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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
ESCOLA DE COMUNICAÇÃO – ECO
O Inesperado e a Crise: Projeções econômicas do FMI e sua cobertura pela Folha
Priscilla da Silva Daumas
Rio de Janeiro
2014
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
ESCOLA DE COMUNICAÇÃO – ECO
O Inesperado e a Crise: Projeções econômicas do FMI e sua cobertura pela Folha
Priscilla da Silva Daumas
Monografia submetida à Banca de Graduação
como requisito para obtenção do diploma de
Comunicação Social/ Jornalismo.
Orientador: Prof. Dr. William Dias Braga,
Doutor em Comunicação, Professor Associado
ECO-UFRJ.
Rio de Janeiro
2014
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
ESCOLA DE COMUNICAÇÃO
TERMO DE APROVAÇÃO
A Comissão Examinadora, abaixo assinada, avalia a Monografia O inesperado e a
crise: projeções econômicas do FMI para 2008 e sua cobertura pela Folha, elaborada
por Priscilla da Silva Daumas.
Monografia examinada:
Rio de Janeiro, no dia ........./........./..........
Comissão Examinadora:
__________________________________________________
Orientador: Prof. Dr. William Dias Braga
Doutor em Comunicação pela Escola de Comunicação - UFRJ
Departamento de Comunicação - UFRJ
__________________________________________________
Prof. Luiz Solon Gonçalves Gallotti
Mestre em Ciencias Economicas pela Universidade Católica de Louvain. Bélgica
Doutor em Comunicação e Cultura pela UFRJ
Bacharel em Economia pela FEA- USP.
__________________________________________________
Prof. Nilo Sergio Silva Gomes
Doutor em Comunicação pela Escola de Comunicação - UFRJ
Departamento de Comunicação – UFRJ
Rio de Janeiro
2014
FICHA CATALOGRÁFICA
DAUMAS, Priscilla.
O Inesperado e a Crise: projeções do FMI para 2008 e sua
cobertura pela Folha. Rio de Janeiro, 2014.
Monografia (Graduação em Comunicação Social/ Jornalismo) –
Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, Escola de Comunicação –
ECO.
Orientador: William Dias Braga
DAUMAS, Priscilla. O Inesperado e a Crise: projeções do FMI para 2008 e sua
cobertura pela Folha. Orientadora: William Dias Braga. Rio de Janeiro: UFRJ/ECO.
Monografia em Jornalismo.
RESUMO
Este trabalho descreve e analisa a cobertura jornalística realizada pela Folha de São Paulo
das previsões econômicas do Fundo Monetário Internacional, divulgadas semestralmente
por meio do relatório Panorama Econômico Mundial. Diante dos eventos da história
recente, o ano de 2008 – quando inicia a última recessão mundial – foi escolhido como
referência para a observação. As bases para o trabalho são um os elementos que
caracterizam o jornalismo econômico no país, como sua história, especificidades,
linguagem e mentalidade. Além da análise do posicionamento e estratégias da instituição
durante as coletivas de imprensa de divulgação das conclusões dos relatórios.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Quadro 1. Defesa do crescimento econômico, relatório de abril de 2007 14
Figura 1. Gráfico com estimativas do FMI para o crescimento econômico 46
Figura 2. Comparação entre estimativas do FMI e resultados
do crescimento econômico 47
Figura 3. Gráfico com estimativas do FMI para o PIB de 2007 49
Figura 4. Mapa relacionando inflação e alta do preço dos alimentos 50
Figura 5. Gráfico com avanço da participação dos emergentes no PIB mundial 51
Figura 6. Gráfico sobre previsões do FMI em abril de 2008 56
Figura 7. Gráfico com estimativas do FMI para 2009 64
Figura 8. Gráfico com estimativas do FMI para o PIB em abril de 2009 66
Figura 9. Gráfico com estimativas do FMI para o PIB de 2009 e 2010 69
ÍNDICE
1. INTRODUÇÃO 1
2. PROJEÇÕES ECONÔMICAS 3
2.1. Prever o futuro da economia: visões divergentes 4
2.2. Projeções do Fundo Monetário Internacional 8
2.2.1. Panorama Econômico Mundial: a análise do cenário econômico de 2007 10
2.2.2. Panorama Econômico Mundial: a análise do cenário econômico de 2008 16
2.2.3. Panorama Econômico Mundial: a análise do cenário econômico de 2009 23
2.2.4. Relação do FMI e seu Panorama com a Mídia 25
3. COBERTURA DAS PROJEÇÕES ECONÔMICAS NA FOLHA 29
3.1. Elementos do jornalismo econômico brasileiro 30
3.2. Cobertura jornalística da Folha de São Paulo do Panorama
Econômico Mundial em 2007 41
3.3. Cobertura jornalística da Folha de São Paulo do Panorama
Econômico Mundial em 2008 53
3.4. Cobertura jornalística da Folha de São Paulo do Panorama
Econômico Mundial em 2009 64
3.5. Considerações finais sobre a cobertura jornalística da
Folha de São Paulo das previsões do Fundo Monetário Internacional 71
4. CONCLUSÃO 74
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 77
6. REFERÊNCIAS HEMEROGRÁFICAS 81
7. ANEXOS 83
ANEXO A - Folha de São Paulo, 5 de abril de 2007, página B5 83
ANEXO B - Folha de São Paulo, 7 de abril de 2007, página A2, editorial 86
ANEXO C - Folha de São Paulo, 12 de abril de 2007, página B1 87
ANEXO D – Folha de São Paulo, 13 de abril de 2007, página A2, editorial 92
ANEXO E – Folha de São Paulo, 10 de abril de 2007, página B9 93
ANEXO F – Folha de São Paulo, 18 de outubro de 2007, página B6 97
ANEXO G – Folha de São Paulo, 03 de abril de 2008, página B6 103
ANEXO H – Folha de São Paulo, 07 de abril de 2008, página A2, editorial 106
ANEXO I – Folha de São Paulo, 10 de abril de 2008, página B3 107
ANEXO J – Folha de São Paulo, 03 de outubro de 2008, página B6 113
ANEXO K – Folha de São Paulo, 03 de outubro de 2008, página B7 116
ANEXO L – Folha de São Paulo, 09 de outubro de 2008, página B6 119
ANEXO M – Folha de São Paulo, 23 de abril de 2009, página B3 124
ANEXO N – Folha de São Paulo, 23 de setembro de 2009, página B6 128
ANEXO O – Folha de São Paulo, 01 de outubro de 2009, página B4 131
1
1. INTRODUÇÃO
Não há dúvidas que os assuntos relacionados à economia influenciam nossas vidas.
A economia é como uma teia, com uma imensidão de fios conectados entre si. E por mais
que para alguns possa parecer estranho, algo que aconteça em dos pontos deste intricado
ambiente pode provocar mudanças por toda parte. Dentro deste contexto, o ano de 2008
não foi um marco apenas para a história econômica, mas também para a história mundial.
Entretanto, pode-se afirmar que ainda não se virou a página deste evento e sua história
ainda está sendo escrita. Afinal, por mais que a maior turbulência tenha passado ainda
sofremos as consequências desta recessão que só pode ser comparada em magnitude com a
Grande Depressão de 1929.
Este trabalho propõe se debruçar em um dos aspectos que cercou aquele momento:
as previsões econômicas. Algo que, em tese, deveria ter alertado, principalmente, aos
governantes do tsunami que estava por vir. E permitir que ações para reduzir seu impacto
fossem tomadas. Veremos que esta face do estudo da economia não é uma unanimidade
nem mesmo entre seus próprios profissionais e acadêmicos. Em que cada lado apresenta
fortes argumentos que validariam seu ponto de vista.
Mesmo sendo alvo de debate, as previsões continuam sendo feitas pelas instituições
econômicas mais renomadas (ou não) do mundo. E como objeto de estudo deste trabalho
escolheram-se às feitas pelo Fundo Monetário Internacional por meio do relatório World
Economic Outlook. No segundo capítulo poderemos ver a maneira com que o Fundo
desacreditou sinais que já ficavam claros à véspera da eclosão da crise em nível mundial.
Como o organismo continuou os negando por grande parte de 2008. E, apenas após o
estouro da bolha, passou a oferecer uma (discutível) cartilha com medidas a serem
tomadas, para se agir sobre o que já tinha de fato acontecido. Além de observarmos como a
instituição durante todo esse tempo age como defensora do neoliberalismo.
Já o terceiro capítulo inicia-se com uma revisão dos elementos fundamentais do
próprio jornalismo econômico brasileiro e veremos como essa atividade é realmente
peculiar, com suas nuances, características e problemáticas únicas. Para que, enfim, possa
apresentar a ponta final desta cadeia: a transmissão das previsões do FMI para o público,
neste caso o leitor do jornal Folha de São Paulo. Para tal, foram selecionadas todas as
edições em que as previsões do Fundo foram alvo de textos, com o objetivo de se
2
descrever e analisar profundamente a maneira com que o periódico tratou o assunto no nos
anos de 2007 a 2009.
Por fim, espera-se que a análise das matérias que compunham a cobertura
jornalística da Folha proporcione respostas aos questionamentos que impulsionaram a
realização deste trabalho: A relevância das previsões do FMI foi contestada? Por acaso o
jornal as analisa e contextualiza? Após a eclosão da crise em 2008 houve alguma mudança
no tratamento e contextualização dessas informações na produção da notícia? E se as
previsões econômicas são de fato relevantes para a cobertura econômica da mídia? São as
perguntas que pretendo responder ao longo das próximas páginas.
O objetivo final deste trabalho é o de colocar alguma luz sob uma das faces do
estudo econômico tão ligado a uma das características mais únicas de nossa espécie: a
constante preocupação com o futuro. E, principalmente, como essas informações sobre o
que estar por fim são compartilhadas pelos jornais com o público, peça fundamenta para a
engrenagem econômica e aqueles que mais serão impactados pelos desdobramentos
econômicos, independente se a previsão estiver correta ou não.
3
2. PROJEÇÕES ECONÔMICAS
Se puderem ver dentro das sementes do tempo
E dizer qual grão germinará e qual não,
Digam-me, a quem nunca implorou ou temeu
Seus favores nem seu ódio
(Shakespeare, Macbeth, Ato I, Cena III)
O futuro é uma das principais forças que movem a ação humana. Seja ele o
amanhã, o próximo mês, ano ou século, sua influência moldou (e molda) pensamentos,
atitudes e culturas. Ao longo do tempo, foi e é, simultaneamente, temido, defendido,
ignorado e venerado. Permeia desde as ciências exatas, biológicas e humanas às
superstições e crendices; da taromancia às previsões econômicas.
Pode-se afirmar, sem receio, que a adivinhação do futuro – e o fascínio desta – é tão
antiga quanto o homem. No Egito dos faraós o resultado das colheitas era previsto pelo
nível do rio Nilo no período de cheia. As profecias de Nostradamus são discutidas – e
difundidas – até hoje. Astrólogos continuam a olhar para o céu em busca de respostas e a
ganhar fama e dinheiro. Jornais de circulação nacional estampam, diariamente, previsões
para cada um dos doze signos – e mesmo aqueles que não acreditam, no mínimo sabem
qual é a sua representação no horóscopo.
A língua inglesa possui 36 palavras diferentes1 para a atividade de se prever o
futuro (CLEMENTS & HENDRY, 2002: 2). No português também há várias palavras
relacionadas a essa atividade: adivinhação, profecia, previsão, intuição, palpite, videncia,
pressentimento, premonição, presságio, divinação, para citar algumas. A quantidade de
sinônimos não pode ser mera coincidência, a importância dessa atividade é universal e não
se restringe a certo país e culturas.
Uma característica desse processo, às vezes, não fica evidente: a obstinação que
move a vontade de se prever o futuro é a mesma que impulsiona o desejo de modificá-lo.
Ambos os anseios estão completamente interligados. Logo, deve-se levar em consideração
que a manipulação é um traço tanto da quiromancia quanto das projeções econômicas.
Ter a consciência que quebrar um espelho significa sete anos de azar pode fazer
com que se tenha mais cuidado quando se está perto deles. Seguindo o mesmo princípio,
saber, com antecedência, a predisposição de algumas variáveis econômicas, por exemplo,
1 Forecast, augury, Cassandra, clairvoyant, foreboding, foresee, foreshadow, omen, precognition, presage,
prescience, portend, scrying, seer, anticipate, prognosis, project, soothsaying, predict, foretell, prophesy,
dentre elas.
4
pode fazer a diferença em estar preparado para se chegar onde se deseja – seja um país, um
investidor ou uma empresa. O desejo humano em, além de prever, modificar o futuro é
fator essencial para construção de uma previsão.
A energia gasta por uma instituição na defesa da sua projeção, por exemplo,
demonstra a percepção desta característica. A escolha dos argumentos, explicações, dados
apresentados para corroborar tais conclusões não são arbitrários. Adotar uma linha de
pensamento e não outra, das variadas alternativas, diz muito sobre quem toma essa decisão.
Além de abrir a possibilidade do uso da manipulação para fazer que tal interpretação ser
assimilada pelo seu alvo.
Do outro lado, estão os alvos o papel da interpretação do público e sua confiança
naqueles que produzem as previsões. A importância desses dois aspectos fica evidente no
caso das projeções econômicas, as pessoas – físicas ou jurídicas – reagem às previsões de
maneiras que as enfraquecem ou intensificam.
Uma instituição pode prever que certo país, por exemplo, não será capaz de honrar
suas dívidas, mas as consequências reais de tal previsão, considerando apenas o lado do
público-alvo, dependem da reação que ela suscitará e da credibilidade do seu produtor. As
possibilidades são variadas: de investidores com receio de um possível calote retirar
dinheiro investido no país, até tal projeção ser desacreditada pelo governo e condições de
empréstimo permanecerem o mesmo.
Essa vontade de conhecer o que nos aguarda é algo característico de nossa espécie.
Uma curiosidade é que nessa busca revelamos mais sobre nós mesmos do que o futuro em
si. Os números não estão em primeiro plano, o objetivo deste capítulo é descrever as
projeções econômicas do Fundo Monetário Internacional para o ano de 2008, mas, ir além
ao deixar claro suas estratégias e expor contradições no seu discurso na divulgação de suas
conclusões para a imprensa.
2.1. Prever o futuro da economia: visões divergentes
Se a curiosidade em relação ao futuro é um traço humano universal, as previsões
econômicas se tornaram populares nos Estados Unidos, por exemplo, apenas entre as
décadas de 1910 e 1930. Especialistas em previsões econômicas encontraram uma
audiência pronta durante um tempo de turbulência econômica e social (FRIEDMAN apud
5
SILVERTHORNE, 2014) 2. E graças a Grande Depressão – que eles falharam em prever –
essa popularidade foi praticamente destruída nas décadas seguintes. Também por ser o
primeiro erro emblemático, esse deslize assombra a credibilidade das projeções até hoje.
No entanto, a tentativa de se produzirem previsões confiáveis após esse fracasso,
afirma Friedman, fez com que economistas desenvolvessem índices, indicadores, novos
gráficos e até fundassem instituições como o National Bureau of Economic Research
(Escritório Nacional de Pesquisa Econômica, em tradução livre).
Pode-se observar no senso comum uma gama de argumentos para desacreditar a
atividade em si ou eventuais acertos. Se os economistas soubessem de fato o futuro,
estariam todos milionários. E quem pode garantir que o acerto da previsão não foi um
lance de sorte. Ou, definições como: um economista é um especialista que pode explicar
amanhã porque sua previsão de ontem não aconteceu ou de que a economia, como a
história, explica o passado.
No fim das contas, tudo se resume ao problema de que o futuro é incerto. Diante
desse enunciado, podem-se distinguir duas interpretações opostas como expõe Maxine
Singer:
Por causa das coisas que nós não sabemos que não sabemos, o futuro é
praticamente imprevisível. Mas alguns desdobramentos podem ser
antecipados, ou, pelo menos, imaginados com base em conhecimentos já
existentes. (SINGER apud HENRY, 2000: 10)3
A primeira delas é explicada, em 22 de novembro de 1948, por Henry Hazlitt em coluna na
Newsweek:
O futuro econômico, como o político, será determinado por
comportamentos humanos e decisões futuros. Por isso é incerto. E, apesar
do enorme e constante aumento da literatura em ciclos, as previsões
econômicas, nunca serão – não mais que pesquisas de opinião –
transformadas em uma ciência exata (HAZLITT apud LITTLER,1990:
66)4.
2 SILVERTHORNE, Sean. The entrepreneurs who invented economic forecasting. Harvard Business School
Working Knowledge. 09 jan. 2014. Disponível em: <http://hbswk.hbs.edu/item/7331.html>. Acesso em
09/10/2014. 3 Tradução da autora. “Because of things we don’t know [that] we don’t know, the future is largely
unpredictable. But some developments can be anticipated, or at least imagined, on the basis of existing
knowledge.” 4 Tradução da autora. “The economic future, like the political future, wil be determined by future human
behavior and decisions. That is why it is uncertain. And spite of the enormous and constantly growing
literature on business cycles, business forecasting will never, any more than opinion polls, become an exact
science.”
6
Esta linha de pensamento defende a ideia que não haveria relações, universalmente
e temporalmente, constantes na humanidade, o que afeta a produção de previsões
econômicas. Afinal, a economia lida em essência com seres humanos, suas ações, planos,
motivações e preferências; e nenhum desses fatores pode ser quantificado. Para seus
defensores, é falsa a explicação de que é, apenas, uma questão de tempo para não serem
produzidas projeções imperfeitas. Afinal, se houvesse realmente um método perfeito e
adequado para se produzir projeções este já teria sido descoberto – fato que os frequentes
erros provam que não acontecem (LITTLER, 1990).
Friedrich Hayek, em sua palestra do prêmio Nobel “A pretensão do
conhecimento”5, 40 anos atrás, dedica-se às razões do fracasso dos economistas em
orientar políticas com maior êxito. Ele se referia aos problemas de aumento de desemprego
e inflação que, segundo ele, foram influenciados pelos economistas, já que o conselho
propagado era: aumento de produção como saída para se reduzir o desemprego. Na
realidade, os estímulos resultaram em inflação e desemprego na década de 1970, em suas
palavras “como profissionais, criamos uma enorme bagunça”.
Culpa do que chama “cientificismo” (“scientistic attitude”), uma abordagem que “é
decididamente não científica, no verdadeiro sentido da palavra, uma vez que envolve uma
aplicação mecânica e acrítica de hábitos de pensamento a campos diferentes daqueles em
que foram formados” (HAYEK,1974)6. A obsessão com o método científico além de
produzir uma tarefa impossível, enganava os economistas.
Na “inútil busca por constantes quantitativas ou numéricas”, Hayek (1974)
argumenta que os economistas negligenciavam fatores essenciais, além de deixar de
compreender a complexidade das relações sociais inseridas no processo. A “pretensão do
conhecimento” produziu previsões que se autointitulavam verdadeiras, principalmente,
porque seguiam métodos comprovadamente científicos. O economista conclui em defesa
de um conhecimento imperfeito – que seja incapaz de fazer previsões e deixe questões em
aberto –, a um que usa todo um discurso para se autoafirmar exato, algo de que ele
desconfia.
5 Tradução da autora. “The Pretence of Knowledge”.
6 VON HAYEK, Friedrich August. “The pretence of knowledge.” Nobel lecture. 11 dez.1974. Disponível em
http://www.nobelprize.org/nobel_prizes/economic-sciences/laureates/1974/hayek-lecture.html. Acesso em 09
de out. 2014.
7
“Todas as projeções macroeconômicas estão sujeitas a erros [...] o que não significa
que sejam inúteis”7 (REIFSCHNEIDER & TULIP, 2007: 2). A interpretação oposta,
exemplificada na afirmação citada, acredita que, apesar de o futuro ser imponderável, as
previsões econômicas têm espaço nas ciências econômicas, sendo uma das atribuições da
profissão e devem continuar sendo realizadas.
As economias evoluindo ao longo do tempo e os modelos continuariam longe de
ser perfeitos para mensurar a complexidade dos comportamentos envolvidos
(CLEMENTS; HENDRY, 2002). Mas, para David Reifschneider e Peter Tulip (2007), as
projeções sempre deram uma imagem incompleta do cenário econômico – algo que pode
ser comunicado para o público –, e atingir a perfeição não estaria em jogo na sua produção.
Eles até defendem que uma das maneiras de conseguir mais informações sobre a prática –
e melhorar métodos – seria analisar os erros do passado.
Os economistas seriam mais sábios do que outros analistas porque, ao menos, têm
consciência da dimensão das incertezas (John Hawkins parafraseia Sócrates, em uma
publicação do Tesouro australiano). Ele acredita que apesar da dificuldade de se
produzirem previsões, é preciso continuar a melhorar. Assim como seus colegas no
Federal Reserve considera o estudo dos erros uma boa maneira de manter a perspectiva e
encontrar soluções.
Algumas análises sobre o passado já demonstraram que as previsões econômicas se
saem melhor em variáveis macroeconômicas como inflação e PIB daquelas relacionadas ao
mercado financeiro, como taxas de câmbio e preços de ativos. A grande dificuldade, no
entanto, está nas grandes mudanças de ciclo. Economistas teriam a tendência de seguir a
mesma direção em sucessivas projeções, com receio de transmitir inconsistência – ao
prever mudanças drásticas – e por manterem-se fiéis às suas ideias iniciais por muito
tempo – uma característica do comportamento humano. (LOUGANI, 2000)
A importância das previsões ficaria clara no seu papel nas diretrizes tomadas pelo
Estado. John Hawkins escreve, em uma publicação do Tesouro australiano, que elas são
essenciais para delimitar um orçamento, além de pré-requisitos para construção e
implantação de políticas macroeconômicas em longo prazo (HAWKINS, 2005). Já para o
Fundo Monetário Internacional, alvo desse estudo, as projeções também permitem uma
7 Tradução da autora. “All macroeconomic projections are subject to error [...] This likelihood does not mean
that macroeconomic projections are worthless.”
8
orientação, seja de imediato, curto ou longo prazo – de preferência seguindo a
interpretação particular da instituição.
Outro aspecto é que até há muita discussão sobre as estimativas, porém o mais
importante está contido no discurso que as acompanham. Considerando que nenhuma
projeção estará exatamente correta, a narrativa sobre os riscos e incertezas que cercam as
estimativas traz mais informações relevantes do que os números sem alguma
contextualização (HAWKINS, 2005).
2.2. Previsões do Fundo Monetário Internacional
A economia mundial vivia as consequências de duas Guerras Mundiais em menos
de 30 anos e, principalmente, da Grande Depressão. Este é o cenário de 1944, ano da
Conferência de Bretton Woods em que representantes de 45 países concordaram com a
necessidade de uma cooperação econômica internacional com o objetivo de evitar
repetição de políticas que contribuíram para este estado. Um ano depois, o Fundo
Monetário Internacional era oficialmente criado. Em 1947, começou suas atividades e
concedeu o primeiro empréstimo, para a França.
Esta atividade é a mais conhecida pelos brasileiros graças à famosa dívida externa
do país, cujo histórico de saques junto ao FMI é impressionante. Em 1982, o governo pede
oficialmente ajuda do Fundo e obtém um empréstimo de US$ 4,4 bilhões (em quatro
parcelas, apenas duas sendo desembolsadas). Em 1983 são US$ 3,7 bilhões. Em 1984 um
acordo de US$ 5,7 bilhões, cuja metade é efetivada. Em fevereiro de 1985 a instituição
suspende os desembolsos ao país depois de recusar vários pedidos de “perdão” pelo não
cumprimento de metas.
A moratória do governo Sarney marca o ano de 1987 e vai de fevereiro à setembro.
No ano seguinte, abre-se uma linha de crédito de US$ 1,4 bilhão, dos quais US$ 477
milhões são recebidos. Em 1992 uma nova carta de intenções é assumida e acorda-se um
empréstimo de US$ 2 bilhões em seis parcelas – a crise provocada pelo impeachment de
Fernando Collor suspende o programa e do valor acordado, apenas 170 milhões são
recebidos. Em 1998, o Brasil sente as consequências das crises asiáticas e russa, o que
provoca a negociação do acordo de US$ 18 bilhões – ao socorro ainda somam-se US$ 23,5
bilhões do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), BIRD (Banco Mundial) e
BIS ("Bank for International Settlements"- Banco de Compensações Internacionais), num
9
total de US$ 41,5 bilhões; graças ao cumprimento das metas de superávits primários não se
chegou a sacar todos os recursos.
Em 2001, com as turbulências do mercado internacional, o atentado de 11 de
setembro aos Estados Unidos e a crise da Argentina, mais um novo acordo é assinado; são
colocados à disposição US$ 15,650 bilhões e o crédito restante do acordo de 1998,
cancelado – U$ 4,7 bilhões são retirados. No ano seguinte, o mercado continua volátil, a
crise argentina se agrava, o crescimento mundial desacelera. É quando ocorre a eleição
para presidente e o governo brasileiro recorre pela última vez ao FMI e sacar cerca de US$
10 bilhões do acordo de 2001. O que resta da dívida, US$ 15 bilhões, é quitado em 2005 e
o Brasil não é mais obrigado, teoricamente, a seguir as exigências do Fundo. Em 2009 o
país é convidado a aumentar a participação na instituição, o que significa aportar dinheiro
para empréstimo, e, pela primeira vez, passa a ser credor.
A história é longa e conhecida, mesmo para gerações que não a vivenciaram, no
entanto um dos seus aspectos não faz parte do senso comum que ronda a relação do Fundo
com o Brasil. A explicação oficial para todas as medidas implantadas como garantia à
manutenção dos empréstimos é que estas foram baseadas em previsões econômicas feitas
pelo próprio FMI. Este discurso esclarece muito a maneira com que as estimativas e
análises são realizadas – e usadas – pela instituição.
Neste campo, a principal publicação do Fundo é o Panorama Econômico Mundial –
World Economic Outlook (WEO), relatório publicado duas vezes ao ano. O FMI o descreve
como a análise da economia mundial feita pela equipe de economistas do Fundo, seu
principal instrumento de vigilância mundial. Trazem projeções da evolução econômica
global, grupos de nações (classificados por região, estágio de desenvolvimento etc.) e
países individualmente, além de estudos analíticos em vários assuntos.
Atualizações das projeções também são divulgadas, no mínimo semestralmente, em
que alguma real mudança dos dados depende, essencialmente, dos desdobramentos e
turbulências na economia. Elas são uma forma de mostrar que o Fundo mantém uma
atenção permanente à economia e possui uma visão acurada dos eventos. Na verdade, uma
ferramenta para reiterar estimativas e, em último caso, refazer as que destoam
completamente da realidade.
Para a análise proposta neste capítulo serão considerados dados e teses abordados
durante as coletivas de imprensa na ocasião da divulgação dos Panoramas Econômicos
Mundiais. Nesse espaço, são tratados os temas mais relevantes e, teoricamente, de maneira
10
mais clara e objetiva, já que o destinatário final é o público dos veículos midiáticos –
julgando-se que as publicações especializadas em economia estão em menor número do
que aquelas que têm um público não especializado como principal alvo.
Diante dos eventos da história recente, o ano de 2008 – quando inicia a última
recessão mundial – foi escolhido como referência para a observação das previsões
econômicas do FMI – estimativas e análises. Para tal estudo são utilizados os Panoramas
Econômicos Mundiais de 2008, e dos anos imediatamente anterior (2007) e posterior
(2009).
2.2.1. Panorama Econômico Mundial: a análise do cenário econômico de 2007
O Panorama Econômico Mundial, em outubro de 2007 – quase um ano antes da
crise econômica de 2008, alega que “a economia mundial entrava em um período de
incertezas e, potencialmente, difícil” (FMI, 2007, p.xi) 8. Entretanto, enunciados deste tipo
ficam restritos ao corpo do relatório. Durante as duas coletivas de imprensa que tratam do
relatório, os riscos e preocupações são expostos, mas a mensagem transmitida e reiterada é
a de que os Estados Unidos – centro da volatilidade do mercado financeiro em agosto e
setembro – não sofrerão uma desaceleração do crescimento previsto.
A economia mundial, contraditoriamente, também ficaria no ritmo, reflexo das
fortes bases para o crescimento, assim como os resultados obtidos pelos mercados
emergentes. As turbulências poderiam até fortalecer as fundações para uma futura
expansão, mesmo trazendo riscos a curto e médio prazos. Nessas afirmações pode-se notar
como o discurso, travestido de um senso de clareza, caracteriza-se na realidade, por
argumentos e explicações vagos. Que bases e fundações são esses, por exemplo? Em
nenhum momento do relatório ou da coletiva de imprensa há alguma explicação ou mesmo
uma citação do que seriam. Supõe-se que todos já saibam do que se trata.
O valor da projeção de crescimento mundial em 2008, de 4,8%, é um número
consistente, mas o próprio relatório reconhece que há uma maior probabilidade de que, no
fim das contas, o resultado seja inferior ao estimado. Problemas no âmbito financeiro
prolongaram-se por mais de dois meses em uma dimensão que não pode ser ignorada.
Deixaram de ser suposições que poderiam ser contornadas ou evitadas. O nível de
8Tradução da autora. “The world economy has entered an uncertain and potentially difficult period.”
11
incerteza e falta de confiança, na época, já chegava a questionar o impacto e as
consequências da turbulência na atividade econômica real.
O FMI insiste que os últimos meses de 2007 foram um teste de estabilidade que
provocavam impacto modesto e algumas consequências no curto prazo. Mas nesse estágio
não há a possibilidade de se deixar de explorar essas questões com um mínimo de
profundidade. O tema principal do relatório é endereçado aos problemas e riscos ao
crescimento mundial e, consequentemente, à estimativa positiva do Fundo. A justificativa
para a incapacidade do FMI em prover uma leitura acurada dos desdobramentos
econômicos é o fator surpresa. Uma explicação que, contradiz completamente o argumento
de autoridade com que o Fundo tanto se autoproclama.
Tradicionalmente o Fundo Monetário Internacional coloca-se no papel de detentor
de informações privilegiadas, graças ao tipo de acesso que possui junto aos países
representados em sua instituição. A função de “vigia” do sistema econômico ainda lhe
conferiria maior autoridade no que diz respeito à análise e capacidade de leitura do cenário
econômico. Ao caracterizar o surgimento desses problemas como inesperados, o Fundo
coloca seu acesso privilegiado e argumento de autoridade em questão. Afinal, qual é a
relevância de uma instituição que possui um instrumento exclusivo de pesquisa e análise,
mas evita ou até desacredita assuntos que podem desencadear uma crise de graves
proporções?
Além disso historicamente, recessões, bolhas e depressões eclodem em velocidade
acelerada, mas as causas estão, em sua maioria, corroendo o sistema por um considerável
período de tempo. Como até detectam alguns estudiosos e especialistas renomados (e
mesmo investidores) que professam opiniões dissonantes, o que não aconteceria se os
problemas fossem, inteiramente e de fato, uma surpresa.
A metáfora utilizada pelo Fundo é da floresta que não sofre incêndios em muitos
anos. Um ambiente de pequena volatilidade e pouca margem para propagação de danos
produziu uma considerável quantidade de empréstimos de alto risco, relaxados padrões
para concessão de crédito e altas dívidas de longo prazo. A completa – ou aparente – falta
de ideia do que se passava é devido a falta de transparência em vários setores financeiros,
principalmente, nos bancos. Um assunto inegavelmente relevante que não ganha maiores
explicações, apenas é citado após uma pergunta feita durante a coletiva de imprensa.
A maneira com que os problemas se espalharam é considerada a grande surpresa.
Neste caso, o fato de o mercado de crédito habitacional americano estar interligado a várias
12
outras áreas e, até mesmo a bancos em outros continentes. Nas palavras do próprio FMI,
expressas durante a coletiva de imprensa deste relatório:
A habilidade de choques que, inicialmente, acreditávamos serem apenas
problemas no mercado hipotecário de alto risco (subprime mortgages):
atingirem hipotecas de baixo risco e hipotecas jumbo9; se espalharem dos
Estados Unidos para a Europa; passarem de bancos ou intermediários
financeiros envolvidos em um particular tipo de empréstimo no setor
habitacional americano para o Northern Rock, um credor hipotecário do
Reino Unido que, até onde sabemos, não está envolvido de nenhuma
maneira na concessão de crédito nos EUA10
.
Entretanto, se as hipotecas feitas pela população americana estavam sendo
abertamente reempacotadas em ativos e negociadas no mercado financeiro, seria
ingenuidade acreditar que qualquer problema que atingisse um dos pontos da cadeia não
teria, no mínimo, potencial para se propagar ao longo da cadeia ao longo do mercado.
