns momentos, utilizavam a comparação entre

estimativas do próprio Fundo como material para produzir afirmações que não tinham o

selo oficial da instituição.

Cada jornalista tem uma maneira particular de escrever, ainda mais quando falam

sobre o mesmo assunto, neste caso as conclusões dos relatórios do FMI. Uma atitude que

fica clara ao observar os padrões das reportagens feitas por Godoy e Canzian.

Especialmente este último, já que foi possível analisar uma quantidade considerável de

matérias.

Muitas vezes a impressão é que os jornalistas seguem um molde no qual apenas se

adicionam dados e informações novas. Algumas das matérias são tão parecidas que, caso

se retirasse a menção ao ano que foi publicada, ficaria difícil diferenciar uma da outra ou

descobrir o correto ano de cada. Um exemplo emblemático é que das oito reportagens de

Fernando Canzian, que são o destaque da página onde foram publicadas, seis iniciam-se da

mesma maneira: “Para o FMI (Fundo Monetário Internacional)...”.

Os números são importantes para uma reportagem econômica, mas, muitas das

vezes, são dispostos de maneira que apenas confunde o leitor. Nas matérias analisadas por

esse trabalho, inúmeras são as situações em que o texto apresenta verdadeiros blocos de

estatísticas e estimativas. Não coincidentemente, a grande maioria delas está acompanhada

por algum tipo de recurso visual, geralmente os gráficos de barras. Entretanto, fica o

questionamento se essa atitude é suficiente para deixar as informações realmente acessíveis

para a maioria dos leitores.

Durante as análises das matérias, provalmente, as palavras mais repetidas eram

sinônimas de “clareza”. Justamente por este ser o principal e mais presente problema nas

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reportagens. Em resumo, os motivos para essa afirmação são variados: informações

contraditórias, grande quantidade de números no mesmo espaço, vocabulário rebuscado

e/ou técnico e explicações de difícil entendimento.

Mesmo sendo uma pequena amostra do noticiário econômico pode-se observar as

características, questões e problemáticas tão características do jornalismo econômico

brasileiro. Justamente como os autores citados na seção “Elementos do jornalismo

econômico brasileiro” descreveram (e temiam).

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4. CONCLUSÃO

Ao início deste trabalho falou-se da importância do futuro em nossas vidas e como

a existência das previsões econômicas estava intimamente relacionada a esse que é um dos

temores mais característicos da raça humana. Sendo um assunto cheio de nuances ele é

polêmico entre os próprios economistas. No centro do debate está o problema de que o

futuro é incerto. Parte deles usa essa afirmação para contestar a efetividade das previsões,

enquanto os seus defensores acreditam que, apesar deste fato, o estudo econômico

providencia ferramentas suficientes para poder chegar à conclusões satisfatórias.

Entretanto, a análise das previsões feitas pelo Fundo Monetário Internacional

demonstrou como suas previsões revelam mais sobre a própria instituição e o sistema

econômico em que estamos atualmente inseridos do que sobre o futuro dos

desdobramentos econômicos em si. O Fundo acredita tanto em suas conclusões que, por

exemplo, as medidas e resultados que o Brasil teve que apresentar, por anos, para garantir a

ajuda financeira do FMI eram baseados nas suas próprias previsões.

Durante o período analisado pode-se observar como as conclusões do Fundo para o

futuro próximo de fato demonstravam seus desejos e valores. Em 2007 quando a economia

americana já dava sinais de que enfrentaria problemas com a crise das hipotecas no

mercado imobiliário, o FMI usava metáforas com resfriados e até cachorros junto com suas

estimativas e dados. O objetivo era defender a tese de que a economia mundial continuaria

com os resultados que fizeram os anos anteriores o período com a prosperidade mais longa

e igualitária que em outros ciclos.

Já em 2008, antes e após a crise eclodir, o Fundo até reconhecia os problemas

enfrentados pela economia em nível mundial, mas acreditava em uma recuperação em

2009, com o auxílio do dinheiro público. Mesmo depois da eclosão “oficial” da crise, com

a concordata do banco de investimento Lehman Brothers, o FMI jamais usava a palavra

recessão para descrever o cenário da época – ela só aparecia como uma possibilidade nos

piores cenários imaginados pela instituição.

Durante o ano de 2009, período em que as perdas e consequências atingiram

fortemente todo o mundo, o Fundo não reconheceu que passou grande parte do tempo, em

que efetivamente poderia ter sido tomada alguma atitude, desacreditando os sinais emitidos

pela economia mundial. E, além disso, colocou toda a responsabilidade nos governos para

se evitar o agravamento da crise. Os governantes deveriam usar dinheiro público em

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75

medidas apresentadas pelo Fundo para combater as consequências dos problemas trazidos,

em grande parte, pela desregulamentação do setor financeiro, um fenômeno amplamente

defendido pela própria instituição.

De outro lado, descrevemos como o FMI valoriza a transmissão de suas opiniões

para uma ampla audiência por meio da importância dada ao seu relacionamento com a

mídia. A divisão do lançamento do relatório que traz suas conclusões em duas partes, cada

uma com sua própria coletiva de imprensa, a transmissão das mesmas ao vivo pela internet,

o constante incentivo ao envio de perguntas ao setor de imprensa da instituição são

algumas das atitudes do Fundo que demonstram o nível do tratamento dado aos

profissionais de imprensa.

O FMI compreende como conhecimento dentro do contexto econômico é poder e

que, principalmente, a exposição de suas opiniões é fundamental para a reiteração da sua

relevância dentro do cenário mundial. Daí a importância da mídia como mediadora entre a

instituição e o público que, como afirmamos anteriormente, é peça chave nas engrenagens

econômicas.

A respeito da atividade jornalística abordamos, inicialmente, os elementos do

jornalismo econômico brasileiro. Sua história ligada com as drásticas mudanças

vivenciadas por nossa sociedade ao longo dos anos, além da sua complexa e interligada

relação com a política brasileira. Como as teorias dominantes influenciam na ideologia

seguida pelo jornalismo econômico e a característica mentalidade do profissional desta

área descrita, por exemplo, em fundamentos como ingenuidade, entreguismo e

deslumbramento, entre outros.

Um dos aspectos unanimemente citado pelos autores abordados pelo trabalho são

os problemas de linguagem presentes na grande maioria do jornalismo econômico

produzido no país. A utilização de termos técnicos, palavras traduzidas (ou não), o uso

desenfreado de números, além da falta de contextualização são alguns dos problemas mais

presentes em grande das reportagens que tratam os assuntos econômicos.

Estas foram as bases para a análise da cobertura jornalística da Folha de São Paulo

sobre as previsões econômicas feitas pelo FMI. Tendo os anos de 2007, 2008 e 2009 como

foco, analisamos quatorze edições do jornal que continham um ou mais textos que

abordavam o assunto, que resultou em um total de dezoito matérias e três editoriais. Vimos

que mesmo esta pequena amostragem pode demonstrar como os elementos do jornalismo

econômico brasileiro não são apenas conclusões feitas por acadêmicos e antigos

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profissionais. Os problemas de linguagem estavam lá, juntamente com a falta de

contextualização, as questões ligadas à fonte, como a existência de uma única voz nos

textos, a especialização dos profissionais, o constante uso de padrões e a abordagem

factual de um assunto tão complexo.

Por fim, a análise da cobertura jornalística feita pelo periódico proporcionou

algumas conclusões importantes sobre a relação entre as opiniões do FMI e a mídia, além

do próprio tratamento dado ao assunto na cobertura jornalística. Pode-se afirmar que em

nenhum momento a relevância da instituição ou das suas previsões foi diretamente

contestada. Nem após a recessão não poder ser mais ignorada pela instituição que,

claramente, não havia produzido projeções acuradas. Ou mesmo durante os editoriais nos

quais o jornal poderia dar sua opinião sobre o assunto, algo que, de acordo com os pilares

jornalísticos, não deveria ser feito durante as notícias.

Tampouco há uma verdadeira contextualização das previsões do FMI. Em todas as

matérias analisadas as previsões do Fundo são tratadas como notícias factuais. Também

não há nenhuma mudança de comportamento após 2008 e as projeções continuam com

espaço garantido na cobertura jornalística econômica do jornal. Nem mesmo se observa

uma mudança de tratamento dado a este tipo de notícia. Como foi descrito durante as

análises, na realidade todas as matérias continuam seguindo os mesmos padrões e,

consequentemente, sendo muito parecidas.

Apesar das previsões possuírem espaço cativo dentro do noticiário econômico, a

utilização contínua de determinados padrões e o tratamento como notícias factuais deixa

uma questão em aberto. Já que esse tipo de atitude não permite afirmar, com certeza, se as

previsões são realmente relevantes para a cobertura jornalística econômica brasileira, ou

apenas se tem o hábito de noticiá-las nos cadernos de economia.

Após todas essas análises e conclusões podemos afirmar que este trabalho

contribuiu para o avanço dos estudos sobre o noticiário econômico no país. Um campo que

não possui uma ampla bibliografia, especificamente tratando de como as previsões

econômicas para o futuro da economia do país e do mundo são transmitidas para aqueles

que irão realizá-lo e ser impactados por ele.

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5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Paulo, p. B6, 09 out. 2008.

_________________. Desemprego no mundo deve continuar crescendo até o final do

próximo ano. Folha de São Paulo, São Paulo, p. B3, 23 abril 2009.

_________________. Economia global deve crescer 4,9%, estima Fundo. Folha de São

Paulo, São Paulo, p. B1, 12 abril 2007.

_________________. Emergentes vão puxar o crescimento global. Folha de São Paulo, São

Paulo, p. B3, 10 out. 2008.

_________________. FMI agora vê risco de recessão nos EUA. Folha de São Paulo, São

Paulo, p. B6, 03 out. 2008.

_________________. FMI alerta de novo contra alta de juros no país. Folha de São Paulo,

São Paulo, p. B3, 10 abril 2008.

_________________. FMI alerta para gastos públicos do Brasil. Folha de São Paulo, São

Paulo, p. B6, 18 out. 2007.

_________________. FMI diz que crise é “rara e severa” e descarta recuperação em 2009.

Folha de São Paulo, São Paulo, p. B8, 17 abril 2009.

_________________. FMI prevê alta de 4,4% no PIB do país. Folha de São Paulo, São

Paulo, p. B1, 12 abril 2007.

_________________. FMI teme agora nova onda recessiva. Folha de São Paulo, São Paulo,

p. B4, 01 out. 2009.

_________________. Fundo nem sempre acerta nas previsões do PIB. Folha de São Paulo,

São Paulo, p. B3, 10 out. 2008.

_________________. Inflação dos alimentos volta a ser ameaça para países emergentes, diz o

organismo. Folha de São Paulo, São Paulo, p. B6, 18 out. 2007.

_________________. PIB do Brasil cairá 1,3% neste ano, prevê FMI. Folha de São Paulo,

São Paulo, p. B3, 23 abril 2009.

Page 90: O Inesperado e a Crise - Federal University of Rio de Janeirorecente, o ano de 2008 – quando inicia a última recessão mundial – foi escolhido como referência para a observação

82

_________________. Previsão de PIB cai, mas ultrapassa média da AL. Folha de São Paulo,

São Paulo, p. B6, 09 out. 2008.

_________________. Recuperação industrial no mundo deve levar anos, prevê FMI. Folha de

São Paulo, São Paulo, p. B5. 23 set. 2009.

_________________. Turbulência leva Fundo a cortar previsão do PIB global de 5,2% para

4,8% em 2008. Folha de São Paulo, São Paulo, p. B6, 18 out. 2007.

FOLHA DE SÃO PAULO. Almanaque :cronologia da editoria “Dinheiro”. Disponivel em

<http://almanaque.folha.uol.com.br/dinheiro70.htm>. Acesso em: 13 de out. 2014.

_____________________. Diagnóstico do Fundo. Folha de São Paulo, São Paulo, p. A2, 13

abril 2007.

_____________________. O impacto dos EUA. Folha de São Paulo, São Paulo, p. A2, 07

abril 2007.

_____________________. Resfriamento global. Folha de São Paulo, p. A2, 07 abril 2008.

GODOY, Denyse. Influência dos EUA sobre economia global é menor, afirma FMI. Folha de

São Paulo, São Paulo, p. B5, 05 abril 2007.

_____________. FMI alerta para riscos da crise imobiliária. Folha de São Paulo, São Paulo,

p. B9, 10 out. 2007.

MANFINI, Sandra. “FHC fechou três acordos com o FMI; confira o histórico”. Folha de São

Paulo. São Paulo, 07 ago. 2002. Disponível em: <

http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u53074.shtml>. Acesso em: 13 de out.

2014.

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83

7. ANEXOS

ANEXO A - Folha de São Paulo, 5 de abril de 2007, página B5

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84

Influência dos EUA sobre economia global é menor, afirma FMI

Segundo relatório do Fundo, efeitos de desaceleração são maiores para os países que

mantêm relacionamento próximo com americanos, como Brasil e México

DENYSE GODOY

DE NOVA YORK

Para o FMI (Fundo Monetário Internacional), continua sendo verdadeira a máxima de

que, quando os EUA espirram, o resto do mundo pega um resfriado. Entretanto, embora a sua

economia influencie bastante as demais, as conseqüências de um desaquecimento da maior

potência do planeta para os outros países não devem ser exageradas. Essa é uma das

conclusões da última edição do Panorama Econômico Mundial, relatório elaborado pelo

Fundo do qual foram divulgados ontem alguns capítulos.

O ritmo de desaceleração dos EUA está no centro das preocupações de analistas,

investidores, das nações mais ricas e das que estão no caminho do desenvolvimento, como o

Brasil. Os indicadores ainda não mostram claramente qual é o passo.

O FMI diz que, ao longo do tempo, aumentou o tamanho potencial do estrago que

turbulências nos EUA podem causar, já que também cresceu a sua integração comercial e

financeira com outros países.

Os efeitos são mais importantes para os países que mantêm relacionamento próximo

com os EUA, como os da América Latina -em especial, Brasil e México.

Mas, se, por exemplo, a taxa anual de crescimento do PIB americano fosse reduzida

em 1 ponto percentual, isso significaria apenas menos 0,2 ponto percentual nos índices latino-

americanos. O FMI estima que, para o Brasil, o impacto seria de aproximadamente 0,75 ponto

percentual no primeiro trimestre após o choque; entre o quarto e o quinto trimestre, ele já teria

sido assimilado. África e emergentes da Ásia não sofreriam tanto: em torno de 0,1 ponto

percentual.

"Isso posto, episódios anteriores de reduções de crescimento altamente sincronizadas

em todo o mundo foram essencialmente resultado de acontecimentos globais, não de

contaminação a partir de acontecimentos específicos dos EUA", destaca o estudo, citando a

crise da década de 70, causada pelo salto dos preços do petróleo, e a que teve lugar no início

dos anos 2000, devido ao estouro da bolha de tecnologia.

O cenário desenhado pelo Fundo não é catastrófico, como alguns especialistas

chegaram a imaginar. Também contribui para essa relativa tranqüilidade o fato de que, até o

momento, somente o setor imobiliário americano dá sinais de esfriamento. "Todavia, se a

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85

desaceleração desse mercado chegar ao consumo e aos investimentos em negócios, então

maiores conseqüências podem ser esperadas", alerta o FMI.

O relatório também fala sobre como o ajuste cambial pode ajudar a diminuir o déficit

em conta corrente dos EUA, que subiu 8,2% em 2006, atingindo US$ 856,7 bilhões. A

balança comercial americana pode ser mais sensível à variação do dólar do que se supunha.

Uma depreciação da moeda inferior a 10% poderia fazer o déficit comercial cair cerca de 1%

do PIB.

Box: Globalização afeta trabalho, diz Fundo

DE NOVA YORK

O Panorama Econômico Mundial, do FMI, também adverte sobre as conseqüências

negativas que a globalização pode ter sobre o mercado de trabalho mundial.

De acordo com o Fundo, nas últimas duas décadas o contingente de mão-de-obra

quadruplicou, tanto devido ao crescimento da população quanto como conseqüência da maior

integração das economias chinesa, indiana e do Leste Europeu ao comércio internacional. Até

2050, estima, pode ainda dobrar.

Os países desenvolvidos têm acesso a esse contingente de três formas: pela importação

de produtos finais, pela terceirização da fabricação de bens em outros lugares e pela imigração

-esta última é mais relevante nos Estados Unidos.

Se o fenômeno trouxe importantes dividendos para as nações mais ricas e fez aumentar

a renda dos trabalhadores -já que cresceram as oportunidades de exportação, e a produtividade

foi favorecida pelo barateamento dos insumos e pela maior eficiência dos processos de

fabricação-, fez com que caísse a participação dos rendimentos advindos do trabalho no PIB

dos países.

Em média, a queda foi de sete pontos percentuais desde 1980. Mas a globalização é

apenas um dos motivos para isso -as rápidas mudanças tecnológicas tiveram um papel ainda

mais significativo.

Para maximizar os benefícios da globalização sobre o mercado de trabalho, o FMI

recomenda que ele seja aprimorado.

"Políticas que reduzam o custo da mão-de-obra e facilitem o trânsito dos empregados

de áreas da economia que estão em estagnação para outras em ascensão poderiam ajudar

nesse ajuste", bem como melhorar o acesso a educação e a programas de treinamento e

reciclagem, escreveu o Fundo no texto divulgado ontem.

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86

ANEXO B - Folha de São Paulo, 7 de abril de 2007, página A2, editorial

O impacto dos EUA

Emergentes dependem menos da economia dos Estados Unidos, mas América Latina é

exceção, afirma estudo do FMI

OS SINAIS reiterados de desaceleração na economia americana, com as quedas nos

preços e na quantidade de imóveis vendidos e construídos, trazem preocupações aos investidores e

aos governos dos diferentes países. Teme-se que o aumento da inadimplência nos financiamentos

imobiliários nos EUA contraia o crédito e restrinja o consumo e os investimentos -com

repercussões na economia mundial.

Um aspecto atenuante para esse diagnóstico acaba de ser divulgado pelo FMI. Segundo a

publicação "Panorama Econômico Mundial", reduziram-se os impactos da economia americana na

dinâmica da produção global. Uma desaceleração da maior economia do planeta já não se

propagaria hoje com a mesma força de crises anteriores.

Pelo método da paridade do poder de compra, que procura comparar a capacidade de

adquirir bens e serviços das moedas nacionais, a participação dos EUA no PIB global caiu de 28%

em 1950 para 20,5%em 2005. Entre os países desenvolvidos, a região européia também perdeu

participação, enquanto o Japão ganhou (até 1990).

Nesse período de 55 anos, os países em desenvolvimento galgaram mais de 10 pontos

percentuais. A sua participação no PIB global chegou a 50,5% em 2005.

Esse movimento foi impulsionado pela Ásia, sob a liderança da China, que passou a

responder por 14% do PIB global, e da Índia, com 5,7%. Houve também a queda da participação

dos países do Leste Europeu e antiga União Soviética, de 13,3% para 6% no mesmo período. O

Brasil respondia por 1,7% do PIB global em 1950 e passou para 2,7%.

Reconhecer os avanços dos países em desenvolvimento, no entanto, não implica

desconsiderar o papel crucial desempenhado pelo dólar e pelo sistema financeiro americano no

mercado de capitais mundial. Tampouco significa desprezar a importância da demanda americana

para o comércio global.

O FMI alerta que, contrariando a regra geral, a crescente integração financeira e comercial

ampliou o potencial de repercussão das turbulências americanas para alguns países. Os impactos

seriam maiores na América Latina, sobretudo nas economias mexicana e brasileira.

O Brasil vem tomando medidas preventivas a esse respeito: melhorou bastante seus

indicadores de solvência externa e diversificou seus parceiros comerciais nos últimos anos. Se

terão sido suficientes para evitar um eventual contágio em níveis dramáticos, o tempo dirá.

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87

ANEXO C - Folha de São Paulo, 12 de abril de 2007, página B1

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88

FMI prevê alta de 4,4% no PIB do país

Estimativa de crescimento é menor que a média prevista para a AL e a economia global,

de 4,9% em ambos os casos

Fundo mostra otimismo com país, elogia BC, mas critica alta carga tributária, gastos

elevados do governo e ambiente de negócios

FERNANDO CANZIAN

ENVIADO ESPECIAL A WASHINGTON

O FMI (Fundo Monetário Internacional) projeta crescimento de 4,4% para a economia

brasileira em 2007 e de 4,2% para o ano que vem.

A estimativa, que já usa o novo cálculo do PIB do país, é superior à do próprio

mercado brasileiro, que prevê, em média, alta de 3,9% neste ano.

No ano passado, nesta época do ano, o FMI previa alta do PIB brasileiro de 3,5%, mas

ele fechou em 2,9% (na metodologia antiga do cálculo do IBGE).

Brasil e Chile são os dois únicos países da América Latina que devem crescer mais

neste ano em relação a 2006, diz o Fundo. Mas o PIB do Brasil deve ficar abaixo tanto da

média mundial quanto da América Latina (4,9% para ambos os casos), diz o relatório

"Panorama da Economia Mundial".

"Certamente estamos otimistas com a economia brasileira, que deve ganhar mais

ritmo", disse Charles Collyns, economista-chefe-adjunto do FMI. Ele considerou "bem-vinda"

a recente mudança na metodologia de cálculo do PIB.

"O Brasil tem se beneficiado da alta das commodities. Também passou por um período

de crescimento relativamente baixo, que conteve a inflação. A economia agora responde à

redução dos juros, e esperamos que continue a crescer."

Collyns disse que não vê "nenhuma razão para que os juros no Brasil permaneçam

altos no médio prazo". Lembrou que o país pratica taxas muito superiores às de seus vizinhos,

mas também elogiou o "gradualismo" e a "prudência" do Banco Central na redução dos juros,

que já dura um ano e meio.

"A economia vai crescer em um ritmo mais acelerado, mas também deve manter a

inflação baixa", disse Collyns. Para o FMI, os juros menores darão novo impulso à demanda

doméstica. "Dados mais recentes mostram que essa recuperação já está a caminho."

Ao mesmo tempo em que prevê uma aceleração, o Fundo voltou a afirmar que o Brasil

só não cresce em um ritmo mais rápido por "fatores estruturais muito bem conhecidos".

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89

"O Brasil tem um nível de gasto público extremamente alto levando em conta sua

renda. Esse gasto é financiado por uma carga tributária muito elevada", disse Collyns.

O FMI voltou a cobrar mais "flexibilização" no Orçamento brasileiro, onde grande

parte das receitas são vinculadas por lei a gastos específicos.

Collyns disse também que há problemas a serem atacados no sistema financeiro do

país, como os altos "spreads" (diferença entre o custo de captação de capital o banco e o

quanto ele cobra do cliente) nos empréstimos, e que o mercado de capitais precisa ser melhor

"desenvolvido". "Há ainda uma série de questões nas áreas de clima para negócios e infra-

estrutura"" acrescentou.