Curiosamente, um dos capítulos analíticos – ao qual o Fundo procura dar o maior
destaque possível durante as coletivas de imprensa – examina os últimos anos de
crescimento sob uma perspectiva histórica. O ano de 2007 faria parte de um período mais
forte do que em outros ciclos, a prosperidade estaria mais bem distribuída e a volatilidade,
na maioria das regiões, teria entrado em declínio. “O aumento da estabilidade e
durabilidade das expansões refletem, em grande parte, fontes que serão, provavelmente,
persistentes”11
. Grande parte do sucesso é creditada às melhorias na condução de políticas
monetárias e fiscais, que se tornaram mais confiáveis e a sorte responsável pelo restante.
Este seria o momento de se preparar para crises, já que o pior erro é esperar muito tempo
para se tomar alguma atitude.
Paradoxalmente, as análises do cenário econômico e projeções defendem a
continuação do forte ciclo de crescimento, nenhuma recessão estaria a caminho no curto
prazo. Alguns problemas no setor financeiro e no sistema econômico foram revelados, e a
9 Jumbo mortage é um tipo de hipoteca que disponibiliza um valor acima do limite de empréstimo
convencional. 10
Tradução da autora. “The ability of shocks that we thought were initially just problems in the subprime
mortgages to jump to high-quality mortgages, jumbo mortgages, the ability of shocks to jump from the
United States to Europe, and the ability of shocks to jump from banks or financial intermediaries that are
involved with a particular type of lending which was lending to the U.S. housing markets, that jumped to
Northern Rock which was a U.K mortgage lender, as far as we know not involved at all in U.S. lending.”
FMI. Transcript of a Press Briefing o n the World Economic Outlook's Global Forecast Chapters. Oct. 17,
2007. Disponível em: < http://www.imf.org/external/np/tr/2007/tr071017.htm>. Acesso em: 15 set. 2014. 11
Tradução da autora.“The increasing stability and the associated increase in the durability of expansions
largely reflect sources that are likely to prove persistent.”
FMI. World Economic Outlook: Globalization and Inequality. Oct. 2007, 275 p. Disponível em:
<http://www.imf.org/external/pubs/ft/weo/2007/02/pdf/text.pdf> Acesso em: 15 set. 2014.
13
meta seria estudar esses pontos de fraqueza e consertá-los. O discurso oficial é que ainda
haveria tempo para procurar soluções antes de qualquer grande choque - que, na realidade,
não aconteceria tão cedo.
O pior cenário seria que a prolongação dos problemas no mercado financeiro, com
uma possível diminuição dos preços de ativos e da confiança, poderia ter um sério impacto
na atividade econômica, maior do que o antecipado pelo Fundo. Mas, para construir a
projeção a equipe levou em consideração que a liquidez seria, gradualmente, restaurada e
que o mercado interbancos voltará às condições normais, mesmo que problemas no crédito
persistam. Contraditoriamente, a estimativa oficial de crescimento mundial é idêntica a de
abril de 2007 – 4,8%, no entanto, naquele mês o tom é completamente diferente.
O Panorama Mundial Econômico de abril de 2007 é todo dedicado a desacreditar
possíveis ameaças ao mercado financeiro e ao sistema econômico. Uma atitude que não é
feita de maneira evasiva. “Certamente, estamos em conflito com muitas manchetes de
jornais e comentários que focam nos problemas das hipotecas americanas, o potencial de
volatilidade na balança de fluxo de capitais e a preocupação com o aumento do
protecionismo”12
. A declaração de Simon Johnson, então economista-chefe, é contundente:
“Problemas no crédito subprime, falências, execuções de hipotecas, além da diminuição de
investimentos empresariais. A maioria das notícias não tem sido boa”13
.
Enunciados favoráveis à manutenção de crescimento econômico mundial saudável
e equilibrado são incessantemente repetidos, assim como a refutação da dimensão de
possíveis ameaças. Na época, os problemas no mercado hipotecário, antigos, mas que
rapidamente se deterioravam, vieram à tona e já ganhavam destaque no noticiário
econômico. O assunto da desaceleração americana e suas prováveis consequências para a
economia mundial estava em evidência. Um fato impossível de ser ignorado pelo Fundo
como demonstram as declarações mencionadas anteriormente.
A repetição de argumentos e o enfoque dado aos fatos foram utilizados pelo Fundo
para desacreditar os sinais de problemas na economia mundial. Esta atitude fica mais clara
12
Tradução da autora. “Certainly this is at odds with many recent newspaper headlines and commentary,
which have focused on problems related to U.S. mortgages, the potential for “disorderly” unwinding of
global imbalances, and worries about rising protectionist pressures.” FUNDO MONETÁRIO
INTERNACIONAL. World World Economic Outlook: Spillovers and Cycles in the Global Economy. April
11, 2007. Disponível em: <http://www.imf.org/external/pubs/ft/weo/2007/01/pdf/text.pdf>. Acesso em: 15
set. 2014. 13
Tradução da autora. “Problems in subprime mortgages, bankruptcies and foreclosures, and more recently
softening of business investment. Much of the news has not been good.”
FMI. Transcript of the World Economic Outlook Press Conference. April 11, 2007. Disponível em:
<https://www.imf.org/external/np/tr/2007/tr071017.htm>. Acesso em: 15 set. 2014.
14
durante as coletivas de imprensa. No quadro a seguir, selecionam-se algumas das
afirmações na defesa do crescimento econômico frente a um cenário de desconfiança:
“Os riscos para essa previsão otimista parecem menos ameaçadores.”14
“Se os Estados Unidos espirrar, o resto do mundo não pegará um resfriado?15
Está é a peça chave do panorama. Nossa visão é que os EUA podem ter de fato
espirrado, mas aparenta, até agora, ser um leve espirro e não é provável que se
espalhe.”
“Há pouco contágio [das hipotecas subprime] em outras categorias de empréstimo.”16
“Não acredito que o setor financeiro (a cauda) irá sacudir a economia real (o
cachorro).”17
“Em geral, as coisas parecem muito bem.”18
“Enquanto as pessoas continuem a enxergar retorno positivo dos investimentos,
acredito que podemos sustentar crescimento global em cerca de 5% por ano ainda por
algum tempo.”19
“Acreditamos que daqui para frente haverá um forte impulso de crescimento nos
EUA e no resto do mundo. A mensagem é: estamos vendo crescimento global
balanceado, muito mais equilibrado do que em outros momentos.”20
“A grande mensagem desta coletiva é que o setor financeiro é a cauda e o cachorro a
economia. Ou seja, a economia é o que realmente importa. Enquanto os países
executarem políticas macroeconômicas sensíveis e responsáveis – como, de modo
geral, estão – haverá alguns altos e baixos nos mercados financeiros e, sempre,
teremos preocupações com especuladores. Desde que os fundamentos econômicos
estejam sólidos, problemas no setor financeiro não serão de primeira ordem de
importância.”21
Quadro 1. Defesa do crescimento econômico, relatório de abril de 200722
14
Tradução da autora. “The risks to this favorable outlook also look less threatening”. 15
Tradução da autora. “If the U.S. sneezes won’t th rest of the world catch cold? This is the key risk to the
outlook. Our bottom line view is that while the U.S. may indeed have sneezed, it appears to be a mild sneeze
thus far, and not likely to spread”. 16
Tradução da autora. “There is little contagion to other lending categories”. 17
Tradução da autora. “I do not believe that the financial tail is about to wag the economic dog”. 18
Tradução da autora. “So, by large, yhings look very good”. 19
Tradução da autora. “So as long as people continue to see the prospects, the returns on investment as being
positive, I think we can sustain global growth around 5 percent per year for some time to come”. 20
Tradução. “We think that going forward there is going to be a strong momentum for growth in the U.S. and
in the rest of the world. The message is that we are seeing balanced global growth, much more balanced than
for a long time. 21
Tradução da autora. “The big message hopefully from this press conference, the financial sector is the tail,
and the dog is the economy. Meaning, it is the economy that really matters. As long as countries run sensible,
responsible macroeconomic policies around the world, as broadly speaking they are, then you will have some
ups and downs in financial markets, and always have some concerns about speculators. As long as
macroeconomic fundamentals are sound, issues in the financial sector are not going to be first-order
importance”. 22
FMI. Transcript of the World Economic Outlook Press Conference. April 11, 2007. Disponível em:
<https://www.imf.org/external/np/tr/2007/tr071017.htm>. Acesso em: 15 set. 2014.
15
Durante a coletiva são repetidos, como resposta para todas as perguntas que tratam
do assunto, os mesmos argumentos e informações, às vezes, sem que expressões ou
exemplos sejam alterados. Já a questão do enfoque dado pelo relatório fica evidente na
produção de um estudo do impacto da desaceleração econômica americana no sistema
econômico-financeiro mundial inserido no relatório na forma de um capítulo analítico.
A imprensa desejava mais informações sobre possíveis consequências em nível
global da desaceleração da economia americana e os problemas daí advindos. O Fundo
entrega, então, um estudo com grande carga apelativa ao noticiário econômico: “Se os
Estados Unidos espirram, o resto do mundo fica resfriado?”23
é a analogia usada para
explicar a questão. A resposta é que o impacto de uma desaceleração econômica americana
sobre a economia global não seria muito expressivo. Para atestar essa conclusão são
levantadas três causas principais.
A primeira causa seria que, historicamente, as desacelerações econômicas globais
são resultado de um conjunto de eventos adversos atingindo vários países,
simultaneamente; não o produto dos acontecimentos econômicos de um único país, expõe
o relatório. A segunda causa argumenta que naquele momento, de forma geral, os outros
países estariam saudáveis. “Eles também tomaram suas vitaminas e outras precauções,
então a chance de sérios resfriados em outros lugares é bem pequena” 24
. Contudo, o FMI
lembra que o aumento do volume de comércio e da integração financeira aumentava a
probabilidade da propagação da desaceleração de um país – ou de uma região – para outros
ao redor do globo.
Finalmente a terceira causa é que a crença que um efeito dominó planetário pode
ser manejável com respostas políticas imediatas, as quais são verdadeiras incógnitas. Não
são apresentadas, muito menos discutidas. O enfoque dado é feito sob medida para
desmerecer as dúvidas em relação ao futuro da economia global. O assunto não é a
interdependência da economia americana à mundial. Trata-se muito especificamente da
ligação entre desaceleração econômica nos Estados Unidos e queda no crescimento global,
23
Tradução da autora. “If the U.S sneezes, does the rest of the world catch a cold?” FMI. Transcript of the
World Economic Outlook Press Conference. April 11, 2007. Disponível em:
<https://www.imf.org/external/np/tr/2007/tr071017.htm>. Acesso em: 15 set. 2014. 24
Tradução da autora. “They also take their vitamins and take other sensible precautions, so the chance of
serious colds elsewhere is quite small”.
FMI. Transcript of the World Economic Outlook Press Conference. April 11, 2007. Disponível em:
<https://www.imf.org/external/np/tr/2007/tr071017.htm>. Acesso em: 15 set. 2014.
16
e até uma fórmula é apresentada: 1% de desaceleração da economia americana = - 0,16%
de crescimento.
O tratamento dado ao assunto demonstra que o Fundo evita levar totalmente a sério
qualquer um dos riscos às previsões, como acontece em outubro de 2007, além de, em
muitos momentos, desqualificá-los. O Fundo chega a citar três objeções às suas teses: a
perspectiva positiva não significava a diminuição de riscos financeiros; a inflação
continuava sendo uma preocupação; e as recentes turbulências seriam um lembrete que os
mercados financeiros podem mudar drasticamente em um curto período de tempo.
Também seria ingenuidade acreditar na coincidência que, diante de uma forte
desaceleração americana (em menor escala, mundial) e uma série de turbulências no
mercado financeiro, seja apresentado um estudo que, em síntese, pregue uma menor
ligação de oscilações americanas com o desempenho econômico mundial.
Essa atitude e as afirmações dadas na coletiva de imprensa dão margem a duas
interpretações principais: uso do argumento de autoridade para defender uma interpretação
procurando influenciar os atores do mercado; ou, houve um enorme erro de leitura e
análise dos dados e eventos que formariam a base para a crise do ano seguinte.
2.2.2. Panorama Econômico Mundial: a análise do cenário econômico de 2008
Quando 2008 enfim chega, a análise do Fundo Monetário Internacional sofre
considerável mudança. O pior cenário imaginado tornou-se uma realidade e o tom fica, ao
passar do ano, mais pessimista. Em outubro de 2007, a expectativa era de crescimento
mundial de 4,8%, em abril de 2008, 3,7% e 3,8%, para 2008 e 2009, respectivamente. Uma
diferença de um ponto percentual entre pareceres é muito significativa nos parâmetros do
Fundo. E considerando que 2007 obteve um crescimento mundial de 5,2% a queda no
ritmo é ainda mais relevante.
Diferente do relatório anterior, neste a situação econômica dos Estados Unidos é
descrita como “virtualmente paralisada”. A enérgica ação do governo não é suficiente
frente aos problemas no mercado de crédito e de emprego, alta de preços de energia, além
das questões do setor habitacional. A crise financeira, consequência da crise no mercado
hipotecário americano, neste momento, afeta a economia em nível global e é totalmente
responsabilizada pela queda do crescimento mundial.
17
Novamente, insiste-se no fator surpresa como explicação. “O choque financeiro que
eclodiu em agosto de 2007 se espalhou rapidamente e de forma imprevisível ao infligir
danos extensos nos mercados e instituições no coração do sistema financeiro”25
. Um dos
danos era a redução da liquidez no mercado interbancário, apesar das agressivas respostas
dos bancos centrais em vários países, o que afetava, por exemplo, a confiança no sistema.
As linhas de crédito, bancárias ou não, também foram atingidas, causando uma
diminuição na sua ampla oferta anterior. Neste caso, acredita-se que ainda não havia uma
completa crise nesse setor, mesmo com o aumento da disseminação de dívidas
corporativas, para citar apenas um exemplo.
Desde meados de 2007, a taxa de câmbio real do dólar americano sofreu uma queda
drástica. Os investimentos em títulos e ações americanas foram afetados pela falta de
confiança tanto na liquidez quanto no retorno desses ativos, além do enfraquecimento do
crescimento da economia americana e a redução das taxas de juros. Então, para completar
o mercado de câmbio foi impactado. O valor do dólar até diminui o total do déficit, mas
provocou a valorização do euro e de outras moedas ajudando no desequilíbrio econômico
mundial.
Diferentemente dos países desenvolvidos, os efeitos diretos nos mercados
emergentes foram menos acentuados do que em situações anteriores. A conclusão é que os
países em desenvolvimento ficaram menos dependentes do ciclo econômico dos mercados
avançados. As razões, de acordo com o FMI, seriam estruturas macroeconômicas mais
fortes, aumento do comércio regional, ganhos de produtividade e alta dos preços das
commodities.
Este último fator é considerado curioso pela análise do Fundo, já que com a
desaceleração da economia global, geralmente, os preços das commodities acompanham o
movimento. Uma das explicações seria que a economia global poderia não estar
desacelerando. “Talvez estejamos errados e outras pessoas também estejam erradas” 26
,
responde o então economista-chefe, Simon Johnson. Outro, é que as commodities
25
Tradução da autora. “The financial shock that erupted in August 2007 has spread quickly and
unpredictably to inflict extensive damage on markets and institutions at the core of the financial system.”
FMI. Transcript on the World Economic on the Spring 2008 World Economic Outlook. April 09, 2008.
Disponível em: < http://www.imf.org/external/np/tr/2008/tr080409.htm>. Acesso em: 15 set. 2014. 26
Tradução da autora. “Perhaps we’re wrong and perhaps other people are wrong.”
FMI. Transcript on the World Economic Outlook Analytic Chapters. April 03, 2008. Disponível em:
<http://www.imf.org/external/np/tr/2008/tr080403.htm>. Acesso em: 15 set. 2014.
18
passaram, neste cenário financeiro, a ser uma alternativa de investimento. Mas o Fundo
reconhece não saber qual dessas causas conflitantes estaria correta.
Entretanto, em outros assuntos o FMI não pronuncia sequer um “não sabe” como
resposta. Em todas as perguntas, em ambas coletivas, relativas a uma eventual recessão os
jornalistas não ganharam uma resposta. A própria palavra “recessão” é evitada de qualquer
maneira. No máximo se obtém a declaração que os Estados Unidos passavam por uma
“leve contração” com uma lenta recuperação.
No que diz respeito à ação governamental na economia, contudo, não faltam
orientações diretas. Um verdadeiro manual com os passos que os governantes devem tomar
para enfrentar e reduzir as consequências da crise financeira, caracterizado como “linhas
de defesa”, é disponibilizado e discutido com os jornalistas. Neste assunto, não há
diferenças entre emergentes e avançados, nem entre democracias e ditaduras.
O principal foco seria, rapidamente, se detectar perdas e reconstruir o capital
financeiro, com o auxílio de três linhas de defesa. A primeira linha de defesa seria por
meio das políticas macroeconômicas, especificamente, com a diminuição de taxas básicas
de juros. Já a segunda seria através da política fiscal, com a utilização de estímulos fiscais.
E, finalmente, a terceira linha de defesa seria a intervenção direta do governo com o uso de
recursos públicos.
O uso de dinheiro dos cofres públicos para atender o setor financeiro com
problemas – já um padrão do sistema – não foi questionado na coletiva. Entretanto, a
dimensão do emprego desse capital suscita várias dúvidas. A resposta padrão coloca a
responsabilidade na prática do equilíbrio e que cada caso deva ser analisado
separadamente. Mas defende-se que, em várias situações, as escolhas são difíceis e é
preciso fazer decisões rápidas. Logo, não existe a possibilidade de uma operação de resgate
perfeita.
Reconhece-se que os problemas originaram-se no setor financeiro e, portanto,
deveriam ser enfrentados nesse âmbito. Mas que isso levará tempo, daí a necessidade de se
agir por meio de políticas governamentais. “Por esse motivo, dinheiro público também está
sendo usado em certa extensão neste contexto”27
, defende o então economista-chefe do
FMI. A mensagem é bem clara: “O governo precisa continuar com fortes esforços para
27
Tradução da autora. “That is why public money is also being used to some extent in this context.”
FMI. Transcript on the World Economic on the Spring 2008 World Economic Outlook. April 09, 2008.
Disponível em: < http://www.imf.org/external/np/tr/2008/tr080409.htm>. Acesso em: 15 set. 2014.
19
lidar com a turbulência nos mercados financeiros e evitar uma crise em grandes proporções
de confiança e crédito”28
.
A intervenção governamental no sistema financeiro debilitado por uma crise deve
ser imediata, inquestionável e de maneira integral, seja por meio de incentivos, adaptação
de políticas e transferência direta de capital público. Fica claro que quando lhe convém o
“Estado mínimo”, a principal bandeira do neoliberalismo, é completamente ignorada.
Além disso, as principais reformas, em longo prazo, sugeridas pelo Fundo, que envolvem
diretamente ações do governo e regulações nos mercados, estão na realidade fora da
equação.
Neste relatório de abril de 2008 o Fundo expressava a expectativa de uma
recuperação ao longo de 2009, mesmo que o crescimento nesses dois anos permanecesse
inalterado – 3,7% e 3,8%, respectivamente. Os países em desenvolvimento, diferente dos
desenvolvidos, manteriam o ritmo com um crescimento considerável também em 2009. A
equipe do FMI acreditava que as chances da economia mundial cair para 3% ou menos – o
equivalente a uma recessão global – eram de 25%. Tal posicionamento demonstra que,
independente do cenário mais pessimista apresentado pelo relatório, a possibilidade de uma
recessão a nível global não é realmente considerada pelo Fundo Monetário Internacional
neste momento.
Seis meses após esse pequeno sopro de otimismo, a realidade econômica mundial
consegue superar o pior cenário imaginado. “Deixe-me começar com que se tornou óbvio
nestas últimas semanas: a economia mundial está enfrentando uma crise de grandes
proporções.”29
Dessa forma Oliver Blanchard, o novo economista-chefe, inicia a coletiva
de imprensa em oito de outubro de 2008. Menos de um mês atrás, o banco de investimento
Lehman Brothers entrava com um pedido de concordata e marcava o início simbólico de
uma crise que provou ser a maior em nível global desde a Grande Depressão de 1929.
Os mercados financeiros viraram oficialmente o assunto da vez no mundo das
notícias – muito além dos veículos especializados em jornalismo econômico. A crise das
hipotecas subprime, exposta em 2007, foi o embrião desta crise de crédito que arrastou
28
Tradução da autora. “Policymakers need to continue strong efforts to deal with financial market turmoil in
order to avoid a full-blown crisis of confidence or a credit crunch.”
FMI. World Economic Outlook: Housing and the Business Cycle. April 09, 2008. Disponível em:
<http://www.imf.org/external/pubs/ft/weo/2008/01/pdf/text.pdf>. Acesso em: 15 set. 2014. 29
Tradução da autora. “Let me start by stating what has become obvious in the past few weeks: The world
economy is facing a major downturn”.
FMI. Transcript of a Press Conference on the World Economic Outlook. Oct. 08, 2008. Disponível em:
<http://www.imf.org/external/np/tr/2008/tr081008.htm>. Acesso em: 15 set. 2014.
20
instituições financeiras dos Estados Unidos e Europa, e levou o sistema financeiro e
econômico global a um verdadeiro colapso.
Avaliar o estudo e a evolução da economia mundial é considerado pelo Fundo,
nesse momento, um exercício muito difícil. A projeção mais otimista mostrava um
crescimento global de 3% em 2009. O número, de acordo com o FMI, não parecia ser tão
ruim, mas escondia a grande contradição entre países desenvolvidos e emergentes. Para o
primeiro grupo, a projeção seria próxima a zero ou até negativa. O segundo grupo era o
que impulsionava o número positivo para a economia mundial, mesmo que, na realidade,
essa estivesse desacelerando em alta velocidade.
Sobre o desenvolvimento econômico global ter um baixo desempenho após anos de
forte crescimento, paradoxalmente, o FMI divide igualitariamente em vários momentos, a
responsabilidade entre o choque financeiro e os altos preços de energia e commodities.
De acordo com a análise, nos países desenvolvidos, a crise era alimentada pela
perda de confiança no setor financeiro em conjunto com os limites na oferta de crédito. Já
os emergentes também seriam afetados e, como consequência, sofreriam uma significativa
desaceleração, mas não o suficiente para fazer com que suas taxas de crescimento
deixassem de ser fortes. Logo, continua-se afirmando que essas economias não sofreriam o
tipo de impacto que aconteceram em outros ciclos.
A suposição responsável pela previsão gerada pelo Fundo era que ações tomadas
pelos governantes nos Estados Unidos e na Europa teriam sucesso em estabilizar as
condições financeiras e evitar maiores consequências. Neste momento, essas medidas já
incluíam uma massiva injeção de capital no mercado, intervenção direta para reerguer
instituições problemáticas e extensão de garantias. Os EUA chegaram a aprovar uma
legislação que permitia o uso de dinheiro público para salvar bancos pela compra de papéis
podres: o Troubled Asset Relief Program (Programa de Auxílio a Ativos Problemáticos -
TARP)
O cenário não sofria nenhuma mudança positiva, apenas se deteriorava, e a
justificativa apresentada pelo FMI era que “em qualquer plano realístico a retomada da
confiança levará tempo”30
, ainda que continuasse confiante na recuperação econômica em
30
Tradução da autora. “Under any realistic plan, the reestablishment of trust will take time”.
FMI. Transcript of a Press Conference on the World Economic Outlook. Oct. 08, 2008. Disponível em:
<http://www.imf.org/external/np/tr/2008/tr081008.htm>. Acesso em: 15 set. 2014.
21
curto prazo como foi defendido pelo economista-chefe, Oliver Blanchard: “Nós podemos
enfrentar a tempestade e esperar a recuperação começar no decorrer de 2009”31
.
Outro argumento contraditório e amplamente repetido era que, enquanto o relatório
era produzido, a situação permanecia cercada de incertezas. Embora durante a coletiva de
imprensa, por exemplo, a projeção oficial do Fundo seja insistentemente defendida.
Até assume-se, brevemente, que as coisas poderiam ficar piores do que as projeções
supunham, mas o motivo estaria nas ações tomadas pelos governos. “Se os países não
implantarem, logo, respostas sistêmicas coerentes à crise financeira, o impacto na produção
poderá ser muito maior do que o previsto”32
, acrescenta Blanchard na coletiva de imprensa.
Já não se podia esperar que a adoção de medidas pudesse evitar a desaceleração
econômica, mas esse fato não tirava a responsabilidade dessas ações em impedir o risco de
resultados negativos ainda maiores. Novamente o Fundo fornece um manual com o passo a
passo da atitude esperada (leia-se: literalmente cobrada) dos países frente aos desafios do
momento. Ao invés de caracterizá-los como linha de defesa, dessa vez a dividiu em ações
no setor financeiro e no macroeconômico.
No lado financeiro a ideia é desenhar um programa “compreensivo” formado
basicamente por três partes. Injetar dinheiro no mercado para aumentar a liquidez, comprar
ativos “problemáticos” e recapitalizar com fundos públicos. Esses três fatores deveriam
estar sincronizados porque, segundo o FMI, abordagens fragmentadas mostraram-se
ineficazes para amenizar a crise financeira. Além de deixarem muitas pontas soltas em
aberto, o que não inspiraria confiança. O uso de políticas monetárias e fiscais agiria no
lado macroeconômico com o objetivo de sustentar o crescimento e quebrar a influência
negativa entre setor o financeiro e a economia real.
Se no relatório anterior é mencionada a necessidade de uso do equilíbrio, neste o
uso do dinheiro público é recomendado sem restrição. “Países devem estar preparados para
31
Tradução da autora. “We can ride out the storm and expect the recovery to start in the course of 2009.”
FMI. Transcript of a Press Conference on the World Economic Outlook. Oct. 08, 2008. Disponível em:
<http://www.imf.org/external/np/tr/2008/tr081008.htm>. Acesso em: 15 set. 2014. 32
Tradução da autora. “If countries do not implement coherent systemic responses to the financial crisis
soon, the hit to output could be much larger than under our baseline.” FMI. Transcript of a Press Conference
on the World Economic Outlook. Oct. 08, 2008. Disponível em:
<http://www.imf.org/external/np/tr/2008/tr081008.htm>. Acesso em: 15 set. 2014.
22
usar fundos públicos, necessários no suporte da estabilização do sistema financeiro”33
avisa
o economista-chefe do Fundo.
Para o FMI, essas medidas em conjunto seriam suficientes para limitar o efeito da
crise financeira na economia real. Essa confiança viria da experiência em outras ocasiões
que provariam o resultado dessa abordagem. Para tal, elas deveriam ser colocadas em
prática o mais rápido e agressivamente possível.
Após mais de um ano do estouro da bolha hipotecária estadunidense, o efeito bola
de neve – e dominó – já estava muito claro, até se considerarmos as descrições do próprio
Fundo. Entretanto, o discurso oficial, novamente, caracteriza esse cenário com a mesma
expressão: crise financeira - com algumas variações: choque financeiro, crise de grandes
proporções, tempestade. Diante dos jornalistas, de toda e qualquer maneira, as palavras
“recessão” ou “depressão” são evitadas.
Ao ser confrontado, durante a coletiva de imprensa, com a hipótese de que
vivenciávamos de fato uma recessão, Olivier Blanchard responde: “Nossa posição é que
não seja útil usar a palavra ‘recessão’ quando o mundo está crescendo em 3%. Eu acredito
que ‘desaceleração global ainda com crescimento positivo’ seja uma descrição melhor do
que estamos passando”34
. Mais adiante, questionado se em uma escala de 0 a 10 onde
estaria o risco de uma nova depressão global, afirma que esta seria praticamente nula. Mas
que dependia-se da adoção das políticas “certas”.
O argumento desta vez era que parte da turbulência, deste momento, viria do tempo
gasto em “improvisações” feitas pelos governos no que diz respeito ao enfrentamento da
situação. De acordo com Blanchard, a urgência dos mercados, finalmente, mostrava com
clareza a necessidade de as autoridades, por fim, adotarem planos “coerentes” para o futuro
próximo.
A interrogação, em abril de 2008, sobre o uso de recursos públicos limitava-se a sua
dimensão. Em outubro, a pergunta passa a ser o custo dessa estratégia para os
contribuintes. A relevância dessa questão é inegável e esse tema fecha a coletiva de
imprensa, sendo retomado pelo economista-chefe que acredita serem necessárias maiores
33
Tradução da autora. “Countries should be ready to use public funds needed to support the stabilization of
the financial system.” FMI. Transcript of a Press Conference on the World Economic Outlook. Oct. 08, 2008.
Disponível em: <http://www.imf.org/external/np/tr/2008/tr081008.htm>. Acesso em: 15 set. 2014. 34
Tradução da autora. “Our position is that is not useful to use the word ‘recession’ when the world is
growing at 3 percent. I think the words, ‘global downturn with still positive growth’, are a better description
of what we are facing”. FMI. Transcript of a Press Conference on the World Economic Outlook. Oct. 08,
2008. Disponível em: <http://www.imf.org/external/np/tr/2008/tr081008.htm>. Acesso em: 15 set. 2014.
23
explicações. O argumento era o de que as medidas necessárias realmente demandavam um
alto desembolso inicial, mas poderiam ter um custo relativamente pequeno ou até mesmo
nulo ao longo do tempo.
Cada um dos passos para o auxílio do setor financeiro ganha justificativa
personalizada. Primeiro: enquanto a liquidez for fornecida com uma boa garantia, não
pesará nos contribuintes. Segundo: a compra de ativos – se adquiridos com valor abaixo de
mercado e mantidos por um longo tempo – pode, na verdade, produzir lucro, embora a
quantidade seja limitada. Terceiro: na recapitalização o governo pode, em contrapartida,
receber ações cujos benefícios futuros pagariam o gasto por si mesmo. Seguindo a linha de
raciocínio do FMI, este não seria um programa para aumentar a dívida dos governos, já
que haveria esperança suficiente no reembolso dos custos.
2.2.3. Panorama Econômico Mundial: a análise do cenário econômico de 2009
Em 2009 os valores das estimativas perdem espaço e o principal tema dos relatórios
são as medidas que devem ser feitas pelos governos (não são apresentadas nem mais
justificativas), quebrado apenas pela já estabelecida demanda pela análise específica do
país de origem dos jornalistas. Já em abril não são feitas mais explicações das posições
tomadas pelo Fundo; as afirmações são diretas: “o principal papel está – e continuará, por
algum tempo – nas mãos de políticas macroeconômicas (monetárias e fiscais)”35
.
A conclusão da fala de Olivier Blanchard sintetiza a atitude do Fundo: “Este não é
tempo para complacência e a necessidade para fortes políticas no macro e no financeiro é
maior que nunca. Mas com a realização dessas medidas, há luz no final deste longo
túnel”36
.
Se ao longo dos últimos relatórios a intervenção governamental na economia é a
única solução dada pelo FMI, no Panorama Econômico Mundial de outubro não é
35
Tradução da autora. “The major role is being played and will have to be played for some time by
macroeconomic policies, both monetary and fiscal”.
FMI. Transcript of a Press Conference on the International Monetary Fund’s World Economic Outlook. April
22, 2009. Disponível em: <http://www.imf.org/external/np/tr/2009/tr042209.htm>. Acesso em: 15 set. 2014. 36
Tradução da autora. “This is not time for complacency, and the need for strong policies on both macro and
especially on the financial fronts is acute as ever. But with such policies in place, there is light at the end of
this long tunnel.” FMI. Transcript of a Press Conference on the International Monetary Fund’s World
Economic Outlook. April 22, 2009. Disponível em: <http://www.imf.org/external/np/tr/2009/tr042209.htm>.
Acesso em: 15 set. 2014.
24
diferente. No entanto, nesta análise, a cartilha neoliberal é lembrada e o próximo passo dos
governos é parar de agir diretamente.
A recuperação está baseada, principalmente, no aumento do gasto público o que
não é uma boa notícia de acordo com o FMI, afinal para a instituição esta atitude não pode
seguir para sempre. No entanto, ao mesmo tempo em que revela esta preocupação, o
próprio Fundo incentiva que as medidas implantadas sejam mantidas no presente. O que
não deixa de ser um movimento contraditório, como manter essas medidas se elas trarão
problemas no futuro próximo.
Neste relatório, o FMI também comemorava o mandato dado a ela pelo G-20 para
avaliar se políticas nacionais estavam coerentes com o compromisso de proporcionar
crescimento mundial sustentável e balanceado. Algo que provoca surpresa, afinal essa já
era uma das atribuições da instituição, que realiza periodicamente relatórios e pareceres
que abordam a situação atual dos países no mundo.
Com a vantagem da perspectiva histórica, podemos afirmar que o ano de 2008 foi o
início de uma recessão econômica, mas com consequências que duram até o presente
momento e ainda não são completamente entendidas. Entretanto, entre economistas, o
consenso é que três trimestres seguidos de resultados negativos caracterizam uma recessão.