Na América Latina, o crescimento brasileiro em 2007 ficará abaixo da média da região

(4,9%) e de países como Chile (5,2%), Colômbia (5,5%), Peru (6%) e Uruguai (5%),

Venezuela (6,2%) e Argentina (7,5%).

Apesar do otimismo, o FMI diz que mercados emergentes como os da América Latina

e da Ásia "merecem particular atenção dados os inúmeros exemplos de "bolhas" seguidas por

estouros".

"Mas a boa notícia é que, em geral, os países emergentes buscam se reestruturar neste

atual clima benigno da economia mundial", diz o Fundo.

Em 2007, segundo as previsões do FMI, os mercados emergentes devem receber US$

283,7 bilhões líquidos em investimentos privados destinados ao setor produtivo.

O principal destino desse dinheiro será a Ásia emergente, com uma fatia de US$ 96,1

bilhões. Já a América Latina ficará com US$ 61,3 bilhões, muito superior aos US$ 34,5

bilhões registrados em 2006.

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90

Economia global deve crescer 4,9%, estima Fundo

DO ENVIADO ESPECIAL A WASHINGTON

A economia mundial deve crescer 4,9% neste ano num ambiente de riscos menores

que os identificados há seis meses, prevê o FMI. Para 2008, o Fundo prevê mais 4,9%.

Se as previsões do Fundo estiverem certas, 2008 será o sexto ano consecutivo de crescimento

ao redor de 5% -feito inédito desde o início dos anos 1970. O FMI estima em 20% as chances

de a economia global crescer abaixo de 4% em 2008.

A previsão para o biênio 2007-08, porém, é inferior aos 5,4% registrados em 2006.

Sobretudo por um desaquecimento além do esperado nos EUA. O FMI revisou de 2,9% para

2,2% a previsão de desempenho da maior economia do mundo neste ano. Em 2008, o

crescimento dos EUA voltaria ao patamar de 2,8%.

O Fundo destaca que o cenário que tendia para o negativo em 2006 está desanuviando.

Mais: o crescimento atual é homogêneo em várias partes do mundo, a inflação está sob

controle e há melhora significativa nos fundamentos macroeconômicos de vários países.

"Apesar dos altos e baixos recentes no mercado financeiro, a economia global deve ter

mais um bom ano em 2007. Os riscos também são menos ameaçadores do que pareciam em

setembro", afirmou Simon Johnson, economista-chefe do FMI.

Ele comparou as recentes turbulências do mercado aos abanos da cauda de um cão. "A

economia mundial e seus fundamentos hoje sólidos são o corpo do cachorro. Com isso firme,

é difícil que o movimento do rabo provoque grandes estragos." Para ele, a instabilidade foi

"uma limitada e bastante temporária fuga de ativos mais arriscados, especialmente nos

mercados emergentes, depois de um longo período de valorização".

"Os mercados já se recuperaram. Acreditamos que os sólidos fundamentos

macroeconômicos servirão mais como âncora contra o nervosismo. E não que as turbulências

afetem o cenário econômico atual", disse Johnson.

A economia européia deve crescer 2,3% neste ano, assim como a japonesa. Na Ásia

emergente, 8,8% -com a China ainda crescendo 10%, na previsão do Fundo. Na América

Latina, a previsão para 2007 é de 4,9%. Na Rússia, 6,4%.

Em 2006, os EUA foram responsáveis por 19,7% do crescimento global. A China, por

15,1%; a União Européia, por 14,7%. O Brasil, por 2,6%.

Como os EUA cresceram 3,4% em 2006, seu impulso na economia global deve cair

neste ano, com Ásia e Europa ganhando maior relevância.

Page 99: O Inesperado e a Crise - Federal University of Rio de Janeirorecente, o ano de 2008 – quando inicia a última recessão mundial – foi escolhido como referência para a observação

91

Inflação e EUA

O relatório "Panorama da Economia Mundial" do FMI diz que as pressões

inflacionárias identificadas em vários países até o ano passado também diminuíram.

Mas os EUA continuam sendo a grande incógnita. O FMI lembra que a inflação

acumulada em 12 meses no país ainda está acima do alvo perseguido pelo Fed (o BC

americano) e que a produtividade cresce em ritmo menor -o que pode trazer custos e preços

maiores.

Em fevereiro, o "core" (núcleo, que exclui energia e alimentos) da inflação americana

estava em 2,7%, abaixo dos 2,9% de setembro.

O mercado de financiamentos imobiliários de alto risco ["subprime"] dos EUA

também preocupa desde que a inadimplência bateu em 13,3% no final de 2006. Os "estoques"

de moradias novas também são os maiores em 15 anos.

Nos EUA, o mercado imobiliário é uma grande fonte de financiamento, já que os americanos

recorrem a hipotecas para levantar crédito. Quando o mercado cai, a tendência é que o consumo

também caia, com reflexos globais. Individualmente, os EUA absorvem 20% da importação mundial.

"Se os EUA espirram, o resto do mundo pega um resfriado? Em nossa visão, se é que os EUA

espirraram, foi um espirro muito fraco", disse Johnson.

Ele prevê que a solidez e os altos lucros recentes das empresas americanas gerem um novo

ciclo de investimentos no país, puxando o crescimento. (FCZ)

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92

ANEXO D – Folha de São Paulo, 13 de abril de 2007, página A2, editorial

Diagnóstico do Fundo

FMI prevê o maior ciclo de expansão econômica mundial em 37 anos, mas se preocupa com as

hipotecas americanas

O FUNDO Monetário Internacional, no relatório "Panorama da Economia Mundial", projetou

uma leve desaceleração para a economia global em 2007.

Em 2006 a expansão internacional foi de 5,4%, e a estimativa é que atinja 4,9% neste ano e no

próximo. Se essa perspectiva se confirmar, seis anos consecutivos de taxas positivas superiores a 4%

se terão consolidado, o melhor desempenho em 37 anos.

Para o Fundo, a economia americana deverá reduzir seu crescimento de 3,3% para 2,2%, e a

zona do euro, de 2,6% para 2,3%; o Japão manterá seu ritmo em torno de 2,3% e a China vai

desacelerar de 10,7% para 10%.

A subida nos preços dos grãos, segue o Fundo, ajudará exportadores de produtos agrícolas,

como Brasil e Argentina. A taxa de expansão do PIB brasileiro é estimada em 4,4% neste ano -

aceleração, ante os 3,7% de 2006, mas abaixo da média projetada para a América Latina (4,9%).

Esse cenário benigno, no entanto, não está imune a riscos. A principal ameaça, avalia o Fundo,

vem do mercado imobiliário dos Estados Unidos, que continua a contrair-se -com impactos ainda

incertos no sistema financeiro e no consumo das famílias. O elevado patamar de endividamento em

alguns setores corporativos nos EUA e na Europa também preocupa o FMI.

A crescente integração dos mercados financeiros globais aumenta a chance de que problemas

localizados se espalhem. Uma demonstração desse fenômeno ocorreu há cerca de um mês, quando um

surto mundial de venda de ações foi iniciado na pouco relevante Bolsa de Xangai.

Até o momento, no entanto, as inovações financeiras -caso dos mecanismos de diluição de

riscos conhecidos como derivativos- têm cumprido o papel que seus entusiastas preconizam. As

correções nesses mercados têm se manifestado na forma de crises episódicas, logo revertidas.

É curioso observar como esse período ímpar de estabilidade e crescimento da economia global

se assenta numa relação estruturalmente desequilibrada entre os Estados Unidos e a Ásia, liderada pela

China. O governo americano se endivida internamente, e o país com o resto do mundo, para sustentar

um nível forte de expansão do consumo.

As nações superavitárias, ao contrário do que os bancos em geral fazem com seus clientes que

acumulam dívida mas não diminuem seus gastos, estão sempre dispostas a emprestar mais aos

americanos. Enquanto perdurar essa relação de conveniência, dificilmente uma grande crise

econômica sobrevirá.

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93

ANEXO E – Folha de São Paulo, 10 de abril de 2007, página B9

Page 102: O Inesperado e a Crise - Federal University of Rio de Janeirorecente, o ano de 2008 – quando inicia a última recessão mundial – foi escolhido como referência para a observação

94

FMI alerta para riscos da crise imobiliária

Mundo vive momento único de crescimento, mas "perspectivas de estabilidade futura

não devem ser tomadas como certeza", diz Fundo

Por conta das turbulências originadas no mercado de hipotecas, organismo deve revisar

para baixo estimativa de expansão global para 2008

DENYSE GODOY

DE NOVA YORK

Com grande taxa de crescimento, baixa inflação e queda da volatilidade, a

economia mundial vive momento único, segundo o FMI (Fundo Monetário Internacional),

devido às políticas macroeconômicas adotadas e a um ambiente institucional mais seguro.

Na comparação com outro período positivo, os anos 60, o que torna a atual fase especial

são a maior estabilidade e o fato de que, em geral, todos os países participam do progresso.

Isso não significa, porém, que dê para relaxar: a crise no mercado imobiliário

americano, que estourou há pouco mais de dois meses, é uma das ameaças a esse cenário.

"Embora o ciclo econômico tenha mudado para melhor, as autoridades devem se lembrar

de que ele não desapareceu. As perspectivas de estabilidade futura não devem ser tomadas

como certeza [pois ainda há a possibilidade de uma recessão suceder a bonança]", diz o

Fundo na mais recente edição do relatório semestral Panorama Econômico Mundial, do

qual foram divulgados ontem alguns capítulos.

O relatório lembra que, no passado, entre os fatores que fizeram o crescimento

global diminuir o ritmo, estão os que provocaram recessão da economia dos EUA. Agora,

as autoridades precisam se adaptar aos novos desafios trazidos pela globalização, "porque

esse processo pode ter gerado novas vulnerabilidades -por exemplo, as perdas associadas à

grande concentração de investimentos no mercado americano de hipotecas "subprime" [de

alto risco] provocaram nervosismo no setor bancário em várias economias avançadas,

fazendo aumentar as preocupações com uma crise de crédito".

Segundo o "Wall Street Journal", que cita uma fonte do FMI, por conta dessas

turbulências, a entidade anunciará, na próxima semana, uma revisão para baixo das suas

previsões para a elevação do PIB (Produto Interno Bruto) mundial em 2008: a estimativa

passa de 5,2% para 4,8%. A projeção para os EUA será cortada de 2,8% para 1,9%; a do

Canadá, de 2,8% para 2,3%; a da zona do euro, de 2,5% para 2,1%; E a da China, de

10,5% para 10%. As projeções anteriores haviam sido informadas em julho.

Page 103: O Inesperado e a Crise - Federal University of Rio de Janeirorecente, o ano de 2008 – quando inicia a última recessão mundial – foi escolhido como referência para a observação

95

América Latina

"Confiança exagerada na capacidade de o atual sistema garantir estabilidade

indefinidamente com certeza não é recomendada", destaca o relatório do FMI. Esse alerta é

endereçado especialmente a países como o Brasil e o México, cujas deficiências estruturais

os impediram de sustentar um crescimento sólido no passado. Eles também já sofreram

bastante com crises fiscais e cambiais, as quais causaram volatilidade por longos períodos.

"A instabilidade das economias em desenvolvimento apresenta tendência de convergir para

a média global. No entanto, vulnerabilidades que não são resolvidas podem fazer as

recessões piorarem, como aconteceu no Brasil, no México e na Coréia", acrescenta o

documento.

Globalização: comércio reduz desigualdades, afirma organismo

Brasil, Nicarágua e Tailândia são apontados pelo FMI, no relatório, como exemplos

de países onde o crescimento das exportações de produtos agrícolas está entre as razões

para a recente diminuição da desigualdade social. Assim, o Fundo sustenta que a

globalização do comércio ajuda mais a reduzir a pobreza do que a financeira. O FMI

destaca que o uso de tecnologia ajuda a diminuir a desigualdade e, assim, a Ásia leva

vantagem sobre a América Latina para melhorar a distribuição de renda.

Box: Para Fundo, política fiscal protege moeda

DE NOVA YORK

O relatório do FMI contribui para o contínuo debate, no Brasil, sobre a forte

apreciação do real ante o dólar, ensinando que a austeridade fiscal é a melhor medida a

tomar a fim de que as cotações não dêem um salto depois que o fluxo de recursos

estrangeiros que entra no país minguar. Analisando esses movimentos em todo o planeta

nas últimas duas décadas, o Fundo conclui também que intervenções como o controle do

trânsito de capitais são inócuas.

"Embora esses fluxos estejam associados à abundante liquidez global e às

condições favoráveis da economia mundial, em muitos casos eles são reflexo de políticas

macroeconômicas fortes e reformas estruturais e criam importante desafio às autoridades

devido ao seu potencial para gerar aquecimento demasiado, perda de competitividade e por

aumentar a vulnerabilidade [dos países] a crises. As nações que se vêem diante de grandes

fluxos precisam escolher entre a apreciação e a inflação", frisa o Fundo.

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96

Para minimizar tais conseqüências negativas, os governos precisam manter a

disciplina fiscal, controlando seus gastos, em vez de se permitir maiores dispêndios só

porque a situação está tranqüila. "Além disso, nações que adotaram uma política de

resistência à apreciação cambial quando os recursos começaram a chegar, deveriam

considerar mudar para uma política mais flexível enquanto o fluxo ainda está durando."

Isso aumenta as chances de o PIB nacional não ser punido demais no momento em que a

entrada de capitais diminuir, o que aconteceria se, além de perder uma parcela do dinheiro

que ingressa, a economia local também fosse privada dos fundos públicos. Segundo o

estudo da entidade, episódios de grandes fluxos de capitais são geralmente associados com

aceleração do PIB; no entanto, depois, ele diminui bastante. Outro benefício da prudência é

a manutenção dos preços sob controle, o que leva a taxa de juros inferior e, assim, menos

incentivos para ingresso de recursos.

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ANEXO F – Folha de São Paulo, 18 de outubro de 2007, página B6

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FMI alerta para gastos públicos do Brasil

País tem "longo caminho" a percorrer até o "grau de investimento" e, para isso,

precisa reduzir sua dívida, afirma Fundo

Instituição reduz de 4,2% para 4% estimativa de crescimento do país em 2008; neste ano,

PIB só deve ganhar de México e Equador na AL

FERNANDO CANZIAN

ENVIADO ESPECIAL A WASHINGTON

O FMI (Fundo Monetário Internacional) prevê um crescimento de 4,4% para o

Brasil em 2007, abaixo da expectativa do Ministério da Fazenda (4,7%) e aquém das

médias mundial e da América Latina.

Para o Fundo, o Brasil ainda tem "um longo caminho" pela frente em termos de

melhora de sua situação fiscal (das contas públicas) e da redução da relação entre a dívida

pública e o tamanho de seu PIB.

"O Brasil ainda não atingiu o "grau de investimento" [sinal verde aos investidores

dado pelas agências de classificação de riscos]. Mais progressos serão importantes para

chegar a isso", disse Charles Collins, diretor-adjunto para o Hemisfério Ocidental do FMI.

Para 2008, o Fundo espera uma desaceleração no Brasil, com o país crescendo 4%.

Até julho passado, a previsão do FMI era de 4,2%.

Para o Fundo, Brasil e demais países latino-americanos têm como "principal

desafio" no momento encontrar mecanismos para evitar distorções macroeconômicas

provocadas por um fluxo financeiro externo sem precedentes na região.

O FMI destaca ainda que um eventual desaquecimento global além do previsto

poderá levar a diminuição dos preços de commodities (alimentos e produtos básicos) e a

um esfriamento maior em toda a região.

As expectativas e alertas constam no relatório "Panorama da Economia Mundial",

divulgado ontem na reunião conjunta do FMI e do Banco Mundial, em Washington.

Mesmo atravessando o melhor momento econômico desde a década de 60, a

América Latina continua "na lanterna" do mundo, com expectativa de crescimento de 5%

neste ano e 4,3% no próximo. Já a média global seria de 5,2% em 2007 e de 4,8% em

2008.

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Com só duas exceções (Equador e México), o Brasil terá neste ano a menor taxa de

crescimento da América Latina.

"A região continua no fundo da "liga do crescimento" global. Os governos locais

deveriam aproveitar o momento para avançar em reformas que sustentem crescimento e

produtividade maiores", diz o FMI.

No caso brasileiro, o Fundo destacou a "rigidez" nas regras dos gastos públicos, que

precisariam ser "flexibilizadas" para que o país possa gastar mais com investimentos em

infra-estrutura.

Capital especulativo

O FMI diz acreditar que o Brasil e a região continuarão recebendo grandes volumes

de capital externo especulativo, produtivo e de saldos comerciais positivos. Mas,

especialmente em razão de dólares de investidores que vão em busca de maiores ganhos (e

que correm mais riscos), os países "devem estar preparados para a possibilidade de um

aumento da volatilidade" nos mercados.

Em relação ao Brasil, o FMI destaca que a entrada de dólares e a alta do real vêm

contribuindo para segurar a inflação (já que produtos importados ficam mais baratos), o

que abriu espaço para o BC reduzir os juros, "diminuindo o diferencial em relação a outros

países".

"No Brasil, o fluxo de investimentos externos no primeiro semestre atingiu o dobro

do registrado em igual período do ano passado, levando a uma apreciação do real a um

nível de sete anos atrás, apesar das pesadas intervenções [do BC]."

O FMI destaca que vários países da região adotaram medidas para conter o forte

fluxo cambial, mas que "o impacto tem sido limitado".

Em maio, a Colômbia obrigou investidores estrangeiros a manter o equivalente a

40% de suas aplicações no país em depósitos sem remuneração e por seis meses. A

Argentina adota medida semelhante.

O Fundo diz que o Brasil, ao contrário, "afrouxa limites" para a entrada de capitais

e adota "medidas macroeconômicas" para conter os efeitos colaterais do real forte -como a

alta de tarifa de importação para têxteis e calçados.

Entre os países latino-americanos, os principais problemas, segundo o Fundo, estão

relacionados à Argentina e à Venezuela, onde a inflação vem perdendo o controle e deve se

manter na casa dos dois dígitos no ano que vem: 19% na Venezuela e 12,6% na Argentina.

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Turbulência leva Fundo a cortar previsão de PIB global de 5,2% para 4,8% em 2008

DO ENVIADO ESPECIAL A WASHINGTON

As recentes turbulências nos mercados internacionais vão tirar quase meio ponto do

PIB (Produto Interno Bruto) mundial em 2008. O FMI manteve em 5,2% a expectativa de

crescimento para 2007, mas reduziu a aposta no PIB global do ano que vem de 5,2% para

4,8%.

As 30 maiores economias do mundo, com só 15,3% da população do planeta, vão

responder por 52% desse crescimento. Outros 143 países emergentes, com o restante de

toda a população do globo, por 48%.

Os EUA continuam sendo a locomotiva do mundo, com uma fatia de 19,7% do PIB

global. Mas a China, com 15,1%, vem elevando sua participação e já ultrapassou a da

União Européia (14,7%). O Brasil dará uma contribuição de apenas 2,6%, idêntica à da

Rússia.

Com o desaquecimento previsto para 2008, vieram também novos riscos de

inflação, principalmente por causa dos preços de alimentos (leia texto abaixo), e

preocupações com possíveis novos focos de crise nos mercados.

Simon Johnson, economista-chefe do FMI, comparou a situação econômica

mundial atual à de uma floresta que há muito tempo não convivia com "focos de incêndio".

"Como uma floresta que não passou por incêndios em muitos anos, o cenário

positivo escondeu uma série de riscos com empréstimos e um relaxamento de critérios.

Quando os problemas começaram no mercado de "subprime" [empréstimos imobiliários de

segunda linha] nos EUA, o "fogo" surpreendeu e apareceu em várias outras áreas", disse.

Johnson afirma que foi o excesso de dinheiro hoje disponível na mão de

investidores dentro de um ambiente benigno quem detonou "focos de incêndio", por

exemplo, nas carteiras de empréstimos de bancos e nos mercados de títulos emitidos por

empresas.

"Esses focos de "fogo" secundários têm sido combatidos pelos bancos centrais, que

vêm tratando de injetar liquidez [dinheiro com juros menores] no mercado. Mas a fumaça

sobre a floresta ainda não foi totalmente dissipada", disse Johnson.

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Pouco depois, durante entrevista coletiva, Johnson foi questionado quanto ao fato

de que, se os problemas decorrem do excesso de dinheiro disponível entre investidores,

baixar os juros agora não equivaleria a distribuir mais "caixas de fósforo" aos investidores.

"De fato, os BCs têm de ser muito cuidadosos ao fornecer essa liquidez adicional

aos mercados. Não se deve, por exemplo, passar a percepção de que poderá haver riscos

inflacionários [quanto menor o juro, mais crédito barato e consumo]."

Em seu relatório "Panorama da Economia Mundial" divulgado ontem, o FMI prevê

que o Fed (o BC dos EUA) cortará a taxa básica no país em mais 0,5 ponto até o final do

ano. Em meados de setembro, o Fed já havia reduzido a taxa, de 5,25% ao ano para 4,75%.

Desaceleração

O esfriamento da economia global em 2008 será provocado principalmente por um

desaquecimento nos EUA. Entre as grandes e médias, a economia norte-americana sofrerá

a maior redução. Ante uma previsão anterior de crescimento de quase 3% no ano que vem,

o Fundo prevê agora um PIB nos EUA de apenas 1,9%.

Nos últimos 12 meses, segundo o FMI, os problemas no mercado dos EUA já

subtraíram um ponto percentual do PIB do país. (FCZ)

Inflação dos alimentos volta a ser ameaça para países emergentes, diz organismo

DO ENVIADO ESPECIAL A WASHINGTON

Após vários anos sob controle em quase todos os cantos do mundo, a inflação volta

a ser ameaça para os emergentes.

De acordo com o FMI, o forte crescimento global dos últimos anos (o melhor

período em 30 anos) aumentou muito a demanda e os preços dos alimentos. Os impactos

são maiores nos países mais pobres, onde grande parte da renda é gasta na compra de

comida.

Segundo cálculos do Fundo, entre 2000 e 2006, os preços dos alimentos deram uma

contribuição de 26,6% para a inflação mundial. Em 2007, esse percentual já estava em

36,4%. Nos países mais ricos, porém, a mesma contribuição dos alimentos sobre a inflação

passou de 14,2% para 18,4%.

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Na média dos mercados emergentes, a contribuição dos alimentos sobre os preços

varia de 35% a 40%.

O FMI acredita que essa pressão inflacionária dos alimentos possa começar a

"vazar" para outras áreas, já que começam a existir exigências por aumentos de salários

sem que a produtividade de algumas economias tenha subido.

De acordo com cálculo realizado tomando a economia da Índia como base, o Fundo

afirma que cada 1% de aumento nos preços dos alimentos no país pode acarretar em uma

aceleração de até 0,6% em outros preços não relacionados à alimentação.