Algo que já se tinha noção, pelo menos em outubro de 2009, e mesmo assim, a palavra
“recessão” continua não sendo citada.
As análises do Fundo em 2007 podem ser resumidas pela tentativa de desacreditar o
impacto e dimensão do colapso das hipotecas subprime americanas. Em 2008, os
problemas enfrentados pela economia são citados, para, imediatamente, terem sua
relevância diminuída. A atitude no ano de 2009, em que as consequências de 2008 já
estavam claras, é de nem ao menos se admitir o que aconteceu, o foco é total no papel dos
Estados na economia com a esperança que no ano seguinte haveria uma mudança de ciclo
(uma expectativa cujo prazo de execução só vinha sendo adiada).
Apesar do óbvio erro nas projeções do FMI, o que chama mais atenção é como as
análises são o reflexo do pensamento neoliberal da instituição, um fato que não chega a ser
surpresa. Entretanto, apenas nesse recorte temporal, o conjunto de argumentos observados,
a maneira com que a equipe os molda e adapta a qualquer situação, as estratégias utilizadas
para reforçá-los – e desacreditar outras possibilidades de previsões – permitem a tomada de
consciência da dimensão dessa atitude, algo que não pode ser menosprezado.
25
Após a análise de todas as atitudes realizadas pelo FMI, mencionadas
anteriormente, ao longo destes três anos podemos realizar uma comparação com o estudo
de Philippe Breton no livro “A manipulação da palavra”. O autor considerava que no ato
da manipulação, a mensagem é concebida para fazer crer o que não é (BRETON, 1999) e
descreveu uma série de técnicas que acreditava serem necessárias para chegar a esse
resultado lista. Entre as quais podemos apontar as que caracterizam as atitudes do Fundo,
principalmente em suas coletivas:
Manipular pela clareza: “A clareza seduz. Ela cria a ilusão, justamente, de adaptar-
se ao público, que não precisa fazer nenhum esforço para aceitar o que lhe é
proposto” (Ibidem: 67);
O recurso à autoridade: “Ele permite fechar a questão sem discutir, com o intuito de
fazer aceitar uma opinião ou provocar um comportamento” (Ibidem: 71);
A repetição: “a partir desse mecanismo, cria inteiramente de forma artificial um
sentimento de evidência” (Ibidem: 75);
Não há qualquer dúvida de que, apesar do discurso de clareza e cientificismo, o
Fundo Monetário Internacional utiliza a suposta clareza, sua autoproclamada autoridade e a
incessante repetição de argumentos com o intuito de manipular sua audiência. Ao
consideramos que seu público é formado por jornalistas do mundo inteiro, a questão da
propagação de suas ideias e opinões ganha grande proporções. Afinal, estes são
profissionais que alimentam o noticiário de todo o mundo.
2.2.4. Relação do FMI e seu Panorama com a Mídia
A assessoria de imprensa do Fundo é bem estruturada e há toda uma preparação no
contato direto da instituição com os jornalistas. No caso do Panorama Econômico Mundial
há quase um ritual. Ele é liberado para a imprensa em duas partes. Primeiro, os capítulos
com os estudos analíticos e, posteriormente, aqueles que trazem uma análise do cenário
econômico e as estimativas para o desenvolvimento macroeconômico global. O último
contém os famosos números que alimentam as manchetes de jornais e noticiários no
mundo todo.
Cada lançamento é acompanhado por sua própria coletiva de imprensa e ambas
contam com transmissão ao vivo pela internet. Elas são mediadas pelo chefe da assessoria
de imprensa e possuem uma estrutura inalterada ao longo dos anos: faz-se a leitura de um
26
comentário inicial do economista-chefe, seguida das perguntas dos jornalistas – inclusive,
os que não estão presentes no local, com questões enviadas pela internet. Dúvidas e
comentários feitos durante as coletivas ganham algum tipo de réplica, mesmo que não seja
a mais satisfatória – evasões e respostas genéricas são mais que comuns.
Alterações na maneira com que as coletivas de imprensa são conduzidas são
restritas as diferenças de personalidade dos economistas-chefes. Eles são responsáveis pelo
comentário inicial e a maior autoridade presente nas coletivas. Durante o período
analisado, ocuparam o cargo Simon Johnson e Olivier Blanchard. O primeiro dá respostas
longas e, consequentemente, atende menos pessoas. O segundo caracteriza-se por réplicas
curtas e diretas, além de responder apenas aos assuntos gerais – delega aos outros membros
da instituição presentes na mesa dúvidas relativas aos países e aos capítulos analíticos.
De maneira geral, o relacionamento com a mídia tem um espaço relevante dentro
das ações e objetivos do Fundo, como fica claro nas afirmações do então economista-chefe
do FMI, Simon Johnson, em sua primeira coletiva de imprensa no cargo, em abril de 2007.
A importância da divulgação das conclusões do relatório para o público toma parte de sua
declaração pré-redigida. “Iremos trabalhar duro para comunicar nossas descobertas à uma
ampla audiência. Acredito que se uma ideia não pode ser comunicada, de maneira
persuasiva, para uma audiência não especializada, essa ideia precisa ser mais bem
trabalhada.” E completa, “tudo que fazemos aqui é ou deve ser de interesse para vocês e
para seus leitores ou espectadores”.37
O FMI tem uma visão própria sobre o nível de compreensão e a forma como as
pessoas reagem à economia global. Eles dividem a população em três categorias: aqueles
que consideram esse um conceito abstrato e não entendem a sua influência no cotidiano;
outros que sabem, ou entendem, que, em algum nível, suas vidas são impactadas pelos seus
desdobramentos; e, por último, os que têm medo da economia globalizada e das mudanças
trazidas pela globalização.
A mídia é considerada a principal, senão única, intermediadora entre o Fundo e a
população. Johnson afirma que grande parte do trabalho do FMI é tentar explicar,
cuidadosamente, o que move a economia global e como isto impacta as pessoas que leem
jornais, assistem aos noticiários e ouvem programas de rádio.
37
Tradução da autora. “We will work hard to communicate our findings to a broad audience. I strongly
believe that if idea cannot be communicated persuasively to a non-technical audience, then that idea needs
more work. I think that everything we do here is or should be of interest to you and your readers or viewers.”
FMI. Transcript of a Press Briefing on the Analytic Chapters of the World Economic Outlook. April 5, 2007.
Disponível em: <http://www.imf.org/external/np/tr/2007/tr070404.htm>. Acesso em: 15 set. 2014.
27
O pensamento do Fundo é que o relacionamento com a população só pode
acontecer de maneira indireta e a responsabilidade pela forma com que a divulgação das
informações é exclusiva da mídia. A fragmentação do Panorama Econômico Mundial não
deixa de ser uma maneira de multiplicar ao máximo um possível destaque midiático das
visões defendidas pela instituição.
Por mais que não assuma publicamente a contínua perda de influência no cenário
político-econômico e a falta de interesse dos cidadãos comuns, o constante tom é de
agradecimento à presença dos jornalistas nas coletivas. O incentivo ao envio de mais
perguntas é permanente. Clipes de vídeos de entrevistas com autores de capítulos –
potenciais matérias-primas para noticiários de televisão – são disponibilizados logo após o
término das coletivas. Além de se fazer propaganda da realização de outras coletivas,
sejam elas de outras publicações ou de pronunciamentos do diretor-gerente em eventos.
Oficialmente, a justificativa para que o estímulo ao envio de perguntas é a falta de
tempo para atender a todos nas coletivas. Ao responder a todas as dúvidas, o conteúdo do
que está sendo divulgado estaria claro e completamente compreendido e, dessa maneira,
seria transmitido também de maneira clara e objetiva. Entretanto, a quantidade
considerável de coletivas que acabam, justamente, porque não há mais perguntas da
audiência e nem daqueles que acompanham pela internet, acaba com essa tese.
Em outra vertente do relacionamento com a mídia, o diretor-gerente, como
principal representante do FMI, possui um papel de destaque. Ele pode não ser
oficialmente o porta-voz da instituição, mas suas declarações são sinônimas às do Fundo.
Ao personificar as ações da instituição em seu principal dirigente, tanto o Fundo como a
imprensa humanizam os argumentos e dados divulgados, lhes dá voz e emoção. Entretanto,
este papel não é exclusivo do diretor. Em menor escala, as falas de outros membros são
usadas como fonte de declarações que ilustram as notícias.
As atitudes do Fundo permitem a interpretação de que há uma constante tentativa
de se chamar a atenção da mídia para as visões e opiniões defendidas e, principalmente,
para a própria instituição. Como se o espaço dado ao FMI na imprensa validasse seu
discurso e legitimasse sua relevância, mesmo que os próprios profissionais de mídia por
vezes questionem sua precisão.
Uma delas, feita por um jornalista do Wall Street Journal, é direta e pergunta qual é
a frequência dos acertos das projeções do Fundo e se eles avaliam a própria precisão. Após
riso dos presentes, o chefe da assessoria de imprensa – e não o economista-chefe – explica
28
que a cada cinco anos um acadêmico especialista em projeções dá seu parecer no
desempenho do Panorama Econômico Mundial.
Apesar de o FMI não pretender ser perfeito em comparação a cada número real,
cita-se o último parecer, na época, realizado pelo professor Allan Timmermann, para
reiterar suas análises. “A revisão de Timmermann sugeriu que, certamente, estamos em
linha com a precisão de outras previsões privadas. Algo que consideramos positivo”38
argumenta-se.
O economista-chefe acrescenta que o Fundo disponibiliza, nos Panoramas, gráficos
com as prováveis margens de erro das projeções. Ele defende que o Fundo é honesto em
relação a erros do passado, mas “quais serão nossos erros nas projeções no futuro, não
podemos prever”39
.
38
Tradução da autora. “The review of Prof. Timmernann did suggest that were certainly in line with the
accuracy of the private consensus forecasts, which we take to be a good sign.”
FMI. Transcript of the World Economic Outlook Press Conference. April 11, 2007. Disponível em:
<https://www.imf.org/external/np/tr/2007/tr071017.htm>. Acesso em: 15 set. 2014. 39
Tradução da autora. “What our forecast errors are in the future, I can’t forecast”. FMI. Transcript of the
World Economic Outlook Press Conference. April 11, 2007. Disponível em:
<https://www.imf.org/external/np/tr/2007/tr071017.htm>. Acesso em: 15 set. 2014.
29
3. COBERTURA DAS PROJEÇÕES ECONÔMICAS NA FOLHA
Não há notícias chatas.
Há matérias chatas,
feitas por repórteres
e editores chatos,
para publicações chatas.
(BASILE, 2011, p.7)
A maneira com que organizamos os aspectos de nosso dia é produto das escolhas,
erros e acertos das experiências vividas e transmitidas pelas pessoas que nos antecederam.
Ter algum tipo de conhecimento sobre como agir diante das incertezas da vida fez a
diferença para a sobrevivência da espécie. Os séculos passaram, mas a importância do
conhecimento e, principalmente, da sua transmissão manteve-se determinante.
A realidade é que não temos noção dos muitos fatores que de alguma maneira
influenciam nossa vida, mesmo nesta sociedade marcada pelos avanços tecnológicos e
científicos em que um toque aproxima distâncias. Como explica Sidnei Basile (2011), o
mundo se apresenta como um caleidoscópio de fragmentos incompreensíveis.
Neste contexto, conhecimento é poder. Já que, diante das incertezas, o saber é uma
das poucas ferramentas disponíveis ao homem. “O valor intrínseco da informação é o de
conferir significado a esse quebra-cabeça gigantesco e misterioso.” (BASILE, 2011: 4) Daí
a importância da comunicação e, consequentemente, do jornalismo para a sociedade.
Uma função que, paradoxalmente, não diminuiu ou ficou mais fácil, como o senso
comum costuma argumentar, já que um dos aspectos deste mundo globalizado é a incrível
quantidade de eventos acontecendo e sendo documentados, simultaneamente. No caso da
economia, que é um processo complexo muito suscetível a mais variada gama de fatores,
isso ganha grandes proporções.
Tanto que parte da energia de empresários, capitalistas, investidores e governantes,
como afirma Kucinski (2000), é gasta no esforço de prever o futuro do cenário econômico.
Os prognósticos são valiosos para aplicadores no mercado de capitais,
indispensáveis na formação das expectativas dos empresários,
determinantes na toma de decisões de investimento. As mais modernas
teorias econômicas valorizam esse processo de tomada de decisões a
partir de expectativas racionais dos agentes econômicos. (KUCINSKI,
2000: 111)
30
Entretanto, como ter alguma consciência como esses acontecimentos distantes da
realidade cotidiana da maioria das pessoas poderão e irão impactar seu futuro?
A resposta está no jornalismo econômico bem executado, defende Basile (2011):
“Ajuda um pouco a retirar esse caráter enigmático do cotidiano, ajuda a explicar um pouco
melhor quais são os grandes movimentos que acabam interferindo sobre nossa vida diária.”
Para Kucincski (2000) a disseminação de dados que ajudem a prever o andamento
da economia é descrita como uma tarefa obrigatória do jornalismo econômico. “A
democratização desse tipo de informação democratiza a própria economia e contribui para
sua maior eficiência.” (KUCINSKI, 2000: 111) No entanto, o próprio autor ressalva que
essa é uma atividade que se deve fazer criteriosamente ao interpretar as estatísticas,
evitando provocar pânico nos mercados financeiros.
O objetivo final deste capítulo é a descrição e análise da cobertura jornalística
realizada pela Folha de São Paulo das projeções do Fundo Monetário Internacional
divulgadas por meio do relatório Panorama Econômico Mundial. Entretanto, para tal é
necessário maior conhecimento a respeito dos elementos que caracterizam o jornalismo
econômico no país, como sua história, especificidades, linguagem e mentalidade. Além das
divergências entre os próprios economistas sobre a relevância das previsões no cenário
econômico e da análise do posicionamento e estratégias da instituição feitas no capítulo
anterior.
3.1. Elementos do jornalismo econômico brasileiro
Suely Caldas (2003) afirma que não há registro de jornal sem notícias sobre fatos
econômicos. O jornalismo econômico, portanto, seria tão antigo quanto a imprensa. A
política sempre foi o principal assunto no jornalismo brasileiro, mas na virada do século
XIX para o século XX, já há um noticiário econômico nos jornais, “ainda que bastante
tímido e já muito especializado” (PULIPI, 2013: 42) composto por colunas fixas e diárias.
O consenso é que o jornalismo econômico desenvolveu-se de fato a partir do golpe
militar de 1964. A cobertura política perde espaço graças às pressões – e perseguições –
dos militares, principalmente, com o Ato Institucional nº5, de 13 de dezembro de 1968, no
qual a censura prévia é oficialmente instaurada. Simultaneamente, inicia-se um ciclo de
crescimento econômico, conhecido como o “milagre econômico”.
Baixa inflação, grandes obras de infraestrutura, programa de substituição de
importações, empresas estatais em exponencial crescimento marcaram esse período de
31
grande endividamento do setor público. Os assuntos econômicos na imprensa eram
incentivados pelo regime. “A máquina oficial bombardeava os jornais com notícias
positivas sobre o crescimento da economia, dos investimentos e da Bolsa de Valores”
(PULIPI, 2013: 44). A cobertura econômica raramente sofria repressão em comparação
com outras áreas dos jornais e ocupou muito do espaço que, anteriormente, seria ocupado
pela política.
Neste período, os ministros da Fazenda tinham amplos poderes e eram os principais
porta-vozes do governo, credita-se a eles uma das principais características do jornalismo
econômico brasileiro, presente até hoje, como conta Basile (2011):
Os líderes dessa arrancada desenvolvimentista, administradores de
elevada competência técnica, mas pouco dispostos a discutir as condições
sob as quais esse desenvolvimento está sendo obtido, se expressam em
uma estranha língua, parecida com o português, mas ininteligível para a
população. É o ‘economês’. (BASILE, 2011: 84)
Outra característica é resultado do maior espaço da editoria e, consequente,
ampliação das equipes de economia. “O trabalho de apuração das informações passou a ser
segmentado por setores econômicos específicos. E assim nasceu a especialização.”
(CALDAS, 2003: 8). A autora argumenta que dessa maneira os jornalistas passaram a
conhecer melhor as especificidades dos diversos setores econômicos, ficando mais
preparados e qualificados.
O “milagre econômico” não sobrevive por muito tempo, seu desgaste agrava-se
com o primeiro choque do petróleo, de 1974, os níveis de crescimento caem
vertiginosamente, enquanto a inflação aumenta e a balança comercial tem grandes déficits.
Consequentemente, a economia passa a ser o núcleo temático do noticiário jornalístico.
Nesse contexto, floresce o jornalismo de serviços voltado aos problemas
econômicos e financeiros de seus eleitores de classe média, ao mesmo tempo didático e
voltado a uma cidadania econômica (KUCINSKI, 2000). Basile (2011) acredita que o
longo processo de estabilização da moeda a imprensa econômica foi se especializado ainda
mais.
Isso era necessário para que o público entendesse a complexidade das
questões envolvidas nas tentativas de proceder à estabilização da moeda;
entender como e por que o Brasil tinha quebrado, nos idos de 1981; quais
as novas condições da retomada do crescimento e, sobretudo, por que
éramos uma Nação tão injustamente dividida entre ricos e ricos.
(BASILE, 2011: 89)
32
O mercado financeiro cresce e fica cada vez mais complexo, a partir da década de
1970, os empréstimos externos e a constante intervenção do Fundo Monetário
Internacional também influenciam no jornalismo econômico que passa a usar expressões
estrangeiras e jargões específicos do setor – desconhecidos do leitor comum – sem a
preocupação de traduzi-las para seus leitores (CALDAS, 2003). Simultaneamente, os
jornalistas afastaram-se das declarações de economistas acadêmicos e buscam fontes mais
próximas do mercado financeiro. Com as confusões criadas por planos econômicos
complicados, com tabelas, tablitas, conversores, redutores e impostos extraordinários, os
jornais precisavam de fontes para explicar tudo isso. (PULITI, 2013)
A situação econômica logo após a redemocratização, em 1985, não muda, o país
continua a recorrer aos empréstimos externos, seguir as orientações do FMI e implantar
diferentes planos econômicos. Definitivamente, o final do século XX ficou marcado pela
ascensão da economia ao primeiro plano do noticiário econômico impresso.
Basile (2011) argumenta que poucos eventos terão significativa importância para o
crescimento da imprensa econômica quanto o confisco da poupança feita pelo governo do
presidente Fernando Collor de Mello em 1990. Ele descreve o cenário de confusão da
época:
De repente, os brasileiros, pessoas físicas e jurídicas, acordaram sabendo
que só teriam disponíveis no banco 50 cruzados novos, que eram de fato
muito pouco dinheiro. Como isso era possível? Como alguém tinha esse
poder? Se o tinha, por que o tinha exercido? E, se o tinha exercido, quão
desesperada devia ser a situação do país para levá-lo a isso? E, se estava
assim, como ficava o nosso futuro? E o dos nossos filhos? Receberíamos
nosso dinheiro de volta? Essas e muitas outras questões, extremamente
angustiantes infernizavam o cotidiano dos cidadãos. Precisavam entender
o que ocorria. (BASILE, 2011: 89-90)
O Plano Real em 1994, lançado durante o governo de Itamar Franco e sob o
comando de Fernando Henrique Cardoso, reduziu a inflação e a estabilizou a moeda.
Passados 20 anos o país não a troca ou passa por novos planos econômicos. Kucinski
(2000) e Puliti (2013) apontam o papel decisivo da imprensa para o sucesso do plano e,
principalmente, para a legitimação das ideias responsáveis pela sua criação.
O final do século XX foi palco de modificações do cenário político-econômico
mundial, impactado pelas novas tecnologias de informação e da comunicação e com o
colapso do comunismo e sua economia estatal e planificada. Esse processo teve como
33
consequência uma mudança de paradigma e restauração das crenças liberais, como expõe
Lene:
Em termos públicos, o fenômeno recebe o nome de globalização, mas
politicamente coincide com a ideologia do neoliberalismo, uma
plataforma econômico-político-social-cultural, empenhada em governo
mínimo, fundamentalismo de mercado, individualismo econômico,
autoritarismo moral. (LENE, 2005:.3)
Um dos princípios básicos dessa doutrina é o monetarismo, que defende o controle
da inflação por meio da diminuição dos gastos estatais e da redução salarial. Também é
defendida a mínima intervenção do Estado na economia, sendo esta baseada na livre
concorrência. O jornalismo econômico além de acompanhar o processo de mudança de
paradigmas foi intimamente influenciado por ele. Simultaneamente, sem um sistema
comercial de mídia global, a globalização econômica e cultural seria impossível para
promover os mercados globais e encorajar os valores de consumo (MCCHESNEY apud
LENE, 2005).
Para Kuncinski (2000) as teorias econômicas dominantes sempre provocam uma
direta influência na ideologia seguida pelo jornalismo econômico. Ele argumenta que os
anos 80 trazem a economia para o centro da temática jornalística enquanto se esvazia a
cobertura política e o embate ideológico. Logo, as corporações de mídia e entretenimento
têm um papel estratégico como agentes operacionais da globalização. Elas não apenas
legitimam o ideário global, mas o transformam no discurso hegemônico, propagando
visões de mundo e modos de vida que transferem para o mercado a regulação das
demandas coletivas. O resultado é que há um consenso na grande mídia sobre a
superioridade das economias abertas, insistindo que não há saída fora pressupostos
neoliberais (LENE, 2005).
Para Puliti (2010) os assuntos de economia são fundamentais para o exercício de
cidadania na sociedade atual e a imprensa é a mais abrangente fonte de informação
disponível. Mas, ao favorecer ideias de um único grupo, a imprensa limita o debate. Para a
autora, os jornalistas ao escolher suas fontes dão espaço a uma voz como se esta fosse a
única detentora de saber. Kucinski exemplifica algumas dessas atitudes:
Conceitos importantes, como o de competitividade no comércio
internacional, são vistos exclusivamente pela ótica das empresas e não
pela ótica mais geral da sociedade. O valor do trabalho é visto
estritamente como um custo de produção e não como uma renda do
trabalhador. Assim surgiu o novo jargão do jornalismo econômico,
expressões como “globalização”. “custo Brasil”, “mercados emergentes”
34
ou “reinserção competitiva na economia mundial”, com alta carga
ideológica. Competitividade é vista como a conquista de mercados,
mesmo que à custa da destruição do emprego ao invés de sua criação.
Custo Brasil é o eufemismo que propõe a eliminação dos encargos sociais
dos salários, alegando que são excessivos, mas omitindo que incidem
sobre uma base de salários das mais baixas. “Globalização” é a palavra
mágica que tudo justifica. (KUCINSKI, 2000: 187-188)
A prática jornalística atual em que a disponibilidade da fonte e a oferta de material
exercem grande influência em quem será considerado na produção das reportagens, Puliti
(2010) aponta que se esta for dotada de um discurso científico melhor ainda para o
jornalista.
Afinal, se os relatórios, comentários ou pareceres forem elaborados na linguagem
das Ciências Econômicas, eles passam um conteúdo aparentemente neutro, livre de
interferências políticas e dentro de parâmetros técnicos. A autora conclui que com essas
atitudes falta ao profissional de imprensa desafiar pensamentos pré-concebidos, enxergar
além do discurso e questioná-lo.
Kucinski (2000: 189-192) vai além e expõem seis principais traços que formam a
mentalidade do jornalismo econômico brasileiro, na seguinte ordem:
Consesualismo: trata-se de um traço geral da cultura política do país, que exige o
consenso em torno dos interesses dominantes, e não considera legítima a
divergência;
Dogmatismo: manifesta-se no reducionismo da discussão, no desprezo pelo factual
e no pouco trabalho analítico. Está presente, em alguma medida, em todo
jornalismo econômico, devido à influência de economistas que repetem teses
antigas já invalidadas como verdades reveladas, especialmente as teses do
monetarismo;
Ingenuidade: ao contrário do jornalismo econômico dos grandes centros mundiais,
que usa uma linguagem agressiva para descrever um mundo de negócios feito de
disputas, golpes e rivalidades, o jornalista brasileiro insiste em descrever o mundo
dos negócios como uma história de fadas em que só há encantamentos. Para o
autor, esse é um dos traços mais curiosos e originais do jornalismo econômico
brasileiro;
Oficialismo: o uso de fontes oficiais na reportagem jornalística é esmagador.
Muitas vezes, a ausência de espírito crítico em relação às fontes oficiais chega ao
limite do cretinismo, da ausência total de raciocínio. Kucinski acredita que o
35
jornalismo econômico brasileiro tem se revelado subserviente ao governo do dia,
especialmente nos momentos cruciais em que o governo baixa pacotes econômicos
e na abordagem geral das políticas econômicas. Além de assumir postura
triunfalista nos momentos de euforia econômica, tardando muito para fazer a
crítica, em geral a reboque de outros setores da sociedade;
Entreguismo: um traço típico de uma mentalidade colonizada em que se assume a
defesa integral dos interesses estrangeiros, tanto na sua visão geral dos processos
econômicos, como em histórias específicas. O autor aponta uma notável perda de
autoestima que faz com que não se acredite em nada que seja nacional ou
brasileiro.
Deslumbramento: o jornalismo econômico brasileiro apresenta-se de maneira
deslumbrada perante as grandes empresas e os grandes empresários e banqueiros,
resultado em uma atitude subserviente e acrítica. Os grandes empresários são
reverenciados pelo jornalismo, alguns até passaram a ocupar espaço fixo em
jornais, como colunistas.
Paradoxalmente, enquanto abria-se para a grande massa de leitores, o noticiário
econômico fechou-se na sua linguagem e abordagem graças à ascensão de uma nova classe
de tecnocratas nas fontes de notícia, influenciando os profissionais com um jargão logo
batizado de “economês” pelo jornalista Carlos Lacerda (DINES apud FRANCISCO,
2006). Logo, o jornalismo econômico brasileiro além da mentalidade própria, também é
marcado por uma linguagem específica.
Kucinski (2000) também lembra o papel decisivo na campanha neoliberal dos anos
90 pelo desmonte do Estado socialdemocrata, na sedução dos jovens ao ideal do sucesso
pessoal, na disseminação da nova utopia das classes médias: a de possuir o próprio
negócio. E conclui que a disfunção da linguagem talvez tenha uma função ideológica. Um
jornalismo que não se propõe a explicar e sim seduzir.
Entretanto, o autor também destaca que apesar do predomínio do econômico sobre
o político, o jornalismo econômico continua com a estrutura e hierarquia de quando era
apenas uma especialização. Na cobertura e mesmo na disposição nos jornais, o político
continua separado do econômico. Esse confinamento dificulta a formação de uma nova
linguagem que leve a análise econômica para um grande público. Se de um lado, a
economia aparece ligada a questões do dia a dia, do outro está marcada por conceitos
36
abstratos e de difícil compreensão, mesmo para leitores instruídos que não conseguem
decodificar o noticiário econômico.
Fica claro que o jornalismo econômico se dirige a, pelo menos, dois públicos muito
diferentes, cada qual com seus próprios códigos: de um lado, especialistas, grandes
empresários e profissionais de mercado; de outro, o grande público e os pequenos
empresários. Esse último grupo de acordo com Kucinski (2000) se sente permanentemente
agredido pela linguagem técnica usada no noticiário econômico.
Tanto Caldas (2003) quanto Kucinski (2000) acreditam que o uso de uma
linguagem técnica está amplamente relacionado com as fontes. “Frequentemente as
próprias fontes do mercado alimentam uma aura de mistério em torno de suas ações,
disseminando expressões exóticas” (KUCINSKI, 2000: 167-168). Contudo Caldas (2003)
responsabiliza o jornalista por tornar com essa linguagem o jornalismo econômico “difícil
e chato”.
Isso ocorre quando o repórter ouve das suas fontes de informação uma
série de explicações técnicas, um amontoado de expressões específicas
(muitas em inglês), que realmente poucos entendem (às vezes, nem
mesmo ele, repórter), e se limita a transcrevê-las nesse mesmo jargão, o
chamado ‘economês’. O jornalista age, assim, como mero papagaio que
insiste em imitar o dono. (CALDAS, 2003: 1)
Os economistas apenas aparentemente usam a linguagem comum, na realidade eles
a codificam em linguagem científica. Logicamente, os jornalistas não podem usar essa
linguagem para o grande público que não a entenderá. Além disso, a própria abordagem é
totalmente diferente, já que o repórter idealmente leva em consideração os interesses gerais
da população. Logo, o grande desafio é reportar e analisar de maneira crítica, transmitir
opiniões de economistas e do governo, sem usar uma linguagem que as pessoas comuns
não entendam, e sem violar os conceitos criados pela linguagem científica dos economistas
(KUCINSKI, 2000).
Burkett (1986) também acredita que a missão do jornalista especializado é
simultaneamente, atrair os que não têm conhecimento prévio sobre o tema sem chocar seus
especialistas. Ele defende que o jornalista assuma por inteiro o papel de pedagogo,
transformando o resultado da sua atividade numa espécie de dicionário para leigos e
especialistas. Mesmo assim, reconhece que esta tarefa não é fácil, já que dificilmente será
capaz de atender exigências tão diferentes. Alguma informação sempre será perdida no
processo para facilitar uma ampla divulgação (MARTINS, 2005).
37
Citando um trabalho sobre jornalismo econômico elaborado pela Universidade de
Columbia, Martins (2005) engrossa o coro que defende o abandono dos vícios da
linguagem dos profissionais da economia. Ela traz especificamente os argumentos de
Graham Watts, um dos autores do estudo, que aconselha a abordar um tema econômico
“como se contasse a história a alguém da sua família ou amigo”. Watts acrescenta que os
números são instrumentos de apoio e devem estar distribuídos ao longo do texto, não
reunidos em um único bloco compacto e incompreensível. Além de lembrar a importância
de declarações, vozes de pessoas para que as reportagens não se tornem meros relatos
abstratos. “Em resumo, o jornalista especializado em economia não escreve uma equação,
escreve um artigo jornalístico, que tem de ser compreendido por um leitor sem formação
específica” (MARTINS, 2005: 228-229), como exemplifica Caldas:
O empresário tem lá seu vocabulário próprio, o economista lança mão de
expressões técnicas da ciência econômica, o ministro fala o linguajar
escorregadio do governo. Mas o jornalista deve ter a preocupação e
preparo para interpretar o que ouviu desses personagens e, ao escrever,
traduzir tudo em linguagem simples e objetiva, capaz de ser entendia por
qualquer um, do porteiro de seu prédio ao mais importante empresário do
país. (CALDAS, 2003: 1)
Martins (2005) acredita que esses conselhos básicos são esquecidos na prática
cotidiana, o que resulta na reiteração do estereótipo de um jornalismo econômico sempre
distante do grande público. Mesmo uma análise empírica e não comprovada
cientificamente mostraria que as reportagens se concentram nas fontes institucionais, nos
governos, na classe empresarial e nos economistas. A autora conclui que na maior parte
das vezes, a realidade econômica é abordada pelo ângulo de percepção do poder instituído,
afastando-se da realidade concreta das sociedades, do consumidor, do desempregado e do
pensionista.
No entanto, acredita-se que é possível uma melhor utilização da linguagem e,
consequentemente, uma maior aproximação com o público em geral. Certos autores trazem
verdadeiros guias de como o jornalista que produz notícias econômicas deveria agir para
evitar a repetição de vícios que prejudicam a decodificação de suas reportagens. Neste
trabalho, destaco os argumentos e conselhos de dois deles: Kucinski (2000) e Basile
(2011).
Ambos colocam a busca da clareza como ponto de partida para um bom texto.
Kucinski (2000) acredita que o envolvimento do jornalista com o tema é fundamental já
que clareza só pode ser alcançada se o profissional entende o fenômeno econômico que se
38
propõe reportar ou analisar. Afinal, em posse desse conhecimento, o repórter pode
simplificar conceitos e até usar metáforas sem comprometer a precisão da informação. “O
recurso dos jornalistas que não entendem bem o tema de que estão tratando é o de se
protegerem com palavras difíceis do jargão dos economistas e com expressões do inglês”
(KUCINSKI, 2000: 168-169). Basile sintetiza a importância da clareza para a boa
produção jornalística: “Se você explicou tudo direitinho na sua história, não há mais
explicação a dar. A clareza expulsa a interpretação do espírito humano, e por isso, no
jornalismo, que vive da informação confiável, clareza é absolutamente essencial”
(BASILE, 2011: 126-127).