Não por acaso, enquanto o FMI mantém em torno de 2% a inflação projetada para

as economias avançadas tanto neste ano quanto no próximo, a previsão para muitos

emergentes, principalmente latino-americanos, é de índices de preços maiores em 2008

ante 2007. Na média da América Latina, a taxa subiria de 5,3% para 5,8%. No Brasil, de

3,6% para 3,9%.

Biocombustíveis

O FMI alerta ainda de que a busca por fontes de energia renováveis, como os

biocombustíveis, tende a agravar o cenário de pressões inflacionárias.

O aumento da produção de álcool a partir do milho nos EUA, por exemplo,

responderá por 60% do crescimento da demanda por esse tipo de grão em 2007. Com

efeitos menores, algo semelhante também vem ocorrendo no mercado da soja.

O Fundo afirma que, embora exista uma corrida na área de biocombustíveis, apenas

o álcool produzido no Brasil a partir da cana-de-açúcar é um produto mais barato de ser

produzido do que a gasolina -custa cerca de 15% menos. (FCZ)

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ANEXO G – Folha de São Paulo, 03 de abril de 2008, página B6

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FMI vê maior crise financeira desde 1929

Fundo reduz previsão de crescimento dos EUA em 2008 para 0,5% e diz que chance

de economia global entrar em recessão é de 25%

FMI revisa pela 3ª vez expectativa de expansão global, para 3,7%, pior dado desde 2002,

durante a última recessão nos EUA

SÉRGIO DÁVILA

DE WASHINGTON

Os EUA passam por sua maior crise financeira desde a Grande Depressão de 1929.

A economia global deve crescer 3,7% em 2008, e a possibilidade de esse crescimento ser

menor do que 3% em 2009 ou mesmo já em 2008 é de 25%, o que levaria o mundo a uma

recessão. Além disso, os EUA devem crescer mero 0,5% em 2008, ou um terço do que era

previsto em janeiro último.

As informações são do Fundo Monetário Internacional e constam de documento

apresentado a autoridades econômicas do Sudeste Asiático numa reunião fechada realizada

ontem na cidade de Da Nang, no Vietnã, segundo as agências de notícias Bloomberg e

Dow Jones, que o obtiveram. À Folha o setor de imprensa do FMI em Washington disse

que não comentaria o vazamento.

Disse ainda que a divulgação oficial do "World Economic Outlook", documento

bianual em que o organismo financeiro multilateral faz projeções para a economia

mundial, estava mantida para ocorrer apenas no dia 9.

Até o final do dia de ontem, no entanto, autoridades financeiras já tratavam do

vazamento como a versão oficial. Em visita à China, o secretário do Tesouro norte-

americano, Henry Paulson, disse que achava que o FMI havia "exagerado" em suas

previsões negativas.

Em entrevista publicada ontem pelo diário francês "Le Figaro", embora sem citar

números, o próprio diretor-gerente do Fundo, Dominique Strauss-Kahn, havia afirmado:

"As previsões que vamos divulgar em alguns dias não são muito boas. Nós vamos revisar

para baixo nossa previsão de janeiro".

A revelação chega no mesmo dia em que, pela primeira vez desde o início da crise

financeira que toma os EUA, o presidente de seu banco central ousa dizer a palavra

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"recessão" em público. Em resposta a um congressista durante depoimento pela manhã,

Ben Bernanke, do Fed, afirmou que, sim, "a recessão é possível".

"O choque financeiro que teve início com a crise do mercado de hipotecas

"subprime" em agosto de 2007 se espalhou rapidamente e de maneira inesperada até impor

grandes danos nos mercados e instituições no centro do sistema financeiro", afirma o texto

obtido pelas agências. "A expansão global está perdendo ritmo diante do que virou a maior

crise financeira nos EUA desde a Grande Depressão [1929]."

No documento, o crescimento da economia global em 2008 é revisado para baixo

pela terceira vez desde julho do ano passado, quando o FMI previu uma expansão de 5,2%;

com 3,7%, é a pior previsão desde 2002, no auge da última recessão a atingir os EUA. Para

o país, a previsão caiu de 1,5% em janeiro para 0,5%, e, para 2009, há imperceptível salto

de 0,1 ponto percentual, para 0,6%.

As revisões para baixo são generalizadas. Na zona do euro, vão de 1,6% em janeiro

para 1,3%; na Ásia, perdem o Japão, que passa de 1,5% para 1,4%, e a China, com 9,3%,

ante os 10% previstos antes. Entre os emergentes, o documento afirma que a diferença

entre essas economias e as avançadas deve continuar, com o crescimento das últimas

ficando em geral "aquém do esperado".

A previsão bate com relatório divulgado ontem pela agência classificadora de riscos

Fitch, segundo o qual o crescimento global será de 2,6%, o menor em cinco anos.

Entre os países do Bric (Brasil, Rússia, Índia e China), o Brasil ostenta os piores

números. Segundo a Fitch, o país deve ter alta de 4,3% em 2008.

Saiba mais: crise da grande depressão foi a pior da história

A Grande Depressão é considerada o período de maior crise econômica mundial.

As dificuldades começaram nos EUA, quando a Bolsa de Nova York entrou em colapso

em 1929. Outros ramos da economia foram afetados e a produção foi atingida. As

atividades foram se paralisando, empresas faliram, bancos fecharam e o desemprego

alcançou 15 milhões de trabalhadores entre 1929 e 1933. A crise se espalhou, e o comércio

mundial ficou reduzido a um terço. A Grande Depressão fortaleceu políticas de

intervenção do governo na economia, como o New Deal, criado pelo presidente norte-

americano Franklin Roosevelt em 1933.

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ANEXO H – Folha de São Paulo, 07 de abril de 2008, página A2, editorial

Resfriamento global

O FUNDO Monetário Internacional reduziu suas projeções sobre o desempenho da

economia mundial de 4,1% para 3,7% em 2008. A desaceleração está associada à

contração do crédito, sobretudo nos EUA, em decorrência da crise das hipotecas. O FMI

estimou o crescimento da economia americana em 0,5%, o dos países da área do euro em

1,3%, o do Japão em 1,4% e o da China em 9,3%.

A despeito do desaquecimento, a expansão dos países emergentes, avalia o Fundo,

será menos afetada. A alta nos preços das commodities -75%, descontada a inflação, desde

2000- favoreceu as exportações dos países em desenvolvimento. Os saldos comerciais

permitiram a redução das dívidas externas e a ampliação das reservas internacionais, o que

diminuiu a vulnerabilidade a turbulências globais.

Para o FMI, a alta nos preços de alimentos, minerais e petróleo deverá persistir,

mesmo com a recessão nos EUA. Tal "descolamento" estaria relacionado a vários fatores.

Há problemas de oferta em alguns produtos, baixos estoques em outros e demanda elevada.

Há também volume crescente de aplicações financeiras nos mercados futuros de

commodities.

Os produtos agrícolas e minerais respondem por 50% a 60% das exportações

brasileiras. Em 2007, renderam US$ 75 bilhões. Para este ano, as previsões indicam US$

100 bilhões.

O relatório do FMI endossou análises relativamente otimistas sobre o desempenho

de países como o Brasil em meio à turbulência financeira. É preciso lembrar, contudo, que

não há seguro duradouro para o caso de uma crise profunda nos EUA.

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ANEXO I – Folha de São Paulo, 10 de abril de 2008, página B3

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FMI alerta de novo contra alta de juro no país

Fundo vê no Brasil capacidade maior de reagir à desaceleração nos EUA justamente

porque inflação está controlada

Previsão de crescimento do país é elevada para 4,8% em 2008, acima do previsto para

média mundial (3,7%) e da América Latina (4,4%)

FERNANDO CANZIAN

ENVIADO ESPECIAL A WASHINGTON

O FMI (Fundo Monetário Internacional) sugeriu ontem, indiretamente, que o Banco

Central brasileiro tenha cuidado para não exagerar na dose dos juros por medo da inflação

e acabar prejudicando o crescimento econômico do país em 2008.

O Fundo revisou para cima, para 4,8% (0,3 ponto além da previsão de janeiro), a

expectativa de crescimento do Brasil em 2008. Mas, como prevê uma "leve recessão" nos

EUA neste ano, o FMI diz que há "espaço para ação, embora dentro de limites" para

manter economias de países como o Brasil aquecidas em 2008 - já que a recuperação

norte-americana viria ao longo de 2009.

Em seu relatório "Panorama da Economia Mundial", o Fundo afirma que América

Latina e Brasil enfrentam hoje "um vento frio do Norte", referência ao desaquecimento dos

EUA (o país deve crescer apenas 0,5% neste ano).

Diante desse desafio, o Fundo faz a seguinte pergunta: "Como responder ao fato de

as economias da América Latina estarem se fragilizando diante de uma redução na

demanda global?".

E responde: "Até certo ponto, a boa performance recente abriu espaço para ação,

embora dentro de limites. A primeira linha defensiva contra resultados negativos deve ser a

política monetária, particularmente em países como Brasil, Chile, Colômbia e México,

onde o sistema de metas de inflação ganhou credibilidade e tem sido bem-sucedido para

ancorar as expectativas de preços".

Em seguida, o Fundo afirma que o espaço para "reduzir" juros e manter o

crescimento pode acabar comprometido, em alguns países, para "trazer a inflação para os

limites da meta".

O Brasil tem uma meta de inflação de 4,5% para 2008, com intervalo de tolerância

de dois pontos para cima (até 6,5%) ou para baixo (2,5%). Embora nenhuma previsão atual

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aponte para um estouro além do limite superior da meta, o Banco Central tem sinalizado

um aumento do juro básico do país (hoje em 11,25% ao ano), argumentando que agir agora

para conter a inflação custará menos ao país do que agir mais tarde.

O próprio FMI vê a inflação de 2008 no Brasil em 4,8%.

Um dia antes de sugerir ao país que atue "dentro dos limites" (nesse caso, da meta

de inflação) para se proteger do desaquecimento dos Estados Unidos, o FMI já havia

alertado de que o juro elevado no Brasil vem se tornando o seu principal ponto vulnerável.

Por conta da taxa elevada, o Brasil vem recebendo enxurradas de dinheiro de fora

captado em países onde o juro -e a rentabilidade dos investidores- é menor.

Esses ingressos não só prejudicam os exportadores (ao valorizar o real e encarecer

as exportações) como deixam o Brasil sujeito a forte volatilidade. Numa turbulência, esse

dinheiro pode sair rapidamente, gerando instabilidade.

O relatório do Fundo lembra que "o crescimento brasileiro ganhou forte aceleração

em meio a quedas constantes de juros e aumento do emprego". E que a demanda doméstica

tem sido o principal motor da atual fase de crescimento.

Crescimento

Se confirmado, o 4,8% de crescimento previsto para o Brasil em 2008 ultrapassará

a previsão para a média mundial (3,7%) e para a América Latina (4,4%). Para 2009, a

previsão para o Brasil é de 3,7%.

Apenas Brasil e Rússia tiveram suas previsões de crescimento para este ano

revisadas positivamente. A maioria dos outros países analisados sofreu alterações para

baixo, sendo a maior delas (corte de um ponto) a dos EUA.

Charles Collyns, diretor-adjunto do Departamento de Pesquisas do FMI, explicou

que a revisão para cima no caso do Brasil deu-se graças ao resultado do PIB no quarto

trimestre de 2007, quando a economia "rodava" em torno de 6% em termos anualizados.

"A economia brasileira vai muito bem desde o ano passado. O quarto trimestre foi

melhor do que havíamos antecipado. Isso terá um efeito positivo sobre o resultado de

2008", disse Collyns.

O economista afirmou que, embora o Brasil esteja mais "resistente" para enfrentar

um desaquecimento nos EUA, ele será afetado. "Acreditamos que a economia brasileira se

desacelere em 2008 e 2009, mas isso acorrerá a partir de um patamar mais alto do que em

outros momentos."

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Emergentes vão puxar crescimento global

DO ENVIADO ESPECIAL A WASHINGTON

A economia global em 2008 será marcada por uma importante inversão de papéis

entre os países desenvolvidos e os emergentes.

No crescimento mundial de 3,7% neste ano, na projeção do FMI (Fundo Monetário

Internacional), haverá uma participação recorde do desempenho de países como China,

Índia, Rússia e mesmo o Brasil em relação ao de EUA, União Européia e Japão.

Na média geral, enquanto os países desenvolvidos devem crescer 1,3% neste ano

(menos da metade do resultado de 2007), os emergentes como um todo devem alcançar a

média de 6,7% (7,9% no ano passado).

Essa diferença entre o crescimento médio dos 141 emergentes monitorados pelo

FMI e dos 31 países desenvolvidos será, em 2008, a maior já registrada nas estatísticas do

relatório "Panorama da Economia Mundial", que remontam a 1990.

As duas maiores zonas econômicas do mundo, os EUA e os países que têm o euro

como moeda, devem crescer apenas 0,5% e 1,4%, respectivamente, em 2008. Já Brasil

(4,8%), China (9,3%), Índia (7,9%) e Rússia (6,8%) deverão se expandir bem mais.

Não fosse esse passo mais intenso entre os emergentes, que ganhou ritmo nos

últimos cinco anos, a desaceleração de EUA e países europeus em 2008 teria

conseqüências negativas muito maiores para a economia global.

Juntas, as economias avançadas ainda respondem pela maior fatia do PIB mundial.

Em 2007, a participação total dos países desenvolvidos no PIB global foi de 56,4% (sendo

de 37,5% o peso exclusivo de EUA e países da zona do euro somados).

Já a participação dos emergentes atingiu 43,6%, com China (10,8%) e Índia (4,6%)

à frente. O peso brasileiro ficou em 2,8%.

Pelas projeções do Fundo, a liderança dos emergentes deve se repetir em 2009, já

que a recuperação da economia norte-americana (que deve atravessar uma "recessão leve"

neste ano) se consolidaria apenas ao final do ano que vem.

Recessão e inflação

Isso, se tudo correr como o previsto, pois o FMI não descarta o risco de a crise nos

mercados contaminar mais profundamente o setor produtivo. O Fundo calcula em 25% a

possibilidade de o mundo como um todo entrar em recessão e crescer abaixo de 3%.

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Pior: a expectativa é que a inflação continue a subir em várias partes do mundo,

puxada pelos preços das commodities agrícolas e do petróleo.

Epicentro da atual crise, no mercado imobiliário dos EUA, os preços dos imóveis

poderão sofrer uma nova queda de até 10% em 2008 - em 2007 já houve igual redução.

"Nos EUA (com peso de 21,4% no PIB global), por trás do cenário de falta de

confiança no mercado financeiro, esperamos também que o consumo se mantenha bastante

fraco. Isso combinado a uma deterioração no mercado de trabalho, baixo crescimento na

renda disponível, preços de energia em alta e novos apertos nos empréstimos para o setor

imobiliário", afirmou o economista-chefe do FMI, Simon Johnson.

Nesse cenário, apesar de os emergentes puxarem a economia global em 2008, eles

poderão acabar afetados mais profundamente caso a recuperação dos EUA leve mais

tempo.

"Os riscos para a economia mundial pendem hoje para o lado mais negativo,

especialmente se a atual contração no mercado de crédito se transformar em colapso geral.

Os emergentes não estarão fora de perigo diante de sérios problemas nas economias

desenvolvidas", diz o FMI.

Previsões erradas

Há um ano, antes de a atual crise se agravar, o FMI não previa uma "contaminação"

da turbulência financeira da época na economia global. O próprio Simon Johnson usou

uma metáfora canina para ilustrar a situação. "Não creio que o "rabo financeiro" consiga

balançar o "cachorro econômico'"", disse.

Questionado ontem sobre a atual "tremedeira no cachorro", Simon disse: "Creio

que muitos de nós aprenderam bastante, nos últimos meses, sobre cachorros, rabos e suas

correlações. O que apresentamos hoje é a melhor visão que conseguimos ter deste

momento da economia global".

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Fundo nem sempre acerta nas previsões de expansão do PIB

DA REDAÇÃO

As previsões do FMI (Fundo Monetário Internacional) para o crescimento da

economia nos países em que monitora nem sempre se mostram acertadas.

Em abril do ano passado, durante apresentação do relatório "Panorama da

Economia Mundial", o fundo subestimou o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto)

brasileiro, ao projetar expansão de 4,4%. Em 2007, o que se verificou foi um crescimento

de 5,4%, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Da mesma forma, as previsões do fundo para o crescimento do PIB em países como

Rússia e China ficaram aquém do desempenho real.

Para a Rússia, o FMI estimou crescimento de 6,4%, enquanto para a China o fundo

dava conta de uma expansão da ordem de 10% em 2007. A taxa de crescimento verificada

nos dois países, no entanto, foi de 8,1% e 11,4%, respectivamente.

Por outro lado, o fundo chegou mais perto do acerto em países como o Chile e o

Japão. No primeiro, a estimativa era de um acréscimo de 5,2%, quando o verificado foi

5,1%. Já no caso do Japão, a projeção dava conta de um crescimento de 2,3%, sendo que o

crescimento real foi de 2,1%.

A economia na zona do euro cresceu 2,6% no ano passado, segundo divulgou o

escritório de estatística Eurostat ontem. De acordo com as projeções do FMI, porém, esse

crescimento seria de 2,3%.

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ANEXO J – Folha de São Paulo, 03 de outubro de 2008, página B6

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FMI agora vê risco de recessão nos EUA

Fundo vê o "mais perigoso choque nos mercados desenvolvidos desde os anos 30" e

"enorme ameaça ao crescimento global'

Há 2 semanas, diretor do FMI falava que pior da crise já poderia ter passado, mas

instituição agora fala em "tempestade perfeita"

FERNANDO CANZIAN

ENVIADO ESPECIAL A NOVA YORK

O FMI (Fundo Monetário Internacional) vê "chance substancial de forte

desaceleração" nos EUA e não descarta que o país venha a mergulhar em uma recessão.

Para o Fundo, a atual crise tem todos os ingredientes para levar a uma fase prolongada de

crescimento muito baixo ou negativo.

"O comportamento dos preços dos ativos, do crédito e dos empréstimos

imobiliários nos EUA ao longo desse período de estresse no mercado é muito similar ao de

outros momentos seguidos por recessões", afirmou o FMI no relatório Panorama da

Economia Mundial.

Para o economista-chefe-adjunto do Fundo, Charles Collyns, "está claro que

estamos diante do mais perigoso choque nos mercados desenvolvidos desde os anos 1930,

o que representa enorme ameaça para o crescimento global".

"Não consigo pensar em um exemplo de país que tenha sofrido um golpe tão

grande em seus sistema financeiro e que não tenha sofrido fortes conseqüências

econômicas. Quando os bancos sofrem um estrago como o atual, aumentam

consideravelmente as chances de uma contração severa e prolongada", disse Collyns.

O documento é o mais pessimista do FMI sobre a crise e representa uma forte

mudança de opinião da instituição.

Em 17 de setembro, o diretor-gerente do Fundo, Dominique Strauss-Kahn, afirmou:

"Podemos estar perto do fim da crise financeira". Em julho, o mesmo FMI divulgou

relatório prevendo uma "contração moderada" na segunda metade de 2008 e "recuperação"

em 2009.

No trabalho de ontem, o FMI analisou 113 períodos de crises em 17 economias

desenvolvidas nos últimos 30 anos. A maioria levou ou a recessão ou forte

desaquecimento.

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115

No caso das recessões, elas ocorreram, em média, após três trimestres de crise

financeira (a atual já dura mais de um ano) e se prolongaram por sete trimestres, subtraindo

14% do PIB ao longo do período.

O Fundo destaca ainda que recessões ou desaquecimentos precedidos por crises

bancárias (como a atual) tendem a se prolongar por duas a quatro vezes mais tempo e

retirar de duas a três vezes mais pontos do PIB do que fases onde não há sérios problemas

financeiros.

Em 29 recessões analisadas, 17 foram precedidas de problemas nos bancos.

"Baseado nessas análises, a crise financeira atual aparece como uma das mais intensas", diz

o relatório.

Para se chegar a uma recessão, diz o Fundo, o encadeamento dos fatos da crise

atual é quase uma "tempestade perfeita": o risco é maior quando as turbulências são

precedidas de forte aumento nos preços das residências e no crédito.

Quando o ciclo chega ao fim, os bancos emprestaram demais e têm garantias de

menos. Muitos acabam quebrando, como vem acontecendo. Entre os sobreviventes, há

pouca disponibilidade de dinheiro para continuar financiando a economia -algo que

também já vem ocorrendo com força nos EUA.

Segundo o FMI, a severidade de uma recessão depende muito de quanto os preços

das residências e o volume de crédito cresceram antes da crise financeira. No caso atual, os

americanos têm um endividamento recorde de US$ 14,5 trilhões, e os preços dos imóveis

(agora em queda livre) atingiram patamares sem precedentes.

Ainda assim, o Fundo crê que uma recessão ainda possa ser mitigada pelo fato de

os balanços das empresas não financeiras terem apresentado bons resultados antes da crise

e graças à política de corte de juros (hoje negativos) nos EUA. O FMI pondera também

que o endividamento dos europeus hoje é bem menor do que nos EUA, o que poderá

compensar um pouco, do ponto de vista global, o desaquecimento americano.

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116

ANEXO K – Folha de São Paulo, 03 de outubro de 2008, página B7

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117

Commodities seguirão em alta, diz Fundo

Trajetória ascendente se deve ao crescimento das economias emergentes e à falta de

maior capacidade de oferta dos produtos

Com melhora nas condições de vida da população, Brasil, China e Índia usarão mais

manufaturas e alimentos, prevê relatório do Fundo

DO ENVIADO A NOVA YORK

Mesmo cogitando uma recessão nos Estados Unidos, com impactos sobre toda a

economia global, o FMI (Fundo Monetário Internacional) prevê que os preços das

commodities agrícolas e minerais não devem cair no médio prazo. Ao contrário.

Segundo o Fundo, os preços devem continuar sua trajetória de alta por dois motivos

principais: crescimento das economias emergentes acima da média mundial e falta de

maior capacidade de oferta desses produtos nos próximos anos.

Em relatório divulgado ontem, o Fundo prevê a manutenção, em economias como

China, Índia e Brasil, de melhora nas condições de vida da população. Isso precisará ser

atendido com mais produtos manufaturados e mais alimentos.

O outro lado da moeda é que as commodities no atual patamar e com tendência de

elevação vão continuar pressionado os índices de inflação nos países emergentes. Nas

economias mais maduras, o peso do custo da alimentação, principalmente, é bem menor do

que nas em desenvolvimento.

Para o Brasil, que é grande produtor de alimentos e exportador de commodities, as

previsões do Fundo são uma boa notícia, apesar do impacto relativo que os preços desses

produtos podem ter sobre a inflação.