Intrinsecamente ligadas à clareza estão a escolha das palavras e a ordem das
mesmas nas frases que compõem o texto. O principal conselho nesse caso é “expresse
apenas com palavras que forem absolutamente necessárias, com economia absoluta de
linguagem” (BASILE, 2011: 127). Nesta questão, Kucinski (2000) condena os
eufemismos que, para ele, emasculam a linguagem jornalística. “Além de pouco claros,
eufemismos como ‘crescimento negativo’ tem motivações ideológicas. As elites
dominantes esmeram-se em criá-los para camuflar os conteúdos de suas políticas
econômicas”. Sobre a linguagem burocrática, de conteúdos irrelevantes ou acessórios, o
autor vai além ao afirmar que esta “sintetiza quase todos os defeitos do fazer jornalístico
brasileiro: o desprezo pelo leitor, o descuido com a informação, a preguiça jornalística e a
despolitização da informação” (KUCINSKI, 2000, p.169-170).
Parece brincadeira, mas palavras utilizadas a esmo, sem atenção e
cuidado, não evidenciam apenas um deserto verbal que se perde no
horizonte, grandioso, desesperador e vazio. Evidenciam que esse deserto
é também intelectual, e que através dele, a franquia da livre expressão
está sendo mais que mal utilizada, eventualmente, manipulada, algumas
vezes. (BASILE, 2011, p. 170)
Os autores também apontam outro traço do jornalismo econômico brasileiro: a
imprecisão da informação. Para Basile (2011) a maior parte das “bobagens” que aparece
em textos de economia e negócios se relaciona a distrações sobre informações factuais
básicas. Kucinski (2000) também acredita que o problema começa nos dados primários,
como datas, cifras, índices e a grafia de nomes e empresas. Além da utilização de dados já
superados, não distinção entre dados firmes e provisórios, e entre agências com
credibilidade e de baixa credibilidade.
39
Ainda a respeito dos números, Basile (2011) defende a utilização de recursos
gráficos para uma melhor compreensão e condena o seu uso em excesso nos textos. Uma
estratégia que esconde uma falta de ponto de vista, de foco sobre o que se quer mostrar.
Entretanto, admite que este possa ser um problema da fonte. De um lado, há aqueles que
utilizam excesso de números como argumento de autoridade. Outros para afastar o
jornalista da verdade, já que com tanta informação, muitas vezes, se perde a possibilidade
de ter uma noção de perspectiva.
Para Caldas (2003), entretanto, a linguagem jornalística é uma só. A função de todo
repórter é apurar, investigar, buscar fatos novos, não se conformar com a primeira versão
dos fatos; checar, sempre checar. No caso do jornalismo econômico e político esta atitude
tem sua dimensão aumentada, já que o jogo de interesses tenta constantemente manipular
as informações dadas aos repórteres.
O texto sobre o déficit fiscal do governo deve ter a mesma simplicidade,
objetividade e clareza de outro que descreve um confronto entre policiais
e traficantes na favela ou daquele que narra a súbita disposição de
Romário em disputar a bola com o adversário. O que muda é apenas o
tema. Se o leitor não entender o que leu, é porque o jornalista não
cumpriu sua função básica de informar. Escreveu como se fosse um
burocrata e não como um bom repórter. (CALDAS, 2003:1)
Essa opinião é compartilhada por Martins (2005) que a caracteriza como uma
questão central. “Mais do que dominar um determinado vocabulário e as relações a ele
associadas, há que não se esquecer de que se trata de jornalismo. Um jornalista é um
jornalista, escreva ele sobre economia ou sobre política” (MARTINS, 2005: 227-228).
Novamente citando o estudo da Universidade de Columbia, afirma que acima de
tudo está o domínio das técnicas de escrita e da boa comunicação. Além disso, os critérios
de avaliação para a escolha de assuntos para a pauta especializada devem ser os mesmos de
qualquer jornalista generalista: É novidade? É importante? É diferente? É interessante? Por
que isso interessa? De onde vem essa informação? Qual o interesse das fontes envolvidas
em verem o assunto publicado? Com quem devo cruzar estas informações? Falei com
todos os envolvidos? Confrontei os especialistas nesta questão? Tenho boas citações? Qual
será meu lead? (MARTINS, 2005).
Em ambas as visões, contudo, o jornalismo econômico é considerado único e
diferente do jornalismo genérico e de outras especializações. Kucinski (2000) aponta duas
diferenças fundamentais entre eles. O noticiário genérico traz eventos singulares,
anomalias, descontinuidades, além de procurar personificar. Enquanto a economia, como
40
objeto do noticiário econômico, é muito mais um processo do que uma sucessão de fatos
singulares. Logo, idealmente, no jornalismo econômico, episódios e fatos singulares
precisam ser interpretados à luz de processos, leis ou relações econômicas. Com isso, a
grande quantidade de escolas de pensamento se torna um dos problemas centrais para os
jornalistas.
A outra diferença é que o jornalismo genérico tem o homem como sujeito da
história e objetivo principal. Já o jornalismo econômico tem como foco os mecanismos de
produção e o processo geral de acumulação. Neste caso, o objetivo central é a lógica da
produção de lucros. De acordo com Kucinski (2000), o primeiro tem a verdade, a justiça e
a fraternidade como valores referenciais, enquanto o segundo responde ao sucesso, a
esperteza e a verdade, nesta ordem. Para ele, essa definição se encaixaria perfeitamente na
produção jornalística brasileira. “No Brasil temos um jornalismo genérico fortemente
referenciado pelo drama humano e pelos problemas da democracia, em contraste com um
jornalismo econômico que ignora o homem, exceto na sua variante de jornalismo de
serviços” (KUCINSKI, 2000: 176).
Para Martins (2005) não é o caso de o jornalismo econômico ser melhor do que os
outros. Mas, ela também concorda que sua prática exige maiores cuidados e um
conhecimento complementar da parte do profissional dedicado a essa cobertura.
Na economia, há que saber do que se fala quando se fala com alguém; há
que saber o que se esconde ou desvenda por trás dos números. Por trás
destes números abstratos estão situações objetivas; estão pessoas que os
definem, utilizam e até instrumentalizam; e estão pessoas que são por
estes mesmos números afetadas. (MARTINS, 2005: 227)
O papel central da imprensa nas questões econômicas fica claro no já citado
exemplo da implantação do Plano Real. O governo acreditava que grande parte do sucesso
do plano dependia de um esforço de comunicação para não se repetir erros, como falhas na
apresentação inicial das medidas ao público. Uma jornalista foi especificamente contratada
para a organização da sua divulgação. Após o lançamento, economistas responsáveis pela
sua criação realizaram quinzenalmente mesas-redondas de entrevistas com grupos de
jornalistas selecionados com o objetivo de tirar dúvidas e dar explicações (PULITI, 2013).
Kucinski (2000) argumenta que não se consegue entender a política quem não
entende minimamente o funcionamento da economia internacional. Para as elites, o cenário
de alto risco deu ainda mais relevância ao noticiário econômico na tomada de decisões.
Martins (2005) acrescenta outra faceta da questão ao expor que, atualmente qualquer
41
político que queira ser bem sucedido deve estar apto a discutir as eventuais soluções dos
problemas econômicos de certa sociedade. Ela cita célebre frase, cunhada por ames
Carvelle, assesor da campanha de Bill Clinton à presidência dos Estados Unidos: “É a
economia, estúpido”; para afirmar que com a economia se ganha ou perde eleições em um
considerável número de países.
Caldas (2003) reitera e exemplifica o caráter fundamental do jornalismo econômico
para o cotidiano da população:
O que para muitos pode parecer apenas um código cifrado, um
emaranhado hermético de gráficos e números destinado apenas à leitura
de iluminados e especialistas, é de fato um guia de sobrevivência
indispensável para nossa vida cotidiana: é lá que estão as notícias sobre
juros e inflação, tarifas públicas e aluguel, golpes e trambiques, sobre o
preço da carne e do feijão, o emprego perdido e o salário reduzido.
(CALDAS, 2003: 1)
Fica claro que apesar dos muitos problemas apontados pelos estudos, no que diz
respeito questões ideológicos e a disfunções na linguagem, o jornalismo dedicado à
economia é um campo fascinante em suas especificidades e sutilezas. No caso brasileiro,
sua história se confunde com acontecimentos de inegável importância.
Ainda prejudicado pela permanência de certos vícios mencionados ao longo deste
texto, o jornalismo econômico brasileiro possui um enorme potencial de crescimento (e
melhora) no contato com o grande público, que tanto se beneficiaria de uma análise
contextualizada e crítica das questões econômicas.
3.2. Cobertura jornalística da Folha de São Paulo do Panorama Econômico Mundial
em 2007
Em 2007 o jornal segue o planejamento de divulgação do Panorama Econômico
Mundial descrito no capítulo anterior no qual o relatório é lançado em duas partes, cada
uma com sua própria coletiva de imprensa. Consequentemente, em um período de um ano
temos o total de quatro reportagens: duas para os capítulos analíticos e outras duas para os
dedicados às projeções. Em todos os casos o leitor é imediatamente informado que as
informações e dados contidos na matéria são de responsabilidade do Fundo cuja sigla está
presente em todos os títulos principais.
42
Durante a análise das matérias ficou clara a presença de dois padrões: um para os
capítulos analíticos e outro para as projeções. Em ambos relatórios, a divulgação dos
capítulos analíticos foi noticiada pela jornalista Denyse Godoy, correspondente do jornal
em Nova York. Em nenhum momento nas duas matérias são citadas declarações dos
membros do FMI, o que nos permite afirmar que a jornalista não compareceu a coletiva de
imprensa realizada na sede da instituição, nem acompanhou a transmissão ao vivo pela
internet. Logo, toda matéria-prima tanto para os dados como para as declarações são
obtidas via o texto do relatório.
A primeira matéria publicada em abril de 2007 (ver Anexo A) destaca a tese do
Fundo de que a influência americana na economia mundial estaria menor. Sem dúvida esse
era o mais importante assunto entre os capítulos analíticos divulgados pelo Fundo.
Entretanto, se na coletiva de imprensa a defesa desse argumento suprime os poréns
apontados pelo próprio FMI – com um economista-chefe sempre repetindo as mesmas
afirmações e contornado as perguntas dos jornalistas – no texto do relatório essa ação não
acontece.
A jornalista por não estar presente na coletiva de imprens, consequentemente, não
seria influenciada, em teoria, pela maciça defesa desta tese do Fundo. Algo que seria
inegavelmente um ganho para o leitor. Contudo, a matéria mostra-se confusa, cheia de
informações contraditórias. Está claro que essas contradições fazem parte do relatório
afinal não há outras vozes e opinões no texto além das do FMI. Mas o texto jornalístico em
vez de agir pelo fundamento da clareza segue a trama incongruente dos argumentos do
Fundo.
Folha de São Paulo, 05.04.2007, B5.
Folha de São Paulo,12.04.2007, B1.
Folha de São Paulo, 10.10.2007, B9.
Folha de São Paulo, 18.10.2007, B6.
43
Primeiramente, o lead destaca que, segundo o FMI, apesar de inegável importância
dos Estados Unidos para a economia mundial, não se deve exagerar as possíveis
consequências de uma desaceleração da economia americana:
Para o FMI (Fundo Monetário Internacional), continua sendo verdadeira
a máxima de que, quando os EUA espirram, o resto do mundo pega um
resfriado. Entretanto, embora a sua economia influencie bastante as
demais, as consequências de um desaquecimento da maior potência do
planeta para os outros países não devem ser exageradas. Essa é uma das
conclusões da última edição do Panorama Econômico Mundial, relatório
elaborado pelo Fundo do qual foram divulgados ontem alguns capítulos.
(GODOY, 2007: B5)
Já o terceiro parágrafo traz outra informação que contradiz a que o lead acabou de
afirmar: “O FMI diz que, ao longo do tempo, aumentou o tamanho potencial do estrago
que turbulências nos EUA podem causar, já que também cresceu a sua integração
comercial e financeira com outros países” (Ibidem: B5). Como o impacto da desaceleração
da economia americana em outros países teve seu potencial de estrago aumentado se esse
mesmo estrago não poderia ser exagerado? Essa uma pergunta que nem o relatório
responde. Mas mostra-se um verdadeiro problema que tal incongruência apareça na
matéria sem que o leitor não seja alertado da mesma.
A notícia também traz um parágrafo que cita citando a fórmula montada pelo FMI
para explicar a influência dos EUA na economia mundial:
Mas, se, por exemplo, a taxa anual de crescimento do PIB americano
fosse reduzida em 1 ponto percentual, isso significaria apenas menos 0,2
ponto percentual nos índices latino-americanos. O FMI estima que, para o
Brasil, o impacto seria de aproximadamente 0,75 ponto percentual no
primeiro trimestre após o choque; entre o quarto e o quinto trimestre, ele
já teria sido assimilado. África e emergentes da Ásia não sofreriam tanto:
em torno de 0,1 ponto percentual. (Ibidem: B5)
O objetivo é exemplicar a afirmação que países com relacionamento mais próximo
com os Estados Unidos sofreriam maiores impactos, como os países da América Latina em
relação a outros na África e Ásia. Mas pode-se afirmar que esse parágrafo precisa de
considerável atenção para se acompanhar o raciocínio e, na realidade, está longe de ajudar
a exemplificar alguma coisa.
A reportagem publicada no final da página B5 do caderno Dinheiro (ver Anexo A)
usa um box para dividir os assuntos. Como já descrevemos, o texto principal fala sobre os
Estados Unidos e sua influência na economia mundial, enquanto o box traz as análises do
44
Fundo sobre o mercado de trabalho. Este último traz as conclusões de um capítulo que tem
como objetivo explicar como a globalização afetou o mercado de trabalho mundial.
O destaque do box é que o FMI fazia um alerta para as consequências negativas da
globalização no mercado de trabalho mundial. Entretanto, o texto destaca as características
deste mercado sob a ótica dos países desenvolvidos. Na parte final, em que são listadas
algumas sugestões do Fundo para lidar com os problemas, é que se volta a tratar do
mercado à nível global. Em resumo, se perde a oportunidade de proporcionar ao leitor um
conhecimento mais abrangente (com as características do mercado nos países em
desenvolvimento, por exemplo) de um assunto que afeta um dos aspectos mais importantes
da vida em sociedade: o trabalho.
A próxima edição de 2007 do jornal Folha de São Paulo que noticia os capítulos
analíticos do Panorama Econômico Mundial é de 10 de outubro e a matéria divide a página
B9 do caderno Dinheiro (ver Anexo E) com uma série de pequenas notícias factuais. A
jornalista Denyse Godoy novamente não acompanha a coletiva de imprensa de divulgação
do relatório. Consequentemente, a reportagem não cita a maçiva defesa feita durante o
evento da tesa da continuidade do crescimento econômico. Pelo contrário, o próprio título
afirma “FMI alerta para riscos da crise imobiliária” (GODOY, 2007: B9). Na ocasião os
representantes da instituição chegam a alertar para ameaças ao desempenho da economia
mundial, mas sempre afirmando que a probabilidade delas se tornarem mais graves era
pequena.
A reportagem usa os bons resultados da economia mundial nos últimos anos como
um dos principais motivos para não se deixar de descuidar com os riscos trazidos pela crise
no mercado imobiliário americano. Diferente do que aconteceu ao se noticiar o primeiro
relatório, aqui os argumentos não são contraditórios e o texto estabelece uma clara relação
de causa e consequência entre eles:
Com grande taxa de crescimento, baixa inflação e queda da volatilidade,
a economia mundial vive momento único, segundo o FMI (Fundo
Monetário Internacional), devido às políticas macroeconômicas adotadas
e a um ambiente instituicional mais seguro. Na comparação com outro
período positivo, os anos 60, o que torna a atual fase especial são a maior
estabilidade e o fato de que, em geral, todos os países participam do
progresso.
Isso não significa, porém, que dê para relaxar: a crise no mercado
imobiliário americano, que estorou há pouco mais de dois meses, é uma
das ameaças a esse cenário. (GODOY, 2007: B5)
45
Acompanhado a matéria o box, entretanto, segue outro caminho e volta a cometer
erros comuns no jornalismo econômico brasileiro. O texto fica confuso ao trazer a relação
cambial entre real e dólar em termos complexos e com muitas informações em um espaço
reduzido. A impressão é que se trata de uma tradução do texto do relatório com a escolha
de palavras distantes de um vocabulário menos rebuscado, como “inócuas” e “dispêndios”,
ou técnico, como “austeridade fiscal” e “apreciação cambial”.
A hierarquia de importância entre os capítulos analíticos e as projeções do Fundo já
pode ser vista nesta reportagem que traz as prováveis estimativas que serão divulgados
pela instituição de acordo com fontes consultadas pela Wall Street Journal. O assunto
principal são as conclusões dos capítulos analíticos, mas as projeções que ilustradam a
matéria por meio de um gráfico de barras.
Do outro lado temos as matérias sobre as projeções do FMI para a economia
mundial presentes no Panorama Econômico Mundial. Ambas foram assinadas pelo
jornalista Fernando Canzian também correspondente em Nova York, sendo que nas duas
reportagens ele aparece como enviado especial a Washington, local da sede da instituição.
Diferente da colega Denyse Godoy, Canzian comparece às coletivas de imprensa de
divulgação dos capítulos. Em suas matérias as declarações são de membros do Fundo e não
do texto do documento.
A edição de 12 de abril de 2007 traz a capa do caderno Dinheiro (ver Anexo C)
dedicada às projeções do FMI, divididas em duas matérias. A principal tem como foco o
desempenho da economia brasileiro de acordo com a análise do relatório. Durante a
coletiva de imprensa, o Brasil foi mencionado no comentário de abertura, no contexto das
estimativas da América Latina, e alvo de duas perguntas ao longo do evento. Canzian
(2007) se baseia totalmente nas afirmações dadas nessas ocasiões ao falar sobre o país,
mesmo que não tenha sido o autor de nenhum desses questionamentos.
A projeção para 2007 (4,4%) ganha mais destaque do que a do próximo ano (4,2%),
e a reportagem tem uma divisão bem clara em duas partes. Na primeira destaca-se como a
projeção mostra um maior ritmo de crescimento da economia brasileira em 2007, em
comparação ao ano anterior, mesmo que abaixo da média global e da América Latina. A
atitude do FMI de colocar um dado negativo sempre acompanhado de um positivo é
seguida pelo texto, como os seguintes parágrafos exemplificam:
46
Brasil e Chile são os dois únicos países da América Latina que devem
crescer mais neste ano em relação a 2006, diz o Fundo. Mas o PIB do
Brasil deve ficar abaixo tanto da média mundial quanto da América
Latina (4,9 para ambos os casos).
‘Certamente estamos otimistas com a economia brasileira, que deve
ganhar mais ritmo’, disse Charles Collyns, economista-chefe-adjunto do
FMI. Ele considerou ‘bem-vinda’ a recente mudança na metodologia de
cálculo do PIB. (CANZIAN, 2007: B1)
O trecho: “Ao mesmo tempo em que prevê uma aceleração, o Fundo voltou a
afirmar que o Brasil só não cresce em ritmo mais rápido por ‘fatores estruturais muito bem
conhecidos’” (CANZIAN, 2007: B1), marca a transição para a segunda parte da matéria.
Nela são enumerados esses problemas característicos e já bem conhecidos da economia
brasileira: juros, gasto público e ambiente de negócios. Como recurso visual há um grande
gráfico de barras que chama a atenção na página e traz as projeções atuais do Fundo e uma
pequena comparação da projeção para o Brasil com o de outras instituições (PAC, Focus,
BC).
Figura 1. Gráfico com estimativas do FMI para o crescimento econômico
A segunda matéria da página (ver anexo C) também é sobre as análises do Fundo,
mas destacando as previsões para a economia mundial. O texto retransmite as afirmações
de que o desempenho da economia deve manter-se no ritmo de crescimento apesar da
revisão para baixo da estimativa da economia americana. Como na coletiva de imprensa o
leitor recebe uma ampla defesa da continuidade do estado da economia global, respaldado
por uma série de números com as positivas projeções para diversos países. Neste texto é
citada a metáfora do cachorro e sua cauda usada pelo FMI para explicar o relacionamento
entre a economia mundial e o mercado financeiro:
Folha de São Paulo, 12 de abril 2007: B1.
47
Ele [Simon Johnson, economista-chefe do FMI] comparou as recentes
turbulências do mercado aos abanos da cauda de um cão. ‘A economia
mundial e seus fundamentos hoje sólidos são o corpo do cachorro. Com
isso firme, é difícil que o movimento do rabo provoque grandes estragos’.
Para ele, a instabilidade foi ‘uma limitada e bastante temporária fuga de
ativos mais arriscados, especialmente nos mercados emergentes, depois
de um longo período de valorização’. (CANZIAN, 2007: B1)
Duas curiosidades, no entanto, marcam as matérias dessa edição da Folha. A
segunda matéria tem ao seu lado um gráfico de barras entitulado Desempenho do ‘profeta’
em que compara as estimativas previstas do Fundo e os resultados oficiais. Os dados são
interessantes, mas não são nem citados durante os textos, muito menos contextualizados.
Figura 2. Comparação entre estimativas do FMI e resultados do crescimento econômico
A outra curiosidade é que Canzian traduz World Economic Outlook como
Panorama da Economia Mundial, uma diferente tradução que foi usada por Godoy alguns
dias antes, Panorama Econômico Mundial. A diferença entre nomes pode até ser
Folha de São Paulo, 2007: B1.
48
irrelevante, mas devemos lembrar que ambas são utilizadas no mesmo jornal e no mesmo
caderno, além de apenas dias à parte.
Mesmo seis meses depois, Canzian continua a utilizar a tradução diferente à de sua
colega (e vice-versa) para o relatório de outubro de 2007. A edição de 18 de abril da Folha
(ver Anexo F), novamente, dedica uma página inteira do caderno Dinheiro às análises do
FMI, com uma matéria principal e mais outras duas. O Brasil continua o protagonista na
matéria principal, que traz em destaque a previsão para o desempenho da economia
brasileira em 2008. Há bem menos declarações de membros em comparação com a
reportagem de abril, algo que pode ser explicado pelo fato de que o Brasil é apenas citado
no comentário de abertura do economista-chefe e não é alvo de perguntas durante a
coletiva de imprensa.
Diferente de ambas as reportagens de abril sobre o Panorama nesta o tom é mais
pessimista. Na matéria de abril o título dizia: “FMI prevê alta de 4,4% no PIB do país”
(CANZIAN, 2007: B1). Nesta matéria de outubro o título é: “FMI alerta para gastos
públicos do Brasil” (CANZIAN, 2007: B6). A projeção para 2007 continua a mesma
(4,4%), mas o texto trata a estimativa de outra maneira:
O FMI (Fundo Monetário Internacional) prevê um crescimento de 4,4%
para o Brasil em 2007, abaixo da expectativa do Ministério da Fazenda
(4,7%) e aquém das médias mundial e da América Latina.
Para o Fundo, o Brasil ainda tem ‘um longo caminho’ pela frente em
termos de melhora de sua situação fiscal (das contas públicas) e da
redução da relação entre a dívida pública e o tamanho de seu PIB.
[...]
Com só duas exceções (Equador e México), o Brasil terá neste ano a
menor taxa de crescimento da América Latina (Ibidem: B6).
As notícias para a América Latina, também mencionadas na matéria principal, não
são das melhores:
Para o Fundo, Brasil e demais países latino-americanos têm como
‘principal desafio’ no momento encontrar mecanismos para evitar
distorções macroeconômicas provocadas por um fluxo financeiro externo
sem precendentes na região.
O FMI destaca ainda que um eventual desaquecimento global do previsto
poderá levar a diminuição dos preços de commodities (alimentos e
produtos básicos) e a um esfriamento maior em toda a região (Ibidem:
B6).
Diferente do ocorrido em abril, nesta matéria o dado positivo acaba sendo ofuscado
pela reiteração dos dados negativos, como podemos observar neste trecho:
49
Mesmo atravessando o melhor momento econômico desde a década de
60, a América Latina continua ‘na laterna’ do mundo, com expectativa de
crescimento de 5% neste ano e 4,3% no próximo. Já a média global seria
de 5,2% em 2007 e de 4,8% em 2008.
[...]
‘A região continua no fundo da ‘liga do crescimento’ global. Os governos
locais deveriam aproveitar o momento para avançar em reformas que
sustentem o crescimento e produtividade maiores’, diz o FMI
(CANZIAN, 2007: B6).
O recurso visual utilizado, mais uma vez, é o gráfico de barras com as projeções da
época e anteriores para alguns países. Dessa vez, o adendo é a previsão do FMI dos índices
de inflação para alguns países da América Latina e a compação dos mesmos com a taxa
prevista para o Brasil.
Figura 3. Gráfico com estimativas do FMI para o PIB de 2007
Na segunda matéria da página (ver Anexo F), assim como na de abril de 2007, o
assunto é o desempenho da economia global com parágrafos cheios de números e
comparações entre países e regiões. O grande destaque do texto é que as turbulências nos
mercados financeiros seriam as responsáveis pela redução, em quase meio ponto, da
previsão para o PIB mundial em 2008.
O texto cita a metáfora utilizada pelo FMI na coletiva de imprensa para descrever o
cenário econômico da época. Apenas para explicá-la aos leitores são gastos três parágrafos
da matéria:
‘Como uma floresta que não passou por incêndios em muitos anos, o
cenário positivo escondeu uma série de riscos com empréstimos e um
relaxamento de critérios. Quando os problemas começaram no mercado
de “subprime” [empréstimos imobiliários de segunda linha] nos EUA, o
‘fogo’ surpreendeu e apareceu em várias outras áreas’, disse.
Johnson afirma que foi o excesso de dinheiro hoje disponível na mão de
investidores dentro de um ambiente benigno quem detonou ‘focos de
Folha de São Paulo, 18 out. 2007: B6.
50
incêndio’, por exemplo, nas carteiras de empréstimos de bancos e nos
mercados de títulos emitidos por empresas.
‘Esses focos de ‘fogo’ secundários têm sido combatidos pelos bancos
centrais, que vêm tratando de injetar liquidez [dinheiro com juros
menores] no mercado. Mas a fumaça sobre a floresta ainda não foi
totalmente dissipada’, disse Johnson (CANZIAN, 2007: B6).
A última matéria da página (ver anexo F) é sobre um dos assuntos que não foi
muito abordado durante a coletiva de imprensa, entretanto de inegável relevância: a alta
dos preços dos alimentos em todo mundo. Ela é ilustrada por um mapa (recurso utilizado
uma única vez entre todas as edições do jornal analisadas neste trabalho) que traz várias
informações no mesmo espaço.
Figura 4. Mapa relacionando inflação e alta do preço dos alimentos
A notícia traz dados do relatório e nenhuma declaração de membros da instituição.
Como nas outras reportagens analisadas até aqui não há nenhuma outra voz ou opinão a
respeito de um assunto tão sensível que fica expremido no final da página dividindo espaço
com uma propaganda.
Em 2007 o primeiro Panorama Econômico Mundial, lançado em abril, também
ganha espaço nas editorias do jornal Folha de São Paulo. Dois dias após a publicação da
reportagem sobre os capítulos analíticos do relatório, o períodico usa o estudo do FMI para
discorrer sobre o impacto dos Estados Unidos na economia de outros países. O editorial
Folha de São Paulo, 18 out.2008: B6.
51
(ver anexo B) começa contextualizando as conclusões do relatório ao cenário econômico
da época. O texto é bem direto ao descrever a preocupação com uma possível repercussão
mundial de uma desaceleração americana que, na época, já dava claros sinais de existência.
Os sinais reiterados de desaceleração na economia americana, com as
quedas nos preços e na quantidade de imóveis vendidos e construídos,
trazem preocupações aos investidores e aos governos de diferentes países.
Teme-se que o aumento da inadimplência nos financiamentos
imobiliários nos EUA contraia o crédito e restrinja o consumo e os
investimentos – com repercusões na economia mundial. (FOLHA DE
SÃO PAULO, 2007: A2)
Por isso o estudo do FMI teria a importância de trazer um aspecto atenuante à esse
cenário: o fato de que as consequências e ameaças resultantes da diminuição do ritmo da
economia economia não se propagariam com a mesma força como em crises anteriores.
Para corroborar esta tese, o editorial destaca os dados do relatório que mostram o aumento
da participação dos países em desenvolvimento no Produto Interno Bruto (PIB) global
entre 1950 e 2005 e, consequentemente, a redução do peso dos países desenvolvidos. Um
pequeno gráfico com esses dados é utilizado para mostrar a considerável mudança de
comportamento. Entretanto, o texto também destaca que esse avanço não significa uma
dimuição da importância do dólar no sistema financeiro ou da demanda americana para o
comércio global.
Figura 5. Gráfico com avanço da partipação dos emergentes no PIB mundial
Uma das conclusões do estudo do FMI aparece neste editorial de maneira muito
mais clara e simples do que durante a matéria sobre o mesmo assunto (que traz essa
informação), já que aqui não há argumentos contraditórios a acompanhando:
Folha de São Paulo, 13 abril 2007: A2.
52
O FMI alerta que, contrariando a regra geral, a crescente integração
financeira e comercial ampliou o potencial de repercussão das
turbulências americanas para alguns paises. Os impactos seriam maiores
na América Latina, sobretudo nas economias mexicana e brasileira.
(FOLHA DE SÃO PAULO, 2007: A2)
Na conclusão do editoral informa-se ao leitor que o Brasil vem tomando medidas
preventivas: “melhorou bastante seus indicadores de solvência externa e diversificou seus
parceiros comerciais nos últimos anos” (Ibidem: A2). Infelizmente quem não sabe o que
são indicadores de solvência externa continuará sem saber se depender deste texto.
Indicação de que apesar de uma linguagem mais clara e coesa a respeito de um tema
econômico certos vícios aparecem mesmo que em pequenas formas.
Para finalizar o editorial faz uma provocação ao leitor e ao próprio governo a
respeito deste último assunto. Terminando o texto com uma dúvida do que com uma
informação nova. “Se terão sido suficientes para evitar um eventual contágio em níveis
dramáticos, o tempo dirá” (Ibidem: A2).
No dia seguinte de ser capa do caderno Dinheiro da Folha as projeções do Fundo
Monetário Internacional em abril de 2007 também são alvo de um dos editoriais do jornal
(ver Anexo O). O texto destaca que se as previsões do FMI se mostrarem acuradas para o
ano de 2007 e 2008 seriam seis anos consecutivos de crescimento global acima de 4%, o
melhor desempenho da economia mundial em 37 anos. Com o objetivo de exemplificar
esses cenários são citadas as projeções para alguns países e regiões, como Estados Unidos,
zona do Euro, Japão, China, Brasil e Argentina (esses dois últimos acompanhados da
informação de que sua expansão está completamente interligada ao aumento do preço de
produtos agrícolas).
Após trazer essas boas notícias o editorial alerta para as três principais ameaças a
esse cenário também segundo as análises do Fundo. A primeira seria a incerteza dos
impactos gerados pelos problemas do mercado imobiliário americano. A segunda ameaça
viria do endividamento em alguns setores corporativo nos Estados Unidos e na Europa. Já
a terceira aponta o aumento da integração dos mercados financeiros como responsável por
uma maior vulnerabilidade do sistema frente aos problemas inicialmente localizados em
países específicos.
O editorial também faz uma interpretação de um dos pontos mencionados no
relatório do Fundo, o alto desquilíbrio econômico entre países superavitários e deficitários:
53
É curioso observar como esse período ímpar de estabilidade e
crescimento da economia global se assenta numa relação estruturalmente
desiquilibrada entre os Estados Unidos e a Ásia, liderada pela China. O
governo americano se endivida internamente, e o país com o resto do
mundo, para sustentar um nível forte de expansão do consumo.
As nações superavitárias, ao contrário do que os bancos em geral fazem
com seus clientes que acumular dívida mas não diminuem seus gastos,
estão sempre dispostas a emprestar mais aos americanos (FOLHA DE
SÃO PAULO, 2007: A2).
O editorial é concluído com uma afirmação no mínimo polêmica, ao fazer uma
previsão para o futuro da economia mundial: “Enquanto perdurar essa relação de
conveniência, dificilmente uma grande crie econômica sobreviverá” (Ibidem: A2). Tanto o
FMI quanto a Folha não sabiam o quão longe da realidade este argumento estava.
3.3. Cobertura jornalística da Folha de São Paulo do Panorama Econômico Mundial
em 2008
A dinâmica da cobertura jornalística do Panorama Econômico Mundial sofre
siginficativa mudança em relação ao ano anterior. Já não há um padrão definido que separa
as reportagens sobre os capítulos analíticos e os das projeções. Diferente do mesmo
período de 2007, em abril de 2008 os capítulos analíticos do relatório do Fundo Monetário
Internacional não ganham as páginas do jornal Folha de São Paulo. Curiosamente no
mesmo dia da divulgação desses capítulos e da coletiva de imprensa sobre eles, 3 de abril
de 2008, o jornal publica uma notícia (ver anexo G) com as possíveis previsões do Fundo
de acordo com um documento da instituição que foi vazado pelas agências de notícias
Bloomberg e Dow Jones.