O impacto dos preços dos alimentos, no entanto, é muito maior entre os países com

renda mais baixa, especialmente os africanos e alguns asiáticos.

O FMI destaca ainda que os alimentos continuarão pressionados pela busca, nos

biocombustíveis, de alternativas ao petróleo.

"Apesar de algum retrocesso nas últimas semanas, os preços das commodities

devem continuar em patamares elevados em relação aos níveis históricos. Por isso, os

riscos inflacionários persistem, especialmente pelo fato de muitos desses preços (das

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118

commodities) ainda não terem sido inteiramente repassados às cadeias produtivas", diz o

relatório do Fundo.

Petróleo e metais

O FMI afirma que os níveis de produção e investimento de empresas nas áreas de

petróleo e de commodities metálicas não têm sido compatíveis com o aumento da

demanda, especialmente nos grandes emergentes, apesar da expectativa de desaquecimento

da economia mundial.

Para o FMI, a maturação de investimentos nessas áreas demanda tempo para que a

produção adicional chegue ao mercado. "Além disso, os estoques desses produtos e a

capacidade ociosa dos grandes produtores estão em níveis considerados baixos em relação

ao tamanho da demanda atual." (FCZ)

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119

ANEXO L – Folha de São Paulo, 09 de outubro de 2008, página B6

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120

Crise derruba expansão mundial, diz FMI

Em cenário mais otimista de relatório, Fundo fala em queda de desempenho; previsão

mais pessimista é de "grande depressão"

Órgão espera que mundo cresça 3,9% em 2008 e 3% em 2009, puxado sobretudo por

emergentes, e que PIB do Brasil suba 5,2% no ano

DO ENVIADO ESPECIAL A WASHINGTON

Crescimento próximo a zero ou negativo até meados de 2009 nas economias

avançadas. Recuperação lenta e gradual a partir de então.

Para os emergentes, um desempenho "substancialmente menor" daqui em diante.

Menos exportações e pressão sobre as reservas cambiais.

Esses são os cenários mais otimistas traçados ontem pelo FMI (Fundo Monetário

Internacional) no lançamento do relatório "Panorama da Economia Mundial", em

Washington. O mais pessimista, e de pouca probabilidade, seria uma "grande depressão".

O FMI revisou para baixo em 0,2 ponto percentual o crescimento mundial previsto

para este ano e em quase 1 ponto o de 2009. O Fundo espera que o planeta cresça 3,9% em

2008 e 3% no próximo - puxado especialmente pelos emergentes.

Entre as economias avançadas, a previsão para os dois anos, respectivamente, é de

crescimento médio de 1,5% e 0,5%. Entre os emergentes, de 6,9% e 6,1%.

No caso do Brasil, o Fundo projeta um PIB (Produto Interno Bruto) 5,2% maior

neste ano e 3,5% no ano que vem.

No melhor cenário, os EUA, maior economia do mundo e epicentro da atual crise

financeira que já se alastra para economia real, devem crescer 1,6% neste ano e 0,1% em

2009.

"As coisas podem ficar bem piores do que as nossas projeções? Infelizmente, a

resposta é sim", disse o economista-chefe do Fundo, Olivier Blanchard.

"Se os países não implementarem rapidamente respostas coerentes para a crise

financeira, o impacto sobre o crescimento será muito maior que o projetado. Mesmo que

ocorra a implementação, há grande risco de o declínio da atividade voltar a contaminar o

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121

mercado financeiro", disse. Blanchard afirmou que a crise se agravou pela falta de

coordenação e adoção de medidas "improvisadas" pelos governos centrais.

Só ontem é que grande parte dos países afetados pela crise anunciou medidas

conjuntas para tentar conter o terremoto financeiro dos últimos dias.

"Creio que o sentido de urgência foi colocado com bastante clareza pelos mercados.

Basicamente, os governos foram forçados a adotar planos para o curto prazo." E emendou:

"Os países devem estar preparados para usar fundos públicos para apoiar a estabilização do

sistema financeiro".

Questionado sobre qual seria a chance, de 0 a 10, de a situação fugir ao controle e o

mundo mergulhar em uma "grande depressão", Blanchard disse: "Muito baixa. Se as

medidas forem postas em prática, o risco é extremamente pequeno".

O FMI considera que os governos centrais, ainda que de forma inicial, estão agora

finalmente colocando em prática as únicas três ações estruturais possíveis até aqui. São

elas: fornecer liquidez (dinheiro) ao mercado via bancos centrais; comprar os chamados

ativos "tóxicos" dos bancos em dificuldades; e recapitalizar as instituições afetadas, seja

por compra de participações pelo Estado em bancos ou coordenando fusões entre eles.

Além de jogar essas três "bóias" para o sistema financeiro, o fato de os bancos

centrais terem baixado as taxas básicas de juro ontem funcionaria como ajuda adicional a

quem não puder ser socorrido diretamente por essa trinca de medidas.

No caso da União Européia, o FMI avalia que novas rodadas de corte nos juros

serão necessários. O BCE (Banco Central Europeu) cortou o juro em 0,5 ponto, de 4,25%

ao ano para 3,75%. Mas a taxa segue muito acima da do Fed (banco central dos EUA), que

reduziu a sua de 2% ao ano para 1,5%.

A única boa notícia apresentada pelo FMI (mas que deriva do desaquecimento

global) é que as pressões inflacionárias diminuíram em todo o mundo.

(FERNANDO CANZIAN)

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122

Previsão de PIB do Brasil cai, mas ultrapassa média da AL

DO ENVIADO A WASHINGTON

Se confirmadas, as previsões do FMI para o crescimento da economia brasileira

colocarão o país à frente da média dos países latino-americanos pela primeira vez em

vários anos.

O Fundo projeta um crescimento de 5,2% do PIB neste ano e de 3,5% em 2009. Em

relação à previsão feita em abril, houve corte de 0,5 ponto para o ano que vem. Para a

América Latina, a média prevista de crescimento é de 4,6% em 2008 e 3,2% em 2009. As

reduções decorrem da crise financeira.

O FMI afirma que os emergentes devem sofrer com a queda nas exportações

(derivada de uma demanda mundial menor por commodities e manufaturados) e, mais

importante, com pressões para usar reservas para defender suas moedas.

Ontem, pela primeira vez em mais de cinco anos, o Banco Central brasileiro

realizou um leilão de venda de reservas para tentar trazer o dólar para baixo do pico do dia,

de R$ 2,48.

Charles Collyns, economista-chefe-adjunto e especialista em Brasil no FMI,

afirmou que a pressão sobre o dólar deriva do "aperto do mercado internacional de

crédito".

"Eu creio que isso explica o motivo de a taxa de câmbio no Brasil estar tão

pressionada. O Brasil também é um grande exportador de commodities, e está sofrendo

queda na receita (em dólares) por esse lado."

Pela primeira vez em vários anos, o Brasil passou a ter em 2008 déficit em dólares

nas suas transações com o resto do mundo e necessita do equivalente a cerca de 1,5% do

seu PIB em recursos de fora para se financiar. Com o aperto internacional, a expectativa de

alguns analistas é que o financiamento fique cada vez mais difícil, daí a tendência de alta

da cotação da moeda americana.

Collyns afirmou também que a pressão cambial poderá ter impactos iniciais sobre a

inflação – já que produtos importados ficarão mais caros.

A contrapartida a esse cenário, disse, é que a atividade econômica tende a se

desacelerar. O país precisará importar menos, e o consumo poderá ser atendido por uma

folga maior nos limites de produção das empresas locais.

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123

Para Collyns, se esse cenário prevalecer e o dólar refluir, o Brasil terá condições até

de baixar os juros para estimular sua economia.

Sem citar especificamente o Brasil, mas falando dos emergentes em geral, o

economista do FMI Jörg Decressin disse que em certos momentos os países serão

obrigados a usar suas reservas para conter a valorização do dólar.

"Um grande número de emergentes acumulou enormes quantidades de reservas, e

fizeram isso com o propósito de afastar choques vindos dos mercados nos tempos difíceis.

E é exatamente isso (usar as reservas) que esses países devem fazer quando for

necessário", afirmou Decressin.

Entre os grandes emergentes, a China seguirá como o mais ativo, com crescimento

previsto de 9,7% neste ano e de 9,3% no próximo -contra 11,9% em 2007. (FCZ)

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124

ANEXO M – Folha de São Paulo, 23 de abril de 2009, página B3

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125

PIB do Brasil cairá 1,3% neste ano, prevê FMI

Para o Fundo, país será afetado por freada global e pela queda no preço das

commodities; mundo também deve ter recessão de 1,3%

Se confirmada a previsão, economia brasileira deverá ter a 1ª contração desde 92;

recuperação é esperada apenas para o próximo ano

FERNANDO CANZIAN

ENVIADO ESPECIAL A WASHINGTON

O FMI (Fundo Monetário Internacional) previu ontem que o Brasil encerrará 2009

com uma contração de 1,3% em sua economia. O Fundo justificou a projeção afirmando

que o país sofrerá mais neste ano os impactos da desaceleração global, principalmente por

conta da queda nos preços das commodities que exporta.

Para o Fundo, a economia brasileira só se recuperará em 2010, ano em que será

eleito o sucessor do presidente Lula, quando o país poderá crescer 2,2%. No ano passado, o

Brasil cresceu 5,1%. Em 2007, 5,7%.

A última vez em que a economia brasileira encolheu foi em 1992, quando o PIB

caiu 0,5%. Em 1990, porém, houve retração ainda maior que a prevista pelo FMI, de 4,3%.

Ela foi gerada pelos efeitos do chamado Plano Collor, choque econômico que incluiu o

congelamento dos depósitos na poupança.

"Vemos alguns sinais de recuperação [no Brasil] no primeiro trimestre do ano, em

parte porque o governo está utilizando estímulos fiscais e sendo agressivo na redução dos

juros. Isso é positivo e deve amenizar os choques externos. Mas nossa visão global é que o

Brasil será afetado. Não porque esteja particularmente fraco, mas porque é um participante

importante da economia mundial", afirmou Charles Collins, diretor-adjunto do

Departamento de Pesquisas do FMI.

O Fundo vê a economia mundial se contraindo 1,3% neste ano, quase dois pontos

percentuais a mais do que previsão feita em janeiro. Já o corte na projeção anterior para o

Brasil foi de 3,1 pontos percentuais.

Em relatório divulgado ontem, o FMI justifica a contração em vários países

produtores de commodities com uma expectativa de queda nos preços desses produtos de

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126

46,4% neste ano - e de uma contração no comércio mundial de 11% (a maior no pós-

Segunda Guerra).

"Além disso, a forte queda na atividade econômica nos países avançados,

especialmente nos EUA, o maior parceiro comercial da América Latina, está deprimindo a

demanda externa e diminuindo as receitas com exportações, turismo e remessas [de

dólares]", diz o relatório.

Na média, entre os nove países da América do Sul (e México) monitorados pelo

FMI, a contração prevista é de 1,6%.

A boa notícia para o Brasil é que o Fundo afirma que o mercado financeiro tem

feito uma "diferenciação" entre os tomadores de empréstimos.

"O custo financeiro aumentou substancialmente para alguns países [como

Argentina, Venezuela e Equador], mas se mantém relativamente baixo para outros mais

bem posicionados, como Brasil, Chile, Colômbia e México", diz o FMI.

Desemprego no mundo deve continuar crescendo até o final do próximo ano

DO ENVIADO A WASHINGTON

O FMI prevê que a economia mundial tem chances de voltar a se recuperar

lentamente a partir de 2010, mas que o desemprego continuará crescendo durante todo o

ano que vem, só se estabilizando pouco antes do início de 2011.