A notícia era que, segundo o FMI, os Estados Unidos vivenciaria a maior crise
financeira desde a Grande Depressão de 1929. E o lead já começa cheio de estimativas que
exemplicariam esta possível situação:
Os EUA passam por sua maior crise financeira desde a Grande Depressão
de 1929. A economia global deve crescer 3,7% em 2008, e a
possibilidade de esse crescimento ser menor do que 3% em 2009 ou
mesmo já em 2008 é de 25%, o que levaria o mundo a uma recessão.
Além disso, os EUA devem crescer mero 0,5% em 2008, ou um terço do
que era previsto em janeiro último. (DÁVILA, 2008: B6)
Diferente de todos os outros textos do jornal analisados neste trabalho, este traz a
repercussão das previsões do Fundo e de seu vazamento. O setor de imprensa se recusa a
54
comentar o vazamento e reafirma que a divulgação das projeções para o dia 9 daquele mês.
Já Henry Paulson, secretário do Tesouro norte-americano na época, achava que o FMI
tinha exagerado em suas previsões negativas.
Apesar de sua antenticidade não ser comprovada o texto traz afirmações de
autoridades que corroborariam as conclusões contidas no documento vazado:
Em entrevista publicada ontem pelo diário francês ‘Le Figaro’, embora
sem citar números, o próprio diretor-gerente do Fundo, Dominique
Strauss-Kahn, havia afirmado: ‘As previsões que vamos divulgar em
alguns dias não são muito boas. Nós vamos revisar para baixo nossa
previsão de janeiro’.
A revelação chega no mesmo dia em que, pela primeira vez desde o
início da crise financeira que toma os EUA, o presidente de seu banco
central ousa dizer a palavra ‘recessão’ em público. Em resposta a um
congressista durante depoimento pela manhã, bem Bernanke, do Fed,
afirmou que, sim ‘a recessão é possível’. (DÁVILA, 2008: B6)
De acordo com o documento vazado as revisões para baixo seriam generalizadas e
a notícia cita as estimativas para o crescimento mundial e de diversos países para
exemplificar essa tese, reunidas em dois blocos com números e mais números:
No documento, o crescimento da economia global em 2008 é revisado
para baixo pela terceira vez desde julho do ano passado, quando o FMI
previu uma expansão de 5,2%, com 3,7%, é a pior previsão desde 2002,
no auge da última recessão a atingir os EUA. Para o país, a previsão caiu
de 1,5% em janeiro para 0,5%, e, para 2009, há imperceptível salto de 0,1
ponto percentual, para 0,6%.
As revisões para baixo são generalizadas. Na zona do euro, vão de 1,6%
em janeiro para 1,3%; na Ásia, perdem o Japão, que passa de 1,5% para
1,4%, e a China, com 9,3%, ante os 10% previstos antes. Entre os
emergentes, o documento afirma que a diferença entre essas economias e
as avançadas deve continuar, com o crescimento das últimas ficando em
geral ‘aquém do esperado’. (Ibidem: B6)
O texto traz um Saiba Mais onde se fala resumidamente sobre a Grande Depressão
de 1929. É a única notícia da página B6 do caderno Dinheiro, mas por causa de uma
grande propaganda que ocupa essa e a próxima página. Provavelmente, pela falta de
espaço essa seja a única matéria que traz várias estimativas, mas não é ilustrada por um
gráfico.
Curiosamente, no dia 07 de abril, quatro dias após essa notícia, o jornal traz um
editoral (ver Anexo H) que também trata das previsões do Fundo, mesmo que oficialmente
essas só seriam divulgadas dois dias depois. Logo, todas as afirmações são do documento
vazado pela imprensa, um fato que não é mencionado pelo texto. Os números para o
crescimento mundial e de alguns países e regiões são novamente citados. Mas dessa vez há
55
a clara informação de que a desaceleração mundial está relacionada à crise no mercado
hipotecário americano:
O Fundo Monetário Internacional reduziu suas projeções sobre o
desempenho da economia mundial de 4,1% para 3,7% em 2008. A
desaceleração está associada à contração do crédito, sobretudo, em
decorrência da crise das hipotecas. O FMI estimou o crescimento da
economia americana em 0,5%, o dos países da área do euro em 1,3%, o
do Japão em 1,4% e o da China em 9,3%. (FOLHA DE SÃO PAULO,
2008: A2)
Diferente da notícia anterior sobre o assunto, o editorial fala como o crescimento
dos países emergentes seria, consideravelmente, menos afetado do que em crises
anteriores.
A despeito do desaquecimento, a expansão dos países emergentes, avalia
o Fundo, será menos afetada. A alta nos preços das commodities – 75%,
descontada a inflação, desde 2000 – favoreceu as exportações dos países
em desenvolvimento. Os saldos comerciais permitiriam a redução das
dívidas externas e a ampliação das reservas internacionais, o que diminui
a vulnerabilidade a turbulências globais. (Ibidem: A2)
Sobre a alta dos preços das commodities o Fundo afirmava que era uma situação
que perduraria mesmo com a desaceleração americana. Algo que estaria relacionado com
problemas na oferta, baixos estoques, alta demanda e as crescentes aplicações financeiras
nos mercados futoros de commodities.
O editorial termina falando da situação do Brasil dentro deste cenário. O texto cita a
importância das commodities para as exportações do país. Além de afirmar que as
previsões do FMI corroboram as análises otimistas do desempenho da economia brasileira
frente à crise econômica. Apesar disso, o editorial em sua última frase aponta um porém
que não está nas análises do Fundo: “É preciso lembrar, contudo, que não não há seguro
duradouro para o caso de uma crise profunda nos EUA” (Ibidem: A2).
O jornal continua a noticiar as previsões do Fundo Monetário Internacional, agora
com a versão oficial da instituição. Assim como no ano anterior, o jornalista Fernando
Canzian vai até Washington para acompanhar a coletiva de imprensa de divulgação dos
capítulos do Panorama com as projeções e análises do cenário econômico feito pela equipe
do FMI. Contudo, diferente de 2007, esta é a única edição durante todo o ano de 2008 em
que o assunto é tratado em uma página inteira na Folha (ver Anexo I).
Canzian continua com o padrão utilizado em suas reportagens de 2007 e a matéria
principal destaca as análises do Fundo referentes o Brasil. Como o país é citado apenas em
56
uma pergunta durante a coletiva, as declarações de membros da instiuição são bem
reduzidas – o jornalista divide a afirmação dada para a mesma pergunta em três. A maior
parte das informações sobre a economia brasileira é retirada do documento em si.
O lead, no entanto, fala pouco sobre as previsões e análises do desempenho
econômico brasileiro e é focado nas críticas ao patamar dos juros no país: “O FMI (Fundo
Monetário Internacional) sugeriu ontem, indiretamente, que o Banco Central brasileiro
tenha cuidado para não exagerar na dose dos juros por medo da inflação e acabar
prejudicando o crescimento econômico do país em 2008” (CANZIAN, 2008: B3).
Há dois fatos que estão interligados segundo o Fundo: o bom desempenho de
alguns países e as precauções que deveriam ser tomadas para que futuros problemas
trazidos pela crise econômica fossem evitados. No entanto, a matéria não deixa essa
ligação de maneira clara. A grande quantidade de informação sobre os dois fatos, além
daquelas sobre cenário econômico da época, ao invés de contextualizar amplamente o
leitor, torna o texto confuso. Não coincidentemente este é a reportagem com o maior e
mais complexo recurso visual de todas as publicações analisadas.
Figura 6. Gráfico sobre previsões do FMI em abril de 2008
Folha de São Paulo, 10 abril 2008: B3.
57
Um dos parágrafos que falha em fazer interligações claras entre os fatos, no caso
entre as previsões para economia brasileira com o cenário mundial analisado pelo Fundo,
está logo no início do texto:
O Fundo revisou para cima, para 4,8% (0,3 ponto além da previsão de
janeiro), a expectativa de crescimento do Brasil em 2008. Mas, como
prevê uma ‘leve recessão’ nos EUA neste ano, o FMI diz que há ‘espaço
para ação, embora dentro de limites’ para manter economias de países
como o Brasil aquecidas em 2008 – já que a recuperação norte-americana
viria ao logo de 2009. (CANZIAN, 2008: B3)
O número previsto pelo FMI para o crescimento econômico brasileiro, a situação
americana e sua provável recuperação em 2009 estão unidos a um desconhecido “espaço
para ação, embora dentro de limites” para prevenir um maior impacto negativo ao
crescimento de certos países. Todas essas informações presente em único parágrafo sem
que as relações entre elas sejam descrita de forma clara e coesa.
O leitor fica sabendo o que seria “dentro dos limites” apenas adiante do texto onde
o jornalista coloca uma explicação entre parênteses: “neste caso, da meta de inflação”. Um
dos fatores presentes neste “espaço para ação”, no entanto, é descrito em um parágrafo:
‘Até certo ponto, a boa performance recente abriu espaço para ação,
embora dentro de limites. A primeira linha defensiva contra os resultados
negativos deve ser a política monetária, particularmente em países como
Brasil, Chile, Colômbia e México, onde o sistema de metas de inflação
ganhou credibilidade e tem sido bem-sucedido para ancorar as
expectativas de preços’. (FMI apud CANZIAN, 2008: B3)
Curiosamente, a sugestão de que a política monetária seria a primeira “linha
defensiva” não é feita, durante a coletiva, apenas para os países da América Latina, que
vem sofrendo ou poderão sofrer impactos com a redução da demanda global, como sugere
a matéria e sim para todo o mundo.
O texto afirma que o FMI já havia alertado que o juro elevado seria o principal
ponto vulnerável do Brasil. E o texto deixa bem claro os motivos para essa tese do Fundo:
Por conta da taxa elevada, o Brasil vem recebendo enxurradas de dinheiro
de fora captado em países onde o juro – e a rentabilidade dos investidores
– é menor.
Esses ingressos não só prejudicam os exportadores (ao valorizar o real e
encarecer as exportações) como deixam o Brasil sujeito a forte
volatilidade. Numa turbulência, esse dinheiro pode sair rapidamente,
gerando instabilidade.
O relatório do Fundo lembra que ‘o crescimento brasileiro ganhou forte
aceleração em meio a quedas constantes de juros e aumento do emprego”.
E que a demanda doméstica tem sido o principal motor da atual fase de
crescimento (CANZIAN, 2008: B3).
58
A análise e comparação das previsões para o crescimento econômico brasileiro
estão de fato apenas no final da matéria principal, após um subtítulo. Nele o texto conta
que caso as projeções fossem confirmadas, o Brasil estaria acima tanto da média mundial
quanto da América Latina. Junto com a Rússia, seriam os dois únicos países com números
revisados positivamente para o ano de 2008.
A explicação para esse fato é dada por Charles Collyns, diretor-adjunto do
Departamento de Pesquisas do FMI da época, durante a única pergunta relativa ao Brasil
na coletiva de imprensa:
[...] a revisão para cima no caso do Brasil deu-se graças ao resultado do
PIB no quarto trimestre de 2007, quando a economia ‘rodava’ em torno
de 6% em termos anualizados.
‘A economia brasileira vai muito bem desde o ano passado. O quarto
trimestre foi melhor do que havíamos antecipado. Isso terá um efeito
positivo sobre o resultado de 2008’, disse Collyns. (CANZIAN, 2008: B3)
Entretanto, no final da matéria observa-se novamente a estratégia do FMI em
colocar um dado ruim acompanhado de outro positivo:
O economista afirmou que, embora o Brasil esteja mais ‘resistente’ para
enfrentar um desaquecimento nos EUA, ele será afetado. ‘Acreditamos
que a economia brasileira se desacelere em 2008 e 2009, mas isso
ocorrerá a partir de um patamar mais alto do que em outros momentos’.
(Ibidem: B3)
Como nas matérias de 2007, Canzian continua a seguir o mesmo padrão. Após a
matéria principal que tem a economia brasileira como assunto, a próxima notícia publicada
na página B3 (ver Anexo I) trata das previsões para a economia mundial. O texto destaca
um dos aspectos com maior destaque durante a coletiva de imprensa, o fato de que o
desempenho positivo da economia mundial estaria mais ligado ao resultado dos países
emergentes do que ao dos países desenvolvidos:
A economia global de 2008 será marcada por uma importante inversão de
papéis entre os países desenvolvidos e os emergentes.
No crescimento mundial de 3,7% neste ano, na projeção do FMI (Fundo
Monetário Internacional), haverá uma participação recorde do
desempenho de países como China, Índia, Rússia e mesmo o Brasil em
relação ao de EUA, União Européia e Japão.
Na média geral, enquanto os países desenvolvidos devem crescer 1,3%
neste ano (menos da metade do resultado de 2007), os emergentes como
um todo devem alcançar a média de 6,7% (7,9% no ano passado).
(Ibidem: B3)
59
O texto também é direto ao afirmar que o desempenho dos países emergentes fez a
diferença no que diz respeito ao impacto dos problemas de alguns países desenvolvidos na
economia mundial:
Não fosse esse passo mais intenso entre os emergentes, que ganhou ritmo
nos últimos cinco anos, a desaceleração de EUA e países europeus em
2008 teria consequências negativas muito maiores para a economia
global. (CANZIAN, 2008: B3)
Essa boa notícia é interrompida por um subtítulo que traz os piores cenários
imaginados pelo Fundo. Na coletiva os membros da instituição procuram desviar a atenção
para as ações que devem ser tomados para que esses cenários sejam evitados. Já a matéria
dá um grande destaque a eles e o leitor ganha uma parte toda dedicada ao que de pior pode
acontecer. Contudo esse “pior” é focado na economia americana e a nível global, neste
espaço o Brasil nem sequer é mencionado.
Para finalizar, o texto relembra as previsões do FMI no mesmo período do ano
passado. E pela primeira vez o leitor vê de forma direta (e irônica) o questionamento as
análises da instituição:
Há um ano, antes de atual crise se agravar, o FMI não previa uma
‘contaminação’ da turbulência financeira da época na economia global. O
próprio Simon Johnson usou uma metáfora canina para ilustrar a
situação: ‘Não creio que o ‘rabo financeiro’ consiga balançar o ‘cachorro
econômico’’, disse.
Questionado ontem sobre a atual ‘tremedeira no cachorro’, Simon disse:
‘Creio que muitos de nós aprenderam bastante, nos últimos meses, sobre
cachorros, rabos e suas correlações. O que apresentamos hoje é a melhor
visão que conseguimos ter deste momento da economia global’
(CANZIAN, 2008: B3).
O último texto da página (ver anexo I) trata justamente deste tema e é assinado pela
redação da Folha. Infelizmente, não há nenhuma contextualização ou outras fontes sobre o
assunto. Temos vários parágrafos recheados com números e um gráfico de barras para
ajudar na visualização das comparações entre as estimativas do FMI e os resultados
oficiais dos países. No total, a Folha teve no mês de abril três edições nas quais as
previsões do Fundo foram alvo de textos.
Em outubro de 2008 é lançado o segundo relatório do Fundo Monetário
Internacional e, diferente do que ocorreu no de abril, temos a cobertura jornalística dos
capítulos analíticos, mas nenhum editorial a respeito do Panorama Econômico Mundial.
Pela primeira vez, a notícia sobre os capítulos analíticos não é dividida entre uma matéria e
60
um box e são utilizadas duas páginas em que cada matéria aparece como principal. No
entanto, isso só ocorre pelo fato de as páginas B6 e B7 do caderno Dinheiro estar tomadas
por uma grande propaganda.
A primeira máteria publicada na página B6 (ver Anexo J) mostra como este é o
relatório mais pessimista desde que os problemas no mercado hipotecário americano se
tornaram públicos em meados de 2007. O lead marca o tom da notícia:
O FMI (Fundo Monetário Internacional) vê ‘chance substancial de forte
desaceleração’ nos EUA e não descarta que o país venha a mergulhar em
uma recessão. Para o Fundo, a atual crise tem todos os ingredientes para
levar a uma fase prolongada de crescimento muito baixo ou negativo.
(CANZIAN, 2008: B6)
A notícia explica que essa conclusão foi tomada a partir de um estudo do próprio
Fundo em que 113 períodos de crises em 17 economias desenvolvidas nos últimos 30 anos
foram analisados. Inicialmente, são trazidas declarações do documento e de membros da
instituição que descrevem como certas características do cenário da época eram similares
às encontradas no estudo das crises do passado:
‘O comportamento dos preços dos ativos, do crédito e dos empréstimos
imobiliários nos EUA ao longo desse período de estresse no mercado é
muito similar ao de outros momentos seguidos por recessões’, afirmou o
FMI no relatório Panorama da Economia Mundial.
Para o economista-chefe-adjunto do Fundo, Charles Collyns, ‘está claro
que estamos diante do mais perigoso choque nos mercados desenvolvidos
desde os anos 1930, o que representa enorme ameaça para o crescimento
global’.
‘Não consigo pensar em um exemplo de país que tenha sofrido um golpe
tão grande em seu sistema financeiro e que não tenha sofrido fortes
consequências econômicas. Quando os bancos sofrem um estrago como o
atual, aumentam consideravelmente as chances de uma contração severa
e prolongada’, disse Collyns. (CANZIAN, 2008: B6)
O texto faz uma pequena pausa no desenvolvimento desta tese para apontar como
essas afirmações marcam uma mudança no comportamento do Fundo. A instituição até
pouco acreditava que a crise financeira iniciada nos Estados Unidos estaria perto do fim e
não resultaria em uma recessão da economia americana, muito menos causaria uma
desaceleração da economia mundial:
61
O documento é o mais pessimista do FMI sobre a crise e representa uma
forte mudança de opinião da instituição.
Em 17 de setembro, o diretor-gerente do Fundo, Dominique Strauss-
Khan, afirmou: ‘Podemos estar perto do fim da crise financeira’. Em
julho, o mesmo FMI divulgou relatório prevendo uma ‘contração
moderada’ na segunda metade de 2008 e ‘recuperação’ em 2009.
(CANZIAN, 2008: B6)
Após a pausa retomam-se as explicações de como as recessões acontecem de
acordo com as análises feitas pelo FMI. O leitor acompanha, simultaneamente, as
conclusões do estudo em comparação com as características do cenário econômico da
época. Desta forma é muito claro observar as semelhanças entre as duas e, com essa atitude
o texto não abre margem para dúvidas de que realmente a economia americana vivia uma
recessão. O Fundo acredita que há uma chance de que a situação americana fosse mudar
graças aos bons resultados das empresas não financeiras e dos cortes de juros. E a
reportagem não deixa de citar essa segunda opinão do FMI, mas durante todo o texto
escolhe o caminho de mostrar ao leitor como até a própria relutante instituição admite que
de fato vivenciava-se uma clara recessão na economia americana.
A segunda reportagem sobre os capítulos análiticos do Panorama Econômico
Mundial (ver anexo K), como já se afirmou anteriormente, só ocupou outra página por
causa do posicionamente de uma propaganda que ocupa o maior espaço de duas páginas.
Esta pequena notícia fala sobre outro ponto abordado pelos capíltulos: a constante alta dos
preços das commodities. Contraditoriamente ao desaquecimento da economia global, os
preços continuavam altos e o FMI procurava explicar o porquê desta situação e se a mesma
continuaria a acontecer. O texto descreve as principais conclusões do estudo:
Mesmo cogitando uma recessão nos Estados Unidos, com impactos sobre
toda a economia global, o FMI (Fundo Monetário Interncacional) prevê
que os preços das commodities agrícolas e minerais não devem cair no
médio prazo. Ao contrário.
Segundo o Fundo, os preços devem continuar sua trajetória de alta por
dois motivos principais: crescimento das economias emergentes acima da
média mundial e falta de maior capacidade de oferta desses produtos nos
próximos anos.
Em relatório divulgado ontem, o Fundo prevê a manutenção, em
economias como China, Índia e Brasil, de melhora nas condições de vida
da população. Isso precisará ser atendido com mais produtos
manufaturados e mais alimentos. (CANZIAN, 2008: B7)
62
Entre as commodities uma das principais preocupações estaria na alta dos preços
dos alimentos. Entretanto, essa era uma preocupação que não seria compartilhada
igualmente pelos países no mundo, como explica a notícia:
O outro lado da moeda é que as commodities no atual patamar e com
tendência de elevação vão continuar pressionando os índices de inflação
nos países emergentes. Nas economias mais maduras, o peso do custo da
alimentação, principalmente, é bem menor do que nas em
desenvolvimento. (CANZIAN, 2008: B7)
Esse mesmo assunto já foi abordado em um editorial em abril de 2008, mas neste
texto ele surge como algo inédito e as conclusões anteriores – e muito similares (leia-se:
idênticas) a estas – não são citadas.
Pela primeira vez na cobertura jornalística da Folha sobre os capítulos que trazem
as previsões do Fundo Monetário Internacional, o Brasil não é o foco da matéria principal
da página (ver Anexo L). A situação da economia americana só se deteriorava e a
economia mundial seguia os passos desta. Não fazia um mês que o banco de investimento
Lehman Brothers’s anunciou a concordata. Diante desses eventos, em outubro de 2008 o
jornal dá destaque aos dois cenários extremos previstos pelo Panorama Econômico
Mundial para a economia mundial. A matéria inicia-se da seguinte maneira:
Crescimento próximo a zero ou negativo até meados de 2009 nas
economias avançadas. Recuperação lenta e gradual a partir de então.
Para os emergentes, um desempenho ‘substancialmente menor’ daqui em
diante. Menos exportações e pressão sobre as reservas cambiais.
Esses são os cenários mais otimistas traçados ontem pelo FMI (Fundo
Monetário Internacional) no lançamento do relatório ‘Panorama da
Economia Mundial’, em Washington. O mais pessimista, e de pouca
probabilidade, seria uma ‘grande depressão’. (CANZIAN, 2008: B6)
Após os parágrafos de praxe com as estimativas do FMI, o texto dá destaque ao
assunto mais destacado durante toda a coletiva de imprensa: as medidas que os países
deveriam implantar para evitar maiores perdas e ameaças. São destacadas duas declarações
de Olivier Blanchard, novo economista-chefe, bem contudentes em relação ao papel que o
Estado deveria tomar frente à crise econômica:
‘Se os países não implementarem rapidamente resposta coerentes para a
crise financeira, o impacto sobre o crescimento será muito maior que o
projetado. Mesmo que ocorra a implementação, há grande risco de o
declínio da atividade voltar a contaminar o mercado financeiro’, disse.
Blanchard afirmou que a crise se agravou pela falta de coordenação e
adoção de medidas ‘improvisadas’ pelos governos centrais. [...]
‘Creio que o sentido de urgência foi colocado com bastante clareza pelos
mercados. Basicamente, os governos foram forçados a adotar planos para
63
o curto prazo.’ E emendou: ‘Os países devem estar preparados para usar
fundos públicos para apoiar a estabilização do sistema financeiro’.
(CANZIAN, 2008: B6)
Apesar de todo o terror colocado nos governantes dos países, o Fundo continua a
defender que uma grande depressão não acontecerá. Mas, acrescentando que isso
dependeria das medidas postas em prática pelos governos.
Questionado sobre qual seria a chance, de 0 a 10, de a situação fugir ao
controle e o mundo mergulhar em uma ‘grande depressão’, Blanchard
disse: ‘Muito baixa. Se as medidas forem postas em prática, o risco é
extremamente pequeno’. (Ibidem: B6)
O texto não mostra ao leitor que está é uma verdadeira incongruência do sistema
econômico que guia as análises e sugestões feitas pela instituição: o neoliberalismo. Em
matérias anteriores membros do FMI já foram citados colocando o alto gasto público como
um dos principais problemas da economia brasileira, mas agora o mesmo organismo
defende essa prática e a coloca como extremamente necessária.
Em sua parte final o texto descreve resumidamente as medidas sugeridas aos
governos pelo Fundo:
São elas: fornecer liquidez (dinheiro) ao mercado via bancos centrais;
comprar os chamados ativos ‘tóxicos’ dos bancos em dificuldades; e
recapitalizar as instituições afetadas, seja por compra de participações
pelo Estado em bancos ou coordenando fusões entre eles.
Além de jogar essas três ‘bóias’ para o sistema financeiro, o fato de os
bancos centrais terem baixado as taxas básicas de juro ontem funcionaria
como ajuda adicional a quem não puder ser socorrido diretamente por
essa trinca de medidas. (Ibidem: B6)
O segundo texto na página sobre as previsões do FMI (ver Anexo L) fala do
desempenho brasileiro aos olhos da instituição. São citadas as estimativas do Fundo para o
ano de 2008 e 2009, e como de costume é feita a comparação com o desempenho da
América Latina. E, dessa vez, logo no lead da matéria:
Se confirmadas, as previsões do FMI para o crescimento da economia
brasileira colocarão o país à frente da média dos países latino-americanos
pela primeira vez em vários anos.
O Fundo projeta um crescimento de 5,2% do PIB neste ano e de 3,5% em
2009. Em relação à previsão feita em abril, houve corte de 0,5 ponto para
o ano que vem. Para a América Latina, a média prevista de crescimento é
de 4,6% em 2008 e 3,2% em 2009. As reduções decorrem da crise
financeira. (Ibidem: B6)
64
No entanto, assim como nas últimas coletivas de imprensa, o Brasil não muito é
mencionado durante o evento. E as principais ameaças ao desempenho da economia
brasileira vêm, de fato, das análises para os países em desenvolvimento de maneira geral,
como o próprio texto deixa escapar em um trecho:
O FMI considera que os emergentes devem sofrer com a queda nas
exportações (derivada de uma demanda mundial menor por commodities
e manufaturados) e, mais importante, com presssões para usar reservas
para defender suas moedas. (CANZIAN, 2008: B6)
O cenário do futuro próximo para o Brasil, de acordo com o texto, seria que a
pressão do dólar afetaria a taxa de câmbio no Brasil. E, consequentemente, haveria uma
provável dificuldade em se conseguir financiamento estrangeiro, além do impacto na
inflação com o aumento dos preços das importações.
A diferença entre o desempenho dos países desenvolvidos e em desenvolvimento
não aparece em tanto destaque, como em uma das matérias sobre as previsões do FMI em
abril de 2008. Contudo, o gráfico que ilustra a reportagem deixa isso, indiretamente, bem
claro.
Figura 7. Gráfico com estimativas do FMI para 2009
3.4. Cobertura jornalística da Folha de São Paulo do Panorama Econômico Mundial
em 2009
Três edições trazem matérias sobre os relatórios feitos pelo Fundo Monetário
Internacional em 2009. É o menor número dos três anos analisados por este trabalho e o
primeiro em que nenhum editorial trata do assunto.
Folha de São Paulo, 09 out. 2008: B6.
65
O agravamento da crise econômica que não foi prevista pelo Fundo, cujos sinais
foram desacreditados ou reduzidos até se não poder mais, colocou em xeque a relevância
de uma instituição que continuava com estruturas datadas da Guerra Fria. Não pode ser
coincidência o número reduzido de edições em 2009. Além do fato de que uma página
inteira do caderno Dinheiro dedicada unicamente às análises do FMI seja datada do ano
passado.
Novamente em 2009, as conclusões dos capítulos analíticos do Panorama não são
alvo de notícias na Folha. A primeira edição que noticia o relatório tem as previsões do
FMI como alvo de suas reportagens. A matéria principal da página B3 do caderno
Dinheiro do dia 23 de abril de 2009 (ver Anexo M) volta a ter as estimativas para a
economia brasileira como o foco do texto. E as notícias não eram boas como aponta o lead:
O FMI (Fundo Monetário Intenacional) previu ontem que o Brasil
encerrará 2009 com uma contração de 1,3% em sua economia. O Fundo
justificou a projeção afirmando que o país sofrerá mais neste ano os
impactos da desaceleração global, principalmente por conta da queda nos
preços das commodities que exporta (CANZIAN, 2009: B3).
Infelizmente o texto não deixa claro que a contração da economia brasileira não se
baseia sobre um valor positivo, e na realidade é um resultado totalmente negativo. O
gráfico (ver Figura 8, na próxima página) utilizado para ilustrar a matéria, contudo, deixa
esse fato bem visível ao leitor. O que a primeira vista pode até parecer um erro em uma das
abordagens da informação.
A matéria lembra que a última vez que a economia brasileira sofreu uma
“contração” foi em 1992 (com um PIB de -0,5%). Mas, que a pior “retração” (-4,3%), dos
últimos anos, aconteceu em 1990 face às consequências do Plano Collor.
A única declaração de membros do FMI sobre o Brasil é de Charles Collyns e
baseada, novamente, na também única pergunta sobre o país durante a coletiva de
imprensa:
‘Vemos alguns sinais de recuperação [no Brasil] no primeiro trimestre do
ano, em parte porque o governo está utilizando estímulos fiscais e sendo
agressivo na redução dos juros. Isso é positivo e deve amenizar os
choques externos. Mas nossa visão global é que o Brasil será afetado.
Não porque esteja particularmente fraco, mas porque é um participante
importante da economia mundial’, afirmou Charles Collins40
, diretor-
adjunto do Departamento de Pesquisas do FMI. (Ibidem: B3)
40
A grafia correta é Charles Collyns, no texto erroneamente o “y” é substituído por um “i”.
66
Esta declaração é mais um dos exemplos do comportamento da instituição de
sempre trazer alguma conclusão negativa acompanhada por uma análise positiva, uma
atitude que muitas vezes deixa a argumentação confusa e contraditória.
Figura 8. Gráfico com estimativas do FMI para o PIB em abril de 2009
No entanto, a maior parte das informações é novamente baseada nas previsões para
os países em desenvolvimento de maneira geral. Como, por exemplo, o impacto sofrido
nos países exportadores de commodities devido à diminuição da demanda por esses
produtos. Além das consequências da forte queda da atividade econômica nos países
avançados, como a redução da receita das exportações, turismo e remessas de dólares. A
única notícia boa para o Brasil é citada nos parágrafos finais da matéria:
A boa notícia para o Brasil é que o Fundo afirma que o mercado
financeiro tem feito uma ‘diferenciação’ entre os tomadores de
empréstimos.
‘O custo financeiro aumentou substancialmente para alguns países [como
Argentina, Venezuela e Equador], mas se mantém relativamente baixo
para outros mais bem posicionados, como Brasil, Colômbia e México’,
diz o FMI. (CANZIAN, 2009: B3)
Folha de São Paulo, 23 abril 2009: B4.
67
Diferente das outras edições que falavam sobre as previsões do FMI, a próxima
matéria da página destaca, inicialmente, o problema do desemprego no mundo, para só
depois trazer as estimativas e análises para a economia mundial. A notícia (ver anexo M)
afirma que apesar da economia global voltar a se recuperar em 2010, o desemprego só se
estabilizará no ínicio de 2011. Entretanto, números concretos para esse fenômeno são
citados apenas para o caso dos Estados Unidos.
A justificativa dada pelo economista-chefe do Fundo, Olivier Blanchard, é que “as
evidências históricas indicam que a recuperação desta vez será mais lenta do que o normal,
o que levará a um decréscimo também lento no desemprego ao longo do tempo”
(BLANCHARD apud CANZIAN, 2009: B3). Após essa declaração seguem-se os
parágrafos com as estimativas para a economia mundial, alguns países e regiões. As
previsões e estimativas mostram que o cenário era dos piores possíveis, mas o próprio
texto não coloca isso de maneira explícita:
Segundo as projeções do Fundo, a economia mundial deverá encolher
1,3% neste ano (a primeira retração desde a Segunda Guerra Mundial) e
crescer 1,9% em 2010. Como comparação, o mundo cresceu 3,2% e
5,2%, respectivamente, em 2008 e 2007.
O chamado G3 (EUA, com contração de 2,8%; zona do euro, -4,2%; e
Japão, -6,2%) puxará o mundo para baixo, enquanto China (6,5%) e Índia
(4,5%) darão alguma sustentação. No ano que vem, prevê o Fundo, o G3
pode ter um desempenho entre zero e 0,5%, mas outras economias devem
se acelerar um pouco mais.
Blanchard estima que no primeiro trimestre de 2009 a economia mundial
tenha se desacelerado 6%, repetindo a queda ‘sem precedentes’ do último
trimestre do ano passado, quando a crise mundial estourou com toda a sua
força (CANZIAN, 2009: B3).
Chega-se a citar que o economista-chefe tomou cuidado em todas suas afirmações a
respeito do desempenho dos governantes nesta situação: “Na entrevista de ontem na sede
do FMI, Blanchard foi extremamente cuidadoso com suas palavras iniciais e respostas
posteriores, sublinhando sempre que a maioria dos países tem adotado as ‘políticas
corretas’ para enfrentar a crise” (Ibidem: B3).
Diferente do ocorrido em abril de 2009, o Panorama Econômico Mundial de
outubro tem ambas as divulgações dos capítulos analíticos e das projeções como alvo de
matérias. Pela primeira vez, nos três anos analisados por este trabalho, os capítulos
analíticos são lançados no final de setembro, provavelmente para aproveitar a repercussão
da reunião do G20 (21 maiores economias do mundo mais a União Européia) que
aconteceria em dois dias.
68
O principal foco da notícia (ver Anexo N) é a previsão de que a atividade industrial
levará um longo período para recuperar os níveis anteriores aos da crise. Esta conclusão é
feita a partir de um estudo do FMI que analisou 88 crises bancárias em dezenas de países
nos últimos 40 anos. A matéria traz os principais pontos do estudo que demostrariam que a
queda do setor produtivo durante as crises bancárias estaria ligado à escassez de crédito
para investimento e produção.
A conclusão deste estudo soa como uma justificativa racional e plausível para o
fato desta crise apresentar graves problemas que continuariam por um longo período de
tempo, como fica claro nesta parte do texto:
Segundo o economista-chefe do FMI, Olivier Blanchard, as crises
bancárias têm efeitos bem mais severos do que recessões comuns, já que
afetam os investimentos e o consumo; ‘Em ciclos normais de recessão, a
recuperação ocorre bem mais rapidamente e sem grandes perdas no
potencial de produção das empresas’, disse.
A atual crise não é somente global (diferentemente da maioria das
analisadas pelo FMI) como é a maior envolvendo o sistema financeiro,
principalmente o norte-americano, desde a década de 1930. (CANZIAN,
2009: B6)
Logo em seguida o texto, novamente, segue a atitude da instituição de trazer uma
notícia ruim (como a de acima) sempre acompanhada por alguma análise positiva:
“Segundo Petya Brooks, economista do Fundo, a atual crise bancária (que levou o mundo a
uma recessão) não fará necessariamente estragos muito maiores do que as anteriores”
(Ibidem: B6).
A matéria também traz as conclusões de outro capítulo analítico do Panorama, que
procurava responder se haviam sinais prévios à crise para que alguma ação preventiva
fosse tomada pelos governantes. O texto não traz uma conclusão concreta a essa pergunta,
mas tampouco o próprio documento da instituição. A conclusão divulgada pelo FMI é que
o fato de alguns países manterem baixas taxas de juros não foi o principal motivo da crise.
Mesmo que isso estivesse intimamente interligado ao que o FMI considerava o essencial:
Uma forte expansão nos níveis de crédito por um período entre dois e três
anos antes da explosão nos preços dos ativos. Quando há dinheiro farto e
barato no mercado, a tendência é mais investidores procurarem um
número limitados de opções de investimento, jogando os preços para
cima. (Ibidem: B6)
69
O Fundo Monetário Internacional acaba por indiretamente colocar a
responsabilidade nas políticas governamentais. Apesar de, oficialmente, nem mesmo
apresentar uma conclusão clara para o questionamento inicial de seu próprio capítulo.
A última edição do jornal Folha de São Paulo analisada neste trabalho traz a
cobertura jornalística das previsões do Panorama Econômico Mundial de outubro de 2009.
E, diferente da reportagem do mês de abril, mas similar a do ano anterior, o destaque da
matéria principal são as projeções para a economia mundial. Enquanto, uma segunda
notícia fala do desempenho da economia brasileira.
A matéria principal (ver Anexo O) destaca a interpretação da economia global sob a
ótica do FMI que, como a reportagem de outubro de 2008, apresenta um cenário positivo e
outro negativo para os acontecimentos do futuro próximo. Este ano, o pior cenário faz
tanto o título da reportagem – “FMI teme agora nova onda recessiva” – quanto o lead: “ O
FMI (Fundo Monetário) alertou ontem para o risco de a economia global mergulhar
novamente em uma recessão, levando o atual a assumir a forma de W – queda inicial,
recuperação neste segundo semestre e nova queda mais à frente” (CANZIAN, 2009: B4).
Contraditoriamente, o título dado ao gráfico que traz as estimativas do FMI para o
ano de 2009 e 2010 é “Perspectivas melhores”:
Figura 9. Gráfico com estimativas do FMI para o PIB de 2009 e 2010
Folha de São Paulo, 01 out. 2009: B4.
70
Uma das conclusões mais importantes do relatório vem logo após o lead: “O Fundo
diz ainda que a atual recuperação será atípica, com desemprego elevado e baixos níveis de
investimentos e consumo” (CANZIAN, 2009: B4). Apesar de destacar essa análise e as
dificuldades para uma recuperação, o texto não deixa de mencionar esta declaração de
Olivier Blanchard:
O economista-chefe do Fundo afirma que ‘a boa notícia’ é que é possível
dizer que o mundo já deixou a recessão para trás. Mas que só é garantido
prever o que ocorrerá ‘apenas nos seis meses à frente’. ‘Depois disso, não
sabemos’. (Ibidem: B4)
Assim como nas outras reportagens sobre o assunto temos parágrafos com as
estimativas para a economia mundial, para países desenvolvidos e para os países em
desenvolvimento. A importância da intervenção estatal na economia de seus países durante
esse momento de “transição” entre crise e recuperação, um dos assuntos que a coletiva de
imprensa mais destaca, é citada apenas no final do texto: “O Fundo diz que os governos e
bancos centrais devem ‘estar preparados’ para, se necessário, voltarem a gastar mais
dinheiro público para sustentar uma recuperação da qual o setor privado pode não dar
conta” (Ibidem: B4).
A outra matéria sobre o Panorama Econômico Mundial (ver Anexo O) fala
especificamente das previsões para o Brasil e o principal destaque do texto é o fato de que,
segundo o FMI, o país seria o responsável pelo resultado acima da média da América
Latina:
Mesmo prevendo que a economia brasileira encolha 0,7% neste ano (o
Ministério da Fazenda aposta em crescimento de 1%), o Fundo diz que o
Brasil é quem puxará para cima a média da América Latina, que deve
encolher 2,5% em 2009. [...] ‘Para a região, há indicações de que a
recuperação voltou e deverá atingir velocidade moderada no segundo
semestre, com o Brasil à frente’, diz o ‘Panorama da Economia Global’
do FMI.
[...]
‘O Brasil deve liderar na região em parte por causa de seu grande
mercado doméstico e por ter um mercado exportador diversificado tanto
em termos de produtos quanto de destinos, especialmente no que diz
respeito à Ásia’, diz o FMI. (Ibidem: B4)
O texto também procura explicar o motivo para essa “recuperação”. E a resposta
estaria na alta dos preços das commodities exportadas, de acordo com as análises do
relatório. Mas que os países exportadores de commodities não poderiam contar muito
71
tempo com esse apoio já que “dificilmente os preços dos produtos básicos devem aumentar
mais no curto ou médio prazo” (CANZIAN, 2009: B4).
3.5. Considerações finais sobre a cobertura jornalística da Folha de São Paulo das
previsões do Fundo Monetário Internacional
As análises do Fundo Monetário Internacional sobre o futuro da economia mundial
tem espaço na Folha de São Paulo, especificamente no caderno Dinheiro41
que é dedicado
à cobertura jornalística dos assuntos econômicos brasileiros e mundiais. Durante os anos
analisados por este estudo, 2007, 2008 e 2009, o jornal sempre noticia as previsões e
análises do Fundo divulgadas por meio do relatório World Economic Outlook (WEO).
Cada lançamento de capítulos do relatório é usado pelo jornal como notícia factual.
No espaço dos três anos analisados, apenas em duas ocasiões (abril de 2008 e 2009) não
foram noticiados os capítulos analíticos do estudo. Nas outras quatro ocasiões observadas,
o periódico segue a agenda do FMI e publica em duas edições o conteúdo de apenas um
relatório. Já que conforme planejado pelo setor de mídia da instituição, a divulgação do
relatório é dividida em duas partes.
Para realização da análise proposta por este trabalho foram analisadas quinze
páginas do jornal Folha de São Paulo que continham uma ou mais matérias sobre o
relatório do Fundo, o que corresponde a um total de dezoito matérias e três editoriais que
abordavam diretamente o estudo. Dessas dezoito, dez matérias eram o destaque da página
onde foram publicadas. Diante da análise deste contigente pode-se afirmar que previsões –
análises e estimativas – feitas pelo FMI são mais evidenciadas do que seus estudos (os
chamados capítulos analíticos).
Apenas três jornalistas42
foram responsáveis por todas as matérias ao longo desses
três anos: Denyse Godoy escreveu as duas reportagens (uma delas destaque da página)
sobre os capítulos analíticos dos relatórios de 2007; Sérgio Dávila noticiou o vazamento
das previsões de abril de 2008 (e foi a única matéria da página); e Fernando Canzian
assinou as outras quatorze (oito delas sendo o destaque da página).
Muitas vezes, como apontado durante as análises de cada matéria, o jornalista vai
além da transmissão de uma tese, argumentos e dados. A influência da fonte é tão forte que
41
Atualmente, a Folha de São Paulo nomeia seu caderno de economia como Mercado. 42
Uma das matérias é a assinada pela Redação da Folha.
72
o profissional passa a absorver alguns dos comportamentos da mesma. Nas reportagens da
Folha várias vezes pode-se observar que o texto traz uma informação negativa sempre
acompanhada por uma informação positiva. Esta nada mais é que uma das estratégias do
FMI para camuflar informações negativas, principalmente, durante as coletivas de
imprensa do Fundo, e até no próprio documento.
Uma das características marcantes da cobertura jornalística da Folha é que as
reportagens sobre o relatório do FMI são sempre tratadas como notícias factuais. Em todas
as matérias a única voz e opinião é a divulgada e defendida pelo FMI. Outros organismos
são citados quando suas estimativas são comparadas às do Fundo. Logo, a citação é restrita
a ordem numérica, quaisquer opiniões ou análises não são mencionados. Apenas em 2008
observa-se que as matérias, em alguns momentos, utilizavam a comparação entre
estimativas do próprio Fundo como material para produzir afirmações que não tinham o
selo oficial da instituição.
Cada jornalista tem uma maneira particular de escrever, ainda mais quando falam
sobre o mesmo assunto, neste caso as conclusões dos relatórios do FMI. Uma atitude que
fica clara ao observar os padrões das reportagens feitas por Godoy e Canzian.
Especialmente este último, já que foi possível analisar uma quantidade considerável de
matérias.
Muitas vezes a impressão é que os jornalistas seguem um molde no qual apenas se
adicionam dados e informações novas. Algumas das matérias são tão parecidas que, caso
se retirasse a menção ao ano que foi publicada, ficaria difícil diferenciar uma da outra ou
descobrir o correto ano de cada. Um exemplo emblemático é que das oito reportagens de
Fernando Canzian, que são o destaque da página onde foram publicadas, seis iniciam-se da
mesma maneira: “Para o FMI (Fundo Monetário Internacional)...”.
Os números são importantes para uma reportagem econômica, mas, muitas das
vezes, são dispostos de maneira que apenas confunde o leitor. Nas matérias analisadas por
esse trabalho, inúmeras são as situações em que o texto apresenta verdadeiros blocos de
estatísticas e estimativas. Não coincidentemente, a grande maioria delas está acompanhada
por algum tipo de recurso visual, geralmente os gráficos de barras. Entretanto, fica o
questionamento se essa atitude é suficiente para deixar as informações realmente acessíveis
para a maioria dos leitores.
Durante as análises das matérias, provalmente, as palavras mais repetidas eram
sinônimas de “clareza”. Justamente por este ser o principal e mais presente problema nas
73
reportagens. Em resumo, os motivos para essa afirmação são variados: informações
contraditórias, grande quantidade de números no mesmo espaço, vocabulário rebuscado
e/ou técnico e explicações de difícil entendimento.
Mesmo sendo uma pequena amostra do noticiário econômico pode-se observar as
características, questões e problemáticas tão características do jornalismo econômico
brasileiro. Justamente como os autores citados na seção “Elementos do jornalismo
econômico brasileiro” descreveram (e temiam).
74
4. CONCLUSÃO
Ao início deste trabalho falou-se da importância do futuro em nossas vidas e como
a existência das previsões econômicas estava intimamente relacionada a esse que é um dos
temores mais característicos da raça humana. Sendo um assunto cheio de nuances ele é
polêmico entre os próprios economistas. No centro do debate está o problema de que o
futuro é incerto. Parte deles usa essa afirmação para contestar a efetividade das previsões,
enquanto os seus defensores acreditam que, apesar deste fato, o estudo econômico
providencia ferramentas suficientes para poder chegar à conclusões satisfatórias.
Entretanto, a análise das previsões feitas pelo Fundo Monetário Internacional
demonstrou como suas previsões revelam mais sobre a própria instituição e o sistema
econômico em que estamos atualmente inseridos do que sobre o futuro dos
desdobramentos econômicos em si. O Fundo acredita tanto em suas conclusões que, por
exemplo, as medidas e resultados que o Brasil teve que apresentar, por anos, para garantir a
ajuda financeira do FMI eram baseados nas suas próprias previsões.
Durante o período analisado pode-se observar como as conclusões do Fundo para o
futuro próximo de fato demonstravam seus desejos e valores. Em 2007 quando a economia
americana já dava sinais de que enfrentaria problemas com a crise das hipotecas no
mercado imobiliário, o FMI usava metáforas com resfriados e até cachorros junto com suas
estimativas e dados. O objetivo era defender a tese de que a economia mundial continuaria
com os resultados que fizeram os anos anteriores o período com a prosperidade mais longa
e igualitária que em outros ciclos.
Já em 2008, antes e após a crise eclodir, o Fundo até reconhecia os problemas
enfrentados pela economia em nível mundial, mas acreditava em uma recuperação em
2009, com o auxílio do dinheiro público. Mesmo depois da eclosão “oficial” da crise, com
a concordata do banco de investimento Lehman Brothers, o FMI jamais usava a palavra
recessão para descrever o cenário da época – ela só aparecia como uma possibilidade nos
piores cenários imaginados pela instituição.
Durante o ano de 2009, período em que as perdas e consequências atingiram
fortemente todo o mundo, o Fundo não reconheceu que passou grande parte do tempo, em
que efetivamente poderia ter sido tomada alguma atitude, desacreditando os sinais emitidos
pela economia mundial. E, além disso, colocou toda a responsabilidade nos governos para
se evitar o agravamento da crise. Os governantes deveriam usar dinheiro público em
75
medidas apresentadas pelo Fundo para combater as consequências dos problemas trazidos,
em grande parte, pela desregulamentação do setor financeiro, um fenômeno amplamente
defendido pela própria instituição.
De outro lado, descrevemos como o FMI valoriza a transmissão de suas opiniões
para uma ampla audiência por meio da importância dada ao seu relacionamento com a
mídia. A divisão do lançamento do relatório que traz suas conclusões em duas partes, cada
uma com sua própria coletiva de imprensa, a transmissão das mesmas ao vivo pela internet,
o constante incentivo ao envio de perguntas ao setor de imprensa da instituição são
algumas das atitudes do Fundo que demonstram o nível do tratamento dado aos
profissionais de imprensa.
O FMI compreende como conhecimento dentro do contexto econômico é poder e
que, principalmente, a exposição de suas opiniões é fundamental para a reiteração da sua
relevância dentro do cenário mundial. Daí a importância da mídia como mediadora entre a
instituição e o público que, como afirmamos anteriormente, é peça chave nas engrenagens
econômicas.
A respeito da atividade jornalística abordamos, inicialmente, os elementos do
jornalismo econômico brasileiro. Sua história ligada com as drásticas mudanças
vivenciadas por nossa sociedade ao longo dos anos, além da sua complexa e interligada
relação com a política brasileira. Como as teorias dominantes influenciam na ideologia
seguida pelo jornalismo econômico e a característica mentalidade do profissional desta
área descrita, por exemplo, em fundamentos como ingenuidade, entreguismo e
deslumbramento, entre outros.
Um dos aspectos unanimemente citado pelos autores abordados pelo trabalho são
os problemas de linguagem presentes na grande maioria do jornalismo econômico
produzido no país. A utilização de termos técnicos, palavras traduzidas (ou não), o uso
desenfreado de números, além da falta de contextualização são alguns dos problemas mais
presentes em grande das reportagens que tratam os assuntos econômicos.
Estas foram as bases para a análise da cobertura jornalística da Folha de São Paulo
sobre as previsões econômicas feitas pelo FMI. Tendo os anos de 2007, 2008 e 2009 como
foco, analisamos quatorze edições do jornal que continham um ou mais textos que
abordavam o assunto, que resultou em um total de dezoito matérias e três editoriais. Vimos
que mesmo esta pequena amostragem pode demonstrar como os elementos do jornalismo
econômico brasileiro não são apenas conclusões feitas por acadêmicos e antigos
76
profissionais. Os problemas de linguagem estavam lá, juntamente com a falta de
contextualização, as questões ligadas à fonte, como a existência de uma única voz nos
textos, a especialização dos profissionais, o constante uso de padrões e a abordagem
factual de um assunto tão complexo.
Por fim, a análise da cobertura jornalística feita pelo periódico proporcionou
algumas conclusões importantes sobre a relação entre as opiniões do FMI e a mídia, além
do próprio tratamento dado ao assunto na cobertura jornalística. Pode-se afirmar que em
nenhum momento a relevância da instituição ou das suas previsões foi diretamente
contestada. Nem após a recessão não poder ser mais ignorada pela instituição que,
claramente, não havia produzido projeções acuradas. Ou mesmo durante os editoriais nos
quais o jornal poderia dar sua opinião sobre o assunto, algo que, de acordo com os pilares
jornalísticos, não deveria ser feito durante as notícias.
Tampouco há uma verdadeira contextualização das previsões do FMI. Em todas as
matérias analisadas as previsões do Fundo são tratadas como notícias factuais. Também
não há nenhuma mudança de comportamento após 2008 e as projeções continuam com
espaço garantido na cobertura jornalística econômica do jornal. Nem mesmo se observa
uma mudança de tratamento dado a este tipo de notícia. Como foi descrito durante as
análises, na realidade todas as matérias continuam seguindo os mesmos padrões e,
consequentemente, sendo muito parecidas.
Apesar das previsões possuírem espaço cativo dentro do noticiário econômico, a
utilização contínua de determinados padrões e o tratamento como notícias factuais deixa
uma questão em aberto. Já que esse tipo de atitude não permite afirmar, com certeza, se as
previsões são realmente relevantes para a cobertura jornalística econômica brasileira, ou
apenas se tem o hábito de noticiá-las nos cadernos de economia.
Após todas essas análises e conclusões podemos afirmar que este trabalho
contribuiu para o avanço dos estudos sobre o noticiário econômico no país. Um campo que
não possui uma ampla bibliografia, especificamente tratando de como as previsões
econômicas para o futuro da economia do país e do mundo são transmitidas para aqueles
que irão realizá-lo e ser impactados por ele.
77
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Livros e artigos
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81
6. REFERÊNCIAS HEMEROGRÁFICAS
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próximo ano. Folha de São Paulo, São Paulo, p. B3, 23 abril 2009.
_________________. Economia global deve crescer 4,9%, estima Fundo. Folha de São
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_________________. FMI alerta de novo contra alta de juros no país. Folha de São Paulo,
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_________________. FMI alerta para gastos públicos do Brasil. Folha de São Paulo, São
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_________________. FMI diz que crise é “rara e severa” e descarta recuperação em 2009.
Folha de São Paulo, São Paulo, p. B8, 17 abril 2009.
_________________. FMI prevê alta de 4,4% no PIB do país. Folha de São Paulo, São
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_________________. FMI teme agora nova onda recessiva. Folha de São Paulo, São Paulo,
p. B4, 01 out. 2009.
_________________. Fundo nem sempre acerta nas previsões do PIB. Folha de São Paulo,
São Paulo, p. B3, 10 out. 2008.
_________________. Inflação dos alimentos volta a ser ameaça para países emergentes, diz o
organismo. Folha de São Paulo, São Paulo, p. B6, 18 out. 2007.
_________________. PIB do Brasil cairá 1,3% neste ano, prevê FMI. Folha de São Paulo,
São Paulo, p. B3, 23 abril 2009.
82
_________________. Previsão de PIB cai, mas ultrapassa média da AL. Folha de São Paulo,
São Paulo, p. B6, 09 out. 2008.
_________________. Recuperação industrial no mundo deve levar anos, prevê FMI. Folha de
São Paulo, São Paulo, p. B5. 23 set. 2009.
_________________. Turbulência leva Fundo a cortar previsão do PIB global de 5,2% para
4,8% em 2008. Folha de São Paulo, São Paulo, p. B6, 18 out. 2007.
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http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u53074.shtml>. Acesso em: 13 de out.
2014.
83
7. ANEXOS
ANEXO A - Folha de São Paulo, 5 de abril de 2007, página B5
84
Influência dos EUA sobre economia global é menor, afirma FMI
Segundo relatório do Fundo, efeitos de desaceleração são maiores para os países que
mantêm relacionamento próximo com americanos, como Brasil e México
DENYSE GODOY
DE NOVA YORK
Para o FMI (Fundo Monetário Internacional), continua sendo verdadeira a máxima de
que, quando os EUA espirram, o resto do mundo pega um resfriado. Entretanto, embora a sua
economia influencie bastante as demais, as conseqüências de um desaquecimento da maior
potência do planeta para os outros países não devem ser exageradas. Essa é uma das
conclusões da última edição do Panorama Econômico Mundial, relatório elaborado pelo
Fundo do qual foram divulgados ontem alguns capítulos.
O ritmo de desaceleração dos EUA está no centro das preocupações de analistas,
investidores, das nações mais ricas e das que estão no caminho do desenvolvimento, como o
Brasil. Os indicadores ainda não mostram claramente qual é o passo.
O FMI diz que, ao longo do tempo, aumentou o tamanho potencial do estrago que
turbulências nos EUA podem causar, já que também cresceu a sua integração comercial e
financeira com outros países.
Os efeitos são mais importantes para os países que mantêm relacionamento próximo
com os EUA, como os da América Latina -em especial, Brasil e México.
Mas, se, por exemplo, a taxa anual de crescimento do PIB americano fosse reduzida
em 1 ponto percentual, isso significaria apenas menos 0,2 ponto percentual nos índices latino-
americanos. O FMI estima que, para o Brasil, o impacto seria de aproximadamente 0,75 ponto
percentual no primeiro trimestre após o choque; entre o quarto e o quinto trimestre, ele já teria
sido assimilado. África e emergentes da Ásia não sofreriam tanto: em torno de 0,1 ponto
percentual.
"Isso posto, episódios anteriores de reduções de crescimento altamente sincronizadas
em todo o mundo foram essencialmente resultado de acontecimentos globais, não de
contaminação a partir de acontecimentos específicos dos EUA", destaca o estudo, citando a
crise da década de 70, causada pelo salto dos preços do petróleo, e a que teve lugar no início
dos anos 2000, devido ao estouro da bolha de tecnologia.
O cenário desenhado pelo Fundo não é catastrófico, como alguns especialistas
chegaram a imaginar. Também contribui para essa relativa tranqüilidade o fato de que, até o
momento, somente o setor imobiliário americano dá sinais de esfriamento. "Todavia, se a
85
desaceleração desse mercado chegar ao consumo e aos investimentos em negócios, então
maiores conseqüências podem ser esperadas", alerta o FMI.
O relatório também fala sobre como o ajuste cambial pode ajudar a diminuir o déficit
em conta corrente dos EUA, que subiu 8,2% em 2006, atingindo US$ 856,7 bilhões. A
balança comercial americana pode ser mais sensível à variação do dólar do que se supunha.
Uma depreciação da moeda inferior a 10% poderia fazer o déficit comercial cair cerca de 1%
do PIB.
Box: Globalização afeta trabalho, diz Fundo
DE NOVA YORK
O Panorama Econômico Mundial, do FMI, também adverte sobre as conseqüências
negativas que a globalização pode ter sobre o mercado de trabalho mundial.
De acordo com o Fundo, nas últimas duas décadas o contingente de mão-de-obra
quadruplicou, tanto devido ao crescimento da população quanto como conseqüência da maior
integração das economias chinesa, indiana e do Leste Europeu ao comércio internacional. Até
2050, estima, pode ainda dobrar.
Os países desenvolvidos têm acesso a esse contingente de três formas: pela importação
de produtos finais, pela terceirização da fabricação de bens em outros lugares e pela imigração
-esta última é mais relevante nos Estados Unidos.
Se o fenômeno trouxe importantes dividendos para as nações mais ricas e fez aumentar
a renda dos trabalhadores -já que cresceram as oportunidades de exportação, e a produtividade
foi favorecida pelo barateamento dos insumos e pela maior eficiência dos processos de
fabricação-, fez com que caísse a participação dos rendimentos advindos do trabalho no PIB
dos países.
Em média, a queda foi de sete pontos percentuais desde 1980. Mas a globalização é
apenas um dos motivos para isso -as rápidas mudanças tecnológicas tiveram um papel ainda
mais significativo.
Para maximizar os benefícios da globalização sobre o mercado de trabalho, o FMI
recomenda que ele seja aprimorado.
"Políticas que reduzam o custo da mão-de-obra e facilitem o trânsito dos empregados
de áreas da economia que estão em estagnação para outras em ascensão poderiam ajudar
nesse ajuste", bem como melhorar o acesso a educação e a programas de treinamento e
reciclagem, escreveu o Fundo no texto divulgado ontem.
86
ANEXO B - Folha de São Paulo, 7 de abril de 2007, página A2, editorial
O impacto dos EUA
Emergentes dependem menos da economia dos Estados Unidos, mas América Latina é
exceção, afirma estudo do FMI
OS SINAIS reiterados de desaceleração na economia americana, com as quedas nos
preços e na quantidade de imóveis vendidos e construídos, trazem preocupações aos investidores e
aos governos dos diferentes países. Teme-se que o aumento da inadimplência nos financiamentos
imobiliários nos EUA contraia o crédito e restrinja o consumo e os investimentos -com
repercussões na economia mundial.
Um aspecto atenuante para esse diagnóstico acaba de ser divulgado pelo FMI. Segundo a
publicação "Panorama Econômico Mundial", reduziram-se os impactos da economia americana na
dinâmica da produção global. Uma desaceleração da maior economia do planeta já não se
propagaria hoje com a mesma força de crises anteriores.
Pelo método da paridade do poder de compra, que procura comparar a capacidade de
adquirir bens e serviços das moedas nacionais, a participação dos EUA no PIB global caiu de 28%
em 1950 para 20,5%em 2005. Entre os países desenvolvidos, a região européia também perdeu
participação, enquanto o Japão ganhou (até 1990).
Nesse período de 55 anos, os países em desenvolvimento galgaram mais de 10 pontos
percentuais. A sua participação no PIB global chegou a 50,5% em 2005.
Esse movimento foi impulsionado pela Ásia, sob a liderança da China, que passou a
responder por 14% do PIB global, e da Índia, com 5,7%. Houve também a queda da participação
dos países do Leste Europeu e antiga União Soviética, de 13,3% para 6% no mesmo período. O
Brasil respondia por 1,7% do PIB global em 1950 e passou para 2,7%.
Reconhecer os avanços dos países em desenvolvimento, no entanto, não implica
desconsiderar o papel crucial desempenhado pelo dólar e pelo sistema financeiro americano no
mercado de capitais mundial. Tampouco significa desprezar a importância da demanda americana
para o comércio global.
O FMI alerta que, contrariando a regra geral, a crescente integração financeira e comercial
ampliou o potencial de repercussão das turbulências americanas para alguns países. Os impactos
seriam maiores na América Latina, sobretudo nas economias mexicana e brasileira.
O Brasil vem tomando medidas preventivas a esse respeito: melhorou bastante seus
indicadores de solvência externa e diversificou seus parceiros comerciais nos últimos anos. Se
terão sido suficientes para evitar um eventual contágio em níveis dramáticos, o tempo dirá.
87
ANEXO C - Folha de São Paulo, 12 de abril de 2007, página B1
88
FMI prevê alta de 4,4% no PIB do país
Estimativa de crescimento é menor que a média prevista para a AL e a economia global,
de 4,9% em ambos os casos
Fundo mostra otimismo com país, elogia BC, mas critica alta carga tributária, gastos
elevados do governo e ambiente de negócios
FERNANDO CANZIAN
ENVIADO ESPECIAL A WASHINGTON
O FMI (Fundo Monetário Internacional) projeta crescimento de 4,4% para a economia
brasileira em 2007 e de 4,2% para o ano que vem.
A estimativa, que já usa o novo cálculo do PIB do país, é superior à do próprio
mercado brasileiro, que prevê, em média, alta de 3,9% neste ano.
No ano passado, nesta época do ano, o FMI previa alta do PIB brasileiro de 3,5%, mas
ele fechou em 2,9% (na metodologia antiga do cálculo do IBGE).
Brasil e Chile são os dois únicos países da América Latina que devem crescer mais
neste ano em relação a 2006, diz o Fundo. Mas o PIB do Brasil deve ficar abaixo tanto da
média mundial quanto da América Latina (4,9% para ambos os casos), diz o relatório
"Panorama da Economia Mundial".
"Certamente estamos otimistas com a economia brasileira, que deve ganhar mais
ritmo", disse Charles Collyns, economista-chefe-adjunto do FMI. Ele considerou "bem-vinda"
a recente mudança na metodologia de cálculo do PIB.
"O Brasil tem se beneficiado da alta das commodities. Também passou por um período
de crescimento relativamente baixo, que conteve a inflação. A economia agora responde à
redução dos juros, e esperamos que continue a crescer."
Collyns disse que não vê "nenhuma razão para que os juros no Brasil permaneçam
altos no médio prazo". Lembrou que o país pratica taxas muito superiores às de seus vizinhos,
mas também elogiou o "gradualismo" e a "prudência" do Banco Central na redução dos juros,
que já dura um ano e meio.
"A economia vai crescer em um ritmo mais acelerado, mas também deve manter a
inflação baixa", disse Collyns. Para o FMI, os juros menores darão novo impulso à demanda
doméstica. "Dados mais recentes mostram que essa recuperação já está a caminho."
Ao mesmo tempo em que prevê uma aceleração, o Fundo voltou a afirmar que o Brasil
só não cresce em um ritmo mais rápido por "fatores estruturais muito bem conhecidos".
89
"O Brasil tem um nível de gasto público extremamente alto levando em conta sua
renda. Esse gasto é financiado por uma carga tributária muito elevada", disse Collyns.
O FMI voltou a cobrar mais "flexibilização" no Orçamento brasileiro, onde grande
parte das receitas são vinculadas por lei a gastos específicos.
Collyns disse também que há problemas a serem atacados no sistema financeiro do
país, como os altos "spreads" (diferença entre o custo de captação de capital o banco e o
quanto ele cobra do cliente) nos empréstimos, e que o mercado de capitais precisa ser melhor
"desenvolvido". "Há ainda uma série de questões nas áreas de clima para negócios e infra-
estrutura"" acrescentou.
Na América Latina, o crescimento brasileiro em 2007 ficará abaixo da média da região
(4,9%) e de países como Chile (5,2%), Colômbia (5,5%), Peru (6%) e Uruguai (5%),
Venezuela (6,2%) e Argentina (7,5%).
Apesar do otimismo, o FMI diz que mercados emergentes como os da América Latina
e da Ásia "merecem particular atenção dados os inúmeros exemplos de "bolhas" seguidas por
estouros".
"Mas a boa notícia é que, em geral, os países emergentes buscam se reestruturar neste
atual clima benigno da economia mundial", diz o Fundo.
Em 2007, segundo as previsões do FMI, os mercados emergentes devem receber US$
283,7 bilhões líquidos em investimentos privados destinados ao setor produtivo.
O principal destino desse dinheiro será a Ásia emergente, com uma fatia de US$ 96,1
bilhões. Já a América Latina ficará com US$ 61,3 bilhões, muito superior aos US$ 34,5
bilhões registrados em 2006.
90
Economia global deve crescer 4,9%, estima Fundo
DO ENVIADO ESPECIAL A WASHINGTON
A economia mundial deve crescer 4,9% neste ano num ambiente de riscos menores
que os identificados há seis meses, prevê o FMI. Para 2008, o Fundo prevê mais 4,9%.
Se as previsões do Fundo estiverem certas, 2008 será o sexto ano consecutivo de crescimento
ao redor de 5% -feito inédito desde o início dos anos 1970. O FMI estima em 20% as chances
de a economia global crescer abaixo de 4% em 2008.
A previsão para o biênio 2007-08, porém, é inferior aos 5,4% registrados em 2006.
Sobretudo por um desaquecimento além do esperado nos EUA. O FMI revisou de 2,9% para
2,2% a previsão de desempenho da maior economia do mundo neste ano. Em 2008, o
crescimento dos EUA voltaria ao patamar de 2,8%.
O Fundo destaca que o cenário que tendia para o negativo em 2006 está desanuviando.