Para o economista-chefe do Fundo, o francês Olivier Blanchard, a taxa de

desemprego nos EUA, maior economia do mundo e centro da atual crise, deverá atingir

10% antes de começar a cair novamente.

Hoje, o desemprego nos EUA está em 8,5% -são 13,2 milhões de desempregados

em uma População Economicamente Ativa de 155 milhões. Se a projeção de Blanchard

estiver correta, haverá mais 2,3 milhões de demitidos até o final do ano. Em março, as

demissões nos EUA somaram 663 mil.

"As evidências históricas indicam que a recuperação desta vez será mais lenta do

que o normal, o que levará a um decréscimo também lento no desemprego ao longo do

tempo", afirmou Blanchard.

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127

Segundo as projeções do Fundo, a economia mundial deverá encolher 1,3% neste

ano (a primeira retração desde a Segunda Guerra Mundial) e crescer 1,9% em 2010. Como

comparação, o mundo cresceu 3,2% e 5,2%, respectivamente, em 2008 e 2007.

O chamado G3 (EUA, com contração de 2,8%; zona do euro, -4,2%; e Japão, -

6,2%) puxará o mundo para baixo, enquanto China (6,5%) e Índia (4,5%) darão alguma

sustentação. No ano que vem, prevê o Fundo, o G3 pode ter um desempenho entre zero e

0,5%, mas outras economias devem se acelerar um pouco mais.

Blanchard estima que no primeiro trimestre de 2009 a economia mundial tenha se

desacelerado 6%, repetindo a queda "sem precedentes" do último trimestre do ano passado,

quando a crise mundial estourou com toda a sua força.

As projeções do FMI indicam que apenas os EUA sofrerão deflação neste ano e no

próximo, de -0,9% e -0,1%. Mas a subida de preços nas economias avançadas deve se

manter pouco acima de zero em 2009 e 2010.

A deflação traz riscos enormes, pois desincentiva tanto a produção quanto o

consumo - empresas e consumidores ficam na espera de que os preços caiam ainda mais

antes de investir ou comprar um bem.

Na entrevista ontem na sede do FMI, Blanchard foi extremamente cuidadoso com

suas palavras iniciais e respostas posteriores, sublinhando sempre que a maioria dos países

tem adotado as "políticas corretas" para enfrentar a crise.

"O mundo está sendo puxado por duas forças opostas, para baixo e para cima. Hoje,

a primeira é dominante. Com o tempo, e com as politicas corretas, ela perderá sua força."

Mais à frente, acrescentou: "O setor bancário está ainda em meio a um processo de

acomodação, apertando exigências para a concessão de financiamentos. Quanto mais isso

durar, mais longa e profunda será a recessão. E, quanto mais longa a recessão, pior ficará a

saúde do sistema bancário. Juntas, essas duas dinâmicas criam o risco de um círculo

vicioso, que pode levar a um resultado muito pior em comparação ao que estamos

prevendo". (FCZ)

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128

ANEXO N – Folha de São Paulo, 23 de setembro de 2009, página B6

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129

Recuperação industrial no mundo deve levar anos, prevê FMI

FERNANDO CANZIAN

DE NOVA YORK

O FMI (Fundo Monetário Internacional) previu ontem que a produção industrial

global demandará um longo tempo para recuperar os níveis anteriores ao estouro da atual

crise, em setembro de 2008.

Em seu novo relatório, "Panorama da Economia Global", o Fundo analisou 88

crises bancárias em dezenas de países nos últimos 40 anos.

Na média, o setor produtivo encolheu em 10% a produção por um período de sete

anos (também em média) após o início dos problemas financeiros.

A queda ocorre principalmente porque as crises bancários afetam diretamente a

capacidade de as empresas obterem financiamentos para investir e produzir.

Entre os maiores afetados estão os trabalhadores, pois o desemprego pode se

manter elevado por um período até superior aos sete anos.

A análise das crises passadas revelou que embora a produção industrial fique 10%

aquém dos níveis pré-crise, o crescimento econômico geral das economias retorna mais

rapidamente. Isso significa que menos pessoas serão beneficiadas pelo crescimento do PIB.

Segundo o economista-chefe do FMI, Olivier Blanchard, as crises bancárias têm

efeitos bem mais severos do que recessões comuns, já que afetam os investimentos e o

consumo.

"Em ciclos normais de recessão, a recuperação ocorre bem mais rapidamente e sem

grandes perdas no potencial de produção das empresas", disse.

'A atual crise não é somente global (diferentemente da maioria das analisadas pelo

FMI) como é a maior envolvendo o sistema financeiro, principalmente o norte-americano,

desde a década de 1930.

Segundo Petya Brooks, economista do fundo, a atual crise bancária (que levou o

mundo a uma recessão) não fará necessariamente estragos muito maiores do que as

anteriores.

"Quando há estímulos fiscais poderosos, como os que estamos vendo, é possível

evitar uma perda maior nos níveis de produção", disse. Mas seu prognóstico para os níveis

de emprego é que demandarão "muito tempo" para se recuperar.

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130

Em outro capítulo do mesmo relatório, o FMI também tentou determinar se havia

sinais suficientemente fortes antes da crise para que as autoridades de vários países

pudessem ter tomados medidas preventivas.

Para isso, foram examinados vários ciclos de "boom" (rápido crescimento) e

"busts" (estouros) nos preços de dezenas de ativos, como ações, imóveis e outros papéis do

mercado.

A conclusão do fundo é que o fato de vários países (especialmente os EUA) terem

mantido os juros em patamares baixos por um longo período não foi o principal motivo da

crise.

Mas esse fato está relacionado ao que o FMI considera o essencial: uma forte

expansão nos níveis de crédito por um período entre dois e três anos antes da explosão nos

preços dos ativos. Quando há dinheiro farto e barato no mercado, a tendência é mais

investidores procurarem um número limitados de opções de investimento, jogando os

preços para cima.

Para Blanchard, a discussão em torno do aumento do poder de supervisão dos BCs

em detrimento de outras agências reguladoras é pertinente. Segundo ele, um banco central

com mais poderes poderia, por exemplo, manter juros baixos, mas usar outros mecanismos

para limitar a oferta de crédito no mercado imobiliário.

Daqui a alguns dias o FMI também divulgará em sua reunião anual, em Istambul,

na Turquia, previsões de crescimento para 2009 e para 2010.

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ANEXO O – Folha de São Paulo, 01 de outubro de 2009, página B4

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132

FMI teme agora nova onda recessiva

Em relatório, Fundo alerta para o risco de ciclo econômico em forma de W, com uma

queda inicial, recuperação e nova queda à frente

Segundo o FMI, a economia global sofrerá uma retração de 1,1% em 2009; todos os

países desenvolvidos devem fechar ano no vermelho

FERNANDO CANZIAN

ENVIADO ESPECIAL A ISTAMBUL

O FMI (Fundo Monetário Internacional) alertou ontem para o risco de a economia

global mergulhar novamente em uma recessão, levando o atual ciclo a assumir a forma de

W - queda inicial, recuperação neste segundo semestre e nova queda mais à frente.

Em seu relatório "Panorama da Economia Global", o Fundo diz ainda que a atual

recuperação será atípica, com desemprego elevado e baixos níveis de investimentos e

consumo.

Para o economista-chefe do FMI, Olivier Blanchard, o ciclo de reposição de

estoques que vem puxando a atividade em vários países está chegando ao fim. E os

consumidores, diz, estão "traumatizados" pela crise.

Segundo o FMI, a tendência é que as famílias aumentem seus níveis de poupança

daqui em diante e que as empresas não invistam mais, pois já operam neste momento com

grande capacidade ociosa.

"É preciso que a recuperação comece a se mover no sentido de um aumento do

consumo e do investimento privado. E não está claro se isso se dará com força suficiente."

"O risco é a demanda privada não decolar, os gastos públicos começarem a diminuir e

termos uma recessão com duas quedas seguidas."

O economista-chefe do Fundo afirma que "a boa notícia" é que é possível dizer que

o mundo já deixou a recessão para trás. Mas que só é garantido prever o que ocorrerá

"apenas nos seis meses à frente. Depois disso, não sabemos".

No relatório apresentado ontem, o FMI estima que a economia global sofra uma

retração de 1,1% em 2009. No cenário otimista (que descarta a recessão em forma de W), o

mundo cresceria 3,1% em 2010 puxado pelos países emergentes.

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133

Neste ano, todas as economias avançadas devem fechar no vermelho, algumas com

quedas superiores a 4% (Alemanha, Itália, Japão e Reino Unido). No ano que vem, a

maioria também cresceria a taxas muito próximas de zero.

Já os emergentes cresceriam, segundo o Fundo, 1,7% em 2009 e 5,1% em 2010.

Entre eles, a China liderará o bloco, com um crescimento estimado de 8,5% neste ano e de

9% em 2010. Já o Brasil, segundo o Fundo, encolheria 0,7% neste ano e cresceria 2,5% no

ano que vem.

Apesar da previsão de recuperação no melhor cenário, o Fundo projeta que os

níveis de desemprego em vários países continuarão a subir até o final de 2010.

"Diante de uma demanda e receitas em baixa, grande capacidade ociosa e aperto no

crédito, as empresas do setor não-financeiro continuarão demitindo. Um aumento da

utilização da capacidade instalada e de investimentos que poderiam lastrear a volta do

emprego parecem muito distante", diz o relatório do Fundo.

O Fundo diz que os governos e bancos centrais devem "estar preparados" para, se

necessário, voltarem a gastar mais dinheiro público para sustentar uma recuperação da qual

o setor privado pode não dar conta.

Brasil deverá puxar crescimento regional

DO ENVIADO A ISTAMBUL

O FMI revisou para cima as expectativas de crescimento para o Brasil em 2009 e

2010.

Mesmo prevendo que a economia brasileira encolha 0,7% neste ano (o Ministério

da Fazenda aposta em crescimento de 1%), o Fundo diz que o Brasil é quem puxará para

cima a média da América Latina, que deve encolher 2,5% em 2009. Para 2010, o FMI vê

PIB de 3,5% no Brasil, abaixo da expectativa do mercado, de 4,5%. A Fazenda já vê 5%.

"Para a região, há indicações de que a recuperação voltou e deverá atingir velocidade

moderada no segundo semestre, com o Brasil à frente", diz o "Panorama da Economia

Global" do FMI.

Na América Latina, os dois países que devem sofrer mais os impactos da crise neste

ano são Argentina (queda de 2,5% no PIB) e Venezuela (-2%).

Page 142: O Inesperado e a Crise - Federal University of Rio de Janeirorecente, o ano de 2008 – quando inicia a última recessão mundial – foi escolhido como referência para a observação

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"O Brasil deve liderar na região em parte por causa de seu grande mercado

doméstico e por ter um mercado exportador diversificado tanto em termos de produtos

quanto de destinos, especialmente no que diz respeito à Ásia", diz o FMI.

A Ásia continuará liderando o mundo como região mais dinâmica neste ano e 2010.

A China deve crescer 8,5% neste ano e a Índia, 5,4%.

Commodities

O relatório do Fundo afirma que boa parte da recuperação neste segundo semestre e

provavelmente no próximo ano na América Latina estará apoiada no aumento dos preços

das commodities que exportam.

O FMI considera, porém, que dificilmente os preços dos produtos básicos devem

aumentar mais no curto ou médio prazos.

A explicação para a atual recuperação, segundo Fundo, é que a queda em 2008 teria

sido muito acentuada, o que levou à formação de estoques pelos consumidores. (FCZ)