Mais: o crescimento atual é homogêneo em várias partes do mundo, a inflação está sob
controle e há melhora significativa nos fundamentos macroeconômicos de vários países.
"Apesar dos altos e baixos recentes no mercado financeiro, a economia global deve ter
mais um bom ano em 2007. Os riscos também são menos ameaçadores do que pareciam em
setembro", afirmou Simon Johnson, economista-chefe do FMI.
Ele comparou as recentes turbulências do mercado aos abanos da cauda de um cão. "A
economia mundial e seus fundamentos hoje sólidos são o corpo do cachorro. Com isso firme,
é difícil que o movimento do rabo provoque grandes estragos." Para ele, a instabilidade foi
"uma limitada e bastante temporária fuga de ativos mais arriscados, especialmente nos
mercados emergentes, depois de um longo período de valorização".
"Os mercados já se recuperaram. Acreditamos que os sólidos fundamentos
macroeconômicos servirão mais como âncora contra o nervosismo. E não que as turbulências
afetem o cenário econômico atual", disse Johnson.
A economia européia deve crescer 2,3% neste ano, assim como a japonesa. Na Ásia
emergente, 8,8% -com a China ainda crescendo 10%, na previsão do Fundo. Na América
Latina, a previsão para 2007 é de 4,9%. Na Rússia, 6,4%.
Em 2006, os EUA foram responsáveis por 19,7% do crescimento global. A China, por
15,1%; a União Européia, por 14,7%. O Brasil, por 2,6%.
Como os EUA cresceram 3,4% em 2006, seu impulso na economia global deve cair
neste ano, com Ásia e Europa ganhando maior relevância.
91
Inflação e EUA
O relatório "Panorama da Economia Mundial" do FMI diz que as pressões
inflacionárias identificadas em vários países até o ano passado também diminuíram.
Mas os EUA continuam sendo a grande incógnita. O FMI lembra que a inflação
acumulada em 12 meses no país ainda está acima do alvo perseguido pelo Fed (o BC
americano) e que a produtividade cresce em ritmo menor -o que pode trazer custos e preços
maiores.
Em fevereiro, o "core" (núcleo, que exclui energia e alimentos) da inflação americana
estava em 2,7%, abaixo dos 2,9% de setembro.
O mercado de financiamentos imobiliários de alto risco ["subprime"] dos EUA
também preocupa desde que a inadimplência bateu em 13,3% no final de 2006. Os "estoques"
de moradias novas também são os maiores em 15 anos.
Nos EUA, o mercado imobiliário é uma grande fonte de financiamento, já que os americanos
recorrem a hipotecas para levantar crédito. Quando o mercado cai, a tendência é que o consumo
também caia, com reflexos globais. Individualmente, os EUA absorvem 20% da importação mundial.
"Se os EUA espirram, o resto do mundo pega um resfriado? Em nossa visão, se é que os EUA
espirraram, foi um espirro muito fraco", disse Johnson.
Ele prevê que a solidez e os altos lucros recentes das empresas americanas gerem um novo
ciclo de investimentos no país, puxando o crescimento. (FCZ)
92
ANEXO D – Folha de São Paulo, 13 de abril de 2007, página A2, editorial
Diagnóstico do Fundo
FMI prevê o maior ciclo de expansão econômica mundial em 37 anos, mas se preocupa com as
hipotecas americanas
O FUNDO Monetário Internacional, no relatório "Panorama da Economia Mundial", projetou
uma leve desaceleração para a economia global em 2007.
Em 2006 a expansão internacional foi de 5,4%, e a estimativa é que atinja 4,9% neste ano e no
próximo. Se essa perspectiva se confirmar, seis anos consecutivos de taxas positivas superiores a 4%
se terão consolidado, o melhor desempenho em 37 anos.
Para o Fundo, a economia americana deverá reduzir seu crescimento de 3,3% para 2,2%, e a
zona do euro, de 2,6% para 2,3%; o Japão manterá seu ritmo em torno de 2,3% e a China vai
desacelerar de 10,7% para 10%.
A subida nos preços dos grãos, segue o Fundo, ajudará exportadores de produtos agrícolas,
como Brasil e Argentina. A taxa de expansão do PIB brasileiro é estimada em 4,4% neste ano -
aceleração, ante os 3,7% de 2006, mas abaixo da média projetada para a América Latina (4,9%).
Esse cenário benigno, no entanto, não está imune a riscos. A principal ameaça, avalia o Fundo,
vem do mercado imobiliário dos Estados Unidos, que continua a contrair-se -com impactos ainda
incertos no sistema financeiro e no consumo das famílias. O elevado patamar de endividamento em
alguns setores corporativos nos EUA e na Europa também preocupa o FMI.
A crescente integração dos mercados financeiros globais aumenta a chance de que problemas
localizados se espalhem. Uma demonstração desse fenômeno ocorreu há cerca de um mês, quando um
surto mundial de venda de ações foi iniciado na pouco relevante Bolsa de Xangai.
Até o momento, no entanto, as inovações financeiras -caso dos mecanismos de diluição de
riscos conhecidos como derivativos- têm cumprido o papel que seus entusiastas preconizam. As
correções nesses mercados têm se manifestado na forma de crises episódicas, logo revertidas.
É curioso observar como esse período ímpar de estabilidade e crescimento da economia global
se assenta numa relação estruturalmente desequilibrada entre os Estados Unidos e a Ásia, liderada pela
China. O governo americano se endivida internamente, e o país com o resto do mundo, para sustentar
um nível forte de expansão do consumo.
As nações superavitárias, ao contrário do que os bancos em geral fazem com seus clientes que
acumulam dívida mas não diminuem seus gastos, estão sempre dispostas a emprestar mais aos
americanos. Enquanto perdurar essa relação de conveniência, dificilmente uma grande crise
econômica sobrevirá.
93
ANEXO E – Folha de São Paulo, 10 de abril de 2007, página B9
94
FMI alerta para riscos da crise imobiliária
Mundo vive momento único de crescimento, mas "perspectivas de estabilidade futura
não devem ser tomadas como certeza", diz Fundo
Por conta das turbulências originadas no mercado de hipotecas, organismo deve revisar
para baixo estimativa de expansão global para 2008
DENYSE GODOY
DE NOVA YORK
Com grande taxa de crescimento, baixa inflação e queda da volatilidade, a
economia mundial vive momento único, segundo o FMI (Fundo Monetário Internacional),
devido às políticas macroeconômicas adotadas e a um ambiente institucional mais seguro.
Na comparação com outro período positivo, os anos 60, o que torna a atual fase especial
são a maior estabilidade e o fato de que, em geral, todos os países participam do progresso.
Isso não significa, porém, que dê para relaxar: a crise no mercado imobiliário
americano, que estourou há pouco mais de dois meses, é uma das ameaças a esse cenário.
"Embora o ciclo econômico tenha mudado para melhor, as autoridades devem se lembrar
de que ele não desapareceu. As perspectivas de estabilidade futura não devem ser tomadas
como certeza [pois ainda há a possibilidade de uma recessão suceder a bonança]", diz o
Fundo na mais recente edição do relatório semestral Panorama Econômico Mundial, do
qual foram divulgados ontem alguns capítulos.
O relatório lembra que, no passado, entre os fatores que fizeram o crescimento
global diminuir o ritmo, estão os que provocaram recessão da economia dos EUA. Agora,
as autoridades precisam se adaptar aos novos desafios trazidos pela globalização, "porque
esse processo pode ter gerado novas vulnerabilidades -por exemplo, as perdas associadas à
grande concentração de investimentos no mercado americano de hipotecas "subprime" [de
alto risco] provocaram nervosismo no setor bancário em várias economias avançadas,
fazendo aumentar as preocupações com uma crise de crédito".
Segundo o "Wall Street Journal", que cita uma fonte do FMI, por conta dessas
turbulências, a entidade anunciará, na próxima semana, uma revisão para baixo das suas
previsões para a elevação do PIB (Produto Interno Bruto) mundial em 2008: a estimativa
passa de 5,2% para 4,8%. A projeção para os EUA será cortada de 2,8% para 1,9%; a do
Canadá, de 2,8% para 2,3%; a da zona do euro, de 2,5% para 2,1%; E a da China, de
10,5% para 10%. As projeções anteriores haviam sido informadas em julho.
95
América Latina
"Confiança exagerada na capacidade de o atual sistema garantir estabilidade
indefinidamente com certeza não é recomendada", destaca o relatório do FMI. Esse alerta é
endereçado especialmente a países como o Brasil e o México, cujas deficiências estruturais
os impediram de sustentar um crescimento sólido no passado. Eles também já sofreram
bastante com crises fiscais e cambiais, as quais causaram volatilidade por longos períodos.
"A instabilidade das economias em desenvolvimento apresenta tendência de convergir para
a média global. No entanto, vulnerabilidades que não são resolvidas podem fazer as
recessões piorarem, como aconteceu no Brasil, no México e na Coréia", acrescenta o
documento.
Globalização: comércio reduz desigualdades, afirma organismo
Brasil, Nicarágua e Tailândia são apontados pelo FMI, no relatório, como exemplos
de países onde o crescimento das exportações de produtos agrícolas está entre as razões
para a recente diminuição da desigualdade social. Assim, o Fundo sustenta que a
globalização do comércio ajuda mais a reduzir a pobreza do que a financeira. O FMI
destaca que o uso de tecnologia ajuda a diminuir a desigualdade e, assim, a Ásia leva
vantagem sobre a América Latina para melhorar a distribuição de renda.
Box: Para Fundo, política fiscal protege moeda
DE NOVA YORK
O relatório do FMI contribui para o contínuo debate, no Brasil, sobre a forte
apreciação do real ante o dólar, ensinando que a austeridade fiscal é a melhor medida a
tomar a fim de que as cotações não dêem um salto depois que o fluxo de recursos
estrangeiros que entra no país minguar. Analisando esses movimentos em todo o planeta
nas últimas duas décadas, o Fundo conclui também que intervenções como o controle do
trânsito de capitais são inócuas.
"Embora esses fluxos estejam associados à abundante liquidez global e às
condições favoráveis da economia mundial, em muitos casos eles são reflexo de políticas
macroeconômicas fortes e reformas estruturais e criam importante desafio às autoridades
devido ao seu potencial para gerar aquecimento demasiado, perda de competitividade e por
aumentar a vulnerabilidade [dos países] a crises. As nações que se vêem diante de grandes
fluxos precisam escolher entre a apreciação e a inflação", frisa o Fundo.
96
Para minimizar tais conseqüências negativas, os governos precisam manter a
disciplina fiscal, controlando seus gastos, em vez de se permitir maiores dispêndios só
porque a situação está tranqüila. "Além disso, nações que adotaram uma política de
resistência à apreciação cambial quando os recursos começaram a chegar, deveriam
considerar mudar para uma política mais flexível enquanto o fluxo ainda está durando."
Isso aumenta as chances de o PIB nacional não ser punido demais no momento em que a
entrada de capitais diminuir, o que aconteceria se, além de perder uma parcela do dinheiro
que ingressa, a economia local também fosse privada dos fundos públicos. Segundo o
estudo da entidade, episódios de grandes fluxos de capitais são geralmente associados com
aceleração do PIB; no entanto, depois, ele diminui bastante. Outro benefício da prudência é
a manutenção dos preços sob controle, o que leva a taxa de juros inferior e, assim, menos
incentivos para ingresso de recursos.
97
ANEXO F – Folha de São Paulo, 18 de outubro de 2007, página B6
98
FMI alerta para gastos públicos do Brasil
País tem "longo caminho" a percorrer até o "grau de investimento" e, para isso,
precisa reduzir sua dívida, afirma Fundo
Instituição reduz de 4,2% para 4% estimativa de crescimento do país em 2008; neste ano,
PIB só deve ganhar de México e Equador na AL
FERNANDO CANZIAN
ENVIADO ESPECIAL A WASHINGTON
O FMI (Fundo Monetário Internacional) prevê um crescimento de 4,4% para o
Brasil em 2007, abaixo da expectativa do Ministério da Fazenda (4,7%) e aquém das
médias mundial e da América Latina.
Para o Fundo, o Brasil ainda tem "um longo caminho" pela frente em termos de
melhora de sua situação fiscal (das contas públicas) e da redução da relação entre a dívida
pública e o tamanho de seu PIB.
"O Brasil ainda não atingiu o "grau de investimento" [sinal verde aos investidores
dado pelas agências de classificação de riscos]. Mais progressos serão importantes para
chegar a isso", disse Charles Collins, diretor-adjunto para o Hemisfério Ocidental do FMI.
Para 2008, o Fundo espera uma desaceleração no Brasil, com o país crescendo 4%.
Até julho passado, a previsão do FMI era de 4,2%.
Para o Fundo, Brasil e demais países latino-americanos têm como "principal
desafio" no momento encontrar mecanismos para evitar distorções macroeconômicas
provocadas por um fluxo financeiro externo sem precedentes na região.
O FMI destaca ainda que um eventual desaquecimento global além do previsto
poderá levar a diminuição dos preços de commodities (alimentos e produtos básicos) e a
um esfriamento maior em toda a região.
As expectativas e alertas constam no relatório "Panorama da Economia Mundial",
divulgado ontem na reunião conjunta do FMI e do Banco Mundial, em Washington.
Mesmo atravessando o melhor momento econômico desde a década de 60, a
América Latina continua "na lanterna" do mundo, com expectativa de crescimento de 5%
neste ano e 4,3% no próximo. Já a média global seria de 5,2% em 2007 e de 4,8% em
2008.
99
Com só duas exceções (Equador e México), o Brasil terá neste ano a menor taxa de
crescimento da América Latina.
"A região continua no fundo da "liga do crescimento" global. Os governos locais
deveriam aproveitar o momento para avançar em reformas que sustentem crescimento e
produtividade maiores", diz o FMI.
No caso brasileiro, o Fundo destacou a "rigidez" nas regras dos gastos públicos, que
precisariam ser "flexibilizadas" para que o país possa gastar mais com investimentos em
infra-estrutura.
Capital especulativo
O FMI diz acreditar que o Brasil e a região continuarão recebendo grandes volumes
de capital externo especulativo, produtivo e de saldos comerciais positivos. Mas,
especialmente em razão de dólares de investidores que vão em busca de maiores ganhos (e
que correm mais riscos), os países "devem estar preparados para a possibilidade de um
aumento da volatilidade" nos mercados.
Em relação ao Brasil, o FMI destaca que a entrada de dólares e a alta do real vêm
contribuindo para segurar a inflação (já que produtos importados ficam mais baratos), o
que abriu espaço para o BC reduzir os juros, "diminuindo o diferencial em relação a outros
países".
"No Brasil, o fluxo de investimentos externos no primeiro semestre atingiu o dobro
do registrado em igual período do ano passado, levando a uma apreciação do real a um
nível de sete anos atrás, apesar das pesadas intervenções [do BC]."
O FMI destaca que vários países da região adotaram medidas para conter o forte
fluxo cambial, mas que "o impacto tem sido limitado".
Em maio, a Colômbia obrigou investidores estrangeiros a manter o equivalente a
40% de suas aplicações no país em depósitos sem remuneração e por seis meses. A
Argentina adota medida semelhante.
O Fundo diz que o Brasil, ao contrário, "afrouxa limites" para a entrada de capitais
e adota "medidas macroeconômicas" para conter os efeitos colaterais do real forte -como a
alta de tarifa de importação para têxteis e calçados.
Entre os países latino-americanos, os principais problemas, segundo o Fundo, estão
relacionados à Argentina e à Venezuela, onde a inflação vem perdendo o controle e deve se
manter na casa dos dois dígitos no ano que vem: 19% na Venezuela e 12,6% na Argentina.
100
Turbulência leva Fundo a cortar previsão de PIB global de 5,2% para 4,8% em 2008
DO ENVIADO ESPECIAL A WASHINGTON
As recentes turbulências nos mercados internacionais vão tirar quase meio ponto do
PIB (Produto Interno Bruto) mundial em 2008. O FMI manteve em 5,2% a expectativa de
crescimento para 2007, mas reduziu a aposta no PIB global do ano que vem de 5,2% para
4,8%.
As 30 maiores economias do mundo, com só 15,3% da população do planeta, vão
responder por 52% desse crescimento. Outros 143 países emergentes, com o restante de
toda a população do globo, por 48%.
Os EUA continuam sendo a locomotiva do mundo, com uma fatia de 19,7% do PIB
global. Mas a China, com 15,1%, vem elevando sua participação e já ultrapassou a da
União Européia (14,7%). O Brasil dará uma contribuição de apenas 2,6%, idêntica à da
Rússia.
Com o desaquecimento previsto para 2008, vieram também novos riscos de
inflação, principalmente por causa dos preços de alimentos (leia texto abaixo), e
preocupações com possíveis novos focos de crise nos mercados.
Simon Johnson, economista-chefe do FMI, comparou a situação econômica
mundial atual à de uma floresta que há muito tempo não convivia com "focos de incêndio".
"Como uma floresta que não passou por incêndios em muitos anos, o cenário
positivo escondeu uma série de riscos com empréstimos e um relaxamento de critérios.
Quando os problemas começaram no mercado de "subprime" [empréstimos imobiliários de
segunda linha] nos EUA, o "fogo" surpreendeu e apareceu em várias outras áreas", disse.
Johnson afirma que foi o excesso de dinheiro hoje disponível na mão de
investidores dentro de um ambiente benigno quem detonou "focos de incêndio", por
exemplo, nas carteiras de empréstimos de bancos e nos mercados de títulos emitidos por
empresas.
"Esses focos de "fogo" secundários têm sido combatidos pelos bancos centrais, que
vêm tratando de injetar liquidez [dinheiro com juros menores] no mercado. Mas a fumaça
sobre a floresta ainda não foi totalmente dissipada", disse Johnson.
101
Pouco depois, durante entrevista coletiva, Johnson foi questionado quanto ao fato
de que, se os problemas decorrem do excesso de dinheiro disponível entre investidores,
baixar os juros agora não equivaleria a distribuir mais "caixas de fósforo" aos investidores.
"De fato, os BCs têm de ser muito cuidadosos ao fornecer essa liquidez adicional
aos mercados. Não se deve, por exemplo, passar a percepção de que poderá haver riscos
inflacionários [quanto menor o juro, mais crédito barato e consumo]."
Em seu relatório "Panorama da Economia Mundial" divulgado ontem, o FMI prevê
que o Fed (o BC dos EUA) cortará a taxa básica no país em mais 0,5 ponto até o final do
ano. Em meados de setembro, o Fed já havia reduzido a taxa, de 5,25% ao ano para 4,75%.
Desaceleração
O esfriamento da economia global em 2008 será provocado principalmente por um
desaquecimento nos EUA. Entre as grandes e médias, a economia norte-americana sofrerá
a maior redução. Ante uma previsão anterior de crescimento de quase 3% no ano que vem,
o Fundo prevê agora um PIB nos EUA de apenas 1,9%.
Nos últimos 12 meses, segundo o FMI, os problemas no mercado dos EUA já
subtraíram um ponto percentual do PIB do país. (FCZ)
Inflação dos alimentos volta a ser ameaça para países emergentes, diz organismo
DO ENVIADO ESPECIAL A WASHINGTON
Após vários anos sob controle em quase todos os cantos do mundo, a inflação volta
a ser ameaça para os emergentes.
De acordo com o FMI, o forte crescimento global dos últimos anos (o melhor
período em 30 anos) aumentou muito a demanda e os preços dos alimentos. Os impactos
são maiores nos países mais pobres, onde grande parte da renda é gasta na compra de
comida.
Segundo cálculos do Fundo, entre 2000 e 2006, os preços dos alimentos deram uma
contribuição de 26,6% para a inflação mundial. Em 2007, esse percentual já estava em
36,4%. Nos países mais ricos, porém, a mesma contribuição dos alimentos sobre a inflação
passou de 14,2% para 18,4%.
102
Na média dos mercados emergentes, a contribuição dos alimentos sobre os preços
varia de 35% a 40%.
O FMI acredita que essa pressão inflacionária dos alimentos possa começar a
"vazar" para outras áreas, já que começam a existir exigências por aumentos de salários
sem que a produtividade de algumas economias tenha subido.
De acordo com cálculo realizado tomando a economia da Índia como base, o Fundo
afirma que cada 1% de aumento nos preços dos alimentos no país pode acarretar em uma
aceleração de até 0,6% em outros preços não relacionados à alimentação.
Não por acaso, enquanto o FMI mantém em torno de 2% a inflação projetada para
as economias avançadas tanto neste ano quanto no próximo, a previsão para muitos
emergentes, principalmente latino-americanos, é de índices de preços maiores em 2008
ante 2007. Na média da América Latina, a taxa subiria de 5,3% para 5,8%. No Brasil, de
3,6% para 3,9%.
Biocombustíveis
O FMI alerta ainda de que a busca por fontes de energia renováveis, como os
biocombustíveis, tende a agravar o cenário de pressões inflacionárias.
O aumento da produção de álcool a partir do milho nos EUA, por exemplo,
responderá por 60% do crescimento da demanda por esse tipo de grão em 2007. Com
efeitos menores, algo semelhante também vem ocorrendo no mercado da soja.
O Fundo afirma que, embora exista uma corrida na área de biocombustíveis, apenas
o álcool produzido no Brasil a partir da cana-de-açúcar é um produto mais barato de ser
produzido do que a gasolina -custa cerca de 15% menos. (FCZ)
103
ANEXO G – Folha de São Paulo, 03 de abril de 2008, página B6
104
FMI vê maior crise financeira desde 1929
Fundo reduz previsão de crescimento dos EUA em 2008 para 0,5% e diz que chance
de economia global entrar em recessão é de 25%
FMI revisa pela 3ª vez expectativa de expansão global, para 3,7%, pior dado desde 2002,
durante a última recessão nos EUA
SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON
Os EUA passam por sua maior crise financeira desde a Grande Depressão de 1929.
A economia global deve crescer 3,7% em 2008, e a possibilidade de esse crescimento ser
menor do que 3% em 2009 ou mesmo já em 2008 é de 25%, o que levaria o mundo a uma
recessão. Além disso, os EUA devem crescer mero 0,5% em 2008, ou um terço do que era
previsto em janeiro último.
As informações são do Fundo Monetário Internacional e constam de documento
apresentado a autoridades econômicas do Sudeste Asiático numa reunião fechada realizada
ontem na cidade de Da Nang, no Vietnã, segundo as agências de notícias Bloomberg e
Dow Jones, que o obtiveram. À Folha o setor de imprensa do FMI em Washington disse
que não comentaria o vazamento.
Disse ainda que a divulgação oficial do "World Economic Outlook", documento
bianual em que o organismo financeiro multilateral faz projeções para a economia
mundial, estava mantida para ocorrer apenas no dia 9.
Até o final do dia de ontem, no entanto, autoridades financeiras já tratavam do
vazamento como a versão oficial. Em visita à China, o secretário do Tesouro norte-
americano, Henry Paulson, disse que achava que o FMI havia "exagerado" em suas
previsões negativas.
Em entrevista publicada ontem pelo diário francês "Le Figaro", embora sem citar
números, o próprio diretor-gerente do Fundo, Dominique Strauss-Kahn, havia afirmado:
"As previsões que vamos divulgar em alguns dias não são muito boas. Nós vamos revisar
para baixo nossa previsão de janeiro".
A revelação chega no mesmo dia em que, pela primeira vez desde o início da crise
financeira que toma os EUA, o presidente de seu banco central ousa dizer a palavra
105
"recessão" em público. Em resposta a um congressista durante depoimento pela manhã,
Ben Bernanke, do Fed, afirmou que, sim, "a recessão é possível".
"O choque financeiro que teve início com a crise do mercado de hipotecas
"subprime" em agosto de 2007 se espalhou rapidamente e de maneira inesperada até impor
grandes danos nos mercados e instituições no centro do sistema financeiro", afirma o texto
obtido pelas agências. "A expansão global está perdendo ritmo diante do que virou a maior
crise financeira nos EUA desde a Grande Depressão [1929]."
No documento, o crescimento da economia global em 2008 é revisado para baixo
pela terceira vez desde julho do ano passado, quando o FMI previu uma expansão de 5,2%;
com 3,7%, é a pior previsão desde 2002, no auge da última recessão a atingir os EUA. Para
o país, a previsão caiu de 1,5% em janeiro para 0,5%, e, para 2009, há imperceptível salto
de 0,1 ponto percentual, para 0,6%.
As revisões para baixo são generalizadas. Na zona do euro, vão de 1,6% em janeiro
para 1,3%; na Ásia, perdem o Japão, que passa de 1,5% para 1,4%, e a China, com 9,3%,
ante os 10% previstos antes. Entre os emergentes, o documento afirma que a diferença
entre essas economias e as avançadas deve continuar, com o crescimento das últimas
ficando em geral "aquém do esperado".
A previsão bate com relatório divulgado ontem pela agência classificadora de riscos
Fitch, segundo o qual o crescimento global será de 2,6%, o menor em cinco anos.
Entre os países do Bric (Brasil, Rússia, Índia e China), o Brasil ostenta os piores
números. Segundo a Fitch, o país deve ter alta de 4,3% em 2008.
Saiba mais: crise da grande depressão foi a pior da história
A Grande Depressão é considerada o período de maior crise econômica mundial.
As dificuldades começaram nos EUA, quando a Bolsa de Nova York entrou em colapso
em 1929. Outros ramos da economia foram afetados e a produção foi atingida. As
atividades foram se paralisando, empresas faliram, bancos fecharam e o desemprego
alcançou 15 milhões de trabalhadores entre 1929 e 1933. A crise se espalhou, e o comércio
mundial ficou reduzido a um terço. A Grande Depressão fortaleceu políticas de
intervenção do governo na economia, como o New Deal, criado pelo presidente norte-
americano Franklin Roosevelt em 1933.
106
ANEXO H – Folha de São Paulo, 07 de abril de 2008, página A2, editorial
Resfriamento global
O FUNDO Monetário Internacional reduziu suas projeções sobre o desempenho da
economia mundial de 4,1% para 3,7% em 2008. A desaceleração está associada à
contração do crédito, sobretudo nos EUA, em decorrência da crise das hipotecas. O FMI
estimou o crescimento da economia americana em 0,5%, o dos países da área do euro em
1,3%, o do Japão em 1,4% e o da China em 9,3%.
A despeito do desaquecimento, a expansão dos países emergentes, avalia o Fundo,
será menos afetada. A alta nos preços das commodities -75%, descontada a inflação, desde
2000- favoreceu as exportações dos países em desenvolvimento. Os saldos comerciais
permitiram a redução das dívidas externas e a ampliação das reservas internacionais, o que
diminuiu a vulnerabilidade a turbulências globais.
Para o FMI, a alta nos preços de alimentos, minerais e petróleo deverá persistir,
mesmo com a recessão nos EUA. Tal "descolamento" estaria relacionado a vários fatores.
Há problemas de oferta em alguns produtos, baixos estoques em outros e demanda elevada.
Há também volume crescente de aplicações financeiras nos mercados futuros de
commodities.
Os produtos agrícolas e minerais respondem por 50% a 60% das exportações
brasileiras. Em 2007, renderam US$ 75 bilhões. Para este ano, as previsões indicam US$
100 bilhões.
O relatório do FMI endossou análises relativamente otimistas sobre o desempenho
de países como o Brasil em meio à turbulência financeira. É preciso lembrar, contudo, que
não há seguro duradouro para o caso de uma crise profunda nos EUA.
107
ANEXO I – Folha de São Paulo, 10 de abril de 2008, página B3
108
FMI alerta de novo contra alta de juro no país
Fundo vê no Brasil capacidade maior de reagir à desaceleração nos EUA justamente
porque inflação está controlada
Previsão de crescimento do país é elevada para 4,8% em 2008, acima do previsto para
média mundial (3,7%) e da América Latina (4,4%)
FERNANDO CANZIAN
ENVIADO ESPECIAL A WASHINGTON
O FMI (Fundo Monetário Internacional) sugeriu ontem, indiretamente, que o Banco
Central brasileiro tenha cuidado para não exagerar na dose dos juros por medo da inflação
e acabar prejudicando o crescimento econômico do país em 2008.
O Fundo revisou para cima, para 4,8% (0,3 ponto além da previsão de janeiro), a
expectativa de crescimento do Brasil em 2008. Mas, como prevê uma "leve recessão" nos
EUA neste ano, o FMI diz que há "espaço para ação, embora dentro de limites" para
manter economias de países como o Brasil aquecidas em 2008 - já que a recuperação
norte-americana viria ao longo de 2009.
Em seu relatório "Panorama da Economia Mundial", o Fundo afirma que América
Latina e Brasil enfrentam hoje "um vento frio do Norte", referência ao desaquecimento dos
EUA (o país deve crescer apenas 0,5% neste ano).
Diante desse desafio, o Fundo faz a seguinte pergunta: "Como responder ao fato de
as economias da América Latina estarem se fragilizando diante de uma redução na
demanda global?".
E responde: "Até certo ponto, a boa performance recente abriu espaço para ação,
embora dentro de limites. A primeira linha defensiva contra resultados negativos deve ser a
política monetária, particularmente em países como Brasil, Chile, Colômbia e México,
onde o sistema de metas de inflação ganhou credibilidade e tem sido bem-sucedido para
ancorar as expectativas de preços".
Em seguida, o Fundo afirma que o espaço para "reduzir" juros e manter o
crescimento pode acabar comprometido, em alguns países, para "trazer a inflação para os
limites da meta".
O Brasil tem uma meta de inflação de 4,5% para 2008, com intervalo de tolerância
de dois pontos para cima (até 6,5%) ou para baixo (2,5%). Embora nenhuma previsão atual
109
aponte para um estouro além do limite superior da meta, o Banco Central tem sinalizado
um aumento do juro básico do país (hoje em 11,25% ao ano), argumentando que agir agora
para conter a inflação custará menos ao país do que agir mais tarde.
O próprio FMI vê a inflação de 2008 no Brasil em 4,8%.
Um dia antes de sugerir ao país que atue "dentro dos limites" (nesse caso, da meta
de inflação) para se proteger do desaquecimento dos Estados Unidos, o FMI já havia
alertado de que o juro elevado no Brasil vem se tornando o seu principal ponto vulnerável.
Por conta da taxa elevada, o Brasil vem recebendo enxurradas de dinheiro de fora
captado em países onde o juro -e a rentabilidade dos investidores- é menor.
Esses ingressos não só prejudicam os exportadores (ao valorizar o real e encarecer
as exportações) como deixam o Brasil sujeito a forte volatilidade. Numa turbulência, esse
dinheiro pode sair rapidamente, gerando instabilidade.
O relatório do Fundo lembra que "o crescimento brasileiro ganhou forte aceleração
em meio a quedas constantes de juros e aumento do emprego". E que a demanda doméstica
tem sido o principal motor da atual fase de crescimento.
Crescimento
Se confirmado, o 4,8% de crescimento previsto para o Brasil em 2008 ultrapassará
a previsão para a média mundial (3,7%) e para a América Latina (4,4%). Para 2009, a
previsão para o Brasil é de 3,7%.
Apenas Brasil e Rússia tiveram suas previsões de crescimento para este ano
revisadas positivamente. A maioria dos outros países analisados sofreu alterações para
baixo, sendo a maior delas (corte de um ponto) a dos EUA.
Charles Collyns, diretor-adjunto do Departamento de Pesquisas do FMI, explicou
que a revisão para cima no caso do Brasil deu-se graças ao resultado do PIB no quarto
trimestre de 2007, quando a economia "rodava" em torno de 6% em termos anualizados.
"A economia brasileira vai muito bem desde o ano passado. O quarto trimestre foi
melhor do que havíamos antecipado. Isso terá um efeito positivo sobre o resultado de
2008", disse Collyns.
O economista afirmou que, embora o Brasil esteja mais "resistente" para enfrentar
um desaquecimento nos EUA, ele será afetado. "Acreditamos que a economia brasileira se
desacelere em 2008 e 2009, mas isso acorrerá a partir de um patamar mais alto do que em
outros momentos."
110
Emergentes vão puxar crescimento global
DO ENVIADO ESPECIAL A WASHINGTON
A economia global em 2008 será marcada por uma importante inversão de papéis
entre os países desenvolvidos e os emergentes.
No crescimento mundial de 3,7% neste ano, na projeção do FMI (Fundo Monetário
Internacional), haverá uma participação recorde do desempenho de países como China,
Índia, Rússia e mesmo o Brasil em relação ao de EUA, União Européia e Japão.
Na média geral, enquanto os países desenvolvidos devem crescer 1,3% neste ano
(menos da metade do resultado de 2007), os emergentes como um todo devem alcançar a
média de 6,7% (7,9% no ano passado).
Essa diferença entre o crescimento médio dos 141 emergentes monitorados pelo
FMI e dos 31 países desenvolvidos será, em 2008, a maior já registrada nas estatísticas do
relatório "Panorama da Economia Mundial", que remontam a 1990.
As duas maiores zonas econômicas do mundo, os EUA e os países que têm o euro
como moeda, devem crescer apenas 0,5% e 1,4%, respectivamente, em 2008. Já Brasil
(4,8%), China (9,3%), Índia (7,9%) e Rússia (6,8%) deverão se expandir bem mais.
Não fosse esse passo mais intenso entre os emergentes, que ganhou ritmo nos
últimos cinco anos, a desaceleração de EUA e países europeus em 2008 teria
conseqüências negativas muito maiores para a economia global.
Juntas, as economias avançadas ainda respondem pela maior fatia do PIB mundial.
Em 2007, a participação total dos países desenvolvidos no PIB global foi de 56,4% (sendo
de 37,5% o peso exclusivo de EUA e países da zona do euro somados).
Já a participação dos emergentes atingiu 43,6%, com China (10,8%) e Índia (4,6%)
à frente. O peso brasileiro ficou em 2,8%.
Pelas projeções do Fundo, a liderança dos emergentes deve se repetir em 2009, já
que a recuperação da economia norte-americana (que deve atravessar uma "recessão leve"
neste ano) se consolidaria apenas ao final do ano que vem.
Recessão e inflação
Isso, se tudo correr como o previsto, pois o FMI não descarta o risco de a crise nos
mercados contaminar mais profundamente o setor produtivo. O Fundo calcula em 25% a
possibilidade de o mundo como um todo entrar em recessão e crescer abaixo de 3%.
111
Pior: a expectativa é que a inflação continue a subir em várias partes do mundo,
puxada pelos preços das commodities agrícolas e do petróleo.
Epicentro da atual crise, no mercado imobiliário dos EUA, os preços dos imóveis
poderão sofrer uma nova queda de até 10% em 2008 - em 2007 já houve igual redução.
"Nos EUA (com peso de 21,4% no PIB global), por trás do cenário de falta de
confiança no mercado financeiro, esperamos também que o consumo se mantenha bastante
fraco. Isso combinado a uma deterioração no mercado de trabalho, baixo crescimento na
renda disponível, preços de energia em alta e novos apertos nos empréstimos para o setor
imobiliário", afirmou o economista-chefe do FMI, Simon Johnson.
Nesse cenário, apesar de os emergentes puxarem a economia global em 2008, eles
poderão acabar afetados mais profundamente caso a recuperação dos EUA leve mais
tempo.
"Os riscos para a economia mundial pendem hoje para o lado mais negativo,
especialmente se a atual contração no mercado de crédito se transformar em colapso geral.
Os emergentes não estarão fora de perigo diante de sérios problemas nas economias
desenvolvidas", diz o FMI.
Previsões erradas
Há um ano, antes de a atual crise se agravar, o FMI não previa uma "contaminação"
da turbulência financeira da época na economia global. O próprio Simon Johnson usou
uma metáfora canina para ilustrar a situação. "Não creio que o "rabo financeiro" consiga
balançar o "cachorro econômico'"", disse.
Questionado ontem sobre a atual "tremedeira no cachorro", Simon disse: "Creio
que muitos de nós aprenderam bastante, nos últimos meses, sobre cachorros, rabos e suas
correlações. O que apresentamos hoje é a melhor visão que conseguimos ter deste
momento da economia global".
112
Fundo nem sempre acerta nas previsões de expansão do PIB
DA REDAÇÃO
As previsões do FMI (Fundo Monetário Internacional) para o crescimento da
economia nos países em que monitora nem sempre se mostram acertadas.
Em abril do ano passado, durante apresentação do relatório "Panorama da
Economia Mundial", o fundo subestimou o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto)
brasileiro, ao projetar expansão de 4,4%. Em 2007, o que se verificou foi um crescimento
de 5,4%, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Da mesma forma, as previsões do fundo para o crescimento do PIB em países como
Rússia e China ficaram aquém do desempenho real.
Para a Rússia, o FMI estimou crescimento de 6,4%, enquanto para a China o fundo
dava conta de uma expansão da ordem de 10% em 2007. A taxa de crescimento verificada
nos dois países, no entanto, foi de 8,1% e 11,4%, respectivamente.
Por outro lado, o fundo chegou mais perto do acerto em países como o Chile e o
Japão. No primeiro, a estimativa era de um acréscimo de 5,2%, quando o verificado foi
5,1%. Já no caso do Japão, a projeção dava conta de um crescimento de 2,3%, sendo que o
crescimento real foi de 2,1%.
A economia na zona do euro cresceu 2,6% no ano passado, segundo divulgou o
escritório de estatística Eurostat ontem. De acordo com as projeções do FMI, porém, esse
crescimento seria de 2,3%.
113
ANEXO J – Folha de São Paulo, 03 de outubro de 2008, página B6
114
FMI agora vê risco de recessão nos EUA
Fundo vê o "mais perigoso choque nos mercados desenvolvidos desde os anos 30" e
"enorme ameaça ao crescimento global'
Há 2 semanas, diretor do FMI falava que pior da crise já poderia ter passado, mas
instituição agora fala em "tempestade perfeita"
FERNANDO CANZIAN
ENVIADO ESPECIAL A NOVA YORK
O FMI (Fundo Monetário Internacional) vê "chance substancial de forte
desaceleração" nos EUA e não descarta que o país venha a mergulhar em uma recessão.
Para o Fundo, a atual crise tem todos os ingredientes para levar a uma fase prolongada de
crescimento muito baixo ou negativo.
"O comportamento dos preços dos ativos, do crédito e dos empréstimos
imobiliários nos EUA ao longo desse período de estresse no mercado é muito similar ao de
outros momentos seguidos por recessões", afirmou o FMI no relatório Panorama da
Economia Mundial.
Para o economista-chefe-adjunto do Fundo, Charles Collyns, "está claro que
estamos diante do mais perigoso choque nos mercados desenvolvidos desde os anos 1930,
o que representa enorme ameaça para o crescimento global".
"Não consigo pensar em um exemplo de país que tenha sofrido um golpe tão
grande em seus sistema financeiro e que não tenha sofrido fortes conseqüências
econômicas. Quando os bancos sofrem um estrago como o atual, aumentam
consideravelmente as chances de uma contração severa e prolongada", disse Collyns.
O documento é o mais pessimista do FMI sobre a crise e representa uma forte
mudança de opinião da instituição.
Em 17 de setembro, o diretor-gerente do Fundo, Dominique Strauss-Kahn, afirmou:
"Podemos estar perto do fim da crise financeira". Em julho, o mesmo FMI divulgou
relatório prevendo uma "contração moderada" na segunda metade de 2008 e "recuperação"
em 2009.
No trabalho de ontem, o FMI analisou 113 períodos de crises em 17 economias
desenvolvidas nos últimos 30 anos. A maioria levou ou a recessão ou forte
desaquecimento.
115
No caso das recessões, elas ocorreram, em média, após três trimestres de crise
financeira (a atual já dura mais de um ano) e se prolongaram por sete trimestres, subtraindo
14% do PIB ao longo do período.
O Fundo destaca ainda que recessões ou desaquecimentos precedidos por crises
bancárias (como a atual) tendem a se prolongar por duas a quatro vezes mais tempo e
retirar de duas a três vezes mais pontos do PIB do que fases onde não há sérios problemas
financeiros.
Em 29 recessões analisadas, 17 foram precedidas de problemas nos bancos.
"Baseado nessas análises, a crise financeira atual aparece como uma das mais intensas", diz
o relatório.
Para se chegar a uma recessão, diz o Fundo, o encadeamento dos fatos da crise
atual é quase uma "tempestade perfeita": o risco é maior quando as turbulências são
precedidas de forte aumento nos preços das residências e no crédito.
Quando o ciclo chega ao fim, os bancos emprestaram demais e têm garantias de
menos. Muitos acabam quebrando, como vem acontecendo. Entre os sobreviventes, há
pouca disponibilidade de dinheiro para continuar financiando a economia -algo que
também já vem ocorrendo com força nos EUA.
Segundo o FMI, a severidade de uma recessão depende muito de quanto os preços
das residências e o volume de crédito cresceram antes da crise financeira. No caso atual, os
americanos têm um endividamento recorde de US$ 14,5 trilhões, e os preços dos imóveis
(agora em queda livre) atingiram patamares sem precedentes.
Ainda assim, o Fundo crê que uma recessão ainda possa ser mitigada pelo fato de
os balanços das empresas não financeiras terem apresentado bons resultados antes da crise
e graças à política de corte de juros (hoje negativos) nos EUA. O FMI pondera também
que o endividamento dos europeus hoje é bem menor do que nos EUA, o que poderá
compensar um pouco, do ponto de vista global, o desaquecimento americano.
116
ANEXO K – Folha de São Paulo, 03 de outubro de 2008, página B7
117
Commodities seguirão em alta, diz Fundo
Trajetória ascendente se deve ao crescimento das economias emergentes e à falta de
maior capacidade de oferta dos produtos
Com melhora nas condições de vida da população, Brasil, China e Índia usarão mais
manufaturas e alimentos, prevê relatório do Fundo
DO ENVIADO A NOVA YORK
Mesmo cogitando uma recessão nos Estados Unidos, com impactos sobre toda a
economia global, o FMI (Fundo Monetário Internacional) prevê que os preços das
commodities agrícolas e minerais não devem cair no médio prazo. Ao contrário.
Segundo o Fundo, os preços devem continuar sua trajetória de alta por dois motivos
principais: crescimento das economias emergentes acima da média mundial e falta de
maior capacidade de oferta desses produtos nos próximos anos.
Em relatório divulgado ontem, o Fundo prevê a manutenção, em economias como
China, Índia e Brasil, de melhora nas condições de vida da população. Isso precisará ser
atendido com mais produtos manufaturados e mais alimentos.
O outro lado da moeda é que as commodities no atual patamar e com tendência de
elevação vão continuar pressionado os índices de inflação nos países emergentes. Nas
economias mais maduras, o peso do custo da alimentação, principalmente, é bem menor do
que nas em desenvolvimento.
Para o Brasil, que é grande produtor de alimentos e exportador de commodities, as
previsões do Fundo são uma boa notícia, apesar do impacto relativo que os preços desses
produtos podem ter sobre a inflação.
O impacto dos preços dos alimentos, no entanto, é muito maior entre os países com
renda mais baixa, especialmente os africanos e alguns asiáticos.
O FMI destaca ainda que os alimentos continuarão pressionados pela busca, nos
biocombustíveis, de alternativas ao petróleo.
"Apesar de algum retrocesso nas últimas semanas, os preços das commodities
devem continuar em patamares elevados em relação aos níveis históricos. Por isso, os
riscos inflacionários persistem, especialmente pelo fato de muitos desses preços (das
118
commodities) ainda não terem sido inteiramente repassados às cadeias produtivas", diz o
relatório do Fundo.
Petróleo e metais
O FMI afirma que os níveis de produção e investimento de empresas nas áreas de
petróleo e de commodities metálicas não têm sido compatíveis com o aumento da
demanda, especialmente nos grandes emergentes, apesar da expectativa de desaquecimento
da economia mundial.
Para o FMI, a maturação de investimentos nessas áreas demanda tempo para que a
produção adicional chegue ao mercado. "Além disso, os estoques desses produtos e a
capacidade ociosa dos grandes produtores estão em níveis considerados baixos em relação
ao tamanho da demanda atual." (FCZ)
119
ANEXO L – Folha de São Paulo, 09 de outubro de 2008, página B6
120
Crise derruba expansão mundial, diz FMI
Em cenário mais otimista de relatório, Fundo fala em queda de desempenho; previsão
mais pessimista é de "grande depressão"
Órgão espera que mundo cresça 3,9% em 2008 e 3% em 2009, puxado sobretudo por
emergentes, e que PIB do Brasil suba 5,2% no ano
DO ENVIADO ESPECIAL A WASHINGTON
Crescimento próximo a zero ou negativo até meados de 2009 nas economias
avançadas. Recuperação lenta e gradual a partir de então.
Para os emergentes, um desempenho "substancialmente menor" daqui em diante.
Menos exportações e pressão sobre as reservas cambiais.
Esses são os cenários mais otimistas traçados ontem pelo FMI (Fundo Monetário
Internacional) no lançamento do relatório "Panorama da Economia Mundial", em
Washington. O mais pessimista, e de pouca probabilidade, seria uma "grande depressão".
O FMI revisou para baixo em 0,2 ponto percentual o crescimento mundial previsto
para este ano e em quase 1 ponto o de 2009. O Fundo espera que o planeta cresça 3,9% em
2008 e 3% no próximo - puxado especialmente pelos emergentes.
Entre as economias avançadas, a previsão para os dois anos, respectivamente, é de
crescimento médio de 1,5% e 0,5%. Entre os emergentes, de 6,9% e 6,1%.
No caso do Brasil, o Fundo projeta um PIB (Produto Interno Bruto) 5,2% maior
neste ano e 3,5% no ano que vem.
No melhor cenário, os EUA, maior economia do mundo e epicentro da atual crise
financeira que já se alastra para economia real, devem crescer 1,6% neste ano e 0,1% em
2009.
"As coisas podem ficar bem piores do que as nossas projeções? Infelizmente, a
resposta é sim", disse o economista-chefe do Fundo, Olivier Blanchard.
"Se os países não implementarem rapidamente respostas coerentes para a crise
financeira, o impacto sobre o crescimento será muito maior que o projetado. Mesmo que
ocorra a implementação, há grande risco de o declínio da atividade voltar a contaminar o
121
mercado financeiro", disse. Blanchard afirmou que a crise se agravou pela falta de
coordenação e adoção de medidas "improvisadas" pelos governos centrais.
Só ontem é que grande parte dos países afetados pela crise anunciou medidas
conjuntas para tentar conter o terremoto financeiro dos últimos dias.
"Creio que o sentido de urgência foi colocado com bastante clareza pelos mercados.
Basicamente, os governos foram forçados a adotar planos para o curto prazo." E emendou:
"Os países devem estar preparados para usar fundos públicos para apoiar a estabilização do
sistema financeiro".
Questionado sobre qual seria a chance, de 0 a 10, de a situação fugir ao controle e o
mundo mergulhar em uma "grande depressão", Blanchard disse: "Muito baixa. Se as
medidas forem postas em prática, o risco é extremamente pequeno".
O FMI considera que os governos centrais, ainda que de forma inicial, estão agora
finalmente colocando em prática as únicas três ações estruturais possíveis até aqui. São
elas: fornecer liquidez (dinheiro) ao mercado via bancos centrais; comprar os chamados
ativos "tóxicos" dos bancos em dificuldades; e recapitalizar as instituições afetadas, seja
por compra de participações pelo Estado em bancos ou coordenando fusões entre eles.
Além de jogar essas três "bóias" para o sistema financeiro, o fato de os bancos
centrais terem baixado as taxas básicas de juro ontem funcionaria como ajuda adicional a
quem não puder ser socorrido diretamente por essa trinca de medidas.
No caso da União Européia, o FMI avalia que novas rodadas de corte nos juros
serão necessários. O BCE (Banco Central Europeu) cortou o juro em 0,5 ponto, de 4,25%
ao ano para 3,75%. Mas a taxa segue muito acima da do Fed (banco central dos EUA), que
reduziu a sua de 2% ao ano para 1,5%.
A única boa notícia apresentada pelo FMI (mas que deriva do desaquecimento
global) é que as pressões inflacionárias diminuíram em todo o mundo.
(FERNANDO CANZIAN)
122
Previsão de PIB do Brasil cai, mas ultrapassa média da AL
DO ENVIADO A WASHINGTON
Se confirmadas, as previsões do FMI para o crescimento da economia brasileira
colocarão o país à frente da média dos países latino-americanos pela primeira vez em
vários anos.
O Fundo projeta um crescimento de 5,2% do PIB neste ano e de 3,5% em 2009. Em
relação à previsão feita em abril, houve corte de 0,5 ponto para o ano que vem. Para a
América Latina, a média prevista de crescimento é de 4,6% em 2008 e 3,2% em 2009. As
reduções decorrem da crise financeira.
O FMI afirma que os emergentes devem sofrer com a queda nas exportações
(derivada de uma demanda mundial menor por commodities e manufaturados) e, mais
importante, com pressões para usar reservas para defender suas moedas.
Ontem, pela primeira vez em mais de cinco anos, o Banco Central brasileiro
realizou um leilão de venda de reservas para tentar trazer o dólar para baixo do pico do dia,
de R$ 2,48.
Charles Collyns, economista-chefe-adjunto e especialista em Brasil no FMI,
afirmou que a pressão sobre o dólar deriva do "aperto do mercado internacional de
crédito".
"Eu creio que isso explica o motivo de a taxa de câmbio no Brasil estar tão
pressionada. O Brasil também é um grande exportador de commodities, e está sofrendo
queda na receita (em dólares) por esse lado."
Pela primeira vez em vários anos, o Brasil passou a ter em 2008 déficit em dólares
nas suas transações com o resto do mundo e necessita do equivalente a cerca de 1,5% do
seu PIB em recursos de fora para se financiar. Com o aperto internacional, a expectativa de
alguns analistas é que o financiamento fique cada vez mais difícil, daí a tendência de alta
da cotação da moeda americana.
Collyns afirmou também que a pressão cambial poderá ter impactos iniciais sobre a
inflação – já que produtos importados ficarão mais caros.
A contrapartida a esse cenário, disse, é que a atividade econômica tende a se
desacelerar. O país precisará importar menos, e o consumo poderá ser atendido por uma
folga maior nos limites de produção das empresas locais.
123
Para Collyns, se esse cenário prevalecer e o dólar refluir, o Brasil terá condições até
de baixar os juros para estimular sua economia.
Sem citar especificamente o Brasil, mas falando dos emergentes em geral, o
economista do FMI Jörg Decressin disse que em certos momentos os países serão
obrigados a usar suas reservas para conter a valorização do dólar.
"Um grande número de emergentes acumulou enormes quantidades de reservas, e
fizeram isso com o propósito de afastar choques vindos dos mercados nos tempos difíceis.
E é exatamente isso (usar as reservas) que esses países devem fazer quando for
necessário", afirmou Decressin.
Entre os grandes emergentes, a China seguirá como o mais ativo, com crescimento
previsto de 9,7% neste ano e de 9,3% no próximo -contra 11,9% em 2007. (FCZ)
124
ANEXO M – Folha de São Paulo, 23 de abril de 2009, página B3
125
PIB do Brasil cairá 1,3% neste ano, prevê FMI
Para o Fundo, país será afetado por freada global e pela queda no preço das
commodities; mundo também deve ter recessão de 1,3%
Se confirmada a previsão, economia brasileira deverá ter a 1ª contração desde 92;
recuperação é esperada apenas para o próximo ano
FERNANDO CANZIAN
ENVIADO ESPECIAL A WASHINGTON
O FMI (Fundo Monetário Internacional) previu ontem que o Brasil encerrará 2009
com uma contração de 1,3% em sua economia. O Fundo justificou a projeção afirmando
que o país sofrerá mais neste ano os impactos da desaceleração global, principalmente por
conta da queda nos preços das commodities que exporta.
Para o Fundo, a economia brasileira só se recuperará em 2010, ano em que será
eleito o sucessor do presidente Lula, quando o país poderá crescer 2,2%. No ano passado, o
Brasil cresceu 5,1%. Em 2007, 5,7%.
A última vez em que a economia brasileira encolheu foi em 1992, quando o PIB
caiu 0,5%. Em 1990, porém, houve retração ainda maior que a prevista pelo FMI, de 4,3%.
Ela foi gerada pelos efeitos do chamado Plano Collor, choque econômico que incluiu o
congelamento dos depósitos na poupança.
"Vemos alguns sinais de recuperação [no Brasil] no primeiro trimestre do ano, em
parte porque o governo está utilizando estímulos fiscais e sendo agressivo na redução dos
juros. Isso é positivo e deve amenizar os choques externos. Mas nossa visão global é que o
Brasil será afetado. Não porque esteja particularmente fraco, mas porque é um participante
importante da economia mundial", afirmou Charles Collins, diretor-adjunto do
Departamento de Pesquisas do FMI.
O Fundo vê a economia mundial se contraindo 1,3% neste ano, quase dois pontos
percentuais a mais do que previsão feita em janeiro. Já o corte na projeção anterior para o
Brasil foi de 3,1 pontos percentuais.
Em relatório divulgado ontem, o FMI justifica a contração em vários países
produtores de commodities com uma expectativa de queda nos preços desses produtos de
126
46,4% neste ano - e de uma contração no comércio mundial de 11% (a maior no pós-
Segunda Guerra).
"Além disso, a forte queda na atividade econômica nos países avançados,
especialmente nos EUA, o maior parceiro comercial da América Latina, está deprimindo a
demanda externa e diminuindo as receitas com exportações, turismo e remessas [de
dólares]", diz o relatório.
Na média, entre os nove países da América do Sul (e México) monitorados pelo
FMI, a contração prevista é de 1,6%.
A boa notícia para o Brasil é que o Fundo afirma que o mercado financeiro tem
feito uma "diferenciação" entre os tomadores de empréstimos.
"O custo financeiro aumentou substancialmente para alguns países [como
Argentina, Venezuela e Equador], mas se mantém relativamente baixo para outros mais
bem posicionados, como Brasil, Chile, Colômbia e México", diz o FMI.
Desemprego no mundo deve continuar crescendo até o final do próximo ano
DO ENVIADO A WASHINGTON
O FMI prevê que a economia mundial tem chances de voltar a se recuperar
lentamente a partir de 2010, mas que o desemprego continuará crescendo durante todo o
ano que vem, só se estabilizando pouco antes do início de 2011.
Para o economista-chefe do Fundo, o francês Olivier Blanchard, a taxa de
desemprego nos EUA, maior economia do mundo e centro da atual crise, deverá atingir
10% antes de começar a cair novamente.
Hoje, o desemprego nos EUA está em 8,5% -são 13,2 milhões de desempregados
em uma População Economicamente Ativa de 155 milhões. Se a projeção de Blanchard
estiver correta, haverá mais 2,3 milhões de demitidos até o final do ano. Em março, as
demissões nos EUA somaram 663 mil.
"As evidências históricas indicam que a recuperação desta vez será mais lenta do
que o normal, o que levará a um decréscimo também lento no desemprego ao longo do
tempo", afirmou Blanchard.
127
Segundo as projeções do Fundo, a economia mundial deverá encolher 1,3% neste
ano (a primeira retração desde a Segunda Guerra Mundial) e crescer 1,9% em 2010. Como
comparação, o mundo cresceu 3,2% e 5,2%, respectivamente, em 2008 e 2007.
O chamado G3 (EUA, com contração de 2,8%; zona do euro, -4,2%; e Japão, -
6,2%) puxará o mundo para baixo, enquanto China (6,5%) e Índia (4,5%) darão alguma
sustentação. No ano que vem, prevê o Fundo, o G3 pode ter um desempenho entre zero e
0,5%, mas outras economias devem se acelerar um pouco mais.
Blanchard estima que no primeiro trimestre de 2009 a economia mundial tenha se
desacelerado 6%, repetindo a queda "sem precedentes" do último trimestre do ano passado,
quando a crise mundial estourou com toda a sua força.
As projeções do FMI indicam que apenas os EUA sofrerão deflação neste ano e no
próximo, de -0,9% e -0,1%. Mas a subida de preços nas economias avançadas deve se
manter pouco acima de zero em 2009 e 2010.
A deflação traz riscos enormes, pois desincentiva tanto a produção quanto o
consumo - empresas e consumidores ficam na espera de que os preços caiam ainda mais
antes de investir ou comprar um bem.
Na entrevista ontem na sede do FMI, Blanchard foi extremamente cuidadoso com
suas palavras iniciais e respostas posteriores, sublinhando sempre que a maioria dos países
tem adotado as "políticas corretas" para enfrentar a crise.
"O mundo está sendo puxado por duas forças opostas, para baixo e para cima. Hoje,
a primeira é dominante. Com o tempo, e com as politicas corretas, ela perderá sua força."
Mais à frente, acrescentou: "O setor bancário está ainda em meio a um processo de
acomodação, apertando exigências para a concessão de financiamentos. Quanto mais isso
durar, mais longa e profunda será a recessão. E, quanto mais longa a recessão, pior ficará a
saúde do sistema bancário. Juntas, essas duas dinâmicas criam o risco de um círculo
vicioso, que pode levar a um resultado muito pior em comparação ao que estamos
prevendo". (FCZ)
128
ANEXO N – Folha de São Paulo, 23 de setembro de 2009, página B6
129
Recuperação industrial no mundo deve levar anos, prevê FMI
FERNANDO CANZIAN
DE NOVA YORK
O FMI (Fundo Monetário Internacional) previu ontem que a produção industrial
global demandará um longo tempo para recuperar os níveis anteriores ao estouro da atual
crise, em setembro de 2008.
Em seu novo relatório, "Panorama da Economia Global", o Fundo analisou 88
crises bancárias em dezenas de países nos últimos 40 anos.
Na média, o setor produtivo encolheu em 10% a produção por um período de sete
anos (também em média) após o início dos problemas financeiros.
A queda ocorre principalmente porque as crises bancários afetam diretamente a
capacidade de as empresas obterem financiamentos para investir e produzir.
Entre os maiores afetados estão os trabalhadores, pois o desemprego pode se
manter elevado por um período até superior aos sete anos.
A análise das crises passadas revelou que embora a produção industrial fique 10%
aquém dos níveis pré-crise, o crescimento econômico geral das economias retorna mais
rapidamente. Isso significa que menos pessoas serão beneficiadas pelo crescimento do PIB.
Segundo o economista-chefe do FMI, Olivier Blanchard, as crises bancárias têm
efeitos bem mais severos do que recessões comuns, já que afetam os investimentos e o
consumo.
"Em ciclos normais de recessão, a recuperação ocorre bem mais rapidamente e sem
grandes perdas no potencial de produção das empresas", disse.
'A atual crise não é somente global (diferentemente da maioria das analisadas pelo
FMI) como é a maior envolvendo o sistema financeiro, principalmente o norte-americano,
desde a década de 1930.
Segundo Petya Brooks, economista do fundo, a atual crise bancária (que levou o
mundo a uma recessão) não fará necessariamente estragos muito maiores do que as
anteriores.
"Quando há estímulos fiscais poderosos, como os que estamos vendo, é possível
evitar uma perda maior nos níveis de produção", disse. Mas seu prognóstico para os níveis
de emprego é que demandarão "muito tempo" para se recuperar.
130
Em outro capítulo do mesmo relatório, o FMI também tentou determinar se havia
sinais suficientemente fortes antes da crise para que as autoridades de vários países
pudessem ter tomados medidas preventivas.
Para isso, foram examinados vários ciclos de "boom" (rápido crescimento) e
"busts" (estouros) nos preços de dezenas de ativos, como ações, imóveis e outros papéis do
mercado.
A conclusão do fundo é que o fato de vários países (especialmente os EUA) terem
mantido os juros em patamares baixos por um longo período não foi o principal motivo da
crise.
Mas esse fato está relacionado ao que o FMI considera o essencial: uma forte
expansão nos níveis de crédito por um período entre dois e três anos antes da explosão nos
preços dos ativos. Quando há dinheiro farto e barato no mercado, a tendência é mais
investidores procurarem um número limitados de opções de investimento, jogando os
preços para cima.
Para Blanchard, a discussão em torno do aumento do poder de supervisão dos BCs
em detrimento de outras agências reguladoras é pertinente. Segundo ele, um banco central
com mais poderes poderia, por exemplo, manter juros baixos, mas usar outros mecanismos
para limitar a oferta de crédito no mercado imobiliário.
Daqui a alguns dias o FMI também divulgará em sua reunião anual, em Istambul,
na Turquia, previsões de crescimento para 2009 e para 2010.
131
ANEXO O – Folha de São Paulo, 01 de outubro de 2009, página B4
132
FMI teme agora nova onda recessiva
Em relatório, Fundo alerta para o risco de ciclo econômico em forma de W, com uma
queda inicial, recuperação e nova queda à frente
Segundo o FMI, a economia global sofrerá uma retração de 1,1% em 2009; todos os
países desenvolvidos devem fechar ano no vermelho
FERNANDO CANZIAN
ENVIADO ESPECIAL A ISTAMBUL
O FMI (Fundo Monetário Internacional) alertou ontem para o risco de a economia
global mergulhar novamente em uma recessão, levando o atual ciclo a assumir a forma de
W - queda inicial, recuperação neste segundo semestre e nova queda mais à frente.
Em seu relatório "Panorama da Economia Global", o Fundo diz ainda que a atual
recuperação será atípica, com desemprego elevado e baixos níveis de investimentos e
consumo.
Para o economista-chefe do FMI, Olivier Blanchard, o ciclo de reposição de
estoques que vem puxando a atividade em vários países está chegando ao fim. E os
consumidores, diz, estão "traumatizados" pela crise.
Segundo o FMI, a tendência é que as famílias aumentem seus níveis de poupança
daqui em diante e que as empresas não invistam mais, pois já operam neste momento com
grande capacidade ociosa.
"É preciso que a recuperação comece a se mover no sentido de um aumento do
consumo e do investimento privado. E não está claro se isso se dará com força suficiente."
"O risco é a demanda privada não decolar, os gastos públicos começarem a diminuir e
termos uma recessão com duas quedas seguidas."
O economista-chefe do Fundo afirma que "a boa notícia" é que é possível dizer que
o mundo já deixou a recessão para trás. Mas que só é garantido prever o que ocorrerá
"apenas nos seis meses à frente. Depois disso, não sabemos".
No relatório apresentado ontem, o FMI estima que a economia global sofra uma
retração de 1,1% em 2009. No cenário otimista (que descarta a recessão em forma de W), o
mundo cresceria 3,1% em 2010 puxado pelos países emergentes.
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Neste ano, todas as economias avançadas devem fechar no vermelho, algumas com
quedas superiores a 4% (Alemanha, Itália, Japão e Reino Unido). No ano que vem, a
maioria também cresceria a taxas muito próximas de zero.
Já os emergentes cresceriam, segundo o Fundo, 1,7% em 2009 e 5,1% em 2010.
Entre eles, a China liderará o bloco, com um crescimento estimado de 8,5% neste ano e de
9% em 2010. Já o Brasil, segundo o Fundo, encolheria 0,7% neste ano e cresceria 2,5% no
ano que vem.
Apesar da previsão de recuperação no melhor cenário, o Fundo projeta que os
níveis de desemprego em vários países continuarão a subir até o final de 2010.
"Diante de uma demanda e receitas em baixa, grande capacidade ociosa e aperto no
crédito, as empresas do setor não-financeiro continuarão demitindo. Um aumento da
utilização da capacidade instalada e de investimentos que poderiam lastrear a volta do
emprego parecem muito distante", diz o relatório do Fundo.
O Fundo diz que os governos e bancos centrais devem "estar preparados" para, se
necessário, voltarem a gastar mais dinheiro público para sustentar uma recuperação da qual
o setor privado pode não dar conta.
Brasil deverá puxar crescimento regional
DO ENVIADO A ISTAMBUL
O FMI revisou para cima as expectativas de crescimento para o Brasil em 2009 e
2010.
Mesmo prevendo que a economia brasileira encolha 0,7% neste ano (o Ministério
da Fazenda aposta em crescimento de 1%), o Fundo diz que o Brasil é quem puxará para
cima a média da América Latina, que deve encolher 2,5% em 2009. Para 2010, o FMI vê
PIB de 3,5% no Brasil, abaixo da expectativa do mercado, de 4,5%. A Fazenda já vê 5%.
"Para a região, há indicações de que a recuperação voltou e deverá atingir velocidade
moderada no segundo semestre, com o Brasil à frente", diz o "Panorama da Economia
Global" do FMI.
Na América Latina, os dois países que devem sofrer mais os impactos da crise neste
ano são Argentina (queda de 2,5% no PIB) e Venezuela (-2%).
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"O Brasil deve liderar na região em parte por causa de seu grande mercado
doméstico e por ter um mercado exportador diversificado tanto em termos de produtos
quanto de destinos, especialmente no que diz respeito à Ásia", diz o FMI.
A Ásia continuará liderando o mundo como região mais dinâmica neste ano e 2010.
A China deve crescer 8,5% neste ano e a Índia, 5,4%.
Commodities
O relatório do Fundo afirma que boa parte da recuperação neste segundo semestre e
provavelmente no próximo ano na América Latina estará apoiada no aumento dos preços
das commodities que exportam.
O FMI considera, porém, que dificilmente os preços dos produtos básicos devem
aumentar mais no curto ou médio prazos.
A explicação para a atual recuperação, segundo Fundo, é que a queda em 2008 teria
sido muito acentuada, o que levou à formação de estoques pelos consumidores. (FCZ)